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A FORTALEZA DE SÃO SEBASTIÃO NA ILHA DE MOÇAMBIQUE.

CONSERVAÇÃO DUM PATRIMÓNIO ESTRANGEIRO.

Maurizio Berti
Dottore di Ricerca, "Sapienza" Università di Roma.

ABSTRACT: The conservation of the Fortress of San Sebastian island of Mozambique is


here treated by three themes. The first theme is the cultural identity and the interest in
Mozambique's architectural heritage inherited from the colonial period. The second issue is
the ability to keep in good condition the historical monuments of great dimensions as are the
fortresses of the modern era. The third theme of paper refers to the fortress reuse through
new civil functions.

KEYWORDS: São Sebastião Fortress; Conservation; Restoration; Reuse; Cultural identity


(Fortaleza São Sebastião; Conservação; Restauro; Reutilização; Identidade cultural)

Estudos históricos e património


Tendo em vista a conservação do património arquitectónico, a análise dos materiais e das
estruturas duma fortaleza moderna é necessariamente acompanhada pela análise das
principais etapas das suas transformações no passar do tempo. Ao longo das últimas duas
décadas, a fortaleza de São Sebastião da Ilha de Moçambique tem sido objecto de um
interesse académico renovado, com especial atenção ao caráter da sua arquitectura. Mais
recentemente, as contribuições científicas para o seu conhecimento como parte do
património arquitectónico de Moçambique vêm principalmente da Europa e do Brasil com a
preeminência da academia Portuguesa, onde a vantagem das Universidades Portuguesas na
produção de novos estudos desse notável monumento de arquitectura militar é garantido
pela identidade histórica e cultural comum dos vários pesquisadores.
Contudo, parece claro que a maior digitalização de documentos de arquivo, louvavelmente
disponibilizados ao público nos últimos anos por diversas instituições públicas e privadas
proprietárias, ampliou a investigação sobre as arquiteturas da expansão portuguesa,
envolvendo mais centros de pesquisa internacionais.
As informações históricas até agora reunidas oferecem uma imagem clara das principais
transformações da fortaleza. Podemos examinar uma coleção sistemática de documentos no
recente trabalho de Nuno Simão Gonçalves sobre o projeto de Miguel de Arruda, de onde se
pode deduzir que a reconstrução do projecto inicial desta fortaleza ainda é um tema em
aberto. Os documentos históricos que remetem às origens, à concepção e à construção da
fortaleza ainda podem ser analisados e comparados por historiadores, com vista a uma
compreensão renovada do monumento. Enquanto isso, no entanto neste quadro histórico
traçado podemos comparar este exemplo de arquitectura militar moderna, com vários outros
casos dentro e fora da influência militar Português e assim destacar características diferentes
ou analogias. Gonçalves reconstrói a rede entre engenheiros militares de escola italiana e
engenheiros militares portugueses que tornou possível a construção desta e outras fortalezas
ultramarinas com as regras mais atualizadas para a arquitectura militar da época, num
contexto político em que os reis portugueses podiam contar nas relações diplomáticas com
os governos europeus mais sólidos. 1
São Sebastião demostra que os engenheiros seguiram as técnicas de defesa adquiridas pela
engenharia militar italiana e europeia já durante a primeira metade do século XVI, adotando
a geometria das muralhas com baluartes e a utilização dos terraplenos. Isso se pode observar
nos baluartes e, parcialmente, nas cortinas. Desta forma, as cortinas e as faces dos baluartes,
embora afetadas pela artilharia, teriam a capacidade de absorver as balas em vez de partir
em estilhaços e até colapsar.
Construir uma fortificação como um conjunto de materiais dúcteis em vez de materiais
frágeis talvez foi uma consideração presente não só nas transformações do século XVII ou
posteriores, mas desde a construção inicial, claro tendo em conta o ambiente marinho do
local. Isto responderia às indicações de D. João de Castro contidas no relatório de 1545
enviado ao rei. Castro sugeriu a construção de um muro de "31 braças" que cortava a ponta
rochosa norte da ilha, de mar a mar. Nas duas extremidades deste muro ele pensava à
construção de dois baluartes "cheos" e "teraplenados" a partir dos quais a ilha e o porto
seriam militarmente controlados. 2
Diz-se de uma compreensão renovada do monumento, porque o interesse histórico geral do
património de origem Português tornou-se muito vivo. Teses de mestrado e de doutoramento
nas Universidades sempre mais desempenham temas que se relacionam com o património
histórico da arquitetura de origem portuguesa, das arquitecturas mais recentes para as mais
antigas permitindo que um monumento local como a fortaleza de São Sebastião da Ilha seja
estudado num contexto amplo e problemático, melhorando a sua reconstrução histórica e
expandindo a partilha da identidade e do interesse cultural. Fundações culturais e
associações académicas, como a Fundação Calouste Gulbenkian e a Associação das
Universidades de Língua Portuguesa com o Prémio Fernão Mendes Pinto, encorajam a
pesquisa sobre o património com prémios académicos ou financiamentos de linhas de
investigação científica. No caso em questão, as pesquisas recentes de Vera Mariz sugerem
que as atenções e os estudos históricos da fortaleza de São Sebastião e alguns outros
monumentos moçambicanos formaram uma certa primazia na consciência da identidade
histórica no panorama cultural ultramarino, pelo menos em comparação a mesma
metrópole.3 Hoje, sobre a arquitetura histórica, parece haver uma consideração renovada e
promissora que pode desencadear uma interação interessante entre historiadores e
restauradores, no âmbito de programas de conservação compartilhados.

