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AS VICTORIAS.

DOS

PORTUGUEZES
Elll DEFEZA

lJA

J/,t+l·l,BERICO
Cl'.•r, POR

D. M GUEL.SOTTO-MAYOR

PORTO:
'l'YP, DA LIVRARIA NACIONAL, .DE n. H, DE rir. & 0,0 ·
lmp. do Sem. Dioc, e de Sua E~c.• Rcv.'"ª

18GB
AO LEITOR

• Vereis amor da patria, não mo1·ido


De premio vil, mas alto e quasi eterno,•
C.\MÕ.&S: •LusiadõlS• 1. 10.

O presente )ivro não é um carte) de .desafio


arrojado por nós á face de nenhuma nação do
mundo. ·
Não é, especialmente, uma provocação á nos-
sa visinha Hespanha, contra quem mais vezes
t~mos pleiteado a questão da nossa independen-
cia, mas com a qual, aliás, desejaramos viver
sempr_e nas melhores relações de boa visinhanç.a
e parentesco.
Zelosos da autonomia e liberdade d'esta nossa
terra, temos ao mesmo tempo a precisa digni~a~
~e para não rebaixarmos esses nobres e patno-
ticos sentimentos ás indecorosas proporções de
uma quixotada· ridícula.
1
6

Mas faliam-nos de lá tantas vezes em annexa-


ções, em absorpções, até em possi'bilidade de uma
conquista, que apesar de n~s consid~rarmos um
dos mais humildes entre os filhos de Portugal,
não nos soffra o ànin10: que não digamos lam-
bem duas palavras sobre a tão debatida questão
iberica.
Encaramos esta -questão por urna das suas
laces.
Tem-se ahi perguntado: •Seremos nós capa-
zes de conservar a independencia, que nossos
ipaes nos legaram? Nós, nação pequena, pobre
e attenuada por _mil co~tratempos, poderemos
-acaso defender ainda hoJe esse thesouro, essa
herança preciosa, contra quem quer que preten-
,da privar-nos d'ella? •. .
E' a pergunta dos t1m1dos, a que o mundo em
sua linguagem sempre trocada chama pruden-
tes.·
Res,pondemos-Ihes com o nbsso pequeno livro.
Abrimos-lhes as paginas, onde estão os feitos
d'Aljuharroia, de Montijo, do Ameixial e do Bus-
saco; recordamos-lhes as eras de· 1383 de 1640
de i 762, de 1808, e ensinamos-lhe~ á luz d~
historia, que não póde, que não deve mesmo pa-
recer-nos impossível, a nós, o que não foi, nem
o pareceu aos nossos antepassados.

· A todos os que descrerem patria e da li-
lJerdade; a todos os que trepidarem diante da
7

ideia de urna aggrnssão apoiada em milhares de


bayonelas; a todos, emfim, os que carecere_m de
retemperar os brios nos nQ.bres exemplos de de-
dicação patriotica, pedimos nós, que leiam o li-
vro das Victorias dos Portuguezes.
E' mais um protesto, sobre tantos outros, con-
tra a fusão iberica. O est.ylo, a fórma sab~ll')OS
nós que pouco valem; mas o asstimpto faz deste
livro, entre aquelles protestos, o mais eloquente.
E' um escripto para o povo port.uguez. Temos
por certo que o povo-, a quem o offerecemos, ha-
de apreciai-o e comprehendel-o.
1. • de llczcmbro, tlc llW-1.
INTRODUCÇÃ.Ó

Como? Da gente illustre portuçueza


Hade haver quem reíuse o patr10 Marte?
Como? D'esta provincia. que prioceza
Foi das gentes na guerra eru toda a parte,
Hade sair quem negue ter dereza? · ,
Quem negue a íé, o amor, o esrorçl! e arte
De portuguez, e por nenhum resee1to
O·proprio reino qoefra· vêr subje1to?
c:..1101s: •Lusiàdàs,> 1v: 15.

O laborioso ediffcio da nacionalidade portu-


gueza não foi obra de um só dia, nem de um
unico homem. Tres individuos, durante mais de
quarenta annos, trabalharam afincadamente n'el-
le. Lançou-lhe· as bases ,o conde D. Henrique,
p:-oseguio-o com constancia varonil sua esposa,
a rainha D. Thereza, e consolidou-o, e poz-lhe
o ultimo remate a valente espada e a destreza
politica de Affonso 1. ·
A monarchia neo-gotbica, fu~dada por Pe]ayo
entre as montanhas das Astunas, ao passo que
fôra fazendo recuar as fronteiras da conquista
10

araLe, fô~a-se tambem-fraccionando em diverso:::


estados independentes. Era a consequencia, não
só do ~sp\ri~o_ d,ª- epoc~a, mas tambem d/;1s ne-
cessidáªes· de _unia g~erra · pet'.manente, que en-
tregavam nas mãos dos chefes dos diversos dis-
trictos todos os poderes da soberania, determi-
nando-os por isso mui facilmente a tomar para
si o titulo da realeza, cujas funcções já exel'ciam
de facto. Estas tendencias para a desmembração
fizeram-se lambem sentir em Portugal logo que
o terrilorio situado entre os rios Tejo-e Minho
foi. clàdo ao bçfrgonhez Henrique por seu sogro
Affonso VI,: para que com o titulo de conde o
gove~nasse sob a dependencia do rei de Leão o
Castella. · Henrique, apenas recebido o governo
do condado portqgal~nse, seguindo o exemplo
tão commum na Peninsula, concebeu o projecto
de· coqve'rtér; esse· ·districto il'um estado indepen-
t~ Pª!~ si:e seus ~ucces~?~~s, .º' a~rovéitando, ·para
o reabsar,:todos os enseJos;:que1se lhe offei;eciam
corir u·m tino político,: de :certo pouco vul(Ta;
n'aqúelles tempos; influiu~nos animos dos portu-
guezes disposições· tão favoraveis · que em breve
e11és .'se identificaram completamente com o seu
condeo·no, des~jo ardente de criarem uma patria
livr~: _E comquánto a_ emp~esa não fosse facil
consrde!lando ria, desproporçao de forças que se
da~a · ent~~''.'O .pequéno districto. de_ Portugal ê a
vàsta imonar'chia· leoneza, nem por: isso Heririquo .
11

deixon <le trabalhar incançavelmcnt.e n'clla até á


sua morte. Se não conseguiu realisal-a, ·os seus
tentames deram todavia o importante resultado
de imprimir nos habitantes do novo condado por.,
tugalcnse esse caracter de unidade moral, que se
póde olhar como o primeil'O passo para a sua
desejada independencia. . . ·
Ao conde Henrique succedeu sua mulher D.
Thereza, não só no governo, mas tambem no
pensamento de desmembrar Portugal do reino de
Leão e Castella. Em quanto que os seus domi-
nios crnsciam em extensão por meio da conquis-
ta, e gosavam d' aquelJa riqueza e força, que dá
a união, as luctas civis, que· despedaçavam a mo~
narchia leoneia, eram habilmente· ~proyeitadas
pela.activa ~ondessa ·p3:ra se ir stibtrahindo pou:..
co a pouco a supremacia de uma corôa, que os .
portugoezes já começavam a olhar como estran-
geira. Mais de uma vez. se recusou a viuva do
conde Henrique, com as armas na mão, a reco~
nheccr essa supremacia; e se a sorte dos comba-
!es :lhe .foi quasi sempre desfavoravel, nem por
isso ella _desanimou na empresa, cedendo mo-
mentaneamente á acção da. força-, para logo se-
guir mais inquebrantavel na realisação da sua
~dêa. Um facto importante nos dá a medida do
mcremento, que ia tendo esse pensamento de in-
dependencia, apesar mesmo do~ revezes experi--
menlados nos c::unpos ele batalha. Poucos annos-
12

depois da morte do conde Henrique, o seu eon-


dado começava a chamar-se reino, e D. Thereza
tomava o titulo de rainha, qualificação que n'es-
se tempo se dava ás filhas legitimas dos reis, mas
que por isso não competia a D. Thereza, que era
filha bastarda.de AITonso VI 1•
Todavia a viu,,a do conde Henrique, que tan-
to trabalhára pela _emancipação polilica de Por-
tugal, entregando-se de repente a um criminoso
amor, chegou por isso a pür em grande risco a
sua propria obra. O pbjecto d'esta paixão da rai-
nha era um illustre cavalheiro da Galliza-Fer-
nando Peres de Trava - .ª quem ella deu tal
importancia na sua côrte, que o collocou acima
de seu proprio filho Affonso Henriques. Este va-
limento concedido a um extranho, antolhava-se,
e com razão, aos barões porf.uguezes como assás
.perigoso para a sua nacionalidade nascente. Fer-
nando Peres, vassallo do rei. de Leão, e como tal
naturalmente votado aos seus interesses, podia
neutralisar no coração de D.. Thereza, a quem
dominava completamente, os impulsos de inde-
pendencia, que até alli haviam determinado os
mais impor~antes acto~ do seu governo. ~imi-
lhantes considerações, Juntas por certo ao cm.me,

f Vid. a Hist. de Port. por A. Herculano, a pag.


244 do 1. 0 volume, e a nota 3.11. no fim do mesmo
volume.
13

que nos cavalleiros portuguezes devia desperlàr


a preponderancia, de que iam gosando en1 Po1·-
tugal os membros dá·familia de ·Trava á sombra
dos amores de Fernando com a rainha,. fizeram
rebentar uma revolução, cujo resultado foi ser
D. Thereza violentamente despojada do governo,
que passou para as mãos juvenis, mas energicas,
de D. Affonso Henriques. .
Esta revolução foi uma das phases mais im-
portantes d'esse movimento de desmembração,
que se ia operando lentamente em Portugal. O
motivo, allegado pelos ·portuguezes ,rara expu~-
sarem D. Thereza, de que ella se deixava dorm-
nar por um estrangeiro, importava um ·protesto
formal contra q~alquer · dominação esti·anha ;' e
D. Affonso Henriqués,:,depondó:sua mãe e apos-
sando-se do ,governo ·sem consultar para isso a
vontade do rei de Leão, protestava tambem não
menos energicamente contra a supremacia, que
esse rei ainda pretendia ter sobre o condado
portugalense. Foi pois similhante demonstração,
já propria de um povo livre, altamente reprova-
da pelo monarcha leonez (Affonso VII,) que ten-
tou repôr Portugal no seu antigo estado de de-
pendencia, empl'egando para este fim a força das
arm_as. Affonso Henriques não contente com re-
pelhr. as· tentativas de seu primo (o rei de Leão)
invadm-lhe a sua provincia de Galliza, onde,
correndo a varia fortuna da guerra, nern_por isso
14

deixou de provar que a grande questão da na-


cionalidade portugueza tocava emfim no seu ul-
timo período, visto que o timão do novo estado
se achava agora em mãos destemidas, capazes de
guiai-o até se consolidar· definitivamente a sua
tã~ desejada independencia.
A guerra entre os dous primos suspendeu-se
pelo tratado de Tuy. Alfonso Henriques, amea-
çado pelos· mouros nas suas fronteiras meridio-
naes, teve de subscrever n'esse tratado condiÇões
duras; mas n'elle ·não se disse uma só palavra
sobre a subjeição de Portugal ao reino de Leão·
e se alguma -cousa se estipulou a esse respeito'
foi na conferencia secreta, que segundo a Chro~
nica luzitana, tiveram entre sj os príncipes con-
tratantes. Esta circumstancia notavel não póde
<leixar de proyar-nos a astucia com que Affonso
Henriques, ·obrigado ,pelas necessidades de uma
situação, difficil, em ·que o collocava a simultanea
invação · de leonezes e moutos, a retroceder um
pouco na já ião adiantada senda da emancipação
politica, que preparava para os seus dominios
ti.nha ao mesmo temp? o cuidado ~e não se liga;.
por ·algum ado publico, que podesse difficultar
no futuro a solução d'aquelle patriotico proble-
ma,:. objecto constante de seus mais afincados
esforços! : '
Conduida. p_ois a paz,· ou ant~s tregoa de Toy,
Affonso Henriques voltou .a Connbra, onde jun-
15

tou um luzido cxm·cito,1 com:o qual penetrou no


tcrritorio mourisco para vingar os estragos, .que
pouco antes recebera dos seguidores .do• prophe,..
ta. Tinha-se já internado 'nos campos, que de-
moram ao sul da cidade ·de Beja, quando :uma
grande multidão de mouros 1 : lhe veio 'sahir:aq
encontro junto do lugar QU castello por ,elles· deno-
minado Orik, e que hoje com ·pequeno alteração
conserva o mesmo nome. ·Commandava esta rnou..,
risma o rei Esmar, ou Omar, com mais quatro
regulos; a refrega foi terrivel; o exercito portu-
gu!;lz era muito inferior em numero ao çlos ini-
migos, que não obstante foram· completamente
de1:rotados, salvando.,se Esmar na foga, é ficando
o campo juncado de cada veres, entre·10s ·quaes
os de -algumas mulheres, qúe tirih~m:vindó,aju,--;
dar á.peleja ao modo das a'ntigas amazonas. Deu.,
se esta· batalha em 25 de julho de i 1.39, e di'"
zem os nossos chronislas, que entlrnsiasmados os
guerreiros portuguezes com o triumpho, alli mes-
mo proclamaram rei o joven principe, que á sua
frente havia combatido como um heroe. Sem dar-
nios inteiro credito a esta· circumstancia, o certo
é qu~ a batalha de Orique teve, a mais de um
respeito, consequenéias importantes. O principe

1
«Oum innumera eorum barbara mu1titucline.»
Vita ~- Theotonii, apud Bolland: Acta ·sanct. Fe-
brnnr11 : Tomo 'III pag. 116, ·
16

po1'luguez dei'a ~ma tremenda lição ·a:os sarrace-


nos, e igualmente mostrara ao seu emulo Affonso
VII qual, era a tempera. e o valor das espadas e
dos braços dos cavalleiros e homens d'armas de
Portugal.· A estes exercitára,-os e predispozera-os
para· a: defoza do: paiz, que queria tornar livre, e
dera,.Jhes a· conhecer ao mesmo tempo quanto se
fazia: digno de cingir a: coróa pelo seu valor
pessoal, que· n'aquellas rudes edades constituía
sein duvida o merito principal de -um- monar-
cha. · ·· ·
. -Mais ousado ainda, se era passivei, com o seu
recente· triumpho, Affonso Henriques em breve
veio ás mãos com o rei de Leão. Os dous primos
encontraram-se pessoalmente á frente dos seus
exercitas na veiga de Valde\rez. A peleja pre-
ludiou-se por um combate singular entre alguns
c.avalleirós .· portuguezes e leonezes. Coube em.
sorte a· victorià aos· primeirós; e tanto bastou pa-
ra qüe Affünso VII, não quizesse arriscar-se ás
consequencias ·de urna· batalha campal, passando
}ouo a propôr ao príncipe ·portnguez urna sus-
pec:inção de armas, que .este acceitou depois de
uma amigavel c~nferenc1a. . , .
Pai·ece que n esse tempo Jª o rei de Leão não
cria múito facil snbmetter á sua supremacia o
guerreiro. µlho do conde Henrique. A:s duas ba-
tálhas de .Ourique e de Valdevez haviam confir·
mado pela sorte das armas o facto da indepen-
17

dencia de Portugal; facto, que desde o principio


do governo de Affonso Henriques se tornara ca-:
da vez mais positivo e palpavel. Effectivamen!e
os pendões portuguezes (como observa 9 mais
distincto dos nossos historiadores) já se não des-
pregavam contra as terras dos infieis ao lado dos
·de Leão e Asturias, e Galliza, de Castella e de
Toledo. O infante de· Portugal; quando sóllava
o seu grito de· guerrà a<;i atirar-se po1· entre sei,.
vas de lanças sarracenas, ia como: o rei das feras
buscar solitario a sua. prêa: arcava peito a peito
com o islamismo, sem pedir' soccQrro aos outros
príncipes, que tinha já- na conta. de· extrarihos:
na côrte do rei de ,Leão ningúem.·o vio 1riunca;
nas assemblêas politicas d'aquellâ. ,monarchià.1 ó
seu lugar est.eve sempre:· vasio 1·os cofres :do esta'-'
do já se .não abriafn 1~~r~ receber os 1tributds ·mu'...:
nicipaes das provmcrns portuguezas, que come-
çavam a cobrir-se de povoações restauradas, 9u
fundada8 de novo ; e finalmente o orgulhoso Af-
fons~ VII, que não podia consentir a indepen-
dei;icia do. Aragão, nem de certo modo a da Na-.
var~a, incluindo nos seus domínios esses .paizes,
mesmo quando os naturaes lhe disputavam o se-
nhorio d'elles, nem uma só vez sé. intitulou do-
~ina~or de Pot·tugal, content8:ndo-se acaso com
1magmar, que esse novo estado se achava vil'tual-
mente incluído debaixo do nome da Galliza da
c1ual era sénhor, e a que.poucos annos ante~ ·os
18

dous districtos do, Porto e Coimbra se achavam


ligados· 1.
. O que faltava .pois a Affonso Henriqnes? O ti-
tulo de rei; e esse tomou elle definitivamente de-
pois das freguas de Val<levez, cedendo alfim aos
desejos de· seus .vassallos, que já havia muito o
honravam com .esse titulo popular· 2._
·A independencia -de Portugal, se n~o era pois
um facto conslimmado ·_para o rei de Leão, que
-considerava· ainda este reino como tenencia sua,
era-o para -os portuguezes desde o .momento em
que o seu chefo póliticq .e militar· se chamava
publicamente rei ,n. Afforiso L. Esse titulo até o
proprio Affonso VII lh'ó reconhecéra no anno de
1143 na conferencia de Samora; porém· tal re-
conhecimento não importava de certo o consen-
timento do leonez na desmembração de.Portugal,
e· .era, d'esperar que elle, cedo ou tarde, recla-
masse a suà supre1nacia política sobre esla por-
ção dos seus domini~s, que por nenhum acto as-
sás positivo alienára, nem mesmo as· leis wisi-
g~th_icas, ~ntão vigentes :na .Hespanha, lhe per-
m1ttiam alienar da sua coróa. Affonso Henriques
tA. Herculano. Tomo I, pag. 336.
2 Sem fallarmos mesmo .da duvidosa acclamação
?ª Ouúque, é certo que por muitos documentos e
pelas historias coevas se sabe, que desde o anuo de
1131 o povo chamava geralmente 1·ei a Affonso
Henriques.
19

conheceu esta tlifiiculuade, e procurou ue$vane-


ccl-a pelo unico meio legitimamente possivcl,
qual era fazer sanccíonar a erecção do novo rei.,.
no independente por um poder inquestionavel-,
mente superior á vont~de dos principes e aos
codigos das nações. Este poder residia então no.
Pontifice romano, que exercia uina jurisdicção su-
prema e directa sobre os negocios temporaes, cs-
pecie de dictadura, a que a sociedade deveu n'a-
quellas rudes eras immensos aclos de protecção.
aos fracos, de repressão aos excessos dos pode-
rosos, e que se alguns abusos commetleu, soublêl
sobejamente compensal-os pela sua benefica e ci-
vilisadora , influencia no meio da tenebrosa bar-
baria da edade média 1•.
Foi pois· ao romano Pontífice que Affonso .H~n-
riques recorreu parà ,que·este ·confirmas.se .a ex1s-
tencia · poJitica do novo estado; que·acabava de
erigir, fazendo-se tributario á santa sé com um
censo annual de 4- onças de ouro. O Papa ac-
ceitou a homenagem, e prnmeltcu ao rei .de Por-
tugal. e seus successores prolecção material e mo-
ral, com _o que, fortes contra os inimigo$, visi-
1 «A monarchia pontificia ensinou ás nações e aos
reis a olharem-se mutuamente como irmãos, como
sendo todos igualmente subditos da Religião ; e es-
te centro de unidade religiosa foi, durante inuitos
scculos, um verdadeiro beneficio para o geucro hu-
mano. n Robe1·tson, cartas sobro a Itnlia.
20

veis e invisíveis, resisLissem aos seus adrcrsarios,


e obtivessem na morte a recompensa da vida
eterna 1• N'esta resposta porém do Pontifice omit-
tia-se uma circumstancia mui principal, a confir-
mação· do· titulo de rei.·. Lucio II (era o Papa)
chamava a Affonso Henriques apenas dux por-
tucalensis, e os seus domjnios eram designados
pelo nome de terra e não de reino. Para supprir
esta falta essencial .proseguiram as negociações
em Rom~; e se o.,rei de Portugal foi efficaz em
fazer adrogar alli. os seus interesses, Affonso VII
não se descuidou tambem dos seus, escrevendo
ao successor de Lucio II (Eugenio III) uma car-
ta; em que amargamente se queixava de ·que o
Pontifice lhe quizesse diminuir o senhorio e adi-
gnidade, concedendo a Affonso Henriques uma
protecção, que ia atacar bs direitos da coróa leo-
neza com uma injustiça, não transitoria, mas per-
petua. Se .todavia, a santa sé ainda hesitava em
reconhecer ahert.am·ente o titulo de rei e de rei-
no a Affonso Heni·iques e a -Portugal, a indepen-
dencia d'este era em Roma negocio já julgado e
approvado, e assim o monárcha,leonez não tirou
da sua representação ao Papa melhor resultado,
do que ha.via colhido das suas tentativas helliéo-
sas· êQntra Portugal, que desde então ficou defini-

