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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar as recentes reflexões teóricas acerca da tipologia arquitetônica
adotada no projeto do Forte de São Francisco Xavier da Barra, conhecido também como Forte de Piratininga. O
estudo aprofunda o tema de nossas pesquisas sobre a atuação dos agentes modeladores atuantes na América
Portuguesa, notadamente os engenheiros militares, com ênfase na capitania do Espírito Santo. Assim, os estudos têm
uma importante contribuição, pois, a partir do aprofundamento das pesquisas sobre a tratadística militar será
possível avaliar a excepcionalidade da tipologia do único forte ainda existente no Espírito Santo. Serão investigados
os princípios teóricos da Engenharia Militar, utilizados na elaboração do projeto do Forte São Francisco Xavier da
Barra (c. Século XVII), e as possíveis influências dos projetos do Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, ou do
Bugio (c. Século XVI, Oieiras, Portugal); Forte de Nossa Senhora das Mêrces, em Belém, Brasil (Século XVII); do
Forte de São Marcelo, ou de Nossa Senhora do Pópulo, em Salvador, Bahia, Brasil (Século XVII). A historiografia
atribui o projeto do Forte do Bugio, elaborado em 1590, ao engenheiro militar e arquiteto italiano frei Giovanni
Vicenzo Casale, que adotou a forma circular em sua planta. O Forte de Piratininga foi um dos principais elementos
defensivos da capitania do Espírito Santo, tendo sua construção se iniciado ainda no Século XVI, como uma
pequena bateria edificada em taipa. Sua construção em formato circular teria começado no Século XVII, e seu
projeto poderia ter sofrido influência maior dos fortes do Bugio e de São Marcelo. No Século XVIII foi reformado
várias vezes. No Século XX foi reformulado e abriga ainda hoje funções associadas às atividades do 380 Batalhão de
Infantaria do Exército Brasileiro e configura-se como um bem cultural relevante para a história da Engenharia
Militar no Brasil.
ABSTRACT
The present article aims to present the recent theoretical reflections about the architectural typology adopted in the
Fort Francisco de Xavier da Barra project, also known as Forte de Piratininga. The study explores the theme of our
research on the role of modeling agents in Portuguese America, especially military engineers, with an emphasis on
the Espírito Santo captaincy. Thus, the studies have an important contribution, since, from the deepening of the
researches on the military tratadística, it will be possible to evaluate the exceptionality of the typology of the only
strong one still existing in the Holy Spirit. The theoretical principles of Military Engineering used in the elaboration
of the São Francisco Xavier da Barra Fort (17th century) project will be investigated, as well as the possible
influences of the projects of the Fort of São Lourenço da Cabeça Seca or Bugio (c. XVI, Oieiras, Portugal); Fort of
Nossa Senhora das Mêrces, in Belém, Brazil (17th century); the Fort of São Marcelo, or Our Lady of Pópulo, in
Salvador, Bahia, Brazil (17th century). Historiography attributes the project of the Forte do Bugio, elaborated in
1590, to the military engineer and Italian architect frei Giovanni Vicenzo Casale, who adopted the circular form in
his plant. The Piratininga Fort was one of the main defensive elements of the Espírito Santo captaincy, and its
construction began in the 16th century as a small battery built in mud. Its construction in a circular format would
have begun in Century XVII, and its project could have undergone greater influence of the forts of Bugio and São
Marcelo. In the 18th century it was renovated several times. In the twentieth century was redesigned and still houses
functions associated with the activities of the 380th Infantry Battalion of the Brazilian Army and is configured as a
cultural asset relevant to the history of Military Engineering in Brazil.
Keywords: military engineering; architectural typology; military constructions; fortification; treaties.
1
A pesquisa que integra as atividades do Estudo Programado será realizada durante Licença Capacitação
(setembro/novembro) neste ano de 2019. A pesquisa será supervisionada pelo Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira
(FAUFBa). Para a elaboração destes estudos estão previstas atividades a serem realizadas em cidades do Brasil
(Salvador) e de Portugal (Lisboa). Trata-se de um aprofundamento dos estudos sobre a atuação da Engenharia
Militar no Espirito Santo, tema que já abordamos em diferentes pesquisas deste 2005.