Restauro como conhecimento


A atenção aos materiais e às estruturas muitas vezes parecem entorpecer a sensibilidade do
arquiteto restaurador sobre os valores formais de uma determinada arquitetura. Isso pode
acontecer, por vezes, quando o arquiteto olha para a arquitetura como um documento

1
(Gonçalves 2011, 2 Vol.)
2
Projecto consultado em duas transcrições: (Costa 1940, 19-21); (Sanceau 1955, 97-100)
3
(Mariz 2016, 468); (Mariz 2016, 493)
histórico e não tanto como um monumento. No nosso caso, ainda é um método eficaz para
considerar a arquitetura histórica da Ilha de Moçambique como feita de persistências e
estratificações, de acordo com o exemplo que nos vem dos estudos de Alexandre Lobato e
Pedro Quirino da Fonseca. Este sistema, que utiliza nalguns aspectos métodos
arqueológicos, já estava em uso no contexto moçambicano desde 1943, com a criação da
Comissão de Monumentos e Relíquias Históricas de Moçambique. 4 Como principais
referências lembramos o livro de Lobato "A Ilha de Moçambique (Monografia)" de 1945 em
que ele dá a notícia das escavações arqueológicas realizadas recentemente no baluarte de
São Gabriel e os escritos de Fonseca publicados no boletim "Monumenta" entre 1972 e
1973.
Com suas observações definidas metodologicamente, o arquiteto Fonseca analisa alguns
edifícios históricos na Ilha de Moçambique, como a Igreja da Misericórdia onde vê uma
extensão da capela mais antiga do Espírito Santo, o Palácio do Governador onde faz a
suposição de que parte da fortaleza primitiva de São Gabriel ainda parcialmente existe
incluída na capela de São Paulo e, finalmente, a fortaleza de São Sebastião onde assumiu
que parte do parapeito que circunda a capela de Nossa Senhora do Baluarte é devido à
fortificação primitiva construída sobre instruções de projeto de D. João de Castro,
começando as obras em 1545.5 O método utilizado por Fonseca é o mais adequado para o
arquiteto conservador, ou seja comparar as fontes de arquivo com as observações críticas
dos locais investigados. Ele não se reconhecia a si mesmo como um historiador e talvez nem
sequer fosse um restaurador como qual entendemos hoje, mas certamente foi um precursor,
revelando-se nos seus escritos um arquiteto culto e atencioso com os dados da história da
arquitetura.

