Você está na página 1de 40
PORTAL ‘Nora Sétie, Vols. XVIEXVI, 1996/1997 A ORDEM DO TEMPLO E A ARQUITECTURA MILITAR PORTUGUESA DO SECULO XII Mario Jorge BARROCA As Ordens Militares desempenharam, ao longo dos primeiros tempos da Nacio- nalidade, um papel de crucial importancia nao s6 no alargamento do territ6rio portu- gués mas também na sua defesa. O protagonismo dos freires-cavaleiros nao se ci Cunscreveu apenas @ conquista de parcelas de territ6rio mais ou menos vastas, na sua maioria localizadas a Sul do rio Tejo, mas também se alargou, e de forma signi cativa, a defesa do territério ja anteriormente incorporado no ambito nacional e a0 incremento de politicas de povoamento e de desenvolvimento econdmico. Efectiva mente, so varios os espacos de fronteira que foram, em diferentes momentos, con- fiados 4s Ordens Militares para que elas organizassem 0 seu repovoamento e defesa. Ora, essas doagdes régias de espacos de fronteira podem, quase sempre, ser enten- didas em duas dimensoes. Por um lado, elas traduzem 0 reconhecimento régio do papel desempenhado por elementos dessas Ordens em determinados momentos da Reconquista, constituindo uma forma de recompensar feitos de armas. Mas, por outro lado, elas também podem ser entendidas como reflexo da confianca que a Coroa depositava nessas Ordens para resolver, eficazmente, os problemas de colonizagao € de defesa da integridade do territ6rio, problemas particularmente ingratos e dificeis nessas zonas de fronteira, Ou seja, as amplas doagdes régias com que as Ordens Militares foram contempladas na segunda metade do século XII e na centuria seguinte espelham, indirectamente, o facto de elas serem, na sua época, as organizacoes detentoraS dos mais avangados conhecimentos militares, quer na arte de fazer a guerra, quer na arte de erguer fortificagdes. Assim, poderiamos dizer que a prosper dade econdmica das Ordens Militares, com o impressionante conjunto patrimonial que conseguiram reunir, pode ser considerada um reflexo do seu vanguardismo militar. Ja muito se escreveu sobre as Ordens Militares e @ sua importancia na nossa Idade Média, mas cremos que até hoje ninguém perspectivou 0 sucesso econémico € fun- diario das Ordens Militares nesta dimensao. E, no entanto, parece bem claro que os momentos de significativo aumento do patriménio das Ordens - sobretudo quando esse patriménio recém-adquirido € de proveniéncia régia e anterior aos meados do amt PORTVEALIR, séc. Xill — se encontram intimamente relacionados com os momentos em que essas Ordens estiveram na vanguarda dos conhecimentos militares e assinaram as princi. Pais paginas da sua historia militar!. Mas ha outras dimensdes, que nao sdo de menor importancia (sobretudo se tivermos em mente que estamos a lidar com institui- Ges de cariz militar), mas que a nossa Historiografia no tem explorado conveniente. mente. Por exemplo, determinar se essas organizagdes eram ou nao detentoras dos mais avangados conhecimentos militares na sua época e, se sim, quais sdo os teste. munhos arquitectonicos sobreviventes nos seus castelos que podem, de alguma forma, reflectir essa dimenséo de vanguarda. Ou, por outro lado, determinar quais as inovagoes que foram introduzidas na nossa arquitectura militar pelas Ordens Militeres. Numa outra dimensao, e no que respeita as Ordens Militares de origem nao. ‘Peninsular ~ caso dos Templarios e Hospitalérios -, falta ainda determinar quais as influéncias que a arquitectura militar da Terra Santa, cenario das Cruzadas, exerceu fa arquitectura militar da Peninsula Ibérica. Estes problemas, que sao estruturais Para se compreender o papel militar das Ordens, tém sido to pouco aflorados na nossa Historiografia que quase nos atreveriamos a dizer que 0 lado militar das Ordens tem sido descurado face a importancia econémica e politica que essas instituicbes vieram @ adquirir. Nas linhas que se seguem procuraremos demonstrar estas ideias com o exemplo, para nés paradigmatico, da Ordem do Templo e do seu itinerério em Portugal. Comecaremos por tragar, em linhas gerais, os principais momentos histori. Cos da afirmacao dos Templarios ao longo do Século Xil para depois avancarmos para @ andlise das estruturas castelares e testarmos os vectores acima enunciados, 1. 