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Resumo
Ao estudar a temática de patrimônio histórico e arquitetônico, além de considerar a
importância de preservar um legado, tem-se em voga a questão afetiva, de
identidade com o espaço, essa identidade é formada à medida que o passado
interage com o presente, sendo ícones repositórios da memória, transmitindo
conhecimento, ideia desenvolvida pelo Grupo de Trabalho Patrimônio Histórico e
Arquitetônico. Para Braga (2004) a cada nova geração é posto em pauta a questão
patrimonial, até que aceita-se, reconhece-se ou não sua importância, no seguinte
pensamento: “Cada época e cada sociedade buscam e renegam seu passado de
acordo com a sua visão daquele momento”.
Considerando a importância histórica e arquitetônica de bens tombados, será
apresentada a relevância de se fazer manutenção preventiva e corretiva em edifícios
com valor histórico, cultural e arquitetônico. Para nortear esse estudo, foi
selecionado o Trapiche da Barra do Itapemirim (ruínas), situado no município de
Marataízes, ES. Como exemplo, serão mostrados dois exemplos de intervenções de
cunho de consolidação e estabilização de ruínas arquitetônicas, feitas no Santuário
do Caraça (MG) e Parque das Ruínas (RJ) com objetivo de ilustrar o resultado final
desse tipo de intervenção.
1. Introdução
Para Choay (2001) apud Cruz (2013), em 1837 quando foi criada a Primeira
Comissão dos Monumentos Históricos, na França, havia três categorias de
monumentos, que eram divididos da seguinte forma: os remanescentes da
Antiguidade, os edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos. Já com o fim
da Segunda Guerra Mundial, 1945, o número de monumentos duplicara, apesar de a
natureza ter permanecido a mesma. Com o passar do tempo, todas as formas de
construir, quer fossem eruditas ou populares, urbanas ou rurais, todas as categorias
de edifícios públicos ou privados foram inseridas em grupos de interesse,
denominados arquitetura menor1, arquitetura vernacular2, arquitetura industrial das
usinas, das estações e dos altos fornos. Assim, preservar não significa parar o
edifício no tempo, isolando-o das transformações da sociedade. Sobre isso Choay
(2001) defende que a arquitetura e os espaços não devem ser enquadrados num
ideal de conservação inflexível, devendo ser altamente dinâmicos. Questão bastante
1
Para CHOAY (2001), esse termo é proveniente da Itália e designa as construções privadas não
monumentais, em geral edificadas sem a cooperação de arquitetos.
2
Termo inglês para distinguir os edifícios marcadamente locais.
pertinente ao se tratar de edifício histórico, pois deve-se inserir novos usos, às vezes
novos elementos para possibilitar sua a utilização, em função de legislação,
acessibilidade, e todas as intervenções devem ser minunciosamente estudadas e
especuladas a fim de garantir a integridade, a manutenção das características
principais e a estabilidade do bem. Ainda segundo Choay (2001:18), o monumento
arquitetônico é:
A natureza afetiva do seu propósito é essencial: não se trata de apresentar,
de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória
viva. [...] A especifidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo
de atuação sobre a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela
mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar
como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa
forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e
selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta,
contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica
ou religiosa, nacional, tribal ou familiar. [...] O monumento assegura, acalma,
tranquiliza, conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das
origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos. Choay
(2001:18)
Choay apresenta de forma clara a importância que o patrimônio tem para a cidade –
devendo ter função, utilidade para a sociedade - e o seu significado para a memória
afetiva da comunidade, garantindo a preservação das origens. É necessário ainda
entender a questão de ruínas patrimoniais, a importância da consolidação dos
remanescentes do que já foi uma edificação no passado e sua relação com a
história, já que o objeto principal desse estudo são as ruínas remanescentes do
Trapiche da Barra, que se localiza em Marataízes-ES, e juntamente com a Igreja
Nossa Senhora dos Navegantes (1771) e o Palácio das Águias são ícones de
desenvolvimento do Sul do Estado do Espírito Santo, importantes marcos do final do
século XIX.
O Trapiche, Có (2001) apud Cruz (2013), foi construído pelo proprietário da época, o
Barão de Itapemirim (primeiro dono), entre os anos 1860 e 1883. A partir daí, foi
vendido e passou por mudanças de uso. Em 1885 passou a ser sede da alfândega,
servindo de local de armazenamento e embargue/desembarque de mercadorias.
Passou a ser conhecido como Porto Oceânico, que possuia localização estratégica,
pois além de servir de depósito, fornecia ligação entre Vitória e Rio de Janeiro (pelo
litoral) e com o interior do Espírito Santo (pela estrada de Ferro Itapemirim: ligação
com Rio Novo e Usina Paineiras3).
3
Abriga a Usina Paineiras, que segundo a Prefeitura Municipal de Itapemirim, foi criada no
governo de Jerônimo Monteiro (1908-1912), efetivando o contrato feito no governo de Moniz
Freire (1892-1896) que estabelecia um engenho central em Itapemirim, destinada a ampliar e
modernizar a produção de açúcar – substituindo os velhos engenhos.
