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HUMANISMO (1434-1508)

A laicização do conhecimento e o surgimento de uma burguesia


Por volta do século XIII, a Itália dominava o comércio marítimo do Oriente.
Cidades como Milão, Veneza, Florença eram grandes centros comerciais e bancários
dominando assim a economia mercantil. A riqueza não estava mais ligada à posse de
terras mas à detenção do Capital.
Os burgos (pequenas vilas emergentes ao redor de castelos) atraiam os
camponeses em busca de prosperidade, estes tornaram-se pequenos mercadores.
Surgia assim a burguesia, pessoas sem casta nobre que acumulavam capital através das
atividades mercantis. Com o tempo esse grupo acabou por tomar o poder político. O
poder ficou dividido entre aristocracia e ricos mercadores.
Com o enriquecimento, o burguês foi atrás de conhecimento e cultura a fim de
administrar seu patrimônio, desse modo ele passa a investir em cultura, que outrora
esteve nas mãos da Igreja e soberanos. Os leigos começaram a atuar na produção e
circulação de (livros) cultura, isso levou à redescoberta de autores da Antiguidade
clássica.
Dante e a Divina Comédia, Boccaccio e o Decameron desenvolvimento da prosa
do conto, Petrarca e o Soneto são elementos que marcaram o humanismo literário em
Florença.
O poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) é considerado um dos maiores
nomes do Humanismo. A Divina Comédia, sua obra-prima tem como ponto central o amor
platônico por Beatriz, dama florentina e personagem elementar de sua produção artística.
Escrita entre 1310 e 1321, enquanto Dante se encontrava no exílio, por onde ficou
até o fim da vida, A Divina Comédia é um poema que resume a cultura cristã medieval.
Na Commedia o autor colocou-se como um peregrino levado pelo poeta Virgílio, assim
conhece o Inferno, o Purgatório e, por fim, chega ao Paraíso. A figura de Beatriz
simboliza no poema a sabedoria divina, Virgílio a humana.
A obra máxima de Dante Alighieri, A Divina Comédia, inicialmente chamada pelo
autor de a Commedia, revela-nos bem a visão humanista no que concerne à religião,
existe um desejo de compreender e explicar as coisas do mundo, a vida e a morte.
Nessa viagem Dante, guiado por Virgílio, encontra-se com os sábios da Grécia e de
Roma, e também com personagens dos clássicos gregos como Ulisses. O limbo e
os círculos infernais. [IMAGEM]
Dante e os três reinos, de Domenico di Michelino.

Definição de Humanismo
O Humanismo surgiu na Itália e foi um movimento artístico e intelectual
ocorrido no final da Idade Média, culminando no Renascimento. Seus objetivos eram
resgatar os modelos artísticos da Antiguidade greco-romana, considerados modelos.
Seu foco era o ser humano, colocando em foco o Homem, daí o termo Humanismo.
Consequentemente se resgata a visão antropocêntrica, i.e., o homem no centro do
Universo, em oposição ao teocentrismo medieval. Foi um período de transição entre o
Trovadorismo medieval e o classicismo Renascentista.
PROPOSTA LITERÁRIA
A Europa saia de um longo período em que vigorou a visão teocêntrica e o domínio
da Igreja. O conhecimento dos clássicos greco-latinos como Platão e Aristóteles, até
então exclusivas leituras do clero, passava agora para o conhecimento de muitos não
religiosos. O que até então fora uma explicação divina passa a se explicar de maneira
racional através da filosofia e da ciência, o que deu ao homem mais domínio sobre seu
destino: trata-se de um momento de transição entre o mundo medieval e a idade
moderna.
A nobreza ainda é o público dessa produção literária, mas acontece que a poesia
se separa da música. Com o tempo e o investimento da burguesia na cultura, o livro
passa a circular com maior facilidade, mais pessoas têm acesso à produção literária, o
que antes se dava somente nos castelos e nas cortes.
O soneto é uma forma fixa que será largamente adotada. Foi uma novidade
introduzida e desenvolvida pelo humanismo, o grande autor a desenvolvê-lo foi Petrarca.
Trata-se de uma estrutura fixa formada por dois quartetos e dois tercetos, geralmente
em versos decassílabos, que vai conquistar o gosto da elite por acomodar
racionalmente e de forma analítica a expressão de sentimentos humanos.