0 PERCURSO DA ORDEM DO TEMPLO EM PORTUGAL NO SECULO XII Fundada em 1118 ou 1119 em Jerusalém por Hugues de Payens, Godefroy de Saint-Omer e outros cavaleiros franceses, com a proteccao do Rei de Jerusalém, Balduino Il, a Ordem do Templo encontra-se documentada em Portugal uma década depois. Na realidade, o primeiro testemunho da presenca dos Templérios em Portugal remonta a 19 de Marco de 1128, quando D. Teresa Ihes doa o Castelo de Soure - meorum castello scilicet quod Saurium vocatur ...» - com seu termo (DMP, DR |, doc. 79), Portanto, os primeiros testemunhos da presenca dos Templarios em Portugal sao sensivelmente contemporaneos de um momento-chave da historia da Ordem, Quando 0 Concilio de Troyes promulgou, em Janeiro de 1128, a Regra da Ordem, um texto redigido por S. Bernardo no ano precedente. Coincidindo com o Concilio, Hugues de Payens desloca-se a Europa, em 1127-1128, para recolher apoios mais explicitos sua causa. neste ambiente que devemos perspectivar a doacao de D. Teresa. O diploma de doagao do Castelo de Soure e seu termo nao define de forma explicita os limites deste espaco encravado entre os territorios de Montemor-o-Velho ¢ de Coimbra, uma zona fulcral para a defesa desta cidade ja que permitia o controle dos acessos a Sul, Tratavase, de resto, de um espaco com uma importéncia estratégica crescente, que saiu amplamente reforcada quando D. Afonso Henriques se fixou em A rps gegtata dos bens de cade Orem Mitr esplhs 0 rromento em que essas Oden tram o Seu sotagonisnoprinc= al. Na. erte utos, Miro Jorge Baroca, Oo Castelo da Reconquista ao Castelo Romance (Secuos HX ai), Lisboa, Comissao Poruguosa de Vista Mitr, 299, pp. 6465, ® iste um poeta de une empl doa 8 Orem do Tepl, de que eram potagoitas 0, Terese, o Conde galego. Fedo Peres de Tava © outs nobres, que cia a doaydo de Fonte Arcade (Pena) ence umerosos airs bens © que pea Ca ronorn ‘otro do lm ds inienses cf. CaxEremann, Aleta de Cruzada am Pata, Coco, 1940, p. 33). No eran, e como Ru Azevedo svn, a nies de 1258 rest que Forte Arata ea da Orden do Templo e que the sie doasa pr Teese Ful e Azevedo n DMP, DR, tam 2, $83; PM, ng, . 579), 0 que pave Irdcar que o pret de doaao ters sto ealmerte exec {ado. 0 documenta dD Teresa no tem deta express, tendo Rui de Azevedo fxado a tao orita em (1128) DMP, DRI do, 7 ‘Assim, ete deve ser olcado ldo ago com a doao do Caso de Sout como um dos mais eis teslerutos a presence de Temalés em teas poruguesas, 172 ' ORDEM DO TEMPLO E A ARQUITECTURA MILITAR PORTUGUESA DO SECULO Xi Coimbra, a partir de 1131, convertendo esta cidade em «capitals do reino. A auséncia de uma clara delimitagao do espaco doado estaria na origem de um ap6crifo, forjado no Séc. Xill, com a pretensa data de 29 de Margo de 1128, que esclarecia os limites do territério doado (DMP, DR |, doc. 80)°. A doagao de Soure de 19 de Marco de 1128 seria «confirmada» por D. Afonso Henriques em 14 de Margo de [1129-1130], quando © Infante outorga aos representantes da Ordem do Templo diploma com contetido semelhante ao de D. Teresa, entregando-thes 0 «... castellum nomine Saurium ...» que s... habet iacenciam in extrematura territorio