Onde foram cortadas as pedras


Com a atenção para o método de abordagem de Fonseca, mas com interesse mais dirigido
para as questões da conservação do património de pedra coral, foi fixada a atenção na
presença de cristas naturais de rocha madrepórica incluídas na base das cortinas da fortaleza
de São Sebastião e nas paredes de muitas casas ao longo das ruas entre o hospital e a praça
dos Heróis. Se o propósito das observações foi verificar a preservação destas cristas naturais
no que se refere às diferentes acções da água da chuva e da água do mar, uma consequência
casual foi o reconhecimento das obras notáveis em escavação do solo que, com a construção
da fortaleza São Sebastião e com outras reformas urbanas mais recentes, têm sido realizadas
na ilha.6
Com referência à "Planta da ilha e perspectiva da cidade de Moçambique" por J. Faustino,
datada por volta de 1835, 7 pensa-se que a parte sul da ilha foi nivelada em tempos
relativamente recentes como, aliás, são recentes as escavações onde hoje são os bairros de
“macuti”, documentadas numa conhecida fotografia publicada por Freire de Andrade em

4
(Mariz 2012, 1-10); (Mariz 2013, 237-244)
5
(Sanceau 1955, 90-101); (Costa 1940, 9-48)
6
(Berti 2016, 144-179)
7
(Faustino 1835 ca)
1929.8 A partir da análise da cartografia da ilha do século XIX. e do século XX., parece que
as escavações da parte central e sul estão a ser relacionadas com a conclusão da urbanização
do sector leste da Cidade de Pedra e certamente não para a construção da fortaleza.
Foram identificadas duas áreas de escavação nas imediações da fortaleza e outras ao pé das
quatro cortinas. Se elas se relacionam com as escavações das fases iniciais de construção da
fortaleza em si, como seria lógico pensar, elas não correspondem ao "debuxo" descrito no
relatório para a nova fortaleza que João De Castro enviou ao rei de Portugal em 1545,
mesmo que satisfaçam os critérios gerais aí sugeridos para a utilização da área como defesa
militar. As cristas rochosas naturais incorporadas nas cortinas da fortaleza são o testemunho
do primeiro grande projeto que atende às formas atualizadas da arquitetura militar moderna
e a topografia do local. Na ausência do desenho gráfico mencionado nas cartas históricas
com a expressão “debuxo”, através da recomposição geométrica do conjunto destas cristas
rochosas naturais, incorporadas nas cortinas pode ser tentada a reconstrução do projeto de
Miguel de Arruda que o rei D. João III, em carta datada de 8 de março de 1546, ordenou a
D. João de Castro que fosse executado.9

Figura 1 – Levantamento das cristas madrepóricas na cortina entre o baluarte de Nossa Senhora e o
baluarte de Santa Bárbara (fonte: M. Berti); Figura 2 – Vestígios de escavações perto do baluarte de
São João (fonte: M. Berti)

Nivelamentos
O tema dos nivelamentos da ilha e das escavações da rocha para regular a construção de
edifícios e derivar os materiais necessários para a sua construção é de grande interesse, se
tratado prestando atenção na preservação física da Ilha de Moçambique a longo prazo. Entre
os estudos desempenhados durante a época das restaurações feitas entre 1960 e 1970 na Ilha
de Moçambique, o arquitecto Fonseca tratou da reconstrução das fases iniciais para a
construção da fortaleza. Ele transcreve uma carta de 1547 do Capitão-Mór Fernando de
Sousa para El-Rei D. João III procurando no texto referências da antiga torre de São Gabriel
e da nova fortaleza ainda a ser principiada. Principalmente interessado na questão dos
projectos da antiga e da nova fortificação, Fonseca menciona apenas o tema da preparação
do solo para a nova construção, assunto relatado na mesma carta transcrita onde também é
referido o emprego de dezasseis escavadores especialmente selecionados e transferidos aí
para cortar as duras rochas, esquadrar as pedras e para a fabricação da cal, esperando que

8
(Andrade 1929, fig.77)

