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O Castelo de Miranda do Douro:

intervenções arqueológicas

Mónica Salgado1

“Aos 8 de Maio de 1762, pelas sette horas e meia da tarde, tempo em que todo
este reino de Portugal estava bloqueado em roda pelas armas hespanholas,
esta provincia invadida, e cercada esta cidade por um exercito de 30 mil
homens, estando a atirar a artilharia do castello e Rebolins ao sobredito
exercito inimigo, logo que descarregou um canhão mais contiguo à torre
grande, passados quatro ou cinco minutos, arrebentou o armazém da
pólvora, arruinando quasi todo o castello, e fazendo duas brexas exteriores,
uma para a parte norte, por onde cabião onze homens, e outra para a do
meio dia, em correspondência, por onde cabião nove, arruinando também a
melhor parte do castello para oriente, que entrava para a cidade, e metade
da torre grande, dando em terra com todo o edifício e oficinas que dentro
delle havia, em cujas ruinas falleceo muita gente, que mais della se não
pode averiguar quem era, por se acharem queimados do fogo que alimentou
com mais de mil e quinhentas arrobas de pólvora.” Alves, (2000)

O Castelo de Miranda do Douro é classificado como Imóvel de Interesse Público


(Portaria de 3-06-1957, publicada no DG, II Série, n.º 185, de 9-08-1957 (com ZNA)).

Fig. 1 – Castelo de Miranda do Douro.


1 Licenciada em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Minho. Arqueóloga ao
serviço da Câmara Municipal de Miranda do Douro.

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O castelo possui um terreiro, primitiva praça de armas e, no centro, tem um poço
com acesso por escadas (72), e protegidas por gradeamento metálico. A Torre edificada
no reinado de D. João I não tem uma das paredes e as abóbadas da mesma só se definem
na sua zona de arranque. Ainda “subsistem extensos panos de muralha, com aparelho
incertum, que rodeiam o núcleo antigo da cidade, com caminho de ronda e rasgadas por
portas de arco ligeiramente quebrado: Portas da Senhora do Amparo, Falsa e Postigo,
uma delas protegida por matacães. A primeira, é em arco apontado, assente em impostas
salientes, moldurado por aduela, protegida por duas cubelos quadrados e intradorso
em arco de volta perfeita com moldura; aqui, surge uma pintura alusiva à Senhora do
Amparo. Nas muralhas, rasgam-se várias seteiras e possui duas escadas de acesso ao
caminho de ronda, encravadas nas faces dos muros. Possui um terreiro, primitiva praça
de armas e, no centro, tem um poço com acesso por escadas, actualmente obstruídas e
protegidas por gradeamento metálico. A cidade mostra traçado octogonal tendo como
eixo o Largo de D. João III, Rua da Costanilha e atravessada pela Rua do Abade de
Baçal. No canto S. situa-se a Sé de Miranda e Paços Episcopais. (…) A cantaria nesta
zona vai desaparecendo deixando à vista o material de enchimento, tendo os muros cerca
de 2 metros de espessura. A abóbada de parte indeterminada do castelo só existe na sua
zona de arranque, tendo caído recentemente algumas cantarias, com porta a nível térreo
e, superiormente, uma seteira.” Jana (1994) e Costa (2001)

Uma das particularidades da vila medieval era a existência de uma couraça (ainda
desenhada por Duarte d’Armas nos inícios do século XVI), que protegia o acesso dos
moradores ao rio, estrutura desmantelada durante a época moderna.

