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Ausência de ações preventivas e corretivas em Patrimônios

Arquitetônicos e consequente processo de arruinamento:


um estudo de caso.
Jussara Gabriel Cruz Terra – jussaragcruz@gmail.com
Auditoria, Avaliações e Perícias em Engenharia
Instituto de Pós-Graduação - IPOG
Vitória, ES, 11 de abril de 2021

Resumo
Ao estudar a temática de patrimônio histórico e arquitetônico, além de considerar a
importância de preservar um legado, tem-se em voga a questão afetiva, de
identidade com o espaço, essa identidade é formada à medida que o passado
interage com o presente, sendo ícones repositórios da memória, transmitindo
conhecimento, ideia desenvolvida pelo Grupo de Trabalho Patrimônio Histórico e
Arquitetônico. Para Braga (2004) a cada nova geração é posto em pauta a questão
patrimonial, até que aceita-se, reconhece-se ou não sua importância, no seguinte
pensamento: “Cada época e cada sociedade buscam e renegam seu passado de
acordo com a sua visão daquele momento”.
Considerando a importância histórica e arquitetônica de bens tombados, será
apresentada a relevância de se fazer manutenção preventiva e corretiva em edifícios
com valor histórico, cultural e arquitetônico. Para nortear esse estudo, foi
selecionado o Trapiche da Barra do Itapemirim (ruínas), situado no município de
Marataízes, ES. Como exemplo, serão mostrados dois exemplos de intervenções de
cunho de consolidação e estabilização de ruínas arquitetônicas, feitas no Santuário
do Caraça (MG) e Parque das Ruínas (RJ) com objetivo de ilustrar o resultado final
desse tipo de intervenção.

Palavras-chave: Patrimônio Arquitetônico. Manifestações Patológicas. Mapeamento


de Danos. Ruínas Patrimoniais.

1. Introdução
Para Choay (2001) apud Cruz (2013), em 1837 quando foi criada a Primeira
Comissão dos Monumentos Históricos, na França, havia três categorias de
monumentos, que eram divididos da seguinte forma: os remanescentes da
Antiguidade, os edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos. Já com o fim
da Segunda Guerra Mundial, 1945, o número de monumentos duplicara, apesar de a
natureza ter permanecido a mesma. Com o passar do tempo, todas as formas de
construir, quer fossem eruditas ou populares, urbanas ou rurais, todas as categorias
de edifícios públicos ou privados foram inseridas em grupos de interesse,
denominados arquitetura menor1, arquitetura vernacular2, arquitetura industrial das
usinas, das estações e dos altos fornos. Assim, preservar não significa parar o
edifício no tempo, isolando-o das transformações da sociedade. Sobre isso Choay
(2001) defende que a arquitetura e os espaços não devem ser enquadrados num
ideal de conservação inflexível, devendo ser altamente dinâmicos. Questão bastante
1
Para CHOAY (2001), esse termo é proveniente da Itália e designa as construções privadas não
monumentais, em geral edificadas sem a cooperação de arquitetos.
2
Termo inglês para distinguir os edifícios marcadamente locais.
pertinente ao se tratar de edifício histórico, pois deve-se inserir novos usos, às vezes
novos elementos para possibilitar sua a utilização, em função de legislação,
acessibilidade, e todas as intervenções devem ser minunciosamente estudadas e
especuladas a fim de garantir a integridade, a manutenção das características
principais e a estabilidade do bem. Ainda segundo Choay (2001:18), o monumento
arquitetônico é:
A natureza afetiva do seu propósito é essencial: não se trata de apresentar,
de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória
viva. [...] A especifidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo
de atuação sobre a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela
mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar
como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa
forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e
selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta,
contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica
ou religiosa, nacional, tribal ou familiar. [...] O monumento assegura, acalma,
tranquiliza, conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das
origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos. Choay
(2001:18)

Choay apresenta de forma clara a importância que o patrimônio tem para a cidade –
devendo ter função, utilidade para a sociedade - e o seu significado para a memória
afetiva da comunidade, garantindo a preservação das origens. É necessário ainda
entender a questão de ruínas patrimoniais, a importância da consolidação dos
remanescentes do que já foi uma edificação no passado e sua relação com a
história, já que o objeto principal desse estudo são as ruínas remanescentes do
Trapiche da Barra, que se localiza em Marataízes-ES, e juntamente com a Igreja
Nossa Senhora dos Navegantes (1771) e o Palácio das Águias são ícones de
desenvolvimento do Sul do Estado do Espírito Santo, importantes marcos do final do
século XIX.

