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Licenciatura em História – 2021/2022

História de Portugal Medieval (séculos XIII-XV)

1385: As Cortes de Coimbra


Relatório

Docentes:
Amélia Aguiar Andrade
João Luís Fontes
Miguel Metelo de Seixas

Discentes:
Joana Clara Freire Ribeiro, n.º 2020118128
Diogo Contreras do Botelho Teixeira, n.º 2020119245
Miguel Augusto Luís, n.º 2020129451
Joana Maria Caires Carvalho, n.º 2020131367
1. Significado e contextualização do evento
Com a nossa parte neste trabalho, procurámos demonstrar o significado e a
contextualização das Cortes de Coimbra de 1385. Para tal, baseámo-nos em três obras
recomendadas pelos docentes. A primeira é uma biografia de D. João I da autoria de
Maria Helena da Cruz Coelho. A segunda é “As Perspectivas Económicas e Sociais das
Cortes de 1385” de José Mattoso. A terceira é “O discurso político dos concelhos nas
Cortes de 1385” de Armindo de Sousa. Não encontrámos dificuldades de maior no
desenvolvimento do tema e a leitura das obras referidas permitiu-nos tomar a opção de
elaborar o nosso powerpoint de forma a fazer compreender que as cortes de Coimbra de
1385 ocorreram durante o período de guerra civil designado como Interregno causado
pela morte de D. Fernando I sem filhos varões e pelas pretensões de D. João I de
Castela (casado com D. Beatriz filha única de D. Fernando I) que queria fazer valer os
seus direitos à coroa portuguesa. Desejava-se que essas mesmas cortes emitissem
medidas para reforçar o aparelho judicial, pôr termo às desordens, reprimir o
banditismo.1 Neste contexto ficou patente a atitude defensiva dos concelhos, o papel
orientador da cidade sobre o campo, a expansão de Lisboa, a preponderância dos
mercadores e dos letrados no conselho régio e, sem esquecermos a importância dos
proprietários rurais, a relevância da burguesia urbana 2 que pretende reformar o conselho
régio e as cortes para conseguir ter mais influência sobre as instituições do poder central
aproveitando o momento de instabilidade e de crise que se vivia. 3 Adicionalmente, as
cortes de Coimbra de 1385 foram convocadas para decidir sobre o financiamento da
guerra contra o rei D. João I de Castela (marido de D. Beatriz filha de D. Fernando I)
que é acusado de ser cismático contra o verdadeiro papado defendido por Portugal no
contexto do Grande Cisma do Ocidente, que não cumpriu o tratado de Salvaterra de
1383 e que pretendia consequentemente fazer valer os seus direitos à coroa portuguesa
bem como para decidir acerca da sucessão ao trono de Portugal. 4 Tudo isto sem
esquecermos a pressão militar, e D. Nuno Álvares Pereira faz exibições de força com
contingentes superiores aos dos opositores do Mestre de Avis D. João. 5 Concluímos que
D. João foi aclamado em Coimbra em Abril de 1385 mas não se apresenta como
herdeiro, pois ele é filho bastardo de D. Pedro I e a regra é que a bastardia não conduz
ao trono, o casamento é decisivo para se herdar a coroa. No entanto, a crise de 1383-
1385 alimenta o sentimento nacionalista português que nesta situação se vai sobrepor a
considerações de legitimidade. Inicialmente, D. João de Castro é o mais indicado para
ser aclamado porque D. Pedro I tinha reconhecido o casamento com Inês de Castro. Mas

1
MATTOSO, José, “Perspectivas económicas e sociais das Cortes de 1385”, in: Fragmentos de uma
composição medieval, Lisboa: Estampa, 1987, pp. 271-272.
2
Ibidem, pp. 271-275.
3
SOUSA, Armindo de, “O discurso político dos concelhos nas Cortes de 1385”, in: Revista da Faculdade
de Letras da Universidade do Porto-História, IIª série, nº 2, Porto, 1985, pp. 40-41.
4
COELHO, Maria Helena da Cruz, D. João I, o que re-colheu Boa Memória, Lisboa: Círculo de Leitores,
2005, pp. 62-63.
5
Ibidem, pp. 65.
1
João das Regras convence as cortes de que o casamento de D. Pedro I e de D. Inês não é
válido e por isso os seus filhos são bastardos (e além disso seriam também desnaturados
porque se colocaram do lado de Castela contra Portugal) e consequentemente não
podem ser aclamados e são inviáveis de sucederem no trono. Com D. Beatriz também
afastada, as cortes concluem que a linhagem dinástica cessou e que o trono de Portugal
naquele momento pertence ao povo.6 João das Regras defende que o rei de Portugal tem
de ser de boas linhagens, tem de ter um grande coração, tem de ter amor aos súbditos e
tem de ser bom e devoto.7 D. João Mestre de Avis reúne estes requisitos. Assim, D. João
I foi rei não porque tivesse direito sucessório ao trono, mas porque foi escolhido para
ser rei.8 É esta a essência das Cortes de Coimbra de 1385.

