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Apontamentos Arqueológicos na cidade de

Miranda do Douro
Mónica Salgado1

“A epocha actual esqueceu por completo um dos mais fortes baluartes


fronteiriços que durante a idade média, e já nas epochas da nossa história
moderna, serviu de barreira ás incursões dos povos vizinhos. Esqueceu esse
marco miliário, que tem visto passar tantas gerações, quer nos tempos em que
o seu solo foi habitado por uma d' essas tribus guerreiras, cujos vestígios
chegaram até hoje, quer na sua celebre dança chamada de paulitos, e nos
machados e martelos de pedra e outros vestigios do período preromano, que
ainda por aquelles lugares abundam, quer no dominio do povo rei.
O território mirandês é uma mina de grande merecimento archeologico, que
ainda está por explorar, tanto na parte dos monumentos e outros vestigios
historicos, como no que diz respeito à linguagem, usos e costumes”.
Albino Pereira Lopo, 1897, in O Archeologo Português

Sé de Miranda do Douro, segundo um desenho do Sr. Freire Pimentel

1
Licenciada em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Minho. Arqueóloga ao
serviço da Câmara Municipal de Miranda do Douro.

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Miranda do Douro localiza-se na região de Trás-os-Montes, no extremo Este de Portugal,
junto à fronteira com o Espanha.
O concelho de Miranda do Douro desde cedo foi ocupado pelo Homo sapiens sapiens. São
inúmeros os vestígios que atestam essa ocupação, desde a presença de arte rupestre como o
abrigo da Solhapa, em Duas Igrejas, a Fraga da Lapa em Atenor ou o Abrigo do Passadeiro
em Palaçoulo, entre outros, à existência de povoados fortificados que podem abranger uma
ocupação desde a Idade do Bronze à Idade do Ferro, como é atestado nos castros São João
das Arribas, em Aldeia Nova e o da Cigaduenha, em Vila Chã da Braciosa. São as
primeiras evidências dos povos sedentários, dedicados à pecuária e à pastorícia. Na Idade
do Ferro, estes castros associam-se a outros localizados nos vales, de menor dimensão e
espalhados pelas arribas do Douro, excelente proteção natural. As populações refugiam-se
nos vales profundos e os vales servem de alimento aos seus animais. Desta época, são
definidos vários castros: Castro de Vale de Águia, em Vale de Águia; Casa do Quinteiro,
em Duas Igrejas; Castralheiras, povoado fortificado; Castrilouço, em Paradela;
Castrilhouço, em Vila Chã da Braciosa; Castro de São Martinho de Angueira, em São
Martinho de Angueira; Coroa, em Miranda do Douro; Penhal da Torre, em Paradela; Penhal
Castro, em Palaçoulo; Raio, em Miranda do Douro; Rodela, em Ifanes e o Castro da Nossa
Senhora da Luz, em Constantim. Esta comunidade castreja integrava o povo denominado
Zolae, com hipotética sede em Castro de Avelãs, Bragança. Com a conquista romana da
Península Ibérica, muitos destes povoados foram romanizados e as suas populações
integradas nos usos e costumes do povo romano. São vários os sítios classificados como de
época romana no concelho de Miranda, citando alguns como exemplo: Faceira, em Duas
Igrejas; Fonte do Amador, em Duas Igrejas; Vila de Picote, em Picote; Senhora do Monte,
em Duas Igrejas; Touro, em Ifanes; Trampas Carreiras, em Sendim; Urreta Malhada, em
Malhadas e Vinha do Padre, em Duas Igrejas. No período romano, a região foi dotada de
rede viária (Carril Mourisco) e uma mansione, que estaria localizada em Malhadas ou na
Póvoa. Os castros foram quase todos abandonados, foram introduzidos novos produtos,
como o vinho e o azeite, frutas e cereais. Após o domínio romano, século V, o território
mirandês terá sido ocupado pelos suevos e visigodos, e no século VIII, ocupado pelos
muçulmanos, sendo também neste século, que se dá a Reconquista Cristã. Nesta
reconquista, são erigidas fortificações e uma delas possivelmente localizar-se-ia em
Miranda do Douro, pois é visível na parte amuralhada junto às portas da Nossa Senhora do
Amparo, um aparelho construtivo não-isódomo, com silhares graníticos em forma de
cunha. A esta muralha, foram posteriormente adossadas, as torres em opus vittatum mixtum
dionisinas (BARROCA, 2003, 105) e (VAZ, 2008, 24). No âmbito da independência de
Portugal, no interior do reino asturiano-leonês, os Senhores de Bragança, foram atraídos à
corte dos primeiros reis de Portugal e através de favores régios (casamentos e concessão de
governo de terras) viram os seus territórios incorporados no Reino Portucalense. Durante a
Idade Média, o território é repovoado e em meados do século XIII, organizam-se em
paróquias, Vila Chã da Braciosa, Malhadas, Paradela e Ifanes. Outras povoações já se
encontravam estabelecidas, mas fora da rede paroquial, como Picote, Sendim e Cércio. S.
Martinho de Angueira pertencia aos frades de S. Martinho de Castanheira, do lago da
Sanábria, que a tinham povoado no reinado de D. Sancho II.
Em 1286, D. Dinis funda a vila de Miranda e inicia a edificação do castelo, passando a ser
um importante ponto estratégico militar e posteriormente, também, comercial. Em 1545,
Miranda do Douro torna-se cidade e capital da diocese, pois centralizava funções diversas.
D. João III manda erigir a Sé Catedral de Miranda, iniciando a vinda de clérigos e como
sede da comarca, muitos oficiais régios também se deslocam para Miranda do Douro.

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Durante o período de tempo decorrido até 1762, Miranda do Douro é muitas vezes tomada
pelos espanhóis e posteriormente retomada. Muitos saques e outros atos violentos foram
praticados por ambas as partes. Em 1762, no decorrer da Guerra dos Sete Anos, Miranda do
Douro é tomada pelo exército espanhol, iniciando-se assim o seu declínio. Parte da cidade
foi destruída, muralhas derrubadas e existiu um grande número de vítimas mortais. Em
1764, o 23º bispo, D. Frei Aleixo Miranda Henriques, abandona a cidade de Miranda e
desloca-se para Bragança, ficando ambas como sedes episcopais até 1780, data em que
apenas Bragança se intitula como tal. Até à construção da Barragem de Miranda, nos
meados do século XX, Miranda do Douro vive atormentada pelo seu passado. A construção
da barragem e da ponte dão novo alento à cidade, que recupera dinâmica populacional,
comercial e o que aí advém.

A Antiga Sé de Miranda do Douro – estado da arte

Sé de Miranda do Douro. Fonte: DGMN


(http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1066).

A Antiga Sé de Miranda do Douro, atualmente Concatedral de Miranda do Douro está


classificada como Monumento Nacional, desde 1910 (Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136
de 23 junho 1910 / ZEP, Portaria, DG, 1.ª série, n.º 185 de 09 agosto 1957) e encontra-se
afeta à DRCN, Portaria n.º 829/2009, DR, 2.ª série, n.º 163 de 24 agosto 2009.

A vila de Miranda do Douro distanciava bastante da metrópole de Braga, dificultando a


vinda de arcebispos e demais clérigos, o que impedia a administração ordinária de zelar
pelos seus interesses. No reinado de D. João III, ele e sua esposa D. Catarina solicitaram ao
Papa Paulo III, a criação de um bispado e a edificação de uma Sé, a Sé de Miranda. O Papa
Paulo III cria o novo Bispado e eleva Miranda do Douro a cidade pela Bula Pro excelenti

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de 22 de maio de 1545 e a 10 de julho do mesmo ano, D. João III, atribuiu-lhe o título de
cidade. Miranda do Douro era Vila desde 7 de setembro de 1297, por menção do rei D.
Dinis, que lhe atribuiu foros e privilégios e mandou edificar o castelo de Miranda do Douro
e a Igreja de Santa Maria Maior, Comenda da Ordem de Cristo CARDOSO (2002: 134-
135, 143-144, 385 e 396). CARVALHO DA COSTA (1706: 479-482). Do novo bispado,
resultou a Mesa Episcopal e Capitular, em 1546, D. João III anexa o Mosteiro de Castro de
Avelãs e suas rendas ao cabido de Miranda e assim como as pertencentes à Igreja Santa
Maria Maior, pertencente à comenda da Ordem de Cristo, agora suprimida.