O foco desse artigo é abordar a importância da manutenção predial em edifícios


históricos e a utilização do Mapeamento de Danos para registrar e identificar as
manifestações patológicas existentes, a fim de que a história seja preservada para a
sociedade e futuras gerações. Sobre manutenção, Castro (2007) apud Villanueva
(2015), registrou que “Infelizmente, essa prática ainda não é muito difundida no
Brasil, ou seja, quando se fala em imóveis, poucos são os usuários que realizam a
manutenção preventiva tão adequadamente quanto o fazem para outros bens, como
automóveis, equipamentos eletrônicos etc.” Esse tema é ainda mais delicado
quando no contexto de bens tombados pois ainda há muitos mitos e estigmas sobre
o assunto.

No decorrer desse trabalho será apresentado mapeamento de danos e registros


fotográficos feitos por Cruz (2013) que serão comparados com fotos recentes das
Ruínas. Com objetivo de analisar o processo de deterioração do patrimônio e o
avanço das patologias que ocasionam a continuação do arruinamento do bem. O
estudo das patologias construtivas juntamente com o atual estado da edificação tem
como objetivo registrar a evolução das patologias e reforçar a importância de ações
de estabilização das ruínas, para evitar a perda desse importante ícone da História
Capixaba.
2. Trapiche da Barra: da construção ao arruinamento
O Trapiche representou um importante papel no desenvolvimento do Estado do
Espírito Santo, como é possível observar na linha do tempo da Figura 1, para
Carvalho e Gaigher (1987) apud Cruz (2013) os marcos do início da colonização da
Vila de Itapemirim foram as construções do porto (atual Trapiche) e do Palácio das
Águias, antiga residência de Juca Soares.

Figura 1 – Principais marcos da consolidação do território de Itapemirim.


Informações da PMM, CEC e Carvalho e Gaigher (1987). Fonte: Cruz (2013).

O Trapiche, Có (2001) apud Cruz (2013), foi construído pelo proprietário da época, o
Barão de Itapemirim (primeiro dono), entre os anos 1860 e 1883. A partir daí, foi
vendido e passou por mudanças de uso. Em 1885 passou a ser sede da alfândega,
servindo de local de armazenamento e embargue/desembarque de mercadorias.
Passou a ser conhecido como Porto Oceânico, que possuia localização estratégica,
pois além de servir de depósito, fornecia ligação entre Vitória e Rio de Janeiro (pelo
litoral) e com o interior do Espírito Santo (pela estrada de Ferro Itapemirim: ligação
com Rio Novo e Usina Paineiras3).

3
Abriga a Usina Paineiras, que segundo a Prefeitura Municipal de Itapemirim, foi criada no
governo de Jerônimo Monteiro (1908-1912), efetivando o contrato feito no governo de Moniz
Freire (1892-1896) que estabelecia um engenho central em Itapemirim, destinada a ampliar e
modernizar a produção de açúcar – substituindo os velhos engenhos.
Figura 2- Vista do conjunto formado pelo Trapiche (em primeiro plano) e Residência de Juca
Soares, atual Palácio das Águias (ao fundo da imagem).
Observar composição arquitetônica, estilo neoclássico, presença de simetria e ritmo nas
fachadas,[191-]. Fonte: IPHAN, ES (19--) apud CÓ (2001).

Figura 3- Fachada lateral oeste, Trapiche do Soares.


Volumetria completa, com o bloco mais alto e, o cais aos fundos, [191-]. Fonte: IPHAN, ES (19--)
apud CÓ (2001).
Entre 1910-1920, com abertura de nova rodovia, que permitia ligação entre
Cachoeiro de Itapemirim e Rio de Janeiro e Vitória, assim a Estrada de ferro fora
extinta e se iniciou o fortalecimento do transporte ferroviário, que deixou o município
de Marataízes isolado, fazendo com o que o Porto caísse gradativamente em
desuso. Dessa forma, com a decadência do porto, o Trapiche entrou em desuso,
dando início ao processo de deterioração. A falta de manutenção, exposição às
intempéries foram, aos poucos deixando em suas paredes, revestimentos e
esquadrias as marcas do tempo e do descaso. Até que na década de 80 um
incêndio abalou o edifício, destruindo o assoalho de madeira e o telhado em telhas
marselhas, segundo Girelli (1988) apud Có (2001).
Figura 4- Fachada (Sul) frontal do Trapiche do Soares - [198-].
Observar volumetria completa: telhado em quatro águas, fachada com alvenaria completa,
esquadrias em madeira. Fonte: CEC processo 13387340:20.