Fig. 2 – Castelo de Miranda do Douro,


Norte, segundo o Duarte d’Armas, Livro das Fortalezas

Este castelo foi edificado num segundo momento de povoamento e ordenamento de


Trás-os-Montes, ocorrido no reinado de D. Dinis. Os primeiros reis haviam dotado esta
vasta região de unidades administrativas tuteladas por castelos românicos, denominadas
Terras, que tinham por missão vincar a autoridade régia numa zona do reino que era
notoriamente periférica. Com o passar do tempo, tal estrutura de poder veio a revelar-se

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inadequada e D. Afonso III iniciou uma política distinta, que teve na fundação de novas
vilas urbanas a sua face mais visível Gomes (1993). No território de Miranda do Douro,
a nova vila foi fundada por D. Dinis em 1286, culminando, desta forma, a transferência
de poder do antigo castelo de Algoso, cabeça-de-terra até essa data Teixeira (2004:182).
Apesar desta alteração, o novo modelo organizativo não dispensava a edificação de
estruturas militares.

Fig. 3 – Castelo de Miranda do Douro,


poente, segundo o Duarte d’Armas, Livro das Fortalezas.

A partir da segunda metade do século XV, a fortaleza experimentou diversas


alterações, que visaram convertê-la numa praça moderna e adaptada à guerra de artilharia.
Na cerca da vila, a principal obra então realizada foi a construção de um baluarte diante
da porta principal, a que se juntaram diversas guaritas nos ângulos. Mais radicais foram
os trabalhos no castelo, que obrigaram à destruição de grande parte das torres e respetivo
nivelamento do terreno para instalação de peças de artilharia Gomes (2003:140). A 8 de
maio de 1762, num momento em que a praça tentava resistir às tropas espanholas, o paiol
explodiu, levando consigo alguns troços que não mais se reconstruíram.

Cronologia segundo a bibliografia consultada. Jana (1994) e Costa (2001)

• Época provável de construção Barroca (2008-2009) e Vaz (2008) – Reconquista


Cristã (séculos XI)
• construção Séc. XIII ao XVIII;
• 857 - provável conquista da povoação aos mouros;

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• 1213 - Miranda é restituída a Portugal por Afonso IX de Leão;
• 1217 - D. Afonso II confirma o foral;
• 1286 - D. Dinis concede foral e processam-se obras na mesma;
• 1294 / 1299 - D. Dinis manda reedificar o castelo;
• 1325 - elevação à categoria de vila;
• 1371 - Miranda é restituída após o Tratado de Évora;
• 1383 – melhoramento das muralhas e concessão da praça a Pedro Homem de
Távora;
• 1400 - o Mestre de Alcântara põe cerco à Praça;
• 1408 - conversão da vila em couto de homiziados;
• 1449, 28 junho - o castelo de Bragança, conjuntamente com o da cidade, o castelo
de Outeiro e Miranda e outras terras foram doadas por juro e herdade por D.
Afonso V ao I Duque de Bragança;
• séc 16 – desenho e de Duarte de Armas, mostrando planta quadrangular irregular,
adaptando-se ao terreno, composta pelo castelo, muralha que envolvia a povoação
e barbacã; torre de menagem quadrangular, formando com mais quatro torres
poligonais, praça de armas, no centro da qual se situa o poço, considerado como
muito bom; portas protegidas por torres laterais;
• 1510 - D. Manuel outorga foral novo;
• 1540 - a bula papal “Pro Excellente Apostolicae” transforma a vila em diocese;
• 1545 - D. João III eleva Miranda a cidade;
• 1646 - Intervenção das tropas na guerra da Restauração;
• 1664 - D. João IV manda reedificar o castelo preparado para usos de artilharia;
• 1710 - o castelo cai nas mãos de Castela;
• 1746 - obras dirigidas por Luís Xavier Bernardo;
• 1762 - explosão do paiol de munições, com cerca de 1500 arrobas de pólvora,
destrói grande parte da cidadela, levando à queda da praça, ao fim de três meses;
• 1804, 28 de dezembro - informação de que a Província de Trás-os-Montes não
tinha praça, forte ou fortaleza ou artilharia alguma de préstimo, devido à invasão
espanhola de 1762 ter arruinado a Praça de Chaves, a de Bragança e a de Miranda,
assim como alguns castelos;
• 1861, 23 de setembro - circular do Ministro da Guerra sobre a situação das
fortificações da Província; e a 5 Outubro - em resposta, informa-se que nesta
divisão militar não existia praça, forte ou castelo, porém uns troços de antigas obras
permanentes cujo estado de abandono atestava em absoluto a sua inutilidade; em
caso de guerra, poderiam resistir a simples golpes de mão, o Forte de São Neutel
e os fragmentos das muralhas de Chaves e Praça de Miranda do Douro, auxiliadas
por meio de cortaduras e outras obras de fortificação.