2. Personagens
As figuras a destacar desta convocação das Cortes de 1385, são D. João I, o
doutor João das Regras e as Cortes régias, em si, tendo por objectivo deste trabalho, a
explicação da importância das mesmas no seu contexto.
Quanto a D. João I será apresentada uma biografia, explicando a sua relevância
no contexto do interregno entre 1383 e 1385, tal como alguns dos aspectos mais
marcantes do seu reinado. Para tal, o recurso à obra D. João I, o que re-colheu Boa
Memória, de Maria Helena da Cruz Coelho, foi imprescindível. Para a elaboração da
biografia do doutor João das Regras foi necessário o recurso à mesma obra mencionada,
complementada por informações fornecidas por Fernão Lopes, na Crónica de D. João I.
Por fim, no tratamento das Cortes de 1385, será explicada a sua função enquanto órgão
consultivo régio, as mudanças patentes ao longo do século XIV e a sua constituição,
tendo recorrido à já referida obra D. João I, o que re-colheu Boa Memória, de Maria
Helena da Cruz Coelho tendo também sido imprescindível, o recurso a A Crise
Nacional de 1383-1385, de Marcello Caetano, As cortes medievais portuguesas (1385-
1490), de Armindo de Sousa e Fragmentos de uma composição medieval, de José
Mattoso, nomeadamente o capítulo “Perspectivas económicas e sociais das Cortes de
1385”.
As dificuldades no desenvolvimento desta parte do trabalho, assentaram
principalmente na obtenção de informação sobre a vida do doutor João das Regras. Em
contraste, a informação, algo detalhada, dos assuntos tratados nas Cortes do século XIV,
foram extremamente interessantes, por retratarem os problemas e as preocupações das
pessoas, tal como a discrepância do poder de intervenção entre homens-bons, que são
procuradores dos concelhos e os trabalhadores, observando-se em simultâneo, a
ascendência gradual dos letrados e da burguesia urbana.
3. Vestígio material
6
Ibidem.
7
Ibidem, pp. 66.
8
Ibidem, pp. 65-67.
2
No âmbito do trabalho exposto, é relevante analisarmos o vestígio material,
representado pelo Paço Real de Coimbra, onde se reúniram as Cortes de 1385, tema
central do trabalho. A base desta pesquisa reflete-se na obra de António Filipe Pimentel,
“A Moradia do Saber”. O Paço Real de Coimbra, construção do século X, distingue-se
como a primeira residência régia portuguesa em 1131, servindo D. Afonso Henriques,
1º rei de Portugal, e por isso remonta à origem da monarquia portuguesa destacando
Coimbra como cidade real e o Palácio como um vestígio material à história de Portugal.
A fonte material em análise é de imensa relevância para toda a história de
Portugal, em especial para a história da arte, para a história da civilização e para a
história institucional.
A transferência da Universidade para Coimbra, tem como base a crise moral e
intelectual sentida nesta conjuntura que refletia umas das principais preocupações do rei
e dos seus antecessores. Durante o século XV a Igreja torna-se, progressivamente,
irreverente e deslocada da sua vocação. Estes desvios são razão de grande alarme no
campo intelectual devido à proximidade e ligação profunda da Igreja com o ensino e
com a vida comunitária, refletindo assim não só uma crise da cristandade, mas uma
crise social. Desta forma, a resolução teria de passar por uma reforma do ensino, mais
especificamente do ensino teológico, que se reflete na passagem da universidade para
Coimbra.
A relação entre o Paço e a Universidade começa a ganhar forma, a 13 de outubro
de 1537, com a instalação definitiva da Universidade em Coimbra, quase 250 anos
depois do surgimento do Estudo Geral em Lisboa, que desde os seus primórdios
revelava uma forte dependência à Coroa, na medida que fora fundada pelo rei D. Dinis.
Contudo, só em 1544 se transfere, integralmente, a universidade para o Paço Real, o que
destaca o fim da itinerância, singularidade que caraterizou amplamente a universidade
portuguesa, e a afirmação da subordinação da Universidade à Coroa. Em 1597, o Paço
Real da Alcáçova passa a designar-se Paço Real das Escolas, exibindo a dupla
identidade de Paço e Universidade.
Concluindo, o Paço Real emerge como o centro intelectual do país e como uma
representação da sociedade portuguesa, uma vez que a história das instituições está
indubitavelmente associada à história das civilizações.