Com o incêndio da década de 1980, muito se perdeu do edifício, a começar pela


fachada principal, que diminuiu aproximadamente 7,00m. Dos seis vãos (arcos
romanos) originais (conforme figuras 4), restaram apenas três, como pode-se
observar na figura 5.

Figura 5 - Comparativo entre a composição original da fachada e a mesma em 2013.


Fonte: Figura Fachada composição original: CEC, 198- e fachada de 2013: Cruz (2013).

No final da década de 80 só haviam duas paredes e um conjunto de arcos que


sobreviveram ao incêndio. Todo o restante do edifício se perdera: piso, assoalho,
esquadrias, laje, cobertura. Com a ausência de ações e intervenções técnicas, o
remanescente do ícone ficara à mercê do tempo, do processo de deteriorização
natural dos materiais construtivos e da ação de vandalismo, como sinais de descaso
com a história.

Em 1998, o tombamento do Trapiche foi aprovado, a nível estadual conforme seu


registro no CEC - Inscrição no Livro do Tombo Histórico, nº 184, às folhas 30v e 31 4
4
Espírito Santo (Estado). Secretaria de Estado da Cultura. Conselho Estadual de Cultura.
Arquitetura/Secretaria de Estado da Cultura. – Vitória – SECULT. Patrimônio Cultural do Espírito
Santo, 2009.
(Secult ES). Porém o tombamento por si só não garante a preservação do mesmo,
são necessárias ações de manutenção, correção e estabilização, além de
destinação de algum uso, pois como disse Pianca (2017):

“considera-se o uso, na preservação de um edifício histórico, de extrema


importância para conservação do mesmo. Muitas obras arquitetônicas
antigas devem sua vitalidade ao fato de continuar tendo uma função para
atender a sociedade ao longo de sua história, uma característica que
mantém sua integridade, pois muitas obras que perderam sua função ao
longo dos anos foram reaproveitadas para abrigar novos usos, por
conseguinte não foram demolidas ou destruídas, mas sim ajustadas ao novo
momento. [...] As ruínas são um testemunho, pois um dia tiveram papéis
importantes e em certo momento ficaram ociosas, perdendo suas principais
funções, e logo após, por consequência, sofreram processos de decadência
física, e em contrapartida, se tornaram ruínas; exemplos de arquiteturas não
mais restauráveis”quanto mais ocioso estiver, mais vulnerável estará ao
descuido”. (PIANCA, 2017:16)

Desde então, o processo de arruinamento se acelerou, conforme Rodrigues (2018),


sendo a antítese dos propósitos finais da preservação, que tem como objetivo
impedir a degradação do bem, que tem valores culturais ou arquitetônicos atribuidos.
Já segundo o historiador Jacques Le Goff (2010) apud Rodrigues (2018):

[...] as ruínas são elementos que testemunham a sobrevivência do


que existiu - das quais se extraem informações sobre a composição anterior
do objeto - mas também testemunham as causas da destruição e do que
pode ser esquecido. Os intrínsecos atributos de incompletude e
desarticulação do estado de ruína potencializam um pujante campo
evocativo conforme destacado por Walter Benjamin: “As alegorias são, no
campo do pensamento, o que as ruínas são no campo das coisas”
(BENJAMIN apud BARBANERA; CAPODIFERRO, 2015:11).”

