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O Humanismo foi um movimento literário de transição entre o Trovadorismo e o


Classicismo que marcou o fim da Idade Média e início da Idade Moderna na Europa.
Com foco na valorização do homem, ele se destacou com as produções em prosa
(crônicas históricas e o teatro) e poética (poesia palaciana) durantes os séculos XV e XVI.

Contexto histórico e socioeconômico

O humanismo surgiu no século XV na Itália, mais precisamente na cidade de Florença


durante o período do Renascimento Cultural. Por isso, ele também é chamado
de Humanismo Renascentista.

Esse movimento intelectual de valorização do homem, influenciou diversos campos


de conhecimento (filosofia, ciências, literatura, escultura, artes plásticas) e rapidamente se
espalhou por outros países da Europa.

Homem Vitruviano (1590) de Leonardo da Vinci: símbolo do antropocentrismo


humanista
A época renascentista foi um momento de importantes transformações na
mentalidade europeia. Alguns fatores que permitiram surgir uma nova visão no ser humano
foram:

 a invenção da imprensa de Johannes Gutenberg, que proporcionou a expansão do


conhecimento, antes controlado pela igreja.
 as grandes navegações e a expansão marítima europeia, que permitiram ampliar os
horizontes do homem europeu.
 a crise do sistema feudal, pois diversas atividades comerciais despontavam, dando
início ao mercantilismo e o uso de moedas de troca (dinheiro).
 o surgimento da burguesia como uma nova classe social, que se consolida com a
expansão do comércio e o desenvolvimento das cidades medievais.
Essa nova organização social trouxe consequências para o povo, que era
acostumado à servidão e, portanto, não tinha nem estudo nem qualificação profissional para
atender às exigências comerciais que se consolidavam. Com isso, esse foi um período de
muita fome e doenças. A epidemia da peste bubônica, conhecida como Peste Negra, por
exemplo, dizimou um terço da população da Europa.
Outro fator relevante dessa nova constituição social foi a mudança do poder
descentralizado, que era executado em cada feudo pelo seu nobre responsável, para um
poder centralizado nas mãos do rei, ou seja, momento político chamado de Absolutismo.
Assim, a hegemonia da Igreja foi quebrada, e sua influência sobre a sociedade, o
modo de pensar, de viver e a influência nas artes passou a ser criticada, inclusive, pelos
seus seguidores. Esse rompimento com a Igreja influenciou diretamenta o modo de
expressão da sociedade ascendente desse período, bem como sua relação com a
espiritualidade.

As características do humanismo

As principais características do humanismo nas artes e na filosofia são:

 Antropocentrismo: conceito filosófico que ressalta a importância do homem como


um ser agente dotado de inteligência e de capacidade crítica. Avesso ao teocentrismo
(deus como centro do mundo), esse conceito permitiu descentralizar o conhecimento
que antes era propriedade da Igreja.

 Racionalismo: corrente filosófica associada à razão humana que foca na produção


de conhecimentos sobre o ser humano e o mundo, contestando o espiritualismo.
 Cientificismo: associado ao racionalismo, esse conceito coloca a ciência em um
lugar de destaque. Através do método científico, ele fomenta as descobertas desse
campo a fim de entender os fenômenos naturais.
 Antiguidade clássica: os artistas humanistas foram inspirados pelos estudos
realizados anteriormente por pensadores clássicos gregos e romanos, sobretudo pela
literatura e mitologia greco-romana.
 Valorização do homem: inspirado nos modelos clássicos greco-romanos, houve a
valorização do corpo humano e das emoções do homem. Assim, as artes humanistas
focavam nos detalhes que revelassem as expressões e desejos.
 Ideal de beleza e perfeição: aliado ao conceito de valorização dos modelos
clássicos, nesse período buscou-se atingir a perfeição das formas humanas por meio
das proporções equilibradas e da beleza perfeita.

O Humanismo em Portugal

O marco inicial do humanismo literário português foi a nomeação de Fernão Lopes


como cronista mor do reino, em 1434. Esse movimento vai até 1527 com a chegada do poeta
Sá de Miranda da Itália, quando começa o Classicismo.
O teatro popular, a poesia palaciana e a crônica histórica foram os gêneros mais
explorados durante o período do humanismo em Portugal.
Dentre os principais autores do humanismo português estão: Gil Vicente, Fernão
Lopes e Garcia de Resende.