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[…] uma vez aprovados pelos superiores hierárquicos, orientavam o trabalho dos
mestres dos mais variados ofícios, fundamentando a arrematação de cada uma das
partes da obra e permitindo supervisionar-lhes o andamento. Ao mesmo tempo, estas
folhas de papel atreladas a ofícios manuscritos permitiam alinhavar conversas de longa
de distância, num império de proporções planetárias cuja gestão emanava de Lisboa
(Bueno, 2011b, p.2).
Durante os dois primeiros séculos de colonização a Coroa Portuguesa dependeu da contratação de
engenheiros estrangeiros, com ênfase nos profissionais italianos. Somente a partir do século XVIII
Portugal conquistará relativa autonomia, pois, os referenciais teóricos ainda eram oriundos de fora. Foi
durante a União das Coroas Ibéricas, e depois deste período, que iniciou-se uma “[…] política progressiva
de implantação de ‘Aulas Régias’ ou ‘Academias Militares’ tanto no reino como nas conquistas
ultramarinas para formar quadros técnicos nacionais” (Bueno, 2011b, p.4). A tradução e o ensino em
língua vernácula aos membros da estrutura do exército permitiu que novos profissionais fossem formados
dentro de Portugal e, posteriormente, na América Portuguesa. O sargento-mor José Antônio Caldas,
natural de Salvador, formou-se na Academia Militar soteropolitana. Atuou como professor e foi um dos
principais engenheiros militares da Bahia. Caldas foi enviado para a Capitania do Espírito Santo, em
1767, onde levantou a planta e perspectiva da Vila da Vitória, além do território onde a vila estava
implantada.
Foi no durante o Século XVIII que os engenheiros militares portugueses atuaram de forma mais
contundente na Capitania do Espírito Santo. Em 1726, o Conde de Sabugosa envia o engenheiro militar
Nicolau de Abreu para fortificar a vila, que se transformou em “[...] verdadeira praça de guerra” (Derenzi,
1995, p.73). Em um percurso de pouco mais de um quilômetro foram erguidos cinco bastiões artilhados.
A Vila da Vitória, em 1726, sob a supervisão do engenheiro Nicolau de Abreu, transforma-se, então, em
área militarizada, importante ponto de defesa da costa marítima sul. Em 1776 o engenheiro militar José
Antônio Caldas foi designado para rever o sistema defensivo da capitania, notadamente, das duas
principais vilas, a Vila da Vitória e a Vila Velha (Caldas, 1951).
Durante o período de atuação do tenente-coronel Nicolau de Abreu e do sargento-mor José Antônio
Caldas o Forte de São Francisco Xavier da Barra sofreu intervenções. Conjecturamos em nossa pesquisa
se os investimentos na criação de Aulas Régias ou Academias Militares na Colônia e, a influência de
matrizes teóricas de fora de Portugal, conforme demonstrou Bueno (2011a, 2011b) em suas pesquisas,
teriam influenciado a elaboração do projeto do Forte de São Francisco Xavier da Barra, com tipologia
semelhante a do Forte de São Marcelo, localizado em Salvador, Bahia; e a do Forte de Nossa Senhora das
Mêrces, em Belém, ambos construídos no Século XVII. Oliveira (2008) afirma que o Forte de São
Marcelo teve referências do projeto do Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, ou do Bugio (c. Século
XVI, Oieiras, Portugal), que teria sido elaborado em 1590, pelo engenheiro militar e arquiteto italiano frei
Giovanni Vicenzo Casale, que adotou a forma circular em sua planta, conforme abordaremos adiante.
Neste sentido, considerando a circulação de ideias e conhecimentos científicos durante o Renascimento,
que deram origem a tratadística da Engenharia Militar, assim como, a formação de uma corpo técnico em
Portugal e, posteriormente, na América Portuguesa, conjecturamos se o projeto do Forte de São Francisco
Xavier da Barra teve influência da mesma matriz teórica do forte de São Marcelo (c.1623) e,
possivelmente, do Forte de Nossa Senhora das Mêrces2 (c.1686).
Nossa pesquisa fundamenta-se, portanto, na abordagem teórica da formação dos engenheiros militares e
seu campo de atuação, notadamente nos projetos e obras de sistemas de fortificações. No âmbito
metodológico aprofundaremos as pesquisas nas fontes primárias para que possamos relacionar os eventos
históricos com o contexto cientifico que os agentes modeladores – engenheiros militares - atuaram.
