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Licenciatura em História

História de Portugal Medieval

1096: O casamento de D. Henrique de


Borgonha com D. Teresa de Leão -
Relatório

Professora Amélia Aguiar Andrade

Trabalho realizado por:


Joana Clara Freire Ribeiro, n.º 2020118128
João Miguel dos Santos Silva, n.º 2020131014
Miguel Augusto Luís, n.º 2020129451
João Miguel Mayordomo Cunha, n.º 55334
1
Significado e contextualização do evento

Com a nossa parte neste trabalho, procurámos demonstrar o significado e a


contextualização da concessão do Condado Portucalense como parte do dote de
casamento de D. Teresa de Leão com D. Henrique de Borgonha. Para tal, baseámo-nos
em três obras. A primeira é o segundo volume da História de Portugal de José Mattoso.
A segunda é O Condado Portucalense do mesmo autor. A terceira é A condessa-rainha
de Luís Carlos Amaral e de Mário Jorge Barroca. A leitura destas obras nas partes
referentes à concessão do Condado Portucalense permitiu-nos compreender que o
casamento de D. Teresa de Leão e de D. Henrique de Borgonha se insere no contexto da
reorganização territorial no âmbito da reconquista cristã das partes ocidentais da
Península Ibérica.

De facto, como já referimos, a entrega a D. Henrique do governo independente dos


antigos condados de Coimbra e de Portucale, territórios entre o Minho e o Tejo, fez
parte do seu dote de casamento com D. Teresa de Leão. No entanto, as razões desta
entrega vieram de anos anteriores a 1096 e prenderam-se com a iminência de uma
invasão almorávida daquelas zonas, com a necessidade de um chefe militar que
defendesse aqueles territórios da ameaça moura.1/2 De resto, a nomeação de D. Henrique
como estando no controlo do Condado é consequência dos maus resultados militares do
seu antecessor D. Raimundo cujo poder interessava limitar.3/4 D. Henrique assumiu, aos
olhos de Afonso VI, o perfil conveniente para tão exigente tarefa, e por isso casou com
uma infanta, integrando-se na família real, e recebeu um importante domínio juntamente
com alargados poderes de proveniência régia. 5 Indissoluvelmente relacionados entre si,
a criação do Condado Portucalense, o matrimónio de D. Teresa e D. Henrique e a
concessão do condado representam, em suma, o esforço mais significativo e duradouro
da Coroa para consolidar a nova fase de reorganização política, militar e institucional
empreendida nos territórios ocidentais da Península Ibérica.6

1
MATTOSO, José (dir.), História de Portuga Segundo Volume: A Monarquia Feudal, p. 32.
2
MATTOSO, José, “O Condado Portucalense” in História de Portugal, Lisboa, 1983, pp. 19-21.
3
AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge, A condessa-rainha, p. 95.
4
MATTOSO, José, “O Condado Portucalense” in História de Portugal, Lisboa, 1983, pp. 19.
5
AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge, op. cit., pp. 96-98.
6
Ibidem.
2
Que a nomeação de D. Henrique se encontrava relacionada com a situação militar é
amplamente confirmado pela Crónica de Sahagún na qual se refere que o conde
borgonhês “nobremente domou os mouros, guerreando-os, pelo que o referido rei
[Afonso VI] lhe deu, com sua filha em casamento, Coimbra e a província de Portugal,
que são fronteiras de mouros, nas quais, com o exercício das armas, engrandeceu
nobremente a sua categoria de cavaleiro.” 7/8 Assim, o casamento com D. Teresa e a
concessão do Condado Portucalense seriam uma espécie de “recompensa” de Afonso VI
a D. Henrique pela ajuda que este lhe prestava nas conquistas aos mouros. Em
contrapartida, com esta concessão de carácter feudal e hereditário, 9/10 D. Afonso VI
pensava obter um vassalo e aliado nas guerras de reconquista cristã que tinham então
lugar na Península Ibérica garantindo não apenas a continuidade da empresa da
reconquista, mas também no sentido de estabelecer uma nova unidade territorial
claramente vocacionada para a defesa da fronteira.11