Intervenções realizadas:

DGEMN:
• 1946 / 1947 / 1948 / 1949 - restauro das muralhas;
• 1950 - apeamento de partes em derrocada e fechamento de juntas;
• 1968 - Reparação de cantarias derrubadas na porta S.;
• 1971 - consolidação de parede do antigo paiol junto à torre;

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• 1973 - consolidação do troço de muralha junto ao Paiol;
• 1981 - beneficiações diversas.

Direção Regional da Cultura do Norte / Câmara Municipal de Miranda do


Douro:

2005 - Sondagens arqueológicas na área das Portas de Santo António;


2010 – Limpeza do poço do Castelo de Miranda do Douro;
2018 - Início de escavações e sondagens arqueológicas na área envolvente da
fortificação, numa área de cerca de 6000m2, no âmbito do Operação Castelos a Norte,
cofinanciada pelo Programa Norte 2020.

Problemática referente à Muralha do Castelo de Miranda do Douro

Mário Barroca defende a existência de uma fase construtiva Proto românica (meados
do século XI), na qual se opta por uma regularização do aparelho construtivo, evitando o
uso de silhares com cotovelos muito pronunciados. Este tipo de aparelho de construção
apresenta uma crescente “profissionalização” dos estaleiros, iniciando-se a separação
de pedreiro talhante de pedreiro assentador. A nível arquitetónico, os castelos iniciam
a adoção de torreões a flanquear os seus muros. Assim, de acordo com a tipologia dos
muros, Mário Barroca defende a existência de um burgo primitivo (Século IX a finais XII),
que ocupava a a área compreendida entre a Rua da Costanilha e o Castelo. “No entanto,
atendendo ao que se conhece do ritmo da Reconquista Cristã, a presúria de Miranda
deverá ter ocorrido nos finais do Séc. IX ou inícios do Séc. X, depois de 868-872 (presúrias
de Porto e Chaves) e antes de 893 (presúria de Zamora). Na ausência de elementos mais
seguros, diríamos que a conquista deverá ter ocorrido próximo da tomada de Zamora,
da qual não pode ser dissociada. A muralha de Miranda do Douro é, obviamente, muito
posterior a estes remotos tempos, fruto da reconstrução de D. Dinis e das remodelações
de D. João I e de monarcas posteriores. No entanto, junto da Porta Oeste, que dá acesso
à Rua da Costanilha, uma das ruas com maior número de casas medievais e manuelinas
de Miranda do Douro, encontramos um troço de muralha com características muito
arcaicas. A reforma de D. Dinis alterou o sistema defensivo da Porta, reconstruindo-a
integralmente e dotando-a de duas possantes torres de planta quadrada. Mas à esquerda
das torres e da Porta, preserva-se reaproveitado um pano de muralha que pertencia a
um sistema defensivo mais antigo, que foi quase integralmente eliminado pela reforma
dionisina. Esse troço de muralha apresenta aparelho não-isódomo, com rolhas e cunhas,
denunciando a técnica construtiva pré ou proto-românica, podendo ser atribuído ao Séc.
XI. Apesar de, tecnicamente, contrastar muito com toda a restante muralha de Miranda,
este troço chegou até hoje inédito, passando despercebido ao olhar dos investigadores.”
Barroca (2008-2009).