2
No que tange a esta fortificação, não se pode afirmar, no momento, sua influência no projeto do Forte de
Piratininga, tendo em vista que a data de sua construção é cerca de 1686. A historiografia pesquisada até agora sobre
o Forte de Piratininga indica que sua construção pode ter se dado no final no Século XVII. Assim sendo, as duas
fortificações podem ser contemporâneas.
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Desta forma, ao formularmos novas questões sobre as concepções que nortearam a elaboração do projeto
do Forte de São Francisco Xavier da Barra propomos novas abordagens ao tema e ao objeto de estudo da
pesquisa. Um aprofundamento no estudo das matrizes teóricas que orientaram a definição da tipologia
arquitetônica adotada no projeto da fortificação espírito-santense tem relação direta, conjectura-se, com
os conceitos e conteúdos científicos das Aulas Militares e da tratadística da Engenharia Militar, seja em
Portugal, seja na Colônia. Tais conceitos somados a atuação dos engenheiros militares nos projetos e
obras para a Capitania Espírito Santo auxilia-nos a formular hipóteses e encontrar possíveis respostas para
identificar o autor do projeto e as matrizes teóricas que o orientaram.
3
Os autores apresentam as seguintes obras para atribuir a autoria do projeto a Casale:
Eugenio Battisti e Mazzino Fossi, “Casali (Casale), Giovanni Vincenzo”, Dizionário Biográfico degli Italiani, vol.
21, Roma, Istituto della Enciclopedia Italiana, 1978, pp. 90-92.
Fernando de Pamplona, “Cazali (João Vicente)”, Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses ou que
trabalharam em Portugal, vol. I, Lisboa, [s.n.], 1954, p. 209.
Joaquim Manuel Ferreira Borça e Maria de Fátima Rombouts de Barros, O Forte e Farol do Bugio. São Lourenço
da Cabeça Seca, Lisboa, Fundação Marquês de Pombal, 2004, pp. 45-64.
L. A. Maggiorotti, “Architetti militari italiani in Portogallo”, Relazioni storiche fra l’Italia e il Portogallo, Roma,
Reale Accademia d’Italia, 1940, p. 425.
Orietta Lanzarini, “Il codice cinquecentesco di Giovanni Vincenzo Casale e i suoi autori”, Annali di architettura, n.º
10-11, 1998-99, pp. 183-202.
Paulo Varela Gomes, “«Se eu cá tivera vindo antes...». Mármores italianos e barroco português”, Artis, n.º 2, 2003,
p. 189.
Rafael Moreira, “As máquinas fantásticas de Leonardo Turriano: a tecnologia do Renascimento na barra do
Tejo”, Nossa Senhora dos Mártires: a última viagem, Lisboa, Pavilhão de Portugal – Expo 98, 1998, p. 52.
4
Vilhena (2017), se baseia na obra de Boiça, J. M., & Barros, M. d., O Forte e o Farol do Bugio. São Lourenço da
Cabeça Seca. Publicado pela Fundação Marques de Pombal, em 2004.
5
Bueno (2011a), se baseia na obra de Alícia Camara, Fortificación y Ciudad en los Reinos de Felipe II, publicada
em 1998.
6
Vilhena (2017), afirma que em 1580, Felipe Terzi teria elaborado um planta para o Forte do Bugio, que na ocasião
já era engenheiro-mor de Portugal. Segundo o autor, “Ergue-se na ponta do areal virada a nascente um forte de
madeira que tinha por função defender o estreito canal da Trafaria. Porém não chegou a cumprir a sua função,
tendo sido nula a sua participação nas acções que se desencadearam para deter a progressão do invasor
castelhano, tanto por terra como por mar” (Vilhena, 2017, p. 5).
7
As informações foram obtidas no sitio do Los Ingenieros del Rey (17 De Abril De 1711, Antigüedad Del Arma De
Ingenieros), que data de 2014. Para a elaboração do texto foram citadas as seguintes fontes:
Estudio histórico del Cuerpo de Ingenieros del Ejército. Edición facsímil de la Inspección de Ingenieros. Madrid,
1987. Tomo II, páginas 3-9.
Juan Carrillo de Albornoz. Historia del Arma. Imprenta de la Academia de Ingenieros. Hoyo de Manzanares, 2002.