1 Baluzio; Viterbo, Brandão, citados por A. Her-


culano. Torno•!, pag. 346,
23

o p11meirq I m de Portugal arl'OJou-se com os seus


homens de a1 mas ao me10 das mais emprezas
para dilatai os hm1tes de seus estados pelo tem-
tono amda occupado pelos sarracenos Desde o
anno de i f 4-5 Affonso Henriques se apodéra suc-
cess1vamente de Lell'la, de Santarem, de Mc1.fra,
de Cmtra e d..i. formosa Lisboa Depois trans-
põe o TeJO, e os seus pendões tremulam sobre os
muros de Almada, de Palmell", d' Alcacer do Sal,
de Beja, de Evo1a; e quando as f01m1daveis hos-
tes commandadas por Jussuf, emir de Marrocos,
J.meaçaram, em 1f 84-, Po1 tugal com uma inva-
são te1nvel, o velho Affonso lhes res1stm ,aloro-
samente em Santarem, pro,~ando-lhes, como ob-
serva um h1sto11adorJ nosso; 1que o,povo,po:-tu-
guez, educado P.Or· elle;, passára em 1Cm1to~ annos
da deb1l..infanc1~ á jiuventude I obusta.
Atronso Henriques morreu a p de dezembro de
f f 85. O grande fundado, da monarchia desceu
a dormir o somno do sepulchro &.ob as veneran-
das abobadas de Santa Cruz de Cmmbra; mas
deixou edificado um throuo, que havia de affron-
tar a acção dest, mdora dos seculos, porque fica-
va rodeado das lanças e espadas de homens h-
vres, em CUJOS peitos o amor da mdependenc1a
tmha lançado profundas e duradouras ra1zes Os
1mmedmtos succeaso1 es de Afionso I trabalha, am,
mais ou menos, pot melhorai a het ança, que lhe5
legina. Especialmente Sanche- li a quem as d1s-
24

sensões internas fizeram tão infeliz, dilatou, em


quanto Ih'o permittiram essas discordias, as fron-
teiras meridionaes do reiq.o até ao coração do
moderno Algarve. Affonso III juntou difinitiva-
mente todo o Algarve aos seus dominios. D. Di-
niz aúgmentou ainda o territorio portuguez com
as. terras da Riba de Côa, que por bem fun-
dados' direitos lhe pertenciam, e Portugal te-
ve desde então, com muf pequena differença,
as mesmas fronteiras, que actua]mente conser-
va 1
·Assim viu Castella com emulação criar-se-lhe
ao lado a nação portugueza, a quem estavam
guardados no futuro os mais altos destinos. E
mais de uma vez a poJitica e as armas castelha-
nas tentaram reconduzir ao seu jugo a desmem-
brada .provincia de Portugal; as garras do leão
rle Hespanha,· ameaçando-nos de perto, tiveram-
nos por muitos seculos constantemente aperce-
bidos para o comb'ate. D'aqui essa proverbial
aversão dos portuguezes a um povo, que como
nós brotára do mesmo tronco, e ao qual deviam
antes hgar-nos tão palpa veis affinidades- «aver-
~~o nutrida durante sete secufos cumpridos, con-
sagrada nas rapsodias populares, vinculada aos
timbres da aristocracia, consignada nos bastiões
'
,t Veja-!!e Brandão, Monarch. Lusit. livro XVII.
cap. 34. ' ' ,
26
aggredir Castelln, fundamentando tal aggressã:o
nos mais fri\.olos pretextos. Portugal estava po-
rém cançado de tão infrucluoRas lutas, e agora
sobretudo indignado com o infame comportamen-
to dós alliados inglezes, que iam commettendo
em, Lisboa, e nas terras por onde passavam, os
excessos, mais revoltantes; de que modo D.
Fernando, depois de alguns movimentos bellicos,
teve de ceder ao que hoje chamariamos - opi-
nião publicà - pactuando com D. João I, de
Castella, um tratado de paz.
Do escandaloso consorcio de D. Fernando com
D. Leonor Telles - protagonista ominosa d'essa
epocha - como 1hc chama o estimavel escriptor
acima citado, nascera a infanta _D. Beatriz, que
então teria pouco mais de 1O annos de idade.
~ mão d'esta m~nina foi o penhor da paz; seu
pae deu-a em casamento ao rei de CastelJa· e
esta união.' foi ê,ultimo acto ,do governo de D.
Fernando, que fàlleceu em Lisboa a 22 de ou-
tubro de 1383.
Similhante casamento preparava a annexação
dos dons reinos, ápesar de se estipularem no
tratado d'EJvas algumas condições, com as quaes
se pretendia assegurar a manutenção dos foros,
privilegias e insepções da nação portugueza. Em
um dos artigos d'esse trat~<lo, e com este mes-
mo intuito, fôra tambem estipulado que, morren-
do el-rei D. Fernando, e em qnanto da nnião elo
28

reinar, nem capaciclarlc para empunhar o sceptro.


,Havia ainda um terceiro partido;.era o dos filhos
do mesmo D. Pedro I, e da infeliz D. Ignez de
Castro. Mas como estes i'nfantes estivessem re-
tidos em Castel1a,' não foram muitos os-que se-
guiram ,a sua voz, sendo por isso o mestre de
Aviz quem _desde logo, reuniu os votos da grande
maioria da nação portugueza. ·
. O mestre-•de Aviz, depois de algumas hesita-
ções, que abonam o seu tacto politico, para mais
prender o iamor e a vontade das massas, come-
çou, o seu importante· papel de libertador ·ae Por-
tugal, assassipaudo. pm· suas proprias mãos ao
conde Ahdeiro, que se havia tornado geralmente
odiado não só pela sua origem estrangeira. mas
principalmente pelas suas criminosas relações
com a rainha D. Leonor 'felles. Esta acção, que
o espirito e.a rudez da epocha desculpam, fez do
mestre, d~ Aviz o idolo do povo. D. Leonor, te-
mendo ·algum insulto, retirou-se de Lisboa para
Alemquer_, lançando ·sobre. a capital es~a impre-
cação terr1vel; que compend1ava o seu od10 e a sua
cólera: - Cidade ingrata e desleal, permitta o
céq que eu te possa vêr abrazada em chammasl
-··. O resoluto punidor,do conde Andeiro foi im-
mediatamente acclamado regedor e defensor do
reino ,pelos habitantes de Lisboa e por alguns
nobres, tornando-se notavel o procedimento de
um tanoeiro, chamado Affonso Annes, que com a
Assim ,favorecia a Providencia a 1iberdade t1e
Po;·tugal; .permittindo que a desintelligencia la-
vrasse entre os seus inimigos.
Desenganado el-rei de Castella dos sentimen-
tos dos portuguezes a seu respeito, a11pellou en-
1

tão para a, força das armas. Com numeroso e


bem provido exercito ,veio pôr cerco a Lisboa
por1 terra e por mar; porém viu-se forçado a ]e,
vantal-o, no fim de cinco rriezes, não só pela te-
naz ·resistencia dos cercados, mas lambem pela
violenta peste, qne lhe dizimava os seus solda-
dos. Desassombrado I vrtugal de inimigos, en-
tenderam os senhores e cavalileiros, que forma-
vam o conselho do mestre· de Aviz, ser conve-
niente a convocação de umas côrtes, para resol-
verem o que se devia fazer na difficil conjunctu-
ra, em que se achava o reino. O mestre annuiu,.
e fixou-se em Coimbra o local para a reunião dos
Tres, Estados, onde effectivamente·se juntaram os
fidalgos e prelados, ,e os procuradÔres, 'de grande
parte das cidades,·e villas, que, se não. achavam
debaixo da pressão das auctoridades e partida-
rios do rei de Castella.
.N'esta patriotica assemblêa desempenharam
os mais conspicuos papeis o doutor João das Re-

lançado, a vista. para a cella de Tordesilhas; ter-nos-


hia revelado talvez o estado de sua alma entre aquel-
Jas espessns muralhas.» Sch~ffer,- Hic;t, de Port.
34

Jnoetla os. empregos <le justiça, as· <ligni~aucs cc~


clesiasticas, os .titulos e osrbrazões de nobreza.
Varriam-se ·os nossos cofres para accudir ás ne-
cessidades. do thesouro hespanhol; avexava-se o
povo com novos e pezadissimos tributos; não se
consentia sequer _u~a leye·queix~, e p~nia:se de
morte qualquei', ligeiro s1gnal de 1mpacienc1a 1•
. A.taça dos soffrimentos esgotou-se até ás fe-
zes. ·;.~pesau: :dá vigilancia ·dos tyrânnos, Portu""
gal, agitava".'se · surda.mente em, estremecimentos
de·: revolta. O povo soltava rugidos de leão que
tenta despedaçàr ,a. jqula:; os nobres sentiam sur-
dir-rlhes :no peito mais :vehementes· ,desejos de li-
berdade. Todos os.materiae_s estavam .dispostos pa-
ra o incendio; e. a imprevidencia dé Olivares, mi-
nistro. e valido de Filippe IV, veio lançar-lhe a
faisca, expedindo uma ordem aos fidalgos portu-
,guezes,para que. passassem a servir no exercito,
que ·coinbatia:. os catalã.as Iie'1oltados:.1 · · . ..
· Estanordem eomprehendia, 1tàmbem .o 'duque
de Bragança, D. João, que·era o legitimo herdei-
ro da corôa de· Portugal. -Queriam os conselhei-
ros, de ,Ffüppe tirar por· este modo ao povo por-
tugtiez os que: po.diam servir,lhe· de chefes em
qualquer movimento, que tentasse para ,libertar:..
sC' do,jugo castelhano. Antes porém que tal me-

t· Véj~~Be ;o:, Assento dos Ti·es Est(ldos, reunidos


em Lisboa ·em 1641. ·
36
_,,,._
penhava por conta de Castella ~ infame papel_ 1le
verdugo da patria. Foram encontral,o escondido
em um armario, d'on<le o arrancaram, e criva11-
do-o de punhalaJas o arrojaram por uma janella.
D. Antão de Almada e outros entraram na ca-
rnara da duqueza de Mantua, vice-rainha de Por-
tugal em nome de Fihppe· IV, e alli a detiveram
fazendo-lhe saber respeitosamente, que os po1·-
tuguezcs acabavam de sacudir o jugo estrangeirn
acclamando um rei natural. A duqueza tentou
mostrar-se e fallar ao povo, que se apinhava em
volta <lo paço; os conjurados observaram-lhe, que
convinha mais recolher-se ao seu quarto, para
que lhe não faltassem ao respeito.- Ao respeito
a mim ? E como? perguntou ella enfadada. -
Obrigando a V. A. (replicou D. Carlos deNoro-
nha) a que, se não quizer entrar por esla porta,
sáia por aquella janella. - O que acabava de
acQntecer a Miguel de Vasconcellos dava a estas
palavras uma eloquencia terrível; a duqucza per-
deu· a vontade de proseguir a contestação, e re-
signou-se a vê1· unanimemente acclamado el-11ei
D. João IV, por todo o povo de Lisboa.
Entre a revolução de i 640 e a resistencia á
annexação em 1385 havia uma differenca; esta
fôra obra quasi exclusi~a da c!asse rn~dia e d~
povo, porque a alta anstocrac1a segmra quas1
todas as.partes de Castella; aquella, pelo contra-
no, recebeu o seu impulso principal da nobreza,
37

po1que nob1cs cr,.un os conjurados, que soltaram


no 1.º de dezembro o grilo de liberdade. O reJ-
no 1,e levantou po1ém logo como um só homem
para apoiar a causa da I estauração, e D. João IV
e1 a, denll o em poucos dias, reconhecido pelos
pm tuguezes em geral como seu I ei legitimo. A 6
tio dezemb1 o entrou o novo monarcha em Lisboa;
a f 5 foi solemnemente coroado; e a 28 de 1anei-
i o segumte reconheceram os Tres Estados 1untos
cm côrtes a dynast1a brigantina, regulando tudo
o necessar10 para a consolidação da mdependen-
cm tão hei oica, como rapidamente conqmsta-
da f.
Concorreu muito para o bom exilo da revolu-·
rão de i 640 o deploiavel estado ,em.que ~e,acha-
va a Hespanha,, que não só estava ,em guerra com
a F1 ança e com a HÔllanda, mas tinha a Cata-
lunha• completamente rebellada. A con1unctura
não poilm &cr pms mais bem escol\nda pelos nos-
fiOS eonjm Mlos, CUJO commett1menlo é tão digno
de louvor, como o fo1 de estranh?za e de reparn·
a confiança louca, com que o conde-duque de,
Olivares snppoz poder sub1eitar de novo os por-
tugnczes com algumas folhas de papel assignadas
f D. João IV ma filho ele D. Thcodos10, duque
rlo Brngani;a, neto de D. João, tambcm duque do
meemo titulo, e da mfünta D. Oa.tharum, que el'a'
:filha do mfante D. Duarte, filho d'el-re1 D. Manoel.
- Veja-se Vclasco, Jltstci Acclama~ão.
;J
38

por el-rei D. Filippe IV. Abona por certo muito


pouco o bom juizo d'aquelle valido a morosidade,
com que andou em combater a revolta de Portu-
gal, e é uma prova dos seus pessimos instinctos
o emprego, que pretendeu fazer da traição, antes
de tentar a sorte dos combates. Felizmente para
nós, o imprudente descuido do ministro hespa-
nhol deu logar aos portuguezes para se fortifica-
rem dentro do reino, e para procurarem no es-
trangeiro allianças e soccorros; os traidores pa-
garam com a cabeça a sua aleivosia, e Filippe
IV perdeu para sempre a corôa de Portugal, ser-
vindo. os exfo11ços, que fez para reconquistai-a,
sómente de provar-lhe quanto é diflicil submet-
ter um povo, ainda que pequeno, quando o ani-
ma o sacro fog0 da independencia e da liber-
dade.
Finalmente os grandes acontecimenlos, que se
seguiram á espantosa 1revolução de França de
f 789, tambem não deixaram ;portugal tranquillo
no meio da agitação geral da Europa. Tendo o
gabinete de LisLoa feito primeiramente causa
commum com o de Madrid contra os revolurcio-
narios francezes, foi perfeitamente abandonado
por elle, que concluiu com a republica franceza
o tratado de Basilêa (J 795) sem se lembrar de
ahi es_tipular a paz para o all_i~d_o,, que o s?ccor-
rcra a _custa de tantos sacnhc10s. Depois, em
1800, ligan<lo-se Carlos IV de Hespauha com o
39

consul Bonaparte contra os mglezes, procurou


involver na liga lambem o governo portuguez, e
como este não quizesse annuir, foram as nossas
provincias do sul invadidas por um exercito hes-
panhol, ás ordens do tristemente celebre princi-
pe da Paz, que chegou a tomar Olivença e Joru-
menha, e a pôr cerco a Elvas e a Campo Maior.
O pensamento de annexação ou conquista, que
fôra sempre a ideia fixa de Hespanha com rel~-
ção a Portugal, tomava agora novo calor no meio
das alterações, que ia fazendo na carta da Eu-
ropa a ambiciosa espada de Napoleão~ e o go-
verno hespanhol corria com vergonhosa subser-
viencia att·az do seu alliado, sempre com i espe-
rança de que Portugal seria o premi9 dos ÍQl-
mensos sacrificios, a ·que á alJiança franceza o
obrigava. .A campanha de t 80 i terminou ce-
do. · Mas apenas Napoleão fôra coroado impera-
dor dos francczes, querendo debellar os inglezes,
seus mais perigosos e tenazes inimigos, concebeu
o seu célebre systema continental, que consistia
em vedar os portos do continente europeu ao
commercw britannico. Portugal foi a victima ex-
piatoria dos insultos da Inglaterra ao novo des-
pota. Por uma perfidia, de que a historia offe-
recc bem poncos exemp1o,s, Napo]eão concluia
com Carlos IV o tratado de Fontainebleau, e rom-
pia as hostilidades contra Portugal mesmo antes
de declarada
,.
a guerra. Esse tratado, e a conven-
40

ção secreta., qoe d'elle fazia parte (2 7 de outn-


l>ro de 1807) davam ~o príncipe_ da Paz o Alcm-
tejo e o Algarve; o Mmho e a ·cidade do Porto,
com o titulo de Lus1lania septentnonal, era es-
cambado pelo reino de Etruria, e ficaria perten-
cendô a um principe da casa de Parma; - el-
rei d'Hespanha exerceria sobre estes tlous novos
estados uma especie de proleclorado. Quanto ús
províncias da Beira, Estremadura e Traz-os-
.Montes, essas ficariam em deposilo até a paz ge-
ral, para um dia (como diz um nosso ~spirituo-
so escriptor) pertencerem a Luciano I, a Junot
I, a Murat I, ou a f)Ualquer outro parvenu. Em
consequencia do referido tratado 'Portugal seria
1mmediatamente occupado por um exerci lo fran-
cez de 25000 homens, e por outro hcspanhol
tle 16000; as tropas francczas seriam p,1gas p~-
Ja Hespanha durante o seu lrnnsito alravez elo
territorio hespanhol.1 ·Um novo corpo de 40000
homens se reuniria em Bayona, e prompto a mar-
chár tambem sobre Portugal se Uf)ni desemhar-
cassem os inglezes. Finalmente as prO\·mcias
porfuguezas, que clcviam formar o reino Ja Lu-
sitania septentrional e o principado dos Algarves,
seriam adrnimst.radas pelos generaC's ilas forças
hespanholas, e as contribuições, que se lhes impo-
zessem, reverteriam ém proveito da Hespanha;
a Beira, a Estremadura e Tfaz-os-Mon1es seriam
administradas pelo general das tropas frauceza~,
41

e :1~ ronlrihuiçõcs, que se lhes impozessem, re-


verlrr1:un cm provcilo da França.
Tal fo1 o ommoso lratado de Fontainebleau,
em que o despota <la Europa ludibriava a Hes-
panha com promessas e esper~nças, que a não
serem perfidas, srriam altamenle ridiculas. D'es-
le tralado se originou porém a ·quéda de Napo-
leão; e a Provi<lencia converteu este horrivel acto
da mais flagrante injusliça em merecida punição
de todos os q1ie o maquinaram.
Embora se ria do que vamos dizer o indiffe-
rentismo cego: nós, que crêmos na eterna justi-
ra. de nma Providencia reguladora dos su.ccess6s
cio mundo, não po<lemos deixar de apontar aos
nossos leitores para o lugar onde se ·redigiu e as-
signalou aquella· obra de iniquidade. Foi ·ahi,
n'esse mesmo palacio de Fontainebleau, que oito
nnnos mais tarde o oppressor da Europa se vio
forçado a assignar outro tr~tad'o, em que renun-
ciava por si e seus successores a todo· o direito
de soberania e 1le domínio, tanto sobre a Frànça
e ltalia, como sobre outro qualquer paiz. Alli a
mão, que tentára despedaçar a corôa portugueza,
iHadindo perfeitamente a boa· fé dos dous bon-
dosos soberanos da Hespanha e· de Portugal,
prendendo um e arrojando o outro para além do
At1antico, estorcendo-se agora nas terríveis an-
gustias de uma raiva impotente, e sentindo fu-
gir-lhe o mundo, que tentára empolgar, era for-
çada a subscrever a scutença Ja sua deposição,
que apenas lhe deixava uma soberania de come-
dia sobre uma pequena ilha rlo Medilerranco 1
Oh! que lição esta para os despotas, se podessem
aproveitar-lhes as lições da historia 1 1
Em consequcncia do latrocinio de Fontaine-
bleau, encaminhou-se para Portugal um exercito
francez de 30:000 homens, sob o commamlo do
géneralJunot. Transpozeram os francezes o rio El-
ga em 19 de Novembro de i 80 7, e a marchas for-
çadas se dirigiram sobre Lisboa. O princi pe regen-
te (depois D. João VI.) que nenhumas disposições
h:11via tomado para repellir esta aggressão, saben-
do da approximàção de Junot, embarcou á pres-
sa, com a família real e toda a sua côrte, a bor-
do da ,esquadra portugueza, e retirou-se para o
Brazil, deixando Portugal á mercê dos invasores.
Um dia depois da sabida da esquadra, occupa-
va Junot com as· suas tropas a capital do reino
(30 de Novembro) mal disfarçando o despeito,
que lhe causára o não conseguir o seu empenho
de colher ás mãos o regente. Ao mesmo tempo
um exercito hespanhol inva~ia o Minho e se apo-
. derava do Porto; outro descia pelo Alemtrjo até
Seti;ibal. Portugal estava conquistado sem que
se' disparasse um tiro.

