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EIXO TEMÁTICO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A

PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO


URBANISMO
URBANIZAÇÃO, CAMINHOS E ICONOGRAFIA: Recortes e
processos mineiros

NASCIMENTO, ADRIANA (1); CIONI, ISABELA F. (2); PEREIRA, M. CRISTINA A.


(3); SILVA, PAULO J. C. (4); RIBEIRO, SUZANA H. C. (5)

1. UFSJ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas (DAUAP), Programa


Interdepartamental de Mestrado Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade (PIPAUS)
Prédio REUNI, Sala 3.01RE - Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02)
Colônia do Bengo - CEP 36.301-360 - São João del-Rei, MG
adrianan@ufsj.edu.br

2. UFSJ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas (DAUAP)


Prédio REUNI, Sala 3.01RE - Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02)
Colônia do Bengo - CEP 36.301-360 - São João del-Rei, MG
isabela.cioni@gmail.com

3. UFSJ. Programa Interdepartamental de Mestrado Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e


Sustentabilidade (PIPAUS)
Prédio REUNI, Sala 3.01RE - Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02)
Colônia do Bengo - CEP 36.301-360 - São João del-Rei, MG
mcristinaalvespereira@msn.com

4. UFSJ. Programa Interdepartamental de Mestrado Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e


Sustentabilidade (PIPAUS)
Prédio REUNI, Sala 3.01RE - Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02)
Colônia do Bengo - CEP 36.301-360 - São João del-Rei, MG
paulinhojarbas@gmail.com

5. UFSJ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas (DAUAP)


Prédio REUNI, Sala 3.01RE - Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02)
Colônia do Bengo - CEP 36.301-360 - São João del-Rei, MG
suzanahe0@aluno.ufsj.edu.br

RESUMO
Esse texto articula investigações e debates do Grupo de Pesquisa A.T.A. da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ) sobre os processos históricos de urbanização no Brasil, com recorte em
Minas Gerais e foco no que se define como espaços públicos, via estudos imagéticos e iconográficos.
Entendendo que a urbanização chega ao Brasil com a colonização, o que se busca enfatizar com
este artigo são alguns levantamentos realizados por diferentes projetos de pesquisa que têm pontos
de convergência e interconexão na relação com os caminhos e as narrativas, ao longo do tempo,
sobre municípios da região centro-sul do estado de Minas Gerais. Têm-se num primeiro momento a
verificação dos trajetos históricos delimitados e mapeados no recorte espaço-temporal da Comarca

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do Rio das Mortes (1714-1891), em seguida analisamos as mudanças ocorridas tanto nos trajetos,
quanto nas delimitações geográficas e político-territoriais meso e microrregionais até meados de
1950. A partir do levantamento iconográfico, de mapas, desenhos, pinturas e registros fotográficos,
são observadas diferentes camadas de informações que dialogam com o processo histórico regional,
sinalizando o desvelar das transformações socioespaciais nos municípios dessa região centro-sul
mineira. Ao se delimitar o recorte de municípios específicos dentro da área primariamente definida
pela Comarca do Rio das Mortes, são percebidas permanências e transitoriedades nas centralidades
e relevâncias políticas-espaciais, que revelam as transformações ambientais-paisagísticas,
arquitetônico-urbanísticas, sócio-culturais e econômicas. Este artigo apresenta parte do processo de
intersecção de investigações em curso e permite contribuir com informações que ampliam
conhecimentos regionais e sobre os acervos disponíveis, no sentido de recriar histórias e narrativas
críticas, também na compreensão de valiosos inventários iconográficos e imagéticos sobre esta
região, além de discutir criticamente a conservação, o patrimônio e práticas consideradas
sustentáveis.
Palavras-chave: urbanização; historiografia crítica; iconografia; transformações sócio-espaciais;
Minas Gerais.

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Introdução
Notre héritage n’est precede d’aucum testament
Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento
ARENDT, 2019, p.28

Arendt (2019) traduz o passado como tradição, porém o recebemos como “herança sem
testamento”. A importância de analisarmos criticamente a história, a origem das fontes dos
diversos registros e pontos de vista, mais inclusivos, incluindo os povos originários e as
diásporas, nos serve para que possamos ter consciência dos processos e vislumbrarmos
futuros que evitem reproduzir lógicas imperialistas, colonialistas racistas, machistas e
patriarcais.

É na interconexão, troca de saberes e diálogos entre os projetos desenvolvidos pelo grupo


de pesquisa A.T.A. da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) que as pesquisas
têm sido orientadas, potencializando articulações por meio de referências que subsidiam as
investigações e parcerias ao longo do processo dos estudos desenvolvidos pelos
pesquisadores, alunos de graduação, pós-graduação e demais interlocutores.

Nessa perspectiva, vem sendo construída a investigação em torno da relação entre o


processo de urbanização, os caminhos primevos de ocupação territorial e suas mudanças
ao longo do tempo. Estudamos também os deslocamentos espaço-temporais relacionados
com as centralidades (HARVEY, 2013) e transformações socioespaciais da região centro-sul
de Minas Gerais, refletindo as camadas históricas do período colonial até a virada do século
XX.

A pesquisa, com base em imagens (PEREIRA; NASCIMENTO, 2020) e cartografias


levantadas sobre os caminhos que articulam as cidades ao longo do tempo, na delimitação
da Comarca do Rio das Mortes, evidencia elementos que conversam entre si e com o
processo histórico regional, sinalizando um desvelar das transformações socioespaciais -
mudanças nas delimitações político-geográficas, reorientação dos caminhos em função de
interesses produtivos e exploratórios, o papel das centralidades - nas cidades da região
estudada.

Os estudos imagéticos e iconográficos surgem, portanto, como possibilidade de investigar e


produzir camadas de informações que colaboram e desvendam parte dos processos da
ocupação portuguesa no território de Minas Gerais.

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Busca-se, ainda, compreender a apropriação dos trajetos e territórios indígenas pelos
processos de colonização, ao longo dos séculos, incluídos os de urbanização. Entende-se
que a tomada de conhecimento sobre os caminhos indígenas é que, em alguma medida,
possibilitou a entrada dos invasores pelo continente sul-americano.

É este processo de inventariação que tem permitido a produção de novas leituras,


mapeamentos e registros sobre a ocupação do território, gerando informações decisivas
sobre a exploração de bens naturais e invasão de terras, a dizimação de tribos indígenas
por todo o percurso de entrada para o interior do Brasil.

Cabe ressaltar que são as interferências socioculturais advindas da apropriação e


exploração do território que contribuem para o que se entende como urbano e urbanização,
mesmo na atualidade.

As narrativas históricas trazem o processo de urbanização como fenômeno positivista e


movimento cartesiano, aliado aos paradigmas promissores de desenvolvimento. Por outro
lado, Prous (2006) apresenta esse mesmo fenômeno como processo de colonização
sistemática.

Observamos também as mudanças que acontecem nos procedimentos de registro e


documentação dos processos de mapeamento. Se até o século XIX o protagonismo era da
imagem pictórica, é neste mesmo século que a fotografia passa a disputá-lo. É a partir da
mudança paradigmática entre representação pictórica e registro fotográfico que o trabalho
também se apoia.

Ao longo do estudo nos deparamos ainda com desafios impostos pela COVID-19 e pela
conservação de acervos, documentação e memória regional em torno da ocupação do
território, mesmo com avanços significativos na digitalização de materiais disponibilizados
em plataformas e arquivos pelo Brasil.

A partir do levantamento imagético e iconográfico (cartografias, desenhos e registros


fotográficos) observamos camadas de informações que colaboram para entender as
transformações paisagísticas, urbanísticas, arquitetônicas, econômicas e de costumes.
Enfatiza-se aqui o contraponto entre o que se define e se ilustra como processo de
povoamento e urbanização do colonizador, em contraposição ao olhar do colonizado
(MEMMI, 2007).

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Apresentamos aqui parte do processo de intersecção de investigações em curso,
contribuindo com informações que ampliam conhecimentos regionais e sobre os acervos
disponíveis, no sentido de recriar histórias e narrativas críticas.

Camadas sobrepostas de estudo territorial: contradições e visões antagônicas

Em geral, na bibliografia acerca dos processos históricos, as presenças nativas são tratadas
de modo superficial com destaque posto frequentemente nos elementos que marcam o
processo de ocupação europeia: caminhos, capelas, paróquias, vilas, arraiais, registros,
sítios e fazendas e destacamentos de soldados.

Há nas cartografias a ênfase nos aspectos geomorfológicos e características naturais, ora


postos como referências territoriais, cursos hídricos e cadeias montanhosas (COELHO,
2013), ora como iconografia decorativa nas margens das cartografias, representando a
fauna e flora locais pelo olhar do colonizador.

São as iconografias e nomenclaturas que marcam posições nas cartografias que, ao narrar
e documentar temporalmente a ocupação do território mineiro, registram processos de
delimitação de caminhos, de urbanização e de colonização sistemática.

No início da colonização do Brasil - século XVI -, ocupou-se o litoral para assegurar o


domínio do território e, somente após dois séculos, adentrou-se o continente em busca de
pedras e metais preciosos, com informações provenientes, principalmente, de lendas
indígenas. É a busca de riquezas materiais que justifica a recompensa de investimentos da
Coroa no processo de ocupação (FONSECA, 2011).

Entre o fim do século XVII e início do século XVIII, os paulistas encontram diversos
depósitos auríferos e, mais tarde, de pedras preciosas, motivando grande fluxo migratório
para as Minas, resultando em rápidas concentrações humanas, no surgimento de uma rede
urbana no interior da colônia, deslocando o centro econômico do nordeste para o centro-sul
(FONSECA, 2011).

Estima-se que a população europeia nas áreas mineradoras tenha chegado a


aproximadamente 300 a 500 mil pessoas e que a população brasileira durante o século XVIII
tenha crescido de 300 mil para 3,25 milhões ao final do século (MONTE-MÓR, 2001; IBGE,
2000; FONSECA, 2011).

São as análises históricas que têm nos fornecido dados sobre o processo de urbanização
colonizatória no Brasil e também entendimentos sobre o que se define como espaços
públicos. O que seria espaço público em 1500 ou em 1700? Os caminhos? Todo o território?

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O traçado dos caminhos como elementos permanentes e estruturantes espaço-temporais
(ROSSI, 1995) são também, na atualidade o que resta e se configura como espaços
públicos, podendo ser compreendidos por terminologias que orientam trajetos, percursos ou
rotas. Nascimento (2020) adota conceitos como "caminho-tronco'' utilizados por alguns
pesquisadores brasileiros como Stael P. Costa (2015), trajeto matriz e trajeto de união
(CANIGGIA; MAFFEI, 1995) e mais recentemente caminho ou estrada real, sob os auspícios
do marketing cultural regional”.

Entende-se que a implantação e a formação das municipalidades - povoados, arraiais, vilas -


mineiras do período colonial está diretamente influenciada pela localização dos caminhos de
acesso à capitania, uma vez que estes povoados se formaram ao longo de diferentes rotas -
São Paulo (SP) - Minas Gerais (MG) e Rio de Janeiro (RJ) - Minas Gerais (MG)-
influenciadas pela busca e exploração de riquezas naturais.

Dentre os quatro caminhos denominados “reais” (Velho, Novo, Sabarabuçu, dos Diamantes),
apenas dois atravessam a Comarca do Rio das Mortes: 1. o Velho, implementado no século
XVII, Ouro Preto (OP) - Paraty e 2. o Novo como alternativa mais direta que conecta OP- RJ,
no sentido de evitar saques das pedras e metais preciosos e como uma rota mais rápida
(IER, 2021).

A trama de caminhos ilustra simultaneamente a interconexão interna ao território mineiro e,


externamente, em sua relação com o litoral. Nesses caminhos estruturou-se eixos de
comunicação de fluxos e trocas que tiveram um papel fundamental para o reconhecimento
minucioso do território. Havia a marcação de ritmos das paragens e pousos, assim como a
escolha de pontos de maior relevância em função de interesses exploratórios e econômicos
que acabam por definir a localização e implantação da rede e estruturas urbanas.

Monte-Mór (2001) comenta que o relevo acidentado fez com que os caminhos seguissem os
cursos de águas das grandes bacias hidrográficas e sempre evitando vales e rios de difícil
passagem, resultando em estradas “nas encostas e topos dos morros, com ampla visão dos
vales, serras e outras referências geográficas”. A ocupação se dava em “locais altos, mais
ensolarados e ventilados” devido ao clima montanhoso mineiro.

Na atualidade, a denominação e apresentação destas rotas como caminhos “reais”, colabora


com o apagamento da (pré)existência de povos pré-coloniais no território em estudo,
também como sujeitos fundamentais para o processo de ocupação e dominação territorial,
por meio de seus saberes ancestrais, conhecimentos e experiências (NASCIMENTO, 2020).

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Segundo Holanda (2018), a maioria desses caminhos eram trilhas estreitas e rudimentares,
necessitando caminhar em “fileira simples”, construídas ao longo de gerações, seja por
experimentações, seguindo trilhas de animais ou recursos naturais, mas sempre procurando
atingir “objetivos” com o menor gasto energético e esforço físico.

Holanda (2018) informa ainda que costumava-se deixar avisos para os próximos viajantes
que ali passassem, como disponibilidade de comida, pouso e alertas de perigos.

Quando não era possível utilizar algumas dessas estratégias comunicativas, os indígenas
orientavam-se pelo sol, estrelas e constelações. Há relatos de viajantes em diários e escritos
afirmando que os nativos eram capazes de desenhar os caminhos com detalhes - relevo,
afluentes de rios, presença de aldeias - para que se pudesse chegar nos locais desejados
ou então indicar a próxima aldeia na qual se poderia adquirir informações de outro trecho do
trajeto, demonstrando grande domínio territorial (HOLANDA, 2018; CINTRA, 2021).

Os caminhos só foram modificados - localização, extensão, largura - com o tempo, após


apropriação e uso pelos estrangeiros. O que podemos encontrar hoje são vestígios
(CINTRA, 2021).

Sobrepor, alargar, modificar e apagar os caminhos e os vestígios pré-coloniais, foi uma das
maneiras violentas empregadas pela Coroa para apropriar do conhecimento geomorfológico
dos povos originários e também daqueles que se consideravam colonos brasileiros, como os
paulistas, que lutaram na Guerra dos Emboabas junto com estrangeiros e indígenas contra a
exploração e opressão portuguesa, em defesa de um território livre.

Observando a cartografia histórica sobre a região encontramos etnias e localizações


denominadas como “aldeias de gentios”. De acordo com historiador Raminelli os indígenas
foram também “denominados de gentios, bárbaros, selvagens e antropófagos” (RAMINELLI,
1996, p.15).

Ressalta-se que a denominação de gentios refere-se também ao entendimento não


religioso, que não professa a religião cristã ou pagãos, o que corresponde aos
apontamentos decoloniais de Grosfoguel (2016) sobre as práticas genocidas e epistemicidas
europeias relacionadas “ao longo século XVI”.

Cintra (2021) nos lembra que, embora os indígenas possam não estar explicitamente
presentes nas cartografias históricas - salvo nas marcações das aldeias e anotações de
alertas para viajantes sobre a hostilidade ou não das tribos - eles estão presentes de alguma

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forma, seja na marcação dos caminhos, nas construções ou realizando atividades cotidianas
- como sujeitos escravizados - que faziam a manutenção do colonialismo.

Raminelli (1996, p.15) afirma que “a mão-de-obra nativa contribuiria com a expansão
marítima portuguesa” e também que, sem a força de trabalho dos povos nativos, os
colonizadores não implementariam “fortificações, vilas, engenhos e plantações”.

A terra, para o indígena, era utilizada como forma de sobrevivência - agricultura, caça e
pesca -, suas fronteiras eram móveis e imprecisas devido ao modo de vida seminômade
aliada às mudanças sazonais, organizadas e, nem sempre, para todos os membros do
grupo, numa relação de simbiose com o meio (PROUS, 2006; RESENDE et al, 2010;
CINTRA, 2021).

Já para o europeu que aqui chegava, seu entendimento era a lógica da divisão geométrica,
influência herdada de povos anteriores aos seus, com limites cada vez mais precisos e com
a urgência de denominar o proprietário de cada área (CINTRA, 2021).

Para que a Coroa pudesse administrar o território e evitar que as riquezas das Minas Gerais
fossem “usurpadas” de suas posses, implantou-se no território da colônia brasileira um
modelo de organização político-administrativa-territorial - presença forte do Estado e das
leis, fazendo com que a legislação antecedesse a fixação da população (CARVALHO, 2015).
No entanto, “a rede urbana da comarca resultou da fusão de três redes: a rede eclesial, a
rede civil e a rede judicial” (CARVALHO, 2015, p.12).

É expressivo o papel da Igreja Católica no processo de colonização portuguesa, inclusive no


assentamento de novos povoados, com a imediata construção de capelas, em torno das
quais se organizavam os arraias (MONTE-MÓR, 2001). A Igreja configura-se como uma
forte instância de poder ativo na colônia, dispondo de um relevante papel social, político,
administrativo e ideológico.

Identificamos, por meio da análise crítica do referencial iconográfico, imagético e teórico e


da interlocução entre as pesquisas participantes do grupo A.T.A., que a Coroa, para afirmar
o controle e o domínio territorial, da extração ao transporte dos minérios, adota três
estratégias de ocupação sistêmica influenciadoras da urbanização: o deslocamentos das
centralidades e as transformações socioespaciais na região mineiras.

O primeiro movimento dos portugueses a partir de 1693, nesse sentido foi a instalação da
administração colonial na região e a produção cartográfica. Em 1699/1700 a cartografia
produzida por Jacques Coclé assinala os primeiros assentamentos coloniais, aglomerados
urbanos e fazendas de gado que abastecem a região. Nessa carta surge o nome da região

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como “Minas Gerais”, dentre uma multiplicidade de nomes identificando a área - Minas dos
Cataguases, Minas do Ouro Preto, do Ribeirão do Carmo, do Rio das Mortes, do Serro Frio
(PIUZANA et al, 2011, p.130).

A cartografia nem sempre era produzida para localizar e guiar os viajantes e exploradores
do território. Algumas delas e textos produzidos no século XVII desorientam viajantes
(Holanda, 2018). Evidencia-se que a cartografia elaborada “(...) no período colonial eram
documentos sigilosos, porque correspondiam aos interesses do reino” (GOMES, 2019,
p.55), como ferramentas estratégicas.

Outra estratégia foi a mudança do “Caminho Velho” para o “Caminho Novo”. Em 1700 D.
Pedro II ordena uma expedição aos sertões das Minas de Cataguases - primeira
denominação territorial que faz alusão à nação indígena local - determinando, no mesmo
ano, a abertura do Caminho Novo (PIUZANA et al, 2011, p.130).

Qual a lógica desta mudança? O Caminho Velho partia de Paraty, e passava pelos domínios
paulistas, antes de cruzar a Serra da Mantiqueira e alcançar os domínios portugueses em
terras mineiras. Havia um antagonismo entre paulistas e a Coroa, que culminou na Guerra
dos Emboabas entre 1708 e 1709 (ROMEIRO, 2009).

Os paulistas, como primeiros desbravadores da região mineira, utilizando orientações e


caminhos indígenas, consolidaram o Caminho Velho, dominando rotas e geomorfologia
territorial. Reivindicavam maior liberdade e redução dos impostos e taxas sobre mercadorias
transportadas (ROMEIRO, 2009).

A Coroa adota outra rota, desconhecida dos paulistas e saqueadores, traçando o Caminho
Novo sobre as “Terras Incógnitas”, indo direto do RJ para OP, passando por lugares que,
atualmente, são conhecidos como Petrópolis (1843), Juiz de Fora (1850 se emancipa de
Barbacena e 1865 muda para o nome atual), Barbacena (1698 arraial, 1791 torna-se vila)
(CARNEIRO; MATOS, 2010).

Há controvérsias documentais acerca da abertura do Caminho Novo, em que aparecem


datas que remontam a 1700 (PIUZANA et al, 2011) como início do processo. É com a
expulsão dos paulistas e a consolidação do processo de abertura do Caminho Novo
(1722-1725) que as relações socioespaciais são transformadas e algumas das centralidades
adquirem uma nova configuração, sobretudo nos limites da Comarca do Rio das Mortes. A
delimitação territorial civil das Minas Gerais cria a definição das Comarcas iniciada em 1714
- Vila Rica, Rio das Mortes e Rio das Velhas, posteriormente Sabará - e, em 1720, a de
Serro Frio (CARVALHO, 2015).

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Devido a grande extensão e distribuição dispersa da população pelo território, algumas
fronteiras não eram meticulosamente definidas, apenas locais de interesses e disputas. Os
limites eram demarcados, principalmente, por elementos naturais, como cursos hídricos e
cadeias montanhosas, tidos como limites imutáveis (FONSECA, 2011; COELHO, 2013).

“No fim do período colonial, a rede urbana mineira compunha-se de centenas de arraiais, 15
vilas e uma só cidade (...)” (FONSECA, 2011, p.33). A única cidade mineira durante o
período colonial, era Mariana, elevada a essa categoria por ser a sede episcopal.

“Os limites mineiros foram se definindo de dentro da capitania para fora, ou do ‘coração
minerador’ para norte, sul, leste e oeste” (CARVALHO, 2015, p.31). As fronteiras entre as
Comarcas, internas à capitania, possuíam limites mais bem definidos, uma vez que
configuram-se como territórios de conflitos e disputas e, também, considerando a
necessidade de controle, fiscalização e taxação das riquezas extraídas e transportadas
pelos caminhos internos, rumo ao litoral do país.

As circunscrições civis (comarcas, vilas, cidades e arraiais) e as eclesiásticas (diocese,


freguesias e paróquias) que compunham a rede urbana colonial, serviam como registro e
hierarquização das povoações. Eram registrados de modo independente e, por vezes, os
limites das circunscrições se sobrepunham e eram antagônicos.

Um dos casos de sobreposição, é o do Arraial de Congonhas do Campo que se formou às


margens do ribeirão das Congonhas (atualmente, Rio Maranhão) onde se encontrava ouro
de aluvião.

Implantado em dois morros opostos, o povoado do início do século XVIII estabeleceu-se às


margens do rio que delimita as Comarcas de Rio das Mortes e Ouro Preto. Em decorrência
disto, o arraial, que não possuía autonomia jurídica e administrativa, dependia de sedes
distintas: na margem direita à Ouro Preto; na margem esquerda ao Rio das Mortes
(FONSECA, 2011).

O arraial de Congonhas do Campo encontra-se na divisa entre as Comarcas supracitadas e


no trecho de entroncamento entre o Caminho Velho e Novo, da dita Estrada Real. A
unificação das duas margens do arraial em uma municipalidade acontece, apenas, no início
do século XX.

Vasconcellos (1968), outro autor referência nos estudos mineiros, afirma que em Minas
Gerais a urbanização mineira se deu devido à mineração e, muitas vezes, sem que
necessariamente o sítio e a topografia fossem adequados ao processo de ocupação urbana.

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Se por um lado havia uma visão historicista que afirmava não haver planejamento urbano,
há estudiosos que evidenciam que os ideais portugueses de estruturação urbana, foram
trazidos à colônia mineira por meio de diretrizes (FERREIRA, 1996; CARVALHO, 2015;
VASCONCELLOS, 1968).

Apenas em fins do século XIX e início XX as ferrovias ganham protagonismo e contribuem


para a reconfiguração da rede urbana, alterando a dinâmica, aliando fluxos de mercadorias
e pessoas pelo território. A estrada, fenômeno de fins do século XIX, tem na implantação da
União Indústria importante contribuição na transformação das redes urbanas no recorte
estudado.

Outras representações, imagens e iconografias

As pesquisas documentais, imagéticas e históricas deparam-se com a produção de imagens


e iconografias elaboradas ao longo do período colonial, se estendendo pelo período
imperial, obedecendo a um propósito de estudo dos usos, ocupação e exploração do Novo
Mundo pela colonização européia. A cartografia histórica como importante recurso para
ilustração da atmosfera do novo ambiente na Europa, serve também de documento que
justifica condutas opressoras com os povos nativos.

El-far (1998) recupera o registro do interesse e curiosidade sobre os povos ameríndios e o


Novo Mundo por Michel de Montaigne em seu ensaio dos canibais de 1580. Segundo a
antropóloga, essas descobertas impulsionaram discussões e debates filosóficos e teológicos
por décadas, afinal “tratava-se da aparição de terras inéditas carregadas de uma realidade
completamente diversa da experiência européia”.

A autora destaca que “apesar de Montaigne estar escrevendo no final do século XVI, estas
especulações, acerca da América e seus habitantes, atravessaram todo o século XVII,
permanecendo ainda latentes no Iluminismo” (EL-FAR, 1998, p.253).

Em sua pesquisa teórico-documental Raminelli (1996) investiga acervos iconográficos em


diversas instituições, como as Bibliotecas Nacionais do Rio de Janeiro, Lisboa e Paris,
realiza estudos imagéticos em outros historiadores e pesquisadores. O historiador destaca a
importância dos levantamentos iconográficos no projeto de colonização, perpassando o
apoio eclesiástico, influenciador de narrativas e representações elaboradas a respeito dos
povos oriundos do Novo Mundo.

Raminelli (1996) sinaliza a relevância dos temas teológicos e filosóficos que atravessaram o
imaginário ocidental sobre os ameríndios. Ele elucida que a desigualdade entre os

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colonizadores e os ameríndios se estabelece desde a visão de mundo, na construção
distinta histórica-sócio-cultural dos povos e na concepção da supremacia advinda dos
europeus, priorizando olhares e condutas de superioridade sobre os ameríndios. Essa
postura justifica a ocupação do território, também como imposição cultural europeia sobre os
colonizados, perpetuando atos de coerção, escravidão e catequização, até a atualidade.

Raminelli (1996) ressalta que ao comparar textos e imagens em sua pesquisa reconhece a
questão da misoginia europeia repassada nas narrativas, associando mulheres como
oriundas de satã, consolidando no imaginário sua associação com o diabo e o pecado. A
conquista do território, em detrimento de oposições ou da cultura dos nativos, se justifica.

O entendimento das transformações socioespaciais no Brasil, desde o período colonial,


oferece sentidos sobre processos regionais na Comarca do Rio das Mortes, desvelando
algumas narrativas dos caminhos relacionadas à estruturação da urbanização e ocupação
territorial e suas particularidades.

Questões e lacunas a serem respondidas desde que se iniciaram as investigações e


diálogos entre as pesquisas já mencionadas anteriormente são aqui elencadas: Quais são
os acervos e imagens que nos interessam? Que questões nos interessa ver nesses
acervos? O que muda nos processos de registros territoriais das cartografias para os
registros fotográficos? O que a fotografia nos ajuda a enxergar em termos de
transformações socioespaciais?

Se o mapa dá uma visão territorial mais ampla, a fotografia vai trazer a escala do corpo para
os registros.

É nos séculos XVIII e XIX que os impulsos e estímulos artísticos chegam na colônia com
ideais nacionalistas e influenciados pelo estilo Neoclássico europeu, determinando
mudanças na representação pictórica do país (SCHWARCZ, 2008).

Com a transferência da família real para o Brasil em 1808 (NEVES, 2014), e logo depois
com a instauração do Império, significativas mudanças políticas passaram a pautar a
economia e a cultura no Brasil. Esse momento é de grande efervescência e estímulo à
modernização em alguns espaços urbanos já consolidados, apagando cada vez mais os
vestígios pré-coloniais.

Esse processo, também é atravessado pela fotografia, primeiramente contribuindo com a


representação da paisagem, tornando-se um recurso para desvelar e retratar o Brasil e suas
famílias. Com o advento da implantação da República consolida o nacionalismo permeado

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por ideais positivistas e pela a estruturação e criação de cidades, num processo de
municipalização e interiorização.

Para compreender a paisagem em transformação foram encontrados rastros de memória em


cartografias, gravuras, pinturas e posteriormente nos primeiros registros fotográficos.
Questiona-se a fidelidade na representação do real, afinal o olhar, os ideais e financiadores
das atividades artísticas voltavam-se para os interesses e visões eurocêntricas.

Ao acessarmos alguns repositórios digitais em acervos de arquivos públicos e privados que


subsidiam algumas das respostas e reflexões em torno das produções iconográficas e
registros imagéticos encontrados, são gerados apontamentos para construção de uma
historiografia crítica sobre a formação e ideário territorial em estudo.

Lessa informa que os padrões iconográficos foram “determinados pelas escolas de artes
renascentistas do século XV e as academias de artes surgida no período Neoclássico no
século XIX serviam como base para pinturas de cidades, plantas e grupos nativos no Brasil,
elaboradas por artistas que aqui passavam” (LESSA, 2016, p.8).

Segundo a estudiosa, há relatos fantasiosos sobre o índio brasileiro que reforçam a imagem
de selvagem, os quais foram construídos por pessoas que nem mesmo tinham passado pelo
Brasil, “(...) muitos eram feitos com base em histórias de marinheiros. Outros, por não
conhecerem anteriormente a flora e a fauna brasileira, criavam em contato com ela os mais
vastos relatos” (LESSA, 2016, p.10). Essas representações e caracterizações dos indígenas
se perpetua no imaginário, reforçada, de acordo com Lessa “também por questões
socioculturais”, afinal “a crença ocorria pela necessidade de alimentar fantasias de terras
longínquas'' (LESSA, 2016, p.12).

Neves (2014) e Lessa (2016) destacam a chegada do estilo Neoclássico no Brasil pelas
mãos de artistas da Missão Artística Francesa em 1816, via Debret e Taunay. Logo depois,
Rugendas, que vem ao Brasil pela primeira vez em 1821 (LESSA, 2016, p.16).

Esse estilo surge a partir de ideais nacionalistas, representando a natureza de forma


didática (SCHWARCZ, 1998). Posteriormente surgem as primeiras academias, com o
objetivo de formar artistas capazes de produzir arte ancorada nos interesses do Estado
(NEVES, 2014; LESSA, 2016).

É no século XIX que também se inicia a história da fotografia no Brasil. A fotografia surge
em 1839, dois anos depois após a criação do daguerreótipo, por Louis Daguerre, na França.
Dentre os primeiros fotógrafos estão Hercule Florence e Dom Pedro II (KOSSOY, 2002).

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Posteriormente, dentre os expoentes da fotografia destacam-se Augusto Stahl (1828-1877),
José Christiano Junior (1832-1902), Marc Ferrez (1843-1923).

Marc Ferrez destaca-se por registrar várias paisagens urbanas e rurais brasileiras, a
modernização e transformação da infraestrutura no Brasil, arquivos que podem ser
consultados nos acervos da Brasiliana e do Instituto Moreira Salles.

Em Minas Gerais no século XIX, segundo Arruda (2015) “a circulação de fotógrafos era
intensa, estando em consonância com o movimento mundial de expansão da fotografia”. O
pesquisador sinaliza que havia crescente circulação de fotógrafos estrangeiros exercendo
esse novo ofício, sendo esse movimento acompanhado na imprensa da época. Arruda
(2015, p.6) menciona as chamadas “itinerâncias fotográficas”, os fotógrafos “volantes” e
“ambulantes” constatando que eles “tiveram no deslocamento intermunicipal a forma de
viabilizar a fotografia como um negócio rentável”.

A partir da compreensão histórica-sócio-cultural apresentada por pesquisadores e outros


estudiosos, esse estudo vem ancorando debates e discussões em torno das informações
encontradas através das imagens iconográficas e registros diversos, incluindo o fotográfico ,
disponíveis sobre os caminhos que atravessam o território, unindo povoados e cidades na
região estudada, consolidada em torno do eurocentrismo.

Entende-se, que há muitas informações a serem levantadas, recuperadas e aprofundadas.


Percebe-se bons acervos catalogados, que subsidiam as pesquisas, por outro lado,
encontram-se muitas informações dispersas, inclusive na internet que merecem
investimentos em pesquisa no sentido de estruturá-los e catalogá-los, para serem
disponibilizados como fontes primárias em futuras investigações.

A historiadora Zita Possamai (2008, p.254) salienta que “a investigação das imagens, sejam
estas obras de arte ou fotografias, pode abrir para o historiador um universo a ser explorado,
principalmente no campo da memória e do imaginário”. Segundo a pesquisadora “Como
representações do real, as imagens visuais constroem hierarquias, visões de mundo,
crenças e utopias e, neste sentido, podem constituir-se em fontes preciosas para a
compreensão do passado”.

Os acervos encontrados possibilitam outras leituras do processo histórico regional,


apontando transformações socioespaciais em Minas Gerais. A partir de conteúdos materiais
observam-se camadas de dados que contribuem para a historiografia crítica no campo da
Arquitetura e Urbanismo.

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Alguns resultados: abordagens teórico-metodológicas

As abordagens teórico-metodológicas vêm sendo construídas processualmente ao longo do


das investigações, em experimentações metodológicas e decoloniais de pesquisa. Neste
processo tem-se feito levantamentos iconográficos, imagéticos e cartográficos diversos em
acervos e arquivos consolidados, já mencionados e outros como o Arquivo Público Mineiro,
o Museu Regional de São João del-Rei.

Nas pesquisas temos elaborado anotações, fichas e catalogação de registros pertinentes ao


território pesquisado, de forma digital, associando imagens, títulos, autor, ano, e incluindo
links de acesso e datas de levantamentos. Os acervos digitais arquivados em bibliotecas e
atlas digitais, aparecem como fontes primárias estrategicamente organizadas.

Salienta-se o atravessamento da pandemia da Covid-19, como um obstáculo à pesquisa


presencial nos acervos físicos dos arquivos. Destaque-se ainda a limitação do conteúdo
disponível digitalizado nos acervos pesquisados. Por outro lado, observa-se que há
materiais disponibilizados nas redes sociais da internet, que aparecem deslocados de
ambiente arquivístico, carecendo de dados bibliográficos e autorais.

As tutorias de pesquisadores parceiros do grupo de pesquisa A.T.A. tem subsidiado as


pesquisas com informações e diálogos substanciais, complementares, no sentido
fundamentar os diferentes estudos, colaborando com a compreensão da dinâmica do objeto
em análise, promovendo debates, levantamento de questões, ajustes e respostas às
lacunas que surgem durante o processo investigativo.

Entende-se que o processo da investigação tem acontecido articulado com as referências


bibliográficas que fundamentam as reflexões oriundas de diferentes dados e informações
históricas levantadas.

Nos dados iconográficos, imagéticos e cartográficos estão sendo observadas camadas que
esclarecem sobre as transformações ambiental-paisagísticas, arquitetônico-urbanísticas,
sócio-culturais e econômicas dos municípios da região estudada.

Destaca-se no levantamento realizado, nas bases para as análises e estudos, diferentes


tipos de fontes de dados, imagens, representações e registros documentais.

Dos resultados, estão sendo finalizados projetos de iniciação científica, trabalho final de
graduação e dissertações de mestrado com resultados publicados em artigos, levantamento
iconográfico e a produção de uma base de dados georreferenciados coletiva sobre os
mesmos.

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Considerações finais

Este artigo é uma construção coletiva com resultados em confluências de pesquisas. A


aproximação de temas e os debates em processo têm desvelado questões que merecem
maior aprofundamento nas investigações. Até o momento, as reflexões já vem salientando
considerações em torno das representações sobre as transformações socioespaciais e
socioculturais, compreendendo os processos em várias escalas.

Na cartografia a representação territorial apresenta sempre uma visão ampla que tem como
prática o gesto artístico-científico. Por outro lado, a fotografia é entendida como ferramenta e
técnica mecânica que aborda as questões a partir da escala do corpo humano. Essa
mudança e inversão de escalas nos processos de registro e representação da realidade,
salientam também uma transformação na forma de apreender e assimilar a realidade e o
território.

O encontro de materiais de naturezas diversas tem permitido a estruturação de valiosos


inventários iconográficos e imagéticos sobre a região em estudo, além de fomentar o debate
crítico e decolonial sobre a conservação, o patrimônio e práticas ditas sustentáveis.

A historiografia crítica possibilita entender as questões que atravessaram a formação dos


caminhos, as fontes das narrativas que são construídas ao longo do tempo,também sobre o
espaço público, desvelando contradições, estratégias, costumes, banalizações e
perversidades.

Indagamos finalmente no sentido dos processos ainda em curso, seriam possíveis naquele
período outros modos e tipos de ocupação territorial? E no presente? Que transformações
socioespaciais poderiam e podem ser possíveis ao se incorporar percepções e modos de
vida das populações nativas e em diáspora?

Agradecimentos

Agradecemos à UFSJ, às colaboradoras Maria Leônia C. de Resende e Marília de Fátima


Dutra de A. Carvalho, ao Professor Xosé Lois Martínez Suárez da Universidade da Coruña e
aos bolsistas e pesquisadores do grupo de pesquisa A.T.A.

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EIXO TEMÁTICO 03

O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO: Análise arquitetônica da


residência João Felinto De Araújo, 1962, Campina Grande – PB

PEQUENO, PAULA E. S. (1); ARAÚJO, DÉBORA T. R. (2); SILVA, WILSON V. (3);


SOUZA, EMANUELA V. (4).

1. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58400-016
E-mail: paulapequeno13@hotmail.com

2. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58400-747
E-mail: deborathaisaraujo45@gmail.com

3. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58400-747
E-mail: wilsonvalmir.ds@gmail.com

4. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58145-000
E-mail: manu.vsouza@gmail.com

RESUMO
O objeto de estudo desse artigo trata-se da Residência João Felinto de Araújo, projetada pelo
arquiteto carioca Hugo Marques em 1962, no bairro da Prata, na cidade de Campina Grande, agreste
do estado da Paraíba, Nordeste Brasileiro. Seu objetivo é apresentar os resultados das pesquisas
sobre arquitetura residencial moderna realizadas pelo Grupo de Pesquisa Arquitetura e
Lugar/GRUPAL-UFCG. O trabalho tem como justificativa contribuir com os estudos realizados sobre o
patrimônio moderno no Nordeste, especialmente no estado da Paraíba, a fim de incentivar a sua
preservação, uma vez que o mesmo vem correndo sérios riscos, sendo descaracterizado e demolido
por não estar devidamente protegido. A metodologia utilizada para a pesquisa foi o estudo das
dimensões proposto por Afonso (2019), onde são analisadas as sete dimensões arquitetônicas: 1.
Dimensão normativa; 2. Dimensão histórica; 3. Dimensão espacial (3.1 O espaço externo; 3.2 O
espaço interno); 4. Dimensão Tectônica; 5. Dimensão Funcional; 6. Dimensão formal; 7. Dimensão da
conservação do objeto. O aporte teórico apoia-se em autores como Afonso (2019), Serra (2006),
Frampton (1995), Garcia (2018) e Afonso (2020).

Palavras-chave: Modernidade, Patrimônio, Campina Grande, Hugo Marques, Preservação

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1 INTRODUÇÃO
A importância da conservação de edifícios históricos vem sendo tratada no passar dos anos
principalmente após as diversas transformações que as cidades sofreram para dar espaço
ao novo. Atualmente as discussões em torno da conservação da arquitetura moderna tem
ganhado cada vez mais espaço, trazendo novos desafios as disciplinas de conservação. Es-
tes desafios não se limitam as características técnicas e aos materiais empregados na obra,
mas também englobam questões teóricas da conservação.

Com isso, este artigo apresenta a análise da residência João Felinto de Araújo, que foi pro-
jetada pelo arquiteto Hugo Marques em 1962. Esta obra está inserida no conjunto de casas
modernas presentes na cidade de Campina Grande – PB, e representa um importante regis-
tro da arquitetura moderna na paisagem urbana da cidade.

Neste trabalho será apresentado o redesenho desta obra utilizando ferramentas digitais e
uma análise do objeto de estudo por meio da metodologia apresentada por Afonso (2019). A
importância deste trabalho se dá na contribuição para o registro e resgate do acervo proje-
tual de obras arquitetônicas mais antigas, as quais estão sujeitas as alterações inerentes ao
tempo, espaço e contexto social em que estão inseridas.

Aqui limitou-se o recorte de estudo ao patrimônio residencial moderno paraibano, a fim de


incentivar a sua preservação, uma vez que o mesmo vem correndo sérios riscos, sendo
descaracterizado e demolido por não estar devidamente protegido.

Estes riscos a que as edificações modernas estão susceptíveis estão relacionados ao fato
de a sociedade local ainda não ter internalizado a ideia de que a arquitetura moderna faz
parte de um produto cultural. Que a mesma representa um período da história marcado pelo
desenvolvimento da ciência, produção das massas, novas tecnologias e uma nova demo-
cracia, período de alta industrialização, crescimento massivo das cidades e com isso novos
meios de transportes e diferentes tipologias de edificações. Sendo assim, este patrimônio
deve ser protegido para as futuras gerações (Moreira, 2011).

2 METODOLOGIA

Esse trabalho é baseado na metodologia proposta por Afonso (2019), que apresenta a aná-
lise do objeto arquitetônico dividida em sete dimensões, sendo elas: normativa, histórica,
espacial, tectônica, formal, funcional e conservação. Embora dividida dessa forma, é inte-

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ressante ressaltar que no decorrer da análise as informações observadas em cada dimen-
são, podem interagir entre si, muitas vezes coincidindo ou mesmo se complementando.

A primeira dimensão a ser analisada é a dimensão histórica, que consiste no levantamento


inicial de informações ligadas a legislação e proteção que incidem sobre a obra, nos diver-
sos níveis possíveis (municipal, estadual e federal). Além disso, a coleta de informações em
fontes primárias e secundárias também está inclusa nessa dimensão, compreendendo visi-
tas em órgãos públicos afim de obter acervo fotográfico e plantas originais do projeto, entre-
vistas, etc.

Faz-se necessário nessa análise, estudar também, o recorte temporal em que a obra está
inserida, investigando o contexto tanto social, quanto econômico e cultural. Portanto, a di-
mensão histórica também está relacionada com o que diversos autores propõem, destacan-
do os pensamentos de Berman (1954), que classifica essa dimensão em 5 interfaces: social,
política, cultural, histórica e urbana.

Em seguida, a dimensão espacial se divide em dois níveis, onde são analisados os espaços
externo e interno da obra. Como afirma Afonso (2019), essa dimensão parte do principio de
que “o espaço pode ser compreendido como a paisagem do ambiente natural e a paisagem
do ambiente construído”. Logo, serão analisadas tanto as características do lugar e do en-
torno, como topografia, vegetação e acessos, quanto a solução de implantação da obra no
lote, o programa de necessidades, seu zoneamento e as diversas relações que possam
existir dentro da solução espacial adotada pelo arquiteto.

Ainda seguindo o que propõe a autora, analisar o comportamento dos elementos estruturais
da edificação é importante dentro do que propõe a dimensão tectônica. Nesse caso, os es-
tudos sobre tectônica trabalhados por Frampton (1995) fazem parte integrante dessa dimen-
são, tratando a tectônica como “arte da construção” e parte essencial da arquitetura. Basea-
do também em Gaston e Rovira (2007), essa dimensão ainda se divide em cinco aspectos:
estrutura de suporte, peles, cobertura, detalhes construtivos e materialidade (revestimentos,
texturas, plasticidade e cromatismo material).

A dimensão formal se apoia totalmente nos autores Mahfuz e Montaner para analisar a for-
ma da obra, destacando que ela é parte essencial, sendo importante tanto na construção do
espaço quanto da matéria. Logo, segundo Afonso (2019, p. 63):

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[..] a centralidade do conceito de forma permitirá o acesso a cada um dos
fatores determinantes: a cada opção formal correspondem opções relacio-
nadas às materialidades empregadas, à relevância funcional e do social, e à
relação com o entorno.

A funcionalidade da obra será trabalhada na dimensão funcional, como introduzido pelo pró-
prio nome e baseia-se no que é proposto por Colin (2000) ao categorizar a função do edifí-
cio em função sintática, pragmática e semântica. O dialogo entre função e espaço interno é
constante nessa dimensão, levando em conta as soluções do programa em planta e o zone-
amento.

Por fim, a conservação da obra irá concluir a análise, observando “os cuidados que foram
(são e poderão ser) dispensados ao objeto investigado” (AFONSO, 2019, p. 65). Também
podem ser levados em conta dois níveis: a gestão do objeto e a sua conservação física. É
importante destacar que para esse trabalho será feita uma análise mais preliminar e genéri-
ca, tornando necessário estudos mais detalhados para um melhor diagnóstico.

3 CONTEXTUALIZAÇÃO
Campina Grande é uma cidade do agreste paraibano que está localizada no planalto da
Borborema, a aproximadamente 130 km da capital João Pessoa. Conhecida como Rainha
da Borborema, ela influencia diversas cidades que estão no seu entorno, sendo também um
grande polo educacional e tecnológico. Com uma área total equivalente a 620,6 km²,
atualmente a cidade apresenta uma população de aproximadamente 400 mil habitantes.

Com uma economia historicamente muito influenciada pela produção de algodão, Campina
Grande experimenta um desenvolvimento urbano totalmente relacionado com as atividades
comerciais. Influenciada por fatores não só locais como nacionais, a arquitetura moderna
passa a se difundir na cidade, simbolizando entre outras coisas o progresso. Sobre esse
processo de difusão moderna, Queiroz e Melo (2006, p. 3) afirmam o seguinte:

Sua inserção no cenário local aconteceu em meio a um processo de


renovação da paisagem urbana campinense que se iniciou na década de
1930 (principalmente da sua região central), atravessou os anos 1940 e
chegou aos 1950 com o mesmo intuito e discurso de construção de uma
cidade moderna, civilizada, burguesa, pronta para o livre desenvolvimento
do capital.

Em consequência da industrialização regional, houve desenvolvimento também na dinâmica


econômica da cidade e com isso, surgiram novos bairros, como coloca Afonso (2017). Um
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desses novos bairros é o bairro da Prata, que surge muito influenciado pelo movimento
moderno, não só na produção arquitetônica, mas no seu desenvolvimento em nível urbano.

O bairro então, se torna palco de uma classe de médio e alto padrão que em busca do
status de progresso, contrata diversos arquitetos para conceber obras de cunho moderno.
Consequentemente, tem-se a produção de um grande acervo de obras modernas, que
abrange diversas tipologias, como a industrial e principalmente a residencial. Finalmente, de
forma diferenciada, tem-se como parte integrante desse acervo, a residência João Felinto de
Araújo, obra a ser analisada neste trabalho.

4 DIMENSÃO NORMATIVA
4.1 Inserção urbana

A Residência João Felinto de Araújo está localizada na cidade de Campina Grande, agreste
do estado da Paraíba, mais precisamente no bairro da Prata, que é caracterizado atualmen-
te pelo grande número de equipamentos voltados à saúde, como clínicas, laboratórios e
hospitais. Além disso, como citado anteriormente, o bairro também pode ser caraterizado
pela grande quantidade de exemplares da arquitetura moderna, que ao longo dos anos vem
se perdendo pela falta de proteção.

Embora esteja localizada próximo ao Centro, onde se encontra a Zona Especial de Interesse
Cultural demarcada pelo Plano diretor da Cidade e a área referente ao centro histórico da
cidade, delimitada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba –
IPHAEP, a residência objeto de estudo desse trabalho, não se encontra em áreas de pre-
servação patrimonial ou ambiental.

4.2 Legislação

No que se refere a legislação municipal, segundo o Plano Diretor do munícipio (lei comple-
mentar N° 003, de 09 de outubro de 2006) a residência está localizada na área constituída
como Zona de Qualificação Urbana, que é caracterizada por seus usos múltiplos, sendo
possível a intensificação do uso e ocupação do solo, em virtude de as condições físicas se-
rem propícias e da existência de infraestrutura urbana consolidada.

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A zona tem como objetivos ordenar e incentivar o adensamento onde for possível; evitar a
saturação do sistema viário; e disponibilizar mais equipamentos públicos, áreas verdes e
equipamentos de lazer. Em consonância com o Plano Diretor, a cidade dispõe do Código de
Obras (lei N°5410/13) que é responsável por nortear toda e qualquer obra realizada no mu-
nicípio.

Apesar do Código de Obras ter sido criado anos depois da construção da residência, as in-
formações documentais obtidas dão conta de que a mesma respeita os parâmetros urbanís-
ticos estabelecidos pela lei, sendo o recuo frontal de 6,80m, o lateral esquerdo de 4,00m e o
lateral direito de 4,30m.

Além disso, a edificação obedece ao índice de aproveitamento permitido pelo código de


obras (equivalente a 1), tendo o projeto original um índice igual 0,63. Já a taxa de ocupação
máxima ultrapassa o permitido (60%), tendo o projeto original uma ocupação de 63% do lo-
te. Contudo, isso é justificável, pois a leis que regulam o uso e ocupação do solo são poste-
riores a construção.

Figura 01 – Inserção da residência nas escalas: país, estado, cidade, bairro e quadra.

Fonte: SEPLAN PMCG, 2011 e Google Maps, 2021. Editado e ilustrado pelos autores, 2021.
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5 DIMENSÃO HISTÓRICA

A construção da residência foi solicitada em abril de 1962, época que Campina Grande pas-
sava por um processo de crescimento em decorrência da industrialização que trouxe inves-
timentos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. Também nesse
período ocorreu a expansão do bairro do Centro e a criação de loteamentos no Bairro da
Prata, no qual se adotou os princípios racionalistas do modernismo como referência na
grande maioria das residências do bairro, e onde se encontra o objeto de estudo.

5.1 A obra

A residência foi projetada para o Sr. João Felinto de Araújo, empresário no ramo de açúcar,
álcool, plástico e grande referência na indústria e comércio de Campina Grande, considera-
do grande contribuinte no desenvolvimento econômico do estado da Paraíba. Sua constru-
ção se deu em 1964, porém alguns aspectos do projeto foram modificados, como a constru-
ção da casa em níveis diferentes, a diminuição do terraço para aumentar o quarto do casal,
entre outros. Apesar das modificações, estas não alteraram a estrutura e a volumetria do
projeto original.

“De acordo com o depoimento de dona Doura, viúva de João Felinto e proprietária da resi-
dência, foi dada ao arquiteto total liberdade em relação ao projeto e escolhas de materiais, e
a residência era considerada a ‘menina dos olhos de Hugo’.” (AFONSO, A.; PEREIRA, I,
2020, p.10)

5.2 O autor

Antiocho Hugo de Azevedo Marques, nasceu no Rio de Janeiro em 4 de abril de 1924 e


graduou-se na Escola de Belas Artes de Pernambuco, em julho de 1954, no mesmo ano se
registrou no CREA. Embora os materiais bibliográficos sobre o arquiteto sejam escassos, as
muitas obras de sua autoria ficam encarregadas de contar sua história.

Algumas pesquisas apontam a presença de Hugo Marques na cidade do Recife – PE, no


período anterior à difusão da arquitetura moderna na cidade, justificados por uma boa quan-
tidade de obras feitas por ele nos anos 30 e 40 nas chamadas “iniciativas modernizantes”.

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Uma de suas obras mais famosas é a casa projetada para o empresário Aldemar da Costa
Carvalho, em 1940, popularmente conhecida como Casa Navio (demolida) devido aos moti-
vos náuticos presentes em sua arquitetura. Já na cidade de Campina Grande - PB, a primei-
ra vez que se tem notícia do arquiteto carioca é em 1952, onde projetou a residência do me-
nor José Marcus Giovanni Gioia.

Nos anos 50, Hugo, também foi responsável pelo projeto do SESI (1954), do Edifício Rique
(1957) e do prédio da Associação Comercial (1954 – 56). Nos anos 60 projetou o Hotel Ouro
Branco (1961), o Edifício Palomo (1962), o Edifício Lucas (1963) entre outros, marcando o
início da verticalização na cidade.

Apesar de o destaque de Hugo Marques em Campina se dar principalmente por ser o res-
ponsável pela construção dos primeiros edifícios altos da cidade, refletindo o processo de
modernização de Campina Grande, ele também se destacou pela construção de um número
significativo de residências nos anos 60, como a residência objeto de estudo desse trabalho.

6 DIMENSÃO ESPACIAL

6.1 Exterior: O lugar

A residência João Felinto está situada no bairro da Prata, Campina Grande – PB, na esqui-
na das Av. Barão do Rio Branco e a rua Antenor Navarro n°647, ambas, asfaltadas. A área
tem características e usos mistos, pois além dos incontáveis serviços no seu entorno, tam-
bém é grande o número de residências.

A quadra na qual o projeto está inserido é ocupada boa parte pelo conjunto de edificações
onde funcionava a antiga Casa de Saúde Dr. Francisco Brasileiro. Nas suas proximidades
se encontram o Centro de Educação Profissional Professor Stenio Lopes (SENAI), o Centro
de Atividades Aprígio Veloso da Silveira (SESI) e o Mercado de Produtos Agrícolas conheci-
do como Feira da Prata, importante ponto turístico e centro gastronômico da cidade.

Inserida em um terreno com dimensões de 24,00mx39,00m em uma área de 936,00m², com


área total construída de 591,00m², a residência é dividida entre subsolo (187,00m²) e o pa-
vimento térreo (404,00m²). Em um lote retangular, a edificação foi implantada de forma cen-
tralizada no terreno, no sentido do eixo norte-sul e apresenta os quatros recuos.

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O arquiteto toma partido da topografia, aproveitando a parte mais baixa do terreno para dis-
por o subsolo, e elevando o térreo do nível da rua. Dessa forma, fez-se necessário aterrar
boa parte do terreno e utilizar um muro de arrimo e escadas para vencer o desnível do ter-
reno.

Segundo Garcia (2017), tirou-se partido da insolação e ventilação para dispor os cômodos,
estando a área íntima na nascente e de serviço no poente. Ainda utilizando o desnível do
terreno, o arquiteto distinguiu os acessos, sendo o acesso de pedestres na parte mais alta,
na fachada principal (Av. Barão do Rio Branco) e o de carros na mais baixa, na fachada late-
ral (Rua Antenor Navarro).

6.2 Interior: Solução Espacial

Em relação a solução espacial adotada pelo arquiteto, observa-se que o mesmo utilizou o
subsolo para dispor uma zona de serviço, contando com academia, dependências de em-
pregados, áreas de serviços, depósitos e garagem, essa última totalmente confinada. Já o
térreo ele dividiu em três zonas: social, íntima e de serviço.

A planta foi resolvida de modo que a área íntima foi disposta do lado direito, separada das
demais áreas por um corredor de transição que corta a planta no sentido norte-sul. No outro
lado foi resolvido os setores social e de serviço e, nas extremidades foram dispostas duas
varandas, a da fachada principal que dá acesso a sala de estar e a outra no fundo do lote
que possui aberturas para as zonas íntima e de serviço e para a garagem no subsolo.

Segundo Garcia (2017, p. 129), “um pátio interno central funciona como núcleo e elemento
separador entre as zonas, além de permitir maior incidência de iluminação natural”. A sala é
vedada por panos de vidro, integrando-se totalmente ao terraço. Existe ainda uma parede
de cobogó cerâmico responsável por resguardar o ambiente de transição entre o público e o
privado.

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Figura 02 – Redesenho das plantas do projeto original; fotos do espaço externo da residência e das
pranchas originais do projeto.

Fontes: Redesenhos desenvolvidos por GARCIA, M., 2018 e adaptados pelos autores; fotos por
GARCIA, M., 2018 e Google Street View, 2019.

7 DIMENSÃO TECTÔNICA

7.1 Estrutura de suporte

Nessa residência foi utilizado o sistema de concreto armado, sem estrutura aparente, traba-
lhando com laje em concreto maciço. O pavimento inferior é estruturado com um muro de
arrimo em pedra natural que também pode ser considerado como elemento estrutural, pois
funciona como contenção para os aterros. A casa em si possui modulação variada, caracte-
rizando-se por ter uma estrutura mais sistemática na área íntima e sintomática nas demais
áreas.

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A estrutura dessa residência também pode ser considerada simples, se aproximando do que
seria mais convencional na produção moderna da época na cidade. Em seu estudo sobre as
residências modernas campinenses, ALMEIDA (2007, p.46) afirma o seguinte:

Se o domínio sobre a técnica do concreto armado associado ao uso de ma-


teriais novos, como o vidro e o metal, foi um dos elementos norteadores da
arquitetura moderna brasileira, o que se verifica nas residências estudadas
é certa restrição de soluções estruturais complexas. Apesar de terem sido
utilizadas lajes de concreto armado, balanços generosos apoiados sobre pi-
lotis com formas, por vezes, não-convencionais e marquises em concreto,
entre outros, verifica-se a persistência da construção das vedações em al-
venaria, denunciadas pela espessura das paredes.

7.2 Coberta

Com relação à cobertura, esta é sustentada pela laje superior que cobre toda a extensão da
casa. A coberta em si, foi dividida em 5 partes distintas, sendo todas elas arrematadas por
platibanda. Esse jogo de componentes comporta 4 pares de duas águas e um de uma água,
onde a queda das águas é captada pelas calhas.

É interessante observar que nesse aspecto, essa residência também se diferencia de diver-
sos exemplares residenciais modernos na cidade, principalmente por não apresentar o uso
da laje inclinada. Essa tipologia de coberta era muito adotada também como recurso volu-
métrico, fugindo das formas retas que a platibanda convencional permitia. Nesse caso, no
entanto, ao invés de inclinar a laje, o arquiteto opta por dar uma leve inclinação a platibanda,
dando uma quebra na linearidade desse elemento.

7.3 Peles e materiais

Esta edificação apresenta uma rica variedade de peles, trazendo personalidade e dinamis-
mo para as fachadas. O fechamento exterior é composto por alvenarias revestidas em sua
maioria na cor branca, fazendo composição com as esquadrias de materiais diferentes: em
vidro e alumínio e em madeira e alumínio.

Além dessas, foram utilizadas no projeto peles com diversas soluções, como brises, co-
bogós, revestimentos em pedra, revestimentos cerâmicos e pinturas. A utilização de algu-
mas dessas peles, como o brise e o cobogó está diretamente relacionada com o conforto
ambiental da residência.

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Essa extensa e variada materialidade se torna uma característica marcante dessa obra. O
mix de materiais proposto pelo arquiteto confere diferentes sensações aos ambientes, agu-
çando os sentidos dos usuários e permitindo diferentes experiências no dia a dia.

7.3 Detalhes

Nesta obra, a escada externa se apresenta como elemento arquitetônico de destaque, enri-
quecendo a volumetria da edificação. A mesma se caracteriza por estar engastada em uma
viga central que é evidenciada pelo recorte dos degraus em pedra. Não sendo um elemento
meramente estrutural ou apenas com a função de possibilitar acesso a diferentes espaços, a
escada nesse projeto se mostra como ferramenta de composição.

Sobre isso, Gastaldi e Castilho (2012, p. 109-110) afirmam que:

[...] as escadas, além de elemento estrutural e variante de diversos materi-


ais, podem ter diversas formas e funções, mantendo os elementos princi-
pais que definem a estrutura de circulação vertical. Assim é um elemento
estrutural da edificação que possui diversas tipologias, composições e usos.

8 DIMENSÃO FUNCIONAL

A edificação continua sendo usada para uso residencial, mantendo a função para qual foi
projetada. Ao longo dos anos, algumas reformas foram feitas, porém sem afetar a estrutura
e a forma da residência. A maioria das modificações foram mudanças de função de alguns
espaços, além disso um terreno vizinho foi adquirido posteriormente onde foi construída
uma piscina.e uma casa para um dos filhos dos proprietários.

O zoneamento se apresenta de forma bem definida. No subsolo foram alocados espaços


predominantemente de serviço, compreendendo ambientes como garagem, área de servi-
ços, lavanderia, depósito e banheiro de serviços. Além destes a academia foi outro uso des-
tinado a essa área.

Já no pavimento térreo foram alocados todos os espaços íntimos e sociais, sendo estes di-
vididos entre varanda, quarto, banheiro social, suíte, sala de estar, sala de tv e sala de jan-
tar, e alguns equipamentos de serviço como cozinha, copa e banheiro.

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Ainda no pavimento térreo é possível destacar a presença de um pátio interno, que é res-
ponsável por levar iluminação e ventilação para o interior da residência. Isso acaba favore-
cendo diretamente os espaços de sala de tv, sala de jantar e sala de estar, além de permitir
a ventilação dos espaços de circulação interna.

Figura 03 – Reconstrução virtual 2D dos cortes e fachadas; fotos de algumas soluções e materiais
utilizados na residência.

Fontes: Redesenhos desenvolvidos por GARCIA, M., 2018 e adaptados pelos autores; fotos por
GARCIA, M., 2018 e PIMENTEL, M., 2018.

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9 DIMENSÃO FORMAL

Quanto à linguagem formal, foi adotada a linha moderna que é evidente no volume puro e
nas suas linhas ortogonais. A casa pode se enquadrar numa linha moderna tradicional, pois
Hugo Marques utiliza soluções que remetem as adotadas pela Escola Carioca, como a solu-
ção em planta, o uso de pátios internos, a elevação da edificação em relação ao solo, as
esquadrias e a materialidade (Afonso, 2019).

A forma parte de um volume simples retangular estendido, no qual são feitas subtrações de
sua forma original: sendo a primeira na parte do subsolo, afim de manter o solo natural e
garantir permeabilidade a esta área; e a segunda no pavimento térreo para alocar o espaço
que delimita o pátio interno. Por último, foi acrescentado uma forma retangular estendida
fazendo o coroamento da edificação. Com dimensão maior que o volume original, este traz
maior riqueza e profundidade a forma da edificação.

10 DIMENSÃO DA CONSERVAÇÃO

Atualmente, a família de João Felinto ainda é a responsável pela residência. Segundo Gar-
cia (2017), os donos são cuidadosos e, desde a sua construção, fazem reparos sempre que
necessário. O que de fato pode ser comprovado devido ao bom estado de conservação en-
contrado na análise feita durante visita ao local.

Do ponto de vista do pedestre ao passar pela rua, pode-se considerar que a residência está
em ótimo estado de conservação. Porém, esta análise ainda é preliminar, visto que a última
foi realizada em 2017. Algumas das patologias encontradas foram a oxidação das esquadri-
as que é um fenômeno causado pelo contato direto do meio corrosivo com o aço e a flam-
bagem das mesmas.

O desgaste nos revestimentos externos e internos e algumas alterações cromáticas causa-


das por infiltração são fatores importantes a serem ressaltados, uma vez que estes influen-
ciam diretamente na aparência e preservação da identidade visual da edificação. Além dis-
so, quando danificados de forma permanente, dificilmente podem ser substituídos ou repa-
rados de maneira adequada, uma vez que muitos destes materiais não são mais fabricados
e comercializados pelo mercado atual.

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Figura 04 – Reconstrução virtual 3D com estudo da composição volumétrica; fotos da residência.

Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por GARCIA, M., 2018, PIMENTEL,
M., 2018 e Google Street View, 2012.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arquitetura moderna em Campina Grande se manifesta em meio ao período de crescimen-


to econômico da cidade, e vincula-se a necessidade de expansão da malha urbana. Sendo
a linguagem plástica formal adotada na época, está presente com mais frequência no bairro
do Centro e nos limítrofes, como é o caso do Bairro do Alto Branco e da Prata. O período do
final da década de 50 à 70 funcionou como recorte de consolidação desse estilo na cidade,
sendo marcado também pela influência da escola do Recife.

Vindo da Escola do Recife, o arquiteto Hugo Marques deixa sua marca em Campina Grande
através do destaque que seus projetos residenciais apresentam. Porém, as obras projetadas
por ele como um todo são de fato marca do seu legado, sendo ele, o precursor dos grandes
edifícios no município. Desse modo, o arquiteto assinala a paisagem do centro com sua lin-
guagem moderna em meio ao conjunto Art Déco, princípios esses, presentes também na
tipologia residencial projetada por ele em Campina Grande.

Após a análise dessa obra por meio da metodologia proposta, foi possível investigar os atri-
butos do projeto e certificar a importância da residência João Felinto para o acervo do patri-
mónio histórico moderno e para a preservação da história campinense. Além disso, é ne-
cessário destacar também a contribuição para a academia, ao possibilitar e viabilizar o estu-
do sobre a arquitetura moderna.

Esse trabalho se apresenta como uma forma de divulgação do acervo residencial moderno
de Campina Grande e pode vir a contribuir para que esse seja reconhecido como patrimônio
histórico e seja salvaguardado. Além disso, contribui para a disseminação da documentação
e catalogação do acervo patrimonial por meio da utilização de ferramentas digitais – aqui
exemplificada por meio da reconstrução virtual. Por fim, foi possível destacar também as
oportunidades que esse método possibilita, ao viabilizar ao público, maiores chances de
acesso e uso dos materiais produzidos.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Adriana. Arquitetura moderna residencial de Campina Grande: registros e


especulações (1960 1969). Trabalho de Conclusão de Graduação. João Pessoa,
CAU/UFPB, 2007

AFONSO, Alcília. Hugo Marques: residência João Felinto de Araújo. 1962. In: ______.
(Org.). Campina Grande moderna. Campina Grande, 2020. No prelo

AFONSO, A. Notas sobre métodos para a pesquisa arquitetônica patrimonial. Revista


Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente. Natal, v. 4, n. 3, p. 54-70, 2019a.

AFONSO, A.; PEREIRA, I. Origem e consolidação da arquitetura moderna em Campina


Grande/ PB: personagens e projetos. 1950-1970. Revista Jatobá, Goiânia, 2020.

ALMEIDA, A. L. Arquitetura moderna residencial de Campina Grande: registros e es-


peculações (1960-1969). Trabalho de Conclusão de Graduação. João Pessoa, CAU/UFPB,
2007.

ARAÚJO, Ernani Carlos de. Patologia os edifícios em estruturas metálicas. Ouro Preto,
1999. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação do Departamento de En-
genharia Civil da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto).

FRAMPTON, Kenneth. Studies in tectonic culture: The poetics of construction in nine-


teenth and twentieth century architecture. John Cava (E.). Cambridge: MIT Press, 1995.

GARCIA, M. Prata que vale ouro: a casa moderna da década de 60. Trabalho de Conclu-
são de Graduação. Campina Grande, CAU/UFCG, 2018

GASTALDI, Denis Oshiro; CASTILHO, José Roberto Fernandes. Escadas: arquitetura, se-
gurança e prevenção à acidentes nos espaços de circulação vertical. V. 6, N° 2, p. 90 -
112, 2012.

MAHFUZ, Edson. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. Arquitextos, São Pau-
lo, ano 04, n. 045.02, Vitruvius, fev. 2004.

MOREIRA, Fernando Diniz. Os desafios postos pela conservação da arquitetura mo-


derna. Revista CPC, São Paulo, n. 11, p. 152 – 187. Nov. 2010/ abr. 2011

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QUEIROZ, M; MELO, F. Caminhos da arquitetura moderna em Campina Grande: emer-
gência, difusão e a produção dos anos 1950. Recife: 1° Seminário DOCOMOMO Nor-
te/Nordeste Recife- PE, 8 a 11 de maio de 2006.

SERRA, Geraldo. Pesquisa em arquitetura e urbanismo. Guia prático para o trabalho de


pesquisadores em pós-graduação. São Paulo: EDUSP, 2006.

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Contribuições para metodologia de análise cromática em
centros históricos: a Rua do Vidéo em Barbalha, Ceará

Autoras: Giovanna Garcêz Freire1; Cícera Bianca Pereira Garcia2

RESUMO

Barbalha, uma das principais cidades do Sertão Caririense, aos pés da Chapada do Araripe,
protagoniza um grande festejo cultural e religioso reconhecido nacionalmente, a Festa do Pau
da Bandeira de Santo Antônio. Este cortejo, celebrado desde 1928, reúne milhares de fiéis e
turistas de diversos locais do país durante os 15 dias de festejo. Entre os principais elementos
e atratividades que formam a beleza do evento, destaca-se a Rua do Vidéo como o percurso
final até a hasteada do pau da bandeira, fazendo ligação entre as duas maiores igrejas
católicas da cidade, acolhendo grande multidão de pessoas que esperam pela chegada dos
carregadores. Essa relação entre patrimônio material e imaterial é fundamental para a
preservação destes, sendo necessários diversos tipos de estudos para seus inventários e
posteriores tombamento e salvaguarda. Portanto, este trabalho apresenta diretrizes e
contribuições para análise cromática das edificações da Rua do Vidéo, cujo principal objetivo é
fazer um levantamento das edificações da referida rua que permita uma posterior investigação
mais aprofundada. Analisar um breve panorama sobre o estudo da cor em centros históricos é
um dos objetivos específicos e soma-se ainda conhecer melhor o centro histórico barbalhense.
A partir dos resultados será possível estudar as cores empregadas nas fachadas e assim
contribuir à noção de entendimento de conjunto e identidade não apenas da rua, mas também
do bairro histórico no qual ela está inserida.

Palavras-chave: cor, metodologia, centro histórico, conservação, Barbalha.

Introdução

A paisagem de bairros antigos pode ser condicionada a diversos fatores, tais como
clima, geografia, cultura, história, entre outros. O entendimento de bairro histórico

1
Arquiteta e Urbanista (UEMA, 2010), Especialista em Docência do Ensino Superior
(Faculdade Dom Alberto, 2021), Mestre em Urbanismo (UFRJ, 2017), Doutoranda em
Arquitetura (ULisboa). Docente no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário
Paraíso, UniFAP CE.

2
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Paraíso, UniFAP CE.
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
deve-se ainda à compreensão de conjunto que, segundo Walter Benjamin, pode ser
recebida de dois modos: por meio do uso e por meio da percepção. Ou melhor: é
recebida tátil e opticamente (BENJAMIN, 2012, p. 113). A partir de então é possível
entender como fundamental a assimilação de questões cromáticas à unidade visual de
centros históricos e, portanto, seu restauro é uma das condições primárias para a
conservação dos mesmos.
Projetos de intervenção em edificações históricas, seja apenas restauro ou ainda
requalificação, tem como a determinação das cores das superfícies arquitetônicas,
especialmente de suas fachadas, um processo complexo que requer a definição de
uma base teórica fundamentada. Para fins deste trabalho abordar-se-á a cor enquanto
pigmento, ou seja, “a substância material que, conforme sua natureza, absorve, refrata
e reflete os raios luminosos componentes da luz que se difunde sobre ela. É a
qualidade da luz refletida que determina a sua denominação” (PEDROSA, 2009, p.
20).
A cor também será tratada, neste trabalho, como componente de uma estética que
vai além da paleta do projetista. Escolheu-se a manifestação da cor em fachadas de
edifícios históricos, pois, sua pigmentação original deve ser levada em consideração
em propostas de restauro e demais intervenções para agir de acordo com as
determinações relativas à conservação propostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – IPHAN.
É comum que haja intervenções de restauro apenas em fachadas ainda mais
quando apenas esta parte da edificação é protegida. Sendo a pintura uma intervenção
considerada de baixo custo, projetos tidos como revitalização de fachadas tem se
tornado mais frequentes, frutos da parceria de prefeituras com grandes marcas de
tintas. Várias cidades brasileiras já renovaram ruas inteiras em seus centros históricos
como Pará, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife, Olinda, entre outras, todas
sob tutela dos respectivos órgãos de proteção legal.
Se as cores na paisagem urbana são os primeiros componentes a serem
identificados as mesmas devem receber nos processos de restauro tratamento tão
importante quanto os demais elementos que compõe edificações históricas. Este
trabalho apresentará um breve panorama sobre a situação das cores dos
revestimentos das fachadas na Rua do Vidéo3, em Barbalha4, Ceará. Localizada entre

3
A rua tem esse nome em alusão à Montevidéu, cidade uruguaia: durante a Guerra do Paraguai (1864 –
1870) crianças brincavam de guerrear no local com o as mamonas retiradas das árvores que havia em
abundância na região, imitando o que eles chamavam de "a batalha de Montevidéu", considerando o
Uruguai como participante do conflito.
4
Barbalha e mais oito municípios compõe a Região Metropolitana do Cariri (RMC), distando
aproximadamente 600Km das capitais Fortaleza (Ceará) e Recife (Pernambuco). A RMC é a segunda
região urbana mais expressiva do estado, tendo em vista o desenvolvimento das suas cidades principais:
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
as Ruas Neroly Filgueira e Sete de Setembro, a Rua do Vidéo é uma das mais
importantes do Centro Histórico da cidade pois abriga de residências porta e janela a
imponentes edificações, heranças de um passado suntuoso que entrou em
decadência no final do século XIX. É também palco de parte do cortejo na festa do
padroeiro de Barbalha, Santo Antônio, e mantém, portanto, intrínseca relação com o
patrimônio imaterial da região.

Figura 1. Localização do Centro Histórico de Barbalha


e da da Rua do Vidéo no referido bairro.
Fonte: Fabiana Teles, 2020.

1. Barbalha: a terra dos verdes canaviais do Cariri

As histórias das colonizações de Barbalha e do Cariri se confundem. A região


era habitada pelos índios Cariris da nação Tapuia, catequizados por religiosos
portugueses desde o século VXII. No século seguinte, as terras indígenas foram
tomadas e doadas a colonos criadores de gado dando início à chamada “civilização do
couro” no Cariri. Contudo, a criação de gado em pouco tempo deixou de ser a principal
atividade econômica da região: as terras férteis do vale do Cariri e a abundância de
água possibilitaram a agricultura voltada a cereais, mandioca e cana-de-açúcar.
É neste cenário que Barbalha surgiu como cidade, fundada por um casal de
colonos (Francisco Magalhães Barreto e Sá e Ana Polucena de Abreu e Lima), vindos
de Sergipe, no Engenho da Barbalha, um sítio particular obtido em 1735. Chamava-se

Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, que juntas formam o Triângulo CRAJUBAR.

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Cetama, “minha terra” em língua indígena. As origens do nome Barbalha são
questionáveis, mas a maior parte dos documentos históricos refere-se a uma
homenagem feita à Senhora Barbalha, dona de uma hospedagem de grande prestígio
aos viajantes que por lá passavam.
Os colonos inauguraram a Capela de Santo Antônio de Barbalha em 1790
onde atualmente encontra-se a Matriz de Santo Antônio. Tal capela atraiu habitantes
de outros lugares que se estabeleceram nos arredores da mesma, originando assim o
primeiro núcleo urbano da cidade, ligado politicamente ao Crato. Com este município,
a freguesia de Barbalha estabeleceu-se como polo canavieiro e grande produtor de
rapadura: mais de 70 engenhos, 13 fábricas de aguardente e 150 casas de farinha,
sendo então considerada uma das cidades mais ricas da região nos séculos XVIII e
XIX.
Assim como outras cidades brasileiras, Barbalha, sob influência dos senhores
de engenho, adquiriu uma formação política oligárquica com uma sociedade
aristocrática. Ambas contribuíram na formação de um relevante patrimônio
arquitetônico, ainda preservado apesar de demolições e descaracterizações. A Igreja
Católica também contribuiu para a evolução e crescimento da cidade na medida em
que, ao construir mais capelas, possibilitou a consolidação de novos núcleos de
povoamento. Percebe-se então que religião sempre foi um viés marcante na
sociedade barbalhense. Esta característica se deu também graças às festas populares
(“Pau da Bandeira” de Santo Antônio) e à proximidade com Juazeiro do Norte, cidade
devota do Padre Cícero Romão Batista, conhecida nacionalmente como “Capital da
Fé”.
“Em agosto de 1838, por meio da Lei n. 130, de 30 de Agosto,
Barbalha foi elevada à freguesia, desmembrando-se da
freguesia de Missão Velha, tendo como orago Santo Antônio.
Em 1846, passava Barbalha, por meio da Lei n. 374, de 17 de
agosto, à condição de vila; trinta anos após tornar-se vila,
Barbalha foi elevada à categoria de cidade, pela Lei n. 1740, de
30 de Agosto de 1876” (Dossiê de Registro da Festa do Pau da
Bandeira de Santo Antônio de Barbalha, 2015, p. 19).

Ao ser elevada à categoria de vila, Barbalha surgiu como município e


desmembrou-se do Crato, dando fim à subordinação política à cidade vizinha. Se
tornar cidade, posteriormente, fez com que o espírito empreendedor e a consciência
cívica dos barbalhenses fossem fortalecidos. Personagens importantes trouxeram
recursos financeiros que permitiram à Barbalha um tímido glamour cultural, tais como
o Gabinete de Leitura, o jornal “Correio do Cariri”, os colégios Leão XIII e Ginásio
Santo Antônio, a Liga Barbalhense Contra o Analfabetismo. Também se
estabeleceram na cidade algumas ordens religiosas, com destaque para a São
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Vicente de Paulo (1883) que atualmente é a responsável pelo Hospital São Vicente de
Paulo, referência para a região e estados vizinhos.
Barbalha atingiu o auge da sua prosperidade no fim do século XIX ao se
consolidar como polo canavieiro, região com engenhos e outras atividades como o
extrativismo vegetal (babaçu, lenha) e mineral (argila). Escoar a produção fez com que
surgisse a classe dos comerciantes e assim despontaram os grandes armazéns da
Rua Neroly Filgueiras, sobrados de alto padrão arquitetônico que mantinham no térreo
os armazéns e lojas e no pavimento superior as residências da burguesia emergente.
De acordo com o Dossiê de Registro da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio
de Barbalha (2015), “em 1888, o número de casas em Barbalha chegava a 738, das
quais 6 eram sobrados; em 1910, o número chegava a 1.000 casas e 16 sobrados”
(2015, p. 22).
Barbalha assistiu seu declínio a partir da Sedição de Juazeiro do Norte (1914),
situação em que seus equipamentos culturais foram roubados ou destruídos. Várias
personagens foram expulsas ou exiladas e deu-se início à rivalidade dos dois
municípios. A situação agravou-se ainda mais devido ao desvio da estrada de ferro
que deixou Barbalha fora da rota Fortaleza - Missão Velha - Juazeiro do Norte – Crato.
O escoamento da produção foi dificultado ao remover Barbalha do percurso natural
dos comerciantes o que abalou diretamente sua economia, enquanto Crato e Juazeiro
do Norte estabeleciam-se como os vértices mais estáveis do Triângulo CRAJUBAR.
A partir dos anos 1950, particularmente nos anos 60 e 70, a industrialização
chega a Barbalha como alternativa à crise na economia canavieira. Surgiram fábricas
importantes, como a de cimento (IBACIP), de ladrilhos cerâmicos (CECASA), a Usina
de Açúcar e a unidade produtiva de soro fisiológico. Também nos anos 70 foi criado o
Balneário do Caldas S.A. (empresa de economia mista), com o intuito de desfrutar do
potencial turístico das fontes minerais e das belezas da Chapada do Araripe.
Uma profunda crise iniciou-se no setor industrial no fim do século XX e começo
do século XXI. Várias fábricas fecharam as portas e soma-se a isso uma instabilidade
na agricultura, que mantem estagnada a economia barbalhense, circunstância que
inclusive repercute no setor turístico. Barbalha não está em situação onde a atual
econômica faz jus ao seu passado histórico glorioso nem do potencial dos seus
variados recursos naturais.

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2. O Centro Histórico de Barbalha e a continuidade da
habitação no lote urbano colonial

Neste capítulo, antes de falar sobre o recorte trabalho, será abordada a


configuração do lote urbano colonial que permanece até a atualidade em várias
cidades brasileiras. É um dos fatores necessários para que haja entendimento sobre o
uso e ocupação do solo da Rua do Vidéo. Também será apresentado brevemente o
patrimônio cultural da cidade, que sobrevive também devido ao espaço construído.

2.1 A habitação brasileira: da Colônia até o início da República (1889)

O lote urbano brasileiro permaneceu com a mesma configuração desde o


começo da colonização, mantendo-se semelhante até o início do século XIX:
retângulos de pouca largura voltada para o logradouro principal com longas faces
laterais coladas aos lotes vizinhos (Figura 2). Esta solução, entretanto, não era
originária da metrópole. Assim como na Mesopotâmia, Portugal mantinha tal modelo,
que garantia uma maior concentração de edificações em menor espaço e assim
melhor aproveitamento do uso do solo urbano.

Figura 2. Exemplo de lote urbano colonial.


Fonte: Bittar, Mendes e Veríssimo, 2007.

Esta configuração de implantação urbana trazida pelo colonizador precisou


adaptar-se ao Brasil com alterações, “tais como a extroversão da cozinha e o
rebaixamento do ponto dos telhados” (BITTAR, MENDES e VERÍSSIMO, 2007, p.
142). Algumas circunstâncias mantiveram, por quase três séculos, a padronização
homogênea de partidos empregados para residências urbanas, pois a mão de obra
escrava, o modelo agrário-exportador e a estrutura familiar patriarcal foram todos
mantidos.

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Assim, Bittar, Mendes e Veríssimo (2007) assim descrevem a habitação
brasileira no período colonial:
“Nas casas térreas ou assobradas, no setor fronteiro à rua,
destacava-se uma grande sala alinhada com a via pública. As
fachadas frontais revelavam o compromisso com o comércio no
grande número de portas. Por vezes, as janelas eram também
percebidas, mas sempre em proporções menores. (...) Após a
sala da frente, sucediam-se as alcovas, (...) entalados no corpo
da casa, raramente dotado de aberturas para eventuais pátios
internos. (...) As casas urbanas não apresentavam banheiro
como compartimento no seu interior e muito raramente
encontramos espaço similar em quintais e exteriores” (BITTAR,
MENDES e VERÍSSIMO, 2007, p. 146).

O espaço que hoje se pode considerar como cozinha era um anexo à casa,
dividido em dois espaços: um para preparo das refeições e outro para abate e limpeza
dos alimentos em seu estado bruto. No quintal, ao fundo, uma edícula adicionava-se à
casa. Por influência do Renascimento, a área destinada à moradia transferiu-se para o
pavimento superior à medida que o comércio, depósitos e espaços destinados aos
animais mantiveram-se no pavimento térreo.
Não havia variações desse esquema de moradia, tanto que Louis Vauthier,
engenheiro francês responsável por obras urbanas e arquitetônicas em Recife no
século XIX, afirmou que quem viu uma casa brasileira viu quase todas. Este
comentário deve-se à setorização uniforme: junto à fachada principal, a área social e
de trabalho; na seção intermediária, o setor íntimo; aos fundos, junto aos pátios ou
quintais, o setor de serviço. As poucas variações aconteciam relacionadas à situação
econômica dos proprietários e da localização do edifício no sítio. As fachadas eram
basicamente compostas por uma porta, sempre dando para a rua e duas janelas. As
casas com mais de um pavimento mantinham a métrica das casas térreas: janelas de
diferentes pavimentos sempre alinhadas. A ventilação, portanto, acontecia somente
em um sentido. No fim do período colonial revestimentos cerâmicos começaram a ser
utilizados nas fachadas.
Somente no final do século XVIII é que são notados elementos classicistas no
Brasil, advindos da atuação de arquitetos orientados pelo Marquês de Pombal. Esses
profissionais, como Mestre Valentim, inspiraram-se em modelos romanos e iluministas
e buscavam trazer equilíbrio e ordem, características típicas do movimento
arquitetônico que se estabeleceu em seguida.
A vinda da corte portuguesa (1808), a Missão Artística Francesa (1816) e a
fundação da Academia de Belas Artes (1820) favoreceram construções mais
refinadas. Timidamente, a casa brasileira se modificava e uma nova tipologia
habitacional surgiu: a casa de porão alto. Ainda de frente para a rua, a casa conseguiu
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com o porão melhor conforto térmico e mais privacidade por estar mais elevada em
relação à via.
Na segunda metade do século XIX, devido à decadência do trabalho escravo e com o
início da vinda de imigrantes europeus, estabeleceu-se a mão de obra remunerada e
aperfeiçoaram-se as técnicas construtivas. As cidades passam a ter infraestrutura
sanitária e as residências recebem tratamento de água e esgoto. Novos esquemas de
implantação surgem favorecendo a iluminação e ventilação naturais.

“Os primeiros exemplares apresentavam apenas discreto


afastamento em um dos lados. Com o tempo, porém, definiam-
se claramente os jardins do lado, valorizando socialmente as
elevações laterais que para eles se voltavam. (...) Surgiam
depois os afastamentos em relação às vias públicas.
Anteriormente, já os edifícios principais eram projetados em
plantas em forma de ‘U’ ou ‘T’, forçando o aparecimento de
‘vazios’ sobre os alinhamentos” (REIS
FILHO, 2014, p. 49).

É possível concluir que as transformações que aconteceram na arquitetura e


no urbanismo até o fim do século XIX foram solucionadas no âmbito da relação
arquitetura e lote urbano, sem que este fosse fundamentalmente modificado. Apenas
suas dimensões, de maneira discreta, sofreram algum tipo de alteração. Apenas
grandes mudanças que aconteceram no século XX alteraram profundamente as bases
da organização urbana e permitiram que soluções mais profundas fossem adotadas.
A implantação de Barbalha é muito semelhante à de cidades portuguesas
fundadas antes do Renascimento: edificações importantes na parte alta (igrejas, Casa
de Câmara e Cadeia) e arquitetura civil na parte baixa, mesmo tendo sido fundada no
final do século XVIII. O mapa a seguir destaca o núcleo original da cidade no platô
mais elevado da topografia da cidade. A área cinza é a parte mais plana onde até os
dias atuais é destinada para a agricultura.
Também é possível notar morfologias urbanas e vernáculas em um território
muito pequeno. A maioria das quadras tem formato regular, mas adequam-se à
topografia. Houve algum tipo de planejamento urbano desde o princípio, mas este se
perde aos poucos à medida que se alcança a periferia deste Centro.

3. A Rua do Vidéo, Barbalha

Não é possível precisar com exatidão os anos de construção da maioria das


edificaçõess da Rua do Vidéo. Porém, por meio da relação de ano de fundação da
cidade (1790) e de pesquisas sobre a evolução arquitetônica da mesma é concebível

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deduzir que a rua reproduz um modelo muito antigo de lote (fachada estreita e muita
profundidade) e, consequentemente, de quadra, mesmo após vários anos de formação
das primeiras cidades coloniais (1549). Novos estilos arquitetônicos se estabeleceram,
mas a implantação do lote permaneceu a mesma durante mais de 150 anos em
Barbalha.
Apesar de ser uma das principais ruas da cidade, a Rua do Vidéo mantem o
uso misto com predominância de residências. As edificações de uso comercial
concentram-se mais próximo à Praça Figueira Sampaio (extremo norte) e percebe-se
que quanto mais próximo à Igreja do Rosário (extremo sul) menor é o número de
residências ao longo de suas 10 quadras. A habitação convive com o varejo e
prestação de serviços, embora seja possível notar que ainda existe um pequeno
comércio de vizinhança no seu entorno, como farmácias, padarias, bares e
restaurantes, o que permite que seja agradável morar nela.
Quanto ao gabarito, a rua apresenta predominância de edificações com apenas
um pavimento. Sendo a maioria dos lotes de uso residencial, é possível concluir que a
maioria das residências possui unicamente um andar.

Figura 3. Mapa de uso e ocupação do solo da Rua do Vidéo.

3.1 Análise das fachadas

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Para posterior análise apresenta-se a seguir o levantamento fotográfico das
fachadas da Rua do Vidéo. Por meio deste será possível identificar os materiais que
compõe a fachada e suas respectivas cores. A rua é composta por 101 imóveis
distribuídos em suas dez quadras, sendo uma delas a Praça Figueira Sampaio.

n. 8 n. 12 n. 24 s/n n. 38

n. 52/62 n. 70 n. 82A s/n n. 94

n. 100 s/n n. 114 s/n s/n

n. 100 n. 97 s/n n. 79 n. 77

n. 75 n. 67 n. 59 n. 53A s/n

n. 136 s/n n. 144 s/n n. 156

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n. 160 n. 166 n. 135 n. 141 n. 147

n. 151 n. 155 n. 163 n. 238 n. 230

s/n n. 218 n. 214 n. 208 n. 200

n. 196 n. 190 s/n s/n n. 178

n. 177 n. 183 n. 187 n. 197 n. 199

n. 205 n. 209 n. 217 n. 223 n. 227

n. 227A n. 237 n. 258 n. 264 n. 272

n. 276 n. 282 n. 286 n. 294 n. 302

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n. 306 n. 310 n. 318 n. 324 n. 334

n. 342 n. 348 n. 352 n. 360 n. 364

n. 368 n.378 n. 388 n. 257 n. n. 275A

n. 275B n. 283 n. 289 n. 293 n. 299

n. 311A n. 311B n. 321 n. 325 n. 331

n. 337 n. 343 n. 351 n. 361 n. 367

n. 381

4. Resultados e discussões

A rua não apresenta nenhum tipo de padrão ou linguagem, seja de cor ou de


estilo arquitetônico. A descaracterização das fachadas, principalmente as que
possuem uso comercial, é uma constante e evidencia a necessidade de estudo para
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conduzir possíveis intervenções de restauro e conservação. Há predominância do
acabamento em pintura pois dos 101 imóveis apenas 18 contam com algum tipo de
revestimento, podendo este ser em pedra, azulejo cerâmico contemporâneo ou bloco
cimentício com algum tipo de adorno em relevo.
Dois dos possíveis estilos arquitetônicos passíveis de serem identificados é o
art déco e o protomodernismo. Em ambos é comum o uso da platibanda e de
elementos em relevo com linhas retas. Beges e marrons, tons pastéis de modo geral,
são as cores mais percebidas e algumas variações por conta da luminosidade se
fazem presentes. Contudo, nem nessas edificações conseguiu-se apontar uma paleta
de cores mais homogênea. Apesar da falta de unidade nota-se a predileção pela cor
amarela, presente em alguma de suas variedades em 35 imóveis. Mesmo assim não
há garantia de que estas sejam as cores originais das edificaçãos pois tal análise
requer prospecção adequada.
A poluição visual presente em todas as quadras da rua é fruto dos letreiros e
placas dos imóveis de uso comercial. Não há nenhuma recomendação à dimensão e
instalação de equipamentos voltados à sinalização de pontos de venda como já
acontece em algumas cidades históricas brasileiras. Estabelecer esse tipo de padrão
auxilia bastante à visualização da edificação e a mesma deixa de competir com a
propaganda feita para chamar a atenção do seu uso. De maneira geral o uso
comercial alterou irreversivelmente as fachadas das edificações pois em todas elas
foram ampliados ou abertos novos vãos.

Considerações finais

O centro histórico barbalhense se apresenta, invariavelmente, como área já


detentora de infraestrutura com importantes vantagens sobre o conjunto da cidade:
trata-se de antiga centralidade urbana, referência a toda a Região do Cariri que
consome a cidade como produto cultural. Giovannoni já havia alertado que centros e
demais bairros antigos só serão integrados à vida contemporânea e então
conservados quando fosse possível conciliar sua nova função à morfologia e
dimensões anteriores (CHOAY, 2006, p. 236).
Uma alternativa eficaz à preservação do conjunto arquitetônico, levando em
consideração sua morfologia original e as edificações históricas que a compõe é a
reabilitação. Esta é definida na Carta de Lisboa (1995) como “uma estratégia de
gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de intervenções
múltiplas destinadas à valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais, a

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fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes” (Carta de Lisboa apud
CASTILHO, VARGAS, 2015, p. 67).
Conhecer, analisar, aprender e criticar o processo de formação das cidades é o
primeiro de muitos passos para a elaboração de projetos de intervenção que visem
preservar seus centros históricos. Como apresentado neste estudo, entender a origem
da cidade portuguesa também faz parte deste processo devido a mais semelhanças
do que diferenças em relação as cidades do Brasil colonial. O legado do desenho dos
espaços urbanos articulando-se com características físicas e ambientais também é
aprendizado para a construção de futuras cidades.
Portanto, a apresentação das fachadas da Rua do Vidéo evidencia uma
problemática presente no restante do Centro Histórico de Barbalha: o
desaparecimento gradativo de identidade. Esta constante pode comprometer o
entendimento do bairro como local histórico demonstrando assim a necessidade cada
vez mais urgente da aplicação de projetos voltados à conservação de seus imóveis.
Dentre as questões notadas tem-se o uso comercial como um dos principais
contribuintes à descaracterização não só da fachadas, mas também do interior desses
edifícios.
Para levantamento adequado das cores das fachadas será necessário escolher
um método de especificação que leve em consideração o tipo de trabalho a ser
efetivado e o nível de precisão adequado para tal estudo. Matiz, saturação e
luminosidade, em superfícies arquitetônicas, são variáveis que também precisam ser
consideradas pois indicam a aparência das cores. Nesse sentido, é possível utilizar
mais de um método para garantir resultados mais específicos.
Para Brandi, “a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade
potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico
ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no
tempo” (BRANDI, 2004, p. 33). Uma intervenção que use a cor como estratégia de
restauro urbano, portanto, não promoverá um falso histórico pois o objetivo principal é
trazer de volta a noção de conjunto e consequentemente de identidade para este sítio.
Diante do exposto, estabelecer uma paleta de cores e aplicá-la pode ser a
alternativa mais rápida para recuperar e garantir algum tipo de unidade visual não só
para esta rua como para todo o núcleo original da cidade de Barbalha. Como já foi
dito, não foi feita a investigação das cores originais do sítio e este trabalho visa
contribuir com o levantamento das fachadas e diagnóstico sobre a situação atual,
etapas iniciais para um futuro processo de intervenção.

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REFERÊNCIAS

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patrimônio. Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2002.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica.


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BITTAR, Willian; MENDES, Chico; VERÍSSIMO, Chico. 1 ed. Arquitetura no Brasil:


de Cabral a Dom João VI. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2011.

BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004.

CASTILHO, Ana Luis; VARGAS, Heliana (Orgs). Intervenções em centros urbanos:


objetivos, estratégias e resultados. Barueri, São Paulo: Manole, 2015.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade:


UNESP, 2006.

CURY, Isabelle. Org. Cartas patrimoniais. 3 ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN,
2004.

Dossiê de Registro da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha.


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GURGEL, Ana Paula Campos. Entre serras e sertões: a(s) (trans)formação(ões) de


centralidade(s) da Região Metropolitana do Cariri/CE. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: 26 ed. Companhia das
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LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. 9 ed.


Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Gráfica ACD Print S.A., 2017.

PEDROSA, lsrael. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro, RJ: Senac Nacional,
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio
Belo Horizonte/MG de 20 a 23/06/2017.
2009.

PEDROSA, lsrael. O universo da cor. Rio de Janeiro, RJ: Senac Nacional, 2008.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 13 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2012.

ROSSA, Walter. A urbe e o traço: uma década de estudos sobre o urbanismo


português. 1 ed. Coimbra: Editora Almedina. 2002.

TEIXEIRA, Manuel C. A forma da cidade de origem portuguesa. 1 ed. São Paulo:


Editora Unesp, 2012.

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

URBANIZAÇÃO, CAMINHOS E ICONOGRAFIA: RECORTES E


PROCESSOS MINEIROS

Adriana Gomes Do Nascimento (adrianan@ufsj.edu.br)

Isabela Freitas Cioni (isabela.cioni@gmail.com)

Maria Cristina Alves Pereira (mcristinaalvespereira@msn.com)

Paulo Jarbas Cardoso Da Silva (paulinhojarbas@gmail.com)

Suzana Helena Ceranto Ribeiro (suzanahe0@aluno.ufsj.edu.br)

Esse texto articula investigações e debates do Grupo de Pesquisa A.T.A. da


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) sobre os processos
históricos de urbanização no Brasil, com recorte em Minas Gerais e foco no
que se define como espaços públicos, via estudos imagéticos e iconográficos.
Entendendo que a urbanização chega no Brasil com a colonização, o que se
busca enfatizar com este artigo são alguns levantamentos realizados por
diferentes projetos de pesquisa que têm pontos de convergência e
interconexão na relação com os caminhos e as narrativas, ao longo do tempo,
sobre municípios da região centro-sul do estado de Minas Gerais. Têm-se num
primeiro momento a verificação dos trajetos históricos delimitados e mapeados
no recorte espaço-temporal da Comarca do Rio das Mortes (1714-1892), em
seguida analisamos as mudanças ocorridas tanto nos trajetos, quanto nas
delimitações geográficas e político-territoriais meso e micro-regionais até
meados de 1950. A partir do levantamento iconográfico, de mapas, desenhos,
pinturas e registros fotográficos, são observadas diferentes camadas de
informações que dialogam com o processo histórico regional, sinalizando o
desvelar das transformações sócio-espaciais nos municípios dessa região sul-
mineira. Ao se delimitar o recorte de municípios específicos dentro da área
primariamente definida pela Comarca do Rio das Mortes, são percebidas
permanências e transitoriedades nas centralidades e relevâncias políticas-
espaciais, que revelam as transformações ambientais-paisagísticas,
arquitetônico-urbanísticas, sócio-culturais e econômicas. Este artigo apresenta
parte do processo de intersecção de investigações em curso e permite
contribuir com informações que ampliam conhecimentos regionais e sobre os
acervos disponíveis, no sentido de recriar histórias e narrativas críticas,
também na compreensão de valiosos inventários iconográficos e imagéticos
sobre esta região, além de discutir criticamente a conservação, o patrimônio e
práticas consideradas sustentáveis.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO: ANÁLISE ARQUITETÔNICA DA


RESIDÊNCIA JOÃO FELINTO DE ARAÚJO, 1962. CAMPINA GRANDE-PB

Paula Emanuelle Silva Pequeno (paulapequeno13@hotmail.com)

Débora Thais Rodrigues De Araújo (deborathaisaraujo45@gmail.com)

Wilson Valmir Da Silva (wilsonvalmir.ds@gmail.com)

Emanuela Veríssimo De Souza (manu.vsouza@gmail.com)

O objeto de estudo desse artigo trata-se da Residência João Felinto de Araújo,


projetada pelo arquiteto carioca Hugo Marques em 1962, no bairro da Prata, na
cidade de Campina Grande, agreste do estado da Paraíba, Nordeste Brasileiro.
Seu objetivo é apresentar os resultados das pesquisas sobre arquitetura
residencial moderna realizadas pelo Grupo de Pesquisa Arquitetura e
Lugar/GRUPAL-UFCG. O trabalho tem como justificativa contribuir com os
estudos realizados sobre o patrimônio moderno no Nordeste, especialmente no
estado da Paraíba, a fim de incentivar a sua preservação, uma vez que o
mesmo vem correndo sérios riscos, sendo descaracterizado e demolido por
não estar devidamente protegido. A metodologia utilizada para a pesquisa foi o
estudo das dimensões proposto por Afonso (2019), onde são analisadas as
sete dimensões arquitetônicas: 1. Dimensão normativa; 2. Dimensão histórica;
3. Dimensão espacial (3.1 O espaço externo; 3.2 O espaço interno); 4.
Dimensão Tectônica; 5. Dimensão Funcional; 6. Dimensão formal; 7. Dimensão
da conservação do objeto. O aporte teórico apoia-se em autores como Afonso
(2019), Serra (2006), Frampton (1995), Garcia (2018) e Afonso (2020).
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

VILA DE SANTA THEREZA, BAGÉ: EXPERIÊNCIAS DE REGISTROS NO


SUL DO RIO GRANDE DO SUL

Isadora Baptista Alves (isadorabaptistaalves@hotmail.com)

Larissa Mörschbächer (larissa.morschbacher@gmail.com)

Aline Silveira (alinemontagna@yahoo.com.br)

O patrimônio cultural material do Brasil frequentemente encontra-se em risco.


O registro e documentação desse acervo são mecanismos que auxiliam no
campo da preservação e conservação do patrimônio. No processo de produção
dos novos saberes, destaca-se a etapa de documentação de bens culturais na
realização dos trabalhos acadêmicos nas universidades brasileiras. Nesse
contexto, o Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB) – vinculado à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas
(FAUrb/UFPel) – conta com um acervo documental sobre a arquitetura e a
paisagem da região sul do Rio Grande do Sul, produzido por alunos,
professores e técnicos-administrativos. Essa documentação foi produzida nas
últimas décadas através de atividades de ensino, pesquisa e extensão e
contemplam, pelo menos, o registro do patrimônio cultural de quatorze cidades
pertencentes ao distrito geoeducacional da UFPel. Este trabalho tem por
objetivo discutir estratégias de documentação realizadas em Trabalhos Finais
de Graduação de estudantes da FAUrb/UFPel, a partir de um estudo de caso
realizado na Vila de Santa Thereza, localizada na cidade de Bagé, na fronteira
sul do Rio Grande do Sul. O trabalho abordou a temática da preservação
patrimonial na Vila de Santa Thereza, que teve sua criação com o apogeu das
charqueadas do final do século XIX e, apesar de ser um importante
remanescente da arquitetura industrial no sul do Rio Grande do Sul, poucos
registros sobre o bem foram encontrados na época da realização do trabalho,
em 2019. Este relato busca apresentar as estratégias de documentação do
conjunto arquitetônico estudado, discutindo as potencialidades e as limitações
decorrentes das particularidades da Vila de Santa Thereza. Nesse sentido,
além de contribuir para a documentação em si, propõe a discussão sobre os
processos que são vivenciados pelos estudantes que se propõem a estudar
esses bens de valor cultural. Por fim, ressalta-se que os trabalhos finais
realizados por estudantes de graduação são importantes formas de
documentação para o processo de reconhecimento e salvaguarda de bens de
valor cultural. Portanto, registrar e discutir as possibilidades e desafios dessas
ações pode contribuir para orientar futuros trabalhos no campo da preservação
do patrimônio cultural material.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM BANCO DE DADOS: PESQUISA


E SISTEMATIZAÇÃO DE DADOS SOBRE OS PRIMEIROS TOMBAMENTOS
DA CIDADE DE SÃO PAULO

Mariana De Souza Rolim (msrolim@outlook.com)

Carolina Oliveira Scatolini (carolina.scatolini@anhembi.br)

Mariana Cerqueira De Sousa (scmariana14@gmail.com)

A cidade de São Paulo tem hoje mais de três mil imóveis tombados, em um
processo que teve início em 1988. Ao longo desse período, as políticas
públicas em torno da identificação e tombamento de tais imóveis mudaram, de
maneira que atualmente temos processos de tombamento com níveis de
informação e documentação muito diferentes. Os tombamentos iniciais feitos
pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico,
Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) apresentavam apenas uma
relação de imóveis, sem pesquisa histórica sobre tais bens. Já os tombamentos
mais recentes foram feitos em processos com pesquisa histórica detalhada.
Dessa maneira, há uma grande lacuna de informação sobre os primeiros
tombamentos da cidade, realizados entre os anos de 1988 e 1992. Com tal
lacuna, criam-se problemas diversos: desde a ausência de informações para
proprietários e interessados em realizar obras nesses imóveis, até falta de
compreensão sobre a importância de tais bens por parte da sociedade. Além
disso, a diferença de informações disponíveis sobre os tombamentos torna
mais difícil uma sistematização de dados básicos sobre o conjunto total
tombado na cidade, como data de construção ou uso dos edifícios.

As boas práticas de gestão de patrimônio cultural indicam que o primeiro passo


para qualquer ação de preservação é o conhecimento sobre as edificações
tombadas, através de inventários e bancos de dados (como referência,
mencionamos os manuais de gestão da Unesco). Infelizmente o poder público
não tem corpo técnico em número suficiente para viabilizar a organização de
bancos dessa natureza, alimentando de forma negativa um círculo de
desinformação sobre os bens tombados paulistanos.

O presente artigo pretende apresentar o projeto desenvolvido dentro da


Universidade, que tem o objetivo de desenvolver um banco de dados sobre
bens tombados na cidade de São Paulo, com a possibilidade de atualizações e
de consulta pública. Em um primeiro momento, foi elaborada pesquisa histórica
e documental sobre os primeiros bens tombados pelo município, com definição
de parâmetros e critérios técnicos e metodológicos de pesquisa e cadastro (por
exemplo, tipologias arquitetônicas e usos considerados na catalogação). Em
seguida, foi desenvolvido um banco de dados com informações no mesmo
nível de detalhamento dos tombamentos mais recentes. Até o atual momento,
foram cadastrados mais de 300 imóveis, com padronização de vocabulário
controlado e considerando níveis de acesso diferentes para a população em
geral e para os técnicos do poder público. Desta forma, contribuindo para o
processo de preservação do patrimônio municipal, a partir de tecnologias que
permitam a documentação de tal patrimônio, assim como a atualização de tais
informações, contribuindo para o fortalecimento de políticas públicas de
preservação do patrimônio cultural e do conhecimento da sociedade sobre sua
história.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

CONTRIBUIÇÕES PARA METODOLOGIA DE ANÁLISE CROMÁTICA EM


CENTROS HISTÓRICOS: A RUA DO VIDÉO EM BARBALHA, CEARÁ

Giovanna Garcez Freire (giovanna.garcez@fapce.edu.br)

Cicera Bianca Pereira Garcia (biancapereiragaarcia@gmail.com)

Barbalha, uma das principais cidades do Sertão Caririense, aos pés da


Chapada do Araripe, protagoniza um grande festejo cultural e religioso
reconhecido nacionalmente, a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio.
Este cortejo, celebrado desde 1928, reúne milhares de fiéis e turistas de
diversos locais do país durante os 15 dias de festejo. Entre os principais
elementos e atratividades que formam a beleza do evento, destaca-se a Rua
do Vidéo como o percurso final até a hasteada do pau da bandeira, fazendo
ligação entre as duas maiores igrejas católicas da cidade, acolhendo grande
multidão de pessoas que esperam pela chegada dos carregadores. Essa
relação entre patrimônio material e imaterial é fundamental para a preservação
destes, sendo necessários diversos tipos de estudos para seus inventários e
posteriores tombamento e salvaguarda. Portanto, este trabalho apresenta
diretrizes e contribuições para análise cromática das edificações da Rua do
Vidéo, cujo principal objetivo é fazer um levantamento das edificações da
referida rua que permita uma posterior investigação mais aprofundada. Analisar
um breve panorama sobre o estudo da cor em centros históricos é um dos
objetivos específicos e soma-se ainda conhecer melhor o centro histórico
barbalhense. A partir dos resultados será possível estudar as cores
empregadas nas fachadas e assim contribuir à noção de entendimento de
conjunto e identidade não apenas da rua, mas também do bairro histórico no
qual ela está inserida.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DESCENTRALIZADORAS DE


PRESERVAÇÃO EM MINAS GERAIS: 25 ANOS DO PROGRAMA ICMS
PATRIMÔNIO CULTURAL

Camila Silva Morais (morais.camila@gmail.com)

A história da política de proteção ao Patrimônio Cultural em Minas Gerais já


supera os 80 anos de existência. Iniciada no final da década de 1930, com a
atuação do então Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), atual Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
desde 1971 contou com a ação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG). O início da atuação do IPHAN em
Minas esteve mais focada no tombamento dos núcleos das cidades
representativas da arquitetura barroca, especialmente Mariana e Ouro Preto,
assim como o IEPHA, que também começou sua atuação com a proteção de
monumentos e núcleos do período colonial, fazendas e prédios representativos
da história mineira, fossem estes sagrados ou laicos. Dessa forma, o presente
artigo aborda de forma sistemática e histórica as alterações da gestão
patrimonial do IEPHA/MG, especialmente a partir da criação e consolidação da
Lei Robin Hood em Minas Gerais e do Programa ICMS Patrimônio Cultural,
instrumento de normatização para implementação do critério patrimônio cultural
da referida Lei pelas municipalidades. Apresenta e explicita as diretrizes e
normativas elaboradas pelo IEPHA/MG, responsável pela coordenação do
Programa, voltadas para a gestão, proteção, salvaguarda e promoção do
patrimônio cultural local, inclusive as alternativas buscadas para o período da
pandemia. Além disso, apresenta alguns indicadores nestes 25 anos de
existência do Programa, avaliando os ganhos obtidos e os desafios
enfrentados.
EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO

A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DESCENTRALIZADORAS DE


PRESERVAÇÃO EM MINAS GERAIS: 25 anos do Programa ICMS
Patrimônio Cultural

MORAIS, CAMILA S. (1); ASSIS, CLARICE L.

1. Universidade Federal de Minas Gerais. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.


morais.camila@gmail.com

2. Universidade Federal de Minas Gerais. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.


claricelibanio@gmail.com

RESUMO
O presente artigo aborda de forma sistemática e histórica a criação e consolidação da Lei Robin Hood
em Minas Gerais e do Programa ICMS Patrimônio Cultural, instrumento de normatização para
implementação do critério patrimônio cultural da referida Lei pelas municipalidades. Apresenta e
explicita as diretrizes e normativas elaboradas pelo IEPHA/MG, responsável pela coordenação do
Programa, voltadas para a gestão, proteção, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural local,
inclusive as alternativas buscadas para o período da pandemia. Além disso, apresenta alguns
indicadores nestes 25 anos de existência do Programa, avaliando os ganhos obtidos, pari passu aos
desafios enfrentados.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural; ICMS Patrimônio Cultural; Lei Robin Hood; IEPHA/MG;
Municipalização; Bens Culturais Protegidos.

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1. Introdução

A história da política de proteção ao Patrimônio Cultural em Minas Gerais já supera os 80


anos de existência. Iniciada no final da década de 1930, com a atuação do então Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), desde 1971 contou com a ação do Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG). Se a atuação do IPHAN em
Minas esteve mais focada no tombamento dos núcleos das cidades representativas da
arquitetura barroca, especialmente Mariana e Ouro Preto1, o IEPHA também começou sua
atuação com a proteção de monumentos e núcleos do período colonial, fazendas e prédios
representativos da história mineira, fossem estes sagrados ou laicos.

É importante destacar que Minas Gerais é o estado brasileiro com maior número de bens
culturais protegidos, através da atuação integrada e não concorrente do poder público nas
três esferas administrativas. Além disso, é o estado que possui mais bens inscritos na Lista
do Patrimônio Mundial, como é o caso do Conjunto Moderno da Pampulha, o Santuário do
Bom Jesus do Matozinhos e os Centros Históricos de Ouro Preto e Diamantina, entre
outros.

Face a tal riqueza cultural e os desafios ligados à sua conservação, desde sua fundação o
IEPHA/MG vem ampliando seu escopo de atuação gradativamente e, dentro de sua missão,
para além da proteção aos bens por ele tombados e registrados, passa a incluir a promoção
e difusão dos conceitos e práticas de proteção do patrimônio, através da criação de
instrumentos e mecanismos para a preservação da memória e das referências culturais em
todo o Estado. Exemplos do que se vem de afirmar são a criação da Política de Atuação
com as Comunidades (PAC), em 1983 – que incentivou a criação e desenvolvimento de
entidades locais de preservação do patrimônio local, de forma descentralizada – além da
implantação de associações e conselhos de defesa do patrimônio.