“Em 26 de Maio de 1546, enviava D. João III, de Almeirim, uma carta ao prior
castreiro, Frei Francisco Correia, e monges do mosteiro de S. Salvador de Castro
de Avelãs, comunicando-lhes a concordância do Papa Paulo III ao seu pedido de
anexação do mosteiro e suas rendas, à Mesa Capitular da diocese de Miranda,
medida que o Papa Paulo III tinha sancionado ao assinar, em 22 de Maio de 1545,
a «Bula Decet Romanum Pontificem»”2. RODRIGUES (2001: 17).

“Compoem-se a Cathedral de 7. Dignidades, outras tantas Prebendas, & seis


meias, com 8. Capellães, que sustentão o pezp do Choro: & assi mesmo outros
Ministros inferiores, monezilhos, porteiros, musicos, & tangedores. Tem a Diocesi
22. Legoas de comprimento, & 12. De largo, em que entrão 319. Parrochias de
varias apresentações, nas quaes se exercitão os Ritus sagrados da Igreja Romana,
Canones & Decretos dos Concílios, principalmente do Tridentino. Confina (de mais
do Arcebispado de Braga, de que foi desmembrado) os Bispados de Zamora,
Salamanca, & Ourense.” CARDOSO (2002: 144).

A antiga Sé apresenta, a nível arquitetónico, uma fachada harmónica, ladeada por duas
torres e no interior observam-se três naves abobadadas à maneira gótica, com cruzaria de
ogivas de nervuras visíveis. O retábulo-mor é uma obra seiscentista, terminada em 1614, de
autoria de Gregório Fernández. O cadeiral, com quadros pintados nos respaldos, é barroco,
de estilo nacional.
“O portal principal é de arco pleno encimado por janelão moldurado de
motivos geométricos. Estes são ladeados por duas ordens de colunas
existindo no registo superior dois nichos. A fachada possui ainda quatro
janelas duas em cada registo. Ao alto destaca-se uma balaustrada. Duas
torres ladeiam a fachada e dividem-se em três registos. No primeiro, uma
janela semelhante às atrás descritas, enquanto no segundo uma ventana para
sino. Por cima da cornija foi erigido um campanário. Os alçados laterais E.
e O. encontram-se rebocados possuindo pequenos portais coevos à fundação
e quatro janelas na zona do transepto que, no entanto, são insuficientes para
uma correta iluminação. O alçado posterior mostra a capela-mor e as
laterais em cantaria iluminadas por janelas. O interior é de três naves com
quatro tramos com abóbada nervada sustentada por seis pilares toscanos
formadas por quatro colunas adossadas. O pavimento é lajeado. Do lado do

2
A.D.B., Cabido, Cx. 22, doc. s/n°; Corpo Diplomático Portuguez, ob. cit., T. V, pp. 413-414;
ALVES, Francisco Manuel - ob. cit., T. Ill, pp. 14-15; Idem, Castro de Avellãs. Mosteiro benedictino,
Separata de «O Instituto», Coimbra, Imprensa da Universidade, 1910, pp. 91, 92

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Evangelho apresenta-se o altar das Relíquias, datado de 1664. Dois púlpitos
sobressaem no cruzeiro do transepto sendo o olhar atraído para a capela-
mor que se inicia logo no cadeiral denotando com isso uma enorme
profundidade. O retábulo do altar-mor é formado por dois conjuntos de
colunas coríntias que enquadram a zona central dedicada à Assunção de
Nossa Senhora. O conjunto termina com ático preenchido com representação
do "Calvário". Do lado da Epístola encontra-se o retábulo de Nª Sª dos
Remédios. O altar é constituído por dois registos de edículas enquadradas
por duas colunas. O ático enquadra um janelão da capela dedicada a Nª Sª
dos Remédios. Ainda deste lado do templo encontra-se o retábulo dedicado
ao Santíssimo Sacramento.” NOÉ (2013).

A edificação da Sé teve várias ações e palimpsestos construtivos ao longo do tempo3.

3
“1545, 27 março - rainha D. Catarina oferece relíquias vindas de Magúncia; 22 maio - Bula do
papa Paulo III eleva a vila de Miranda a cidade e a igreja de Santa Maria a Catedral *1; Papa
manda ampliar o edifício e dar-lhe a forma de catedral, mantendo a mesma invocação; 1547, final -
D. Turíbio Lopes desenvolve os planos e inicia a recolha de fundos e materiais para a construção da
Sé; 15 dezembro - carta do bispo a D. João III, levada a Lisboa por Gonçalo de Torralva *2;
medição e delimitação do terreno onde se ergueria a igreja; 1548, 18 março - bispo informa D. João
III que haviam chegado Jorge Gomes com os mestres de pedra e cal e cabouqueiros, que o rei
mandara, e achara as pedreiras em abastança; 28 agosto - bispo escreve ao rei que seria de muita
consolação a obra começar em fevereiro; pede licença para pedir ao Papa indulgências para quem
der esmola para as obras; 1549, 04 fevereiro - bispo pede ao rei o envio dos mestres para as obras;
15 junho - breve de Paulo III concede indulgências a quem visitar a Sé, como nas estações de Roma,
nos dias da Quaresma; 1552, 11 abril - decide-se dar a Fernão de Naxera, castelhano, o ofício de
pedreiro da Sé (2$000 ano); 30 abril - carta do bispo refere que praticaram na obra muitos dias
Miguel de Arruda, mas depois o rei deu-a a Pero de la Faia de empreitada; 16 maio - início da
abertura dos alicerces; 24 maio - cerimónia do lançamento da primeira pedra; D. Turíbio manda os
mestres da obra comparecer em Lisboa "para falar com Miguel de Arruda" sobre a construção da
Sé; 02 junho - D. Turíbio envia a Diogo Gonçalves o treslado do contrato com Pero de la Faia, que
regulava os pagamentos e as férias, as obrigações do empreiteiro quanto à execução do projeto de
Miguel de Arruda e à fiança de mil cruzados; 1554 - 1560, entre - é empreiteiro Pero de la Faia;
1560, 04 janeiro - D. Julião d'Alva escreve ao Cabido mostrando-se descontente com a traça da
catedral *3; maio - chegada de Francisco Velásquez a Miranda para continuar com a empreitada da
Sé, introduzindo alterações encomendadas pelo bispo; 1561 - 1565 - feitura do retábulo da capela de
São Bento, possivelmente da Escola de Berruguete (Alonso Berruguete) e atribuída ao círculo de
Manuel Alvarez, de Pelencia, Espanha; 1564 - 1579 - António André Robles, entalhador de Zamora,
radica-se em Miranda para executar várias obras na Sé, encomendadas pelo bispo D. António
Pinheiro e pelo Cabido: na sacristia, cadeiral do Cabido, retábulo-mor, sacrário e uma custódia *4;
1565 - instituição da capela de São Pedro por Diogo Gonçalves, cavaleiro da casa real, escrivão da
alfãndega, e sua mulher, D. Patornilha da Rua; 1566, 06 abril - sagração do altar-mor pelo bispo D.
António Pinheiro; 1576 - sepultamento de Francisco Velasquez em campa rasa na Sé; 1581 - papa
Gregório XIII privilegia o altar de Nossa Senhora do Rosário; 1582, 15 novembro - decide-se
derrubar a torre sineira da igreja velha e aproveitar a pedra na Sé; estipula-se que, na falta de outro
mestre-de-obras mais competente, se pague semanalmente $500 a Manuel Camelo pelo seu trabalho,
por ter conta com os oficiais e por olhar pela obra; vê-se a necessidade de substituir o mestre porque
a obra não anda como se deseja; 1583 - venda dos materiais que iam sobrando da obra da Sé,
principalmente madeira; é mestre-de-obras Gaspar da Fonseca; 1585, 15 dezembro - manda-se
contratar "homem perito" para acompanhar as obras; 1586 - contratação de Gaspar da Fonseca
como arquiteto e mestre-de-obras, para conclusão da obra: fechar o casco e acabar o portal com o