4. Documento escrito
Para a apresentação do documento escrito proposto – o Auto de Aclamação de
D. João I, emanado das Cortes de Coimbra de 1385 – identificámos quatro “secções”
distintas: em primeiro lugar, listam-se os clérigos, nobres e representantes dos
concelhos que dão o seu aval ao documento; em segundo lugar, elencam-se os herdeiros
aparentes ao trono e os motivos que os tornam ilegítimos; em terceiro lugar, a proposta
de eleição de D. João, mestre de Avis, a sua recusa e posterior aceitação; e finalmente a

3
assinatura e marcas dos próceres, clérigos e representantes dos concelhos que aprovam
o documento, e os dez selos de cera pendentes do mesmo.
Destas quatro partes, a primeira e a última incluem-se no mesmo “tema”, ou
seja, o reconhecimento de que o poder régio, a formação de uma nova dinastia, baseia-
se na vontade dos Povos representados em Cortes. A segunda parte dá às Cortes
legitimidade para a eleição de um rei fora da linha de sucessão: dá-se como provado que
a Infanta D. Beatriz é filha ilegítima do Rei D. Fernando, cismática, e vive em incesto
com o marido; os infantes D. João e D. Dinis, filhos ilegítimos do rei D. Pedro, e
conspiradores com o Rei de Castela; e o Rei de Castela é parente do Rei D. Fernando
por via feminina, além de ter quebrado o Pacto de Salvaterra. Considera-se finda a
linhagem, vago o trono, e os Povos, representados em Cortes, tomam o poder de
escolher um novo Rei. A terceira parte é a escolha das Cortes do, então já regedor e
defensor do Reino, Mestre de Avis, D. João, para seu novo Rei, que vai recusar, num
primeiro instante, e aceitar posteriormente este cargo, após garantias de apoio das
Cortes na sua tarefa de controlo do Reino e legitimação da nova casa real.
O referido foi, então, articulado com uma linha de enquadramento baseada no
crescimento da influência das grandes cidades e, nelas, da burguesia mercantil e
financeira – nomeadamente em Lisboa. Vários factores apontam para a monopolização
do discurso político destas Cortes por parte dos burgueses mercantis de Lisboa: a
análise das vereações do concelho de Lagos que nos revela que a carta de convocatória
(que não conhecemos) para as Cortes de Coimbra não previa a eleição de Rei, o facto de
D. João ser recebido em Coimbra pelos representantes de alguns concelhos com aparato
de realeza e o facto de Fernão Lopes nos dizer que a decisão da convocação de Cortes é
tomada em Lisboa, no Convento de S. Domingos 9; também o crescimento da voz destes
burgueses, já com grande força nos capítulos das Cortes de 1385 10, que fazem avançar
pelos concelhos reivindicações que prejudicam marcadamente os proprietários rurais,
que ainda dominam as autarquias do interior11. Concluímos assim ser o poder autárquico
em Lisboa dominado pela burguesia mercantil, cujos autarcas delegados crescem em
poder e prestígio na relação em que cresce a causa do Mestre de Avis e que chegam às
Cortes de 1385 e se assumem como uma vanguarda que lidera a discussão e toma o seu
interesse por interesse comum dos Povos: o que se materializa na entronização de D.
João, já regente e defensor do reino, que tomam por seu “Messias” ainda em 1383. A
carta em análise é uma justificativa posterior desta eleição, à luz do direito,
condensando os argumentos lisboetas que convencem os outros partidos.

9
SOUSA, 1990
10
MATTOSO, 1987
11
SOUSA, 1985
4
Referências:
 CAETANO, Marcello, A Crise Nacional de 1383-1385, Lisboa/São Paulo:
Verbo, s. d.

 COELHO, Maria Helena da Cruz, D. João I, o que re-colheu Boa Memória,


Lisboa: Círculo de Leitores, 2005, pp. 60-67.

 MATTOSO, José, “Perspectivas económicas e sociais das Cortes de 1385”, in:


Fragmentos de uma composição medieval, Lisboa: Estampa, 1987, pp. 271-275.

 PIMENTEL, António Filipe, A Morada da Sabedoria - I. O Paço Real de


Coimbra: Das Origens ao Estabelecimento da Universidade, Coimbra:
Almedina, 2005.

 SOUSA, António Caetano de, Provas da História Genealógica da Casa Real


Portuguesa, 2ª ed. por Manuel Lopes de Almeida e César Pegado, tomo I,
Coimbra: Atlântida, 1947, livro III, pp. 11-19.

 SOUSA, Armindo de, “O discurso político dos concelhos nas Cortes de 1385”,
in: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - História, IIª
série, nº 2, Porto, 1985, pp. 40-41.

 SOUSA, Armindo de, As cortes medievais portuguesas (1385-1490), 2 volumes,


Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica/Centro de História da
Universidade do Porto, 1990.

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