Marco relevante nesta história, foco do presente artigo, é o Programa ICMS Patrimônio
Cultural, pioneiro no país, criado a partir da Lei Robin Hood (discussão iniciada com o
Decreto-Lei nº 32.771, de julho de 1991, consolidada na Lei 12.040, de 1995 - Robin Hood e
atualmente em funcionamento através da Lei 18.030 de 2009). São vários os critérios a
serem atendidos pelas gestões municipais para recebimento dos recursos, entre os quais
estão ações nas áreas de educação, esportes, patrimônio cultural e turismo. A ideia é

1Ver Vogt, O. P. (2008). Patrimônio cultural: um conceito em construção. MÉTIS: história & cultura.
2008.
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induzir e apoiar a municipalização de algumas políticas públicas, através de recursos
tributários provenientes do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS).

No caso específico do Patrimônio cultural, está definido através do Inciso VII do art. 1º da
referida lei, e tem como diretrizes os parâmetros dispostos no Anexo II da Lei e definidos
através das deliberações normativas do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural
(CONEP), e das orientações técnicas e metodológicas do IEPHA/MG. Este avalia e pontua
cada municipalidade a partir da entrega de documentação que comprove a realização de
ações para implementação de políticas locais de gestão, proteção, salvaguarda e promoção
do patrimônio cultural, bem como de investimento em seus bens protegidos.

O artigo busca apresentar os instrumentos e histórico de operacionalização do critério


Patrimônio Cultural, já com 25 anos de existência. Para além desta Introdução, estruturado
em cinco seções onde se apresenta de forma detalhada tanto a legislação estadual quanto a
normatização do programa pelo IEPHA/MG, através dos instrumentos Deliberações
Normativas e Portarias de Orientações Técnico-Metodológicas. Ademais, traz indicadores
de desempenho do programa ao longo de sua existência e uma breve avaliação dos ganhos
obtidos e dos desafios encontrados para sua execução.

Para construção desse artigo utilizou-se o levantamento e análise de dados secundários que
compõem os bancos de dados da Fundação João Pinheiro (FJP) e do IEPHA/MG, além de
análise bibliográfica e apuração de informações junto aos gestores públicos e técnicos
responsáveis pela execução da política no Estado.

2. A Lei Robin Hood e a introdução do critério Patrimônio Cultural

A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 158, as regras da distribuição do Imposto


Sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Do total do valor
arrecado, 25% pertencem aos municípios, devendo ser repassado no mínimo três quartos
proporcionalmente à cota-parte do valor adicionado fiscal (VAF)e o restante como dispuser
lei estadual2.

Objetivando regulamentar o repase dos 25% aos municípios, o estado de Minas Gerais, por
meio do Decreto-Lei nº 32.771, de julho de 1991, determinou que a distribuição da cota-

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06 a 08 de outubro de 2021
parte do ICMS devida às municipalidades observaria três critérios, com os respectivos pesos
apresentados a seguir:

 94,0668% seriam distribuídos em função do VAF;

 5,61% seriam distribuídos aos municípios mineradores, com base na


participação da arrecadação de cada município no total da arrecadação do extinto
Imposto Único sobre Minerais referente a 1988;

 0,3232% seriam distribuídos para os municípios de Mateus Leme e Mesquita,


nos termos da Lei Nº 11.041, de 15 de janeiro de 1993, até o ano de 2008, em
função do processo de emancipação de distritos nesses municípios.

Esses critérios estabelecidos a priori tiveram como consequência um alto grau de


concentração de recursos nos municípios mais ativos economicamente, principalmente
aqueles que possuíam atividades minerárias, e consequentemente, possuidores do maior
volume de VAF.

Para corrigir esse impacto pouco favorável aos municípios menos ativos economicamente,
foi publicada a Lei nº 12.040, de 28 de dezembro de 1995, conhecida como Lei Robin Hood,
introduzindo novos critérios e variáveis que modificaram a metodologia de cálculo até então
utilizada, tornando a distribuição dos recursos do ICMS mais democrática.

Com o estabelecimento da Lei Robin Hood objetivou-se, especialmente3:

 buscar maior descentralização na distribuição da cota-parte do ICMS, uma


vez que pelo critério anterior, 49,1% dos recursos eram repartido entre apenas 10
municípios, ficando a outra metade para ser distribuída entre os 746 municípios
restantes existentes em 19974;

 criar mecanismos que incentivassem os municípios a aplicarem recursos em


áreas sociais básicas, como saúde, educação e meio ambiente;

 induzir os municípios a se esforçarem para utilizar e explorar, de forma mais


eficiente, as suas bases tributárias próprias, com o objetivo de diminuírem suas
dependências de transferências intergovernamentais, voluntárias ou constitucionais;

2 A partir da Emenda Constitucional 108/20, que altera a cota-parte do VAF para um mínimo de 65%,
será alterada também a legislação estadual, com seus critérios e pesos.
3 Para mais detalhes da alteração das legislações ao longo do tempo e as mudanças delas

decorrentes, ver Biondini et al, 2014.


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 criar uma parceria entre estado e municípios, tendo como objetivo a melhoria
da qualidade de vida da população destas regiões.

Para atingir seus objetivos, essa lei determinou um modelo de repartição envolvendo dez
variáveis com pesos diferentes na participação do total a ser transferido e com critérios
próprios para apuração da participação do município em cada uma dessas variáveis.
Conforme pode ser visto na Tabela 1, após a implantação desses novos critérios de
repartição detectou-se de imediato uma grande alteração no processo de desconcentração
dos recursos.

Variáveis Anos/Pesos
1996 1997 1998 1999 2000
VAF 13,04712 9,9724 6,80608 6,87072 6,93536
Área Geográfica 0,333000 0,66600 1,00000 1,00000 1,00000
População 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
População 50 mais populosos 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Educação 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Área Cultivada 0,33300 0,66600 2,00000 2,00000 2,00000
Patrimônio Cultural 0,33300 0,66600 1,00000 1,00000 1,00000
Meio Ambiente 0,33300 0,66600 1,00000 1,00000 1,00000
Gastos com Saúde 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Receita Própria 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Cota Mínima 5,50000 4,69500 3,89000 3,89000 3,89000
Municípios Mineradores 1,50000 0,75000 0,11000 0,11000 0,11000
Mateus Leme 0,20383 0,18070 0,13555 0,09037 0,04518
Mesquita 0,08755 0,07780 0,05837 0,38910 0,01946
Tabela 1: Pesos para Distribuição da Cota-Parte do ICMS – período 1996 a 2000.
Fonte: Lei 12.040, de 28 de dezembro de 1995 consolidada e Lei 13.803 de 27 de dezembro de 2000.

Ao longo do tempo, essa lei sofreu algumas alterações menos significativas até chegar à
atual Lei n° 18.030, de 12 de janeiro de 2009, ainda em vigor. Esta promove mudanças
consideráveis na distribuição da cota-parte do ICMS pertencente aos municípios mineiros,
tendo em vista a inclusão de seis novos critérios de repartição: turismo, esportes, municípios
com sede de estabelecimentos penitenciários, recursos hídricos, ICMS solidário e mínimo
per capita, além de um subcritério do ICMS Ecológico relacionado à mata seca. A nova Lei
entrou em vigor em janeiro de 2010, mas a distribuição de recursos financeiros realizada
com base nos novos critérios somente se deu a partir de 2011.

A Tabela 2 apresenta a nova composição das variáveis de rateios com seus respectivos
pesos na participação do total da cota-parte do ICMS municipal.

4 Atualmente, em 2021, o estado de Minas Gerais possui 853 municípios.


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Variáveis Pesos no total (%)
Lei 12.040/95 Lei 18.030/09
VAF 81,93536 75,00
Área Geográfica 1,00000 1,00
População 2,00000 2,70
População 50 mais populosos 2,00000 2,00
Educação 2,00000 2,00
Área Cultivada/ Produção de
1,00000 1,00
Alimentos
Patrimônio Cultural 1,00000 1,00
Meio Ambiente 1,00000 1,10
Gastos com Saúde 2,00000 2,00
Receita Própria 2,00000 1,90
Cota Mínima 3,89000 5,50
Municípios Mineradores 0,11000 0,01
Recursos Hídricos - 0,25
Sede Estabelecimentos
- 0,10
Penitenciários
Esportes - 0,10
Turismo - 0,10
ICMS Solidário - 4,14
Mínimo per capita - 0,10
Tabela 2: Comparativo de Pesos para Distribuição da Cota-Parte do ICMS
Fonte: Lei 12.040, de 1995 e Lei 18.030, de 2009.

Ainda em vigência, a Lei 18.030/2009, em seu artigo primeiro, inciso sétimo, estabelece que
o critério Patrimônio Cultural se dará pela relação percentual entre o Índice de Patrimônio
Cultural do Município (PPC) e o somatório dos índices de todos os Municípios, fornecido
pelo IEPHA/MG, conforme critérios pré-definidos e normatização posterior.

Como determinações dessa Lei que interferem diretamente no índice PPC, tem-se a
pontuação máxima de cada atributo relacionado ao Patrimônio Cultural e a determinação
dos prazos para publicação dos dados dos índices provisórios e definitivos apurados, sendo
20 de junho e 20 de julho de cada ano, respectivamente. Ao IEPHA/MG destina-se a
normatização das metodologias adequadas para execução das ações relacionadas ao
patrimônio cultural local, definidas por meio de Deliberação Normativa do Conselho Estadual
do Patrimônio Cultural (CONEP) e de Portaria de Orientações Técnicas e Metodológicas,
bem como a análise da documentação enviada pelos municípios.

Após a análise da documentação comprobatória, o IEPHA/MG informa à Fundação João


Pinheiro a pontuação final total de cada município para que seja então calculado o valor de
repasse financeiro do ICMS, critério PPC.

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06 a 08 de outubro de 2021
3. Programa ICMS Patrimônio Cultural e principais alterações ao
longo de seus 25 anos

A atual Deliberação Normativa (DN) do CONEP n° 01/2021, pautada no Anexo II da Lei n°


18.030/2009, estabelece para análise dos atributos e efeito de pontuação no Programa
ICMS Patrimônio Cultural o envio para o IEPHA/MG de Conjuntos Documentais com a
comprovação das ações realizadas. Os Conjuntos Documentais são divididos em três
Quadros: I. Gestão; II. Proteção e III. Salvaguarda e Promoção, conforme Tabela 3.

QUADROS CONJUNTOS DOCUMENTAIS


A – Política Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural e
Outras Ações
I. Gestão
B – Investimentos e Despesas Financeiras em Bens Culturais
Protegidos
A – Inventário de Proteção do Patrimônio Cultural
B – Processos de Tombamento de Bens Materiais, na Esfera
II. Proteção Municipal
C – Processos de Registro de Bens Imateriais, na Esfera
Municipal
A – Laudos Técnicos do Estado de Conservação dos Bens
Materiais Protegidos, na Esfera Municipal
B – Relatórios de Implementação das Ações e Execução do
III. Salvaguarda e
Plano de Salvaguarda dos Bens Protegidos por Registro, na
Promoção
Esfera Municipal
C – Programas de Educação para o Patrimônio e Ações para
Difusão
Tabela 3: Quadros e Conjuntos Documentais DN CONEP 01/2021.
Fonte: DN CONEP 01/2021

As Tabelas 4 e 5, a seguir, trazem os atributos definidos pela Lei, sua devida pontuação
máxima e os Conjuntos Documentais determinados pelo IEPHA/MG para efeito de análise e
pontuação no Programa.

É possível perceber que, se, por um lado, há certa flexibilidade para que o IEPHA/MG defina
os procedimentos de pontuação, especialmente dos Quadros I e III, por outro a pontuação
para os tombamentos e registros dos bens culturais, expressos no Quadro II, é previamente
definida pela referida Lei e, no casos da proteção nas esferas federal e estadual, sequer há
possibilidade de atribuição de critério para análise por parte do IEPHA/MG.

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Pontuação
Máxima
Atributo do Anexo II da Conjunto Documental da Quadro da DN
(Anexo II da
Lei 18.030/2009 DN CONEP / IEPHA CONEP / IEPHA
Lei
18.030/2009)
Existência de planejamento
IA - Política Municipal de
e de política municipal de QUADRO I -
04 pontos Proteção do Patrimônio
proteção do patrimônio GESTÃO
Cultural e Outras Ações
cultural e outras ações
Criação do Fundo Municipal IB - Investimentos e
QUADRO I -
de Preservação do 03 pontos Despesas Financeiras em
GESTÃO
Patrimônio Cultural Bens Culturais Protegidos
IIA - Inventário de
Inventário de Proteção do
Proteção do Patrimônio QUADRO II -
Patrimônio Cultural 02 pontos
Cultural, na Esfera PROTEÇÃO
elaborado pelo Município
Municipal
de 20 a IIB - Processos de QUADRO II –
Cidade ou
2.000 03 pontos Tombamento de Bens PROTEÇÃO e
distrito com
unidades Materiais, na Esfera QUADRO III –
seu núcleo
Municipal e SALVAGUARDA
histórico
IIIA - Laudos Técnicos do E PROMOÇÃO
urbano acima de
Estado de Conservação
tombado no 2.000 04 pontos
dos Bens Materiais
nível unidades
Protegidos, na esfera
municipal
municipal
área de 0,2 QUADRO II –
Somatório
hectare a PROTEÇÃO e
dos
1,9 hectare IIB - Processos de QUADRO III –
conjuntos
ou 01 ponto Tombamento de Bens SALVAGUARDA
urbanos ou
composto Materiais, na Esfera E PROMOÇÃO
paisagísticos,
de 5 Municipal e
localizados
unidades IIIA - Laudos Técnicos do
em zonas
área acima Estado de Conservação
urbanas ou
de 2 dos Bens Materiais
rurais,
hectares ou Protegidos, na esfera
tombados no 02 pontos
composto municipal
nível
de 10
municipal
unidades
Bens imóveis de 1 a 5 QUADRO II –
01 ponto
tombados unidades PROTEÇÃO e
IIB - Processos de
isoladamente de 6 a 10 QUADRO III –
02 pontos Tombamento de Bens
no nível unidades SALVAGUARDA
Materiais, na Esfera
municipal, E PROMOÇÃO
Municipal e
incluídos
IIIA - Laudos Técnicos do
seus
acima de Estado de Conservação
respectivos
10 03 pontos dos Bens Materiais
acervos de
unidades Protegidos, na esfera
bens móveis,
municipal
quando
houver
Bens móveis de 1 a 20 IIB - Processos de QUADRO II –
01 ponto
tombados unidades Tombamento de Bens PROTEÇÃO e
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isoladamente de 21 a 50 Materiais, na Esfera QUADRO III –
02 pontos
no nível unidades Municipal e SALVAGUARDA
municipal IIIA - Laudos Técnicos do E PROMOÇÃO
acima de Estado de Conservação
50 03 pontos dos Bens Materiais
unidades Protegidos, na esfera
municipal
de 1 a 5 IIC - Processos de QUADRO II –
bens 02 pontos Registro de Bens PROTEÇÃO e
registrados Imateriais, na esfera QUADRO III –
Registro de
de 6 a 10 municipal e SALVAGUARDA
bens
bens 03 pontos IIIB - Relatórios de E PROMOÇÃO
imateriais em
registrados Implementação das Ações
nível
e Execução do Plano de
municipal acima de
Salvaguarda dos Bens
10 bens 04 pontos
Protegidos por Registro,
registrados
na esfera municipal
QUADRO III –
Educação patrimonial IIIC - Educação patrimonial
02 pontos SALVAGUARDA
municipal municipal e Difusão
E PROMOÇÃO
Tabela 4: Tabela de Pontuação Máxima e Quadros doPrograma ICMS Patrimônio Cultural.
Fonte: Lei 18.030/2009 e DN CONEP 01/2021.

PONTUAÇÃO ATRIBUÍDA DECORRENTE DA LEI N° 18.030/2009 E INDEPENDENTE


DA ANÁLISE DO IEPHA PARA O PROGRAMA ICMS PATRIMÔNIO CULTURAL
Pontuação
Máxima (Anexo Quadro da DN
Atributo do Anexo II da Lei 18.030/2009
II da Lei CONEP / IEPHA
18.030/2009)
até 2.000 domicílios 05 pontos
Cidade ou distrito com de 2.001 a 3.000
08 pontos
seu núcleo histórico domicílios
urbano tombado no de 3.001 a 5.000
12 pontos
nível estadual ou domicílios
federal acima de 5.000
16 pontos
domicílios
QUADRO II - PROTEÇÃO

área de 0,2 a 1,9


hectare ou que
02 pontos
tenha de 5 a 10
unidades
área de 2 a 4,9
Somatório dos
hectares ou que
conjuntos urbanos ou 03 pontos
tenha de 11 a 20
paisagísticos,
unidades
localizados em zonas
área de 5 a 10
urbanas ou rurais,
hectares ou que
tombados no nível 04 pontos
tenha de 21 a 30
estadual ou federal
unidades
área acima de 10
hectares ou que
05 pontos
tenha acima de 30
unidades
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Bens imóveis de 1 a 5 unidades BI 02 pontos
tombados de 6 a 10 unidades 04 pontos
isoladamente no nível de 11 a 20 unidades 06 pontos
estadual ou federal,
incluídos seus
respectivos acervos de acima de 20
08 pontos
bens móveis, quando unidades
houver
de 1 a 20 unidades 01 ponto
Bens móveis tombados
de 21 a 50 unidades 02 pontos
isoladamente no nível
acima de 50
estadual ou federal 03 pontos
unidades
de 1 a 5 bens
02 pontos
registrados
Registro de bens
de 6 a 10 bens
imateriais em nível 03 pontos
registrados
federal e estadual
acima de 10 bens
04 pontos
registrados
Tabela 5: Tabela de Pontuação para Bens Protegidos na Esfera Estadual e Federal.
Fonte: Lei 18.030/2009.

Para fazer jus à pontuação de cada um desses atributos, os municípios mineiros necessitam
enviar para análise do IEPHA/MG, anualmente, a comprovação das ações de cada um dos
Conjuntos Documentais determinadas pela DN CONEP e Portaria de Orientações Técnicas
e Metodológicas. Caso o município deixe de enviar as comprovações em um determinado
ano, poderá enviá-las no ano seguinte, sob determinações da DN CONEP em vigência, sem
qualquer prejuízo para ele.

Todos os Conjuntos Documentais da Portaria são elaborados de forma sistêmica e, ainda


que separados por Quadros específicos, devem ter suas ações planejadas de forma
estratégica e conjunta, de forma a garantir a máxima eficiência dos sistemas municipais de
gestão, proteção, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural local.

A Figura 1 mostra as ações previstas na DN CONEP e seus conjuntos documentais


organizados em uma perspective sistêmica e integrada.

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Figura 1: Diagrama dos Quadros previstos da DN CONEP e suas ações.
Fonte: DPR, IEPHA/MG, 2020.

Atualmente, a Portaria IEPHA/MG 06/2021, em vigência, objetiva atribuir maior autonomia


aos municípios, diante dos processos municipais de tomada de decisão relacionados à
gestão local dos bens patrimoniais. A Portaria orienta aos municípios para que realizem
ações nos seguintes âmbitos:

 Políticas Cultural locais: comprovação de leis de proteção municipal;


existência e funcionamento do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural; atividades
de fiscalização e capacitação do Setor Municipal de Patrimônio;

 Investimentos em Patrimônio Cultural: comprovações da existência de Fundo


Municipal de Patrimônio Cultural e investimentos em ben culturais protegidos
(inventariados, tombados e/ou registrados) e ações de educação patrimonial e
difusão;

 Realização continuada de inventário do patrimônio cultural local;

 Realização de processos de tombamento na esfera municipal;

 Realização de processos de registro na esfera municipal;

 Realização continuada de laudos de estado de conservação de bens culturais


tombados na esfera municipal;
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 Realização continuada de relatórios de acompanhamento da execução dos
planos de salvaguarda dos bens culturais registrados na esfera municipal;

 Realização de ações de educação e difusão para o patrimônio cultural com


públicos diversos.

Como já apontado, o início das normativas do IEPHA/MG, ainda na década de 1990, estava
focado no cumprimento de ações relacionadas às políticas de proteção municipal e ao
instrumento de tombamento, evoluindo gradativamente de acordo com as políticas
preservacionistas nacionais. Desde 1996 e até o ano de 2021, o IEPHA/MG já publicou 16
normativas definindo as ações a serem desenvolvidas. Assim, foram sendo intruduzidos
outros instrumentos de proteção, como o inventário cultural e o registro; instrumentos de
monitoramento dos bens culturais protegidos, como os laudos de estado de conservação e a
execução de planos de salvaguarda; ações de educação patrimonial e difusão e criação e
utilização de um fundo municipal específico para o patrimônio cultural.

As alterações legais ao longo dos anos geraram uma gradativa ampliação das atribuições
dos municípios, assim como um aumento da responsabilidade do IEPHA/MG como órgão
gestor. As ações são analisadas e pontuadas conforme a execução apresentada pelos
municípios. Ou seja, a pontuação final será proporcional à quantidade e qualidade das
ações realizadas de acordo com a Portaria IEPHA/MG 06/2021. Por meio dessas analyses,
os procedimentos vão sendo revisados e adaptados, promovendo uma constante dinâmica
na promoção de ações estratégicas para preservação e valorização patrimonial.

4. Situação atual e principais indicadores municipais

O acompanhamento dos principais indicadores do Programa ICMS Patrimônio Cultural


demonstra claramente a força desse instrument indutor na implementação das políticas
patrimoniais municipais. O primeiro ano de implementação do Programa habilitou 106
municípios e em 20195 foram 814 municípios pontuados, num universe de 853 em Minas
Gerais (ver Gráfico 1).

Desde 2006, mais de 67% dos municípios mineiros vem sendo habilitados anualmente para
recebimento de recursos do ICMS critério Patrimônio Cultural, em 2019 foram mais de 95%
(gráfico 1).

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Percebe-se que, de maneira geral, os anos que coincidem com eleições municipais
implicam em uma queda dos municípios habilitados, muito em função do não envio das
comprovações para análise e da ruptura e descontinuidade das políticas públicas quando do
período eleitoral.

Gráfico 1: Evolução de municípios habilitados no Programa ICMs Patrimônio Cultural.


Fonte: GAM, DPR, IEPHA/MG, Tabelas de Pontuação 1996 – 2019.

A título de informação, o site da Fundação João Pinheiro disponibliza a consulta aos valores
de repasse do ICMS aos municípios mineiros. Dessa forma é possível verificar o montate de
repasse por critérios dos ICMS e, também, por município. Esse é um importante instrumento
de informação disponibilizado pela Fundação.

Em 2020, foram repassados aproximadamente R$ 103 milhões de reais6 aos municípios de


Minas Gerais, habilitados no ICMS Patrimônio Cultural, o que viabiliza e incentiva os
municípios a continuarem implementando suas políticas de preservação e conservação em
prol do patrimônio local.

Após 25 anos da existência desse Programa, mais de 95% dos municípios mineiros já foram
contemplados em algum momento com repasse de recursos desse critério. Até 2020, 718
municípios já haviam apresentado em algum momento do Programa a sua legislação

5 A publicação da pontuação referente aos municípios habilitados do ano de 2020 só é publicada em


julho de 2021.
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municipal de proteção e comprovaram a criação do Conselho Municipal de Patrimônio, e
700 municípios já haviam comprovado a criação do Fundo Municipal de Patrimônio Cultural7.

Além disso, Minas Gerais, até 2020, possui cerca de 6.000 bens protegidos8, seja por
tombamento ou por registro, nas esferas municipal, estadual e federal. Destes, mais de 90%
possuem proteção na esfera municipal, ação direta decorrente da execução do Programa
ICMS Patrimônio Cultural.

Outra importante área de atuação do Programa ICMS Patrimônio Cultural é a sua vertente
de promoção à capacitação dos agentes patrimoniais. A normativa do IEPHA/MG para
participação no Programa ICMS Patrimônio Cultural contempla um conjunto de ações
voltadas especificamente para educação e difusão patrimonial. Em 2019, último ano do
Programa com o período de análise já concluído, 560 municípios apresentaram suas ações
realizadas nesse âmbito. Desses, 60% atingiu pelo menos metade do valor da pontuação
total do Quadro IIICD9, demonstrando a boa prática da educação patrimonial e a diversidade
de públicos atingidos nas localidades, como pode ser conferido por meio do gráfico 2.

É importante ressaltar que a pontuação desse quadro, de acordo com a normativa em


vigência para ele – DN CONEP 20/2018 – está diretamente relacionada à quantidade de
ações realizadas com públicos diversos, dentre eles, servidores do setor municipal de
patrimônio e conselheiros do patrimônio; educadores e alunos escolares; locais de memória
coletiva e comunidade em geral e profissionais em serviço de restauro e obras de
manutenção de bens culturais protegidos.

6 Informações obtidas por meio do site da Fundação João Pinheiro. Disponível em <http://robin-
hood.fjp.mg.gov.br/index.php/transferencias/index.php?option=com_jumi&fileid=15>. Acesso
abr/2021.
7 Levantamentos internos do IEPHA/MG, sobre indicadores do Programa ICMS Patrimônio Cultural,

2020.
8 Informações disponíveis no site do IEPHA/MG.
<http://www.IEPHA.mg.gov.br/images/LISTA_BENS_PROTEGIDOS_atualiza%C3%A7%C3%A3o_at
%C3%A9_exerc%C3%ADcio_2021_SITE.pdf>. Acesso abr/2021.
9 Para o ano 2019/exercício 2021 a normativa em vigência para o Programa ICMS Patrimônio Cultural

era a DN CONEP 20/2018, na qual o quadro QIIICD se referia à Educação e Difusão para o
Patrimônio Cultural, valendo até 2,0 pontos, conforme determina a Lei 18.030/2009.
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Gráfico 2: Percentual de Pontuação do QIIICD, ano 2019/exercício 2021.
Fonte: GDEPC, DPR, IEPHA/MG, Indicadores de análise do exercício 2021.

Já o IEPHA/MG, no âmbito desse Programa, realiza as Rodadas do Patrimônio Cultural, que


consiste na ida presencial dos servidores técnicos do Instituto até um município polo, de
uma das regiões do estado, e lá é ofertado um curso de formação técnica na área
patrimonial. Em 2019 foram realizadas 12 Rodadas, abrangendo quase a totalidade dos
município mineiros em sua participação, como é possível verificar por meio da Figura 2.

Figura 2: Municípios participantes das Rodadas do Patrimonio cultural 2019 e Municípios sede.
Fonte: DPR, IEPHA/MG, 2019.

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Em 2020 foram realizadas 02 Rodadas do Patrimônio Cultural até o mês de março, quando
o Brasil foi assolado pelo Coronavírus, atendendo de forma presencial a 100 municípios.
Com a pandemia, as Rodadas foram remodeladas para os moldes virtuais – Rodadas
Virtuais do Patrimônio Cultural – dando continuidade, assim, ao programa de capacitação do
IEPHA/MG. A Rodada Virtual é divulgada e transmitida ao vivo, ficando posteriormente
disponível para consulta, através do canal do Instituto no YouTube10. No formato virtual,
nesse ano, ocorreram 03 Rodadas, com acesso médio de 801 visualizações11 por vídeo.

Também em 2020, além das Rodadas Virtuais, foi ofertado um curso de ensino à distância
(EAD), com a temática “Curso ICMS Patrimônio Cultural: diretrizes de proteção, promoção e
difusão”12. Esse curso foi realizado pelo IEPHA/MG e disponibilizado de forma gratuita por
meio da plataforma de cursos online da Secretaria de Estado da Cultural e do Turismo
(Secult/MG). Esse curso obteve um importante alcance e uma ótima receptividade,
atendendo a 752 pessoas e mais de 600 municípios mineiros, além de pessoas de outros
estados.

Em 2021, ainda com a pandemia em situação grave do Brasil, as Rodadas continuam em


seu modelo virtual. Até final de maio de 2021, o IEPHA/MG já havia realizado 05 Rodadas
Virtuais do Patrimônio Cultural, com acesso médio de 1.580 visualizações13 por vídeo e
atingindo até 400 municípios14 no momento ao vivo da apresentação.

5. Programa ICMS Patrimônio Cultural em meio à Pandemia do


COVID-19

Desde 2019 o mundo foi acometido por uma pandemia viral – COVID-19 – que obrigou as
sociedades a evitarem aglomerações e o convívio social. Uma das principais medidas de
precaução para evitar o contágio e a transmissão do vírus é o isolamento social. Em

10 Cana do IEPHA/MG no Youtube: https://www.youtube.com/user/TVIephaMG. Acesso 31 maio


2021.
11 Cálculo realizado com as visualizações ocorridas até 31 de maio de 2021. Indicador que considera

o número de visualizações do vídeo, sem possibilidade de mensuração de quantos municípios


efetivamente participaram.
12 Apresentação do curso: https://www.youtube.com/watch?v=lGenGu1t72E. Acesso 31 maio 2021.
13 Cálculo realizado com as visualizações ocorridas até 31 de maio de 2021. Indicador que considera

o número de visualizações do vídeo, sem possibilidade de mensuração de quantos municípios


efetivamente participaram.
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meados de março de 2020, como esperado, os primeiros casos da doença foram
confirmados no Brasil e, partir daí, as medidas de prevenção também se tornaram uma
exigência em todos os âmbitos da vida cotidiana

Como consequência direta do isolamento social, várias ações determinantes para a


pontuação dos municípios no Programa ICMS Patrimônio Cultural foram afetadas,
especialmente àquelas relacionadas à salvaguarda dos bens imaterais e à educação
patrimonial, como previstas pelas normativas do IEPHA/MG em vigor.

Ciente e solidário com a situação, o IEPHA/MG divulgou normativas complementares de


forma a possibilitar a adaptação das ações para o ano de 2020 e 2021. Foi permitido que as
ações antes realizadas de forma presencial fossem replanejadas para o modo remoto. Nos
casos em que não fosse possível essa adaptação, como é o caso das celebrações e
festividades, os municípios poderiam susbstituir por outras ações de salvaguarda, com
aprovação prévia do Conselho Municipal de Patrimônio.

No início da pandemia no Brasil, ainda no primeiro semestre de 2020, o IEPHA-MG enviou


um formulário para os municípios mineiros com o bjetivo de entender “Qual a situação do
seu município durante a pandemia?”. O formulário permaneceu disponível até 30 de
novembro de 2020 e obteve a resposta de 428 municípios, ou seja, um pouco mais de 50%
de todos os municípios do estado de Minas Gerais.

Esse instrumento possibilitou uma leitura da realidade local frente à pandemia e os impactos
mais diretos nas ações relacionadas ao patrimônio cultural local. Das respostas obtidas,
98% dos municípios informaram que houve suspensão de atividades presenciais e restrição
de circulação de pessoas durante o período da pandemia abrangido pelo formulário (abril a
novembro de 2020). Alem disso, o formulário identificou como os setores municipais
possuem reduzido corpo técnico, dificultando a implementação das ações: 42% dos
municípios possui apenas 02 servidores atuando no setor, como demonstra o gráfico 3.

14 Informação coletada pelo departamento de Comunicação do IEPHA/MG no momento da


transmissão ao vivo.
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Gráfico 3: Servidores que atuam do Setor Municipal de Patrimônio Cultural.
Fonte: GAM, DPR, IEPHA/MG, Formulário “Qual a situação do seu município durante a pandemia?”,
período de abril a novembro de 2020, respondido por 428 municípios mineiros.

Foi apontado ainda que, as ações municipais mais impactadas pela pandemia na área do
patrimônio cultural foram as reuniões do Conselho Municipal de Patrimônio; execução das
ações de educação patrimonial; visitações guiadas; visitações técnicas e de fiscalização dos
bens culturais; realização de celebrações e festividades culturais.

Dos grupos culturais e detentores do patrimônio cultural imaterial dos municípios foram
apontados como os mais impactados na impossibilidade de realização de suas ações: folia
de reis e congados; capoeira; coral; violeiros; bandas; pastorinhas; feirantes; festividades
religiosas e associações culturais de modo geral, como biscoiteiros, quitandeiras, rendeiras,
artesões etc.

Apesar da imensa tristeza e dificuldade de continuidade dos trabalhos em meios a


pandemia, observou-se alguns pontos positivos na reinvenção das ações patrimoniais nesse
período, tais como: as ações de capacitação virtuais vão além das fronteiras físicas dos
territórios, possibilitando um maior alcance de público; maior adesão à cursos online de
formação técnica; a salvaguarda do patrimônio imaterial pôde ser compreendida para além
da exclusividade do momento de sua recriação ou ocorrência e houve momento para
efetivamente destinar esforços ao planejamento futuro das ações, já que em alguns casos
essa era a única opção possível.

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Outro indicador que apresentou evolução após a adaptação para o meio virtual foi a
participação dos gestores municipais nas Rodadas do Patrimonio Cultural, como
mencionado anteriormente de forma mais detalhada. Se comparmos o número de
visualizações das três Rodadas virtuais de 2020 com as três primeiras Rodadas de 2021
percebemos um crescimento de 228%15 no número de participantes. Aqui é importante
ponderar também que, 2021 é o primeiro mandato municipal da nova gestão da
administração pública municipal, o que propicia maior interesse dos agentes públicos, pois
grande parte é recém contratada das prefeituras municipais.

Em 2020 o IEPHA/MG recebeu documentação para análise de 674 municípios, menos que
os 719 de 2019, o que representa um decréscimo de quase 7%. Esta situação certamente
tem parte de sua explicação ligada ao fato de que 2020 foi ano de eleições municipais,
períodos em que, historicamente, o Programa ICMS Patrimônio Cultural recebe menos
adesões. Por outro lado, a pandemia também afetou o envio dessa documentação, ainda
que não seja possível mensurar em detalhes este impacto

6. Considerações Finais

A evolução dos números, somada aos depoimentos de técnicos e gestores não deixa
dúvidas sobre o significativo impacto positivo do Programa ICMS Patrimônio Cultural sobre
as políticas de preservação patrimonial. A municipalização e descentralização dessa política
em Minas Gerais advém de uma importante estrátégia de indução coordenada pelo governo
estadual, que propiciou a distribuição de recursos financeiros e a estruturação de um
aparato institucional especializado local, promovendo a gestão patrimonial de forma
participativa e efetiva.

Aponta-se ainda a forte adesão das municipalidades frente ao Programa e sua importância
para os municípios com menos de 20mil habitantes, que possuem no ICMS uma parcela
significativa dos recursos totais destinados à cultura.

A implementação desse Programa, em seus 25 anos, também definiu de forma permanente


uma agenda municipal de ações públicas patrimoniais, além de qualificar localmente os
profissionais e as comunidades em prol da proteção de seus bens culturais. O Programa
instruiu e possibilitou a criação de legislações específicas de proteção; criação e efetividade

15 Cálculo realizado com as visualizações ocorridas até 31 de maio de 2021.


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de Conselhos de Patrimônio; criação e utilização de Fundo Municipal de Preservação do
Patrimônio Cultural; implementação ativa e continuada dos instrumentos de proteção
municipal, do inventário, tombamento e registro, além dos instrumentos de monitoramento
desses bens e da promoção da educação patrimonial.

A forma como o Programa trabalha as ações patrimoniais contribui para uma maior
aproximação entre a esfera pública e a comunidade local, além de atuar efetivamente sobre
a desconstrução de uma noção elitista e restritiva de patrimônio, que teve suas origens
históricas nos anos de 1930. Também permite a aproximação entre o Estado, na figura do
IEPHA/MG, e as administrações municipais, somando esforços federativos e possibilitando
maior comunicação entre seus entes.

As alterações e melhorias constantes implementadas ao longo da existência do Programa,


através das normativas do IEPHA/MG, permitiram que várias lacunas fossem sendo
preenchidas e superadas. Por outro lado, apesar de tão longeva e exitosa atuação, o
Programa, que busca a municipalização das políticas de Patrimônio Cultural em Minas
Gerais, também tem vários desafios que precisam ser enfrentados.

Um desses desafios é a entrega online do material comprobatório por parte dos municípios.
Até 2021 somente o Quadro I (Gestão) da normativa do Instituto pode ser entregue de forma
digital, sendo os demais Quadros enviados de forma impressa, pelos Correios. Outro grande
desafio é disponibilizar de forma digitalizada consulta ao material recebido pelo IEPHA/MG
no âmbito, atualmente isso só pode ser feito de forma presencial na biblioteca do Instituto,
que encontra-se fechada durante a pandemia, prejudicando o acesso a este acervo.

Nota-se também que, há um grande dilema a ser trabalhado, que é a preocupação


arrecadatória dos municípios diante da efetividade de uma política de proteção ao
patrimônio cultural, ou seja, muitos municípios estão mais preocupados em gerar as ações
comprobatórias apenas para pontuar no Programa, ao invés de se dedicarem ao
planejamento e execução das ações para introjeção e benefícios locais.

Após 25 anos de existência, o Programa do ICMS Patrimônio cultural já atende a 95% dos
municípios mineiros, parceiros na constituição das políticas de proteção, conservação e
promoção do patrimônio cultural em Minas Gerais. Dos cerca de 6.000 bens tombados ou
registrados no Estado, mais de 90% possuem proteção municipal. Por fim, realça-se que em
2020 foram repassados 109 milhões através deste critério para as prefeituras mineiras.

Relacionado a isso, há um outro fator ainda a ser solucionado: a conscientização da

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necessidade de guarda local dos documentos e materiais técnicos produzidos no âmbito do
Programa pelos setores municipais de patrimônio. Não é incomum a busca municipal nos
arquivos do IEPHA/MG por cópia do material produzido por eles próprios acerca da gestão,
proteção, salvaguarda e promoção patrimonial local. O que demosntra, de forma grave, a
necessidade de fomento à organização dos acervos de memória local.

Outra dificuldade a ser enfrentada é a extensa carga de trabalho e documentação a ser


realizada pelos setores municipais de patrimônio e a falta de equipes qualificadas na maior
parte das prefeituras, o que acaba por gerar, muitas vezes, a dependência das consultorias
especializadas, com alto custo para os cofres públicos e/ou, em paralelo, a ineficiência nas
ações de proteção, conservação e promoção do patrimônio.

É sabido que o Programa ICMS Patrimônio Cultural gerou um novo mercado profissional no
estado, voltado para empresas de consultoria e assessoria técnica para as prefeituras
mineiras. Entretanto, ao longo de sua existência, em vários casos, percebe-se a atuação
dessas empresas como agentes centrais na implementação do Programa, comprometendo
o objetivo inicial dele, de instrumentalização das equipes dos órgãos públicos locais para
lidar com as questões patrimoniais.

Em relação à proteção dos bens culturais, ainda há grande defasagem em relação à


conservação preventiva, inclusive por investimentos efetivos insuficientes, o que acarreta a
existência de muitos bens culturais em estado precário de conservação. Além disso, nota-se
também a lacuna de capacitação técnica para intervenções de manutenção e restauro,
gerando um número considerável de ações equivocas e descaracterizantes em bens
culturas protegidos.

Por fim, apesar dos muitos avanços em relação às normativas do IEPHA/MG para o
Programa ICMS Patrimônio Cultural, ainda percebe-se o tom demandatório desses
instrumentos, além de diretrizes complexas que, em muitas vezes, contribuem mais para
burocratizar as políticas municipais do que para elucidar claramente o desenvolvimento das
ações locais.

7. Referências

Biondini, I. V. F., Starling, M. B. L., & Carsalade, F. L.. (2014). A política do ICMS Patrimônio
Cultural em Minas Gerais como instrumento de indução à descentralização de ações de
política pública no campo do patrimônio: potencialidades e limites. Disponível em
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/download/diamantina-2014/a-politica-do-icms-
patrimonio-cultural-em-minas-gerais.pdf. Acesso 30 abr. 2021.

Fundação João Pinheiro. (2021). Cartilha Lei Robin Hood: entendendo a distribuição dos
recursos de ICMS para os municípios mineiros. Disponível em

https://drive.google.com/file/d/1dTtA9ruK0Zr4-2sm-j4E_YFw0AaOvHs5/view. Acesso 30 abr.


2021.

Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. (2021). Deliberação


Normativa do CONEP 01/2021. Disponível em

http://www.iepha.mg.gov.br/images/ICMS/2020_tabela_/DN_CONEP_01-2021_-
_EXERCICIO_2023.pdf. Acesso 30 abr. 2021.

Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. (2021). Portaria de


Orientações Técnicas e Metodológicas 06/2021. Disponível em
http://www.iepha.mg.gov.br/images/ICMS/ICMS_Como_funciona/Portaria_IEPHA_06_2021_
ICMS_Patrimonio_Cultural_site.pdf. Acesso 30 abr. 2021.

Riani, F., & Albuquerque, C. M. P. (2014). Impactos distributivos regionais da Lei Robin
Hood. Disponível em https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/download/diamantina-
2014/impactos-distributivos-regionais-da-lei-robin-hood.pdf. Acesso 30 abr. 2021

Vogt, O. P. (2008). Patrimônio cultural: um conceito em construção. MÉTIS: história &


cultura. 2008.

Assembleia Legislativa de Minas Gerais. (1995). Lei 12.040 de 28 de dezembro de 1995.


Disponível em
https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?num=12040&ano=199
5&tipo=LEI. Acesso 30 abr. 2021.

Assembleia Legislativa de Minas Gerais. (2007). Lei Delegada 170 de 25 de janeiro de 2007.
Disponível em
https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LDL&num=170&c
omp=&ano=2007&aba=js_textoOriginal. Acesso 30 abr. 2021.

Assembleia Legislativa de Minas Gerais. (2009). Lei 18.030 de 12 de janeiro de 2009.


Disponível em https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-
min.html?tipo=LEI&num=18030&ano=2009. Acesso 30 abr. 2021.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
EIXO TEMÁTICO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
VILA DE SANTA THEREZA, BAGÉ:
Experiências de Registros no Sul do Rio Grande do Sul

ALVES, ISADORA BAPTISTA; MÖRSCHBÄCHER, LARISSA; SILVEIRA, ALINE


MONTAGNA DA.

1. Universidade Federal de Pelotas. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de


Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo.
Rua Benjamin Constant, 1359, sala 107, Pelotas/RS
isadorabaptistaalves@hotmail.com

2. Universidade Federal de Pelotas. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de


Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo.
larissa.morschbacher@gmail.com

3. Universidade Federal de Pelotas. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de


Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo. Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira.
alinemontagna@yahoo.com.br

RESUMO
O patrimônio cultural material do Brasil frequentemente encontra-se em risco. O registro e
documentação desse acervo são mecanismos que auxiliam no campo da preservação e conservação
do patrimônio. No processo de produção dos novos saberes, destaca-se a etapa de documentação
de bens culturais na realização dos trabalhos acadêmicos nas universidades brasileiras. Nesse
contexto, o Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB) – vinculado à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (FAUrb/UFPel) – conta com um acervo
documental sobre a arquitetura e a paisagem da região sul do Rio Grande do Sul, produzido por
alunos, professores e técnicos-administrativos. Essa documentação foi produzida nas últimas
décadas através de atividades de ensino, pesquisa e extensão e contemplam, pelo menos, o registro
do patrimônio cultural de quatorze cidades pertencentes ao distrito geoeducacional da UFPel. Este
trabalho tem por objetivo discutir estratégias de documentação realizadas em Trabalhos Finais de
Graduação de estudantes da FAUrb/UFPel, a partir de um estudo de caso realizado na Vila de Santa
Thereza, localizada na cidade de Bagé, na fronteira sul do Rio Grande do Sul. O trabalho abordou a
temática da preservação patrimonial na Vila de Santa Thereza, que teve sua criação com o apogeu
das charqueadas do final do século XIX e, apesar de ser um importante remanescente da arquitetura
industrial no sul do Rio Grande do Sul, poucos registros sobre o bem foram encontrados na época da
realização do trabalho, em 2019. Este relato busca apresentar as estratégias de documentação do
conjunto arquitetônico estudado, discutindo as potencialidades e as limitações decorrentes das
particularidades da Vila de Santa Thereza. Nesse sentido, além de contribuir para a documentação
em si, propõe a discussão sobre os processos que são vivenciados pelos estudantes que se propõem
a estudar esses bens de valor cultural. Por fim, ressalta-se que os trabalhos finais realizados por
estudantes de graduação são importantes formas de documentação para o processo de
reconhecimento e salvaguarda de bens de valor cultural. Portanto, registrar e discutir as
possibilidades e desafios dessas ações pode contribuir para orientar futuros trabalhos no campo da
preservação do patrimônio cultural material.
Palavras-chave: Patrimônio cultural; Preservação Patrimonial; Vila de Santa Thereza; Bagé/RS.

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06 a 08 de outubro de 2021
Introdução

A conformação de um determinado espaço, sua expressão material, é a


manifestação das relações que nele se estabelecem (Meneses, 2018). Sob essa
perspectiva, o espaço encontra-se sempre em transformação, uma vez que conforma, e é
conformado, às novas dinâmicas e formas de viver. A incessável metamorfose – tanto por
motivos intencionais quanto involuntários –, resulta em perdas decorrentes desse processo
de construção social. Entretanto, o problema consiste quando significativos danos e perdas
atingem bens considerados de valor cultural – que por sua vez constituem expressões
valiosas para um determinado grupo ou documentos que testemunham um determinado
período.

Com a finalidade de proteger essas edificações e conformações espaciais


reconhecidas como representativas de uma determinada cultura, faz-se uso de instrumentos
de preservação, como por exemplo, inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação – presentes na Constituição Federal (1988). Apesar desses recursos serem
importantes e necessários para salvaguardar determinados bens, a difícil gestão resultante
de diversos fatores, tais como geográficos, sociais, econômicos, políticos, dentre outros,
limita a possibilidade de abrangência de sítios, em especial, aqueles afastados dos centros
urbanos. Portanto, há restrições na execução de ações que seriam necessárias para a
implementação desses instrumentos, como por exemplo, a fiscalização e a documentação.

Para além da tendência de serem menos reconhecidas devido à falta de visibilidade,


as conformações localizadas em zonas rurais também sofrem com os obstáculos
decorrentes da logística. Entre eles destaca-se as dificuldades de acesso, consequente das
maiores distâncias a serem percorridas ou da precária infraestrutura de acesso – o que por
sua vez resulta no aumento de tempo e de recursos para essas ações. As dificuldades que
se impõem na preservação desses bens, por vezes, resultam na ausência de ações de
salvaguarda nesses locais. Em decorrência desses e de outros fatores, verifica-se a
vulnerabilidade na qual as edificações culturais situadas em espaços rurais se encontram, e
portanto, a necessidade de ações que registram e documentam esses sítios.

Oliveira (2008) destaca a representação iconográfica como significativo documento


para a preservação da memória, uma vez que esta possibilita a permanência do registro
ainda que a edificação venha a se perder. Todavia, o autor explica que a imagem não
substitui o documento original, uma vez que a interação entre o edifício em seu contexto e
escala com o observador é insubstituível. A documentação, enquanto registro, também é

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uma importante ferramenta de projeto (Oliveira, 2008). No campo disciplinar da preservação
e restauração, a representação gráfica adequadamente realizada orienta as ações projetuais
e auxilia na tomada de decisões – uma vez que os registros possibilitam o profundo
conhecimento da obra.

Em termos metodológicos de registro iconográficos, destacam-se as contribuições do


campo desde meados do século XIX, a partir das indicações de Viollet-Le-Duc (Oliveira,
2008), o qual pregava o profundo conhecimento do bem antes de qualquer ação de restauro
sobre o mesmo. Seus registros eram realizados por meio de desenhos completos e
detalhados sobre as edificações nas quais futuramente viria a intervir. Para além das
transformações dos motivos pelos quais se representa, a forma de representação também
se modificou ao longo do tempo, desde desenhos realizados manualmente a representações
gráficas digitais e outras técnicas com auxílios tecnológicos, tais como os registros
fotográficos.

O olhar do observador responsável pelos registros é uma variante considerável no


processo de documentação (Oliveira, 2008) – uma vez que as ações são orientadas
conforme a finalidade pela qual se documenta e o senso crítico de importância, ou não, de
um determinado dado. A autonomia de um profissional é indispensável na tomada de
decisões que lidam com as particularidades de cada caso. Entretanto, existem também
procedimentos técnicos que orientam as ações. Esses métodos garantem a qualidade e a
padronização da documentação, facilitando a sua leitura e, consequentemente, a
comunicação entre profissionais. No Brasil, por exemplo, observa-se essa intenção a partir
da publicação do documento Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do
Patrimônio Cultural (Gomide, Silva e Braga, 2005), disponibilizado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Os procedimentos de levantamento e documentação vêm sendo trabalhados pelos


órgãos de preservação e fundamentam os conteúdos teóricos e práticos das disciplinas que
se debruçam sobre a temática do patrimônio. Nos cursos de graduação em Arquitetura e
Urbanismo, estes conteúdos são tratados nas disciplinas de Técnicas Retrospectivas, e
aprofundados nos Trabalhos Finais de Graduação que abordam essa temática. As
atividades de levantamento e registro desenvolvidas pelos alunos de graduação, portanto,
são importantes sob duas perspectivas: a) contribuem para a formação dos estudantes,
através da atividade prática de inserção no campo e ; b) contribuem com a produção de
acervos com registros de bens de valor cultural, que algumas vezes não estão
documentados de outras formas. A relevância dessa segunda perspectiva intensifica-se à

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medida que se trata de bens não salvaguardados, uma vez que estes encontram-se em
situação de vulnerabilidade.

Sob esta perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir
estratégias de documentação realizadas no desenvolvimento dos Trabalhos Finais de
Graduação de estudantes da FAUrb/UFPel, que integram o acervo do Núcleo de Estudos de
Arquitetura Brasileira (NEAB). Esse núcleo, vinculado à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (FAUrb/UFPel), dispõe de um acervo
documental sobre a arquitetura e a paisagem da região sul do Rio Grande do Sul, resultado
da contribuição de alunos, professores e servidores técnico-administrativos.

O estudo de caso que embasa a discussão proposta neste trabalho consiste na Vila
de Santa Thereza, localizada na cidade de Bagé, na fronteira sul do Rio Grande do Sul. O
Trabalho Final de Graduação intitulado Entre Charqueadas: Um caminho de memórias.
Diretrizes de Preservação para as Vilas Santa Thereza e Industrial - Bagé/RS foi
desenvolvido pela primeira autora deste trabalho, no âmbito da graduação (Alves, 2019).
Atualmente, as discussões e reflexões sobre esse objeto de estudo estão sendo ampliadas,
em função da sua vinculação com a temática da dissertação de mestrado.

Antecedentes: A Trajetória da Documentação do Patrimônio


Cultural no NEAB

A documentação do patrimônio arquitetônico da região Sul do Rio Grande do Sul é


objeto de estudo da equipe do NEAB desde meados dos anos 1980, através de inventários,
cadastramento e registro de edificações e sítios históricos de interesse cultural.

A ênfase de atuação dos integrantes do núcleo consiste na temática da preservação


do patrimônio cultural, através da investigação da produção arquitetônica e urbana da
região. Inicialmente, as atividades do NEAB consistiam na participação em inventários de
reconhecimento e no cadastramento e registro do patrimônio edificado da cidade de Pelotas
(Luckow, Neutzling e Oliveira, 2021).

A ampliação das ações do NEAB no final dos anos 1990 contemplou a inserção da
documentação do patrimônio cultural de cidades da região do distrito geoeducacional da
UFPel. Esses registros incluem as cidades de Pelotas, Rio Grande, São José do Norte,
Canguçu, Piratini, Jaguarão, Herval, Cerrito, Arroio Grande, Pinheiro Machado, Pedras
Altas, Pedro Osório, São Lourenço do Sul, Candiota e Chuí. A partir dessa inserção regional,

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os integrantes do núcleo sistematizaram um registro do patrimônio cultural do sul do Brasil,
que permitiu a compreensão das características morfológicas e tipológicas desses bens
(Jantzen et al., 2010). O patrimônio edificado dessas cidades foi documentado, formando um
acervo significativo de obras que representam a diversidade do patrimônio cultural da região
sul do Rio Grande do Sul, e que atualmente integram o acervo do NEAB (Alves et al., 2014).
Essa documentação foi gerada através de projetos de ensino, pesquisa e extensão, do
material produzido pelos estudantes da disciplina de Técnicas Retrospectivas, Projeto de
Arquitetura VI e Desenho Urbano II (Jantzen, Oliveira e Silveira, 2019) e pelos Trabalhos
Finais de Graduação (TFGs).

As estratégias utilizadas para a documentação desses bens, em especial quando


são realizadas para servir de subsídio às atividades projetuais desenvolvidas no âmbito dos
Trabalhos Finais de Graduação, buscam adaptações às situações das localidades e/ou
objetos estudados. Nesse contexto, os procedimentos empregados para a documentação de
edificações em localidades distantes da área urbana revelam limitações e potencialidades
decorrentes dessa situação já que, ao mesmo tempo que necessitam de adaptações para
realização do levantamento de campo em função da carência de informações disponíveis,
geram material de registro sobre os bens de valor cultural.

O estudo de caso escolhido para discutir e analisar estratégias de documentação em


Trabalhos Finais de Graduação em Arquitetura e Urbanismo foi realizado durante o ano de
2019, e consistiu em levantamentos e registros da Vila de Santa Thereza, localizada na
cidade de Bagé, na fronteira sul do Rio Grande do Sul (Fig. 01)

Figura 01: Localização da cidade de Bagé.


Fonte: Alves, 2019

O Trabalho Final de Graduação apresentado foi realizado em duas etapas, ao longo


de dois semestres letivos. A primeira etapa consistiu na identificação e conhecimento do

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bem de valor cultural e foi realizada durante um semestre letivo, na disciplina Trabalho Final
de Graduação I (TFG I). A segunda etapa, realizada no Trabalho Final de Graduação II (TFG
II) consistiu na elaboração das intenções projetuais, com foco na preservação do patrimônio
edificado, natural e imaterial do local, visando a preservação desses remanescentes da
época das charqueadas no município (Alves, 2019). As estratégias de documentação
apresentadas neste trabalho subsidiaram as propostas de intervenção para esse conjunto
de valor cultural.
A identificação e conhecimento do bem seguiu as recomendações indicadas por
Gomide, Silva e Braga (2005), que servem de subsídio para a documentação das
edificações objeto de estudo da disciplina de Projeto de Arquitetura VI, que aborda a
intervenção no patrimônio cultural no âmbito da graduação. Nessa perspectiva, os
levantamentos preliminares, que incluíram a coleta de dados em fontes primárias e
secundárias, subsidiaram a apropriação necessária sobre o bem para a realização dos
levantamentos de campo.

Estudo de Caso: A Vila de Santa Thereza, Bagé/RS

A Vila de Santa Thereza foi implantada a partir da criação da Charqueada Santa


Thereza, em 1897, no município de Bagé, em uma área rural localizada aproximadamente 7
km do centro da cidade. Seu idealizador, o Visconde de Ribeiro Magalhães, foi considerado
um homem visionário, à frente de seu tempo, em decorrência das suas ações que
propiciaram ascensão e desenvolvimento à região antes pouco avançada (Fagundes, 2012).
De acordo com Pimentel (1940), na época, o Visconde foi o maior importador de gados de
raças da Europa, fazendo com que o município se salientasse no meio saladeiril.

A Charqueada Santa Thereza destacava-se pelas características que a distinguiam


das demais existentes na época, como mão de obra assalariada e o complexo urbano e
arquitetônico que se formou ao redor da charqueada. A importância desse conjunto deve-se,
principalmente, pelo fato de evidenciar um significativo momento econômico e cultural da
região da campanha gaúcha, proveniente da economia do charque.

Além das instalações da Charqueada Santa Thereza, o agrupamento contava com


diversos estabelecimentos comerciais e industriais, bem como os conjuntos residenciais
destinados aos operários da charqueada e suas famílias que, de acordo com Fagundes
(2012), totalizavam cerca de 840 pessoas. Estabelecimentos como restaurante, barbearia,
alfaiataria, escola, posto médico, bem como os de incentivo à cultura, como um coreto para

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apresentações musicais, teatro, capela e quadra de tênis eram alguns dos diversos
equipamentos que integravam a infraestrutura do local (Soares, 2006).
O enfraquecimento da economia do charque ocorreu com o surgimento da
refrigeração, que na região aconteceu por volta do ano de 1912. Esse fato acarretou na
subutilização dos bens imóveis que integravam o complexo. Entretanto, a mesma persiste
até hoje, apesar do desgaste e da descaracterização de alguns bens (Alves, Forneck e
Silveira, 2019).
Atualmente, a Vila de Santa Thereza possui uma ocupação territorial rarefeita,
marcada pela vegetação do pampa gaúcho e pelas edificações que formavam o complexo
fabril-charqueador. Nas instalações da antiga charqueada funciona hoje uma transportadora,
dando continuidade ao caráter fabril do local. O conjunto residencial, localizado à frente da
transportadora, mantém certas configurações da época de sua implantação – como o
traçado das vias e gabarito das residências –, porém, apresenta descaracterização da
tipologia arquitetônica.
Em 2008, o Centro Histórico da Vila de Santa Thereza passou por algumas
intervenções. A casa de um dos filhos do Visconde de Ribeiro Magalhães e a Igreja Santa
Thereza foram restauradas. O antigo Teatro Santo Antônio, que se encontrava em estado de
arruinamento, contendo apenas alguns resquícios de alvenaria e da fundação (Kiefer, 2003)
foi completamente reconstruído. Com as obras realizadas, o Centro Histórico passou a ser
mais frequentado, em especial para atividades de lazer e para a realização de eventos,
como o Vem pra Santa, o Carnaval no Tempo das Marchinhas, a Semana do Folclore e o
Festival Internacional de Cinema da Fronteira. Destaca-se que apesar das ações realizadas,
o antigo coreto e algumas edificações permanecem em estado de arruinamento, como por
exemplo, a residência de férias do Visconde e a antiga fábrica de enlatados.
Os aspectos descritos, relacionados ao valor do complexo como um documento
histórico e arquitetônico, bem como a apropriação do espaço pela população na atualidade,
fortalecem a justificativa da importância de salvaguardar e registrar esse conjunto. Apesar
de sua relevância, durante a realização do Trabalho Final de Graduação, poucas foram as
informações encontradas que dessem suporte à realização de um trabalho sobre o local.

A Documentação do Patrimônio Arquitetônico

A definição de monumento histórico, presente na Carta de Veneza (2004), enfatiza a


importância dos conjuntos urbanos e rurais, além das obras modestas que possam adquirir
valor histórico e significação cultural ao decorrer do tempo. Essa nova noção de monumento

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histórico permite um olhar mais atento aos bens arquitetônicos representativos dos locais de
trabalho e vida urbana ou rural da população em geral e, assim, contribui para a
preservação da identidade destes locais, que muitas vezes acabam sendo desconsiderados
em processos de patrimonialização.
Desta maneira, um dos objetivos principais do trabalho era realizar um plano de
diretrizes de preservação que incluísse as diversas tipologias arquitetônicas encontradas no
local, fossem elas as de valor excepcional, ou aquelas inerentes à vida simples e cotidiana
dos antigos operários da charqueada. Sobre essa última tipologia, pouco material foi
encontrado. Durante as pesquisas, havia uma carência de material bibliográfico e
iconográfico sobre as vilas operárias, sendo que as publicações possuíam um enfoque
direcionado a outras edificações, como a Igreja, o Coreto e o Teatro. De maneira geral,
pode-se afirmar que grande parte do material encontrado era referente à historiografia da
vila e imagens dos bens arquitetônicos.
A coleta de dados iniciou pela busca por desenhos técnicos (elaborados com auxílio
de computadores) da área. O mapa urbano da cidade de Bagé foi obtido através de contato
com a prefeitura do município. Entretanto, por se tratar de uma zona afastada do perímetro
urbano, as informações e elementos gráficos eram insuficientes para o entendimento da
área e para o embasamento para a proposta projetual a ser desenvolvida.
A partir da definição de algumas premissas de projeto, como a intenção de abordar a
análise morfológica e tipológica das vilas de moradores existentes para compreender as
ambiências do local, entendeu-se que seria necessário um aprofundamento sobre a situação
atual do sítio. Como mencionado anteriormente, existia uma escassez de material sobre as
vilas de moradores. Assim, foi possível entender quais as informações que seriam
essenciais para o entendimento do objeto, e assim, realizar as coletas no local.
A implantação do conjunto necessitava da produção de peças gráficas para que
fosse possível a compreensão do sítio como um todo. Por ser uma região distante da malha
urbana consolidada, verificou-se a carência de fotografias aéreas do local. Dessa forma, foi
produzido um levantamento fotográfico a partir de sobrevoo realizado com o auxílio de um
veículo aéreo não tripulado (VANT), em abril de 2018 (Fig. 02).

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Figura 02: Imagem aérea da Vila de Santa Thereza, elaborada
com veículo aéreo não tripulado (VANT).
Fonte: Alves, 2019

A documentação do conjunto arquitetônico foi feita in loco, por uma equipe de cinco
pessoas. Foram realizadas quatro visitas ao local, nos meses de abril e junho de 2019. A
representação das peças gráficas foi produzida a partir da sistematização do material
coletado em campo. Os levantamentos incluíram os registros fotográficos e as medições do
conjunto urbano e de edificações de interesse.
Devido às diferentes escalas abordadas no projeto, a captura de imagens foi
organizada do geral para o particular. Em relação à grande extensão da área, as imagens de
drone buscaram captar uma dimensão mais ampla e geral do local de estudo. Já as imagens
produzidas a partir de percurso nas ruas, buscaram aproximar-se da ambiência e das
diferentes tipologias arquitetônicas encontradas.
O levantamento aéreo possibilitou a elaboração de mapas do conjunto (Fig. 03), que
foram capazes de auxiliar a compreensão da organização espacial do local, além de
servirem de base para a inserção de outras informações coletadas, como a topografia, o uso
do solo e a hierarquia das vias. Também foi viável a investigação acerca dos conjuntos
residenciais, o que possibilitou o entendimento sobre os usos e acontecimentos nos terrenos
e miolos de quadra. Essa particularidade da implantação do conjunto e da sua
documentação se mostrou essencial durante a etapa de projeto, onde foram definidas
algumas diretrizes para a expansão territorial.

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Figura 03: Mapa elaborado a partir de levantamento fotográfico realizado
com veículo aéreo não tripulado (VANT).
Fonte: Alves, 2019

Além do levantamento aéreo realizado com auxílio de veículo aéreo não tripulado
(VANT), foi realizado o levantamento fotográfico das edificações, com auxílio de baliza
topográfica e câmera fotográfica profissional. As medições foram realizadas com o auxílio de
trenas de fibra de 50 metros, possibilitando o levantamento das dimensões das testadas das
edificações e dos conjuntos residenciais. Esses registros serviram de base para a
montagem das imagens panorâmicas e de desenhos em CAD (Fig. 04).
Todo material produzido a partir dos levantamentos foi essencial para a elaboração e
exemplificação das intenções projetuais. O levantamento in loco possibilitou o registro tanto
dos conjuntos como de detalhes arquitetônicos, quando estes se encontravam encobertos
por veículos ou vegetação.

Figura 04: Montagem e desenho em computador elaborados a partir de levantamento fotográfico.


Fonte: Alves, 2019

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Considerações

Este trabalho buscou fomentar a reflexão sobre como as formas de documentação,


realizadas por alunos durante seus Trabalhos Finais de Graduação, revelam-se importantes
ferramentas para o registro do patrimônio urbano e arquitetônico, em especial quando estes
bens estão situados em áreas distantes dos centros urbanos. Nesses locais, os bens podem
passar por descaracterizações, ou estar sujeitos a grandes transformações, se não forem
documentados e protegidos.

A ausência de informações sobre bens de valor cultural que se encontram afastados


das áreas urbanas já consolidadas demonstram a necessidade de registros sobre essas
obras. As dificuldades encontradas ao buscar material gráfico e documental sobre o objeto
de estudo evidenciou essa situação, e instigou a elaboração de estratégias para realizar
estudos e levantamentos que pudessem auxiliar na elaboração da prática projetual.

As formas de documentação muitas vezes estão atreladas às particularidades de


cada projeto, o que acarreta em uma prática de documentação direcionada, ou seja,
pautada pelo olhar do pesquisador. Nesse sentido, a coleta de dados busca compreender o
objeto de estudo com foco nas intenções projetuais que serão desenvolvidas.

Entretanto, esse fato não enfraquece a contribuição dos Trabalhos Finais de


Graduação como importantes formas de documentação do patrimônio cultural. Como foi
apresentado neste estudo de caso, poucos eram os registros existentes sobre a arquitetura
considerada “não monumental” em Santa Thereza, apesar desses conjuntos serem
importantes para a identidade e para a história do local. As formas de levantamento e
registro realizadas durante esses trabalhos contribuem de maneira significativa para a
documentação do patrimônio, visando colaborar para sua preservação, e também para a
realização das práticas projetuais acadêmicas.

A partir do entendimento da importância das ações de documentação, pode-se dizer


que o acervo do NEAB tem relevante contribuição para essas práticas dentro da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da UFPel. O acervo documental desenvolvido ao longo de mais
de 30 anos encontra-se disponível para consulta da comunidade, fato que auxilia processos
educativos, culturais e sociais em prol da população e da preservação do patrimônio cultural.

A trajetória da documentação que vem sendo produzida a partir dos Trabalhos Finais
de Graduação também pode ser encontrada no site da UFPel, onde são divulgados
trabalhos realizados a partir do ano de 2016, com os mais diversos temas. Os trabalhos

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também são disponibilizados através da plataforma Rede PHI (Patrimônio Histórico +
Cultural Ibero-americano).

A divulgação de Trabalhos Finais de Graduação na Rede PHI é feita com o intuito de


contribuir para a discussão da preservação do patrimônio histórico em âmbito mundial. Os
trabalhos a serem postados na plataforma são selecionados a partir da sua relevância com a
temática da preservação e, com a aprovação do autor para a postagem, a publicação na
rede é feita a partir de ficha catalogada, apresentando os levantamentos, diagnósticos e
propostas de intervenção dos trabalhos (Amaral e Costa, 2018).

Referências

ALVES, Isadora Baptista. Entre Charqueadas: Um caminho de memórias. Diretrizes de


Preservação para as Vilas Santa Thereza e Industrial - Bagé/RS. 2019. Trabalho Final de
Graduação (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

ALVES, Isadora Baptista; FORNECK, Vanessa; SILVEIRA, Aline Montagna da. Vila de Santa
Thereza, Bagé/RS: o tempo e a preservação dos remanescentes industriais. In: Seminário
de História das Artes, 2019, Pelotas. Revista Seminário História das Artes. Pelotas: Ed.
UFPel, 2019. v. 1. p. 1-14. Disponível em:
<https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Arte/issue/view/927>. Acesso em 30 de set.
de 2021.

ALVES, Isadora Baptista et al. O NEAB e a preservação patrimonial: três décadas de


cadastramento e registro do patrimônio das cidades do distrito geoeducacional da UFPel. In:
II SEMINÁRIO HISTÓRIA E PATRIMÔNIO, 2014, Rio Grande. Anais eletrônicos do II
Seminário de História e Patrimônio. Diálogos e perspectivas. Rio Grande: FURG, 2014. p.
575-584.

AMARAL, Manuela Farias; COSTA, Ana Lúcia Costa de. ANÁLISE DA PRODUÇÃO DA
FAURB - UFPEL NAS PROPOSTAS DE AÇÃO PATRIMONIAL: o compartilhamento de
trabalhos através da Rede PHI. In: V Congresso de Extensão e Cultura da Universidade
Federal de Pelotas. Pelotas, 2018.

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CARTA DE VENEZA. In: CURY, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais. 3 ed. Rio de Janeiro:
IPHAN; 2004, p. 91-95.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf>.
Acesso em 29 de set. de 2021.

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EIXO TEMÁTICO 4
A TEIMOSIA DE UM MONUMENTO VIVO

SILVA, POLLYANA MARTINS DA. (1); FERREIRA, ITALO CINTRA. (2); SILVA,
JÔNATAS SOUZA MEDEIROS DA. (3); SILVA, JOELMIR MARQUES DA. (4)

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)


50.670-901 - Recife - PE – Brazil

pollyana.martins123@gmail.com (1); italocintra@gmail.com (2); jona.medeiros@gmail.com (3);


joelmir_marques@hotmail.com (4).

RESUMO
A Praça Dezessete é uma marca na paisagem da Cidade do Recife. Ao longo do tempo, a praça passou
por inúmeras intervenções sendo a mais significativa a realizada por Roberto Burle Marx em 1937.
Atualmente é classificada como jardim histórico pela Prefeitura do Recife em uma ação inédita de
reconhecimento dessa categoria no Brasil. Um jardim histórico é considerado monumento por ser uma
concepção humana moldada a partir de um estilo, fruto da percepção histórica da sociedade. Por ter a
natureza como princípio criativo, converte-se em monumento vivo, tendo o tempo como elemento
estruturador; encontrando-se em uma dinâmica evolução, muda não apenas a sua própria feição, mas
sobretudo configura a paisagem que ele compõe. Isso demonstra a sua fragilidade, pois sem seus
elementos, perde-se todo o significado ali inerente. Isso é perceptível na Praça Dezessete, que resiste
às constantes modificações que ocorrem no processo de modernização do Bairro de Santo Antônio.
Uma resistência que parece mais uma teimosia, pois mesmo com o caráter efêmero que um jardim
apresenta, tem lutado não apenas pela sua permanência diante das diversas mudanças espaciais e
visuais que ocorreram em seu entorno, mas principalmente em manter a sua imponência como marco
da paisagem recifense evidenciada através do seu projeto paisagístico. Diante desse panorama, a
pesquisa bibliográfica e histórica possibilitou refletir sobre a teimosia da Praça Dezessete em se manter
como monumento vivo, resistindo em resguardar para as futuras gerações toda a memória e a
identidade que ela carrega.
Palavras-chave: Jardim Histórico; Historiografia; Paisagem Urbana; Conservação; Burle Marx.

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Introdução
A Praça Dezessete, localizada no Bairro de Santo Antônio, área central da cidade do Recife,
é uma marca na paisagem urbana da cidade e traz consigo uma história emblemática de
produção do espaço público que remonta do século XVII (SÁ CARNEIRO e SILVA, 2019). No
decorrer da sua existência, a praça recebeu várias intervenções, sendo as mais significativas
as que ocorreram em 1877, momento em que se consolidou como um espaço livre público;
depois, em 1937, com a intervenção de Roberto Burle Marx, que cria um Plano de
Aformoseamento para o Recife quando então Diretor do Setor de Parques e Jardins da
Diretoria de Arquitetura e Construção (DAC) do Estado de Pernambuco (SILVA, 2010) e;
posteriormente em 1971, quando o prefeito Augusto Lucena (1971-1975) implantou na cidade
do Recife o projeto Poder Verde, criado e coordenado pela agrônoma Janete Freire com foco
na arborização da cidade (SILVA, 2017).

Dentre estes, destaca-se a intervenção realizada por Burle Marx, em 1937, que resgata a
praça Dezessete, então descaracterizada, evidenciando a sua importância como uma marca
da paisagem possuidora de uma rica história. Com seu projeto esse paisagista evidencia o
jardim e reverbera a praça ao longo do cais, no sentido da Praça da República, localizada ao
norte do bairro de Santo Antônio, emoldurando também o antigo Grande Hotel e a Igreja do
Divino Espírito Santo. Tal projeto, juntamente com outros 11 realizados por Burle Marx na
década de 1930 no Recife, foi tão significativo no planejamento urbano da cidade que ganhou
destaque nacionalmente, sendo o começo de uma nova fase do paisagismo no país, que tinha
como base diretrizes ecológicas e estéticas, sendo a fórmula para fincar as raízes do
movimento moderno, o “jardim brasileiro”. Recife, então, passa a ser reconhecida como
símbolo de cidade moderna através dos jardins de Burle Marx.

Ante esse pequeno percurso pela história da praça é possível observar a sua importância na
construção da identidade e história do lugar. Tal importância leva a Prefeitura do Recife
classificar a Praça Dezessete, como jardim histórico, através do Decreto Municipal nº
29537/16, integrado ao Sistema Municipal de Unidades Protegidas do Recife (SMUP), em
uma ação inédita de reconhecimento dessa categoria no Brasil. Tal reconhecimento se dá
com base nos pressupostos da Carta de Florença (1981, art. 1º e 3º), que considera o jardim
histórico como uma “composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista da história ou
da arte, apresenta um interesse público'', sendo considerado, portanto, como um monumento
vivo, por ser vivo, perecível e renovável, visto que possui como elemento principal a vegetação
e ela está em constante evolução, sendo um processo natural do ciclo da vida.

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Assim como afirma Añon-Feliú (1994), diferente da arquitetura, o jardim não pode ser
considerada uma obra acabada, pois ela apresenta o tempo como principal fator de sua
composição, que muda não apenas a sua própria feição, mas sobretudo configura a paisagem
que ele compõe. Com isso, demonstra-se a sua fragilidade, pois encontra-se em dinâmica
transformação e sem a manutenção dos seus elementos no decorrer do tempo, perde-se todo
o significado ali inerente.

Isso é perceptível na Praça Dezessete, que resiste às constantes modificações que ocorrem
no processo de modernização do Bairro de Santo Antônio. Uma resistência que parece mais
uma teimosia, pois mesmo com o caráter efêmero que um jardim apresenta, tem lutado não
apenas pela sua permanência diante das diversas mudanças espaciais e visuais que
ocorreram em seu entorno, mas principalmente em manter a sua imponência como marco da
paisagem recifense evidenciada através do seu projeto paisagístico.

Diante desse panorama, busca-se com esse artigo refletir sobre a teimosia da Praça
Dezessete em se manter como monumento vivo, resistindo em resguardar para as futuras
gerações toda a memória e a identidade que ela carrega. Para cumprir tal objetivo, foram
considerados nesta pesquisa dois eixos de análise: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa
histórica.

No que tange a pesquisa bibliográfica - fontes secundárias -, abarcou literaturas já tornadas


públicas em relação ao tema de estudo e que de acordo com Trujillo (1974) não representa
uma mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre o assunto e, para nosso caso, abrangerá
as seguintes temáticas: (i) teoria e história de jardins; (ii) pensamento paisagístico de Burle
Marx e (iii) teoria da conservação de bens patrimoniais.

A pesquisa histórica consiste em descobrir fontes que possibilitem formar uma imagem do
passado, a historiografia, e englobam, conforme Best (1972), quatro aspectos: (i)
investigação, (ii) registro, (iii) análise e (iv) interpretação de fatos ocorridos no passado. Assim
sendo, se fez uso da técnica de documentação indireta, em que a coleta de dados está restrita
a documentos escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias e, para
tanto, considerou-se os seguintes documentos literários e visuais: (1) relatórios de chefes de
governo, (2) revistas, (3) álbuns, (4) anuários, (5) mensários, (6) jornais, (7) depoimentos e
(8) iconografias.

Notas para uma historiografia


A Praça Dezessete, inicialmente conhecida como Pátio do Colégio dos Jesuítas, tem seu
primeiro registro assinalado por Fran Post entre suas pinturas referente a Cidade Maurícia,
na tela intitulada Vista da Cidade Maurícia e do Recife de 1653 (Figura 1a). Sua consolidação
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como espaço significativo da cidade se deu com a expulsão dos neerlandeses, em 1654,
quando seu domínio voltou a ser da coroa portuguesa, que utilizou desse espaço para a
construção de igrejas e conventos em seus arredores. Com a urbanização desse local, tal
espaço logo se configurou como um pátio, após a construção do Colégio da Companhia de
Jesus em 1689, reaproveitando as edificações da antiga Igreja dos Calvinistas Franceses.
Visto a direta relação que essa edificação tinha com o pátio e o cais, os denominava — Pátio
do Colégio e Praia do Colégio respectivamente (MENEZES, 2015, p. 88 apud SAMICO, 2018).

Em 1839, durante o governo de Rego Barros, se deu início ao processo de ajardinamento


desse espaço, quando foi construído na margem do Rio Capibaribe um novo cais pelo
engenheiro francês Júlio Boyer, o Cais do Boyer, que se projetava como um terraço em
direção ao rio. Junto com o novo cais, foi implementado o primeiro Passeio Público do Recife
(Figura 1b), seguindo assim a moda europeia de passeios públicos ajardinados durante os
séculos XVII e XVIII. Segundo Veras (2019), em 1846 foi identificado um chafariz de mármore
para o abastecimento d’água da população, com a escultura de uma índia, fabricada por
italianos de Gênova e que representava a nação brasileira e nomeado como Monumento da
Liberdade (Figura 1c).

Figura 1: (A) Vista da Cidade Maurícia; (B) Passeio Público e Cais do Boyer; (C) Pátio do Colégio, vista
para o Monumento da Liberdade.

Fonte: (A) Veras, 2017, p. 23; (B) Biblioteca Nacional, 1880; (C) Coleção Brasiliana Itaú, 1863-1865.

No entanto, é apenas em 1877 que ocorre o ajardinamento do espaço do então pátio,


seguindo a prática de ajardinamento dos antigos campos, pátios, largos e praças coloniais,
adotando o estilo inglês de jardim, característico dos projetos paisagísticos do século XIX,
onde apresentavam lagos e traçado sinuoso definido por canteiros e elementos como coretos,
gradis e pavilhões de ferro, com o intuito recreativo e artístico. No ano de 1890, por meio de
um decreto municipal, o pátio agora ajardinado foi denominado com o título que carrega até
hoje, Praça Dezessete, em homenagem às tropas que ocuparam a igreja e o pátio durante a
Revolução Pernambucana de 1817, um dos mais importantes movimentos sociais de

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Pernambuco, resultado da insatisfação popular a exploração da corte portuguesa no Brasil
(SILVA, 2010). Tais características persistem no jardim, sendo encontradas em documentos
históricos do século XX, como mostra a Figura 2a e 2b.

Com parte desse processo de melhoramento paisagístico que ocorria nesse local, no ano de
1904 a Avenida Martins de Barros, conhecida na época como Avenida Beira Rio, passa por
uma reforma (SAMICO, 2018). Nela são implantados canteiros centrais, ao longo da via, na
tentativa de evidenciar a relação da Praça Dezessete e Cais do Imperador (Figura 2c),
articulando os dois espaços, retirando a prioridade do transporte motorizado e destacando o
aspecto de contemplação e convívio que caracterizava o lugar.

Posteriormente, em 1927 uma nova escultura é acrescentada ao jardim, homenageando a


aviação brasileira, referenciando-se à Santos Dumont, inventor do avião, e a primeira
travessia aérea feita cruzando o Atlântico Sul, realizada pelos aviadores portugueses Gago
Coutinho e Sacadura Cabral, que chegaram no Recife em 1922 (SILVA, 2010). O monumento
é composto por uma estátua de bronze de Ícaro, que segundo a mitologia grega, era filho de
Dédalo, inventor grego, que projetou asas artificiais para ambos fugirem do labirinto de Creta
voando, entretanto Ícaro se deslumbra com o voo e acaba caindo e afogando-se no Mar Egeu.

Visto o tempo desde o seu ajardinamento, a praça foi remodelada entre 1930 e 1933, durante
a administração do interventor de Pernambuco Carlos de Lima Cavalcanti. A partir da análise
das fotografias históricas, foi possível identificar dois fatores que indicam essa remodelação:
o primeiro é a escultura da índia, no qual é retirado sua bacia para água e a escultura passa
agora a integrar um pedestal (Figura 2d), perdendo assim sua intenção histórica e o segundo
fator é em relação a Avenida Martins de Barros, que tem sua vegetação enaltecida ao longo
da avenida.

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Figura 2: (A e B) Praça Dezessete; (C) Avenida Martins de Barros; (D) Monumento da Liberdade.

Fonte: (A e B) Fundação Joaquim Nabuco,1905 -1910; (C) Fundação Joaquim Nabuco, 1926; (D) Museu da
Cidade do Recife, 1930-1933.

Porém, em 1937, enquanto ocupava o cargo de chefia do Setor de Parques e Jardins da


Diretoria de Arquitetura e Construção do Estado de Pernambuco, Burle Marx repensa toda
essa localidade, elaborando um grande projeto para a Praça Dezessete, inicialmente incluindo
o ajardinamento das quadras adjacentes, com a intenção projetual de resgatar o Passeio
Público do Cais do Imperador, ligando-a a um longo caminho arborizado até a Praça da
República. No projeto original é possível observar que a praça foi repensada como um
conjunto de jardins, constituída por: um primeiro jardim em frente à Igreja do Divino Espírito
Santo, delimitado pela Rua do Imperador; um segundo jardim entre a Rua do Imperador e a
Avenida Martins de Barros; o Monumento da Aviação com suas asas voltadas ao cais aberto
às águas (VERAS, 2019); como também, mais dois jardins nas imediações da Avenida Nossa
Senhora do Carmo e do Grande Hotel e um segundo monumento que não foi possível ser
identificado (Figura 3a).

No entanto, conforme indicam os registros históricos, a segunda parte do projeto original foi
implementada apenas parcialmente. No jornal A Noite Ilustrada, publicado em 13 de agosto
de 1940 é relatado a conclusão da Praça Dezessete junto com outros jardins públicos da
cidade, como também a do jardim da praça do Grande Hotel (A NOITE ILUSTRADA,1940, p.
23). Assim, o projeto se limitou a praça, ao cais, ao antigo Grande Hotel e a Igreja do Divino

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Espírito Santo. De acordo com as iconografias encontradas é possível visualizar a Avenida
Martins de Barros nas imediações do antigo Grande Hotel, que hoje é o Fórum Thomaz de
Aquino, com um tratamento paisagístico no piso e alguns elementos, como bancos, pérgolas
com buganvílias (Bougainvillea sp.) e alguns canteiros de vegetação arbustiva (Figura 3b).

Em seu projeto para a Praça Dezessete, Burle Marx retira o coreto de ferro do jardim, mas
mantém outros elementos inseridos nas intervenções anteriores. Das mais significativas,
destaca-se a escultura da índia que é transformada em uma fonte junto à coluna e bacia do
chafariz, resgatando um atributo histórico do monumento, sendo alocada para o jardim em
frente à Igreja do Divino Espírito Santo; como também, o Ícaro que é destacado como ponto
focal da Avenida Martins de Barros (Figura 3c).

De acordo com Veras (2019, p. 136), “a disposição da vegetação obedece ao traçado


simétrico que faz referência a Cruz de Malta, com eixos rígidos que definem as quatro
entradas de cada jardim”. Segundo levantamento florístico realizado pelo Laboratório da
Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 2011, nenhuma espécie do
projeto original foi mantida; entretanto, cruzando as informações com as iconografias da
época (Figura 3d), é possível observar um grande número de fícus benjamina (Ficus
benjamina) e que estão presentes no jardim até os dias atuais. O Inventário dos Jardins de
Burle Marx no Recife (2ª fase) — material didático elaborado pelo Laboratório da Paisagem
da UFPE, organizado por Ana Rita Sá Carneiro e Joelmir Marques da Silva —, conclui que,
possivelmente, o paisagista considerou a vegetação arbórea existente, indicando apenas
espécies herbáceas e arbustivas no projeto. Ao analisar as camadas históricas do bairro de
Santo Antônio, observa-se que os fícus benjamina são considerados um atributo do bairro por
fazerem parte do imaginário do lugar, empregado desde o início da arborização dos espaços
públicos, como praças e ruas. A escolha de utilizar essa espécie pelo paisagista manteve a
identidade histórica e cultural do lugar. Tal arborização histórica dá caráter ao jardim histórico,
se apresentando como um elemento estruturador do jardim e da paisagem.

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Figura 3: (A) Projeto original Praça Dezessete, Burle Marx; (B) Jardim do Grande Hotel; (C) Avenida Martins
de Barros; (D) Praça Dezessete.

Fonte: (A) Arquivo Público Jordão Emerenciano,1937; (B) Fundação Joaquim Nabuco, 1940; (C) Acervo
Antonio Oliveira, 1940; (D) Fundação Joaquim Nabuco, 1940.

Devido às configurações do trânsito, a ampliação do sistema viário e o crescente fluxo de


veículos no local durante o século XX, fez com que a praça passasse por algumas alterações
que modificaram partes da ideia pensada por Burle Marx; dentre elas observa-se a redução
de área que modificou o seu traçado, cortes e substituição da vegetação, como também a
remoção de bancos e esculturas. Além disso, na década de 1950, o Monumento da Aviação
que se encontrava na área central da Avenida, foi deslocado para a área interna do primeiro
jardim, onde permanece no mesmo local até os dias atuais.

Em 1971, o prefeito Augusto Lucena implantou na cidade do Recife o projeto Poder Verde,
coordenado pela agrônoma Janete Freire, diretora do Departamento de Paisagismo da
Secretaria de Viação e Obras. Segundo Silva (2017, p. 155), “o projeto visava ampliar o
número de árvores na capital pernambucana já que a cidade passava por um crescimento
urbano”. Com isso, a Praça Dezessete acaba passando por mais alterações com a tentativa
de “humanizar” a cidade, sendo realizada ações de “recuperação do piso de pedra, criação
de áreas verdes, substituição de iluminação convencional por postes ornamentais com quatro
braços, instalação de bancos venezianos” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 1972, p. 9).

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Ao todo, foram 9 mil árvores plantadas por toda a cidade, fazendo Recife ser recordista dentre
as capitais brasileiras na política de arborização das grandes cidades, segundo a Agência
Nacional (DIARIO DE PERNAMBUCO, 1971). No entanto, tais intervenções não respeitaram
o pensamento paisagístico presente no projeto de Burle Marx, desconsiderando, por exemplo,
as relações biológicas entre as espécies, o que ocasionou na morte de espécies arbustivas e
herbáceas e, consequentemente, a descaracterização da Praça Dezessete e dos demais
jardins incluídos no projeto.

A Praça Dezessete como um monumento vivo


Ao observar a etimologia da palavra monumento, Françoise Choay compreende que esse
termo deriva do grego monere, que significa lembrar ou advertir, aquilo que traz à lembrança
alguma coisa. Desse modo, o monumento pode ser entendido como uma memória viva,
atrelada às características culturais de uma comunidade que, a partir da afetividade que
expressam pelo bem, o tornam parte de sua identidade, surgindo disso o interesse em mantê-
lo e preservá-lo (CHOAY, 2006).

Em La restauration des monuments anciens de 1091, Cloquet define duas categorias para se
definir um monumento: o monumento vivo e o monumento morto. Os monumentos vivos
seriam aqueles que fazem parte do cotidiano e vida da cidade, já os monumentos mortos são
os que não possuem função cotidiana. Para Mario Berucci (1964), o monumento vivo mantém
seu propósito original, em pleno funcionamento, como se permanecesse completamente
inalterado. No entanto, para Luigi Crespi (1964), todos os monumentos são vivos,
considerando sua representatividade na história, atribuídos a valores e espiritualidade.

Como dito anteriormente, o jardim histórico é considerado um monumento vivo pela Carta de
Florença (1981) por ser a única obra de arte que tem a natureza como princípio criativo,
apresentando a vegetação como componente fundamental. Battisti (1989) complementa que
os jardins históricos são monumentos locais com características da arquitetura, mas que não
podem ser considerados como meros complementos ou decorações das cidades, pois os
jardins apresentam valor artístico, valor histórico e valor enquanto memória. Mas além disso,
carregam em seus atributos os valores: arquitetônico, ecológico, botânico, espiritual e social,
que também são responsáveis por evocar o reconhecimento do jardim como patrimônio (SÁ
CARNEIRO et al., 2011).

Outra forma de diferenciar o que se entende por monumento e monumento histórico. Choay
(2006) explica que os monumentos têm a clara intenção de evocar a lembrança e a memória
viva, já os monumentos históricos são escolhidos entre um amplo conjunto de monumentos
de acordo com seus valores atribuídos. Para Riegl (2006), essa diferenciação é dada a partir

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da concepção de monumento a priori e a posteriori, sendo o primeiro pensado previamente
para resguardar uma determinada memória, ou seja, uma criação intencional cujo o destino
foi assumido a priori. Já o segundo é considerado monumento por tudo que ele representa ao
longo da história, não sendo criado para tal finalidade. Silva reflete então que o jardim histórico
pode assumir as duas conotações em seus diferentes tempos, “existem jardins que já foram
criados como monumentos e outros que foram designados como tal” (2017, p. 56).

Diante de tais explicações, podemos concluir que a Praça Dezessete é tanto um monumento
a posteriori como um monumento a priori. Sendo um monumento a posteriori pelo seu
percurso histórico, um espaço estruturante da cidade do Recife desde a ocupação
neerlandesa no século XVII, o sítio ali localizado servia de porta de entrada da cidade, não
sendo apenas um ponto de encontro, mas um espaço livre público de tal importância que
norteia a configuração de todo o bairro. E, é um monumento a priori a partir de dois momentos,
quando se torna um espaço ajardinado e se consolida como praça, sendo criado em
homenagem a Revolução de 1817, e em 1937 com o paisagismo de Burle Marx, tornando-se
uma marca da modernização do Recife, que concebe seu projeto reforçando a identidade e a
memória, resgatando elementos históricos através de seu traçado que interliga a praça com
os demais atributos, como o cais, a igreja, e a avenida.

A teimosia de um monumento vivo


Diante das atuais configurações urbanas do Recife, muito causadas pelo processo de
esvaziamento da sua área central, a Praça Dezessete perdeu parte da sua essência original.
Isso pode ser percebido a partir de problemas estruturais que evidenciam o seu processo de
descaracterização, como: o alargamento da Avenida Martins de Barros, desassociando a
praça do cais (Figura 4a); as edificações que conformam a praça que encontram-se ociosas
ou tiveram mudança de fachada, voltando-se contra o jardim; a Igreja do Divino Espírito Santo
que historicamente tinha o jardim como pátio que está em processo de abandono e
descaracterização após a perda de suas funções litúrgicas, rompendo a unidade jardim-
edifício que existia a partir do seu uso. Além disso, em relação ao jardim localizado em frente
ao Grande Hotel, apesar de constatar que parte da intenção projetual de Burle Marx foi
executada, os documentos históricos comprovam que tal ideia foi perdida com as ações
realizadas ao longo do tempo; não constando, atualmente, nenhum indício de que ali um dia
foi um espaço de convivência e contemplação assim como pensado pelo paisagista, sendo
agora prioritariamente um espaço para estacionamento de veículos (Figura 4b).

A modificação mais significativa ocorreu em 2015, quando a Prefeitura do Recife anunciou a


reforma do Cais do Imperador. De acordo com Samico (2018, p.94), “a reforma previa uma

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área aberta para a contemplação do Rio Capibaribe, um ponto comercial, um posto de
informação turística, e um eco núcleo. No ambiente externo, seria realizado um trabalho
paisagístico, com mais de 140m2 de área verde e ainda um local para exposições e
apresentações culturais”. No entanto, a execução não cumpriu com o projeto.

A terra que margeia o rio, por muito tempo, foi considerada a mais privilegiada e atrativa da
cidade, reforçando o seu papel de espaço de convívio social ribeirinho ao Rio Capibaribe.
Historicamente, o rio, o cais e a praça têm uma forte conexão, e por muito tempo as dinâmicas
urbanas do bairro de Santo Antônio voltaram-se para o rio, aproximando a cidade de suas
margens. Tal reforma realizada em 2015 quebrou esse atrelamento com o desnível do cais,
os gradis inseridos, o novo uso que é voltado para uma classe social diferenciada e,
sobretudo, com a edificação da cafeteria que quebra a visibilidade das águas e que não possui
nenhum diálogo com a praça e seu entorno (Figura 4c).

Esses elementos reforçam a percepção de um espaço privado e segregador, além de se opor


ao jardim e romper com a relação histórica — jardim e rio. O cais é um espaço público,
independente do equipamento que ali se encontra; é um elemento de conexão entre água,
terra e pessoas, capazes de proporcionar o encontro, o convívio, a relação com a natureza e
a apreciação da paisagem.

Em relação ao jardim em si, é perceptível o avanço no processo de descaracterização, seu


mobiliário como bancos e postes (estes implementados na intervenção da década de 1970)
estão quebrados, seus canteiros de plantas herbáceas e arbustivas localizados em frente à
Igreja do Divino Espírito Santo, se encontram áridos, sem vegetação (Figura 4d). A parte do
jardim localizado entre a Rua do Imperador e a Avenida Martins de Barros ainda possui uma
presença maior de vegetação, inclusive os fícus benjamina históricos, mas a localização do
Ícaro faz com que o monumento possua um outro significado, não mais aquele histórico, em
que o monumento era o elo de ligação entre a praça e o cais, que abria suas asas pra
paisagem do Recife; mas agora parece que se esconde dentro do jardim, fugindo das
desordenadas mudanças que essa localidade vem passando. Silva (2010), salienta que tais
ações podem repercutir na descaracterização dos projetos originais e levar à perda de um
acervo paisagístico de interesse histórico.

Figura 4: (A) Imagem aérea da Praça Dezessete e entorno; (B) Cais do Imperador e Delta Café; (C) Praça
Dezessete; (D) Grande Hotel, atual Fórum Thomaz de Aquino.

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Fonte: (A) Acervo Laboratório da Paisagem UFPE, 2017; (B e D) Pollyana Martins, 2021; (C) Google Street
View, 2019.

Ao considerar os jardins como “entes vivos em constante evolução e decadência” o botânico


norte americano Graham Stuart Thomas (1980, p.1), conselheiro do National Trust, destaca
que em nenhum momento existe o jardim perfeito e que muito menos se pode afirmar que a
arte do jardim esteja sob um controle absoluto. Porém, segundo Leenhardt (2008) o passar
do tempo não é, para o jardim, uma degradação, mas um processo normal e, sua ocorrência
se revela na dinâmica própria de sua evolução, uma vez que, o jardim difere da arquitetura,
pois, não é uma obra acabada. Assim, quando uma obra arquitetônica foi finalizada, os
materiais seguem o caminho do envelhecimento, e, no jardim ocorre o desenvolvimento e as
transformações, uma busca constante da vegetação pelo estado de clímax.

Há muito tempo está enraizada a ideia de que uma obra de arte deve possuir um grau máximo
de durabilidade e estabilidade. Conforme Fariello (2008) do ponto de vista histórico, o jardim
se apresenta em relação às demais artes com uma fisionomia totalmente particular.
Questiona-se, se esta forma de arte pode se conceber historicamente, dado que os jardins
estão sujeitos a modificações contínuas e que toda sua vitalidade faz com que seja difícil
formular uma valoração crítica definida. Tal questionamento não é algo recente. O teórico de
jardim Christian Cajus Lorenz Hirschfeld (1781, p. 27-28) em Théorie de l’art des jardins já

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afirmava que “aquilo que em um século eu chamo de jardim não é o mesmo no outro século”
explicando que “o mesmo jardim pode assumir tal conotação, a ponto de deixar de existir
mesmo até uma semelhança distante com o quadro inicial”. Esta afirmação, que leva ao limite
extremo a possibilidade de sobrevivência de uma obra tão frágil, leva-nos a refletir sobre o
grau de incidência do tempo na percepção da ideia do jardim.

Apesar do estado de descaracterização e abandono em que se encontra, o jardim mantém


sua vocação histórica, como monumento a posteriori ainda resguarda a memória viva,
estabelecendo-se como espaço estruturante na cidade. Añón-Feliú (1994), considera a
paisagem cultural firmando em uma memória coletiva que propicia a construção da identidade
e personalidade de cada cidade. Assim, a Praça se mantém como monumento vivo agregado
aos seus valores, particularidades e essência.

Enquanto monumento a priori, as ações do tempo resultaram no enfraquecimento das ideias


projetuais do paisagista para o jardim, já que em seu entendimento artístico, Burle Marx alia
a história do lugar com o novo. Entretanto, não significa aceitar a descaracterização do jardim,
é necessário devolver sua unidade estética, resgatando a harmonia histórica e artística.

Conclusão
Mudança - condição inerente aos jardins. Ante tudo que foi visto e analisado, tomando por
base a Praça Dezessete, obras do gênio criador Roberto Burle Marx, pode-se dizer que um
jardim histórico é aquele que propicia um sentimento único que está atrelado ao espírito de
uma época, de um lugar e que foi relevado pelo processo historiográfico aqui apresentado.
Contudo, para que a Praça Dezessete continue desempenhando tal condição, ações de
conservação são primordiais.

Para conservar o jardim histórico existe a necessidade de ter, antes de tudo, um conhecimento
profundo, exigência preliminar de toda intervenção. Assim, o jardim histórico deve ser
analiticamente estudado em todos seus componentes - arquitetônico, vegetacional,
topográfico, ambiental, social, artístico e histórico. Saber que não existem dois jardins iguais,
nem no tempo, nem no espaço, nem em características, faz com que nossa experiência só se
enriqueça.

Em nível conceitual e legislativo a proteção de jardins históricos está assegurada, porém a


condição é outra. No Brasil, ainda não estão bem claras as ideias e o conceito do que vem a
ser um jardim histórico e a convicção de que suas funções são eminentemente culturais, no
mais amplo sentido desta palavra. Enquanto isso não seja uma realidade compreendida e
aceita, o jardim histórico, conforme Carmen Añón Feliú (1995), não será valorado nem
compreendido e nem haverá cumprido sua autêntica missão, convertendo-se simplesmente

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em mais um jardim - em uma simples área verde com intuído ambiental -, e que não tem
recebido o tratamento que deveria, o que acarreta a perda ou desvirtua os elementos
principais que faziam do jardim histórico uma unidade diferenciada dos outros jardins e lhe
outorga seu próprio e particular encanto.

A condição que hoje se encontra a Praça Dezessete, de estado avançado de


descaracterização, a primeira coisa que nos vem à mente é que em um futuro próximo ela
deixe de desempenhar sua função – de ser e revelar a história do lugar. Mas, com tantas
transformações, de distintos períodos, vemos sua força, resistência e teimosia.

Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de
Pernambuco (FACEPE) pelas bolsas de Bolsas de Fixação de Técnico (BFT-0082-6.04/19) e
de Iniciação Científica (BIC-0097-6.04/19, BIC-0205-6.04/20 e BIC-0272-6.04/21)
fundamentais para o desenvolvimento das pesquisas.

Referências Bibliográficas
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p.23.
AÑÓN FELIÚ, Carmen. Authenticité: jardin et paysage. In: LARSEN, Knut Einar (Ed.). Conférence de
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CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade: Unesp, 2006.

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DIARIO DE PERNAMBUCO. Coisas da Cidade. O monumento dos aviadores portugueses. Recife, 20


de setembro de 1957, p. 4.
_____.Poder Verde começa a reinar no Recife com restauração do Parques 13 de Maio. Recife,
10 de novembro de 1971, p.13

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_____. A Praça 17 não é mais aquela. Recife, 20 de fevereiro de 1972, p. 13.
_____. Ame está árvore, 19 de maio de 1972, p. 9.
_____. Poder Verde domina a cidade. Recife, 1 de janeiro de 1972, p. 9.
FARIELLO, Francisco. La arquitectura de los jardines: de la antigüedad al siglo XX. Barcelona:
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HIRSCHFELD, Christian Cajus Lorenz. Théorie de l’art des jardines. Leipzig: Weidmann, 1779-1785.
Disponível em: <https://catalog.hathitrust.org/Record/>. Acesso em: 12/12/2016.

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TRUJILLO, Afonso Ferrari. Metodologia da ciência. Rio de Janeiro: Kennedy, 1974.

VERAS, Lúcia Maria de Siqueira Cavalcanti. Praça Dezessete. In: CAVALCANTI, Maurício; SÁ
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VERAS, Lúcia. Primeira Porta: A invenção da Cidade como Paisagem. In: VERAS, Lúcia; BEZERRA,
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(CAU/PE); João Pessoa: Patmos Editora, 2017, 110 p. (v. 2).

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EIXO TEMÁTICO 3. ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO
ACERVO E ESCRITA DA HISTÓRIA
A ausência das fontes fotográficas do MAM-Rio nas interpretações
sobre o Congresso de 1959

PEIXOTO, Priscilla A.. (1); APOLINÁRIO, Luiza. (2); LEVI, Bruna F. (3)
1. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Programa de Pós-graduação em Arquitetura.
Av. Pedro Calmon, 550, sl.433. Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ.
priscillapeixoto@fau.ufrj.br

2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Belas Artes


Av. Pedro Calmon, 550. Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ.
luizapolinariorv@gmail.com

3. Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Belas Artes


Av. Pedro Calmon, 550. Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ.
brunaferrettilevi@gmail.com

RESUMO
Nosso trabalho partiu da localização de três séries fotográficas que compõem um dossiê salvaguardado
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio). Essas fotografias foram realizadas para cobrir
a participação do museu no Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte que ocorreu em
1959. Constatamos que essas fotografias pouco (ou nada) haviam sido abordadas pelos intérpretes do
evento (AMARAL, 1981; ARANTES, 1991; ANDRADE, 2008; LOPES, 2009; FERNANDES, 2009;
ROSSETTI, 2009; CAPPELLO, 2009; SEGRE, 2009; RIBEIRO, 2009; MARI, 2018). Considerando que
o setor de Pesquisa e Documentação museu e seus instrumentos de pesquisa, inclusive o relativo aos
eventos, ainda em 1999, não estavam completamente organizados (VARELA, 2016, p.3), nossa
hipótese é que, possivelmente, apesar de salvaguardados em uma das instituições que sediou o
evento, essa documentação não era facilmente acessível. A partir deste pressuposto aparentemente
simplório, buscamos abordar uma questão mais abrangente, de ordem historiográfica: a relação entre
acessibilidade de fontes e a escrita da história. Utilizando como referenciais teórico-metodológicos as
noções de “operação historiográfica” (CERTEAU, 1974; 1975; RICOEUR, 2000) e “competência de
edificar” (CHOAY, 2009) e considerando o papel ativo das pesquisas para a manutenção e atualização
dos acervos (ALMEIDA, 2021), estruturamos este artigo em seis partes: (1) A escrita da história do
Congresso de 1959 e suas fontes; (2) Arquivos entre a “operação historiográfica” e a “competência de
edificar”; (3) Arquivo documental do MAM-Rio e o Congresso de 1959; (4) Das séries fotográficas; (5)
Nas fotografias de Carlos, mais questões do que respostas... (6) A acessibilidade dos documentos e a
escrita da história.

Palavras-chave: historiografia; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; fotografia.

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A escrita da história do Congresso de 1959 e suas fontes
Ao realizar uma pesquisa sobre o Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte
de 19591 (PEIXOTO, 2020b) e sair a campo para levantar fontes diretamente nos locais que
o sediou, identificamos que, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), onde
foram realizados os últimos dias do evento (23 e 25 de setembro de 1959), estava
salvaguardada uma série de documentos que registravam a sua preparação, realização e
difusão.

Logo de início, esses documentos nos chamaram a atenção, pois apesar de alguns deles
estarem disponíveis em outros acervos, uma parte significativa, sobretudo o conjunto de
fotografias, pouco ou nada havia sido explorado em trabalhos até então elaborados sobre o
Congresso de 19592 (AMARAL, 1981; ARANTES, 1991; ANDRADE, 2008; LOPES, 2009;
FERNANDES, 2009; ROSSETTI, 2009; CAPPELLO, 2009; SEGRE, 2009; RIBEIRO, 2009;
MARI, 2018). Localizar estes documentos nos intrigou: como uma instituição que sediou o
evento (e cuja atividade fim é a salvaguarda de acervos) havia ficado à margem das
pesquisas?

Mesmo com o volume crescente de trabalhos que se avolumaram entre 2008 e 2009, devido
a proximidade da comemoração dos 50 anos do Congresso, os documentos salvaguardados
no MAM-Rio, sobretudo sua série fotográfica, continuavam pouco (ou nada) exploradas. Até
então, as fotografias mais utilizadas para ilustrar o cotidiano do evento eram aquelas
realizadas em Brasília, em grande parte fotografadas por Mário Fontelle, e que foram
publicadas em algumas reconhecidas revistas dedicadas à arquitetura (ROSSETTI, 2009;
2019; BRASÍLIA, 1959).

Arquivos entre a “operação historiográfica” e a “competência de edificar”

Para começar a enfrentar o problema das fontes que aparentemente permaneceram pouco
exploradas pelos intérpretes do Congresso de 1959, nos aproximamos da teoria da história.
De maneira mais específica, partimos de uma noção enunciada por Michel de Certeau e
atualizada por Paul Ricoeur chamada de “operação historiográfica” (CERTEAU, 1974; 1975;
RICOEUR, 2000). Nela, a atenção às coleções e aos arquivos se inscreve junto a uma

1 O Congresso de 1959 foi organizado pela Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), uma entidade
ligada diretamente à UNESCO. Sua proposição e execução ficou a cargo da seção brasileira da associação, a
Associação Brasileira de Crítico de Artes (ABCA). “O Congresso ocorreu entre 17 e 25 de setembro de 1959, nas
cidades brasileiras: Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Contou com 65 delegados de diferentes nacionalidades.
Para além dos críticos de arte, também participaram do evento artistas, arquitetos, urbanistas e historiadores”
(PEIXOTO, 2020a).
2 Para facilitar a leitura, doravante, quando escrevermos “Congresso” ou “Congresso de 1959”, estaremos fazendo

referência ao Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte de 1959.


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reflexão sobre a escrita da história. O que esses dois autores apontam é que o “fazer história”
é uma operação que articula três fases: (1) O lugar social / memória arquivada; (2) uma prática
/ compreensão; (3) uma escrita / representação historiadora.

Trata-se de três fases que não representam necessariamente estágios sucessivos dessa
operação. De toda forma, o que nos interessa particularmente aqui é a primeira delas, o “lugar
social” para Certeau (1974; 1975) e a “memória arquivada” para Ricoeur ([2000] 2012).

Para Certeau, esse “lugar social” não se trata de um lugar apenas geográfico, mas também
situado historicamente, socialmente, institucionalmente, culturalmente e psicologicamente. É
deste lugar, que aquele que empreende a operação se coloca a observar eventos e vestígios
e se deixa tocar por eles, mas de onde nunca se poderá ter uma visão total sobre o que de
fato aconteceu, pois a vista a partir deste lugar é sempre parcial, mesmo que o próprio
historiador se converta, por vezes, em testemunha.

Neste primeiro momento da operação historiográfica, Certeau sublinha de forma mais


específica a necessidade do historiador, ele mesmo, reconhecer seu lugar de enunciação.
Lembra que “enquanto falam da história, estão sempre situados na história” (CERTEAU,
1975). É deste lugar e de suas condições de possibilidades que “recorta” assuntos, prefere
um conjunto de pesquisas a outras.

Para Ricœur, a ênfase desta primeira fase se aprofunda na problematização do lugar social
das fontes. Ela se justifica, sobretudo pelo próprio lugar de enunciação do autor. Escrevendo
sobre este aspecto 25 anos depois de Certeau, diante de uma inflação e banalização dos
lugares de memória na virada do século XX para o XXI, articula-os dentro de um livro que
propõe abordar “A memória, a história e o esquecimento” ([2000] 2012).

Para este segundo autor, sua primeira fase da operação historiográfica, “a memória
arquivada”, é o momento em que a história rompe com a memória, pois aquilo que resiste no
“espaço habitado” e no tempo vivido, aquilo que grupos ou indivíduos desejam legar às
gerações futuras em “testemunhos” ou “arquivos”, ganham estatuto de prova documental,
fontes. Enfatizando especificamente os arquivos e os articulando com a noção de “lugar
social” enunciada por Certeau, Ricœur escreve:

O arquivo apresenta-se assim como um lugar físico que abriga o destino dessa
espécie de rastro que cuidadosamente distinguimos do rastro cerebral e do
rastro afetivo, a saber, o rastro documental. Mas o arquivo não é apenas um
lugar físico, espacial, é também um lugar social. É sob esse ângulo, que Michel
de Certeau trata dele no primeiro dos três painéis sobre o que, antes de mim,
ele denominou operação historiográfica. Relacionar um produto a um lugar, diz
ele, a primeira tarefa de uma epistemologia do conhecimento histórico
(RICOEUR: 2012, p.177).

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Sobre esta “memória arquivada”, Ricœur apresenta, por fim, uma aparente contradição
inscrita nos testemunhos e nos arquivos. Uma vez que podem ser vistos como memórias em
“estágio declarativo”, que buscam deliberadamente compartilhar experiências para além do
vivido, a seleção do que enunciam resguarda, aquilo que não declaram ou não conseguem
declarar, “testemunham por seu mutismo” (RICOEUR, [2000] 2012, p.185).

Assim, se Paul Ricoeur ([2000] 2012, p.177) ao trabalhar a noção de “operação historiográfica”
nos lembra que um dos primeiros gestos ao se empreender a escrita da história é justamente
reconhecer o estatuto do que se arquiva – localizar aquilo que grupos ou indivíduos desejam
legar às gerações futuras em “testemunhos” ou “arquivos” e torná-los prova documental,
fontes –, quais as implicações para a escrita de uma história ao se reconhecer a presença do
desejo de arquivamento contraposta a latência de um acervo durante algum tempo
dificilmente acessível?

Pergunta de resposta imprecisa e difícil, mas que, ao continuarmos a leitura de Paul Ricoeur,
podemos encontrar algumas pistas para uma resposta, mesmo que parcial. Já na conclusão
de “Memória, história e esquecimento” ([2000] 2012, p.505), o autor escreve: “(...) a
representação mnemônica, veículo do vínculo com o passado, torna-se ela mesma objeto de
história”. Com essa passagem, Ricoeur nos instiga a pensar que o próprio modo de
construção dos “lugares de memória” pode, eles também, se tornar matéria de uma
investigação.

É interessante colocar esta reflexão sobreposta a outra, agora de Françoise Choay, na qual
a autora disserta sobre a noção de monumento. Ela que, diferentemente de Ricoeur, não se
dedica aos acervos, mas sim às edificações-monumentos, lembra a seu leitor que o
esquecimento é parte da vida. É impossível tudo lembrar. Assim, em sua interpretação,
estabelece uma relação entre a preservação como ato paliativo e a reconfiguração como
gesto que efetivamente mantém a memória viva. Usando a figura mito de Narciso como
alegoria dos males daquele que cristaliza sua própria imagem, ela escreve:

“A mitologia nos ensinou que Narciso morreu por não poder separar-se nem
esquecer-se de si por um momento. E então aprendemos que o narcisismo é
um estágio necessário, mas passageiro, do desenvolvimento humano e que
voltar a ele só poderia, afinal, abrir caminho para a neurose ou a loucura.
Nessas circunstâncias, embora a figura que contemplamos no espelho do
patrimônio histórico seja o reflexo de objetos reais, nem por isso é menos
ilusória. A forma indiscriminada com que foram reunidos eliminou todas as
diferenças, heterogeneidades e fraturas. Ela nos tranquiliza e exerce sua
função protetora graças, precisamente, à redução e à supressão fictícia dos
conflitos e das questões que não ousamos enfrentar: instrumento de defesa
eficaz numa situação de crise e de angústia, mas instrumento transitório. Na
sua função narcisista, o culto do patrimônio só é justificável por um tempo: o
tempo de interromper simbolicamente o curso da história, tempo de tomar
fôlego na atualidade, tempo de confortar nossa identidade antropológica a fim
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de poder continuar sua construção, tempo de reassumir um destino e uma
reflexão. Passado esse prazo, o espelho do patrimônio estaria nos
precipitando na falsa consciência, na recusa do real e na repetição”. (CHOAY,
2006 [1992], p.247-248)

Complementando a passagem, Choay defende o que chama de “competência de edificar”,


uma capacidade humana de mediar, com o seu próprio corpo, o problema da perda de sentido
e, com isso, “fundar e refundar a relação dos seres humanos quer com o mundo natural, quer
com as regras transcendentes que os ligam entre si” (CHOAY, 2006 [1992], p.250).