Colimbriensis discurrente aqua Mondego (DMP, DR I, doc. 96)*. A doacdo de Soure aos Templarios nao pode deixar de ser enquadrada nos dificels momentos que a zona do vale do Mondego atravessava, depois da investida almoravida de 1116, que levou @ conquista € destruicao de Miranda do Corvo e do Castelo de St? Eulalia (junto a Montemor-o-Velho)®. Como se sabe, as noticias da aproximacao do exército mugulmano tinham levado a populacao de Soure a recolherse na cidade de Coimbra, nao sem antes incendiar a vila e 0 cas- telo de Soure, destruindo meios de subsisténcia e inviabilizando a utiizacao desse ponto para a fixagao do exército inimigo. Depois dos dramaticos eventos de 1116 a vila e 0 Castelo de Soure deviam necessitar de urgente repovoamento e de obras de reconstrugao. Esta situagao levou D. Teresa a doar 0 castelo ao Conde Fernao Peres de Trava em 3 de Novembro de 1122, no mesmo diploma em que trocou com este nobre 0 Castelo de Coja pelo de St? Euldlia e pela villa de Quiaios (DMP, DR |, doc. 63). No ano seguinte, em 1123, 0 Bispo de Coimbra, D. Goncalo Pals, entregava a Igreja de Soure aos presbiteros Martinho e Mendo Arias, para que estes a reconstruts- sem, revelando-nos que o templo ainda estava destruido, certamente consequéncia dos eventos de 1116: «... ecclesiam qui ibi jacebat destructa ...» (LP, doc. 241). No entanto, ao contrario do que tera sucedido com os dois irmaos Martinho e Mendo Arias, que se empenharam decididamente na reconstrugao do templo de Soure, res- taurando a vida religiosa, a actuagao do nobre galego nao tera, aparentemente, sur- tido os efeitos desojados ao nivel das estruturas defensivas e, seis anos depois da doagao, em 1128, 0 castelo de Soure continuava a carecer de uma actuacao mais decidida. E, pois, neste panorama que deve ser enquadrada a entrega de Soure aos Templarios. Assim, 0 que era doado aos Templarios em Marco de 1128 nao era um castelo e territorio «apeteciveis» mas, pelo contrério, uma area destruida por eventos de um passado recente, mal povoada e com caréncia de estruturas defensivas. 0 que se Ihes pedia era, portanto, tarefa ingrata, em zona instavel ¢ de fronteira. ‘As doagies de Soure € seu termo por D. Teresa e, pouco depois, por D. Afonso Henriques ficariam, durante muitos anos, como as Gnicas manifestagdes conhecidas da simpatia régia pela Ordem do Templo. Na realidade, depois destes dois diplomas (08 Templarios atravessariam um periodo relativamente obscuro, que se prolongaria por década e meia, durante o qual pouco ou nada se conhece de concreto em relacao & sua actividade no reino. A situagéo apenas comegou a mudar a partir de 1143- “1144, depois de uma possivel reforma na organizacao interna do ramo portugués da Ordem, que se veio a traduzir num maior empenho e protagonismo dos Templé: 2 Sobre este aptrto,ae procure vec & doa onal um tei que tr de Ser posterior as conqustas de Santarém Lise, de 147, nota erties de Teruo de Souse Soars in Hovique Gara Bas, Hstra ds Admnsvarao Publica em Poul ‘oil, Lisboa, 1946, Nota XL, p. 355. Vs th Cal Erdmann, A idea de Cruzada em Portal. Coimbra, 1940, p, 32, nota ¢ Rul ge Azevedo, Docuretas Faso de Santa Cz de Comb, isos, 1936, p. 65, nla 2 “Ee siaeatvo que D. Monso Heneques tna pend fae onag dete senlhante em vez de confemaro diploma de sua me , Teresa, outorgao un ao ates, 5 sobre o Castelo de St. Ellin else Pato A. de eve, «0 Castello de Sarta Eun, 0 Acheblao Porugur, 1 Se, vo. 1, Usboa, 1908, pp. 67-75. Os eventos que se absterem om 116 sobre este Castelo enconan-se mernorzados no Chencon Conimbncense no Chrnican Gatorun e no Chrancan Lamezerse~ cl. PMH, Serge, pp. 2, Lt € 20; Peo A, 6 Azevedo, op. 9.87 173

Você também pode gostar