Muito pode-se pensar sobre a qualidade dos resquícios da edificação existente e


dessa forma, questionar se vale a pena tomar medidas para estabilizar o processo
de arruinamento, consolidando assim as ruínas existentes. E sobre isso, a resposta
é positiva no quesito de que o Trapiche é um importante símbolo do sul do Estado. A
comunidade pesqueira que vive em seu entorno tem uma relação de memória e
identidade com essa edificação e o conjunto que ela compõe. Sem tocar no tópico
de embelezamento, valorização do passado e atração turística, típicos dessa região.
A respeito de ruínas arquitetônicas e sua relevância para a sociedade é possível
considerar:
[…] o anseio nostálgico do passado também é sempre uma saudade de
outro lugar. A nostalgia pode ser uma utopia às avessas. No desejo
nostálgico, a temporalidade e a espacialidade estão necessariamente
ligadas. A ruína arquitetônica é um exemplo da combinação indissolúvel de
desejos espaciais e temporais que desencadeiam a nostalgia. No corpo da
ruína, o passado está presente nos resíduos, mas ao mesmo tempo não
está mais acessível, o que faz da ruína um desencadeante especialmente
poderoso da nostalgia. […] Essa obsessão contemporânea pelas ruínas
esconde a saudade de uma era anterior, que ainda não havia perdido o
poder de imaginar outros futuros” (HUYSSEN, 2014:.91 apud BAETA e
NERY, 2017)
As Ruínas do Trapiche não são um caso isolado e, portanto ações de estabilização
e consolidação das Ruínas não é algo novo no âmbito das intervenções.
Logicamente não se trata de restauro tampouco reconstrução do que um dia fora.
Como exemplos de intervenções feitas, pode-se observar as ações feitas no
Santuário do Caraça - MG, que também sobreviveu a um incêndio e suas ruínas
foram estabilizadas; estabilização e definição de novo uso no Parque das Ruínas,
RJ.

Figura 6 – Santuário do Caraça, MG. Fonte: acervo da autora (2012).

Figura 7 – Parque das Ruínas, RJ. Fonte: FARIA (2016).

2. Manifestações Patológicas e Mapeamento de Danos nas Ruínas


Para entendimento das manifestações patológicas nas ruínas, torna-se necessário a
identificação do sistema construtivo no qual o Trapiche foi construído, em 1860.
Trata-se de um sistema misto, composto de pedra e tijolos cerâmicos, típicas
técnicas coloniais (COLIN, 2010).

Dessa forma, após observação in loco e conforme fotografias abaixo, pontua-se que
o pavimento térreo, apresenta vestígios de paredes feitas em pedra (Figura 9)
enquanto nas paredes referentes ao pavimento superior, predomina a utilização de
tijolos cerâmicos no sistema de meia vez, conforme na figura 8.

F
igura 8 – Imagens dos sistemas construtivos utilizados no Trapiche. À esquerda, muro de pedra e, a
direita, parede de tijolo cerâmico, identificada com número 1, como alvenaria de meia vez. Fonte:
COLIN (2010).

Figura 9 – Imagens do interior das Ruínas, em que é possível observar o misto sistema
construtivo. Sendo o pavimento térreo, em pedras e o pavimento superior, em tijolos cerâmicos.
Fonte: acervo da autora (2021).

Apresentada a relevância das Ruínas do Trapiche, seu sistema construtivo e a


necessidade de ações de consolidação, nesse momento serão analisadas as
manifestações patológicas encontradas nas Ruínas e suas possíveis origens. Porém
primeiramente, torna-se necessário conceituar essa nomenclatura.

Segundo Nazário e Zancan (2011) apud Andrade (2013), Patologias origina-se do


grego, com a junção de duas palavras: “páthos = doença”, e “logos= estudo”,
podendo ser definido como “Estudo da doença”. Na construção civil pode-se atribuir
patologia aos estudos dos danos ocorridos em edificações. A patologia se resume
ao estudo da identificação das causas e dos efeitos dos problemas encontrados em
uma edificação, elaborando seu diagnóstico e correção. Considera-se um
comparativo entre saúde humana e integridade física da edificação considerando os
dois como um mecanismo “vivo” conforme a explicação a seguir:
[...] da mesma forma que um ser vivo, a “saúde” das edificações
dependia não só de cuidados durante a sua “gestação” (fase de projeto),
mas também durante seu “crescimento” (fase de construção) e deveriam
permanecer durante o “resto da vida” (fase de manutenção), sob pena de
adquirir “doenças” (manifestações patológicas), que podem ser detectados
através da “medicina diagnóstica”. À medida que “envelhecem” (fase de
degradação), elas podem passar por enfermidades (processo lento e
contínuo de deteriorização). (GRANDISKI, 2011:131 e 132).

Do ponto de vista das patologias das construções, é possível dizer que o processo
de deteriorização do Trapiche se iniciou quando o mesmo deixou de possuir uso e
função, pois a partir desse momento as ações de manutenção preventiva foram
ignoradas. As causas e origens das manifestações patológicas são variadas e, com
base nos estudos de GRANDISKI (2011), é possível afirmar que as patologias
construtivas presentes nas Ruínas do Trapiche são de:

“origem endógena: causas com origem em fatores inerentes à própria


edificação, e que podem ser subdivididos em [...] II.4 – deterioração natural
de partes da edificação pelo esgotamento de sua vida útil” (GRANDISKI,
2011:131 e 132).