Mesmo que pareça que estamos nos afastando do nosso problema inicial, a sequência de
questões que expomos aqui dizem respeito a necessidade de atualizar as configurações
existentes como um elemento da preservação.

Trazendo o problema para o universo dos arquivos, e de maneira ainda mais precisa, aos
arquivos de instituições museais, nos parece que a “competência de edificar” pode ser
traduzida no caráter ativo (e porque não propositivo e provocativo) que as pesquisas podem
estabelecer com os acervos.

Um exemplo recente pode ilustrar a questão. No evento “Memória e Identidade no acervo


IMS” (III Seminário da Rede de Arquivos de Mulheres, 2021), a pesquisadora do setor de
literatura do Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, Elizama Almeida, ao tratar da maneira
como os acervos podem se beneficiar da estreita relação com as pesquisas, menciona uma
atenção particular a três procedimentos: a política de aquisição; o tratamento e catalogação;
e a demanda externa. Relata que mesmo havendo uma política de aquisição que reveja o
acervo de maneira periódica, nem sempre a catalogação acompanha esses esforços. Seja
por falta de vestígios que ajudem os profissionais dos acervos a reconhecer os “traços”, seja
por se tratar de pressões de cronograma de exposições de uma instituição museal. Elizama
Almeida constata que, por esse motivo, muitas vezes a instituição acaba “sublinhado os
nomes já conhecidos” quer nas suas mostras, quer na dedicação à descrição arquivística. Por
isso, acredita que a demanda externa tem um importante papel na reavaliação das
discrepâncias dentro do acervo, como também nas formas de tratamento e catalogação.
Considera que a pesquisa interna, aliada a demanda dos pesquisadores externos é mais
efetiva (e veloz) para gerar novas conexões e leituras dos documentos. Finaliza afirmando
que isso é importante tanto para as novas políticas de aquisição como também na
reformulação e na reavaliação dos processos de tratamento e catalogação das coleções que
estão sob guarda da instituição3.

3Dentre os autores do campo da arquitetura que desenvolvem pesquisas sobre acervos fotográficos, destacamos
Eduardo Costa (2016) e Junia Mortmier (2014, 2020).

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Arquivo documental do MAM-Rio e seus documentos do Congresso de 1959
A relação estabelecida entre pesquisa e arquivo não é uma novidade. No caso específico do
MAM-Rio, seu arquivo documental, administrativamente, está localizado no setor de pesquisa
do museu. Ele foi criado, em 1979, com o objetivo de divulgar uma gama de documentos fruto
da atividade cultural realizada pela instituição ao longo dos anos. Segundo Elizabeth Catoia
Varela (2019, p. 36), o setor de pesquisa:

(...) é responsável pelas demandas de pesquisa e reúne arquivo e biblioteca


de artes visuais, ou seja, junto ao arquivista e bibliotecário, também atua o
historiador da arte, formando assim uma equipe multidisciplinar. As demandas
de pesquisa são para realização de planos de trabalho propostos pela própria
instituição, isto é, demandas internas, mas também o atendimento de
pesquisadores externos, que em geral são graduandos, pós-graduandos,
curadores e pesquisadores independentes, tanto brasileiros quanto
estrangeiros. (VARELA, 2019, p.36)
Dedicado às artes visuais, o arquivo documental do MAM-Rio é composto por documentos,
tais como: manuscritos, catálogos, convites, boletins, cartazes, informes internos, recortes de
periódicos e fotografias. Em grande parte, esses documentos são organizados em dossiês
sobre artistas, exposições, cursos e eventos propostos pelo museu ou que foram realizados
em sua sede.

De forma mais específica, com relação à organização dos dossiês sobre eventos –
semelhantes àquele que estudamos e que salvaguarda os documentos do Congresso de 1959
–, outro texto de Varela (2016, p.3) nos informa sobre a existência de um inventário finalizado
em 1999. Os dossiês de eventos possuem tipologia documental variada. Reúnem
documentos, tais como, cartas, relatórios, projetos, recortes de jornais e peças gráficas. Nas
nossas consultas ao dossiê do Congresso de 1959, observamos que essas diferentes
tipologias dão origem a três séries documentais.

Na primeira delas, encontramos material impresso e datilografado produzido pelos próprios


organizadores do evento4. Na segunda série, tivemos acesso a clippings, recortes de jornais
(muitas vezes com suas transcrições) em que eram noticiadas as atividades do Congresso
que transcorreram no MAM-Rio. A terceira e mais extensa era composta por fotografias de
um fotógrafo conhecido como Carlos, responsável por cobrir eventos realizados no Museu
nos seus primeiros anos de funcionamento.

Os dois primeiros desses conjuntos documentais são facilmente acessados em outros


acervos. Os Archives de la critique d’art (Rennes 2)5 permite acesso à versão digitalizada de

4 Trata-se de tais como atas, temário, programa, boletins, descrição das sessões, textos dos relatores, relação de
delegados, observadores e demais participantes do Congresso.
5 local de guarda da documentação da associação que organizou o evento (Associação Internacional de Críticos

de Arte – AICA)
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documentos semelhantes a primeira série que identificamos no MAM-Rio6. Sua principal
diferença é que se trata de uma versão da documentação, em sua maioria, redigida em
francês e com algumas anotações (rasuras) sobre o documento impresso 7. Conjunto
documental semelhante também está disponível para consulta presencial no Arquivo Histórico
do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP)8. Por sua vez,
a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (Brasil) permite acessar cópias digitais de uma
série de jornais da década de 1950, o que inclui e amplia a segunda série documental do
Congresso de 1959 que identificamos no arquivo do MAM-Rio.

No entanto, como já sinalizamos, a terceira série documental salvaguardada no museu do Rio


de Janeiro, a coleção de fotografias, nos levou a um olhar mais atento, pois pouco (ou nada)
havia sido explorado pelos intérpretes do evento. Além disso, não foi identificado conjunto
semelhante nos demais acervos consultados. Sua consulta, além de abrir frentes para a
pesquisa em curso, parece trazer aspectos que nos fazem problematizar a latência dessa
série documental na escrita da história do Congresso.

Ou seja, tornam tangíveis tanto às questões da ordem de uma epistemologia da história


presentes nos escritos de Paul Ricoeur, quanto a problematização do esquecimento nos
lugares de memória que trouxemos à tona com os escritos de Françoise Choay. Traduzindo
a “competência de edificar” apresentado por esta última autora como a valorização da relação
estreita entre pesquisa e acervo – que exemplificada no depoimento de Elizama Almeida –,
passemos, pois, ao exame das fotografias do Congresso de 1959 salvaguardas no MAM-Rio.

Das séries fotográficas


Todas as fotografias desta série documental são de autoria de um estúdio fotográfico
chamado Carlos, provavelmente, o nome do próprio fotógrafo. As poucas informações que
possuímos estão registradas no carimbo presente no verso de todas as peças fotográficas
arquivadas no dossiê.

6 Nos Archives de la critique d’art, a documentação relativa ao Congresso de 1959 é composta por um conjunto de
quatro subpastas e três impressos. Segundo o site da instituição (encurtador.com.br/fhX03), trata-se de : “CON013-
1: organização geral (cartas, programas, listas de membros, listas de convidados, listas de viajantes, listas de
agradecimentos, notas, crachás, cartões de convite, cartões de visita), palestras proferidas por André Malraux em
Brasília em 25 de agosto de 1959; CON013-2 / 4: organização do Congresso (comunicações, agenda (23 de
setembro), notas, saudações, boletim / relatório da sessão de abertura (17 de setembro), imprensa + 3 impressos:
Atas do Congresso (AICA.J001) , Boletim "Atividades", n ° 1, 1960 [fre, eng] (FR ACA AICAI IMP PRE001)”
Tradução nossa.
7 Destacamos, por exemplo, as anotações da secretária geral do Congresso de 1959, Simone Gille Delafon, sobre

o programa do evento (encurtador.com.br/lowIW).


8 Aparentemente, trata-se de documentação idêntica à salvaguardada no MAM-Rio. Em consulta por e-mail, fui

informada que a pasta relativa ao Congresso no Arquivo Histórico do Museu de Arte Contemporânea da USP
possui documentos como programa, boletim, comunicação e lista de membros.

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Esses carimbos informam que Carlos (ou seu estúdio) atendia em sala comercial no centro
do Rio de Janeiro, bem perto do MAM-Rio – Rua México, 21. Ed. Civitas. s.1802 –, e que se
apresentava como “especializado em fotografias técnicas” para a realização de “ampliações”,
“reproduções”, “cópias”, “casamentos” e “[registros?] coloridos”.

Figura 1: Carimbo de identificação do estúdio de Carlos.


Fonte: CARLOS, 1959a.
Reprodução fotográfica realizada por Priscilla Peixoto.

Se não podemos aprofundar nossas análises a partir do autor das fotografias, por outro lado,
ao consultar esses documentos, temos a oportunidade de acessar outros de seus atributos
enquanto fonte documental. Dentre eles, podemos destacar as propriedades de um conjunto
fotojornalístico seriado. Ou seja, uma seleção de fotografias reunidas pelo próprio autor ou
pela equipe do museu que foram produzidas com a finalidade de escolher quais delas seiram
utilizadas para divulgar o museu na imprensa. Ou seja, trata-se de uma natureza diferente
das fotos que efetivamente foram parar nas páginas dos jornais. As fotos de Carlos
salvaguardadas no MAM-Rio constituem uma série mais ampla que não passou pelo “crivo”
do jornalista ou do editor do veículo de comunicação9.

Trata-se, assim, de fotografias que foram descartadas no processo de seleção e, por isso,
não ganharam circulação. Talvez, não tenham sido aproveitadas por causa dos personagens
registrados, por questões de ordem técnica como qualidade da luz e da composição ou,
mesmo, pelo acaso. Qualquer que seja o motivo, isso não tira o mérito do conjunto, pois ele
pode apresentar grande valor para pesquisas que, como a nossa, estavam interessadas em
identificar a dinâmica do evento e os atores envolvidos10.

De forma mais específica, pudemos constar que esta série documental cobre três situações
distintas sediadas nas dependências do museu. Elas apresentam: (1) uma reunião de

9 Para ampliar ainda o espectro do conjunto documental seria interessante consultar os contatos e negativos. Nas
nossas consultas à documentação, apesar de não termos tido acesso, verificamos pela descrição que algumas
fotos os possuem (informação no envelope, identificação do material, área de notas).
10 Aspecto semelhante é sublinhado pelo trabalho de Eduardo Costa (2016) nos arquivos do IPHAN.

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preparação do evento realizada em 22 julho de 1959; (2) as sessões e assembleia que
aconteceram nos três últimos dias do evento (23 e 25 de setembro de 1959); e (3) o jantar de
encerramento oferecido pelo Ministro das Relações Exteriores11.

No primeiro grupo, as fotografias da reunião que aconteceu três meses antes do evento,
apresentam uma equipe heterogênea. Nelas, estão identificadas todos os participantes:
Niomar Muniz Sodré, então diretora-executiva do museu; Israel Pinheiro, presidente da
Novacap12 e engenheiro responsável pela construção de Brasília; Wladimir Murtinho, chefe
da Divisão de Comunicação do Itamaraty; Jayme Maurício, crítico de arte e redator do jornal
carioca Correio da Manhã; Carlos Flexa Ribeiro, crítico e historiador da arte e diretor-geral do
museu; Mário Pedrosa, crítico de arte e vice-presidente da AICA; e Oscar Niemeyer, arquiteto
e diretor de arquitetura e urbanismo da Novacap e editor das revistas Módulo e Brasília.

No segundo grupo, os dias que o evento se realizou no Rio de Janeiro ganham forma. Nas
fotografias desse dia são registradas a composição da mesa de algumas das sessões, bem
como, a plateia presente no evento. Essas imagens por vezes eram tomadas de perto,
evidenciando a presença de alguma personalidade durante seu discurso, em geral àquelas
que possuíam cargos políticos. No entanto, em sua grande maioria, o ângulo mais aberto
enquadrou o aspecto geral da sala e da plateia. Nessas fotografias de caráter mais coletivo,
podemos observar com clareza as feições de inúmeros presentes.

O terceiro grupo de fotografias salvaguardadas no MAM-Rio, àquelas relativas ao jantar de


encerramento, se caracteriza por possuir similaridades com os dois conjuntos anteriores.
Como nas fotografias da reunião ocorrida em julho de 1959, é possível identificar um grupo
heterogêneo composto por atores sociais distintos. Ao mesmo tempo, há uma expressiva
quantidade de pessoas não identificadas.

Para exemplificar o que pudemos ver nessas séries fotográficas, apresentamos aqui quatro
delas: (1) Reunião para tratar de assuntos relativos ao Congresso de Críticos de Arte em
Brasília. 22 jul. 1959; (2) Congresso Internacional de Críticos de Arte. Aspecto da Assembleia.
23 set. 1959; (3) Jantar em homenagem aos críticos de arte em 25 de setembro de 1959. (4)
Jantar em homenagem ao C. Arte. 25 set 1959.

11 Segundo o programa do evento, inicialmente, o referido jantar ocorreria no Clube Piraquê, situado na Lagoa
Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro), mas as fotografias do evento demonstram que ele foi realizado nas
dependências do MAM-Rio.
12 Novacap é a sigla para “Companhia Urbanizadora da Nova Capital”, empresa criada para a construção de

Brasília.

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Nas fotografias de Carlos, mais questões do que respostas...
Comecemos, pois, pela fotografia “Reunião para tratar de assuntos relativos ao Congresso de
Críticos de Arte em Brasília. 22 jul. 1959” [Figura 2a]. Nela aparecem, da esquerda para a
direita, Wladimir Murtinho, Niomar Muniz Sodré, Jayme Mauricio e Israel Pinheiro. Essa
fotografia nos permite perceber que a operação de um Congresso como esse articulou atores
institucionais.

Em geral, os trabalhos em que o Congresso é apresentado, seus intérpretes sublinham a


participação dos promotores do evento – a Associação Internacional de Críticos de Arte
(AICA); a sua representação nacional, a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA); e
a própria UNESCO, à qual a AICA e ABCA estão ligadas (HUGHES, 2009; GONÇALVES,
2009; MALLORDY-KREMER) – e a divisão cultural do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil (FARIA, 2019; PEIXOTO, 2020, p.79).

No entanto, esta fotografia nos mostra outros, tais como, representantes da empresa
construtora estatal, do museu de arte moderna e da imprensa. Esse registro nos permite
pensar, portanto, possibilidades de análises e interpretações que situe o Congresso de 1959
em uma rede mais ampla. Aponta para o desenvolvimento de pesquisas de caráter
transdisciplinar e que pode beneficiar interpretações sobre o processo construção de políticas
culturais na década de 1950, no Brasil.

Figura 2: A presença de Niomar Muniz Sodré. A esquerda, registro da reunião para tratar de
assuntos relativos ao congresso de Críticos de Arte em Brasília, em 22 de julho de 1959. A
direita, Jantar em homenagem aos Críticos de Arte, em 25 de setembro de 1959.
Fonte: CARLOS, 1959b; CARLOS, 1959c.
Reprodução fotográfica realizada por Priscilla Peixoto.

Outro aspecto a se destacar na fotografia “Reunião para tratar de assuntos relativos ao


Congresso de Críticos de Arte em Brasília. 22 jul. 1959” [Figura 2a], mas também presente na
intitulada “Jantar em homenagem aos Críticos de Arte. 25 set. 1959” [Figura 2b], é o foco
voltado para Niomar Muniz Sodré. Pode-se esperar que o estúdio fotográfico contratado para

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cobrir as atividades do MAM-Rio dedicasse uma atenção especial à sua diretora executiva.
Contudo, para além de uma orientação da natureza do trabalho que o fotógrafo havia sido
contratado para realizar, ao focar em Niomar Muniz Sodré, as fotografias de Carlos nos
estimulam a pensar o papel de articulação desempenhados por ela visto que, de maneira
recorrente, ela se encontra no meio de uma série de artistas, arquitetos, designers, críticos e
figuras políticas de diferentes níveis da administração pública.

Trabalhos recentes como o de Sabrina Sant’anna (2008, p. 93-106), dedicado a investigar os


diferentes atores envolvidos na fundação do MAM-Rio, demonstraram justamente a
importância da diretora executiva no encaminhamento das ações encampadas pelo museu
na década de 1950.
Segundo essa autora, Niomar Muniz Sodré passou a gerir o MAM-Rio em 1952. Nessa função,
implementou mudanças como a maneira como eram escolhidos os curadores das exposições
e a construção de uma estreita interlocução entre o museu, os jornais de grande circulação e
os críticos de arte. Além disso, Sant’anna (2008, p. 93-106) explorou a atenção do Museu
dada à formação de público e de artistas (tratava-se do início da escola que seria, então,
associada ao museu) e, também, a política de internacionalização da instituição.
Neste processo, ainda Sant’anna, aponta como que Niomar Muniz Sodré se articulava junto
a Mário Pedrosa, Flexa Ribeiro e Jayme Maurício, três dos personagens presentes nas fotos
dos preparativos do Congresso registradas em julho de 1959 [Figura 2a]. Para além do círculo
pessoal de Sodré, a aproximação dos críticos era parte de uma ação institucional do museu
que passava a ocupar as páginas de jornais de grande circulação, sobretudo o Correio da
Manhã13(SANT’ANNA, 2008, p.81). A autora traz ainda aspectos mais específicos, relativos à
aproximação de Niomar Muniz Sodré de Mário Pedrosa e de Flexa Ribeiro:

Ao lado de sua expertise, contudo, a diretora se cercava de um grupo de


connoisseurs a que recorria para a escolha de exposições, para a avaliação
de obras doadas, para a compra de novas aquisições. Mario Pedrosa e Flexa
Ribeiro – professores, críticos de arte e autoridades do conhecimento – seriam
recorrentemente consultados sobre as próximas atividades da instituição.
Mario Pedrosa assinaria prefácios de catálogos, auxiliaria na escolha das
exposições, selecionaria os quadros a serem aceitos e comprados. Flexa
Ribeiro, por sua vez, seria correntemente responsável pela redação dos
boletins e chegaria mesmo a assumir provisoriamente a diretoria da instituição
no lugar de Niomar. O museu se tornaria lugar de técnicos e de detentores do
saber. (SANT’ANNA, 2008, p.100)
Com essas ponderações, Sant’anna nos ajuda a reforçar as impressões obtidas quando
manuseamos as fotografias de Carlos. Elas nos permitem pensar que os registros de Carlos
apresentam um desses momentos em que as instituições museais atuam na promoção da

13Paulo Bittencourt, marido de Niomar Muniz Sodré, era um dos diretores do jornal Correio da Manhã. Após a
morte de Bittencourt, em 1963, seria Sodré quem passaria a ocupar da diretoria do referido jornal (LEAL, 2014).

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crítica. Contudo, os outros participantes da cena indicam que não se tratava de um debate
restrito a isso, nem exclusividade do campo das artes visuais. Parece se alinhar também à já
referida política de internacionalização do museu, do governo Juscelino Kubitschek ou dos
arquitetos presentes.

Este mesmo aspecto, pode ser observado no conjunto de fotografias dedicadas ao jantar de
encerramento, após as reuniões do último dia do evento, 25 de setembro de 1959. Nele,
representantes de diferentes instâncias do governo – do presidente Juscelino Kubitschek ao
prefeito do Rio de Janeiro Sá Freire Alvim – e, também, arquitetos, artistas e designers como
Afonso Eduardo Reidy, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Calder e Aloysio Magalhães.

Podemos aventar, portanto, que, na pouca atenção dada ao papel de Niomar Muniz Sodré na
articulação do evento, pese um entendimento estrito da pesquisa em campos – arte e
arquitetura – e, com isso, um rebaixamento dos atores sociais ligados a articulação política e
econômica de redes e de instituições que o promoveram. Contudo, para pesquisas ligadas ao
Congresso, um evento diretamente ligado a projetos de internacionalização tanto da crítica
quanto da produção artística e de arquitetura realizada no Brasil, não seria interessante
ponderar qual a contribuição de uma articuladora como Niomar Muniz Sodré poderia ter tido
na execução do evento? Trata-se de uma pergunta que permanece em aberto.

Abordar o papel de articuladora cultural de Niomar Muniz Sodré também nos leva a outra
camada de questões: a diferença quantitativa de trabalhos dedicados à fortuna crítica entre
personagens femininas e homens na mesma função. Adentrando o debate sobre a
desigualdade de gênero aqui esboçado, outras fotografias de nossa seleção o ampliam.

Ao observarmos a fotografia “Congresso Internacional de Críticos de Arte em 23/09/1959”


[Figura 3], podemos ver uma participação considerável de mulheres na plateia da sessão.
Contudo, se formos compará-la com a transcrição dos debates daquele dia percebemos que,
com exceção da apresentação da comunicação de Fayga Ostrower14, não há registro da fala
de nenhuma participante do gênero feminino neste dia. Somado a este aspecto, constatamos
outro. No verso da fotografia, quando buscamos encontrar a identificação dos presentes,
podemos ler apenas: “Congresso Internacional de Críticos de Arte em 23/09/1959. Aspectos
da assembleia, congressistas - Dio Nioggio (Uruguaio)”.

14 Fayga Ostrower (1920-2001) foi uma gravadora e teórica da arte polonesa. Conhecida por sua atuação no campo
da educação, publicou inúmeros livros sobre questões de arte e criação artística. Em 1957, a artista foi
contemplada com o Grande Prêmio Nacional de Gravura da Bienal de São Paulo e, no ano seguinte, com o Grande
Prêmio Internacional da Bienal de Veneza. Ostrower participou do congresso de 1959 com a comunicação
intitulada “O valor da arte na educação”.

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Ou seja, com a exceção Dio Nioggio, ninguém foi identificado. De toda forma, comparando
com a lista de delegados presentes, podemos inferir que, dentre as sete mulheres que figuram
na fotografia, algumas delas possivelmente sejam: Fayga Ostrower, Aline Saarien, Charlotte
Perriand, Carola Giedion-Welcker, Niomar Moniz Sodré, Lisetta Levi, Maria Ester Costa, Yara
Rabello, Mary Pedrosa. Pela fisionomia e buscando fotografias dessas participantes na
mesma época, esboçamos na figura abaixo uma tentativa parcial de identificação. No entanto,
é difícil afirmar.

Figura 3: Ensaio para identificação da presença feminina na sessão de 23/09/1959.


Fonte:CARLOS. 1959d.
Reprodução fotográfica e montagem realizada por Priscilla Peixoto.

Em outra fotografia [figura 4], registrada no jantar de encerramento, outro caso que nos traz
uma situação semelhante. Reconhecemos a fisionomia da historiadora e crítica de arte Carola
Giedion-Welcker15. No entanto, ao consultarmos a identificação do documento, notamos que
seu nome, também ali, não havia sido identificado. Nos descritores, figuram apenas os
homens que também estão sentados à mesa: Horácio Lafer e Clóvis Salgado.

15 Segundo Trevor Stark (2015), Carola Giedion-Welcker (1893-1979) foi uma historiadora, crítica de arte e de
literatura. É de sua autoria um significativo estudo sobre escultura moderna, “Modern Plastic Art” (1937). Heinrich
Wölfflin foi seu professor e Siegfried Giedion seu companheiro.

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Figura 4: Carola Giedion-Welcker: presença no jantar de encerramento do Congresso e
ausência na identificação.
Fonte: CARLOS, 1959e.
Reprodução fotográfica realizada por Priscilla Peixoto.

Pela informação que consta no envelope, a identificação foi feita em 2019. Certamente, após
tantos anos, já não podemos mais afirmar se é a ausência de fortuna crítica que não permitiu
identificar Carola Giedion-Welcker, ou se justamente por essas fotografias não terem sido
identificadas antes que não se produziu interpretações que problematizassem a sua presença
(ou ausência) nos debates. Círculo vicioso de difícil resolução.

Dessa forma, podemos pensar que um aprofundamento na identificação e análise das


fotografias da assembleia e do jantar de encerramento aqui apresentadas poderiam trazer
contribuições diretas sobre a presença feminina no congresso de 1959. Pois, apesar da falta
de identificação, nessas fotos a participação feminina no evento ganha “corpo” e se torna
“mensurável”.

A acessibilidade dos documentos e a escrita da história


Conforme buscamos demonstrar, nosso texto apresentou os limites e potencialidades de um
conjunto fotográfico específico, salvaguardado no acervo documental do MAM-Rio, para o
estudo do Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte de 1959. A partir de uma
abordagem de ordem historiográfica, tensionamos a relação entre acessibilidade das fontes e
a escrita da história.

Por meio da análise das fotografias em questão, buscamos reconhecer interpretações que
ficaram à margem dos estudos já realizados sobre o referido Congresso, bem como,
buscamos apontar informações que poderiam contribuir para ampliar o próprio processo de
identificação arquivística. Ou seja, elementos que possam iniciar um processo em que
acervos e pesquisas se beneficiem conjuntamente.

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Dentre as trilhas que nos parecem abertas a aprofundamentos, destacamos a necessidade
de: enquadrar o Congresso a partir de uma abordagem verdadeiramente transdisciplinar que
possa problematizar o papel dos diferentes atores sociais; se construir uma atenção
específica para a contribuição de Niomar Muniz Sodré no evento; e, por fim, de se realizar
estudos mais aprofundados sobre a participação feminina no evento.

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Lista de figuras
1. CARLOS. [4.6.3]. 1959. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1959a.
2. CARLOS. [4.5.2.]. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna,
1959b.; CARLOS. [4.8.24]. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1959c.
3. CARLOS. [4.6.3]. 1959. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1959d.
4. CARLOS. [4.8.23] fotogr, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna,
1959e.

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EIXO TEMÁTICO 4

PROSPECÇÃO URBANA EM CURITIBA: Em busca do patrimônio art


déco na Rua Barão do Rio Branco

AQUINO, GONÇALVES EMANUEL (1); TIRELLO, REGINA ANDRADE (2)


1. Universidade Estadual de Campinas. Mestrando do Programa de Pós-graduação Arquitetura,
Tecnologia e Cidade (PPGATC) da Faculdade de Eng. Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp
R. Saturnino de Brito, 224, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Campinas,
SP. e264170@dac.unicamp.br

2. Universidade Estadual de Campinas. Docente do Programa de Pós-graduação Arquitetura,


Tecnologia e Cidade (PPGATC) da Faculdade de Eng. Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp
R. Saturnino de Brito, 224, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Campinas, SP.
rtirello@unicamp.br

RESUMO
Este artigo expõe parte de pesquisa de mestrado em desenvolvimento voltada à identificação,
documentação e análise do repertório formal de diferentes tipologias de edifícios construídos entre
1930-1950 presentes na Rua Barão do Rio Branco (antiga Rua da Liberdade) - o antigo centro cívico
de Curitiba. O local corresponde a importante eixo da área central da cidade que tangencia, mas não
integra, o perímetro circunscrito pelo “Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba” implantado
nos anos 1970 e notabilizado no país como experiência pioneira e modelar de preservação urbana. A
Rua Barão do Rio Branco, não foi pedestrializada e nem afetada pelos alargamentos de vias
decorrentes dos diversos planos urbanísticos que se sobrepuseram na capital paranaense. Esta rua
ainda mantém suas caraterísticas arquitetônicas distintivas da evolução da cidade do século XIX até
meados do século XX, representadas por edificações ferroviárias, prédios ecléticos historicistas e
também por um conjunto expressivo de construções protomodernistas / art déco, reunindo prédios
comerciais e residenciais. Contudo, apesar deste logradouro conjugar vida cultural dinâmica e
socialmente diversificada, e contar com acervo arquitetônico representativo da afirmação da
modernidade na paisagem curitibana, essa arquitetura “de transição” ainda permanece a margem das
políticas oficiais de preservação. Em algumas quadras, das construções dos anos 30-50, só restam as
paredes frontais, mantidas para compor fachadismo. Visando ao reconhecimento e valorização de
exemplares art déco de menor porte, esta pesquisa objetiva realizar inventário científico de identificação
contemplando aspectos técnicos, formais e construtivos. Face à escassez de informações documentais
especificas a metodologia de estudo adotada prestigia processo de “prospecção urbana” - como ato de
sondagem e identificação preliminar dos objetos de interesse em campo - considerada uma fase de
análise imprescindível para a serialização que estrutura processos sistemáticos de inventariação
arquitetônica.

Palavras-chave: inventário arquitetónico; patrimônio cultural urbano; Curitiba; art déco;


protomodernismo Brasil.

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Introdução
A cidade de Curitiba, sempre associada a inovações urbanísticas, é também bastante
conhecida pela grande diversidade tipológica de seu acervo arquitetônico de interesse
histórico e cultural. Reúne majoritariamente construções do final do século XIX quando, em
consequência do impulso econômico propiciado pela erva-mate, foram erigidos muitos
edifícios públicos, igrejas e palacetes com predomínio do vocabulário eclético historicista,
considerados marcos representativos da riqueza deste ciclo econômico. O traçado da cidade
no final do século XIX, com forte influência do urbanismo francês, com axialidade projetada
para valorizar as visadas da Estação Ferroviária e da Rua da Liberdade (atual Barão de Rio
Branco), das praças e construções importantes, consolidou a estrutura cívica da cidade e lhe
conferiu particulares características. Os grandes edifícios e o casario eclético do período, por
sua imponência e distância com o presente são os que costumam ser legitimados no
imaginário da população como representativos do patrimônio arquitetônico curitibano, e para
os quais voltam-se as principais ações preservacionistas empreendidas na esfera municipal.

Como em muitas outras capitais brasileiras, nas duas primeiras décadas do século XX a ideia
de cidade vinculava-se à ideais de progresso, de embelezamento e melhorias da estrutura
urbana com ações regulamentadas por códigos de postura, que em Curitiba se sucediam
articuladas à diversas iniciativas de planejamento urbano da área central, com a historicidade
inerente a cada iniciativa. Entre 1920 e 1950 consolidaram-se legislações específicas para
melhorias da infraestrutura urbana, incentivando o processo de verticalização da região central,
trazendo novos paradigmas estéticos para a arquitetura, a exemplo das edificações
protomodernas e art déco. Neste período houve intensa produção arquitetônica, que para
além dos edifícios públicos altos, significaram uma expressão de modernidade acessível às
diversas classes sociais. Contudo, construções fabris, comerciais e residenciais com
composição volumétrica integrando formas geométricas caracterizadoras do repertorio art
déco, com variadas releituras, apesar de terem deixados marcas por toda a cidade, não vem
sendo adequadamente protegidas. Marcelo Saldanha Sutil, estudioso da arquitetura
curitibana, afirma que “a modernidade que se quer guardar em Curitiba [...] pulou esses anos
e caiu diretamente na década de 1950”, explicitando a enorme lacuna do inventário
documental do patrimônio edificado da cidade realizado na década de 1970 e a parcialidade
da seleção de qual período da história preservar, uma vez que a mesma legislação que
protege “o eclético e o moderno deixa o déco e suas variantes desaparecer”. (SUTIL, 2011,
pág. 45). São bastante conhecidas as discussões sobre a sistemática de patrimonialização da
capital paranaense quanto a efetividade da representação memorial e coerência dos critérios
formais e historiográficos que balizaram a seleção de seu remanentes edificados,
considerados por muitos estudiosos insuficientes para dar conta da estratificação temporal

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da arquitetura e da sociedade que a produziu. O estabelecimento de políticas para a proteção
do centro antigo de Curitiba, é fato, guarda estreitos vínculos com o seu processo de
planejamento urbano, que entre outras iniciativas correspondeu a circunscrição perimetral de
um núcleo histórico modelar criado pelo Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba
que, composto por padrões específicos de edificações antigas, propôs-se no decurso da
década de 1970 como exemplo inovador de preservação urbana nacional. Cumpre destacar
que o “Plano de Preservação do Acervo Cultural da Região Metropolitana de Curitiba”,
elaborado naqueles anos, objetivava dotar o Estado de uma diretriz que norteasse a política
de salvaguarda dos bens culturais existentes nos quatorze municípios integrantes da região.

A pretensa coesão do conjunto histórico edificado (e legalmente protegido) na área central da


cidade de Curitiba foi conformada a partir das possibilidades determinadas pelos diversos
planos urbanísticos elaborados na segunda metade do século XX. Neles trabalharam os
arquitetos Jorge Wilheim, Jaime Lerner, Cyro Corrêa Lyra e, principalmente, os urbanistas do
“Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba” (IPPUC), consolidando a gradativa
implantação do Setor Histórico (ST) entre os anos de 1971 e 1983, nas gestões de Jaime
Lerner a frente da prefeitura da cidade. Em consonância com as decisões políticas e
econômicas do período, voltadas prioritariamente às estratégias de city marketing visando
dinamizar a economia do município, houve prevalência das questões viárias na determinação
do perímetro histórico. Muita história arquitetônica ficou de fora.

A pioneira proposta de pedestrialização dos logradouros, conjugada à recuperação de


preexistências arquitetônicas consideradas expressivas, a partir de valores formais e estéticos
para evocar uma história construída linear do local, propunham-se à introdução de novos usos
da área central que estimulassem o lazer, a cultura e o turismo. O lastro no passado prestava-
se à construção da identidade urbana da “cidade modelo” que se tencionava repercutir como
método exemplar. Assim, o famoso Calçadão da Rua XV de Novembro (a Rua das Flores)
terminou condicionando a proteção do até então chamado “Centro Antigo” como patrimônio
cultural, ou seja, afirmou o ST como polo turístico-cultural e de lazer e a Rua XV de Novembro
como projeto urbanístico tombado pelo Estado do Paraná. Não obstante o alargamento do
conceito de valor cultural, que nos últimos decênios vem mobilizando abordagens teóricas do
campo da história social, com especial atenção às instâncias imateriais, educativas e
participativas que concorrem para o reconhecimento e a sustentabilidade da herança cultural
dos povos, o Setor Histórico mantem (e propaga) os mesmos parâmetros funcionais e
tipológicos para conduzir iniciativas de reuso e preservação física do patrimônio histórico
edificado da cidade.

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No que refere à seleção de tipologias arquitetônicas associadas à linguagem art decó, os raros
exemplares protegidos institucionalmente correspondem a construções de grande porte, com
pretensões monumentais (Figura 4). Menciona-se aqui o edifício sede do Clube Curitibano
(1950), obra dos arquitetos Luiz Forte Netto, Roberto Gandolfi e Vicente de Castro tombado
pelo município, catalogado e reconhecido pelo Núcleo paranaense DOCOCOMO (Documentação e
Conservação dos edifícios, sítios e bairros do Movimento Moderno) como exemplo de expressão art
déco a ser preservado. Mas e quanto as demais tipologias que representam esta vertente
disseminadas na cidade entre os anos 1930 e 1950?

O expressivo número e qualidade dos edifícios não monumentais erigidos na capital


paranaense entre os anos de 1930 e 1950, do modo que se articulam em sua zona central,
constituem-se em incontestáveis elementos identitários do processo de modernização da
cidade, expressando legitimo valor cultural ao dar a conhecer, fisicamente, a paisagem urbana
e os fazeres de Curitiba da primeira metade do século XX.

Partindo deste pressuposto, esta pesquisa se insere no campo da valorização do patrimônio


cultural curitibano do Século XX, entendendo por valorização a qualificação do uso, da
conservação material e do melhor conhecimento das expressões protomodernistas de seu
acervo arquitetônico, marcadas durantes décadas também pelo abandono substancial na
historiografia arquitetônica do Paraná.

O conjunto de edifícios comerciais e residenciais da Rua Barão do Rio Branco ainda precisam
ser adequadamente inventariados. Além de carecerem de documentação gráfica e fotográfica
que contribuam efetivamente para avanços da historiografia arquitetônica curitibana,
reclamam análises formais e materiais apuradas, capazes de subsidiar tecnicamente futuras
iniciativas de restauração e conservação arquitetônica que possibilitem reuso diversificado e
dinâmico

A preservação arquitetônica em Curitiba e seus planos diretores


“A mesma legislação que protege o eclético e o moderno deixa o déco e suas
variantes desaparecer. Não se preserva aquilo que não se tem memória e, para
existir memória é necessário, primeiramente, conhecer para então se apropriar.
Para se apropriar é preciso ter identificação e o círculo prossegue.”
Marcelo Saldanha Sútil (2010)

A primeira referência declaratória sobre a ações em centros históricos relacionada à cidade


remonta ao Decreto n. 81 de 10 de julho1 de 1948 da administração pública em que foram
delineadas definições preliminares sobre o que era considerado patrimônio cultural. Ações

1
Provimentos e determinações acessados a partir da página pergamum da prefeitura - Decreto n. 81 de 10 de
julho. Disponível em: https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/000071/00007195.pdf
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para a constituição de uma comissão de estudo dos bens de valor histórico constam no Código
de Posturas de 19532 mas foi no Plano Diretor de Curitiba de 1965, com a publicação da Lei
Municipal n. 2.828, de 1966, que se colocaram premissas mais amplas sobre a região histórica
da cidade.

As bases decisórias da preservação do patrimônio edificado de Curitiba remontam as


primeiras iniciativas de reconhecimento basilar do acervo de potencial interesse histórico,
associadas inicialmente às universidades e posteriormente desenvolvidas passaram a
integrar as políticas públicas de preservação da cidade, sob a gestão do então prefeito, o
urbanista Jaime Lerner (1937-2021). Segundo Jeferson Dantas Navolar, a listagem do
patrimônio arquitetônico curitibano ocorreu em 1977 “[...] coordenado pelo arquiteto Cyro
Correa de Oliveira Lyra, que reuniu uma numerosa equipe de alunos de arquitetura da
Universidade Federal do Paraná (UFPR)’ (NAVOLAR: 2011, p. 63). Este arrolamento dos
imóveis constitui-se em parte do ‘Plano de Preservação do Acervo Cultural da Região
Metropolitana de Curitiba” elaborado em 1977, com o objetivo de dotar o Estado de diretrizes
norteadoras de uma política de salvaguarda dos bens culturais existentes nos quatorze
municípios integrantes da Região.

Quanto aos critérios de seleção, conforme consta nos documentos oficiais da Coordenação
da Região Metropolitana de Curitiba, o Plano de Preservação de Curitiba teria adotado uma
classificação histórica temporal referenciada naquela organizada pelo IPHAN (Instituto de
escrever nome do órgão por extenso) em seus primórdios. A arquitetura então inventariada
correspondia principalmente a exemplares relacionados aos “ciclos de mineração e
tropeirismo, do mate, da madeira e da imigração” (COMEC, 1977, p.7). Tais ciclos econômicos
e marcos culturais moldaram a arquitetura e o urbanismo local, e integraram a primeira leva
de obras, cujo arrolamento tendeu a valorar, com especial ênfase, edificações construídas do
século XIX. Conforme o Plano de Preservação (1977, p. 30) os bens imóveis foram
organizados em três categorias referenciais, a saber:

- Categoria A: “Obras de características excepcionais, segundo critérios semelhantes aos


ditados pela legislação de Proteção do Patrimônio Brasileiro, incluídas aí as obras de valor
histórico e de valor artístico”.

- Categoria B: “Obras de valor documental, que mesmo não possuindo qualidades


excepcionais com valor para leitura do conjunto.
- Categoria C: “Obras desprovidas de qualidades plásticas e de significado histórico ou
documental”.

2
Na forma de uma determinação para que se constituísse uma comissão para, em conjunto com o órgão estadual,
“preservar e defender as construções de caráter típico, histórico, artístico ou tradicional do município”.
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A análise final dos dados coligidos resultou na definição de uma gradação de prioridade de
preservação a ser considerada nas instruções de tombamento associadas ao Plano que
determinou a circunscrição atual do perímetro do Setor Histórico. Contudo antes deste plano,
existiram ações de proteção de bens arquitetônicos que circunscreveram um “Centro
Histórico” em Curitiba, que consideraram seus edifícios mais antigos com base em legislação
estadual. Assim, considerando as informações do Plano Diretor de 1965 e o Plano de
Preservação de 1977, pode-se classificar em fases os processos de tombamento (proteção
legal) das edificações curitibanas.

Figura 1: Exemplos de edifícios correspondentes as quatro primeiras séries de tombamentos em


Curitiba: a) Romário Martins (séc. XVIII), b) Ruinas de São Francisco (1811);c) Igreja da Ordem do São
Francisco (1880);d) Paço Municipal (1916);e) Rua XV de Novembro (1972);f) Estação Ferroviária
(1913);g) Palácio do Governo (1880) ;h) Colégio Estadual do Paraná (1950);i. Reitoria da Universidade
Federal do Paraná (1956/1958) .Fonte: Acervo fotográfico do Arquivo Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (Arquivo UTFPR). Editada pelos autores, 2021.

A “Primeira Fase”, alinhada com as sistemáticas federais do IPHAN, correspondeu a proteção


legal do Paço Municipal, o primeiro monumento tombado por sua valoração paisagística e
urbana em 1966; a Igreja da Ordem de São Francisco, construída em 1880 que corresponde
a uma das construções mais antigas da cidade; as Ruinas de São Francisco e do Belvedere
(1911),tombada em 1966, e a Casa Romário Martins, tombada em 1971, é so século XVIII,
todos a representar os primórdios da Província (ver Figuras 1: a, b, c, d).

Na “Segunda Fase” de tombamentos, foram consideradas unidades arquitetônicas que


compõem conjuntos urbanos previstos Plano Diretor de 1965; uma sistemática de seleção
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que iria se consolidar em 1974 com o tombamento da paisagem urbana da Rua XV de
Novembro – considerada a primeira experiência nacional de pedestrialização de ruas centrais
de Curitiba.

Na “Terceira Fase “, em 1977, foram priorizadas edificações institucionais e de administração


pública, a exemplo do Antigo Palácio do Governo do Paraná e da Estação Ferroviária (Figuras
1: f,g). A “Quarta Fase” ocorre a partir dos anos 1980, e contempla os primeiros tombamentos
das grandes obras arquitetônicas com influências modernas, iniciada com o tombamento do
Colégio Estadual do Paraná e do conjunto de edifícios da Reitoria da Universidade Federal do
Paraná - UFPR. (Figura 1: h, i).

Anos 1970 e a definição do Setor Histórico de Curitiba

Figura 02: Acima, à esquerda: Setor histórico, Bairro Centro e Rua Barão do Rio Branco; à direta, o
Plano Diretor de 1965. Abaixo: Mapas Bairro Centro e marcação da Rua Barão do Rio Branco em
amarelo. Fonte: Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e Arquivo Municipal,
editados pelos autores, 2021.

Conforme já mencionado, o atual Setor Histórico (SH) de Curitiba, passou a tratar a


preservação do patrimônio edificado a partir da perspectiva do planejamento urbano. O
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projeto que estabeleceu critérios para a demarcação do SH, que interliga o desenvolvimento
urbano e o patrimônio histórico na cidade (Decreto Municipal N. 1160/1971), foi elaborado
pelo arquiteto Cyro Correa Lyra, com ativa participação do urbanista e prefeito Jaime Lerner,
que atuou através de contribuições no Grupo de Acompanhamento do Plano Diretor de 1965.

“Naqueles anos nós pensamos e operamos a transformação de Curitiba em três


grandes linhas. Talvez a mudança mais lembrada daquela época seja a reestruturação
física da cidade, que implicou em uma verdadeira cirurgia urbana, com mudanças
radicais no sistema viário, no transporte coletivo, no uso do solo e no conceito ambiental
que permeou todo o planejamento, numa atitude até então pioneira. A segunda grande
linha foi a transformação cultural da cidade [...]. Ponta fundamental do tripé foi a
implantação da cidade industrial, que deu sustentação econômica para a nova Curitiba
que se consolidou a partir de então.” (IPPUC, 1989/1990, p.21)

O acervo arquitetônico moderno


Em compasso com a ampliação das noções de bem cultural e perspectivas de reuso ativo e
sustentável das preexistências arquitetônicas que constituem a ambiência memorial ativa das
cidades, nas últimas décadas tem se intensificado em Curitiba a realização de estudos
voltados à valorização do acervo arquitetônico moderno. Tais iniciativas vem auxiliando o
“Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba” (IPPUC) nos desafios enfrentados
para o monitoramento da integridade e autenticidade das edificações de interesse cultural do
patrimonio curitibano. Cumpre destacar que o IPPUC é uma autarquia municipal criada em
1965, no processo do Plano Preliminar de Urbanismo da Cidade de Curitiba com o objetivo
de desenvolver, detalhar e monitorar a implantação do seu Plano Diretor; um órgão que conta
com um corpo profissional que trabalha com levantamentos, monitoramento e projeto de
intervenções no patrimônio arquitetônico tombado na esfera Municipal. Foi o Plano Wilhein-
IPPUC (1966) que propôs a criação de um Setor Histórico.

As medidas preservacionistas decorrentes da política municipal de preservação da cidade


correspondem a conhecida criação de incentivos construtivos e fiscais para os proprietários
das unidades históricas, tendo logrado sucesso na empreitada. O estabelecimento das
Unidades de Interesse de Preservação (UIPs), ao possibilitar interfaces com a iniciativa
privada, permitiu ao poder público manter um bom número de edifícios razoavelmente
preservados e com amplas possibilidades de uso (GNOATO 2003, p.3); uma iniciativa que
mais recentemente se estendeu à arquitetura moderna.

Os exemplares modernos institucionais, edifícios de grande porte, considerados mais


importantes para a cidade já vinham sendo protegidos desde os tombamentos de
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1974.Porém, nos anos subsequentes residências e outras construções modernas menores,
mais anônimas, permaneceram a margem desses incentivos fiscais com grandes prejuízos a
sua integridade; muitas foram demolidas e/ou descaracterizadas de forma irreversível. Nos
anos 1990 predominava ainda a visão restritiva de valorizar o monumento singular, e as ações
privilegiavam aqueles erigidos a partir de 1950. Pode-se considerar o “Manifesto pela
Conservação dos Patrimônios Arquitetônicos Modernos”, lançado em 1998, um marco divisor
na mudança de mentalidade em relação a necessidade preservar mais exemplares da
arquitetura moderna curitibana. Resultante de evento organizado pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, a PUC-PR, essa manifestação pública ocorreu após uma série de
demolições arbitrárias do acervo residencial do arquiteto modernista paranaense Lolo
Cornelsen (1922-2020).

A partir de então, no início de 2000 o IPPUC tomou a iniciativa de criar um Grupo de Estudos
da Preservação da Arquitetura Moderna em Curitiba, contanto com representantes das
Universidades, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), da Secretaria
de Estado da Cultura do Paraná (SEEC), da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), da
Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural (CAPCC) e entidades de classe. Composto o
grupo, foi organizado no mesmo ano o “1° Simpósio sobre Arquitetura Moderna de Curitiba”,
visando a revisões conceituais para definição e estabelecimento de critérios para a
preservação física do acervo correspondente a Arquitetura Moderna em Curitiba. Foi proposta
uma periodização referencial para agrupamento primordial das obras, criando-se 150
Unidades de Preservação de Arquitetura Moderna, tomando como referência as Unidades de
Interesse de Preservação (UIPs) tradicionais, a saber: Grupo I: Obras do Centenário e
Edifícios Públicos; Grupo II: Habitações Unifamiliares; Grupo III: Habitações Coletivas
Transitórias; Grupo IV: Edifícios de Uso Administrativo e Comercial; Grupo V: Educação,
Saúde, Cultura, Esporte e Lazer.

Tais categorias já eram adotadas pelo Núcleo DOCOMOMO (Documentação e Conservação


dos edifícios, sítios e bairros do Movimento Moderno) paranaense, fixando-se neste estudo
como limite temporal o intervalo entre 1930 e 1965, que se inicia com a execução da
Residência Frederico Kirchgässner (1930), e se encerra com as discussões do Plano Serete-
IPPUC em 1965, permanecendo fora dessas indicações estudos referentes ao acervo art déco
da cidade.

No dizer de Marcelo Sutil, nas pesquisas sobre patrimônio moderno predominam o recorte
temporal a partir da década de 1950, como nas escolas Carioca e Paulista. Entretanto, pouco
se fala e pouco se pesquisa sobre a produção art déco, que muitas vezes só são notadas

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quando “quarteirões inteiros de conjuntos de sobrados e residências isoladas são varridos dos
olhares, edifícios são alterados sem constrangimento” (SUTIL, 2010, p. 45).

A insipiência dos estudos acerca do patrimônio protomoderno/ art déco/em Curitiba tem
trazido graves consequências para a preservação na memória urbana da primeira metade do
século XX. Estes edifícios não só não estão sendo restaurados, pelo contrário, ou estão
abandonados, ou estão passando por reformas que mudam suas formas, ou foram destruídos
ou estão em perigo de serem destruídos. Um problema que ocorre com menor frequência com
as preexistências de orientação eclética, mais facilmente percebidas e assimiladas como
patrimônio arquitetônico memorial. Trata-se de uma expressão arquitetônica que segue pouco
contemplada pelas pesquisas acadêmicas e órgãos de preservação, não obstante a
diversidade do vocabulário formal, estético e cultural que encera.

E o protomodernismo / art déco curitibano segue desvalorizado... Correspondentes


a grande produção da arquitetura anônima das cidades brasileiras nas primeiras décadas do
século XX, quando as fachadas vão se liberando dos ornatos e a serialização passa a
representar avanços nas maneiras de construir, as edificações protomodernas/ art déco
costumam ser genericamente catalogadas como modernas, apesar de seus vínculos
fundantes com elementos de linguagem da Escola de Chicago, do
Expressionismo e Futurismo. Associa-se a uma série de manifestações artísticas originadas
na Europa nos anos 1920, e a partir da Exposition internationale des Arts décoratifs et industrials
modernes de Paris, em 1925 difunde-se amplamente. Um dos aspectos peculiares do art déco
está na sua ambiguidade entre o ecletismo e as primeiras articulações de um vocabulário
moderno.
Alguns autores sustentam que foi a partir da década de 1980 que passou a crescer no Brasil
o interesse por essa “particular modernidade,” com estudos que buscavam distinguir suas
características marcantes, suas influências estilísticas, avaliando-se paralelamente a causa
da recusa e desprestigio dessas arquiteturas anônimas, tão presentes em nossas cidades.
“Luís Paulo Conde, um dos primeiros a dar voz ao art déco no Brasil com a publicação sobre
a produção no município do Rio de Janeiro, em 1996, disseminava, na década anterior, o uso
do termo protomodernismo na área acadêmica” (FARIA&TINEM, 2019). A expressão reporta
a uma produção que precede a arquitetura moderna preconizada por Le Corbusier, e que, em
consequência, traz a contradição de ter sido construído antes da arquitetura moderna, não
sendo em consequência, moderna.

A primeira área estudada por Conde foi o bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, uma
pesquisa pioneira que documenta edifícios “anônimos” na versão da historiografia
desenvolvida até aquele momento. Avalia nessas construções cariocas a capacidade da

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conformação de conjuntos expressivos com predominância da simetria axial, frontalidade,
composição tripartida na vertical, tendência à abstração e simplificação, ausência de
ornamentação figurativa. É uma arquitetura que não se identifica com uma corrente
hegemônica produzida por arquitetos que adotam como paradigma os princípios do
Movimento Moderno.
Sem aprofundar aqui questões pertinentes ao debate acerca da tectônica e dos vínculos
estilísticos do vocabulário art déco da arquitetura produzida no segundo quartel do Século XX
no Brasil - período que corresponde a busca de uma identidade nacional -, as rápidas
transformações relacionadas à expansão industrial tiveram respostas diretas no plano
arquitetônico e urbanístico na capital paranaense. A modernidade arquitetônica em Curitiba
também se fez presente a partir da década de 1930, nos edifícios institucionais, uma influência
simbólica e modelar que segundo Luiz Augusto Souza Netto Bacoccini, corroboraram a
disseminação da linguagem na cidade.

“(...)nas décadas seguintes se espalharam pela cidade exemplares anônimos com


influências racionalistas e art déco – caracterizando um conjunto protomoderno com
influências diversas. A partir do grupo do Paraná (expoente modernista brasileira no
estado, sobre da Escola Paulista), as instituições públicas passam a ser mais
influenciadas por esta nova tendência estética. Inicia-se também uma estigmatização
de outras variantes modernas” (BACOCCINI, 2011, p. 67).
Esse fenômeno em Curitiba se expressa com clareza no conjunto de grandes edifícios art
déco / protomoderno tombados correspondentes a seleção do Núcleo DOCOMOMO-Paraná,
exemplificados parcialmente pelas construções institucionais correspondentes as imagens da
Figura 3.

Figura 03: a - b) Escola de Aprendizes Artífices (1934); c) Colégio Estadual do Paraná (1943); d)
Correios e Telégrafos (1934); e) Instituto de Ciências Agrárias f) Fachada edifício Agrárias (1935). Fonte:
Departamento Histórico da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (DEDHIS-UTFPR), 2021.

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O edifício sede da Agência Central de Correios e Telégrafos de Curitiba (Figura 3d) foi
construído em 1934, tendo sido o primeiro exemplar institucional a apresentar influências da
arquitetura art déco. A obra se destaca em relação ao conjunto eclético do entorno, com os
traços geométricos marcantes ressaltando as entradas, com ausência de ornamentos
figurativos. A fachada voltada para a Rua XV de Novembro (em estudo nesta pesquisa) é
tombada como patrimônio histórico do Estado do Paraná, desde 1974. Um outro expoente
institucional é o Setor de Ciências Agrarias da Universidade do Paraná (UFPR) (Figura 3e),
tradicional instituto de pesquisa do Paraná, construído em 1935 adotando as técnicas de
revestimento com de pó de pedra. Essa particularidade no revestimento é referida como
“arquitetura pó de pedra” (KEY:1982, p. 93), um peculiar acabamento de fachadas dos
edifícios construídos entre 1930 e 1940, composto por fragmentos de mica provenientes do
britamento de pedras que contribuía para resguardar as edificações das intempéries.

Projetada em 1937 pelo arquiteto Francisco Basile, a Escola de Aprendizes Artífices do


Paraná - atual Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Figura 3b) foi executada pela
Companhia Construtora Nacional para atender a novas regulamentações de funcionamento
da educação técnica, para capacitar profissionais para desenvolvimento da indústria. Após a
construção da nova sede, transformou-se no Liceu Industrial do Paraná, a exemplo de
congêneres em outras capitais do Brasil na Era Vargas. Possui aproximadamente 20.000 m2
de área construída, 56 salas de aula, salão nobre, auditório, biblioteca e complexo esportivo.
A linguagem da obra vislumbra um aspecto mais sóbrio, com equilíbrio compositivo entre os
cheios e vazios. Este edifício teve o seu valor reconhecido pelo tombamento estadual em 1994
(LEITE, 2010, p.26).

Objeto de estudo: A Rua Barão de Rio Branco e os seus exemplares


protomodernistas / art decó
Nesta pesquisa de mestrado, ainda em curso, para impostar uma metodologia consistente de
análise inicial do fenômeno da popularização da arquitetura protomodernista / art decó de
Curitiba, escolheu-se como objeto de estudo a Rua Barão de Rio Branco, uma artéria da
região central que, conforme já mencionado, não foi incluída na área de circunscrição do
“Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba”. O estudo contemplará também a Rua
Riachuelo que perfaz o circuito analisado.

A Rua Barão de Rio Branco (antiga Rua da Liberdade), que se inicia na Estação Ferroviária
de Curitiba (1885) e termina no Paço Municipal, até 1903 correspondeu a importante eixo de
desenvolvimento urbano, constituindo o centro cívico e comercial da cidade.

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Os exemplares protomodernistas / art decó do período 1930-1950, construídos no
alinhamento da rua, com suas esquinas arredondadas, balcões em balanço, frontões de linhas
geométricas, óculos, gradis ornamentais os conjuntos de interesse para esta pesquisa
compõem uma paisagem urbana característica que evidencia o segundo impulso de
modernização da cidade havido na primeira metade do Século XX. Atualmente a vocação
comercial da antiga Rua da Liberdade permanece conjugada a uma dinâmica popular de usos,
que além de comercio variado inclui habitação residencial de baixo custo e pequenos hotéis.
Cumpre destacar que em muitos trechos deste logradouro o mal estado de conservação dos
edifícios (alguns tem só fachada para compor conjunto) vem corroborando processo crescente
de desvalorização da área, solicitando urgentes iniciativas de reabilitação predial e urbana,
sem prejuízos à diversidade social e cultural que a Rua Barão ainda acolhe.

A metodologia de estudo adotada nesta pesquisa contempla três etapas interdependentes,


das quais os levantamentos de campo exemplificados na Figura 4 correspondem a segunda
etapa de desenvolvimento:

Primeira Etapa: Revisão da literatura; pesquisa da iconografia e cartografia histórica;


avaliação morfológica e tipológica do lugar; estudo de aspectos socioeconômicos; recolha de
dados sobre o processo de proteção institucional e avalições dos usos, entre outros aspectos
correspondentes a constituição da ambiência urbana antiga e atual.

Segunda Etapa: Inspeções in situ para exames preliminares do estado de conservação;


realização mosaicos fotográficos (restituição fotogramétrica) – ainda com as limitações
impostas pandemia Covid 19 – das testadas de quadra associadas à análise de material
cartográfico disponível em arquivos públicos digitais. Elaboração de fichas especiais de
inventario urbano e arquitetônico do trecho selecionado.

Terceira Etapa: Compatibilização e discussão dos dados.

Na etapa em desenvolvimento, tendo como instrumental o mosaico fotográfico de registro das


quadras realizado, cuja interpretação se associa à mapas, busca-se analisar diferentes etapas
de integridade deste logradouro, com vistas a identificar as permanências e as alterações
havidas no decurso do tempo. Considerando que a Rua Barão é composta por construções
que vão do eclético ao contemporâneo para leitura e compreensão iniciais de sua
estratificação arquitetônica, fixou-se uma setorização indicativa que correspondeu a sua
divisão em quatro (4) trechos (Figura 4 a-b). Com esse procedimento buscou-se contemplar
a variabilidade das edificações das quadras, observando-se consecutivamente os
agrupamentos que exemplificam períodos específicos da evolução e dos fazeres daquela
região da cidade, que na abordagem deste trabalho se evidenciam pelas características

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formais e programáticas das preexistências arquitetônicas. Os trechos em questão têm as
seguintes características gerais:

Trecho 1: Final Século XIX e início do ´Século XX: Na extremidade do Largo da Estação, ainda
que alteradas em relação ao seu estado originário, permanecem a praça, as construções
assobradadas que acolhiam residências, comércio geral e hotéis, outrora destinados a
hospedagem de imigrantes. O mais antigo deles, o Hotel Roma (1890), que hoje funciona como
hostel, é protegido com tombamento municipal (1976) e, como outras construções no seu
entorno foi objeto de restauração descaracterizantes; uma casuística comum a diversos
edifícios neste trajeto.

Trechos 2 e 3 : Prevalência de construções do segundo quartel do Século XX. Nestes trechos


intermediários da Rua Barão de Rio Branco localizam-se inúmeros exemplares de
construções protomodernistas/art decó que, salvo exceções, em sua maioria representam-se
por edifícios de dois/três andares que conjugam comércio e residência.

Trecho 4: Mais próximo do Setor Histórico oficialmente demarcado. Constitui-se em área mista
com edificações antigas e recentes, com predomínio de usos culturais. Predominam
modificações nem sempre respeitosas aos edifícios antigos intervencionados (Figura 4 c).

Para viabilização do reconhecimento qualitativo e quantitativo da produção arquitetônica


associada ao período de interesse da pesquisa na Rua Barão de Rio Branco sua vizinhança
imediata, ocorre o agrupamento de muito dados dispersos e não organizados. Para apoio ao
processo de levantamento de campo, iniciado com composição dos mosaicos fotográficos das
testadas de quadra ( Figura 4 c), foi elaborado um especial sistema de fichamento para
Inventário, para qual adota-se como base de referência organizacional o Sistema Integrado
de Gestão do IPHAN(SIG-IPHAN), que propõe articulação temática adequada para subsidiar
tanto avaliação das estratégias de gestão de áreas protegidas, normatizações, conduzindo a
diagnósticos vários, como para avaliação dos imóveis individualmente. Para integração de
informações especificas associadas ao lote arquitetônico tratado, ocorrem alterações nos
campos de preenchimento do modelo base. Até o momento foram selecionados 26 edifícios
protomodernista/art déco de tipologia variada.

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Figura 4: Amostragem de sistemática de inventariação que integra os estudos iniciais de prospecção
urbana para identificação da tipologia e estado de conservação das edificações de interesse da Rua
Barão do Rio Branco: a.) Setorização de trechos do logradouro para análise dos exemplares existe
entre final do século XIX até os anos 1950; b) Perspectiva isométrica da rua e setores; c.) Mosaicos
fotográficos do setor 4; d.) Mapas indicativos de visada do trecho ao qual se relacionam as testadas
registradas. Fonte: Acervo dos autores,2021.

A consulta a antigos processos de procedimentos administrativos municipais, que


potencialmente viabilizam a aferição de data de construção e autoria de projetos, constitui-se
na próxima etapa que, esperara-se, seja propiciada com a reabertura dos arquivos para
consulta pública temporariamente fechados em decorrência da pandemia Covid 19; esse
também um evento contemporâneo que interferirá na dinâmica dos usos e apropriações das
preexistências urbanas.

Considerações Finais
Documentar é ato efetivo de preservação. Nesta perspectiva, face à escassez de informações
especificas sobre os exemplares menores da arquitetura protomodernista/ art decó
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curitibana, esta pesquisa prestigia o processo de “prospecção urbana”- como ato de
sondagem e identificação preliminar em campo; uma categoria de análise direta ,
imprescindível para a serialização que estrutura processos sistemáticos de inventariação
arquitetônica.

Por meio de especial documentação de campo, propiciadora de interpretações referenciadas


em documentos históricos, será viabilizada a interpretação estratigráfica das preexistências
arquitetônicas da área estudada, possibilitando novas articulações de leitura e variadas
direções de interpretação dos fenômenos relacionados as mudanças da paisagem cultural
ocorridas no tempo; um produto que se oferece à múltiplas reflexões sobre os valores
materiais e imateriais do centro de Curitiba.

Com a futura publicização dos registros e levantamentos que resultarão desta pesquisa
tenciona-se contribuir tanto com a valorização de um acervo importante para patrimônio
urbanístico e edilício da capital paranaense, como com o desenvolvimento de futuras
pesquisas no campo da História da Arquitetura.

Referências Bibliográficas
BACOCCINI, L. A. S. N. Percursos da arquitetura: arquitetura em Curitiba 1721-1962. Curitiba:
InVerso, 2011.
CONDE, L. P; NOGUEIRA, Mauro; ALMADA, Mauro & SOUZA, Eleonora F. Protomodernismo em
Copacabana: uma arquitetura que não está nos livros. Arquitetura Revista. n. 3. Rio de Janeiro, 1985.
DUDEQUE, I. J. T. Nenhum dia sem uma linha: uma história do urbanismo em Curitiba. São Paulo:
Studio Nobel, 2010.
FARIAS, F; TINEM, N. As expressões da modernidade no brasil: o lugar do art déco História e
Historiografia da Arquitetura e do Urbanismo Modernos no Brasil. In: Anais do 13° Seminário
Docomomo_Brasil .Salvador, Bahia, 2019 Disponível em: <https://docomomo.org.br/wp-
content/uploads/2020/04/118674.pdf>. Acesso em 19 mai. 2021.
FUÃO, F. F. O que é o protomodernismo, protoracionalismo e o art déco? In: “O Expressionimo no
Brasil” UFRGS. PROPAR. CNPq. FAPERGS. Porto Alegre, 2012. Disponível em:
<https://fernandofuao.blogspot.com/2012/10/o-que-e-o-protomodernismo.html>. Acesso em 19 mai.
2021.
GNOATO, L. S. P. et al. Proposta de Preservação da Arquitetura Moderna em Curitiba. 5º Seminário
Docomomo. Disponível em: <http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/077R.pdf >.
Acesso em 19 mai. 2021.
KEY, I. J. A arquitetura no Paraná: Uma construção metodológica para a História da Arte. Curitiba:
Editora da Universidade Federal do Paraná, 1982.
LEITE, J. C. C. UTFPR: Uma história de cem anos. 1. Ed. Curitiba: Editora UTFPR, 2010.
NAVOLAR, J. D. Arquitetura resultante da preservação do patrimônio edificado em Curitiba. 1. ed.
Curitiba: Travessa dos Editores, 2011.
Plano de Preservação do Acervo Cultural da Região Metropolitana de Curitiba. Disponível em:
<http://www.comec.pr.gov.br/Pagina/Plano-de-Preservacao-do-Acervo-Cultura>. Acesso em 20
mai. 2021.

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SUTIL, M. S. A modernidade esquecida: O art déco em Curitiba. Revista UFG, 12(8), 2016.
Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/48299>. Acesso em 30 mai.
2021.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A TEIMOSIA DE UM MONUMENTO VIVO

Pollyana Martins Da Silva (pollyana.martins123@gmail.com)

Italo Cintra Ferreira (italocintra@gmail.com)

Jonatas Souza Medeiros Da Silva (jona.medeiros@gmail.com)

Joelmir Marques Da Silva (joelmir_marques@hotmail.com)

A Praça Dezessete, localizada no Bairro de Santo Antônio, área central da


Cidade do Recife, é uma marca na paisagem, e seu processo de ajardinamento
data de 1877. Ao longo do tempo, a praça passou por inúmeras intervenções
sendo a mais significativa a realizada por Roberto Burle Marx em 1937.
Atualmente é classificada como jardim histórico pela Prefeitura do Recife
mediante o Decreto Municipal nº 29537/16, em uma ação inédita de
reconhecimento dessa categoria no Brasil. Um jardim histórico é considerado
monumento por ser uma concepção humana moldada a partir de um estilo,
fruto da percepção histórica da sociedade. Por ter a natureza como princípio
criativo, apresentando a vegetação como componente fundamental, converte-
se em monumento vivo. Além disso, o jardim histórico tem o tempo como
elemento estruturador; encontrando-se em uma dinâmica evolução, muda não
apenas a sua própria feição, mas sobretudo configura a paisagem que ele
compõe. Isso demonstra a sua fragilidade, pois sem seus elementos, perde-se
todo o significado ali inerente. Isso é perceptível na Praça Dezessete, que
resiste às constantes modificações que ocorrem no processo de modernização
do Bairro de Santo Antônio. Uma resistência que parece mais uma teimosia,
pois mesmo com o caráter efêmero que um jardim apresenta, tem lutado não
apenas pela sua permanência diante das diversas mudanças espaciais e
visuais que ocorreram em seu entorno, mas principalmente em manter a sua
imponência como marco da paisagem recifense evidenciada através do seu
projeto paisagístico. Diante desse panorama, busca-se com esse artigo, a partir
da pesquisa historiográfica, refletir sobre a teimosia da Praça Dezessete em se
manter como monumento vivo, resistindo em resguardar para as futuras
gerações toda a memória e a identidade que ela carrega.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ESTUDO SOBRE A SIGNIFICÂNCIA CULTURAL DO CAMPUS A. C.


SIMÕES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS A PARTIR DO
EDIFÍCIO DA FACULDADE DE NUTRIÇÃO.

Maria Clara Gomes Dos Santos (maria.gomes@fau.ufal.br)

Lucia Tone Ferreira Hidaka (lucia.hidaka@fau.ufal.br)

A Universidade Federal de Alagoas (UFAL) completou este ano, 2021,


sessenta anos de fundação. Foi criada em 25 de janeiro de 1961 pelo
presidente Juscelino Kubitscheck, com a reunião das Faculdades de Direito
(1933); Medicina (1951), Filosofia (1952), Economia (1954), Engenharia (1955)
e Odontologia (1957). A materialização espacial desta reunião de faculdades,
passou a se chamar Campus Aristóteles Calazans Simões, localizado no atual
bairro da Cidade Universitária, que dista 10,3km do Aeroporto Internacional dos
Palmares e 15,4Km do bairro do Centro de Maceió/AL. A produção da
Arquitetura Moderna, que tem na historiografia destaque no eixo São Paulo e
Rio de Janeiro, se difunde pelo restante do território nacional, sendo possível
perceber referências dessa arquitetura nos primeiros edifícios construídos no
campus da UFAL. Um dos marcos desse campus, e um dos primeiros edifícios
construídos, foi o edifício da Faculdade de Nutrição da Ufal. Partindo da
consideração de que esta edificação e os espaços livres que a envolve têm
atributos de interesse patrimonial referentes à arquitetura do século XX, este
trabalho apresenta um estudo sobre a significância cultural da Faculdade de
Nutrição da Ufal a partir da análise de conteúdo da documentação acessada,
uso da plataforma Google Street View e de vivência do espaço construído na
identificação dos atributos e interpretação dos valores percebidos na relação
do(a) pesquisador(a) com o objeto de pesquisa. A edificação estudada é
caracterizada por pátios que interpenetram o volume construído, edifício com
marcante horizontalidade, tijolo cerâmico sem reboco, grandes recuos frontais
com entradas que se destacam do volume da edificação, predominância do
concreto e elementos vazados (cobogós) em asas que se projetam das
fachadas. Com este trabalho, pretende-se revelar os atributos e valores que
conferem à edificação e espaços livres o interesse patrimonial e destacar a
necessidade de ampliação de estudos sobre a construção do Campus A. C.
Simões e sobre a memória da sua história em função das intervenções dos
últimos anos e as necessidades futuras.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

PLANO DE AÇÃO ESTRATÉGICA PARA O CENTRO HISTÓRICO DE


SALVADOR

Edilson Borges De Barros Filho (arquediu@gmail.com)

O intuito do artigo é apresentar o método instruído pelo curso de Estratégias do


Patrimônio Urbano, ofertado pelo Instituto de Construção e Desenvolvimento
Urbano (IHS) da Universidade Erasmus Roterdã, entre os anos de 2020 e
2021. O caso de estudo selecionado foi o Centro Histórico de Salvador, área
intitulada como patrimônio mundial pela Unesco em 1985. O método se divide
em duas etapas. Na primeira são coletadas informações concernentes à
situação contemporânea do sítio acautelado, com dados referentes a aspectos
socioeconômicos, normativos e urbanísticos. A partir dessa coleta, um preciso
diagnóstico é realizado para constatar o problema central que impede a efetiva
preservação da centralidade urbana. Esse problema é dissecado em relação a
um campo de forças em atuação na cidade (sejam eles de natureza positiva ou
negativa), cuja análise resulta na instrumentalização da estratégia mais
assertiva para aperfeiçoar a proteção do sítio histórico – sendo então
estruturada em um Plano de Ação Estratégico.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

PROSPECÇÃO URBANA EM CURITIBA: EM BUSCA DO PATRIMÔNIO ART


DÉCO NA RUA BARÃO DO RIO BRANCO

Emanuel Gonçalves Aquino (emanuelgoncalvs@gmail.com)

Regina Andrade Tirello (rtirello@unicamp.br)

Este artigo expõe parte de pesquisa em desenvolvimento voltada à


identificação, documentação e análise do repertório formal de diferentes
tipologias de edifícios categorizados como protomodernistas e art déco,
presentes na Rua Barão do Rio Branco (antes Rua da Liberdade) - o antigo
centro cívico de Curitiba, erigidos entre 1930-1950. Trata-se de um importante
eixo da área central desta capital que não integra o perímetro circunscrito pelo
“Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba” implantado na cidade
nos anos 1970, notabilizado no país como experiência pioneira e modelar de
preservação urbana. A Rua Barão do Rio Branco, não foi pedestrializada e nem
afetada pelos alargamentos de vias que os diversos planos urbanísticos
impuseram à capital paranaense, ainda mantém suas caraterísticas distintivas
da primeira metade do século XX: arquiteturas historicistas do século XIX e um
conjunto expressivo de construções protomodernistas / art déco, notável pela
unidade formal, que correspondem a prédios comerciais e residenciais.
Contudo, apesar da diversidade de usos atuais – moradias, comércio, serviços
– que nesta rua conjuga vida cultural dinâmica, socialmente diversificada, e
acervo arquitetônico representativo da afirmação da modernidade na paisagem
curitibana, essa arquitetura “de transição” permanece à margem das políticas
oficiais dos organismos de preservação da municipalidade. Como destaca o
estudioso da arquitetura curitibana Marcelo Sutil em seu artigo 'A modernidade
esquecida' (2011): “a modernidade que se quer guardar em Curitiba [...] pulou
esses anos e caiu diretamente na década de 1950”. Em algumas quadras da
rua restam só as paredes frontais desses edifícios, mantidas para compor
fachadismo. Prestigiando o reconhecimento de exemplares art déco de menor
porte, o objetivo central desta pesquisa é realizar inventário científico de
identificação contemplando aspectos técnicos, formais e construtivos. Face da
escassez de informações documentais especificas a metodologia de estudo
prestigia processo de "prospecção urbana" - ato de sondagem e identificação
preliminar dos objetos de interesse em campo, considerada uma fase de
análise imprescindível para a serialização que estruturam processos
sistemáticos de inventariação arquitetônica. Visa-se contribuir para a
valorização, e futura preservação, das edificações estudadas.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ACERVO E ESCRITA DA HISTÓRIA. A AUSÊNCIA DAS FONTES DA


COLEÇÃO DE FOTOGRAFIAS DO MAM-RIO NAS INTERPRETAÇÕES
SOBRE O CONGRESSO DE 1959

Priscilla Alves Peixoto (priscillapeixoto@fau.ufrj.br)

Luiza Apolinário Rangel Victorino (luizapolinariorv@gmail.com)

Bruna Ferretti Levi (brunaferrettilevi@gmail.com)

Nosso trabalho partiu da localização de três séries fotográficas que compõem


um dossiê salvaguardado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-
Rio). Essas fotografias foram realizadas para cobrir a participação do museu no
Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte que ocorreu em
1959. Constatamos que essas fotografias pouco (ou nada) haviam sido
abordadas pelos intérpretes do evento (AMARAL, 1981; ARANTES, 1991;
ANDRADE, 2008; LOPES, 2009; FERNANDES, 2009; ROSSETTI, 2009;
CAPPELLO, 2009; SEGRE, 2009; RIBEIRO, 2009; MARI, 2018). Considerando
que o setor de Pesquisa e Documentação museu e seus instrumentos de
pesquisa, inclusive o relativo aos eventos, ainda em 1999, não estavam
completamente organizados (VARELA, 2016, p.3), nossa hipótese é que,
possivelmente, apesar de salvaguardados em uma das instituições que sediou
o evento, essa documentação não era facilmente acessível. A partir deste
pressuposto aparentemente simplório, buscamos abordar uma questão mais
abrangente, de ordem historiográfica: a relação entre acessibilidade de fontes e
a escrita da história. Utilizando como referenciais teórico-metodológicos as
noções de “operação historiográfica” (CERTEAU, 1974; 1975; RICOEUR,
2000) e “competência de edificar” (CHOAY, 2009) e considerando o papel ativo
das pesquisas para a manutenção e atualização dos acervos (ALMEIDA,
2021), estruturamos este artigo em seis partes: (1) A escrita da história do
Congresso de 1959 e suas fontes; (2) Arquivos entre a “operação
historiográfica” e a “competência de edificar”; (3) Arquivo documental do MAM-
Rio e o Congresso de 1959; (4) Das séries fotográficas; (5) Nas fotografias de
Carlos, mais questões do que respostas... (6) A acessibilidade dos documentos
e a escrita da história.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PERPETUAÇÃO DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNISTA NO


INTERIOR DE MINAS GERAIS: A RESIDÊNCIA CORRÊA NO MUNICÍPIO
DE FORMIGA

Bernardo Nogueira Capute (bernardo.capute@izabelahendrix.metodista.br)

Tassiana Arantes Pires (arantestassiana@gmail.com)

O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a arquitetura residencial


modernista no interior do estado de Minas Gerais, visando complementar o
entendimento sobre a abrangência do movimento no país, assim como seu
desenvolvimento e seus reflexos em localidades mais distantes dos polos de
efervescência. A analise será conduzida mediante o estudo de caso da
habitação Corrêa, uma residência de caráter unifamiliar com características
pós-modernistas, que se encontrava situada na região central do município de
Formiga, em Minas Gerais. Seu projeto data do decênio de 1960 e é de autoria
do arquiteto Hilmar Toscano Rios, responsável por tantas outras obras no
município. A construção é um dos exemplos do movimento na cidade e que,
infelizmente, foi consumida pela especulação imobiliária local, demonstrando o
descaso com o patrimônio modernista. Serão explanados aspectos que
abrangem a relação da edificação com o entorno imediato, o sistema
construtivo empregado, os usos propostos e o tratamento plástico empregado
na edificação.
A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
- PATRIMÔNIO E VALORES: A PERSPECTIVA CRÍTICA; A
TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO: ENTRE O
LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E AGENTES DO PATRIMÔNIO
E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO; ARQUIVOS E
HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO
OBJETO DE PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O
PATRIMÔNIO PROTEGIDO: MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

RECENTRAR O CENTRO: Uma carta de urbanização para a


Guararapes

SANTANA, Julia Carla (1); Reynaldo, Amélia M. de Oliveira (2); SILVA, Paula M.
W. M. do Rêgo (3)

1. Universidade Católica de Pernambuco. Escola Internacional Unicap Icam-Tech


Rua do Príncipe, 526, Recife - PE
juliacddl@gmail.com

2. Universidade Católica de Pernambuco. Escola Internacional Unicap Icam-Tech


Rua do Príncipe, 526, Recife - PE
amelia.reynaldo@unicap.br

3. Universidade Católica de Pernambuco. Escola Internacional Unicap Icam-Tech


Rua do Príncipe, 526, Recife - PE
paula.maciel@unicap.br

RESUMO

Nascedouro das cidades, e portador da identidade local, os centros históricos percorrem nas últimas
décadas um processo de sobrevivência à desocupação e ao abandono, e apesar de pertencerem a
zonas ou áreas de preservação, em muitos casos, o caminho percorrido por essas áreas nos últimos
anos, se assemelha mais à extinção do que à preservação. A degradação e o esvaziamento dos
centros históricos iniciam, principalmente, na segunda metade do século XX onde a reestruturação
urbana e a descentralização alteraram profundamente a composição e as funções dos centros
históricos das cidades tradicionais, culminando no preocupante destino e eventual morte desses
locais. No Recife, assim como em importantes cidades do Brasil, reformas urbanas foram realizadas
com o intuito de modernizar o centro histórico. Nesse sentido, o bairro de Santo Antônio se tornou
palco para tais modificações: o tradicional bairro, assistiu à demolição de sobrados e alguns

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06 a 08 de outubro de 2021
monumentos em troca da abertura de novas vias e o erguimento de novos edifícios. A reforma que
modificou o bairro de então caráter residencial, para uma área de comércio e serviço, viu sua
população migrar para outras áreas do município, e, o advento das novas centralidades, acarretou o
processo de desocupação entre o final do século XX e o começo da década de 2000. O resultado é
um déficit habitacional para o bairro de cerca de 73%, além de uma ociosidade de 34% da ocupação
da sua área construída de aproximadamente 800.000 m². O objeto de estudo deste trabalho é um
recorte do bairro de Santo Antônio, no Recife, e caracteriza-se por estar dentro do perímetro das
quadras do período da arquitetura moderna. Nessa área a ociosidade é observada ainda maior,
somando 47% de uma área de 192 mil m². Somado a problemas como o elevado valor da dívida de
IPTU, a falta de conservação e o esquecimento da área, tem-se a sensação de insegurança,
promovendo uma evasão do território. A condição original de centralidade urbana do bairro de Santo
Antônio, o coloca em posição não apenas de valor histórico, cultural e simbólico, mas também na
dinâmica da economia da cidade. A infraestrutura presente neste tecido urbano, o torna favorável a
práticas multifuncionais, elevando seus espaços à oferta de serviços, comércio, habitação e fluxos
espaciais. O resgate da função de centralidade do bairro de Santo Antônio se apresenta como
importante causa, para que haja o reavivamento dessa parcela da vida urbana da cidade. Desta
forma, este trabalho tem o intuito de elaborar diretrizes para refuncionalização das quadras
modernas, de modo que haja uma intervenção no tecido funcional da área de estudo. O trabalho
propõe um estudo sobre o estoque social, a aplicação do mix funcional nos estoques da área, bem
como a refuncionalização da área, partindo da calha viária à cobertura da edificação.

Palavras-chave: Arquitetura moderna, Reforma urbana, Santo Antônio, Recentralização.

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06 a 08 de outubro de 2021
1. Introdução

Resultante das transformações e adaptações humanas para atender às suas necessidades,


a cidade não é apenas um cenário que se modifica a cada cena, a cada tempo, mas um
espaço formado pelo processo e pelas transformações dos agentes que a compõem ao
longo dos tempos.

Em zonas de centros históricos, normalmente áreas centrais, as relações urbanas atuais


estão pausadas, ou sendo realizadas em passos lentos. Esse fator está intrinsecamente
ligado ao processo de transformação do papel funcional dos centros históricos, ocorrido nas
últimas décadas no Brasil e em outros países.

Grande parte dos imóveis vazios ou parcialmente ocupados estão localizados em centros
históricos, áreas de identidade da cidade. O surgimento das novas centralidades, alinhado à
modificação funcional, levou não apenas o compartilhamento do “status” de centralidade,
mas programou a morte de áreas que outrora caracterizaram a dinâmica urbana.

O esvaziamento dos centros históricos, tem como principal agente uma corrente do
urbanismo racionalista, idealizado no começo do século XX, que objetivava, principalmente,
a separação funcional da cidade.

O começo do século XX foi marcado por reformas urbanas, e o Recife teve seu centro
histórico o palco para tais modificações. O bairro de Santo Antônio, local de nascimento da
cidade e objeto do primeiro plano urbanístico do Recife, em 1639, foi um dos cenários para a
remodelação.

O bairro de tradicionais construções, como sobrados, palácios e igrejas, assistiu a demolição


de alguns de seus monumentos, para execução do projeto das atuais Avenidas Guararapes,
1930 e Avenida Dantas Barreto, 1943. Além da abertura da via, ambos projetos previam a
verticalização, principal característica do modernismo.

Ao mesmo tempo que ocorriam as transformações urbanas, foi criado em 1937 o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e logo se iniciou um processo de
tombamento em algumas cidades brasileiras, inclusive Recife, com significativa repercussão
nos bairros de Santo Antônio e de São José: dos 296 bens tombados entre 1938 e 1939 11
nos dois bairros (Reynaldo, 2017).

Esse primeiro tombamento deu início a um processo de reconhecimento do valor singular de


alguns exemplares construídos nas cidades, que culminou, no Recife, na aprovação do

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Plano de Preservação dos Sítio Históricos, em 1979, resultando na delimitação das Zonas
de Preservação na cidade, bem como a criação do Departamento de Preservação dos Sítios
Históricos, responsável pela gestão dos mesmos.

Desde as mudanças urbanas iniciadas na década de 1930, o tradicional bairro assistiu a


migração de sua população para o interior do município, e com o advento das novas
centralidades, com usos variados, o bairro se viu em processo de desocupação, com maior
celeridade no início dos anos 2000.

A condição de centralidade urbana, a qual pertence o bairro de Santo Antônio, o coloca em


posição não apenas de valor histórico, cultural e simbólico, mas também na dinâmica da
economia da cidade. A infraestrutura presente neste tecido urbano antigo, o torna favorável
a práticas multifuncionais, elevando seus espaços à oferta de serviços, comércio, habitação
e fluxos espaciais.

Diante da situação presente no bairro de Santo Antônio, de esvaziamento,


descaracterização e subutilização, consciente da importância histórica da localidade, este
artigo será dividido em três partes para facilitar o entendimento da trajetória do Bairro de
Santo Antônio desde sua formação à sua situação atual, tendo como fim os apontamentos e
perspectivas futuras: a primeira parte busca contextualizar a história do bairro e as
sucessivas modificações e reformas urbanas; a segunda parte procura apresentar o cenário
do esvaziamento do bairro; a terceira parte apresenta diretrizes de remodelação funcional no
sítio, com ênfase na Avenida Guararapes, a fim de propor uma nova dinâmica apoiada na
infraestrutura existente, recentralizando o núcleo e transformando a ociosidade em
funcionalidade.

2. Santo Antônio, Urbanismo e a Arquitetura Moderna no Recife do


século XX

Dos escassos traços da organização urbana portuguesa, no século XVI a ocupação


holandesa é iniciada, e logo marca o trajeto urbanístico da cidade com o projeto de
fortificações nos terrenos de suas duas ilhas. A do Recife, uma construção que rodeava as
existentes, e a Antônio Vaz um sistema de muralhas complementadas por dois fortes nos
extremos norte e sul (REYNALDO, 2017).

A presença do porto fez a cidade crescer rapidamente, de tal modo que em 1637 quando
João Maurício de Nassau, governador das terras holandesas no Brasil, chega ao território
recifense, encontra a ilha portuária bastante ocupada. Em contrapartida a outra ilha, a

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Antônio Vaz, era um reduto de pescadores (VAINSENCHER, 2009), com edificações que
podiam se contar de tão poucas.

Dessa forma, a partir do reconhecimento de Nassau sobre o valor da ilha Antônio Vaz, se
inicia a configuração, em 1639, dos atuais bairros de Santo Antônio e São José, além de
marcá-los como território político-administrativo e o centro urbano da cidade (REYNALDO,
2017).

O cenário do Recife em 1654, quando se deu a retomada lusitana ao território, era de uma
cidade urbanizada, mas não uma grande cidade. Segundo aponta Reynaldo (2017) “Antônio
Vaz, assentada sobre a modesta trama colonial portuguesa da península, constitui o
primeiro conjunto urbano significativo da cidade do Recife”.

No século XIX as reformas urbanísticas na cidade do Recife, tomam ares franceses, com
influências em todo cenário brasileiro, a missão francesa iniciou sua trajetória, no Recife,
com a criação em 1835 da Repartição de Obras Públicas (nome adotado em 1842, durante
governo de Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista), com início na década de
1840 contou com o engenheiro francês Louis Vauthier, realizando projetos urbanísticos e
obras como o Teatro de Santa Isabel e a remodelação das fachadas dos sobrados coloniais,
com o principal objetivo de remodelar e expandir a antiga cidade colonial (REYNALDO,
2017).

Entre 1920 e 1940, as gestões administrativas realizaram uma série de obras de


infraestrutura e modernização da cidade. A urbanização tomou, nesse período, os ares
modernistas. Obras de expansão urbana, foram dirigidas pela Diretoria de Arquitetura e
Urbanismo do Estado (DAU), criada em 1934, tendo como diretor Luiz Nunes, juntamente
com a DAU as obras encomendadas pelo governador Lima Cavalcanti, inauguraram o
pioneirismo moderno em Pernambuco. Essas primeiras obras, que contavam com a
linguagem modernista europeia, mas com releitura dos materiais locais, foram um campo de
experimento para Luiz Nunes e sua equipe, como o caso da Usina Higienizadora de Leite, a
qual foi a primeira marca da leitura modernista local (MARQUES; NASLAVSKY, 2011).

Em nível internacional, com forte repercussão nacional, o movimento modernista


caracterizado pela arquitetura e pelo urbanismo, tem seu momento de discussão e
divulgação a partir de 1928 com os CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura
Moderna), tendo como principal nome Le Corbusier.

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O período moderno inicia suas manifestações no país na Semana de Arte Moderna de 1922,
e assim como a antecessora, a Belle Époque Tropical, teve suas ideias voltadas às artes, à
cultura, à tecnologia, à arquitetura e ao urbanismo.

A cidade nos anos 1920 girou em torno de um debate acerca das transformações urbanas
voltadas para o higienismo, como demolição de áreas insalubres e a abertura de novas
avenidas. Recife naquele momento, não tinha uma produção de modernização urbana que
ameaçasse suas tradições drasticamente. Entretanto, os intelectuais se empenham na
defesa do patrimônio histórico, como medida de salvaguarda e valorização das raízes
regionais (LEMOS, NASLAVSKY, 1998, p. 22).

Em 1927, Donat-Agache, urbanista francês, vem à cidade e apresenta duas conferências


que deixam bastante interesse entre autoridades e intelectuais, “Urbanismo” e “Como se
elaborar um plano de cidade”, deixando alguns pontos comparativos entre Recife e Paris. No
ano seguinte, o urbanista volta à cidade e propõe que um plano urbanístico seja realizado na
cidade, sendo esse semelhante ao realizado no Rio de Janeiro (LEMOS; NASLAVSKY,
1998, p. 102).

A proposta do urbanista mostra preocupação à classe intelectual, e sobre isso Lemos e


Naslavsky relatam um trecho da coluna de Manuel Bandeira ao jornal “A Província”, o qual
destaca:

“Urbanistas, cuidado! Essa magreza, aliás, não prejudica em nada a


cidade. Não é magreza de doença ou miséria, senão de regime, ou
melhor de constituição. (...) Não sei quaes são as linhas do plano
Agache para remodelação da cidade. É de desejar que não dêem
gordura ao Recife. Ella deve continuar magra, reservada e difícil,
como tem sido até hoje.” (BANDEIRA, 1928 apud LEMOS;
NASLAVSKY, 1998)

Em 1930, a convite da gestão pública, o arquiteto Nestor de Figueiredo apresentou o seu


“Plano de Remodelação e Desenvolvimento Sistemático do Recife” em 1932. O projeto
apresentado à Comissão do Plano do Recife, criada pela prefeitura, foi alvo de muitas
críticas, sendo reapresentado em 1934, após algumas alterações (REYNALDO, 2017).

O projeto aprovado em 1934, foi cancelado, e outro foi realizado em 1935, quando o recém
assumido prefeito João Pereira Borges, convida Attílio Corrêa Lima para realizar.
Aproveitando as áreas demolidas e o tecido urbano existente, com arranjo modesto e
poucos alargamentos, descentralizando o tráfego de bondes e realocando os terminais para

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as extremidades do bairro, o projeto foi aprovado em 1937, com algumas alterações, e
iniciada obras no mesmo ano (MOREIRA, 2016).

Em virtude do golpe de novembro de 1937, com a proclamação de Getúlio Vargas como


ditador, o Estado Novo é inaugurado, e com ele assumem novos administradores
comprometidos com a ideologia do Governo Federal.

A remodelação do bairro de Santo Antônio, que ocorria naquele mesmo período, foi dada
como prioridade por Novais Filho, novo prefeito, que insatisfeito com a demora da obra criou
uma nova comissão de planejamento em dezembro de 1937. Essa comissão rejeitou o
projeto de Corrêa Lima e retomou o de Figueiredo, apesar das modificações e alterações do
projeto, reduzindo a uma única avenida, tomada como 10 de Novembro em homenagem ao
Estado Novo (PONTUAL, 1999).

Com a aprovação do plano, imóveis foram desapropriados e demolidos, havendo resistência


por parte de alguns dos moradores. Os novos lotes se tornaram maiores e mais caros, o que
gerou um processo de déficit habitacional na cidade, uma vez que a população expulsa era
de classe média baixa e pequenos comerciantes (MELO, 1991, p. 153-154 apud MOREIRA,
2016).

A legislação configurada na época, proporcionou a edificação em perfil desejado para a


avenida; Apesar de muitos lotes não terem sido vendidos rapidamente, e as edificações não
terem sido erguidas antes de setembro de 1939, os esforços de Novais Filho à Vargas
resultaram em recursos para o município, que acabaram por incentivar a aquisição dos
lotes e a construção nos mesmos (MOREIRA, 2016).

Os edifícios ali produzidos, não deveriam ser peças isoladas, mas um conjunto formando
uma composição (fig. 1), e desta forma tomaram corpo, em sua maioria, no estilo Art Déco,
nomes como Heitor Maia Filho e Hugo Marques foram responsáveis pela produção, que
prevista pela legislação de 1936, deveria ser vertical e de tradição da Escola de Belas Artes
(MOREIRA, 2016).

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Imagem 1: Remodelação do bairro de Santo Antônio, Recife, 1936 Fonte: Acervo Amélia Reynaldo

A reforma realizada no bairro de Santo Antônio para a abertura da Avenida Guararapes, foi
apenas o primeiro passo para a continuidade do processo de modernização do bairro e da
cidade do Recife.

Em 1942, após reorganização no corpo integrante da Comissão, há o convite ao engenheiro


Ulhôa Cintra para elaboração de um plano para a cidade (CAVALCANTI; PONTUAL, 2003).
A proposta realizada pelo engenheiro agrega parte do plano aprovado em 1938, e suas
sugestões chamam atenção pela transposição clara das correntes internacionais, nos
fundamentos e tratamento com a cidade existente e dos edifícios notáveis (REYNALDO,
2017).

Naquela mesma década, se acenderam debates acerca da continuação da abertura da


avenida, entretanto a execução de tal seguiu até a década de 1970, onde se deu a

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configuração da última etapa, a qual resultou na demolição da Igreja dos Martírios. E tal qual
a Av. Guararapes, o projeto previa produções arquitetônicas verticais, como incentivado pela
legislação e do conceito modernista do plano, e as ali concebidas se deram distintas do
estilo Art Déco, e foram produzidas em um estilo moderno próprio de Pernambuco, nomes
como Acácio Gil Borsoi, Delfim Amorim e Vital Brazil, foram responsáveis por essa produção
(NASLAVSKY, 2012).

3. Santo Antônio, de centro da cidade moderna a centro vazio da


cidade

O esvaziamento dos centros históricos urbanos vem se colocando em um panorama comum


no Brasil. As modificações urbanísticas, ocorridas no século XX, se mostram como o
principal fator de transformação da dinâmica desses espaços, culminando na formação dos
vazios urbanos.

Ainda que o campo de discussão sobre o esvaziamento dos centros urbanos se apresenta
de forma abrangente nos diversos discursos e estudos, este cenário não é exclusividade do
país. Relatando as diversas transformações que a Europa passou durante o pós-guerra,
Campos Venuti (1996), aponta que conhecer as transformações urbanas que cidades e
territórios passaram, é o objeto principal para saber qual a necessidade atual que atua de
maneira eficaz sobre a área.

Durante os anos que se deram o crescimento dos bairros periféricos na Europa, Giuseppe
Venuti (1996) aponta que nos bairros antigos também se instalaram problemas, ou seja,
locais considerados patrimônio cultural foram acometidos pela degradação física e social,
além da “terceirização” como um problema presente em outras partes do mesmo tecido
antigo.

Ainda no cenário internacional, a degradação dos centros urbanos das cidades


estadunidenses, são apontadas por Jane Jacobs (2011), como a “autodestruição” da
diversidade de atividades, provocadas pela reprodução excessiva de determinados usos,
podendo ocorrer em pequenos ou grandes pontos da cidade, tal qual ruas ou distritos
inteiros, e que é a partir do abandono que os usos dominantes vencem.

Esta expansão periférica e a baixa diversidade de usos apontadas por Venuti na Europa, e
por Jacobs nos Estados Unidos, respectivamente, também se deu no Brasil com a expansão

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de novas áreas e o advento das novas centralidades, ponto tratado por vários autores como
um dos principais fatores do esvaziamento dos centros históricos urbanos no país.

O esvaziamento em tecidos urbanos é um fator que implica o reordenamento do mesmo. Os


vazios urbanos provocam uma série de problemas que vão desde o aumento na
manutenção da infraestrutura e serviços urbanos, até a segregação espacial e problemas
ambientais (SANTANA, 2006).

O paradigma adotado nos planos de remodelação não só do bairro de Santo Antônio, mas
no município do Recife, abrangia questões de funcionalidade como habitar, trabalhar,
circular e descansar . O resultado que se pretendia desse cobiçado plano, era de uma
cidade linda, ordenada e disciplinada, com avenidas parques, parques e jardins, e com
zoneamento onde cada lugar tinha sua única função, como caso do plano para a Av. 10 de
Novembro, atual Av. Guararapes (PONTUAL, 1999).

Não fugindo da regra dos centros históricos brasileiros, a renovação do bairro de Santo
Antônio provocou o deslocamento da população existente para as áreas periféricas da
cidade. Ao passo que o núcleo central começava a se desligar de suas funções de moradia
e outros usos, cedendo espaço para a monofuncionalidade terciária.

Nos anos de 1970, iniciou-se uma série de esforços na tentativa de contornar a precária
situação dos centros históricos. A criação do Programa Integrador de Reconstrução das
Cidades Históricas do Nordeste, em 1973, culminou na criação do Plano de Preservação
dos Sítios Históricos do Recife em 1978, essa, segundo Reynaldo (2017), se deu como uma
resposta ágil a iniciativa federal, e tinha como principal objetivo a intervenção nas zonas
urbanas notáveis.

Uma proposta de reabilitação para o bairro do Recife foi proposta em 1986, com o Plano de
Reabilitação do Bairro do Recife, o qual almejava frear o processo de perda populacional e
de degradação física da área, integrando-a à infraestrutura geral da cidade (REYNALDO,
1998 apud MENEZES, L., 2015).

Outras ações de melhoria do espaço público foram realizadas no âmbito dos bairros de
Santo Antônio e São José. A criação em 2003 do Escritório do Centro Expandido, voltaram
ações de requalificação e pavimentação das principais ruas comerciais desta região
(MENEZES, L., 2015).

Entretanto, se faz um destaque para tais ações iniciadas no final do século XX, nos bairros
de Santo Antônio e São José, que embora tenham sido intituladas como de reabilitação, as
propostas executadas, intervieram apenas na melhoria do espaço público, carecendo de

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ações com o objetivo de preservação patrimonial ou de melhoria da qualidade de vida dos
habitantes locais (VIEIRA, 2008 apud MENEZES, L., 2015).

Tal carência de ação resultou em uma drástica situação da área , a qual vem se tornando
notícias em periódicos de grande circulação, tal qual destacado no editorial do periódico, em
figura destacada abaixo (fig. 2), a intitulação “Sujo, esquecido e vazio”, retrata bem a
situação contemporânea do sítio (MORAES, 2021).

Imagem 2: Recorte de manchete do Jornal do Commercio de 11 de abril de 2021. Recife, 2021.


Fonte: Acervo autoras, 2021.

E apesar deste estado de abandono, esvaziamento e periculosidade, em pesquisa realizada


no mês de abril de 2021, entrevistando 200 pessoas em plataforma digital, foi obtido como
resultado a pergunta sobre possibilidade de habitar o centro 52,5% com afirmativa e as
demais com respostas prováveis a moradia no local. O reconhecimento da paisagem e da
qualidade urbana do sítio, foi o ponto chave para a afirmação de reabilitação deste sítio, o
que passa em afirmar a necessidade de expor e levar a sociedade a importância das áreas
históricas na dinâmica da cidade.

O esvaziamento do espaço modelo de remodelação urbana, paradigma da cidade moderna,


se apresenta como um paradoxo urbano, uma vez que seu planejamento se voltou para um
modelo de desfuncionalização da área, acarretando na precária situação atual. A retomada

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dos usos e funções primárias, se mostra como uma forma de se voltar à contemplação dos
espaços outrora presenciados.

“É urgente reocupar o centro e ampliar os usos existentes da região,


o que passa imprescindivelmente por trazer de volta a moradia como
possibilidade de práxis e dilatar a vitalidade urbana para além do
horário comercial.” (NASCIMENTO, 2018)

4. Santo Antônio, patrimônio urbano

Diversos organismos internacionais buscaram ao longo do século XX e início do atual a


formulação de cartas e documentos com o objetivo de proteção e valorização da paisagem
urbana como patrimônio histórico.

O ambiente construído e todos os aspectos ao redor desse cenário, e que constitui uma
carga de união e valores, tais quais o histórico, o cultural e o natural, fazem parte da
paisagem urbana histórica, e a sua proteção e manutenção salvaguardam a memória da
cidade (MENDES, 2011).

As relações que envolvem as noções e a importância da preservação surgiram ainda no


século XVII, quando os conceitos relacionados com a conservação do patrimônio e o
desenvolvimento surgiram (PIRES, 2020 p. 22).

O estabelecimento do entendimento moderno sobre a relevância do passado marcado em


objetos, monumentos, documentos, edifícios e lugares é sagrado em 1933, quando é
estabelecido no CIAM a Carta de Atenas, a qual marcou o começo das formulações de
diretrizes de proteção e conservação (PIRES, 2020, p. 24).

Com o marco estabelecido pela Carta de Atenas, outros documentos e programas com foco
na reafirmação da importância da preservação e conservação surgiram. A Carta de Veneza,
1964, é um dos principais documentos internacionais que se estabeleceram com base nas
diretrizes da Carta de 1933, abordando conceitos sobre monumentos, sítios e de
conservação e restauro (PIRES, 2020, p. 25-26).

No século XXI o Conselho da Europa, protocolou um documento acerca da importância de


promover a protecção e o ordenamento da paisagem, e mais tarde a Organização das
Nações Unidas (UNESCO), apresenta a Recomendação para a Conservação da Paisagem

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Urbana Histórica, com princípios e estratégias de conservação do patrimônio urbano para o
desenvolvimento sustentável (MENDES, 2011).

As diretrizes apresentadas e construídas a partir da Carta de Atenas, 1933, influenciou


diversos organismos para a formulação de documentos e cartas, como o estabelecimento
em 1937 do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).

Em 1973 há a elaboração do Plano Integrado de Desenvolvimento da Região Metropolitana


do Recife, elaborado pela Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do
Recife (FIDEM), de só possível realização a partir da descentralização da obrigatoriedade de
salvaguarda do patrimônio por parte do SPHAN (SANTANA, 2018, p. 88 - 89).

O bairro de Santo Antônio, sendo uma área de grande valor histórico, esteve presente na
pauta de classificação de elementos como patrimônio nacional do SPHAN em 1937.

Foi ainda tomando como base a importância dessas áreas, como o bairro de Santo Antônio
pelo SPHAN, e dos estudos apresentados pela FIDEM, é que se tem a criação do Plano de
Preservação dos Sítios Históricos do Recife (PPSH) em 1979, por parte da Prefeitura do
Recife.

Com base nos zoneamentos presentes na Norma de Quito (SANTANA, 2018, p. 89), foram
estabelecidas duas zonas pelo PPSH, a Zona de Preservação Rigorosa e a Zona de
Preservação Ambiental. Esse zoneamento passou por mudanças em suas áreas, bem como
em sua divisão e nomeação. O Plano Diretor do Recife, estabelecido em 23 de abril de
2021, apresenta como classificação as áreas de preservação como Zona Especial de
Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH), a qual apresenta parâmetros
urbanísticos de acordo com área específica da legislação.

O bairro de Santo Antônio pertence a uma área de ZEPH, e possui 19 bens tombados entre
níveis federais, estaduais e municipais, além de 21 monumentos não preservados, mas de
valor histórico e cultural significativos para a composição da paisagem urbana da área.

O processo de valorização e de afirmação de que o patrimônio é muito mais do que apenas


um monumento isolado, concedeu às áreas urbanas históricas um momento de salvaguarda
da paisagem, bem como o conjunto de elementos que a compõem. Entretanto apesar de
preservadas essas áreas ou monumentos são factíveis de abandono ou desocupação,
podendo chegar ao grau de ruína.

Estudos e propostas de aplicação das diretrizes presentes nos documentos de salvaguarda


do patrimônio, e que concedem valorização do patrimônio urbano se mostram de forma

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crescente, de modo que são estabelecidos parâmetros de aproveitamento das
infraestruturas existentes, com o intuito de refuncionalizar o monumento e suprir as
necessidades urbanas.

5. Santo Antônio, uma carta de urbanização

As diversas fases e momentos ocorridos no sítio de Santo Antônio, foram apresentadas ao


longo deste trabalho, e com elas foi pensada e desenvolvida alguns parâmetros, os quais
propõe a elaboração de diretrizes para a refuncionalização dos espaços públicos e privados.

Deste modo, a escolha da área de estudo, nomeada Guararapes (fig. 3), se dá nesse
contexto de busca pela reinserção da dinâmica da cidade no bairro, uma vez que, a área
proposta está ligada diretamente à atual conjuntura ocupacional da área.

Imagem 3: Visão panorâmica da Avenida Guararapes Fonte: Acervo autoras, 2021.

A proposta de elaboração da Carta de Urbanização surge como forma de resgatar áreas


obsoletas, através da elaboração de diretrizes para os espaços públicos e privados. Desta
forma, o marco estabelecido pela Carta de Urbanização se dá na elaboração de diretrizes de
refuncionalização do tecido funcional, a fim de estabelecer parâmetros urbanos e
arquitetônicos na área de estudo.

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Estabelecendo que “o patrimônio urbano é um recurso essencial para melhorar a
habitabilidade das áreas urbanas, promovendo o desenvolvimento econômico e a coesão
social num ambiente global em mudança”, e ainda que “a conservação é uma estratégia
para alcançar um equilíbrio sustentável entre o crescimento urbano e a qualidade de vida”
(MENDES, 2011), este documento estabelece o principal objetivo desta carta de
urbanização, a conservação para o desenvolvimento sustentável.

Outro documento, os Princípios de La Valleta sobre a salvaguarda das cidades e conjuntos


urbanos históricos (2011), estabelece princípios e estratégias como meio de salvaguardar os
valores de cidades históricas e as suas configurações, bem como a sua integração na vida
social, cultural e econômica.

A partir dos pontos apresentados em ambos documentos, é notória a importante integração


do conjunto de ações para a intervenção no espaço urbano, desta forma, a elaboração do
presente caderno de normativas, se valerá de alguns desses pontos para sua construção,
de forma que se alcance parâmetros de conservação e desenvolvimento sustentável.

Contudo, observando os instrumentos, critérios e propostas estabelecidos nos documentos


de referência, e considerando o diagnóstico elaborado da área de estudo, foi estabelecido
dois pontos para a elaboração da carta de urbanização para a Guararapes, sendo eles:

1. Proteção e autenticidade dos elementos da paisagem urbana do bairro da


Guararapes

Estabelece instrumentos que tem como objetivo o resgate e a preservação do tecido


funcional, bem como a manutenção e a melhoria da relação dos elementos
componentes da paisagem urbana (Via, Quadra, Edifício e Espaços livres de biofilia),
no intuito de desenvolver o espaço de maneira sustentável, para isso são tomados
os seguintes pontos:

1.1 Intervenções a serem realizadas no âmbito da Guararapes, deve ser voltado para
a melhoria da qualidade de vida dos habitantes e do espaço urbano como um todo:

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A. A relações entre os edifícios e espaços verdes, e destes com os lotes, bem
como o traçado do arruamento, deve ser observado em caráter essencial;

B. Os equipamentos a serem propostos devem levar em consideração as


necessidades dos habitantes atuais e futuros, de modo que haja dinamicidade
no espaço urbano;

1.2 Mudanças e alterações no espaço urbano, devem ser evitadas ou realizadas de


forma a estabelecer uma melhoria no ambiente urbano, sem prejuízo físicos ou
visuais na paisagem urbana, preservando os seus valores culturais:

A. Novas construções ou reformas, devem apresentar coerência com a


disposição espacial existente, uma vez que, o respeito com a escala do sítio é
um fator imprescindível para a clara relação com o ambiente;

B. Para a realização de projetos em geral, no âmbito do sítio do bairro de Santo


Antônio, deve ser utilizada a planta da cidade do Recife de 1906, elaborada
por Douglas Fox;

C. Quanto a realização de projetos específicos no âmbito das Avenidas


Guararapes e Dantas Barreto, é imprescindível que se retome os projetos
específicos dessas áreas;

D. A retomada do desenho e arranjo espacial específicos, não deve apenas ser


retomado no âmbito do arruamento, mas àqueles relacionados ao arranjo
urbano, como mobiliários;

E. No caso de desenho do arranjo urbano, deve ser retomado o do plano


específico ou os elaborados pelo PPSH na década de 1980.

1.3 Impreterivelmente, o plano de salvaguarda deve proporcionar o equilíbrio dos


agentes espaciais, sociais, culturais, econômicos e ambientais:

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A. A mobilidade deve ser tomada de forma que facilite o tráfego multimodal,
priorizando a mobilidade ativa e a acessibilidade;

B. A conectividade, um dos principais elementos do urbanismo sustentável, deve


ser tomado como elemento chave no estabelecimento de um plano de
mobilidade do bairro;

C. Os grandes elementos rodoviários, devem ser evitados transitar nas áreas de


proteção, tal qual o trânsito de BRT, em áreas com grande quantidade de bens
tombados;

D. O melhoramento dos espaços livres, deve ser pensado de forma a atrair a


atividade turística no sítio, pautando intervenções que respeitem e apoiem a
identidade cultural do bairro;

2. Conservação do patrimônio urbano da Guararapes

Estabelece instrumentos que tem como objetivo o resgate e a preservação dos


elementos construídos, destacando a importância da mistura dos usos e a relação
dos espaços públicos e privados, bem como a garantia da igualdade social, como
fator essencial para o estabelecimento da sustentabilidade urbana e manutenção da
população local, para esses fatores, são apresentados os seguintes pontos:

2.1 As intervenções a serem realizadas, devem ser incorporadas e compatíveis com


estudos e análises de documentos de diversas naturezas, realizados de forma
prévia, tendo como base estudos de intervenção regulares e transparentes:

A. O exterior e o interior das edificações, definidos em sua estrutura, volume,


estilo e materialidade, são elementos de caráter essencial da autenticidade
da edificação, devendo ser observado e de forma coerente restaurado ou
preservado;

B. A recuperação de elementos construtivos, tal qual esquadrias, portas, brises


e demais elementos, devem ser recuperados, ao ponto de manter a
identidade da edificação, e consequentemente do lugar;

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C. As intervenções realizadas no interior da edificação, devem ser realizadas a
partir do projeto arquitetônico original ou planta equivalente da edificação;

D. Para o caso de propostas de pátios internos e aberturas zenitais nas


edificações modernas, deve ser observado e, com coerência, retomado o
projeto original;

E. Devem ser realizadas intervenções e medidas preventivas visando a redução


dos riscos de incêndio;

F. Em caso de plano de eficiência energética nas edificações modernas, deve


ser considerada, e caso atenda aos critérios da norma brasileira, o projeto
original das fachadas.