Gil Vicente (1465-1536) foi considerado o “pai do teatro português” e sua obra aborda
temas religiosos e humanos. Apesar de possuir uma visão religiosa cristã e moralista, seus
textos também apresentam críticas sociais.
Esse autor escreveu diversas peças teatrais chamadas de autos e farsas. Os autos
focavam em temas humanos e divinos, ligados às tradições medievais. Já as farsas eram
peças que partiam de situações ridículas e caricaturais; nelas o autor teciam um retrato
satírico e crítico da sociedade, englobando os plebeus, o alto e o baixo clero, a burguesia e
os fidalgos.

Dentre sua obra de dramaturgia, destacam-se:

Auto da Visitação (1502)


O Velho da Horta (1512)
Auto da Barca do Inferno (1516)
Farsa de Inês Pereira (1523)

Trecho da obra Auto da Barca do Inferno (Gil Vicente):


(...)
DIABO- À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
E valentes remadores!
– Diz a cantar: –
"Vós me vireis à mão,
À mão me vireis.”

FIDALGO- Para o Inferno, então!


O inferno será para mim?
Oh triste! Enquanto vivi
Não pensei que seria:
Pensei que era fantasia!
Pensava ser adorado,
Confiei no meu estado
E não vi que me perdia.
Venha essa prancha!
Veremos esta barca de tristura. (tristeza)

DIABO - Embarque vossa doçura,


Que cá nos entenderemos...
Tomareis um par de remos,
Veremos como remais,
E, chegando ao nosso cais,
Verá como bem vos serviremos.

FIDALGO- Esperai-me vós aqui,


Voltarei à outra vida,
Para ver a minha dama querida,
Que se quer matar por mim.

DIABO- Que se quer matar por ti?!...

FIDALGO- Isto bem certo o sei eu.


DIABO- Ó namorado sandeu, (atraiçoado, cornudo)
O maior que já vi!...

FIDALGO- Como poderá isso ser,


Ela que me escrevia todos os dias?

DIABO- Quantas mentiras que lias!


E tu... doido de prazer!...

FIDALGO- Para que está a escarnecer,


Se não havia quem me quisesse mais bem?

DIABO- Assim deverias viver, amém,


Como ela te havia de querer! (*)
[(*) O Diabo goza com o Fidalgo, dizendo-lhe que ele deveria viver tanto quanto a
namorada o amava, ou seja, nem mais um segundo de vida.]

Fernão Lopes (1390-1460) foi o maior representante da prosa historiográfica humanista,


além de fundador da historiografia portuguesa.

Antes dele, a historiografia de Portugal se resumia aos nobiliários, ou seja, os livros de


linhagem que reuniam as árvores genealógicas dos nobres medievais.

Assim, ele ampliou esse conceito ao escrever obras de grande valor artístico e histórico
sobre a história dos reis de Portugal, das quais merecem destaque:

Crônica de El-Rei D. Pedro I


Crônica de El-Rei D. Fernando
Crônica de El-Rei D. João I

Trecho da crônica El-Rei D. Pedro I de Fernão Lopes

E porquanto el−rei Dom Pedro, cujo reinado se segue, usou da justiça, de que a Deus
mais praz que cousa boa que o rei possa fazer, segundo os santos escrevem, e alguns
desejam saber que virtude é esta, e pois é necessaria ao rei, se o é assim ao povo: vós,
n'aquelle estilo que o simplesmente apanhámos, o podeis lêr por esta maneira.
Justiça é uma virtude, que é chamada toda virtude; assim que qualquer que é justo,
este cumpre toda virtude; porque a justiça, assim como lei de Deus, defende que não
forniques nem sejas gargantão, e isto guardando, se cumpre a virtude da castidade e da
temperança, e assim podeis entender dos outros vicios e virtudes.
Esta virtude é mui necessaria ao rei, e isso mesmo aos seus sujeitos, porque,
havendo no rei virtude de justiça, fará leis por que todos vivam direitamente e em paz, e os
seus sujeitos sendo justos, cumprirão as leis que elle puzer, e cumprindo−as não farão cousa
injusta contra nenhum. E tal virtude, como esta, póde cada um ganhar por obra de bom
entendimento, e ás vezes nascem alguns assim naturalmente a ella dispostos, que com
grande zelo a executam, posto que a alguns vicios sejam inclinados.