9
(Costa 1940, 25)
chegasse com reforços para o trabalho o arquiteto responsável pela construção Francisco
Pirez, naquela época ocupado no estaleiro de uma outra fortaleza, em Ormuz. 10 Não se pode
dizer quanto tempo e quantos recursos foram gastos nestes trabalhos preparatórios, no solo e
nos materiais de construção. Fonseca diz que só em 1558 começará o trabalho de construção
e irá demorar cerca de 60 anos antes da fortaleza ter a sua primeira estrutura definida. Estas
datas também são acreditadas na recente revisão de Gonçalves com base em várias fontes. 11

Figura 3 - Curvas de nível da Ilha usando os algoritmos de Google Earth. (fonte: M. Berti); Figura 4 –
Mapa de Ilha de Moçambique (fonte: Lobato 1945)
Para além das escavações para nivelar o solo da ilha, foram igualmente realizados aterros.
Em particular, o aterro do canal natural que dividia a ilha em duas partes. Especialmente
dois documentos históricos atestam esta condição antiga: a informação dada na descrição da
Ilha de Moçambique no "Livro de Lisuarte de Abreu"12 e o mapa contido no " Roteiro de
Lisboa a Goa por D. Jõao de Castro".13 Outro foi o aterro provável do fosso que os mapas
históricos da Ilha localizam e que Alexandre Lobato, no seu roteiro ilustrado da Ilha,
confirmava ter existido numa depressão do solo que ele observou perto da cortina da

10
(Fonseca de 1972, 60-61)
11
(Gonçalves 2011, V.1, 42-44)
12
Livro de Lisuarte de Abreu, Comissão nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses, Lisboa
1992, p. 49.
13
(Corvo 1882, 306)
fortaleza revolta para o campo de São Gabriel. Lobato também informava do projeto,
existente em 1945, para restaurar este fosso. 14
Durante os trabalhos de reabilitação realizadas em 2009 optou-se por construir sobre a área
do fosso suposto por Lobato um novo tanque conectado com a cisterna da fortaleza e,
posteriormente com outro projecto, uma alta parede de vedação do campo desportivo da
ilha. Os dois novos edifícios ocultam à vista dos visitantes a porta de entrada mais antiga da
fortaleza e dificultam também a percepção da geometria formada pelo baluarte Santa
Barbara, a cortina e o baluarte São Gabriel, um conjunto arquitectónico feito para o controle
e a defesa do hipotético fosso e de toda a parte norte da ilha.
Igualmente interessante é considerar o aterro, talvez muito antigo, do canal natural que
dividia a ilha em duas partes durante a maré alta. A existência deste canal pode ter
condicionado a estrutura do primeiro assentamento, provavelmente a colocação do antigo
forte de São Gabriel e, portanto, o desenvolvimento sucessivo da malha urbana da ilha. Mas
para efeitos da conservação da ilha, talvez é útil considerar que a acção das ondas que
mantinha o canal de comunicação entre o mar e a lagoa ainda existe no segmento que
provavelmente corresponde à largura do antigo canal e onde a mesma acção, contrastada,
criou e cria problemas cíclicos de erosão costeira. Foram desenhadas as curvas de nível da
ilha usando os algoritmos de Google Earth e pode ser observado que o perfil longitudinal da
ilha tem duas saliências dentro das quais existe uma depressão, que acreditamos corresponda
ao canal antigo.
A conservação a longo prazo
Em 1991 UNESCO inclui Ilha de Moçambique na Lista do Património Mundial, em
conformidade com os critérios IV e VI dos procedimentos de inscrição:
Criterion IV. The town and the fortifications on the Island of Mozambique, and the smaller
island of St. Laurent, are an outstanding example of an architecture in which local
traditions, Portuguese influences and, to a somewhat lesser extent, Indian and Arab
influences are all interwoven. - Criterion VI. The Island of Mozambique bears important
witness to the establishment and development of the Portuguese maritime routes between
Western Europe and the Indian sub-continent and thence all of Asia.
e com uma motivação resumida da seguinte forma:
The fortified city of Mozambique is located on this island, a former Portuguese trading-post
on the route to India. Its remarkable architectural unity is due to the consistent use, since
the 16th century, of the same building techniques, building materials (stone or macuti) and
decorative principles.15
Esta inscrição foi precedida e seguida por muitas actividades, tanto no campo cultural e
como no campo político. O documento que melhor expressa o desejo de saber, restaurar e
valorizar o património da Ilha, num período de negligência e desinteresse geral, é o
Relatório-Report - Ilha de Moçambique publicado em Inglês e Português, com datas de
1982-1985 sobre a iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura de Moçambique e da