2.2 A conservação e vitalidade de áreas históricas passam, impreterivelmente, pelos


usos presentes, bem como a manutenção a sua população, e a interligação desses
com os novos, configurando uma plena diversidade cultural:

A. O uso misto deve ser estabelecido ao longo da área, bem como nas áreas
adjacentes do sítio histórico;

B. No térreo das edificações, deve ser buscado o uso de atividades de comércio


e serviço, contribuindo para a mobilidade ativa da área, exceto as edificações
de uso público;

C. O estabelecimento de usos essenciais, como educacionais, de comércio


como farmácias, padarias, conveniências, serviços como cabeleireiro e
lavanderia, bem como de lazer, devem ser tomados para a vitalidade da área;

D. Para que se alcance uma variedade de usos, projetada na conservação


sustentável, deve ser aplicado o nível de completude estabelecido por Farr
(2013), compreendendo valores entre 30% a 70%;

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E. Para a retomada da vitalidade no bairro, o uso habitacional é essencial, dessa
forma o equilíbrio entre a densidade construtiva e a habitacional
perspectivada para a área deve ser aplicada;

F. Para fins de aplicações gerais, a densidade habitacional de edificações


híbridas (Farr, 2013), deve ser aplicada, estabelecendo um valor de
250UH/hec, sendo o m² desta unidade habitacional dividida em três
categorias (Interesse social 42m² , não interesse social 60m² e loft 30m²);

G. O percentual de unidades habitacionais, nos edifícios, voltadas para o


interesse social deve seguir o apontamento do Plano diretor da cidade do
Recife de 2021, sobre os imóveis classificados para esse uso, dessa forma,
fica estabelecido o percentual de 15% a 20% de unidades habitacionais
voltadas para o interesse social nas edificações classificadas como IEIS, e as
não se estabelece uma cota de 5%;

H. Ainda se destaca a importância do arranjo espacial, como forma de aplicação


do percentual de usos a ser estabelecido nas edificações.

O estabelecimento dos parâmetros apresentados visam o alcance da conservação, bem


como a retomada da dinamicidade e vitalidade na área. Os pontos estabelecidos, os quais
compõem a Carta de Urbanização para salvaguarda da Guararapes, devem ser
experimentados e aplicados em diretrizes voltadas para a recuperação do tecido funcional e
dos espaços privados, visando a preservação e conservação da área, bem como do bairro
de Santo Antônio, para por fim haver a retomada da dinâmica urbana na região.

6. Considerações Finais

Palco de diversos acontecimentos, os centros históricos somam, ao longo dos anos, o


esvaziamento e a degradação decorrente da separação das funções dos centros urbanos,
fato que culminou no crescimento dos subúrbios e na perda habitacional das áreas centrais

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corroborando no alto grau de degradação e significativo estoque construído ocioso,
aumentando o cenário de abandono e degradação.

Cenário observado em diversos centros históricos, no Recife o baixo grau de habitabilidade


e alto quantitativo de estoque construído ocioso, no bairro de Santo Antônio, bem como em
todo o centro histórico do município, foi resultante de tais processos, e a carência de
projetos que visam o resgate da dinâmica local e a preservação do seu patrimônio,
proporcionando o aumento do abandono e a degradação.

A riqueza sociocultural do bairro de Santo Antônio eleva e classifica o bairro como


Patrimônio Urbano e a refuncionalização dos espaços como forma de resgate, contribui para
a preservação do patrimônio e leva a habitabilidade local. A importância da inserção das
áreas históricas no planejamento territorial, como propostas que integrem os sítios históricos
das demais áreas da cidade, é uma forma de resgate dessas áreas.

As diretrizes voltadas para o espaço público, apresentam e reitera que pequenas ações
podem reverter o quadro de ociosidade e abandono do bairro. O ordenamento, zoneamento
das atividades e reversibilidade do estoque construído ocioso em novas habitações e novos
equipamentos, permitindo um novo cenário de desenvolvimento social e cultural para a área.

7. Referências

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

RECENTRAR O CENTRO: UMA CARTA DE URBANIZAÇÃO PARA A


GUARARAPES

Julia Carla Santana Dos Santos (juliacddl@gmail.com)

Amélia Maria De Oliveira Reynaldo (julia.2016231887@unicap.br)

Paula Maria Wanderley Maciel Do Rêgo Silva (paula.maciel@unicap.br)

Nascedouro das cidades, e portador da identidade local, os centros históricos


percorrem nas últimas décadas um processo de sobrevivência à desocupação
e ao abandono, e apesar de pertencerem a zonas ou áreas de preservação,
em muitos casos, o caminho percorrido por essas áreas nos últimos anos, se
assemelha mais à extinção do que à preservação. A degradação e o
esvaziamento dos centros históricos iniciam, principalmente, na segunda
metade do século XX onde a reestruturação urbana e a descentralidade
alteraram profundamente a composição e as funções dos centros históricos
das cidades tradicionais, culminando no preocupante destino e eventual morte
desses locais. No Recife, assim como em importantes cidades do Brasil,
reformas urbanas foram realizadas com o intuito de modernizar o centro
histórico. Nesse sentido, o bairro de Santo Antônio se tornou palco para tais
modificações: o tradicional bairro, assistiu à demolição de sobrados e alguns
monumentos em troca da abertura de novas vias e o erguimento de novos
edifícios. A reforma que modificou o bairro de então caráter residencial, para
uma área de comércio e serviço, viu sua população migrar para outras áreas
do município, e, o advento das novas centralidades, acarretou o processo de
desocupação entre o final do século XX e o começo da década de 2000. O
resultado é um déficit habitacional para o bairro de cerca de 73%, além de uma
ociosidade de 34% da ocupação da sua área construída de aproximadamente
800.000 m². O objeto de estudo deste trabalho é um recorte do bairro de Santo
Antônio, no Recife, e caracteriza-se por estar dentro do perímetro das quadras
do período da arquitetura moderna. Nessa área a ociosidade é observada
ainda maior, somando 47% de uma área de 192 mil m². Somado a problemas
como o elevado valor da dívida de IPTU, a falta de conservação e o
esquecimento da área, tem-se a sensação de insegurança, promovendo uma
evasão do território. A condição original de centralidade urbana do bairro de
Santo Antônio, o coloca em posição não apenas de valor histórico, cultural e
simbólico, mas também na dinâmica da economia da cidade. A infraestrutura
presente neste tecido urbano, o torna favorável a práticas multifuncionais,
elevando seus espaços à oferta de serviços, comércio, habitação e fluxos
espaciais. O resgate da função de centralidade do bairro de Santo Antônio se
apresenta como importante causa, para que haja o reavivamento dessa parcela
da vida urbana da cidade. Desta forma, este trabalho tem o intuito de elaborar
diretrizes para refuncionalização das quadras modernas, de modo que haja
uma intervenção no tecido funcional da área de estudo. O trabalho propõe um
estudo sobre o estoque social, a aplicação do mix funcional nos estoques da
área, bem como a refuncionalização da área, partindo da calha viária à
cobertura da edificação.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

TRABALHO COLABORATIVO: OS DIVERSOS AGENTES DO PROCESSO


DE PROJETO PARA O PATRIMONIO COM HBIM

Carlos Alberto Andrade Bomfim (carlaobomfim@gmail.com)

Nos últimos anos surgiram novas tecnologias que prometem proporcionar


eficiência, economia e aumentos de produtividade para a comunidade da
Indústria da Arquitetura Engenharia, Construção e Operação (AECO). Building
Information Modeling (BIM), ou Modelagem da Informação da Construção e o
método denominado Projeto Integrado, ou Integrated Project Delivery (IPD),
tem se destacado nas pesquisas relacionadas ao aperfeiçoamento do processo
de gestão de projeto constituem tais tecnologias. Neste sentido, um aspecto
importante ao processo de gestão de projetos diz respeito às tecnologias que
podem ser associadas ao paradigma BIM para o levantamento e o
processamento dos dados provenientes dos acervos arquitetônicos. Devido à
falta de um sistema de documentação e gestão do patrimônio arquitetônico que
utilize adequadamente as tecnologias digitais, tanto no IPHAN (no âmbito
nacional) quanto no Instituto estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
(IEPHA-MG), em âmbito estadual, propõe o uso do Heritage ou Historical
Building Information Modeling: o HBIM - Modelagem de Informações Prediais
Históricas, para tornar a documentação mais sólida e completa, a gestão dos
bens mais eficiente e a preservação do Patrimônio Edificado. A definição de
Projeto Integrado compreende a constituição de uma equipe multidisciplinar,
com a adoção de um método de trabalho colaborativo visando integrar
pessoas, sistemas e estruturas empresariais, com o intuito de conceber, de
maneira integrada, um projeto. Como resultado, observa-se o aumentando a
eficiência e a garantia de melhor execução e operação da edificação,
culminando na melhoria da sua qualidade. Esta integração se faz
precocemente e em todas as fases do processo, envolvendo todos os
profissionais da cadeia da construção civil nas definições do projeto. Mesmo
em níveis iniciais e pouco amadurecidos, as diferentes áreas da construção
são previstas e pré-concebidas.

A elaboração de um projeto de conservação e restauro pressupõe a existência,


de antemão, de uma série de informações sobre o edifício a ser restaurado,
que representam a fase inicial de todo o processo. Essa fase dos trabalhos
constitui-se na elaboração dos levantamentos, dentre os quais o arquitetônico,
o histórico e o iconográfico e há muito a ser explorado na gestão de projetos
integrados.

O presente artigo busca a estratificação dos diversos agentes envolvidos no


projeto de restauro, seus papeis enquanto agentes do processo, as
características de suas respectivas formações profissionais, o diálogo entre
disciplinas diferentes, as dificuldades na coordenação e execução dos projetos
e propõe a figura de um coordenar de processo de projeto que desempenho o
papel de articulador das diversas interfaces que almejam o objetivo maior na
salvaguarda do patrimônio edificado.
EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO

PLANO DE AÇÃO ESTRATÉGICA PARA O CENTRO HISTÓRICO DE


SALVADOR DA BAHIA

BARROS FILHO, EDILSON B. (1) PEREIRA COSTA, STAËL DE ALVARENGA (2)

1. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Ambiente Construído e


Patrimônio Sustentável (PACPS). Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura.
Endereço Postal: Rua Paraíba, n. 697, Savassi, Belo Horizonte/MG. CEP 30130-141.
E-mail: arquediu@gmail.com
2. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Ambiente Construído e
Patrimônio Sustentável (PACPS). Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura.
Endereço Postal: Rua Paraíba, n. 697, Savassi, Belo Horizonte/MG. CEP 30130-141.
E-mail: staelalvarenga@gmail.com

RESUMO
O intuito do artigo é apresentar o método aplicado pelo curso de Estratégias do Patrimônio Urbano,
ofertado pelo Instituto de Construção e Desenvolvimento Urbano (IHS) da Universidade Erasmus
Roterdã, entre os anos de 2020 e 2021. O caso de estudo selecionado foi o Centro Histórico de
Salvador, área intitulada como patrimônio mundial pela Unesco em 1985. O método se divide em
duas etapas. Na primeira são coletadas informações concernentes à situação contemporânea do sítio
acautelado, com dados referentes a aspectos socioeconômicos, normativos e urbanísticos. A partir
dessa coleta, um preciso diagnóstico é realizado para constatar o problema central que impede a
efetiva preservação da centralidade urbana. Esse problema é dissecado em relação a um campo de
forças em atuação na cidade (sejam eles de natureza positiva ou negativa), cuja análise resulta na
instrumentalização da estratégia mais assertiva para aperfeiçoar a proteção do sítio histórico – sendo
então estruturada em um Plano de Ação Estratégico para o Sítio Histórico de Salvador da Bahia.

Palavras-chave: Estratégias do Patrimônio Urbano; Plano de Ação Estratégico; Centro Histórico de


Salvador.

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INTRODUÇÃO
O curso de pós-graduação em Estratégias do Patrimônio Urbano foi ofertado pelo Instituto
de Construção e Desenvolvimento Urbano (“Institute for Housing and Urban Development
Studies”) da Universidade Erasmus Roterdã, entre os meses de agosto de 2020 e 2021.
O escopo do curso selecionou quatro cidades com titulação de patrimônio mundial e que
tiveram processos de colonização holandesa em algum momento histórico de sua formação:
Willemstad (Curaçao), Paramaribo (Suriname), Salvador (Brasil) e Sawahlunto (Indonésia).
Para tanto, envolveu profissionais com experiência e conhecimentos correlatos com o objeto
de estudo para que pudessem atender às propostas realizadas para analisar cada cidade,
cuja finalidade principal foi o desenvolvimento de um Plano de Ação Estratégico para a
gestão de cada uma delas. Em decorrência da pandemia de Covid-19, as duas partes do
curso precisaram se desenvolver de forma remota.
O presente autor, componente da equipe de brasileiros, possui experiência pretérita na
gestão da área tombada de Diamantina/MG – a partir do mestrado profissional realizado
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) entre 2016 e 2018. Por
outro lado, o atual programa de doutoramento desenvolvido pelo autor (Programa de Pós-
graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da Universidade Federal de
Minas Gerais) aprofunda discussões sobre a forma urbana diamantinense, o que se mostrou
de grande valia para balizar os debates desenvolvidos no curso.
Salvador é a maior capital da região Nordeste do Brasil e a 7ª maior região metropolitana do
país, com uma população total de aproximadamente 4 milhões de pessoas. Seu centro
histórico foi nomeado e inscrito como patrimônio mundial em 1985, por causa de seu
Notável Valor Universal, refletido nos seguintes aspectos:
• um exemplo preeminente da construção urbana ultramarina portuguesa, sendo um
testemunho da colonização portuguesa nas Américas;
• um exemplo de localização estratégica e geográfica singular, que levou ao
desenvolvimento da cidade em dois níveis topográficos distintos;
• complexo arquitetônico erguido entre os séculos XVI e XIX, abrangendo uma série
de monumentos arquitetônicos religiosos, civis e militares.

Apesar de conter esses aspectos de notável valor universal, o centro histórico apresenta
uma série de problemas que resulta em entraves para uma gestão mais eficiente de sua
área acautelada, o que se tornou objeto de estudo do curso ofertado.
No próximo item, é apresentado um breve perfil do centro histórico de Salvador
desenvolvido pelo grupo de pesquisadores brasileiros composto pelo presente autor e os
seguintes coautores: Ariella Kreitlon Carolino (socióloga pela Universidade Estadual de
Campinas), Érica Castilho Diogo (arquiteta e urbanista servidora do IPHAN), Henrique
Rabelo Adriano (arquiteto e urbanista servidor do IPHAN), Marisa Novaes (arquiteta e
urbanista com mestrado profissional pela UFBA) e Naiara Amorim Carvalho (arquiteta e
urbanista com mestrado profissional pela UFBA).

SÍTIO HISTÓRICO DE SALVADOR


O Valor Universal Excepcional (“Outstanding Universal Value” – OUV) do Centro Histórico
de Salvador é representado e materializado pelos seguintes atributos:

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- Fiel adesão ao ordenamento urbano típico do século XVI, cuja densa rede de monumentos
e construções homogéneas, implantada num terreno recortado de notável qualidade
paisagística e estética.
- Conservação do plano urbano original.
- Arquitectura monumental preservada construída entre os séculos XVII e XIX.
- Vários espaços urbanos originais do século XVI.
No entanto, colocar em prática um sistema adequado de gestão do patrimônio não é uma
tarefa fácil no centro histórico. A propriedade está inserida em uma área com conflitos de
interesse preexistentes entre uma série de diferentes partes interessadas, que vão desde
organizações da sociedade civil a órgãos governamentais em todos os três níveis do Poder
Executivo, a várias entidades privadas que representam o mercado imobiliário, turismo e
interesses comerciais.
Da mesma forma, a pluralidade de órgãos reguladores públicos fornece uma quantidade
significativa de instrumentos de gestão e planejamento para o escopo da conservação,
proteção e desenvolvimento do patrimônio.
Existem dois níveis de gestão patrimonial na área (municipal e federal) que se refletem na
definição dos seguintes limites: em verde a área tombada como patrimônio mundial, a linha
traço-ponto azul a zona tampão 1 (mais restrita) e a linha traço-ponto vermelha a zona
tampão 2 corresponde ao centro histórico de Salvador. O governo do estado, embora sem
atribuição legal específica, foi quem durante muito tempo promoveu a gestão e as
intervenções no Centro Histórico.

Figura 1: Centro Histórico de Salvador. Fonte: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da


Bahia - CAS, 2013.

Assim, existe inúmeros decretos, leis e portarias operando no território urbano de Salvador,
comprovando que o problema não é exatamente a ausência de legislação, mas sim a
impossibilidade de implementação de tais instrumentos, a inexistência de coordenação entre
os diversos agentes públicos, e a descontinuidade das políticas. Além disso, esses

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instrumentos devem enfrentar o desafio de enfrentar a complexidade do cenário
socioeconômico em que o patrimônio urbano está inserido.
A cidade é dependente do setor de serviços economicamente, pois é responsável por
empregar 66,2% da população ocupada. Este setor congrega a administração pública e as
atividades turísticas, ambas com presença significativa no centro histórico da cidade.
Também vale a pena mencionar o fato de Salvador ser o segundo maior destino turístico do
Brasil. Somente em 2018, a cidade registrou um fluxo de 9,3 milhões de turistas, atraídos
pelas belezas naturais e pela riqueza cultural da cidade.
Em termos da dinâmica imobiliária e habitacional na zona histórica, uma das principais
características diz respeito à variabilidade de preços observada entre as unidades,
consoante a sua localização, devido à concentração dos investimentos públicos nos bairros
Sé e Pelourinho. O valor de mercado apurado nessas duas áreas, por exemplo, pode
alcançar uma expressiva diferença de valor de 55,7% em relação às demais partes do
centro histórico. Os valores apresentados demonstram como o centro histórico de Salvador
é atraente para investimentos privados de fato. Além disso, vale mencionar a significativa
taxa de desocupação de 21,8%, incluindo terrenos vazios, ruínas e edifícios subutilizados.
Os prédios situados nos limites do centro histórico da cidade foram os mais impactados por
transformações do que os localizados na Sé e no Pelourinho. De acordo com os registros do
licenciamento público, os bairros Dois de Julho e Santo Antônio foram os mais afetados
pelas intervenções, como arranha-céus, ampliação horizontal e demolição. Os investimentos
realizados nas propriedades privadas da Sé e do Pelourinho são em sua maioria públicos,
enquanto os feitos nas propriedades Dois de Julho e Santo Antônio são de origem privada.

Figura 2: Ocupações nas encostas do centro histórico de Salvador. Foto: IPHAN/BA,2020.


Em relação ao perfil social de Salvador, o principal desafio ainda é a desigualdade social
prevalecente na cidade, profundamente enraizada em sua história colonial. De acordo com

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os dados disponíveis de 2010, 22,3% da população local vivia abaixo da linha da pobreza. A
alta taxa de desemprego e o baixo nível de escolaridade da população são igualmente
surpreendentes: 15,2% da população ocupada não possuíam emprego formal, enquanto
40% dos habitantes não concluíam nem chegavam ao ensino médio. Esses indicadores
seguem tendência semelhante no centro histórico, onde a renda média é ainda inferior à do
restante da cidade.
Os dados demográficos disponíveis para o centro histórico de Salvador revelam um maior
número de habitantes mais velhos e uma menor quantidade de crianças, diferindo do
restante da tendência demográfica da cidade. Essa característica retrata o desafio atual de
renovar a população da região. Outro diferencial é o grande número de mulheres chefes de
família, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
A distribuição étnico-racial é semelhante à de outras partes da cidade, com predomínio de
habitantes negros e pardos. É preciso lembrar também que Salvador é considerada a capital
mais negra do mundo fora da África.
A cidade abriga a maioria dos praticantes católicos, seguidos por cristãos evangélicos. As
religiões afro-brasileiras representam apenas 2,10% da população. No entanto, um fato
reconhecido das tradições culturais de Salvador é que o sincretismo religioso é um aspecto
relevante na cidade. As festividades religiosas e celebrações de rua envolvem influências
religiosas católicas e africanas.
Desde a década de 1990, é possível identificar mudanças no perfil socioeconômico e étnico
da população do centro histórico. Essa transformação decorre, em grande parte, do grande
projeto de reabilitação executado pelo governo do Estado da Bahia, que ativamente
promoveu a expulsão de três mil famílias que viviam na área com o objetivo de viabilizar
atividades turísticas e recreativas.
Desde que a proteção do OUV esteja inscrita em uma abordagem de conservação
integrada, metas econômicas, sociais e ambientais sustentáveis podem ser alcançadas,
contribuindo para a vitalidade da cidade. Caso contrário, dificilmente esses objetivos serão
alcançados. Pior ainda, o OUV pode servir de pretexto para promover processos que levem
à gentrificação da área, ameaçando a vitalidade do centro histórico.
As instituições do patrimônio estão trabalhando em uma abordagem integrada e definindo
diretrizes e normas de proteção para intervenções no centro histórico da cidade, a fim de
apoiar seu OUV e promover seu desenvolvimento sustentável. Estes esforços públicos
permitirão as alterações necessárias ao centro histórico de forma a torná-lo mais
diversificado, evitando também que as pressões económicas decorrentes dos sectores do
turismo e imobiliário tenham um impacto negativo nos atributos protegidos.

PRIMEIRA PARTE
O momento introdutório se desenvolveu nas duas primeiras semanas de agosto de 2020,
com aulas e discussões realizadas na parte da manhã, enquanto à tarde se desenvolviam
os trabalhos e oficinas em grupos. Cada grupo correspondente à cidade de estudo realizou
a maior parte das discussões de forma coletiva, apesar de terem sido demandadas
atividades individuais como forma de questionar dúvidas ou sugerir ações para indivíduos de
outros países.

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Três foram os módulos estruturantes dessa primeira parte. O primeiro conteve aulas que
lidaram com o conceito de Conservação Integrada, o estudo do Patrimônio Mundial e seus
respectivos objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“SDGs”). O módulo seguinte trouxe
considerações concernentes à gestão urbana, aos instrumentos de planejamento
estratégico (dentre eles dando-se destaque à Recomendação da Paisagem Histórica
Urbana – UNESCO, 2011), além de aspectos relacionados a cartas patrimoniais e a normas
urbanas. O último módulo foi o mais extenso, elucidando temas que figuram elementos
partícipes do perfil urbano da cidade de estudo, tais como aspectos econômicos, sociais
(gentrificação e turismo sustentável), de sustentabilidade (energias e avaliação do impacto
no patrimônio cultural) e contextuais (intervenções construtivas e contexto urbano).
Essa primeira parte discursiva foi finalizada com a apresentação de um panorama geral do
patrimônio mundial soteropolitano, contemplando os elementos estudados em cada módulo.
Esse panorama se converteu em um Perfil da Cidade de Salvador, com descrição detalhada
de cada um dos aspectos elencados, vinculados aos dados coletados na fase de
diagnóstico e com elucidação dos agentes sociais e políticos a eles correlatos. Portanto,
corresponderam aos seguintes capítulos: perfis econômico e social, aspectos de meio
ambiente, planos de gestão urbana, políticas e estrutura legal normativa, planos espaciais e
de meio-ambiente urbano e físico.

SEGUNDA PARTE
A segunda e última parte se desenvolveu apenas na primeira semana de agosto de 2021 e
se estruturou em quatro pilares fundamentais de análise para se alcançar o Plano de Ação
Estratégico, tendo como principal referência bibliográfica o “Action Planning Workbook” (IHS,
2021). O primeiro pilar abarcou a aplicação do método SWOT, no qual são avaliadas as
forças positivas e negativas, intrínsecas e extrínsecas em ação na cidade histórica de
Salvador, no tocante à sua preservação e conservação urbana. No âmbito interno, foram
elencadas as forças (“Strengths”) e fraquezas (“Weaknesses”), enquanto no externo as
oportunidades (‘Opportunities”) e ameaças (“Threats”).
Por meio do SWOT, construiu-se uma árvore de problemas com o intuito de se definir pelo
menos um Problema Central (“Core Problem”) nesse contexto. Esse passo foi fundamental,
já que as avaliações de estratégias e mitigações puderam ser feitas com um foco preciso no
problema radical e não em respectivos danos colaterais. Para Salvador, o problema principal
se tratou da inexistência de articulação entre agentes sociais e políticos relacionados
à gestão do centro histórico de Salvador.
Este problema abrangente lançou as bases para muitas lacunas cruciais na eficácia
implementação da conservação e promoção do patrimônio em Salvador, com parcas fontes
de financiamento e pequena equipe técnica dedicada ao patrimônio (não sujeito a políticas
instabilidade). Também não existe um marco regulatório integrado, que permitiria o
compartilhamento de diretrizes e critérios para intervenções, bem como os devidos
mecanismos para monitorar impactos e sancionando violações. No entanto, o desafio da
articulação não é um problema menor. Na verdade, é estruturalmente embutido na
organização constitucional da República do Brasil.
O Estado está formalmente dividido em três níveis independentes de governo (níveis
municipal, estadual e federal), nos quais cada um possui competência e poderes de tomada
de decisão sobre políticas específicas. Em relação ao patrimônio gestão e preservação, a

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Constituição brasileira concedeu todos os três níveis de governo com poder de
supervisionar a política de patrimônio, sob seu domínio. Como resultado, uma área tão
diversa como o Patrimônio Mundial de Salvador, com monumentos e edifícios sob a regra
de todas as três jurisdições diferentes, se esforça para implementar de forma eficaz tanto a
curto prazo instrumentos urbanos ou parâmetros arquitetônicos e planos, políticas e
programas de longo prazo. É importante destacar que houve uma experiência anterior
integrada sobre cultura gestão do patrimônio envolvendo os três níveis de governo por meio
de Licenciamento Técnico e Escritório de Fiscalização, que estava em funcionamento há
mais de 30 anos e encerrou suas atividades em 2014.
Após a identificação do “Core Problem”, o próximo passo foi a definição de um Objetivo
Principal para saná-lo e que pudesse ser definido por critérios que atendessem ao método
“SMART”, tendo aspectos específicos (“specifics” - o objetivo deve ser preciso o bastante
para as pessoas envolvidas o compreenderem), mensuráveis (“measurables”
preferencialmente em termos de performance), aceitáveis (“acceptables” – deve ser
aceitável e conduzido pelos agentes sociais), realísticos (“realistics” – deve ser capaz de
ser realizado) e com tempo definido (“time bound” – relacionados a uma estrutura de
tempo). O objetivo principal constatado pelo grupo foi o de desenvolver uma gestão do
patrimônio cultural com uma integração entre os agentes sociais e políticos
envolvidos com a proteção do Patrimônio Mundial de Salvador, até 2023.
A inexistência de articulação vai além das instituições governamentais aliás, como
comunidade local e as organizações da sociedade civil têm sido historicamente
obscurecidas por intervenções lideradas pelo Estado na área, devido a uma visão tradicional
/ anterior tecnocrática e autoritária para gerir o patrimônio. A falta de mecanismos e espaços
permanentes para a gestão democrática cotidiana na área do Patrimônio Mundial -
considerando não apenas o planejamento, mas também a tomada de decisões,
monitoramento e avaliação - prejudica a possibilidade de conservação sustentável do
patrimônio, embora não considerando o valor atribuído ao patrimônio pela população local.
Um passo anterior ao desenvolvimento das ações propriamente ditas envolveu a Análise do
Campo de Forças, no contexto de resolução do problema identificado. Trata-se basicamente
de uma ferramenta do psicólogo estadunidense Lewin (1943) que permite analisar um
problema de modo a gerar ações inovadoras e realistas. Consiste na construção de uma
matriz de forças, numa coluna com forças diretoras (ou positivas) e na outra com forças
limitantes. É nessas forças limitantes que se foca o próximo passo do método.

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Figura 3: Definição do objetivo principal através da análise do campo de forças. Fonte: Strategic
Action Plan of Salvador, 2021.
A análise do Campo de Forças resultou na definição da principal estratégia avaliada para
sanar o “Core Problem”, referente à criação de uma estrutura integrada de múltiplos
agentes sociais e políticos para o sítio histórico.
É de extrema urgência a necessidade de se implementar um plano de ação para cumprir
esta ambiciosa e necessária estratégia que, por sua vez, ajudará os moradores e usuários
do Centro Histórico de Salvador a lidar com os muitos desafios do futuro próximo, como
aumento da pobreza urbana, conflitos habitacionais, clima desastres relacionados a
mudanças, falta de acessibilidade, transporte público insuficiente, deficientes serviços de
saneamento, entre outros. Esta estratégia é composta por um conjunto de ações
apresentadas abaixo:
• Plano comum (integrado) de longo prazo, acordado com a sociedade civil,
estabelecendo metas e resultados por níveis de governo e fontes de recursos;
• Fornecer verba orçamentária para financiar a nova estrutura de gestão do patrimônio
cultural;
• Criar uma instância comum de análise integrada e divulgação das decisões;
• Ampliar o quadro de funcionários efetivos - por meio de concurso público;
• Definir um marco de preservação comum para toda a área, acordado entre os três
níveis de governo e com a participação da sociedade civil;
• Criar um comitê de gestão para o centro histórico com uma porcentagem fixa de
representantes da sociedade civil;
• Estabelecer mecanismos permanentes de participação pública nas decisões que
envolvam o centro histórico;
• Orçamento participativo para ações de preservação do patrimônio no centro
histórico;
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• Desenvolvimento de Programas de Educação Patrimonial.
Tendo em vista a estratégia listada para mitigar o problema central, o Gráfico de Gantt foi
desenvolvido com o esboço das diferentes etapas para a implementação do Plano de Ação
do Patrimônio Mundial de Salvador. Pelo menos dez tarefas foram definidas de acordo com
as ações decorrentes da árvore de problemas, relacionados aos sujeitos responsáveis por
eles e aos respectivos recursos necessários para a realização de cada um deles.

Figura 4: Tabela de Ghantt, com distribuição de dez tarefas pelo prazo de execução em dois anos e
meio, associadas aos responsáveis e às respectivas fontes. Strategic Plan of Salvador, 2021.
Essas tarefas foram distribuídas em dois anos e meio para ser concluído, com colunas
bimestrais delineadas no Gráfico de Gantt. Dentre elas, destacaram-se seis tarefas
relevantes:
• (1) Mobilização dos três níveis de governo para desenvolver um plano de trabalho;
• (3) Criação do comitê de gestão do patrimônio mundial;
• (4) Elaboração de um plano de manejo para o patrimônio mundial;
• (5) Preparação do marco regulatório para intervenções;
• (7) Criação de um Comitê Técnico de Análise Integrada de Projetos;
• (8) Oficinas Participativas para tomada de decisão.
O primeiro é a mobilização dos três níveis de governo para desenvolver um plano de
trabalho, realizado pelo município (representado pela Fundação Mário Leal Ferreira e o
Secretário de Desenvolvimento Urbano). A rede do governo é o principal recurso associado
à tarefa que será desenvolvida nos primeiros dois meses do plano.

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Duas outras tarefas (números três e quatro) estão relacionadas à Criação do WHS comitê
de gestão e a elaboração de um plano de gestão para a área. A tarefa três reúne entidades
institucionais políticas e a sociedade civil como responsável, com recursos representados
pela rede política e governamental, equipe transdisciplinar e mídia. O quarto é
supervisionado diretamente pela gestão comitê do patrimônio mundial, cujo quadro funcional
é caracterizado como recurso em conjunto com o quadro funcional do município e
consultores externos. As duas tarefas são consecutivas e somam doze meses de
desenvolvimento.
As tarefas cinco e sete também estão sob a responsabilidade do comitê de gestão do
patrimônio mundial e envolvem a preparação de um quadro normativo para intervenções e a
criação de um comitê técnico integrado de análises de projetos.
Por fim, vale destacar a realização de oficinas participativas de decisão confecção, tarefa
que será realizada praticamente ao longo dos meses de implantação do plano de ação. Os
órgãos da administração pública e a comunidade são os responsáveis, com recursos
relativos à política de rede, equipe transdisciplinar, mídia, software e escritório.
Concluiu-se assim o Plano de Ação Estratégico para o Centro Histórico de Salvador.

CONTRIBUIÇÕES
A principal contribuição do curso foi sem dúvida propor um método analítico focado num
problema central da gestão de uma centralidade urbana patrimonializada. De forma geral, os
planos urbanos e as propostas de intervenção nos sítios acabam elencando problemas que
até podem ser relevantes conforme o contexto da área, mas que não encerram de fato a
causa mais intrínseca da urbe. Ao se identificar a causa matricial dos problemas existentes,
como apresentado no método, é possível agir de uma forma mais eficaz no sentido de
prever ações e planos que lidam com essa causa – e não mais com os problemas
secundários ou terciários advindos desse “core problem”, consequentemente sem esgotar a
raiz respectiva desses problemas.
Também não se pode omitir a grande contribuição dada pelo intercâmbio de comunicação
realizado entre as cidades de estudo da Indonésia, de Curaçau e do Suriname confrontados
com o Brasil. Por exemplo, foi possível perceber uma tônica comum em questões referentes
a investimentos do poder público e do setor privado em planos urbanos e de revitalização
arquitetônica. Assim como, perante o contexto corrente da Covid 19, a coexistência de
conflitos imanentes à situação, como o esvaziamento de público turístico e a redução de
investimentos redistribuídos para ações da saúde. Por outro lado, alguns distúrbios
estruturais também acabam sendo recorrentes entre as nações, tais como uma certa
ineficácia no aparato legal e normativo vinculado à proteção e gestão do patrimônio urbano.
Todavia, uma situação que gerou contraste entre as nações se tratou justamente do setor
turístico. Enquanto para países como Brasil e Curaçau, a questão do turismo foi tratada de
forma cautelosa, visando garantir estratégias de um atividade sustentável e não predatória,
buscando-se ao máximo respeitar a população existente no bairro histórico, no Suriname
viu-se justamente o interesse contrário: em Paramaribo, o objetivo do setor gestor do
patrimônio local é recorrer ao turismo para atrair um novo público de moradores nas áreas
históricas, como estratégia de dinamização econômica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O curso de Estratégias do Patrimônio Urbano trouxe um aparato metódico inovador e bem
preciso que pode ser aplicado a cidades com titulação de patrimônio mundial, assim como a
núcleos urbanos acautelados e que demonstram deficiências em seus processos de gestão
urbana. O foco no problema central do qual emergem propostas de objetivos, de estratégias
e de ações faz com o estudo seja pautado realmente nas raízes problemáticas existentes
em um tecido urbano, tendo como consequência a realização de propostas realistas e
apuradas para solucioná-los, sejam quais forem as suas naturezas e o seu respectivo
contexto político, social e econômico. Não obstante, o estudo de caso feito para o centro
histórico de Salvador evidencia problemas relativos à gestão urbana que são comuns e
recorrentes em análogos sítios protegidos ao longo do Brasil, para além dos contextos que
os emolduram.

BIBLIOGRAFIA
ADRIANO, H. R; BARROS FILHO, E. B; CAROLINO, A. K; CARVALHO, N. A; DIOGO, E. C;
NOVAES, M. Strategic Action Plan of Salvador. Roterdã, 2021.
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Nature Singapure Pte Ltda. Singapore, 2019.
BARNEY, J.B.; HESTERLY, W.S. Administração estratégica e vantagem competitiva:
conceitos e casos. 2017.
BAROSS, P; FORBES, D; GERT-JAN, K. Action Planning. Roterdã, 1991.
CARVALHO, N. M. A. Relatório Final contendo resultado da inserção de pareceres
referentes aos períodos constantes nas duas etapas do trabalho, ou seja, todos os
pareceres analisados pela Fundação Mário Leal Ferreira, conforme definição dada pelo
IPAC, e indicação de cruzamentos, correlações, indicadores e mapeamentos passíveis de
serem obtidos a partir da base de dados criada e revisão metodológica final, relacionados
aos processos e pareceres do ETELF sobre intervenções nos imóveis de Salvador.
Salvador, 2020.
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. Belo
Horizonte: Ed. Annablume. 2009, 380 p.
INSTITUTE FOR HOUSING AND URBAN DEVELOPMENT Studies (IHS). Action Planning
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FRIEND, J; HICKLING, A. Planning under pressure: the strategic choice approach. Oxford:
Pergamon, XIX: 338 p. 1987.
GOETHERT, R; HAMDI, N. Making Microplans. A Community-based process in
programming and development. London: Intermediate Technology Publications, 1988.
HAMDI, N. Small change: about the art of practice and the limits of planning in cities.
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LEVIN, K. Psychology and the Processo of Group Living. 1943. The Journal of Social
Psychology, S.P.S.S.I. Bulletin, 13, 113-131. Iowa, 1943.
SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de
preservação das áreas urbanas no Brasil (1937-1990). 1995. 277 p. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Projeto normas e critérios de intervenção para o
centro histórico de Salvador-BA. Produtos 01 e 03. Salvador, 2018.
UNCHS. Guide for managing change for urban managers and trainers. United Nations
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Disponível em: https://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf. Acesso em 29 de outubro
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Disponível em: https://ich.unesco.org/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf. Acesso em 29 de
outubro de 2019.
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ZANCHETI, Sílvio Mendes; LACERDA, Norma. Plano de Gestão da Conservação Urbana:
conceitos e métodos. Olinda: Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada,
2012. 304 p.
ZARIS, R; CARTER, T; GREEN, I. An action Plan Approach to Strategic Urban Development
Planning. A case study from Idonesia Habitat International Vol12, N. 4, PP13-19. London,
1988.
WATES, N. Action Planning. London: Prince of Wales’s Institute of Architecture, 1996.

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EIXO 2

DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO


INDUSTRIAL
LUTHER, ALINE DE CARVALHO. (1); SORIANO, ANA GABRIELA W. (2); MOTA,
LUCIANA GUERRA S. (3); RODRIGUES, MARCELO HENRIQUE S. (4)
1. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura
R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA, 40210-905
alinemc@ufba.br

2. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura


R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA, 40210-905
gabrielaws@hotmail.com

3. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura


R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA, 40210-905
lucianadguerra@gmail.com

4. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura. Bolsista do Programa Permanecer.


R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA, 40210-905
marcelohsr@ufba.br

RESUMO
Este trabalho apresenta as reflexões e o processo desenvolvidos para a construção de um website
voltado para a documentação do patrimônio arquitetônico industrial. O website baseia-se,
principalmente, na elaboração de um inventário em duas linhas: a primeira voltada aos edifícios e
conjuntos industriais, a partir, inicialmente, da compilação dos exemplares já levantados por diversos
pesquisadores; e a segunda, às intervenções realizadas sobre o patrimônio arquitetônico industrial,
abarcando, em ambas, exemplares nacionais e internacionais.
Os inventários são ferramentas fundamentais ao conhecimento e à documentação inicial do
patrimônio arquitetônico. Um inventário caracteriza-se por ser um instrumento de identificação das
mais distintas manifestações e bens culturais no intuito de promover o reconhecimento e a
valorização que favoreçam a sua preservação, mas é ainda um poderoso recurso de produção de
conhecimento. A coleta e a sistematização de informações a respeito de um determinado bem, a
partir de um conjunto de dados previamente estabelecido, proporcionam não apenas a criação de um
importante banco de dados como, também, viabiliza potencialmente o planejamento, a pesquisa e a
disseminação do valor cultural de uma sociedade.
A intensa difusão do uso da internet, principalmente no contexto da pandemia da COVID-19, fez com
que muitas instituições disponibilizassem seus acervos para que todos tivessem amplo acesso,
mesmo que isolados em suas casas, nas mais distintas localizações. Mesmo antes deste cenário,
muitas instituições já se dedicavam a difundir o patrimônio arquitetônico em websites, como o
Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA), de Portugal, o Património de Origem
Portuguesa (HPIP), o Heritage New Zealand Pouhere Taonga, entre outros.
Neste contexto, o website, objeto desta comunicação, visa concentrar uma grande quantidade de
informações sobre o patrimônio arquitetônico industrial, contribuindo com a difusão do conhecimento
dos exemplares desta arquitetura e despertando o interesse dos órgãos de preservação,
pesquisadores, iniciativa privada, arquitetos e a sociedade em geral para a preservação e a
reutilização deste patrimônio.

Palavras-chave: Inventário Digital do Patrimônio, Patrimônio Arquitetônico Industrial, Intervenções


em Patrimônio Arquitetônico Industrial.
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Introdução

A preservação do patrimônio industrial é um tema relativamente recente e vem sendo


discutido em meio acadêmico desde meados do século XX, quando o termo “arqueologia
industrial” foi amplamente difundido e demolições de importantes testemunhos do processo
de industrialização inglesa ocorreram na década de 1960, gerando mobilizações e protestos
em prol da manutenção dos bens industriais.

Os estudos e esforços para o conhecimento deste patrimônio incentivaram a pesquisa de


edifícios industriais e da história da industrialização em diversos países. Uma consequência
foi a criação do Comitê Internacional para Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH),
em 1978, visando a proteção, promoção e interpretação deste patrimônio. A Carta de Nizhny
Tagil, elaborada no encontro internacional do comitê em 2003, estabelece como “patrimônio
industrial” os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social,
arquitetônico e/ou científico, englobando edifícios e maquinarias, oficinas, minas e locais de
processamento e refinamento, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e
utilização de energia, meios de transporte, e todas as suas estruturas e infra-estruturas, e
locais onde se desenvolvem atividades sociais relacionadas à indústria, como habitações,
locais de culto ou de educação. Nesta carta também foi definida a expressão “arqueologia
industrial", com um conceito mais amplo, abrangendo todos os vestígios ligados à
industrialização.

O que se constata nos dias atuais é a existência de uma grande quantidade de edifícios
industriais que encerraram as suas atividades e se encontram abandonados ou
subutilizados em áreas que estão se tornando cada vez mais valorizadas devido ao
crescimento das cidades. Este fenômeno é responsável pela perda de diversos exemplares
da arquitetura industrial, como observa Kühl (2008, p.38) quando diz que “Esses edifícios,
ou inteiros complexos, estavam (e estão) sob constante ameaça pela sua obsolescência
funcional, pelo crescimento das cidades e pela pressão especulativa imobiliária”.

Sendo considerado um patrimônio recente, muitos edifícios carecem de estudos para sua
documentação enquanto parte da história da industrialização, e análise de seus valores
enquanto patrimônio arquitetônico, tendo em vista que estes serão alvo de demolições ou
alterações para adaptação de sua antiga estrutura para um novo uso. A falta de uma
documentação impede uma análise mais aprofundada, gerando a perda de importante
material histórico como maquinarias e outros elementos que contam a história do local, que
muitas vezes poderiam ter sido apropriados ao projeto de reutilização.

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Ao mesmo tempo, estimulados pelos movimentos recentes de preservação do patrimônio
industrial, inúmeros pesquisadores vêm elegendo uma diversidade de edifícios industriais
como objetos de pesquisa, a maior parte sem proteção legal, gerando uma série de dados
de referência. Porém, esses dados encontram-se pulverizados nos mais diversos tipos de
fontes: dissertações, teses, artigos, livros, sites, etc., tornando difícil uma consulta
sistemática quando se pretende analisar edifícios ou conjuntos industriais ou intervenções
nos mesmos, sendo este último um tema que vem se tornando um alvo de discussões.

Notando esta realidade, foi proposto o desenvolvimento do site


www.patrimonioindustrial.ufba.br, o qual tem o objetivo de catalogar os edifícios e conjuntos
industriais nacionais e internacionais, incluindo intervenções propostas e realizadas,
configurando-se como um grande banco de dados sobre o tema.

A execução de inventários para documentação de edifícios arquitetônicos não é uma


novidade, e já vem ocorrendo há séculos. Entretanto, poucos estão disponíveis na internet,
sendo que a maioria dos inventários digitais é relacionada a edificações legalmente
protegidas. Sendo o patrimônio industrial considerado um tema recente, nota-se que a maior
parte dos exemplares não possuem proteção legal, e por isso há uma grande dificuldade de
encontrar informações sobre estes edifícios. Desta forma, o site visa contribuir com o campo
do patrimônio arquitetônico industrial, auxiliando inúmeros pesquisadores que trabalham na
área.

Os inventários: breve histórico.

Os inventários são ferramentas fundamentais no campo da conservação do patrimônio


cultural. Essencial ao conhecimento e à documentação inicial do patrimônio arquitetônico, é
o primeiro instrumento para a conservação e a preservação dos exemplares cujos valores
sejam reconhecidos de importância para a sociedade. Um inventário caracteriza-se por ser
um instrumento de identificação das mais distintas manifestações e bens culturais no intuito
de promover o reconhecimento e a valorização que favoreçam a sua preservação, mas é
ainda um poderoso recurso de produção de conhecimento. A identificação dos bens, a
coleta e a sistematização de informações a seu respeito, e o registro apropriado destas
informações, a partir de um conjunto de dados previamente estabelecido, proporcionam não
apenas a criação de um importante banco de dados como, também, viabiliza potencialmente
o planejamento, a pesquisa e a disseminação do valor cultural de uma sociedade. Para

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González-Varas (2005, p.77, tradução nossa) “[...] não é possível conceber qualquer ação
de conservação do património cultural se não for partindo do conhecimento prévio, e o mais
exaustivo possível, da realidade dos bens que constituem esse património.” 1

Apesar da difusão dos inventários ocorrer principalmente após o final do século XVIII,
existiram iniciativas anteriores de documentação do patrimônio. No Renascimento a
arquitetura greco-romana foi vastamente estudada, servindo de exemplo para as
construções daquele momento. Antonio Averlino (1400–69/70), chamado “Il Filarete” fez
extensas pesquisas de monumentos antigos em Roma, reconhecendo as grandes
qualidades construtivas e arquitetônicas (Jokilehto, 1999). Em 1521 o editor romano
Iacopus Mazochius publicou a Epigrammata antiquae urbis, contendo estudos epigráficos de
inscrições ou monumentos, tornando-se esta a primeira lista de monumentos protegidos de
Roma. Segundo Jokilehto (1999, p. 44, tradução nossa) “Os primeiros estudos de
antiquários sobre documentos, objetos, tesouros e ‘pedras rúnicas’ antigos começaram na
Suécia no século XVI. Gustavus Adolphus 2 (1594-1632) apoiou esses estudos, incluindo
tours de inventário e, na década de 1630, Antiquários do Estado foram nomeados para o
país.” 3

O período iluminista marcou o interesse pelo estudo arqueológico sistemático e o início das
viagens de estudo, inicialmente na Itália e no Mediterrâneo, passando a outras regiões do
mundo; uma grande quantidade de edifícios foi documentada neste período, porém ainda
não foram desenvolvidas listagens com bens de interesse para a conservação. Parte desta
documentação foi disponibilizada nas enciclopédias, muito difundidas naquele período. A
Revolução Francesa foi, porém, o momento chave para o desenvolvimento de políticas de
conservação, incluindo propostas de inventário e classificação de todo o patrimônio do país.
Em 1793 foi criada a Commission des arts (que substituiu a Commission des monuments),
com a função de “[...] pesquisar e preparar um inventário de todos os objetos ‘úteis para a
educação pública, pertencentes à Nação’.” 4 (Jokilehto, 1999, p.70, tradução nossa).
Diversos inventários foram desenvolvidos na Europa em seguida, principalmente durante o
século XIX.

1 “[...] no es posible concebir ninguna acción de conservación del patrimonio cultural si no es partiendo del
conocimiento previo, y lo más exhaustivo posible, de la realidad de bienes que integran este patrimonio.”
2 N.T. Gustavus Adolphus (1594-1632) foi o rei da Suécia de 1611 a 1632.
3 “The first antiquarian studies on old documents, objects, treasures, and ‘rune stones’ started in Sweden in the

sixteenth century. Gustavus Adolphus (1594–1632) supported these studies, including inventory tours, and, in the
1630s, State Antiquaries were nominated for the country.”
4 “[...] survey and prepare an inventory of all objects ‘useful for public education, belonging to the Nation’.”

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No século XX as chamadas Cartas Patrimoniais, documentos concisos muitas vezes fruto
das discussões desenvolvidas em encontros nacionais e internacionais, oferecem
indicações de caráter geral (Kühl, 2010), e diversas delas abordam a necessidade de
documentação do patrimônio cultural e difusão destas informações. A Carta de Atenas
(1931), primeira carta internacional, indica que “Cada Estado, ou as instituições criadas ou
reconhecidamente competentes para esse trabalho, publique um inventário dos documentos
históricos nacionais, acompanhado de fotografia e informações;” (Cury, 2004, p. 17)
indicando ainda a necessidade da constituição de arquivos para reunir os documentos
referentes aos seus monumentos históricos. A Recomendação de Nairóbi, de 1976, indica a
necessidade de estabelecer-se “[...] nos níveis nacional, regional ou local, uma relação dos
conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência a serem salvaguardados. [...] Além
disso, deveria ser realizado [...] um inventário dos espaços abertos, públicos e privados,
assim como de sua vegetação.” (Cury, 2004, p. 225). Observa-se que a questão da
realização dos inventários além de ser presente nas cartas patrimoniais também vem sendo
ampliada, de acordo com as discussões vigentes no momento.

Diversos modelos de inventários foram desenvolvidos no século XX, buscando a


padronização das informações levantadas. Vários países desenvolveram padrões, podendo-
se ressaltar os formulários desenvolvidos pelo Conselho da Europa (Council of Europe) para
seus estados membros através dos seus trabalhos desenvolvidos na década de 1960. Estes
foram apresentados por Hiroshi Daifuku em 1972 no livro Preserving and restoring
monuments and historic buildings, da UNESCO. Os formulários do Conselho da Europa
serviram de base para o desenvolvimento do Inventário de Proteção do Acervo Cultural da
Bahia, também conhecido como IPAC/SIC, desenvolvido na década de 1970 , iniciativa
pioneira no Brasil. Além disso, estudos foram desenvolvidos para compreender os diversos
inventários realizados ao redor do globo. Cabe destacar o manual desenvolvido por
Meredith H. Sykes pela UNESCO, Manual on systems of inventorying immovable cultural
properties, em 1984, que estudou inventários de 11 localidades (10 países e a cidade de
Nova Iorque), com o objetivo de analisar os sistemas de inventário escolhidos pelo encontro
de Paris organizado pelo ICOMOS em 1980 como representativos de diferentes
necessidades e condições no mundo, abordando diferentes aspectos, como métodos, dados
coletados, uso de ferramentas computacionais, etc.

No Brasil, em 1975 foi lançado o primeiro volume do IPAC/SIC, coordenado pelo arquiteto
Paulo Ormindo de Azevedo, através da Secretaria da Indústria e Comércio/Coordenação de
Fomento ao Turismo, do Governo do Estado da Bahia. Foram realizados, a partir de então,

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7 volumes, sendo o último publicado no ano de 2002, cada um com foco em uma região da
Bahia. Segundo Sampaio (2013, p. 06) este inventário “[...] serviu de base para a
implantação das políticas de inventários do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio
de Janeiro/INEPAC no início da década de 1980, da Fundação para o Desenvolvimento da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro/FUNDREM [...]”. Inicialmente a realização dos
inventários não foi um foco do órgão nacional de preservação, o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), antigo SPHAN, criado em 1936, que documentou
apenas os bens de caráter excepcional, dentro da política de tombamento (Soares; Amaral,
2011). Apenas na década de 1980 o órgão iniciou o desenvolvimento de pesquisas em
relação a bens não tombados, com caráter de inventários de reconhecimento (Luckow;
Neutzling; Oliveira, 2021).

O uso das ferramentas digitais para a realização dos inventários já vem desde a segunda
metade do século XX. Segundo Cameron (1986) o primeiro inventário arquitetônico
computadorizado foi desenvolvido pelo Canadian Inventory of Historic Building em 1970,
com o objetivo de ser uma ferramenta de pesquisa e planejamento do patrimônio
canadense. Em 1972, Hiroshi Daifuku já apontava para a possibilidade de realização de
inventários computadorizados, defendendo que “[... ] eles facilitariam o armazenamento de
registros, a previsão de orçamento e necessidades de pessoal e permitiriam uma resposta
mais rápida quando a salvaguarda, a manutenção ou a reconstrução fossem necessárias.” 5
(Daifuku, 1972, p. 40, tradução nossa). Pouco mais de 10 anos depois, em 1984, dos 11
inventários analisados por Sykes, cinco já utilizavam ferramentas digitais, quatro estavam
em desenvolvimento e apenas dois não usavam ou planejavam utilizá-las. No período que
se seguiu até os dias atuais, grande parte dos inventários foi digitalizada.

Uso da internet na publicização de inventários

A internet é uma ferramenta que surgiu na década de 1980, tendo sua maior divulgação a
partir da década de 1990. Devido à facilidade de acesso, principalmente nos últimos anos,
tornou-se importante na democratização da informação. Principalmente desde a década de
1990, observa-se um crescimento dos conteúdos disponibilizados online e o uso cada vez
mais acentuado da internet, seja para trabalho ou lazer. Atualmente é cada vez mais
necessária para a realização de atividades laborais e educacionais, principalmente após o

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advento da COVID-19, que acelerou o processo do desenvolvimento das atividades em
home office, observando-se, desta forma, um uso mais intenso e frequente dessa
ferramenta.

No campo do patrimônio cultural, a internet proporcionou um aumento da difusão das


informações sobre os bens, além da possibilidade de ampliação dos debates teóricos e das
discussões e defesas em prol dos bens culturais. Neste contexto da difusão, tem grande
relevância a disponibilização dos inventários na internet, possibilitando o conhecimento de
exemplares significativos do patrimônio cultural, muitas vezes localizando-os e facilitando a
visita a estes exemplares. A disponibilização desses inventários “[...] foi um processo
gradual iniciado com a digitalização direta dos textos existentes, progrediu para a conversão
de coleções escritas para tabelas consultáveis com base na estrutura do inventário original e
evoluíram para incluir sistemas que foram desde o início concebidos como recursos
baseados na web.” 6 (Laefer; Morrish, 2009, p. 01, tradução nossa). Não foram encontradas
informações sobre os primeiros inventários disponibilizados na internet, porém foram
encontradas referências que apontam para tal já na década de 1990.

O inventário do Sistema de Informação para o Patrimônio Arquitetônico (SIPA) foi


desenvolvido no âmbito do Estado e integrado em julho de 2015 na Direção-Geral do
Patrimônio Cultural (DGPC), sendo o maior repositório digital de documentação de
arquitetura em Portugal. Este inventário foi disponibilizado ao público em 1993 pela
Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais no site www.monumentos.gov.pt;
em 2003 foi premiado na categoria de Melhor Prestação de Serviço Online do Prêmio das
Boas Práticas na Administração Central e Local (Noé, 2016). Também em Portugal, pouco
tempo depois, em 1997, a Direção Regional da Cultura da Região Autônoma dos Açores
começou a disponibilizar o inventário do patrimônio imóvel, com bens classificados ou não,
parcialmente, ao público em edição impressa e online; porém, segundo Noé (2016), o
projeto foi interrompido.

Segundo Laefer e Morrish (2009), o English Heritage começou a digitalizar e disponibilizar


na web o set de 45 volumes de inventários em 1999 e, depois de 10 anos, já havia
conseguido disponibilizar 32 deles eletronicamente. Esta interface para a internet do
inventário do English Heritage não desenvolveu ainda um formato completamente online,

5 “[...] they would facilitate the keeping of records, the forecasting of budget and staff requirements, and allow a
more prompt response when safeguarding, maintenance or reconstruction is needed.”
6
“[...] has been a gradual process that began with the direct digitisation of existing texts, progressed to the
conversion of written collections to queriable tables based on the structure of the original inventory, and evolved
to include systems that were from their inception conceived as web-based resources.”

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apresentando os livros digitalizados com capítulos e imagens com hiperlinks, oferecendo
suporte a pesquisas de texto. Em 2015 o English Heritage foi separado em duas
organizações: o English Heritage Charity e o Historic England, sendo que os inventários de
edifícios listados encontram-se no segundo.

Outra iniciativa portuguesa interessante é o site do Património de Origem Portuguesa


(HPIP). A Fundação Calouste Gulbenkian (junto a uma equipe de acadêmicos) desenvolveu
um inventário, contando com dados de mais de 500 localidades, distribuídas pela América
do Sul, África, Mar Vermelho e Golfo Pérsico, Ásia e Oceania, entre 2007 e 2011. Esta
fundação produziu em seguida o portal online (https://hpip.org/pt), disponibilizado em 2012,
transferindo posteriormente a sua gestão para o ambiente acadêmico. As fichas podem ser
acessadas por várias entradas, inclusive através dos mapas, onde se encontram marcados.

A Nova Zelândia fornece informações sobre todos os seus monumentos tombados no site
Heritage New Zealand Pouhere Taonga (heritage.org.nz). A pesquisa pode ser feita pelo
nome do monumento, endereço, numeração do registro de tombamento ou ainda através de
um mapa disponível que localiza todos os monumentos dentro do país. Todos os caminhos
podem levar às fichas, onde pode-se encontrar informações e imagens dos locais. No site é
possível encontrar por volta de 6000 exemplares. O site é organizado pela Agência Nacional
do patrimônio Histórico, ligada ao governo e vem sendo constantemente atualizado.

No Brasil, também não foram encontradas referências sobre o início da disponibilização de


inventários na internet. O site Estações Ferroviárias do Brasil
(www.estacoesferroviarias.com.br), que apresenta a história de cada estação de todos os
estados brasileiros, foi criado em 2001, sendo a primeira página online encontrada a
trabalhar com este tipo de informação.

O Banco de Dados Internacional sobre Fortificações (fortalezas.org) teve sua plataforma


digital desenvolvida a partir de 1999 e foi lançada na internet em 2008, sendo mantida
atualmente pela Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina (CFISC), setor
vinculado à Secretaria de Cultura e Arte (SeCArte) da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). O banco de dados disponibiliza mais de 2.500 construções registradas
(UFSC, 2021).

Os bens tombados pelo IPHAN podem ser encontrados na página do Arquivo Noronha
Santos (http://portal.iphan.gov.br/ans/). É possível encontrar os monumentos procurando
nas listas separadas por livro (Livro Arqueológico, Etonográfico e Paisagístico, Livro

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Histórico, Livro das Belas Artes e Livro das Artes Aplicadas,) ou a partir de uma busca
inserindo informações como palavra-chave, ano ou local. Só é possível consultar as
inscrições feitas até 2003, sugerindo que o site não sofre atualizações. No total existem
1362 inscrições disponíveis. As fichas são sucintas, apresentando uma breve descrição e
não possui fotos. Também não há mapas disponíveis com a localização. Não foram
encontradas informações sobre o início da disponibilização das informações no site, mas
sabe-se que em 2011 este já estava em funcionamento.

Em 2018 foi criado o site iPatrimônio (www.ipatrimonio.org), projeto voluntário “[...]


elaborado com o objetivo de se tornar uma plataforma colaborativa para conhecimento do
Patrimônio Cultural Brasileiro, geolocalizando na internet os bens reconhecidos pelos órgãos
responsáveis.” (O iPatrimônio, s.d). A ideia de ser um trabalho colaborativo, onde qualquer
pessoa possa disponibilizar informações sobre os bens é bastante interessante, gerando
uma certa interatividade entre site e usuário, semelhante ao tão popular site do Wikipédia. O
único porém é que este formato, apesar de passar por alguma revisão, está mais sujeito a
difundir informações equivocadas, sem desmerecer em nenhum grau a iniciativa. Este
formato pode ser de grande ajuda na formação de grandes bancos de dados.

No contexto atual, observa-se cada vez mais um maior uso da internet na difusão de
conteúdo. De acordo com dados disponibilizados pela CETIC (cetic.br) na 2ª edição do
Painel TIC COVID-19 na Tabela C8W, referente a usuários de internet, por atividades
realizadas na internet - educação e trabalho, considerando o público com idade a partir de
16 anos, 55% da população realizou atividades ou pesquisas escolares, 56% estudou na
Internet por conta própria e 51% realizou atividades de trabalho A disponibilização de
informações relativas à salvaguarda do patrimônio cultural, a exemplo dos inventários, na
rede mundial de computadores, é uma prática necessária tendo em vista não só uma
difusão da informação a nível internacional, como também, segue a tendência do aumento
do trabalho em home-office, que vem sendo ampliada após a experiência vivida durante a
pandemia da COVID-19 quando empresas foram forçadas a se adaptar para o trabalho
remoto.

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Construção da proposta para o site

O site “Patrimônio Arquitetônico Industrial” surgiu da vontade de disponibilizar as pesquisas


desenvolvidas e em desenvolvimento pelas professoras da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) Aline de Carvalho, Ana Gabriela Soriano e Luciana
Mota, no ano de 2019. No momento da criação do site, as professoras ainda não
desenvolviam um trabalho em conjunto, passando, a partir deste momento, a formar um
grupo de estudos sobre o patrimônio arquitetônico industrial.

A construção da interface do site foi feita em parceria com os funcionários da


Superintendência da Tecnologia da Informação da UFBA (STI) e o site é hospedado e
publicado dentro da rede da Universidade.

Durante o desenvolvimento do site, decidiu-se ampliar o universo dos exemplares


catalogados para além das pesquisas desenvolvidas pelos membros do grupo, decidindo-se
disponibilizar, em formato de fichas, informações já encontradas em outros trabalhos (sites,
artigos, monografias, dissertações, teses, etc.), com o intuito de criar um grande banco de
dados, concentrando uma grande quantidade de informações sobre o patrimônio
arquitetônico industrial.

A ideia é seguir ampliando o site de maneira contínua, inserindo os dados encontrados no


formato desenvolvido para o site, como um grande inventário do patrimônio arquitetônico
industrial e das intervenções em edifícios e conjuntos industriais. Além de compilar o
máximo de dados sobre edifícios industriais, objetiva-se contribuir com a difusão do
conhecimento dos exemplares desta arquitetura e despertar o interesse dos órgãos de
preservação, pesquisadores, iniciativa privada, arquitetos e a sociedade em geral para a
preservação e a reutilização deste patrimônio.

Desta forma, o site foi desenvolvido a partir da seguinte estrutura: Apresentação /


Inventários / Intervenções / Pesquisadores / Produção científica / Atividades / Links,
conforme mostra a Figura 1. Com o intuito de garantir uma estrutura sistematizada das
informações sobre o patrimônio industrial, uma utilização e uma navegação simples e de
fácil apreensão para o usuário, o website se propõe a organizar os edifícios e conjuntos
industriais de acordo com sua localização. Apenas as abas referentes aos Inventários e às
Intervenções apresentam diversas subdivisões antes de acessar as fichas sobre os edifícios
especificamente. Ambas estão subdivididas em países, estados e cidades, para, enfim,
chegar nas fichas referentes a cada edifício ou conjunto industrial.

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Figura 1 - Abertura do site. Fonte: Site Patrimônio Arquitetônico Industrial, 2021.

Para a composição das fichas de inventário, foi elencada uma série de itens que pudessem
registrar informações relevantes acerca do patrimônio levantado, destacando aspectos
ligados à sua caracterização histórica e arquitetônica, além de seu estado físico atual.
Nesse sentido, dados sobre áreas, usos, descrição de elementos componentes da
construção, informações históricas e identificação de proteção legal do edifício, entre outros,
possibilitam um conhecimento e registro do patrimônio industrial para sua difusão (Figura 2).
As fichas de intervenção apresentam quase todas as informações constantes nas fichas de
inventário, porém o foco, nestes casos, é na intervenção, como arquitetos que realizaram o
projeto e descrição da intervenção (Figura 3).

Num primeiro momento foi dada uma ênfase maior aos edifícios situados na cidade de
Salvador, em especial na região da Península de Itapagipe, e na região do Recôncavo
Baiano, baseando-se em informações contidas na dissertação de mestrado em arquitetura
de Aline de Carvalho intitulada Patrimônio Arquitetônico Industrial na Península de
Itapagipe: um estudo para preservação (2012) e na tese de doutorado em arquitetura de
Luciana Mota com o título Manufaturas de Fumo do Recôncavo Baiano: vestígios de
Patrimônio Industrial (2014).

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Figura 2 - Ficha da Empresa Têxtil da Bahia. Fonte: Site Patrimônio Arquitetônico Industrial, 2021.

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Figura 3 - Ficha do Museo del patrimonio industriale di Bologna. Fonte: Site Patrimônio Arquitetônico
Industrial, 2021.

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A disponibilização de documentos obtidos através de pesquisas realizadas pelas respectivas
autoras também auxiliou no processo de catalogar, inicialmente, edifícios e conjuntos
industriais situados fora do Brasil contribuindo para a ampliação da documentação e difusão
das informações disponibilizadas pelo site.

Dando seguimento à catalogação dos edifícios e conjuntos industriais situados no Estado da


Bahia, estão sendo preenchidas as fichas referentes aos bens listados pelo IPAC-SIC,
incluindo os proto-industriais. Em seguida, serão processadas as informações referentes
aos edifícios e conjuntos relacionados à indústria do açúcar, encontrados no livro de
Azevedo (1990), a fábrica de tecidos São Brás a partir da dissertação de Castore (2013) e
as estações ferroviárias, registradas por Fernandes (2006). A partir daí serão selecionadas
outras bibliografias de referência ampliando os exemplares para outros estados do Brasil e
para outros países.

Na segunda linha das fichas disponibilizadas no site, de intervenções realizadas em edifícios


e conjuntos industriais, serão inicialmente disponibilizadas as fichas referentes às
intervenções levantadas por Aline de Carvalho e Gabriela Soriano em suas teses de
doutorado, atualmente em andamento. As principais intervenções realizadas no Brasil, como
o Solar do Unhão e a Cinemateca Brasileira, serão também inseridas já neste primeiro
momento, considerando que muitas informações estão disponíveis em trabalhos e sites.

Considerações Finais

O site www.patrimonioindustrial.ufba.br foi disponibilizado no mês de outubro de 2021,


contando com 58 fichas, inicialmente. O histórico do trabalho individual ao longo de alguns
anos das pesquisadoras participantes do projeto trouxe como consequência a coleta de uma
grande quantidade de informação sobre edifícios e conjuntos industriais de diversas
localidades, e o ambiente de cooperação proporcionou a efetivação de um projeto
ambicioso.

Pretende-se que, até o final deste ano, o site tenha em torno de 100 fichas disponíveis para
consulta e que este seja constantemente alimentado com novas informações e
atualizações. Assim, espera-se contribuir com inúmeros pesquisadores que vêm atuando na
área de patrimônio industrial, buscando a conscientização da sociedade para a sua
preservação.

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set. 2021.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

IMAGENS DE ARQUITETURAS POPULARES COMO AMPLIADORAS DE


POSSIBILIDADES HISTORIOGRÁFICAS

Pedro Levorin (omi.pedro@gmail.com)

O presente resumo traz questões desenvolvidas na monografia Incorporações:


Imagem e materialidade de arquiteturas populares em sertões da Bahia (2020).
A pesquisa procura investigar questões historiográficas, políticas, sociais e
econômicas do país através de fachadas de platibandas contemporâneas,
observadas em três municípios baianos: Monte Santo, Uauá e Curaçá. Tem
como metodologia principal a análise e produção fotográficas desta tipologia,
que passou por significativas transformações técnicas, materiais e, por isso,
estéticas nas últimas duas décadas.

Parte-se do extenso material fotográfico que a soteropolitana Anna


Mariani produziu entre os anos de 1970 e 1990, e da conceituação estruturada
pela arquiteta pernambucana Maria de Bethania Brendle entre 1994 e 1996,
que corroboram para observar a produção de fachadas de platibanda como
elaborações arquitetônicas de fatores sociais, econômicos, históricos, técnicos
e compositivos. Estas construções são um fato cultural recorrente, que se
mantém como uma prática popular em construções autogeridas ao longo do
século XX (BRENDLE, 1996; MARIANI, 2010) e que, neste contexto, podem
ser enxergadas como elemento que catalisa uma ação ligada à expressividade
plástica e visual. São planos que se comportam como suportes para
composições e caracterização tipológica, em que no passado se
caracterizavam por formas moldadas em alto relevo e pintura a cal (BRENDLE,
1996; MARIANI, 2010).

As casas fotografadas ao longo de 2019 em cidades e povoados,


possuem materiais industrializados na composição, como revestimentos
cerâmicos, janelas e grades metálicas. Os padrões modulares de porcelanato
criam, em sua maioria, malhas ortogonais e trazem em si imagens impressas
com tons saturados. Estas características são responsáveis pela estruturação
dos arranjos visuais que, mesmo sob a rigidez técnica de cada peça, criam
visualidades específicas pela maneira como são arranjadas e assentadas
sobre a fachada. Programas sociais, medidas econômicas adotadas e
desenvolvidas durante os dois mandatos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-
2010) são discutidas a partir de uma análise da imagem que tais fachadas
apresentam. As fachadas são observadas como manifestações individuais de
expressividade estética e construtiva, e que elaboram em si a inserção
socioeconômica de parte da população em dinâmicas do mercado nacional.
Percebe-se uma nova capacidade de consumo e a interiorização de materiais
produzidos pelo setor da construção civil.

Por meio dos caminhos que as fontes visuais trazem, procura-se aqui
debater a importância cultural de bens que não se inserem como patrimônio
dentro de perspectivas institucionais e que eventualmente são ignorados em
contextos acadêmicos. Ao propor a catalogação de fachadas de platibandas
contemporâneas, procura-se dar sequência a uma historiografia da tipologia,
de modo que esferas políticas, econômicas e sociais possam integrar olhares
sobre estas manifestações construtivas.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A VILA ITORORÓ EM SÃO PAULO - UM CASO-LIMITE PARA A


DOCUMENTAÇÃO ARQUITETÔNICA

Benjamim Saviane (benjamim@institutopedra.org.br)

Conjunto arquitetônico localizado na região da Bela Vista (centro de São


Paulo), a Vila Itororó foi construída como um empreendimento privado no início
do séc. XX e, em grande parte de sua história, abrigou processos de
construção e ocupação muito peculiares. Sua arquitetura, que se manifesta
como exemplar de um ecletismo tardio e composição diletante, passou a
despertar a atenção especializada dos arquitetos a partir dos anos 1970,
quando teve início a elaboração de projetos de intervenção e requalificação de
uso, ocasionando discussões sobre o tombamento, já nos anos 1980.

Após uma polêmica desocupação dos moradores que lá viveram, ocorrida em


2013, o conjunto foi alvo de ações de restauração. Por um lado, essas ações
se depararam com um tecido social tensionado em virtude dos litígios sociais,
surtindo influência na percepção do conjunto arquitetônico; por outro lado, o
processo de apropriação em relação à materialidade existente revelou
consideráveis lacunas de conhecimento sobre o objeto, conduzindo a ações
sistemáticas de levantamento métrico-arquitetônico em meio à implantação de
um canteiro de obras.

O recente percurso de alguns anos (2015-2017) promoveu um intenso ciclo de


investigações, trazendo à luz tanto indícios de elaboração projetual na origem
da concepção do conjunto, quanto um processo de autoconstrução que
conviveu com aqueles primeiros intentos de projeto, inicialmente
experimentando técnicas construtivas ainda pouco exploradas, como a laje
deployé e o concreto ciclópico, e mesclando sistemas estruturais cimentícios e
metálicos devido, em muitos casos, à necessidade de reutilização de material
proveniente de demolições, por exemplo. Nota-se, entretanto, que o fenômeno
da autoconstrução vai além de um período inicial (1910-1920) e permeia toda a
história da Vila Itororó, sendo ativamente responsável pela atual configuração
do conjunto, em relevância paritária com os primeiros projetos.

A constatação desse fenômeno construtivo “orgânico” permitiu questionar as


noções de "autoria" e "projeto original" que, de certa forma, nortearam as
visões de projeto desenvolvidas desde os anos 1970, alterando a relação de
valores culturais levada em conta nas recentes intervenções. Desta feita,
ressalta-se que o estudo direto do objeto (por meio do levantamento métrico-
arquitetônico) aliado a fontes documentais, conduziram a uma nova
compreensão histórico-crítica e, portanto, a significativas revisões de projeto.

Com o estudo desse caso, estima-se que o estudo da Vila Itororó, bem como a
discussão das recentes ações de documentação que a envolveram, possam
oferecer contributos consistentes para a percepção do relevado papel que o
levantamento arquitetônico pode assumir em um projeto de restauração,
podendo conduzir até mesmo a mudanças de partido projetual. É nesse sentido
que se propõe a compreensão da Vila Itororó como um caso-limite para a
documentação arquitetônica.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO


INDUSTRIAL

Aline De Carvalho Luther (alinemc@ufba.br)

Ana Gabriela Wanderley Soriano (gabrielaws@hotmail.com)

Luciana Guerra Santos Mota (luciana.guerra@ufba.br)

Marcelo Henrique Silva Rodrigues (marcelohsr@ufba.br)

Este trabalho apresenta as reflexões e o processo desenvolvidos para a


construção de um website voltado para a documentação do patrimônio
arquitetônico industrial. O website baseia-se, principalmente, na elaboração de
um inventário em duas linhas: a primeira voltada aos edifícios e conjuntos
industriais, a partir, inicialmente, da compilação dos exemplares já levantados
por diversos pesquisadores; e a segunda, às intervenções realizadas sobre o
patrimônio arquitetônico industrial, abarcando, em ambas, exemplares
nacionais e internacionais.

Os inventários são ferramentas fundamentais ao conhecimento e à


documentação inicial do patrimônio arquitetônico. Um inventário caracteriza-se
por ser um instrumento de identificação das mais distintas manifestações e
bens culturais no intuito de promover o reconhecimento e a valorização que
favoreçam a sua preservação, mas é ainda um poderoso recurso de produção
de conhecimento. A coleta e a sistematização de informações a respeito de um
determinado bem, a partir de um conjunto de dados previamente estabelecido,
proporcionam não apenas a criação de um importante banco de dados como,
também, viabiliza potencialmente o planejamento, a pesquisa e a disseminação
do valor cultural de uma sociedade.

A intensa difusão do uso da internet, principalmente no contexto da pandemia


da COVID-19, fez com que muitas instituições disponibilizassem seus acervos
para que todos tivessem amplo acesso, mesmo que isolados em suas casas,
nas mais distintas localizações. Mesmo antes deste cenário, muitas instituições
já se dedicavam a difundir o patrimônio arquitetônico em websites, como o
Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA), de Portugal, o
Património de Origem Portuguesa (HPIP), o Heritage New Zealand Pouhere
Taonga, entre outros.

Neste contexto, o website, objeto desta comunicação, visa concentrar uma


grande quantidade de informações sobre o patrimônio arquitetônico industrial,
contribuindo com a difusão do conhecimento dos exemplares desta arquitetura
e despertando o interesse dos órgãos de preservação, pesquisadores, iniciativa
privada, arquitetos e a sociedade em geral para a preservação e a reutilização
deste patrimônio.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

COMPREENDER PARA DOCUMENTAR: EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE


PROJETO DE INTERVENÇÕES EM ÁREAS HISTÓRICAS DO SEMIÁRIDO.

Mirela Davi De Melo (mireladavi.m@gmail.com)

Filipe Valentim Afonso (valentim.filipe@gmail.com)

Assim como na prática profissional, no âmbito acadêmico o ensino de projeto


em áreas de interesse histórico e valor patrimonial tem como ponto de partida o
levantamento físico e a compreensão do lugar a ser trabalhado. Trazendo um
enfoque sobre esta etapa inicial, neste artigo buscamos apresentar a
metodologia empregada para o diagnóstico de objetos de estudo selecionados
para a unidade curricular Projeto de Intervenções em Áreas Históricas,
ministrada na Faculdade Santa Maria, instituição localizada em Cajazeiras, no
sertão da Paraíba. A metodologia consiste nos seguintes procedimentos:
levantamento histórico, legal e físico; elaboração de mapa de danos, de
maquetes digitais, tanto da obra a ser trabalhada, quanto de seu entorno; e
organização de mapas temáticos que visam o entendimento urbano e social
das proximidades. Mais do que uma simples descrição sequencial destas
táticas, procuramos apontar dois diferenciais percebidos nestas experiências.
Primeiro, a dinâmica colaborativa dos discentes na construção destes dados. E
segundo, a rica contribuição destes levantamentos para o registro e visibilidade
de bens de caráter histórico pouco (re)conhecidos em seus contextos. Com
efeito, é importante considerar que muitos dos objetos de estudo abordados se
situam em cidades do interior do semiárido, as quais, além do pequeno porte,
raras vezes contam com um sistema de preservação e de documentação dos
seus patrimônios funcionando de modo efetivo e sistemático. Assim, através
deste relato de experiência, almejamos elucidar alguns desafios no ensino de
projeto nestas regiões e, principalmente, o papel da documentação como etapa
basilar do processo projetual em áreas históricas.
EIXO TEMÁTICO 4 - A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO
COMPREENDER PARA DOCUMENTAR: Experiências no ensino de
projeto de intervenções em áreas históricas do semiárido

MELO, MIRELA DAVI DE (1); AFONSO, FILIPE VALENTIM (2)


1. Faculdade Santa Maria. Arquitetura e Urbanismo
mireladavi.m@gmail.com
E-mail

2. Faculdade Santa Maria. Arquitetura e Urbanismo


valentim.filipe@gmail.com
E-mail

RESUMO
Assim como na prática profissional, no âmbito acadêmico o ensino de projeto em áreas de interesse
histórico e valor patrimonial tem como ponto de partida o levantamento físico e a compreensão do
lugar a ser trabalhado. Trazendo um enfoque sobre esta etapa inicial, neste artigo buscamos
apresentar a metodologia empregada para o diagnóstico de objetos de estudo selecionados para a
unidade curricular Projeto de Intervenções em Áreas Históricas, ministrada na Faculdade Santa
Maria, instituição localizada em Cajazeiras, no sertão da Paraíba. A metodologia consiste nos
seguintes procedimentos: levantamento histórico, legal e físico; elaboração de mapa de danos, de
maquetes digitais, tanto da obra a ser trabalhada, quanto de seu entorno; e organização de mapas
temáticos que visam o entendimento urbano e social das proximidades. Mais do que uma simples
descrição sequencial destas táticas, procuramos apontar dois diferenciais percebidos nestas
experiências. Primeiro, a dinâmica colaborativa dos discentes na construção destes dados. E
segundo, a rica contribuição destes levantamentos para o registro e visibilidade de bens de caráter
histórico pouco (re)conhecidos em seus contextos. Com efeito, é importante considerar que muitos
dos objetos de estudo abordados se situam em cidades do interior do semiárido, as quais, além do
pequeno porte, raras vezes contam com um sistema de preservação e de documentação dos seus
patrimônios funcionando de modo efetivo e sistemático. Assim, através deste relato de experiência,
almejamos elucidar alguns desafios no ensino de projeto nestas regiões e, principalmente, o papel da
documentação como etapa basilar do processo projetual em áreas históricas.
Palavras-chave: Intervenções em áreas históricas; ensino de projeto; metodologia de diagnóstico;
documentação; semiárido.
INTRODUÇÃO

Assim como na prática profissional, no âmbito acadêmico o ensino de projeto em áreas de


interesse histórico e valor patrimonial tem como ponto de partida o levantamento físico e a
compreensão do lugar a ser trabalhado. Seja em projetos que visam a restauração e
consolidação de edificações em estado de arruinamento, ou seja em inserções de novas
construções anexas a construções antigas – o entendimento das preexistências é a base
para uma intervenção harmônica, tal qual preconiza a Carta de Veneza (1964).

Trazendo um enfoque sobre esta etapa inicial de leitura e compreensão das áreas
históricas, neste artigo buscamos apresentar a metodologia empregada para o diagnóstico
de objetos de estudos selecionados para a unidade curricular Projeto de Intervenções em
Áreas Históricas (PIAH), ministrada na Faculdade Santa Maria, instituição localizada em
Cajazeiras, no sertão da Paraíba. Mais especificamente, trazemos como recorte, a
experiência desta disciplina com 5 turmas, ao longo dos anos de 2020 e 2021, que
corresponde a um período de ensino remoto, em razão da pandemia de COVID-19, a qual
inviabilizou as aulas presenciais.

A disciplina, ofertada no oitavo semestre do curso de bacharelado em Arquitetura e


Urbanismo, caracteriza-se pela elaboração de projeto de intervenção em áreas históricas
por meio da aplicação de técnicas e regulamentações sobre a preservação, restauração,
reabilitação e revitalização dos espaços de interesse patrimonial em concordância com os
determinantes econômicos, sociais, culturais e físico-espaciais, tecnológicos e estéticos
existentes. Para tanto, é necessário um amplo conhecimento e leitura da edificação e do seu
entorno, estudo este realizado ao longo de 4 a 5 semanas, no início da unidade curricular,
antes de qualquer concepção preliminar do projeto.

Em relação à classificação metodológica deste artigo aplicamos recursos típicos à pesquisa


descritiva, visto que ao longo do texto traremos um relato de prática – isto é,
apresentaremos dados primários retrospectivos acerca de uma situação vivenciada pelos
autores (GONSALVES, 2007). No entanto, mais do que uma simples descrição sequencial
da metodologia de ensino empregada nos diagnósticos, procuramos apontar dois
diferenciais percebidos nestas experiências. Primeiro, a dinâmica colaborativa dos discentes
na construção destes dados, os quais trabalham em grandes grupos que produzem
materiais em comum, que serão partilhados por entre outros alunos durante a fase de
elaboração do projeto.

E segundo, a rica contribuição destes levantamentos para o registro e visibilidade de bens


de caráter histórico pouco (re)conhecidos em seus contextos. Com efeito, é importante

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considerar que o referido curso de graduação situa-se num município localizado no extremo
ocidental da Paraíba, quase em divisa com o Estado do Ceará, na mesorregião do Sertão
Paraibano. Este aspecto de sua geografia justifica o fato de que os objetos de estudos
abordados, os quais são escolhidos pelos alunos, se situam em cidades do interior do
semiárido, muitas delas de pequeno porte e que raras vezes contam com um sistema de
preservação e de documentação dos seus patrimônios funcionando de modo efetivo e
sistemático.

Para enfatizar tal aspecto, segundo dados do IPHAEP apenas 5 cidades do sertão
paraibano apresentam seus Centros Históricos protegidos1, sendo uma delas Cajazeiras, e
outras duas, São João do Rio do Peixe e Sousa, as quais são próximas à primeira. Não à
toa, edificações históricas em tais localidades são selecionadas por diversas vezes como
objetos de estudos: são cidades com bens patrimoniais, muitas vezes pouco explorados ou
(re)conhecidos, e correspondem às moradias de diversos estudantes ou membros de suas
famílias, carregando, portanto, algum valor afetivo às memórias destes.

Diante destas reflexões iniciais, que visam explicar e contextualizar as motivações para a
construção deste texto, cabe esclarecer a forma como o conteúdo será estruturado.
Inicialmente traremos uma discussão mais teórica e conceitual sobre o sertão, a cidade
sertaneja e o patrimônio existente neste contexto, a fim de melhor embasar a relevância da
metodologia de diagnóstico adotada e a importância da documentação deste acervo
arquitetônico. Em seguida abordaremos os procedimentos para o estudo da área histórica a
ser trabalhada: o levantamento histórico e legal; o levantamento físico, a elaboração de
mapa de danos e de maquetes digitais, tanto da obra a ser trabalhada, quanto de seu
entorno; a organização de mapas temáticos que visam o entendimento urbano e social das
proximidades.

PATRIMÔNIO NO SERTÃO: um debate necessário

Para entender o contexto em que a prática que será elucidada acontece, é preciso apontar
algumas características e dinâmicas presentes nas cidades sertanejas, especialmente
aquelas localizadas no interior dos estados da Paraíba e do Ceará. Segundo Buriti e Aguiar
(2008), o sertão nordestino é uma região caracterizada pelo bioma da caatinga e que dentre
as cinco macrorregiões geográficas do Brasil, é a que possui mais contrastes nos âmbitos

1
Conforme consta no site oficial do IPHAEP, no estado da Paraíba tem-se 15 municípios com centros históricos
tombados, sendo 5 deles no sertão: Cajazeiras (Dec. 25.140 de 29 de Jun 2004), Pombal (Dec. 22.913 de 04
Abr 2002), Princesa Isabel ( Dec. 26.099 de 05 Ago 2005), São João do Rio do Peixe ( Dec. 22.917 de 04 Abr
2002) e Sousa ( Dec. 258.030 de 14 Mai 2004).
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social, econômico, cultural e ecológico. Devido aos fatores climáticos e econômicos da
região, há uma preocupação evidente em se pensar políticas públicas voltadas para a
exploração das zonas agrícolas, almejando o desenvolvimento do setor econômico e o
combate à seca nessa área.

Seguindo por esse viés, notamos que há uma recorrência na literatura e na mídia em
representar o sertão como lugar de seca e pobreza, onde os habitantes das zonas rurais, e
até mesmo das cidades, abandonam a região em busca de outras áreas para viver. De
acordo com Buriti e Aguiar (2008, p. 12), nas representações midiáticas e literárias “[...] a
seca é situada como a causa de todos os “pavores” na vida dos sertanejos [...]”, essa
característica peculiar do clima do semiárido nordestino é difundida como algo que
inviabiliza a permanência das pessoas e marca a paisagem sertaneja.

Logo, as discussões e pesquisas acadêmicas no sertão, usualmente, estão mais voltadas


para aspectos que permeiam questões ambientais e econômicas; e para esses dois campos
do conhecimento temos uma imagem pré-estabelecida muito bem definida: um cenário de
seca com arquiteturas singelas e rústicas. Nesse sentido, evidenciamos a ênfase dada a
estes fatores, deixando de lado outros debates atrelados às questões identitárias do sertão.
Um desses temas trata-se do reconhecimento do patrimônio histórico edificado nessa região
e as políticas necessárias para sua preservação.

Nesse contexto, Magnavita (2003) discorre sobre a importância da arquitetura para a


construção da memória coletiva e paisagem:

Na memória de lugares entendidos como espaços historicamente


construídos, a arquitetura ocupa um lugar dominante, juntamente
com a paisagem. Isso decorre da dinâmica própria da percepção
visual, a qual pressupõe uma estruturação objetivada pela psicologia
da forma (Gestalt) e que se insere no "mundo da representação",
efetivando e relacionando as aparências com os lugares de memória.
(MAGNAVITA, 2003, p. 68)

Existem no sertão vários exemplares de arquitetura que estão entrelaçados aos processos
de fundações das cidades, representando especificidades do processo de ocupação deste
território e da apropriação dos sertanejos sobre os estilos de época. Essa arquitetura, tida
como popular, marca a paisagem das cidades do semiárido e está intimamente ligada aos
seus habitantes.

Brandão e Cevada (2017) afirmam que as cidades são configuradas em função das
demandas sociais vigentes, sendo adaptadas à medida que as demandas se alteram. Nesse
caso, as edificações absorvem esse processo, passando por reformas para se adequar ao
novo contexto social. Esse cenário é mais visível no sertão, onde é recorrente a falta de
conhecimento sobre o tombamento e importância do patrimônio edificado para a memória
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coletiva da cidade, fato que resulta nas transformações ou perdas das características
históricas de parte das edificações mais antigas.

Isso acontece pois, na maioria dos casos, não há um reconhecimento coletivo da paisagem
dos centros históricos, estando as edificações sujeitas aos valores subjetivos. Sobre isso,
Magnavita (2003) esclarece que as características do lugar e o contexto social, contribuem
para o desenvolvimento de vínculos subjetivos, apoiados nas relações dos usos familiares,
leis, costumes locais, entre outros. Transpondo essa definição para a discussão patrimonial
no sertão, pode-se dizer que a valoração dos bens patrimoniais acontece, boa parte das
vezes, de forma individual e está atrelada a uma rede de afetos e não a uma consciência
coletiva sobre preservação patrimonial.

Esse reconhecimento do que é patrimônio fica mais perceptível no que tange a arquitetura
religiosa, pois é mais comum haver algum tombamento estadual ou federal desta tipologia.
Além disso, as pessoas reconhecem nessas edificações seus valores patrimoniais com mais
frequência, devido ao marco histórico e territorial que representam para as cidades. Tal
fenômeno advém da origem das discussões sobre preservação, quando em 1837, na
França, foi criada a primeira Comissão dos Monumentos Históricos, onde os edifícios
religiosos eram os focos principais das ações (CHOAY, 1925). Desse modo, as demais
tipologias arquitetônicas, principalmente as residenciais, são pouco valoradas
comunitariamente. Uma das razões para isso acontecer é, como já dito, a ausência de
políticas que difundam a educação patrimonial, bem como de instrumentos de proteção.

Sobre essa temática Brandão e Cevada (2017, p.6) afirmam ainda que: “A
descaracterização dos centros históricos das cidades brasileiras é uma realidade vigente e a
preservação cultural é uma prática antiga que visa manter vivo o diálogo entre o passado e
o presente a fim de conservá-lo para o futuro.”. Diferentemente dos grandes centros
urbanos, a descaracterização do centro histórico no sertão não acontece pelo esvaziamento,
pois as cidades do semiárido mantém seu centro histórico como centro principal de suas
atividades; e ainda promovem a diversidade de usos, fato que proporciona uma apropriação
social mais significativa. A prática comum é o abandono, ou venda, de edificações
residenciais antigas, que são reformadas para dar lugar a comércios e serviços,
apresentando uma nova configuração que não condiz com o contexto em que se insere.
(BRANDÃO E CEVADA, 2017)2

2
O artigo de Brandão e Cevada refere-se à cidade de Juazeiro do Norte, no estado do Ceará. Todavia, esta
cidade apresenta características urbanas e socioeconômicas semelhantes ao contexto trabalhado neste artigo,
por isso fizemos generalizações, expandindo a reflexão para as cidades do semiárido nordestino paraibano.

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Logo, evidenciamos a necessidade de difundir o reconhecimento do patrimônio arquitetônico
nas cidades do semiárido nordestino. Muito embora algumas cidades apresentem
legislações municipais, bem como reconhecimento estadual, ou até mesmo federal, dos
seus centros históricos, faltam políticas públicas voltadas para as manutenções dos edifícios
e meios para documentação; uma vez que alguns se encontram em estado de abandono e
podem “desaparecer” sem nenhum registro. Nos casos das cidades em que não há o
reconhecimento do centro histórico, a situação é um pouco mais crítica, pois não se tem
instrumentos legais que possam ser utilizados com o intuito de preservar os imóveis.

Então, é comum que as intervenções aconteçam livremente, contando apenas com o bom
senso do arquiteto, quando este se faz presente. Na maioria dos casos, as reformas são
executadas pelos proprietários e resultam na descaracterização do patrimônio edificado. O
mesmo se aplica às edificações localizadas fora da área de tombamento. Além disso, como
já frisamos, não há incentivos à produção de documentos que busquem registrar esse
patrimônio arquitetônico; seja pela escassez de profissionais, ou pela falta de políticas
públicas.

É nesse contexto que a unidade curricular de Projeto de Intervenções em Áreas Históricas


se apresenta. À medida que busca inserir os discentes na prática projetual, produz material
que corrobora para as documentações de patrimônios edificados nas cidades sertanejas da
Paraíba e do Ceará. Durante o período remoto, com início no semestre 2020.1, foram
trabalhadas nove edificações, estando a maioria localizada em centros históricos,
possuindo, ou não, tombamento estadual, como pode ser visto em tabela 1, abaixo:

Tabela 1: Objetos de estudos trabalhados da disciplina de PIAH


Objeto de estudo Localização (cidade/estado) Tombamento Qtd.

Estação ferroviária - NEC Cajazeiras / PB Sim (Federal) 3

Estação ferroviária Sousa / PB Sim (Federal) 2

Estação ferroviária Baixio / CE Sim (Federal) 1

Danda Hotel Cajazeiras / PB Sim (entorno - estadual) 1

Hotel Pavão Icó / CE Sim (entorno - federal) 1

Casa de Cultura Gerônimo Jorge Ipaumirim / CE Não 1

Residência Alcino Bernardo São João do Rio do Peixe / PB Sim (entorno - estadual) 1

Casarão da Boa Vista Cajazeiras / PB Sim (entorno - estadual) 1

Casa n° 178 São João do Rio do Peixe / PB Sim (entorno - estadual) 1


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

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De modo geral, as edificações podem ser agrupadas em três tipologias principais. A primeira
é a estação ferroviária, a tipologia mais escolhida durante a unidade curricular. Foram
escolhidos exemplares de três cidades diferentes, sendo duas na Paraíba e uma no Ceará.
A recorrência desta tipologia está atrelada ao fato de como os elementos arquitetônicos
simples, mas peculiares das estações, marcam o imaginário das pessoas, ao passo que se
percebe as vulnerabilidades em que estas edificações se encontram, por ausência de ações
de preservação.

A segunda tipologia trabalhada é o hotel. Os dois objetos elencados estão situados em


estados e contextos urbanos diferentes. O da cidade de Cajazeiras está inserido no centro
histórico consolidado, em lote estreito, mantém o uso de pousada, passou por pequenas
reformas e tem algumas alterações em relação ao seu projeto inicial. O antigo hotel da
cidade do Icó não apresenta uso e se configura em processo de ruína. Sua implantação é
em um lote amplo e vegetado.

A terceira e última tipologia explorada é a residência unifamiliar. As quatro edificações


trabalhadas estão situadas em três cidades, duas na Paraíba e uma no Ceará. Apresentam
características arquitetônicas distintas; nenhuma mantém o uso residencial, estando
algumas em estado de abandono. Porém, se situam em áreas centrais históricas e eram
propriedades de personalidades das cidades.

Nesse sentido, foram produzidos materiais acerca de seis cidades diferentes, reunindo
informações sobre os contextos históricos dos municípios e suas relações com os objetos
estudados. Além disso, foram realizados os levantamentos arquitetônicos, incluindo a
elaboração de mapas de danos, de todas as edificações mencionadas na tabela acima. A
dinâmica e as etapas de produção documental serão explicadas, detalhadamente, adiante.

COMPREENDER PARA DOCUMENTAR: sobre o processo de


compreensão e documentação de edificações históricas

Na disciplina Projeto de Intervenções em Áreas Históricas, o processo de documentação do


objeto de estudo selecionado para receber uma revitalização não ocorre isoladamente, mas
sim, conjuntamente com uma investigação da história, significado e vocação do lugar em
que se situa. Para fins didáticos, podemos organizar essa metodologia de diagnóstico em
três etapas, no entanto é importante primeiramente entender a dinâmica da disciplina.

Devido às características anteriormente apresentadas, acerca da localização da instituição


de ensino superior, comumente contamos com alunos oriundos de diversas localidades.
Logo, diante da complexidade de propor um objeto de estudo único para toda a turma, ainda

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mais em período remoto, em que os discentes têm seus deslocamentos limitados, optamos
por trabalhar com obras em diferentes cidades. Definimos, em média, por 3 a 4 imóveis
diferentes, a depender da dimensão de cada turma. Grandes grupos são formados, a fim de
realizar o diagnóstico da área – porém, posteriormente, durante a fase projetual, as equipes
são separadas mais uma vez para que o projeto seja desenvolvido de forma individual ou
em dupla.

É importante frisar que o objetivo da disciplina é desenvolver um projeto de readequação de


uma edificação histórica preexistente e de inserção de uma nova construção complementar
próxima à mesma. Logo, é necessário que esta área de intervenção seja relevante para o
contexto urbano em que se insere e disponha de espaço livre para o acréscimo de uma
construção anexa contemporânea.

O que fica evidente, nessa explanação, é que o trabalho de diagnóstico assume um caráter
colaborativo e basilar, pois os resultados obtidos em cada etapa do diagnóstico vão
contribuir para os processos particulares de elaboração do projeto posteriormente. Além
disso, diante das proximidades entre os discentes e das suas famílias distribuídas pelas
cidades do interior, é comum uma espécie de “troca de figurinhas”, em que os alunos
repassam entre si informações úteis aos colegas, revigorando a noção de um coletivo,
mesmo que cada um esteja em sua casa, presente apenas pela tela do computador.

No mais, a metodologia de diagnóstico segue por três etapas: a primeira configura-se numa
investigação documental, envolve uma pesquisa bibliográfica sobre a história do objeto de
estudo e a cidade em que se localiza, bem como, em normativas urbanísticas e leis ligadas
à preservação e intervenção em patrimônios edificados tombados. A segunda etapa é de
produção gráfica, isto é, envolve a elaboração de materiais concretos como redesenhos e
maquetes digitais, os quais vão auxiliar ações de conservação e servir de base para a
elaboração do projeto posteriormente na disciplina. Por fim, a terceira etapa refere-se a uma
síntese diagnóstica – os alunos realizam uma leitura do entorno do objeto de estudo
buscando entender as dinâmicas sociais, econômicas e culturais das proximidades, o que
culmina em mapas temáticos e em sugestões de possíveis novos usos que o bem histórico
pode vir a receber para se manter pertinente no cotidiano urbano local.

Comumente a síntese diagnóstica finaliza-se com um quadro de informações que aponta os


pontos positivos e negativos da área, ou em uma matriz analítica do tipo “FOFA” (indicando
as forças, oportunidades, fraquezas e ameaças), que visa ilustrar o entendimento do aluno
sobre o lugar. É com essa leitura realizada que novas funções e complementações às
arquiteturas históricas são propostas.

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Sobre a etapa 1: investigação documental
Após a seleção da obra a ser trabalhada ao longo da disciplina, os discentes passam a
realizar uma investigação sobre a edificação, abrangendo aspectos históricos e legais.

Encontrar informações históricas para os tipos de imóvel geralmente abordados nesta


unidade curricular pode se configurar como uma atividade desafiadora. Por se localizarem
em cidades sertanejas de pequeno porte, e se caracterizarem por bens de menor
visibilidade a nível estadual, muitas das edificações selecionadas apresentam informações
escassas mesmo em bases de dados oficiais locais, como por exemplo, em bibliotecas
públicas, pesquisas acadêmicas e museus. No entanto, existem alguns caminhos para
driblar estas dificuldades.

Uma das soluções que encontramos foi abrir mão de um estudo específico sobre as obras e
procurar entender a história da cidade de forma mais ampla. Conforme os alunos vão
compreendendo o processo de evolução urbana, os ciclos econômicos e políticos do
município e as transformações das linguagens de arquitetura no decorrer do tempo, vão
sendo capazes de conjecturar informações sobre o imóvel trabalhado. Por exemplo, ao
estudar a expansão da malha urbana e o estilo arquitetônico da edificação, é possível
entender um momento histórico em que foi construída, bem como lançar hipóteses sobre o
perfil socioeconômico de seu proprietário e seu papel naquela sociedade (figura 1).

Figura 1: História de uma residência antiga, com poucos dados registrados, em São João do Rio do Peixe.

Fonte: Elaborado por alunos do P8 do semestre 2020.1.

Além disso, comumente encontramos dados relevantes em fontes informais, tais como blogs
sobre o município, usualmente feitos por entusiastas da sua terra natal, os quais, mesmo
sem o crédito de especialista no tema, reúnem informações raras ou de acervos familiares;
ou conversas com moradores idosos, que através de sua memória possibilitam conhecer
fatos e pessoas que passaram pela edificação que está sendo investigada. Importante
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salientar que a nível de pesquisa para esta disciplina as informações históricas mais
necessárias são as datas de construção aproximadas, funções que abrigou ao longo do
tempo e a existência de reformas ou outras modificações prévias.

Com relação aos levantamentos das condicionantes legais, os estudos contemplaram as leis
municipais, estaduais e, em alguns casos, federais. Uma das buscas centrais nesses
documentos é entender o perímetro urbano de tombamento dos centros históricos, as áreas
de entorno e os níveis de proteção das edificações tratadas. Nesse sentido um importante
parâmetro foi o Decreto nº 33.816, de 05 de abril de 2013, do IPHAEP (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba) que estabelece “orientações técnicas
para intervenções, permanentes ou temporárias, nas edificações, lotes e espaços livres,
com valores cultural”. Tal documento possibilita entender até que ponto e de que forma os
projetos dos alunos poderão se inserir nos contextos preexistentes.

Entretanto, por tratarmos de alguns objetos de estudos localizados no estado do Ceará,


nestes casos foi tomado como referência o COEPA (Conselho Estadual de Preservação do
Patrimônio Cultural do Estado do Ceará) com normativas próprias ao estado. Outro caso
que merece destaque é referente às estações ferroviárias, as quais se configuram como
patrimônio ferroviário brasileiro, sendo protegidas a nível nacional pelo IPHAN através da
Lei 11.483, de 31 de maio de 2007.

Sobre a etapa 2: produção gráfica


Paralelamente à investigação documental, um grupo de alunos desenvolve os
levantamentos físicos na obra estudada com o intuito de elaborar um redesenho da
edificação composto por plantas-baixas, elevações e maquete digital, correspondendo a
uma etapa de trabalho menos teórica e mais prática. Por vezes, os discentes encontram
alguns desenhos técnicos já prontos, quando têm acessos a intervenções ou reformas
anteriores feitas por outros profissionais e estes os disponibilizam - mas, no geral, o
processo comum é contatar os proprietários do local e solicitar acesso às edificações.

Os redesenhos são essenciais para a documentação da obra e possibilitam realizar um dos


procedimentos mais valiosos para esta unidade curricular: o mapa de danos, documento
que registra as fragilidades que estão acometendo uma edificação no momento atual,
possibilitando seu registro detalhado e orientando futuros restauros.

Não existem normativas específicas e oficiais para guiar a produção do mapa de danos,
ficando a cargo do responsável pelo projeto desenvolvê-lo, com base em seus
conhecimentos em representação, história da arquitetura e manifestações patológicas
construtivas. No caso da disciplina optamos por um referencial bem estabelecido para

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orientar os alunos, um trabalho final de graduação intitulado “Manual de Mapa de Danos
para Edificações Históricas” de Nunes (2018). O trabalho, fruto de pesquisas sobre o tema,
demonstra soluções de diagramação e organização das informações para que os mapas
sejam de clara compreensão, influenciando os resultados dos alunos (figura 2):

Figura 2: Exemplo de mapa de danos realizado para o objeto de estudo Danda Hotel, em Cajazeiras.

Fonte: Material elaborado por alunos do P8 do semestre 2021.2.

Como pode ser visto, o desenvolvimento de mapas de danos configura-se como uma
atividade interdisciplinar na medida em que resgata conhecimentos de outras áreas do curso
de Arquitetura e Urbanismo. Além da representação técnica, é necessário um entendimento
acerca das manifestações patológicas nas edificações, tanto no sentido de identificá-las in
loco quanto de solucioná-las. Também desenvolve um senso e sensibilidade crítica sobre
danos ao patrimônio, na medida em que os alunos passam a identificar elementos exógenos
como caixas de ar-condicionado, publicidades e fiações aparentes como tipos de
interferências na volumetria e no aspecto visual dos imóveis históricos, trazendo discussões
sobre sua imagem, em acordo com o que regulamenta o Decreto-lei nº 25 de 1937, acerca
de “mutilações” na obra tombada.

Além do mapa de danos, a documentação da obra também se expressa por meio de


maquetes digitais, que visam trazer a sua volumetria completa em um estado de
conservação íntegro. Com base neste modelo tridimensional os discentes podem fazer
estudos de massas nas etapas posteriores, de caráter projetual, averiguando concordâncias
entre a inserção de uma edificação contemporânea como anexo, aos gabaritos, ritmo de
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aberturas, recuos e reentrâncias/saliências da construção preexistente. Abaixo trazemos
alguns dos resultados dessas maquetes, as quais se configuram como contribuições por
vezes inéditas acerca dessas edificações históricas (figura 3):

Figura 3: Modelos tridimensionais do Hotel Pavão (Icó/CE) e Danda Hotel (Cajazeiras/PB)

Fonte: Material elaborado por alunos do P8 do semestre 2021.2.

Como um próximo passo destes trabalhos de redesenho e modelagem, os discentes


passam a realizar um estudo volumétrico do entorno visando posicionar a edificação
histórica em meio a volumes indicativos dos gabaritos do contexto urbano em que está
inserida, atentando aos espaços livres referentes às áreas públicas, recuos (frontais, laterais
e de fundos) e outras construções cuja dimensão signifique um impacto na paisagem em
que o objeto de estudo se localiza.

Como podemos observar, a produção de desenhos e maquetes têm uma função essencial
para o desenvolvimento do projeto, atuando como imersão e aproximação na edificação
preexistente. Com o material em mãos, os discentes passam a entender as características
arquitetônicas, as dimensões e as proporções do bem a ser trabalhado, o que traz duas
contribuições à intervenção que irão desenvolver: primeiro, promove uma melhor
compreensão dos seus interiores existentes e do modo podem se adaptar para novos usos,
no caso de uma readequação; e segundo, serve como ponto de partida para propor edifícios
anexos volumetricamente harmônicos com o entorno preexistente.

Sobre a etapa 3: síntese diagnóstica do entorno


Como etapa final temos a elaboração de mapas temáticos com o intuito de sintetizar e
ilustrar aspectos relevantes do contexto histórico, bem como da própria edificação
trabalhada. A produção desse material é realizada por outro grupo de alunos que investiga o
entorno imediato buscando identificar características relevantes para o desenvolvimento da
proposta de intervenção que se dará posteriormente.
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Essa etapa da metodologia reúne informações físicas, sociais e culturais sobre a área
estudada, a fim de subsidiar as análises para identificação de problemas e potencialidades
do contexto urbano. Esse resultado é importante para a definição das diretrizes projetuais da
intervenção, que buscam reduzir os aspectos negativos da área e valorizar suas qualidades.
A partir desses dados os alunos listam opções de usos viáveis que podem ser contemplados
no projeto.

Os temas explorados são livres, pois variam em função de cada contexto urbano. Assim,
demandam dos discentes sensibilidade e análises mais criteriosas para perceber aspectos
físicos e imateriais da área estudada. Nesse sentido alguns dos temas trabalhados em
forma de mapas são: uso e ocupação, público x privado, interfaces (se as fachadas são
ativas, cegas, etc.), morfologia da arquitetura, estado de conservação, pontos nodais e
marcos visuais. Sugerimos esses temas em aula expositiva, mas deixamos claro que eles
podem abordar outras questões que não foram mencionadas.

De modo geral há resistência por parte dos discentes em produzir esse material de forma
mais completa, a maioria dos grupos escolhe dois temas, entre os citados, e traçam as
considerações finais com base neles. Os temas mais recorrentes são: uso e ocupação,
público x privado e marcos visuais. A forma de diagramação também fica à critério dos
discentes, eles são livres para representar graficamente de acordo com suas habilidades e
características evidenciadas (figura 4).

Figura 4: Exemplo de mapas temáticos referentes ao entorno da Antiga Estação de Cajazeiras (PB).

Fonte: Elaborado por alunos do P8 do semestre 2021.1.

Com esse panorama de informações os discentes formulam uma matriz analítica do tipo
“FOFA” (indicando as forças, oportunidades, fraquezas e ameaças da área) ou
simplesmente elaboram um quadro indicando as potencialidades e problemas desse objeto
de estudo, destacando aspectos, como por exemplo: se é uma área com entorno bem

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conservado ou não, se apresenta proximidade a serviços e atividades que promovam
vitalidade urbana, se há disponibilidade de espaços livres, infraestrutura, e assim por diante.

Entendendo esses pontos, podemos compreender a vocação da área. Tendo por base tais
conhecimentos, de forma coletiva e aberta com toda a turma, debatemos sobre possíveis
usos que o imóvel pode receber e os benefícios que as novas funções trariam ao entorno.
Não há uma tipologia arquitetônica, ou programática, pré-estabelecida por nós, docentes -
são os próprios alunos, a partir das pesquisas, os quais vão paulatinamente construindo
suas ideias para uma intervenção pertinente e respeitosa para com o sítio histórico.

Assim, de forma a resumir as etapas trabalhadas, abaixo trazemos a tabela 2:

Tabela 2: Resumo das etapas e sua relação com o produto final.


Etapa Atividades realizadas Contribuição para o desenvolvimento do
projeto

Etapa 1 Pesquisa bibliográfica e documental Possibilita justificar a intervenção e


Investigação enfocadas na história do local e em suas fundamentar tecnicamente as possíveis
documental condicionantes legais. alterações a serem feitas, ou não, no imóvel.

Etapa 2 Produção de desenhos técnicos, mapa de Resulta na base pela qual o projeto será
Produção danos e maquete digital tridimensional do desenvolvido.
gráfica objeto de estudo.

Etapa 3 Produção de mapas temáticos que Possibilita enxergar vocações para definir
Síntese ilustrem as dinâmicas sociais, novos usos para edificação.
diagnóstica do econômicas e culturais da área.
entorno Elaboração de quadro síntese dos
problemas e potencialidades do entorno.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Como podemos observar, o estudo diagnóstico é uma etapa indispensável no processo de


concepção projetual, e mais do que isso, promove desenvolver e explorar uma série de
habilidades do aluno, no quesito técnico e subjetivo, na medida em que o faz questionar e
interpretar a realidade preexistente e em pensar como melhorá-la. E como fruto deste
esforço, ainda gera uma série de registros valiosos que possibilitam a salvaguarda de bens
patrimoniais, os quais não são alvo de políticas públicas que visam sua proteção mais
efetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Intervir em áreas históricas, além dos conhecimentos técnicos, demanda dos arquitetos e
urbanistas a sensibilidade para perceber o contexto histórico, e identificar aspectos materiais
e imateriais que constituem a memória coletiva e a paisagem de uma cidade. Quando
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amparadas pela legislação, as ações projetuais atendem às diretrizes preestabelecidas, em
função do nível de proteção. No entanto, quando não há instrumentos legais que guiem as
eventuais transformações das áreas centrais, os projetos de reformas, restauro e novas
edificações ficam a cargo das subjetividades dos proprietários e profissionais.

Como vimos, as cidades do semiárido nordestino, independente do tombamento de seus


centros históricos, não possuem políticas públicas voltadas para a gestão e preservação de
suas áreas centrais. Pois estão mais distantes dos grandes centros urbanos, onde as ações
de preservação e educação patrimonial são mais presentes. Além de que, em alguns casos,
não possuem monumentos, ou paisagens monumentais que sejam reconhecidas
oficialmente por um órgão de preservação. Este cenário resulta na descaracterização e na
ausência de documentação do patrimônio edificado das cidades do sertão.

Nesse contexto, a experiência da unidade curricular Projeto de Intervenções em Áreas


Históricas mostra-se uma ação importante para a documentação de patrimônios
arquitetônicos no interior dos estados da Paraíba e do Ceará. A metodologia explanada
evidencia a necessidade do estudo mais holístico sobre o objeto arquitetônico. Dividida em
três etapas, compreende os aspectos históricos, paisagísticos e normativos; o registro dos
elementos arquitetônicos, por meio de levantamento físico, redesenho, modelagem 3D e
mapa de danos, com identificação das manifestações patológicas e possíveis ações para
saná-las; por fim, a elaboração de mapas temáticos e identificação dos problemas e
potencialidades do contexto em que a edificação está inserida.