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coro e seus remates, recebendo 50$000 anuais e casa para viver; 1587, 17 junho - decide-se vender
as casas onde mora o cónego Sardinha para aplicar o dinheiro na obra; 1590 - ainda ali trabalha
Gaspar da Fonseca *5; 1603, 20 abril - Clemente VIII concede indulgências à confraria de Nossa
Senhora dos Remédios; 1609, 02 janeiro - D. Diogo de Sousa escreve ao Papa dizendo que a
catedral está muito bem construída e edificada; é edifício sumptuoso, bem construído, dotado de tudo
o que é necessário, com sacristia bem ornada de paramentos de ouro e prata, já com coro, torres,
sinos e cemitério; 1610, 01 janeiro - Cabido decide gastar do dinheiro da fábrica em três obras
necessárias: o retábulo-mor, portas para a porta principal e lajear o pátio; 01 março - põe-se em
arrematação a obra do retábulo-mor; 26 abril - decide-se mandar a Valladolid o cónego António
Mendes a informar-se dos fiadores que os arrematantes do retábulo, dando-lhes o dinheiro
combinado para dar princípio à obra se fossem idóneos; 23 setembro - Cabido decide dar 50
cruzados do dinheiro do retábulo ao entalhador Juan de Muniategui "e, côngrua recebida, lhe serão
levaos em conta"; 1611, 03 junho - D. José de Melo oferece relíquias à Sé; 1614 - conclusão do
retábulo-mor e portas e pagamento aos entalhadores de Valladolid, Gregório Fernandez e Franciso
Velasquez *6; 1615 - ainda se pedem esmolas na diocese para continuação das obras da Sé; 1620 -
1621 - construção do lajeado, atribuído a Domingos da Fonseca; 1621, 20 julho - manda-se fazer
custódia nova para a capela do Santíssimo ao prateiro de Zamora, Martim Rodrigues Gaia, com o
peso de 20 marcos de prata; 1624 - trabalha como carpinteiro Lázaro Pires; o tijolo vem de Zamora;
1627, 16 janeiro - no processo canónico de D. Jorge de Melo, diz-se que a catedral tem nove capelas
e não necessita de reparação; Alonso Ramesal, de Zamora, pinta a sacristia; 1629 - existência de um
órgão no coro; no relatório ao papa Urbano VIII, D. Jorge de Melo diz que a igreja não tem
claustro, tem duas torres altas que ameaçam ruína, devendo ser reparadas, a sacristia é ampla, de
suficiente estrutura, artisticamente fabricada, o coro tem assentos de graciosas esculturas e "no
lugar a propósito, um órgão a condizer com a gravidade da igreja"; as relíquias estão mal
conservadas e não têm devoção popular; há a confraria de Nossa Senhora do Rosário, administrada
pelas pessoas populares de Miranda e instalada na sua capela, e a confraria de Nossa Senhora dos
Remédios, administrada pelas pessoas nobres da cidade; 1633 - D. Jorge de Melo manda escrever a
Gregório Fernandez pedindo-lhe que contate um pintor da sua confiança; 15 abril - escritura para a
pintura do retábulo-mor com Jerónimo de Calábria, de Valladolid, que fica sem efeito *7; 1634 -
cobertura das abóbadas de cal; é mestre-de-obras Domingos da Fonseca; 1635, 20 julho - escritura
para douramento e pintura do retábulo-mor por Alonso de Ramessal *8; 1636, 20 agosto - D. Jorge
de Melo assume dever à fábrica (de junho 1627 a 15 junho 1636) 2.290$706, dando ordem de
pagamento; encomenda ao escultor Jerónimo Garcia, de Zamora, das esculturas dos quatro
Evangelistas, para a mesa do altar-mor (100$000); 1636 - 1672, entre - Cabido aplica as rendas da
Mitra na fábrica da Sé; 1637, 17 agosto - escritura de quitação do douramento do retábulo-mor,
recebendo Alonso de Ramessal 70$000 a mais, de uns painéis que pintou e acrescentou ao retábulo;
1638 - conclusão da pintura da sacristia por Alonso de Ramesal; 1650 - conclusão do retábulo de
Nossa Senhora dos Remédios, pelo escultor Manuel Marcos, de Prado Gatão, que também pinta as
figuras da vida da Virgem das edículas do retábulo; 1651 - instituição da capela de Santo António,
pelo Cónego Manuel; 1662 - Cabido manda fazer o retábulo das Relíquias ou de Nossa Senhora da
Alegria ou do Leite, para reunir o grande número de relíquias da Sé; 14 setembro - o entalhador
António Lopes, de Torre de Moncorvo, recebe 30$000 para começar o altar das Relíquias; 1663, 06
janeiro - conclusão das grades da sacristia, feitas por serralheiro de Moncorvo, João Mendes; 1664,
20 dezembro - pagamento de 20$000 ao entalhador António Lopes da Costa da conclusão do
retábulo das Relíquias, mais 8$000 por fazer os meios corpos e braços que serviam de relicários;
1666, 26 junho - escritura para António de Oliveira, de Torre de Moncorvo, dourar, pintar e estofar
o retábulo das Relíquias e o arco da capela, como a capela de São Jerónimo (88$000), e o retábulo
de Santo Amaro (62$000), sendo a feitura deste atribuída a António Lopes de Sousa; 1668, 22
janeiro - escritura para pintar, dourar e estofar o retábulo de Santo Amaro e as imagens de São
Pedro, São Vicente, Santo Antão, São Francisco, São Domingos, São Luís, São Paulo Eremita, e
Santo Onofre (62$000); 06 novembro - cónegos decidem mandar fazer o órgão ao oficial de Chaves;
1672, 07 janeiro - Cabido contrata Francisco Lopes de Matos, de Viseu, para fazer novo retábulo do
Santíssimo (325$000); 1675 - bispo D. André Furtado de Mendonça diz ao papa Clemente X que no