f V1'd'. a "flist. ela Restam·. por Lamartine, Li-


no IX.
43

O inopinatlo d'csles successos deixou a nacão


portugueza como ferida de estupór. Junot esta-
beleceu á vontade o seu governo :-militar, cujas
oppressivas consequencias logo começaram a fa;-
zcr-se sentir. Os soldados de Napoleão haviam
entrado em Lisboa esfomeados, nus, descalcoli e
com pcssimo armamento; dentro em poucos dias
appareceram porém fartos, bem vestidos e bem
armados, applicando-sc para este fitn a extorsão
de 800. contos de reis, feita aos commerciantes
ela capital a titulo· d'emprestimo. No Lº de Fe-
vereiro de f 808 publieou .Junot um edital an-
nunciando : Que a casa de Bragança tinha c?s-
sa<lo de reinar, que o grande Napoleão queria,
que este bello paiz de Portugal fosse administra-
do, e govemado « todo inteü·o·. em, séu nome e
pelo gener~ltem.,chefe do.seu exerc-ito, trabalh°i
que elle (g~neral) esperava desempemhar digna-
mente. - «O grande Napoleão (accrescentava o
•edital) vos amará tanto como aos seus vassallos
«francezes. Abrir-se-hão estradas e canaes, fio-
' rescerão a lavoura e o commercio, as rendas pu-
' blicas.serão bem. administradas, a instrucção se
, derramará pelas provinci~s, e -o Algarve e a
« Beira Lerão tambem um dia o seu Camões!•
Este pomposo programma come~ou a cumprir-
se por uma contribuição de 4-Ü milhões de cru-
zados imposta a Portugal em nome do seu ornni-
potente protector Napoleão Bonaparte. As egre-
jas foram despojadas de suas ricas a1fai~s; ?~
tributos, cobrados promplamente e sem m1sel'l-
cordia, foram d1lapidados por essas harpias rs-
faimaclas, que nos vinham protegm· co11trrt os i1!-
glezes, não cabendo pequena parle ao propr10
_general em chefe, Junot, cuja sonlida cubira nem
os seus proprios compatriotas llii-:simularam 1 •
Mnilos dos ricos ohjcctos d'arlo, que possuiamÓs,
foram cmpalmados pelos mvasores; os empre-
gados civis e ecclesiasticos não recebiam os seus
ordenados, em quanto que o soldado estrangeiro
passava ufano pelas ruas da capital, farto, hem
fardado e bem pago. O commercio, tapadas as
harras ele Lisboa e Porto, ia-se definhando pro-
gressivamente; o mesmo acontecia á lavoura e á
industria; as escholas sustentada~ pelo thesomo
publico estavam fechadas, e não poucos dos pro-
fessores pediam esmola.
Eis aqui como uma penna insuspeita nos
pinta o estado da capital n'aquella epocha, des-
mentindo as retumbantes promessas do edital-
programma de Junot: «Lisboa parecia um deser-
« to. Os habitantes ricos emigravam em.bandos
« para as pro-\'incias não manchadas pela presen-
« ça 'dos estrangeiros; o luxo, os carros e 1orlo
«movimento nas ruas havia cesRado. Os tumul-

t Vid: Biographia universal dos fJontemp. arti-


go Junot.
45

« los nas pronncias tmham feito encarecer os , í-


• verrs na cap11c1l; os art.1s1as es1avam sem tia-
º halho; os pr opnelar10s não coh1 av.lm as suas
«, rnd.is. nem os cmp1 cgailos os seus salm 10s.
• Todos o~ que d':mtes ·Hvmm da curte, dos f1-
• dalgos, tlo rléro, tlo comme1 cio, em numero de
• ma,._ de·vmle mil, todos mendigavam 1 • >
E aos gcnmlos· da nação respomham com fu-
s1lamentos. Os ferozes instmctos de rapma e de
i-anguc tlc~mvolvram~se nos ·oppiesso10s á medi-
da que a sua vIcllma, cançarla tlc soffrer, se .1~1-
lava para quebrar os fet ros da tyranni.'l.
Entretanto o ml.hgno proccLlnnenlo, que Na-
poleão, tivera com a córle de l\fadnd, abusando
da boa fé dos reis d'Hespanha, attrahmdo..:os a
Bayona, p1 cqdenJo~?s e exlo1 qumdb!<Jhes a , e-
nuncia rdc 1•seus 1 'd1te1tos, enche, a de md1gnação
toda a nação hespanhola, que se levantou como
um ·só homem para vingar lamanha affronta Ao
brado da patr,a olfen<l1<la e escransada accud1-
ram Jogo as tropas bespanho]as, que estavam em
Portugal Desassombrados da sua presença os
portugnezrs e im1tamlo a nobre resolução ·dos
seus , 1~mhos, levantaram-se também pai a sacu-
uir o 1ugo estrangelfo. Des1le então as duas na-
rões irmãs, e que todavia. antigos od10s sàpara -

j R1st. das campanh. de Po1tug. por Foy, tomo


IV, pag. 392, (1829)
46

vam, deram o abraço fraternal em presença do


inimigo commum, e o grito dl3 morram os fran-
ce;:;es. Soou feroz e temivel em todos os angulos
da Peninsu)a.
Primeiro em Traz-os-Montes, depois no Porto
se pronunciou a revolta, e este fogo patriotico se
irradiou com tal presteza, que em breve o do-
minio de,Junot ficou circumscripto ao te1titono,
que pizavam seus soldados. N'esta conjunctura
um ex.ercito inglez desembarcava nas praias da
Figueira, ás ordens de sir A. 1Nellesley (depois
o famos9 Wellington) e marchava, de combina-
ção com algumas forças portuguezas, sobre Lis-
boa. Sahiu-lhes Jnnot ao encontro; mas batido o
seu exercito nas dµas acções ela Rolliça e do Vi-
meiro, perdendo a esperança de se sustentar por
mais tempo, assignou a célebre convenção de
Cintra e evacuou Portugal.
Um no!o çorpo de tropas francezas, comrnan-
dado pelo marechal Soult, invadio este reino no
seguinte anno de f 809. Penetrando pelo lado
da Galliza, e seguindo por Chaves e Braga, en-
trou na cida<le do Porto depois de urna desorde-
nada e debil resistencia. Wellington, á frente do
exercito luso-anglo, manobrando habilmente, con-
seguiq expulsai· os francezes do Porto, e depois
de uma curta campanha, Soult teve que repas-
sar a fronteira em completa derrota, abandon:m-
47
do os uoenlcs, as Lagagcns e toda a sua artí-
l11eria.
Em 1810 fizeram os. francczes nova tcntati,,a
para subjeitar Portugal, empregando para isso
um exercito de 72:000 homens commandado por
um dos mais afortunados generaes do imperio,
o marechal l\fassena, a quem Napoleão chamava
l' Enfant cheri de la victoire. Rendida a praça
t.le Almeida por urna fatal casualidade (outros
diziam por. traição) desceu :Massena pelo valle do
Mondego, e quiz forçar a passagem da serra do
Bussaco, defendida pelas tropas alliadas, ingle-
zas e portuguezas. Soffreu porém aqui uma derro-
ta, e torneando então as nossas posições pela es-
querda, conseguio metter-se na estra~a do Porto
a Coimbra, onde entrou no, L de, Outubro, avan-
O

çando em seguida· sobre a capital.


O exercito luso-anglo, que havia tomado a dian-
teira ao inimigo, recolheu-se ás formidaveis li-
nhas, que defendiam Lisboa, diante das quaes
o general francez teve de conter-se em respeito,
não se atrevendo a atacal-as 1• Conservando-se
por algum tempo cm vergonhosa inacção, Mas-
sena ernprehendeu alfim a sua retirada, sendo

t Para as forçar, dizia Massena, que precisava


de mais 60:000 homens. Saiba-se que o optimo pla-
no para essas famosas linhas 'chamadas de Torres-
Vedrag, foi devido ao engenheiro portnguez, Neves.
48

n'esta vivamente perseguiJo pelos allia<los, que


g;rnharam sobre os francezes os comhatcs Je Pom-
bal, Redinha, Foz <le Arouca e Sabugal.
A 8 de Abril de i8H transpunha a rclaguar-
"da do exercito francez a fronteira de Portugal.
Era a terceira invasão corajosamente repellida.
A quarta ]imitou-se á entrada d'algumas forças
<lo marechal l\farmont na Beira,· onde apenas se
demoraram doze dias. Desde então mmça mais
voltaram as hostes rle Napoleão a piza1· o terri-
torio porluguez, onde a sua passagem deixára
harlos vcstigios de sangue e de ruína. Mas o nos-
f:O exercito,, unido ao inglez, cohriu-se de gloria
rm toda a campanha da Peninsula, que se pro-
longou até 1814. Nos campos deAlbuera, Fuen-
tes de Honor, Salamanca, Victoria, Nivelle e Or-
têz pelejaram os soldados portuguezes com tal
denodo, qne mereceram a admiração da Europa;
e os proprios escriptores francczes teern tecido
elogios a estes valerosos' guerreiros, que soube-
ram sustentar a reputaçãQ. militar da sua nação
mesmo em frente dos melhores soldados do mun-
do.
Tal é em rapido esboço a historia da nossa
independencia. Durante sete seculos, e cm mais
de uma crise arriscada e difficil, tem sido <lefen-
dido ,este inestimavel tl~esom·o pelo _braço portu-
guez sempre com hermca c?nslanc1a. Hoje está
Portugal infelizmente reduzido a um estado de
49

nolavel decadcncia, devido ás dissensões inteslf-


nas, e aos govemos obnm.ios ou facc10sos, que
ull1mamente o leem regido. Da sua antiga heran-
ça de gloria apenas lhe resta a sua autonomia,
fJUC ainda assim algumas pennas degeneradas e
matnc,das 1êm aconselhado se venda ao e>..tran-
gc1ro, a troco de não sei que fallazes promessas
de prosperidade e cngrandec1mentol
Felizmente o povo não a1tende a estes conse-
lhos pedidos; e estamos certos de que, se mão
cub1çosa e ousada se estendesse para nos despo-
jar da mais p1 ec10sa rehqma do nosso glormso
passado, accender-se-hmm de novo os br10s por-
tnguezes, de cada canto de Po1 tugal snrgrrta urn
brado de patrwl1smo, cada cidad~o ,sena um •sol-
dado, e cheios todos de, f~ em1 Deus e ide•cenfian-
ça no pr.op1 ,o ,valor, ,tant.as 'vezes demonstrado
1

cm acções heroicas, saberiamos defender a nos-


sa independencm com tanta coragem, como o fi-
zeram os nossos avós nas mais bnlhan\es épocas
da, nossa Justona.
VIGTORIAS DOS PORTUGUEZES

1.

ALJ0BARROTA

«O' fortes, ó huhulo~


C,1,,1llc1ro~, a quem nenhum se e,uala,
Defendei ,ossas terras; 11u'a csperQnça
Da liberdade csla na vossa IJnça,.
C.utóES Lusrnd. 1\. :n

Haviam as cortes ue Coimbra collocado a co-


róa de Portugal na cabeça do infante D. João,
Mestre de Aviz, filho natural de el-rei D. Pe-
dro t '
Recahira a eleição· sobre um sujeito de certo
o mais digno 'de empunhar o sceptro, d'entre os
quemutuamenteodisputavam depois da morte de
D. Fernando. O Mestre de Aviz, moço de 26 ao-
nos de edade, portuguez de coração e de brios,
alma cheia de aspirações nobres, era pelas suas
eminentes qualidades o mais capaz de centrali-
sar os exforços, que a nação estava fazendo em
prol da.sua independencia, e de .dar p~incipio a
~ma no_va _dynastia, que succedesse dignamente
a do pnmmro Affonso.
51

O tempo encarregou-se de provar o 1acerto da


escôlha. Do tronco de .Aviz .brotou essa pleiada
de heroes, que pela sua illustração e ousadas em-
p_rezas elevaram Portugal ao fastigio da sua glo-
l'la.
D. João I de Castella, querendo sustentar os
direitos de sua esposa, e oppor a ultima razão
da força ao patriotico veredictum das cortes de
Coimbra, approximou-se a Portugal com luzido
exercito, penetrou pela provincia da Beira, to-
mou Celorico, destruio Trancoso, exerceu as mais
terriveis vinganças sobre a velha cidade de Ata-
ces, onde tivera lugar a augusta assemblêa, que
lhe denegáva a corôa lusitana; e das margens do
Mondego, depois de uma curta demora,. passou
sempre assoJador e feroz a Leiria, onde vieram
reunir-se-lhe as guarnições de Obidos, Alemquer
e outras praças, que ainda tinham a voz de Cas-
tella, assim como os commandantes dos navios,
que ancoravam no porto de Lisboa.
O rei de Portugal recebêra em .Guimarães a
noticia da invasão dos Castelhanos. Viera d'alli
ao Porto para reunir tropas, e marchára ,depois
para Abrantes, onde foi encontrar-se com os,re-
forr.os, que D. Nuno Alves Pereira ·trouxer.a do
Alem-Tejo.
Eram visiveis os intentos do inimigo; o selt
1

[i,to estava posto cm Lisboa, ponto_ importante,


p como porto de mar, já como capital do reino.
52

Deviam os nossos correr a cortar-lhe o passo?


Era a questão, que occupava os ammos cm \bran-
tes, e a ma10na dos cal,os da pequena hoste por -
tugucza, reumdos em conselho, vendo a 1lcspro-
porção nume1 ica dos Castelhanos, mclmava-se
a que o I ci de Portugal passasse á esquerda do
Tejo, e mvatlm<lo a seu turno a,Andaluzta obn-
gassc por este modo o innmgo a cm 1 ei em de-
teza. de seus prnp1 ios lares
D. Nuno segmo o parecer contrar10. Aícrmdo
pelo seu proprw valor o valor de seus soldadm,,
não duvidou aconselhar uma batalha llec1s1va Se
dermos credito a alguns dos nossos historiadores,
foi a1li que elle prmcipiou o belhcoso d1scm so,
fJUe o 1mmo1 tal Camões epilogou n'estes hellos
versos:

•Eu só com mc-11s vassallos, e com ebta,


(Dizendo isto, a1 ranca meia cspaJa),
Defenderei da fo1 ça dm a e infesta,
A terra nl)nca de outrem snb3ugaua.
Em virtude do rc1, J,\ palria rnésta,
Da lealdade, Já por vós negada,
Vencerei não só estes adversar10s,
Mas quantos a meu rei forem cont1 anos»

_Pa1·~ce que o :nde discursar do condesla\'el


nao fo1 bastante a vencer as hesitações dos ou-
tros cabos. Elle porém tinha tomauo a ::iua rcso-
53

lução; no dia immedialo ao <lo conselho reuniu


os seus homens d'armas e marchou á sua frente
para Thomar, por onde_ devia passar o rei de
Castella. Era uma infracção da disciplina mili-
tar, e alguem aconselhou a D. João I que a não
deixasse impune. Mas aquelle ar11}jo do condes-
ta vel casara-se bem com os brios do .Mestre de
Aviz, qne longe de castigar a D. Nuno, segniu-o
resoluto com o resto do exercito ao campo de ba-,
talha.
No dia J.i de Agosto d'aquelle anno de f 385
toma,,a posição a hoste portugueza na planura,
que fica entre a cidade de Leiria e a villa <le Al-
jubarrota. Pass'a.va: abi a estrada, que os Caste-
lhanos seguiam, e as nossas forças se collocaram
com a frente voltada para Leiria, por ser d'aquel-
le lado ,que se esperava o inimigo. O numero dos
portuguezes não excedia a 6:500, sendo l:700
de ca,·allaria, 800 besteiros e 4.:000 infantes.
Na vanguarda, ou dianteira, segundo a phraseo-
logia militar d'aquella época, estava D. Nuno com
600 lanças e 300 besttiros; a rectaguarda, ou
çaga, composta de 700 cavaJleiros e maior nu-
mero de peões, era comrnandada pelo proprio
rei de Portugal. Na direita pelejavam os dous va-
lentes irmãos Mem Rodriguez e Rui Mendez de
Vasconcellos, acaudilhando·a memoravel ala dos
Nam?rados composta de mancebos solteiros, que
debaixo de um pendão rerde com uma madre~
J
54

silva, e tendo nos Iabios ao mesmo tempo os no-


mes da patria e das suas damas, pelejavam pelo
amor e pela liberdade. A esquerda era governa-
da por Antão Vasques de Almada, e consta,,a de
nm corpo de 200 lanças portuguezas e dos auxi-
ljares extrangeiros, a éuja frente se achm am João
de l\fonferrara, Martin Gascon e Bernardm Sola.
Atraz da linha da vanguarda collocou-se a gen-
te inutil para o combate, e as bagagens, tudo co-
berto com uma trincheira feita <le carros guarne-
cida de alguma iníanteria.
Dispostos assim os nossos, deixou-se ver o rxm·-
cito CasteJhano, forte <le i 5:000 infantes, 8:000
cavallos e crescido numero de besteiros. Muitos
fidalgos porluguezes a~ompanhavam os inimigos
da patria; e entre estes degenerados filhos de Por-
tugal avultavam D. Pedro e D. Diogo Alvares Pe-
reira, irmãos do Condestavcl D. Nuno, o conde
de Barcellos irmão da rainha D. Leonor Telles,
e os alcaides-mores dc.Obidos e <le Leiria. Con-
ta-&e que antes de começar a batalha tentára o
rei de Caste11a. a felicidade de D. Nuno, ofüwe-
cendo-Jhe grandes .mercês se tiuizesse depôr a8
armas. Foi porta.dor tia proposta D. Diogo Alva-
res Pereira que repellido pelo irmão como immi-
~o, foi levar a D. João tle Castella o desengano
de que não era D. Nuno homem, que se vendesse.
Os dous exercitos, se esti reram olhando mutna-
mente, como dous athle1as. an1cs de se arro,ia-
55

rcm ao combate. Devia parecer bem ·focil ao Cas-


telhano, tão superior em numero, ànniquilar a
pequena hoste do 1'ei de Aviz, como por escar.:.
neo appellidaram ao nosso D. João 1. Mas a fama
do valo1· porluguez, que tão alto soava ·por toda
a Europa, continha alli o inimigo como que ém
respeito diante d'aquellc punhado de bravos, que
ousadamente o encaravain, apezar de· saberem~
que iam jogar nos azares d'aquella batalha a co-
róa do seu novo rei e a independencia do paiz.
Emquanto durava essa momentanea inacção
dos dous exercitas, uma mulher preludiava as
memoraveis façanhas portuguezas d'aquclle dia.
Chamava-se a heroina Brites de Almeida; era fi-
lha do povo, e exercia o officio de padeira n'uma
povoação proxima ~o campo de hátalba. Um tro-
ço de Cast.elhanos lhe invadiu a casa, saqueando-
Jhe os pães e ameaçando-a com a morte. Brites
1::mçou mão da pá do forno, e convertendo-a em
arma lcrrive], com ella maton sete dos inimigos,
e afiugentou o resto. A tradicção popular tem
transmittido este facto do geração em geração, e
a rilla do Aljubarrota guarda a pá de ferro da
rlcstemida amazona corno vencranda. reliquia o
trophcn da Yictoria. ·
Entretanto

Deu signal a trombeta Castelhana


Horrendo, féro, ingente e temeroso:
~,-
56

E aos grilos de - S. Jorge e S. Thiago, Por-


tugal e Castella- avançaram um_ contr_a o o~-
tro esses dous exercitos, aos quaes 11npcll1am, nao
só a antiga emulação das duas nações rivaes, mas
os odios religiosos, pois que portuguezes e Cas-
telhanos se olhavam reciprocamente como here-
ges, seguindo estes a C~em_ente VII, e ?quelles a
Urbano VI, que entre s1 d1sputavam nesse tem-
po a cadeira de S. Pedro.
Os Castelhanos, por um movimento, que ha-
viam feito ao começar a batalha, tinham passa-
do para o lado de Aljubarrota, obrigando assim
os nossos a mudar de frente, ficando com os ros-
tos contra o sol e contra o vento, que lhes met-
tia pelos olhos o pó levantado pelo tropear da
cavallaria inimiga. D. Nuno Alvares Pereira fi-
zera pôr pé em terra aos seus seiscentos caval-
leiros, mandando.lhes fincar no chão os contos
tias lanças para melhor sustentarem a primeira
investida de um inimigo tão superior em numero.
A este tempo lcvantav~m-se na vanguarda dos
Castelhanos umas columnas de fumo esbranqui-
çado, seguidas de fortes detonações, que vieram
fazer em nossas fileiras não pequeno estrago, e
ainda maior terror, pois era para os nossos sol-
uados inteiramente desconhecido aquelle novo
meio de extermínio. Eram os terri\'Cis trons, as
primeiras peças de artilheria, que se disparavam
em ffegpanha. Os portnguezes trepidaram ao prin-
57

cipio em presença do estranho e temivel effeito


d'aquellas armas; inflniram-lhes porém novos ani-
mos o exemplo e ~s vozes dos cabos, e a pelPja
travou-se então confusa, vigorosa e encarniçada.
A cavallaria Castelhana fez inaud1tos exforços
para romper a vanguarda portugueza, que pele-
java em tôrno do pendão do Condestavel, arvo-
rado no lôcal onde D. Nuno mandou levantar
depois uma capella da invocação de S. Jorge. A
despeito da heroica resistencia dos nossos, o va-
lôr teve alfim que ceder ao numero, e o inimigo
penetrou até a nossa rectaguarda, onde pelejava
o mestre de Aviz, que tão valente como o mais
valente de seus cavalleiros, apeando-se do caval-
lo, largando a lança e pegando ,de uma, acha d~
armas, eornecoa a fazer horriveJ matança nos
Castelhanos. Emquanto as duas alas, esquerda e
direita, da hoste portugueza, dobrando rapida-
mente pelo centro, oppunham um muro de ferro
aos progressos do inimigo, o rei de Portugal, for-
mando com a rectaguarda uma especie de meia-
lua, foi reforçando os lados enfraquecidos, tor-
nando-se· assim geral o combate.
·Obrando sempre às mais, galhardas proezas,
ia o nosso D. João I levando diante de si o ini-
migo, quando foi encontrar-se com um fidalgo
Castelhano, chamado Alvaro Gonçalves ele San-
doval, ou Malafaya, que co~ as _armas todas tin-
tas em sangue portuguez, Justificava n'aquelle
58

día a reputação d'esfor~ado ad~Jlliri1la entre os


seus. Dirigindo-lhe o re1 um fur1bumlo golpe, es-
perou-o o .Malafaya, e travando da acha d'armas,
que ia feril-o, arrancou-a da~ mãos ue_ D. João
com tal, violencia, que o fez 1r com os Joelhos a
terra. Não conseguiu porém aproveitar-se d'es-
ta ,momentanea vantagem, porque ao tempo que
descarregava sobre o rei um golpe, que este apa-
rava no escutlo, a lança do cavalleiro portuguez
Martin G011çalves, atravessando-o de lado a lado,
o derribava morto aos pés do monarcha.
Em premi o df este brilhante feito, recebeu Mar-
tin Gonçalves o appellido de Macedo, e um bra-
zão dos mais distinctos da nobreza lusitana 1•
O exercito Castelhano começava já a desor-
denar-se e a perder terreno. O rei de Castella,
antevendo o desfecho fatal da batalha, tratou de
pôr-se a salvo. D. Pedro Gonzales de Mendonsa,
seu lmordomo-mór,· convidando-o a, descavalgar
de ·uma mula,' _em ,que rnontára durante a peleja,
por andar enfermo, lhe offereceu um cavallo, so-
bre o qual o levou para fóra de perigo. Pósta em
segurança a pessoa do seu rei, D. Pedro como
bom cava1leiro, que era, volveu á batalha, dizen-
do: •Buelvo solamente a morir con honra, por-
•. Em campo azul cinco estrellas de ouro, de cin-
co pontas cada uma; tymbre um braço tambem azul,
armado, de uma maça de prata. - Vej. a Nobiliarch.
Port. pag. 299.
õV

que no me digan la~ matronas de Guadalaxam,


q~e les truxe a sus maridos e a sus hijos a mo-
rir,. - D. Pedro já não ~perava a victoria das
suas armas; buscava sómente uma morte honra-
da, e essa encontrou-a em breve nas ]anças dos
portuguezes, pelo meio das quaes veio metter-sc
com toda a coragem do desespêL'O. Posto que im -
migo nosso, consagrámos aqui um te,stimunho de
respeito e de admiração a este typo tão nobre do
cava11eiro christão da meia-edade.
A este tempo o gran-m,estre de Alcantara, á
frente de um troço de cavallaria hespanbola, ha,
via tomado de flanco os· archei1·os portuguezes;
que protegiam as bagagens. Estes re~istiram co.,.
rajosamente, até que soccorridos p~Io C~ndesta-
vel, fizeram 1·etroceder ro inimigo., l\fallograda esta
ultima tentativa dos Caste1ha1ios, a. vrntoria ficou
decididamente por nós. 'Os ,mais valentes chefes
do inimigo estavam feridos, ou jaziam por terra
sem vida; a soldadesca fugia desordenada e cofü
fusa. O estandarte de Castella era apresentado ,a
D. João I de Portugal por Antão Vasquez de Ah
mada, que todavia não quiz declarar, ou não sou-
be quem o tinha tomado. Os temi veis, trons, aban-
donados no campo, ficavam em, poder dos nos-
sos como um dos mais notaveis ,despojos da ba-
talh~. A peonagem portuguezá sa~i~va a sua sêde
de vmgança nos Castelhaóos fug1t1vos e disper-
sos, a quem só sel'viram, de' amparo as sombras
60

da noite. A pleiteada corôa de Portugal ficava


definitivamente collocada sobre a fronte do mes-
tr~ d' Aviz pela sentença lavrada pelas nossas lan-
ças nos famosos campos de Aljubarrota.
Foi grande a perda dos Ç~stelhanos n'esta ba-
talha. Da nobreza, que segma D. João de CastelJa
á conquista de Portugal, grande parte perdeu a
vida, já na peleja, já na retirada ás mãos dos no~-
sos populares. Dos fidalgos portuguezes, que trai-
dores á patria, queriam ajudar o estrangeiro a
escravisal-a, mui poucos foram os que se retira-
ram a salvo. D. Diogo Alvares Pereira, feito pri-
sioneiro, foi morto pela soldadesca apezar dos
exforços, qu~ para o defen~er empregár~ Egas
Coelho, a cuJa imarda el-rei D. João I o confiá-
ra. O outro irmão do Condestavel, D. Pedro, mes-
tre de Calatrava, não appareceu entre os vivos,
nem se achou entre os mortos, d' onde alguns qui-
zeram inferir, segundo o modo de pensar d'aquel-
Jes tempos, que a terra o tragára em castigo da
sua infamia. Outros porém suppozeram, que a
piedade fraternal de D. Nuno o quizera poupar
ás ultimas injurias, occultando-lhe o cadaver em
sepultura lmpJilde e desconhecida.
O e~el'cito portuguez teve Jlpenas uns 200 ho-
mens fora de combate. Entre os mortos conta-
ram-se os dous cabos estrangeiros João de Mon-
{errara e Bernardin So1a, Martim Gil de Coreja,
Mendo Affonso de Beja, e Vasco Martins de Mel-
GI

lo, que antes de começar a Laialha, havia pro-


mettido ferir Olt prende,· ·ª el-rei de Castella, e
que foi morto quando temerariamente se mettia
pelos inimigos para dar cu·mprimento ao seu
voto.
Em memoria <lo assigna]ado triumpho de Alju-
barrota levantou el-rei D. João I o convento da-
Hatalha, onde o primeiro cinzel de abalisados ar-
tistas deixou escripta em pedra uma das paginas
mais brilhantes dos Fastos portuguezes 1•

f A'cerca da batalha de Aljubarrota. podem con•


sultar-se, - Fernão Lopes,· Óhron. de D. João I.
-O conde da Eryceira, _D. Fernando, na vida do
mes~o rei, -Fr. Domingos Teixeira, vida do Con-
destavel. _:_ Faria e Sousa, Europa port. etc. .
II.