Essa metodologia vem sendo praticada desde início de 2020 e a cada semestre notamos
aprimoramentos nos resultados. Os materiais produzidos além de ajudar no processo de
documentação patrimonial, fornecem bases para o desenvolvimento de novas pesquisas,
pois reúnem informações que não estão disponíveis nas fontes comuns de consulta. Isso é
importante, pois parte das edificações trabalhadas não são tombadas individualmente, logo
não há registros, além de eventuais fotografias antigas, ou relatos, sobre sua história. Cabe
destacar que a produção destes materiais acontece de forma colaborativa entre a turma.
Cada grupo de trabalho se responsabiliza pelo estudo mais aprofundado de uma das três
etapas mencionadas. Isso possibilita que ao final do processo, tenhamos um “dossiê” mais
completo e aprofundado sobre os contextos históricos e edificações. Esse material fornece a
base para o desenvolvimento do projeto de intervenção, que obrigatoriamente deverá
considerar todos os dados coletados no diagnóstico inicial.

A partir do exposto, evidenciamos a importância do trabalho desenvolvido na unidade


curricular para documentar o patrimônio arquitetônico nas cidades do sertão da Paraíba e do
Ceará. Apesar do foco da disciplina ser o projeto, enxergamos nessa metodologia uma

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forma de sensibilizar os discentes para as questões patrimoniais, assim como, as
discussões e pesquisas corroboram para a educação patrimonial no sertão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Amanda Ramile Alves; CEVADA, Caroline Muñoz. Memórias em ruína: a


decadência do patrimônio arquitetônico de Juazeiro do Norte - CE, Terra do Padre
Cícero. V Simpósio Internacional Padre Cícero. 2017, Juazeiro do Norte - CE.

BRASIL. Decreto-lei nº25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do


patrimônio histórico e artístico nacional, Rio de Janeiro, RJ, nov. 1937.

BURITI, Catarina de Oliveira; AGUIAR, José Otávio. Secas, migrações e representações


do semi-árido na literatura regional: por uma história ambiental dos sertões do
Nordeste brasileiro. Textos e Debates: Boa Vista - RR. nº15. 2008.

CARTA DE VENEZA. II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos


Monumentos Históricos. Veneza, maio de 1964.

CHOAY, Françoise (1925). A alegoria do Patrimônio. Tradução Luciano Vieira Machado. 6.


ed. São Paulo: Estação Liberdade: Ed. UNESP, 2017.

GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas sobre iniciação à Pesquisa Científica.


Campinas, SP: Editora Alínea, 2007.

MAGNAVITA, Pasqualino Romano. O lugar da diferença. Revista de Urbanismo e


Arquitetura, v. 6, nº 1, 2003.

NUNES, André. Manual de Mapa de Danos para Edificações Históricas. Trabalho de


Conclusão de Curso - Arquitetura e Urbanismo, UFPB. João Pessoa, 2018.

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EIXO TEMÁTICO 3

A VILA ITORORÓ EM SÃO PAULO


um caso-limite para a documentação arquitetônica

SAVIANE, Benjamim M.

Instituto Pedra
Av. Brigadeiro Faria Lima, 1931, Cj. 121
benjamim@institutopedra.org.br / bmsaviane@gmail.com

RESUMO
Conjunto arquitetônico localizado na região da Bela Vista (centro de São Paulo), a Vila Itororó foi
construída como um empreendimento privado no início do séc. XX e, em grande parte de sua história,
abrigou processos de construção e ocupação muito peculiares. Sua arquitetura, que se manifesta
como exemplar de um ecletismo tardio e composição diletante, passou a despertar a atenção
especializada dos arquitetos a partir dos anos 1970, quando teve início a elaboração de projetos de
intervenção e requalificação de uso, ocasionando discussões sobre o tombamento, já nos anos 1980.
Após uma polêmica desocupação dos moradores que lá viveram, ocorrida em 2013, o conjunto foi
alvo de ações de restauração. Por um lado, essas ações se depararam com um tecido social
tensionado em virtude dos litígios sociais, surtindo influência na percepção do conjunto arquitetônico;
por outro lado, o processo de apropriação em relação à materialidade existente revelou consideráveis
lacunas de conhecimento sobre o objeto, conduzindo a ações sistemáticas de levantamento métrico-
arquitetônico em meio à implantação de um canteiro de obras.
O recente percurso de alguns anos (2015-2017) promoveu um intenso ciclo de investigações,
trazendo à luz tanto indícios de elaboração projetual na origem da concepção do conjunto, quanto um
processo de autoconstrução que conviveu com aqueles primeiros intentos de projeto, inicialmente
experimentando técnicas construtivas ainda pouco exploradas, como a laje deployé e o concreto
ciclópico, e mesclando sistemas estruturais cimentícios e metálicos devido, em muitos casos, à
necessidade de reutilização de material proveniente de demolições, por exemplo. Nota-se, entretanto,
que o fenômeno da autoconstrução vai além de um período inicial (1910-1920) e permeia toda a
história da Vila Itororó, sendo ativamente responsável pela atual configuração do conjunto, em
relevância paritária com os primeiros projetos.
A constatação desse fenômeno construtivo “orgânico” permitiu questionar as noções de "autoria" e
"projeto original" que, de certa forma, nortearam as visões de projeto desenvolvidas desde os anos
1970, alterando a relação de valores culturais levada em conta nas recentes intervenções. Desta
feita, ressalta-se que o estudo direto do objeto (por meio do levantamento métrico-arquitetônico)
aliado a fontes documentais, conduziram a uma nova compreensão histórico-crítica e, portanto, a
significativas revisões de projeto.
Com o estudo desse caso, estima-se que o estudo da Vila Itororó, bem como a discussão das
recentes ações de documentação que a envolveram, possam oferecer contributos consistentes para
a percepção do relevado papel que o levantamento arquitetônico pode assumir em um projeto de
restauração, podendo conduzir até mesmo a mudanças de partido projetual. É nesse sentido que se
propõe a compreensão da Vila Itororó como um caso-limite para a documentação arquitetônica.

Palavras-chave: Vila Itororó; arquitetura eclética; levantamento arquitetônico.

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A Vila Itororó consiste em um conjunto arquitetônico concebido em caráter
predominantemente residencial, e que tem sido alvo de debates e estudos recentes 1. É
construída a partir da década de 1910 por iniciativa de Francisco de Castro, representante
comercial nos setores têxtil e cafeeiro, cujos pais tinham emigrado de Portugal. Está situada
na divisa entre os bairros Bela Vista e Liberdade, contígua ao território do Bixiga, regiões de
expansão urbana a partir do final do séc. XIX. O conjunto se configura, já em seus primeiros
anos, como uma espécie de casa senhorial circundada por edificações destinadas,
inicialmente, a aluguel unifamiliar; essa atividade era provavelmente voltada às ainda
incipientes classes médias ligadas ao setor de serviços, que residiam no entorno e atendiam
à burguesia que já ocupava o eixo da Avenida Paulista, localizada proximamente. Situada
em um miolo de quadra próxima à várzea do córrego Itororó (por onde hoje passa a Avenida
23 de Maio), a Vila se assenta sobre um terreno escarpado e permeado por olhos d’água,
atendido por um arruamento que, em 1914, ainda estava recebendo calçamento (Castro;
Feldman, 2017, p. 47).

A Vila pitoresca e sui generis

Após a construção das primeiras edificações (o que incluía uma casa principal ainda
modesta, com ares suburbanos, composta por um porão alto e um pavimento nobre, situada
em uma parte baixa do terreno), o empreendimento passa por algumas transformações com
vistas a ser exibido para a sociedade paulistana com nova configuração, em 1922, ano em
que se comemoraria o centenário da Independência do Brasil. Desta feita, é idealizado por
Castro como uma espécie de “monumento privado” à sua própria ascensão social, mas
também como um tributo ao país que acolhera sua família e lhe abrira oportunidades de
trabalho e enriquecimento pessoal, alegorizada em sua própria residência, que sofre uma
ampliação entre 1919 e 1922 (Idem, pp. 45-78). A reforma previa a inserção de uma
colunata colossal periférica e o acréscimo de mais dois pavimentos, além da inserção de
ornatos em ferrocimento e variados elementos alusivos a temas nacionalistas e historicistas.

1O presente artigo é fruto de nossa recente pesquisa de mestrado intitulada Levantamento arquitetônico: prática
antiga, disciplina contemporânea (Saviane, 2021) e compartilha dos argumentos contidos em seu capítulo 1,
procurando esclarecer alguns pontos ali desenvolvidos.
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Figura 1. Montagem (elaboração do autor) registrando quatro momentos da reforma de ampliação do
Palacete (1919-1922), com a cronologia em sentido horário. Fonte: Arquivo Pessoal Milu Leite/
Instituto Pedra, s/d
A conclusão do Palacete como uma residência-monumento é seguida por outros
empreendimentos, dos quais se destaca um projeto de represamento de algumas das
nascentes presentes no terreno para a construção de uma piscina, que seria a âncora de
uma espécie de “spa” urbano; a tentativa fracassou, ainda que tenha sido possível construir
uma piscina abastecida com água das nascentes locais, bem como dependências para a
prática esportiva - estruturas essas que foram aproveitadas, futuramente, para o lazer local,
com a instalação de uma associação desportiva de bairro, que estabeleceu certa relação
com os demais inquilinos das casas, já entre as décadas de 1960 e 1970.

Castro falece prematuramente e endividado, em 1932, e o conjunto vai integralmente a


leilão; é arrematado por antigos credores seus e, desde a década de 1940 passa a ser
administrado por uma instituição de caridade que arrenda, indistintamente, todos os imóveis
daquele conjunto para geração de receitas correntes. Apesar disso, cabe destacar que o
desenvolvimento construtivo dos anos 1910-1920 (sob o que podemos chamar de “período
Francisco de Castro”) parece ter êxito em construir uma imagem da Vila Itororó como um
local “pitoresco” e “sui generis”, desde que os projetos de Castro começam a vir à tona. De
certa maneira, algumas manifestações coetâneas permitem especular que essa aura de

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“excentricidade” (mesclada a um nacionalismo paradoxalmente naïf) intermedia alguma
proximidade de Castro com personalidades da elite local, como José Pires do Rio, que fora
prefeito de São Paulo e que, em certo momento, morou no palacete alugando um de seus
pavimentos; ou ainda, a nota publicada pelo célebre crítico de arquitetura, Adolfo Morales de
los Ríos, na revista Selecta, elogiando a iniciativa de Castro de fazer uma residência-
monumento ao Centenário da Independência, seguida da divulgação de desenhos e
imagens do local:

Porque o exemplo do Sr. Francisco de Castro deve ser imitado e porque ele merece
sinceros aplausos, Selecta ilustra suas páginas com estas notas e com as
reproduções fotográficas que as acompanham. (Morales de los Ríos, apud Toledo,
2015, p. 30)

Fosse qual fosse a efetiva proximidade de Castro com a elite de então, é inegável que se
fizesse notar por meio de seu projeto, o que talvez tenha propiciado a formação de um
verdadeiro imaginário popular. Não obstante, com as mudanças ocorridas a partir dos anos
1940, o local se torna, como tantos outros, mais um conjunto inteiramente dedicado à
moradia de aluguel, gerido por uma corporação que paulatinamente se distancia dos
imóveis, refletindo, por sua vez, a precarização das condições de moradia vivenciada pela
região central de São Paulo, especialmente na segunda metade do século. O excepcional e
o convencional, portanto, passam a coexistir.

Primeiras discussões sobre a preservação

Na década de 1970 o conjunto passa a atrair o olhar “especializado” de alguns arquitetos, a


partir de um grupo liderado por Décio Tozzi e Benedito Lima de Toledo, que iniciam uma
série de estudos históricos e exercícios projetuais para o local. As propostas levadas a cabo
pelo grupo pretendiam transformar o conjunto em uma espécie de centro cultural, por meio
de ações vinculadas ao zoneamento que se constituía para a região. Essas iniciativas
colocaram, pela primeira vez, a Vila Itororó diante de uma discussão a respeito de seus
valores culturais e da necessidade de sua preservação, conduzindo a um pedido de
tombamento em esfera estadual na década de 1980, que comentaremos adiante. Cabe
reconhecer que o contexto das primeiras propostas guarda certo “pioneirismo” em relação à
prática preservacionista corrente à época, ao constituir um olhar que levasse em conta a
arquitetura tardo-eclética e de caráter diletante, isto é, realizada por um leigo, e não por
arquitetos titulados. Em contrapartida, vê-se na orientação daquele grupo uma reiteração
persistente e quase exclusiva nos atributos de excepcionalidade - reiteração mantida por
Toledo até mesmo em escritos recentes:
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O caráter plástico do conjunto se definiu como uma colagem de surpreendente
originalidade, com acento onírico e pitoresco, que passou a ser identificado
espontaneamente como a vila surrealista. (Toledo, 2015, p. 19, grifos nossos)

Para além do tema de excepcionalidade, os escritos de Toledo parecem se esforçar na


afirmação de um intuito projetual deliberado no empreendimento de Castro, procurando se
opor a uma suposta percepção de “autoconstrução”. Em escrito recente, a apresentação do
conjunto se dá a partir da descrição da implantação, sugerindo um manejo do terreno à
guisa de um empreendimento urbano em que, contraditoriamente, são destacados tanto
atributos de regulação espacial (“eixo central”) quanto a organicidade do “urbanismo
mediterrâneo” de regiões escarpadas:

A organização espacial da vila, em torno de um eixo central, de traçado sinuoso,


valorizando o espaço intersticial no nível inferior da área, apresenta uma singela e
movimentada volumetria que evoca as soluções da Alfama de Lisboa e de inúmeras
vilas e aldeias mediterrâneas. Os patamares laterais entre as casas se configuram
nos moldes de piazzetas, com equipamentos comunitários, e os acessos nas
escarpas, solucionados através de arrimos descendentes que formam sucessivos
planos de jardins, desde o nível da vertente (Rua Martiniano de Carvalho) até o
espaço comunitário axial do nível inferior da vila. (Idem, p. 18, grifos nossos)

Em seguida, ao descrever o Palacete, sua exposição é concluída com a afirmação


categórica de que a empreitada não se tratava de uma construção empírica:

Em 1919, Castro submeteu à Prefeitura um projeto de “reforma e adição de


pavimento”, com vistas à ampliação de sua residência, [...]. Nessa cópia não é
possível identificar a assinatura do autor do projeto. Fica evidente, no entanto, sua
inegável competência.

Nesse documento, plantas e cortes permitem identificar soluções originais, como o


uso de estrutura metálica, expediente pouco usual em residências coetâneas. Já
constam, também, as monumentais colunas e suas delgadas passarelas, as ameias
de cobertura, os imensos vasos e outros elementos. Ou seja, um plano presidiu a
construção do conjunto, não se trata de uma construção empírica. (Idem, pp. 32
- 40, grifos nossos)

Como se nota, é possível evidenciar um esforço, por parte das vozes ativas nas primeiras
iniciativas de reconhecimento patrimonial da Vila, em destacar uma suposta intencionalidade
projetual na concepção do conjunto. Intencionalidade essa que é organizada desde os anos
1970 (São Paulo, 1975) mas também reiterada em publicações recentes. Cabe,
brevemente, ponderar se essa insistência não poderia estar vinculada aos primeiros
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momentos em que se buscou o reconhecimento formal do tombamento, ainda dentro de
uma lógica de excepcionalidade artística e exemplaridade histórica como pontos centrais
das políticas preservacionistas. Em todo caso, essa visão calcada em um aspecto regulador
por parte do empreendimento parece se refletir nos exercícios projetuais desenvolvidos
desde os anos 1970, ademais, tendo por base uma certa hierarquização entre os edifícios,
na qual o Palacete é visto como o monumento histórico por excelência, e o casario, como
ambientação coadjuvante. Outra consequência perceptível dessa visão é a priorização das
camadas históricas relativas ao período inicial em detrimento de outros momentos
históricos.

Dois processos de tombamento distintos

Não é objetivo deste artigo adentrar nos pormenores que envolveram as discussões a
respeito do tombamento, tanto por limitações de espaço, quanto pelo fato de outros autores
já o terem feito com brio (Cf. Barbour, 2017); contudo, cabe evidenciar, sucintamente, a
existência de dois momentos em que o tombamento do conjunto foi discutido oficialmente, e
quais desdobramentos essas discussões impuseram aos desígnios do local. Como já
dissemos, os primeiros pedidos de tombamento tramitaram no órgão estadual de
preservação na década de 1980; curiosamente, o processo é arquivado naquele momento,
motivado por uma discussão que, em certa medida, identificou um descompasso entre as
iniciativas de preservação então propostas e a não observância da função de moradia como
um dos eixos centrais para a existência daquele conjunto 2, em um contexto muito discutido
por Barbour (op. cit.).

Posteriormente, no início dos anos 2000, novos processos de tombamento são abertos, e a
proteção legal ocorre nas esferas municipal (Conpresp - 2002) e estadual (Condephaat -
2005) sem entraves aparentes. Em contrapartida, as discussões sobre o caráter público de
eventuais ações preservacionistas vieram à tona uma vez que o tombamento foi seguido de
uma declaração de interesse público e consequente pedido de desapropriação, por parte do
governo do Estado; isto, por sua vez, suscitou uma discussão a respeito da relação entre
cultura e moradia, mobilizada pelos moradores e agentes próximos 3, que questionava a
suposta incompatibilidade entre os caráteres públicos da preservação e da moradia. Por fim,

2 A questão fora levantada por Ulpiano B. de Menezes, então conselheiro, e acatada pelo então presidente, Aziz
Ab’Saber, após ampla discussão que contou, inclusive, com oitivas de Flávio Império, que era vizinho da Vila
Itororó (Cf. Barbour, 2017, pp. 106-107).
3Nomeadamente, a Associação de Moradores e Amigos da Vila Itororó (AMAVila), e a assessoria do Serviço de
Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Faculdade de Direito da USP - além de contribuições de ativistas e
artistas autônomos.
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a desapropriação foi levada a cabo, não obstante relevantes vitórias para o movimento que
havia se formado, organicamente, entre os envolvidos (como o atendimento por programas
de habitação social em locais próximos à Vila Itororó, e um processo de usucapião). Com a
desapropriação, a tutela do espaço é passada para o Município.

O tombamento, por fim, ocorre estabelecendo diferentes níveis de preservação para o


conjunto: para o Palacete é estipulada a preservação integral, e para as demais residências,
apenas a volumetria. Com isso é ratificada, nesse caso, uma potencial hierarquização entre
edifícios muito similar àquela desenvolvida nos estudos dos anos 1970, isto é, que promovia
uma relação entre o “monumento principal” sintetizado no Palacete, e sua “ambiência”,
representada pelo casario. Com efeito, os antigos exercícios projetuais são posteriormente
contratados pela prefeitura e entregues (2010) sob a forma de um conjunto de projetos
arquitetônicos que, justamente, previam o restauro da integralidade do Palacete e a
demolição de parte significativa da compartimentação interna dos demais edifícios,
contemplando um programa de usos que, aparentemente, havia sido solicitado pela
contratante naquele momento. Cabe, aqui, evidenciarmos a reciprocidade entre um
programa de usos, uma proposta projetual e um tombamento que guardavam,
simultaneamente, estreita relação com a discussão preservacionista feita nos anos 1970, a
despeito de outras visões divergentes, que se constituíram em outras ocasiões, isto é, na
análise do tombamento (anos 1980) e no seio do movimento de moradia (anos 2000).

O contexto do levantamento arquitetônico

Tornando-se responsável pelo local, a prefeitura tenta viabilizar a implementação do projeto;


após fracassadas tentativas de licitação para uma obra de restauro, decide abrir um
chamamento público para terceirizar o gerenciamento dos trabalhos por meio de um projeto
cultural de captação de recursos. É somente nesse contexto, a partir de 2014, que o Instituto
Pedra, organização da qual fazemos parte, vem a integrar as ações, incumbido,
inicialmente, de gerenciar as obras de implantação dos projetos que haviam sido entregues
havia pouco tempo. As primeiras ações empreendidas foram a contratação da construtora e
a realização de uma leitura crítica do projeto recebido. De posse dos projetos, a equipe
gerenciadora iniciou um sistemático trabalho de reconhecimento dos imóveis. Foi naquele
momento, portanto, que teve início a constatação de uma série de discrepâncias entre o real
e aquilo que era representado graficamente em projeto.

As discrepâncias identificadas eram de tal ordem que, em alguns casos, poderiam


inviabilizar a execução dos trabalhos, uma vez que a previsão de serviços nem sempre
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levava em conta algumas condicionantes do existente, como o funcionamento das técnicas
construtivas, o estado de conservação da matéria, e uma série de inerências do terreno e de
seu entorno, como a difícil topografia, esgotamento com áreas de servidão, recalques de
fundação, etc. Todo esse contexto ocasionava, em alguns casos, orçamentos deficitários; já
em outros casos, o partido que previa a liberação da compartimentação interna ocasionava
intervenções excessivas, requerendo uma alta previsão de custos, promovendo amplas
demolições e uma reorganização da concepção estrutural do existente, o que costuma ser
muito traumático para a edificação histórica. Esse contexto se somou a uma sinalização, por
parte da nova gestão municipal (2013-2016), responsável pelo conjunto, de alteração no
modelo de gestão previsto para o então projeto de centro cultural, uma vez que se passou a
considerá-lo muito oneroso em custeio. Ou seja, ao mesmo tempo em que a equipe de
arquitetura, a campo, constatava uma série de incongruências entre as propostas e sua
aplicabilidade, o responsável pelo conjunto expressava o desejo de revisões no modelo de
gestão.

Esses precedentes, portanto, abriram caminho para uma revisão projetual, que teve início
com uma reelaboração da metodologia geral de diagnóstico, ao mesmo tempo em que se
apoiou num amplo processo de diálogo com os históricos interlocutores e usuários do local.
Para a implementação dos diagnósticos, foram financiados novos estudos históricos, desta
vez, procurando lançar olhares também para os períodos sucessivos de ocupação da Vila
Itororó (pós-1930) e para a história social de sua ocupação, como um todo 4. Paralelamente
a isso, teve início uma ampla campanha de levantamento métrico-arquitetônico levada a
cabo entre 2014 e 2016 e conduzida, em muitos momentos, em parceria com diversas
instituições e grupos de pesquisa 5.

Processos de documentação

Um caso exemplar para se compreender o impacto do estudo do existente nas


subsequentes decisões de projeto, é o do chamado “Edifício 3” do conjunto. Trata-se de

4Esse processo veio ao encontro de ações para a publicização dos trabalhos, permitindo a publicação dos novos
estudos, e também dos estudos seminais de Toledo, constituindo assim o embrião de um corpus de produção
escrita, de acesso público e gratuito.
5 Grupo de Conservação e Restauro da Arquitetura e Sítios Históricos - GCOR - Arquitetura/ Unicamp
(2015): parceria prevendo qualificação interna da equipe para o domínio de instrumentos de levantamento quais
a fotogrametria. Development of Integrated Automatic Procedures for Restoration of Monuments -
DIAPReM/ Universidade de Ferrara, Itália (2015): projeto piloto de documentação do Palacete através de
escaneamento laser 3D. Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de Monumentos e Núcleos
Históricos - MP-Cecre/ UFBA (2017): convênio para estágio supervisionado no canteiro de obras. Escola da
Cidade (2018): parceria para o oferecimento de uma disciplina eletiva sobre levantamento arquitetônico, no
canteiro de obras. Além de inúmeras atividades de acolhimento de grupos, visitas guiadas e cessão do espaço
para oferecimento de atividades de formação (acadêmica ou não) com diversas outras instituições.
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uma edificação voltada para o interior do terreno, com dois pavimentos – cada qual com
duas unidades divididas por um pátio central – totalizando quatro unidades habitacionais.
Cada unidade dispunha de sala, cozinha, instalações sanitárias e dois dormitórios, além de
eventuais rótulas de circulação interna e acesso.

O projeto então elaborado previa: ampliação das aberturas internas, de maneira a integrar
os ambientes; inserção de plataformas de elevação, para acessibilidade; inserção de uma
escadaria no pátio, ligando os dois pavimentos; inserção de instalações sanitárias e cozinha
de médio porte nas porções posteriores da edificação. Os memoriais descritivos a que
tivemos acesso foram elaborados apenas sob o ponto de vista técnico, não aportando
informações sobre programa arquitetônico ou a conceituação das intervenções. Sem
indicações explícitas de programa, é possível entrever alguns acenos apenas nas pranchas
de projeto, como a indicação “piano bar” em um dos ambientes. Contudo, tanto a geometria
quanto a tipologia figuradas não correspondiam ao que havia de fato. Nos pavimentos
superiores, as unidades dispunham de uma rótula que articulava a circulação entre os
ambientes internos, que não havia sido representada no projeto. Em contrapartida, o
levantamento arquitetônico realizado por nossa equipe apontou um grande desalinhamento
entre as paredes internas, sobretudo no térreo, assim como a presença de estruturas de
apoio com dimensionamento muito robusto.

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Figura 2. Vista aérea da Vila Itororó, com o Ed. 3 em primeiro plano, defronte à escadaria e ao
Palacete. Fonte: Instituto Pedra. Autor: Benedito Lima de Toledo, déc. 1970

As estruturas de apoio documentadas consistiam em vigamentos metálicos e de madeira;


alguns vigamentos apresentavam altura de secção muito superior ao necessário para o vão
em que estavam instalados, o que sugeria serem reaproveitamento de material de outras
obras, adaptados para essa edificação. A robustez dos pilares se devia ao fato de tambores
metálicos terem sido utilizados como fôrma, e preenchidos com uma espécie de concreto
ciclópico, com agregado muito variado – desde pedriscos até cacos de tijolos. O concreto
aparentava baixa resistência, e talvez por isso tenha sido dimensionado de forma robusta
(solução, por fim, determinada pelo diâmetro do material usado como forma). O
desalinhamento entre as paredes internas no térreo era muito acentuado e contrastava com
certa regularidade em relação às paredes do pavimento superior. Os acabamentos de piso,
por sua vez, denotavam ao menos três períodos de ocupação aproximativos: assoalho e
ladrilhos hidráulicos (décadas de 1910-1940); tacos (déc. 1940-1960); piso cerâmico de
fabricação recente (déc. 1990-2000).

A evidenciação destas características enriquecia progressivamente uma percepção acerca


do objeto, mas trazia mais dúvidas do que de fato interpretações sobre o porquê da
configuração que o edifício veio a assumir atualmente. Uma contextualização mais
abrangente só foi possível quando foram encontradas, em pesquisa documental, as
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solicitações de construção por parte do proprietário, referentes à construção de cinco casas
na rua Martiniano de Carvalho, n. 27A, datadas de 1916. Consistia em um ofício com
plantas, cortes e vistas anexados, e teria sido a primeira solicitação para a construção de
imóveis para aluguel no terreno (Castro; Feldman, 2017, p. 57).

A planta é particularmente interessante pois mostra quais imóveis já estavam edificados no


conjunto quando o pedido foi feito. Com relação ao referido edifício, no desenho de planta é
possível ver a tipologia do que reconhecemos ser, hoje, o pavimento superior e, em
desenho “rebatido”, afastado em relação à representação do terreno, a planta de fundações;
nos desenhos de corte e elevação é possível perceber que somente o pavimento superior
era previsto para ser ocupado, ao passo que o pavimento inferior seria destinado a uma
espécie de porão-alto. Isso explica em melhor medida a robustez dos pilares e o
desalinhamento entre paredes internas no térreo – pois seriam um acréscimo, realizado
provavelmente em um período de ocupação posterior à construção de seu arcabouço
primário. Por fim, outro acréscimo teria sido feito entre as duas unidades, na porção frontal
superior, conformando um pórtico na fachada, o que resultou na alteração de formato da
planta de “U” para “O”.

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Figura 3. Ed. 3, destacado (centro-esq.). “Planta da propriedade do Illmo Snr Francisco de Castro/Rua
Martiniano de Carvalho 27 e 27ª/Escala = 1:100”. Fonte: Castro; Feldman, 2017, pp. 58-59/Acervo do
Fundo de Obras Particulares do AHM/SMC/PMSP, 1916

Por conseguinte, a questão dos acessos passa a ser melhor esclarecida: atualmente se
acessa as unidades do térreo pelo pátio central, que é dividido ao meio por um muro baixo;
contudo, as unidades superiores eram acessadas pelas extremidades em sua porção
posterior – uma delas a partir da rua, através de uma espécie de “varanda” para área
molhada (com laje e ladrilhos hidráulicos), e a outra, pelo interior do lote e acesso direto pela
sala de estar. O projeto apresentado (2010) contraria essa organização de eixos e propõe
um único acesso com distribuição pelo átrio, inserindo ali uma nova escada; nos antigos
acessos superiores a proposta parece reinterpretar as áreas de recepção e ali propõe
instalações sanitárias.

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Nosso intuito não é fazer comparações entre projetos, por isso não iremos nos deter sobre
pormenores das soluções que nós mesmos propusemos. Ao invés disso, gostaríamos de
salientar o processo de percepção e compreensão do objeto estudado: partindo da obtenção
de informações métricas, geométricas e materiais sobre o construído, é possível
documentar uma série de características tipológicas e construtivas, e formular algumas
hipóteses fundamentadas nas evidências materiais estudadas. Essas hipóteses são
testadas na comparação com outros tipos de documentos, quais o documento gráfico de
caráter histórico (no caso, os pedidos de aprovação de 1916), evidenciando a importância
de ambos os tipos de documentação para a formação do conhecimento histórico.

Descobertas recentes

Para além do Edifício 3 do conjunto, cabe mencionar, ainda que brevemente, algumas
outras descobertas que podem lançar luz sobre o estado da arte da construção civil no início
do século passado. Primeiramente, a convivência entre sistemas construtivos compostos
por distintos materiais, como a alvenaria portante (tijolos), estruturas horizontais lígneas
(assoalho sobre barrotes), cerâmicas (laje de abobadilhas) e cimentícias (laje com
armaduras e laje deployé), e estruturas cimentícias convencionais (laje, viga e pilar em
concreto armado), além de experimentais, como é o caso do concreto ciclópico. Além disso,
a variedade de procedências para os mesmos tipos de materiais se mostra um traço
marcante no conjunto, como é o caso dos materiais cerâmicos, com mais de trinta
procedências do Estado de São Paulo verificadas através de um inventário que vinculou
amostras de tijolos e telhas dispersos no canteiro, aos monogramas de olarias identificáveis
naqueles materiais 6.

Essa multiplicidade de procedências em um mesmo local indica um considerável


reaproveitamento de material de construção; o mesmo pode ser dito dos ornatos em
ferrocimento, alguns dos quais se pode verificar a procedência, como é o caso das figuras
antropomórficas ostentadas na chamada “Casa das Carrancas” que, por confrontação visual
e documental, sabe-se terem vindo do Teatro São José, edifício célebre porém demolido em
1924. O tema do reaproveitamento de material, inclusive, se tornou um tópos no seio do
imaginário popular que se formou em torno, justamente, da “vila surrealista”, como se
evidencia já na referida alcunha dada à casa que recebeu os mascarões teatrais, mas
também, em lendas e anedotas que até hoje permeiam o local. A mais conhecida delas é,

6 O trabalho em questão é fruto do convênio com o MP-Cecre/UFBA, citado.


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provavelmente, uma assimilação da compra do material da demolição do teatro, que afirma
terem as colunas do Palacete, igualmente, provindo daquele edifício - quando, na verdade,
se sabe que foram erigidas in loco. Essas assimilações, portanto, evidenciam a presença de
um imaginário popular que identifica a Vila Itororó como um local icônico reverberando,
ainda que de forma por vezes difusa, os mesmos atributos de excepcionalidade
reconhecidos pela assimilação “especializada” pela historiografia da arquitetura.

Cabe ainda mencionar outra descoberta curiosa que se destaca: o sistema construtivo que,
no caso da Vila Itororó, é composto por uma espécie de “contrapiso” assentado sobre tela
alambrada, à guisa de “armadura” metálica, repousando sobre telha metálica ondulada e
barrotes. Ao que tudo indica, trata-se de alguma assimilação do sistema conhecido como
laje deployé, utilizado pelos primeiros experimentos de arquitetura residencial modernista. O
sistema é descrito por Lucio Costa (in: Pessoa; Araújo, 1989, p. 54) como tendo sido usado
nas residências operárias da Gamboa, aparentemente, por iniciativa de Gregori
Warchavchik, para lajes de forro e terraços, usando “o sistema que [Warchavchik] aplicava
em São Paulo” (Ibidem). Trata-se, portanto, de um indício da assimilação de um sistema
construtivo protomoderno no início do século, oferecendo uma ideia da abrangência dos
sistemas construtivos presentes no repertório da construção civil em um momento de
grandes novidades para aquele setor. Essa coexistência entre sistemas tradicionais e
industrializados, juntamente com a abrangente reutilização de material de construção, por
sua vez, permitem desenhar um quadro da construção civil para além do círculo da
produção arquitetônica formal, em um momento de intenso experimentalismo construtivo,
crescimento econômico, populacional e industrial na cidade de São Paulo.

Se, por um lado, a formação de um corpus documental dos materiais e técnicas construtivas
empregadas na Vila Itororó oferece um contributo à história da construção em São Paulo,
uma leitura dos diferentes períodos perceptíveis na configuração espacial das edificações,
pode oferecer um quadro das condições de moradia na região central ao longo do século
XX. Isto se evidencia, sobretudo, nos improvisos e adaptações de espaços que não foram
originalmente concebidos para a existência de unidades habitacionais. Os casos mais
corriqueiros são aqueles de adaptações de porões altos, previstos por conta da umidade
excessiva do terreno em região alagadiça, presentes em quase todas as edificações, a
exemplo do que relatamos no Ed. 3. É curioso notar que a presença de determinados
elementos construtivos, sobretudo revestimentos e esquadrias, denota uma possível
reconversão de espaços residuais já na primeira metade do século, assinalando que o
fenômeno de precarização das condições de habitação é uma presença abrangente no
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histórico de ocupação do conjunto. Além desses casos, outros mais dramáticos são
verificados em momentos mais recentes, onde notadamente alguns edifícios (mas nunca a
maioria do conjunto) foram compartimentados ao ponto de se tornarem cortiços com
condições de moradia muito precárias. Esse quadro faz parte, efetivamente, das últimas três
décadas, quando a instituição responsável pela administração da Vila se afastou da gestão
do conjunto, propiciando um cenário de descontrole em alguns imóveis. A presença dessas
intervenções mostra que acabaram por se converter em elementos significativos para a
constituição do conjunto, tornando-se dignos de reflexão e de preservação.

Valores culturais incorporados à preservação

Embora não tenha sido a primeira edificação da Vila Itororó estudada por nós, o “edifício 3”
põe em evidência de forma muito didática algumas percepções que vinham tomando corpo
nos estudos anteriores, reforçando-as devido às suas peculiaridades em relação aos demais
edifícios da Vila. Estas percepções podem ser sintetizadas da seguinte forma:

Primeiramente, a importância de uma caracterização geométrica e material precisa na


leitura do existente. Neste caso, esses atributos revelaram possíveis períodos de construção
e ocupação enfim qualificados pela documentação de arquivo. A leitura da materialidade
também evidenciou a existência de várias técnicas construtivas coexistindo em um mesmo
edifício: das mais consolidadas às mais experimentais; de materiais novos a materiais
reutilizados. Portanto, a questão do reaproveitamento de materiais, que havia assumido um
caráter até mesmo “folclórico” pelo senso comum, possuía de fato um aspecto factualmente
verídico; embora nem sempre sua ocorrência correspondesse às narrativas populares, o uso
de materiais experimentais e mesmo reutilizados foi disseminado não só no Palacete, mas
em diversas outras construções.

Em seguida, a importância da caracterização tipológica como indício de periodização para a


ocupação das edificações. Com efeito, os empreendimentos de Castro parecem partir de
padrões tipológicos típicos do período, mas com algumas recorrências devido, talvez, às
suas preferências pessoais (como o caso das tipologias de quatro ambientes articulados por
uma rótula central). Essas tipologias, por conseguinte, auxiliam na identificação das fases
construtivas iniciais, devido à regularidade do traçado e também ao repertório de
organização espacial, corroborando em parte as observações feitas por Toledo de que, em
sua fase inicial, os empreendimentos não consistiam em autoconstrução, e sim,

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pressupunham algum tipo de projetação. Este aspecto vem a ser precisado por Castro e
Feldman (2017, pp. 34-40), ao salientarem o papel dos práticos licenciados 7 na construção
civil do período, com participação comprovada na Vila Itororó do período Francisco de
Castro, assinando projetos e solicitações de licença para construção junto ao Departamento
de Obras e Viação do Município (DOV), indicando possíveis colabores do arquiteto-diletante.

Contudo, uma série de vestígios aludem a ocupações posteriores, com maior ou menor grau
de precariedade nas soluções e regularidade do construído, como é o caso das ocupações
nos térreos concebidos como porões-altos. Estes dois aspectos (materiais e tipologias)
acabaram por abrir espaço para uma nova percepção acerca do conjunto arquitetônico,
desta vez como um processo construtivo orgânico, à margem da visão reguladora típica do
olhar arquitetônico. Com efeito, a Vila se constituiu em várias etapas, contando com
momentos de uma visão timidamente reguladora, e outros de explícita autoconstrução, para
os quais é difícil precisar o momento de início e quase impossível precisar o momento de
término. Seu aspecto sui generis, que marca o imaginário social, contraria certos costumes
estéticos e partidos construtivos tais como simetria, comensurabilidade e proporção, o que
dificulta uma leitura desprendida e isenta dos valores reguladores mencionados.

Curiosamente, muitos interlocutores parecem ter tido dificuldade de reconhecer a


autenticidade de outras manifestações arquitetônicas relativas ao “período” pós-Francisco
de Castro, em relação ao qual muitas delas têm sido sumariamente julgadas como
“espúrias”. A escadaria que liga a rua Martiniano de Carvalho ao interior da Vila, por
exemplo, estava prevista para ser demolida e substituída por uma escadaria assentada na
topografia, nos projetos Toledo-Tozzi. De fato, a escadaria existente tem um
dimensionamento demasiado rudimentar, não é confortável ao andar e, em certa medida,
obstrui o pátio onde se assenta. Mas esse elemento está ali presente desde pelo menos a
década de 1940 (Donato, s.d.), sendo um elemento de grande visibilidade, muito presente
na iconografia e, sobretudo, na memória afetiva de muitos dos que se relacionaram com o
local.

Em contrapartida, em relação ao “período Castro” parece haver certa “condescendência”


com a falta de formação arquitetônica daquele empreendedor; uma espécie de fetiche pela
excentricidade de seu personagem, que permite o relaxamento do mesmo olhar crítico-

7 Segundo Castro e Feldman (2017), havia muitos construtores não diplomados atuando em São Paulo no início
do séc. XX – como é o caso de Francisco Martins Pompêo para a Vila Itororó. Com a regulamentação das
profissões de engenheiro e arquiteto em 1933 esses profissionais passam a ser conhecidos como “práticos
licenciados” (p. 40).
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regulador que julga os períodos subsequentes. Em alguns ensaios sobre o conjunto chega-
se a ensejar, em alguns casos, uma relação entre o estudo da arquitetura grega antiga e as
obras do período em questão, ao se comentar da êntase 8 nas colunas jônicas do Palacete
como se houvesse regola d’arte no “pitoresco” da Vila Itororó. Em contrapartida, se exime de
mencionar que o intercolúnio do mesmo edifício é, por exemplo, fora de qualquer ritmo e
proporção consagrado pelos cânones clássicos, pois apenas segue os eixos da estrutura
em alvenaria do núcleo edificado.

No período em que estivemos à frente dos trabalhos procuramos mobilizar ponderações


como essas em favor de uma revisão dos valores culturais evidenciados, abrindo caminho
para uma interpretação preservacionista mais abrangente do que o período 1910-1930,
buscando compreender a Vila como testemunha inédita de um processo específico da
construção civil, que começa na passagem da São Paulo provinciana para metrópole
industrial, no início do século XX – do qual hoje restam poucos remanescentes - e se
estende ao apogeu (1930-1960) e declínio (1960-1990) da valorização da moradia no centro
de São Paulo. Desta forma, novos valores culturais passam a ser reconhecidos, permitindo-
se enxergar o conjunto sob um duplo aspecto: o de caráter excepcional e sui generis,
constituído em relação ao período de Francisco de Castro; mas também o de caráter
ordinário em relação à própria região, e mesmo em relação ao período 1910-1930, como já
assinalava, provocativamente, Flávio Império na década de 1980, nas oitivas do processo
de tombamento que tramitou no Condephaat:

O tipo de arquitetura que o Benedito Lima de Toledo define como sendo um casarão,
que é de utilização de restos de demolição (reaproveitamento), é praticamente a
maneira de construir de todas as casas [do bairro]. As lajes da cozinha e banheiro da
minha casa são feitas de alvenaria de tijolos, se apoiam sobre pedaços de cano,
sobre pedaços de trilho reaproveitados, sobre pedaços de madeira (IMPÉRIO apud
Barbour, 2017, pp. 106-107).

As descobertas provindas da materialidade do conjunto, portanto, permitiram lançar olhares


também sobre a vida cotidiana de diferentes classes sociais urbanas, ressignificando os
valores culturais das edificações: no processo que vivenciamos, passaram a ser entendidas
como documento não apenas a casa senhorial, mas também as residências de aluguel,
primeiramente ocupadas por uma classe média (provavelmente) ligada aos ofícios urbanos,

8 “Buscar na arquitetura grega antiga interpretação para obras do período do ecletismo, ou mesmo do
surrealismo, é exercício temerário mas coerente com tais obras” (Toledo, 2015, p. 79).
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e gradualmente ocupadas pelas classes trabalhadoras ligadas sobretudo ao setor de
serviços. Essas mudanças espelham as condições de moradia na região central de São
Paulo como um todo e deixam as marcas desse processo na arquitetura da Vila Itororó.

Estes novos valores passaram a ser levados em conta nos projetos realizados por nossa
equipe, a partir de 2015, por meio de diretrizes de preservação mais restritivas do que o
ratificado pelo tombamento, ou seja: os projetos recentes se pautaram pela preservação e
valorização das tipologias e técnicas construtivas de todas as casas, bem como na
evidenciação da estratigrafia em detrimento da escolha de um único período. A atitude em
relação às tipologias, por sua vez, se fez repercutir sobre o programa arquitetônico,
invertendo-se as prioridades da intervenção, uma vez que o programa estava sendo
questionado e algumas definições estavam em aberto. Em outras palavras, a decisão de se
preservar a compartimentação interna de todas as casas condicionou o projeto a novas
diretrizes de preservação e, por conseguinte, a mudanças na lógica do programa de usos, já
que as novas propostas é que passariam a se adequar aos edifícios existentes, e não o
contrário.

Figura 4. Montagem (elaboração do autor) registrando dois aspectos da intervenção feita (Ed. 6).
Consolidação das pinturas parietais de vários extratos (esq.) e consolidação de uma unidade
improvisada, em antigo porão-alto, déc. 1940 (dir.). Fonte: Instituto Pedra. Autor: Nelson Kon, 2019

Considerações finais - um caso-limite para a documentação arquitetônica

O recente percurso de estudos sobre a Vila Itororó mostra como a documentação


arquitetônica, especialmente o levantamento métrico e a pesquisa documental, podem

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influenciar decisivamente a construção dos valores percebidos em um bem de interesse
cultural. Em outras palavras, ao colocar em evidência as características morfológicas e
estratigráficas do objeto, a documentação arquitetônica promoveu uma efetiva mudança na
percepção de valores, repercutindo nas recentes revisões de projeto e obra.

O contexto dessas ações, entretanto, foi atravessado pela disputa de narrativas entre duas
visões de cultura em muitos momentos divergentes, o que mostra o quão em aberto está a
caracterização daquele objeto. De um lado se tem uma visão historicista, que se apoia nos
períodos iniciais da constituição daquele conjunto a fim de mobilizar os atributos de
“excepcionalidade” como construção da preservação; de outro, uma visão social atenta aos
“usos culturais da cultura” (Menezes, 1996), que reivindica múltiplos valores sociais (como a
moradia) enquanto vetores para a construção da preservação e dos próprios valores
culturais emanados pelo bem. Essa última assimilação, por sua vez, denuncia o
apagamento da memória coletiva e da vida comum, que fizeram parte da Vila Itororó tanto
quanto a “excepcionalidade” de sua arquitetura, levado a cabo pela desapropriação com
vistas à implantação de um centro cultural. Diante disso, as intervenções levadas a cabo por
nossa equipe podem ser compreendidas como a tentativa de uma síntese, na qual muitos
atributos de excepcionalidade merecem ser reconhecidos e valorizados, porém, em
paridade com a história social da ocupação daquele conjunto arquitetônico, o que justifica a
preservação das tipologias residenciais juntamente com camadas estratigráficas de
diferentes períodos, a fim de se construir uma narrativa sobre o uso e a ocupação que
constituem aquele lugar.

É no contexto dessa disputa de narrativas que a documentação arquitetônica pode entrar


como fiel de uma balança em que são avaliados os diferentes valores em disputa - não
como mero “produto” que, ademais, se pretenda “neutro” diante do campo da cultura, mas
sim, como instrumento de evidenciação dos valores culturais contidos no documento-
monumento e mediação entre as diferentes assimilações desses valores. É nesse sentido
que propomos a compreensão da Vila Itororó como um caso-limite para a documentação
arquitetônica.

Bibliografia

BARBOUR, Vivian Moreno. O patrimônio existe? Os sentidos da Vila Itororó.


Dissertação (Mestrado) em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

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Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-14122017-
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Paulo, 2021. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-
28062021-165438/en.php>. Acesso em: 20 de set. de 2021.

TOLEDO, Benedito Lima de. Vila Itororó. São Paulo: Instituto Pedra, 2015.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
EIXO TEMÁTICO 4 - A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
DO BEM-APRESENTADO ART DÉCO AO MAL-AJAMBRADO
AMONTOADO: os impactos da poluição visual na paisagem cultural
do berço citadino de Tubarão/SC

BENÍCIO, DANIELLE (1); GOMES, PALOMA (2); LILA, PYETRA (3);


VICENTE, CÂNDIDA (4).

1. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV).
Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000.
daniellebenicio@gmail.com.

2. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000
paloma.medeirosgomes@gmail.com.

3. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000
pyetralila@hotmail.com

4. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000
candidaav@hotmail.com

RESUMO
Neste trabalho visa-se examinar a preservação da paisagem cultural considerando a instalação de
equipamentos de publicidade no Centro de Tubarão na Contemporaneidade. Este bairro coincide com
o berço citadino e o sítio comercial tradicional e concentra o legado edificado mais antigo da cidade.
Nele vigoram leis urbanísticas gerais, que incluem regramentos de comunicação visual urbana e
mídia exterior, desprezando as especificidades da identidade histórica e paisagística junto ao rio
Tubarão. No município voltado ao futuro, exibido como o de maior progresso no sul catarinense, os
bens do passado não são oficializados patrimônio pela municipalidade no presente. Como estudo de
caso, delimita-se o objeto às edificações art déco na rua Lauro Muller, margem direita do rio entre as
pontes Nereu Ramos e Dilney Chaves Cabral: é o trecho com o conjunto mais antigo e notável. A
partir disso, objetiva-se em específico: analisar a legislação urbanística tubaronense acerca da
proteção da paisagem cultural e da instalação de equipamentos de publicidade; diagnosticar as
sobrevivências art déco no citado trecho viário; investigar a obediência ou não do existente às
normas; identificar as consequências da publicidade à preservação da paisagem cultural, ponderando
especialmente a conservação do Art Déco. Para isso, procede-se metodologicamente a: dissecação
da legislação urbanística municipal, abarcando dispositivos preservacionistas; revisão bibliográfica,
histórica e iconográfica abrangendo a cidade de Tubarão, o Art Déco e a paisagem cultural; análise
dos projetos aprovados pela Prefeitura Municipal; levantamento in loco, registro fotográfico e

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diagnóstico do remanescente art déco no universo delimitado; e cotejamento e reflexão crítica dos
dados coletados. A abordagem qualitativa articula no método morfológico as configurações visíveis
entre passado e presente, a favor do futuro que contemple os distintos tempos. Feito isso, constata-
se o descumprimento das normas na rua Lauro Muller - nos últimos anos ocorre a multiplicação de:
coloridos berrantes e/ou contrastantes, sem relação com a linguagem art déco e o edificado único;
troca de revestimentos, privilegiando acabamentos brilhantes; alteração de vãos, incluindo abertura
de novos vazios, vedação de bandeiras, alargamento de portas e janelas e/ou substituição de
esquadrias originais de madeira e vidro por vitrines envidraçadas, gradeadas e/ou plotadas; toldos
diversificados, dentro de vão ou pendente de marquise, com logomarcas e cores diferentes das
paredes; pinturas murais e letreiros; placas variadas de identificação, acima e/ou abaixo da marquise,
perpendiculares e/ou paralelas à fachada, escondendo grandes áreas desta; cartazes sobre produtos
comercializados; anúncios promocionais; faixas sobre liquidações; painéis luminosos e informes em
movimento; iluminações com luzes piscantes; banners; outdoors; cavaletes, infláveis, bandeirolas e
caixas de som nas calçadas, diminuindo o congestionado espaço de circulação; entre outros artifícios
descaracterizantes. Daí verifica-se o mal-ajambrado amontoado de elementos anexados às
superfícies arquitetônicas, rebaixadas a meros suportes das estratégias comerciais - nas frestas da
reinante poluição visual, ainda se visibilizam as sobrevivências art déco. Deveras, onde reina a
poluição visual, esvai-se como potência patrimonial a paisagem cultural, reduzida ao valor de
mercadoria. Urge a salvaguarda da herança art déco em Tubarão.
Palavras-chave: Preservação; Paisagem Cultural; Art Déco; Poluição Visual; Tubarão/SC.

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Do Bem-apresentado Art Déco ao Mal-ajambrado Amontoado:
os impactos da poluição visual na paisagem cultural
do berço citadino de Tubarão/SC

Considerações iniciais: o berço citadino e o patrimônio em potência

A fundação de Tubarão, no sul de Santa Catarina, atrela-se ao novo caminho utilizado pelos
tropeiros, ligando Lages na serra catarinense e o porto lagunense, aproveitando o rio
Tubarão para transporte de mercadorias. O sítio sede da urbe compõe um entreposto
comercial nas margens do rio: a cidade surge relacionada ao comércio - a principal atividade
econômica municipal até o presente (VETTORETTI, 1992).

O berço citadino de Tubarão é impulsionado através da doação de terreno elevado


topograficamente à irmandade Nossa Senhora da Piedade para a edificação de uma
Capela, depois promovida à Igreja Matriz, abarcando o endereço da hoje Catedral. Nos
arredores do patrimônio religioso, no chamado "Morro da Igreja", implanta-se o modesto
casario. Em 1836 cria-se a freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Tubarão e em 1870
esta ascende à vila do Tubarão. Duas décadas depois, em 1890, a vila torna-se cidade.
Neste mesmo ano, a Câmara de Vereadores decide construir um porto dito "moderno", onde
agora está a praça Orlando Francalacci. O entorno dessa obra transforma-se no centro
comercial: os estabelecimentos de comércio concentram-se sobretudo na antiga "rua do
Comércio", atual Lauro Muller - esta situação de mais importante corredor de comércio
mantém-se na Contemporaneidade (MEDEIROS, 2006; VETTORETTI, 1992).

Além disso, em 1880, inicia-se em Tubarão a execução da Estrada de Ferro Dona Tereza
Cristina (EFDTC), visando conduzir o carvão aos portos marítimos no sul catarinense. A
EFDTC assume grande protagonismo no desenvolvimento econômico da região e no
progresso da urbe tubaronense. Aliás, influencia na estruturação do espaço urbano e na
composição da paisagem cultural: a cidade estende-se paralelamente entre o rio e a linha
férrea. A propósito, em 1906, a transferência da sede da Estrada de Ferro para Tubarão e a
instalação de suas oficinas na área meridional do berço citadino gera novas atividades
econômicas e muitos empregos. Inclusive, provoca a construção de casas para os operários
e a formação do bairro denominado Oficinas. Aí se compõe uma relevante diretriz de
evolução urbana na direção sudoeste (BENÍCIO et al., 2020; MEDEIROS, 2006;
VETTORETTI, 1992).

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Na primeira metade do século XX, Tubarão é o principal município do sul catarinense.
Nesse sentido, em 1945, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) acelera a expansão
nordeste da urbe, do então bairro Capivari, ao lado da linha férrea e próximo do rio Tubarão.
Daí resulta o incremento do comércio, ratificado como o setor de maior valia. A década de
1950 é caracterizada pelo avanço econômico tubaronense, bem como pela ampliação da
estrutura e da infraestrutura urbanas. Nesse contexto, a municipalidade investe nos
melhoramentos no Centro, que concentra a sociedade mais abastada e os prédios mais
aparatosos (BENÍCIO et al., 2020; MEDEIROS, 2006).

Em 1939, como um imprescindível melhoramento, junto à atual praça Orlando Francalacci,


inaugura-se a ponte Nereu Ramos, facilitando a ocupação da margem esquerda. Essa ponte
configura-se a fundamental conexão entre as margens e a essencial diretriz de evolução
urbana na direção noroeste. Ademais, essa ponte exibe a linguagem art déco, conformando
a marca notável de deflagração da modernização da urbe - propagandeando a adoção do
Art Decó (BENÍCIO et al., 2020; MEDEIROS, 2006).

O Art Decó é incorporado nos mais destacados monumentos concebidos na época - nos
marcos visuais que visibilizam a urbe modernizada. Entre eles, notabiliza-se a nova Igreja
Matriz São José Operário no bairro Oficinas, comemorada em 1963 (MESQUITA, 2015).
Outrossim, a linguagem art déco é amplamente difundida pela função comercial e mista
(pavimento térreo comercial e o pavimento superior residencial), seja na construção de
novos estabelecimentos, seja na reforma de antigos prédios (BENÍCIO et al., 2020).

A propósito, no primitivo berço citadino, no hodierno miolo central da cidade, a ponte Nereu
Ramos articulada à praça Orlando Francalacci e ao edificado comercial na antiga "rua do
Comércio", atual rua Lauro Muller, manifestam conjuntamente o Art Déco. Ratifica-se que na
urbe tubaronense, a função comercial está intimamente vinculada à linguagem art déco.
Constata-se a concentração de sobrevivências art déco principalmente no Centro e em
Oficinas, ambos bairros na margem direita do rio Tubarão (BENÍCIO et al., 2020).

Tal conjunto de sobrevivências art déco é anterior à grande enchente ocorrida em 1974 (a
qual impacta negativamente sobre a evolução do município no restante da mesma década)1
e ao acelerado processo de verticalização (com uso predominante de habitação, comércio e
serviços), em curso desde o trágico evento.

1 Os imóveis destruídos pela enchente são posteriormente reconstruídos, com novos formato e feição,
assumindo distintas linguagens estéticas, do Moderno ao Pós-moderno (BENÍCIO et al., 2020).
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A arquitetura art déco tubaronense origina-se predominantemente de projetos aprovados
pela Prefeitura Municipal entre as décadas de 1940 e 1960, período descrito por Medeiros
(2006) por afirmação e ampliação da estrutura existente2. Recorda-se que, neste período,
Tubarão experimenta a prosperidade advinda da CSN, como também da instalação de
indústrias e do Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda (junto à linha férrea e próximo à CSN
no Capivari) e do progresso do comércio: empreendem-se grandes obras, multiplicam-se os
estabelecimentos comerciais - efetivam-se as edificações art déco (BENÍCIO et al., 2020).

Diante do exposto, coloca-se a problematização de tais sobrevivências art déco em relação


à função comercial: quais são as consequências da presença da publicidade à preservação
da paisagem cultural, ponderando especialmente a conservação do Art Déco? Parte-se da
hipótese que as sobrevivências art déco no Centro e em Oficinas não são suficientemente
conhecidas e, assim, não são devidamente salvaguardadas: são submetidas a ferino
processo de descaracterização e desaparição, sobretudo em decorrência da excessiva
quantidade de publicidade. Deveras, a poluição visual prejudica a preservação da paisagem
cultural.

Logo, visa-se examinar a preservação da paisagem cultural considerando a instalação de


equipamentos de publicidade no Centro de Tubarão na Contemporaneidade. Recorda-se
que este bairro coincide com o berço citadino e o sítio comercial tradicional e concentra o
legado edificado mais antigo da cidade. Nele vigoram leis urbanísticas gerais, que incluem
regramentos de comunicação visual urbana e mídia exterior, desprezando as
especificidades da identidade histórica e paisagística junto ao rio Tubarão. Ora, no município
voltado ao futuro, exibido como o de maior progresso no sul catarinense, os bens do
passado não são oficializados patrimônio pela municipalidade no presente.

Destarte, como estudo de caso, delimita-se o objeto às edificações art déco na rua Lauro
Muller, entre as pontes Nereu Ramos e Dilney Chaves Cabral: é o trecho com o conjunto
mais antigo e notável. A partir disso, objetiva-se em específico: analisar a legislação
urbanística tubaronense acerca da proteção da paisagem cultural e da instalação de
equipamentos de publicidade; diagnosticar as sobrevivências art déco no citado trecho
viário; investigar a obediência ou não do existente às normas; identificar as consequências
da publicidade à preservação da paisagem cultural, ponderando especialmente a
conservação do Art Déco (Figuras 1-2).

2 Em 1966 é planejado um novo percurso para a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina em zona rural, pouco
habitada, mas não muito afastada; em 1969, é realizada a última viagem na via férrea passando no Centro de
Tubarão. Depois disso, são retirados os trilhos do sítio mais valorizado da urbe: o leito é transformado na atual
avenida Marcolino Martins Cabral (incluindo a praça 7 de Setembro): esta configuração viária consiste na maior
influência da EFDTC que se mantém no presente citadino. A edificação art déco da Estação Nossa Senhora da
Piedade passa a funcionar como terminal rodoviário. Com isso, conforme Medeiros (2006), finaliza-se o período
urbano tubaronense manifesto entre 1940 a 1969.
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Figura 1: Tubarão e seu contexto geográfico no Estado de Santa Catarina;
e seu contexto municipal, com destaque à rua Lauro Muller no Centro.

Fonte: Adaptada de Google (2021a).


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Figura 2: Sobrevivências art déco no Centro de Tubarão (decorrentes de projetos aprovados
pela Prefeitura Municipal em laranja) (a) e na rua Lauro Muller, entre as pontes Nereu Ramos (1) e
Dilney Chaves Cabral (2) (decorrentes de projetos aprovados pela Prefeitura Municipal em vermelho
e sem identificação de projetos desde a municipalidade em amarelo) (b).
Conjunto paisagístico art déco nas margens direita e esquerda do rio Tubarão.

Fonte: Adaptada de Google (2021b) e Arquivo Público e Histórico Amadio Vettoretti (2020).
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Para isso, procede-se metodologicamente a: dissecação da legislação urbanística municipal,
abarcando dispositivos preservacionistas; revisão bibliográfica, histórica e iconográfica
abrangendo a cidade de Tubarão, o Art Déco e a paisagem cultural; análise dos projetos
aprovados pela Prefeitura Municipal; levantamento in loco, registro fotográfico e diagnóstico
do remanescente art déco no universo delimitado; e cotejamento e reflexão crítica dos
dados coletados. A abordagem qualitativa articula no método morfológico as configurações
visíveis entre passado e presente, a favor do futuro que contemple os distintos tempos.

Este se justifica pela urgência de arregimentação de conhecimentos científicos e de


produção de documentação em prol da preservação do legado patrimonial tubaronense.
Ademais, salienta-se a lacuna acerca da arquitetura art déco sobrevivente no Centro de
Tubarão, como também da poluição visual e suas consequências nefastas na preservação
da paisagem cultural nessa realidade. Daí o pioneirismo e a originalidade deste trabalho.

Logo, remete-se às principais reflexões críticas sobre a fundamentação teórica, a legislação


urbanística tubaronense, o Art Déco em Tubarão, a publicidade nas sobrevivências art déco
na rua Lauro Muller e a proteção oficial da paisagem cultural do berço citadino.

Aspectos da fundamentação: a paisagem cultural e a poluição visual

O conceito de paisagem cultural remonta à convenção mundial realizada em 1992 pela


Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 1992)
para a proteção do patrimônio mundial, cultural e natural. Esse conceito constitui uma
evolução em relação às concepções anteriores quanto aos tipos de bens a preservar. Em
1995, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa estabelece a Recomendação R(95)9
sobre a conservação integrada das áreas de paisagens culturais como integrantes das
políticas paisagísticas (CONSELHO DA EUROPA, 1995). Nela definem-se:

Paisagem - expressão formal dos numerosos relacionamentos existentes em


determinado período entre o indivíduo ou uma sociedade e um território
topograficamente definido, cuja aparência é resultado de ação ou cuidados
especiais, de fatores naturais e humanos e de uma combinação de ambos.
Paisagem é considerada em um triplo significado cultural, porquanto, é definida
e caracterizada na maneira pela qual determinado território é percebido por um
indivíduo ou por uma comunidade; dá testemunho ao passado e ao presente
do relacionamento existente entre os indivíduos e seu meio ambiente; ajuda a
especificar culturas e locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições.
Áreas de paisagem cultural - partes específicas, topograficamente delimitadas da
paisagem, formadas por várias combinações de agenciamentos naturais e humanos,
que ilustram a evolução da sociedade humana, seu estabelecimento e seu
caráter através do tempo e do espaço e quanto de valores reconhecidos tem
adquirido social e culturalmente em diferentes níveis territoriais, graças à presença
de remanescentes físicos que refletem o uso e as atividades desenvolvidas na
terra no passado, experiências ou tradições particulares, ou representação em obras
literárias ou artísticas, ou pelo fato de ali haverem ocorrido fatos históricos.
(CONSELHO DA EUROPA, 1995, grifo nosso).

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Além das definições, a Recomendação R (95) 9 (CONSELHO DA EUROPA, 1995) aborda a
identificação e a avaliação das áreas de paisagem; os fenômenos que provocam
degradação física e poluição visual na paisagem; e as medidas de proteção e as políticas de
paisagem (inclusive competências e estratégias de ação). Posteriormente, são publicadas
atualizações acerca da preservação da paisagem cultural no contexto internacional.

No Brasil, a Constituição em 1988 (BRASIL, 1988) amplia legalmente a noção de patrimônio


cultural e provoca a instauração das legislações referentes ao legado imaterial em 2000 e à
paisagem cultural em 2009. Tal legislação, concomitantemente, sob influência dos avanços
internacionais, origina-se de: eventos nacionais ocorridos na década de 2000, documentos
institucionais daí decorrentes e inventário pioneiro efetuado em municípios catarinenses
entre 2003 e 2004. Então, inaugura-se a chancela de paisagem cultural dos "Roteiros
Nacionais de Imigração" oficializada pelo Iphan em 2011. Nesse contexto, em 2007,
destaca-se a "Carta de Bagé" ou "Carta da Paisagem Cultural" (BRASIL, 2007), que define:

Artigo1 - A paisagem cultural é o meio natural ao qual o ser humano imprimiu


as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de
todos os testemunhos resultantes da interação do homem com a natureza e,
reciprocamente, da natureza com homem, passíveis de leituras espaciais e
temporais;
Artigo 2 - A paisagem cultural é um bem cultural, o mais amplo, completo e
abrangente de todos, que pode apresentar todos os bens indicados pela
Constituição, sendo o resultado de múltiplas e diferentes formas de apropriação, uso
e transformação do homem sobre o meio natural.
Artigo 3 - A paisagem cultural é, por isto, objeto das mesmas operações de
intervenção e preservação que recaem sobre todos os bens culturais.
Operações como as de identificação, proteção, inventário, registro, documentação,
manutenção, conservação, restauração, recuperação, renovação, revitalização,
restituição, valorização, divulgação, administração, uso, planejamento e outros
(BRASIL, 2007, grifo nosso).

Através da Portaria n. 127 (BRASIL, 2009), o Iphan institui o instrumento jurídico da


chancela, a categoria da paisagem cultural e a necessidade do plano de gestão,
acompanhado da rede de proteção da paisagem cultural chancelada, envolvendo o poder
público e a sociedade civil. Ora, a chancela funda-se no reconhecimento da paisagem
cultural como bem dinâmico: as mudanças compõem a paisagem cultural e se articulam ao
desenvolvimento social e econômico sustentáveis, respeitando a conservação dos atributos
identificados como de valor. Assim, impõe-se o monitoramento e a revalidação da chancela.

Além disso, as documentações internacional e nacional dispõem sobre o que produz avaria,
destruição e transformação prejudiciais à paisagem:

Poluição visual - degradação ofensiva à visualidade resultante ou de acúmulo


de instalações ou equipamento técnico (torres, cartazes de propaganda,
anúncios ou qualquer outro material publicitário) ou da presença de plantação
de árvores, zona florestal ou projetos construtivos inadequados ou mal localizados
(CONSELHO DA EUROPA, 1995, grifo nosso).

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A poluição visual decorre do exagero de quantidade, tamanho, diferenciação, apelo,
localização e disposição desordenadas de equipamentos de publicidade no edificado e na
cidade. Ela acontece na transposição do limite no qual a sobrecarga visual oriunda da
abundância excessiva e variada de informações não consegue mais transmitir mensagens,
restando a confusão. A disputa por atenção causa desconforto, irritação e stress, surtindo
efeito inverso ao objetivo da comunicação: o cidadão reduzido a "receptor-consumidor" não
recebe e nem absorve o conteúdo, sequer diferencia uma loja da outra.

Decerto, na era da ostentação visual, cresce a concorrência pelos sítios de maior circulação
de pessoas, sobretudo centros tradicionais. Supondo-se "ser visto para ser lembrado",
difunde-se a crença no quanto maior o espaço visibilizado, mais o anunciado é visível -
colocando em relação direta a grandeza e a eficácia da visibilidade, naturalizando-se a
poluição visual como paisagem urbana. A proliferação dos objetos de comunicação visual
urbana e de mídia exterior causa impactos negativos em meios públicos: em áreas de
paisagem cultural os prejuízos são agigantados e piorados - são caóticos.

A transfigurar faces de edificado e urbe, multiplicam-se objetos de comunicação visual


urbana e de mídia exterior explorando: coloridos berrantes e/ou contrastantes; alteração de
vãos e substituição de esquadrias originais de madeira e vidro por vitrines envidraçadas,
gradeadas e/ou plotadas; toldos diversificados com logomarcas e cores diferentes das
fachadas; pinturas murais e letreiros; placas variadas de identificação; cartazes sobre
produtos comercializados; anúncios promocionais; faixas sobre liquidações; painéis
luminosos e informações em movimento; iluminações com luzes piscantes; banners;
outdoors; cavaletes, infláveis e bandeirolas nas calçadas; entre outros. Somam-se
componentes de eletricidade, telefonia, internet, condicionamento de ar, televisão,
monitoramento, etc. Dessarte o conjunto arquitetônico-urbanístico reduz-se a mero suporte
de equipamentos de publicidade: para a "sociedade do espetáculo" (DEBORD, 1997),
ostenta-se a vitrine "espetaculosa" sem qualquer relação com a linguagem estética
existente, tampouco com os caracteres essenciais da paisagem cultural. Assim constata-se:

Incompatibilidade formal entre as fachadas e os anúncios comerciais: esse


termo corresponde a quando os anúncios comerciais prejudicam a composição
estética das construções por encobrirem, total ou parcialmente, elementos das
fachadas relacionados à silhueta, aos detalhes e a articulação dessas. (PORTELLA,
2003, p. 28, grifo nosso).

Enfim, reconhece-se a necessidade de identificação do negócio nos imóveis e a


comunicação temporária de conteúdos; contudo, defende-se a imprescindibilidade de
normatização urbanística regendo a padronização dos equipamentos de publicidade,
evitando-se a poluição visual, a descaraterização arquitetônica e a degradação da paisagem
cultural - a perda de qualidade de vida urbana.

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Aspectos da legislação urbanística tubaronense: o desrespeito
à preservação da paisagem cultural

No Brasil, ainda se carece de legislações, políticas e ações específicas em prol da


preservação do patrimônio da Modernidade manifestado no século XX. Considerando a
realidade tubaronense, o munícipio urge por instrumentos legais, políticas e ações
preservacionistas. Aliás, ratifica-se a inexistência de obras art déco protegidas oficialmente
em Tubarão; na cidade há pouquíssimos edifícios tombados: a Casa da Cidade, antiga
residência eclética; a Vila dos Engenheiros da CSN, conjunto de casas neocoloniais; o
antigo colégio Sagrado Coração de Jesus, atual colégio Dehon, prédio neocolonial; e a
escola Hercílio Luz, também prédio neocolonial (BENÍCIO et. al., 2020).

Quanto à publicação da legislação urbanística tubaronense, ponderando a preservação do


patrimônio e a instalação de equipamentos de publicidade, a municipalidade institui
sucessivamente os Códigos de Posturas de 1951 (Lei n. 74; TUBARÃO, 1951), de 1967 (Lei
n. 451; TUBARÃO, 1967) e o de 1994 (Lei n. 1811; TUBARÃO, 1994), ainda vigente. Este
Código de Posturas de 1994 (TUBARÃO, 1994) contém diretrizes gerais sobre publicidade e
propaganda, contemplando: anúncios afixados, suspensos ou pintados localizados em
muros, paredes, tapumes, toldos, veículos e calçadas de estabelecimentos profissionais,
consultórios, escritórios, casas de entretenimento, comércios, etc. Ressalta-se que qualquer
meio de publicidade e propaganda necessita de aprovação prévia da Prefeitura Municipal;
para isso, os pedidos de licença devem conter:

§ 1º - Quando se tratar de colocação de anúncios ou letreiros, os pedidos de


licença deverão ser acompanhados de desenhos em escala que permita
apreciação dos seus detalhes, devidamente cotados, contendo:
a) Composição dos dizeres bem como das alegorias, quando for o caso;
b) Cores a serem adotadas;
c) Indicações rigorosas quanto à colocação;
d) Total da saliência a contar do plano da fachada determinado pelo alinhamento do
prédio;
e) Altura compreendida entre o ponto mais baixo e o passeio.
§ 2º - No caso de anúncios luminosos, os pedidos de licença deverão indicar o
sistema de iluminação a ser adotado, não podendo os referidos anúncios serem
localizados a uma altura inferior a 2,50m (dois metros e cinquenta centímetros) do
passeio. (TUBARÃO, 1994, grifo nosso).

O mesmo Código de Posturas de 1994 (TUBARÃO, 1994) determina regramento sobre


instalação de equipamentos de publicidade nas fachadas voltadas às vias públicas, devendo
a fixação não obstruir linhas acentuadas de alvenaria ou revestimento e nem encobrir placas
de numeração e sinalização. Nas vitrines e nos mostruários com viés estético, permite a
descrição de mercadorias e preços no interior dos estabelecimentos. Ademais,

Art. 77 - Fica proibida a colocação de letreiros em prédios nos seguintes casos:


I - Quando projetados de forma a obstruir, interceptar ou reduzir os vãos de portas e
janelas;

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II - Quando pela sua multiplicação, proporções ou disposições possam
prejudicar aspectos estéticos das fachadas, das folhas de portas, janelas ou
cortinas de aço;
III - Nas balaustradas ou grades de balcões e escadas;
IV - Nos pilares externos e internos e no teto das galerias sobre passeios ou de
galerias internas de comunicação pública em logradouro. (TUBARÃO, 1994, grifo
nosso).

O Código de Posturas de 1994 (TUBARÃO, 1994), anterior à criação da chancela de


paisagem cultural ocorrida em 2009, pouco abrange acerca de linguagem arquitetônica,
estética da cidade, preservação da paisagem e poluição visual e/ou ambiental (no edifício
isolado ou no conjunto urbano). A poluição sonora é abarcada em relação ao uso alto-
falantes para fins publicitários em horário comercial em volume que não incomode os
pedestres, sem especificar um nível máximo em decibéis (o que é fixado no Código
Ambiental do Município, Lei n. 3859; TUBARÃO, 2013).

Portanto, a municipalidade exime-se de tratar e legislar sobre normatização mais completa


dos equipamentos de publicidade incluindo: dimensões máximas, área total de ocupação da
fachada, localização (na base, no corpo ou no coroamento), tipo de disposição (paralelo ou
perpendicular à fachada), modo de fixação (justaposto ou pintado na frontaria),
materialidade, paleta de cores, etc. Tampouco efetiva a análise de faces de edificado e urbe,
considerando o conjunto arquitetônico-urbanístico, favorecendo a perda dos legados não
tutelados oficialmente, nem resguardados legalmente. De fato,

[...] os anúncios comerciais quando planejados isoladamente, sendo


desconsiderado o efeito que causam quando inseridos no espaço urbano,
geram impactos negativos sobre a percepção do indivíduo. [...] [É mister tratar]
a relação existente entre a estrutura compositiva das fachadas e os atributos
formais dos anúncios comerciais.
Dentro desse contexto, também são abordados os efeitos negativos da fixação
dos anúncios comerciais sobre a aparência visual de centros históricos, os
quais, em muitas cidades, coincidem com o centro de comércio. Essa
convergência associada à falta de normas urbanísticas que estabeleçam
diretrizes ao modo de fixação e de configuração formal dos anúncios
comerciais contribui à redução ou, até mesmo, à perda da qualidade visual dos
centros de comércio. Em muitos casos ocorre a sobreposição parcial ou total de
marcos referenciais, constituídos por construções de interesse histórico e cultural,
por anúncios comerciais. [...]
Devido a esse contexto, muitas vezes, os anúncios comerciais, além de terem
reduzido ou até mesmo anulado sua função de transmitir mensagens, passam a
comprometer a qualidade visual do cenário urbano. (PORTELLA, 2003, 16-17, grifo
nosso).

Instrui-se que o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural e Natural (Compac) "atua na


formulação de estratégias e controle da execução das políticas públicas de patrimônio
material, imaterial e natural do município de Tubarão" (TUBARÃO, 2018a). Destaca-se que
há legislação tubaronense, Lei n. 4.962 (TUBARÃO, 2018b), referente à preservação do
patrimônio histórico, cultural e natural, abrangendo a propriedade privada e/ou pública, como
dever atribuído a todos os cidadãos. Contudo, na realidade cotidiana tubaronense, constata-
se a falta de legislações, políticas e ações específicas em prol da salvaguarda patrimonial.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Aspectos do Art Déco tubaronense: o patrimônio a compor a paisagem cultural

O Art Déco origina-se na França e torna-se conhecido durante a Exposition Internationale


des Arts Décoratifs et Industriels Modernes em Paris em 1925. O termo Art Déco, diminutivo
da expressão arts décoratifs, surge apenas em 1966, designando obras de arte e
arquitetura, mobiliários e objetos de consumo cotidianos. A linguagem art déco atende a
Revolução Industrial e as exigências da era das máquinas: produção em massa, fabrico com
rapidez, obediência aos regramentos de higiene, adoção de novos materiais e economia de
meios - sem perder totalmente a figuração decorativa. Acessível e democrática, alcança a
maioria da sociedade moderna, satisfazendo o gosto de distintos grupos políticos e
econômicos e realizando os desejos dos principais poderes urbanos: serve à imagem de
Estado, Igreja, empresários (sobretudo comerciantes), burguesia abastada e população
desafortunada - manifesta-se como uma "arte social" (BRESLER, 1997, p. 11). Enfim, é
explorada como expressão da Modernidade e do aparato ideológico da modernização -
representa a urbe impelida ao futuro, a favor do progresso (BENÍCIO, 2018).

[...] a difusão do Art Déco é acelerada, por esta linguagem ter atrelado seus
conceitos basilares e arregimentado suas referências principais justamente
nos símbolos do progresso da época, nos fetiches e nos sonhos de consumo
de então, resultantes da produção industrial, amplamente publicizados nos
filmes Hollywoodianos projetados nas telas de cinema e anunciados em
periódicos locais. Aliás, neste contexto, endeusa-se o próprio maquinário,
inclusive, a rapidez crescente atingida pela máquina. A propósito, idolatram-se os
meios de transporte - aviões e navios inspiram as criações, de vestimentas a
mobiliário, até edificações. Daí a vertiginosa atualização do edificado e, destarte,
da cidade. Ora, outrossim, a urbe almeja incessantemente o consumo do novo.
(BENÍCIO, 2018, p. 145, grifo nosso).

No Brasil, a linguagem internacional e cosmopolita Art Déco é rapidamente disseminada nas


grandes capitais e nos pequenos municípios: introduz-se nas décadas 1920-30; consolida-
se nas décadas 1930-40; e concretiza-se tardiamente nas décadas 1940-50 (CONDE;
ALMADA, 1997). No sul catarinense, nas cidades periféricas, exibe-se a arquitetura art déco
(simultaneamente com as obras neocoloniais) nas décadas 1940-1960, em edificações
públicas e privadas, especialmente em cinemas e clubes. Em Tubarão, como monumentos
art déco, destacam-se: a ponte Nereu Ramos, o Colégio São José, o Hospital Nossa
Senhora da Conceição, a Casa da Cidadania (antigo Fórum), o Arquivo Público e Histórico
Amadio Vettoretti (antiga Estação Nossa Senhora da Piedade da EFDTC, posteriormente
Terminal Rodoviário Municipal) e a Igreja Matriz São José Operário (BENÍCIO et al., 2020)
(Figura 3).

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Figura 3: Monumentos art déco: no Centro –
ponte Nereu Ramos em inauguração em 1939 e nos anos 1950;
rua Lauro Muller em registros nos anos 1950;
Colégio São José e Hospital Nossa Senhora da Conceição nos anos 1950 e em 1992;
e Casa da Cidadania (antigo Fórum, construído em 1959) em 1965 e 1995;
e no bairro Oficinas - Igreja Matriz São José Operário e praça Luiz Pedro Medeiros.

a b

d
Fonte: Adaptada de (a) Arquivo Público e Histórico Amadio Vettoretti (2020);
(b) Vettoretti (1992, p. 190); (c) Vettoretti (1997, p. 39);
(d) Mesquita (acervo da Igreja Matriz, 2015, p. 47).
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No Brasil, sobressaem as vertentes Art Déco: Streamline Modern - alude à máquina (navios,
aviões) e à velocidade (linhas aerodinâmicas), emprega volumes curvos (esquinas
arredondadas), referencia janelas escotilhas, balcões com guarda-corpo (lembrando convés)
e mastros; Zigzag Modern - caracteriza-se por racionalização e geometrização,
escalonamento de volumes e platibandas; movimentação de planos; altos e baixos-relevos;
frisos e ornatos; e ênfase em acessos e circulações verticais (CONDE; ALMADA, 1997).

Em Tubarão, no Arquivo Prático da Prefeitura Municipal, encontram-se 1.745 processos


aprovados pela municipalidade entre 1940 e 1960. Entre estes, identificam-se 278 projetos
art déco: 13 projetos Streamline Modern, 260 projetos Zigzag Modern e cinco projetos sem
vertente manifestada. O Art Déco Zigzag Modern projetado para a urbe tubaronense define-
se predominantemente por: racionalização e geometrização; organização axial; volumetria
escalonada, refletindo o formato do terreno; tripartição vertical da fachada em base (com
rusticação ou revestimento diferente do restante), corpo (com esquadrias reforçando a
função) e coroamento (com platibanda cheia, com frisos e ornamentos); tratamento
esmerado da frontaria pública; simplificação da composição, mantendo princípios clássicos,
incluindo simetria e ritmo; contraste entre claro e escuro gerado pela movimentação de
planos horizontais e verticais, realçando um balcão ou uma sacada; relação equilibrada de
cheio (parede) e vazios (vãos); discretas saliências e reentrâncias, emoldurando as janelas;
destaque aos acessos e às circulações verticais, locados preferencialmente na quina ou no
centro do edificado; valorização de esquinas, com chanfro ou arredondamento (favorecendo
a circulação e a percepção); articulação visual das faces em esquina; despojamento
ornamental, com ornatos abstratos; paleta de cores pastéis; e tipografia em alto relevo,
nomeando o edifício. Além disso, caracteriza-se por: implantação tradicional (com fachadas
paralelas às divisas, sendo a frontal posta no alinhamento predial); organização de planta
convencional (com o comércio no térreo); emprego de técnicas construtivas correntes (com
alvenaria autoportante de tijolos rebocada e pintada, piso e forro de madeira, esquadrias de
madeira e vidro e telhado cerâmico). Ressalta-se nos estabelecimentos comerciais a
introdução de cortinas de ferro de enrolar e de bandeiras acima da marquise de concreto
armado: a marquise aparece em 78 projetos art déco. Frisa-se que 213 projetos art déco
destinam-se à margem direita do rio Tubarão e 21 propostas às ruas "projetadas",
remetendo ao grande crescimento citadino entre as décadas de 1940-1960. Desse total
projetual, localizam-se apenas 19 edificações na urbe contemporânea, as quais 13% estão
na margem esquerda (predominantemente no bairro Humaitá) e 87% delas estão na
margem direita (13 na rua Lauro Muller, 6 na rua Altamiro Guimarães e 3 na avenida José
Acácio Moreira). Logo, pela presença do Art Déco, notabiliza-se a rua Lauro Muller,
mormente entre as pontes Nereu Ramos e Dilney Chaves Cabral (BENÍCIO et al., 2020).
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Aspectos da publicidade nas sobrevivências art déco na rua Lauro Muller:
a poluição visual a fragmentar a paisagem cultural em potência

Considerando-se as sobrevivências decorrentes dos 13 projetos art déco aprovados para a


rua Lauro Muller, berço citadino e sítio comercial, onde vigoram leis urbanísticas gerais que
incluem regramentos de comunicação visual urbana e mídia exterior, desprezando as
especificidades da identidade histórica e paisagística, constata-se a descaracterização: a
falta de integridade - a fragmentação da unidade figurativa, sobretudo no térreo comercial.
Verifica-se a multiplicação majoritariamente no térreo de: coloridos berrantes e/ou
contrastantes, sem relação com a linguagem art déco e o edificado único; troca de
revestimentos, privilegiando acabamentos brilhantes; alteração de vãos, incluindo abertura
de novos vazios, vedação de bandeiras, alargamento de portas e janelas e/ou substituição
de esquadrias originais de madeira e vidro por vitrines envidraçadas, gradeadas e/ou
plotadas; toldos diversificados, dentro de vão ou pendente de marquise, com logomarcas e
cores diferentes das paredes; pinturas murais e letreiros; placas variadas de identificação,
acima e/ou abaixo da marquise, perpendiculares e/ou paralelas à fachada, escondendo
grandes áreas desta; cartazes sobre produtos comercializados; anúncios promocionais;
faixas sobre liquidações; painéis luminosos e informes em movimento; iluminações com
luzes piscantes; banners; outdoors; cavaletes, infláveis, bandeirolas e caixas de som nas
calçadas, diminuindo o congestionado espaço de circulação; entre outros artifícios
descaracterizantes. Somam-se componentes de eletricidade, telefonia, internet,
condicionamento de ar, televisão, monitoramento, etc. em modelos distintos, em posições
diversas nas frontarias (principalmente sobre as marquises) e em locais inusitados (topo de
platibandas). Acrescenta-se a tal desarranjo visual, a construção de anexos destoantes
(com estrutura amadeirada ou metálica), sem vínculos compositivos com as preexistências.

Ademais, são extremamente prejudiciais à integridade do Art Déco as configurações díspares


impostas a mesma edificação, fracionando a respectiva fachada em partes independentes
entre si segundo a identidade de cada empresa instalada; inclusive, o pavimento térreo é
terrivelmente percebido como justaposição de informações desvinculada do pavimento
superior. A falta de padronização deprecia o edificado a somatório desconexo e confuso.

Assim, verifica-se a incompatibilidade formal definida por Portella (2003): as sobrevivências


art déco, rebaixadas meros suportes de equipamentos de publicidade, reduzem-se a
construções quaisquer destituídas de valores artístico e histórico. Logo, ratifica-se a poluição
visual concomitantemente nas instâncias da obra arquitetônica e do meio urbano. Portanto,
nota-se o desprezo ao Art Déco como patrimônio e aos caracteres essenciais da paisagem
cultural em potência.
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Figura 4: Projetos e edificações art déco na rua Lauro Muller,
entre as pontes Nereu Ramos e Dilney Chaves Cabral, em 2021.
projetos e seus responsáveis edificações

prédio misto (1945) de Waldemar Manoel Alves prédio comercial

prédio comercial (1950) prédio comercial


de Waldemar Manoel Alves

prédio misto (1945) de Raphael Korb prédio comercial

prédio comercial (1944) de Raphael Korb prédio comercial


Fonte: Adaptada de Tubarão (2021) e elaborada pelas autoras (2021).

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Considerações finais: em prol da proteção oficial
da paisagem cultural do berço citadino

Sobrevive o patrimônio art déco no Centro, berço citadino e sítio comercial. Neste
concentra-se o legado edificado mais antigo e vigoram leis urbanísticas gerais, que incluem
regramentos de comunicação visual urbana e mídia exterior, desprezando as
especificidades da identidade histórica e paisagística junto ao rio Tubarão. Tal legislação
urbanística, a despeito da pouca especificidade, não parece ser efetivamente cumprida.

As sobrevivências art déco apresentam valor artístico e histórico; a articulação desse


conjunto edificado na margem do rio Tubarão exibe-se como valor de paisagem cultural em
potência - este legado pertence a toda a comunidade. Diante disso, questiona-se a falta de
legislações, políticas e ações municipais específicas a favor da preservação desse
patrimônio tubaronense. Urge a salvaguarda da herança art déco em Tubarão.

Logo, remete-se às consequências da excessiva quantidade de equipamentos de


publicidade impostas às edificações art déco sobreviventes na rua Lauro Muller: verifica-se o
mal-ajambrado amontoado de elementos anexados às superfícies arquitetônicas,
rebaixadas a meros suportes das estratégias comerciais - nas frestas da reinante poluição
visual, ainda se visibilizam as sobrevivências art déco. Deveras, onde reina a poluição
visual, esvai-se como potência patrimonial a paisagem cultural, reduzida ao valor de
mercadoria.

Defende-se, pois, a revisão da legislação urbanística tubaronense, abrangendo


especificações mais completas referentes a regramento de padronização dos equipamentos
de publicidade. Ademais, é imprescindível que a instituição da legislação urbanística
revisada seja acompanhada de campanhas municipais de conhecimento e conscientização,
bem como de ações de educação patrimonial envolvendo a comunidade, incluindo a
publicação de cartilha. Em concomitância, é necessário que a municipalidade assuma sua
responsabilidade, com eficiência, de informar, orientar, exigir a aprovação prévia dos
equipamentos de publicidade no espaço público, fiscalizar, fazer cumprir tal regramento e
penalizar os casos de desconformidade.

Referências

ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO AMADIO VETTORETTI. Acervo. Fotografias. Tubarão.


Tubarão: [s. n.], 2020.

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2018. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis, 2018.
BENÍCIO, Danielle et al. As sobrevivências art déco em Tubarão. 2020. Pesquisa
(Iniciação Científica em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade do Estado de Santa
Catarina, Laguna, 2020.
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Carta da Paisagem Cultural. Bagé: [s. n.], 2007. Disponível em:
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Acesso em: 24 set. 2021.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Portaria n. 127, de 30
de abril de 2009. Diário Oficial da União, Brasília, n. 83, p. 17, 5 maio 2009. Disponível em:
http://sigep.cprm.gov.br/destaques/IPHAN_portaria127_2009PaisagemCultural.pdf. Acesso
em: 24 set. 2021.
BRESLER, Henri. O Art Décoratif moderno na França. In: RIO DE JANEIRO. Centro de
Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. Art Déco na América Latina. Rio de Janeiro:
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; Secretaria Municipal de Urbanismo; Solar
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CONDE, Luiz Paulo; ALMADA, Mauro. Introdução. In: RIO DE JANEIRO. Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Urbanismo. Guia da arquitetura art
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DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
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MEDEIROS, Rodrigo. A formação do espaço urbano de Tubarão e a Ferrovia Tereza
Cristina. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal
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MESQUITA, Cleunice. A praça como espaço público: um estudo de caso na cidade de
Tubarão/SC. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Universidade do
Extremo Sul Catarinense, Criciúma, 2015.
PORTELLA, Adriana. A qualidade visual dos centros de comércio e a legibilidade dos
anúncios comerciais. 2003. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
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TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão (PMT). Arquivo Prático. Acervo. Processos.
Tubarão: [s. n.], 2021.
TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão (PMT). Lei n. 74, de 26 de janeiro de 1951.
Tubarão: PMT, 1951. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/pdf/Lei-ordinaria-74-1951-
Tubarao-SC.pdf. Acesso em: 22 maio 2020.
TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão (PMT). Lei n. 451, de 18 de dezembro de
1967. Tubarão: PMT, 1967. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/pdf/Lei-ordinaria-
451-1967-Tubarao-SC-consolidada-[04-01-1994].pdf. Acesso em: 22 maio 2020.
TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão (PMT). Lei n. 1811, de 04 de janeiro de 1994.
Tubarão: PMT, 1994. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/pdf/Lei-ordinaria-1811-
1994-Tubarao-SC-consolidada-[19-04-2017].pdf. Acesso em: 22 maio 2020.
TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão (PMT). Lei n. 3859, de 12 de julho de 2013.
Tubarão: PMT, 2013. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/pdf/Lei-ordinaria-3859-
2013-Tubarao-SC-consolidada-[24-07-2019].pdf. Acesso em: 22 maio 2020.
TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão. Decreto n. 4.465, de 12 de novembro de
2018. Tubarão: PMT, 2018a. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/pdf/Decreto-4465-
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TUBARÃO. Prefeitura Municipal de Tubarão. Lei n. 4.962, de 04 de setembro de 2018.
Tubarão: PMT, 2018b. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/pdf/Lei-ordinaria-4962-
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UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION
(UNESCO). World Heritage Committee. Convention concerning the protection of the
world cultural and natural heritage. Santa Fe: Unesco, 1992. Disponível em:
https://whc.unesco.org/archive/repcom92.htm. Acesso em: 24 set. 2021.
VETTORETTI, Amadio. História de Tubarão. Tubarão: PMT, 1992.
VETTORETTI, Amadio. Palacete Cabral, a Casa da Cidade. Tubarão: PMT, 1997.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O DUELO DE MC’S: NUM LUGAR ANTES VAZIO, HOJE TEM ARTE E


COMUNHÃO

Luciene Tenório (lutenorioarq@gmail.com)

Julia Furtado Zanon (j.furtadozanon@gmail.com)

Nathalia Lima De Souza Pedroso (pedroso.nat@gmail.com)

O presente ensaio é o produto da disciplina Arte Contemporânea, ministrada


pela Professora Marta Neves no programa de Pós-graduação em História da
Arte da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). A
disciplina ementou compreender a Arte Contemporânea quando ela perde a
sua ligação com o sagrado ganhando um novo papel ao ocupar as ruas e
dialogando sobre as suas novas funções no mundo contemporâneo. O objetivo
é analisar como a apropriação do Viaduto Santa Tereza pelo Duelo de MC’s
contribui para a manutenção e para a identificação da população com um
monumento arquitetônico que apesar de ter sido tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) e fazer parte do
imaginário da cidade de Belo Horizonte, mas se encontrava em estado de
abandono e degradação. A ideia é também apresentar como experiências que
integrem atividades culturais espontâneas potencializam a rememoração e o
vínculo afetivo da população com o edifício, possibilitando uma nova narrativa
aos territórios urbanos. Em 2007, o coletivo Família de Rua organizou pela
primeira vez o Duelo de MC's com o intuito de promover a cultura do Hip-Hop e
ocupar o centro da cidade de Belo Horizonte. As batalhas de rimas que
aconteciam inicialmente na Praça da Estação, com uma caixa de som ligada
em cima de um skate e alguns rimadores de forma improvisada, já mostravam
sua potência pela vontade de fazer acontecer. Ao seguir para debaixo do
Viaduto Santa Tereza, se consolidou como um espaço/evento de interação
cultural e ressignificou uma área urbana tradicional que estava esquecida e
abandonada pelo poder público. O seguinte trabalho apresenta então o Duelo
de MC’s e reflete como a sua manifestação na cidade rompe com as estruturas
de poder vigentes e sensibiliza espaço, experiências e identidades: coletivas e
individuais. Para isso foi necessário apresentar o contexto histórico do Viaduto
Santa Tereza, através da documentação referente a construção do Viaduto,
marco do avanço industrial na capital mineira e um panorama do movimento
Hip-Hop, ambos catalizadores do Duelo de MC’s e o coletivo Família de Rua,
idealizador do projeto. A importância da ocupação do espaço público pelas
batalhas refletiu no panorama do Duelo que hoje atingiu uma escala nacional
dentro do cenário do rap brasileiro e principalmente na dinâmica cultural e
social da cidade de Belo Horizonte.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A COR PATRIMONIAL URBANA: IDENTIFICAÇÃO E MAPEAMENTO DAS


SUPERFÍCIES ARQUITETURAIS HISTÓRICAS DA RUA DIREITA DA
CIDADE DE LARANJEIRAS SE/BR

Karoline P. De Paulo (karolinedepaulo@gmail.com)

Eder Donizeti Da Silva (eder@infonet.com.br)

O presente estudo teve como objetivo estudar a paisagem patrimonial urbana


por meio de sua cultura cromática, analisando as superfícies pintadas do
conjunto edificado do Calçadão Getúlio Vargas da cidade de Laranjeiras no
interior do Estado de Sergipe no Nordeste brasileiro. Essa rua, antiga Rua
Direita, comumente assim denominada na maioria das cidades implantadas no
período Colonial, é parte do tombamento do conjunto arquitetônico, urbanístico
e paisagístico determinado pelo IPHAN em 1995. Com edificações
remanescentes dos séculos XVIII, e especialmente XIX, são capazes de
demonstrar a cultura material e imaterial não apenas nos elementos
arquitetônicos, mas também pelas cores empregadas nas camadas de suas
fachadas. Para entender a cor neste processo, foram explorados diferentes
aspectos históricos e técnicos dos seus cromatismos, considerando desde sua
produção até suas distintas manifestações no passar dos séculos. Para tanto, a
metodologia empregou ações de carácter qualitativo e quantitativo; através do
levantamento teórico-histórico da evolução urbana da cidade e das edificações
do conjunto, foram trabalhadas fontes bibliográficas primárias, a história oral da
comunidade laranjeirense e a analise iconográfica de fotografias antigas. Estes
dados foram complementados com o auxílio do Colorímetro Digital e Catálogo
de Cores NCS aplicados in situ na análise das fachadas, que identificou os
cromatismos nas superfícies arquiteturais das 23 edificações presentes
atualmente na Rua. Como resultado, obteve-se o conhecimento e a
possibilidade de discussão científica do tipo de tintas utilizadas no seu tempo
(as históricas ou sintéticas), e a sua origem (animal, vegetal, mineral,
industrial). Foi possível, ainda, determinar a predominância de duas paletas de
cores principais: a composta de tons rosas, ocres e brancos, empregada no
auge econômico da cultura açucareira da cidade em meados e final do século
XIX; e outra de maior diversidade de tons a partir do início do século XX, com a
introdução de tintas industriais, adicionando os verdes e azuis. Em seguida,
foram catalogados e organizados em mapas as atuais cores dessas fachadas,
registrados 57 tons distintos: 26 amarelos, 11 azuis, 11 verdes, 6 vermelhos e 3
negros. Os quais, em sua maioria, foram inseridos no espectro claro de sua
manifestação, apresentando grande porcentagem de branco na mistura, e/ou
baixa força cromática. Dessa forma, por meio da identificação e mapeamento
das cores das superfícies arquitetônicas pintadas, foi possível entender e
apreender a cultura cromática presente na área histórica urbana da cidade de
Laranjeiras, demonstrar uma metodologia científica que pode ser muito válida
para a conservação, prevenção e restauro do patrimônio cultural material e
imaterial, e testemunhar como a paisagem urbana apresenta transformações
pictóricas no decorrer do tempo; possibilitando o registro e, consequentemente,
a preservação da memória e identidade da história de uma sociedade.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

DO BEM-APRESENTADO ART DÉCO AO MAL-AJAMBRADO


AMONTOADO: OS IMPACTOS DA POLUIÇÃO VISUAL NA PAISAGEM
CULTURAL DO BERÇO CITADINO DE TUBARÃO/SC

Danielle Rocha Benicio (daniellebenicio@gmail.com)

Cândida Alves Vicente (candidaav@hotmail.com)

Paloma Medeiros Gomes (paloma.medeirosgomes@gmail.com)

Pyetra Lila (pyetralila@hotmail.com)

Neste trabalho visa-se examinar a preservação da paisagem cultural


considerando a instalação de equipamentos de publicidade no Centro de
Tubarão na Contemporaneidade. Este bairro coincide com o berço citadino e o
sítio comercial tradicional e concentra o legado edificado mais antigo da cidade.
Nele vigoram leis urbanísticas gerais, que incluem regramentos de
comunicação visual urbana e mídia exterior, desprezando as especificidades
da identidade histórica e paisagística junto ao rio Tubarão. No município
voltado ao futuro, exibido como o de maior progresso no sul catarinense, os
bens do passado não são oficializados patrimônio pela municipalidade no
presente. Como estudo de caso, delimita-se o objeto às edificações art déco na
rua Lauro Muller, margem direita do rio entre as pontes Nereu Ramos e Dilney
Chaves Cabral: é o trecho com o conjunto mais antigo e notável. A partir disso,
objetiva-se em específico: analisar a legislação urbanística tubaronense acerca
da proteção da paisagem cultural e da instalação de equipamentos de
publicidade; diagnosticar as sobrevivências art déco no citado trecho viário;
investigar a obediência ou não do existente às normas; identificar as
consequências da publicidade à preservação da paisagem cultural, ponderando
especialmente a conservação do Art Déco. Para isso, procede-se
metodologicamente a: dissecação da legislação urbanística municipal,
abarcando dispositivos preservacionistas; revisão bibliográfica, histórica e
iconográfica abrangendo a cidade de Tubarão, o Art Déco e a paisagem
cultural; análise dos projetos aprovados pela Prefeitura Municipal;
levantamento in loco, registro fotográfico e diagnóstico do remanescente art
déco no universo delimitado; e cotejamento e reflexão crítica dos dados
coletados. A abordagem qualitativa articula no método morfológico as
configurações visíveis entre passado e presente, a favor do futuro que
contemple os distintos tempos. Feito isso, constata-se o descumprimento das
normas na rua Lauro Muller - nos últimos anos ocorre a multiplicação de:
coloridos berrantes e/ou contrastantes, sem relação com a linguagem art déco
e o edificado único; troca de revestimentos, privilegiando acabamentos
brilhantes; alteração de vãos, incluindo abertura de novos vazios, vedação de
bandeiras, alargamento de portas e janelas e/ou substituição de esquadrias
originais de madeira e vidro por vitrines envidraçadas, gradeadas e/ou
plotadas; toldos diversificados, dentro de vão ou pendente de marquise, com
logomarcas e cores diferentes das paredes; pinturas murais e letreiros; placas
variadas de identificação, acima e/ou abaixo da marquise, perpendiculares e/ou
paralelas à fachada, escondendo grandes áreas desta; cartazes sobre produtos
comercializados; anúncios promocionais; faixas sobre liquidações; painéis
luminosos e informes em movimento; iluminações com luzes piscantes;
banners; outdoors; cavaletes, infláveis, bandeirolas e caixas de som nas
calçadas, diminuindo o congestionado espaço de circulação; entre outros
artifícios descaracterizantes. Daí verifica-se o mal-ajambrado amontoado de
elementos anexados às superfícies arquitetônicas, rebaixadas a meros
suportes das estratégias comerciais - nas frestas da reinante poluição visual,
ainda se visibilizam as sobrevivências art déco. Deveras, onde reina a poluição
visual, esvai-se como potência patrimonial a paisagem cultural, reduzida ao
valor de mercadoria. Urge a salvaguarda da herança art déco em Tubarão.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

A COR PATRIMONIAL URBANA: identificação e mapeamento das


superfícies arquiteturais históricas da Rua Direita de Laranjeiras
SE/BR

PAULO, KAROLINE P. (1); SILVA, ÉDER D. (2).

1. Universidade Federal de Sergipe. Programa de Pós-Graduação em História.


Av. Marechal Rondon, s/n, Campus São Cristóvão, Sergipe.
E-mail: karolinedepaulo@gmail.com

2. Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.


Rua Samuel de Oliveira, s/n, Campus Laranjeiras, Sergipe.
E-mail: eder@infonet.com.br

RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo estudar a paisagem patrimonial urbana por meio de sua cultura
cromática, analisando as superfícies pintadas do conjunto edificado do Calçadão Getúlio Vargas, na
cidade de Laranjeiras no interior do Estado de Sergipe do Nordeste brasileiro. Para tanto, foram
exploradas através do levantamento teórico-histórico, fontes bibliográficas primárias, a história oral da
comunidade laranjeirense e a analise iconográfica de fotografias antigas. Complementarmente, com o
auxílio do Colorímetro Digital e Catálogo de Cores NCS aplicados in situ na análise das fachadas, foram
identificados e catalogados em mapas os cromatismos nas superfícies arquiteturais das 23 edificações
presentes atualmente na Rua. Permitindo, dessa forma, entender e apreender a cultura cromática
presente na área histórica urbana da cidade de Laranjeiras, demonstrar uma metodologia científica que
pode ser muito válida para a conservação, prevenção e restauro do patrimônio cultural material e
imaterial, e testemunhar como a paisagem urbana apresenta transformações pictóricas no decorrer do
tempo; possibilitando o registro e, consequentemente, a preservação da memória e identidade da
história de uma sociedade.

Palavras-chave: arquitetura; cor; cromatismos; identificação; mapeamento.

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Introdução

A imagem urbana é determinada pela relação existente entre diversos fatores, entre eles: sua
materialidade, sua linguagem formal-compositiva, sua disposição no tecido urbano, a
volumetria, pelos cheios e vazios, o meio natural em que se insere, e por fim, pela cor
(AGUIAR, 2002, p.316). A cor desempenhou, em especial, importante papel nos espaços
urbanos históricos, segundo Bezerra e Nappi (2012, p.70), ela foi nas cidades antigas tanto
elemento principal de identificação do homem com o meio, quanto ferramenta de
diferenciação espaço-temporal, se diversificando pelos mais distintos territórios, climas e
sociedades.

Ao contrário da imagem que as antigas cidades romanas hoje apresentam, essas foram em
seu ápice um meio extremamente rico em cromatismos. Essas manifestações, além de seu
valor estético, eram fruto do processo de adaptação da urbe as condições luminosas de seu
clima (BEZERRA, 2010, p.20). Já na África é possível observar que, destoando das
comunidades na região sul, conhecidas pelos matizes exuberantes em contraste com o
espaço de inserção, o Norte, em seus limitados insumos pétreos, mimetizava as cores do
meio, resultando em uma homogeneidade cromática entre construção e natureza (BEZERRA,
2010, p.22; NAOUMOVA, 2009, p.59).

Em outra perspectiva, existiram momentos em que a cor correspondeu a intenções simbólicas


de manifestação de poder. Desde a Antiguidade, até a inserção das tintas artificiais no século
XX, as cores mais preciosas eram aquelas mais difíceis de serem processadas,
consequentemente implicando no poder econômico de quem as exibiam. Dessa forma, seja
por sua materialidade ou simbologia, é possível assumir que “Cada época possui a sua cultura
arquitetônica, à qual correspondeu uma especifica cultura cromática.” (AGUIAR, 2002, p.137).
Sendo, assim, importante parte da cultura de um povo, estando intrinsecamente ligada a seu
território, cotidiano e costumes, logo, digna de preservação.

Para tanto, é de extremo interesse, como parte dos mecanismos de salvaguarda, sua devida
documentação. Ao registrar essa memória única patrimonial urbana, tais produções técnicas,
se tornam elos afetivos com o passado, meios para rememoração e preservação daquilo que
se perdeu, ou que um dia poderá deixar de existir (OLIVEIRA, 2008, p.13). Nesse sentido, o
presente trabalho teve como objetivo estudar a paisagem patrimonial urbana por meio de sua
cultura cromática, analisando e documentando as superfícies pintadas do conjunto edificado

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do Calçadão Getúlio Vargas da cidade de Laranjeiras, interior do Estado de Sergipe do
Nordeste brasileiro.

Esse conjunto arquitetônico, parte do tombamento urbanístico e paisagístico determinado pelo


IPHAN em 1995, faz parte da estrutura da antiga Rua Direita, via comumente assim
denominada na maioria das cidades implantadas no período Colonial. Com edificações
remanescentes dos séculos XVIII, e especialmente XIX, são capazes de demonstrar a cultura
material e imaterial não apenas nos elementos arquitetônicos, mas igualmente pelas cores
empregadas nas camadas de suas fachadas. Dessa forma, a sua escolha como objeto de
estudo parte tanto por sua expressividade arquitetônica, como pela sua importância histórica
no desenvolvimento de Laranjeiras.

Para alcançar esse respectivo conhecimento, foram realizadas pesquisas em fontes primárias
e secundárias, como textos, fotos e documentos que preservassem tais informações, onde
extrema importância se fez a oralidade da população laranjeirense. Por meio da troca entre
informações originadas em fontes materiais e imateriais, foi possível traçar linhas de
concordância e dissonância entre a cultura cromática de Laranjeiras e a de outros territórios,
mostrando sua singularidade cultural e patrimonial. Complementarmente, com o auxílio do
Colorímetro Digital e Catálogo de Cores NCS aplicados in situ na análise das fachadas, foram
identificados e catalogados os atuais cromatismos nas superfícies arquiteturais das 23
edificações do conjunto. Conectando, assim, a memória passada e a cultura presente da cor
urbana desse importante espaço histórico.

A cor e o espaço patrimonial urbano histórico: a história contada


pelas fontes

Buscando compreender a cor no espaço urbano por meio do caso particular da Rua Direita
da cidade de Laranjeiras, foram trabalhados primeiramente os aspectos históricos e técnicos
de sua manifestação. Para tal, foi desenvolvido o levantamento teórico-histórico centrado em
fontes bibliográficas primárias, secundárias, a história oral da comunidade laranjeirense e a
analise iconográfica de fotografias antigas. Nele, foi explorado o método de produção das
tintas empregues, o seu tipo (históricas ou sintéticas), e a sua origem (animal, vegetal, mineral,
industrial). Para a coleta da oralidade, o método escolhido foi a entrevista de caráter aberto,
caracterizada pela exposição geral de um tema no qual o entrevistado recebe a oportunidade
a livre abordagem do assunto, permitindo a rememoração natural dos eventos. Entre as
grandes vantagens desse método está a possibilidade de uma maior coleta de informação,
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facilidade de engajamento do entrevistado, devido a postura mais informal do processo (BONI
e QUARESMA, 2005).

Buscando apreender as cores empregues no passado do Calçadão, o tema das entrevistas


foi dedicado as memórias de infância dos membros da comunidade laranjeirense, o que
possibilitou identificar duas paletas da região: a primeira correspondente até
aproximadamente 1970, com Valdete Rocha de 93 anos; e a segunda referente as cores
empregues a partir de 1980, com Sônia Borges de 64 anos. Para auxiliar a contextualização
temporal das narrativas obtidas, foram cruzados alguns fatos apresentados nas entrevistas,
com as notícias publicadas no Jornal Vida Laranjeirense, operante no município de
Laranjeiras no século XX, permitindo maior precisão aos relatos.

Laranjeiras, cidade sergipana situada entre oito colinas e ao longo das águas do Rio
Cotinguiba, surgiu no final do século XVI por meio de uma Carta de Sesmaria endereçada a
Thomé Fernandes em 23 de julho de 1594 (OLIVEIRA, 1981, p.23), como o primeiro dos
novos donatários, lentamente promoveu a ocupação desse novo território. Centrado em seu
porto, a região passou a tomar forma, totalizando em 1606 vinte e uma doações de terras, um
começo próspero que foi forçadamente interrompido pela ocupação holandesa que subjugou
a região por trinta e nove anos, e quando finalmente foi obrigada a abandoná-la, já em 1645,
deixou o novo núcleo em completo estado de destruição, e uma árdua missão de se
reestabelecer.

Começando sua segunda fase de crescimento entre a segunda metade do século XVII e o
XIX, Laranjeiras encontrou por meio da fé e do comércio sua força para expansão. Seguindo
as margens do Rio Cotinguiba, trapiches, armazéns e casas de comércio se proliferaram,
permitindo que em 1731 recebesse sua primeira ocupação religiosa efetiva com os jesuítas,
que instauraram um novo polo urbanizador: a Igreja da Comandaroba. Tais condições
econômicas e religiosa ascendentes, permitiram que em 1799 essa jovem ocupação fosse
reconhecida como Povoado de Laranjeiras.

Com um forte comércio de importação-exportação, e atividade agropecuária cada vez mais


estável, Laranjeiras estabeleceu as bases para sua independência política, o que permitiu
entre os anos de 1750 e 1800, se estabelecessem novos polos religiosos. Situado em região
mais próxima ao centro econômico do povoado, destacou-se nesse processo a Capela do
Santíssimo Coração de Jesus, sua matriz. Elevada à categoria de Vila em 1832, Laranjeiras
era aclamada por ser casa de personalidades importantes como médicos, advogados, artistas

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e comerciantes, desfrutando, consequentemente, de um forte poderio econômico, grande
prestígio social, e reconhecido corpo religioso por toda Sergipe.

Progressivamente expandindo suas fronteiras, foi elevada à categoria de cidade apenas doze
anos depois, em 1848. Laranjeiras, então, finalmente desfrutou no século XIX de seus anos
dourados, onde seus engenhos atingiram sua máxima produtividade, seu porto era
amplamente reconhecido, e sua feira despontava como a principal no território sergipano.
Contudo, não muito depois, ela logo encontrou sua decadência: em reflexo a abolição da
escravatura no final do século XIX, seu sistema econômico, que em muito dela dependia,
colapsou. A outrora potência sofreu um intenso esvaziamento de sua urbe, que apenas se
agravou com as crises epidémicas que assolaram a cidade.

Com um quadro geral no início do século XX nada promissor, era visível pelos artigos do
Jornal a Vida Laranjeirense que, apesar deste estado urbano decadente, haviam iniciativas
públicas e políticas na cidade dedicadas a melhorias na higiene, iluminação, vias e pontes,
além de uma forte movimentação no cenário sociocultural, com constantes visitas de artistas
e artífices. Entretanto, o definitivo novo sopro de vida só ocorreu em 1980 com a ocupação
industrial, que promoveu novo adensamento no centro histórico outrora abandonado,
consolidando uma última vez uma das mais importantes áreas comerciais de Laranjeiras: o
conjunto hoje conhecido como Calçadão Getúlio Vargas.