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altar-mor, muito rico, está o sacrário, elegante trabalho ornado a ouro, onde se conservam as
seguintes relíquias altares com retábulos bem talhados, tendo num o Santíssimo Sacramento, outro
da Senhora do Rosário, onde se celebam missas dos defuntos, por estar privilegiado por bula
pontífica, tem casa capitular, sacristia, dois coros em que rezam os cónegos conforme a conveniência
do tempo, pia baptismal, duas torres com muito bom frontispício e adro de pedra lavrada; 1694 -
montagem do órgão pelo organeiro do Porto, Manuel Vieira; 1696 - feitura da caixa do órgão por
Geraldo Vieira do Porto, nascido em Braga, conforme inscrição integrada no cadeiral dos cónegos;
séc. 17, finais / séc. 18, inícios - execução do retábulo de São Caetano, padroeiro dos nobres do
Reino, atribuído ao escultor Lourenço Baptista, e à custa da sua confraria; feitura do retábulo da
capela de São Jerónimo, instituída pelos párocos de Sendim, o padre Pascoal e o Abade Rego; 1702 -
D. João Franco de Oliveira refere que a Sé tem 12 capelas com altares, coro, dois órgãos, um
campanário com 4 sinos, um do relógio, e cemitério; 1703, 13 abril - papa Clemente XI concede
indulgências à confraria de São José; 1715 - D. João V manda fundar na Sé uma capela dedicada a
São José; 1715 - 1716 - obra de talha e pintura do coro; 1716 - bispo D. João de Sousa Carvalho
oferece ao altar-mor as sacras de prata (1.140$000) e D. Diogo de Marques Moratto oferece a Nossa
Senhora da Assunção um baldaquino rico de damascos; 1716 / 1717- feitura do retábulo de Nossa
Senhora da Piedade, possivelmente pelo entalhador João Francisco, de Duas Igrejas; 1722 -
Inventário da Fábrica da Sé refere a imagem do Menino Jesus da Cartolinha (sem cartolinha) e os
fatos de todas as cores litúrgicas que vestia, o qual saía na procissão do Ano Novo e do Dia de Reis;
1728, 13 março - Urbano VIII concede Indulgências à confraria do Santíssimo; 1729 - data inscrita
sobre o arco da capela de Nossa Senhora dos Remédios; 1736, 18 fevereiro - escritura de troca da
capela de São José, no início da nave do Evangelho e administrada pelos cónegos Dr. José Botelho
de Matos e Manuel Gonçalves Gamboa, com a de São Pedro, no braço esquerdo do cruzeiro e
administrada por Francisco Soares de Araújo e mulher D. Úrsula Maria Godinho e Madureira; a
sepultura e brasão da capela de São Pedro são transferidos para a parede e chão junto da nova
capela; Cabido constrói o arco e capela de São José no braço esquerdo do transepto, inscrevendo
data no arco; faz-se um São Pedro de vulto estofado para pôr na capela; o cónego Ochoa deixa em
testamento uma lâmpada de prata para o altar de Nossa Senhora da Piedade (hoje na capela do
Santíssimo Sacramento); 1737, 15 agosto - Cabido decide mandar fazer ornamentos necessários e
reformar alguma prata, por haver grande necessidade de tudo (4.943$266), comprando-se ainda
alvas, corporais e toalhas (162$915); 1736 - 1737 - feitura do retábulo de São Pedro, por ordem do
Cabido; 1737, agosto - sepultamento do bispo D. João de Sousa Carvalho no absidíolo da Epístola;
Inventário refere um "cruccifixo com o título de Nosso Senhor da Piedade, colocado no seu altar
defronte da porta da sacristia com as imagens de Nossa Senhora da Soledade e S. João Evangelista
aos lados"; 1749 - as torres têm seis sinos; 09 Outubro - bispo decide mandar construir "a
fundamentis" uma nova capela-mor, devido à existente ser de reduzidas dimensões; o ecónomo da
Mitra, Manuel Soares de Oliveira, manda vir de Salamanca um arquiteto para desenhar a planta e
dois entalhadores para baixar o retábulo; 22 outubro - lançamento da primeira pedra para
ampliação da capela-mor; ali trabalha o pedreiro Manuel Gonçalves de Castro, de Vila Praia de
Âncora, e o carpinteiro Sebastião da Silva; 29 dezembro - morte do bispo D. Diogo Marques Morato;
31 dezembro - Cabido decide continuar a obra; D. Frei João da Cruz, à espera das bulas de
confirmação de bispo coadjutor e futuro sucessor, ordena suspender os trabalhos até à sua chegada
a Miranda; 1750, 01 julho - chegada de D. Frei João da Cruz que, após ver a planta e o local,
manda avançar a obra; na ampliação da capela-mor gastam-se 2.190$417; 1751 - 1753 - pagamento
ao pedreiro José Gonçalves de Crasto, de Castelo de Âncora, para desfazer as bases do retábulo-
mor; 1752 - torna-se a dourar o retábulo-mor, "por estar já tosco e mal colorido" (2000 cruzados);
1752 - 1753 - recolocação do retábulo-mor; 1753, 28 abril - ajuste do soco do retábulo-mor
(16$000); 1754, 04 fevereiro - escritura com o entalhador e pintor Manuel Caetano Fortuna, de
Miranda, para dourar o arco do retábulo-mor e acrescentar uma moldura de talha à volta (2000
cruzados) *9; 14 agosto - benção da capela-mor; 1758 - descrição da Sé pelo pároco Bento de
Morais Freire nas Memórias Paroquiais da freguesia *10; 1759 - despesas com a capela do
Santíssimo e de São José; pagamento de geiras a António Bernardo; 24 fevereriro - paga-se a
António de Sousa Correia por 6 castiçais de prata para o retábulo-mor (1.170$000); 1759 - 1760 -

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Na recente obra de Cátia Jorge dos Santos, sobre as Sés joaninas de Miranda do Douro,
Portalegre e Leiria, a autora conclui que toda a base arquitetónica dos projetos é a mesma e
“assenta no uso do pilar cruciforme com definição de capitel, na adopção de um sistema
de cobertura em abóbada de ogivas planas, e no desenho da proporção de duplo quadrado,
desde a entrada até à capela-mor, e da proporção sesquiáltera (3:2), até ao transepto”.
JORGE SANTOS (2009: 137). As variantes que permitem a individualização de cada
edifício regem-se pela possibilidade da análise geográfica, nomeadamente no caso de
Miranda com a aproximação a Castela, e em especial, a Salamanca. A Sé de Miranda do
Douro baseia-se na tradição “catedralícia nacional”, com coro alto e fachada entre as
torres. A supramencionada autora, no que concerne a esta Sé, elaborou três hipóteses
interpretativas do que existe hoje e o que poderá ter sido o projeto em 1552. JORGE
SANTOS (2009: 137). A primeira hipótese caracteriza-se pela planta em cruz latina, com
cabeceira tripartida, definindo diferentes simetrias e dimensões, no que concerne aos dias
de hoje. Introduz o tramo na nave. A segunda conjetura baseia-se na estranha saliência das
torres, “até então tradicionalmente desenvolvidas no enfiamento de naves. Com o sentido
de compor a planta, esta segunda hipótese integra grandes capelas laterais ao longo do
corpo, entre as torres e os braços do transepto um pouco à semelhança do que aconteceria
na planta da catedral de Goa ou na maioria das catedrais” JORGE SANTOS (2009: 137).
Cátia Jorge Santos apresenta a terceira hipótese, como a mais pretensiosa e aquela que
poderia explicar a estranha configuração dos elementos destacados e, principalmente, a

D. Fr. Aleixo de Miranda Henriques manda alargar a capela de São José, então já dedicada ao
Santíssimo, e abrir as portas para o cemitério e sacristia; feitura do retábulo do Santíssimo; 1760 -
data das grades da capela do Santíssimo; 1764 - transferência da sede do bispado para Bragança;
D. Fr. Aleixo de Miranda Henriques leva as alfaias e paramentos mais ricos e alguns: o Santo Lenho,
uma parte do braço de São Brás, relíquias de São Crispim, de Santa Primitiva, de Santa Daria virgem
e mártir, do mártir São Espiridónio, de São Rufino, de Santa Emiliana, de São Magno, de São João
Baptista e de Santa Basílica; no mesmo altar, dispostos com ordem até ao teto, estão os santos; e no
meio e no mais alto, a imagem de Senhora da Assunção; na capela-mor estão os assentos dos
cónegos, de madeira esculpida, onde se recitam quotidianamente as horas canónicas; 1681, 16 agosto
- manda-se fazer a tribuna para exposição do Santíssimo no altar de Nossa Senhora dos Remédios a
Francisco Lopes Matos; 1684 - Cabido vende pratas e paramentos pontificais para custear as obras;
1688, 06 novembro - ajuste da parte instrumental do órgão por um organeiro de Chaves (2000
cruzados), devendo ser semelhante ao de São Francisco de Zamora; 1691 - D. Manuel de Moura
Manuel diz que a Sé tem 10 sinos das torres; 1770, 5 março - D. José solicita a Clemente XIV a
divisão do bispado de Miranda em dois: Miranda e Bragança; 10 julho - Breve autoriza a divisão,
ficando Bragança sede do Bispado; 1778, 08 maio - breve de Indulgências plenária a quem visitasse
o Santíssimo; 1780, 27 setembro - Bula "Romanus Pontifex" funda a diocese de Bragança com a de
Miranda, passando Miranda a reitoria; criação da Insigne Colegiada de Miranda *11; a Sé passa ao
abandono e é espoliada; séc. 18, finais - séc. 19, inícios - provável execução do retábulo da capela de
Santo António, pela sua confraria; 1811 - data da caixa de esmolas de Santo António; 1825 -
supressão da Colegiada; 1828 - data do guarda-vento; séc. 19, finais - séc. 20, inícios - colocação da
cartolinha na imagem do Menino Jesus; 1905, 03 agosto - Câmara informa o bispo D. José Alves de
Mariz da ruína da Sé; 1909 - raio decepa a cúpula da torre esquerda, partindo-se o sino do relógio;
1930, 05 fevereiro - vendaval destrói parte do telhado da Sé; 1946 - conclusão da transferência do
órgão do local inicial (sobre a porta travessa do Evangelho) para o coro-alto, durante as obras de
restauro efetuadas pelo arquiteto Baltazar de Castro; 1992, 01 junho - o imóvel é afeto ao IPPAR,
pelo Decreto-lei 106F/92; 2017, 09 outubro - expropriação de duas parcelas de terreno destinadas à
execução da obra de beneficiação da envolvente ao Largo da Sé, com vista à concretização do Plano
de Pormenor de Salvaguarda do Centro Histórico de Miranda do Douro, publicado em Aviso n.º
12052/2017, DR, 2.ª série, n.º 194/201”. NOÉ (2013).