VALVERDE.

Se quem com tanto esforço a Deu~ se att1eve


OU11r qurzercs como MI uom~a,
Portugnez Sc,~,no chamar-se dew,
Jllas m.u~ ele D, Nun'AhJres se ,irrêa
D1tosa 11atrrn, que l~I lllho tc1c t
l\las antes pJe, ~uc e11111ua1110 o ~ot rode,,
E.to 11tobo de Geres e Neptuno,
Sempre sus11J1a1·~ por l,11 nlumuo,
Cuu)FS Lu& Vli 3J.

Depois da victofia de A]jubatTQla, animados


os portuguezes com tão prospero successo, e con-
tando com o desanimo <los Castelhanos occasio-
nado pelas suas recentes perdas, Jonge de des-
cançarem á sombra dos ]ouros, prepararam-se
para tomar a offensiva levando a guerra ao paiz
inimigo. N'este intento, e não tendó·ainda termi-
nad'o ~ mez de Septembro d'aquelle mesmo anno 1
,

de, f3~5; ,passou o Condestavel ao A]emtejo, e


na cidade. de Evora tratou de rennir as forças
b'3

ela provmcia, que nlo e:\.cederam a quatro mil


l1omcns, entrando n'este numero 800 lanças.
Era realmente u1mmuta a força numenca d'es-
te exeic1to; suppna-so porém a qualidade das
1I op.is, a mói pa:-te das quaes eram soldados ve-
teranos, que desde tenra edade tinham feito a
guei ra ou voluntanos, a quem o amor .da patna
levava destem1dos aos campos de batalha. Com
tal gente não duvidou D. Nuno abalançar-se .í
proJectada empreza. Mas, segumdo um estilo ca-
valheJresco d'aquellas eras, que hoJe a arte m1h-
tar condcmnar1a como um grande erro (tão gran-
des mudanças traz coms1go o tempo 1) mandou o
Condestavel prevemr os mestres de S. Tl11ago e'
de Alcantara de que havia mtento de mvadn-lhes
o ternt01 io confiado á sua defesa, para que el-
les não allegassem depois, que tinham sido collu-
dos d'improviso.
Este a\'1so, que é sem duvida um nobre e:\.em-
plo da lealdade, com que então se procedia mes-
mo para com os mim1gos, e que mostra como o
cavalleiro, ou tivesse do lidar na estacada em .sm-
gula1· combate, ou á frente de uma hoste em ba-
talha campal, 1ealizava sempre o bello, ideal do
guerreiro clmstão, cups prmcipaes virt~des eram
a fidelidade e a franqueza, este aviso, rnmos nós
dizendo, fez com que os mestres de S Thiago e
de Alcantara se preparassem logo para recebei·
dignamente o·seu 1lh1stre adversaIÍo.
64

Penetrando D. Nuno Akares Pereira no ter-


ritorio inimigo, rendeu Badajoz e outros lugares,
até se affastar umas quatorze. ]eguas da nossa
fronteira. Um novo .episodio, dos que não 1:aro
enfeitam as paginas romanticas das chromcas
d'aquella edade, teve lQgar quando o Condesta-
vel acabava de destruir Villa-Garcia. Apresentou-
se-Jhe alli um arauto, que vinha da parte dos ca-
bos supérióres, do exercito Castelhano reptar a
D. Nuno para um combate decisivo; trazia um
numero de varas igual ao numero d'aquelles ca-
bos, e offereceu-as ao Condestave] em signal de
desafio. D. Nuno acceitou o répto, e pagou a men-
sagem dando ao arauto cem dobrris de ouro t.
Ponco depois avistavam-se os dous exercitas
no sitio de Valverde, a duas leguas da cidade de
Merida. Passou-se um dia em ligeiras escaramu-
ç~s, em que todavia o inimigo começou a expe-
rimentar o pezo ~o braço portuguez. Na manhã
segmnte os Castelhanos, que por um movimento
feito durante a noite sobre a nossa esquerda, ha-
viam passado a occupar uma posição forte na

f Além das dobras d'el-rei D. Pedro, cada uma.


das quaes valia 150 reis approximadamente, corriam
tambem em Portugal as dobras Ca~te!hana11, cama-
àM valedias, e que tinham o valôr de 216 reis, Po-
mos· aqui esta nota em homenagem ás tendenciaa
monefariaa d'csta época de inieresaed maieriae,, para
que fique bem patente a generosidade de D. Nuno.
65

nossa frente, deram mostras <le querer disputar


ao Condesta\ el a passagem do Guadiana, que este
demandava. Com a mesma ordem de marcha, que
levava, o Pxercito portugucz investiu o inimigo;
resistiu este frouxamente, abrindo logo pela fren-
te, e dando lugar a que os portuguezes passas-
sem ávante. A alguma distancia toparam porém
os nossos com novas forças Castelhanas, que lhes
sahiram pela vanguarda, em quanto 4ue as pri-
meiras cerravam outra vez a linha pela rectaguar~
da, ficando d'est'arte os portuguezes cercados
pelo inimigo, que disparava sobre elJes pedras,
settas, dardos e1 outras armas de arremesso, cau-
sando-lhes estragm, não pequenos.
Obrando prod,gios de valor, e rom_eendo a cus-
to pelo meio do inimigo, conseguio ·D. Nuno ti-
rar o seu .pequeno exercito d'este arriscado pas-
so, marchando sempre em direcção ao rio. En-
tão os castelhanos se dividiram em dous corpos,
e emquanto um d'estes corria a tomar posição
na margem opposta do Guadiana para defender
a passagem, o outro caminhava aos, lados e na
rectaguard'a dos portuguezes, molestando-os com
continuas arremetidas, ou ferindo-os de longe
com armas ue· arremêsso.
Com a espada na mão e os olhos no inirmgo,
chegou D. Nuno junto ao rio. Os Castelhanos lá
estavam já do dutro lado guarnecendo a margem.
O Condestavel não hesitou um momento; toman-
66

do nas mãos uma lança, e havcnJo colloc:ulo con-


venientemente algumas tropas, que cobnssem a
passagem, arrojou-se acavallo· á corrente, segm-
do de toda a vanguarda do exercito, e depms de
uma vigorosa refrega logram desassombrar de
mini1gos a orla do Guadiana Senhor das duas
margens do r10, fez passar as bagagens e pr1s10-
ne1ros, e logo o resto das suas forças, que fez
acampar no te, 1eno tão galhardantc conqmstado
para passarem a noute, que Já vinha prox,ma.
Com a primeira l~z da aurnra descobrm D.
Nuno o mumgo occDpando na sua f,entc magm-
ficas posições. Foram-no os nossos desalo1ando
d'ellas, e emquanto o Condcstavel prosegma trium-
phante com a vangm1rda, chegou-lhe a noticia
de que a sua rectaguarda estava a braços com
um numero mmto snperwr de tropas. Castelha-
nas. Yolreu D. Nuno a soccorrer os seus; escar-
mcntou o m1m1go, conscgmu incorp01 ar todo' o
e.x.erê1to portugucz, formou-o em ordem de bata-
lha, e depois de recomr:nendar aos cabos, que
sustentassem aquella posição, desapparecen.
Assomavãm 1mm1gos de to~os os lados, que
iam estreitando como em um circulo de ferro os
portuguezcs. Começavam estes a scnhr a falta do
general, pms que, não tendo ordem de avançai,
"iam-se expostos a pé queJo aos tuos e arreme-
tidas dos ·Castelhanos. Sahm um cavallen o em
busc,l de D. Nuno, e foi enconli ai-o entre os ca-
fii

beços da serra. O elmo e a fança depóstos a um


]ado, as mãos erguidas e os o1hos fitos no céo, o
Condestavel otava fervorosamente. A pequena
distancia um pagem segurava pela rédea o gine-
te de batalha. Expóz o cavalleiro a D. Nuno a
sifuaçã.? difficil, em que se achava o sen exercito,
que o mvocava como sua umca esperança. -
Ainda não é tempo, respondeu o Condestavel;
é mister aguardar mais um pouco, até que eu
acabe a minha oração. -
Momentos depois chegava outro mensageiro,
dizendo que os inimigos iam crescendo em nu-
mero, que apertm·am ele todos os lados os portu-
guezcs, e qu{t estes chamavam a grandes brados
pelo seu general para qúe os fosse tirar de tão
grande perigo. ,D. Nuno· não respondeu, prose-
gumdo sempre no seuorar, cada vez mais aforvo-
rado.
Terminado este, viram os- nossos sair de entre
os rochedos o comlestavcl, com o, rosto resplan-
decente de fé e de esperança. A vista do general'
infundiu nos soldados novos brios, e o conheci-
mento, que tinham da sua piedade, lhes fez crêr
que alguma revelação do céo havia assegurado a
D. Nuno a victoria. Posto á frente dos seus, 01·-
denou elle a Diogo Gil, seu alfe!e~, _que abala::;sc
com o pendão em demanda do ,:mm1go. Punham
os castelhanos o maior empenho cm defender um
passo estreito, que era a chave das ~nas pm,i~ões.
68

Pouco tempo resistiram porém ao valor impetuoso


<los nossos, que dominados pe]a exaltação reh-
giosa do seu chefe, combatiam todos como he-
roes.
Quiz o mestre de S. Thiago, D. Pedro A]unoz
Godoy, oppor-se com um corpo <le gente esco]hida
aos progressos dos portuguezes, e com tanla valen-
tia se houve, que por algum tempo teve indecisa a
vicloria. Era um contendor digno de D. Nuno
Alvares Pereira; o condestavel procmou-o, re-
cord~~-lhe o repto, que ·elle lhe havia dirigido, e
prec1p1taram-se um contra o outro como dous
leões. Oh t como seria terrivel aquelle combate
singular, que nos recorda os duellos homericos
dos tempos antigos I A concisão de nossas chro-
nicas occultou-nos todavia as circumstancias do
combate; e unicamente sabemos, que foi D. Nti-
no o vencedor, ficando o mestre de S. Thiago
morto no campo. ·
A' morte de D. Pedro Go<loy seguiu-se o com-
pleto desbarato do exercito de Caste11a. Os ini-
migos foram acossados ~té á noite pelos por~u-
guezes, e na manhã seguinte, a pequena hoste do
~o~destare], ~ob~rta de louros e ~1ca dos despo-
]Os dos vencidos, tomou o cammho da patria,
onde veio descançar dos trabalhos de tão gloriosa
expedição.
Os Castelhanos, cujas forças ao principiar a
Latalha não desciam de 10:000 com Latentes,
69

soffr~ram n'.estes dons memóraveis dias pe~das


cons1derave1s. As dos portugnezes não podiam
tambem ser de pouca monta, attenta a duração
da peleja, e a vantagem das posições, que lhes
foi preciso expugnar, contra um numero muito
superior cj.e inimigos. As escassas escripturas
d'aquellas eras não nos. permittem fixar porém
a somma de mortos e feridos, que nos custou
aqu_elle brilhante feito d'armas, nem mesmo in-
dividualisar muitas das circumstancias de uma
victoria, que, segundo a expressão de um escri-
ptor nosso, acabou ~e jarretar as esperanças de
Castel1a 1•

1 Sobre a batalha de Valverde podem consultar-


se a Chronica de D. João I, por Fernão Lopes -
a. Vid& do Condestavel, ue Teixeira - os Parallelos,
de Toscano -Baptista de Castro, Mappa de Port.
Tomo II. - Anno Hi1t. a 5 de Outubro.
ª
'i'O

III.

lIONTIJO

A~ ba11de1ras no ar sua\C e puro


Vão ondeando, ai; roucas tubJ~ soam;
As almas s11~pend1J um bra,o e duro
llorro1 das ~nuas, com que o campo ahoam.
1•1n~mA DL CAsT110 • UlJssêa,> X, oo.

A' gloriosa Teslauração de 164-0 scgaira-se a


inevitavel guerra· entre Portagal e a Hespanhq.:
Mas esta gaerra, ~tardiamente cmprehendida pelo
ministro valido de Filippe IV, e frouxamente sus-
tentada pelos seus generaes, longe de intimidar
os portuguezes, ii;icitou-os a tomar a ofTensiva,
entrando simultaneamente por Galliza e Castclla,
'ren1endo varias. praça~ e. fa~e~Q? notaveis pro-
gr·essós ~o propr10 terntor10 10]m1go:
Evtre, os generaes, a quem el-rei D. João IV
c~ri~'á~1 9.rfommando ~os seus ?xeroitos, o mais
d1stmcto .en~. sem duvida Math1as dc-Alpuquer-
71

que. Começára cllc a sua brilhante carreira mi-


Jitar nas guerras de Flandres; passou depois á
America, onde se distinguiu contra os hollande-
zes na campanha de Pernambuco. Mandado re-
colher ao reiuo por Filippe IV, apenas Portugal
sacudiu o jugo estrangeiro, Albuquerque poz lo-
go a sua espada ao serviço da patria, e foi pelo
governo portuguez encarregado de commissões
importantes.
Tendo· sido nomeado governador das armas da
provincia do Alemtejo, resolveu penetrar em Hes-
panha, para o que reuniu em Campo-l\fa'ior todas
as forças do seu commando, que não passavam
. de 6000 infantes, f 200 cavallos, com seis peças
de artilheria, viveres e munições para. vinte;dias.
Dividiu Mathias de Albuquerqué o.·seu exercito
em nove :regimentos, de' que eram- mestres de
campo Ayres de Saldanha, D. Nuno Mascare-
nhas, Luiz da Silva Telles, João de Saldanha e
Sousa, Francisco de Mello, Martins Ferreira, Eus-
taqnio Pico, David Calem e o conde do Prado.
Tinlia o command'\ dacavallaria o monteiro-mor
Francisco de l\liello, o da infanteria D. Diogo Go-
mes de Figueiredo, com o posto de mestre de
campo general; a artilheria era governada por
D. João da Costa.
Com este exercito sahio l\fathias de Albuquer-
que da villa de Campo-Maior, e atravessou a
fronteira, dirigindo-se a Villa~ de El-rei, que to-
72

mou e pilhou; o mesmo fez a Rocha de Morn,an-


to e d'alli foi sobre o Montijo, do que tambem
s; apoderon, e onde se demorou dous dia~ para
dar descanço ás tropas, retrocedendo depms pa-
ra Campo-Maior, que lhe ficava a seis leguas de
distancia.
Ao sahir de Montijo (em 26 de Maio de 164,4)
,constou ao general portuguez que um exercito hcs-
panhol, commandado pelo barão de l\folinguem,
e forte de 7000 infantes e 2600 carnllos, se rno-
viá para encontrai-o. Começou pois Mathias de
Albuquerque a sua marcha vagarosamente, para
não parecer que 'fugia do inirnigó; trazia o exer-
cito formado em ordem de batalha; a infanteria.
.em duas linhas; nos claros da linha ·<la frente as
·seis bocas de fogo; á direita seis batalltões de ca-
rnllaria ás ordens do monteiro-mor, á esquerda
cinco batalhões da mesma arma., governados pelo
commissario geral do exercito, Gaspar Pinto Pes-
tana. E como o-inimigo nos ficava pelas costas,
foram collocados os carros com as bagagens, cruar-
dados por q~t1:ocentos monueteiros, na "van-
guarda, que v1na a ser a rectaguarda se fri,esse
lugar, corno effcctivamcnte teve, a batalha.
'Eram 9 nove horas da manhã, ,e o exercito
portuguez teria andado mei-a legua, quando se
deixou 'vêr o inimigo s~bl'e a nossa esquerda,
formando uma extensa Imha de cavallaria e in-
fanteria, co1~ uuas peças ele artilheria aos lados.
l\lathias de Albm1uerque mantl~u fazer alto, apon-
tar as suas bocas de fogo, e d1sparal-as sobre os
hespanhoes, que já vinham perto. Não obstante
o estrago, que nos inimigos fez esta primeira des-
ca:-ga, a sua cavallaria, tendo á frente o proprio
general em chefe, barão de Molinguen, lançou-se
ao galope sobre os portnguezes e hollandezes, que
formaYam a esquerda do exercito de Mathias Je
Albuquerque, e qur não podentlo aguentar tão
rude choque, se pozeram logo em desordem. Os
150 cavalleiros hollandezes, do commallflo doca-
pitão P1per,. retroceílendo sobre o terço de Ayres
tle Saldanha, lançaram a confusão na infanteria
portuguez~ d'aquelle lado; e o inimigo aprovei-
tou esta aberta para penetrai· _até á retaguarda da
nossa ala .direita, qae envolvida tambem pela
frente e flanco~ principiou a fugir em deban-
daila.
Mathias de Albuquerque fez quanto ponde pa-
ra urnr os seus soldados, pelejando valorosamente
até que lhe mataram o seu cavallo. Montou, en-
tão n·outro que lhe offereceu o official francez,
mr. de Morle, e arrastado pelo turbilhão dos
fugitivos, se recolheu a um bosque proximo,
que servia de abrigo ao seu exercito destroçado.
A artilheria e bagagens, tudo cahira em poder
elos castelhanos.
No bosque se reuniram em torno do general
portuguez o~ principae~ ,cabos, uns liO cavallos ,
i4

e al~ns terços do infanteria incompleto~. .l\Ia-


thias de Albuquerque, que observava d alh os
inimigos, ébrios éom a alegria do triumpho, en-
1regarem-se á pilhagem dos carros, achou oppor-
tuno ensejo para tentar de novo a sorte das ar-
mas; e mettendo mão á espada, avançou ~obr~ os
ca.stelhanos, que des_concertados p~r tão mopma-
do ataque, não podiam oppt>r senao uma des01·-
dena,da resistencia. A nossa artilheria foi logo
retomada, e apontada sobre os contrarias, nos·
quaes começou a fazer terrivel estrago; a caval-
laria, mostrando-se agora tão aguerrida, quanto,
havia pouco, se mostrára indisciplinada, acutila-
va sem pie<lade esse montão confuso de inimigos,
que em vão tentavam pôr-se em ordem para de-
fender-se. Depois de meia hora de uma carnifi-
cina horrivel, o exercito de l\foliguen fugia para
a margem do Guadiana, em cujas aguas se affoga-
ram muitos dos que haviam escapa<lo ás espadas
portuguezas. Eram 3 horas da tarde, e Mathias de
Albuquerque acabava de cingir na sua frente .os
louros da victoria, que lhe 'dera o seu sangue frio
e a sua attrevida. resolução.
Perderam os hespanhQes n'esta batalha 3000
homens, mortos ou prisioneiros, entre os quaes
alguns officiaes distinctos; todo o seu trem de ar-
tilheria, e 4500 armas.
Dos portuguezes morreram nove centos, en-
trand~ n'este numero os mestres de campo Ay-
75

res de Saldanha e D. Nuno· Mascarenhas, oito


capitães d'infanteria e"tres ou quatro de caval-
~1ar1a.
Mathias de Albuquerque teve em premia dos
seus assignalados serviços o titulo de conde de
Alegrete. Mas a espada, que tambem servira, a
patria, despertou invejas e emulações; e o valente
general, que a consciencia do muito, que valia
entre os seus camaradas, fazia talvez altivo, drs-
agradou á côrle, retirou-se da vida: militar, e foi
acabar seus dias no pacifico, mas. ignorado· reti-
ro <la vitl~ domestica 1

1 Sobre a batnlhn. d~ l\fo~tijo podem vêr-se: o


Portugal Restaurado, prlo conde da Eryceit·a, Tomo
I., pag. 470, e a Hist. de Port. por mr. de La:
Clede. ·
76

IV.