A Rua Getúlio Vargas, fragmento da Rua Direita, era a região mais bem localizada, situando-
se entre o Porto, a Feira Municipal e a Matriz do Sagrado Coração de Jesus, conectando,
assim, o polo religioso ao comercial (Figura 01). Apresentando em sua estrutura diverso
espaço de comércio e serviço, destacou-se arquitetonicamente do restante da cidade pelos
famosos sobrados que configuravam sua paisagem urbana. Azevedo (1975, apud Leão, 2011,
p.88-90), quando aborda a região, indica a transformação arquitetônica como um processo
natural da evolução econômica citadina, onde à medida que as condições de vida dos
moradores melhoravam, suas edificações simples eram substituídas pelos imponentes
sobrados.

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Figura 01 – Configuração urbana de Laranjeiras.

Fonte: Organizado pelos autores, 2021.

Apresentando uma estabilidade tanto estética quanto de uso, muito provavelmente atribuída
ao esvaziamento da urbe no início do século XX, as edificações restantes hoje no calçadão
são remanescentes dos séculos XVIII, e principalmente XIX, intervalo correspondente aos
anos dourados da cidade. Como uma manifestação naturalmente urbana, o sobrado é uma
tipologia arquitetônica de uso misto, que apresentava no térreo suas atividades comerciais,
se aproveitando do fluxo provido pelo contato direto com a rua, enquanto o pavimento superior
era dedicado a vida familiar. Caracterizados pela falta de afastamento entre lotes, criavam
uma sucessão de superfícies com diferentes motivos estilísticos e decorativos (GOMES,
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2002, apud LEÃO, 2011, p.88), e que no caso de Laranjeiras, é identificável elementos entre
o neoclássico, neogótico e eclético.

Quanto as técnicas construtivas, é possível encontrar uma homogeneidade de práticas que


poderia se definir como herança. Devido ao alto valor atribuído aos insumos pétreos, muitas
das edificações residenciais eram executadas com taipa de pilão ou pau-a-pique, e então
recobertas por camadas de argamassa que imitavam o aspecto das construções em pedra
(BEZERRA, 2010, p.25). A cal, integrante principal as misturas argamassadas, é tida como
um dos primeiros ligantes constatados na história, registros informam de seu emprego
policromado desde antes de Cristo, a exemplo os egípcios, cretenses e etruscos, que através
de um leite de cal (água + cal), executavam os cromatismos tanto em interiores, quanto nas
fachadas de suas cidades.

Além da posterior pintura com o leite da cal, a própria argamassa poderia ter suas
características cromáticas alteradas em função de: seus agregados; da adição de palha
ardida/ carvão moído/ pó de tijolo ou pedras a sua massa; ou pela presença de terras com
capacidades colorantes específicas (AGUIAR, 2002, p.256). Frente a uma expressiva
limitação imposta a fabricação dos pigmentos, esses por muitas vezes correspondiam as
fontes minerais, animais ou vegetais disponíveis na região, sendo assim, historicamente fruto
da manipulação do meio.

Considerando o caso da cidade de Laranjeiras, mesmo com uma economia exponencial, é


coerente pensar que a técnica predominante de pintura parietal das fachadas foi a base da
cal ou de revestimentos argamassados. Onde seus pigmentos, muito provavelmente, também
foram resultado de um processo de extração de insumos locais, ou ainda, de materiais
diversos trazidos nas embarcações ou por artífices viajantes. Hipóteses que foram possíveis
confirmar pela oralidade de membros de sua comunidade.

Abordando o passado técnico e cromático das cores da Rua Direita de Laranjeiras, Valdete
Rocha, 93 anos, narrou suas memórias de infância sobre a região, permitindo identificar em
sua fala importantes fatos. Buscando, primeiramente, situar o momento histórico ao qual ela
está rememorando, é possível interpretar por sua fala que morou no calçadão enquanto
menina, pois ainda estava na escola, perceptível pelo trecho: “Era sobrado, muitos deles. Eu
morei em um, que hoje está caindo. E o do outro lado, era de uma professora minha,
municipal. Ela me ensinava tudo! Tudo o que eu aprendi, agradeço a ela e a Dona Zizinha”
(informação verbal). Fazendo uma pesquisa nos artigos do Jornal Vida Laranjeirense, em um

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exemplar de 1935 foi noticiado a participação da Professora Zizinha Guimarães, e quatro
alunos da escola que dirigia, na inauguração da Biblioteca Municipal, permitindo uma primeira
orientação temporal da narrativa.

Outra informação de apoio é quando mais tarde ela menciona a passagem de Lampião por
Laranjeiras, contando: “E tinha o do Doutor. [...] Lampião veio, e se tratou com ele, de um
olho. [...] Ele lhe disse que enquanto fosse vivo, não entraria em Laranjeiras” (informação
verbal). Lampião, que faleceu em território sergipano na Gruta de Angicos em 1938, foi
noticiado no Jornal Vida Laranjeirense de 1931, onde o 18º Batalhão de Caçadores de Aracaju
teria saído no encalço do conhecido bandoleiro. A narrativa sobre as cores da senhora Valdete
Rocha, assim, muito provável se insere no intervalo do início de 1940 para a metade de 1950,
quando atingiria idade entre 13 e 18 anos, onde discorre:

As cores eram amarelas, e mais branco. Naquela época pintava mais de cal,
não? Não eram essas tintas boas que temos agora. A pessoa não tinha
condições muito boas, então pintava de cal. [...] Tinha rosa, verde claro, mas
não vermelho. E marrom claro. [...] Perto da Zizinha, tinha outro sobrado
vizinho, que era uma pensão. Era pintado de amarelo. E vizinho ao de
Zizinha, tinha uma casa, e outro sobrado pequeno, com apenas dois andares,
[...] que era pintado de rosa claro. (Informação verbal)

O branco, cor identificada como predominante na narrativa, é fortemente presente em


diversas regiões de Portugal, em um estudo realizado em 1981 para o Plano de Recuperação
e Salvaguarda de Beja, foi constatado que a cor branca representava 85% das fachadas
estudadas, seguida dos vermelhos (5%), amarelos (5%) e dos azuis e verdes, representando
os 5% restantes (AGUIAR, 2002, p.334). Sua predominância pode ser tanto consequência da
facilidade de sua execução, cor resultante da caiação, quanto pela concepção higienista
presente a partir da segunda metade do século XIX, frente a já conhecida propriedade
antisséptica da cal (GIL, 2009, p.143).

Quanto as cores, outra questão a chamar atenção na narrativa é a informação as tonalidades


exclusivamente claras. É de conhecimento que devido a uma certa limitação de absorção da
cal aos pigmentos, os tons resultantes eram mais próximos aos pasteis, apresentando uma
popular tricromia entre o branco, ocres e rosas (MOITA, 1996 apud AGUIAR, 2002, p.346).
Em As Casas Pintadas de Évora (2014, p.58), os tons de ocre, com natureza inorgânica e
mineralógica diversa, eram reconhecidos pela sua grande estabilidade. Com sua cor creditada
ao óxido de ferro de sua composição, poderiam variar entre o laranja e amarelo (FONSECA,
2006, p.70).

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No que diz respeito da tonalidade rosa, seu produto era consequência do esmaecimento de
pigmentos vermelhos misturados com a argamassa ou leite de cal. Pigmento precioso, é
constatado por Vitrúvio sob dois tipos: o proveniente do cinábrio, e o vermelhão. Destacando-
se o segundo, já que o cinábrio, quando exposto a luz solar, sofria uma reação química e
enegrecia. Em Portugal, entretanto, foram registrados rosas provenientes de outras fontes,
onde: “[...] o rosa tradicional, em Lisboa, era obtido a partir do carmim ou do ‘grenat’, com
menor ou maior mistura de cal, nada tem a ver com os agressivos e amesquinhadores ocres
rosados [...].” (MOITA, 1996 apud AGUIAR, 2002, p.582).

No que se diz respeito aos pigmentos produzidos em território nacional, é perceptível uma
certa miscigenação das tradições portuguesas com o novo território, fruto tanto da nova flora
e fauna, quanto pela influência negra e indígena (PEDROSA, 2014, p.150; SILVA e SANJAD,
2013, p.3). Quando os pigmentos não eram retirados das próprias penas das aves, fazia-se
uso de insumos vegetais, onde o vermelho poderia ser extraído do urucum, da árvore sangue
de dragão, e do pau-brasil, e o amarelo do açafrão (CIANCIARULO, 2014, p.70; PEDROSA,
2014, p.151).

Estudando as tintas locais presentes na arquitetura de Belém, no estado do Pará, Silva e


Sanjad (2013, p.4), falam de uma forte influência indígena na produção dos pigmentos,
produto da mistura da tabatinga processada, água, e leite da árvore sovina. Almeida (2016,
p.234), estudando os conventos franciscanos na Província de Santo Antônio, na região
Nordeste brasileira, constatou pigmentos variando marrom, amarelo e vermelho, que foram
creditados as características minerais do solo, ao açafrão, ao urucum e ao carajuru. Delamare
e Guineau (2000,) apud Naoumova (2009, p.55), complementam os possíveis insumos típicos
brasileiros com a coloração vermelho-rosada a cochonilha, um inseto da família Cocciae.

Ultrapassando a esfera dos pigmentos mais comuns, tem-se ainda os azuis, verdes e
tonalidades de índigo. Os azuis, devido a sua baixa reação com a cal, eram de difícil aplicação
nas fachadas das edificações históricas (AGUIAR, 2002, p.453). Seu uso era quase que
exclusivo as pinturas encomendadas por famílias de extremo poder econômico ou da Igreja.
Sua produção foi registrada pelo processamento do óxido de cobre com quartzo no Egito; da
pedra lápis-lazúli na Europa a partir de 1200 d.C.; ou sílica/ óxidos de cobre e sais de bário
na China (BANKS e FRASER, 2007, p.50; CRUZ, 2007, p.13; MELLO e SUAREZ, 2012, p.5).
Em As Casas Pintadas de Évora (2014, p.60), faz-se menção de uma azul-índigo, encontrado
em Portugal, que era proveniente do processamento da planta Ingiósfera tictória.

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Aguiar (2002, p.453), comenta nos estudos realizados para a intervenção no Palácio de
Queluz, localizando em Sinta, que foi possível encontrar o pigmento azul de esmalte.
Conhecido desde a Antiguidade, era resultado da calcinação de cobalto, quartzo e álcali,
formando um vidro de tonalidade azul, que seria esmagado e adicionado à pasta ou leite de
cal. No Brasil, tais tons que se aproximam do anil, foram registrados como extraídos de
arbustos (DELAMARE e GUINEAU, 2000 apud NAOUMOVA, 2009, p.55).

Por último, os tons esverdeados, consideravelmente mais incomuns, são normalmente de


origem mineral, pelas conhecidas terras verdes. São definidos tanto por Cruz (2007, p.16),
quanto por Pedrosa (2014, p.123), como os pigmentos processados a partir de solos
argilosos, ou pedras com os minérios caladonite, glauconite e a clorite. Na antiguidade,
Vitrúvio indicava a terra de Esmirna, cidade da Jônia, como a responsável pela produção de
tal cor.

Sobre a cultura cromática da região, a Sra. Valdete Rocha, ainda comenta sobre estilismos
na pintura das fachadas, descrevendo que “O marrom colocava em baixo, para distinguir.
Tinha o rodapé de uma cor, e a parte de cima de outra” (informação verbal), costume que
pode ser identificado em fotografias antigas da região. Gil (2009, p.141), comenta que na
região do Alentejo, no século XX, era comum a decoração policromada dos rodapés, cunhais,
platibandas, molduras de portas e janelas. Demostrando uma certa herança portuguesa de
tais práticas ainda aplicadas em Laranjeiras na época.

Em outra entrevista, dessa vez com uma moradora laranjeirense que comentou suas
memórias em uma época distinta a de Valdete Rocha, foi possível conhecer uma similar, mais
ao mesmo tempo distinta narrativa cromática. Sônia Borges Melo, moradora de Laranjeiras
desde seu nascimento, ao comentar as cores aplicadas no Calçadão, discorre:

O Calçadão, a princípio, não era calçadão. A Rua Getúlio Vargas, era


popularmente chamada a Rua do Comércio [...] tinha variedade. Tanto tinha
o claro, como o berrante, ou como o chamavam: o espalhafatoso. [...] Mesmo
porque, eu ainda me lembro que era tinta feita de cal, e que tinha uns
‘pinguinhos’ que se colocava de pigmentação, e você dava o tom que você
queria. [...] Tinha o azul forte. Os tons eram mais pasteis. O que predominava,
normalmente, eram essas cores: o azul, o rosa e o verdinho. Tinha aquela
pigmentação que colocava na cal, que depois aperfeiçoou para o hidracor.
(Informação verbal)

Considerando que hoje apresenta 64 anos, sua narrativa avança, muito provavelmente, para
o final de 1970, quando já teria alcançado idade próxima dos quatorze. Mesma época em que
o processo de industrialização chegou na cidade. Tal momento permitiria a introdução de
novos meios para a pigmentação das edificações, comprovado por sua memória de misturar
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o “hidracor” com a cal. Pode-se perceber, também, que devido a sua aplicação continuar
ligada a cal, as cores predominantemente ainda eram as pasteis. Com exceção do azul, ainda
permaneciam os matizes (amarelo, rosa e o verde claro) e as tradições pictóricas das
fachadas (distinção de cores por pavimento e ornamentos), anteriormente comentadas por
Valdete Rocha (Figura 02).

Figura 02 – Comparação entre a Rua Direita em 1920 e 1970.

Fonte: Acervo pessoal de Evanílson Andrade Calazans e organizado pelos autores, 2021.

O Calçadão Getúlio Vargas, dessa forma, apresentou em sua história uma certa constância
de suas técnicas e cores, ao mesmo passo em que, à medida que entrou em contato com
novas tecnologias e informações, se transformou, demostrando uma interessante evolução
de sua comunidade e cultura cromática. Tais mudanças apontadas pelas fontes, reforçam a
importância de documentar essas diferentes narrativas, formando registros e ferramentas de
preservação da memória laranjeirense.

Identificação e mapeamento das superfícies arquiteturais históricas


da Rua Direita de Laranjeiras

Nessa etapa, grande referencial metodológico foram as experiências do Centro de Tecnologia


da Preservação e Restauro da Universidade Federal de Sergipe (CTPR). Para as ações desse
trabalho, foram previamente preparadas fichas cadastrais das edificações, câmera digital, o
Colorímetro Digital NCS (modelo RM 200 X RITE %V @500 MA) e o Catálogo de Cores NCS.
O processo que ocorreu na tarde do dia 17 de setembro, consistiu em três ações principais:
realizar a aferição das cores por meio do Colorímetro Digital NCS; registrar os valores medidos
nas fichas de identificação; e comparar os códigos registrados no colorímetro da superfície
arquitetural com o Catálogo de Cores NCS. Como resultado final, foram desenvolvidos o mapa

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de identificação das cores; paletas categorizadas por seus matizes; e tabela dos códigos
gerados.

A fase conhecida como Identificação e Mapeamento das Superfícies Arquiteturais, se destinou


ao levantamento das cores atualmente presentes nas 23 edificações que configuram o
conjunto arquitetônico denominado de Calçadão Getúlio Vargas. Caracterizado por ser um
ensaio laboratorial não destrutivo, foi dedicado a caracterização da cor luz da superfície, ou
seja, aquela que não considera a composição química ou mineralógica das tintas. Para o seu
emprego, quatro são os cuidados principais para o correto desempenho do Colorímetro
Digital: a) antes de qualquer aferição a ferramenta deve ser calibrada; b) a superfície em
contato precisar ser plana; c) é necessária uma distância de pelo menos 5cm entre o
colorímetro e o pigmento que se deseja registrar; d) a posição deve ser mantida no mínimo
por cinco segundos.

Além dessas medidas técnicas, é importante que a superfície ao qual se deseja obter a
informação não se apresente com umidade excessiva (como aquela proveniente da chuva),
ou aquecidas (por exposição prolongada ao sol). A falta dessas condições pode causar danos
de precisão a aferição, que irá variar em uma escala crescente de três níveis, onde um ponto
corresponderá a menor precisão. Assim, a atividade em campo ocorreu no final da tarde,
momento que as superfícies apresentaram condições ideais para medição.

Frente a numerosa quantidade de edificações para levantamento, foram pré-selecionadas as


regiões para aferições, sendo essas: a superfície principal argamassada colorida, o
emolduramento das portas, elementos estilísticos de destaque das fachadas, e a pintura da
das esquadrias. Em algumas situações, em resposta as análises visuais, assim como ao fato
de o mesmo código aparecer consecutivamente, foi optado por não registrar algumas
superfícies brancas.

Durante o processo, outras situações foram observadas, tanto sobre as condições dos
pigmentos, quanto a sua aplicação. Primeiramente, algumas superfícies identificadas
apresentavam texturas que trouxeram complicação a medição, acusando média precisão. Em
outros casos, em consequência ao destacamento da camada pictórica, foi possível observar
extratos mais antigos de cor, nessas situações, a aferição se destinou apenas a camada mais
externa e integra.

Ao final foram realizadas um total de 77 aferições, com 57 variações cromáticas. Desses foram
encontrados 33 amarelos, 16 verdes, 13 azuis, 7 vermelhos e 8 negros, dos quais, eliminando

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as repetições, foi obtido: 26 variações de amarelo, 11 verdes, 11 azuis, 6 vermelhos e 3
negros. No mapa de cores, configurado pelas elevações desenvolvidas das edificações, foram
localizados os pontos de identificação com seus códigos, e uma tabela síntese com todas as
cores encontradas, evoluindo do menor para o maior quantitativo de negro (Figura 03).

Figura 03 – Mapa e tabela síntese das aferições realizadas.

Fonte: Organizado pelos autores, 2021.

Para a compreensão de seu ordenamento, é necessário primeiramente entender a leitura do


código. Dividido em três partes, temos: a) a presença do S indica que a cor faz parte do
sistema NCS de 1950; b) uma sequência de quatro dígitos indicando a tonalidade/nuance da
cor, onde os dois primeiros números indicam a quantidade de negro na cor, e os dois últimos
a sua força cromática; c) uma sequência alfanumérica informando a natureza da cor, onde a
primeira letra indica a cor principal ao qual é adicionada a porcentagem (representada pelos
dois números seguintes) de uma matiz secundária, indicada pela última letra.

A exemplo, a leitura do código medido S 4040-Y80R é: 40% de negro, com 40% de força de
cor; de um amarelo com adição de 80% de vermelho. Indicando que, apesar de visualmente
a cor possa ser percebida como um vermelho, ainda está categorizada no grupo cromático do
amarelo. O que aponta uma importante questão: a diferença entre a caracterização cromática
científica, e a avaliação perceptiva visual humana. Como outro exemplo das aferições

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realizadas, temos o código S 0300-N, uma cor visualmente compreendida como branco,
sendo indicada como negro pelo colorímetro.

Esse fato pode ser compreendido por meio da interpretação total de sua configuração, onde
é registrado uma baixa quantidade de negro (3%), e nenhuma força cromática (0%). E no
caso do vermelho, de código S 7010-R90B, pela alta taxa de azul (90%), conjuntamente a
pequena intensidade cromática (10%), se apresenta na paleta dos azuis. Reforçando a
necessidade de avaliar a cores frente a todos os seus parâmetros: matiz primária, secundária,
força de cor, e quantitativo de negro. Dessa forma, para melhor leitura, as aferições foram
organizadas de acordo ao seu percentual de branco, valor determinado a partir da subtração
do total (100%) pela quantidade de negro indicado no código, e por sua intensidade cromática,
respectivamente organizados na Gráfico 01 e 02.

Gráfico 01 – Porcentagem de branco nas superfícies identificadas.

0 - 10% 11- 20% 21 - 30% 31 - 40% 41 - 50% 51 - 60% 61 - 70% 71 - 80% 81 - 90% 91 - 100%

Fonte: Organizado pelos autores, 2021.

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Gráfico 02 – Porcentagem de força cromática nas superfícies identificadas.

0 - 10% 11- 20% 21 - 30% 31 - 40% 41 - 50% 51 - 60% 61 - 70% 71 - 80% 81 - 90% 91 - 100%

Fonte: Organizado pelos autores, 2021.

Dos dados levantados, foi possível concluir que as cores registradas possuem uma maior
presença de branco em sua composição que o negro. Nelas, mais da metade dos cromas se
encontram na faixa de 51% a 100% de branco (42 códigos), sem apresentar nenhum com
valor entre 0% a 20%. Conjuntamente, foi igualmente identificado predominantemente baixos
índices de força cromática, com 43 códigos inseridos entre 0 a 20%. Ainda nesse mesmo
parâmetro, nenhuma aferição superou a marca de 50%, permitindo que, atualmente, a paleta
do conjunto seja de cromatismos mais claros. Mantendo, dessa forma, a qualidade estética
geral dos tons pasteis registrados nos estudos teóricos-históricos e oralidade.

Ao final da identificação in situ, foram realizadas comparações entre o Catálogo de Cores


NCS, e as superfícies identificadas. Por ser tratar de uma ferramenta de uso em campo, há
uma limitação dos códigos disponibilizados em sua composição, consistindo naqueles mais
frequentes. E, considerando que é um sistema voltado a caracterização de cores em sítios
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históricos, encontrar valores coincidentes no Catálogo NCS, indicaria uma possível
concordância da urbe laranjeirense com outros territórios. Nessa etapa, foi registrado uma
amostra para cada grupo de matiz, documentando: o negro S 0300-N; o amarelo S 1030-
Y10R; o vermelho S 3050-R; o verde S 3030-B30G; e o azul S 1015-B (Figura 04).

Figura 04 – Comparação das superfícies com o código correspondente no Catálogo NCS.

Fonte: Organizado pelos autores, 2021.

Pelas imagens, é possível notar uma leve variação entre amostra e superfície, que são tanto
consequência da relação conservação-superfície em que se situa o pigmento, como pela
incidência da luz. Essas inúmeras diferenças entre as interpretações visuais frente a
caracterização científica da cor, é parte da grande importância do emprego metodológico-
científico da caracterização desse aspecto patrimonial. Além de permitir uma definição clara
e universal dentro de um sistema, no caso o NCS, é possível realizar sua replicação exata em
caso de ações de restauro ou estudos em laboratório.

Considerações finais

Por fim, ao final desse trabalho centrado no Calçadão Getúlio Vargas da cidade de
Laranjeiras, Sergipe, foi possível identificar a importância que as cores empregam no espaço
patrimonial urbano, complementando a ligação existente entre as práticas arquitetônicas e os
diferentes momentos econômicos, culturais, sociais e técnicos de uma época. Estavelmente
preservando sua configuração remanescente do final do século XVIII, e principalmente do
XIX, a imponente arquitetura de sobrados que majoritariamente configura o conjunto,

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demostrou uma clara evolução de sua cultura cromática, tanto em origem dos pigmentos,
quanto em variedade de suas cores.

Marcando a história cromática urbana laranjeirense até 1970, foi possível constatar pela
oralidade de Valdete Rocha, a constância do emprego da cor a base de cal para as pinturas,
em uma paleta que variava entre o branco e tons pastéis dos ocres, rosas e verdes. No caso
desses últimos dois matizes, reconhecidos pigmentos por sua origem de difícil obtenção,
assim como de execuções dispendiosas, é possível indicar tanto uma condição geológica
especial do solo laranjeirense, que permitiu sua facilidade de acesso, quanto explicitar o
poderio econômico das famílias que os adquiriram por meio de relações comerciais com
outros centros urbanos.

Acompanhando a natural evolução da cidade de Laranjeiras, e seguindo pela narrativa de


Sônia Borges, foi possível conhecer uma diferente memória do Calçadão Getúlio Vargas,
onde por meio da inserção de insumos industriais, indicando a origem da pigmentação por
meio do “hidracor”, e ainda ligado a cal, uma nova paleta tomou forma. Processo que tomou
força no território laranjeirense em 1980, permitiu por meio de novos pigmentos, explorar um
novo espectro cromático, apresentando a interessante adição de tons mais vibrantes, além
da introdução do azul a cultura pictórica urbana de sua época.

Avançando o conhecimento histórico do passado material e cromático da Rua Direita, e por


meio da identificação e mapeamento das cores atualmente existentes nas 23 edificações que
compõem o Calçadão, foi possível criar uma conexão entre memória e estado presente
patrimonial. Entre as 57 variações cromáticas identificadas, que sendo tanto pela
caracterizada baixa força cromática, ou do alto quantitativo de branco na mistura dos
pigmentos caracterizados, esses se apresentaram predominantemente no espectro dos tons
pasteis, preservando esse aspecto cromático do passado. Entretanto, já no que se diz respeito
a paleta, foi possível identificar novas adições representadas pelos vermelhos e verdes mais
intensos, provável reflexo das tintas industrializadas atualmente disponíveis no mercado.

Dessa forma, por meio da identificação e mapeamento das cores das superfícies
arquitetônicas pintadas, foi possível entender e apreender a cultura cromática presente na
área histórica urbana da cidade de Laranjeiras, demonstrar uma metodologia científica que
pode ser muito válida para a conservação, prevenção e restauro do patrimônio cultural
material e imaterial, e testemunhar como a paisagem urbana apresenta transformações

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pictóricas no decorrer do tempo; possibilitando o registro e, consequentemente, a preservação
da memória e identidade da história dessa comunidade.

Bibliografia
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Porto: FAUP - Faculdade de Arquitectura da Universidade Porto, dez. 2002.

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franciscanos da província de Santo Antônio do Nordeste nos séculos XVII e XVIII. Tese de
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Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal de Santa Catarina,
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CIANCIARULO, Adriana Quilici Barreto. Materiais usados como pigmento no período colonial
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Católica de São Paulo, São Paulo.

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Naturais. Entre as artes e as ciências. Universidade de Évora, Évora, p. 5-23. 2007

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NAOUMOVA, Natalia. Qualidade estética e policromia de centros históricos. 2009. Tese


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VITRÚVIO. Tratado de Arquitetura. Tradução, introdução de notas M. Justino Maciel. Coleção


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EIXO TEMÁTICO 4: A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

O DUELO DE MC’s: NUM LUGAR ANTES VAZIO, HOJE TEM ARTE E


COMUNHÃO
ZANON, JULIA F. (1); TENÓRIO, LUCIENE DE A. (2); PEDROSO, NATHALIA L DE
S. (3)

1. Pós-graduanda no Programa de Pós Graduação em História da Arte da PUC Minas


Rua dos Otoni, 147/1401, Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG – CEP: 30150-270
j.furtadozanon@gmail.com

2. Pós-graduanda no Programa de Pós Graduação em História da Arte da PUC Minas


Rua Sátiro Tenório, 29, Centro, Venturosa – PE – CEP: 55270-000
lutenorioarq@gmail.com

3. Pós-graduanda no Programa de Pós Graduação em História da Arte da PUC Minas


Rua Montes Claros, 1037/301, Anchieta, Belo Horizonte – MG – CEP: 30310-702
pedroso.nat@gmail.com

RESUMO
O presente ensaio é o produto da disciplina Arte Contemporânea, ministrada pela Professora Marta
Neves no programa de Pós-graduação em História da Arte da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC Minas). A disciplina ementou compreender a Arte Contemporânea quando ela
perde a sua ligação com o sagrado ganhando um novo papel ao ocupar as ruas e dialogando sobre
as suas novas funções no mundo contemporâneo. O objetivo é analisar como a apropriação do
Viaduto Santa Tereza pelo Duelo de MC’s contribui para a manutenção e para a identificação da
população com um monumento arquitetônico que apesar de ter sido tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) e fazer parte do imaginário da cidade de
Belo Horizonte, mas se encontrava em estado de abandono e degradação. A ideia é também
apresentar como experiências que integrem atividades culturais espontâneas potencializam a
rememoração e o vínculo afetivo da população com o edifício, possibilitando uma nova narrativa aos
territórios urbanos. Em 2007, o coletivo Família de Rua organizou pela primeira vez o Duelo de MC's
com o intuito de promover a cultura do Hip-Hop e ocupar o centro da cidade de Belo Horizonte. As
batalhas de rimas que aconteciam inicialmente na Praça da Estação, com uma caixa de som ligada
em cima de um skate e alguns rimadores de forma improvisada, já mostravam sua potência pela
vontade de fazer acontecer. Ao seguir para debaixo do Viaduto Santa Tereza, se consolidou como
um espaço/evento de interação cultural e ressignificou uma área urbana tradicional que estava
esquecida e abandonada pelo poder público. O seguinte trabalho apresenta então o Duelo de MC’s e
reflete como a sua manifestação na cidade rompe com as estruturas de poder vigentes e sensibiliza
espaço, experiências e identidades: coletivas e individuais. Para isso foi necessário apresentar o
contexto histórico do Viaduto Santa Tereza, através da documentação referente a construção do
Viaduto, marco do avanço industrial na capital mineira e um panorama do movimento Hip-Hop,
ambos catalizadores do Duelo de MC’s e o coletivo Família de Rua, idealizador do projeto. A
importância da ocupação do espaço público pelas batalhas refletiu no panorama do Duelo que hoje
atingiu uma escala nacional dentro do cenário do rap brasileiro e principalmente na dinâmica cultural
e social da cidade de Belo Horizonte.

Palavras-chave: arte urbana; espaço público; cultura; memória.

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Introdução

O presente ensaio é o produto da disciplina Arte Contemporânea, ministrada pela


Professora Marta Neves no programa de Pós-graduação em História da Arte da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). A disciplina ementou compreender a
Arte Contemporânea quando ela perde a sua ligação com o sagrado ganhando um novo
papel ao ocupar as ruas e dialogando sobre as suas novas funções no mundo
contemporâneo.

Em 2007, o coletivo Família de Rua organizou pela primeira vez o Duelo de MC's
com o intuito de promover a cultura do Hip-Hop e ocupar o centro da cidade de Belo
Horizonte. As batalhas de rimas que aconteciam inicialmente na Praça da Estação, com
uma caixa de som ligada em cima de um skate e alguns rimadores de forma improvisada, já
mostravam sua potência pela vontade de fazer acontecer. Ao seguir para debaixo do
Viaduto Santa Tereza, se consolidou como um espaço/evento de interação cultural e
ressignificou uma área urbana tradicional que estava esquecida e abandonada pelo poder
público.

O seguinte trabalho apresenta então o Duelo de MC’s e reflete como a sua


manifestação na cidade rompe com as estruturas de poder vigentes e sensibiliza espaço,
experiências e identidades: coletivas e individuais. Para isso foi necessário apresentar o
contexto histórico do Viaduto Santa Tereza e do movimento Hip-Hop, ambos catalizadores
do Duelo de MC’s e também o coletivo Família de Rua, idealizador do projeto. A importância
da ocupação do espaço público pelas batalhas refletiu no panorama do Duelo que hoje
atingiu uma escala nacional dentro do cenário do rap brasileiro e principalmente na dinâmica
cultural e social da cidade de Belo Horizonte.

Viaduto Santa Tereza: território e tradição

Projetado pelo engenheiro Emílio Baumgart, o Viaduto Santa Tereza se tornou um


dos cartões-postais da cidade de Belo Horizonte. Construído em 1929, momento em que a
cidade passava por um processo de modernização e expansão industrial, seu desenho em
estilo Art Decó reflete a linguagem arquitetônica da época se tornando a maior obra em
concreto armado da América Latina. Integrando-se ao imaginário belorizontino, foi
imortalizado na obra “Encontro Marcado” do escritor mineiro Fernando Sabino e também
escalado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade na década de 20. Com 390 metros de
extensão, 13 metros de largura e 14 metros de altura, o Viaduto liga o Centro aos bairros

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Floresta e Santa Tereza, um dos maiores centros culturais da capital mineira, com vida
noturna e cultural agitada, lugar onde também nasceu o movimento musical Clube da
Esquina.

Figura 1. Viaduto Santa Tereza, Fonte: PBH/Stênio Lima, 2018

Em 1996, o Viaduto foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de


Minas Gerais (Iepha/MG) como parte do conjunto arquitetônico da Praça da Estação. Em
contraste com o tombamento do Viaduto, sua parte inferior era utilizada como
estacionamento, depósito da prefeitura e moradia informal para pessoas em situação de rua.
Após uma série de pequenas intervenções de caráter estrutural, em 1997 finalmente o
Viaduto Santa Tereza recebeu uma restauração tendo como base a Carta de Veneza. A
restauração fez parte do projeto “Eixo Cultural Rua da Bahia Viva” da prefeitura de Célio de
Castro, onde além do próprio Viaduto seu entorno também sofreu intervenções criando
espaços para atividades culturais e de lazer, intencionando um melhor aproveitamento do
potencial da área. Entretanto, como veremos a diante, as transformações na dinâmica da
cidade fizeram com que esse espaço se mantivesse subutilizado.

Família de Rua: ontem, hoje, sempre

A partir de uma perspectiva de ocupação da cidade e manifestação identitária nasce


no início dos anos 70 na cidade de Nova York o Hip-Hop, um movimento de contracultura de
classe operária negra. Em meados dos anos 80, ele chega no Brasil com encontros na Rua
24 de Maio e no Metrô São Bento, na cidade de São Paulo, onde o grupo Racionais MC's,

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uma das maiores referências do movimento até os dias de hoje, se originou. Abrangendo
diversas vertentes da arte de rua, como a prática de skate, rap, grafite e break, o Hip-Hop
diferentemente de outros movimentos culturais, nasceu do povo, mais especificamente dos
guetos. Tendo um importante papel na sociedade, a intervenção no espaço público
representa aqueles aos quais esse mesmo espaço é negado pelas políticas públicas. Dessa
forma, o movimento possibilita que uma população tão silenciada politicamente e
socialmente, tenha voz, confraternize, ocupe e faça arte.

Segundo Rena (2015, p. 28), a cidade revela “territórios determinados por


manifestações de interesses do próprio mercado” de forma que o poder público concilia
seus projetos e obras com os investimentos privados fortalecendo uma estruturação urbana
mercadológica e excludente. O próprio traçado urbano da cidade de Belo Horizonte já se
revela gentrificador, uma vez que concentra sua maior infraestrutura urbana e comercial na
área central, deixando nas periferias uma parcela marginalizada da população que recebe
menos recursos e investimentos de políticas públicas. A valorização do centro como área
nobre, tomada pela especulação imobiliária não impediu, entretanto, a existência de
espaços degradados e subutilizados. Partindo então do interesse pelas manifestações
culturais urbanas, o Família de Rua nasce da articulação independente de jovens periféricos
para a promoção de arte na cidade, fruto da apropriação do espaço.

Sem fins lucrativos, envolvimentos político-partidários ou incentivos fiscais e numa


ocupação espontânea e natural, o coletivo passa a agendar semanalmente encontros na
Praça da Estação, localizada ao lado do Viaduto, para ouvir rap e batalhar através do
improviso de rimas. Em um dos encontros, o Viaduto abrigou os artistas e produtores da
chuva, que dificultou a realização das batalhas em seu local originalmente descoberto.
Pouco a pouco, ele foi se tornando o palco e casa oficial do evento. Como a organização
dos encontros acontecia de forma orgânica e informal, não havia autorização para uso de
nenhuma infraestrutura urbana, fazendo com que o improviso não estivesse presente
somente nas rimas mas também na postura firme do fazer acontecer independente das
circunstâncias.

A falta de estrutura era (e para grande parte dessa população sempre foi) uma
realidade e foi somente no seu segundo ano de realização que a Prefeitura concedeu o
alvará de funcionamento contemplando-os com iluminação, banheiros públicos e energia. A
apropriação desse espaço se manifestou através do Duelo como um exercício de
democracia social, espacial e cultural. As tantas barreiras impostas pelo poder público não
desanimaram ou impediram a conquista do Viaduto, uma área que estava desprezada pela

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cidade e que foi tomada pela arte e cultura independente de interesses empresariais ou
político-partidários. Prezando sempre pelo diálogo e por uma articulação em rede, essa
ocupação ressignificou a área como uma resposta de resistência da população.

A ocupação que se iniciou com um grupo de aproximadamente vinte pessoas, foi


pouco a pouco ganhando força, público e identidade. Pessoas de diversos níveis
socioculturais, vindas de todas as partes da cidade se concentravam toda sexta-feira para
celebrar a arte e o seu próprio espaço dentro da mesma. As oportunidades eram muitas: ver
e ser visto, ouvir e ser ouvido, se identificar, expressar e se encontrar em um espaço de
valorização artística e social. Participar ativamente da construção de uma sociedade mais
justa e igualitária.

Figura 2. Ocupação de Viaduto Santa Tereza, Fonte: Pablo Bernardo, 2018

A relutância de aceitação de movimentos marginais na cidade em virtude de um


estigma em relação ao movimento artístico do Hip Hop está relacionada também ao grande
preconceito social e racial presente na sociedade brasileira. No entanto, na consciência da
ocupação por essa parcela social sempre prevaleceu o respeito à população, à cultura e à
arte e principalmente ao próprio espaço, o que permitiu uma duradoura vivência cultural
geradora de cidadania, profissionalização e ocupação da cidade.

A Cartilha do Movimento

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Com um conteúdo rico e regular, o blog do Duelo é ativo desde o seu início
registrando comunicados, agenda, informações e imagens dos eventos. A organização da
Família de Rua acredita no potencial da cultura urbana da cidade, cujos princípios
incentivam e articulam sobretudo a arte e o respeito. Mesmo sem uma fórmula exata, a
cartilha do Duelo é entusiasta da inteligência, da interpretação e interatividade, atributos
sempre em pauta nos posts do blog e claro, nos próprios duelos. Acima de tudo, as batalhas
repudiam qualquer conduta machista, racista ou preconceituosa, e se mostram como uma
poderosa ferramenta de comunicação, identidade e cultura.

“Um exímio mestre de cerimônias, de acordo com os mandamentos que rezam na


cartilha da cultura hip hop, possui raciocínio veloz, um bocado de criatividade, carisma,
pitadas de malandragem, flow e suingue. ” (Valentim, 2009)

As batalhas de rimas improvisadas se iniciaram em um formato de duelo clássico:


com ataques diretos entre os adversários, que ficaram com o passar do tempo, cada vez
mais inventivos com vocabulários mais complexos e de estilo original. Surgiram
posteriormente as batalhas do conhecimento, onde os mestres de cerimônia versam, rimam
e improvisam acerca de temas específicos e preestabelecidos, devendo também
contextualiza-los àquele momento. As proposições já englobaram: “consciência política”,
“resistência”, “organização popular”, “afetividade”, “conquistas”, “direitos humanos”, entre
muitos outros. Por meio desse diálogo iniciado pelas rimas começou-se a fazer visível não
somente o espaço ou a arte do Hip Hop mas principalmente as pessoas e a realidade que
as englobam, ocasionando como diz Berquó (2015, p. 104) um “deslocamento no regime do
sensível vigente na cidade”. Assim, pela arte, discussões sobre temas socialmente
importantes são travadas no espaço público a partir da perspectiva dessa população
marginalizada, reforçando cada vez mais o quanto esse espaço se tornou político e
importante no exercício do direito à cidade.

É interessante destacar o caráter de disputa artística em um espaço de disputa


territorial. As subjetividades sociais se fazem ecoadas a partir de uma comunicação criativa
e colaborativa que “recusa dos mecanismos representativos da democracia burguesa”
(Rena, 2015, p. 34) e dessa forma se materializa em uma autonomia coletiva. Pensando-se
em arte, temos uma produção que não está diretamente inserida no circuito fechado da arte
embora atue diretamente sobre ele. Há apropriação, mas não há monopólio. O despertar e
reverberar de uma consciência de pertencimento à um espaço que é de todos e para todos,
ou seja, adquire um valor patrimonial, estrutura o movimento e é o maior valor de sua
integridade, assumido também como responsabilidade do projeto. A consciência de que a

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vida na cidade está na sua ocupação pelas pessoas e no vínculo afetivo que se mantém
com o espaço é defendida e difundida pelo evento, fazendo com que hoje ele seja
reconhecido pela cidade e devidamente licenciado pelos órgãos competentes.

O Duelo Nacional

A vivência do Hip-Hop na cidade de Belo Horizonte trouxe ao movimento uma


unidade de gerações, cores e cultura, oportunizando dessa forma, a juventude
majoritariamente periférica de mostrar seu trabalho e mais ainda, sua identidade. Com o
amadurecimento do movimento e evolução da organização, o Duelo alcançou em 2012 o
nível nacional, contando com a participação de sete cidades brasileiras.

Figura 3. Duelo de MCs, Fonte: Perfil BHZ, 2015

No mesmo ano, foi apresentado pela prefeitura de Belo Horizonte, um projeto que
objetivava promover a revitalização da área a partir da criação de um Corredor Cultural da
Praça da Estação. O projeto apresentava práticas urbanas higienistas que visavam “limpar”
a cidade e possuíam em sua agenda um plano de gentrificação que excluía os atores
sociais e seus movimentos de uma participação ativa na construção e ocupação da vida
pública urbana. Segundo Rena:

“(...) é utilizando o discurso da arte e da cultura, da melhoria do espaço, do


embelezamento e da segurança que o Estado-Capital com seu biopoder (poder sobre a
vida) avança por toda a cidade, expropriando os bens comuns já existentes ou em processo
de formação. ” (Rena, 2015, p. 30)

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No entanto as intenções obscuras foram logo reveladas e repudiadas por grande
parte da população que se engajou contra tais medidas. Faz-se então, novamente presente
a resistência dos movimentos que reivindicam uma atuação centralizada das políticas
públicas em nome de demandas sociais e não do poder. A força do Duelo e a
representatividade que ele carrega se fez essencial para um desfecho que ampliou as
discussões de diretrizes que contemplam o contexto local em toda a sua diversidade. Ainda
que malquisto pelo poder público, o Duelo tornou-se o mais expressivo encontro da cultura
Hip-Hop do Brasil e atualmente conta com a participação de MCs de todo o país.

Com o Duelo Nacional no calendário cultural brasileiro, houve um fortalecimento do


rap em outros estados, como por exemplo, em Pernambuco onde o encontro é conhecido
como Batalha da Escadaria. Independentemente da localidade onde os duelos ocorrem, a
cultura do Hip-Hop promove os mesmos princípios de mobilização social e voz política na
periferia, além de condenar homofobia, machismo e racismo. O ambiente de batalha é
inclusivo e democrático e o Duelo Nacional viabiliza manifestações por todo o Brasil
mantendo a cultura Hip-Hop viva e ativa na luta pelos direitos e pela voz de todos que são
diariamente silenciados.

Referências Bibliográficas

DUELO de MC’s. Blogspot. Disponível em: <http://duelodemcs.blogspot.com> Acesso em:


27 dez. 2020.

DUELO Nacional. Disponível em: <https://duelonacional.com.br/> Acesso em: 27 dez. 2020.

OLIVEIRA, Bruno; RENA, Natacha; CUNHA, Maria Helena. Arte e Espaço: uma situação
política do século XXI. Belo Horizonte, MG. Duo Editorial. 2015. Disponível em:
<https://issuu.com/anac.bahia/docs/arte_e_espaco_> Acesso em: 28 mai. 2021.

PABLO BERNARDO BH. Duelo de MCs 11 anos. Belo Horizonte. 06 set. 2018. Instagram:
@pablobernardobh. Disponível em:
<https://www.instagram.com/p/BnZvNk_lzOv/?utm_medium=copy_link>. Acesso em: 12 out.
2021.

PBH; LIMA, Stênio. In: Viaduto Santa Tereza e trecho da avenida dos Andradas serão
interditados. 2018. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/viaduto-santa-
tereza-e-trecho-da-avenida-dos-andradas-serao-interditados>. Acesso em: 13 set. 2021

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PERFIL BHZ. Viaduto Santa Tereza: a casa da cultura hip hop em BH. 19 jun. 2015.
Disponível em: <https://perfilbhz.wordpress.com/2015/06/19/viaduto-santa-tereza-a-casa-da-
cultura-hip-hop-em-bh/>. Acesso em: 12 out. 2021.

VALENTIM, PDR. Receita de MC. Blogspot, 2009. Disponível em:


<https://duelodemcs.blogspot.com/2009/02/receita-de-mc-140209.html> Acesso em: 28 mai.
2021.

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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

O (RE)DESCOBRIMENTO DE CONCEIÇÃO SILVA

MAIA, GUILHERME R. (1); FARIAS, HUGO L. (2); BASTOS MALHEIRO, JOANA (3);

1,2,3. Faculdade de Arquitetura – Universidade de Lisboa


CIAUD – Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design
Rua Sá Nogueira, s/n - Pólo Universitário - Alto da Ajuda - 1349-063 Lisboa
geral.ciaud@fa.ulisboa.pt

RESUMO
Nascido em 1922, Francisco da Conceição Silva foi um arquiteto português muito prolífico, com uma
produção extremamente inovadora, qualificada e comercialmente bem-sucedida. Figura de proa da
consolidação do turismo como força económica em Portugal, na década de 1960, com realizações
como o Hotel do Mar (Sesimbra) e o Hotel da Balaia (Albufeira), onde o arquiteto persegue e concretiza
a ideia de Projeto Total, coordenando o seu escritório desde o projeto urbano à Arquitetura, passando
pela construção do equipamento, pelo mobiliário e têxteis, pela seleção e incorporação de obras de
arte, acabando apenas após a definição da imagem e dos pormenores gráficos do projeto. Com estas
duas obras, o escritório transformou-se numa grande empresa, dotada de estofo financeiro e
capacidade técnica, obtida através da adoção de uma abordagem multidisciplinar (incluindo mesmo
uma atuação no campo da publicidade, construção e incorporação) o que demandou o trabalho
permanente de artistas, designers, engenheiros, economistas, geógrafos, paisagistas e, é claro,
arquitetos.

É o período mais fértil de sua produção, do qual se destaca o projeto da cidade litorânea de Troia,
baseada num modelo de capitalização popular inovador que deu arranque ao turismo de massa em
Portugal. O atelier mantém uma grande dinâmica a projetar desde grandes complexos urbanos até
pequenas peças de design até ao ano de 1974. Após a Revolução o arquitecto Francisco Conceição
Silva vê-se forçado a refugiar-se no Brasil, onde reinicia a sua carreira.

Apesar da qualidade, abrangência e multidisciplinariedade de sua obra – situação única no panorama


da Arquitetura Portuguesa do século XX -, seu reconhecimento é tímido frente ao enorme potencial
didático e científico. A obra de Conceição Silva é uma referência distante no universo arquitetônico
estrelado português; no Brasil, sua curta trajetória teve pequena repercussão, fazendo do arquiteto
praticamente um desconhecido. É com o intuito de contribuir para a reversão deste quadro que o
esforço de conservação do espólio do arquiteto, relatado neste trabalho, é empreendido pelo projeto
de investigação PORARQ (Por uma Memória Arquitetônica), do CIAUD - Centro de Investigação em
Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Esse esforço
parte da criação de um estado da arte, seguido da digitalização e catalogação do vasto acervo,
constituído de desenhos e memórias originais, documentos administrativos, fotografias, negativos,
entre outros elementos. Ao aliar bibliografia e fontes primárias, é possível esboçar uma estrutura de
classificação taxonómica da obra projetada e construída deste arquiteto, a qual servirá de suporte para
uma série de atividades, como exposições, publicações e discussões públicas. Por meio destas ações,
pretende-se trazer de volta à luz o portfólio de um arquiteto capaz de provocar as necessárias - mas
desprezadas - discussões sobre o papel e a extensão efetiva da profissão, bem como sobre a
popularização do desenho; temas prementes num mundo contemporâneo carente de projetos
inovadores e viáveis como os de Francisco Conceição Silva.

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Palavras-chave: Francisco Conceição Silva, arquitetura moderna portuguesa e brasileira, preservação
de espólios, digitalização de projetos, leitura e análise de documentação.

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1. INTRODUÇÃO: O PROJETO PORARQ

Figura 1- Espólio Arq. Francisco Conceição Silva, sob tutela do PORARQ. Fonte: PORARQ, 2021.

Em 2015, a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa (FAUL) fundou o projeto


"Por uma Memória Arquitetônica" (PORARQ) com o objetivo de identificar, estudar e divulgar
o espólio dos arquitetos portugueses, centrado em Lisboa, que foram depositados nesta
instituição. Mais do que nunca, é hoje importante compreender a salvaguarda do que é a
Arquitetura do século passado e que compreende "as últimas gerações de papel", ou seja, o
trabalho dos arquitetos que têm todos os seus projetos em suporte físico. O resgate destes
elementos representa a garantia do futuro do passado. Neste quadro, em 2018 a FAUL
recebeu em depósito o espólio de Francisco Conceição Silva (1922-1982). Esta
documentação compreende cerca de 600 projetos, desenvolvidos entre os anos cinquenta e
os anos setenta.

Com uma carreira única, Francisco Conceição Silva (FCS) foi um dos mais importantes
arquitetos portugueses da segunda metade do século XX. De forma pioneira, procurou o
envolvimento interdisciplinar e o mais elevado pormenor arquitetônico para alcançar, em cada
uma das suas obras, a máxima eficiência ao longo do processo de concepção e construção
e, acima de tudo, o estrito cumprimento da qualidade espacial e material.

Os seus projetos apresentam a Arquitetura como uma obra de síntese, onde todas as
escalas são pensadas: desde a inserção urbana, às características tipológicas e morfológicas,
às características espaciais, à definição estrutural, construtiva e material, à concepção de
mobiliário e equipamento, e à integração de obras de arte - para criar o seu próprio ambiente
unitário: a realização de uma obra integral de Arquitetura.

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O projeto PORARQ caracteriza-se por uma abordagem teórica e prática, baseada em
quatro aspectos essenciais: a organização e tratamento arquivístico; a transferência de
apoio/digitalização; a preservação e conservação do material (em parceria com a Biblioteca
Nacional de Portugal), e a divulgação através da investigação científica e técnica em
Arquitetura e áreas disciplinares associadas.

Estes documentos requerem uma preservação cuidadosa e atempada que, se não for
realizada, conduzirá à sua perda, com a consequente obliteração do património cultural e dos
conhecimentos, que devem ser acessíveis a todos. Os arquitetos e as suas coleções, como
protagonistas da Arquitetura Portuguesa do século XX, período em que a profissionalização
da Arquitetura se enraizou e a prática arquitetônica se intensificou gradualmente, tanto em
Portugal como nos territórios que então eram colônias, são fundamentais para compreender
a evolução social e cultural de um país que tanto mudou ao longo deste século. Não
contemplar a produção arquitetônica deste século é esquecer etapas, cenários e espaços que
acolheram eventos históricos e os seus protagonistas.

Finalmente, o projeto visa contribuir significativamente para a preservação da Memória,


Conhecimento e Divulgação da Arquitetura Portuguesa do século XX, tanto entre a
comunidade científica e os arquitetos, como entre o público interessado, a nível nacional e
internacional.

1.1. ANTECEDENTES E PERTINÊNCIA

Existe hoje um consenso de que o patrimônio arquitetônico, como componente relevante


do património cultural de uma região ou comunidade, é um poderoso fator de distinção e
identificação social. Os edifícios e as cidades sobrevivem para além dos limites temporais de
cada geração e dos seus habitantes. Tornam-se, em grande medida, a expressão material
mais persistente da cultura de uma comunidade.

Nos últimos anos, notou-se que vários arquitetos ou herdeiros, procurando deixar o
testemunho da sua carreira profissional numa instituição que lhes oferece a garantia de que
os seus bens serão bem-recebidos, tratados e estudados, se voltaram para a Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa (FAUL). Pertencendo ao panorama arquitetônico
lisboeta, são protagonistas da arquitetura portuguesa do século XX, o que representa um
período de grande produtividade em quase todo o espaço lusófono, incluindo, até 1974, o
Brasil e as antigas colónias africanas de Portugal.

Embora o trabalho do arquiteto Francisco Conceição Silva seja considerado de grande


relevância no quadro da segunda metade do século XX da Arquitetura Portuguesa, a obra do
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seu estúdio ainda está, em grande parte, por estudar. De fato, para além do catálogo da
exposição realizada em 1987 pela Sociedade Nacional de Belas Artes (CONCEIÇÃO SILVA;
CONCEIÇÃO SILVA, 1987), compõem publicações dedicadas exclusivamente à obra de FCS
apenas três teses de mestrado sobre o seu trabalho: duas oferecendo visões panorâmicas
sobre a vida e a carreira de FCS em Portugal e no Brasil (LEITE, 2015, 2007) , centradas
principalmente na concepção de casas unifamiliares; e outra, oferecendo uma leitura das
propostas de habitação coletiva de FCS, ao longo das três décadas da sua obra arquitetônica
(RODRIGUES, 2009). Está atualmente a ser desenvolvida na FAUL uma tese de
doutoramento sobre FCS, centrada nas propostas de habitação turística e coletiva. Entretanto,
entendíamos que era necessário ter uma ação coordenada além das iniciativas isoladas, de
forma a atingirmos resultados mais amplos e transformadores. Recentemente, dispusemos
dos meios humanos necessários para iniciar o trabalho sistemático que estamos
desenvolvendo. Entre os diferentes acervos disponíveis, urgia trazer de volta à luz a produção
de FCS por seu valor artístico e arquitetônico: o arquiteto é desconhecido no Brasil e estava
lentamente sendo esquecido no ambiente cultural português.

1.2. PROCESSO DE TRABALHO

O trabalho é desenvolvido no Lab.i.Arq - Grupo de Investigação em Arquitectura e


Espaços do Habitar Lusófonos - o qual faz parte do CIAUD - Centro de Investigação em
Arquitetura, Urbanismo e Design da FAUL. O PORARQ é formado por investigadores
multidisciplinares cujo trabalho anterior, experiência e investigação em curso irão contribuir
significativamente para os resultados esperados deste projeto. Além disso, o desenvolvimento
deste projeto contribuirá para outros projetos, uma vez que o reconhecimento, leitura e análise
de toda a amplitude, diversidade e profundidade da documentação na coleção FCS permitir-
nos-á estabelecer ligações e novas linhas de estudo para o Grupo de Investigação.

Os documentos e arquivos de Arquitetura têm, em potencial, uma relevância substancial


como apoio a ações administrativas, técnicas e científicas relacionadas com a atividade
arquitetônica, mas também como objeto de fruição cultural e base para processos de
produção de identidades individuais e comunitárias.

Este projeto está estruturado em 5 fases, cada uma delas integrando uma tarefa.

TASK 1 - Esta tarefa centra-se na organização da coleção FCS. O trabalho prático começará
com o reconhecimento e listagem exploratória de todos os projetos, bem como, a recolha de
um conjunto de informações básicas relevantes (designação do projeto, datas, localização,
cliente etc.).

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TASK 2 - O principal objetivo desta tarefa é preparar as bases para que possam ser tratadas
e digitalizadas.

TASK 3 - O principal objetivo desta tarefa é catalogar as coleções arquitetônicas.

TASK 4 - Esta tarefa centra-se na digitalização do património arquitetônico. A tarefa de


digitalização é de importância fundamental para a conservação dos documentos originais e
para a partilha de informação pelo PORARQ. A abordagem metodológica desta tarefa incluirá
os seguintes passos: digitalização dos desenhos recolhidos nos projetos selecionados;
definição dos tipos de desenho, escalas de desenhos e expressão gráfica.

TASK 5 - O principal objetivo desta tarefa é desenvolver descrições para cada projeto e
desenho. Esta tarefa irá proporcionar uma nova compreensão profunda dos projetos que
compõem cada coleção, nas suas diferentes escalas arquitetônicas: escala urbana, escala de
construção, integração do desenho e as características técnicas e tectônicas de cada projeto.

De acordo com a informação revelada ao longo deste processo de investigação, aceita-


se que algumas das seguintes fases de investigação possam também ser consideradas no
âmbito deste projeto embrionário: identificação de lacunas de informação; investigação de
documentação complementar (ficheiros de licenciamento, ficheiros fotográficos, arquivos de
empresas); atração de parceiros institucionais e preparação de candidaturas para
financiamento de projetos de investigação a nível nacional e europeu.

2. FRANCISCO CONCEIÇÃO SILVA

2.1. Breve biografia

Francisco da Conceição Silva (1922-1982) nasce a 22 de Maio de 1922, em Lisboa.


Ingressa no Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes de Lisboa em 1940. Entre os seus
colegas de curso, contam-se os arquitetos Sebastião Formosinho Sanches e Francisco de
Castro Rodrigues. Completa a parte escolar do curso em 1946 e obtém o Diploma em
Arquitetura em 1949, com a classificação final de 18 valores. A partir de 1946, participa
ativamente nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP) e integra as Iniciativas Culturais
Arte e Técnica (ICAT).

Em 1948, em conjunto com o arquiteto Cândido Palma de Melo, apresenta uma


comunicação ao Primeiro Congresso Nacional de Arquitetura, com o título “O ensino da
Arquitetura em Portugal”. Pertence à equipa coordenadora da revista Arquitectura até 1953.
Em 1954, entra para a Direção do Sindicato Nacional dos Arquitetos. Em 1956, Conceição
Silva é um dos fundadores e presidente da Cooperativa Gravura. A partir de 1957, integra a
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Direção da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), sendo eleito presidente em 1963,
cargo que assume até 1970.

Desde o período da sua formação que a relação de Francisco da Conceição Silva com as
artes plásticas e o design sempre se manifestou, tendo trabalhado em estreita colaboração
com diversos artistas e designers. E, a partir do momento em que o seu ateliê se estabelece,
passa a integrar na sua estrutura interdisciplinar pintores, escultores, ceramistas, fotógrafos e
designers.

Em 1952, a convite de João Alcobia, organiza a Exposição de Mobiliário e Decoração


Moderna na Casa Jalco, em Lisboa. O sucesso e impacto da exposição viria a garantir a FCS
um conjunto de encomendas – sobretudo de lojas, na zona da Baixa e Chiado, no centro de
Lisboa, e de habitações unifamiliares -, que contribuem para o estabelecimento e
consolidação do ateliê. É neste momento que se inicia o processo de integração entre
Arquitetura, artes plásticas e design, que viria a ser uma das características distintivas da
proposta arquitetônica de FCS. O seu ateliê passa a instituir-se como um laboratório
multidisciplinar de experimentação em Arquitetura, afirmando-se, também, como um espaço
de formação de profissionais nas diferentes áreas artísticas.

Na sequência da realização da exposição, FCS recebe, de João Alcobia, a encomenda


do Hotel do Mar, em Sesimbra. O projeto seria desenvolvido entre 1960 e 1962, e a obra
realizada entre 1962 e 1963. O projeto é pensado de forma inovadora em Portugal como uma
obra integral: FCS seria responsável pelo desenho da Arquitetura, do equipamento e do
mobiliário, pela escolha e integração de obras de arte e pela definição do arranjo paisagístico.

É esta obra que marca o ponto de virada entre o ateliê Francisco Conceição Silva e o
ateliê -empresa Atelier Conceição Silva. O sucesso e a visibilidade do Hotel do Mar garantem-
lhe uma série de encomendas de maior escala e complexidade – planejamento urbano,
conjuntos turísticos, conjuntos habitacionais e equipamentos -, que possibilitam a criação do
ateliê multidisciplinar, mais tarde alargado a um grupo empresarial (englobando a engenharia,
a construção, a promoção imobiliária e a publicidade), que viria a ser responsável por todos
os projetos até 1974.

É no contexto do Atelier Conceição Silva que se irão desenvolver as principais obras


de FCS nos dez anos que antecedem a sua partida para o Brasil: o Conjunto da Balaia, em
Albufeira, designado por Plano de Expansão Turística da Praia Maria Luiza (1964-1967), o
Conjunto Habitacional Porto de Abrigo, em Sesimbra (1967-1970), as Torres de Alfragide
(1969‐1974), o Edifício Castil (1971) e o Complexo Turístico para a Península de Troia (1970),
entre muitas outras propostas, projetos e obras.

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Após a Revolução dos Cravos, FCS decide mudar-se para o Rio de Janeiro, Brasil,
onde abre um novo escritório. Aí continuaria a produzir Arquitetura, com a mesma ideia de
projeto integral, até sua morte, em Janeiro de 1982. A sua obra no Brasil está por estudar, o
que constitui mais um nível de importância para o projeto de investigação.

A importância da obra arquitetônica de FCS pode ser estabelecida a diferentes níveis:


em primeiro lugar, a qualidade e a diversidade de seu trabalho. O trabalho de projeto abrange
desde propostas urbanas, a complexos de habitação coletiva, a complexos turísticos, a hotéis,
edifícios industriais, edifícios comerciais, casas unifamiliares, lojas e design de exposições.
Todo o seu trabalho é unanimemente considerado de grande qualidade. Em segundo lugar, o
escritório é um caso único na Arquitetura Portuguesa. De fato, FCS transformou
progressivamente o seu ateliê num escritório de grande escala, onde um número significativo
de profissionais, de diferentes áreas de atuação, trabalhava coletivamente na concepção de
planos urbanos, edifícios e interiores: arquitetos, designers, paisagistas, geógrafos, artistas,
ceramistas, engenheiros, e até um poeta. Na década de 1970, FCS iria ampliar ainda mais o
escritório, transformando-o numa rede de empresas que poderia garantir todas as fases de
projeto, construção e promoção de um edifício. A sua ideia era a de um projeto integral: a
proposta de uma obra de Arquitetura completa, que pudesse garantir uma qualidade superior
ao que foi projetado e construído, ao cliente final.

Durante as três décadas em que o seu atelier esteve ativo, trabalhou como escola para
muitos profissionais, das mais diversas áreas - arquitetos, designers, artistas, paisagistas,
engenheiros, outros - que trabalharam no seu estúdio ou colaboraram com ele,
personalidades hoje reconhecidas como importantes no nosso panorama cultural - para além
do seu sócio (a curto prazo) Maurício de Vasconcellos, os arquitextos Tomás Taveira, José
Forjaz, Manuel Vicente, Santa Rita e Bartolomeu Costa Cabral; o paisagista Gonçalo Ribeiro
Telles; os designers Gonçalo Afonso Dias e Carmo Valente; os artistas Sá Nogueira, Almada
Negreiros, Querubim Lapa, Júlio Pomar e Manuel Cargaleiro; o geógrafo Jorge Gaspar; e o
escritor Herberto Hélder; entre muitos outros.

2.2. Para uma taxonomia da obra de FCS

O acesso direto que o PORARQ tem ao espólio do arquiteto Francisco Conceição Silva
permite-nos delinear uma taxonomia através do grupamento e, posterior, estabelecimento de
inter-relações entre os projetos e a data do seu desenvolvimento. Esta abordagem procura
trazer à luz proximidades e semelhanças dentro da obra, as quais podem abrir novas frentes
de investigação, e não apenas o tratamento arquivístico destes projetos. Assim, a sequência

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não se estabelece por ordem cronológica nem escala, mas sim através dos modelos e
tipologias da sua obra, assim como da linguagem que lhes está subjacente.

Projetos experimentais

Conceição Silva inicia sua carreira com pequenos projetos residenciais e comerciais,
nos quais prevalece a fluidez do espaço, ainda que geometrizado. São nesses primeiros
trabalhos experimentais que o arquiteto domina a criação de espaços interiores, o tratamento
das superfícies e o uso da madeira como material polivalente. Estas obras sugerem uma
aproximação com o trabalho de Frank Lloyd Wright (ALOFSIN; REED; RILEY, 1994) e Louis
Kahn (BROWNLEE; DE LONG, 1991), e representam a sua linha conceitual base –
curiosamente reavivada com a ida para o Brasil em 1975.

Edifícios celulares

Com o crescimento de sua atividade liberal, também os projetos crescem em escala,


mas mantendo a abordagem espacial, o que resulta em edifícios celulares, unidades
autônomas completas e reconhecíveis, alinhadas por malha geométrica, repetidas quantas
vezes for necessário, mas que de alguma forma respondam ao contexto. Exemplos desta
abordagem são os projetos do Hotel do Mar (1956), da Balaia (1966) e o grande hotel Meliá
na Quarteira (1966 - não construído), ao privilegiar a vista como princípio orientador da malha
geométrica. Também em edifícios residenciais é usada a mesma abordagem em diversos
casos, com são exemplo o Complexo do Moinho (1965), as Moradias da Balaia (1966) ou o
Condomínio do Porto de Abrigo (1965). O ateliê colocou-se, assim, em sintonia com alguns
dos seus contemporâneos, tais como: Herman Hertzberger, Aldo van Eyck, Louis Kahn e
Moshe Safdie (FRAMPTON et al., 2015).

Megaestruturas

Em contínua expansão, o ateliê desenvolveu também uma série de propostas não


construídas, em linha com o que Reyner Banham chamou de Megaestruturas (BANHAM,
1976), um suporte de grandes dimensões que abriga cidade(s) ou partes de cidades,
constituídas como um ente único. Conceição Silva elaborou as suas megaestruturas em duas
vertentes: como complexos de uso misto e como edifícios-ponte. As propostas de uso misto
apresentam variações, sobre uma base expandida que poderia ocupar todo o quarteirão como
um edifício de comércio e serviços aberto à cidade, encimados por torres verticais de

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habitação e/ou hotelaria mais esbeltas; são exemplos o caso dos projetos do Alvito (1974), da
Urbanização do Dafundo (1971), do Restelo (1973) e do quarteirão da antiga fábrica da
Portugália (1969). Relativamente às megaestruturas, as propostas são variadas, no entanto
salientamos: os edifícios-ponte da Avenida de Roma em Lisboa (1972) e o Restaurante na
Autoestrada da Batalha (1966). Na proposta lisboeta, o propósito seria fazer a rentabilização
do espaço aéreo sobre a avenida, introduzindo ainda mais atividades sobre esta grande
artéria de circulação da cidade; na Autoestrada da Batalha, o ateliê propõe um edifício que
cruza a infraestrutura como uma amenidade necessária para os cada vez mais numerosos
turistas rodoviários; em ambos, Conceição Silva se aproxima do conceito explorado por Paul
Rudolph para Lower Manhattan (1967) (PRHF, 2017), calcado no trabalho de Yona Friedman
(Spatial City - 1958)(MOMA, 2015).

Figura 2- Urbanização Dafundo (1971), uma das megaestruturas de FCS. Fonte: Espólio Arq. Francisco
Conceição Silva, 2021

Yellow Submarine

Atento à expressão artística do final dos anos 1960, o ateliê absorve serenamente a
contracultura do período (RUBIN; MORGAN; PINCHBECK, 2010)– são tempos de liberação
de costumes e psicodelia, retratados no filme/disco Yellow Submarine, dos Beatles. Esse
momento também é marcado por viagens de estudo de colaboradores do escritório para a
efervescente Inglaterra, pondo-se em contato com as mais manifestações artísticas. São os
projetos para o grupo fonográfico português Valentim de Carvalho que melhor exemplificam
essa vertente. O ateliê desenvolve lojas para o grupo com uma liberdade formal e fundamento
artístico expressos desde a geometria do mobiliário, passando pelos padrões cromáticos até
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à gravação de textos desenvolvidos por Herberto Hélder, poeta a tempo integral no escritório.
Outros projetos mais ambiciosos, embora não construídos, são dotados da mesma liberdade
formal, como é o caso do edifício multiuso no quarteirão da Portugália (1969) ou do complexo
turístico da Ponta do Sal (1967), um programa recorrente do escritório, aqui explorado com
uma linguagem mais livre.

Projetos Públicos

O escritório cresceu tanto para os padrões da época que se tornou capaz de absorver
trabalhos de maior folego – projetos públicos - como planos diretores e projetos urbanos
completos. Destacam-se o plano diretor para Évora (1967-1973), um trabalho extenso e
minucioso no levantamento das condições existentes, e a proposta vencedora do Concurso
para a Marina de Cascais (1973), com estudos completos em relação a temas tão dispares
quanto volumetrias arquitetônicas e infraestruturas de navegação: mesmo com tantos
aspectos técnicos a serem resolvidos, ainda assim põe a arte em destaque ao envolver o
escultor Fernando Conduto no desenvolvimento do plano, deixando a seu cargo a concepção
do farol, elemento escultórico e identitário do equipamento.

No último grupo de obras, devemos destacar a procura constante – algumas vezes


bem-sucedida, outra vezes apenas incompleta – de Conceição Silva pela abordagem holística
da Arquitetura. Seu primeiro esforço para o Gesamtekunstwerk (FRAMPTON et al., 2015).
pode ser verificado no projeto do Hotel do Mar, onde o conceito de entrega chave na mão
levou o arquiteto a desenhar da implantação do edificado até grafismos e têxteis. Foi,
entretanto, com a Torralta, cliente e sócio do projeto para a cidade turística de Troia, que o
ateliê conduziu seu trabalho mais amplo: desenvolveu o planejamento urbano, o projeto e a
fabricação das edificações, mobiliário, interiores, identidade gráfica, inserções artísticas, e até
mesmo itens completamente dispares como o modelo de negócio e veículos de transporte
público utilizados no empreendimento.

2.3. Acervo

A nossa imersão no universo de Conceição Silva é possível graças à quantidade relevante


de material acumulado pela família e sob nossa tutela. Apesar de extenso, o material não é
completo: no início dos anos 1960, o escritório sofreu um incêndio, deixando a salvo apenas
alguma documentação anterior aquele período. A biblioteca do escritório também não nos foi
cedida; entretanto, possuímos exemplares de praticamente todo o material publicado sob o
ateliê. O maior volume de informações disponíveis concentra-se entre os anos de 1965 e
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1974, por uma feliz coincidência também o momento mais fértil do ateliê; há pouco, mas
potente material depositado sobre a produção brasileira do arquiteto.

Nossa investigação identificou 407 pastas, contendo majoritariamente memórias


descritivas e cópias heliográficas dos projetos: a vasta maioria contempla projetos executivos
e processos de legalização, bem como o profundo e completo detalhamento de mobiliário e
objetos. Apenas o projeto da Urbanização do Morro (Sesimbra) (1972) teve conservados
desenhos exploratórios; demais rolos em papel vegetal existentes documentam a experiência
brasileira do arquiteto. Dezesseis fichários e quatro caixas A4 armazenam milhares de fotos,
negativos e cópias, os quais abrem uma janela para uma das ferramentas do processo criativo
do escritório – o estudo de alternativas por maquetes. As fotos e seus suportes também
ajudam a perceber o cotidiano do escritório: convívios, visitas à obra, levantamentos e notas
visuais foram devidamente registrados tanto por arquitetos colaboradores quanto pela

O espólio também abarca uma série de brochuras, de edição limitada, que ora

Figura 3- Maquetes de projetos para Sesimbra (1971) e Portimão (1966). Fonte: Espólio Arq. Francisco
Conceição Silva, 2021

contemplam portfólios do escritório, ora pormenorizam propostas técnicas e comerciais. Os


portfólios têm diferentes focos e podem demonstrar tanto as capacidades técnicas quanto
estéticas do escritório e pretendem cativar pessoas, sejam clientes ou sejam investidores. As
propostas técnicas respondem aos possíveis questionamentos e são desenvolvidas de acordo
com o tamanho da proposta: através destes documentos, conseguimos perceber nuances das
propostas para a Marina de Cascais ou para o quarteirão da Portugália ou até acompanhar a
evolução de uma ideia, como é o caso da Urbanização do Restelo. Essas brochuras são

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feitas com muito esmero e deviam complementar perfeitamente uma estratégia de divulgação
e imagem do escritório frente ao mercado.

Comparado com o volume de documentos de projeto, tutelamos apenas uma pequena


parcela de correspondências que, ainda assim, permitem perceber o relacionamento do
escritório com partes interessadas, especialmente clientes e fornecedores. São cartas,
faturas, pedidos de esclarecimento e atas de reunião que registram momentos refletidos na
obra do escritório. O volume de documentos administrativos também é pequeno, mas
essencial: composto de organogramas, fichas de admissão e afiliação a determinados
projetos, permite compreender a dinâmica interna da empresa. Finalmente – e não menos
importante em um processo de catalogação: recebemos um fichário duplo, organizado
alfabética e cronologicamente, com a listagem de todas as iniciativas (de simples contatos,
passando por propostas até projetos executivos) do escritório. Esse material nos informa
pouco mais de quinhentas entradas, as quais servem como chave para esse quebra-cabeça
instigante que é a produção de Conceição Silva.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 4 - Apartamentos da Balaia (1966) - Estudo para espaço interior. Fonte: Espólio Arq.
Francisco Conceição Silva, 2021.
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Através do tratamento e digitalização da colecção FCS; pretendemos promover
disseminar o conhecimento a um público mais vasto, tanto entre a comunidade académica,
arquitetônica e o público em geral. Entre os resultados esperados estão a preparação de um
livro monográfico sobre o trabalho da FCS, cobrindo as diferentes escalas e aspectos da
Arquitetura do seu escritório; a divulgação do portfólio em uma plataforma aberta no website
da PORARQ, proporcionando acesso público e aberto aos principais resultados do projeto de
investigação a nível internacional; a divulgação em conferências, constituindo uma
oportunidade para apresentar os resultados da investigação e para discutir a produção
arquitetônica de FCS; publicação de trabalhos em periódicos indexados; e, finalmente, a
organização de uma exposição por ocasião do centenário e dos quarenta anos de
desaparecimento de FCS.

A um nível mais elevado, ao abordar a produção de um ateliê como o de Conceição Silva,


a investigação está nos permite destacar a importância das subdisciplinas associadas à
Arquitetura (interiores, mobiliário, design gráfico, integração das artes etc.) que muitas vezes
são relativamente menos valorizadas, mas que acabaram por ser um terreno chave para o
desenvolvimento da vida quotidiana e do imaginário coletivo dos cidadãos. Este projeto será
mais um contributo para que possamos considerar o reconhecimento, valorização, defesa,
conservação e restauro, bem como a divulgação, de uma forma mais informada, detalhada e
consciente dos valores em presença.

Por fim, o reconhecimento e a divulgação das obras de Conceição Silva, ainda que tardias,
fazem parte de um esforço de nosso grupo de investigação em delinear uma identidade da
Escola de Arquitetura de Lisboa, a partir dos arquitetos e das obras desenvolvidas por eles,
nomeadamente a partir desta cidade. Queremos contribuir significativamente para a
preservação da Memória, Conhecimento e Divulgação da Arquitetura Portuguesa do século
XX para além dos trabalhos de arquitetos fora da cidade, os quais são devidamente
reconhecidos e divulgados por bons motivos, mas que não são os únicos relevantes dentro
da produção nacional.

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Bibliografia

ALOFSIN, A.; REED, P.; RILEY, T. Frank Lloyd Wright: Architect. New York, NY: Museum of Modern
Art, 1994.

BANHAM, R. Megastructure: urban futures of the recent past. New York, NY: HarperCollins
Publishers, 1976.

BROWNLEE, D. B.; DE LONG, D. G. Louis I. Kahn. Los Angeles: Museum of Contemporary Art, 1991.

CONCEIÇÃO SILVA, J. P.; CONCEIÇÃO SILVA, F. M. (COORD). Francisco da Conceição Silva:


arquitecto, 1922‐1982. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1987.

FRAMPTON, K. et al. História crítica da arquitetura moderna. 4. ed. rev. ampl. e atual. ed. Sao Paulo:
Martins Fontes, 2015.

LEITE, I. DE S. G. DE. Francisco da Conceição Silva no Brasil (1975-1982): contaminações


tropicais. Lisboa: Universidade Lusíada, 2015.

LEITE, I. DE S. G. DE A. Francisco da Conceição Silva: para uma compreensão da obra e do


grande atelier/empresa-1946/1975. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2007.

MOMA. Yona Friedman. Spatial City, project, Aerial perspective. 1958 | MoMA. Disponível em:
<https://www.moma.org/collection/works/800>. Acesso em: 27 set. 2021.

PRHF. 1967.03 Lower Manhattan Expressway. Disponível em:


<https://www.paulrudolphheritagefoundation.org/196703-lower-manhattan-expressway>. Acesso em:
27 set. 2021.

RODRIGUES, T. P. C. Um experimentalismo esquecido: A Habitação Multifamiliar de Francisco


da Conceição Silva. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura—Lisboa: Instituto
Superior Técnico, 2009.

RUBIN, D. S.; MORGAN, R. C.; PINCHBECK, D. Psychedelic: Optical and visionary art since the
1960s. Cambridge, MA: Mit Press, 2010.

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RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

A REALIDADE AUMENTADA APLICADA NA CONCEPÇÃO DA


CONSERVAÇÃO DE UM JARDIM ART NOUVEAU EM SÃO LUÍS-
MARANHÃO.

Barbara Irene Wasinski Prado (barbaraiwp@gmail.com)

Novas tecnologias têm sido aplicadas para no processo de conservação do


patrimônio cultural e uma delas é a Realidade Aumentada-RA. Uma dessas
técnicas é o levantamento cadastral de um jardim por Escaneamento de
Superfícies (esférica 360º) -SSE360º para a geração de Nuvem de Pontos -
NP. Empregou-se no Jardim do Palacete Lisboa, que está localizado no Centro
Histórico de São Luís do Maranhão e que apresenta características de um
jardim paisagístico composto com técnica Rocaille feita com argamassa
armada e elementos pré-fabricados em cerâmica (oleira). Estudado como um
Jardim Eclético, conforme sintetizadas por Silvio Soares Macedo (1999), dentre
as linhas projetuais da arquitetura paisagística brasileira. Por ser um jardim da
Belle Époque brasileira, constatou-se, após os estudos bibliográficos e de
campo, ser jardim esse um exemplar pitoresque, mas também poderia ser
interpretado como representativo do “Paisagismo Art Nouveau Maranhense”.
Elementos típicos da arte Rocaille apresenta as muretas em Rocaille
conformando todo parterre do jardim, a lapa com elemento escultórico,
escadarias e molduras de parapeitos torneadas, vazados de muros e outros
adornos simulando florais, troncos e pedras. Considera-se inovação o processo
de SSE360º para obtenção de dados construtivos e dimensionais de
superfícies tão irregulares em campo aberto com luz do dia. Foi importante,
além dos resultados do levantamento preciso, a constatação de que o emprego
da técnica deve ocorrer em horário adequado e com luminosidade difusa
reduzida para extração das imagens. Devendo ser planejado, pois a
luminosidade direta do sol em campo aberto durante o dia compromete a coleta
e qualidade de imagens escaneadas para a gerar a nuvem de pontos (ausência
de pixels). A partir dos resultados do levantamento e do estudo das formas do
jardim, pode-se realizar uma proposta de conservação dos elementos
construtivos do jardim e uma proposta de plantação de um jardim de espécies
florais nativas e endêmicas da Amazonia Legal. O jardim foi concebido para
turismo e educação artística e ambiental, no sentido de viabilizar uma
amenidade para lazer, mas também educar sobre a composição paisagística,
no qual os visitantes pudessem acessar informações (por meio Qr Code) sobre
a vegetação, projeto, estilos originais e trabalho de conservação, história,
moradores e outras interações.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O (RE)DESCOBRIMENTO DE CONCEIÇÃO SILVA

Guilherme Rene Maia (guilherme.maia@gmail.com)

Hugo L. Farias (hfarias@fa.ulisboa.pt)

Joana Bastos Malheiro (joanabmalheiro@gmail.com)

Nascido em 1922, Francisco da Conceição Silva (FCS) foi um arquiteto


português muito prolífico, com uma produção extremamente inovadora,
qualificada e comercialmente bem-sucedida. É figura de proa da consolidação
do turismo como força econômica de Portugal na década de 1960, com
realizações como o Hotel do Mar (Sesimbra, 1963) e o Hotel da Balaia
(Algarve, 1968), onde o arquiteto concretiza a ideia, com grande sucesso, de
projeto total: o escritório coordena o projeto urbano, arquitetura, construção,
equipamento, mobiliário e têxteis, seleção e incorporação de obras de arte, e
imagem e design gráfico das unidades hoteleiras. Com estas duas obras, o
escritório se transforma em uma grande empresa, dotada de capacidade
financeira e técnica, através da adoção de uma abordagem multidisciplinar,
envolvendo o trabalho permanente de artistas, designers, engenheiros,
economistas, geógrafos, paisagistas e, claro, arquitetos: em pouco tempo,
alarga sua atuação à publicidade, construção e incorporação. Do período mais
fértil de sua produção, destaca-se o projeto inovador da cidade litorânea de
Tróia, que deu arranque ao turismo de massa em Portugal. Após a Revolução
dos Cravos, sofre um atentado e se refugia no Brasil, onde reinicia sua carreira
praticamente do zero: ainda assim, faz pequenos - mas potentes - projetos até
morrer subitamente às vésperas de completar sessenta anos.

Apesar da qualidade, abrangência e multidisciplinariedade de sua obra –


situação única no panorama da arquitetura portuguesa do século XX -, seu
reconhecimento é tímido frente ao enorme potencial didático e de debate sobre
o papel do arquiteto na sociedade. A obra de FCS é uma referência distante no
universo arquitetônico português; no Brasil, sua curta trajetória teve pequena
repercussão, fazendo do arquiteto praticamente um desconhecido. É com o
intuito de contribuir para a reversão deste quadro que o esforço de
conservação do espólio do arquiteto, relatado neste trabalho, é empreendido
pelo projeto de investigação Por uma Memória Arquitetônica – Francisco
Conceição Silva, do CIAUD - Centro de Investigação em Arquitetura,
Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Esse esforço parte da criação de um estado da arte, seguido da digitalização e
catalogação do vasto acervo, constituído de desenhos e memórias originais,
documentos administrativos, fotografias, negativos, entre outros elementos. Ao
aliar bibliografia e fontes primárias, é possível esboçar uma estrutura de
classificação taxonômica da obra projetada e construída de FCS, a qual servirá
de suporte para uma série de atividades, como exposições, publicações e
discussões públicas. Por meio destas ações, pretende-se trazer de volta à luz o
portfólio de um arquiteto capaz de provocar as necessárias discussões sobre o
papel e a extensão efetiva da profissão, bem como sobre a popularização do
desenho; temas prementes num mundo contemporâneo carente de projetos
inovadores e viáveis como os de FCS.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O TERREMOTO DE LISBOA E A GESTÃO DE DESASTRES.

Helena Rosmaninho Alves Moreira Gonçalves


(helena.rosmaninho@gmail.com)

Paulo Gustavo Von Krüger (paulovonkruger@gmail.com)

Rafael Moreira Gonçalves (rafaelgmoreira1@gmail.com)

Carlos Henrique Souza Guedes (carloscguedes@gmail.com)

Miguel Augusto Najar De Moraes (migueldemoraes@gmail.com)

Era próximo do meio dia quando a terra tremeu pela primeira vez, várias
pessoas estavam nas ruas e muitas mais dentro de casa. Antes que pudessem
se recuperar do susto, um novo tremor e depois outro. As construções que não
ruíram total ou parcialmente no primeiro evento, vieram ao chão, no segundo e
no terceiro. Poucas edificações se mantiveram de pé. Nas ruas, as pessoas
que sobreviveram ao cismo, correram em direção aos espaços abertos, em
especial ao largo em frente ao Tejo. Lá, a esperança de sobreviver foi solapada
por grandes ondas que invadiram e lavaram o que sobrou da cidade. Por
alguns minutos, tsunamis de até trinta metros de altura, invadiram e inundaram
o que restava da já destruída Lisboa. Como se não fosse suficiente, um
incêndio causado pelas velas e outras chamas derrubadas no cismo,
queimaram por cerca de cinco dias. Este foi o cenário que mudou a história da
gestão de desastres para a humanidade. Até este momento a intepretação
destes eventos era de que a ira de Deus estava voltada para os homens. A
mudança ocorre quando Marquês de Pombal, afasta de Deus a
responsabilidade da tragédia e assume para si a gestão do desastre. Este
artigo pretende discutir os passos adotados na gestão do terremoto e como
estes influenciaram na alteração do urbanismo de Lisboa e por consequência
das colônias portuguesas.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PATRIMÔNIO MODERNO CAMPINENSE: ARQUITETURA E


DOCUMENTAÇÃO NA OBRA DO ARQUITETO RENATO AZEVEDO

Ingrid Mikaella De Oliveira Lima (ingridoliveiramkl@gmail.com)

O objeto de estudo proposto neste artigo, inserido no eixo temático três,


Arquitetura e documentação: a pesquisa na área da história da Arquitetura e do
Urbanismo, trata sobre a arquitetura e documentação do arquiteto Renato
Azevedo e da sua obra, tomando como estudo de caso, duas de suas obras
presentes no acervo arquitetônico moderno campinense com valor patrimonial,
tais como o Museu Assis Chateaubriand (1974) atual SECULT, uma referência
na arquitetura moderna de Campina Grande, e o Centro Cultural Lourdes
Ramalho (1982), um espaço de socialização, com especificidades projetuais
regional. O objetivo do artigo é socializar alguns resultados da pesquisa em
andamento sobre o estado da arte da documentação, observando os dados
biográficos, bem como as soluções projetuais e construtivas empregadas para
se produzir uma arquitetura para o agreste paraibano. Justifica-se a proposição
deste trabalho pela importância da divulgação no meio científico da produção
no interior nordestino, como uma contribuição para a documentação e
conservação do acervo moderno regional, por meio da pesquisa desenvolvida
pelas autoras, desde 2017, em nível de graduação, e hoje, de pós-graduação.
A metodologia utilizada proposta por AFONSO (2019) se aportou em autores
clássicos, analisando o objeto através de sete dimensões, sendo elas: 1)
Dimensão normativa; 2) Dimensão histórica; 3) Dimensão espacial (sendo 3.1
Espaço externo; 3.2 Espaço interno); 4) Dimensão Tectônica; 5) Dimensão
Funcional; 6) Dimensão formal; 7) Dimensão da conservação do objeto. O
aporte patrimonial apoia-se em documentos como a Carta de Atenas (1933),
Carta de Veneza (1964) e a Carta de Cracóvia (2000).
EIXO TEMÁTICO 03 - Arquitetura e documentação: a pesquisa na
área da história da Arquitetura e do Urbanismo

O TERREMOTO DE LISBOA E A GESTÃO DE DESASTRES

GONÇALVES, Helena R. A. M. (1); VON KRUGUER, Paulo G. (2); GONÇALVES,


Rafael M. (3); GUEDES, Carlos H. S. (4); DE MORAES, Miguel A.N.(5)

1. UFMG. MACPS
Helena.rosmaninho@gmail.com

2. UFMG. MACPS
paulovonkruger@gmail.com

3. UFMG. MACPS
rafaelgmoreira1@gmail.com

4. R2 ASSESSORIA
carloscguedes@gmail.com

5.NEWTON PAIVA. Campus Exatas-Eng. Civil


migueldemoraes@gmail.com

RESUMO
Era a próximo do meio-dia quando a terra tremeu pela primeira vez, várias pessoas estavam
nas ruas e muitas mais dentro de casa. Antes que pudessem se recuperar do susto, um
novo tremor e depois outro. As construções que não ruíram total ou parcialmente no
primeiro evento, vieram ao chão, no segundo e no terceiro. Poucas edificações se
mantiveram de pé. Nas ruas, as pessoas que sobreviveram ao cismo, correram em direção
aos espaços abertos, em especial ao largo em frente ao Tejo. Lá, a esperança de sobreviver
foi solapada por grandes ondas que invadiram e lavaram o que sobrou da cidade. Por
alguns minutos, tsunamis de até trinta metros de altura, invadiram e inundaram o que
restava da já destruída Lisboa. Como se não fosse suficiente, um incêndio causado pelas
velas e outras chamas derrubadas no cismo, queimaram por cerca de cinco dias. Este foi o
cenário que mudou a história da gestão de desastres para a humanidade. Até este momento
a intepretação destes eventos era de que a ira de Deus estava voltada para os homens. A
mudança ocorre quando Marquês de Pombal, afasta de Deus a responsabilidade da
tragédia e assume para si a gestão do desastre. Este artigo pretende discutir os passos
adotados na gestão do terremoto e como estes influenciaram na alteração do urbanismo de
Lisboa e por consequência das colônias portuguesas.

Palavras-chave: Desastre; Terremoto, Lisboa; Urbanismo

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O TERREMOTO DE LISBOA E A GESTÃO DE DESASTRES

Na tradição católica, o “dia de todos os santos” é comemorado com grande fervor, sendo o
momento em que são honrados os santos da Igreja dos mais aos menos conhecidos.

Em Portugal, no século XVIII, era um grande momento festivo. As cidades eram enfeitadas,
missas preparadas para receber os fiéis durante todo o dia, velas acessas por toda a
cidade. E seria um momento absolutamente comum, se não fosse aquele, o dia do grande
Sismo de Lisboa. (ASSUNÇÃO 2010)

O dia havia amanhecido calmo. Não havia sinais de um desastre pairando no ar. As
festividades estavam ocorrendo desde a primeira hora da manhã: missas e homenagens
aos santos da Igreja, eram vistos em todas as partes. Nas casas, refeições eram
preparadas. Nas ruas, pessoas deslocavam-se calmamente. Por se tratar de um feriado,
não havia muita gente trabalhando, exceto em serviços essenciais.

Às 9h e 40min da manhã, sentiu-se o primeiro abalo, precedido de um som intenso.


seguiram-se três tremores distintos. O primeiro, menos intenso, durou aproximadamente um
minuto e meio, seguido por um período de silêncio e poeira. O segundo movimento, foi mais
intenso e durou cerca de dois minutos, produzindo danos maiores, dada a violência do
tremor. Após nova pausa, o terceiro tremor, de maior intensidade e violência, durando três
minutos. (TAVARES, 2006)

Com o terremoto, paredes caíram, telhados desmoronaram, pessoas ficaram presas nas
casas, as vezes completamente ruídas, outras, em escombros, tentando sair. Aquelas que
saiam as ruas, corriam risco de serem atingidas por partes de outras casas que também
desmoronaram. Velas tombadas e fornos acessos completavam o cenário de horror,
ateando fogo no que sobrava das já fragilizadas construções. (PAICE, 2010)

Há relatos que afirmam que os incêndios não foram causados somente pela ação das velas.
De acordo com Sousa (1990), uma carta anônima relataria que

vários patifes fugidos da cadeia da Galé, contígua à igreja Patriarcal, que se


havia desmoronado, dos quais um mouro, confessou antes de ser
enforcado, que deitara fogo à cidade em sete locais distintos, um desertor
francês confessou também que fez o mesmo em três locais distintos, um
dos quais a Casa da Índia, adjacente ao palácio. (SOUSA, NOZES. 1990
p.65)

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Mas o tremor e os incêndios não foram os únicos eventos adversos do dia. Sousa relata que
por volta das 11 horas, as águas do Rio Tejo baixaram e a maré começou a subir,
ultrapassando o porto até atingir o terreiro do paço, com uma “onda gigante de seis metros
de altura”. (SOUSA, NOZES, 1990 p. 45) A zona mais exposta ao rio, foi completamente
atingida pelo tsunami. Essa região, foi buscada por muitos, que conseguiram escapar dos
desmoronamentos, como local seguro, uma vez que era composta de grandes largos.
(SHRADY, 2011)

Os incêndios duraram cerca de seis dias, mas por meses ainda foram sentidos pequenos
tremores de terra, alguns seguidos de pequenas tsunamis. nenhum destes eventos,
entretanto, foram tão intensos quando os do dia 1º de novembro. (PAICE, 2010)

Lisboa estava arrasada. As pessoas assustadas. Por todos os lados religiosos vociferavam
sobre a ira divina e o mal que acometia a sociedade, culpa dos pecados da ganância,
luxuria e claro, pela presença dos judeus. Sem saber o que fazer e para onde ir, várias
pessoas buscaram meios de sair da cidade e segundo Paice (2010), as estradas estavam
repletas de andarilhos sujos e machucados, caminhando sem direção.

Naquele dia, por sorte ou destino, as filhas do Rei Dom José I, haviam solicitado que após a
missa fossem passar o feriado em Belém, numa das muitas casas de campo da coroa.
Graças a isso, quando o tremor se abateu sobre a cidade, o Rei, não foi atingido. Os
reflexos puderam ser sentidos em Belém, é fato, mas com muito menos intensidade e risco.

Mal o séquito real tinha se instalado na propriedade do rei em Belém


quando o primeiro abalo do terremoto surpreendeu os monarcas em seus
respectivos aposentos: as princesas no oratório, e cortesãos, antigos
servidores, padres e criados em vários cantos do palácio. Membros da
realeza, nobres, homens do clero e plebeus, todos correram como puderam
e, presume-se - com pouca deferência pela hierarquia social - em direção
ao ar livre, no jardim. houve pânico, histeria, choque e confusão, mas,
espantosamente, todos saíram não apenas vivos, mas completamente
ilesos. (SHRADY, 2011 p.35)

O rei, apesar de ter vivido um abalo mais leve que o de Lisboa, se recusou a voltar para o
interior do palácio de campo, ordenando que tendas fossem armadas nos jardins. Entre sua
comitiva, os padres que acompanhavam a família real, incentivavam que todos rezassem
por seus pecados, os grandes causadores do desastre, pedindo perdão e misericórdia a
Deus.

Às 11 da manhã o rei e sua corte assistiram horrorizados à investida dos


tsunamis contra a praia de Belém. Alguns falavam em fugir da cidade
violentamente atingida, para a suposta segurança do interior, ou, num
movimento ainda mais audacioso, transferir a capital para Coimbra, ao

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norte, ou talvez, para o Rio de Janeiro. Lisboa, afinal não existia mais. ao
mesmo tempo, os padres persistiam em suas orações; as princesas
choravam sem trégua; e o rei, carrancudo e impotente, fez precisamente
aquilo que nenhum monarca jamais deveria fazer: encolheu se de medo.
(SHRADY, 2011 p.38)

Dom José I, era um homem de 40 anos, que havia se tornado rei, há cinco anos. Possuía
pouca experiência em liderar seu reino e não sabia por onde começar ou o que fazer diante
de um cenário apocalíptico como aquele. (SHRADY, 2011)

Depois dessa exibição pouco nobre de inércia e desespero que ameaçava


abandonar Lisboa à providência divina e aos 4 elementos, chegou a Belém
um dos secretários de Estado do rei, Sebastião José de Carvalho e Melo,
mais conhecido como Marquês de Pombal. Levado à presença do rei,
Carvalho ficou chocado com a cena de confusão e as piedosas invocações,
e por ver o monarca num estado de tão evidente angústia. O diálogo que se
seguiu embora apócrifo, teve enorme significado e definiu a resposta para a
crise com a precisão de um aforismo:
_ O que deve ser feito para enfrentar esta imposição da justiça divina? -
perguntou o rei
_ Enterrar os mortos e alimentar os vivos - respondeu Carvalho. (SHRADY,
2011 p.38)
E investido do poder real, Carvalho, tomou para si a responsabilidade de reconstruir Lisboa,
gerindo a catástrofe e deixando seu nome marcado na história da Gestão de riscos e
desastres.

Lisboa antes do terremoto.

Antes do terremoto, Lisboa era, apesar de ter aproximadamente seis séculos, uma cidade
medieval, cuja estrutura urbana mantinha-se desorganizada e sem planejamento. As ruas
eram estreitas, sujas e tortuosas. Poucas eram as que já possuíam proporções adequadas e
visavam um ambiente mais urbanizado, na maioria das vezes, localizadas nos bairros mais
novos.

As edificações religiosas, eram o centro dos novos bairros, em torno delas, eram
construídas as ruas, vielas, becos e nestes, casas de até três pavimentos, sem afastamento
uma das outras, com estrutura precária e pouca manutenção. Apesar do crescimento
constante da cidade, muitas casas tinham sido demolidas e reconstruídas, porém seguiam o
mesmo modelo irregular de ocupação do território.

Apesar de toda energia cosmopolita que enebriava Lisboa, com pessoas de todos os cantos
do mundo, a mentalidade do português ainda era muito fechada, presa em valores
conservadores, norteados pela Igreja Católica. Quanto à arquitetura e o urbanismo, apesar
de monumentos grandiosos comporem o cenário lisboeta, as ruas eram cheias de lixo e a
zona baixa da cidade, frequentemente sofria com as inundações e os lamaçais (SRHADY,
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2011). A cidade era mal organizada, sem planejamento urbano e com poucas ou nenhuma
regra construtiva que determinasse ou padronizassem normas para as edificações.

Naturalmente que os bairros mais ricos, não viviam esse ambiente insalubre. Casas
enormes, suntuosas construções ornadas com azulejos, grandes jardins e espaços de
convivência, eram ladeadas por casebres miseráveis. A cidade era o espelho da sociedade,
e a sociedade portuguesa naquele momento era estratificada, complexa e desigual.

Grandes obras, entretanto, decoravam a cidade: mosteiros, igrejas, a ópera, palácios e


espaços públicos demonstravam a riqueza de uma nação que por séculos explorava outros
povos. O comércio de escravos e a extração de ouro e pedras preciosas das colônias,
deixavam o país rico, porém esvaziado de homens que migravam em busca de
oportunidades e riquezas, a agricultura e a pecuária, também eram fracas e a indústria
praticamente não existia. Portugal importava a maior parte dos alimentos e produtos
consumidos no seu interior. O que a tornava uma nação rica de povo muito pobre.

Lisboa depois do terremoto.

Quando retornava para Lisboa, da conversa com rei em Belém, Carvalho se deparou com
um cenário de total desolação:

Centenas de focos de incêndio, atiçados pelos ventos contínuos do


nordeste, viraram uma conflagração. E o êxodo tinha começado. As ruas –
ou o que restava delas – pululavam de sobreviventes, alguns seminus,
cobertos de sangue e poeira, enlouquecidos e delirando, todos tentando
freneticamente fugir da cidade para o campo aberto. Alguns seguravam
firmemente crucifixos e ícones santificados, além de qualquer mísero objeto
que tivessem conseguido resgatar dos escombros. (SHRADY, 2011 p.48)

O cenário pós apocalíptico do terremoto era composto por uma cidade arrasada. Fumaça,
poeira, cheiro de morte e putrefação por todos os cantos. As pessoas, se retiravam da
cidade, não somente por medo do que pudesse acontecer de pior com elas: havia uma
ameaça real de que o castelo de São Jorge pudesse pegar fogo, caso isso ocorresse seria o
fim, já que o deposito de pólvora da nação estava localizado naquele local – mas porque
não havia pra onde retornar. Não existia casa ou abrigo e a maior parte dos pontos de
referência, haviam ruído. Junto a isso, das cadeias saíram vários condenados que
saquearam e cometeram inúmeros crimes antes de, também, encontrarem um modo de sair
da cidade.

Imbuído dos poderes reais, Carvalho precisava começar de algum lugar. Seu trabalho
estava longe de ser tão “simples” quanto enterrar mortos e dar de comer aos vivos. Era

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necessário entender o tamanho do desastre, compreender quais recursos ainda estavam
disponíveis e saber organizar, criar um sistema de comando que conseguisse produzir os
efeitos desejados, sem desperdício de recursos humanos e financeiros.

Um dos problemas iniciais era conseguir controlar o fogo. A cidade não possuía uma
brigada de incêndio e as pessoas que comumente trabalhavam no combate às chamas, ou
estavam mortas ou em fuga. Além disso, as ruas estavam tomadas de entulho, e transitar
sobre eles era praticamente impossível. (SHRADY, 2011)

Antes de poder fazer alguma coisa para organizar estoques de comida para
os sobreviventes ou providenciar os enterros das incontáveis milhares de
vítimas, Carvalho precisava estabelecer a ordem. (SHRADY, 2011 p.49)

Carvalho determinou que as tropas fossem mobilizadas, mandou que os comandantes


agrupassem seus homens e os distribuíssem entre apagar incêndios, resgatar feridos,
montar guarda nas propriedades reais, propriedades da igreja, instituições financeiras e
instituições comerciais, evitando os ataques dos criminosos. As tropas, foram reforçadas
por soldados de toda Portugal. Aos criminosos, apanhados saqueando ou cometendo outros
crimes, Carvalho ordenou que fossem julgados de forma rápida e verbal, os condenados
foram enforcados e ficaram pendurados por dias, em vias públicas, servindo de exemplo
para que novos crimes não fossem cometidos. Apesar de ser uma medida extrema e
absurda, o resultado foi que cessaram os crimes.

As tropas que se dirigiam de outras regiões para Lisboa, receberam a ordem de trazerem de
volta os homens que fugiam da cidade, para que estes trabalhassem no resgate e na
reconstrução. Também mandou que se erguessem barracas por toda Lisboa, para que
ninguém ficasse desamparado e todos pudessem ter um lugar para repousar. Ordenou que
fossem estabelecidos pontos de alimentação pela cidade, e que todos os mantimentos que
tivessem escapados ilesos do desastre, fossem recolhidos pela guarda e distribuído para a
população de forma igualitária. “por toda cidade foram instaladas às pressas cozinhas de
campanha e fornos de pão” (SHRADY, 2011 p.55)

O medo da falta de abrigo e da fome, foram supridos com as medidas tomadas.

Os navios que chegavam com cargas de grãos, peixes e carne foram


obrigados a vender sua mercadoria com isenção de taxas. E em uma
tentativa de frear a exploração, os donos de loja foram obrigados a
cobrar os preços que vigoravam antes do desastre; aqueles que
desobedeciam acabavam no grupo de trabalhos forçados, limpando
os entulhos. Com essas providencias, não houve fome em parte
alguma (SHRADY, 2011 p.55)

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Buscando resolver problemas imediatos e prevenir novos desastres, era necessário livrar
Lisboa dos riscos da peste. Por toda a cidade milhares corpos estavam entulhados. Os
cadáveres de pessoas e animais resgatados dos escombros eram amontoados por todos os
cantos. Os incêndios aliviavam o cheiro de decomposição. Por muitos dias a cidade ardeu
em chamas e muitos corpos foram incinerados, o que evitou o risco da peste, mas trouxe
um fim cruel para as pessoas que ainda estavam vivas sob os escombros. (SHRADY, 2011)

Carvalho teve que tomar uma decisão quanto ao que fazer com os corpos recolhidos. A
Igreja dizia que cada pessoa deveria ser enterrada através dos rituais religiosos, porém, não
havia tempo ou espaço para que isso pudesse acontecer. Carvalho então solicitou que a
Igreja abrisse mão desta prática e permitisse que as pessoas fossem sepultadas no mar. A
solicitação foi aceita e várias embarcações foram direcionadas ao mar aberto.

A igreja, apesar de aceitar algumas condições, continuava pregando sobre a ira divina e o
apocalipse, exortando aos fiéis que buscassem de Deus a misericórdia para com seus
pecados. Muitas pessoas acreditavam neste discurso, o que gerava uma rixa interna em
relação aos sobreviventes: quem tem mais pecados? Quem é o pior? Morte aos judeus!
Uma onda de violência acompanhava o discurso da igreja, já que Portugal era uma das
nações mais religiosas do mundo e onde ainda vigorava a inquisição.

Com o tempo, as coisas foram se acalmando. As medidas emergenciais: resgatar os feridos,


providenciar abrigo e alimento, enterrar os mortos, tratar dos doentes, assegurar a paz,
foram tomadas, mas era necessário implementar novas medidas.

Limpar as ruas, retirar os entulhos, terminar de derrubar construções instáveis e em risco.


Medidas necessárias e fundamentais para evitar maiores danos. A organização de Carvalho
foi importante para conseguir avançar, rumo à reconstrução da cidade. Logo, as barracas de
lona começaram a ser substituídas por barracas de madeira, oferecendo maior conforto aos
que estavam alojados.

Entretanto, Carvalho proibiu qualquer nova construção de pedra até que todos os entulhos
tivessem sido retirados e fossem redigidos um novo código de normas construtivas e um
plano urbano. Era preciso reconstruir a cidade das cinzas, (ASSUNÇÃO, 2010) porém, com
segurança.

Carvalho nomeou então o Engenheiro-Mor, Manuel da Maia, para planejar a reconstrução.


Era preciso encontrar uma solução que atendesse às necessidades de segurança e
habitabilidade.

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No início de dezembro de 1755, Manuel da Maia, apresentou cinco propostas diferentes
para reconstrução de Lisboa: reconstruir a cidade tal qual era antes; reconstruir mantendo a
altura dos edifícios, porém, alargando as ruas; reconstruir a cidade, restringindo a altura dos
edifícios ao máximo de dois pisos, e alargando as ruas estreitas; demolir por completo a
parte atingida pelo desastre e construir sobre os escombros; abandonar a cidade e construir
outra, entre Belém e Pedrouços.

Optaram por demolir por completo a cidade e reconstruir sobre os escombros, alargando as
ruas mais estreitas, abrindo becos sem saída, respeitando quando possível as propriedades,
mas garantindo a mobilidade e a segurança. Já em março de 1756, foram apresentadas
plantas para reconstrução da cidade, com medidas preventivas e soluções para problemas
burocráticos.

Em maio de 1758, foi autorizado o início dos trabalhos de reconstrução. A cidade, numa
nova fase da gestão do desastre, foi idealizada, buscando um planejamento urbano
integrado e inovações, tais como como técnicas de construção contra terremotos, incêndios,
buscando a salubridade e a higiene.

Para evitar novas intercorrências, foram desenvolvidas técnicas antissísmicas, destacando


entre elas:

Para evitar novos desmoronamentos em função dos terremotos, as


edificações adotaram o modelo de gaiolas pombalinas, fundação com
estacas de madeira, após ensaios e estudos dinâmicos com o auxílio de
cavalos trotando próximos às construções. (FRANÇA, 1978, p. 45)

Segundo França (1978) o uso das gaiolas pombalinas, as fundações com estacas de
madeiras e a realização de ensaios para simular os efeitos de novos tremores, estavam
entre as medidas tomadas. Ainda segundo o autor citado, teria sido realizado no Terreiro do
Paço, por Carlos Mardel, um ensaio para averiguar a segurança contra novos tremores: foi
colocado uma estrutura nos moldes da gaiola pombalina sobre um estrado e ao redor deste
um destacamento militar marchava desordenadamente, simulando os efeitos do terremoto.
A proposta era demonstrar que a gaiola aguentava mais de vinte minutos nesta situação
extrema. (FRANÇA, 1978)

Buscando resolver as questões ligadas a prevenção de novos incêndios, foi adotado o uso
de paredes “quebra-fogo”, ou seja, subindo as empenas de alvenaria entre edifícios de um a
dois metros, a propagação do fogo de um prédio a outro seria dificultada. Além disso, a
“gaiola pombalina” inserida no interior das paredes, oferecia reforço estrutural aos
elementos de madeira, protegidos pela alvenaria. (FRANÇA, 1978)
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Atendendo as necessidades de renovação na salubridade e segurança, medidas também
foram implementadas. Destaca-se aqui a criação de alfurges e esgotos. Também criaram
limitações quanto a altura dos imóveis em relação à largura das ruas, além de determinar o
modo seguro de instalar as chaminés, sempre do lado dos logradouros.

Carvalho também implementou a padronização, como mecanismo de segurança. Um


exemplo disso é o uso do palmo (22,5 cm) como medida unitária. (FRANÇA, 1978) Várias
peças também passaram a ser pré-fabricadas: cantarias, grades, azulejos, balaustradas,
portas e guarnições.

Sousa (1928) apresenta uma série de instruções que foram adotadas após o terremoto, para
realização de novas construções em Lisboa:

- O número máximo de pisos será de 3 com águas furtadas, o primeiro com


janelas de sacada, o segundo e terceiro e ainda águas furtadas com janelas
de peito. Excepção a esta regra será apenas a Praça do Rossio que alterna
janelas de sacada com janelas de peito no primeiro andar;

- Os tectos deverão ser de esteira e os vigamentos amarrados nos freixais e


estes por sua vez amarrados nos centros das paredes;

- As águas furtadas deverão ter trapeiras (janelas sobre telhados), para


arejamento e conservação das madeiras;

- As vigas dos pisos terão que ser de casquinha (0,13 x 0,18 m), em
quadrado, assentes em freixais de carvalho ou asinho de secção 0,15 x
0,10 m, pregados com pregos forjados de 0,20 a 0,30 m de comprimento e
ligados às paredes por ferrolhos. O seu comprimento será de 2,0 m nos
cunhais e 0,80 a 1,0 m nos membros;

- As vigas dos telhados serão em castanho com 0,10 a 0,13 m de diâmetro


e o guarda pó e ripa será em casquinha;

- Todas as vigas serão colocadas em cavidades forradas de madeira para


maior conservação.

- Os tabiques serão de casquinha, os prumos, travessanhos e escoras em


carvalho, sobro ou asinho;

- As gaiolas serão compostas por prumos com secção 0,15x0,13 m e


travessanhos com secção 0,10x0,13 m, em carvalho ou asinho. Os
travessanhos serão ligados às paredes por meio de “mãos de madeira” e os
prumos ligados entre si pelos freixais. Nos vãos, os prumos serão ligados
uns aos outros pelas vergas com os respectivos pendurais;

- Os alicerces serão assentes numa grade de troncos de pinho, ligada às


estacas por meio de pregos de 0,30 m;

- O pinho deverá ser empregado verde e toda a madeira não exposta ao ar,
deverá apresentar-se bem conservada. (SOUSA, 1928 p.32)

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Essa nova forma de construir, proporcionou a segurança necessária para que as pessoas
recomeçassem suas vidas, diante de tudo que perderam e do receio de novos tremores,
mas com a certeza de que foram implementadas medidas de proteção e gestão de riscos e
de desastre.

A estrutura urbanística de Lisboa foi completamente alterada. A reconstrução total durou


mais de cem anos, todavia, os pilares da recuperação da cidade, a gestão imediata do
desastre, foi estruturado no ano seguinte ao terremoto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desastre de Lisboa é certamente um dos mais complexos dos últimos séculos. Não só por
se tratar de três eventos adversos num mesmo curto espaço de tempo e lugar. Mas,
também pela própria gestão: enfrentando a mentalidade da época, discutindo com a igreja,
recriando uma cidade mais moderna, tentando respeitar a propriedade alheia. Foi,
certamente, um momento impressionante.

As ações de Carvalho, podem parecer cruéis em alguns aspectos e talvez, até exageradas.
Mas seria anacronismo tentarmos pensar com a mentalidade de hoje e julgarmos as
medidas tomadas.

Carvalho, ainda que de maneira insipiente e intuitiva realizou os mesmos passos da gestão
de desastres, que são aplicados hoje, no século XXI: Planejamento, mitigação, preparação,
resposta e recuperação. Todas essas etapas são percebidas na gestão do terremoto.

É fato que a reconstrução total de Lisboa demorou cerca de cem anos. E isso é
compreensível, tanto pelas tecnologias construtivas da época, quanto pelo fato de que a
cidade estava sem mão de obra, sem recursos e principalmente, no que tange aos primeiros
anos, vivendo um processo de luto.

Se a população total de Lisboa era cerca de duzentas mil pessoas, há relatos de que
morreram cerca de noventa mil pessoas (PAICE, 2010) ou seja, todas as famílias perderam
alguém, seja um membro próximo ou um conhecido. O processo de luto, tornou todas as
coisas mais lentas. Entretanto, mesmo com todas as adversidades, meses após o desastre
já tinha sido desenvolvido um plano de ação que começou a ser implementado em menos
de dois anos.