Tal, como Mário Barroca, também, Ernesto Vaz defende a existência de uma
fortificação fundada durante os séculos IX-XI, aquando da Reconquista Cristã. Esta
fortificação albergaria uma população mais ganadeira e pastoril que agrícola, que se
refugiaria ali apenas nas alturas de maior ofensiva cristã pelo controlo do vale do Douro.
Na época de D. Dinis, são, adossadas, a esta fortificações novas estruturas, construídas em

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opus vittatum mixtum. Nesta obra, Ernesto Vaz analisa as alterações do sistema defensivo
da cidade de Miranda do Douro. Salienta-se a fase de aumento do perímetro amuralhado
nos finais do século XVI, necessário pela edificação da Sé e do Paço Episcopal. E, nesta
intervenção, é aberta mais uma porta. Vaz (2008).

Intervenções Arqueológicas

Em finais do século XX e inícios do século XXI, foram realizadas intervenções


arqueológicas junto ou muito próximas à alcáçova do Castelo de Miranda do Douro,
nomeadamente entre as Portas de Santo António e a alcáçova.
Em 1987, o arqueólogo Miguel Rodrigues, procede à realização de duas sondagens
arqueológicas a Sul, junto a uma das muralhas. A intervenção tinha como objetivos a
definição da planta do castelo, com a aceção das estruturas que o compunham e a sua
funcionalidade e toda e qualquer informação existente. Nesta intervenção foi possível
aferir a existência de uma muralha com 2,20 metros de espessura que assentava no
fosso medieval, e incluía a existência de duas troneiras. Este fosso medieval defendia
todo o lado Sul do castelo. “Entroncando com esta muralha e provavelmente construída
simultaneamente encontramos uma outra formando com ela um ângulo de cerca de
38º para Sul. Esta segunda muralha é bastante mais estreita, cerca de 90 cm, estando
encostada à parede Sul do fosso. Ligando estas duas muralhas aparece cerca de 1,50 m de
profundidade, uma pequena parede com mais ou menos 60 cm de largura, formando estas
três estruturas uma área triangular que seria coberta como comprova a camada de telhas
encostada e que selavam os estratos inferiores. As muralhas são construídas, com as
faces exteriores de pedras de granito e xisto de tamanho médio, não trabalhadas e unidas
por cal e o enchimento interior é feito com pedras, cal e areia. Exceptuam-se as seteiras
em que é utilizada pedra de granito bem trabalhada. Por fim detectou-se uma parede,
construída com pedras de granito trabalhada, ligando perpendicularmente a muralha
do castelo e a primeira muralha encostada. Nesta parede encontrava-se uma porta com
cerca de 80 cm de largura e que daria acesso a esta área entre muralhas. Para Oeste a
porta é continuada com um corredor que entra por debaixo da Escola existente no largo
pelo que se torna impossível determinar a sua continuação.” Rodrigues, (1988: 3).

Figuras 4 e 5 Troneira de meados do século XV e


visão geral da sondagem arqueológica. Créditos: Miguel Rodrigues.

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Em 2005, numa intervenção arqueológica, a Nordeste do castelo, foi possível aferir
restos de uma das duas torres pertencente às Portas de Cima, Portas de Santo António,
parte de uma calçada e restos da barbacã, primeiro reduto de defesa no século XVI.

Fig. 6 – Área intervencionada em 2005:


muralha, embasamento da torre, lajeado e couraça velha (barbacã medieval).

Em 2010, procedeu-se à limpeza do poço e escadas de acesso ao mesmo existente


na alcáçova do castelo de Miranda do Douro. Foi exumado inúmero espólio arqueológico
de época moderna e contemporânea, salientando-se algumas peças pétreas pertencentes à
estrutura do castelo. As escadas de acesso são em caracol e contabilizam-se 72, culminado
numa porta de acesso ao poço. As pedras que compõem a estrutura de acesso e o poço
ostentam, quase na totalidade, siglas. O poço tem cerca de 18 metros de profundidade.

Figuras 7, 8 e 9 – Localização do poço e escadas na alcáçova do castelo e levantamento


fotogramétrico do poço e escadas de acesso.

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Figuras 10 e 11 – Visualização do poço,
perspetiva limite inferior para o limite superior e do limite superior para o limite inferior.