Pág. 12-17.
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entre Spanochi e Casale. Vilhena (2017), conforme observa-se na citação anterior, afirma que fatores
diversos atrasaram a obra e levaram a questionamento sobre o planejamento da obra, e não do projeto.
Segundo Bueno (2011a), o projeto da fortificação da Ilha da Cabeça Seca tem uma importância na prática
da Engenharia Militar do período, pois, “[...] os tratados de Arquitetura Militar [...] mesclavam teoria e
prática e, ao contrário do que se poderia supor, muitas vezes a segunda condicionava a primeira” (p.86).
Antes da decisão final do projeto foram efetuados disparos de canhão para se verificar de onde vinham os
ataques inimigos, visando eliminar possíveis pontos cegos. Podemos conjecturar, portanto, que durante a
obra do Forte do Bugio o projeto foi sofrendo ajustes, prática que demonstra que experiência e teoria
eram adotadas nas soluções empregados pelos portugueses em suas obras de defesa.
No que tange a influência do projeto do Forte do Bugio na América Portuguesa, salientamos que, segundo
Silva Nigra (1945), é atribuído a Tibúrcio Spannochi a autoria do projeto do Forte de São Marcelo, em
Salvador. O autor ressalta que Spannochi atuava à distância, e que o projeto teria sido feito sem o
engenheiro militar conhecer o sítio, pois, não há registro de nenhuma visita ao Brasil. O autor cita a carta
de D. Diogo de Menezes, datada de 22 de abril de 1609, para confirmar a autoria do projeto. No
documento há referência a uma planta que teria sido elaborada por Spanoqui, para uma fortaleza sobre
uma laje. O projeto não teria sido executado, pois, estava em desacordo com o sítio. O Engenheiro-mor
do Brasil, Francisco de Frias da Mesquita foi incumbido, também, de elaborar nova planta, c. 1622, para o
Forte da Laje (Silva Nigra, 1945). Oliveira (2008) afirma que muitos historiadores confundiram o Forte
da Laje com o Forte de São Marcelo, e que este teria sido construído em meados do Século XVII.
Conforme demonstrou Bueno (2011a), em sua vasta pesquisa, no período da União Ibérica, entre 1580 e
1640, houve um grande investimento da Espanha na formação de engenheiros militares e, em virtude
disto, uma importante atuação destes nos territórios de Ultramar. No que tange ao território da América
Portuguesa é possível constatar que os engenheiros militares que atuavam no local, agiam tanto à
distância, como no local, e mantinham contato com outros profissionais dos reinos de Portugal e Espanha,
agora unidos sob o governo de um só rei. Ressalta-se, ainda, que neste período houve um intercâmbio
com os teóricos e com engenheiros militares italianos.
Rossa (2000, p.16), afirma que em meados dos quinhentos, os obstáculos enfrentados nos processos de
conquistas e explorações em Além-mar, foram importantes elementos catalisadores da “[...] formulação
de uma estratégia e da militarização do sistema”. Nesta estratégia se originou a comunhão de uma práxis,
“[...] na qual o múnus da rotina era a adaptabilidade às conjunturas” (p.16), importante momento que a
Coroa Portuguesa se abriu às influências formais da Europa: “[...] a arquitetura reformada e o urbanismo
dos tratados (as cidades ideais) eram então observados em Portugal com uma interpretação/filtro
próprio” (p.16) (grifo nosso). Em 1680, deu-se a publicação do Methodo Lusitanico, tratado de autoria de
Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do Reino. Em 1728 tem-se a publicação do O Engenheiro
Portuguez, de autoria de Azevedo Fortes. A publicação desses tratados sinaliza a adaptabilidade dos
novos conceitos técnico-científicos do Renascimento com a práxis de sistemas de defesa desenvolvidos e
utilizados anteriormente pelos portugueses. Os tratados elaborados pelos engenheiros militares
portugueses passam, então, a orientar os projetos e obras na Metrópole e em Além-mar.