190
confusão da cabeceira. A ideia surgiu, num plano inicial pelo Paulo Varela Gomes, e
defende a criação de um projeto com influências de catedrais espanholas, em particular, a
catedral de Salamanca.

“O ponto de partida foi o seguinte: os quatro pilares, de maior secção, que hoje
enquadram o cadeiral do coro na capela-mor mirandesa teriam provavelmente a
mesma altura que os das naves. A sua monumentalidade sugere que terão sido
pensados para o cruzeiro, espaço central do templo, até porque, não sendo
convencional a abertura existente entre as capelas da cabeceira, também parece
improvável que pilares com aquela dimensão e tratamento de pedra fossem
desenhados para permanecem escondidos dentro de paredes, como aconteceria nas
paredes de uma capela mor «à portuguesa» e se não se rasgassem os actuais arcos
que albergam o cadeiral. Dentro desta suposição, os compartimentos anexos na
mesma linha horizontal da cabeceira, alegadamente da época de construção
primitiva158, são explicados porque corresponderiam aos braços do transepto.
Com esta situação, justificam-se as iguais profundidades das capelas da cabeceira
relativamente aos restantes tramos, a primeira intenção de monumentalidade dos
dois pilares que se localizam no alinhamento da testeira das capelas laterais e a
mínima espessura das paredes existentes entre as capelas colaterais e os anexos que
com elas comunicam. Há ainda outro aspecto que parece mais claro com este
projecto hipotético. A largura da nave central em Miranda é relativamente menor, o
que confere maior importância às naves laterais, que, para manter a proporção de
duplo quadrado têm tramos menos estreitos, mais “quadrados”, compensando as
dimensões dos tramos centrais. A perda de largura e importância da nave central
sugere que possa ter sido prevista uma ocupação do seu espaço, que não seria outra
que a do coro baixo em frente à capela-mor, solução típica da arquitectura
espanhola. Nesta perspectiva, não haveria lugar para um coro alto no projecto
inicial da catedral mirandesa.” JORGE SANTOS (2009: 159-160).

Segundo a autora, esta possibilidade de projeto mencionado vai de encontro ao registo


efetuado pelo primeiro bispo de Miranda do Douro, de um projeto demasiado sumptuoso
para a cidade. Na missiva de 29 de Maio de 1549, este bispo refere: “bastara fazer hua see
tã grande e tam lustrosa como a see de Évora, que vay asaz encarecida, fazendose pelo
estilo comum de outras sees e cidades antiguas pedindo ainda que “deite V. A. os olhos nas
obras das sees mui antiguas e a perguntar pella see que aguora serve em Salamanca e em
outras cidades de Castella, e parecerlhea que sobeja esta pera aqui.” JORGE SANTOS
(2009:141). Nesta carta, transparece que o desenho da Sé seria demasiado sumptuoso do
que a Sé de Évora, “já por si dos maiores exemplos catedralícios existentes no reino.” A
autora refere a eventual influência de uma obra nova para o projeto mirandês, influência
essa da construção desde 1513 da catedral de Salamanca, um projeto de Juan de Gil de
Hontañon e a direção de Rodrigo Gil. O projeto da catedral de Salamanca apresenta os
“quatro suportes do cruzeiro monumentalizados, tal como os pilares que enquadram o
cadeiral mirandense e o desenho de duplo quadrado característico das catedrais
espanholas, que se define quando excluídas as capelas laterais ao longo do corpo
longitudinal. Para além disso, o desenho da catedral de Miranda do Douro, com quatro
tramos no corpo, encaixa-se nas suas medidas base (largura da igreja e da nave central,
comprimento do transepto à entrada) na planta da catedral de Salamanca, reduzida para
quase metade das suas dimensões” JORGE SANTOS (2009:141). Na sua tese, Cátia Jorge

191
Santos defende que o desenho da catedral de Miranda do Douro é definido pelo modelo da
catedral de Salamanca, baseando-se no exposto, na proximidade geográfica e, inclusive, dos
conhecimentos da cidade e dos projetos castelhanos pelo D. Turíbio Lopes. JORGE
SANTOS (2009:161)
Assim, e como já foi anteriormente mencionado, o primeiro Bispo da Sé Catedral foi D.
Turíbio Lopes, homem virtuoso e principal promotor da edificação da Sé, cuja primeira
pedra foi lançada a 24 de maio de 1552. O projeto foi elaborado por Gonçalo de Torralva
(1547) e revisto e aprovado por Miguel de Arruda (1552-1554) MOURINHO (1993:11) e
NOÉ (2013). Cátia Jorge Santos, na sua tese de mestrado, fundamenta a autoria do projeto
da Sé de Miranda do Douro, Portalegre e Leiria, todas mandadas construir por D. João III.
“Sendo os três projectos traçados no atelier da corte, e dada a proximidade da
criação das dioceses e as semelhanças entre planos catedralícios, torna-se evidente
que a autoria das plantas das três catedrais está centrada num só personagem. A
julgar pelas várias influências presentes nas obras – da arquitectura militar, do
gótico tardio e das igrejas espanholas, do renascimento e da tratadística –, tratava-
se de uma figura ecléctica e de muita experiência em grandes estaleiros. Esse
arquitecto seria com certeza Miguel de Arruda, «Mestre das Obras da Fortificação
do Reino, Lugares d’Além e Índia» desde 1548-1549, que detinha o controlo sobre
todas as obras régias à altura e que fez a viragem do primeiro renascimento
português para o estilo chão, passando pela arquitectura militar. A reforçar esta
opinião surgem ainda aspectos de desenho semelhantes evidenciados em outras
obras da sua autoria, e a carta de D. Turíbio Lopes, a quem D. João III em 1552
“mandou que de sua parte escrevesse aos ditos mestres aqui [em Lisboa] para falar
com Miguel da Ruda e praticarem na dita obra onde estiveram muitos dias”.
JORGE SANTOS (2009:162-163)

Na transcrição da carta enviada a D. João III, de 1547 VAZ (2008:73), o Bispo de Miranda
D. Turíbio Lopes defende a existência de um adro de grande dimensão e a catedral, com a
sua exuberante monumentalidade de grandeza, iria ser vista pelo Largo Principal. Este
espaço público permitia abrir-se a Sul, para as Torres da Catedral, salientando-se a
importância da relação a estabelecer entre a catedral e a praça VAZ (2008:88)
RODRIGUES (2001: 114,115), quer para moradores, quer para os seus visitantes.
“(…) esta obra se assente de maneira que a capella mor fique casy ao sul como Torralva
dyra: porque sendo asy fica o terreyro grande, despejado e muy grandioso como elle he e
as portas e frontaria e majestade da obra: a vista do terreyro e a vista do principal da
cibdade e da parte por onde vay a gente toda a ygreja e asy os estrangeiros que aqui vem
porque todos acudem a praça e da praça a ygreja que he caminho direytoo por o terreyro e
frontaria della (…)” Torre do Tombo, Corpo Chronológico, parte 1ª, maço 79, doc.142 in
MOURINHO (2009: 17) VAZ (2008), ALVES (2000: VII, 558) JORGE SANTOS,
(2009:37).
D. Turíbio Lopes, no ano de 1547 defendia a construção da Sé de acordo com o desenho
realizado pelo arquiteto Gonçalo de Torralva, pois acreditava num crescimento
populacional relevante. Contudo, em 1549, numa carta dirigida a El Rei, o Bispo de
Miranda MOURINHO (2009: 21) salienta os custos sumptuosos de edificar a Sé segundo o
primitivo desenho de Gonçalo Torralva e roga que o Rei observe o desenho feito por Julião
de Alva.