Figuras 12 e 13 – Pequena abertura entre as escadas de acesso e o poço


e pormenor das escadas em caracol.

Desde o dia 5 de novembro de 2018 que se realizam intervenções arqueológicas


no âmbito do Projeto de Requalificação da Muralha Medieval/Moderna do Castelo de
Miranda do Douro. Os trabalhos arqueológicos foram desenvolvidos pela empresa de
arqueologia ERA Arqueologia, S.A., sob a responsabilidade dos arqueólogos Rui Pinheiro
e Pedro Dâmaso e pela Câmara Municipal de Miranda do Douro, a cargo da arqueóloga
Mónica Salgado.
As intervenções arqueológicas realizadas permitiram aferir várias estruturas de
defesa pertencentes ao Castelo de Miranda do Douro, estabelecidas na barreira cronológica
compreendida entre finais do século XIII e a primeira metade do Século XVIII.
Nos derrubes e sua escavação procedeu-se à separação das pedras trabalhadas e
pertencentes às estruturas defensivas, assim como de outros elementos pétreos de interesse.
Os níveis arqueológicos (estruturas, derrubes e níveis de ocupação) encontravam-se
cobertos por níveis de aterro contemporâneos.

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Fig. 14 - Interpretação das estruturas exumadas de acordo com o desenho de Duarte de Armas
e a imagem atual.

Fig. 15 - Estruturas exumadas.


Interpretação de acordo com o desenho de Duarte de Armas, figura 14.

O número 1 corresponde à Torre Hexagonal edificada a finais do século XIII (1294-


1299).
O número 2 identifica a muralha secundária de proteção à alcáçova do castelo, de
cronologia estabelecida em finais do século XIII (1294-1299).
A Barreira Nova, muralha com troneiras, adaptada à pirobalística e que inutiliza a
muralha secundária (n.º 2) surge com o número 3.
O número 4 reporta à muralha medieval e o número 5 à barbacã de finais do século
XIII (1294-1299).

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Figuras 16 e 17 – Cornija e fecho de abóbada de canhão. Crédito: ERA, Arqueologia S.A.

No seguimento das escavações arqueológicas, foram identificadas estruturas


defensivas modernas, de cronologia mais recente. Analisando a planta de 1640 e o desenho
de Duarte de Armas, podemos aferir que as estruturas, nomeadamente a porta e acrescento
da barbacã medieval tenham sido edificadas entre 1509 e 1640.

Fig. 18 - “Planta da Cidade de Míranda”,


Portugal. Desenho aguarelado, autor desconhecido, década de 1640. In: “La Memoria Ausente.
Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII”.
Licença: Domínio Público (Autor falecido há mais de 70 anos). - Date: 1750.

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Fig. 19 - Pormenor “Planta da
Cidade de Míranda”, Portugal.
1640.

Porta e acrescento da barbacã


medieva, século XVI e inícios do
Século XVII.

Fig. 20 - Porta e acrescento da


barbacã medieva - restauro.

Fig. 21 – Aduelas pertencentes ao arco da porta, exumadas no derrube.


Créditos: ERA, Arqueologia S.A.

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Fig. 22 - Vista geral da Porta Moderna após o seu restauro.

Posteriormente, foi identificada uma nova porta e estruturas defensivas,


nomeadamente o Hornaveque, que após análise das plantas existentes datáveis de 1700,
de 1762 e 1780, poderemos conjecturar que se tratam de estruturas erigidas no início do
século XVIII.
No entanto, documentos presentes no Tomo IV da obra do Abade de Baçal (Baçal,
2000) informam que após as guerras da restauração, ou seja, após 1640, procedeu-se à
execução de obras em estruturas defensivas exteriores ao amuralhado. Os mesmos,
revelam vários pedidos expostos em cortes, nos quais os mirandeses solicitavam a
fortificação devidamente da praça de Miranda do Douro, quer em estruturas quer em
armas e munições. Em outros documentos, o rei solicita empréstimos ao clero para a
defesa do reino, documento 184, de 12 de abril de 1641:

“Deão, dignidades, conegos e mais cabido da See da cidade de Miranda. Eu El


Rey vos envio muito saudar. Por cartas que se receberão de Ruy de Figueiredo
de Alarcão fronteiro dessa comarca e por outras vias se tem entendido que
nella falta considerável de armas, munições e dinheiro pera paga de gente de
guerra que está levantada; e porque a distancia desta cidade obriga a que por
todas as vias se trate de o prover vos emcomendo muito e mando que tanto que
esta receberdes entregueis por empréstimo ao mesmo Ruy de Figueiredo ou a
pessoa que elle ordenar dos caídos das rendas desse bispado e das que forem
cahindo quantia de seis mil cruzados pera compra de armas e socorros da dita
gente (…).” (Alves, 2000: Tomo IV, 541)

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Muitas das obras foram, pois, financiadas pelo clero, o qual inclusive, pagava a
soldados, como expressa o documento 174 de 17 de junho de 1648:

“Nos o deão e cabido desta santa See de Miranda «sede episcopale vacante.»
Pela presente ordenamos e mandamos ao R. do coniguo Domingos Pires
Urbano que do dinheiro que lhe mandarmos entregar das rendas episcopais
faça pagamentos aos soldados que vem a esta cidade socorre-la por termos
noticia certa que o enemiguo faz preparação para entrar nesta terra com
declaração que os pagamentos se farão por Nicolau Moreyra que serve de
escrivão da vedoria fasendo pur lista na forma costumada nos livros da
dita vedoria o qual socorro mandamos fazer por não aver dinheiro de Sua
Magestade e a praça estar muito falta de gente muy arriscada se se não meter
gente nella e neste livro se não fara pagamento aos clérigos mandamos chamar
de fora só soldados que d’alem parte do rol de Miranda vierão do Alemtejo
porque a estes mandaremos pagar em outro livro em que escrevera o escrivão
Manuel Pires como constara do dito livro se se fizeram os tais pagamentos.”
(Alves, 2000: Tomo IV, 502)

As obras iniciavam-se, mas tardavam em terminar, queixando-se inclusive o


governador de armas (conde de Mesquitela) de Trás-os-Montes ao cabido.
Na obra de Manuel Azevedo Fortes, D. João V refere-se aos condicionamentos na
execução das obras de fortificação “as fortificações das nossas fronteiras(…) se fabricarão
já com a espada na mão” (Vaz, 2009).
Entre 1640 e 1700 podem ter sido realizadas algumas obras de reconstrução de
estruturas. Em 1700, a planta que se segue, permite observar estruturas defensivas em
forma de estrela irregular, com baluartes e revelins. Segundo a descrição do autor: os
baluartes ainda não estavam terminados, o fosso era seco e quase entulhado e os revelins
edificados em terra, mas já arruinados.

Fig. 23 – Planta da Praça de Miranda do Douro na Província de Trás-os-Montes desenhada


pelo ajudante Engenheiro José Monteiro de Cary. Fonte: Gabinete de Estudos Arqueológicos de
Engenharia Militar (GEAEM). Cota: 3111-2A-25-35.

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Entre 1640 e 1700, terão sido estas as estruturas erigidas. Numa fotografia aérea
de 1965, podemos interpretar o que poderiam ter sido revelins edificados nessa barreira
cronológica.

Fig. 24 – Na área do círculo vermelho, podemos observar o


que poderia ter sido um revelim em terra. Adaptado por Mónica Salgado.

A partir de 1700, e com a Guerra da Sucessão Espanhola, terá sido edificada a


estrutura interpretada como Hornaveque. Apresenta uma construção nada cuidada,
reaproveitando todo o tipo de material rochoso para a sua edificação, verificando-se muito
reaproveitamento de pedras de xisto e granito irregulares e semi-regulares, assim como
algumas trabalhadas. Terá sido construído sobre grande pressão e com relativa rapidez.