É possível que novos desastres como o terremoto ocorram em Lisboa, já aconteceram antes
de 1755 e continuaram acontecendo após. Mas, se Portugal aprendeu algo com o grande
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desastre é que é necessário estar preparado para eventos adversos. Planejar ações de
resposta rápida, criar mecanismos de segurança para mitigar danos e estabelecer
protocolos para recuperação e reconstrução.

REFERÊNCIAS

ASSUNÇÃO, Paulo. A reconstrução da cidade de Lisboa e os tratados de


arquitetura.Revista Integração, v.16, n.60, p.15-33, 2010

CARTA ANÓNIMA. Lisboa, 19 de novembro de 1755. In: SOUSA, Maria Leonor


Machado de; NOZES, Judite da Conceição Evaristo (org.). O terramoto de 1755:
testemunhos britânicos. Lisboa: Ed. Lisóptima/The British Historical Society of
Portugal, 1990. p. 149-153.

FRANÇA, José Augusto. A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina.


Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1978

O terramoto de Lisboa de 1755: colecções de textos do século XVIII. Hist. cienc.


saude-Manguinhos [online]. 2007, vol.14, n.1, pp.285-323.ISSN 0104-5970.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702007000100014.

PAICE, Edward. A ira de Deus: A incrível história do terremoto que devastou Lisboa
em 1755. Trad. Márcio Ferrari. Rio de Janeiro: Record, 2010.

SHRADY, Nicholas. O último dia do mundo: Fúria, ruína e razão no grande terremoto
de Lisboa de 1755. Trad. Paula Berinson. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011

SOUSA, M. L. M. e Nozes, J; Testemunhos Britânicos; MCMXC; 269 p.

Tavares, Rui; O Pequeno Livro do Grande Terramoto; 2006; 223 p.

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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

UM GUIA COMERCIAL E A HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO


URBANISMO: investigando um espaço público no princípio do
século XX

ANTOCHEVIS, ELIZA F.

Universidade Federal de Pelotas. Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio


Cultural
Rua Almirante Barroso nº 1202, Centro, Pelotas/RS, CEP 96010-280
eliza.antochevis@gmail.com

RESUMO
O tempo era o início do século XX e o lugar era um espaço público delimitado, de um lado, por um
estuário e, de outro, por casas comerciais que viviam o seu auge. Os estabelecimentos interagiam
com o espaço portuário a sua frente, e as atividades neles desenvolvidas fazem parte da história do
lugar, assim como as edificações que as abrigavam. Mais de cem anos depois, busca-se desvendar
as características desse lugar: a Rua Riachuelo, na cidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Intenciona-se analisar os estabelecimentos nela existentes na primeira década do século passado,
com base principalmente em uma obra de consulta comercial de 1908. Trata-se do Guia Bemporat -
do Estado do Rio Grande do Sul. Não só a lista de empresas, mas também os seus anúncios com
fotografias dos edifícios são considerados dados importantes para estudar esse espaço público, antes
que um novo porto fosse implantado na cidade, na década seguinte, gerando transformações. Para
complementar a análise, são estudadas fontes bibliográficas e fontes documentais, como fotografias,
almanaques anuais de comércios e serviços e jornais locais. Da mesma forma, é realizado
levantamento fotográfico do cenário atual da rua. Inicialmente, é abordada a relação entre a história
da arquitetura e do urbanismo e a preservação do patrimônio cultural edificado. Busca-se relatar a
importância da historiografia, apresentando os edifícios como documentos que revelam formas de
habitar e tipologias regionais ao longo do tempo. Em um segundo momento, é apresentado um breve
histórico da Rua Riachuelo, evidenciando a construção da sua identidade comercial e portuária no
século XIX, assim como o seu enfraquecimento no século XX, por fatos como o surgimento do novo
embarcadouro. Em um terceiro momento, é analisado o Guia Bemporat, sendo apresentada a sua
subdivisão, desde o breve histórico do município. Posteriormente, disserta-se sobre os
estabelecimentos da rua no período proposto, sobretudo, a partir do guia. Os dados dos anúncios dos
estabelecimentos são cruzados com informações das outras fontes documentais. Os trechos da rua
em frente ao antigo porto são, então, caracterizados como um lugar de negociações, desde comércio
de “seccos e molhados” até serviços de reparação de embarcações, passando por uma fábrica de
fumos. É possível inferir que essas negociações influenciaram as edificações, a grande maioria
originalmente com características luso-brasileiras, sendo que algumas já apresentavam acréscimos
de ornamentos do ecletismo. A tipologia original sem recuos, tanto de sobrados quanto de casas
térreas, permitia um maior uso dos espaços para depósitos de produtos. Assim, o Guia Bemporat
mostrou-se uma ferramenta importante para caracterizar uma rua que vivia o seu apogeu, com
intenso fluxo de vidas e acontecimentos, constituindo a entrada da cidade a partir da água.

Palavras-chave: Patrimônio cultural edificado; história da arquitetura e do urbanismo; fontes


documentais; Rio Grande.

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INTRODUÇÃO

Cada lugar deve ser contemplado enquanto uma soma de todas as suas temporalidades, de
todas as marcas das gerações que nele viveram. Além da datação dos diversos elementos,
a análise das mudanças ocorridas em um lugar ao longo do tempo permite a sua
valorização, pois cada trajeto percorrido é único. Na tentativa de parecerem atrativos, os
lugares podem realçar símbolos recentemente elaborados e símbolos herdados (Santos,
2006).

É com relação a esses símbolos herdados, transmitidos por gerações anteriores, que este
trabalho pretende dialogar, analisando um lugar (um espaço público urbano) e os elementos
que o caracterizaram ao longo de um determinado tempo. A história do lugar mostra a
criação e o desenrolar de sua identidade perante os indivíduos que por ele circularam e,
também, se for o caso, os fenômenos que fizeram com que essa identidade fosse
enfraquecida.

O objetivo deste trabalho é desvendar as características de um lugar localizado no Centro


Histórico da cidade do Rio Grande, ao sul do estado do Rio Grande do Sul. Esse lugar é o
trecho da Rua Riachuelo composto por seis quarteirões, entre as ruas Andradas e Almirante
Barroso, em frente ao Porto Velho da cidade. Mais especificamente, almeja-se analisar
quais atividades de comércio e serviços estavam presentes na primeira década do século
XX, com embasamento, sobretudo, em uma obra de consulta comercial que tratou de
sessenta e sete municípios do estado.

Essa obra é o Guia Bemporat - do Estado do Rio Grande do Sul, em sua edição bianual
para 1908-1909. Considera-se extremamente relevante a lista de empresas nele exposta,
assim como os anúncios com fotografias das edificações que as abrigavam e demais
informações que os comerciantes avaliavam como necessárias. Esses dados auxiliaram na
caracterização mais minuciosa do espaço público em um período em que já se compreendia
ser de ampla movimentação portuária.

A cidade do Rio Grande foi fundada em 1737 como Presídio e Povoação do Rio Grande de
São Pedro e constituiu o primeiro núcleo urbano do seu estado. No mesmo ano, foi
construído o Forte Jesus-Maria-José, próximo ao Estuário da Laguna dos Patos, dando
origem ao Núcleo do Porto, pequeno e simples, onde estava localizada a fiscalização da
atividade comercial (Queiroz, 1987). Apesar da existência de outro núcleo no interior, a
região do porto obteve maior desenvolvimento, dando origem à cidade do Rio Grande.

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Em 1823, sucessivos aterros permitiram o aumento do embarcadouro e a criação da Rua
Riachuelo, denominada originalmente Rua Nova das Flores. Buscando analisar essa
importante rua, este texto aborda alguns dos resultados parciais da pesquisa em
desenvolvimento junto ao curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Memória
Social e Patrimônio Cultural (PPGMP) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O
recorte temporal escolhido para este texto foi a primeira década do século XX, um tempo
considerado de apogeu.

Para tanto, são analisadas fontes bibliográficas e fontes documentais. Nessas últimas, além
do Guia Bemporat, estão incluídos jornais da cidade, almanaques anuais de comércios e
serviços, fotografias antigas e atuais da rua, mostrando o passado e o presente. A análise
dos estabelecimentos em frente ao antigo embarcadouro também pode ser considerada um
estudo de caso.

Buscando uma melhor compreensão pelo leitor, o texto foi estruturado em quatro partes. A
primeira trata da relação entre a história da arquitetura e do urbanismo e a preservação do
patrimônio cultural edificado. A segunda apresenta um histórico conciso da Rua Riachuelo,
passando pelos seus principais acontecimentos. A próxima parte analisa o Guia Bemporat -
do Estado do Rio Grande do Sul (1908) enquanto fonte de informação. Por último, são
abordados os estabelecimentos da Rua Riachuelo na primeira década do século XX,
principalmente a partir do guia comercial.

A HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO: embasamento à


preservação do patrimônio

Em seu livro Introdução à História da Arquitetura – das origens ao século XXI, José Ramón
Alonso Pereira (arquiteto, professor e escritor) afirma que sua obra “se volta ao processo de
projeto de arquitetura, formulando o saber histórico como meio fundamental para o
conhecimento da composição e da construção das edificações, atendendo aos problemas
que cada sociedade e seus arquitetos tentaram resolver” (Pereira, 2010, p. 13). A intenção
de Alonso Pereira é mostrar a relevância das disciplinas de história para os estudantes do
referido curso, através da análise das permanências e rupturas que ocorreram nos modos
de viver e construir ao longo dos anos.

Através de um entendimento semelhante, o campo do saber da História da Arquitetura e do


Urbanismo é classificado como obrigatório nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os
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cursos de Graduação em Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Os conteúdos a serem
ministrados devem estar inseridos em dois núcleos: de conhecimentos fundamentais e de
conhecimentos profissionais. No núcleo de fundamentação, estão a Estética e História das
Artes e os Meios de Representação, por exemplo; enquanto no núcleo profissional, estão a
Teoria e história da Arquitetura, do Urbanismo e do Paisagismo e, também, o Projeto de
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo (Brasil, 2010).

A inserção das disciplinas de história junto às de projeto (sempre muito valorizadas) mostra
que não são apenas os trabalhos envolvendo criação que formam a essência do
profissional. Situar-se corretamente no tempo é complementar à situar-se adequadamente
no espaço, escolhendo o terreno, o quarteirão ou o bairro.Além de sua justificativa para a
formação generalista dos profissionais arquitetos e urbanistas, a história mostra-se
essencial para a área de atuação referente à preservação do patrimônio cultural edificado.
Um importante exemplo é o trabalho de identificação e conhecimento dos bens imóveis, ou
de seus conjuntos, presentes em diversas cidades brasileiras.

Buscando uma uniformização dos projetos e uma maior qualidade das obras de restauro no
país, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) lançou a obra Manual
de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural. A publicação integra a
coleção de Cadernos Técnicos do Programa Monumenta, referente ao patrimônio edificado
e aos espaços públicos urbanos.

O trabalho de identificação e conhecimento do bem constitui, conforme observado no


manual, a primeira etapa referente aos projetos de intervenção, sendo seguida pelo
diagnóstico e pela proposta de intervenção propriamente dita. A etapa é, então,
caracterizada pela análise da edificação “sob os aspectos históricos, estéticos, artísticos,
formais e técnicos” (Brasil, 2005, p. 20), compreendendo o seu significado e a sua evolução
ao longo dos anos.

As atividades inseridas na etapa de identificação e conhecimento compreendem a pesquisa


histórica através de fontes orais, bibliográficas e documentais. O bem imóvel e/ou o espaço
público são compreendidos dentro de determinados recortes físicos e temporais, podendo
ser considerados um patrimônio cultural por estarem inseridos na tipologia de sua região e
de seu tempo ou, em um sentido contrário, por sua singularidade e excepcionalidade em
relação aos demais.

Observando o aspecto técnico, a pesquisa histórica auxilia as decisões de projeto, uma vez
que identifica quais são os materiais e os elementos originais do edifício e quais foram
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acrescentados ou modificados posteriormente. Com essas informações, a equipe técnica é
capaz de estudar os materiais contemporâneos mais adequados a serem empregados junto
aos antigos. Da mesma forma, a pesquisa histórica embasa as intervenções nos elementos
do edifício, em conjunto com a linha de restauro escolhida pela equipe.

OS DIFERENTES TEMPOS DA RUA RIACHUELO

No ano de 1823, mudanças profundas ocorreram na região portuária da cidade do Rio


Grande, que naquele momento ainda constituía uma Vila. A construção do cais de madeira
e a dragagem do canal possibilitaram o recebimento de embarcações de maior porte através
do estuário (Torres, 2009). Por meio de aterros, a área urbana foi estendida, criando espaço
para uma nova rua e para o desenvolvimento dos quarteirões em volta à ela.

Imagens da segunda metade do século XIX mostraram edificações térreas e sobrados que
podem ser considerados simplificados em relação àqueles de áreas centrais de outras
cidades, durante o mesmo período. As edificações não contavam com decisões projetais
mais complexas, como recuos frontais ou laterais para ajardinamento, nem com porões. Em
fotografias da década de 1860, do acervo da Biblioteca Rio-Grandense, em Rio Grande,
alguns exemplares mostravam platibandas e aberturas com vergas em arco pleno. Essas
eram novas concepções do ecletismo (Mendes; Veríssimo; Bittar, 2011), embora a maioria
ainda mostrasse telhado com beiral e portas e janelas com vergas retas ou em arco abatido.

Apesar do crescimento urbano e econômico, o cais e os trapiches de madeira em frente as


edificações só foram substituídos por um cais de pedra, mais extenso, no início da década
de 1870, após diversas reclamações expressas nos jornais dos anos anteriores. Naquele
momento, eram realizadas as primeiras fases da construção do cais de pedra, que teve
início em frente ao edifício da antiga Alfândega, entre as ruas Andradas e Ewbank (Torres,
2009). Com a chegada do século XX, a Rua Riachuelo mostrou o mesmo desenvolvimento
econômico das décadas anteriores.

Apesar das melhorias, o primeiro porto da cidade ainda apresentava dificuldades pela pouca
profundidade do seu canal e pelo acanhado espaço para as atividades portuárias, já que a
cidade havia se desenvolvido muito próxima a ele. Em 1915, foi então inaugurado o Porto
Novo, à leste da cidade, em um espaço mais amplo e mais próximo à entrada das
embarcações a partir do Oceano Atlântico.

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O antigo embarcadouro, que passou a ser chamado de Porto Velho, continuou sendo
necessário para a cidade, recebendo embarcações de menor porte (Torres, 2009). Na
segunda metade da década de 1920, foram edificados os cinco armazéns do Porto Velho,
para dar suporte às atividades portuárias, assim como foram projetados os gradis que
fecharam a área em relação ao espaço público da Rua Riachuelo (Alves, 2008).

Em um processo lento, a população começou a se distanciar da área portuária, então


restrita, assim como da paisagem do estuário. Tal processo intensificou-se na década de
1940, quando a inauguração de rodovias e o surgimento de viagens de ônibus no estado
contribuíram para o fechamento de empresas que faziam essas viagens por navios,
chamados anteriormente de “vapores”. No ano de 1944, o percurso entre Rio Grande e a
capital Porto Alegre, em veículos coletivos, podia ser realizado ainda por navio, mas
também por ônibus e avião (Pimentel, 1944).

Na década de 1960, começaram a ser realizados alguns eventos culturais que tiveram
atividades localizadas junto ao antigo porto. Esse foi um momento em que a cidade buscou
utilizar o turismo para movimentar o setor econômico, prejudicado após o fechamento de
algumas indústrias na década anterior (Witter, 2011). Posteriormente, em 1987, a Coleção
Histórica do Museu da Cidade do Rio Grande foi transferida para as instalações do edifício
da antiga Alfândega, em frente ao porto.

Enquanto os eventos culturais e as atividades museológicas buscaram reacender a


identidade portuária, as preocupações com legislações que pudessem proteger o patrimônio
edificado da rua caminharam mais lentamente. Quando foi lançado o Inventário de Bens
Culturais do Município do Rio Grande, no ano de 2004, muitas descaracterizações já haviam
ocorrido nos sobrados e nas casas térreas em frente ao porto. No entanto, o instrumento
contribuiu com a preservação do cais e dos armazéns do porto, assim como de alguns
sobrados com importantes histórias (Rio Grande, 2004).

Atualmente, a paisagem da Rua Riachuelo apresenta, de um lado, as edificações do Porto


Velho, um patrimônio preservado ao longo dos anos. Em frente a ele, estão as demais
edificações que, com exceção da antiga Alfândega, apresentam descaracterizações mais
sutis ou mais profundas. Como na imagem mostrada a seguir (Figura 1), esses
remanescentes convivem com terrenos vazios (após demolições ocorridas) e diversos
outros aspectos que dificultam e enfraquecem a sua relevância enquanto pertencentes a um
lugar, ao menos a olhos leigos, que não conhecem os fatos que neles ocorreram.

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Figura 1: Trecho da Rua Riachuelo entre Travessa do Afonso e Rua Andradas, 2021.
Fonte: Autora.

O GUIA BEMPORAT: “obra de consulta commercial”

Entre os documentos utilizados para a realização de pesquisa histórica sobre uma


construção ou determinada área de uma cidade, estão os desenhos técnicos (plantas
baixas, fachadas, cortes), as fotografias, os jornais e relatórios de instituições locais, os
guias e almanaques comerciais. Essas obras, consideradas documentos, fazem-se
presentes em bibliotecas e arquivos, indicando como um determinado lugar se organizava
originalmente, qual era a opinião dos seus usuários ou habitantes sobre certas questões.
Entre meados do século XIX e do século XX, jornais, relatórios, guias e almanaques eram
importantes meios para se obter informações.

Os guias e almanaques comerciais, diferentemente dos exemplares literários, mostravam os


endereços dos estabelecimentos comerciais e de serviços em forma de listas, embora
também houvesse anúncios em página inteira ou meia página. Em edições anuais ou
bianuais, mostravam quais ruas de uma cidade apresentavam maior número de comércios,
quais marcos locais eram utilizados como referência e quais empresas eram as
representantes exclusivas de determinados produtos.

Nesse sentido, apresenta-se o Guia Bemporat - do Estado do Rio Grande do Sul, que
contou com algumas edições publicadas no início do século XX. A empresa responsável

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pela “obra de consulta commercial” foi fundada em 1903, tendo como diretor geral Achylles
Bemporat (Bemporat, 1908). Para esta pesquisa, foram analisados os exemplares bianuais
de 1906-07 e 1908-09, presentes na Biblioteca Rio-Grandense, a mais antiga do estado, em
Rio Grande. O exemplar mais recente apresenta um maior volume, devido ao grande
número de endereços e, também, por conter anúncios com imagens de alguns
estabelecimentos, tornando o volume mais rico em dados. Essa questão contribuiu para a
sua escolha como fonte principal, ficando a edição anterior como fonte secundária, para
informações gerais.

Os guias apresentam inicialmente uma descrição geral sobre o Estado, com nomes dos
principais representantes do Governo, leis e decretos mais importantes e tabelas de câmbio.
Posteriormente, nas duas edições, são exibidos sessenta e sete municípios, cada um com
seu breve histórico, sua descrição física e listas de funcionários públicos, comércios,
indústrias e profissões. Além dos endereços físicos, eram exibidos endereços de caixas de
correios e telégrafos.

A edição para 1908-09 expõe uma informação sobre os “algarismos eloquentes” dos últimos
guias. A publicação para 1904-05 havia contado com 1.500 exemplares, 1.100 assinantes e
48.000 endereços. Para o biênio seguinte, 1906-07, os números haviam aumentado para
3.000 exemplares, 1.350 assinantes e 64.000 endereços. Finalmente, para a edição de
1908-09 havia 8.000 exemplares, 4.500 assinantes e um considerável aumento de
endereços para 82.000 (Bemporat, 1908).

Até o presente momento, não foram encontradas em instituições outras edições do guia ou
menções sobre as elas em trabalhos referentes a cidades do estado, no início do século XX.
Dados pesquisados informaram que o diretor geral Achylles Bemporat era um empresário
que administrava algumas empresas no estado do Rio Grande do Sul. Coincidentemente,
uma de suas atividades estava localizada na Praia do Cassino, na cidade do Rio Grande.

Em 1911, o jornal O Paíz, do Rio de Janeiro, publicou uma notícia informando que Achylles
Bemporat havia deixado o estado em direção ao Uruguai, sem comunicação prévia, levando
uma alta quantia em dinheiro (O Paíz, 13/03/1911). A publicação informava ainda que
Bemporat havia tido um de seus contratos rescindido e era arrendatário de um cassino, na
então chamada “praia de banhos da cidade do Rio Grande”. Posteriormente, a praia
recebeu o nome de Cassino.

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A PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XX EM FRENTE AO ANTIGO
EMBARCADOURO

Com a entrada do século XX, a região portuária da cidade do Rio Grande dava seguimento
ao seu momento de apogeu, no que diz respeito à ligação entre as atividades comerciais e
portuárias, com intensa circulação de pessoas. Embora as condições do percurso das
embarcações fossem ainda preocupantes, a Rua Riachuelo apresentava os seus seis
quarteirões em frente ao porto já delimitados, e a grande maioria dos lotes com edificações.

No dia 1º de janeiro de 1901, o jornal O Diário do Rio Grande apresentou na seção Avisos
Marítimos informações sobre viagens que seriam realizadas. O vapor Itanema, da
Companhia Nacional de Navegação Costeira, seguiria para os portos de Santos e do Rio de
Janeiro em dois dias, recebendo carga, encomendas e valores. A agência estava localizada
na Rua Riachuelo, nº 57. A empresa Carreira Sul do Brasil anunciava navegação direta para
a Europa, e sua agência estava situada na mesma rua, no nº 70 (O Diário do Rio Grande,
01/01/1901).

Em 1905, o Almanak Laemmert, do Rio de Janeiro, exibiu descrições gerais de alguns


estados do país e informações sobre estabelecimentos de suas capitais. Apesar do
almanaque ainda não apresentar dados de cidades, além das capitais, Rio Grande foi
mencionada por contar com filiais de duas empresas situadas em Porto Alegre: Santos
Rocha & C., na Rua Riachuelo, nº 21, com ferragens, tintas e louças; e Otero, Gomes & C.,
na Rua Riachuelo, nº 8, com comissões e consignações (Sauer, 1903).

O ano de 1908 chegou com diversos endereços em frente ao embarcadouro ocupados por
agências de transportes marítimos, como nos anos anteriores. Na edição de 11 de janeiro,
era anunciada na seção Vida Social do jornal O Diário do Rio Grande, a chegada de outra
atividade, com a firma comercial exportadora de carvão, R. W. J. Sutherland & Comp., do
País de Gales. O seu representante na cidade, Sr. Sinclair Robinson, acabara de
estabelecer seu escritório em um sobrado à Rua Riachuelo, nº 69 (O Diário do Rio Grande,
11/01/1908).

Em meio à análise da Rua Riachuelo nesse período, o Guia Bemporat - do Estado do Rio
Grande do Sul, para 1908-09, trouxe uma relação importante de estabelecimentos e usos,
permitindo o aprofundamento do estudo. Foram listados vinte e dois armazéns que vendiam
gêneros alimentícios (os antigos “seccos e molhados”) a atacado, sete agências marítimas
(com os antigos “vapores”), quatro agências de seguros, quatro armazéns de gêneros

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alimentícios a varejo, dois depósitos de materiais de construção, dois armazéns navais (com
cabos e ferragens para consertos) e uma fábrica de fumos com depósito e vendas por
atacado (Bemporat, 1908).

Entre os seis quarteirões da Rua Riachuelo, em seu trecho em frente ao porto, um estava
inteiramente ocupado pelo edifício da Alfândega desde o final da década de 1870 (Torres,
2009). Os outros cinco já apresentavam, na chegada do século XX, os comprimentos atuais
entre 70 e 132 metros em seus lados voltados para a mesma rua. Considerando que alguns
endereços podem não ter sido listados pelo guia, é possível constatar que havia pelo menos
quarenta e dois estabelecimentos que negociavam produtos e serviços, espalhados em
cinco quarteirões não muito extensos de uma mesma rua. Os números confirmam o perfil de
intensa movimentação que os jornais e as fotografias sugeriam sobre esse lugar.

Os vinte e dois armazéns que vendiam “seccos e molhados” eram bastante característicos
do período. Comercializavam por atacado gêneros alimentícios nacionais e importados para
as “vendas”, que funcionavam como pequenos mercados, distribuídas em vários pontos da
cidade. Cada armazém trabalhava com pouca variedade de produtos e alguns eram
representantes exclusivos de uma marca. Esse era o caso da empresa Braga & Leite, que
informava em anúncio de página inteira no guia ser a única representante do Xerez Quina
Ruiz no estado, “aperitivo que obteve Medalha de Ouro e Diploma de Honra em Paris”
(Bemporat, 1908).

A empresa Campos Assumpção era um exemplo de armazém que também trabalhava com
materiais diversos, além dos gêneros alimentícios por atacado. Conforme anúncio em
página do guia, vendia também madeiras para construção (Figura 2). Estava instalada em
um sobrado de dois pavimentos, situado na movimentada esquina da Rua Riachuelo com a
Rua Benjamin Constant. Além de permitir a localização, as fotografias apresentadas nos
anúncios também facilitaram o entendimento da antiga numeração, que continha pares e
ímpares no mesmo lado da rua.

Campos Assumpção também anunciava usualmente nos jornais, informando sobre os


produtos que comercializava. Entre os “seccos e molhados”, estavam o Vinho do Porto, da
antiga casa de João Eduardo dos Santos J., “superior e barato” (O Diário do Rio Grande,
03/01/1905). Entre os materiais de construção, apareciam os tijolos vindos de Porto Alegre,
de “barro puro, sem areias nem umidade”, considerados de grande utilidade (O Diário do Rio
Grande, 04 de jan. 1905).

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Figura 2: Anúncio da empresa Campos Assumpção, situada na Rua Riachuelo.
Fonte: Bemporat (1908, p. 476).

A presença dos armazéns que vendiam gêneros alimentícios e bebidas a varejo indica a
existência do uso residencial na Rua Riachuelo, sendo exemplos das antigas vendas
citadas. Enquanto no térreo estavam localizados os estabelecimentos comerciais e de
serviços, os demais pavimentos dos sobrados recebiam residências, muitas vezes dos
proprietários.

Com relação à tipologia das arquiteturas do lugar, as fotografias que constam no guia e em
outros acervos permitem inferir que os sobrados de dois pavimentos e as construções
térreas eram os mais comuns. Os térreos formavam um conjunto maior próximo à Rua
Almirante Barroso. Os sobrados de dois pavimentos constituíam conjuntos de dois ou três
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exemplares em vários quarteirões. Havia três exemplares de sobrados de três pavimentos e
um exemplar de quatro pavimentos.

Nesse momento, as características eram da corrente luso-brasileira e também ecléticas em


alguns exemplares, que haviam sofrido intervenções para se adequar aos novos tempos. Na
imagem a seguir (Figura 3), observa-se a Rua Riachuelo nas proximidades do seu
cruzamento com a Rua Benjamin Constant. O trecho de quarteirão em primeiro plano
mostra a empresa Abel Asti & Cia., em um sobrado com platibanda ornamentada e balcão
corrido em frente às portas-janelas. Na esquina do mesmo trecho, volta-se a visualizar a
firma Campos Assumpção, seu telhado com beiral e balcões em duas janelas. O sobrado da
empresa Abel Asti & Cia. e o edifício da antiga Alfândega, com a cúpula ao fundo, também
podem ser observados na Figura 1, que mostra o lugar atualmente.

Figura 3: Rua Riachuelo nas proximidades de sua esquina com a Rua Benjamin Constant,
na primeira década do século XX.
Fonte: Biblioteca Rio-Grandense.

O quarteirão localizado na esquina da Rua Riachuelo com a Rua Almirante Barroso, junto às
edificações térreas, era o mais afastado em relação ao centro comercial, administrativo e
financeiro, que tinha início em alguns pontos da primeira rua paralela à Rua Riachuelo. É
possível que essa seja a razão desse quarteirão ter recebido a Fábrica de Fumos e Cigarros

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Alliança, a única de sua atividade verificada nos seis quarteirões da rua, até o presente
momento.

O anúncio da fábrica, em página inteira do guia, mostrava a existência de um depósito ao


seu lado, ambas edificações térreas, onde era armazenada a produção para exportação. O
movimento registrado pelo anúncio de funcionários, fregueses, embalagens com produtos
nas calçadas e veículos de tração animal para transporte, mostrava um cenário semelhante
ao dos outros quarteirões próximos, porém, um pouco reduzido.

CONCLUSÕES

Em meio à pesquisa histórica referente a um patrimônio cultural em um recorte temporal que


está mais de um século distante, é imprescindível considerar os documentos que expressam
a história desse lugar. As memórias através de relatos orais não estão mais disponíveis,
tornando-se necessária a investigação dos dados documentais também para analisar os
sentimentos alusivos ao espaço público e às edificações que o circundavam.

Após a análise dos dados do Guia Bemporat, foi possível estabelecer uma grande
quantidade de usos para a Rua Riachuelo, no trecho escolhido, caracterizando-a como um
lugar de negociações, com intenso trânsito entre os seus dois lados: o Estuário da Laguna
dos Patos e os sobrados e edificações térreas utilizados pelas empresas. Em meio às listas
com caráter técnico, estão também disponíveis os anúncios e as imagens exibindo as
fachadas dos estabelecimentos. Era importante mostrar a localização próxima ao antigo
porto, relatar a variedade de seus produtos.

Apoiado em outras fontes documentais, o Guia Bemporat revelou-se uma ferramenta de


grande importância para a investigação da rua, caracterizando a sua fase de apogeu e
possibilitando expor a história desse patrimônio com tantos valores. Esta exposição busca
não só reviver memórias perdidas, mas contribuir com ações de preservação no tempo
presente. É um dos principais objetivos do campo da História da Arquitetura e do
Urbanismo, “afinal, a história não pertence a um passado mais ou menos distante, mas faz
parte operativa do presente” (Pereira, 2010, p. 13).

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REFERÊNCIAS

Fontes bibliográficas:

ALVES, F. N. Porto e Barra do Rio Grande: história, memória e cultura portuária. Porto
Alegre: Corag, 2008.

BRASIL. Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural. Programa


Monumenta - Cadernos Técnicos 1. Brasília: Ministério da Cultura, Instituto do Programa
Monumenta, 2005.

BRASIL. Resolução no 2, de 17 de junho de 2010. Institui as Diretrizes Curriculares


Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Brasilia: Ministério da
Educação, 2010.

MENDES, C.; VERÍSSIMO, C.; BITTAR, W. Arquitetura no Brasil: de Cabral a Dom João VI.
São Cristóvão: Imperial Novo Milênio, 2011.

PEREIRA, J. R. A. Introdução à História da Arquitetura: das origens ao século XXI. Porto


Alegre: Bookman, 2010.

PIMENTEL, F. Aspectos gerais do Município do Rio Grande. Porto Alegre: Oficina Gráfica
Imprensa Oficial, 1944.

QUEIROZ, M. L. B. A Vila do Rio Grande de São Pedro (1737-1822). Rio Grande: Editora da
FURG, 1987.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2006.

TORRES, L. H. Memórias do cais : o porto velho do Rio Grande. Rio Grande: Editora da
FURG, 2009.

Fontes documentais:

BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL – HEMEROTECA:

ALMANAK LAEMMERT. Rio de Janeiro: 1905.

JORNAL O PAÍZ. Rio de Janeiro: 13 de mar. 1911.

BIBLIOTECA RIO-GRANDENSE:

BEMPORAT, Achylles [diretor geral]. Guia Bemporat – do Estado do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: 1906.

BEMPORAT, Achylles [diretor geral]. Guia Bemporat – do Estado do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: 1908.

JORNAL DIÁRIO DO RIO GRANDE. Rio Grande: 1º de jan. 1901.

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JORNAL DIÁRIO DO RIO GRANDE. Rio Grande: 03 de jan. 1905.

JORNAL DIÁRIO DO RIO GRANDE. Rio Grande: 04 de jan. 1905.

JORNAL DIÁRIO DO RIO GRANDE. Rio Grande: 11 de jan. de 1908.

Endereços da Internet:

BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL – HEMEROTECA. Jornal O Paíz. Rio de Janeiro, 13 de


mar. 1911. Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=178691_04&pagfis=5939&u
rl=http://memoria.bn.br/docreader#>. Acesso em: 30 de jun. 2021.

RIO GRANDE. Inventário de Bens Culturais do Município do Rio Grande. Prefeitura


Municipal de Rio Grande,, 2004. Disponível em:<
https://www.riogrande.rs.gov.br/consulta/index.php/inventario-de-bens-culturais >. Acesso
em: 30 de jun. 2021.

SAUER, Arthur. Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro.


Rio de Janeiro: Companhia Typographica do Brazil, 1905. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=313394&Pesq=%22hotel%20novo%
20arnaldo%22&pagfis=26587>. Acesso em: 15 de jun. 2021.

WITTER, R. Resgate histórico: as duas primeiras Festa do Mar. Click RBS, 2011. Disponível
em:<http://wp.clicrbs.com.br/riogrande/2011/04/18/resgate-historico-as-duas-primeiras-
edicoes-da-festa-do-mar/>. Acesso em: 30 de jun. 2021.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

PRAÇA DAS ARTES: RELAÇÃO COM A PREEXISTÊNCIA NA


ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA

Isadora Do Pinho Silva (isadoradopinho@gmail.com)

Nivaldo Vieira De Andrade Junior (nivandrade@gmail.com)

Vanessa Maria Pereira (vanessamariapereira@gmail.com)

O projeto da Praça das Artes, localizado na cidade de São Paulo, é concebido


em razão da necessidade de ampliação dos espaços de ensaio vinculados ao
Teatro Municipal. O projeto é de autoria do escritório Brasil Arquitetura, dos
arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos
Cartum, da Secretaria Municipal de Cultura. Foi elaborado em 2006 e teve sua
segunda fase inaugurada em 2019.

O complexo cultural se localiza na quadra 27, no Centro de São Paulo,


conformada pelas Ruas Formosa, Conselheiro Crispiniano, Av. São João e a
Praça Ramos de Azevedo, incluindo o Teatro Municipal. Esta quadra,
juntamente com suas vizinhas, representa um importante sítio urbano que
contém grande número de bens tombados com variadas tipologias
arquitetônicas. Por tomar uma importante parte da quadra, a implantação da
Praça das Artes permite que o projeto se relacione com o espaço urbano por
três fachadas distintas(Av. São João, Ruas Formosa e Conselheiro
Crispiniano).

Em razão de um programa funcional amplo e complexo, os arquitetos optaram


por lançar mão de variados recursos, com construção de edificações novas,
reforma de existentes e a incorporação dos edifícios históricos do
Conservatório Dramático Musical e do antigo Cine Cairo, do qual apenas a
fachada foi mantida sendo o corpo do edifício demolido.

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a relação do projeto da Praça
das Artes com as preexistências, bens tombados ou não, e com o espaço
urbano consolidado, tendo em vista o valor histórico do sítio no qual está
inserido.

No caso da incorporação de edificações com alguma relevância cultural,


pretende-se abordar o denominado “fachadismo”¹ como prática no tratamento
do patrimônio, que desconsidera os valores complexos das edificações, bem
como o apagamento cromático ou branqueamento², que elimina das
edificações nuances de cores, texturas, e brilhos. Tanto o Cine Cairo quanto o
Conservatório passaram por intervenções como estas para adequarem-se à
proposta, indicando uma aparente rejeição ao ecletismo e uma tentativa de
modernização.

Além da questão dos edifícios pré-existentes que foram incorporados ao


projeto, o artigo abordará também o descarte (demolição) de várias
edificações na Rua Formosa, eliminadas para a implantação da praça que
constitui o acesso principal ao complexo, entre elas um edifício de
aproximadamente 10 pavimentos, organizado em três blocos, sem aparente
comprometimento físico. Por fim, pretende-se abordar como o conjunto se
relaciona com o tecido urbano das quadras da região, mantendo uma
variabilidade tipológica e abrindo novas perspectivas de observação do
entorno.

¹ Conceito de José Aguiar (2014), p. 56-69.

² Termo apresentado por Eduardo Santos Júlio (2020), p. 145


Referência Bibliográfica

AGUIAR, J. Reabilitação ou Fraude. Revista Património, Lisboa: Imprensa


Nacional/DGPC, 2014. n.2.

JÚLIO, EDUARDO. Guia FNRE: Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado,


Lisboa : FUNDIESTAMO, 2020.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

DOS CAFUNDÓS À ACADEMIA: O TCC EM ARQUITETURA E URBANISMO


COMO GERADOR DE DOCUMENTAÇÃO DA MEMÓRIA DE PEQUENAS
COMUNIDADES

Efreu Brignol Quintana (efreuquintana@gmail.com)

Enilton Braga Da Silva (enilton@gmail.com)

Renata Selau De Matos (renatasmatos@gmail.com)

Em um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Arquitetura e Urbanismo, o


graduando deve escolher um tema que o possibilite demonstrar importantes
aptidões aprendidas ao longo do curso que validem sua capacidade de
apresentar-se arquiteto e urbanista perante a sociedade. Neste cenário, o
estudante é estimulado a encontrar possibilidades de intervenções projetuais
que tratem de temas ou locais de relevância social, econômica, cultural, entre
outros. Em uma universidade no litoral norte do Rio Grande do Sul, que conta
com alunos que residem em cidades num raio de 100km, isto significa grandes
oportunidades de trazer à luz patrimônios materiais e imateriais que dificilmente
seriam encontrados e documentados com tanta facilidade de acesso. Como
prática metodológica, o TCC os instiga a pesquisar de maneira integral por
eventos históricos, dados dos personagens, imagens, histórias, memórias,
documentos das comunidades-alvo da intervenção do programa arquitetônico
escolhido. O aluno, via de regra, é um agente ativo dentro da comunidade,
estando organicamente envolvido com os personagens relacionados ao
patrimônio histórico. Trazemos, portanto, neste artigo, exemplos de trabalhos
que consideramos paradigmáticos nos cuidados com a coleta de dados,
ilustrações, documentações e intervenção projetual e que, mesmo após a
conclusão da disciplina, tem potenciais repercussões positivas nas
comunidades onde se inserem.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O CEMITÉRIO DE SANTA IZABEL COMO DOCUMENTO NA HISTÓRIA


URBANA DA CIDADE DE BELÉM.

Amanda Roberta Botelho Menezes (arcbotelho@gmail.com)

Marcia Cristina Ribeiro Gonçalves Nunes (marcianunes2011@gmail.com)

Este trabalho tem como objetivo identificar o Cemitério de Santa Izabel como
documento de aferição e representação da História Urbana de Belém, além
disso visa explicar as dinâmicas que ocorreram na implantação do Cemitério de
Santa Izabel, desde sua inauguração para a compreensão das motivações,
transformações sociais e, principalmente, as transformações espaciais que
determinaram a cidade oitocentista de Belém. Compreendendo o cemitério de
Santa Izabel, como território comunicante e utilizando a cartografia como
ferramenta de análise, os espaços cemiteriais possuem características que
transcendem o aspecto objetivo, visto que as abordagens subjetivas e culturais
serão principais modeladoras físicas e comportamentais do uso desses
espaços. Para desenvolvimento deste trabalho, os procedimentos
metodológicos utilizados foram a pesquisa histórica e bibliográfica, através de
análises comparativas sobre os autores. Como conclusão preliminar, verifica-se
que o cemitério de Santa Izabel possui interferência nos seus frequentadores e
redondeza, por se tratar de um território comunicante, assim como os
moradores do bairro e viventes do cemitério tem influência nos processos sócio
espaciais que o mesmo vivenciou e vivencia, através do sincretismo e crenças
que homem aplica nos espaços da morte. Ou seja, por se tratar de um território
comunicante, o cemitério de Santa Izabel foi um marco delimitador no
desenvolvimento territorial da cidade Belém, se tornando assim um documento
ativo na história urbana da cidade.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

UM GUIA COMERCIAL E A HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO


URBANISMO: INVESTIGANDO UM ESPAÇO PÚBLICO NO PRINCÍPIO DO
SÉCULO XX

Eliza Furlong Antochevis (eliza.antochevis@gmail.com)

O tempo era o início do século XX e o lugar era um espaço público delimitado,


de um lado, por um estuário e, de outro, por casas comerciais que viviam o seu
auge. Os estabelecimentos interagiam com o espaço portuário a sua frente,
comprando e revendendo diversos produtos. As atividades neles desenvolvidas
fazem parte da história do lugar, assim como as edificações que as abrigavam.
Mais de cem anos depois, busca-se desvendar as características desse lugar:
a Rua Riachuelo, na cidade do Rio Grande, Rio Grande do Sul. Intenciona-se
analisar os estabelecimentos nela existentes na primeira década do século XX,
com base principalmente em uma obra de consulta comercial de 1906. Trata-se
do Guia Bemporat - do Estado do Rio Grande do Sul. Não só a lista de
empresas, mas os seus anúncios com fotografias dos edifícios são
considerados dados importantes para estudar esse espaço público, antes que
um novo porto fosse implantado na cidade, na década seguinte, gerando
transformações. Para complementar a análise, são estudadas fontes
bibliográficas e outros documentos, como fotografias, almanaques anuais de
comércios e serviços e jornais locais. Da mesma forma, é realizado
levantamento fotográfico do cenário atual da rua. Inicialmente, é abordada a
relação entre a história da arquitetura e do urbanismo e a preservação do
patrimônio cultural edificado. Busca-se relatar a importância da historiografia,
apresentando os edifícios como documentos que revelam formas de habitar e
tipologias regionais ao longo do tempo. São dados que podem embasar ações
de preservação. Em um segundo momento, é apresentado um breve histórico
da Rua Riachuelo, evidenciando a construção da sua identidade comercial e
portuária no século XIX, assim como o enfraquecimento dessa identidade no
século XX, por fatos como o surgimento do novo embarcadouro. Em um
terceiro momento, é analisado o Guia Bemporat, sendo apresentada a sua
subdivisão, desde o esboço histórico do município. Posteriormente, disserta-se
sobre os estabelecimentos da rua no período proposto, sobretudo a partir do
guia. Os dados dos anúncios dos estabelecimentos são cruzados com
informações das outras fontes documentais. Os trechos da rua em frente ao
antigo porto são então caracterizados como um lugar de negociações, desde
comércio de “seccos e molhados” até serviços de reparação de embarcações,
passando por uma fábrica de fumos. É possível inferir que essas negociações
influenciaram as edificações, a grande maioria originalmente com
características luso-brasileiras, sendo que algumas já apresentavam
acréscimos de ornamentos do ecletismo. A tipologia original sem recuos, tanto
de sobrados como de casas térreas, permitia um maior uso dos espaços para
depósitos de produtos. Assim, o Guia Bemporat mostrou-se uma ferramenta
importante para caracterizar uma rua que vivia o seu apogeu, com intenso fluxo
de vidas e acontecimentos, constituindo a entrada da cidade a partir da água.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO.
O CEMITÉRIO DE SANTA IZABEL COMO DOCUMENTO NA
HISTÓRIA URBANA DA CIDADE DE BELÉM.

BOTELHO, AMANDA (1); NUNES, MARCIA CRISTINA RIBEIRO GONÇALVES (2)

1. Universidade da Amazônia –UNAMA. Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens


e Cultura- PPGCLC. Av. Alcindo Cacela, 287 - Umarizal, Belém - PA, 66060-000.
arcbotelho@gmail.com

2. Universidade da Amazônia –UNAMA. Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens


e Cultura- PPGCLC. Av. Alcindo Cacela, 287 - Umarizal, Belém - PA, 66060-000.
marcianunes2011@gmail.com

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo identificar o Cemitério de Santa Izabel como documento de aferição e
representação da História Urbana de Belém, visando explicar as dinâmicas que ocorreram na
implantação do Cemitério de Santa Izabel, desde sua inauguração para a compreensão das
motivações, transformações sociais e, principalmente, as transformações espaciais que determinaram
a cidade oitocentista de Belém. Compreendendo o cemitério de Santa Izabel, como território
comunicante e utilizando a cartografia como ferramenta de análise, os espaços cemiteriais possuem
características que transcendem o aspecto objetivo, visto que as abordagens subjetivas e culturais
serão principais modeladoras físicas e comportamentais do uso desses espaços. Para
desenvolvimento deste trabalho, os procedimentos metodológicos utilizados foram a pesquisa histórica
e bibliográfica, através de análises comparativas sobre os autores. Como conclusão preliminar, verifica-
se que o cemitério de Santa Izabel possui interferência nos seus frequentadores e redondeza, por se
tratar de um território comunicante, assim como os moradores do bairro e viventes do cemitério tem
influência nos processos sócio espaciais que o mesmo vivenciou e vivencia, através do sincretismo e
crenças que homem aplica nos espaços da morte. Ou seja, por se tratar de um território comunicante,
o cemitério de Santa Izabel foi um marco delimitador no desenvolvimento territorial da cidade Belém,
tornando- se assim um documento ativo na história urbana da cidade.
Palavras-chave: História Urbana; Desenvolvimento Territorial;Território Comunicante; Cemitério de
Santa Izabel; Belém-PA.

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Introdução
Os debates que envolvem a cidade são diversos, entre eles, a aliança entre a Arquitetura e a
História, que nos permite observar as multifacetadas interpretações da cidade. A História nos
define como um eixo central nesses estudos de cidade e o tempo e a Arquitetura nos
contemplam com conhecimentos de ordem urbanística.

A cidade sofre intervenções urbanas em consequência de interesses sociais e políticos, visto


que a cidade é um “espectro da luz que projetamos sobre ela”, e com isto marcam fases
distintas de sua própria história (MONTEIRO, 2012).

Este artigo, que faz parte de um recorte da pesquisa de Doutorado relacionado ao Cemitério
de Santa Izabel na cidade de Belém no século XIX, aborda uma perspectiva da cidade e os
processos que a mesma experimenta, ocasionando mudanças na relação com o espaço
fúnebre, tornando-o território visível e comunicante, por meio da História Urbana, ferramenta
que diante do debate de diversos paradigmas, nos permite compreender as motivações das
transformações sociais e principalmente espaciais da cidade oitocentista, além de servir como
documento da história da cidade de Belém.

As mudanças no crescimento e proliferação das cidades no século XIX, em função das


Revoluções, em especial a Industrial, instigaram o pensamento nas questões do passado e
no planejamento da cidade, em prol da construção de uma cidade ideal. Neste mesmo século,
os governantes europeus tiveram a tarefa de ordenar, higienizar e pensar em soluções
possíveis para a vida urbana”, ocasionando desta forma alterações profundas no espaço e na
consciência urbana (RAMINELLI, 1997).

Essa realidade de que “a industrialização é o maior fator de estímulo à urbanização”, sendo o


desenvolvimento econômico como responsável pela vitalidade e a expansão de áreas
urbanas, nem sempre é comprovado. Atualmente as cidades que crescem com mais rapidez
são cidades pertencentes a países de Terceiro Mundo, “onde a proliferação do espaço urbano
não é acompanhada de industrialização” (Raminelli, 1997). Sobre a relação da cidade e o
urbano no campo dos estudos históricos, acredita-se que “não há uma relação de
determinação necessária entre desenvolvimento urbano e as cronologias econômicas”
(Monteiro, 2012), porém os grupos sociais constroem a cidade quanto “tecido de relações
sociais”1, já que conferem sentidos e significados às práticas no espaço urbano, e também
são constituídos por ela.

Todas essas indagações e contextos sociais, possibilitaram a análise do objeto com a História
Urbana, que, pode ser resumida, de forma clara como “aquela que se centra na cidade e no

1 Termo utilizado por Monteiro para tratar as trocas sociais existentes na cidade com a sociedade vivente nela.
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processo de urbanização” (Almandoz, 2004). As primeiras investigações referentes a este
campo, são uma realidade surgida em meados do século XX, cujo anteriormente abordar o
urbano restringia-se a trabalhos de biografias urbanas, que eram narrativas cronológicas,
como laudos sobre os acontecimentos e personagens relevantes para a sociedade local2, e
de história do urbanismo, que procurava estabelecer as formas e os modelos urbanos. Esse
novo campo que se volta para o estudo das cidades de maneira mais ampla, surge com o
objetivo de aprimorar o entendimento da relação entre mudança social, industrialização e
urbanização, já que “a história urbana é, em certos termos, a história da construção da cidade,
cujo elemento mais específico é dado por sua ênfase na forma física. ” (STAVE; STEIN3, 1981,
apud ALMANDOZ, 2004).

Somente em 1960, que a História Urbana se separa do planejamento ligado à arquitetura.


Essas articulações iniciam nos países de “maior acúmulo dessa produção historiográfica”,
Grã-Bretanha e EUA (Silva, 2001). Com a constituição do Grupo de História Urbana da
Universidade de Leicester na Inglaterra em 1962, inicia a publicação periódica de Urban
History Newsletter, se transformando na principal referência na constituição deste campo de
conhecimento. Já o New Urban History, foi a vanguarda formada para constituição da História
Urbana, na América do Norte em 1968. Esse grupo trabalhava em busca da constituição de
paradigmas, estabelecendo referências teóricas comuns, procedentes metodológicos,
associações, publicações e etc., porém acabaram tratando pouco da questão urbana.

Outra questão de relevância sobre o tema, é referente as duas vertentes da História Urbana
relacionadas aos dois grupos vanguardistas, a “Cidade como Processo” e “Urban as a site”4.
A primeira, trabalhada pelo grupo da Universidade de Leicester, acredita que a cidade era um
lugar central onde convergiam todos os interesses, sendo a mesma analisada sobre as
particularidades da formação urbana e social, quanto que a segunda, vertente de New Urban
History, onde a cidade é o lugar “onde os debates e transformações sociais acontecem. ”
(SILVA, 2004).

A História Urbana não é apenas o estudo que tematiza os processos econômicos, sociais e
culturais que ocorrem no espaço da cidade, mas também os processos inversos, cuja a
organização da sociedade, diante de sua formação no espaço urbano ao longo do tempo, se
impõe. É importante que a História Urbana sempre esteja aberta, em progressivo crescimento,
buscando novos alcances, métodos e fontes. “A história urbana tem um papel importante a

2 Problema encontrado nas pesquisas referentes à História Local de Belém, onde os dados são passados de
maneira descritiva.
3 STAVE, Stanley J.; STEIN, Barbara H. The Colonial Heritage of Latin America: Essays on Economic Dependence

in Perspective. New York: Oxford University Press,1970.


4 “Urbano como sítio”.

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desempenhar: é através da história que é possível aprender e compreender a nossa cultura,
e tomar consciência da nossa tradição, que deve continuar a ser uma referência de base na
construção da cidade de hoje” (TEIXEIRA,2004).

Diante de todo o panorama que a história urbana permite na análise da história da cidade, há
outras análises que mostram as diversas formas de ver e viver a cidade, partindo da premissa
dos processos históricos e ideológicos que as cidades vivenciam. Na obra de Ferrara (2007),
por meio da análise da visualidade e da comunicabilidade na cidade, é possível criar um
conceito subjetivo de espacialidade, cuja a percepção do indivíduo se revela importante, visto
que esta percepção irá definir as trocas sociais entre o próprio indivíduo, a cidade e os
cemitérios. As ocupações e relações passadas e atuais entre os espaços cemiteriais e a
população que vivencia este espaço, estabelecem formas de ocupação interna e de entorno,
que caracterizam o quão comunicante este espaço é na paisagem da cidade e para os seus
frequentadores. A partir desta visão, a relação entre cidade e cemitérios, e sua ocupação
territorial, teve sua relação moldada em formato cíclico, onde as percepções individuais
influenciaram na dinâmica fúnebre da cidade, assim como as determinações físicas e
organizacionais da cidade irão ter a mesma influência nos espaços fúnebres, como é possível
verificar na relação de Cemitério de Santa Izabel, seu processo histórico de ocupação do
entorno e sua implantação na cidade.

A visão subjetiva no espaço da cidade


Ao iniciar por uma abordagem mais geral da subjetividade dos espaços, Ferrara (2007), traz
um enfoque universal dos conceitos de tempo e espaço, e como estes conceitos caminham
relacionados, visto que possuem propriedades que os identificam e os distinguem, e que são
qualificados como signos e linguagens que atendem especificidades daquela representação.
Diante desta afirmativa de que espaço e tempo possuem suas similaridades, mas também
particularidades, sendo estas diferentes, é de suma importância notar como esses conceitos
impactam nas relações interpessoais, nas linguagens e na sociedade em geral, tendo como
paisagem de fundo, a cidade.

Sobre a definição do termo espacialidade e espaço, a autora inicia um apanhado cronológico


histórico através da apropriação de três termos, sendo eles: a Proporção, a Construção e a
Reprodução, que no decorrer do processo histórico5 se demonstram presentes ou não na
percepção do espaço para as pessoas. É na diferenciação da maneira como essas três formas

5 A primeira nova percepção desse novo espaço, ocorre na Renascença, quando se inicia a tentativa de
representação do espaço e a geometria começa a permitir que o espaço seja conhecido e percebido como
experiência.
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de inscrição se manifestam que a espacialidade é “demarcada”, porque todas elas constituem
princípios construtivos do espaço, instituindo-lhe de materialidade.

Além dos termos citados acima, Ferrara (2007) nos apresenta os termos visualidade e
comunicabilidade, que nos permite entender que através das competências técnicas da
humanidade, é possível “perceber que a espacialidade cria uma teoria do espaço enquanto
comunicação ideológica da cultura e exige o resgate das manifestações presentes nas suas
constituições históricas”. Ou seja, as relações sociais estão suprimidas de códigos e de
registros visuais que estabelecem relações e alterações entre o homem e a sociedade e com
isso modificam a forma de viver e ver o espaço.

Ao viver a espacialidade, se verifica que a representação não é somente gráfica, mas


simbólica, perceptiva e comunicante, ou seja é possível ver além do espaço, através de
estímulos visuais que caracterizam o mesmo, visto que há uma “estrutura material sensível
que torna perceptível o espaço social. ” O espaço é nutrido por signos, imagens e imaginários,
e diante disto, constroem os territórios em espaços comunicantes'' (FERRARA, 2007).

Os territórios de espaços comunicantes são consequências culturais que acompanham a


história, superando dimensões físicas e espaciais. O espaço vai ter outro ponto importante, a
construtibilidade, onde a imagem, o visual e o viver são importantes mecanismos nesse tipo
de território, que manifesta suas representações culturais únicas, caracterizando assim o
espaço vivido. Assim, definir espacialidade é mostrar que esta não segue uma única linha de
pensamento, onde cada personagem importante da história se questiona e apresenta uma
visão diferente de como descrever, viver, reconhecer e atuar nos espaços, não sendo
conceitos fixos, mas com a certeza que estes apresentam características de cada época e
cada visão. O espaço encontra o tempo não de forma linear, mas de forma cíclica, e o espaço
social permite outra forma de entender o mundo (FERRARA, 2007).

A perspectiva trazida por Ferrara (2007), nos explana uma nova dinâmica do entender o
espaço e consequentemente o conceito de espacialidade, através de novos conceitos que
utilizados em conjunto e individualmente, nos permite estudar todos os fenômenos sociais que
os espaços sofrem, como também é evidenciado nos Cemitérios. Em virtude da estrutura
material sensível e dos estímulos visuais que um espaço pode gerar propositalmente em um
indivíduo, o espaço “fala” mais simbolicamente do que geometricamente, ou seja, a
visualidade do espaço se comunica, tem uma linguagem singular. Questões como
reconhecer, viver e descobrir o espaço, são etapas para se entender melhor como este
influencia no dia a dia da sociedade, uma pessoa pode ter uma visão espacial diferente de
outra e vice-versa.

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O lugar dos cemitérios na história urbana: conceitos e
representações
Se apropriando de Lepetit (2001), que defende: “[...] o processo de urbanização é dependente
da própria marcha”, pode-se confirmar o estudo de Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), como
a base para a compreensão da produção científica da alteração dos espaços fúnebres no
entorno urbano e na cidade, tendo como afirmativa de que a morte, como produto social, pode
modificar o espaço das cidades.

Partindo da premissa que as cidades se relacionam com a civilização que nela habita,
Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), abordam conceito de “desterritorialização” (Retirada do
espaço fúnebre do território central da cidade) e “re-territorialização”, (Remanejamento dos
espaços fúnebres para zonas periféricas da cidade), que afirma a locomoção dos cemitérios
em virtude dos processos históricos e sociais de afirmação desses espaços nas cidades
brasileiras.

Devido a longevidade, as cidades acabam passando por muitos processos


de territorialização, desterritorialização e re-territorialização de todo seu
espaço. Esses processos acabam modificando também os espaços da morte,
ora localizados nas cidades, ora ao redor destas sempre de acordo com a
cultura da época. (BONJARDIM; BEZERRA; VARGAS, 2010).

Considerando o cemitério como um espaço que faz parte da vida cotidiana e que reflete nossa
cultura, como aborda Carvalho (2012), os modos de vida da população, incluindo as práticas
fúnebres, através das mudanças na cultura e identidade do povo, interferem na organização
do espaço urbano, sendo essas modificações lentas ou rápidas, ocasionadas juntamente com
mudanças do modo de produção. O extermínio de um modo de vida implica na dissolução de
antigas condições de existência, onde essas alterações na sociedade acabam influenciando
em outras tradições e consequentemente o modo de encarar a morte e os espaços destinados
a ela, os cemitérios.

A relação entre cidade e espaços de enterramento, são os fatores determinantes para o


nascimento dos primeiros aglomerados humanos. Desde do homem Neandertal que não
necessitava mais viver trocando de morada, começaram a criar as comunidades em função
do espaço que era destinado à colocação dos mortos. Esses espaços, os cemitérios coletivos
do período Neolítico, seriam o início da formação das cidades (BONJARDIM; BEZERRA;
VARGAS, 2010).

Na legitimação do cristianismo, o espaço das igrejas se torna o centro gravitacional, que


determina todas as funções da cidade. As construções dos equipamentos urbanos se fazem
próximo ao centro de poder da cidade, as igrejas, incluindo os cemitérios que estavam
presentes no interior ou ao redor das mesmas. “Dessa forma, as igrejas se apropriaram da
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morte, territorializaram a morte, anexando ao espaço sagrado o território mortuário. Isto
porque a igreja construiu, seu espaço sagrado e desenvolveu práticas para controlar o
território” (BONJARDIM; BEZERRA; VARGAS, 2010). As cidades cristãs vão ser um “território
visível”6 da morte, onde a modulação das mesmas vai ocorrer em função da localização das
igrejas e consequentemente dos cemitérios, ou seja, os cemitérios estruturam e identificam
essas cidades.

A paisagem da cidade volta a se modificar no Século XIX, através do “desejo universal de


modernizar as cidades” (Salgueiro, 2001), quando há a necessidade da dissociação dos
cemitérios na igreja, modificando os costumes da época e causando revolta na população.
Essa negação à construção de novos costumes é comprovada, visto que “a sociedade está
permanentemente engajada num processo de redução por ajuste da novidade” (Lepetit, 2001)
e com isso sempre há uma resistência à mudança.

Com os avanços dos estudos médicos sobre os surtos epidemiológicos, constataram a


necessidade do afastamento desses espaços do núcleo urbano, em função da insalubridade
e proliferação de doenças dos mortos para os seres vivos. Essa “desterritorialização” da morte
nas cidades, principalmente oitocentistas, são ocasionadas pela mudança nas atitudes das
sociedades cristãs em decorrência dos surtos epidemiológicos.

A diminuição do território da igreja reorganiza espaço das cidades. Primeiro,


os cemitérios deixam igrejas e sua área circundante e são transferidos para
áreas distantes dos aglomerados. Depois, as áreas circundantes das igrejas
são transformadas em habitações, praças, áreas de lazer, etc. A morte re-
territorializada longe os aglomerados seguindo normas sanitárias de
construção, sobretudo com relação ao tipo e inclinação do terreno. A
desterritorialização se segue em re-territorialização, pois não há “fim de
território”. Essa mudança no local dos enterramentos causa uma mudança na
organização das cidades. (BONJARDIM; BEZERRA; VARGAS, 2010).

O estudo elaborado por Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), demonstra que a morte é um
acontecimento em constante mudança, e ela muda o modo de vida das pessoas, o que
consequentemente muda o espaço de enterrar, já que a organização dos espaços é fruto da
cultura da época. Essa modificação do modo de vida pode alterar a paisagem visível, a
estrutura e os processos existentes das cidades.

Quando estes parâmetros estão voltados para a relação da cidade de Belém com os
cemitérios do século XIX, sendo expressa na relação de entorno urbano do Cemitério de
Santa Isabel com o bairro do Guamá, os processos históricos vivido pelo cemitério em estudo,
relata os mesmos processos que outras cidades brasileiras sofreram, passando a ser espaços

6Termo utilizado por Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), para retratar os cemitérios como espaços visíveis ao
cotidiano da cidade.
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invisíveis e periféricos da cidade, situando estes espaços no limite urbano da cidade, sendo
eles rejeitados pela população geral da cidade na sua dinâmica social.

O Cemitério de Santa Izabel: a percepção do cemitério na cidade.


Com a proliferação da varíola na cidade de Belém, houve a necessidade da construção do
segundo cemitério público da cidade no ano de 1878, o cemitério de Santa Izabel, situado no
atual bairro do Guamá. Esse novo cemitério aliviou o número de enterramentos no primeiro
cemitério da capital (Cemitério de Nossa Senhora da Soledade), que acabou ficando restrito
às famílias mais abastadas.

O espaço inicial do cemitério de Santa Izabel possuía quadras frontais, na Av. José Bonifácio,
onde estavam situados os túmulos e mausoléus das pessoas mais importantes e ricas da
sociedade belenense, assim como, a circulação principal na direção da capela, onde era de
15 metros de comprimento e ladeada por canteiros arborizados. Havia um quadrante
exclusivo destinado à irmandade que administrava o cemitério, a Santa Casa de Misericórdia,
com a presença de mausoléus cheios de simbologias.

Em 14 de agosto de 1880, após o novo presidente da província José Coelho da Gama Abreu
encarregar uma comissão composta por engenheiros e médicos, para avaliar as condições
sanitárias do primeiro cemitério público da cidade, decidiu-se pelo fechamento do mesmo,
proibindo assim qualquer enterramento. Após esse ano, foram transferidos todos os enterros
para o cemitério de Santa Izabel, que está em pleno funcionamento até os dias atuais.

O panorama de implantação do Cemitério de Santa Izabel, ocorreu com o mesmo sendo


afastado do núcleo urbano, diante dos novos ideais de modernidade oitocentistas ilustrados
anteriormente e em função das propostas urbanísticas de expansão percorrerem sentidos
territoriais opostos aos bairros Sul da cidade. Esse processo, desencadeou uma ocupação do
entorno do espaço ao mesmo tempo com a ocupação do cemitério, promovendo assim a
ampliação do mesmo de maneira gradual ao passar dos anos.

O estudo da história do entorno tem como meta, descobrir as relações que ocorrem no meio
social e todos os elementos que conduzem a construção do entorno, além de aprofundar em
seus significados o objeto de descobrir as condições do saber e a prática arquitetônica em
relação à prática social e a configuração do habitat. Ou seja, de maneira mais clara, o entorno
urbano visa determinar o grau de identidade atribuído pelo espaço circundante à edificação.

Waisman (1972) sistematiza a relação de edificação e entorno, cujo edifício é o elemento


principal para o diálogo entre a obra e as edificações vizinhas, assim como as modificações
temporais ocorridas neste entorno. Tirando como base esses conceitos, e substituindo o
edificado pelo lote construído dos cemitérios, utiliza-se a ideia de entorno urbano em função
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do Cemitério de Santa Izabel, sendo estes considerados unidades culturais. Por meio da
abordagem da história do entorno e das unidades culturais, foram produzidos mapas do
território de Belém e o cemitério, que tem como objetivo compreender o entorno construído
ao redor do mesmo. Diante destas diretrizes, considerou-se o entorno imediato, as quadras
adjacentes aos lotes do Cemitério de Santa Izabel, sendo analisadas as alterações nos lotes
e vias imediatas aos mesmos, em diferentes recortes temporais, segundo as Plantas Urbanas
de Belém.

Esta análise tem como objetivo demonstrar como o cemitério, sendo um espaço construído,
interfere na identidade do espaço circundante do mesmo, que no caso desta pesquisa, se
restringe às modificações formais dos lotes adjacentes do mesmo e como ele é um
equipamento fundamental, quanto a sua localização na cidade, para a consolidação do
entorno, por meio da malha urbana. Nestes mapas buscou-se tratar de dois subitens de
análise, que são: a alteração das vias urbanas ligadas ao entorno dos cemitérios, causadas
pelo crescimento urbano, cujo as mesmas são traçadas ou alinhadas dependendo da posição
em que estes lotes estavam situados em relação à cidade; e a modificação dos lotes dos
cemitérios ou adjacentes a eles, que com a expansão urbana são delimitados em função de
uma malha urbana determinada em cada período de planta estudada.

Nas alterações do entorno do lote cemiterial do Santa Izabel, há a ampliação do lote cemiterial
de 1880 a 1908. Estas ampliações ocorrem simultaneamente com a expansão e ocupação de
Belém. O Cemitério de Santa Izabel foi ampliado, comprovadamente, a partir do ano de 1902,
no sentido do Norte, através das propostas de intervenção na cidade de Antônio Lemos. O
primeiro acréscimo da área, que em 1880 possuía 292,20m de frente e 339,10m de fundo,
como é expresso neste trecho do seu relatório de 1902: “… expropriei um terreno contíguo
áquelle e de propriedade de Manoel Severo de Souza e sua mulher…” (sic), “… Esse terreno
mede 6 braças* de frente, com os fundos até ao igarapé Tucunduba… “. (Lemos, 1902). A
posterior ampliação, recorrente ao Relatório de 1905, adquire um avanço total de 48,84 m, já
somados os acréscimos anteriores, da quadrícula existente em 1880, como expresso neste
trecho: ” reverteram ao usufruto do Município o terreno de 6 braças de frente e 150 de fundos,
aforado a Cesario Naziazeno Gregorio; e o de 10 braças de frente, com egual fundo ao do
primeiro, aforado a Margarida Maria do Carmo; ambos contiguos ao referido cemiterio (sic). ”
(LEMOS, 1905).

O último acréscimo datado, através do Relatório de 1908, Lemos delimita o novo lote do
cemitério até a Rua dos Pariquis, confirmando a hipótese de a mesma estar materializada na
malha urbana, e não ser identificada apenas como um número. Além disso é relatado no
Relatório de 1902, os serviços de calçamento da referida rua, assim como no Relatório de
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1903 de Antônio Lemos é retratado a realização de cortejos fúnebres pela mesma via. As
ampliações posteriores, possíveis processos de extensão do período pós-Lemos ocorridas
até a Escola Estadual Paulo Maranhão, ainda não possui dados suficientes, e não se sabe
como e quando ocorreram as ocupações dessa nova área ampliada, onde atualmente se
encontra mais um cemitério Israelita.

A análise dos mapas do entorno do cemitério de Santa Izabel, se inicia com o mapa de 1881,
já que o cemitério tem sua inauguração no ano de 1878. Neste mapa, fica evidente que o
Cemitério recém-inaugurado, ainda se localiza no subúrbio de Belém, ficando isolado das
restantes quadras. Em virtude disso, não há alterações nas quadras adjacentes, mas este
mapa contribui para deixar claro as implantações dos ideais modernos e higienistas neste
espaço recém-inaugurado, que tinham como objetivo isolá-lo do cotidiano da cidade (Figura
1).

Figura 1: Análise do entorno na planta urbana de 1881. Fonte: Botelho (2018).


Na planta de 1918, o lote cemiterial do Cemitério de Santa Izabel não apresenta as ampliações
descritas no Relatório de Lemos, e para evitar um falso histórico e alteração das fontes
documentais, optou-se em manter graficamente o lote de cemitério como está representado
na Planta Urbana original. Nesta planta é possível notar que há um lote drasticamente
modificado, visto que ocorreu a ampliação do cemitério anos antes por Lemos. Além dele, há
alterações nos lotes adjacentes do entorno, em virtude do bairro do Guamá ainda não estar
consolidado (Figura 2).

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Figura 2: Análise do entorno na planta urbana de 1918. Fonte: Botelho (2018).
Para concluir esta análise das alterações de entorno nos cemitérios de Belém do século XIX,
o mapa de 1936, referente ao lote do Cemitério de Santa Izabel, demonstra que se inicia o
processo de urbanização do bairro do Guamá, ocasionando na consolidação dos lotes do
entorno do cemitério para um período posterior da análise. Somente a quadra em que o
mesmo está situado, que segue sofrendo alterações até o fim das ampliações do cemitério
(Figura 3).

Figura 3: Análise do entorno na planta urbana de 1936. Fonte: Botelho (2018).


Os processos atuais de relação com o entorno do Cemitério de Santa Izabel, mostram como
este equipamento urbano teve e tem importância na configuração do bairro. Além de ser um
elemento característico do bairro do Guamá, sua implantação configurou outros tipos de
serviços relacionados às práticas fúnebres que são referência territorial para os belenenses,
como a implantação de serviços de marmorarias, floriculturas e funerárias de cemitérios que
não estão situados na cidade e Belém, mas na região metropolitana. Ou seja, o entorno do
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cemitério se tornou um polo dos serviços funerários do centro da capital. Além disso, o
cemitério é um espaço de “territorialização”, visível e comunicante, sendo aceito pelos
moradores como um elemento característico da paisagem do bairro. Com o entorno ainda
caracterizado por residências e prédios comerciais de baixa estatura, a paisagem do cemitério
se apresenta “abraçada” pelo desenvolvimento territorial que ocorreu no seu entorno, porém
sem grandes contrastes volumétricos (Figura 4), como caracterizado no primeiro cemitério
implantado na cidade de Belém. O espaço fúnebre do Cemitério de Santa Izabel demonstra
ser um espaço vivente para aqueles que vivem ou circulam pelo bairro no turno da manhã, já
pelo turno da noite, possui a característica típica e estigmatizada dos cemitérios, como um
espaço sombrio e solitário.

Figura 4: Imagem interna do Cemitério de Santa Izabel, onde expõe o pouco entorno volumétrico que
há nas quadras adjacentes do mesmo. Fonte: Autora (2015).

Considerações finais
A História Urbana possibilita várias perspectivas da cidade, dentre elas, a ideia difundida pelo
grupo de Leicester, da “Cidade como processo”, o qual utilizo para conclusão deste debate.
Partindo deste princípio, a cidade se reproduz sobre seus habitantes, assim como sofre
interferências deles. Neste aspecto, as cidades do século XIX, sofrem com novos modelos, e
transpassam para os cemitérios, um novo ideal de modernidade, os transformando em
espaços invisíveis da cidade, ideia que progride desde os grandes planos urbanísticos
modernos, com a ausência do planejamento da cidade com este equipamento incluso, até os
períodos atuais sendo considerados espaços urbanos marginalizados e afastados dos centros
urbanos.

Diante do processo de ocupação que o cemitério de Santa Izabel passou, assim como outros
cemitérios em Belém e no mundo, este espaço vivenciou processos de desterritorialização e
territorialização para a paisagem da cidade desde sua inauguração. Durante a ocupação
territorial da cidade de Belém, o cemitério esteve durante muito tempo às margens do centro
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urbano da cidade, e com isso esteve como território invisível para a população geral da cidade.
Entretanto para os frequentadores do bairro, que sempre foi considerado como um lugar dos
excluídos por possuir hospitais, incluindo o “leprosário”, este espaço sempre esteve incluído
na rotina daqueles que a cidade queria excluir. Nesse aspecto, paradoxalmente, o cemitério
de Santa Izabel sempre esteve nessa dicotomia entre o visível para os “guamaenses”, mas
invisível para a população mais rica da cidade.

Em uma perspectiva do bairro, este espaço se potencializa como comunicante. Partindo que
cada indivíduo cria percepções individuais sobre os espaços, o cemitério de Santa Izabel
também possui essa interferência nos seus frequentadores e redondezas. Esta conclusão fica
mais evidente, quando notamos que hoje essa região adquiriu uma personalidade fúnebre,
com serviços destinados à essa prática.

Quanto a relação com o entorno, a análise cartográfica demonstra todo o processo de


incorporação do cemitério pela cidade, assim como do bairro do Guamá, que aos poucos
passa a se tornar o bairro densamente habitado dos dias atuais. Entretanto, essa
incorporação ocorre de maneira menos drástica, em virtude de o interior do cemitério ser
ampliado territorialmente e habitado ao mesmo tempo que o bairro, e se tratando de um bairro
que ainda não sofre da verticalização acelerada, a incorporação não decorre com grandes
contrastes volumétricos.

Interpretar a cidade como um organismo que se relaciona com as transformações mentais da


população de cada época, ideais de salubridade, e os processos históricos, nos permite
entender que há espaços que serão gerados em virtude dessas mudanças. Os cemitérios são
consequência direta da nossa subjetividade e percepção de mundo, de vida e de fé, por isso
são espaços que se comunicam com a sociedade, assim como a sociedade se comunica com
eles por meio dos sincretismos e crenças, os tornando espaços comunicantes.

Referências Bibliográficas
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BOTELHO, Amanda Roberta de Castro. Santa Izabel e Soledade: O eterno e o mutável nas
alterações dos espaços cemiteriais na Belém do século XIX através de uma análise
cartográfica da morte. 208. 129 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Tecnologia, Universidade Federal do
Pará, Belém, 2018.

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EIXO TEMÁTICO 4: A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO

PRAÇA DAS ARTES: relação com a preexistência na arquitetura


contemporânea
PEREIRA, VANESSA MARIA (1); PINHO SILVA, ISADORA DO (2); ANDRADE
JUNIOR, NIVALDO V. (3);

1. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura


R. Felipe Schmidt, 625, Centro, Florianópolis - SC
vanessapereira@ufba.br

2. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura.


Rua Professor Sabino Silva, 460 - Jardim Apipema, Salvador - BA
isadoradopinho@gmail.com

3. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura


R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA
nivandrade@gmail.com

RESUMO
O projeto do complexo cultural Praça das Artes, localizado na cidade de São Paulo, foi concebido, a
partir de 2006, em razão da necessidade de ampliação dos espaços de ensaio vinculados ao Teatro
Municipal. O projeto é de autoria do escritório Brasil Arquitetura, liderado pelos arquitetos Marcelo
Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos Cartum, da Secretaria Municipal de Cultura. Em
razão de um programa funcional amplo e complexo, o projeto adota várias estratégias frente às
preexistências, que vão da preservação de edifícios históricos à demolição de construções existentes,
passando ainda por reformas com variados graus de modificação. O presente artigo tem por objetivo
refletir sobre a relação do projeto da Praça das Artes com as preexistências, sejam bens tombados ou
não, e com o sítio urbano em que está inserido. Além da questão dos edifícios preexistentes que
foram incorporados ao projeto, o artigo abordará também o descarte (demolição) de várias
edificações na região, eliminadas para a implantação da praça que constitui o acesso principal ao
complexo, entre elas um edifício de aproximadamente 10 pavimentos. Por fim, pretende-se abordar
como o conjunto se relaciona com o tecido urbano das quadras da região, mantendo uma
variabilidade tipológica e abrindo novas perspectivas de observação do entorno.

Palavras-chave: Intervenção contemporânea; Patrimônio histórico; Praça das Artes

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Introdução

A Praça das Artes é um espaço cultural localizado no centro da cidade de São Paulo,
construído para funcionar como um anexo do Teatro Municipal, que se localiza nas
proximidades. Foi projetado a partir de 2006 pelo escritório Brasil Arquitetura, liderado pelos
arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos Cartum, da
Secretaria Municipal de Cultura. O projeto foi analisado entre os anos de 2020 e 2021, no
bojo da pesquisa “Projeto e Patrimônio”, realizada pelo Grupo de Pesquisa “Projeto, Cidade
e Memória”, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (PPG-AU/FAUFBA), sob a coordenação do
Prof. Nivaldo Vieira de Andrade Júnior. A pesquisa tem como objetivo analisar intervenções
projetuais contemporâneas sobre monumentos e sítios históricos tombados, a partir da obra
dos arquitetos Lina Bo Bardi e Paulo Ormindo de Azevedo e do escritório Brasil Arquitetura.

A metodologia utilizada para estudar as obras destes arquitetos envolveu a revisão da


bibliografia existente sobre as suas produções; a construção de base de dados relativa a
uma ampla gama de projetos selecionados, contendo informações como: imagens da
preexistência, projeto e obra pronta; ano da intervenção; parcerias; endereço; se foi ou não
executado; situação atual; estado de conservação; descrição das intervenções posteriores,
caso haja; instância, tipo e data do tombamento. Posteriormente, foram selecionados alguns
projetos de cada arquiteto para realização de uma investigação mais aprofundada,
especialmente relacionada às estratégias e soluções projetuais adotadas. Nesta etapa,
foram intensificadas as leituras, sendo realizadas também entrevistas com profissionais
envolvidos com os projetos ou estudiosos do tema, e promovidas discussões entre os
membros do grupo, analisando conjuntamente os projetos a partir do processo de
modelagem tridimensional das obras selecionadas. Além dos projetos em si, a modelagem
envolveu as áreas de entorno, bem como, quando possível, as preexistências, permitindo,
desta forma, uma melhor compreensão das decisões e impactos projetuais. No caso do
projeto da Praça das Artes, o grupo entrevistou as arquitetas Lia Mayumi e Raquel
Schenkman, que atuavam no Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria
Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo quando o projeto foi aprovado
pelo órgão. A entrevista foi realizada virtualmente, em março de 2021. As arquitetas do DPH
disponibilizaram documentos técnicos referentes ao projeto e seu processo de análise. O
escritório Brasil Arquitetura também disponibilizou documentação técnica sobre o projeto,
além de fotografias do conjunto.

No ano em que o projeto da Praça das Artes teve início, o escritório Brasil Arquitetura já
contava com diversos projetos executados de intervenção no patrimônio, alguns, inclusive,
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premiados no Brasil e no exterior. Dentre as obras analisadas, destacam-se algumas. O
projeto elaborado pela Brasil Arquitetura em 1995 para a edificação eclética do Teatro
Polytheama, em Jundiaí, retoma um projeto elaborado em 1986 sob a coordenação de Lina
Bo Bardi, contando então com a colaboração de Ferraz e de André Vainer. O Conjunto
KKKK, na cidade de Registro, tombado pelo Governo do Estado de São Paulo em 1987,
cujo projeto data de 1996. A intervenção no conjunto de engenho e galpões remanescentes
da imigração japonesa no Vale do Ribeira, do início do século XX, visava viabilizar a
instalação de um Centro de Cultura e um Memorial da Imigração Japonesa. Para
viabilização do projeto foi preciso incorporar ao espaço um centro de formação de
professores que, por conta da extensão do programa, exigiu uma compartimentação do
espaço interno muito maior do que a previamente proposta. De forma geral, o projeto liberou
o conjunto de anexos que reduziam sua visibilidade e interferiam na sua legibilidade;
reforçou a relação do conjunto com a paisagem, em especial com o Rio Ribeira de Iguape;
modernizou suas instalações e recuperou alguns elementos perdidos que eram
fundamentais à compreensão do conjunto, como a marquise de conexão entre os galpões.
Reflexões sobre este projeto, realizadas a partir desta pesquisa, foram recentemente
publicadas por Andrade Junior, Pereira e Amaral (2021).

Já no século XXI, outros projetos auxiliaram na reflexão sobre o conjunto da obra do


escritório, como o Museu Rodin Bahia, localizado no bairro da Graça, em Salvador, projeto
datado de 2002. Também com o objetivo de implantar um espaço de cultura, foi realizada a
intervenção em um casarão eclético edificado em 1912, que havia pertencido ao
Comendador Bernardo Martins Catharino. No projeto, chamam a atenção, além do anexo de
linguagem contemporânea, as intervenções no casarão, em especial o rompimento da
espacialidade interna do bem, com a retirada de diversas paredes dos antigos quartos para
criar um espaço expositivo contínuo no pavimento superior, e a opção cromática externa,
utilizando o branco de forma integral nas fachadas, sem diferenciar os ornamentos dos
planos de fachada.

Por fim, cabe também destacar o projeto do Museu do Pão, de 2005, localizado na cidade
de Ilópolis, no Rio Grande do Sul. A intervenção contempla um museu sobre a história do
pão e uma escola de panificação. Para tanto, foi feita a restauração do Moinho Colognese,
construído em 1917, e foram propostos dois anexos em linguagem contemporânea, nos
quais foram utilizados concreto aparente, vidro e madeira. As edificações novas abrigam as
funções de museu, auditório e oficina de panificação, enquanto o moinho inclui uma bodega
para degustação e demonstração da atividade de moagem para produção de farinha.

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O projeto da Praça das Artes inicia-se também nos primeiros anos do século XXI, como uma
iniciativa da Operação Urbana Centro diante da necessidade de ampliação dos espaços de
ensaio vinculados ao Teatro Municipal. O conjunto se localiza na quadra 27, no centro da
cidade de São Paulo. Esta quadra é conformada pelas Ruas Formosa (Vale do
Anhangabaú), Rua Conselheiro Crispiniano, Avenida São João e a Praça Ramos de
Azevedo, na qual se localiza o Teatro. Esta região representa um importante sítio urbano
que contém grande número de bens tombados com variadas tipologias arquitetônicas. As
obras da Praça das Artes se iniciaram em 2009 e foram realizadas em etapas, sendo a
primeira inaugurada 2012 e a segunda, abrindo para o público a parte do projeto voltada
para o Vale do Anhangabaú, em 2019.

FIGURA 01 – Planta de localização do projeto da Praça das Artes, destacando as edificações históricos
tombadas do entorno. Identificação das edificações numeradas: 1) Teatro Municipal; 2) CBI Esplanada; 3)
Palácio dos Correios; 4) Edifício Alexandre Mackenzie. Fonte: Acervo dos autores

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O conjunto urbano e o projeto proposto

O Centro da cidade de São Paulo é conhecido por sua pluralidade de usos e diversidade
tipológica. A região onde se insere o complexo é repleta de edificações relevantes que
refletem a história desta importante cidade brasileira, dentre as quais destacam-se alguns
bens tombados nas esferas municipal e estadual, como o Teatro Municipal, o edifício CBI
Esplanada, o Edifício Alexandre Mackenzie, o Edifício do antigo Banco de São Paulo, o
Palácio dos Correios e o Cine Marrocos.

Neste complexo contexto urbano, o programa funcional da Praça das Artes abriga espaços
de ensaio, apresentações e apoio de duas orquestras; duas escolas; dois corais; companhia
estável de balé e quarteto de cordas; além do centro de documentação artística. O projeto
tem uma área construída total de 28.500m² e ocupa uma parte considerável da quadra. A
intervenção, realizada em grande medida no miolo da quadra, se abre para a cidade em três
fachadas diferentes, em um conjunto densamente ocupado que foi parcialmente demolido
para o atendimento do programa. Algumas edificações foram mantidas, recebendo
intervenções de maior ou menor potencial transformador, incluindo edificações de valor
histórico cultural:

Ao fazer um corte no terreno, criando uma passarela aberta entre seus prédios, a
Praça quer ser continuação da cidade. Deixa o quarteirão respirar. Ela revela o
pulmão dessa área e permite uma proximidade íntima com os prédios. Algo raro na
São Paulo de hoje, mas com exemplos históricos e muito bem sucedidos, como o
Conjunto Nacional e o MASP, as duas praças efetivas da Avenida Paulista,
vibrantes, mesmo com décadas após sua construção. Sem falar das inúmeras
galerias que circundam a Praça das Artes, entre as quais, a mais popular,
movimentada e viva delas, conhecida como Galeria do Rock, dos arquitetos italianos
Hermano Siffredi e Maria Bardelli, responsáveis por outras galerias vizinhas na Rua
24 de Maio. (LORES, 2013, p. 29)

É interessante notar que a ação de demolição de um grande número de edificações para a


implantação do projeto é considerada uma ação que visa permitir que o quarteirão “respire”,
um conceito que remete às ideias de Gustavo Giovannoni que, no início do século XX,
defendia o “diradamento edilizio”, que poderia ser traduzido como o “desbastamento de
edificações”. Este conceito correspondia originalmente:

[...] à retirada de acréscimos espúrios de edifícios históricos ou à demolição de


edifícios de menor valor dentro do tecido urbano consolidado, tendo como objetivos
destacar visualmente os elementos e monumentos arquitetônicos de maior valor,
bem como reduzir o caos provocado pelo excessivo adensamento dos centros
históricos. (ANDRADE JÚNIOR, 2006, p. 6)

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Entretanto, no caso de São Paulo, as demolições empreendidas, como apresentaremos
mais adiante, não tinham por objetivo destacar monumentos preexistentes. Pelo contrário, o
espaço da praça que se abre rompe com a continuidade do tecido urbano e amplia o espaço
de contemplação da intervenção. A perda do conjunto não decorreu da necessidade de se
abrir perspectivas para monumentos relevantes. A maior intervenção na silhueta urbana da
quadra deu-se na fachada voltada para a Rua Formosa, que conta com o Edifício Corpos
Artísticos, a fachada do antigo Cine Cairo e um espaço de praça (aberta com as demolições
citadas), seguidos de uma escadaria de aproximadamente 17 metros de largura, que
constitui a entrada principal, e um vão livre que conecta a Rua Formosa à Conselheiro
Crispiniano.

Na fachada da Rua Conselheiro Crispiniano, destaca-se a rampa de acesso ao


estacionamento do subsolo e o edifício de Salas de Ensaio Escola de Música que tem seu
térreo livre, no qual se localiza um mural de informações, bicicletário e um café. A fachada
da Avenida São João é a mais discreta e é composta pelo Centro de Documentação
Artística; pelo Conservatório Dramático e Musical, imóvel tombado pela Prefeitura através
da resolução nº 37/92, que foi restaurado e que funciona como museu no pavimento térreo e
como sala de concertos no primeiro pavimento; por fim, o terceiro edifício que compõe essa
fachada tem seu térreo livre, dando acesso ao miolo da quadra, e no segundo e terceiro
pavimentos exerce funções administrativas ligadas à Escola de Dança.

Além dessas edificações que compõem as três fachadas da Praça das Artes, existem mais
duas edificações que estão localizadas no miolo da quadra. A primeira é o anexo aos fundos
do Conservatório, uma edificação existente de 11 pavimentos que foi reformada e
incorporada ao projeto e exerce função de apoio à sala de concertos como camarim e
vestiários, e função administrativa. Pode ser acessada pelo Conservatório, pelo edifício da
Escola de Dança através de um corredor externo suspenso ou pela escada de planta
triangular que parte do miolo da Praça. A segunda é o edifício da Escola de Dança, que
conta com seis pavimentos e se conecta no primeiro pavimento com a edificação que dá
acesso à Praça pela Avenida São João. O edifício da Escola de Dança se conecta ao
Edifício Corpos Artísticos através de um corredor externo suspenso e ao edifício de Salas de
Ensaio Escola de Música.

É possível notar que, apesar do programa funcional ser extenso e haver uma setorização
das funções, o projeto estabelece relações espaciais fluidas. Isso se dá tanto pela presença
de conexões entre as edificações quanto pelo fato de os pavimentos térreos serem livres,
criando uma grande circulação longitudinal para os transeuntes e usuários. A tipologia do

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conjunto remete ao complexo tecido urbano do centro de São Paulo. Os arquitetos lançam
mão da variedade tipológica, com edificações de diferentes alturas e volumes, criando
passagens e recuperando alinhamentos, mantendo, como elemento de unicidade, a
linguagem arquitetônica.

Nosso projeto nasce de dentro para fora, das entranhas, e se conforma a partir
delas; se apresenta à cidade como uma denúncia da falência de um modelo urbano
que já não serve, já não funciona na escala da metrópole. [...]. Buscamos entender o
que estava obsoleto, sem uso ou função, o que tinha caducado desse velho
desenho urbano, e fazer disso nossa matéria-prima de projeto [...].
Por isso mesmo, como denúncia, os vazios no rés do chão não foram ocupados,
nem mesmo com colunas, criando uma grande passagem pública a céu aberto – um
espaço de encontros, a praça que dá nome ao conjunto. [...]
O que nos leva a uma escolha e decisão conceitual é, precisamente, a natureza do
lugar e sua compreensão enquanto espaço resultante de fatores sociopolíticos ao
longo de décadas – ou séculos – de formação da cidade. Compreender o lugar não
somente como objeto físico, mas como espaço de tensão, de conflitos de interesses,
de subutilização ou mesmo abandono, tudo importa. (BRASIL ARQUITETURA,
2021)

Os arquitetos optaram por utilizar uma linguagem arquitetônica contemporânea, fortemente


influenciada pelo brutalismo, caracterizada por linhas marcantes e volumes monolíticos de
fácil apreensão visual. Estes volumes parecem ir se dissolvendo em outros menores,
longilíneos, que fazem as conexões entre os principais. Neste conjunto, as imponentes
escadarias também se mimetizam. As paredes em concreto aparente pigmentado são
rompidas pelas delicadas aberturas em vidro, sem esquadrias marcantes. Os maiores
contrastes estão na sobreposição entre as novas edificações e as remanescentes
incorporadas ao conjunto.

As perspectivas, volumes e superfícies arquitetônicas visíveis a partir da rua nova


são impressionantes e interessantes. Aberturas ao nível da rua oferecem vistas de
longos e altos painéis de concreto aparente ou telas metálicas que revestem cada
edifício novo projetado. As grandes superfícies das paredes são perfuradas por
minúsculas janelas, propositalmente poucas, e dispostas de maneira a criar
superfícies brutas e de efeito tecnológico com o auxílio das luzes artificiais que à
noite vazarão pelas frestas-janelas. (MAYUMI, 2007, p.7)

Outro aspecto fundamental para compreensão da relação do projeto com o conjunto urbano
se dá a partir das fachadas, que se articulam com o espaço de formas completamente
distintas. Há uma adequação à escala do conjunto e das vias, o que proporciona uma
interessante diversidade volumétrica, conectando quadras, abrindo o espaço para os
passantes, qualificando a região. A tomada de decisão sobre as intervenções e as relações
espaciais por elas estabelecidas passou também pelas decisões técnicas da equipe do
DPH. No processo de discussão do projeto, a arquiteta Lia Mayumi, da Seção Técnica de

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Projetos, Restauro e Conservação do DPH, salientou a possibilidade do projeto recuperar
relações urbanas perdidas:

Um exame da evolução tipológica da quadra nos últimos 80 anos mostra que o


padrão dominante e tradicional das quadras deste setor do Centro Novo
corresponde às parcelas da quadra (lotes) totalmente desprovidos de recuos frontais
e laterais. Curiosa exceção é justamente o lote da rua Conselheiro Crispiniano na
quadra em questão, que durante muitas décadas foi ocupado por edificação isolada
no lote, remanescente de ocupação provavelmente do final do século XIX ou início
do XX.
Depara-se agora exatamente com a possibilidade de desenhar a quadra e suas
faces. Uma das alternativas consiste em preencher o “vazio” ou “banguela” com uma
superfície ou volume arquitetônico de maneira que a composição tipológica
dominante da face de quadra se complete naquele trecho da rua Conselheiro
Crispiniano (Fig. 5, 6). Exemplo de preenchimento adequado, atendidos os princípios
da distingüibilidade e do respeito tipológico [...]. (MAYUMI, 2007, p.4)

Pelas informações repassadas aos pesquisadores por Lia Mayumi, foram vários os estudos
feitos para o projeto. Inicialmente, a área de intervenção era mais acanhada, principalmente
a fachada voltada ao Vale do Anhangabaú. O acesso mais generoso se dava pela Rua
Conselheiro Crispiniano, por meio de uma esplanada por onde também ocorria o acesso à
garagem subterrânea. Na Avenida São João, as dimensões do projeto eram similares à
executada, já incluindo o Conservatório. Na fachada voltada para a Rua Formosa (Vale do
Anhangabaú), apenas o antigo Cine Cairo e o Balé da Cidade eram contemplados.

FIGURA 02 - Croqui de estudo e fotomontagem do projeto da Praça das Artes. Fonte: DPH/ SMC, Prefeitura de
São Paulo.

O projeto foi aos poucos se ampliando e novas áreas, que iam sendo desapropriadas, eram
incorporadas a ele. Embora a proposta tenha se alterado radicalmente entre os primeiros
estudos e o projeto final, o rompimento do tecido urbano na Rua Conselheiro Crispiniano se
manteve. Neste sentido o projeto não recuperou a silhueta urbana, na qual Mayumi (2007)
identificava um “vazio” a ser preenchido. Na Avenida São João, a proposta final manteve a
ideia inicial de promover um acesso generoso na lateral do Conservatório, encimado por um
volume monolítico, que mantém a altura e o alinhamento do conservatório. No nível do

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pedestre que circula pela Avenida São João, essa proposta se relaciona com as edificações
mais recentes da rua, como aquela lindeira, através da abertura de um grande vão. No nível
do pavimento superior, a edificação mantém a volumetria de menor porte, estabelecendo um
diálogo com o Conservatório e com as edificações ecléticas localizadas no lado oposto da
Rua.

A maior ruptura com o conjunto é, sem dúvidas, aquela observada na fachada do Vale do
Anhangabaú. Da primeira proposta que incorporava apenas duas edificações de pequeno
porte, o projeto se amplia, avançando na direção norte até a esquina com a Avenida São
João. Essa fachada conta com uma edificação em altura localizada imediatamente ao lado
do edifício CBI Esplanada, que incorpora o espaço antes ocupado pelo Cine Cairo, além de
uma imensa praça que dá acesso ao miolo da quadra.

O que surpreende é descobrir que este amplo espaço, tão celebrado enquanto área pública,
deve-se à demolição de uma área densamente ocupada, não por pequenos edifícios que
poderiam ser considerados “obsoletos, sem uso ou função”, mas por um edifício de 10
pavimentos, que pertencia ao Sindicato dos Comerciários.

FIGURA 03 - Fachada original da Rua Formosa com as preexistências, estudos para a ocupação da frente da
quadra e feição final do projeto. Fonte: Lia Mayumi, 2021, DPH/ SMC, Prefeitura de São Paulo (1 e 2); acervo
dos autores (3).
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As demolições

Na análise do contexto urbano da intervenção é possível perceber que algumas operações


bastante impactantes foram realizadas, especialmente em relação à perda de elementos
arquitetônicos que poderiam ter sido transformados e apropriados no projeto. Anne Lacaton
e Jean-Philippe Vassal, vencedores da última edição do Prêmio Pritzker, o mais importante
da arquitetura mundial, costumam afirmar que a demolição “é um desperdício de muitas
coisas – um desperdício de energia, um desperdício de material, e um desperdício de
história. [...] Para nós, ela é um ato de violência” e têm como lema: “Nunca demolir, nunca
eliminar – sempre acrescentar, transformar e reusar.” (apud WAINWRIGHT, 2021, tradução
dos autores).

Pelas informações levantadas pelos autores deste artigo, foram demolidas pelo menos dez
edificações mais baixas, a maioria com dois pavimentos, e pelo menos um edifício em
altura, antiga sede do Sindicato dos Comerciários, com dez pavimentos organizados em três
blocos. A conservação do acervo arquitetônico do conjunto urbano não se justificaria,
unicamente, sob o ponto de vista da preservação patrimonial, já que a região não conta com
um acautelamento enquanto conjunto urbano e os valores oficialmente reconhecidos se dão,
especialmente, sobre bens isolados. Contudo, há na Resolução 37/92 do Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Paulo (CONPRESP), cujas considerações iniciais merecem nota, pois remetem ao “valor
histórico, social e urbanístico representado pelos vários modos de organização do espaço
urbano que compõem a área central da cidade, destacando-se o Vale do Anhangabaú”
(SÃO PAULO, 1992), mencionando ainda o “significado paisagístico e ambiental” da região
do Vale do Anhangabaú e o “valor histórico-arquitetônico, ambiental e afetivo de diversos
imóveis na região e vizinhas.” (SÃO PAULO, 1992). Há que se considerar, então, que os
tombamentos isolados efetivados pela Resolução são relevantes não apenas por seus
atributos "histórico-arquitetônicos'', mas também porque se inserem naquele determinado
contexto urbano e por comporem uma paisagem específica.

É fato que, inicialmente, o projeto não contemplava um programa tão extenso e uma área
tão ampla, os lotes foram sendo incorporados ao longo do processo e as demolições foram
dando mais espaço à intervenção, surgindo a proposta da grande praça, que não aparece
nos croquis iniciais. A amplitude da praça e a criação do acesso ao conjunto por esta face
parece ter invertido a relação frente-fundo da intervenção. O acesso pela Praça Conselheiro
Crispiniano, mais próximo ao Teatro Municipal, que nos primeiros croquis era o mais

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generoso, se torna secundário, e a prioridade passa a ser o acesso pelo Vale do
Anhangabaú.

Segundo comunicado da Prefeitura de São Paulo, publicado em abril de 2011 na sua página
na internet, o edifício do Sindicato dos Comerciários foi desapropriado para ser demolido e
dar lugar a “uma área de convivência totalmente ajardinada, que funcionará como acesso ao
conjunto da praça” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2011). Outra motivação para a
demolição do edifício de dez pavimentos e três blocos teria sido, inacreditavelmente, facilitar
a restauração da fachada do Cine Cairo: “além de facilitar o acesso à Praça das Artes, a
demolição da antiga sede do Sindicato dos Comerciários beneficiará as obras de
restauração da fachada do local onde funcionava o Cine Cairo - edifício vizinho cuja
construção é colada ao prédio.” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2011)

FIGURA 04 - Foto do conjunto urbano preexistente, do início da demolição do Sindicato dos Comerciários e do
projeto executado, vista do Vale do Anhangabaú. Fonte: (1) MAYUMI, 2021; (2) Divulgação da Prefeitura de SP -
foto de Fábio Arantes e (3) site Brasil Arquitetura.

Cine Cairo e o processo de fachadismo

O edifício localizado na Rua Formosa, 401, funcionava originalmente como Frontão Nacional
e abrigava uma quadra de pelota basca (NOSEK, 2013, p. 25). Depois, abrigou várias
funções até ser inaugurado o Cine Cairo, em 1952, cujo funcionamento se estendeu até
2009, quando foi fechado para dar lugar à Praça das Artes. A presença do Cine Cairo e Cine
Marrocos, na quadra 27, juntamente com o Cine Art Palácio, Cine Dom José, Cine Ritz e
Cine Olido, na quadra vizinha, demonstram a importância do cinema de rua a partir da
década de 1950 em São Paulo. Durante muitos anos, os cinemas de rua representavam
uma das principais formas de entretenimento da população. Estes equipamentos
começaram a perder espaço nas últimas décadas do século XX, com a popularização dos
cinemas construídos no interior de shoppings centers. Neste processo, a maioria dos
cinemas de rua entraram em decadência e não foi diferente com o Cine Cairo.
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Ao ser incorporado ao projeto, o Cine Cairo passou a compor o conjunto do Edifício Corpos
Artísticos, e, devido ao seu estado precário de conservação, era evidente a necessidade de
uma grande intervenção para a sua requalificação. Dentro da proposta de um espaço
cultural como a Praça das Artes, um cinema não seria de modo algum um uso exógeno,
pelo contrário, poderia ser uma atividade interessante e agregadora. No entanto, o edifício
do Cine Cairo foi integralmente demolido, sendo preservada apenas sua fachada, agora
acoplada a uma nova edificação que faceia, internamente, a fachada remanescente,
seguida de outro volume de altura superior à original, rompendo com a escala da
preexistência. O desaparecimento da edificação do Cine Cairo e da sua função reforça o
apagamento da cultura do cinema de rua, como também destrói valores espaciais daquela
tipologia arquitetônica. Os autores, ao se referirem ao projeto, destacam que o Cine Cairo
sempre como apenas uma fachada: “do extinto Cine Cairo, na Rua Formosa, permanece a
fachada, agora amalgamada ao novo edifício destinado aos corpos artísticos.” (FANUCCI,
FERRAZ E CARTUM, 2013 p. 36). Um leitor pouco atento poderia supor que o Cine Cairo
correspondia, quando do início do projeto da Praça das Artes, a tão somente uma ruína, de
uma fachada solta, quando, de fato, a sua demolição foi uma decisão tomada no
desenvolvimento do projeto.

E mesmo que se tratasse apenas de uma fachada remanescente, uma ruína por exemplo, a
questão da sua integração a novos projetos de arquitetura poderia ser tratada de forma a
recuperar a silhueta urbana e qualificar a paisagem. Um exemplo em que este tema foi
tratado de forma bastante sensível é o projeto desenvolvido pelo arquiteto Paulo Ormindo de
Azevedo para o Centro Cultural Dannemann, na cidade de São Félix, Recôncavo Baiano, no
final dos anos 1980: mesmo dispondo apenas da fachada frontal de um conjunto edificado,
Azevedo desenvolveu um projeto contemporâneo que qualificou de forma impactante a
realidade local:

O projeto do Centro Cultural Dannemann corresponde a uma edificação de


expressão genuinamente contemporânea que, ao mesmo tempo, recupera a
volumetria do antigo armazém, contribuindo para a conservação da paisagem
urbana. A nova arquitetura busca, também, resgatar a espacialidade interna de
edificações deste tipo, criando espaços amplos e com pés-direitos generosos tanto
na área de exposições, na parte frontal do edifício, como na área de demonstração
da produção de charutos, ao fundo. Essa decisão de desenvolver o edifício a partir
da fachada restaurada, respeitando a volumetria anteriormente existente, resultou na
preservação da silhueta urbana são-felista. (ANDRADE JUNIOR, PEREIRA E
AMARAL, 2021, p. 215)

Contudo, a opção para o Cine Cairo, de manutenção da fachada como um elemento


sobreposto, uma máscara para o novo edifício, carrega também, em certa medida, uma
prática que vem sendo chamada de fachadismo, termo abordado pelo arquiteto e professor

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português José Aguiar (2014, p. 65) no texto “Reabilitação ou Fraude”, no tratamento de
conjuntos urbanos de interesse patrimonial. Trata-se de um procedimento controverso pois,
ao mesmo tempo em que, supostamente, mostra a preocupação com o valor patrimonial ao
restaurar um elemento da edificação e incorporá-lo ao projeto, o faz de uma maneira que
exclui muitos de seus valores, entre eles os construtivos, espaciais, de uso, afetivos, entre
tantos outros.

O exemplo da reabilitação do Passeio das Cardosas no Porto, Portugal, abordado por


Aguiar (2014), reflete uma situação similar à do antigo Cine Cairo, pois o projeto também
demoliu os interiores de edifícios antigos – 19 ao total – de um mesmo quarteirão, chamado
Quarteirão das Cardosas. Apesar de amplamente criticado, o plano de reabilitação foi
implementado em 2013. Neste mesmo ano, o ICOMOS-Portugal, instituição não
governamental assessora da Unesco na preservação do patrimônio cultural em todo o
mundo, publicou uma declaração, criticando o fachadismo na reabilitação do Passeio das
Cardosas e ressaltando valores a serem observados.

A adequação dos programas às características morfotipológicas e a transformação


cautelosa do edificado preexistente é também a única fórmula para a manutenção
da autenticidade que, no fundo, é o principal capital urbano na captação de novos
investimentos e públicos, designadamente de âmbito criativo. (ICOMOS, 2013)

Essa incoerência se torna mais evidente no caso do Cine Cairo por se tratar de programa
funcional compatível. A restauração da edificação, se feita preservando seus valores de
forma mais integral, contribuiria para a valorização do cinema de rua e da pluralidade
tipológica do Centro de São Paulo, agregando ainda mais diversidade ao complexo.

O Conservatório e o branqueamento da arquitetura eclética

O atual Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, localizado na Avenida São João,
269, foi construído em 1896 para ser a loja do comerciante de pianos Friedrich Joachim.
Além do espaço para vendas, o edifício possuía um salão de concertos, o Salão Steinway, e
depois de uma reforma realizada em 1899, passou a funcionar como Hotel Joachim's. O
edifício foi transformado em Conservatório a partir de 1909, aproveitando o salão de
concertos e adaptando os quartos do hotel em salas de aula (NOSEK, 2013, p. 14). O
Conservatório foi a primeira escola superior de música e artes dramáticas de São Paulo,
representando um espaço muito importante para os artistas da época durante décadas. Por
questões políticas, uma parte considerável do corpo docente foi expulsa entre 1942 e 1943,

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fato que colaborou para que o edifício fosse cada vez menos utilizado até ser desocupado a
partir da década de 1980. Em 1992, o Conservatório foi tombado pelo Conselho Municipal
de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo
(Conpresp), junto com outras 292 edificações da região do Vale do Anhangabaú. O conjunto
também se encontra inserido nas áreas envoltórias de outros monumentos tombados pelo
município e pelo Estado.

Ao ser incorporado à Praça das Artes, o Conservatório passou por reforma dos anexos e
restauração do prédio principal. Tanto as paredes internas e o forro, internamente, quanto a
fachada foram pintados de branco, postura costumeiramente adotada pelo escritório em
relação a edificações ecléticas: o mesmo tratamento, por exemplo, foi dado ao Teatro
Polytheama, em Jundiaí, em 1995, e à antiga residência do Comendador Bernardo Martins
Catharino, atual Museu Rodin, em Salvador, em 2002, aparentemente ignorando o valor do
bem, que, segundo Nahas (2008, p. 266), era “[...] um dos últimos exemplares da arquitetura
eclética baiana, sendo o primeiro edifício no estilo tombado pelo IPAC, órgão de
preservação do patrimônio do Estado, na década de 1980.”

O apagamento cromático ou “branqueamento”, como conceituaram José Aguiar, João


Pernão e Teresa Cunha Ferreira (apud JÚLIO, 2020, p. 145) elimina das edificações
nuances de cores, texturas e brilhos. Há uma tentativa de neutralizar os ornamentos,
elementos típicos das edificações ecléticas, indicando uma aparente rejeição ao ecletismo e
uma tentativa de modernização. Em entrevista concedida por Marcelo Ferraz a Guilherme
Osterkamp, o primeiro se refere nos seguintes termos ao Conservatório e à decisão de
pintá-lo totalmente em branco:

Aquilo é tardio! Quando foi feito a vanguarda já existia na Europa… Então,


não tem nenhum valor arquitetônico em si. Ele tem valor para cidade quanto
memória urbana, e tudo mais… Então a gente quis diminuir a importância
arquitetônica daquilo: do lado decorativo! (OSTERKAMP, 2015, p. 184)

A partir da fala do arquiteto sobre o Conservatório percebe-se que há, realmente, uma total
falta de reconhecimento dos valores estéticos ligados à arquitetura eclética incorporada ao
projeto.

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FIGURA 05 - Fachada Rua Formosa, fachada Avenida São João e fachada Rua Conselheiro Crispiniano. Fonte:
Acervo dos autores.

Considerações Finais

O projeto da Brasil Arquitetura para a Praça das Artes possui inúmeras qualidades, da
capacidade de reinterpretar criticamente a paisagem urbana heterogênea do centro de São
Paulo de forma criativa, criando novos marcos arquitetônicos, à generosidade na criação de
amplos espaços públicos no miolo da quadra e em sua articulação com os logradouros que
a limitam. A solução adotada para o acesso ao conjunto pela Avenida São João é
particularmente bem-sucedida, ao adotar a mesma linguagem do restante do complexo, em
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concreto aparente pigmentado, porém em um volume que respeita a escala dos imóveis
vizinhos.

A Praça das Artes, contudo, está na contramão da arquitetura contemporânea e da diretriz


dos 3R da sustentabilidade (reduzir desperdício, reutilizar e reciclar) ao demolir diversas
edificações preexistentes, em especial o edifício do Sindicato dos Comerciários, com dez
pavimentos organizados em três blocos, que poderia facilmente ter sido requalificado e
incorporado ao conjunto. O fachadismo adotado na intervenção no Cine Cairo aniquila seus
valores de uso, espaciais, volumétricos e construtivos ao transformá-lo em uma mera
máscara adossada a uma edificação que pertence a outra escala e outra expressão
arquitetônica, levando-nos a refletir se não seria mais ético demoli-la também. Por fim, o
branqueamento interior e exterior do edifício do Conservatório, em uma atitude recorrente,
na obra do escritório, de minimização dos ornamentos que caracterizam a arquitetura
eclética, demonstram o desprezo dos autores por esse estilo, ao tentar eliminar,
cromaticamente, uma das suas principais características.

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Referências Bibliográficas

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Nacional/DGPC, 2014.

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. A Questão da Ocupação dos Vazios em Conjuntos
Históricos: da reconstrução literal ao contraste radical. In: Anais do IX Seminário de História
da Cidade e do Urbanismo. São Paulo: FAU-USP/ FAU-Mackenzie, 2006.

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira; PEREIRA, Vanessa Maria; AMARAL, Fellipe


Decrescenzo Andrade. Intervenções no patrimônio industrial no Brasil: uma genealogia
possível e alguns desafios. In: MENEGUELLO, Cristina; ROMERO, Eduardo; OKSMAN,
Silvio (org.). Patrimônio industrial na atualidade: algumas questões. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2021, p. 197-254.

BRASIL ARQUITETURA. Praça das Artes, São Paulo. Disponível


em:<http://brasilarquitetura.com/#>. Acesso em 15 de setembro de 2021.

FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo; CARTUM, Marcos. A Praça das Artes. In: NOSEK,
Victor (org.). Praça das Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.

ICOMOS-Portugal - Declaração do Porto: um olhar de hoje sobre as dinâmicas da


conservação e reabilitação de cidades históricas. Seminário Porto Património Mundial: Boas
práticas em reabilitação urbana. Porto: ICOMOS, 2013.

JÚLIO, Eduardo. Guia FNRE: Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, Lisboa:


FUNDIESTAMO, 2020.

LORES, Raul Juste. A Praça das Artes e os quarteirões doentes. In: NOSEK, Victor (org.).
Praça das Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.

MAYUMI, Lia; SCHENKMAN, Raquel. Entrevista virtual concedida ao grupo de pesquisa


Projeto e Patrimônio. SALVADOR, 2020.

NAHAS, Patricia Viceconti. Brasil Arquitetura: memória e contemporaneidade. Um percurso


do Sesc Pompéia ao Museu do Pão (1977-2008). Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo). São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / Universidade Presbiteriana
do Mackenzie, 2008.

NOSEK, Victor. A quadra da Praça das Artes e a cidade. In: NOSEK, Victor (org.). Praça das
Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.

OSTERKAMP, Guilherme. O Brasil Arquitetura e a Invenção do Patrimônio. Dissertação


(Mestrado em Arquitetura). Porto Alegre: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / UFRGS,
2015.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Prefeito anuncia demolição da antiga sede do


Sindicato dos Comerciários, que irá acelerar obras na Praça das Artes. Disponível em:

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<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/comunicacao/noticias/?p=110342>.
acesso em 15 de setembro de 2021.