14
(Lobato 1945, 42)
15
(http://whc.unesco.org/en/list/599)
Arkitektskolen i Aarhus da Dinamarca. Editado por Sylvio Mutal em 1999, o Final Report:
Ilha de Moçambique - World Heritage Site. A programme for Sustainable Human
Development and Integral Conservation é uma outra importante referência e documenta as
atividades significativas e complexas para preparar a recuperação da Ilha, desde 1991 até
1999.
A actividade institucional intensa da UNESCO, a generosidade perseverante dos países
doadores, a inteligência política do governo moçambicano e um interesse cultural
prolongado de grupos locais e internacionais criaram as condições para o lançamento em
2003, com o acordo entre o governo de Moçambique e UNESCO, da reabilitação da mais
poderosa expressão arquitectónica da Ilha, precisamente a fortaleza de São Sebastião.
A partir da leitura dos documentos do concurso para as obras de reabilitação, emitido pela
UNESCO em Maputo em 2007, destaca-se claramente que a estratégia é um extenso
programa de conservação cultural e de promoção social. A reabilitação do monumento foi
concebida como uma oportunidade extraordinária para melhorar as condições de toda a
sociedade, num processo estendido no tempo e dividido por fases sucessivas de trabalho.
Essa abordagem de prolongar o processo de conservação do património em benefício da
sociedade em geral contribui muito para uma correcta reabilitação da fortaleza. Através de
estudos e restauros realizados em casos semelhantes, foi possível experimentar e confirmar a
ideia de que a recuperação de um monumento histórico de grande porte requer uma
abordagem programática implantada num longo período de tempo. 16
Hoje em dia, os arquitetos e os engenheiros identificam com facilidade as soluções técnicas
mais adequadas para um restauro correcto, mesmo face a sobreposições complexas de
estruturas ou de formas arquitectónicas perdidas. Caso contrário, eles nem sempre sabem
como imaginar novas funções para substituir funções arquitectónicas obsoletas, como nas
fortalezas. Mais, considerar que muitas vezes não há os recursos financeiros necessários
para as obras de restauro. Nestes casos, um programa de conservação inteligente pode
estabelecer um protocolo de intervenções distribuídas num longo período de tempo e
organizadas hierarquicamente de acordo com os critérios de necessidade e urgência que
requer o mesmo monumento.
O projeto da primeira fase dos trabalhos na fortaleza de São Sebastião respeita em todos os
aspectos o programa de reabilitação UNESCO.17 Foi posta de lado a ideia de restaurar este
imenso monumento duma única vez e os autores designados projetaram uma das várias
operações previstas, mantendo uma hierarquia de prioridades. As várias operações são
concebidas sob a forma de projectos funcionais que podem, de fato, ser financiados e depois
executados ao longo de um período de tempo de vários anos. Entre 2008 e 2009 foram
executadas as obras do primeiro projecto funcional.
A segunda fase das obras de reabilitação, de acordo com o programa geral de reabilitação, é
o restauro do quartel da tropa ao longo da cortina entre o baluarte São João e baluarte de
Nossa Senhora com a instalação de um centro de pesquisa universitário com interesse
científico na Ilha de Moçambique e seu contexto. Com este segundo projeto executivo, a
UNESCO propõe uma solução muito convincente para estabelecer uma nova e compatível