192
“(…) com pouco dinheiro nem os tempos presentes nem os vindoiros se vam dispoendo
para começarmos obras tão sumptuosas que de mais se não acabar em nossos dias nem
nenhum dos presentes desta cidade, por falta de dinheiro, não sei quam licito será fazer
obra tão sumptuosa obra tão necessária como aqui e se poderá dizer assaz sumptuosa de
obra comum conforme as outras igrejas catedrais de muita mais calidade. Beijarei as mãos
de V. A. querer ouvir JULIÃO dAlva a quem sobre isto escrevo largo, o qual mostrará a
V.A. hum debuxo que vai para igreja de três naves ficando inteira a torre e igreja que
agora está com acrescentar a dita igreja hua pouca cousa que se pode mui bem fazer e bem
sei que está V.A. mui afeito a debuxos e obras ilustríssimas e tam sumptuosas que há de
zombar e rir deste debuxo que lhe mostrará Julião Dalva (…). MOURINHO (2009: 21).
No período compreendido entre 1548 e 1552 existiram algumas hesitações na edificação do
templo relacionados com o seu tamanho e questões financeiras, inclusive. Mas mesmo
assim, D. João III, decidiu-se pela construção de um edifício sumptuoso e monumental,
inviabilizando “o alcance das ideias do bispo que, mais preocupado com as despesas - que
também lhe limitavam os rendimentos pessoais - não só se contentava como desejava uma
construção de menor volume, mais sóbria e em que se inscrevesse um discurso artístico
conservador.” RODRIGUES (2001: 122,123).
A catedral começa a ser verdadeiramente construída em 1552: “Os alicerces da catedral
começaram a ser abertos, no dia 16 de Maio de 1552, depois de assistir à Missa Cantada
em honra do Espírito Santo.” MOURINHO (1993: 10). A primeira pedra é colocada no dia
24 de Maio do mesmo ano.
Um dos momentos a salientar na edificação da Sé, é a decisão de demolir a torre dos sinos
da primitiva Igreja, Santa Maria Maior: “(…) que a torre dos sinos se deribasse e a pedra
se gastasse na obra da See que ora andava e outro si pareceo bem ao Senhor Bispo e
Cabido (…)” Folio 66 do Livro dos Acordãos do cabido de 1582, a 15 de novembro.
MOURINHO (2009: 34) MOURINHO (1993: 12).
A Sé demorou mais de meio século a ser construída, em 1610 ainda não tinham sido
construídas as portas de fora do templo, nem o retábulo do altar-mor, nem o lajeado do
pátio, sendo os primeiros itens edificados entre 1610 e 1614 e o piso no ano 1620 ou 1621.
As abóbodas são rebocadas de cal no ano de 1634. MOURINHO (1993: 15).
Este templo demorou, pois, a ser construído e foram variadíssimos os seus intervenientes. A
catedral manteve-se sem alterações na sua planta até 1736, ano em que se decidiu trocar a
capela de S. José pela capela de S. Pedro. Em 1736 ocorre a primeira alteração à obra,
com a abertura do arco e construção da capela de S. José (que posteriormente veio a
albergar o culto do Santíssimo Sacramento) do lado esquerdo do transepto. Entre
1759/1760, no bispado de Frei Aleixo de Miranda Henriques, esta capela viria a ser
aumentada, abrindo-se janelas e portas para o cemitério e sacristia.” JORGE SANTOS
(2009: 35).
António Rodrigues Mourinho salienta que terá sido o bispo D. Fr. João da Cruz a mandar
alargar a capela e abrir as portas para o cemitério e para a sacristia, entre os anos 1759 ou
1760. MOURINHO (1993: 16). O bispo D. Fr. Aleixo Henriques terá prosseguido com as
indicações do anterior.
Em 1764, o bispo D. Fr. Aleixo de Miranda Henriques muda-se para Bragança realizando-
se a “catástrofe religiosa”, após a catástrofe militar de 1762. A diocese divide-se em duas

193
partes e o bispo leva com ele muitas das riquezas da catedral (ouro, prata, paramentos e
sinos). “Em Março de 1770, quando Francisco de Almada Mendonça era ministro na
Santa Sé, o monarca intentou a divisão da diocese de Miranda em duas entidades distintas:
o bispado de Miranda e o bispado de Bragança. Clemente XTV atendeu as pretensões
régias.” RODRIGUES, (2001: 3).
A divisão do bispado em duas dioceses colocou algumas “chagas, uma das quais consistia
na insuficiência das rendas para a sustentação das duas organizações eclesiásticas. Em
1780, com o acordo de D. Maria I e de Pio VI, as duas dioceses seriam unidas. Em
consequência, a sede do bispado sediar-se-ia definitivamente em Bragança (…).”
RODRIGUES, (2001: 3).
O bispado passa a denominar-se Bragança e Miranda, gerando assim, mais uma dor no
coração de Miranda, que regride até 1955, data em que renasce devido à construção da
hidroelétrica. A cidade avança para fora das muralhas e desenvolve-se económica e
socialmente. MOURINHO (1993: 8).

Intervenção Arqueológica no Adro da Antiga Sé de Miranda do Douro

A intervenção arqueológica realizada em 2008 e 2009 caracteriza-se pela realização de 8


sondagens arqueológicas e posterior acompanhamento arqueológico, que obrigou à
realização de mais duas sondagens e delimitação do espaço e estruturas pré-existentes. Esta
intervenção realizou-se no âmbito do projeto Arranjo Urbanístico do espaço adjacente ao
lado Nascente da Igreja e Largo da Igreja, Antiga Sé de Miranda do Douro.

Implementação das sondagens arqueológicas.

194
Os trabalhos arqueológicos tiveram como objetivos a interpretação dos muros identificados
anteriormente pela autarquia, a observação e análise da estratigrafia do subsolo e de outras
eventuais estruturas preexistentes, com vista ao estabelecimento de sequências e tipologias
de ocupação do local, e proceder à avaliação dos restos arqueológicos e estabelecer
possíveis condicionantes à obra.

Sondagem 01

A Sondagem 01 permitiu aferir várias fases cronológicas de ocupação do espaço,


estabelecendo-se uma primeira fase caraterizada pela abertura de duas valas de
implementação de infra- estruturas pluviais e elétricas e a repavimentação da área com
saibro.
A fase cronológica II reporta aos níveis de aterro identificados na área, aquando do restauro
do interior da Igreja em 1986 (fonte oral). De acordo, com as memórias da fonte oral José
Frade, estas obras de restauro englobaram a lavagem dos pilares e das pedras com ácido
próprio, o retiro do reboco das paredes e reboco com cimento das mesmas, e o
levantamento das pedras do lajeado soltas e desniveladas, recolocando-as em posição
nivelada. Foi nesta última tarefa da empreitada, que surgiram sedimentos com bastantes
ossos humanos, retirados e depositados na área agora escavada. A fase cronológica III
situar-se-á entre 1959 e 1962, barreira cronológica para a reparação da rede elétrica
realizada pelos monumentos nacionais.
A fase cronológica IV caracteriza o momento de destruição da sacristia antiga pela ação dos
monumentos nacionais entre 1936 e 1940.

Documento em que se evidencia a destruição dos muros e da sacristia existente no espaço


intervencionado. Fonte: DGMN
(http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1066).

195
Continuação da descrição das obras a realizar na Antiga Sé de Miranda do Douro, em finais da
década de 30 do século passado. Fonte: DGMN
(http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1066).

Sacristia existente e seu apeamento, verificando-se a abertura onde se localizaria o órgão, montado
em 1694, pelo organeiro Manuel Vieira, observando-se ainda a interface de encosto do muro
delimitador do pátio na pilastra da torre do relógio. Fotografia de José Marques Abreu Júnior.
Fonte: DGMN (http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1066), Des.
00045697).

196
A fase cronológica V descreve a colocação do lajeado interior da sacristia e sua edificação.
Este momento construtivo deverá ter ocorrido durante o Século XVII.

Lajeado primitivo da sacristia.

Levantamento planimétrico parcial de campo do lajeado da sacristia.

197
A fase cronológica VI reporta à edificação da Sé, entre 1552 e inícios do século XVII.
A fase cronológica VII corresponde ao Enterramento 1, datável da época medieva. Trata-se
de um enterramento do momento ocupacional da Igreja de Santa Maria Maior, edificada no
século XIII (entre 1286 e 1292) e destruída para a construção da Sé.