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Fig. 25 –Plano de la Plaza de Miranda e Su Castillo conforme se hallo despues de haverse bolado
este el 8 de mayo de 1762, haviendo tomado possesion por la brecha las tropas de S. M. mandadas
por el ex.mo Senhor Marques de Sarria, el dia 9 de dicho mês, y la muralla quedando oy demolida
enteramente. Arquivo Geral de Simancas, cota: MPD_58_077. Na área do retângulo amarelo é
definido o Hornaveque. Adaptado por Mónica Salgado.

Fig. 26 – Estrutura defensiva de inícios do século XVIII – Hornaveque,


incluindo uma segunda porta.

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Fig. 27 – Plano del Castillo o Casa fuerte de los Duques de Tabara situado a la parte del Norte, y
en su extremo elevado de la Ciudad en el que (y por la Vista que le acompaña) se manifiestan las
Ruinas, y Brechas que hizo el haverse Volado un Almacen de Polvora en el dia 8 del presente con
lo demas que instruie la Explicacion... Dn Antonio Gaver 11 de Mayo de 1762. Fonte: Biblioteca
Nacional de Espanha. O círculo preto representa as duas portas existentes.
Adaptado por Mónica Salgado.

Fig. 28 – Escavações arqueológicas: visualização das duas portas.

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Fig. 29 – Estrutura defensiva de inícios do século XVIII – Hornaveque,
incluindo uma segunda porta.

Após a explosão do paiol a 8 de maio de 1762, toda a cerca defensiva de Miranda


do Douro foi arruinada nos dois dias seguintes pelos militares espanhóis. E não voltou
a ser reconstruída, originando o declínio da cidade exacerbado pela saída da diocese de
Miranda para Bragança, em 1780. No entanto, em 1780 foi elaborada uma planta em que
se pretendia reconstruir a cerca, contudo nunca foi de novo edificada.

Fig. 30 - Planta
Topográfica da Praça
de Miranda, elaborada
pelo Sargento Mor de
Infantaria com exercício
de Engenheiro José
Champalimaud de Nussane,
Março de 1780. Gabinete
de Estudos Arqueológicos
de Engenharia Militar
(GEAEM) Cota: 3108-2-
21-30.

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Esta planta também descreve o estado da cidade:

“Com esta Praça além de ser a sua situação tão mal fortificada, se acha
dominada (arruinada) por diferentes partes, assim (afim) de Hespanha,
como de Portugal, nem nunca deve terrapleno, nem Baluartes: não (admite)
estabelecer nella Baterias , e por esta causa não pode no estado antigo
quaterlar sítio algum: e só merece (carece) agora para conservar hum
Destacamento, e evitar huma evazão repentina, ser fechada de hum muro feito
como o antigo , e bastante que o dito muro seja feito de pedra grossa e barro
sobre os alicerces antigos, que são de pedra e cal, por não ter terrapleno
4´ puxe as Muralhas: os seus Parapeitos serão também executados com cal,
seguindo em tudo o Perfil junto, coagmentando os muros a Dita Praça, os
cinco Baluartes projetados na Planta.”

Este autor defende a inexistência de baluartes e revelins, pelo que permanece a


dúvida da edificação dos mesmos.

Assim, nas intervenções realizadas, foi possível aferir a existência de diversas


estruturas e reformulações do sistema defensivo do Castelo, adaptando-a sempre que
possível às diversas necessidades de combate e de acordo com os recursos existentes.
As escavações arqueológicas prosseguem de forma a requalificar toda a área envolvente
Norte.

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Bibliografia

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Bibliografia Electrónica:
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Biblioteca Digital Hispánica: http://bdh.rd.bne.es
Cartas, Plantas, Esboços e Projectos: Cartografia Militar Portuguesa. Séculos XVIII-
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Direção Geral do Património Cultural: http://www.patrimoniocultural.pt
Direção Regional de Cultura Norte: http://www.culturanorte.pt
Sistema de Informação para Documentação Cartográfica: o espólio da Engenharia
Militar Portuguesa: http://sidcarta.exercito.pt

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