De igual modo, conclui-se que a concessão do Condado se insere nas tentativas para que
Braga reconquiste o seu prestígio frente a Santiago de Compostela e a Toledo no
contexto das reformas eclesiásticas levadas a cabo por Afonso VI no sentido de adoptar
o rito romano promovendo o reforço do poder régio. 12/13 D. Henrique promoverá a
reforma gregoriana, o rito romano e o monaquismo beneditino no Condado
Portucalense. Encorajado talvez pelos desejos de autonomia da nobreza portucalense,
que tão decisivos se revelariam no posterior conflito entre Teresa e Afonso Henriques, o
conde portucalense prossegue uma política quase independente dos suseranos leoneses,
sobretudo depois da morte de Afonso VI, alternando a vassalagem e a oposição ao sabor
das circunstâncias. Este percurso atinge um ponto alto no chamado "Pacto Sucessório",
tratado secreto que assina com Raimundo em 1105, garantindo-lhe apoio na luta pelo
trono de Leão e Castela em troca de Toledo e da Galiza. Patrocinado por Cluny, em cujo
arquivo foi descoberto, o documento mostra a extensão dos interesses franceses na
7
MATTOSO, José (dir.), História de Portuga Segundo Volume: A Monarquia Feudal, p. 32.
8
MATTOSO, José, “O Condado Portucalense” in História de Portugal, Lisboa, 1983, pp. 20.
9
MATTOSO, José (dir.), História de Portuga Segundo Volume: A Monarquia Feudal, p. 33.
10
MATTOSO, José, “O Condado Portucalense” in História de Portugal, Lisboa, 1983, pp. 20-21.
11
AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge, op. cit., p. 97.
12
Ibidem, pp. 85, 98.
13
MATTOSO, José, “O Condado Portucalense” in História de Portugal, Lisboa, 1983, pp. 9-10.
3
Península. É possível que Portugal fosse hoje outro se o acordo tivesse saído do
pergaminho, mas Raimundo morre dois anos depois da sua assinatura, inviabilizando o
projecto.

Vestígio Material

O vestígio material proposto consistia em analisar a representação do conde D.


Henrique14, o contexto em que a iluminura foi produzida, interpretando-a e aferir a sua
mensagem por referência ao casamento de Henrique de Borgonha com D. Teresa e a
concessão dos condados de Portucale e de Coimbra.

Na nossa investigação não lográmos encontrar literatura que especificamente se


debruçasse sobre aquela iluminura em particular. No entanto, a bibliografia referenciada
permitiu um estudo sobre as fontes documentais, a tradição codicológica e o conteúdo
do Tumbo A da Catedral de Santiago (Alvarez, 1998). Por outro lado, a análise de
Castiñeiras González permitiu compreender algumas conotações ideológicas que
determinaram Diego Gelmírez, autor moral do Tumbo A.

Não obstante o estudo da iluminura medieval e dos seus cânones, significado,


funcionalidade e objectivos pudesse ser estimulante e seguramente relevante para uma
investigação e estudo mais profundos, não se compaginou com a dimensão e
profundidade deste trabalho.

Quanto às fontes documentais e estudos sobre o códice, foi relevante perceber não só a
estrutura e sistemática do Tumbo A, como a discussão em torno da sua génese, da sua
produção e dos objectivos a que se propôs, que tornaram essa obra, nas palavras de
Alvarez, “la joya más preciada de su documentación y el códice más importante no sólo
por el número, antigüedad y calidad de sus documentos, reales en su casi totalidad,
sino también por la serie de miniaturas y letras ornamentadas que enriquecen el
contenido” (p. 9).

Na análise concreta da representação, naturalmente atentou-se nos sinais aparentes da


imagem e procurou-se conjugá-la com o texto que encabeça, à luz do tema proposto.
Desta simples leitura imagética e textual, conclui-se que, pelo menos em 09.12.1097, D.
Henrique intitulava-se então “comes Portugalensis”, dominando todo o seu território15 e
14
ALVAREZ, Manuel Lucas (ed.), Tumbo A de la Catedral de Santiago, Santiago, 1998, p. 207.
15
“quia in nostro dominio et dicione consistit omnis Portugalensis prouincia” (ALVAREZ, p.208).
4
estava já casado com D. Teresa. Considerando o pouco tempo decorrido até à produção
do primeiro livro do Tumbo A (1129-1134) ou mesmo desde a morte do conde (1112), a
representação ganha importância, não só pelo objecto que lhe serve de suporte, mas
também porque permite perscrutar o seu significado à luz do tempo e do ambiente em
que foi produzida.