Enterramento medievo cortado para a construção da Antiga Sé.

A fase cronológica VIII identifica-se por uma sepultura antropomórfica, com lajes de xisto
por cima. Esta sepultura foi parcialmente escavada, na zona dos pés, concluindo- se que foi
reutilizada, achando-se no seu interior material osteológico desconexo (Ossário 6) e
desconhecendo-se a existência de material osteológico in situ na área não decapada. Estas
sepulturas são datadas entre os séculos IX a XII. A sepultura “antropomórfica” identificada
apresenta-se bem trabalhada, o que poderá indiciar uma data mais recente (séculos XI e
XII). Salienta-se, assim, uma ocupação daquele espaço anterior à construção da Igreja de
Santa Maria Maior, e tratando-se já de uma ocupação de culto, religiosa, de veneração ao
morto.

198
Sepultura antropomórfica coberta por lajes de xisto.

Sepultura antropomórfica coberta por lajes de xisto e reaproveitada para depósito de um


ossário.

199
Sondagem 02

A fase cronológica I caracteriza o momento de destruição da sacristia antiga, pela ação dos
monumentos nacionais entre 1936 e 1940. Este momento corresponde à fase IV da
Sondagem 1.

Lajeado.

A fase cronológica II corresponde à construção do anexo da parte de fora da Sé, equivale à


fase V da Sondagem 1. A fase cronológica III reporta à edificação da Sé, entre 1552 e
inícios do século XVII.
A fase cronológica IV corresponde à ocupação da necrópole medieva/moderna.
Salienta-se o nível geológico, xisto.

200
Levantamento final.

Sondagem 03

A fase cronológica I é datável do ano 2004, trata da tentativa de implementar infra -


estruturas elétricas e pluviais e a repavimentação do local, com saibro. Esta fase
corresponde à fase I registada na Sondagem 1.
A fase cronológica II caracteriza o momento de destruição da sacristia antiga pela ação dos
monumentos nacionais entre 1936 e 1940.

201
Sacristia existente e seu apeamento. Fotografia de José Marques Abreu Júnior. Fonte:
DGMN,
(http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1066)00045689.

A fase cronológica III corresponde a níveis interpretáveis como aterros, em que a barreira
cronológica se define em finais do Século XVII até ao princípio do século XX. A fase
cronológica IV reporta à construção do anexo da parte de fora da Sé. A fase cronológica V
carateriza a ocupação da necrópole medieva/moderna.

202
Tampas de enterramentos, junto à sacristia antiga.

Levantamento final da Sondagem 03, verificando-se cortes antrópicos sobre o nível geológico, xisto,
revelando a existência de mais sepulturas de época medieval e moderna.

203
Sondagem 04

A fase cronológica I é datável do ano 2004, data da implementação de infraestruturas


elétricas e repavimentação do local, com saibro. A fase cronológica II situar-se-á entre 1959
e 1962, barreira cronológica para a reparação da rede elétrica realizada pelos monumentos
nacionais. A fase cronológica III situar-se-á na primeira metade do século XX, na
colocação de infraestruturas elétricas (fio de terra). A fase cronológica IV caracteriza o
momento de destruição da sacristia antiga e do muro delimitador de um pátio, pela ação dos
monumentos nacionais entre 1936 e 1940. A fase cronológica V corresponde a níveis
interpretáveis como aterros, em que a barreira cronológica se define em finais do Século
XVIII até inícios do século XX. A fase cronológica VI caracteriza a delimitação de um
pátio na zona Oeste da Sé, com a construção de muros. Estes terão sido construídos no
decorrer do século XVIII, após a conquista dos portugueses da cidade de Miranda, aquando
da Guerra da Sucessão Espanhola, entre 1706 e 1711 ou após a Guerra dos Sete Anos. A
fase cronológica VII corresponde à construção do anexo da parte de fora da Sé. A fase
cronológica VIII revela o momento de destruição da estrutura pertencente à Igreja
Medieval, Santa Maria Maior. A fase cronológica IX reporta à edificação da Sé, entre 1552
e inícios do século XVII. A fase cronológica X corresponde à ocupação do espaço em
tempos medievos/modernos, com o registo da unidade estratigráfica 431, anterior a todas as
unidades estratigráficas registadas nesta sondagem.
A fase cronológica XI equivale à edificação da Igreja Medieval, Santa Maria Maior, no
final do século XIII, mandada construir entre 1286 e 1292 pelo Rei D. Dinis, o Rei
Lavrador.

Muro da antiga Igreja de Santa Maria Maior, identificado a sombreado verde, servindo de apoio às
estruturas modernas: sacristia e muro delimitador do pátio.

204
Sondagem 05

A fase cronológica I é datável do ano 2004, altura da implementação de infraestruturas


domésticas e repavimentação do local, com saibro. A fase cronológica II caracteriza o
momento de destruição do muro delimitador de um pátio, pela ação dos monumentos
nacionais entre 1936 e 1940. A fase cronológica III corresponde a níveis interpretáveis
como aterros, em que a barreira cronológica se define em finais do Século XVIII até inícios
do século XX. A fase cronológica IV caracteriza a delimitação de um pátio na zona Oeste
da Sé, com a construção de muros. Estes datam da Época Moderna, séculos XVII e XVIII.
A fase cronológica VI expõe o Enterramento 5. A fase cronológica VII corresponde
à ocupação da área pela necrópole medieval/moderna.

Sondagem 05, vala de fundação do muro delimitador do pátio.

205
Sondagem 06

A fase cronológica I é datável do ano 2004, data da implementação de infraestruturas


elétricas e repavimentação do local, com saibro. A fase cronológica II caracteriza os níveis
de aterro realizados entre a década de quarenta do século XX e o decorrer do mesmo
século. A fase cronológica III corresponde ao momento de destruição do muro delimitador
de um pátio, pela ação dos monumentos nacionais entre 1936 e 1940. A fase cronológica IV
caracteriza a delimitação de um pátio na zona Oeste da Sé, com a construção de muros e
dependências pavimentadas.

Pavimento da área definida como pátio, coberto de cinzas, nível de incêndio.

A fase cronológica V caracteriza níveis de depósito interpretáveis como aterros, decorridos


entre os séculos XVI e XVII. A fase cronológica VI condiz com o nível de depósito
interpretado como pavimento, unidade estratigráfica 618. Este poderá ter sido utilizado na
Época Baixo-Medieval e foi utilizado na Época Moderna, até ao século XVI.

206
Pavimento entre a muralha e muro delimitador do pátio, cortado pela vala de fundação deste muro.

207
Sondagem 07

A fase cronológica I é datável do ano 2004, data da repavimentação do local, com saibro.
A fase cronológica II caracteriza os níveis de aterro realizados entre a década de quarenta
do século XX e o decorrer do mesmo século. A fase cronológica III corresponde ao
momento de destruição das estruturas existentes, pela ação dos monumentos nacionais entre
1936 e 1940. A fase cronológica IV caracteriza a deposição do Ossário 4, decorrido entre o
século XVIII e o século XX.

Ossário.

A fase cronológica V caracteriza níveis de depósito interpretáveis como aterros decorridos


entre os séculos XVIII e o XX. A fase cronológica VI exprime a delimitação do pátio na
zona Oeste da Sé, com a construção de muros e dependências.

208
Muros delimitadores do pátio e suas dependências.

Sondagem 08

A fase cronológica I é datável do ano 2004, com duas valas de implementação de infra-
estruturas pluviais e elétricas. A fase cronológica II situar-se-á entre 1959 e 1962, barreira
cronológica para a reparação da rede elétrica realizada pelos monumentos nacionais. A fase
cronológica III caracteriza o momento de destruição da sacristia antiga pela ação dos
monumentos nacionais, entre 1936 e 1940. A fase cronológica IV corresponde à construção
da antiga sacristia. A fase cronológica V revela o momento de destruição da estrutura
pertencente à Igreja Medieval, Santa Maria Maior. A fase cronológica VI corresponde à
construção da Sé, entre 1552 e o início do século XVII. A fase cronológica VII reporta à
utilização do espaço pela necrópole medieval, espaço compreendido entre o final do século
XIII e o início da edificação da Sé 1552.