O HUMANISMO LUSITANO
No final do século XIV, a produção poética em Portugal está em crise. Foi um
período em que se viveu o auge das crônicas historiográficas, aí entra a figura de
Fernão Lopes, e a prosa doutrinária. Por assim dizer vive-se um período de
desenvolvimento da prosa. A poesia separada da música ressurge no século XV no
reinado de Afonso V. é nesse mesmo período que se dá a produção teatral de Gil
Vicente, o que retrata a sociedade portuguesa da época, com uma crítica única.
A crônica de Fernão Lopes
A nomeação de Fernão Lopes como cronista-mor da Torre do Tombo, em
1434, é considerado o marco inicial do Humanismo português, que se estende até
quando Sá de Miranda volta da Itália trazendo a nova estética renascentista, em 1527.
Fernão Lopes teve suma importância no desenvolvimento da prosa em língua
portuguesa, pesquisando em documentos antigos, registrou através de crônicas a
história dos reis de Portugal. Crônica de D. Pedro e Inês de Castro.

Assim, permaneceu no cargo até 1454 suas crônicas mais importantes são:
■ Crônica de El-Rei D. Fernando: período que vai do casamento de D.
Fernando com D. Leonor Teles e termina com a Revolução de Avis.
■ Crônica de El-Rei D. João: período que vai da morte de D. Fernando, em
1383, e termina com a revolução que leva D. João I ao trono português; a
segunda parte descreve o reinado de D. João.
■ Crônica de El-Rei D. Pedro I: o reinado de D. Pedro I (de Portugal). Encontra-se
o relato do episódio da morte de Inês de Castro (Camões vai relatar nos Lusíadas),
amante do rei, assassinada a mando de D. Afonso IV, pai de D. Pedro. D. Pedro
manda exumar o cadáver e ela é coroada rainha depois de morta.

Fernão Lopes distinguia-se dos outros cronistas pela importância que deu ao povo,
tratado por ele como coadjuvante da história dos reis. Essa escolha do cronista
exemplifica seu caráter humanista.

A poesia palaciana [IMAGEM]


Gil Vicente na corte de D. Manuel I, em ilustração de Roque Ganero. In: História da literatura
portuguesa ilustrada. Lisboa: Bertrand, 1928.

Poesia produzida para ser apresentada nos serões do Paço Real, diante da corte.
No reinado de D. Afonso V, “O Humanista”, esses serões eram frequentes, com a
realização de concursos poéticos, audição de música, récitas. Às vezes ocorriam
apresentações de caráter dramático teatral. As inovações em relação ao Trovadorismo
se dão principalmente no tratamento do tema do amor, agora menos idealizado, outro é
que a poesia se sapara da música. Tais poemas foram compilados pelo poeta Garcia de
Resende em um único volume, o Cancioneiro geral, em 1516.
O teatro de Gil Vicente [IMAGEM]

Inferno, autor anônimo, séc. XVI.


Durante a Idade Média, as peças de teatro tinham caráter religioso, eram
apresentadas no pátio de igrejas e mosteiros. Eram os denominados autos religiosos.
Quando o Paço Real adquire importância maior, torna-se o centro da agitação cultural e é
lá onde as peças são encenadas.
A atividade teatral cresce e começa a abordar temas mais variados. Em Portugal,
o grande nome do teatro no Humanismo é Gil Vicente, também ourives. Não se sabe
bem onde nasceu nem quando morreu, seus dados são imprecisos, mas em 1502
escreve sua primeira peça, Auto da visitação, em homenagem à rainha D. Maria pelo
nascimento de seu filho, o futuro rei D. João III. Não se tem notícia de autores dramáticos
antes de Gil Vicente, por isso ele é considerado o “pai do teatro português”.

CARACTERÍSTICAS DO TEATRO VICENTINO


O teatro de Gil Vicente critica os comportamentos condenáveis, os vícios e
enaltece as virtudes, daí se costuma denominar que suas peças possuem caráter
moralizante. Para tais parâmetros são modelos a vida de cristo e a religião católica,
assim como Dante em sua Divina Comédia. Desse modo, o alvo das críticas são os
indivíduos e não a instituição e para isso ninguém escapa, seja qual for sua condição
social, seja nobre, seja clérigo ou plebeu, rico ou pobre.
Em Auto da Barca do inferno critica o padre com amante, o sapateiro que era
um explorador, o agiota; no Velho da horta ridiculariza velhos que se interessam por
mocinhas; em uma de suas cenas antológicas cria dois personagens Todo-mundo e
Ninguém, através dos quais critica os defeitos humanos. Enfim o dramaturgo traça um
quadro da sociedade portuguesa do século XVI, sempre divertindo e enaltecendo a
conduta virtuosa.
A alegoria é um de seus recursos mais usados, são representações por meio de
personagens, em geral ideias abstratas personificadas: a ganância, a lascívia, (todo-
mundo e Ninguém).