No conjunto das iluminuras do Tumbo A, a representação do conde D. Henrique


assinala-se pela ausência de ornamentação (floral, arquitectónica ou outra) e de
símbolos (leão, ceptro, coroa, arminho, flor-de-lis ou até de barba cerrada) presentes nas
outras iluminuras, designadamente na de D. Raimundo. Como bem assinala Castiñeiras
González, “por no haber alcanzado nunca la condición regia, a Raimundo se le
caracteriza como un noble guerrero que, barbado, blande el atributo de la espada. Por
carecer de insignias de rey, su retrato tipológico contrasta con el espacio que ocupa en
el Tumbo A, como se ha dicho, el de los monarcas”16. No entanto, apesar de se poder
considerar que os dois primos estariam em situações políticas semelhantes (sendo
ambos condes e casados com filhas do rei-imperador Afonso VI), a iluminura de D.
Raimundo precede a da rainha D. Urraca (e a representação de D. Henrique encontra-se
inserida em penúltimo lugar, antes do rei-imperador Afonso VII) e apresenta-o num
cadeirão com flores-de-lis e ornamentação arquitectónica 17 (elementos ausentes na
iluminura de D. Henrique). Se este relativo enaltecimento de D. Raimundo se justifica
pela ligação de Diego Gelmírez ao pai do reinante Afonso VII, o percurso do arcebispo
e o discurso ideológico subjacente poderão também explicar não só a singular posição
de destaque da iluminura de D. Raimundo, como também a secundarização da
representação de D. Henrique.

Com efeito, as acções do conde D. Henrique e de D. Teresa encorajaram as dissensões


entre Santiago de Compostela e Braga e, bem assim, a autonomia de Portugal face ao
reino de Leão. Na década de 1120, Diego Gelmirez obteve o reconhecimento papal de
Santiago de Compostela como igreja metropolitana, concluiu a construção da catedral e
viu o seu tesoureiro Bernardo (a quem incumbiu a realização do Tumbo A) elevado à
condição de chanceler de Afonso VII, pelo que é compreensível que a representação do
16
CASTIÑEIRAS GONZÁLEZ, Manuel Antonio, Poder, memoria y olvido: la galería de retratos regios
en el Tumbo A de la Catedral de Santiago (1129-1134). Quintana, nº 1, 2002, p. 191.
17
Que CASTIÑEIRAS GONZÁLEZ refere tratar-se “de un signo de actualidad, contemporáneo a la
elaboración del Tumbo A, con el que quizá se quiera señalar la vinculación del Conde Raimundo al
proyecto catedralicio de Gelmírez” (CASTIÑEIRAS GONZÁLEZ, op. cit., p. 193).
5
conde D. Henrique tenha obedecido a um desígnio criterioso de secundarização, senão
mesmo de submissão. Por outro lado e segundo Fernández Catón 18, a recente introdução
da escrita carolíngia terá imposto a necessidade de verter para textos inteligíveis os
privilégios da sua igreja. Acresce que, no momento em que se iniciou a produção do
Tumbo A (1129), pouco tempo havia passado desde que Afonso VII havia intervindo
com sucesso em Portugal (1127), sem oposição de D. Teresa e submetendo o seu primo,
filho do retratado19, pelo que, também por este motivo, o ambiente se mostrava propício
ao discurso de supremacia que parece estar subjacente na representação do conde D.
Henrique. Assim e em suma, não obstante a notoriedade da representação do conde D.
Henrique, colocando-o a par de outros reis ou membros da família real no Tumbo A,
parece manifesto que lhe subjaz também uma intenção de subalternização no contexto
político e religioso em que aquela iluminura foi produzida.

Bibliografia:

 ALVAREZ, Manuel Lucas (ed.), Tumbo A de la Catedral de Santiago, Santiago:


1998.

 AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge, A condessa-rainha, Lisboa:


Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2020.

 CASTIÑEIRAS GONZÁLEZ, Manuel Antonio, Poder, memoria y olvido: la


galería de retratos regios en el Tumbo A de la Catedral de Santiago (1129-
1134). Quintana, nº 1 (2002), pp. 187-196. Disponível em
http://hdl.handle.net/10347/6294.

18
apud ALVAREZ, Manuel Lucas (ed.), op. cit., p. 33
19
AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge, op. cit., p. 228.
6
 MATTOSO, José (dir.), História de Portugal, Segundo Volume: A Monarquia
Feudal, Lisboa: Círculo de Leitores, 1993.

 MATTOSO, José, “O Condado Portucalense” in História de Portugal, Lisboa,


1983, pp. 3-52.

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