LINHAS D'ELVAS

l\13rav1lhas cm armas estremadas,


E de escrlpturJ dignas cleirante,
l'izeram cavalle1ro~ n'esta empre1a
Mais atinando a fama portu,:ucza
C.utõ1:s Lusrnd. IV. GG

FaUecêra el-rei D. João N em Lisboa a 6 de


Novembro de 1656, e succedêra no throno seu
filho D. Affonso, VI_ d'este nome, que por ser
ainda de menor edade, ficou sob a.tutela de sua
m~e, a prudente e virtuosa rainha D. Luiza Fran-
cisca de Gusmão.
Proseguia a guerra entre Portugal e Hespanha,
se bem que com menos vigor depois da batalha
de Montijo. Vendo porém ~ corte de Madrid que
Portugal estava sendo regido por uma senho-
..ra, e ,par~cendo favoravel esta circunstancia aos
seus projectos de conquista, fez grandes levas ,de
77
tropas, man<lou activar ~'is operações nas frontei-
ras, e reunindo em Badajoz um exercito de
H-:000 infantes e 5000 cavallos, collocou á sua
frente a D. Lmz de Haro, sobrinho do célebre
Olivares, e como seu tio ministro e valido de Fi-
lippe IV, enviando-o contra a nossa provincia do
Alem . .Tejo, qué foi o grande campo das batalhas
da nossa restauração.
Sahiu D. Luiz de Haro de Badajoz, e a 22 de
Outubro de f 658 apresentou-se <liante da pra~a.
<l'Elvas, já então uma das mais importantes de
Portugal. Tinha o go"erno d'Elvas D. Sancho Ma-
noel (que depois foi 1. 0 conde de Villa-flôr); e
constava a guarnição da praça de 7:000 homens,
com munições e viveres apenas sufficientes para
um assedio de poucos mezes. O inimigo, que não
tinpa esperança alguma de poder entrar a praça
de assalto, resolveu bloqueál-a até que se ren-
desse pela fome; e n' este intuito estendeu as suas
linhas de circum e contravalação, segundo o uso
militar d'aquelles tempos, pela Vergada, Meza
d'Elrei, Ferradores, Reve11es e Valle de Marm'el-
los, occupou o monte da Graça, onde hojê está
o forte de Lippe, e fortificou tambem o c,onvento
de S. Francisco. O exercito hespanhol acampou-
se, em quatro quarteis, que se communicavam
por meio das linhas de circumvalação; e estas ti-
nham para sua defensão uns fortins a pequena
distancia uns dos outros. Para o lado de Estre-
7~

moz e V1lla Viçosa collocou-se quas1 toua a ca-


vallaria, por ser ahi o campo mais descoberto.
A artilheria, comquanto pouco numerosa, era bem
servida e não cessava de trôar contra as mura.-
lhas da praça.
A guarnição de Elvas era, na sna ma10r parle,
composta de soldados bisonhos e mal disciplma-
dos, que, de mais a mais, começaram a ser d-izi-
mados por uma mortifera epidemia. Dias houve,
cm que os mortos passaram de duzentos; decor-
rido pouco tempo entrou-se a sentir lambem a
falta de viveres, chegando a vender-se uma gal-
hnha por 7$000 reis. Supei·iores a todas estas
adversidades eram, porém, o valor de D. Sancho
Manoel e a dedicação dos elvenses, que nenhum
sacnficio pouparam para tornar efficaz a res1s-
tencia aos mimigos da liberdade da patria.
Findou o anno de i 658 e Elvas continuava
cm vigoroso cerco. A rainha regente havia no-
meado governador das armas do Alem-Tejo ao
duque de Aveiro, .ordenando-lhe que reunisse um
exercito para soccorrer aquella praça. Mas o du.
que resignou logo o commando, e passou-se para
Castella. Succedeu-lhe o conde de Cantanhede,
D. Antonio Luiz de Mennes, que sem dilação
passou a Estremoz, onde fez renmr todas as for-
ças de província; e zelosamente coadjuva<lo por
André ?º Albuquerque ~iba-frra, official activo
e e'<penmentado, consegum apontar um corpo de
79

8:000 homens crinfantcria, e 2:800 cavallos, en-


trando n'esta força mnilos auxiliares e ordenan-
ças.
Emquanto duravam os preparalivos para a ex-
pedição, recebia-se em Estremoz' urna carta de
D. Sancho i\fonocl, em que este dizia: « Que das
tropas dà guarnição de Elvas apenas lhe resta-
vam mil homens capazes de serviço, com os quaes
estava resohído a deixar-se antes sepultar nas
ruinas d'aquellas muralhas, do que entregal-as
ao inimigo: mas que to<lavia pediam todos> que
a praça fosse logo soccorrida, não para lhes sal-
var as vidas, que pertenciam á patria, mas para
resgatar uma povoação importante, ~e que ab-
solutamente dep.endia a gloria e a salvação , de,
Lodo o reino,. - ,
Esta carta, em que transluz o valor e o pat1·io-
tismo de- D. Sancho, instigou o conde de Canta-
nhede a sair a campo sem demora. O seu exer-
ci to compunha-se de f ô terços d'infantcria, e de
40 esquadrões de cavallaria, dividida em 7 cor-
pos, de que eram commandantes os tenentes.ge-,
ncraes Achim ele Tamaricnt, ,Diniz de Mello e
Castro, Manoel Freire de Andrade, Gil Vaz Lobo,
Pedro Lalande, e os commissarios geraes João
Vaniceli e João da Silva e Sousa, todos suborui-
nados ao general André de Albuquerque Riba-
fria. Constava' a artilheria de, 7 bocas ,de fogo e
o trem correspondente, ás ordens do general da,
8U

arma AITonso Fnrtado de Mendonça. Acompa-


nhavam tamLem o exercito muitos carros com
munições e viveres destinados a soccorer a praça
assediarla.
No dia i i de Janeiro de 1659 sahiu o conde
de Cantanhede, á frente dos seus, de Estremoz,
e fez alto junto da ribeira de Alcaraviça, aonde
se lbe juntaram as guarnições de Campo-maior,
Arronches, Monforte, Borba e Villa Viçosa. D'ahi
marchou o exercito portuguez até as alturas· da
Assomada, d'onde se descobria Elvas e a e:-.ten-
sa linha de circumvalação do inimigo. Mandou
o conde de Cantanhede dar repetidas salvas de
artilheria, para dar signal a D. Sancho Manoel
de que ia ser soccorri<lo; correspondeu com ou- ·
tras salvas a guarnição da praça, e então o nosso
exercito, cheio de enthusiasmo, saudou com um
viva geral e estrepitoso aquelles valentes cama-
radas, que tão ,heroicamente haviam sabido de-
fender-se.
Posto que as ordens do governo de Lisboa fos-
sem, que o conde de Cantanhede se limitasse a
introduzir na praça um soccorro de gente e vi-
veres, resolveram toJavia os principaes cabos do
exercito portuguez, que se ataca_sse o _inimigo com
a espada na mão nos seus entrmchelfamrntos, e
se libertasse Elvas de tão rigoroso' sitio. D. San-
cho Manoel, saindo da praça á frente da pouca
cavallaria, que lhe restava, veio encontrar-se com
81

o cun<le <le Cantanhede, e depois' de conferenc1ar


com elle sobre o plano da batalha, recolheu-se
outra vez para dentro dos muros, já de noite.
Reuniu então to<la a guarnição, e concluzinrlo-a
á egreja cathedral, onde se havia e,posto o San-
tissimo Sacramento, a1li passaram aquelles va-
lentes guerreiros muitas horas em oração, implo-
ran<lo a Deus o triurnpho para as suas armas, e
provando que a Fé não era n'elles inferior á co-
ragem e ao amor <la patria.
AnJ.ré de Albuquerque adiantou-se n'essa mes-
ma noite, com o mestre de campo general (chefe
d'estado maior general) conde ue Mesquitella, a
reconhecer o campo. Acharam os dous, que as
trincheiras eram muito mais altas, do lJUe elles
,suppunharn, e que os pequenos fortes, que tinham
a pequenos inter\'allos, deviam fazer um fogo
mortifcro sobre os atacantes. Souberam lambem,
que ,o inimigo recebêra n'esse dia u~n reforço de
3:000 infantes. Não obstante estas mformações,
o conde de Cantanhede não se desviou do pro-
posito <le . acometter os Castelhanos no dia se-
guinte.
Era o sitio chamado dos Murtaes o ponto es-
colhido pelos nossos para o ataque. N'aqnella
direcção mandou Pedro Jaquez de Magalhães,
f(Ue diriaia a artilheria de Elvas, apo'ntar nns 20
canhões,º que deviam romp~r, e ~ff~c~ivai~ente
rompêram, o fogo sobre as lmhas rn1rn1gas ape-
82

nns os nossos começaram o ataque; D. Sancho


fel sa11 da praça 400 mosqueteiros, ás or<lens
<le Dwgo Gomes de F1gueireJo e <lo Simão Cor-
rêa da SIiva, os quaes se postaram sobre a m,tra-
da coberta, e na madrugaJa fez sair tam!Jem a
D. João da Silva com 170 cavallos, ordenando-
lh,e que secundasse os cxfo1 ços do exe1 cito por-
turruez, do modo qne lhe pai ecesse mais conve-
m~nte. Por ultimo enviou aos capitães Miguel
1
Carlos de Tavora e João Furtado de Mendonça
com dous destacamentos d'mfanteria, e com or-
dem de vigiarem de perto os movimentos do nu-
m1go, sobre os qnaes deviam informal-o, a elle
governador, success1vos e convenientemente. Taes
foram as prov1dencrns tomadas pelos sitiados.
Ao rarar da manliã <lo dia f 4 tle Janeiro, o
conde de Cantanhe<lc começou a dispor as suas
1ropa1-. para ma, cliar· ao assalto das lrnhas mnm-
gas. Hiam na frente mil soldados escolludos, ar-
mados de espmganlas, pistolas e m:pad<ts, cober-
tas as cabeçãs com umc1 espe,c1e de capacetes, e
lcvanJo cada um sua fachma para entulharem
o fosso do enlrmcheiramcnto Seguia-se a van-
guarda do exercito, composto rle 5 batalhões de
mfante1 ia e i 6 est1uarlrões de cavallarrn, 8 á <li-
reitJ. comm:mdados po1· Aodré de Albuquerque,
e outros tantos á esquerda, ás ordens de Ach1m
de Tamaucnt mandava a mfante1Ja o, conde de
M1•,1p1itclla. Ocentro, on corpo de halalhn, com,-
83

tava <le 2 000 mfantes cummandados 1wlo brarn


Dm1z de ~lello e Castro, e de 900 cavallos .\s
ordens de Gil Vaz Lobo e de ,:Manoel Freire de
Andrade. Na terceira hnha, on rei-l'ITl, de ~nc
era cornmandante o tenente general Pedro La-
landc, 1am, 2:000 mfantes o 800 cavallos. De
gnarda ás bagagens ficou um batalhão de mfan-
teria e alguns esquad1 ões de cavallar1a. As 7 bo-
cas de fogo collocaram-se sobre uma colhna do-
minando o acampamento do mnmgo.
Uma nevoa dens1ss1ma occultou por algum tem-
po a marcha dos nossos, e os generaes hespa-
nhoes, persuadidos de que não senam atacadas
as suas linhas n'aquelle dia, fizeram ietirar dos
Mm taes alguns terços de mfanter 1a, que defen-
diam aqnella posição~ repartmdo-os por suas or-
dmarrns estancias. Pelas 8 horas da manh:í., e
quando o nevomro começava a d1<;;s1par-se, che-
gava a vanguarda portugueza aos pontos do ata-
que. Presentlflos os nossos pelas sentmellas m1-
m1gas, foi tal a confusão que estas lan~.aram com
o seu alarma no campo hespanhol, que os ofil-
ciaes tiveram a maior <l1filculdadc em d1stnhmr
as tropas nos devidos logctres para a defeza. To-
davia o conde de S. Germano e D Rod1 igo <le
Mo-xICa postavam-se á frente de alguns hati'llhiics
e grnavam-se a toda a pressa ao combate, o du-
que de Ossuna formm·a a sua cavallarm em or-
dem de batalha; e o geneial em chefe, D Lmz de
M

fl.11 o, subindo ao monte fortificado da Graça,


d'onde podia observai sem risco os movimentos
<los dons exerc1tos, limitava-se a recommendar
aos seus: • Que sustentassem a todo custo a re-
putação e a gloria das armas hespanholas. »
A este tempo tmham os portuguezes entulha-
do de fachma os fossos, e apesar das frequentes
tlescargas do mimigo, foram rôtas as tnncheiras
entre o forte da Graça e o convento de S Fran-
cisco, entrando os dous regimentos de Antomo
Galvão e Bartholomeu de Azevedo para dentro
das hnhas, onde 1mmed1atamente se formaram
em batalha. Avançou então sobre elles D. João
Qumtanal á frente· de um cons1dernvel corpo de
cavallaria, mas D. João da Silva, que como dis-
semos acima, tmha sabido da praça por ordem
de D. Sancho Manoel, e que se postára entre a
cidade e o no Chinches, vendo o movimento do
Quintanal, correu com os seus 170 cavallos em
auxilio dos dous regimentos portnguczes, e obri-
gou a ca, allana hespanhola a retroceder che-
gando pai te d'clla a saltar para fóra das t11~chei-
ras Accudm mais ca, aliaria mi miga, e os por-
tuguezes, depors de sustentarem pm largo espaço
um renludo combate, mm finalmente cedendo o
campô ante uma força mmto super10r em nume-
10, quando se v11 am repentinamente apoiados
pelo corpo do commando de Aclnm de Tamar1-
c11t, r1ue havendo romp1clo o entrmchelfamento,,
carrrgou l1riosamcnle os hespanhocs, levando-os
de vencida até o quartel da Vergada.
Ao mesmo passo o conJc Jc S. João e Simão
Crn rêa com m, destacamentos, Ja guarnição, que
D. Sancho fizera sahir a campo, transpunham o
Chinches, atacavam as trincheiras, que lhes fi-
C,l\am em frente, e rompen1io-as, mett.i:.un 01ini-
migo entre rlous fogos. A victoria, por aquellc
lado, não tardou cm declarar-se em favor dos
portuguczcs; de sorte que D. Luiz de Baco, ven-
do os seus completamente Jestroçados, fugiu a
toda a ~rida para Badajoz, entregando a D. Luiz
Mo\.Íca a defeza do forte tia Gr::iça.
A ala direita. do exercito portuguez-Jmvia ex-
perimentado nma resistencia mais tenaz. Dispu-
tavam-lhe o terreno a infanleria do commando
do duque de S. Germano· e a ca\'allaria acaudi-
Il;ada pelo duque de Ossnna, dous ofliciaes va-
lentes e experimentados. Dous terços portugue-
zes ha\'iam tomado um forte, mas com grande
perua; o terço de Luiz Jc Menezes, atacando ou-
-tro forte, teve de retroceder quasi em desbarato,
ficando o seu m~strc de campo mortalment~ fe-
rido; mas ainda n'estc estado fazia os maiores
exforços para cspertar o animo de seus solda-
(los.
· Vendo isto o intrepido André de Albuqnerq1w,
avançou a cavallo ::ité ao centro do terço, e rx-

ü
86

probrando-lh~ a sua cobar<lia, obrigou-o a mar-


char de novo para a frente. O forte havia sid_o
rcfo1·çad0 ,com tropas frescas; mas os nossos, am-
mados pela palavra e pelo exemplo de Albuquer-
que, arrojaram-se como leões ao -ataque, e co-
meçaram a arrancar a estacada debaixo do mais
vivo fogo de mosquetaria. Albuquerque com o
seu bastão ensina 11,ra aos soldaJos o modo <le des-
cravar as estacas; e no momento em que le-
vantava o braço, l}ma bala o lançou por terra
mortalmente ferido. C011·eram em .seu soccorro
Jorge de França, provedor do exercito, e o the-
soureiro Antonio de Torres; elle tinha porém ex-
halado o ultimo suspiro, e os dous, para que os
soldados não desanimassem com a fatal certeza.
da morte do heroe, que tão denodadamcnte os
levára ao combate, tomaram precatados o cada-
ver e o conduziram para dentro da praça, <lizcn-
dQ que ia sómente ferido.
O ataqµe proseguia. entretan'lo. A retaguarda
portugueza entrou então tambem na acção, e em
JJreve o inimigo era por toda a parle completa-
mente derrotado.
Todo o exercito portuguez acampou victorioso
no valle, que fica entre o forte da Graça e a ci-
dade. O general conde ~e ·Cantanhede e mai~
officialidade foram á egreJa ·cathcdral assistir ao
Te Deum, que se cantava cm acção graças ue
por tão assignalada, victoria. Todavia os caste-
Si

lhanos occupavam ainda dous fortes, de que era


ncccgsario expnlsal-os. E::;ta empresa foi encar-
rrgmla a Affonso Furtado de Mendonça, que á
frente dos rcgimenlos <lo conde tle S. João e <le
Simão Corrêa da Silva, marchou denodadamente
ao ataque; mas foi repellido. A noite veio dar
treguas aos combatentes, e durante ella os restos
do e~crcito hcspanhol se recolheram a Badajoz,
morrendo muita gcnle afogada na passagem do
Caia e do Guadiana. Vendo gue lhes era impos-
sivel sustentar os dous fortes, os cabos castelha-
nos se resolveram a cnlrcgal-os no dia seguinte,
o que cffectivamcnlc fizeram, ficando as suas
guarnições prisioneiras de guerra.
O inimigo perdeu n'esta memoravcl acrão
5:000 homens entre mortos e prisioneiros, su-
bindo a maior numero os feridos, entre os quaes
se contavam muitos dos seus principaes cabos.
· lcrdeu além Ll'isso 17 pecas tl'ahilheria, 3 mor-
teiros, 5 pctardm;, 15:000 armas, mmlos estan-
da, les e bandeiras, a secretaria e .caixa militar,
e grande copia de muni{'õí's e mantimentos. A
perda. dos porluguezcs fui de 1DO mortos e 660
feridos. No numero dos morlos e11lraram alguns
officia.es de uistmcção, como o mestre de campo
Luiz de Menezes e Sonza, D. Fernando da Sil-
veira. irmão do conde de Sarzetlas, e o general
de cavallaria André de Albuquerque, que conta-
va. apenas 30 annm, de idade, e era um dos mai&
88

valentes, activos e estimados cabos do exercito


portugnez. sendo por isso a sua perda geralmente
sentida. O sangue de tão illuslres victimas deu
novo esmalte áo dia 14 de janeiro de 1659, que
ficou para sempre memoravel nos Fastos Portu-
guezes 1 •

Rest. Tomo n:
' La Claide Hist. ele Port. - Menezes, Port.
V

AMEIXIAL

•E, 11orque mais ,111.111 se nman,c e ,!orne


A ,oberb,I do IDIIIIIJO ÍUI ibu111l0,
A ,ublunc bandch,11•,1s1clh,111a
1101 dcmb,11!,1 ,10s 11é• da Lu,11an• •
oown,, ,r,u~1.1,1., 1v 41

Sob os mais esperançosos aDspicios começára


pn.ra POl·tugal o anno ele i fiü2. Os terrores, que
momentaneamente lançúra no animo tlo gover-
no portugDez a paz concluída entre Ifospanha e
França em :1659, foram-se logo desvanecendo
ante o favoravel aspecto, com que as prir;icipaes
nações da Europa acolhiam as negociações ha-
hilrnente sDstentadas pelos nossos diplomata~.
Como para-contrahalançar os p~rniciosos effeitos
do tratado dos Pyrineus, que nos roubára 0
apoio da França, 'logo no anno de 1660 pedia
Carlos II, recentemente restituido ao throno da
tlU

Gran-Brelanlia, a mlo de umJ. mfanlc purl11g11c-


za, com <t qual sr dc<;po~av,l. no anno segumte
Pelo mesmo tempo o 11o~so emlian,<ttlor conde de
Miranda ajusla'l-a um tratado de paz rnlrn Pm -
tugal e a Hollanda, e a final o p1 opno go\'erno
frc1.nccz, desassombrado das mfluenc1as do artc1-
ro Mazarino, dm,pia 05 seus senlm1cnlo-:; hostis,
e começava a mo&l1 ar-se outra \'C'Z inclmtUlo a
favor da nobre causa da mdepemlencia portu-
gueza 1.
Todavia o allud1do tratado dos Pyrmeus dera
leigar a que F1hppe IV, ll\'I e <la gnerra com a
França, voltasse totla a s11a altençfto para a con-
tJ msta de Portugal Depois de serem regeitadas
pelo governo portugucz as av1llantes pt opostas,
que para uma accommorlação lhe haviam sido
feitas pelo hespanhol 2 , F1l1ppc IV imaginou po-
der dernbar agora de um revez de espada a mal
segura obra. de João Pmto Hibetro; e para esse
t Quadro Element. pelo vrnconde de Santarem.
- Torn. IV, Part. II, png CXXV. ·
2Estas propostas eram: - 1." Que Portugctl vol-
t.ma ao estado, em que se achava antes de 1640
concedendo-se uma amnistia. . a to d os os po1 tugue-'
zes. -2.n. Que a casa de Bingtmça seria conse 1 va-
da em seus foros e p11v1k•g10s, ficando seus suc-
ce1sore1 vtce-1e1s pe1petuos de Portugal - 3 ... Se
a1s1m n~o conviesse, concedel'-se-hm e\ D. Afonso
VI o titulo de rei do Braz1l. - Obra citada, Tomo
IV., Parté'II., pag. CVI e seg.
91

fim j1111lou 11m luzido exerc1lo, para o qual re-


crutou tropas em seus dominios de Hespanha e
llalia, fazendo levantar gente em Allemanha e
out1·os paizrs, conseguindo tl'est'arte pôr debaixo
do commando de D. João tle Auslria, scn filho
natural, um corpo de 10:000 infantes e 5:000
ca\'allos, que destinou desde logo á conquista d.i
nos8a provincia <lo Alemtejo.
Sem embargo porém de tão rnidosos prepara-
tivos, a campanha, nos dous annos de 61 e 62,
limitou-se á tomada de algumas praç.as de pouca
importancia, e ao sitio de Jnromenha, que deEen-
dendo-se JJOr alguns dias, teve de render-se a 9
de .iunho d'aquellc ultimo anno.
Em 6 ,le maio de 63 sahiu novamente de Ba-
<lajoz D. João tle AusLria á frente de i2:000 ho-
mens de infanteria divididos em 32 regirnentps,
e de 7:000 cavallos formando 94- esquadrões, com
20_ peças de artilheria. Abundavam n'este exer-
cito os carros, munições e petrechos de guerra ;,
era general da infantcria o duque de S. Ge~ma- 1

no, da cavallaria D. Diego Cavallero, da artilhe-'