Ao visitar as Ruínas do Trapiche foi possível fazer anotações e estudos sobre as


condições dos elementos sobreviventes às ações do tempo, descuido, vandalismo
etc. Com base no BRE – BUILDING RESEARCH ABLISHMENT apud GRANDISKI
(2011), existe uma série de aspectos que o perito deve observar no momento de
consulta e vistoria dentre esses, os que apresentam relação com a realidade e
contexto das Ruínas do Trapiche são:
“a) incidência, configuração (que pode indicar cisalhamento se for em forma
de escamações), comprimento, abertura (se é constante ou com
estreitamento em uma dada direção), profundidade e localização da trinca;
b) idade aproximada da construção, idade aproximada da trinca e existência
de reparos anteriores” [...] g) se na região de ocorrência da trinca aparecem
outras manifestações patológicas como umidade anormal causada por
condensação ou penetração de água para o interior do edifício,
deslocamentos, manchas de bolor, eflorescências ou manchas de ferrugem
[...] i) se o edifício está sendo corretamente utilizado (mudança de uso,
sobrecarga, etc)” (GRANDISKI, 2011:138 e 139).

Considerando a conduta que deve ser adotada pelo perito, segundo GRANDISKI
(2011), o perito faz vistorias, analisa a documentação e registros da edificação e
obtem um diagnóstico que pode ser o início de prognóstico da evolução da
patologia. Ele pode considerar razões subjetivas e objetivas e mentalizar cenários de
evolução das patologias e estabelecer hierarquias nas alternativas de intervenção.

Para acompanhar, analisar e identificar as manifestações patologicas em edifícios


de interesse arquitetônico e histórico, é utilizado o recurso de Mapeamento de
Danos, que segundo BARTHEL e PESTANA (2009) 5 consiste em representações
gráficas de danos físicos existentes no bem e busca conhecer o estado de
conservação para fundamentar postura de intervenção que deverá ser adotada. A
metodologia investigativa e representação dos danos estão avançando
gradualmente, a medida que as experiências práticas avançam juntamente com
novas tecnologias.
Bibliograficamente existem poucas publicações a respeito do mapeamento de
danos, que vem sendo elaborado gradativamente, com a colaboração e divulgação
de profissionais. Ainda segundo BARTHEL e PESTANA (2009), a recomendação de
registrar diagnóstico de danos foi citada pela primeira vez na Carta de Atenas de
1931, da seguinte forma:
...os especialistas aconselham unanimemente, antes de toda
consolidação ou restauração parcial, análise escrupulosa das moléstias que
os afetam, reconhecendo, de fato, que cada caso constitui um caso
especial. (BARTHEL e PESTANA, 2009).

Conforme GRANDISKI (2011), deve-se considerar que nem sempre a alternativa


ideal de intervenção poderá ser adotada, isso por diversas razões: natureza técnica
(indisponiblidade de equipamentos adequados), razões econômicas (falta de verba,
relação custo/benefício insatisfatória), dentre outras.

Da mesma forma que o laudo de engenharia, o Mapa de Danos tem sua validade de
acordo com o dia em que ele é feito, pois as condições da estrutura e demais
elementos do patrimônio pondem mudar de acordo com novas ocorrências; com o
passar do tempo e com incidência de intempéries. Assim ocorreu com as Ruínas do
Trapiche, que teve Mapeamento de Danos feito por CRUZ (2013) e meses após os
registros, ele sofreu várias alterações (degradação) e perda de importantes partes.
Foi feito um croqui da implantação das Ruínas para facilitar o entendimento do
tratamento e mapeamento de danos, conforme identificado pela Figura 6, onde é
possível visualizar a localização das Fachadas Sul, Leste; Parede com Arcos e
Arcadas Centrais.

5
Congresso Iberoamericano e VIII Jornada “Técnicas de Restauração e Conservação de
Patrimônio”, 2009.
Figura 10 – Implantação das Ruínas do Trapiche e identificação da Fachada que desmoronou
em 2019 bem como identificação dos elementos restantes. Imagem feita pela autora.