NINGUÉM – Que andas tu a’ buscando?


TODO O MUNDO – Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar, porém ando perfiando,
por quão bom é perfiar.
NINGUÉM – Como hás nome, cavaleiro?
TODO O MUNDO – Eu hei nome Todo o Mundo, e meu tempo todo inteiro sempre é buscar
dinheiro, e sempre nisto me fundo.
NINGUÉM – E eu hei nome Ninguém, e busco a consciência.
(Berzebu para Dinato)
BERZEBU – Esta é boa experiência! Dinato, escreve isto bem.
DINATO – Que escreverei, companheiro?
BERZEBU – Que Ninguém busca consciência e Todo o Mundo dinheiro.
(Ninguém para Todo o Mundo)
NINGUÉM – E agora que buscas lá?
TODO O MUNDO – Busco honra muito grande.
NINGUÉM – E eu virtude, que Deus mande que tope com ela já.
(Berzebu para Dinato)
BERZEBU – Outra adição nos acude: escreve a’, a fundo, que busca honra Todo o Mundo,
e Ninguém busca virtude.
VICENTE, Gil. Auto da Lusitânia.

As personagens podem ser entendidas como nomes próprios, de seres


concretos que interagem em uma determinada situação. Contudo essas designações
também têm caráter alegórico, pois remetem a elementos abstratos. Desse modo,
“todo o mundo” representa os vícios humanos, que estão por toda a parte; por outro
lado, “Ninguém” representa as virtudes, que são muito raras entre as pessoas.
As obras de Gil Vicente dividem-se em três tipos de peças:
■ Farsas: caráter crítico, personagens tipos populares e se desenvolvem em torno de
problemas da sociedade. Farsa de Inês Pereira, uma jovem que busca no casamento a
oportunidade de ascensão social, e O velho da horta, que ridiculariza a paixão de um
velho por uma moça.
■ Autos pastoris: gênero peças de caráter religioso, como o Auto pastoril português, e
profano, como o Auto pastoril da serra da Estrela.
■ Autos de moralidade: Trilogia das Barcas (Auto da barca do inferno, Auto da barca
do purgatório e Auto da barca da glória).

DIABO — Que cousa tão preciosa...


Entrai, padre reverendo!
FRADE — Para onde levais gente?
DIABO — Para aquele fogo ardente,
que não temestes vivendo.
FRADE — Juro a Deus que nom te entendo!
E este hábito nom me val?
DIABO — Gentil padre mundanal, a
Berzabu vos encomendo!
FRADE — Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesus Cristo,
que eu nom posso entender isto!
Eu hei de ser condenado?!
Um padre tão namorado e
tanto dado à virtude?
Assim Deus me dê saúde,
que eu estou maravilhado!
DIABO — Não cureis de mais detença.
Embarcai e partiremos.
Tomareis um par de ramos.
FRADE — Nom ficou isso n’avença.
DIABO — Pois dada está já a sentença!
FRADE — Pardeus! Essa seria ela!
Não vai em tal caravela
minha senhora Florença.
Como!? Por ser namorado e
folgar com uma mulher
se há um frade de perder,
com tanto salmo rezado?!...
VICENTE, Gil. Auto da barca do inferno.

Sobre o trecho da peça é correto afirmar que ele:


a) confirma o caráter herético do teatro vicentino, por mostrar a dissolução moral do clero.
b) mostra a intenção do autor em criticar os valores da Igreja.
c) demonstra o caráter poético do teatro de Gil Vicente, que se expressa em versos
decassílabos.
d) critica o comportamento imoral de um indivíduo, e não os valores religiosos.
e) revela a intenção de Gil Vicente em revolucionar as instituições lusitanas, por meio de
ideias progressistas e avançadas.

BIBLIOGRAFIA
SPINA, S. Obras primas do teatro vicentino. Difel. São Paulo, 1990.
MOISÉS, M. A literatura Portuguesa através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1998.
______. A literatura Portuguesa. São Paulo, Cultrix, 1973.
NUNES, J.J. Crestomatia arcaica. Livraria Clássica editora, Lisboa, 1943.
SARAIVA, A.J., LOPES, O. História da literatura Portuguesa,

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