ria D. Luiz Ferrer, conde d' Alrnenára; e junta-
mente com estes serviam ás ordens de D~ João
d'Austria outros officiaes hespanhoes e estran-
geiros de reconhecido valor e sciencia militar.
Estas forças, passando o rio Caia, avistaram
no dia 11 a praça <le Estremoz, dentro da qual
se achava um corpo de 8:000 portuguezes, o que
tirou ao general he~p:rnliol a vo11ladc de tentar
qualquer emprC'za contra aqurlla pmç:1. De1\an-
dó portanto Eslremoz :í csq111•1·da, dPmandon o
i11imigo a cidade rle Evor·a, que aberta e mal
guarnecida, se rendeu por r:1pit11l:içüo cm 22 do
mesmo rnez llc Maio IJ'alli c<.lcndrram-se ,·a-
rias pari.idas alú Alcaccr do Sal, e Beja, pondo
em pezatla contribuição os povo<. d'essa pari<' da
provincia, diariamente rnxados pela presença de
uma soldadesca ícroz, que, segunrlo aflirm:un n1e-
rnorias contcmporanras, não continha a sua co-
)Jiça nem mesmo diante dos objectos mais sa-
grados 1 •
Para se oppor aos progressos dos invasores.
nmuiu o gPn<'ral da provincia do Alcmtejo, con-
1le de Villa Flor, um e\ercilo cm Estremoz, que
conseguiu elevar ao nnmero de t 1:000 infantes,
3:000 cavallos e 15 bocas de fogo. Eram 21 os
batalhões de infanteria, e 64 os esquadrões de
caYallaria. Tinha o posto de general d'esta arma
o celebre Diniz de Mcllo e Castro, e commanda-
va o contigenle da Beira o gmwral ela pro\'incia
1\fanoel Freire de Andrade; era commandante da
artilheria D. Luiz de Menezes, conde da Erycci-
ra, e governava. a infan1eria, com o cargo de
mestre de campo general, o conde de Schom-

t V ~ja-se a Relação•Official d'esta campanha, im-


pressa em Li!!boa, em 1663.
!)3

I,cl'g, oilici_al de grantlc nomc:-ida. que por diJi-


grncws do marPrhal de Turcnna, tmha, indo ser-
rir cm Portugal. Eram s:1rgC'ntos-rnôres de ba-
talha .lofio da Sil\'a e Sonsa e Diogo Gonws de
Figueiredo, e sc1·,·iam ainda no exercito. sem
rommando especial, os tencnles gencracs Gomes
Frf•1rc de Andrade, Pedro Jaques de Magalhães,
D. João da Silva e Affonso Furtado de Mendon-
ça. Ao lado dos portuguczes marchavam lamhem
alguns terços de inglezes e francezes ao soldo de
Porlngal, e varws officiaes ele merecimento d'es-
sas duas nações. O conde de~ Villa Flor, D. San-
cho l\lanocl de Vilhena, já célebre pela heroica
dcfeza d'Elvas, cr:i o general C'm chefe.
Sahin o exercito portuguez de· Estremoz em 22
de Maio com o intuilo ele soccorrer Evora dan-
do batalha ao castelh:mo; mas no segundo drn. de
marcha soube o conde de Villa Flor, que a cida-
de se havia rendido. Este succcsso, baltlando o
primriro plano, fez conceber ontro aos nossos
genrracs, que consistia em postar as snas forças
de modo a poderem impedir ao inimigo a retira-
i la para Castella, fazendo lhe assim pagar cara a
imprmlcncia, com que se havia internado f 5 le-
guas para áquem da fronteira, deixanclo á sua
retaguarda tantas praças presidia<las. Com este
fim collocou-se o exercito portuguez sobre a mar-
gem esquerda du Otlrgebc, pequeno no, que cor-
re a Leste de Erora, e que deve o seu nome, de
94

origem arab1ca, á penm ia <lc suas aguas Jurante


a estação calmosa
Apenas alh acampaJos os nossos, appareccu
na mc1rgem chrmta o e\crc1lo castelhano, levan-
tando sobre uma collma uma La leria de 1:3 pe-
ças, que toda a nmle de 4 de Junho disparou
sem cessar, sem fazer todavia algum damno aos
porlngnezes, qne estavam ao abrigo das onJula-
ções do terreno Na manhã segmnte moveu D.
João d' Ausll ia as suas forças pa1:a passar o rio;
ma~ fo1 cora1osamente rcpclhdo, e teve de des1s-
t11· da empreza depois de perder 800 soldados.
Então fazendo reli1 ar de Evora as suas bagagens
pelo calado da nmtc, marchou em seguimento
d'ellas com tal precaução, que só na manhã de
7 perceberam os nossos gcneracs a sua 1 et1rada,
ou antes d1sfarratla fugida Apesar de nos levar
uma legua de d1stancm, com tal pressa se paz D.
Sancho Manoel a segml-o, que ao passo que os
castelhanos passmam o r10 Ter na Venda do Du-
que, passavam-no os portuguezes em Evora Mon-
te, e d'est'arte foram marchando os dous exer-
c1tos, á vista um do outro, até ao s1t10 do Amei-
xial
Queria D. João d'A11stna evita, urna batalha,
e metter-sc em Ar, onches, onde Ieforçar,a o seu
e'\.e1 cito com os soccorros ~ons1derave1s, que aca-
bavam de chegar a Bada1oz. Penetrou-lhe o m-
tento o conde de V1lla Flor, que resolveu logo
95

bate,· o sen :Hlversario antes que se ope,assc a


juncrão t1as fort\aS castelhanas; e supponuo qDe
11 111i111igo seguiria a estrada da Ribeira de Vei-
ros, que era a mais curta para Arronches, for-
111on na manhã do dia 8 o exercito portuguez em
ordem a cortar-lhe o passo. Mas D. João t1'Aus-
1ria, mudando logo de direcção, foi demandar as
alturas do Ameixial, qne occDpou desde os_Rui-
vinos até ao monte da Granja, formidavel posi-
ç-fto, quc cobria a estrada por onde lentamente
se 1110\' mm a sua cavallaria e bagagrns.
Os campos chama,Ios do Amei:\.ial são uma
vasta planicic, que fica na distancia de uns 5 ki-
lornetros ao OcciJcnte de Estremoz, muito abun-
dante de agua, com seus· casaes, pomares e hor-
tas. Ao Oriente d'esta campina corre, na direc-
ção de NO. uma longa cordilheira, que por uma
ramificaç;:io mais ou menos pronunciada para o
Nascente vai ligar-se á serra de Souzel, da qua],
por assim dizer, faz parte. O ponto culminante
d'esta cordilheira Lem o nome de Serra Murada;,
ségue-se o alto de Ruivinos, junto do qual ha um
estreito va1le, ou garganta, a que chamam o Ca-
nnl, por onde passa a ,estrada, que as tropas cas-
telhanas tinham de seguir. O exercito portugnez
Linha occupado outra serie de alturas do lado de
Estremoz.
Era forçoso aproveit.ar est~ local para a bata-
lha, que os nossos genei·acs Julgavam indispe°'-
'
!J(i

s:wc1, tanto quJnto os castelhano~ se Pmpenlrn-


nm rrn evitai-a Mandou po1 tanto o conde dr
V1lla Flor ao general tio c:uallaria, M:moel Frei-
re, que com 500 cavallos e dous te1 ros tlc mfan-
tena, um portuguez outro rnglez, fosse desalo-
jar alguns bJ.talhões castelhanos, t111c se achavam
avanç~dos cm uma altura mais pro\.Írna do nos-
so campo Entretanto movia-se o grosso ele nos-
sas fo1ças rla sua pr1m1t1va posição, que sendo
ent,e ,mhas e vallados, dfficultav,1 Lastante a
marcha. ~anoel Frc1rr co1·reu ao 1111migo com o
maior deno~o, lançou-o ua a1lura, e não contente
com isso baixou á plarncie e começou uma esca-
ramuça com _um grande corpo de cavallaria m1-
m1ga, que marchava vagarosamente escoltando as
carruagens; commett11nento rn1prudenle, que po-
deria ser fat::il aos nossos se o general de arl1lhe-
11a D. Lmz de Menezes não adverl,sse a Manoel
Freire a nPcessidade ue retirar-se a tempo, o qnc
rstc immetl1atamente e>..Pcutou. O conde do
SchomLerg, que de uma eminencia observava os
movimentos dos dous exerc1tos, notando a gran-
de d1stanc1a, cm que a infantcria e cavallana ini-
miga se achavam uma da outra, e que querendo
esta ultima disputar aos nossos batedores uma
posição impmtante, que acabavam ue tomar, os
carregára em tal desordem, que deixara a desco-
berto art1lhcr1a e bagagens, mtendeu conveniente
aproveitar o ense1o, e reunmdo os esquadrões
97

de cavallaria porlugueza, que achou mais á mão,


avançou com clles contra o inimigo, avisando
d'este movimento ao conde de V1lla Flor pelo
commissario geral Duarte Lobo. Por este mesmo
portador recebeu porém Schomberg ordem do ge-
neral em chefe para que se sustivesse; ordem a
que elle obedeceu logo, mas não sem sentir o
mais vivo desgosto de que não lhe consentissem
proseguir um ataque1 que talvez decitlisse desde
logo a victoria a favor dos portuguezes.
Viu enlão D. João d'Anstria que já não era
possivel esquiv~r-se_ao combate, e depois de to-
mar as suas d1spos1ções para receber o ataque
dos nossos, fez circular pelo seu exercito uma
proclamação, e_m que incitava os soldados a man-
terem com bno a ,sua repu1ação militar e a do
seu chefe 1• Como jú di~semos, occupara a infan-
teria hespanho!a a serie de alt.uras, que se en-
cadeiam ao oncnte da campina tlo Ameixial, e
a cavallaria, formando um C'Orpo de perto de 6:000
cavallos, estava postada na planm:.1, ao sopé da
serra. Do lado de Estremoz coroava o exercito
porlugnez as alturas, tendo em um monte do Ja-
do esquerdo uma bateria. de 5 peças, e em outro
da direita outra bateria ue f O peças. apoiando-
se lambem a nossa es<1uerda cm duas linhas de

j. Pub'icamos em Appendice este e rioso docu-


n1ento, sob o n. 0 1. 0
!}8

cavallari:i Por largo c&paço se csl1rcram n11ran-


do os <lous e\.erc1tos rn1mo,,e1s, Jogando sómento
a art1lheria com pouco damno Jc parle a pai 1~,
até que, sendo 3 boias da t:inle, começou a al-
frouxar o fogo do inrm1go, d'onde conclmrain os
nossos cahos, que elle tentava pôr-se outra vez
cm ma1•cha. Ellect1vamenle D João d' Ausll'la
concebera amda a ideia de fazer passar as baga-
gens para além do estreito passo do Canal, sem-
pre p1 oteg1das pela sua ca\'all.ll'ia, e <le fazer tles-
ftlar em segmda a mfante1 m pelas alturas, que
lhe ficavam á retaguai <la, tomando o cammho
de Arronches, onde com o favor das pro'\1ma,;;
sombras da noite consegmria metter a salvo todo
o seu e\.erc1to.
Os generacs porl nguezes, a quem não escapou
este plano, reurnuos cm conselho delibcra1 am co-
rnerar irnmediatamente a batalha, atacando a ca-
vall:11 ia m1m1ga na plamcie, e lançam.lo a 1ufan-
tena contra as fortes posições occupadas pelos
castelhanos. Em conformidade com esta dchbc-
rarão, ordenou-se a Dm1z de Mello, que morns~c
rapidamente duas lmhas de carnllaria da cl11 e1ta.
para a esquerda, deixando sómente por aqnellc
costado 5 hatal/1ões solJ o commando do com-
rmssario geral l\Ta1l11as da Cunha, e que lodo o·
cm po de cavallarw. 1eunrdo na esquerda (que nã.o
Pxcedia a 3.000 homens) formasse 3 lmhas e
arançasse assrni ao m1migo Ao mesmo tempo
9!)

dous corpos <lc infantena, o i. º ás ordens de


Afionso l1 urtado de Mendonça, e o 2.º dirigido
pelo conde da Torre, marcharam contra as duas
eminencins, que o inimigo occupava, mais pro-
ximas á nossa esquerda.·
A f. ª linha da cavallaria portugucza, guiada
pelo arrebatado valor do general M:moel Freire
de Andrada, adiantou-se tanto, que expondo-se
ao fogo de um terço inimigo e carregada por for-
ras superiores, teve de retroceder algum espaço,
ficando o seu commandante mortalmente ferido.
Ao mesmo tempo chegava Affohso Furtado com
a i .ª linha de infontcria junto da montanha, on-
de se achava o proprio D. João d'Austria, e que
clle mesmo, por lhe parecer macessivel, compa-
rou ao castello de Milão na parte official, que deu
a el-rei seu pai dos successos d'aquclle dia. Man-
dou Affonso Furtado subir pela direita o terço
de Tristão da Cunha, pela esquerda o tenente
coronel Hut com o seu regimento <l' mglezes, e
pelo centro os terços de Jorto li'urtado e de Fran-
cisco da Silva. Uma força de cavallaria cahiu so-
bre os ing]ezes, que lhe resistiram galh:udnmen-
te, oppondo-lhe um muro de piques, em quanto
que êlS armas de fogo reunidas no centro despe-
diam um chuYeiro Lle balas. Os portuguezes fo-
ram trepando pela encosta sem rlisparnr nm tiro,
mas dehai,o t.lc um fo.go mortifero, até que con-
seguiram chegar ao cume da montanha. A11i a
100

refrega não foi muito duradoura; o inimiQ'o, wn-


uo-se assaltado J<'nlro de uma tapada, com que
se amparava, deu immediatamrnte cosias, arras-
tando na sua fuga o proprio D. João d' Auslna,
que em vão se esforçára por detel-o, e abando-
nando 4 pecas <l'artilheria, com as quaes o nos-
so general D. Luiz de Menezes ain<la chegou a
fazer-lhe fogo.
Não era menos felii o corpo do com mando do
conde da Torre. Avançando a outra eminencia,
e superando com a maior coragern as escabrosi-
dades Jo terreno e a mais tenaz resistencia dos
castelhanos, foi-os dcsalojanJo das suas posições,
sendo fortemente apoiado n'esta empreza pelos
5 esquaúrões de cavallaria, que haviam ficado,
como acrma dissemos, 1.Ís ordens do commissario
geral Math1as da Cunha. O con<le Ja Torre, pe-
lejando como o mais valente de seus soldados,
teve o seu cavallo morto. O inimigo depois de
perder as (t bocas de fogo, q?e alli tmha, fugiu
Pm completa derrota, sendo vivamente persegui-
do pelos capitães de cavallaria Ayrcs de Salda-
nha, Ayres de Sousa, D. Manoel Lobo e Paulo
llfmen.
Affonso Furtado tomou ainda segunda e ter-
ceira eminencia, não achando n'esta já opposição
alguma. Aqui perlemlcu fazer allo, por quanto
lhe fi?avam á retaguarda. grandes massas de ca-
,allana hespanhola combalendo com a portugue-
101

za t\·Jas ns suas tropas, arrebatadas pelo ar-


dor da peleja. e pela cobiça dos despojos, sem
obedecerem á voz do seu chefe, avançaram·sem-
pre para a frente. Lembrou-se então D. Lmz de
Menezes ele um acertado expedtente, dirigindo-se
a alguns officiaes do terço de Francisco de Souza,
de qne fôra Já mestre de campo, os obngou a as-
sen lai em-se; os soldados, que os segmam, paráram,
e o mesmo foram fazendo os outros terços, ,dando
lugar a que os cabos, aproveitando-se d'este mo-
mento de socego, consegmssem reconduzn· aguei-
las tropas ao conhecimento <le seus devei es m1-
l1larcs, fazendo-as entrar na ordem e obedienma
necessarrn. Heunm-se lhe logo o corpo do com-
mando do conde da Tone, e todos os 9,terços
fica,ram coroan<lo as altúras, d'onde tão ))1 wsa-
mentc acabavam de cÀpulsar o mnrngo
Durava porém ain<la na plamc1e o combate
entre'a ca\'allal'la Trez vezes se havia a portu-
gucza <lesor<lcnmlo, e tres vezes se refizera, vol-
l:mdo á carga, porém o numero mmto supenor
dos castelhanos muttlisava-lhe os heroi·cos esfor-
ros, e não lhe cedia um palmo de ter1eno. Ven-
do isto o conde de Vdla Flor, deu ordem,ao ter-
ço de Bernardo de Mn anda Hennques, que ficára
de reserva, para que se adiantasse até um pe-
queno outei1 o, e d'alh fizesse fogo sob1 e a caval-
laria rn1m1ga. Este movimento, rap1do e acPr\a-
damente e).ecutado, e o fogo que ao mesmo tempo
7
102

partia das alturas tomadas pc]a infanteria por-


tugueza, começaram a desconcertar os caslclha-
nos. Então Diniz de Mello e Castro, env1uandc
o ultimo esforço, conseguiu arrojai-os para o es-
treito passo do Cana], por_ onde atropcla~do-sc
mutuamente, e perdendo mmtagente, se retiraram
caminho de Arronches na mais completa derrota.
Os portuguezes não perseguiram os fugitivos
não só por causa do escuro, pois eram 1Ohorm
da noite quando acabou a batalha, mas tambem
porque os deteve o saque dos carros e bagagens.
que haviam ficado no campo. A caixa militar, :i
secretaria, e os p:oprios coches de n. João d'Aus-
tria; o estandarte real, {0 bandeiras e 25 car-
ruagens particulares, tudo isto fez partff do im-
portantissimo despojo d'aquelle dia. Os inimigo~
perderam além d'isso todas as suas bagagerrs, 37
bocas de fogo, 4:000 mortos, entre os quaés o
general d'artilheria conde pe Charny, ,um grande
de Hespanha, ~ i titular~s, 4 commissarios ge-
raes de cavallar1a, 47 capitães e 2 i alferes· mais
<le 6:000 prisioneiros, entrando n'este n~mero
um filho do conde duque d'Olivares, nm filho do
duque de Medina de Las To'rres, o conde Jc Es-
calante, o de Fresquiz, o de But e outros perso-
nagens distinctos.
Dos porluguezes morreram 1:000, e ficaram
500 feridos, contando-se enlre aquelles o gene-
ral Manoel Freire de Antlrada, o mestre de cam-
103

po Diogo Soares de Almeida, o tenente de mes-


tre campo Fernão Martins do Seixas, 11 capi-
tães, o tenente francez Mr. Labesce, e o tenente
coronel inglcz Miguel Ogan.
Esta vicloria encheu de jubilo toda a nação
portugneza; e el-rei D. Affonso VI, fazendo eri-
gir um padrão de marmore no sitio onde mais
renhida foi a peleja, quiz assim perpetuar a me-
moria do brilnante feito d'armas, que acabava de
segurar-lhe na cabeça a corôa de Portugal, dan-
do um golpe tremendo nas porfiosas pretenções
do estrangeiro, que bem mostrou quanto esse
golpe o pungiu recebendo desabridamente na
côrte de Madrid o vencido D. João d'Austria. E
-se o governo portugucz não foi justo, quanto o
devia ser, para com o conde de ViIJa Flor, a
posteritl~de, reconhecida aos seus serviços, quiz
mostrar a sua gratidão inscrevendo na lista dos
nossos mais afamados caudilhos o esclarecido
nome do defensor d'Elvas e <lo vencedor do Amei-
xial 1•

1 Damos em Appendice, a inscripção do padrão


do Ameixial. - Veja-se o Port. Restaur. Tom. IJ
pag. 521 e seg. - a -R.evista Milit. Tom. V n.º~
4 e 6, (1853). ·
10-1

vr.

1101'-Tl~S CLAB08

Senhu llcllon.1 lá onde se cncPl'r,1


El)tc'.,111••11';110, e d ;r.n·C Lub,1 entoa;
Cujo horr1•ndo ,clani:or, ()UC a paz rle•1t•r1•,1,
o, IJrJo~ Jreb tallía; o mundo ,1t1oa;
Arma. arma. :Ludo c;o~, ludo guerra;
So,1 o mar 1,ucrru, ~ucrr~ .i terra MJJ;
Do< ,·.illcb rcpul,ando nos 0111•iros. ,
11t·s110111lcm i;uc1'1J 'ob ccco, dcrmdciros:
QllHEIJO •AfT011s0 Af1•1c., Vlll, lõ.