209
Enterramento juvenil, cortado pela vala de fundação do muro Este, da antiga sacristia da
Antiga Sé.

A fase cronológica VIII equivale à edificação da Igreja Medieval, Santa Maria Maior, no
final do século XIII, mandada construir entre 1286 e 1292 pelo Rei D. Dinis, o Rei
Lavrador.

Muro medieval, da antiga Igreja Santa Maria Maior, suportando a Torre da Antiga Sé de
Miranda do Douro.

No decorrer do acompanhamento arqueológico foram realizadas mais duas sondagens.

210
Sondagem 09

A fase cronológica I é datável dos séculos XIX e XX, com vários aterros. A fase
cronológica II situar-se-á entre os séculos XVII e XVIII, com o depósito de níveis de aterro.
A fase cronológica III prende-se com a construção de um muro delimitador de dependência
do pátio, entre os séculos XVII e XVIII. A fase cronológica IV reporta à utilização do
espaço pela necrópole medieval, espaço compreendido entre o final do século XIII e o
início da edificação da Sé 1552.

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A fase cronológica I é datável dos séculos XIX e XX, com vários aterros. A fase
cronológica II situar-se-á entre os séculos XVII e XVIII, com o depósito de níveis de aterro.
A fase cronológica III prende-se com a construção de um muro do adro da Antiga Sé de
Miranda do Douro. A fase cronológica IV reporta à utilização do espaço pela necrópole
medieval, entre os séculos XI e XIV, podendo posteriormente ter sido reutilizado com a
mesma funcionalidade, cemitério.

Sepulturas escavadas na rocha, cobertas por tampas trabalhadas de granito.


Permanecem in situ.

No fim desta intervenção foi possível aferir que o espaço foi bastante alterado no século
XX, com a implementação de infraestruturas domésticas, elétricas e pluviais, e com o
apeamento da sacristia, do espaço delimitado e interpretado como pátio, e das restantes
estruturas ali existentes, que ocorreu na década de 40, do século passado, por ordem dos
Monumentos Nacionais (DGEMN). Ainda se colocou a hipótese destas estruturas
pertencerem à crasta da Sé, contudo o claustro já existia no Paço Episcopal, e numa

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fotografia da DGMN, a Sé e o Paço Episcopal parecem interligar-se, pelo que após o
incêndio do mesmo em 1706, este foi abandonado. No que concerne ao claustro de
Miranda, vários autores referem a existência ou não deste. Em Miranda, o claustro não deve
ter sido edificado, ficando-se apenas pela intenção. Entre a Sé e a muralha não existia muito
espaço para este ser criado, criando-se depois o Paço Episcopal e o respetivo claustro.
“O claustro barroco do Paço, de autoria desconhecida, situa-se a sudoeste da
cabeceira, enviesado relativamente ao eixo da Sé e separado por alguns metros.
Ganhou importância ao substituir o claustro próprio da Sé que, ao contrário do que
aconteceu em Leiria e Portalegre, nunca chegou a ser construído. Houve, contudo,
a intenção de o construir, demonstrada na carta de D. Julião d’Alva ao cabido de
Miranda (4 de Janeiro de 1560), logo após ter sido nomeado bispo da diocese, em
que referia a necessidade de ver os desenhos para decidir onde e de que tamanho
fazer a crastra”. JORGE SANTOS (2009: 51)
O claustro não terá sido construído e a zona agora delimitada neste projeto, permitiu aferir
um espaço fechado, com várias dependências e zonas de circulação. Um dos espaços seria a
Capela Mortuária da Antiga Sé de Miranda do Douro. Todos estes espaços se encontram in
situ, para posterior estudo, se assim se entender.

Espaço interpretado como um pátio com várias dependências, entre a muralha e a Sé.

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Levantamento da catedral, com os antigos anexos do pátio, destruídos na década de 30-40 do século
passado. Analisando a planta, parece ter existido a intenção de construir um claustro entre a Antiga
Sé e a muralha, pois no seu conjunto e de dimensões apertadas, os anexos os muros e o perímetro da
igreja , organizam um pátio central.
“De qualquer modo, seria mais viavél a edificação de um claustro a sul da cabeceira, uma vez que o
espaço intra-muros tinha sido aumentado para esse lado e a princípio não estava prevista a
construção do Paço episcopal”. JORGE SANTOS (2009: 52) adaptada por Mónica Salgado. A rosa,
a antiga sacristia e a roxo, a possível casa mortuária. Fonte: DGMN
(http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1066), Des. 00005267.

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Planta Topográficada Praça de MirandaMostrando as suas Ruinas, os Projectos, e
Avaliação, para de novo/ se Restabelecer; Notando também o melhor Lugar, e Projecto
para/ formar se hum Quartel para hum Regimento de Infantaria. Tudo feito por Ordem De
SUA MAGESTADE Pelo Sargento Mor de Infantaria com Exercício de Engenheiro Jozé
Champalimaud de Nussane, em Março de 1780. Adaptada por Mónica Salgado. A amarelo,
a Antiga Sé e o seu pátio. Fonte: Sistema de Informação para Documentação Cartográfica:
o espólio da Engenharia Militar Portuguesa: http://sidcarta.exercito.pt.

Todas estas estruturas apresentam um aparelho construtivo pouco preparado, sem grande
rigor e aparentemente algo desorganizado, reaproveitando outros elementos construtivos, o
que poderá dever-se à contínua instabilidade com a vizinha Espanha, com a Guerra da
Sucessão Espanhola e a Guerra dos Sete Anos;
A antiga sacristia poderá datar dos finais do século XVII, pois segundo a obra do Abade de
Baçal ALVES, (2000, Vol. IV: 529) menciona num documento, o seguinte “Na sessão de
16 de Agosto de 1681 acordou o cabide de Miranda de fazer uma tribuna para exposição
do Santíssimo Sacramento e assentaram que se fizesse no altar de Nossa Senhora dos
Remédios por não haver outro tão próprio «o que para isso se havia de furar a parede e
fazer hum camarim da parte de fora da Sé»”. Desde 1672, que o retábulo da capela do
Santíssimo Sacramento se encontrava bastante arruinado, decidindo o cabido de Miranda o
reedificar, ocupando posteriormente a Capela da Nossa Senhora dos Remédios. Assim,
como primeira hipótese, o anexo construído da parte da fora da Sé seria para se estabelecer
a Capela da Nossa Senhora dos Remédios. Estes pisos não denotam uso, as pedras não se
encontram gastas e praticamente não surge nenhum meio de ligamento entre elas.
Posteriormente, este espaço terá sido dedicado a uma nova funcionalidade e alteado,
constituindo-se como sacristia.
Foi possível aferir uma necrópole que poderá ter sido usada continuamente desde o século
XI até ao século XVII, data da possível construção da sacristia e o respetivo pátio. As

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sepulturas escavadas na rocha, numa totalidade de 3, e que serão antropomórficas (in situ)
não escavadas, poderão indiciar uma ocupação do espaço anterior à edificação da Igreja
medieva de Santa Maria Maior, que poderá remontar aos finais do século XI inícios do
Século XII, o que também parece ser atestado, pelo aparelho pré-românico da muralha
medieval do Castelo de Miranda do Douro. No espaço sepulcral, junto à parede
interpretada como parede pertencente à Igreja Medieval, foram identificadas duas
sepulturas de crianças, in situ e não escavadas, o que poderá indicar um espaço sepulcral
para estas, como ainda se fazia no século passado em muitas aldeias transmontanas. Foram
exumados três indivíduos que correspondem a dois adultos, um do sexo masculino, outro
do sexo feminino, e uma criança, sendo ainda exumado um ossário. Todos eles foram
inumados diretamente no solo. As características de inumação são todas parecidas nos
esqueletos e provavelmente todas elas referentes à mesma época (Medieval). Mais
enterramentos foram identificados, mas permanecem in situ.

Concluindo, e como toda esta intervenção decorreu no âmbito de um projeto de arranjo


urbanístico, todas as estruturas identificadas se encontram in situ, permanecendo no refúgio
histórico e aguardando por novos desenlaces arqueológicos.

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