Figura 11 – Visada em que a presença da Fachada Sul ainda era presente. Fonte: CRUZ (2013).
Observar a riqueza de detalhes e dos elementos arquitetônicos que acrescentava à região.

As duas abaixo, figuras 8 e 9, são do mesmo ângulo, com diferença de 8 (oito) anos
entre elas. Assim, a ausência de ações preventivas e, principalmente de
estabilização da estrutura, somadas a exposições contínuas às intempéries e ações
da natureza ocasionou no desmoronamento dos resquícios da parede frontal das
Ruínas. Dessa forma, atualmente resta apenas a Fachada Leste e o jogo de arcos
no interior da área de Ruínas.
Figura 12 - Mapeamento de danos Fachada Sul: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).

Figura 13 - Mapeamento de danos Vista 02: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).
Figura 14 – Vista frontal (Sul) atual. Após desmoronamento da fachada Sul. Fonte: acervo da autora
(2021).

Assim, ao observar o mapeamento de danos, é possível dizer que a causa provável


do desmoronamento da parede da Fachada Sul foi o agravamento e
aprofundamento das fissuras, bem como falta de travamento (estabilização) dessa
parede. Ao considerar o sistema construtivo dos anos de 1860, ano em que foi
construído, é possível dizer que as paredes são autoportantes, dessa forma, com a
perda gradativa das demais paredes, toda a estrutura ficou comprometida
Ao analisar a Fachada Leste, é possível observar que os agentes biológicos
continuam presentes, bem como a perda de revestimento externo. Porém com o
desmoronamento da Fachada Sul, a Leste não possui nenhum travamento, estando
atualmente -2021- mais suscetível a desmoronamento do que estava há 8 anos.
Figura 15 - Mapeamento de danos Fachada Leste: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).

Figura 16 - Mapeamento de danos Vista 01: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).
Figura 17 – Vista 01 após desmoronamento da Fachada Sul. Fonte: acervo da autora (2021).

Nas figuras 13, 14 e 15 é possível observar a beleza, riqueza de detalhes, identificar


os sistemas e técnicas construtivas da época em que fora construído. As ações mais
urgentes para preservar o que ainda resta das ruínas, são referentes a estabilização
e consolidação.

Figura 18 –Arcos da Ruína do Trapiche. As arcadas foram construídas no sistema de pedra,


típico do período colonial brasileiro. Fonte: acervo da autora (2021).
Figura 19 – Parede com arco. Fonte: acervo da autora (2021).

Conclusão
Após estudo do tema, é possível afirmar que a engenharia diagnóstica tem
perspectiva de crescimento no amplo mercado brasileiro, uma vez que foi possível
perceber que a prática de manutenção preventiva em bens imóveis é pouco
difundida no Brasil. As perícias devem ser feitas para manter registro das condições
dos imóveis e para que seja possível identificar formas, meios e técnicas para
preservar e evitar o arruinamento dos imóveis, sejam pelas ações humanas ou
intempéries.

O mapeamento de danos objetiva identificar as manifestações patológicas e é um


importante instrumento para o perito avaliador e para o arquiteto restaurador. Com
ele é possível registrar as patologias e, no caso do Trapiche, documentar seus
avanços. Com esse instrumento, também é possível estudar e apontar os possíveis
diagnósticos e meios para sanar as manifestações, servindo de alerta para a urgente
necessidade de consolidação e estabilização das Ruínas.

Como apresentado nos exemplos do Parque das Ruínas e do Santuário do Caraça,


que assim como o Trapiche, passaram por processos de degradação, descaso e
ações do tempo, é possível intervir de forma que a arquitetura e a história sejam
preservadas sem reconstrução e sem restauração, mas com intuito de preservar o
que restou de original do edifício. Assim, como feito nos remanescentes desses dois
edifícios, símbolos da intervenção em Patrimônio Arquitetônico brasileiro, foi definido
novos usos para eles, bem como inserção de novos elementos necessários e dessa
forma esses marcos das histórias locais (Rio de Janeiro e Minas Gerais,
respectivamente) foram preservados.

Ao retornar os olhos para o Trapiche da Barra, vê-se que o processo de


arruinamento de uma edificação que teve tanta relevância no desenvolvimento do
Espírito Santo e que possui importante papel de identidade, memória, histórica e
arquitetônica mostra o descaso e desleixo com o passado e falta de preocupação
com o legado para as futuras gerações.

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