'T~o ·coi·tados ficaram 10s c::islC'lhanos do nosso


ferro, que por tooo o anno ele Hi64 não HC at-
trcveram a tentar oprração alguma de importan-
cia, além do cerco de Cas1ello Rqdrigo, <l' onde
vo]erosamrntc os cscarme11tou o general ela Bei-
ra, Pedro Jaques de Magalhães, gnnhando ao du-
quf' {h:l Ossuna uma acrão me,yioravel 1 •
Mas, a pµz conclui da em f 665 entre o impe-
1
Veja-se o Appendicc 3. º no fim elo vo]mnc.
105

ra~lor Leopo!do, e o sultão de Constanli~opla fa-


c1htou ao rei tl llcspanha o p.reencher as fileiras
do seu exercito, l'J,readas por tantos revezes, ,com
exccllentes tropas assoldauaJas em Allemanha;
e sem <lesistir da sua tão almejada conquista,
preparou-se ·para descarregar sobre o 1'ebelde
Portugal um ultimo e temeroso golpe.
Os desastres de D. João d'Austria tinham ti-
rado, a este general todo o prestigio no' exercito
e na côrte, e o proprio Filippe IV, não confian-
do já nos talentos m1lilarcs de sen filho, tirou-lhe
o commanuo cm cheíe, fazendo substituir pelo
11mrquez de Carraccna,- que nas Campanhas Je
Flandres p;anhára a pomposa denominação ,de
1l1arte d' Hespanlta. A's ordens d~este caudilho
se poz nm luzido exercito de i 5:000 infantes,
7:600 cavaUos e i4 pecas de artilheria, com o
qual sahinJo de Ktdajoz, transpoz a fronteira de
Portugal no f. 0 de junho de 1665. Entre os of-
ficiacs distinctos, que serviam sob o commando
do marquez de Carracena, contava-~e o irmão do
1luque de Parma, Alexandre Farnezio;,que go-
vernava a cavallarrn extrangeira.
No <lia· 7 chegaram os hcspanhoes á tor,~e dos
Sequeiras, entre as praças de, ~lvas e Campo
:Maior· a 8 á ribeira de Alcarav1ça, a 9 a Bor-
ba, o~de deixaram um presidio de 3 terços <l'in-
fanteria e alguns cavallos, e a 1.1 _assentaram os
seus arraiães em tôrno de V1lla Viçosa.
106

Esta povoação, célebre por ser o solar da casa


de Bragança, era., militarmente considcracla, t_1m
ponto pouco importante, corn,istindo a sua urnc~
defeza em um antigo cr1stello e em uma drhtl
muralha, tudo sohreleYado pelos montes circum-
jaccntes. Estas fracas fortificações começaram
logo a soffrer da parte do inimigo nm fogo vivis-
simo, como de quem queria derrihal-as e ren-
dei-as antes que os generacs portuguezcs fossem
em seu soccorro. Mas o governador Christovão
de Brito Pereira, supprindo com os proprios
brios ·as ohras de arte, que lhe faltavam, defen-
<lia-se com superior coragem, repellindo os ata-
ques, e inq1J1ielando os sitiantes com cqntínuas
sortidas; e por ultimo recolhendo-se á cidadella
com i:400 homens, que lhe restavam da guar-
nição, respondia com heroica constancia á porfia
do inimigo, que debalde multiplicava o fogo e os
assaltos.
- Era forçoso accudir áquelle punhado de bra-
vos, prestes a ficar sepuhados debaixo das mi-
nas d'essas muralhas, tão nobremcntedefendidas.
Den-se pressa o ma,rquez-de Marialva, general <la
província, em juntar em Estremoz um exercito,
que elevou ao numero de f 5:000 infantes, e
5:0,00, cavallos, com 20 bocas de fogo de diffe-
rentes calibres; á frente da cavallaria, estava o
v~lente·Diniz de MelJo, que já se cobrira de glo-
ria nas Linhas, u.'Elvas e no Ameixia1:, dirirria
n a
107

artilheria o conde da Eryceira D. Luiz de Mene-


zes; e tinha ainda o posto de mestre de campo
general o conde de Scbomberg.
Reunitlas estas forças, assentou .o marquez de
Marialva com os mais caLos <lo exercito, que este
sahisse a campo no dia ·17 de junho, e que fos-
se alojar-se no primeiro dia de marcha no sitio
de Montes Claros, qne fica a meio caminho de
Estremoz a Villa Viçosa, por quanto sahindo
d'alli duas estradas, uma. das quaes ia terá ser-
ra <la Lavra da Nollte, e a outra ao monte da
Mma, dous pontos fortificados pelos castelhanos
e proximos ao seu acampamento, ficariam elles
s~
jncertos sobre qual d'esscs dous pontos dirigi-
ria o ataque dos nossos, e, vêr-se-hi,am :àssim
obrigados a dividir as suas forças por ambos.
Concertado o plano de marqha, e depois de ha-
verem os nossos gu<nTeiros, confessando-se e com-
rnungando, procmado no conforto da [é religiosa
a esperança do triumpho para a causa da patria,,
que defendiam, sahin o exercito portnguez da
praça d'Estremoz, disposto na seguinte :óndem,:,
compunha-se a primeira linha d'infanteri~,de 12
esquadrões, indo na direita ·o terço de Tristão da
Cunha, e na esquerda os dous regiment_os de
francezes e i nglezcs recentemente orgamsados
1
,

pelo conde de Scho~berg; .formava a direita da


segunda linha o terço de ,Gonçalo da Costa e Me-
nezes, seguiam-se-lhe mais 7 corpos, e cerravam
108

a esquerda o tc1 ço d'allcmãcs e italranos rlo com-


mando de mr,, de Cla1 ::im A I esr1 \ a e, a com-
po~la de alguns terços tl'a11x1lrare:,; (milicias) e 11a
vanguarda iam uns 500 homens, lambem am.1-
liares, ás ordens <le Automo de Saldanha, os
quaes levavam as farramentas proprrns para aba-
ter as peredes e , aliados, e fac1htm a marcha do
exercito A ca~allm 1a do lado direito, que for-
mavd. tarnbem duas lmhas, era commanclada pm
Dmiz de Mello e por D. João da Costa; entre es-
tas lmhas iam 4 te1 ços tle mfantcrrn. Na m:quer-
da ha,·ia outras duas lmhas de•cavallana, gover-
nando a tla frente Pedro Cesar de Menezes, e a
<la retaguarda D. Anlomo MalJonado, á reserva
Juntaram-se _amda seis batalhões de cav<1.llaria ús
ordens do comm1ssar10 ge1 ai Antonio de Sequei-
ra Pestana. Seis peças de cahbie 7 iam na van-
guarda da mfanteria; na retaguarda U de cali-
bre 12 e 24, seguindo-se os cauos de munições,
bagagens, etc.
D'est'arte se poz em movimento o nosso exer-
c1lo ao romper d'alva do dia 17, sahindo com o
pnmeiro batalhão da vanguarda da cavalla11a os
condes de S João e da Eryce1ra, levados do cui-
dado, que lhes causavi~ o não se ouvir desde a
vespera troar o canhão em V11la Viçosa, o que
parec1a r1enotar haver-se rendrdo a praça, c1r-
cumstancia esta, que vma. alterar todas as dis-
JlOSJções tomadas. Não tmham elles andado po-
109

rém grande espaço quando Lomou a ouvir-se o


fogo; e de uma eminencia, a que subiram, obser-
varam os uous gcneraes, que a cavallaria inimi-
ga vinha sahindo a campo, e fonnando-se com
uma. presteza, que mostrava a intenção de com-
hater. Avisados d'isto o marquez general em
chefe e o conde de Schomberg, deram immcLlia.a
tamente orJem para que as <luas linhas da ca-
1•a1Jaria da esquerda passassem a reforçar ocos-
lauo direito do exercito, que era o que mais ex-
posto êslava ao ataque, por quanto o esquerdo
se apoiava em um 1cneno todo co1·taclo de san-
jas e \!aliados. Effcctivamcnte o i .º corpo de
cuvallaria passou a tomar posição' no fim da ,·ar-
zca, ao sopé da serra de Ossa, tendo pela di-
reila um chão tão aspero, que ,difficultava ao
inimigo o tomai-o de flanco. No outro extremo
da mesma varzea levantava-se uma collina de
facil pendor, que foi logo guarnecida por alguns
terços d'mfanteria da Lª linha; havia tambem
por esse la<lo um cazal com uma pequena tapada
de pedra solta, onde o general de artilheria foz
collocar 2 peças e 100 mosqueteitos debaixo do
mando ue Marcos Rapozo Figueiras. Na esquer~
da, sobre nm outeiro, postaram-se 4 bocas de
fogo; a 2.ª linha d'infanteria, formando,se um
chão razo, occupm a os claros dos batalhões e
terços da vanguarda; n'esses mesmos claros jo-
gavam algumas peças ligeifas, ao passo que as
llO

de maior calibre se cóllocaram á retaguarJa so-


bre uma eminencia, que dominava todo o campo
de batalha.
O marquez de Carracena, apenas pelas su~s
Yedetas teve noticia da marcha do nosso exerci-
to, tomou o expediente <le accommettel-o d'im-
proviso, contando assim mais facil o triumpho. Pa ·
ra este fim, separamlo em dous corpos infanteria e
cavallaria, ordenou a esta que atacasse a direita.
dos portuguezes, e áquella a esquerda, postarnlo
a sua artilharia em uma altura, que lhe ficava á
retaguarrla. Em quanto a infanlcria castelhana
fazia difficil -caminho por entre vinhas e paredes,
a cavallaria movendo-se em campo razo carregou
ousa<lamenle sobre os terços de Tristão da Cu-
nha, Francisco da Silva e João Furtado de Men-
.donça, e sobre a cavallaria de Diniz de Mello,
forças estas, que occupavam a plcnura entre o
outeiro e a tapada, acima mencionados. Então
deu D. Luiz. de Menezes ordem para que as pe-
quenas peças carregadas ue metralha, que occu-
parnm os claros dos terços d'infanteria, não dis-
parassem senão quando o inimigo estivesse a 50
passos de distancia. Assim se fez; e tão terrivel
foi o effl~ito d'esta descarga, que os castelhanos
chagaram a fazer meia volta; mas instigados pe-
es seus chefes, avançaram de novo para a frente,
e rompendo a nossa infanteria, que se lhe oppu-
nha, penetraram até á 2. ª linha. Aqui acharam
111

porém uma ·muralha de ferro, que suspendeu a


impetuosa torrente; officiaes e soldt1dos pelejaram
como heroeR; - o marqnez de Marialva esteve
J>Or largo espaço cercado de inimigos; o conde
dt> Sd1ombcrg teve o seu cavallo tporto.
Os terços de Pedro Cesar, Francisco de Tavo-
ra e Rcrnardim de Tavora, secundados pelos es-
forços de Diniz de ~folio, conseguiram repcllir o
inimigo, que querendo romper pela sua esquerda,
achou barrada a passagem por trez batalhões ás'
ordens do conde de S. João, os quaes, callan<lo
os piq'ues, obrigaram-o a sahir camo uma tor-
rente furiosa (segundo se exprime uma testimu-
nha ocular) pelo c1aro que havia aberto na linha
da vanguarda portngneza. N'esta retirada, rece-
1,erarn os Castelhanos grande damno, tanto da
nossa artilberia, como do terço de Mathias da
Cunha, que formado dentro de uma horta, os apa-
nhava pelo flanco.
A infanteria inimiga, depois de vencer na sua
marcha todos os obstaculos, que lhe oppunha o
terreno aspero e cortado, apresentou-se sobre a
esquerda dos portuguezes. As nossas avançadas
retiraram aos primeiros tiros, e um rigimento
d'inglezes,, q•ie se auiantára sem lhe ser ordena-
do, teve que retroceder tambem com bastan1e
perda. O terço de Antonio de Salda~l1a, que es-
tava na vanguarda da esquerda, foi eg9almente
Jerrolado, perdenuo o seu mestre de campo; 0
11 :::!

ini1mgo, anmçanJo semp1 e, rompeu os dous re-


gimentos fr,rnceze~ de Fonge1 et e Che, e1 y, e des-
troçou os a11xilm1 es <le Evora, cu10 command:rn-
te apriz1onou
Dr teve porém estes pr ogrcssos o terço. ti~ Se-
bastião da Vmga Cabral, que ob11gou o mnrngo
a fazm· alto, e tomou-lhe a pmne1ra bande11 a.
O conde ele Schomberg, que acudi Ia áq uella par-
te com os seus aJudantes de campo Miguel Car-
los de Tc1vora e Dwgo Gomes de F1gue1redo, re-
forçou então a linha com mms quatro terços, e
obrigou os Castelhanos a perder outra vez todo
o terreno, que haviam ganhado. Ao mesmo tem-
po o general de a1 t1lherm D. Lrnz de Menezes,
obscr\'ando que o regimento do coronel Chevery
descia em desordem pela encosta Je um monte,
que acabava de pen.ler, thrigm-sc ao terço de Ay-
res de Sousa, um dos Ja 2. ª !mim, e correndo
com ellc a reforça, os francczcs, CUJO comman-
dante Já estava ferido, os melteu cm ortlem mar-
chando de, novo .a a1acar o monte, d'onde 'a seu
turno foi expulso o rnnrngo Este, rechaçado vi-
gorosamente, retrocedeu a amparar-se com as vi-
nhas e paredes, contmuando a folmmal-o ah, mes-
mo a arttlherra portugueza~
Na d11 e1ta ainda deu outra fm rosa carga a ca-
Yallana Castelhana, mas d'esta vez com menos
resultado e maior perda. Igualmen1e baldado foi
um novo ataque da mfanterm contra a posição
tlclrnd1Ja pelos terços de Manoel Fcrreirn ReLel-
lo e Diogo Caldas, que se sustcntarnm. valerosa-·
mente, apezar do damno, que soffrcram11\qm se
moslrou mm destemido o general marquez Je Mu.-
r1alva, acudindo á pelcJa com h opas da reserva,
qnc já qnas1 cettas da. victorla, avancavmn ao
inimigo soltando gnlos Je conlcnlamenlo.
A's 3 horas <la tai:de, depois de 7 de comba-
le, notai am os nossos, que o 1rnm1go afrom.ava
o fogo e começava a dcsoruenar-se. A' v1sla d'1s-
to d1~sc o tenente general D. João da Silva a D1-
mz de Mello, que advertisse ao marquez de .Ma-
rialva a oppm lurnclade de tomar a offcns1va ata-
cando os Castelhanos antes que elles, con1ramar-
cham1o. se ,ecolhcssem aos ohvaes de Borba,
d'onde )hcs SCIJa facil salvarem-se D.'l •praça de
Jorumenha. Emquanto Dm,z ele Mello ia fallar
ao gene, al em chefe, adiantou-se D. João da. Sil-
va :.i f, ente de um corpo de cavallarm ua direita,
transpondo com alguma d1fficuldmlc as sanps e
cortaduras ilo•terrcno, que lhe ficava na lrenle,
e pedrndo a Roque da Costa, que ,1poia~sc este
monmento com ns fo1 ças do seu coinmando, res.::
pondeu-lhe clle, que Dmiz de Mcllo,lhc ort1enú-
ra se não movesse d'alli até a sua volta Repli-
cou-lhe D João, que se o general alli eslt vessc,
e visse a bella occas1ão, t]!Je se pcnlia, sena
prompto em mandúl-o m:mça1 Roque tla. Cosia,
de quem aífü ma um ~eu contemporaneo «11ue
114

necessitava menos estimulas para acções heroi-


-cas, póz-se loO'o em movimento; e d1egan<lo n'es-
te tempo Dini: de !vlello, avançou toda a linlm
da vanguarua sobre o inimigo, que em completo
desbarato foi perseguido até ás portas de Joru-
menha, onde pouco antes se refugiára o marquez
ue Carracena.
Na esquerda as tropas portuguezas da 2.ª li-
nha e resen'a, têndo á sua frente o proprio mar-
qucz de Marialva, derrotavam lambem a infan-
teria castelhana. A posição, galhardamente sus-
tentada por Manoel Ferreira RebeHo e Diogo
Caldas, cortava a retirada aos batalhões inimi-
gos, de sorte que só quatro d'clles poderam con-
servar-se formados até alcançar a serra, onde
Jepois se renderam; o resta foi despersado, ,ou
feito prisioneiro Ide guerra. Eram 6 horas da
tarJe e a batalha de Montes Claros estava ganha
pelos porluguczes.
A perda do inimigo orçou por 4:000 mortos
e 6:000 prisionei_ros, (sendo ent1:e estes um ge~
ncral <lo cavallar1a e outros offic1aes distinctos)
14 pecas, grande quantidade de armas <le infan-
teria e de munições, 86 ban<leiras, 18 estandar-
tes, e toda a bagagem. Dos po'rtuguezes morre-
ram 700, e ficaram mais 1Je 2:000 feridos.
Foi esta a ultima victoria alcançada pelas nos-·
sas armas na porfiada guerra da restauração vi-
ctoria brilhante, e que produziu immensos r;sul-
I 1.5

iados, pois desenganou não só ao rei d'Hespa-


nha, mas a toda a Europa, de que já não era
passivei submetter Portugal ao jugo castelhano.
A guerra entre as duas nações proseguiu frouxa-
mente, até que no anno de 1. 668 se fez o trata-
do de paz, ~m que a independencia de Portugal
foi novamente firmada e reconhecida.
Vinte e oito annos de uma lucta gloriosa aca-
bavam de provar o quanto póde um povo, ainda.
que pequeno, qnando é anil_llado pelo amor da
indepcndencia e da liberbade t.

t Port. Restaur: Tom. II - Fonl!eca, Evora glo-


riosa, n. 0 325.
116

-VII.

O UUSSACO

«Em ~angoc 11orli1guc1. jurnm d~scr.ido~


De banhar os bigodes retorri,lus.>
c~Mil ES: •LU8iad,• X csl. 68.

Na introducção ao presente cscrípto já nós


historiamos, -posto -qu,c succintamcnle, as phazes
principacs d'essa gloriosa luta, que a nação por-
tugneza sustentou contra Napoleão I, para repcl-
lir ·a inqnalificavel aggrcssão, que o ambicioso
conquistador lhe fizer.a, tendo eni vista nada me-
nos que riscar Portugal do numero dos estados
independentes da Europa. Com effeito nuncà hou-
ve guerra mais jusla, do 4ue essa que fizemos ao
moderno Alexandre, porque tambcm sao. poucas
~s invasões, de qu0 reza ª. historia! 9ue _lcnhai:n
t1dq PRr. fundaü1cnto tM frtvolos e rnJust10cave1s
prr.textos,' como os que trouxeram os exercitos·
117

frt111cezes a pisar l)Or Lros vezes o solo <lo Porlu-


gal. Os 111esL11os panegyristas de Napoleão Bo-
11aparlc 11ão teen1 l1esita<lo e111 conde111nar a guer-
ra. traiçoeira feita pelo seu l1eroe aos povos da
Pe11i11st1l,1; gt1erl'a, tiue não foi só urr1 crime, mas
igualn1e11le un1 erro gravissi1no, <l'onfle sem du-
vida din1,1nou a ruína do prin1eiro impcrio fran-
cez. Nós temos dellaixo dos oll1os a Historia da
vida p1·ivada, politica e 11iilitar de 1Vapoleão,
escripta po1· u111 official superior, que -· fosse
4ue1n quer qt1c fosse - tratou con1 a n1ais re-
11ugnantc parcialidade o seu assun11Jto; e apesar
d'isso, a paginas 300 do i .º volun1e lên1os as
palavras seg11i11tes: •~u não examinal'ei até que
« posto seria be1n f1111dada a aggressão <.le Napo-
• leão contra })ortugal. Adniittindo que este 1·ei-
c no não estava sendo n1ais que uma feitoria dos

• negociantes de Londres, que éspalhavam d'al]i


« por toda a Peninsula os productos das suas fa-
c bricas; e que a casa de Bragança illudia por
« totlos os 111eios possiveis os efleitos do bloqueio
« conti11e11ta], era necessario fazer a guerra a Por-
1
« tugal, e n1esmo :i. Ifespanl1a, • Mas ·urr1a tal

t Para justificar assim mesmo esta glte~·1·a seria


pi·eciso que o auctor, que vamos c~tractando, nos
provasse o uireito, com qtte Napoleão que1·ia impôt·
0 bloqueio continental a nações! que se não confor-
111avam com elle, ou porque o Julgavam prejt1dici~
• f"ol •
iios setts 111teresses, ou porque nao que11aru ser hos-
8
118

, guerra devia ser franca, e nunca se d~veria ler


• recorrido a esses vergonhosos expei.l1entcs, a
·,essas mrmlws de guerra, como dizem os ingle-
• zes, que denunci~m menos a boa fé tle um go -
, verno, do que a sua fraqueza.»
Portugal pois, apesar de dolosamente surpreen-
dido por uma invasão armada, ao tempo que o
seu governo, pela mais indisculpavel impreviden-
cia, nenhuns meios tinha disposto para a sua dc-
.feza; apesar de abandonallo pelo seu monai·cha,
. q~c _longe ~e an}mar C?ffi a sua presença a ra-
·Ll'IOltCa res1stencm aos mvasores, correu a relu-
:giar-sc nas suas possessões d'além Jo At1antico;
Portugal, dizemos, entregue assim inerme aos
.ferros da escravidão, rugiu manictado por elles
·e logo que as circumslancias se lhe mostraran~
·pmpicias, levantou-se para os <lespeJaçar com
todo o brio e denodo, lJLie oslentúra nas mais
brilhastes epochas da sua historia. ,
Não houve sacrifiôo, a que a nação se não
subjeilasse gostosa para recom1uislar a sua liber-.
Jade. HeclamanJ0i o auxilio inglcz, as nossas
tropas se enfileiraram logo ao lado das Lritanni-
cas, e dentro em pouco se tornaram pelo seu va-
lor e disciplina dignas da causa santa da patria,
que defendiam. JunoL é' expulso de Portugal.

tis á Inglatcl'ra, nem pnrtilhm· os oclios de Napoleão


contra () governo brilauicu.
110

Sonlt, apesar dos seus talentos militares e do nu-


meroso e'\erc1to,. que commandava, é arrojado
desde a margem do Douro até á fronteira, que
transpõe em completa derrota.- Napoleão insiste
porém . no seu proposito de conquistar Portugal,
e a empreza, que por duas vezes falhara, é agol'a.
cncal'regada a uma das mais brilhantes espadas
do imperio, ao marechal Massena; o heroe de Ri-
voli e ue Essling, o filho querido da victoria.
Para que este caudilho podesse cmpl'ehender
com esperanças de bom resultado a conquista,
que o seu imperial amo tinha tanto a peito, col-
Iocaram-se debaixo das suas ordens forças res-
peita veis-. O ff'\erci Lo destinacto -a Portugal com-
punha-se do. 2. º corpo do commando do ·general
Heynier, do commando do marechal Ney, e do
8.º ás ordens do general Junot, formando um
·cITectivo de 66:000 infantes e 6:000 cavallos 1•
l\Jasscna quiz, antes de invadir o territorio por-
tugucz, assegurar a sua'clireita e assenhorear-se
das praças collocadas na sua frente; das quaes

f Alguns escriptorcs portuguezes, e entre elles o


bispo de Vizeu D. Francisco A. Lobo, elevam
'a
esta cifra. 80 para ü0:000 homens. Polo contrario
o auctor acima citaclo dá aos frnncezcs 50:000 ho-
mens, o que é ovide~temcnte falso. N~s seguimos
0 conde do 'foreno, H1stor. del levantamiento, guer-
ra y revolucion de Espafia, Tom. III. Lib. 12.º
120

sendo a primeira a de C~ud:ul Rodri~o, foi cer-


cada pelos francczrs no dia ~5 de abril d~ !810.
Em Portucral á approx1mação do rn11rngo,
preparava-se tudo para uma cnergica defeza. O
commando em chefe do cxerci1o porluguez fôra da-
do ao marechal Jncrlez Beresforcl por carta I cgia
de 7 de março de io809. N' esse mesmo anno, ten-
,v
do Sir Arthur Wellesley (depois lord elington)
reassumido o commando do exercito inglez e111
Portugal, foi por outra carta regia de 29 de aLril
nomeado marechal general do exercito portuguez,
e encarregado de dirigir as opperações d'elle
quando unido ao de S. M. britanica, ficando com-
1udo o seu commanrlo especial sempre a carcro
ele Sir ,vrniam Carr Beresford. t-
Contando já com nova aggressão dos france-
zes, depois <le rnallograda a invasão do Soult nas
provin~as do norte, Wellington meditára de an-
temão o seu plano de defeza de Portugal, segun-
do o qual devia ser augmentado o exercito an-
glo-portuguez; e assim, ao passo que de ,·arios
pontos da peninsula se iam concentrando em
Portugal forças, britanicas, que em breve ascen-
deram ao numero de 26 a 27:000 homens, o
marechal Beresford, sempre incançavel, organi-
sava. e disciplinam os corpos portuguezos, que
depms de aperfeiçoados na manobra, mand~va
encorporar ao exercito de \Ve1linglon. Além dis-
so, para cobrir a capital de Portuga,I de qualquer
121

tentativa do inimigo, e assegurai' um abrigo ao


e~erc1to alliado, construiram-se as formidaveis
linhas de defeza, que principiando em Alhandra
iam seguindo por espaço, <le 7 leguas a configu-
ração sinuosa do terreno até á embocadura do
rio S1zandro, proximo a Torres Vedras. N'esta
linha triplíce de fortificações contavam-se cento
r. cincocnla reductos e mais de 600 bocas de
fogo.
Ameaçando-nos d'esta vez o inimigo pela lado
da nossa provmcia da Beira, collocou-se Wel-
lington no va\le d~ Mondego, onde ficava como
no centro da defeza, formando as alas os oorpos
de milícias e ordenanças portÚguezes. Todo o
territorio até Coimbra, por onde se suppunha
haviam de discorrer os francezes, foi prevjamen-
te devastado, desLrnindo-se ·as seáras e fructos,
arruinando-se os moinhos, rompendo-se as pon-
tes, e ordenando-se aos habitantes, que 'á appro-
ximação dos invasores abandonassem as casas e
povoados levando todos os seus haveres. Do~o-
roso sacrificio, exigido pela salvação da patna,
o a que os governadores do reino concitavam o
povo dizendo-lhe em sua proclamação de g de
Dezembro de 1809 : • Portuguezes, contra um,
« inim,.igo poderoso e vig_ilante n~o deve haver
• descuido. Se não quereis ser vis escravos, se
• não quereis vêr ultrajada ~ santa religião, vili-
ª pcrnliada a vossa hom·::1, msullallas as vossas
122