Retomando a questão das datas de elaboração dos projetos, ao compará-las, vemos que Casale, que era
italiano, estava atuando a partir de 1589 no Forte do Bugio. Tibúrcio Spannochi teria atuado no forte de
São Marcelo em 1609, conforme Silva Nigra (1945). Ou seja, há um intervalo muito pequeno de tempo
entre os projetos do Forte do Bugio e o de São Marcelo. Provavelmente, utilizavam-se os mesmos
princípios da tratadística italiana8 para a elaboração dos projetos. Ainda que Spannochi não tenha
participado do projeto, é quase certo que ele não foi elaborado na Colônia, pois,
8
Foram difundidos pelos principais centros da Europa teorias e desenhos criados pelos arquitetos e artistas
renascentistas, muitos destes italianos, através de cópias manuscritas, que continham desenhos de cidades, muitas
vezes abordando com ênfase as questões de defesa, tema em voga à época. Destacam-se os tratados de Leone
Battista Alberti (1404-1472), o De Re Aedificatoria, publicado em 1485; de António Filarete (1404-1472), o
Trattato d’ Architettura, escrito entre 1457 e 1464, só publicado no século XIX, e em parte, sendo divulgado
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Luiz Monteiro da Costa atribui as plantas do Forte de São Marcelo ao Engenheiro
Militar de origem francesa Pedro Garcim (ou Garim), que viveu algum tempo em
Salvador, no século XVII. Já Carlos Ott, outro estudioso da história da cidade, é menos
enfático, preferindo atribuir com segurança a esse engenheiro somente a execução
inicial da construção, o que se considera mais judicioso (Oliveira, 2008, p 115).
Com essa assertiva o autor (Oliveira, 2008, p.116), pondera acerca da autoria do projeto e afirma que o
“[...] fato de um engenheiro ter iniciado a obra não quer dizer, necessariamente, que seja autor do seu
projeto. No caso do Forte de São Marcelo, é mais provável que as ‘traças tenham vindo do Reino”.
Oliveira (2008, p. 117), afirma que o Forte de São Marcelo teria tido como referência o Forte de São
Lourenço da Cabeça Seca, cujos desenhos, segundo seus estudos, são de 1646, mas, cuja construção teria
se iniciado no final do Século XVI. Segundo o autor, o desenho do Forte do Bugio é anterior a Carta
Régia que autoriza o Conde Castelo Melhor a construção do forte em Salvador, que afirma ser datada de
1650. Logo, é bastante provável que o projeto do Forte do Bugio tenha influenciado o projeto do Forte de
São Marcelo.
Nossa hipótese, conforme abordado, fundamenta-se, na circulação de informações e conteúdos
científicos. Alguns conteúdos – formulado a partir das matrizes teóricas renascentistas – estavam contidos
em mapas, projetos, relatórios e documentos sobre cidades, fortes, e vilas. Estas informações e conteúdos
circulavam entre a Metrópole e a Colônia, interligando e articulando, conforme afirma Bueno (2009),
mundos distantes, permitindo a gestão dos territórios de Além-mar. A partir desta práxis Oliveira (2004,
p.209), e Silva Nigra (1945), conjecturaram, conforme citado acima, que o projeto do Forte de São
Marcelo não teria sido desenvolvido na Colônia, onde já se tinha a experiência da construção do Forte de
São Lourenço, ou do Bugio, onde atuou o padre Engenheiro João Vicente Casale. Esta práxis pode nos
ajudar a elucidar, senão a autoria do projeto de São Francisco Xavier da Barra, mas sua matriz projetual.
As situações e fatos, estudados até o momento, que envolvem a atuação dos engenheiros militares durante
a União Ibérica no projeto do Forte do Bugio e de São Marcelo, nos permite afirmar que houve uma troca
de conteúdos científicos entre os autores do projeto. A tipologia arquitetônica adotada por Casale no Forte
do Bugio, considerada por ele mais inexpugnável, foi adotada também no Forte de São Marcelo, sob o
mesmo argumento.
O formato circular adotado na planta dos fortes, pouco usual na América Portuguesa, conforme afirma
Oliveira (2008, p.115), não era muito comum, porém, não chega ser inusitado, e cita outro exemplar, o
Forte de Nossa Senhora das Mêrces, em Belém, construído no Século XVII, pelo engenheiro militar José
Velho de Azevedo.
