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Começamos com a contextualização e o significado do evento.

As cortes de Coimbra de
1385 ocorreram durante o período de guerra civil designado como Interregno após a
morte de D. Fernando I sem filhos varões e vêm no seguimento da revolução de 1383
que foi sobretudo urbana.1 Pretendia-se que das cortes saíssem medidas para reforçar o
aparelho judicial, por termo aos abusos dos juízes de fora, às desordens e reprimir o
banditismo.2 Ficou patente a atitude defensiva dos concelhos, o papel orientador da
cidade sobre o campo, a expansão de Lisboa, a preponderância dos mercadores e dos
letrados no conselho régio e a vitória da burguesia urbana 3 sem esquecer a importância
que os proprietários ruais continuam a ter. Para além desta preeminência dos interesses
da burguesia urbana nos discursos políticos das cortes de 1385 é também de notar a
ambição da burguesia urbana de reformar o conselho régio e as cortes para conseguir ter
mais influência sobre as instituições do poder central aproveitando o momento de
instabilidade e de crise que se vivia.4

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Adicionalmente, as cortes de Coimbra de 1385 foram convocadas para decidir sobre o


financiamento da guerra contra o rei D. João I de Castela casado com D. Beatriz, filha
de D. Fernando I, e que queria fazer valer os seus direitos à coroa portuguesa. É em
Coimbra que se fazem geralmente as aclamações régias e era ali que estavam sepultados
D. Afonso Henriques e D. Sancho I aos quais eram atribuídos diversos milagres.
Quando D. João Mestre de Avis chega a Coimbra, Fernão Lopes (apoiante da dinastia
de Avis) narra que vieram as crianças e que estas na sua inocência tomam a iniciativa e
dão alento à predestinação daquilo que vai ser o destino final das cortes de Coimbra. 5
Estas vão ser abertas por D. Lourenço Vicente, apoiante do Mestre.

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Os discursos do jurista João das Regras foram reconstituídos com base em documentos
(auto da aclamação, inquirição sobre o casamento de D. Pedro I, contrato antenupcial
1
MATTOSO, José, “Perspectivas económicas e sociais das Cortes de 1385”, in: Fragmentos de uma
composição medieval, Lisboa: Estampa, 1987, pp. 271-272.
2
Ibidem.
3
Ibidem, pp. 271-275.
4
SOUSA, Armindo de, “O discurso político dos concelhos nas Cortes de 1385”, in: Revista da Faculdade
de Letras da Universidade do Porto-História, IIª série, nº 2, Porto, 1985, pp. 40-41.
5
COELHO, Maria Helena da Cruz, D. João I, o que re-colheu Boa Memória, Lisboa: Círculo de Leitores,
2005, p. 60.
entre D. Beatriz e D. João I de Castela). 6 Ele enumera os parentes próximos do rei
defunto (os meios-irmãos filhos de D. Pedro I e de D. Inês, o meio-irmão D. João de
Avis e a sua filha D. Beatriz). Ele contesta a legitimidade de D. Beatriz (que seria uma
filha adulterina), e advoga ainda que o tratado de Salvaterra de 1383 foi incumprido por
D. Beatriz e pelo seu marido D. João I de Castela sendo este último ainda acusado de
ser cismático contra o verdadeiro papado defendido por Portugal no contexto do Grande
Cisma do Ocidente.7 João das Regras defende que os filhos de D. Pedro I e de D. Inês
são bastardos (pois o casamento dos seus pais nunca poderia ter acontecido sem
dispensa papal devido ao parentesco entre os noivos 8) e desnaturados (por serem
partidários de Castela).9/ 10

Tudo isto sem esquecermos a pressão militar, e D. Nuno Álvares Pereira faz exibições
de força com contingentes superiores aos dos opositores do Mestre. 11 João das Regras
defende que o rei de Portugal tem de ser de boas linhagens, de grande coração, ter amor
aos súbditos, ser bom e devoto.12 D. João Mestre de Avis reúne estes requisitos.
Inicialmente, D. João nega a sua eleição indicando a sua ilegitimidade e o seu estado
eclesiástico.13 Mas perante a insistência, D. João acaba por aceitar a eleição em cortes e
o papa Bonifácio IX dispensa-o dos votos e legitima o seu nascimento eliminando os
impedimentos apontados.14

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Ou seja, D. João I foi aclamado em Coimbra em Abril de 1385 mas não se apresenta
como herdeiro, pois ele é filho bastardo de D. Pedro I e a regra é que a bastardia não
conduz ao trono, o casamento dos pais é decisivo para se herdar a coroa. No entanto, a
crise de 1383-1385 alimenta o sentimento de naturalidade portuguesa que nesta situação

6
Ibidem, pp. 61-62.
7
Ibidem, pp. 62-63.
8
Ibidem, pp. 63-64.
9
Ibidem.
10
Ibidem, p. 64.
11
Ibidem, pp. 65.
12
Ibidem, pp. 66.
13
Ibidem.
14
Ibidem, pp. 66-67.
se vai sobrepor a considerações de legitimidade. Inicialmente, D. João de Castro é o
mais indicado para ser aclamado porque D. Pedro I tinha reconhecido o casamento com
Inês de Castro. Mas João das Regras convence as cortes de que o casamento de D.
Pedro I e de D. Inês não é válido e por isso os seus filhos são bastardos e
consequentemente não podem ser aclamados e são inviáveis de sucederem no trono.
Com D. Beatriz também afastada, as cortes concluem que a linhagem dinástica de certa
forma terminou.15 Assim, D. João I foi rei não porque tivesse direito sucessório ao
trono, mas porque foi escolhido para ser rei. 16 É esta a essência das Cortes de Coimbra
de 1385. Posteriormente, à medida que o poder de D. João I se afirma (com a vitória em
Aljubarrota, casamento com D. Filipa de Lencastre) e há continuidade dinástica
substitui-se a memória deste carácter electivo e D. João I vai ser apresentado mais como
alguém favorecido por Deus, como alguém cuja realeza era uma manifestação da
vontade divina. Ele passa a ser visto não como o fundador de uma nova dinastia régia,
mas sim como alguém que refundou a dinastia anterior.

15
Ibidem, pp. 65.
16
Ibidem, pp. 65-67.

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