, mulheres, traspassmlos ~as. baionetas os vossos


« innocentes filhos, e anrnqu1lada para se.mpm a
,gloria de Portugal, corramos lodos a aflrontar-
• nos com o inimigo commum; unamos as nos-
« sas armas ás dos honrados hespanhocs, ás <los
« intrepidos inglezes; mostremos á Europa ff Ue
« não é só a Suecia a que sabe oppôr uma Lar-
• reira de bronze aos oppressores da sua Iiber-
• dade. Sejam os nossos braços, sejam os nossos
«bens os fiadores da nossa indepel}<lencia. Vale
, mais sacrificar os bens d liberdade da patria,
« do que reservai-os para despojo de seus hifa-
•mes· oppressores.
l\fassena, havendo rendido Ciudad Rodrigo, di-
rigiu-se á fronteira de Portugal, que transpõe nos
fins de Julho, depois de desalojar uma divisão
de observação anglo-portuguczes, do commando
do general Crawfurt, que se l,iavia collocado na.
margem· direita do Côa. Uma explosão lerrive],
succedida no paiol da praça de Almeida, arrui-
nando as muralhas, entregou-a nas mãos do ini-
migo, que marchou d'alli sobre a Guarda, em
quanto que Wellington retirava·na frerite d'elle,
aconselhando-lhe a sua prudencia não offerecer
batalha senão em alguma posirão vantajosa,
em razão de ser o seu exercito composto quasi
na sua totalidade de tropas novas e ainda não
provadas no fogo. Era de esperar que Massena,
querendo ir sqbre Lisboa, seguisse de Celorico
a Trancoso, onde entrára em i ü de setembro,
pela margem esquerda do MendPgo, e pela es-
1rada da Chamasca e Mmta direito á ponte da
Mmcella, e n'cs1a hypothese \~ellmgton p1opn-
nha-se chspular-lhe o passo nesta nlt1ma pos1-
('°Jo. O gcnm ai franccz, dizem que por conse-
lho dos ofücmes portuguezcs, que vmham no seu
exercito, preferm segmr a estrada de V1zeu a
Cmmbra, e w·eJhngton, iegulando habilmente
os seus movimentos pelos do 1mmigo, dcci-
d111-se a esperar os francezes na passagem da
:;:;qrra do Bussaco, posição magmfica, que 1hc
olferccia todas probab1hdadcs -de um tm1m-
pho.
O Ilussaco é a e>.trcm1<lade merid10nal de uma
cadeia de' montanhas, a que os antigos chama-
vam serra d' Alcoba, e que se prolonga desde o,
Douro até ao Mondego Um trato de terreno mon,
tanhoso une a sm Ia do Bussaco á do Caramnlo,
que corre na u11 ecçüo de N. E. para ,além de V1-
zeu; na csqurrda do Mondego, e quas1 na '!nesma
lmha do Bussaco; ha outra cordilheira, chamada
a se1'1'a da Murcclla, circundadada pelo rio Al-
-va, e liga.dá 1ambem por montanhas á serra cl,1.
EstrcUa.
Tres caminhos cruzavam o Bussaco em tlircc-
ção a. Coimbra, que 1he fica a 3 leguas de clis-
tançm, um d'elles passara pelo seu mms alto cu-
me, JLmlo ao célebre e pitoresco convento de·
124

Carmelita!; descalços, outr'ora lugar de penitencia


e austeridade, e hoje curioso objecto (~a attrnção
dos viajantes. Dos outros dons cammhos, mn
seo-uia por Santo Antonio do Cantaro ao Botão e
a "Eiras, o outro vinha mais prla margem do
Mondego a Penacova. Para cobnr estes trcs ca-
minhos collou lord \Vellington as suas forças elo
seguinte modo: O corpo do tenente general Hill,
que havia passado para a direita. do Mondego na
manhã de 26 de selcrnbrot poslon-se atra.vcz da
estrada de Penacova, tendo ficado a brigada do
coronel Lecor na serra da Murcella, em ordem a
cobrir a direita.do ~xercito, e·o brigadeiro Fane
com a sua divisão de cavallaria portugueza e um
regimento de dragões inglezes em frente tio rIO
Alva para obsenar e rchaler algum moYimento da
cavallaria inimiga no Mondego. A' esquerda de
Hill estava a divisão de Lcith. A terceira divi-
são de infanteria, do commando do major gene-
ral Picton, cobria a estrada de Santo Antonio do
Cantaro; e entre-Psta e o convento formava a Lª
divi~ão de tropas ligeiras commandadas pelo bn-
gadeiro general Crawford, e a brigada portugue-
za do commando de Pack. A quarta divisão co-
bria a passagem, que conduz á Mealhada, tendo
no fllanco esquerdo a cavallaria britannica, ob-
sPrvanuo a planicie e a estrada, que vai de Mor-
1agoa, para o Porto, atravez do terreno monta-
nhoso,· que une a srrra do Bnssaco á do Cara-
12.j

rnulo. A força tola 1 do exercito luso anglo, reu-


rnda nas alturas do Bussaco andava ppr uns
50:000 homens. No convenlo estabeleceu-se o
quarlrl general de vVellington; e quasi a 200
passos do mesmo comento foi hospital de san-
gue nma capellinha das Almas, qne a camara
municipal da Mealhada, com não menos piedosa
que palriotica resolução, comprou ultimamente
para a mandar reconstruir, a fim <le alli serem
suITragadas no annhersario da batalha. as almas
dos qne tão heroicamente deram a vida n'aquel-
]cs lugares em defeza da independcncia <la patria.
No mesmo dia 26 de setembro tinha o inimi-
go reunidas t0tlas as suas forças á raiz da serra.
Passou-se porém aquelle dia sem outro successo
mais qne combate entre ao tropas ligeiras de am-
bos os exercitos cm toda a linha. A's 6 horas da
manhã do dia 2 7, duas divisões do corpo de
Reyneier (o 2. º) dirigidas pelo general Merle, in-
vestiram prla direita, no intuito d~ forçar a pas-
sagem do Botão. Uma d'estas divisões subindo
a custo, mas onsmlamente, por nm t~rreno em-
pinado' e escabroso, debaixo de um vivo fogo de
fusilaria e de metralha, chegou a ,estabelecer-se
na p1anura, que ha üo cume Ja monlanha; al\i
foi porém recebida pelos regimentos 45 e 88.
inglezes, e pelo regimcnt~. porluguez n.º 8, todo
composto de recrutas. Estas 1ropas avançaram
de hayoneta calada ao inimigo, e o precipitaram
l~(j

pela encosta abaixo. Os francezes tão vigorosa-


mente accommetl.idos, cabiam, ou antes rola,am
de precipicw em precipício, JcspedaçanJo-se nas
ao-udas saliencias dos rochedos, que ficaram cs-
c~rrendo sangue. Espectaculo sublimementc hor:
rivel, tal como a barbariuade da guerra raras
vezes ha produzido 1
A outra divisão, que atacou a maior distancia
pela estrada de Santo Antonio do Cantaro, não
fez tantos progressos, pois antes de chegai: á co-
rniada, foi denodadamenle repcllida pelo regi-
mento inglez n. º '17, e pela brigada porlugueza
do commando do coronel Champalimaud, com-
posta dos Lraros regimentos 9 e 21.
Na cs_querda o inrmigo aYançon com tres di-
visões de infantcria do G. º corpo (era o do ma-
rechal Ney) ás ordens dos generaes Loison e ~Icr-
met 1 • Mas apenas uma d'esl.as di,,isões ponde
fazer alguns progressos na subida para o cume·
da srrra, sendo logo carregada á bayoneta pelos
regimentos inglezes 4.-3, 52 e 95, e pelo liatallifto
de caçadores portuguezes n.º 3, que o ohri1raram
a retroceJcr com uma perda considaravel, fican-
do prisioneiro o general francez Simon.

r t ~'este pl)nto nos desviamos do officio de lord


"'\\ elbngton (30 de setembro ele 1810) que diz serem
est.is tres divisões do 8. 0 corpo (de Junot.) Veja-se
o .App. n.º 4.
] ~,
•)'··

A brigada portugucza composta dos rcgimen-


10s, 7, -i 9 e 2 de caçadores, ás ordens do lmga-
de11 o Colemans, que estava em rcser va, dentro
da cerca <lo convento, to1 mant.lada de suppo1 te
ú d11 cita da dmsão Jo general Crawford, contra
a qnal se 'dmg1am os esforços de outra dn 1s'Jo
m11111ga. Cmco companl11as elo 19 accomme1tc-
ram à bayonela calaria os francczes, e os rcpel-
li ram com uma b1 a, ma tal, qnc arrancou enthu-
swsllcos vivas aos dous cxerc1tos alhados. Não
foi menos admJravcl a firmeza e sangue fr10 com
qne, depois d' esta bn lhante carga, o mesmo re-
g11ncnto i 9 formou debaixo do vivo fogo de H_.
peças de artilhena mnmga. Em todo o decurso
da batalha as t1opas portuguezes houveram-se
por tal modo, que o gen?rc1I em chefe do e'i.erc1to
luso-anglo não ponde Jer~ar de confessar - que
o trabalho e des,clos, que se lmvmm tido com
cllas não tinham sido baldados, e que ellas Já
eram lltgnas <le contender nas mesmas filen·as
com as melhores tropas d'lnglaterra.
Desinganado de ']Ue não podia forçar a 1ão foi te
e bem defendida posição do Bussaco, o marechal
l\fassena mandou suspender o ataque, d01xando
em nossas mãos uma da~ mais assignaladas \'\-
ctonas de toda a campanha penmsu1ar Tor-
neando, no dia 28, o flanco esquerdo dos alha-
das, segm1 am os francezes a estrada de Bmalvo.
para o Sardão, entrando assim na. estrada do
Porto p~ra Coimbra. Conheceu-se rntão quanto
havia sido prejudicial a Jemora de Trant em oc-
c11par com as milicias_ do seu cornm_ando aquel-
las alturas, como Wellmgton lhe l,rnvia orJenaJo;
mas infelizmente qnando Trant se acercara do
SarJão na noite de 28, achou já o terreno occn-
pado pelo inimigo. Wellington passou então com
todas as suas forças para a esquerda do Monde-
go, e tomando a aJianLcira aos francezes, foi-se
retirando rapidamente, e sempre seguido por es-
tes, para dentro das linhas de Lishoa.
As perdas dos francezes andou por uns 1 :000
homens fóra do combate; ficaram prisioneiros,
além do general Simon, 3 coroneis, 33 officiaes
e 250 soldados, entre os feridos contaram-se os
gcneraes Foy e Mer:le e no numero dos mortos
entrou o general Gr:.11ndor~e.
Os inglezes tiveram f 07 homens mortos, 4-93
feridos e 31 extraviados. O~ portugnezes perde-
ram apenas 90 soldados mortos, mas tiveram
512 reridos e 20 extraviados, o que elevou o to-
tal Ja sua perda quasi ao par da do exercito bri-
tanico. ~endo a primeira ac_ção regular, em que
nossas tropas tomaram act1va parlo contra. os
francezes, alli começou tambem a re·;elar-se o
heroico valor e assombrosa firmeza, que lhe ren-
deu ,depois a abundapte messe de louros colhi-
dos ·por ellas nas formosas batalhas da guerra
peninsular; ha1alhas pelejadas em solo exlranlw,
129

ao lado dos e'\ercitos alliauos, que comnosco par-


tilharam as honras elo triumpho, e em deleza,
não só da indeprnJencia de Portugal, mas da de
toJa Hespanha. Não entram ellas pois no plano
d'este nosso escripto, ao qual poremos um hon-
roso remate com a victoria. do Bnssaco 1•

l Veja-se o offici~ de lord ,Wellington, ~e ·30 de


setembro de 1810, mc;erto na ·Gazeta de Lisboa n.º
237. _.:... Sumario historico da camp:mha ele 1810 e
1811 pelo bispo de Vizen. -Hist. da gnt:l'l'd de
He1=1p.inhn, pelo conue de Tureno, Tom. III. Liv.
XII. -Mcmor. da duqueza de Abrant(·!!i, Tom. III.
APPENDICES

I
NOTA ,( PAG. 52

O procedimento de D. Nnno AlvaresPereim, in-


sistindo em dar batnlha aos castelhnnos contra o voto
d'el-rei e do conse ho, exp ica-se mui naturalmente,
e sem que d'ahi resulte a menm· sombra de desobe-
diencia ou •de insubordinação, que possa empanal'
o brilho elo glorioso nome de D. Nuno. Era elle
condestavcl de Portugal, o que equivalia a general,
em chefe do exercito. A dignidade de condestavel,
originaria de França, devia tel' aqui as mesnins
prerogativns, de que lá gosava. Ora cm França o
1•egimento do condestavel tinha, entre outt·os, um ar-
tigo, que dizia: «O rei, se estivei• na hoste, não
«cavalgará, nem se moverá sem 01·dem do condesta-
«vel, assim como nenhum dos commandantes ou ma-
«rechaes. D
Já se vê que o condestavel tinha a suprema di-
recção elas cousas ele guerra, e que o proprio 1•ci
lho era, até certo ponto, subordinado.
Aqui está. pois a razão porque D. Nuno, que sa-
bia bem os direitos e preeminencia do seu cargo,
n~o- hesitou em mover-se de Abrantes, contra o opi-
mão de D., João I, e <los do seu conselho. Feliz re-
soluçà<?~ •que deu a Po1·tugal uma. das mnis glo-
riosas paginas dos seus fastos militares.
131

II
"' DE D, JO,\O
l'l~llGL,\:\1,\í',\O
'f
"' DE ,\•US'l'RIA AO CO.i\IE('AR

1\ BA'fALllA DO A>,11::L'\1,\L

(T1~uluci;ão)

«E11car1•ega-se da parte de sua ~llteza a todos os


os mestres de ca1npo, co1·oncis d'infanteria, tenentes
generaes e co111missarios geraes ele c~,valltll'ia, qt1e
aclmoeste111 e llersuadam cadl\ lltn a s011s officiaes e
solclados, q 11e De11s ll1es lia posto nas 111ãos a 111e-
\ho1· occasiii.o, que ele ha m11itos _annos se te,n visto
.
n'estt1 1no1111rcl1ia lJara t1t1g111enta1· a re1J11tação de
suas ar1uns, e 11 f,1111n de cadti u1n' em partiq11lnr;
q11e se11do De11s o Senhor das victo1·ias, Ieva11te1n
to?oS os oll1os e os corações a clle, aj11stà11do suas
co11sciencias, con1 o q11e terá realce o seu valor, }JOl'
c11j o 111eio espera s11a alteza acabai· de 111na vez co1n
cstii g11erra, adq11i1·i11do este exercito o c111nulo da
111aiol' gloria e felicidade; q11c se alg"l_lem l1ouve1• (o
q11e não é de crê1•) tão. abatido de ani1110, qt1e des-
cliga do no111c do sol{la.<lo valeroso, co11side1·a qtie, ao
)J1·i111eiro passo qtie cler \J:.1ra trnz, 1111. de encq1;tra1· a
1norte mais i11fn111c, que ján1nis _se vit.i, pois não po,-
derá ir a parte anele contra elle se não levantem t1tci
:is pro1Jrins }Jeclras. J>
«1'res cot,sns se 1·ecomu1encl,,1,1 p1·incip:1lc11ente:
a }Jl'in1eirn é q11e q11ando os inin1igos (con10 co1n o
favor <le De11s e de s11a l\1ãe Santissi1na l1a ele s 11 c-
ceder) cou1ecc1n a desordc11nr-se e a f't1gi1·~ r1:\o 11us
cles1111tlmos nós, ne1n 110s clesço111ponbamos, ficando
forn1.1clos 110s esqttaclrõcs e .btltt\lltõcs, pois por fnzc1·
132

o contrario se tc1u visto gr~t11des 111ucla11ças de for-


tuna. Sen-t111da qtte até estar a victorin, be111 ele-
º 1 ~ • •
cl:irada, nenh\1m se detenl11i !L 1azor pr1s1011c1ros 1

1nas só trate de feri1• e 1nntar a todos os q11c acl1a1·


pela frente, porque de assi1n se não fazer costu111u1n
rest1ltar cmbarnços. Terceirit 1 qtte se publiqt1c ás
tropas, q11e o solclaclo 011 official que fizer JJrisionei-
ro ao general ini1nigo D. Sancho l\Ianoel (q11e é l10-
1nem corp11lento e grisall10) subirá no posto i1n1ne-
diato áquelle, que tiver, n'esta ío1•1na: ao soldado
razo se dará o posto de alferes, e 1:000 escudos ile
ouro; ao alfe!·es o de capitão de i11f11ntcria; ao de
infn11teri1t o de capitão de cavnllos e assim s11ccessi-
va111er1te. »
«Este papel. será lido e explicaelo pelos officines
aos seus soldados, p,ira que estti.ndo estes firn1es na
tenção de vencerem ou morrerem, se ache assim jit
alcançada ~t mór parte ela victoria.
N., B. Foi publicado este curioso docu1nento etn
u111a relação da batalha do An1eixial 1 escripto l1ojo
raro, e do qual de\:emos uma copia mant1scri pta ~i.
mui obseqttiosa condescendencia do snr. João An-
tonio Pestana, da villa de Extre111oz. Receba s111\
senhoria este sincero testi1hunl10 de g1•atidão que
aqui lhe consignamos. '

III
- " DO .AMEIXIAi,
INSCiiIPÇAO DO t>ADltA.0

«No. ~nno de 1663, a 8 de jt1ll101 rei11ando e1n


Castellà D. Filippe IV, vindo D. João de At1stria
seu fill10 1 capitão general do exercito d' a'ltlello rei-
133

no, retirando-se com elle dq. cidade de Evora se


formou n'es~e sitio á vista do .exercito .de Portu~al,
que o segma, de que era •governador D. Sancho
l\ianoel, conde de Villa :E:'lor, que o accommetteu
dando-lhe batalha, e destruindo o exercito de Cas-
tella, em que vinha toda a nobreza d'ella, ganhan-
do-lhe toda a ·artilhe1·ia1 e grande quantidáde de
carruagens, que o acompanhavam. E para memoria
de tão glorioso successo, mandou el-rei D. Affonso
VI, pôr aqui este padrão, que é o lugar em que se
deu e venceu a batalha.»

IV
BATALHA DO CASTELLO RODRIGO

A acção de Castello Rodrigo foi ganha .aos 7 de


julho de 1664 por Pedt·o Jacques de Magalhães so-
bre as forças hespanholas do commando do duque
de Ossuna, que havia intentado expugnar aquella
}?raça. Os portug1:1ezes eram apenas 2:500 infantes,
quasi todos auxiliares e ordenanças, e 500 cavallos.
Não obstante a superior~dáde numerica do inimigo
(4 100J homens d'infanteria, 700 c~vallos e 9 bocaE
de fog9) a nossa Victoria foi comel~ta,. ficando e'Ol
nosso poder grande numero de pr1S1on~1ros, toda f
artilheria hespanhola, bagagens, mumções e a se
t;t·ctaria elo general- em chefe, duque de Ossuna~ ·!>
0

9
134

João Giron, filho natural d'esto,·foi um dos morto


no combate.
«Jun,to t1- -Matta. de Lobos existe uma cruz, cha
«mada. ainda• hoje - C1·uz de Ped1•0 Jacques - 1
«n'ella se acha,escripto o seguinte: Sub sexto 1·er/'
«Alphonso, sitiando o exercito de Castella, que go
«vern~va o duque de Ossuna, a praça. de Oastell(
«Rodrigo, foi soccoáida por Pedro Jacques de Ma
"galhãcs, general d'esta. provincia, que o venceu en
,•«bat!_1.lha1n'este lugar, com desigual poder, a 7 d«
«julho de 1664.» E no reverso tem: «E para fa
«zer immortal esta victoria, João da Fonseca Tava
«res mandou aqui levantar este padrão no sobreclitc
«annq de 1664.»
(Extrahiclo do Almanak de Lembran<;a, de Casti-
Jho, de 1861.)

CAR'fA DE JUNOT AC:Íi;,RCÂ DA BATALHA DO llUSSACO

u28 de setembro á tarde. Quanto deves estar in-


quieta, minha querida Laura, pot· não teres ainda
·recebido letras minhas ! • Se estas te chegarem á
•!l)ão, verás que a culpa não é mi~ha. Tomo o f!X-
.peél.iente de te enviar um proprio para que não 6-
quesHsobresaltada com as noticias, .que não hão de
deixar de_ espalhar-se sob1·e as batalhas de hontem.
Nós atac~mo~ o exercito inimigo cui uma formi~la-
135

vel posição cham~da a ~erra _d'.Alcoba, .junto ao


convento do Bus/laco, adiante ela aldêa de Ivloura.
Não podemos tomar esta posição defendida por ~ais
de 60:000 homens. Duas divisões do 2. 0 corpo· e
uma do 6. 0 tomaram parte .na acção; eu não dispa-
rei um unico tiro. Nós tivemos alguns fe1-idos, que
nos se1·virão de-embaraço, e vamos tomar outro ca-
minho. Eis aqgi tudo quanto posso dizer de politi-
ca ..• »
N. B. Esta carta, que extractamos das Memorias
da chamada duqueza de Abrantes, mulher de Junot,
serve para provar que o 8. 0 corpo do exercito de
l\íassena não entrou em fogo, no Bussaco, como mui-
tos erradmnente tem escripto, fundados no officio
do Wellington, de 30 de setembro de 1810.
INDICE

lNTRODUCÇÃO.
5

ALJUBARROTA • • óO

VALV•ERDE
62

l\loNTIJO • •
• . 70

LIMIIAS n'ELVAS . . 76

A:t1lEIXIAL. • • . . . 89
:MONTES-CLAROS • 104

BUSSACO • • • • • . . . 116

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