Cabe ressaltar que o Forte de Nossa Senhora das Mêrces, em Belém, localizava, segundo Barreto (1958),
em ilhota de pedra na Baia do Guajará. Ou seja, em condições semelhante ao Forte do Bugio e do Forte
de São Marcelo.
Assim, pode-se afirmar que para a América Portuguesa, durante o Século XVII, foram projetados dois
fortes com formato circular, ambos tendo como referência projetual o Forte de São Lourenço da Cabeça
Seca. Não podemos afirmar, por hora, que foram elaborados na Colônia.
9
Segundo Vilhena (2017, p.5), Holanda teria sido o primeiro a refletir na possibilidade do fogo cruzado no projeto
do Forte de São Julião da Barra. Uma fortaleza poderia ser construída no imenso areal próximo, pouco a frente, a
Cabeça Seca. Logo, Holanda pensou na possibilidade desta fortificação e teve “[...] a ideia de fortificá-lo” – no caso,
o Forte da Barra – “[...] de modo a tornar possível o cruzamento de fogo sobre os canais de navegação a partir da
acção combinada de duas fortalezas encaradas”.
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Mesquita, português, o segundo ou terceiro (c.1616-1635). No período filipino foram produzidos centenas
de desenhos de arquitetura por italianos que atuaram em Portugal (Bueno, 2011a).
Moreau (2011), afirma, baseado nos estudos de Rafael Moreira, que
Não há dúvida de que a idéia do forte de planta circular em Salvador, no meio do mar,
teve origem na concepção do Forte do Bugio, ou São Lourenço da Cabeça Seca, que
desde o fim do século XVI se construía na barra do Tejo em Portugal, também apoiado
em uma coroa. Do mesmo modo, o trabalho de engenharia não foi simples: as
dificuldades encontradas na construção do forte do Bugio é que podem ter levado a
sucessivos adiamentos no início das obras do São Marcelo (que também demorou,
mesmo assim, mais de meio século para ser concluído) (Moreau, 2011, p.187).
Sobre a matriz projetual do projeto da Cabeça Seca há referências da adoção dos princípios da “[...]
tradição italiana (a começar por Vitrúvio), a forma circular do Forte do Bugio teria se inspirado no
Castelo Sant’ Angelo, em Roma” (Moreau, 2011, p.189). Baseado nos estudos de Rafael Moreira10,
Moreau afirma que,
Spanoqui, ao que parece, foi quem criou o partido de uso da tipologia do forte redondo
para ser assentada em rochas no meio do mar, que seria repetido sem grandes variações
até o século XVIII [...]. Faria assim também na barra de Viana do Castelo e, nas
palavras de Rafael Moreira, daria os desenhos para o Castelo do Mar no Recife e o
Forte do Mar em São Salvador da Baía (Moreau, 2011, p.189).
No que tange a tipologia arquitetônica do Forte de São Marcelo, seu anel externo não é perfeitamente
redondo (de cerca de 160 m de diâmetro). O anel interno (de cerca de 70 m de diâmetro), é perfeitamente
circular), e, segundo Moreau (2017, p.190) “[...] é comparável à muralha externa do Forte do Bugio
(diâmetro de 62 m por 6 de altura, com alambor)”. A experiência do projeto e das dificuldades da obra do
forte de São Lourenço da Cabeça Seca teriam auxiliado nas soluções técnicas do Forte de São Marcelo. O
projeto, em especial, com partido circular, segundo o autor teria sido elaborado na Metrópole e, seria de
autoria de Spanoqhi, como “[...] parte do plano de defesa discutido por ele, Turriano e Frias de Mesquita”
(Moreau, 2017, p.191).
Considerando que, para a defesa de Salvador, capital à época, foi elaborado um projeto à distância,
conjecturamos, portanto, que o mesmo teria se dado para a Capitania do Espírito Santo, especificamente,
para o Forte de Pirantinga.
Segundo Bueno (2011b), houve depois da União Iberica um número crescente de engenheiros militares
enviados ao Brasil. Entre 1580 e 1640, teriam sido enviados 10 profissionais; entre 1640-1656, no reinado
de D. João IV, 7 profissionais; entre 1656-1667, no reinado de D. Afonso IV, 2 profissionais; e, entre
1667-1706, no reinado de D. Pedro II, 19 profissionais, perfazendo um total de 38 profissionais. Como
vimos Leonardo Turriano, e Baccio da Filicaia e, Francisco de Frias da Mesquita foram engenheiros-mor
do Reino e do Brasil, respectivamente, no período da União Ibérica, e estiveram a frente dos projetos para
Salvador.