Figura 2- Vista do conjunto formado pelo Trapiche (em primeiro plano) e Residência de Juca
Soares, atual Palácio das Águias (ao fundo da imagem).
Observar composição arquitetônica, estilo neoclássico, presença de simetria e ritmo nas
fachadas,[191-]. Fonte: IPHAN, ES (19--) apud CÓ (2001).
Dessa forma, após observação in loco e conforme fotografias abaixo, pontua-se que
o pavimento térreo, apresenta vestígios de paredes feitas em pedra (Figura 9)
enquanto nas paredes referentes ao pavimento superior, predomina a utilização de
tijolos cerâmicos no sistema de meia vez, conforme na figura 8.
F
igura 8 – Imagens dos sistemas construtivos utilizados no Trapiche. À esquerda, muro de pedra e, a
direita, parede de tijolo cerâmico, identificada com número 1, como alvenaria de meia vez. Fonte:
COLIN (2010).
Figura 9 – Imagens do interior das Ruínas, em que é possível observar o misto sistema
construtivo. Sendo o pavimento térreo, em pedras e o pavimento superior, em tijolos cerâmicos.
Fonte: acervo da autora (2021).
Do ponto de vista das patologias das construções, é possível dizer que o processo
de deteriorização do Trapiche se iniciou quando o mesmo deixou de possuir uso e
função, pois a partir desse momento as ações de manutenção preventiva foram
ignoradas. As causas e origens das manifestações patológicas são variadas e, com
base nos estudos de GRANDISKI (2011), é possível afirmar que as patologias
construtivas presentes nas Ruínas do Trapiche são de:
Considerando a conduta que deve ser adotada pelo perito, segundo GRANDISKI
(2011), o perito faz vistorias, analisa a documentação e registros da edificação e
obtem um diagnóstico que pode ser o início de prognóstico da evolução da
patologia. Ele pode considerar razões subjetivas e objetivas e mentalizar cenários de
evolução das patologias e estabelecer hierarquias nas alternativas de intervenção.
Da mesma forma que o laudo de engenharia, o Mapa de Danos tem sua validade de
acordo com o dia em que ele é feito, pois as condições da estrutura e demais
elementos do patrimônio pondem mudar de acordo com novas ocorrências; com o
passar do tempo e com incidência de intempéries. Assim ocorreu com as Ruínas do
Trapiche, que teve Mapeamento de Danos feito por CRUZ (2013) e meses após os
registros, ele sofreu várias alterações (degradação) e perda de importantes partes.
Foi feito um croqui da implantação das Ruínas para facilitar o entendimento do
tratamento e mapeamento de danos, conforme identificado pela Figura 6, onde é
possível visualizar a localização das Fachadas Sul, Leste; Parede com Arcos e
Arcadas Centrais.
5
Congresso Iberoamericano e VIII Jornada “Técnicas de Restauração e Conservação de
Patrimônio”, 2009.
Figura 10 – Implantação das Ruínas do Trapiche e identificação da Fachada que desmoronou
em 2019 bem como identificação dos elementos restantes. Imagem feita pela autora.
Figura 11 – Visada em que a presença da Fachada Sul ainda era presente. Fonte: CRUZ (2013).
Observar a riqueza de detalhes e dos elementos arquitetônicos que acrescentava à região.
As duas abaixo, figuras 8 e 9, são do mesmo ângulo, com diferença de 8 (oito) anos
entre elas. Assim, a ausência de ações preventivas e, principalmente de
estabilização da estrutura, somadas a exposições contínuas às intempéries e ações
da natureza ocasionou no desmoronamento dos resquícios da parede frontal das
Ruínas. Dessa forma, atualmente resta apenas a Fachada Leste e o jogo de arcos
no interior da área de Ruínas.
Figura 12 - Mapeamento de danos Fachada Sul: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).
Figura 13 - Mapeamento de danos Vista 02: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).
Figura 14 – Vista frontal (Sul) atual. Após desmoronamento da fachada Sul. Fonte: acervo da autora
(2021).
Figura 16 - Mapeamento de danos Vista 01: Trapiche da Barra. Fonte: Cruz (2013).
Figura 17 – Vista 01 após desmoronamento da Fachada Sul. Fonte: acervo da autora (2021).
Conclusão
Após estudo do tema, é possível afirmar que a engenharia diagnóstica tem
perspectiva de crescimento no amplo mercado brasileiro, uma vez que foi possível
perceber que a prática de manutenção preventiva em bens imóveis é pouco
difundida no Brasil. As perícias devem ser feitas para manter registro das condições
dos imóveis e para que seja possível identificar formas, meios e técnicas para
preservar e evitar o arruinamento dos imóveis, sejam pelas ações humanas ou
intempéries.
Referências
CUNHA, Claudia dos Reis e. Alois Riegl e o culto moderno dos monumentos.
Vitruvius, 2006. Disponível em: <
https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/05.054/3138 >. 02 de abril de
2021.