Garcia de Resende (1470-1536) foi o maior representante da poesia palaciana


humanista. O escritor publicou em 1516 a obra Cancioneiro Geral, que reúne mais de mil
poemas da literatura medieval, de 300 autores diferentes.
A poesia palaciana recebe esse nome, pois era geralmente produzida nos palácios e
tinha o intuito de entreter os nobres. Os temas mais explorados eram religiosos, amorosos
e satíricos.
No período literário anterior (trovadorismo), a poesia tinha uma relação forte com a
música, no entanto, com o humanismo, ela se dissocia desse aspecto musical.
Além disso, a poesia palaciana do humanismo inovou nos aspectos formais da
produção poética, com o uso da redondilha maior (versos com sete sílabas poéticas), que
conferia maior ritmo e memorização, em detrimento da redondilha menor (versos com 5
sílabas poéticas).

Trecho da poesia Trova de Inês de Garcia Resende

Qual será o coraçam


tam cru e sem piadade,
que lhe nam cause paixam
úa tam gram crueldade
e morte tam sem rezam?
Triste de mim, inocente,
que, por ter muito fervente
lealdade, fé, amor
ó príncepe, meu senhor,
me mataram cruamente!

A minha desaventura
nam contente d'acabar-me,
por me dar maior tristura
me foi pôr em tant'altura,
para d'alto derribar-me;
que, se me matara alguém,
antes de ter tanto bem,
em tais chamas nam ardera,
pai, filhos nam conhecera,
nem me chorara ninguém.

Os humanistas: autores e obras do humanismo

Os humanistas eram os estudiosos da cultura antiga que se dedicavam, sobretudo,


aos estudos dos textos da antiguidade clássica greco-romana.
Todos eles foram influenciados por características do período como o culto às línguas
e às literaturas greco-latinas (modelo clássico).
Dentre os grandes representantes da literatura humanista estão:

Francesco Petrarca (1304-1374) - poeta italiano fundador do humanismo e autor das


obras: Cancioneiro e o Triunfo; Meu livro secreto; Itinerário para a Terra Santa.
Dante Alighieri (1265-1321) - poeta e político italiano, autor das obras: A Divina
Comédia; Sobre a Língua Vulgar; Vida Nova.
Giovanni Boccaccio (1313-1375) - poeta italiano e autor das obras: Decamerão; A canção
bucólica; Mulheres famosas.
Erasmo de Roterdã (1466-1536) - teólogo e filósofo neerlandês, autor das obras: Elogio da
Loucura; Manual do Cavaleiro Cristão; Colóquios.
Thomas More (1478-1535) - escritor e filósofo inglês, autor das obras: Utopia; Tratado sobre
a Paixão de Cristo; Súplica das Almas.
Michel de Montaigne (1533-1592) - filósofo e escritor francês, autor de uma única obra
reunida em 3 volumes: Ensaios.

Contexto histórico do humanismo


Diante disso, o teocentrismo (Deus como centro do mundo) e a estrutura hierárquica
medieval (nobreza-clero-povo) sai de cena, dando lugar ao antropocentrismo (homem como
centro do mundo). Esse último, foi o ideal central do humanismo renascentista.

Referências:

https://www.todamateria.com.br/humanismo/

https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/humanismo.htm

VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno (peça teatral). Disponível em:


<http://domíniopúblico.gov.br>

Para saber mais:


Vídeo: Humanismo.
Canal: Toda Matéria
Duração: 10’07”
https://youtu.be/WBQq2ThCBfU

Vídeo: Literatura Portuguesa | Humanismo (Aula 02)


Canal: Vá ler um livro
Duração: 6’42”
https://youtu.be/ZeJnonPFUHw

Vídeo: Audiolivro- Auto da Barca do Inferno- Gil Vicente.


Canal: Audiocult Podcasts
Duração: 19’12”
https://youtu.be/tQ_WfKh4taY

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