Logo, é possível conjecturar que os fortes de partido circular construídos no Brasil no Século XVII
tiveram como matriz projetual o Forte do Bugio, considerando que os engenheiros militares que atuaram
nos projetos e obras da fortaleza de Lisboa mantinham contato entre si e atuaram, também,
principalmente, nos projetos de defesa para Salvador, em destaque, o Forte de São Marcelo.
Nesse contexto, devemos ressaltar a atuação da Engenharia Militar na Capitania do Espírito Santo.
Segundo as pesquisas de Beatriz Picolotto Siqueira Bueno aturaram no local, Diogo de Campos Moreno,
português, no Século XVII; Nicolau Abreu de Carvalho, português, Século XVIII; Padre Diogo Soares,
10
Rafael Moreira, segundo Moreau (2011, p.189-190) “[...] também cita uma interessante polêmica entre Spanoqui
e Leonardo Turriano, que em meio à grande erudição, evidencia ser do primeiro a autoria do projeto para o Forte do
Bugio (e eventualmente da idéia do São Marcelo). Spanoqui defendia para a construção militar a ‘superioridade da
forma circular sobre a oval’, enquanto Turriano elogiava a oval”.
11
Baseamo-nos na referência de medidas adotadas por Mendonça (2009), sendo um palmo cerca de 20 cm.
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3. CONCLUSÃO
Conforme demonstrado pelos estudos recentes sobre a tipologia arquitetônica do Forte do Bugio, de São
Marcelo, e consequentemente, do Forte de São Francisco Xavier da Barra, observa-se a relação do partido
arquitetônico com a tratadística renascentista. Constatamos, ainda, neste primeiro momento de nossos
estudos, que os engenheiros militares que atuaram no Forte do Bugio e no Forte de São Marcelo atuavam
conjuntamente.
Considerando que a base de conhecimentos científicos eram as mesmas, ou seja, os tratados
renascentistas, notadamente a produção italiana, temos como a principal matriz projetual o Castelo de
Sant’Angelo, em Roma, que teria influenciado a tipologia arquitetônica do Forte do Bugio.
Seguindo a tradição clássica pode-se remontar a importância do tratado de Vitrúvio e a sua menção as
formas circulares. Esses temas foram reapropriados pelos teóricos italianos e sabe-se que a forma circular
influenciou também o projeto de cidades ideias no Renascimento.
Sabendo que havia a circulação de conteúdos e profissionais, e que Portugal e Espanha investiram na
formação de um corpo técnico nacional é possível, então, afirmar que o intercâmbio entre esses
profissionais aperfeiçoou os conhecimentos que os lusitanos tinham da prática de construir.
Tais considerações indicam alguns rumos sobre a tipologia do Forte de Piratininga. Em primeiro lugar, é
possível afirmar que o engenheiro que elaborou o seu projeto, no Século XVII, o fez na Metrópole, tendo
este sido enviado a Colônia. A tipologia adotada certamente teve influência na larga experiência adquirida
na construção dos fortes do Bugio e de São Marcelo.
Tal hipótese pode ser formulada, considerando que, no Século XVII e XVIII há um grande investimento
para a defesa da região das minas gerais. Conforme informações históricas, obtidas de fontes primárias, o
Espirito Santo assume uma função importante para a defesa da porção sul do território da América
Portuguesa.
Logo, justifica-se o investimento realizado em novos projetos para a região, assim como, na reforma e
melhoria do seus sistema defensivo. Este investimento inclui o envio de oficiais militares para atuarem
em diagnósticos, levantamentos e planos para o local onde estavam implantadas a duas vilas, na entrada e
adentro da Baía de Vitória.
Logo, conclui-se que o Forte de São Francisco Xavier da Barra é um expoente exemplar da Engenharia
Militar portuguesa no Brasil. O aprofundamento de nossos estudos trará nova luz às questões referentes a
atuação dos engenheiros militares no Espírito Santo e, também, a relação da produção destes profissionais
nos Séculos XVII e XVIII com os conhecimentos científicos do Renascimento.