16
(Berti 2004, 992-996); (Berti, Carbonara 1994, 89-106); (Berti 2003, 93-110)
17
(UNESCO 2007)
função num espaço criado para uma função militar que já perdeu completamente. Esta
solução, de facto, deixa imaginar que tornaria possível mudar a fortaleza como um
laboratório permanente para o restauro arquitectónico, estudos e formação técnica e
científica, respondendo às exigências nacionais e internacionais.
Quinze relatórios oficiais da UNESCO sobre a conservação da Ilha de Moçambique
documentam sucessos e falhas na valorização deste património marcado com o código N.
599 na lista do património mundial. Estes relatórios periódicos documentam que a gestão do
programa para a recuperação não ocorreu duma forma linear.18 Para a UNESCO e os
apoiantes deste monumento não foi fácil de ser ouvidos pelos doadores e aos
administradores locais tem sido difícil de obter os fundos necessários para a manutenção das
restaurações concluídas. No entanto, após as primeiras medidas de restauro da fortaleza, por
algum tempo, a comunidade tem sido capaz de se beneficiar de recursos primários
adicionais como água e, mais estavelmente, tem beneficiado de recursos espirituais ou
econômicos como o turismo e os eventos culturais.
Concluídas em 2009, as obras no topo da hierarquia fixadas no programa geral foram para a
reabilitação das praças altas e dos terraços de todos os ambientes. Com estes trabalhos,
foram atingidos dois objectivos importantes: a redução da degradação das estruturas de
modo a que sejam protegidas de forma eficaz pelas chuvas intensas, reduzindo o fenómeno
da desintegração das paredes por causa dos sais solúveis; e, por outro lado, a reabilitação do
sistema de coleta e armazenamento da água da chuva para uso doméstico.
Um dos maiores desafios que o património reabilitado da Ilha implica é o peso económico e
a capacidade técnica para manter ao longo do tempo as funções e a integridade das
arquiteturas antigas pelos seus proprietários. No caso da fortaleza, observou-se que não
existe uma comensurabilidade entre os recursos económicos do governo e os custos para
uma manutenção adequada. Nem, do ponto de vista das técnicas, parece suficiente a criação
dum manual de manutenção simplificado, claramente mais adequado para promover a
manutenção de simples casas, mas impróprio para trabalhos a manutenção complexa da
fortaleza.
Este assunto da manutenção, sem dúvida muito difícil de tratar, parece ser subvalorizado em
comparação com a importância que é dada pelas instituições a outros temas, tais como
arqueologia, história, organização social e turismo. Historicamente e arqueologicamente, o
valor patrimonial duma arquitetura antiga é expresso pela sua singularidade de documento
da história, mas do ponto de vista arquitectónico, é dado pelas suas qualidades
arquitectónicas únicas. Se for decidido manter como valor patrimonial as qualidades formais
e estruturais de uma dada arquitetura antiga devem adotar-se meios adequados para esse
efeito. O caminho para a adopção de metodologias adequadas para a manutenção de
edifícios histórico, e consequentemente da fortaleza até agora parcialmente reabilitada, tem
sido tentado nos últimos anos com a formação de especialidades locais na antiga Escola de
Artes e Ofícios da Ilha de Moçambique, mas o caminho a percorrer não é fácil, dada a
descontinuidade do financiamento dos doadores.

18
Island of Mozambique. State of conservation reports, in; http://whc.unesco.org/en/list/599/documents/
Figura 5 – Pesquisa temática preliminar para testar a hipótese de utilizar as salas da fortaleza de São
Sebastião para atividades universitárias (fonte: M. Berti 2016)
Além de intervenções específicas, tais como a monitorização contínua de fraquezas
históricas como na base do promontório da capela de Nossa Senhora da Conceição ou na
protecção das cortinas da penetração das águas, um programa de conservação parece a
melhor maneira de obter das práticas de manutenção um efeito benéfico de longa duração
num monumento de tão grande dimensão.
Esta ideia não é uma novidade porque, como já foi dito, existe um programa a longo prazo e
é um bom programa. A reabilitação da fortaleza Ilha de Moçambique não deve responder a
uma política cultural que visa restaurações emblemáticas ou espetaculares, pois está
condicionada, na forma e no momento da aplicação, pelos critérios pelos quais ela, com a
Ilha de Moçambique e o seu contexto da costa, foi inscrita em 1991 na Lista do Património
Mundial da UNESCO.

References
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