SÃO PAULO. Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura da Prefeitura


do Município de São Paulo. Folha de Informação do Processo 2007 – 0.198.181 de Lia
Mayumi para STPRC. São Paulo, 2007.

SÃO PAULO. Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura da Prefeitura


do Município de São Paulo. Resolução nº 37/72. São Paulo, 1992.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Teatro Municipal de São Paulo. Disponível em:
<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/sp_obras/noticias/?p=22764>.
acesso em 15 de setembro de 2021.

WAINWRIGHT, Oliver. ‘Sometimes the answer is to do nothing’: unflashy French duo take
architecture’s top prize. The Guardian, 16 March 2021. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/artanddesign/2021/mar/16/lacaton-vassal-unflashy-french-
architectures-pritzker-prize>. Acesso em 16 out. 2021.

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EIXO TEMÁTICO 3

ESPAÇOS INOVADORES COMO SUPORTE AO PEDAGÓGICO E AO


TECNOLÓGICO: OS DESAFIOS DA ARQUITETURA ESCOLAR

LIBOS, PAULA R. R. (1); MOREIRA, BENEDITO DIELCIO. (2)


1. UFMT. Multimundos
Rua Presidente Wenceslau Bráz, 369 – Cuiabá-MT
paulalibos@gmail.com

2. UFMT. Multimundos
Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, 546, apto. 93, Centro - Guarujá-SP
dielcio.moreira@gmail.com
RESUMO

O espaço escolar nunca foi tão discutido como nos últimos anos. Com o advento da COVID-19, a
metamorfose da tipologia do edifício escolar surge de acordo com as novas necessidades da
sociedade e objetiva atender demandas relacionadas tanto a contextos do distanciamento social
quanto a cultura digital. Os edifícios escolares, aqueles nos quais estão inseridas as atividades
educativas, possuem papel importante no debate sobre a convivência. Os projetos com tipologia
inovadora estão centrados na preocupação estética, integração com o meio ambiente, continuidade
espacial entre salas, circulação e processos de ensino/aprendizagem: o espaço arquitetônico
protagoniza na estrutura de construção de conhecimento, atendendo a espacialização de programas
educativos. Arquitetonicamente, os espaços escolares libertam. A nova geração, para Paula Sibilia
(2012), assume uma experimentação mais ousada, permite que a cultura digital já presente nas
práticas de alunos e professores e em diferentes métodos em ensino/aprendizagem questione os
espaços escolares tradicionais e avance de forma a gerar novos atributos para a concepção de
espacialidades nas escolas. Apesar do avanço digital, projetos arquitetônicos ainda são em sua
maioria desenvolvidos com propostas conservadoras, segundo Doris Kowaltowski (2011). No entanto,
projetos escolares inovadores encontrados em várias partes do mundo, como no Vietnam, Japão,
Alemanha, Finlândia e Brasil mostram que é preciso refletir sobre esse novo mundo digital também na
concepção de novas escolas. Antonio Martire (2017) debate a necessidade da renovação dos
espaços para torná-los mais atrativos, com diferentes dinâmicas de uso: espaços criados e
destinados para diferentes atividades. Aberturas generosas e ventilação natural possibilitam que a luz
e os ventos penetrem no interior dos edifícios; tratamento acústico garante privacidade no espaço de
aprendizagem; áreas internas e externas dialogam com a natureza e o meio ambiente, entre outas
soluções que possibilitam a inclusão de alunos e professores na cultura digital. A relação que a
arquitetura tem com o ambiente escolar participa ativamente na “poética do espaço”, enquadramento
de Gaston Barchelard (1974), exerce influência, reflete nos modos de ocupação, desloca significados
e possibilita uma interpretação ampliada da leitura arquitetônica. Os espaços inovadores atendem
diferentes atividades, são flexíveis e contemplam a integração dos públicos, com tecnologia,
praticidade e estética capazes de atender estudantes e professores conectados. Percebe-se a
relevância da diferenciação tipológica do edifício escolar tradicional e o inovador, principalmente para
um debate em torno de demandas contemporâneas da cultura digital em que o jovem estudante do
século XXI está inserido e é, reconhecidamente, um dos protagonistas. Reflexões em torno desse
tema abordam a poética espacial e a indispensabilidade de tornar esses espaços interativos, em
diálogo com o público escolar e o mundo digital.

Palavras-chave: arquitetura escolar; poética do espaço; cultura digital

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INTRODUÇÃO

A arquitetura conta a história da humanidade. Por meio de suas edificações, que


atravessam séculos, é possível compreender o desenvolvimento da sociedade. Desde o
período pré-histórico ao contemporâneo a arquitetura vem descrevendo acontecimentos,
construindo sentidos e significados que identificam épocas e lugares. Com as diferentes
civilizações, a arquitetura reflete diversos conceitos, formas, ideias, decorações e
proporções reinterpretados, desenvolvidos para serem aplicados a todas as tipologias de
edificação, sistemas interdependentes trabalhando em conjunto para uma arquitetura eficaz
e habitável. O desenvolvimento e a experimentação de novos espaços correspondem a uma
possibilidade de narrativas de mudança, desenvolvimento e diversificação na produção de
conhecimento.

Exercer uma visão ampla e geral da arquitetura, da cidade e do ambiente é uma


forma de expressar o entendimento histórico e cultural. Farrelly (2010) deixa claro a
necessidade de compreender o contexto, as edificações e suas funções ou usos, e sua
materialidade e estrutura. É interessante que o contexto faz da arquitetura algo específico e
único, o que permite explicar a forma dos edifícios e o desenvolvimento social.

Em função da crescente especificidade da sociedade contemporânea, para cumprir


essa redefinição da arquitetura enquanto prática social faz-se necessário discutir os edifícios
e suas tipologias, os usos e funções. Cada espaço estabelece relações, organização,
integração e práticas sociais. Baseado na cultura das relações, é importante estabelecer
critérios para o desenvolvimento dos espaços que sejam adequados às funções planejadas
e ao tipo de usuário. Este artigo procura abordar a cultura tecnológica e os desafios dos
espaços escolares, uma arquitetura alicerçada em “projeto padrão”, mas que as novas
relações entre espaço, estudante e tecnologia pedem espaços mais inovadores.

A arquitetura é produzida por arquitetos que desenvolvem uma visão ampla e geral
do contexto e das técnicas de edificação. O escopo vai da grande escala, como projetar
uma cidade, à uma pequena escala, como projetar uma cadeira, mas, independentemente
da finalidade fim dos objetos e dos edifícios projetados, o importante é que estejam
adequados a sociedade contemporânea.

Conforme Sibilia (2012), a indagação se a escola está em crise é atual e precisa ser
debatida. Que juízos e subjetividades o ambiente escolar tem produzido hoje em dia,
pensando no presente e no futuro da sociedade. É necessário indagar o compromisso da
escola e seus espaços concebidos a partir de velhas convicções e certezas que já não
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funcionam mais? A tecnologia está avançando e os espaços arquitetônicos escolares
conservadores não estão mais alinhados com os novos diálogos transmidiáticos, deixando
de exercer influência nas relações acadêmicas e não dialogando com o jovem do século
XXI. A relação espaço/estudante/cultura da convergência1 faz emergir a necessidade de
análise de espaços inovadores, singulares, de espacialidade atrativa e dinâmica.

ARQUITETURA ESCOLAR

A arquitetura, assim sendo, é mais do que planejar uma construção ou dividir


espaços para sua melhor ocupação, exige criatividade desenho, projeto, sobretudo
considerar as atividades de cada espaço assim como os públicos que irão ocupá-lo.
Explorando historicamente a evolução da arquitetura escolar, percebe-se que “a escola que
hoje conhecemos é resultado de um longo processo histórico” (KOWALTOWSKI, 2011, p.
19). A arquitetura escolar da época do império no Brasil pertencia a um sistema de
educação religiosa unificado para todo o território nacional, que estabelecia um padrão
pedagógico e arquitetônico com poucos registros (ORNSTEIN E BORELLI, 1995, apud
KOWALTOWSKI, 2011, p. 104).

Segundo a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE,1998), desde o


século XIX vários órgãos do poder público foram responsáveis pelo planejamento,
construção e manutenção dos estabelecimentos de ensino no Brasil. A proposta era traçar
diretrizes ou “padrões” para a construção de edificações escolares. Segundo Kowaltowski
(2011), os projetos arquitetônicos eram semelhantes, adaptando-se às diferentes tipologias
de terreno. Isso pode ser observado por meio da análise dos espaços escolares construídos
em diferentes épocas e locais. É preciso, no entanto, lançar luz sobre a necessidade das
escolas se transformarem e pensar em espaços que possam estabelecer relações
comunicacionais e educativas com estudante e a sociedade, criando relações, valores
simbólicos, construindo emoções e significados pessoais, reflexos sobre a memória das
pessoas. Considerando a importância das tecnologias digitais na sociedade e na atividade
estudantil, os espaços escolares precisam de novos contornos, de espaços compatíveis
com as necessidade educativas atuais e com as subjetividades das crianças de hoje.

Compreende-se que o ambiente construído se comunica com as pessoas e a


resposta acontece por meio de sentimentos, juízos, e é nesse contexto relacional que a

1 Conceito desenvolvido por Henry Jenkins (2009) para explicar o fenômeno de produção midiática
para contar uma história em diferentes meios e formatos.

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arquitetura escolar e seus espaços precisam ser estimulantes, robustos e acolhedores: a
experiência de ensino e aprendizagem deve ser prazerosa. A arquitetura fascina, intriga e,
muitas vezes, revolta as pessoas envolvidas pelas paredes, isso porque as paredes não são
apenas uma habilidade prática para dividir os espaços, mas parte de uma ideia ou “conceito”
relacionado a um contexto específico. Esse conceito é desenvolvido com um programa de
necessidades que, após pensado, analisado, se concretiza, produz experiências. No âmbito
do edifício escolar, destinado a atender principalmente crianças e jovens, é necessário a
participação ativa dos usuários no diálogo das necessidades de convívio e aprendizagem.

O prédio escolar possui significados que decorrem da tradição arquitetônica e de


uma visão historicamente concebida de como deve ser uma sala de aula, mas tem também
aqueles significados atribuídos pelos usuários. Os edifícios não vivem somente por aquilo
que tem de visivelmente físico, mas também nas memórias de gerações de pessoas, o que
justifica um estudo sobre a arquitetura escolar, seus espaços internos e externos, sua
fachada, seu campo visual e também os significados que esse espaço geram nas relações
com o meio ambiente e a comunidade. Os registros históricos possibilitam o entendimento
do passado, de uma época, do contexto. Desse traçado surgem novas estratégias, novos
conceitos. A transformação do espaço é possível a partir da leitura dos significados
manifestos pelos usuários: alunos, educadores, gestores e colaboradores, vizinhos, todos,
enfim, que também participam da criação dessas memórias.

ESPAÇOS ESCOLARES: TRADICIONAIS E INOVADORES

Para o estudante da era digital que se mantém conectado, em rede, transmidiático, o


convívio na escola está estabelecido em espaços escolares antigos, compartimentados,
ausentes da história de seus públicos, espaços que não representam a era tecnológica
rizomática, em que tudo está conectado. A escola padronizada, tradicional, com sala de aula
composta por carteiras enfileiradas, tem um significativo peso para a educação, uma vez
que neste formato encontra-se a maioria das instituições de ensino. Os espaços escolares
em uma grande parte das instituições públicas e privadas brasileiras são legados dos
programas desenvolvidos no passado: “a padronização nem sempre leva em conta
situações locais específicas, resultando em ambientes escolares desfavoráveis”.
(KOWALTOWSKI, 2011, p. 127).

Outro fator para a utilização de projetos padrão nas edificações


públicas é o desejo de que sejam identificadas a uma determinada
administração, ou a um determinado momento político. O
reconhecimento da tipologia construtiva é considerado importante,

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como uma assinatura ou um símbolo da gestão (KOWALTOWSKI,
2011, p. 127).

Vários outros aspectos são ignorados na utilização desses projetos escolares


padrão, como a falta de planejamento urbano, o impacto do prédio na paisagem urbana,
inadequação para servir a sociedade, com espaços que nem sempre atendem às
aspirações reais de satisfação, “deixando de lado as particularidades do tempo, do espaço e
da cultura” (KOWALTOWSKI, 2011, p. 136). É certo que as escolas refletem as decisões de
políticas públicas, mas nem sempre correspondem às reais necessidades de seus públicos,
especialmente das crianças e jovens.

A igualdade entre os homens permanece um sonho ainda muito


distante do nosso planeta. Apesar de tudo a escola como
instituição destinada a “todos” surgiu nessa época e faz parte do
nosso cotidiano e das obrigações da família e do estado para com
suas crianças e adolescentes.” (LEÃO, 1999, p. 189)

O universo digital amplia as possibilidades educativas. Com essa percepção


contemporânea, diversos segmentos estão em busca de inovações que permitam atender
os anseios da sociedade. Segundo Plonski (2017) a inovação é objeto de desejo de todos
os setores da economia, assim como também de outros segmentos da sociedade. Neste
sentido, criatividade e inovação causam um impacto significativo em nossas escolas,
impacto esse que potencializa convivência e aprendizagem. Professores e gestores de
escolas buscam sempre inovar na realização de projetos culturais, artísticos e esportivos,
soluções com o objetivo de ampliar as vivências, educar e superar a evasão e o
desinteresse pelo estudo, assim como combater a violência nas escolas. Aqui, como já dito,
discutimos a importância do contexto do local, do espaço escolar como um agente
integrador.

Analisar os espaços e as tensões geradas pela não inserção de tecnologias digitais


e espaços compatíveis para aproveitamento dos benefícios destas tecnologias estimula a
busca de formas de espaços físicos que possam estabelecer diálogos, integração e
autonomia aos estudantes, conforme discute Martire (2017):

Uma das ideias recorrentes é o distanciamento que existiria entre


as novas competências exigidas pela sociedade digital e a
configuração das salas de aula que dariam origem a modalidades

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de ensino ainda vinculadas às formas tradicionais (MARTIRE,
2017, p. 44, tradução nossa)2
A utilização de recursos tecnológicos e espaço escolar inadequado estão em
constante discussão. Com o advento da COVID-19, ensino remoto, isolamento social e a
necessidade de construir conhecimento coletivamente à distância, professores e alunos
enfrentam os conflitos e as tensões geradas pela inexistência e impossibilidade de utilização
plena dos recursos tecnológicos. No atual contexto, a tecnologia permeia e influencia a vida
cotidiana, nos conduz à reflexão da função da escola nesse novo percurso, em que o
processo de aprendizagem colaborativa questiona o espaço escolar tradicional, concedendo
lugar ao espaço inovador, flexível, reorganizado. Martire (2017) discute sobre os espaços
educativos arquitetônicos, integração das tecnologias aos processos didáticos e conceitos
de ambiente de aprendizagem, estruturando o universo do aluno na vivência de situações
diversificadas, dialogando com a comunidade e desenvolvendo o saber-fazer.

O EDIFÍCIO: MÉTODOS E PERSPECTIVAS

Segundo (LEÃO, 1999), a escola “surgiu a partir do advento dos sistemas nacionais
de ensino, que datam do século passado, mas que só atingiram maior força e abrangência
nas últimas décadas do século XX” (LEÃO, 1999, p. 188). Inspirada na emergente
sociedade burguesa e no princípio de que a educação é direito de todos e dever do estado,
a sua incumbência estava na construção e consolidação de uma sociedade democrática:

O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade


correspondente dos interesses da nova classe que se consolidara
no poder: a burguesia... Para superar a situação de opressão,
própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade
fundada no contrato social celebrado “livremente” ente os
indivíduos, que era necessário vencer a barreira da ignorância... A
escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter os
súditos cidadãos (SAVIANI, 1999, p. 17).

Um edifício escolar deve abrigar várias atividades. E o projeto arquitetônico deveria


contemplar espaços adequados às diferentes atividades, bem definidos, estabelecendo uma
conexão com as raízes culturais do povo, objetivando qualidade ambiental, térmica e

2 Trecho original em espanhol: “Uma de las ideas recorrentes es la brecha que existiria entre las
nuevas competências requeridas por la sociedade digital y la configuración de las aulas que
conducuría a modalidades de impartir clases conectadas aún com formas tradicionales”. (MARTIRE,
217, P. 44)

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lumínica de manutenção fácil e estética atraente. Porém, no cenário da escola pública
brasileira não são muitos os exemplares concebidos com essa integração técnica e estética.
Vale ressaltar que o impacto das decisões projetuais proporcionam ambiência e cenário
favoráveis que amparam as atividades educacionais e contribuem para a interação.

Na era contemporânea, as crianças já chegam às escolas utilizando celular, com


habilidades para acessar a internet, uso de tablets e muitas outras habilidades do mundo
moderno. Chegam com conhecimento além daqueles imaginados pelos professores A
demanda por escolas que contemplem as necessidades da era digital estão emergindo cada
vez mais, ao redor do mundo, principalmente nos países nórdicos, onde é comum encontrar
edifícios escolares inovadores. Compreender como a arquitetura se apresenta na cultura
escolar e como a cultura do estudante do século XXI apreende a arquitetura do espaço
escolar é um desafio. A cultura digital questiona a paisagem tradicional dos espaços
escolares.

Conforme já discutimos em trabalhos anteriores é incontestável que tradições e


modelos escolares de tempos atrás estejam ainda inseridos em contextos culturais diversos
e contemporâneos. Pensar em escolas com contexto inovador estão voltadas para uma
filosofia de desenvolvimento humano, social, cultural e ambiental é olhar para o futuro.
Nomeadas de escola inovadora, elas apresentam uma organização espacial incomum,
possuem ambientes acolhedores, despertando o prazer em frequentar; agregam no
desenvolvimento cognitivo, estabelecendo diálogos com os jovens; favorecem as relações
interpessoais; desenvolvem conhecimento, estimulam o aprendizado, criam espaços
convidativos para as demandas do mundo conectado para o conforto e satisfação dos
alunos.

A rede de escolas sueca Vittra Telefonplan (figura 01) mantém instituições com
arquitetura fora dos padrões, sem tantas paredes. Nas salas de aula, no lugar das
tradicionais mesas e carteiras, a variedade de espaços, e o design é utilizado para
potencializar o aprendizado. A rede conta com mais de 30 instituições e todas tem um
desenho diferente, adaptado às características do lugar onde está. A preocupação é
proporcionar espaços atraentes, pois “nós aprendemos de diversas maneiras. Precisamos
ser inspirados e comunicar uns com os outros e com o mundo ao nosso redor”, diz a Vittra
em seu site. É certo que o conceito inovador dos espaços tem impacto na aprendizagem,
não só no contexto pedagógico, mas também na socialização, na preparação do jovem para
a vida do século XXI.

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Figura 01- Escola Vittra Telefonplan – Suécia
Fonte: http://innoveedu.org/pt/telefonplan-school, 2021

O mundo está repleto de culturas, únicas e diversas, porém o desenvolvimento social


e econômico não se dá na mesma proporção. Essa distinção e a forma da distribuição de
renda refletem na forma com que o espaço escolar é concebido. Em países desenvolvidos,
encontra-se uma maior oferta de inovação no que tange à concepção do espaço, materiais,
tecnologia, inovação audiovisual, enfim, componentes que proporcionam experiências e
significados na construção do conhecimento no ambiente escolar.

A escola está impregnada de signos e símbolos que comunicam e educam. A Escola


básica Our lady of the Southern Cross Primary School, localizada na Austrália, apresenta-
se como uma escola diferente das outras: “com o objetivo de afastar-se completamente das
aulas formais foi criada uma série de espaços destinados à diferentes atividades e estilos de
aprendizagem” (ARCHDAILY, 2015). O desenho arquitetônico dos espaços incorpora
tecnologia, quadros inteligentes, wi-fi e a flexibilidade para se adaptar a proposta
pedagógica (Figura 02). O projeto proporciona uma grande área de trabalho rodeada por
todos os recursos e necessidades, espaços de jogos, salas de conferências e reuniões,
enfim, todos os espaços foram “desenhados” fora da formalidade, permitindo que os
recursos estejam diretamente acessíveis aos estudantes.

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Figura 02 – Escola “Our Lady of the Southern Cross Primary School”, Austrália
Fonte: Archdaily, 2021

Projetos inspirados na materialidade local e contextos históricos/culturais ganham


espaço no cenário arquitetônico. Ao redor do mundo é possível encontrar espaços pensados
e projetados com as novas práticas de ensino, comunicáveis com o estudante do século
XXI, inovadores, com qualidade, e que representam manifestações de respeito e
pertencimento.

As narrativas dos espaços inovadores alimentam a necessidade de debate e


difusão de novos modelos em contextos heterogêneos, modelos que atuam em sintonia com
o mundo digital, com as novas competências requeridas pela sociedade, conduzidas pela
geração conectada, que potencializa a produção de conteúdo e conhecimento, criativo e
inovador. Sobre isso, é possível perceber ao redor do globo, em diferentes escalas, espaços
que estabelecem relação com o entorno, com o contexto histórico/cultural, com o usuário e o
meio. Um exemplo é o Jardim da Infância de Cultivo (figura 03), localizado no Vietnã. A
escola está localizada próxima a fábricas, principal economia da região, baseada na
manufatura e impactando diretamente o meio ambiente.

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Figura 03 - Jardim da Infância de Cultivo, Vietnã
Fonte: Archdaily, 2021

Com o aumento das secas, de inundações e salinização o abastecimento de


alimentos fica comprometido, com isso a cobertura verde e contínua além de fornecer
alimentos possibilita a vivência na agricultura, característica outrora econômica que foi ficou
“esquecida” pela rápida urbanização. Trata-se de um problema enfrentado por diversas
cidades vietnamitas, uma vez que o crescimento urbano tem privado o convívio e a conexão
com a natureza. Essa proposta de uma cobertura verde e contínua também proporciona a
adoção de estratégias ambientais que maximizam o uso de ventilação e iluminação natural,
mecanismos estes que se desdobram em economia de energia. Todas as estratégias
adotadas são visivelmente aparentes, com finalidade na educação das crianças para a
sustentabilidade.

Segundo Bachelard (1974), os espaços são capazes de produzir sentimentos e


lembranças, influenciando e exercendo complexas relações com as pessoas. É no espaço
que a permanência do ser evoca, ou seja, são nos espaços que a vida acontece. Espaços
estabelecem diálogos, inspirações, sobretudo na forma de existir e partilhar. No Brasil
também é possível encontrar escolas que buscam educar crianças em espaços que
valorizam a criatividade e a curiosidade, uma estrutura que apoia a vivência e o
desenvolvimento de atividades com experiências transformadoras. O Espaço Lúdico
Sinhazinha Meirelles (figura 04) foi construído em 2015 com recursos de doação de mão de
obra e materiais por parte de uma construtora. Com área construída de 600,00m², o terreno
apresentava condições adversas e mesmo com poucos recursos foram “propiciando
ambientes infantis lúdicos e simples, fundados na criatividade da cultura brasileira, que
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potencializa objetos e materiais cotidianos em ferramentas para a imaginação de infinitas
possibilidades e sensações” (ARCHDAILY, 2015).

Os blocos de concreto criam rendas de luz e sombra. Percebe-se que mesmo com
poucos recursos e com o uso de tradicionais materiais da construção civil, como os blocos
de concreto, cimento queimado utilizados repetidamente de diferentes maneiras
possibilitaram o enquadramento fragmentado da paisagem na escala das crianças,
caracterizando-se não como limite, mas como abrigo. Uma torre, pequena e alta, é um local
estratégico de vigia das brincadeiras para desbravar a vista, como em um baluarte de um
forte português que lança diferentes olhares sobre a paisagem (ARCHDAILY, 2015). Uma
pequena arquibancada ajustada ao terreno é o espaço flexível para o imaginário. O espaço
é utilizado de múltiplas maneiras, desde brincadeiras de roda às contações de estórias,
sempre beneficiado pela vista privilegiada.

A arte de grafiteiros apresenta narrativas ao longo do espaço, procurando se


aproximar da imaginação infantil, utilizando elementos formais básicos, como retas, círculos,
quadrados e retângulos, potencializando esse espaço recreativo de forma estratégica.

Figura 04 – Espaço Lúdico Sinhazinha Meireles, São Paulo


Fonte: Archdaily, 2021

CONCLUSÃO

Discutimos aqui arquitetura escolar como um espaço sociocultural, considerando os


diversos significados já existentes, as ações legitimadas pelos seus usuários e a sua relação
com a aprendizagem, bem como a comunicação presente nessas relações entre o espaço

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físico e a aprendizagem, e, por último, não menos importante, a contribuição do espaço para
o usuário e suas diferentes interpretações no contexto ao qual estão inseridos. O cultural, o
social, o emocional entre outros aspectos devem ser analisados e priorizados no momento
da concepção arquitetônica. Os ambientes limitados e enfileirados devem dar espaço para
abundância de design que possibilita a expressão mais livre do estudante.

A renovação dos espaços escolares, principalmente do ensino público, deve estar


voltado à construção de um espaço físico escolar afinado com os anseios da sociedade,
oferecendo à criança e ao jovem não só uma educação de qualidade, mas um espaço que
contribua para o sentimento de pertencimento na escola e incorpore nas práticas do
cotidiano um diálogo e um novo olhar. Espera-se que as construções escolares fujam dos
tradicionais edifícios escolares e utilize diferentes formas de “construir” os ambientes, a fim
de usar o espaço como agente ativo no desenvolvimento das crianças e jovens, permitindo
uma correta circulação de ventos, iluminação, pátio com espaços que proporcionem o
encontro, a convivência, enfim espaços atrativos e em sintonia com o jovem do século XXI.

A organização dos espaços educativos e o debate dos processos didáticos e


consequentemente novos espaços físicos estão voltados para a inserção das tecnologias
digitais, uma vez que essas tecnologias alteram o panorama educativo e didático. Martire
(2017) descreve que a tecnologia não atua em um contexto neutro, mas em combinação
com fatores culturais e sociais. Levando em consideração esses contextos, a concepção
arquitetônica do local e sua paisagem devem ser pensadas e concebidas de acordo com as
necessidades da comunidade e ser capaz também de impactar positivamente seu entorno.
A reforma nas políticas públicas no âmbito escolar podem ser um caminho para a
desconstrução dos ambientes tradicionais, abrindo os horizontes para espaços inovadores.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ABRAMOVAY, M. Escolas Inovadoras: Experiências Bem-Sucedidas em Escolas Públicas.


Ministério da Educação. ed. Brasília: UNESCO, 2004. 124 p.

ARCHDAILY. ArchDaily Brasil. ArchDaily Brasil, 10 dez. 2015. Disponivel em:


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Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São Paulo: Oficina de Textos, 2011.
348 p.

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BACHELARD, G. A. A poética do espaço. Os Pensadores, vol. XXXVIII. São Paulo: Abril
Cultural, 1974.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009

"Jardim de Infância de Cultivo / Vo Trong Nghia Architects" [Farming Kindergarten / Vo


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Acessado 27 Out 2018. <https://www.archdaily.com.br/br/760033/jardim-de-infancia-de-
cultivo-vo-trong-nghia-architects> ISSN 0719-8906.

KOWALTOWSKI, D. C. C. K. Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São


Paulo: Oficina de Textos, 2011. 348 p.

KOWALTOWSKI, D.C.C.K.; MOREIRA, D.C.; DELIBERADOR, M.S. O programa


arquitetônico no processo de projeto: discutindo a arquitetura escolar, respeitando o
olhar do usuário. In: Salgado, M.S.;Rheingantz, P.A.; Azevedo, G.A.N; Silvoso, M.M.
(organizadores) – “Projetos complexos e seus impactos na cidade e na paisagem”. Rio de
Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ; ANTAC, 2012. Disponível em:
http://www.dkowaltowski.net/wp-content/uploads/2014/07/O-programa-arquitetonico-SBQP-
2012.pdf. Acessado em: 14 Jul 2018.

LEÃO, D. M. M. Paradigmas Contemporâneos de Educação: Escola Tradicional e Escola


Construtivista. Cadernos de pesquisa, São Paulo - SP, julho 1999. 187- 206. Disponivel
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LIBOS, P. R. R. MOREIRA, B. D. Arquitetura escolar e suas relações com o estudante


do século XXI. São Paulo, 12p., Agosto 2018. Disponivel em:
https://doity.com.br/anais/jig2018/trabalho/82303 >. Acesso em: 30 set. 2021.

MARTIRE, Antonio. Innovación mediática y arquitectura escolar: la transformación de


los espacios de aprendizaje en secundaria. Tesis doctoral. Universitat Autònoma de
Barcelona. Programa de Doctorado em Comunicación y Periodismo, Julio de 2017

PLONSKI, G. A. Inovação em transformação. Estud. av. [online], São Paulo, v. 31, p. 7-21,
Maio 2017. Disponivel em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142017000200007>. Acesso em: 16 fev. 2021.

SAVIANI, D. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses


sobre educação e política. 32. ed. Campinas - SP: Autores Associados, 1999. 99 p.

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SIBILIA, P. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Tradução de Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. 222 p.

Vittra. Disponível em: <https://vittra.se/frosunda/om/grundskola/>. Acesso em: 20 fev. 2021

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RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

RESGATE DOCUMENTAL DO PATRIMÔNIO MODERNO ATRAVÉS DE


FERRAMENTAS DIGITAIS: O MUSEU DE ARTE MODERNA DE RECIFE.
ACÁCIO GIL BORSÓI.1954

Alcilia Afonso De Albuquerque E Melo (kakiafonso@hotmail.com)

O artigo que se pretende apresentar no evento possui como tema, o resgate


documental do patrimônio moderno através de ferramentas digitais, tomando
como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto Acácio Gil Borsói,
que seria implantado no bairro da Boa Vista, na Rua da Aurora, em Recife, em
1954: o Museu de Arte moderna de Recife. O projeto foi publicado no jornal “A
Folha da Manhã”, em uma coluna dominical produzida pelo IAB.PE, e nela
continha um pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas das
plantas baixas dos três níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à
mão de autoria do arquiteto e a fachada principal com acesso à paisagem do
rio Capibaribe. O objetivo é analisar arquitetonicamente a obra, simulando
virtualmente a sua construção através do uso da plataforma BIM, gerando um
novo material documental, baseado naqueles desenhos publicados no jornal
dos anos 50. O uso das ferramentas digitais interagindo programas como
Autocad, Revit e Adobe Photoshop proporcionam uma realidade virtual que
possibilitam uma compreensão e apreensão do objeto arquitetônico, de forma
critica e construtiva, trabalhando com desenhos bidimensionais e
tridimensionais mais precisos, que fornecem as condições para a reconstrução
virtual do projeto, adotando materialidades presentes nas soluções construtivas
e tectônicas do arquiteto na década de 50, em Recife. Justifica-se apresentar
os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz à tona, o
diálogo contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com
as novas tecnologias, que podem e devem apoiar proposições na área do
chamado” patrimônio inteligente”, tema que também será abordado no artigo.
Documentar é um ato essencial (ICOMOS, 1996) uma vez que permite fazer
com que se desenvolvam o crescimento e a compreensão do patrimônio
cultural, de seus valores e de sua evolução. A produção do arquiteto carioca
radicado em Recife foi objeto de estudo de várias teses doutorais, mas de
forma inédita, vem sendo enfocado em estudos realizados pelo grupo de
pesquisa Arquitetura e Lugar da UFCG, que desenvolve atualmente, entre
outras investigações- um trabalho de reconstrução virtual de obras do arquiteto,
que tanto influenciou profissionais no nordeste brasileiro. A metodologia da
pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) a de reconstrução do objeto
arquitetônico (Piñón, 1996), que através da coleta em fontes primárias e
secundárias redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas
digitais, produzindo um novo e rico material documental para possibilitar a
análise do objeto; 2) a de análise das dimensões arquitetônicas da obra
(Afonso, 2019), abordando as questões normativas, históricas, espaciais (do
lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura, cobertura,
peles, detalhes e materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica,)
formal e de conservação.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

EDIFÍCIOS DE APARTAMENTO DE EMIL BERED

Angela Cristiane Fagundes


(ANGELACRISTIANEFAGUNDES@HOTMAIL.COM)

Maite Trojahn Oliveira (MAITE_TROJAHN@HOTMAIL.COM)

Silvio Belmonte De Abreu Filho (silvio.abreu.arq@gmail.com)

O tema deste artigo é a arquitetura moderna gaúcha com enfoque na produção


arquitetônica do arquiteto Emil Bered. A trajetória profissional de Emil Bered
cobre quase toda a segunda metade do século XX, em contribuição
fundamental para a introdução, difusão e consolidação da arquitetura moderna
no sul. Mesmo tendo a qualidade e relevância da sua produção arquitetônica
reconhecida em todos os estudos da arquitetura moderna gaúcha, as
publicações disponíveis não abordam o conjunto da obra; encontramos apenas
estudos parciais que documentam alguns edifícios mais conhecidos da sua
produção.
O artigo é parte de uma pesquisa para documentar sua obra completa, e tem
como base dois trabalhos de mestrado em desenvolvimento. Os objetivos
gerais da pesquisa são contribuir para o conhecimento da arquitetura moderna
no contexto brasileiro e local do pós guerra aos anos 1980, através do estudo
da obra de um de seus mais destacados arquitetos; coletar, documentar e
organizar a obra de um arquiteto exemplar da modernidade, contribuindo para
a constituição de seu inventário e acervo; e empreender a análise crítico-
comparativa dos projetos, contribuindo para o aprofundamento de um quadro
de referência teórico e suas dimensões críticas e historiográficas.

Neste artigo optou-se por recortes tipológico e temporal específicos,


envolvendo uma amostra da produção de edifícios de habitação coletiva de
autoria de Bered na cidade de Porto Alegre, nos anos 50 a 70. O recorte
compreende os edifícios Linck, Redenção, Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
Nogarô, Nilza Esther e Amazonas, dos anos 50, e os edifícios Christoffel, Faial,
Novo Parque, Sinuelo, Condado de Luzerne, Florença e Pennsylvania, dos
anos 60.

O objetivo específico do trabalho é o registro sistemático da documentação e


análise crítica comparativa de estudos de casos, anteriores e posteriores ao
Plano Diretor de 1959, permitindo situar a produção de Bered no contexto da
arquitetura residencial moderna do período. A análise destaca o processo de
geração de projeto, os elementos compositivos e de arquitetura utilizados, as
circunstâncias de contexto, legislação e encargo, e as relações com o
desenvolvimento dos paradigmas disciplinares. Além de expandir a
documentação da obra do arquiteto, o registro contribui pela qualidade e
exemplaridade da amostra para o avanço do conhecimento referente ao projeto
da habitação coletiva na arquitetura moderna gaúcha e brasileira no período
em estudo.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ESPAÇOS INOVADORES E SUPORTE TECNOLÓGICO: OS DESAFIOS DA


ARQUITETURA ESCOLAR

Paula Roberta Ramos Libos (paulalibos@gmail.com)

Benedito Dielcio Moreira (dielcio.moreira@gmail.com)

O espaço escolar nunca foi tão discutido como nos últimos anos. Com o
advento da COVID-19, a metamorfose da tipologia do edifício escolar surge de
acordo com as novas necessidades da sociedade e objetiva atender demandas
relacionadas tanto ao contexto do distanciamento social quanto a cultura
digital. Os edifícios escolares, aqueles nos quais estão inseridas as atividades
educativas, possuem papel importante no debate sobre a convivência. Os
projetos com tipologia inovadora estão centrados na preocupação estética,
integração com o meio ambiente, continuidade espacial entre salas, circulação
e processos de ensino/aprendizagem: o espaço arquitetônico protagoniza na
estrutura de construção de conhecimento, atendendo a espacialização de
programas educativos.
Arquitetonicamente, os espaços escolares libertam, a nova geração abordada
por Paula Sibilia assumem uma experimentação mais ousada, permitem que a
cultura digital já presente nas práticas de alunos e professores e em diferentes
métodos em ensino/aprendizagem questione os espaços escolares tradicionais
e avance de forma a gerar novos atributos para a concepção de espacialidades
nas escolas. Apesar do avanço digital, projetos arquitetônicos ainda são em
sua maioria desenvolvidos com propostas conservadoras para Doris
Kowaltowski. No entanto, projetos escolares inovadores encontrados em várias
partes do mundo, como no Vietnam, Japão, Alemanha, Finlândia e Brasil
mostram que é preciso refletir sobre esse novo mundo digital também na
concepção de novas escolas. Antonio Martire debate a necessidade da
renovação dos espaços, atrativos, com diferentes dinâmicas de uso: espaços
criados e destinados a diferentes atividades. Aberturas generosas e ventilação
natural possibilitam que a luz e os ventos penetrem no interior dos edifícios;
tratamento acústico garante privacidade no espaço de aprendizagem; áreas
internas e externas dialogam com a natureza e o meio ambiente, entre outas
soluções que possibilitam a inclusão de alunos e professores na cultura digital.

A relação que a arquitetura tem com o ambiente escolar participa ativamente


na poética do espaço, enquadramento de Gaston Barchelard, exerce influência,
reflete nos modos de ocupação, desloca significados e possibilita uma
interpretação ampliada da leitura arquitetônica. Os espaços inovadores
atendem diferentes atividades, são flexíveis e contemplam a integração dos
públicos, com tecnologia, praticidade e estética capazes de atender estudantes
e professores conectados.

Percebe-se a relevância da diferenciação tipológica do edifício escolar


tradicional e o inovador, principalmente para um debate em torno de demandas
contemporâneas da cultura digital em que o jovem estudante do século XXI
está inserido e é, reconhecidamente, um dos protagonistas. Reflexões em
torno desse tema abordam a poética espacial e a indispensabilidade de tornar
esses espaços interativos, dialogando com o público escolar e o mundo digital.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

EDIFÍCIOS DE APARTAMENTOS DE EMIL BERED

ABREU FILHO, SILVIO B. (1); FAGUNDES, ANGELA C. (2) OLIVEIRA, MAITÊ T.(3)

1. UFRGS. PROPAR
R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
silvio.abreu.arq@gmail.com

2. UFRGS. PROPAR
R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
angelacristianefagundes@hotmail.com

2. UFRGS. PROPAR
R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
maite_trojahn@hotmail.com

RESUMO

O tema deste artigo é a arquitetura moderna gaúcha com enfoque na produção arquitetônica do arquiteto
Emil Bered. A trajetória profissional de Emil Bered cobre quase toda a segunda metade do século XX, em
contribuição fundamental para a introdução, difusão e consolidação da arquitetura moderna no sul. Mesmo
tendo a qualidade e relevância da sua produção arquitetônica reconhecida em todos os estudos da
arquitetura moderna gaúcha, as publicações disponíveis não abordam o conjunto da obra; encontramos
apenas estudos parciais que documentam alguns edifícios mais conhecidos da sua produção. O artigo é
parte de uma pesquisa para documentar sua obra completa, e tem como base dois trabalhos de mestrado
em desenvolvimento. Os objetivos gerais da pesquisa são contribuir para o conhecimento da arquitetura
moderna no contexto brasileiro e local do pós guerra aos anos 1980, através do estudo da obra de um de
seus mais destacados arquitetos; coletar, documentar e organizar a obra de um arquiteto exemplar da
modernidade, contribuindo para a constituição de seu inventário e acervo; e empreender a análise crítico-
comparativa dos projetos, contribuindo para o aprofundamento de um quadro de referência teórico e suas
dimensões críticas e historiográficas. Neste artigo optou-se por recortes tipológico e temporal específicos,
envolvendo uma amostra da produção de edifícios de habitação coletiva de autoria de Bered na cidade de
Porto Alegre, nos anos 50 a 70. O recorte compreende os edifícios Linck, Redenção, Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Nogarô e Nilza Esther, dos anos 50, e os edifícios Christoffel, Faial, Novo Parque, Sinuelo,
Condado de Luzerne e Florença, dos anos 60/70. O objetivo específico do trabalho é o registro sistemático
da documentação e análise crítica comparativa de estudos de casos, anteriores e posteriores ao Plano
Diretor de 1959, permitindo situar a produção de Bered no contexto da arquitetura residencial moderna do
período. A análise destaca o processo de geração de projeto, os elementos compositivos e de arquitetura
utilizados, as circunstâncias de contexto, legislação e encargo, e as relações com o desenvolvimento dos
paradigmas disciplinares. Além de expandir a documentação da obra do arquiteto, o registro contribui pela
qualidade e exemplaridade da amostra para o avanço do conhecimento referente ao projeto da habitação
coletiva na arquitetura moderna gaúcha e brasileira no período em estudo.

Palavras-chave: Emil Bered; Arquitetura moderna gaúcha; Edifícios de apartamento

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Edifícios de apartamentos de Emil Bered

O tema deste artigo é a arquitetura moderna gaúcha com enfoque na produção arquitetônica do
arquiteto Emil Bered, através da análise crítico-comparativa de seus edifícios. A investigação
procura relacionar, documentar e analisar uma amostra da obra de habitação coletiva,
produzindo um registro sistemático do seu trabalho antes e depois do Plano Diretor de 1959/61 e
identificar influências e contribuições para a construção de uma identidade moderna na
arquitetura gaúcha. Nascido em Santa Maria (RS) em 1926, Emil Achutti Bered ingressou na
primeira turma do Curso de Arquitetura do Instituto de Belas Artes em 1946, formou-se em 1949
e iniciou imediatamente sua vida profissional em Porto Alegre. Projetou muito intensamente
desde então, em parceria com seus colegas Salomão Kruchin, que foi seu sócio durante os anos
50, e Roberto Félix Veronese, e depois com outros parceiros ou individualmente.

A trajetória profissional de Emil Bered cobre quase toda a segunda metade do século XX, em
contribuição fundamental para a introdução, difusão e consolidação da arquitetura moderna no
sul. Mesmo tendo a qualidade e relevância da sua produção arquitetônica reconhecida em todos
os estudos da arquitetura moderna gaúcha, as publicações disponíveis não abordam o conjunto
da obra; encontramos apenas estudos parciais que documentam alguns edifícios mais
conhecidos da sua produção.

O artigo é parte de uma pesquisa para documentar sua obra completa, e tem como base dois
trabalhos de mestrado em desenvolvimento. Os objetivos gerais da pesquisa são contribuir para
o conhecimento da arquitetura moderna no contexto brasileiro e local do pós guerra aos anos
1980, através do estudo da obra de um de seus mais destacados arquitetos; coletar, documentar
e organizar a obra de um arquiteto exemplar da modernidade, contribuindo para a constituição
de seu inventário e acervo; reunir a fortuna crítica e empreender a análise crítico-comparativa
dos projetos, contribuindo para o aprofundamento de um quadro de referência teórico e suas
dimensões críticas e historiográficas.

O objetivo específico do trabalho é o registro sistemático da documentação e análise crítica


comparativa de estudos de casos, anteriores e posteriores ao Plano Diretor de 1959, permitindo
situar a produção de Bered no contexto da arquitetura residencial moderna do período. A análise
destaca o processo de geração de projeto, os elementos compositivos e de arquitetura
utilizados, as circunstâncias de contexto, legislação e encargo, descrição e interpretação crítica
de seus aspectos urbanos, programáticos, tipológicos e formais e as relações com o
desenvolvimento dos paradigmas disciplinares. Além de expandir a documentação da obra do
arquiteto, o registro contribui pela qualidade e exemplaridade da amostra para o avanço do

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conhecimento referente ao projeto da habitação coletiva na arquitetura moderna gaúcha e
brasileira no período em estudo.

Neste artigo optou-se por um recorte tipológico específico, estudos de casos de habitação
coletiva (edifícios de apartamentos, principalmente em altura) de autoria de Emil Bered em Porto
Alegre. Em função da relevância de sua produção em período extenso que vai de 1950 aos anos
1980, adotou-se um duplo recorte temporal: o período inicial de expansão metropolitana e
verticalização das áreas mais centrais e principais radiais da cidade, com a introdução e difusão
da arquitetura moderna (1940-1960), e o período sob hegemonia do Plano Diretor de 1959-61
(1960-1980). Os recortes se justificam pela produção do arquiteto no período se orientar por
duas visões quase opostas de cidade, uma baseada na inserção de exemplares de arquitetura
moderna na cidade tradicional, com a construção baseada no regime de alinhamento e gabarito
com alturas proporcionais à largura da via, rua-corredor e quarteirão periférico, e outra baseada
em uma nova espacialidade, de caráter fundamentalmente moderno, do edifício isolado no lote
com recuos proporcionais à altura, e do quarteirão aberto.

Do ponto de vista analítico o artigo tem foco nas estratégias de projeto e no repertório de
elementos de arquitetura e de composição utilizados pelo arquiteto em seus projetos, antes e
depois do Plano Diretor de 1959-61. Os edifícios foram selecionados levando em consideração a
qualidade e representatividade dentro do recorte, as situações de implantação (esquina e meio
de quadra), a utilização diferenciada de elementos de arquitetura e de composição, e a
oportunidade de apresentar material documental inédito. O recorte compreende 6 exemplares do
Primeiro Período, os edifícios Linck, Redenção, Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Nogarô e Nilza
Esther, todos dos anos 50, e 6 exemplares do Segundo Período, os edifícios Christoffel, Faial,
Novo Parque, Sinuelo, Condado de Luzerne, e Florença, dos anos 60-70.

Primeiro período

Edifício Linck

Localizado num “cul-de-sac”, o Edifício Linck, de 1952, foi o primeiro encargo de porte da equipe
de Bered, Kruchin e Veronese. O terreno com frente norte e declive em relação à via propiciou
um edifício composto de subsolo, térreo e oito pavimentos tipo com dois apartamentos de 220
m² por pavimento e um apartamento térreo aproveitando o declive.

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O partido adotado foi dispor em dois corpos transversais ocupando toda a largura do terreno
duas prumadas de apartamentos por andar em placas paralelas unidas por um elemento de
circulação vertical que incorpora algumas peças de serviço, numa planta baixa em forma de “H”.
Os dois corpos são praticamente simétricos, com dependências principais – salas e três
dormitórios – para frente e fundos e dependências de serviço para duas áreas internas de
iluminação.

A composição formal do edifício define um corpo de volume opaco perfurado por aberturas
apoiado sobre uma base em pilotis frontal em primeiro plano com os acessos, e um fundo com
dependências condominiais e o apartamento térreo. A fachada frontal principal é tratada em
grelha horizontal com plano ressaltado em relação às paredes laterais da divisa, formando uma
caixa saliente de fatias definidas pelas linhas das lajes e balcões. A estratégia atende à
necessidade de proteção solar da orientação norte com um plano virtual de diferentes
profundidades que permite localizar balcões junto a salas e dormitório principal e peitoris simples
alocando mais superfície aos outros dois dormitórios. Luccas nota que a solução, “de linhas
horizontais predominantes, foi resolvida de forma atípica, afastando-se do precedente da grelha
ortogonal presente na Arquitetura Moderna brasileira de vertente corbusiana”, associando o
arranjo com predomínio de linhas horizontais a antecedentes como a composição frontal do
Banco Boa Vista (1946) de Niemeyer (LUCCAS, 2004). Ströher aponta certa ambiguidade na
expressão formal das funções, com o balcão frontal das salas e dormitório principal com
acabamento em gradil metálico, e os outros dois dormitórios em peitoril de volume avançado
marcado por revestimento em cor marrom (STRÖHER, 1997). No bloco dos fundos, são
eliminados os balcões.

No espaço correspondente ao apartamento de frente, o térreo recebe uma área coberta em


pilotis de cinco vãos por dois intercolúnios de profundidade, com sinuoso desenho de jardineiras
que se estendem para o interior formando um jardim em área interna aberta, com acessos
laterais para garagem, escada de acesso a hall e portaria e um depósito cuja parede serve de
fundo para um painel de pastilhas vitrificadas de Saulo Gomes marcando a entrada.

Edifício Redenção

A posição de esquina em frente ao Parque Farroupilha propiciou ao Edifício Redenção, de 1955,


um partido compacto em formato de “L” com uma área interna aberta, fiel à morfologia do
quarteirão periférico tradicional. A necessidade de estacionamentos foi utilizada com a elevação
do térreo em relação ao passeio, conferindo privacidade ao ambiente, um pódio para o pilotis de
ingresso e acomodação para garagem no semi-subsolo.

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O volume resulta numa falsa “caixa” compositiva corbusiana de nove pavimentos sobre o pilotis
elevado, com duas fachadas para a via pública. Visualmente, assemelha-se a uma barra
alinhada sobre a Rua da República, mas com a inversão da empena principal. A fachada menor
tem orientação nordeste, a maior sudeste e o partido distributivo reconhece essa circunstância
organizando três apartamentos de três dormitórios por pavimento, com acesso social e de
serviços independentes pelo emprego de três elevadores. Pequeno balanço sobre o passeio em
2/3 da testada da Rua da República, facultado pela legislação da época, marca o acesso
principal e propicia a definição de três superfícies exteriores do volume edificado que demarcam
os apartamentos do tipo. Nos dois apartamentos de esquina, salas e dormitórios voltam-se para
as vias públicas, correspondentes a quatro vãos em um e cinco vãos no outro, e as demais
peças para área interna ou faixa livre na divisa do lote; o terceiro apartamento tem sala e dois
dormitórios para a rua, correspondentes a três vãos, e um dormitório voltado para o interior.

No corpo do edifício, os elementos de arquitetura são organizados por grelha quadrangular


definida pela divisão interna das peças principais e pelas lajes de entrepiso, com cadência
modulada por retângulos coloridos em baixo relevo sob os peitoris.

Os elementos de arquitetura estão claramente definidos no térreo, com uma mureta de pedra
que contorna parte do edifício, os pilotis altos, as esquadrias de fechamento do hall, um painel
de cerâmica que marca a transição da área social para a entrada de serviço, e a esquadria da
loja justapondo-se até a divisa lateral. Seu maior valor está na bela solução do pilotis no térreo
elevado.

Edifício Nogarô

O Edifício Nogarô, de autoria dos arquitetos Bered e Kruchin, está situado na esquina das ruas
Castro Alves e Doutor Florêncio Ygartua. O edifício de 1957 possui três pavimentos, com quatro
apartamentos por pavimento que conta com uma implantação peculiar, para melhor aproveitar a
área da esquina: optou-se por ocupar os limites de frente do terreno, exceto um pequeno espaço
não ocupado junto a divisa esquerda e o vazio central, necessário para ventilar e trazer
iluminação natural para os espaços de serviço. Outra solução foi de fazer dois acessos
independentes, formando dois blocos autônomos, embora unidos, inclusive, formando,
visualmente um volume único.

Um dos blocos, acessado pela rua Castro Alves, dispões, no térreo, de um apartamento de um
dormitório e um de dois dormitórios. Nos pavimentos tipos segue a mesma configuração com um
pequeno acréscimo de área no apartamento maior.

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No outro bloco, acessado pela rua Doutor Florêncio Ygartua, dispõe no térreo, de um
apartamento de um dormitório e um de dois dormitórios. Nos pavimentos tipos cada apartamento
sofre um acréscimo de um dormitório.

É possível verificar no edifício a composição formal dos planos verticais obedecendo uma
regularidade nos pavimentos tipo, decorrentes da distribuição da planta baixa, distinta da que
ocorre no pavimento térreo, que também corresponde a organização dos ambientes em planta.

Edifício Rio Grande do Sul

O Edifício Rio Grande do Sul, de 1957, está sobre terreno retangular de meio de quadra na Rua
24 de Outubro. Local, contexto e programa levaram Bered e Kruchin à proposta de um partido
com lançamento do volume edificado afastado das divisas e um apartamento por pavimento. O
volume vertical é caracterizado pela justaposição de dois prismas de base retangular, um corpo
maior opaco ao fundo, onde a massa edificada é predominante em relação às aberturas e uma
“caixa de vidro” à frente, marcada horizontalmente por vigas/floreiras que definem os pavimentos
(STRÖHER, 1997). A viga floreira e os panos de esquadrias contínuas tripartidas
horizontalmente que compõem a fachada encobrem a estrutura vertical do edifício. As colunas
recuadas da fachada nas salas de estar transmitem o conceito de independência estrutural,
apresentando os quatro pilares circulares contra o envidraçamento, e aparecem no térreo,
insinuando pilotis frontal. A composição é coroada pelo bloco posterior da edificação, um pouco
mais alto que o frontal.

O térreo adota a tipologia de base extensa, com cinco módulos de divisa a divisa. O
aproveitamento do térreo dá-se com lojas em dois módulos junto à divisa oeste; dois módulos
recebem o acesso social com hall de elevador e portaria, tendo ao fundo escada, hall de serviço
e apartamento de zelador; o último módulo é recuado da divisa leste com passagem que permite
acesso lateral à entrada de serviço e para a garagem com 18 vagas em corpo isolado aos
fundos, ventilado por poço inglês. Sobre a área de garagem um terraço evidencia o cuidado do
arquiteto no tratamento do espaço aberto.

O pavimento tipo de 360m² tem planta de base quadrada (um “T” tendendo ao cruciforme), com
o núcleo de circulação vertical como outro quadrado inscrito ao centro. Essa localização permite
setorização e adequada distribuição espacial às áreas social, íntima e de serviços do amplo
apartamento de 330m². Os três dormitórios estão a fundos, à norte, com um balcão contínuo em
balanço. Os serviços são voltados para oeste. A área social desenvolve-se na frente, a sul, com
a sala de estar ocupando todo o volume frontal, sala de jantar no volume de fundos a oeste e
lavabo e gabinete a leste.
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Para Luccas o edifício abordava de forma inaugural o tema do apartamento moderno de luxo,
afastado das divisas (LUCCAS, 2016). Mesmo ainda não obrigatórios pela legislação e no caso
limitadas aos 1,5m regulamentares do Código Civil, a solução já tinha sido adotada em outros
prédios similares de arquitetura tradicional da década, como o Edifício Querência na mesma rua,
e o Edifício Arachane na Praça Maurício Cardoso.

Edifício Nilza Esther

O Edifício Nilza Esther foi projetado por Bered e Kruchin em 1957, está situado na Rua 24 de
Outubro com frente sul. O projeto original do edifício agrega programa comercial no térreo e
desenvolve-se em duas barras unidas por um volume que abriga a circulação vertical,
configurando um partido em forma de “H”, ocupando-o até os seus limites de divisas. Entretanto,
apenas a ala frontal foi executada.

O projeto original dispõe em dois corpos transversais ocupando toda a largura do terreno quatro
apartamentos de três dormitórios por andar (dois apartamentos no caso do Edifício Linck) em
placas paralelas unidas por um elemento de circulação vertical que incorpora algumas peças de
serviço, numa planta baixa em forma de “H”. Os dois corpos seriam praticamente simétricos ao
longo de um eixo transversal, mas não seriam simétricos entre si, diferenciando-se em função da
posição (frente e fundos) e orientação (sul e norte), com dependências principais – duas salas e
um ou dois dormitórios – para frente e fundos e dependências de serviço e dormitórios para duas
áreas internas de iluminação. A ala executada refere-se aos apartamentos de frente sul, dois
dormitórios, inclusive o principal tipo suíte, são voltados para a área de iluminação a norte; na
ala não executada seriam os apartamentos de fundos, com a disposição inversa, com dois
dormitórios (inclusive o principal) para o norte e um para a área de iluminação a sul.

No projeto implantado são onze pavimentos tipo, com dois apartamentos de 140 m² por
pavimento, servidos por circulação única dotada de escada e três elevadores.

O pilotis frontal neste caso assemelha-se a uma colunata de dupla altura, com os pilares frontais
arredondados e revestidos por pastilhas, com o pé direito um pouco maior, configurando uma
espécie de galeria que forma um espaço protegido na frente do acesso e das lojas.

A fachada principal é organizada por uma grelha quadrangular, definida pela divisão interna das
peças principais e pelas lajes dos entrepisos, a mesma solução adotada anteriormente no
Edifício Redenção em arranjo com maior complexidade. A grelha ocupa o pequeno balanço
frontal, demarcando e proporcionando mais espaço para as peças principais dos dois

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apartamentos de frente, mas sua composição é marcadamente horizontal. No corpo frontal do
prédio, as laterais trazem sequencias de janelas de banheiros com molduras.

No corpo de fundos o tratamento seria mais simplificado, sem a grelha em balanço, apenas
marcado pela sequência de janelas das peças principais.

Edifício Porto Alegre

Situado em um lote de esquina, o Edifício Porto Alegre, projeto de Bered e Kruchin em 1958
ocupa uma posição triangular do terreno de esquina entre as ruas Jerônimo Coelho e Duque de
Caxias, propiciando um “edifício que se desenvolve ocupando as divisas, voltado para as duas
ruas, condicionado por um eixo que passa pelo vértice do ângulo agudo do terreno e distribui,
simetricamente, os quatro apartamentos por andar tipo. No térreo, o mesmo eixo condiciona a
disposição dos elementos de composição.” (STRÖHER, 1997). O edifício possui 12 pavimentos
elevados por pilotis.

O volume experimenta a plasticidade do sistema compositivo utilizado, resultando numa “caixa”


recortada em três laterais, suspensa sobre pilotis, conformando a esquina com características
distintivas na malha urbana tradicional de Porto Alegre. As duas fachadas voltadas para a via
pública abrigam os dormitórios e salas de estar e ainda uma faixa de cobogós presente nas
áreas de serviço, extensões da cozinha. No encontro dos vértices, na esquina, uma terceira
fachada corta o vértice do triângulo com dois planos perpendiculares à cada via pública,
composta pelos peitoris dobrados dos balcões.

As plantas baixas do pavimento tipo são compostas por quatro apartamentos espelhados pelo
eixo que passa no vértice do triângulo. Os dois apartamentos situados na divisa do lote são
recuados e possuem um dormitório, os outros dois apartamentos que conformam a esquina são
salientes e possuem dois dormitórios. A área de circulação vertical possui localização central. As
plantas baixas do pavimento-tipo são resolvidas a partir do eixo divisório, como se os retângulos
formados por apartamentos dois a dois sofressem uma compressão para se acomodarem ao
ângulo. (STRÖHER, 1997). A planta baixa do térreo é definida por uma faixa de lojas na divisa
do lote, um volume que abriga transformadores, elevadores e o hall, contornado por duas
escadas e floreiras que arrematam a esquina.

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Figura 1: Edifícios do1° período, em sentido horário: 1) Edifício Linck 2) Edifício Redenção 3) Edifício
Nogarô 4) Edifício Rio Grande do Sul 5) Edifício Nilza Esther 6) Edifício Porto Alegre.Fonte: Imagem 6
produzida por César Vieira, demais imagens produzidas pelos autores.

Figura 2: Plantas dos edifícios do1° período.Imagem produzida pelos autores.

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Segundo período 1960/80

Edifício Faial

Em um lote de esquina em diagonal à Praça da Matriz, em um terreno pequeno, mas de


localização privilegiada, localiza-se o Edifício Faial, projetado por Bered em 1962. A posição de
esquina propiciou um partido compacto, fiel à morfologia do quarteirão periférico tradicional, com
12 pavimentos tipo mais térreo elevado sob pilotis-galeria e subsolo de estacionamentos.

O volume é caracterizado pela diferenciação de materiais conforme o setor representado na


planta: serviços com cobogós, social totalmente envidraçado e íntimo em faixas horizontais de
peitoris e esquadrias horizontais contínuas com fechamento em persianas de madeira.

A planta tipo é composta por um apartamento por pavimento, de três dormitórios, todos voltados
para a Rua Jerônimo Coelho, enquanto a sala de estar e jantar ocupa a esquina, e a cozinha e
serviços são voltados para o Largo. O térreo é composto por uma galeria sob pilotis, exigência
do código de obras, um abrigo para o playground e zelador, e na divisa do lote, na Rua Jerônimo
Coelho, acesso às garagens no subsolo.

Edifício Christoffel

O Edifício Christoffel foi um dos primeiros empreendimentos residenciais regulado pelas


diretrizes urbanísticas de inspiração moderna introduzidas pelo Plano Diretor de 1959,
esboçando de modo pioneiro a solução do edifício isento das divisas, plenamente isolado no
lote. O terreno de frente oeste, levemente elevado em relação ao passeio, está localizado em
“cul-de-sac”. Bered lançou um partido em volumetria prismática com 9 pavimentos sobre pilotis,
com dois apartamentos de 250m² por pavimento, todos de frente.

Os apartamentos utilizam-se de transparências e painéis vazados para integrar ou dividir os


espaços sociais, compostos de vestíbulo, salas de estar e jantar, gabinete e jardim de inverno.
Para proteger as áreas envidraçadas da fachada principal do poente, foram utilizadas sacadas e
painéis de elementos vazados cerâmicos (cobogós). Os balcões se projetam em balanço, cujas
laterais são envidraçadas e os planos em cobogós destacam-se sobre a fachada, encobrindo
parcialmente as esquadrias de gabinetes e salas de estar, e se contrapõem aos planos cegos
revestidos em pastilhas.

O pavimento térreo em pilotis frontal é predominantemente livre, abrigando hall e circulações,


dependências de zelador e equipamentos, playground e jardins. Um pequeno muro de pedra

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delimita o alinhamento, sugerindo um podium. O projeto recebeu a medalha de bronze no II
Salão de Arquitetura do Rio Grande do Sul em 1962.

Edifício Novo Parque

O Edifício Novo Parque foi projetado e executado por Bered para atender uma demanda familiar,
e está situado em frente ao Parque Moinhos de Vento, então em implantação. O edifício
desprende-se das divisas, configurando um pequeno volume prismático, isolado no lote, sobre
pilotis com o térreo parcialmente ocupado pelo hall de acesso, serviços e um pequeno
apartamento a fundos. Sobre o pilotis configuram-se três pavimentos tipo com três unidades
habitacionais de 170 m², uma por pavimento.

A composição formal utiliza a mesma marcação horizontal das lajes de entrepiso presente no
Edifício Christoffel, mas os balcões são visualmente mais leves, com peitoris de vidro sobre um
simples balanço de laje.

Todos os apartamentos desfrutam da vista para o parque a partir da área social, voltada para
nascente. O acesso ao apartamento é por meio de um generoso vestíbulo, em referência aos
vestíbulos dos antigos casarões da Avenida Independência, que setoriza a zona social e a zona
intima do apartamento, constituída de 3 dormitórios, todos a norte, sendo um deles suíte com
balcão, além de uma sala de estar/jantar íntimo, com as zonas de serviços a sul com acesso
independente (LIMA, 2005).

Edifício Florença

Situado na Rua Riachuelo esquina com Rua General Câmara, o Edifício Florença desenvolve-se
em 12 pavimentos, térreo e subsolo. Possui duas fachadas voltadas para a via pública, a
fachada da Rua Riachuelo, de orientação solar sul e a da Rua General Câmara, de orientação
solar leste.

O edifício desenvolve-se em bloco compacto em forma de F, uma barra com duas adições de
volumes, notadas apenas em planta. A primeira abriga a circulação vertical e dependências de
serviço e a outra é uma extensão de um dormitório voltado para a Rua General Câmara, para
dar fechamento ao lote. Visualmente, o edifício é percebido como uma barra alinhada com a Rua
Riachuelo.

Os elementos de composição distribuem-se no corpo do edifício em grelha horizontal e são


representados nas fachadas pelo envidraçamento das salas ao centro e janelas de dormitórios

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nos lados e na fachada da Rua General Câmara. A base, com pé direito alto e ampla área
coberta com pilotis, destaca-se pela porosidade e pelas fortes linhas de sombra.

Os elementos de arquitetura são definidos no térreo por uma galeria pública coberta prevista
pela legislação, composta por pilotis, hall social, serviços e playground. No corpo do edifício, os
elementos de arquitetura são condicionados por faixas horizontais definidas pelas lajes de
entrepiso e vigas de vergas/peitoris em cor amarela nas amplas aberturas envidraçadas das
salas, com uma diferenciação na fachada entre estas e os panos dos dormitórios, perfurados por
aberturas discretas protegidas por persianas.

Na planta baixa do térreo, praticamente ocupando todo o lote, os elementos de composição


distribuem-se a partir do apartamento do zelador que, elevado em relação ao passeio, abriga o
acesso do estacionamento embaixo e marca o limite com o vizinho; atrás do apartamento do
zelador situam-se os serviços, todos conectados ao hall de acesso social, portaria, playground e
galeria coberta.

Edifício Sinuelo

O Edifício Sinuelo, elaborado por Bered em 1967, situa-se na mesma quadra do Edifício
Christoffel, seu vizinho de fundos. Num período em que as diretrizes do Plano Diretor de 1959 já
estavam plenamente incorporadas, o edifício desenvolve-se afastado das divisas em um terreno
frente sudeste, elevado em relação ao passeio da Rua 24 de Outubro.

O volume prismático configurado pela forma e proporção 1x3 do lote abriga 7 pavimentos com
um apartamento de cerca de 220 m² cada, sobre o pavimento térreo com pilotis elevado,
apartamento de zelador, serviços e hall de acesso com circulações verticais. Os recuos laterais
do terreno configuram os acessos aos estacionamentos, com rampas dos dois lados. O terço
médio frontal do edifício é ocupado pela área social, com ampla sala de estar com 40 m² em
toda a extensão da fachada; os dormitórios estão na face lateral leste e fundos, com o dormitório
principal dotado de balcão a norte, e as dependências de serviço e circulações na lateral oeste.
O acesso ao apartamento ocorre pelo vestíbulo, próximo à sala de jantar e sala de estar, e o
espaço da copa determina os limites da setorização dos ambientes íntimo, social e de serviço,
ao centro do apartamento.

A composição da fachada principal utiliza uma grelha horizontal de duas faixas em toda a
extensão, a faixa da esquadria contínua da sala e faixa de peitoris de alvenaria revestida de
pastilhas, apoiada lateralmente em panos verticais de alvenaria revestidas de pastilhas, como
grandes painéis estruturais de apoio de tradição brutalista. As laterais do prédio recebem faixas

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similares de janelas contínuas e peitoris azuis, porém encaixadas no volume, finalizando o pano
de fachada lateral e a fundos com um volume opaco de alvenaria perfurado por janelas discretas
e pelo balcão profundo do dormitório principal.

No térreo, um muro de arrimo no alinhamento configura o limite do jardim frontal elevado,


proporcionando um pódio para o assentamento do prédio e conferindo privacidade ao pilotis.

Edifício Condado de Luzerne

O Edifício Condado de Luzerne, de 1973, está localizado na Rua 24 de Outubro, em frente ao


Sinuelo. Desenvolve-se afastado das divisas em um terreno com frente norte, em dois volumes
prismáticos que abrigam 7 pavimentos com um apartamento de cerca de 140 m² cada, sobre o
pavimento térreo com lojas comerciais, apartamento de zelador e hall de acesso com circulações
verticais. Há ainda um pavimento de estacionamentos em subsolo.

A área social, com ampla sala de estar de 30 m², ocupa dois terços da fachada frontal norte, com
os três dormitórios voltados para a face lateral leste, onde o dormitório principal a fundos é
dotado de banheiro privativo, e as dependências de serviço e circulações estão concentradas no
volume lateral oeste. O acesso ao apartamento ocorre pelo vestíbulo, localizado junto à sala de
jantar e sala de estar. O espaço destinado à cozinha determina os limites da setorização dos
ambientes íntimo, social e de serviço, mais ou menos ao centro do apartamento. A unidade do
segundo pavimento dispõe de um terraço individual, resultante do recuo lateral acima da loja
térrea e os dormitórios desfrutam desse benefício.

A composição da fachada principal utiliza faixas horizontais em toda a extensão da sala,


configurada por faixa da esquadria contínua e faixa de viga com verga/peitoril. Para compensar o
ritmo horizontal, foi aplicada uma grelha vertical de montantes metálicos. A esquadria foi
desenvolvida pelo arquiteto para solucionar a insolação norte da fachada e dispõe de persianas.
A composição vertical é bipartida, com um bloco predominantemente opaco que abriga a
circulação vertical, um pouco mais alto que o bloco de vidro e esquadrias, e recuado numa
estratégia tipicamente brutalista.

As laterais do prédio recebem faixas similares de janelas contínuas, porém encaixadas em


molduras verticais, finalizando o pano de fachada lateral.

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Figura 3: Edifícios do 2° período, em sentido horário: 1) Edifício Faial 2) Edifício Christoffel 3) Edifício Novo
Parque 4) Edifício Florença 5) EdifícioSinuelo 6) Edifício Condado de Luzerne. Fonte: Imagem 1 produzida
por César Vieira, demias imagens produzidas pelos autores.

Figura 4: Plantas dos edifícios do 2° período. Imagem produzida pelos autores.

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Considerações Finais

O recorte escolhido na obra de Bered permite empreender a documentação e análise do


processo de geração dos projetos e suas respectivas estratégias de implantação, os elementos
de composição e de arquitetura utilizados, e as circunstâncias de contexto, legislação e encargo.

Com relação às estratégias de implantação, os exemplos apresentados permitem algumas


conclusões preliminares. No primeiro período, as situações de esquina são privilegiadas no
modelo de implantação tradicional pela vantagem de maior perímetro de frente para orientação
das peças principais, com tendência a partidos em L ou adaptados. Nos três edifícios de esquina
da amostra, os partidos variam de um L tendendo ao F no Redenção, um C adaptado no Nogarô
e duas barras convergindo em V na esquina do Porto Alegre. Nos quatro terrenos de meio de
quadra selecionados, os partidos assumiam configurações predominantes em “H”, com
pequenas variações. Linck e Nilza Esther adotam o partido clássico em H, o primeiro assimétrico
com dois apartamentos por pavimento e um por ala, e o segundo simétrico com quatro
apartamentos por pavimento e dois por ala (no projeto original). O Rio Grande do Sul, pelo
excepcional terreno e situação frente ao futuro parque, adota um inédito partido em cruz grega
adaptada. As regras do jogo, com a obediência ao gabarito e ao alinhamento (ou ao recuo de
jardim), e o uso dos balanços definidos na lei, estão presentes em todos os exemplos dessa
fase.

No segundo período, os instrumentos de controle urbanísticos do Plano Diretor reduzem as


opções de implantação, levando a partidos em blocos isolados de planta retangular
independentemente da situação. A exceção está nos edifícios do Centro, onde a legislação
mantém a ocupação nas divisas e no alinhamento (ainda que com menor aproveitamento e
altura em relação ao período anterior), onde as implantações em L do Faial e em F do Florença
são similares às esquinas em L ou F adaptado da década de 50. Os edifícios de meio de quadra
apresentam partidos em bloco isolado de planta retangular regular no Novo Parque e Sinuelo,
planta retangular com uma reentrância a fundos no Christoffel, e retangular em duas alas
longitudinais defasadas no Condado de Luzerne.

Alguns edifícios conseguem reunir em si e transmitir de modo exemplar as transformações


ocorridas sobre o programa da habitação coletiva no período 1950-1970. Linck e Christoffel são
particularmente felizes como escolha, pelo fato de demonstrarem de forma coerente e com suas
características e padrões específicos, a abordagem do arquiteto em duas situações de
implantação distintas: o primeiro comprometido com a inserção em um tecido urbano tradicional,
do quarteirão de ocupação periférica com edificações contínuas em altura nas divisas, e o

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segundo respondendo de modo pioneiro à solução de edifício prismático “moderno” isento das
divisas conforme os instrumentos de controle urbanístico do Plano Diretor de 1959-61, então
recém-implantado.

Chama a atenção a considerável diferença de aproveitamento construtivo nos dois


empreendimentos, consequência da aplicação dos novos instrumentos de controle urbanístico
adotados pelo Plano Diretor a partir de 1960. O Linck, sem limite de edificação além daquele
estabelecido pelo gabarito de altura decorrente da largura da via e das condições econômicas e
materiais do encargo, apresenta um índice de aproveitamento próximo de 10, quase três vezes o
do Christoffel, sujeito às novas regras. A altura é similar, mas o primeiro é implantado nas
divisas, obedecendo apenas ao recuo de jardim de quatro metros, enquanto o segundo
apresenta recuos laterais e fundos equivalentes a 1/3 da altura, que se soma ao recuo de
ajardinamento frontal de 4 metros.

O Linck apresenta planta canônica de meio de quadra em H, com duas barras de apartamentos
a frente e fundos unidas de forma assimétrica pela circulação vertical/horizontal que incorpora
alguns compartimentos de serviço. O Christoffel apresenta um volume prismático regular isento
quando visto de frente e laterais, mas a solução de planta rompe com a ideia do volume puro
com uma reentrância a fundos que responde a contingências de programa.

Os dois edifícios apresentam pavimento térreo com pilotis, denunciando a mesma extração
moderna do autor, mas o Linck aproveita o desnível do terreno para acrescentar um
apartamento extra a fundos, constituindo um semi-pilotis, enquanto o Christoffel apresenta
apenas áreas comuns, limitadas a 50% da área do pavimento conforme o regime de alturas da
nova legislação. O aproveitamento criativo do Pilotis no térreo para uma espécie de “solo
construído” ocorre também nos edifícios Redenção e Porto Alegre no período; no primeiro
permite um semi-subsolo de estacionamentos em terreno de várzea, e no segundo acomoda a
diferença de nível entre as ruas Duque de Caxias e Jerônimo Coelho. Nas avenidas, o Pilotis se
transforma em arcada com uso comercial nos edifícios Rio Grande do Sul e Nilza Esther, ambos
na Rua 24 de Outubro. Curiosamente, os edifícios do segundo período localizados no Centro
utilizam a arcada por indução da legislação, como o Faial e Florença, mas sem uso comercial.

O Edifício Sinuelo usa o Pilotis da mesma forma que o Christoffel, mas acomoda um bloco térreo
de estacionamentos ao fundo, e o Novo Parque um apartamento especial. O Edifício Condado
de Luzerne, em frente ao Sinuelo na Rua 24 de Outubro, apresenta uso comercial no térreo para
acompanhar a vizinhança.

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Os elementos de arquitetura no Pilotis diferem nos dois períodos. No primeiro, o semi-pilotis
frontal é constituído de colunas de seção circular nos edifícios Linck, Redenção e Porto Alegre,
ou de bordas arredondadas nos edifícios Rio Grande do Sul e Nilza Esther, de acordo com o
repertório de elementos de arquitetura utilizado pela arquitetura moderna brasileira da “escola
carioca”, hegemônica nos anos 50. O segundo período apresenta sempre pilares de seção
retangular, denotando as mudanças ocorridas nos paradigmas arquitetônicos na passagem dos
anos 50 aos 60, especialmente o brutalismo, absorvidas pelo arquiteto.

A composição formal se encontra em geral regulada por grelhas de fachada no primeiro período,
com forte tendência à horizontalidade, e pela visibilidade lateral no segundo período, o que leva
a outras estratégias compositivas e ao uso de novos elementos de arquitetura, como janelas
verticais seriadas e montantes verticais aplicados, com o progressivo abandono da grelha. No
Linck, a horizontalidade da composição faz uso de balcões e faixas de janelas horizontais,
gerando profundidade à fachada, enquanto no Rio Grande do Sul é o ritmo horizontal marcado
das floreiras em balanço que predomina. As grelhas podem ser elaboradas em composição
abstrata, como no Redenção, ou mais simplificadas no Nilza Esther e no Porto Alegre.

No segundo período, a composição usa panos opacos de fachada perfurados por aberturas
combinados com sequências de faixas horizontais intercaladas de peitoris, vigas, vergas e
aberturas. No Christoffel o uso de sacadas em balanço e panos de elementos vazados à frente
de aberturas verticais traz porosidade e permeabilidade a uma fachada de panos discretos
encaixados entre as faixas horizontais que marcam os pavimentos. No Faial as grelhas estão
presentes, marcando os diferentes usos internos com panos de esquadrias e painéis
diferenciados para cada tipo. Nos demais edifícios a composição se simplifica, intercalando a
grelha horizontal no Novo Parque, faixas horizontais simples de peitoris e esquadrias no Sinuelo,
faixas horizontais dissimuladas com montantes metálicos aplicados no Condado de Luzerne, e
faixas horizontais com painéis no Florença. Em todos os casos aparecem trechos de panos
opacos perfurados com esquadrias. Os panos de cobogós ou elementos vazados são comuns
nos dois períodos, dos cobogós na esquina chanfrada e nas laterais sobre os serviços do Porto
Alegre aos panos de cobogós unificando as aberturas de serviço do Faial e os elementos
vazados em cerâmica vitrificada do Christoffel.

Possivelmente outras características derivadas das diferentes normas urbanísticas,


circunstâncias de projeto e contexto urbano vão aparecer ao longo do desenvolvimento do
estudo, permitindo montar um quadro mais abrangente da produção do arquiteto e suas
conexões com a arquitetura moderna brasileira. É o caso de caraterísticas distributivas de planta
e setorização de usos internos, circunstâncias dos encargos e contribuição tecnológica. Dessa

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forma, além de expandir a documentação da obra do arquiteto e sua análise, o registro contribui
pela qualidade e exemplaridade da amostra para o avanço do conhecimento referente ao projeto
da habitação coletiva na arquitetura moderna gaúcha e brasileira no período em estudo.

Referências/Bibliografia

ABREU FILHO, Silvio Belmonte de. Porto Alegre como cidade ideal. Planos e Projetos urbanos
para Porto Alegre. Tese de Doutorado. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2006.

ALMEIDA, Guilherme Essevein de; ALMEIDA, João Gallo de; BUENO, Marcos. Guia de
arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.

COMAS, Carlos Eduardo; PIÑON, Helio. Inventário da Arquitetura Moderna em Porto Alegre
1945/65. Porto Alegre: Marcavisual, 2013.

FIORE, Renato Holmer (Org.). Modernização e verticalização da área central de Porto Alegre.
Porto Alegre: Marcavisual, 2016.

LIMA, Raquel Rodrigues. Edifícios de apartamentos: um tempo de modernidade no espaço


privado. Estudo da radial Independência/24 de Outubro – Porto Alegre – nos anos 50. Tese de
Doutorado. Porto Alegre: IFCH da PUCRS, 2005.

LUCCAS, Luís H. Haas. Arquitetura Moderna em Porto Alegre sob o mito do “gênio artístico
nacional”. Tese de Doutorado. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2004.

PORTO ALEGRE. Plano Diretor 1954 - 1964. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1964.

STRÖHER, Eneida Ripoll. A habitação coletiva na obra do Arquiteto Emil Bered, na década de
50, em Porto Alegre. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Propar/UFRGS, 1997.

XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura moderna em Porto Alegre. São Paulo:
Pini/FAUFRGS, 1987.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

POTENCIA DO PODCAST À EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:CRONICAS DE


UM MUSEU ESTILHAÇADO

Fernanda Mello (diart.fernanda@gmail.com)

Atualmente, o podcast retoma a cena dos artefatos tecnológicos como


potencial educativo e de mediação cultural. É também lugar de acervo que
pode ser conservado, conforme atualizam-se as tecnologias de
armazenamento de dados. Porém, o podcast é um veículo de comunicação
que assume outros papeis sociais, como aqueles de função educativa, sendo a
difusão científica, e narrativas sociais importantes funções. Dado a simplicidade
de sua produção e de audiência (escuta com fone de ouvido, em qualquer
lugar) tem levado a empresas de comunicação a investir em mini programas de
diferentes temas. A mídia alternativa e também instituições ligadas à cultura, à
educação e ao artivismo têm lançado diferentes projetos/ com podcast. Assim
nasceu o Podcast Elasemredes da Revista de ouvir fascinante. O Podcast é
uma revista de arteducação que além de difundir informações artísticos
culturais, reflete e faz circular questões de pesquisa sobre questões
curriculares e patrimoniais. Neste evento, destacamos a coluna Estilhaço de
um museu Estilhaçado, onde a pesquisadora e cineasta Mônica Klemz verte
para a crônica sonora as crônicas de seus filmes e trabalhos acadêmicos, a
cada episódio, resgatando dados sociodemográficos e literários para narra as
ocupações, as demolições, os desastres naturais, entre outros fenômenos de
formação da cidade do Rio de Janeiro. Os estudos dos cotidianos de Michel de
Certeau, e a arte como vetor de vida e de criações rizomáticas embasam a
produção do podcast Elas em Redes.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PADRÕES E CORES DOS AZULEJOS REMANESCENTES DAS FACHADAS


HISTÓRICAS DA CIDADE DE BARBALHA-CE

Taise C De Farias (taisef@gmail.com)

Este estudo tem como objetivo registrar os elementos, padrões e cores dos
azulejos remanescentes das fachadas urbanas presentes no centro histórico da
cidade de Barbalha, no Ceará. O uso do azulejo no Brasil, que remete a
colonização portuguesa, estabeleceu um gosto nacional e foi amplamente
usado como revestimento das fachadas urbanas, promovendo sua decoração,
higiene e sobretudo sua impermeabilização. Em Barbalha, cidade fundada no
século XVIII, no interior do Ceará, os azulejos também se fizeram presentes
como revestimentos das fachadas urbanas. Nesse contexto, para alcançar o
objetivo proposto, realizou-se primeiramente uma pesquisa bibliográfica, a
partir da leitura e sistematização das informações referentes ao uso do azulejo
no Brasil, bem como sua tecnologia e aplicação, e o método de pesquisa de
campo, que constitui um modelo de investigação a partir da observação direta,
in loco, no qual foi realizado o registro e a análise dos azulejos e seus padrões,
através de fotografias e desenhos, e a medição dos parâmetros cromáticos
com o uso do colorímetro portátil e o sistema de referência NCS (Natural Color
System). Com esse breve estudo pôde-se constatar a existência de um
pequeno número de elementos e padrões azulejares que estão aplicados nas
fachadas principais, nos planos lisos, deixando em destaque a ornamentação
das modenaturas – cornijas e cercaduras. Importante destacar que todos os
padrões são formados pela repetição de um único elemento, tendo o seu
processo de aplicação do desenho decorativo por estampilha. Outra
observação realizada durante este estudo foi o péssimo estado de conservação
dos azulejos, provenientes da falta de manutenção e a constante exposição as
intempéries que conduz à sua degradação física e sobretudo do valor artístico
do conjunto na descaracterização das fachadas. Dessa maneira, a partir da
noção dos azulejos, como testemunhos de uma técnica e imbuídos de valores
histórico e artístico, busca-se com o seu registro contribuir para o
conhecimento e valorização da arte decorativa em azulejos, na cidade de
Barbalha.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

INVENTARIANDO AS FAZENDAS DE CAFÉ PAULISTAS

Larissa Cristina Da Silva Dias (lara.cristinaa30@gmail.com)

Uma breve análise da historiografia paulista permite observar o século XIX


como um ponto de inflexão no processo de transformação espacial do estado
de São Paulo. Em um cenário constituído por atividades voltadas às
necessidades de pequenos núcleos locais, o café surgiu como um divisor de
águas no território no qual “todas as coisas e fatos podem simplesmente ser
classificadas como sendo anteriores ou posteriores à chegada do chamado
ouro verde” (LEMOS, 1999: 134). Por meio da implantação, do cultivo e da
comercialização do café, São Paulo tornou-se palco de um intenso e gradual
processo de povoamento e de desenvolvimento social, político, econômico e
urbano.

A análise de ações institucionais e acadêmicas relativas às fazendas de café


paulista demonstra que algumas ações foram realizadas no sentido de
identificar e conhecer tanto seu espraiamento pelo território, quanto suas
características. O tombamento federal da Fazenda do Pau D’Alho, em 1968,
marca o início desse processo. A partir de ações patrimoniais realizadas em
nível federal e estadual, e de investigações acadêmicas, o quadro atual de
reconhecimento e estudo dos bens rurais do café em São Paulo conta com seis
tombamentos de fazendas feitos pelo Iphan, dezesseis pelo Condephaat, além
de alguns inventários e diversas pesquisas acadêmicas que se debruçaram
sobre o tema. Se os tombamentos e inventários limitam-se aos bens
localizados nas regiões central e leste do estado, os estudos bibliográficos
sobre o tema ousaram adentrar o território paulista de modo a evidenciarem-se
como um amplo material sobre muitas fazendas de café não tão conhecidas ou
estudadas.

O presente trabalho pretende apresentar e analisar o último inventário sobre as


fazendas de café de São Paulo realizado pelo Iphan entre 2017 e 2018.
Elaborado como uma catalogação de todo o material já produzido sobre a
arquitetura cafeeira paulista, esse inventário foi feito a partir da consulta aos
acervos de instituições e universidades, e utilizando ferramentas digitais de
mapeamento de satélite e de softwares de georreferenciamento. Desse modo,
ao final foi possível produzir uma base de dados com mais de 700 fazendas de
café em São Paulo e o mapeamento georreferenciado e preciso de 374 dessas
propriedades. Ou seja, tal inventário foi capaz de esboçar uma perspectiva
clara e abrangente acerca de todo o material e conhecimento já produzido
sobre a arquitetura das fazendas de café, bem como mostrar graficamente a
vasta presença dessas propriedades no território paulista. Assim, ao apresentar
um panorama dessa ação, espera-se poder divulgar um modo exitoso de
realização de inventários de empreendimentos rurais que, além de possibilitar o
mapeamento da maioria das fazendas cafeicultoras conhecidos no território
paulista, foi realizado apenas a distância e com recursos acessíveis à maioria
dos órgãos de preservação do patrimônio cultural.
Eixo 2 – Documentação e os desafios das novas tecnologias
RESGATE DOCUMENTAL DO PATRIMÔNIO MODERNO ATRAVÉS
DE FERRAMENTAS DIGITAIS: O Museu de Arte Moderna de Recife.
Acácio Gil Borsói.1955

AFONSO, ALCILIA.

UFCG. CAU.UAEC. CTRN.


Estrada de Aldeia.12948.Casa 1. Aldeia. Camaragibe.PE
E-mail: kakiafonso@hotmail.com

RESUMO
O artigo possui como tema, o resgate documental do patrimônio moderno através do uso de
ferramentas digitais, tomando como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto Acácio
Gil Borsói, que seria implantado no bairro de Santo Antônio, em Recife, em 1955: o Museu de Arte
moderna de Recife. O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical
produzida pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil/ Seção Pernambuco- , e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas de desenhos das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão de autoria do arquiteto e a fachada principal
com acesso à paisagem do rio Capibaribe. O objetivo do artigo é analisar arquitetonicamente a obra,
simulando virtualmente a sua construção através do uso da plataforma BIM, gerando um novo
material documental, baseado naqueles desenhos publicados no jornal dos anos 50. Justifica-se
apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz à tona, o diálogo
contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as novas tecnologias, que
podem e devem apoiar proposições na área do chamado” patrimônio inteligente”, tema que também
será abordado no artigo. A metodologia da pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) A de
reconstrução do objeto arquitetônico (Piñón, 2005), que através da coleta em fontes primárias e
secundárias redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas digitais, produzindo um
novo e rico material documental para possibilitar a análise do objeto; 2) A de análise das dimensões
arquitetônicas da obra (Afonso, 2019), abordando as questões normativas, históricas, espaciais (do
lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura, cobertura, peles, detalhes e
materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica) formal e de conservação. Através do
texto serão apresentados os resultados da pesquisa em andamento que vem sendo desenvolvida
pelo grupo de pesquisa arquitetura e lugar/ GRUPAL da UFCG/ Universidade Federal de Campina
Grande.

Palavras- chaves: documentação; patrimônio moderno; patrimônio arquitetônico; ferramentas


digitais.
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Introdução
O artigo possui como tema o resgate documental do patrimônio moderno através do uso de
ferramentas digitais, tomando como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto
Acácio Gil Borsói, que seria implantado no bairro de Santo Antônio, em Recife, em 1955: o
Museu de Arte moderna de Recife.

O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical produzida
pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Pernambuco, e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão, de autoria do arquiteto, e a
fachada principal com acesso à paisagem do rio Capibaribe.

O objetivo do artigo é analisar arquitetonicamente a obra, simulando virtualmente a sua


construção através do uso da plataforma BIM, gerando um novo material documental,
baseado naqueles desenhos publicados no jornal dos anos 50.

O uso das ferramentas digitais interagindo programas como Autocad, Revit e Adobe
Photoshop proporcionam uma realidade virtual que possibilitam uma compreensão e
apreensão do objeto arquitetônico, de forma crítica e construtiva, trabalhando com desenhos
bidimensionais e tridimensionais mais precisos, que fornecem as condições para a
reconstrução virtual do projeto, adotando materialidades presentes nas soluções
construtivas e tectônicas do arquiteto na década de 50, em Recife.

Justifica-se apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz
à tona, o diálogo contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as
novas tecnologias, que podem e devem apoiar proposições na área do resgate documental
através da utilização de ferramentas digitais.

A produção do arquiteto carioca radicado em Recife foi objeto de estudo de várias teses
doutorais (Afonso, 2006), mas de forma inédita, vem sendo enfocado em estudos realizados
pelo grupo de pesquisa Arquitetura e Lugar da UFCG, que desenvolve atualmente, entre
outras investigações- um trabalho de reconstrução virtual da obra do arquiteto, que tanto
influenciou profissionais no nordeste brasileiro.

Quanto à metodologia da pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) A de reconstrução do


objeto arquitetônico (Piñón, 2005), que através da coleta em fontes primárias e secundárias
redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas digitais, produzindo um novo
e rico material documental para possibilitar a análise do objeto; 2) A de análise das
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dimensões arquitetônicas da obra (Afonso, 2019), abordando as questões normativas,
históricas, espaciais (do lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura,
cobertura, peles, detalhes e materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica)
formal e de conservação.

No caso em pauta, serão tratadas apenas, as dimensões relacionadas ao projeto,


considerando que a obra como não foi construída, não teria sentido discutir questões
construtivas e de sua conservação física.

Quanto ao aporte teórico, sabe-se que documentar é um ato essencial para a preservação
(ICOMOS, 1996), uma vez que permite fazer com que se desenvolvam o crescimento e a
compreensão do patrimônio cultural, de seus valores e de sua evolução.

O referencial teórico para as discussões se basearam em textos e falas proferidos por


autores como Minto e Quintero (2020), Kemper et al. (2020) - entre outros, durante
webinars realizadas pelo Comitê Nacional de Documentação do Icomos Brasil/ IcomosDoc
que enfocaram questões pertinentes à importância da documentação no resgate patrimonial.

Constata-se que a documentação assegura a manutenção e a preservação das edificações


patrimoniais, fazendo com que sejam respeitados seus valores de autenticidade,
integridade, características físicas, assim como, seus materiais, modos de construir e
significado histórico e cultural. Nas discussões contemporâneas observa-se cada vez mais,
o uso das tecnologias digitais contribuindo no trabalho preservacionista, pois agilizou o
processo em todas suas etapas, trazendo cada vez mais precisão.

A geração de novos documentos gráficos suscita o interesse e a participação da população


na preservação, pois quando divulgados, contribuem na difusão das informações
registradas, assegurando uma melhor compreensão da obra, podendo contribuir na sua
gestão e um controle pertinente aos trabalhos ou intervenções nesse acervo.

O autor da obra

Como informação inicial, faz-se necessário tecer algumas observações referentes ao autor
da obra: o arquiteto Acácio Gil Borsói.

Borsói nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1924, no bairro do Engenho Velho, sendo o
caçula de uma família de três irmãos. Desde a adolescência, trabalhou com o pai, Antônio
Borsói, designer de móveis e autor de projetos de reforma e interiores, como a "Confeitaria
Colombo", o "Palácio da Guanabara", o "Cinema Iris", que despertou no adolescente, o
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interesse pelo ofício de projetar, experimentar e detalhar em madeira: “fazer, fazendo,
associado ao conhecimento foi apurando o domínio sobre a obra e a construção, a
aplicação de novos materiais e sistemas construtivos tão presentes na obra do arquiteto ”.
(BORSOI E WOLF, 1999, p. 36).

Hesitou em estudar arquitetura ou aviação, mas decidiu pela arquitetura, formando-se em


1949 pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro/ ENBA. Seus professores
possuíam uma linha mais tradicionalista, apesar da Escola ter passado por uma tentativa de
modernização em 1931, quando Lúcio Costa esteve como diretor. Borsói disse sobre essa
época: “Foi um momento conturbado, porque Le Corbusier foi mal compreendido e o
racionalismo era uma manifestação muito presente, que propunha uma oposição ao
academicismo, aos professores acadêmicos” (BORSOI, 2005,s/p).

Depois de graduado em 1949, trabalhou por dois anos no Serviço do Patrimônio Histórico
Nacional/ SPHAN, tendo como superiores Rodrigo de Melo Franco e Lúcio Costa,
experiência que lhe permitiu receber de forma direta a influência do pensamento de Costa
em temas como a preservação cultural e produção de uma arquitetura brasileira moderna,
que Borsói anos depois, aplicaria na sua prática projetual, realizando a união conceitual por
meio da adoção de uma linha racional voltada para o regional.

No final de 1951, após dois anos que se formara, e estava realizando alguns projetos
pequenos na cidade do Rio de Janeiro, resolveu aceitar o convite de seu ex-professor Lucas
Mayerhofer para ir trabalhar como professor na cidade de Recife, na disciplina de Pequenas
Composições do curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes.

Apaixonado pela arquitetura e pelo ofício, não se limitava às atividades de ensino, que
considerava circunstanciais, mas que duraram vinte e oito anos. Borsói dizia “Não sou
professor, sou um arquiteto brasileiro, do terceiro mundo, que vive o dia a dia, e, portanto,
para sobreviver, dependo do meu trabalho".(BORSOI. 2005. s/p)

Borsói sempre esteve atento à questão tecnológica relacionada ao trabalho dos arquitetos,
afirmando que os seus instrumentos de trabalho em relação ao desenvolvimento de
tecnologia eram a racionalização, a coordenação modular e o conhecimento dos processos
de construção, de maneira geral.

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Borsói veio trabalhar no Recife muito influenciado pela arquitetura produzida no Rio de
Janeiro, cidade onde viveu até então, e onde recebeu sua formação profissional, fato que
pode ser observado ao se analisar os seus projetos desenvolvidos na cidade. A princípio,
esses projetos denotam uma influência da obra de Oscar Niemeyer, Jorge Moreira e Reidy,
como Bruand escreveu sobre a arquitetura de Borsoi:

Sua arquitetura foi mais influenciada pela de Reidy e Niemeyer do que pela
de Lúcio Costa, mas ela se destaca pelo cuidado particular na escolha dos
materiais, onde um papel importante é atribuído ao uso de tijolos e madeira,
como complementos de estruturas de concreto armado e painéis de vidro.
(BRUAND.1981, p. 146)

Nos anos 50, ao atuar em Recife, projetou dezenas de residências unifamiliares que foram
os seus primeiros projetos na cidade, com destaque para as casas Lisanel de Melo Mota
(1953), Luciano Costa (1953), Casa do arquiteto (1954), complexo residencial do Banco
Hipotecário Lar Brasileiro (1954), conhecido por conjunto da Praça Fleming; Casas José
Almeida (1955), Francisco Claudino (1956), Dulce Mota (1958) e Anelise Poluzzi (1958),
entre outras (AFONSO, 2006).

Paralelamente ao trabalho realizado na cidade do Recife, Borsói realizava projetos em


outras cidades do Nordeste brasileiro, como a residência Cassiano Coutinho (1956),
Pompeu Maroja (1955/1957), Austregésilo Freitas (1958) e Joaquim Silva (1958)
construídas em João Pessoa; e a casa José Macedo (1957), em Fortaleza.

Na década de 1950, o arquiteto foi um dos pioneiros na cidade em projetos não somente de
edificações residenciais, mas também de edifícios multifamiliares (Edifício União, 1953), e
de uso misto, como os Califórnia (1953), Caetés (1955). Além de obras privadas, projetou
algumas edificações públicas no período em estudo, como o Hospital das Urgências (1951),
e o projeto para o Museu de Arte Moderna (1955) que não chegou a ser construído, e que
será aqui analisado.

Segundo Dantas (2006, p.7), “o mestre Acácio Gil Borsoi desenvolveu um repertorio único
próprio, cujos conceitos centrais baseiam-se na excelência técnica e na experimentação
forma l”. Em seus diversos trabalhos no nordeste e em demais regiões brasileiras, “levou ao
limite as possibilidades construtivas dos materiais locais, transformando o programa mais
simples da arquitetura em emocionantes realizações”, conforme escreveu o arquiteto e
professor Ney Dantas (2006, p.7).
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A documentação projetual
O acesso à documentação do projeto se deu de uma maneira espontânea, ao estar
coletando em 2003, o material para a minha tese doutoral (Afonso, 2006) que tratava sobre
a consolidação da arquitetura moderna me Recife durante os anos 50. Pesquisando nos
jornais da época, encontrei uma coluna dominical no jornal “A Folha da Manhã”, escrita por
Edison Lima, então presidente do IAB/PE, intitulada “Arquitetura” (figura 1) que divulgava
semanalmente e aos domingos, notícias sobre o cenário arquitetônico nacional e local.

Figura1: Coluna dominical Arquitetura. Fonte: Jornal Folha da Manhã.1955.

Nessa matéria de dezembro de 1955 foram publicados alguns esboços feitos pelo arquiteto
como uma perspectiva, as plantas baixas dos três níveis, a fachada principal, e uma
fotografia da maquete acompanhada de um pequeno texto que explicava o projeto:
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O trabalho que publicamos hoje é de autoria do arquiteto Acacio Borsói, e
destina-se ao museu de Arte Moderna do Recife. Trata-se de um amplo e
moderno edifício, dotado de três pavimentos, a ser construído às margens
do rio Capibaribe, em frente ao Grande Hotel. Neste edifício haverá, no
pavimento térreo, onde se encontram os pilotis, apenas um depósito,
recuperando-se a área, coberta para jardins e abrigo, de um modo em geral.
No primeiro pavimento, haverá uma ampla sala de exposições, um auditório
para 110 espectadores e dois sanitários. No segundo pavimento, uma sala
de exposições, outra de trabalhos, uma pequena sala de reuniões, uma
para reproduções, a secretaria, um gabinete sanitário e um depósito. Além
disso, um grande balcão, voltado para o rio Capibaribe” (Folha da Manhã,
1955).

O texto forneceu pistas sobre onde seria implantado o projeto, “ às margens do rio
Capibaribe” em frente ao Grande Hotel: atualizando a informação para os dias atuais, seria
no conhecido “Cais do Imperador”, defronte a um antigo e importante hotel da cidade, o
Grande Hotel- localizado no bairro de Santo Antônio. A partir dessa informação foi possível
se analisar o lugar da obra projetada, tratando da análise espacial externa ao objeto, e seu
entorno.

Observa-se nesse documento que o edifício teria três pavimentos, e o programa de


necessidades que estava ali exposto, alinhando com tais informações com as imagens
publicadas, forneceu dados para reconstruí-lo virtualmente na contemporaneidade, podendo
extrair desse projeto os resultados arquitetônicos que poderia ter sido alcançado, se
houvera sido edificado.

Além dessa pequena matéria jornalística, alguns autores pernambucanos fizeram referência
ao projeto, como Amorim (2003, p.68) que escreveu que “ muitos projetos institucionais
nunca deixaram o papel e alguns, provavelmente, configurariam objetos importantes na
paisagem da capital”. Logo em seguida, Amorim coloca que “o polêmico Museu de Arte
Moderna do Recife (1955), projetado por Borsói em aterro sobre o Rio Capibaribe, próximo à
Praça Dezessete, seria importante palco para realizações culturais”.

Nesse mesmo texto, Amorim explica que usar a área de terreno sobre o leito do rio
Capibaribe motivou seu questionamento e arquivamento, complementando que o desejo de
se projetar e construir um espaço apropriado para abrigar exposições artísticas recifenses
só foi possível através de outro projeto - o da Galeria de Arte do Recife – que foi construído
no mesmo bairro de Santo Antônio, contudo em outra região, na Rua do Sol.

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Como o Recife nesses anos, passava por enchentes constantes e rigorosas, a Galeria de
Arte acabou sendo destruída pelas águas impiedosas do rio Capibaribe.

Análise arquitetônica através da reconstrução virtual da obra

Através da pouca documentação coletada sobre o projeto nas fontes citadas anteriormente,
a pesquisa arquitetônica sobre a obra teve seu desenvolvimento com o desafio de
reconstrui-la virtualmente. Para tanto, utilizou-se um material já trabalhado por Afonso
(2006, pp. 642-647) que inseriu a obra em sua tese doutoral, analisando-a como produção
importante do arquiteto nos anos 50, redesenhando o material projetual em Autocad, e
construindo imagens tridimensionais do mesmo através do programa Skecthup, que
proporcionou uma melhor compreensão do edifício.

Em 2021, quinze anos após a pesquisa doutoral, tal estudo foi revisitado devido a um
projeto de um livro a ser produzido pelo grupo IFORM da ETSAB /Escola Técnica Superior
de Barcelona, que terá como título “ Arquitecturas no construídas” que está em fase de
elaboração, e que a autora desse artigo participará apresentando os resultados da
reconstrução virtual dessa obra.

Dessa maneira, atualmente, o grupo de pesquisa Arquitetura e Lugar/ Grupal UFCG,


coordenado pela autora desse artigo desenvolve juntamente com a aluna bolsista Thayane
Duarte, do curso de arquitetura e urbanismo da UFCG- o processo de redesenho do projeto
e sua reconstrução virtual, mas agora, utilizando a plataforma BIN, através de softwares
para a produção de uma nova documentação em prol do resgate do patrimônio arquitetônico
moderno.

As etapas do processo de reconstrução virtual se compõem dos seguintes passos: 1.


Inserção dos desenhos originais no Revit para auxiliar na modelagem principal; 2.
Modelagem do entorno num arquivo separado utilizando o Skecthup ; 3. Inserção de ambos
os arquivos no Lumion para configuração de materiais, iluminação e câmera, no processo
de renderização; 4. Após os “renders” prontos, são realizados alguns ajustes de sombra e
realce no Adobe Photoshop

A produção da documentação de redesenhos e da reconstrução virtual proporcionam uma


aproximação entre o investigador e o autor da obra, pois através dessa participação no
processo de construção virtual, há um entendimento dos princípios que nortearam o
desenvolvimento da proposta, tais como tramas ordenadoras, uso de modulação, atributos
como transparências espaciais, atenção ao detalhe, materiais com suas cores e texturas.

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O “mergulho” no universo da obra analisada possibilitará a compreensão de seus valores, e
de pontos de interesse a serem observados e retomados na contemporaneidade.

Assim, para a análise arquitetônica da obra foi adotada a metodologia usada por Afonso
(2019), conforme foi visto na introdução desse artigo- que trata sobre a análise das
dimensões, mas que devido à mesma não haver sido construída, serão consideradas
apenas àquelas voltadas para a discussão histórica, espacial, formal, funcional e tectônica.

Como trata-se de uma “arquitetura não construída”, a dimensão tectônica que se refere à
construção, simulará uma materialidade baseada em outras obras construídas pelo arquiteto
nos anos 50, usando seu vocabulário arquitetônico para compreender o que teria sido esse
projeto se houvera sido executado.

1. Dimensão histórica

Algumas questões foram levantadas sobre o projeto do Museu de Arte Moderna de Recife,
arquitetura não construída- após ter acesso às fontes documentais primárias. Quem havia
encomendado o projeto ao Borsoi? Por que tal projeto não foi construído? São as primeiras
indagações da pesquisa, que direcionou a leitura sobre as artes plásticas em Recife nos
anos 50.

Silva (2017) tratou em sua dissertação de mestrado sobre o campo artístico em


Pernambuco, no recorte temporal que abrange os anos de 1948 a 1959, podendo-se nesta
pesquisa observar o trabalho desenvolvido pela Sociedade de Artistas Modernos do Recife
(SAMR), e posteriormente pelo Ateliê Coletivo, que interferiram diretamente na produção do
projeto do Museu.

Importante colocar que a Sociedade de Arte Moderna do Recife, fundada em 1948, nasceu
de um encontro entre um jovem escultor, Abelardo da Hora, e um já renomado Hélio Feijó,
ambos artistas plásticos (o último também arquiteto).

Logo após a realização do IV Salão de Arte Moderna, em fins de 1949/1950,


Abelardo da Hora foi eleito presidente da associação, permanecendo à
frente da Sociedade por cerca de dez anos. A nova gestão priorizou a
criação de cursos, com o objetivo de “educar” os novos componentes da
sociedade. (http://obscurofichario.com.br/lugar/sociedade-de-arte-moderna-
do-recife/)

Silva (2017,p. 82) explica que “os anos de 1950 são significativos para pensar os caminhos
traçados por artistas - que em sua maioria eram jovens naqueles anos – para propor uma
representação de uma arte produzida em Pernambuco”.

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A fundação da SAMR representou, segundo Clarissa Diniz, a primeira
iniciativa organizada de legitimação de um campo profissional para a arte
em Pernambuco, por meio da institucionalização de uma classe
artística.(SILVA, 2017. p.84)

A SAMR era composta por intelectuais e artistas plásticos renomados, tanto na cidade de
Recife, quanto no país e no exterior, como por exemplo, Augusto Reinaldo, o qual
desenhara o emblema da sociedade; Lula Cardoso Ayres; Francisco Brennand; Reynaldo
Fonseca, o grande sociólogo Gilberto Freyre, entre tantos nomes de peso no cenário
regional e brasileiro.

A fundação da SAMR representou a primeira iniciativa organizada de legitimação de um


campo profissional para a arte em Pernambuco, por meio da institucionalização de uma
classe artística, conforme escreveu Silva (2017, p.84).

Sem adentrar na discussão do cenário artístico local, mas consciente do papel sociocultural
da classe frente aos políticos locais, sem dúvida, pode-se afirmar que pode ter havido uma
“pressão” da classe por um espaço digno para expor as artes plásticas recifense que se
sobressaía no cenário brasileiro por sua qualidade, seus representantes e sua produção
potente.

Dessa forma, trabalha-se com a hipótese que atendendo a uma demanda da classe artística
em busca de apoio político municipal, Acacio Gil Borsói, projetou o edifício para sediar o
Museu de Arte Moderna de Recife.

Outro ponto importante nessa discussão, é observar que a construção dos espaços museais
pode ser entendido como “resultante dos desdobramentos do que teria representado a
Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922, enquanto acontecimento”, conforme
colocou Sousa (2014) em sua dissertação de mestrado sobre o ateliê coletivo em espaços e
trajetórias.

Oficialmente, a SAMR reforçou o interesse de alguns artistas por processos


de criação mais próximos dos ritmos e dos acontecimentos da cidade. A
SAMR passa a ser definida, por alguns de seus fundadores, como um órgão
independente e de apoio aos artistas, em defesa da Arte Moderna como um
meio de narrar a realidade social e, também, de aproximação com as
camadas populares.(SOUSA, 2014, p.10)

Para se buscar uma compreensão da causa geradora do projeto do MAM do Recife, é


necessário saber também, que além do cenário local apoiado pela SAMR, em nível
nacional, estava em pauta a construção dos dois principais museus de arte moderna
brasileiros, o MASP/ Museu de Arte de São Paulo (1947) e MAM-SP/ Museu de Arte
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Moderna(1954). Certamente, essa efervescência cultural brasileira que ocorria no sudeste
brasileiro teria influenciado o meio artístico recifense.

O MASP/ Museu de Arte de São Paulo (1947), que anos depois de sua fundação foi
implantado na nova sede em projetada por Lina Bo Bardi (1958-68), e do MAM-SP/ Museu
de Arte Moderna de São Paulo, de autoria de Oscar Niemeyer(1954), dá-se no período em
que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos estreitam-se, conforme esclareceu
Lourenço (1999, p. 21): “Os museus e suas edificações são projetados enquanto espaço
para que o público brasileiro tivesse uma maior aproximação com os trabalhos dos artistas
do país, como também de obras até antes não vindas ao Brasil, por falta de espaços
museais adequados”.

Tal cenário incentivou a criação pelo Brasil de novos espaços para as obras artísticas
modernas, havendo um maior apoio em relação às atividades culturais, fazendo surgir uma
nova realidade, a qual será o despontar de galerias em grande parte dos estados brasileiros.

2. Dimensão espacial externa: O lugar.

Após essa breve explanação histórica sobre o que causou a elaboração do projeto do MAM
do Recife, será visto a seguir, a análise do lugar no qual seria implantado o projeto.

O projeto seria construído às margens do rio Capibaribe, na Avenida Matias de Barros,


defronte ao “Grande Hotel” no bairro de “Santo Antônio”, na ilha de Antônio Vaz, área
central de Recife. A proposta do arquiteto era terraplanar uma parte da margem do rio para
implantar o edifício composto de um só volume.

A proposta inspirou-se na localização simbólica às margens do rio, buscando estabelecer


uma franca relação entre interior e exterior devido ao potencial paisagístico do local ao qual
se destinava.

O bairro de Santo Antônio está implantado uma das ilhas que configuram a cidade de
Recife, ao lado do bairro de São José, e interligado via pontes com a Ilha do Recife.
Naquela época era uma área de efervescência sociocultural, de acordo com o projeto
“Obscuro Fichário” – composto por vários cinemas, como o Glória, Ideal, Trianon, Art
Palácio, Royal; Dois teatros (Santa Isabel e o Marrocos); um cineteatro (Moderno); uma
distribuidora de filmes nacionais (Urano); a sede da Rádio Tamandaré.

No setor hoteleiro era uma referência urbana, pois estavam ali implantados, sete hotéis de
grande e médio porte (Grande Hotel, e os hotéis Modelo, Universo, Avenida, Recife Hotel,
Universal, Glória, Nabuco), além de pensões.

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Como o Porto do Recife estava localizado na Ilha do Recife, interligado por pontes ao bairro
de Santo Antônio, este acabava servindo como apoio dotados de vários equipamentos
urbanos com diferentes usos, oferecendo serviços e conectando os passageiros e as cargas
do Porto, através da Estação Ferroviária ali implantada, ao resto do Estado de Pernambuco
e outros lugares.

Também no bairro de Santo Antônio estava presente a sede do Palácio do Governo, o


Palácio da Justiça, vários sindicatos e associações de classe, entre elas, a Sociedade de
Arte Moderna do Recife/ SAMR, que durante um período funcionou no Antigo Liceu de Artes
e Ofício que também estava localizado no bairro.

No local de sua implantação já existia a Praça Dezessete, uma das mais tradicionais da
cidade e que homenageia a Revolução de 1817, possuindo desde 1927, uma bela escultura
que se trata do “Monumento português à aviação”, em homenagem aos aviadores Gago
Coutinho e Sacadura Cabral, comemorativo à sua primeira travessia aérea do Atlântico Sul,
em 1922.

A Praça Dezessete está relacionada em seu entorno imediato- tanto à Igreja do Divino
Espírito Santo quanto ao Cais do Imperador e ao antigo Grande Hotel de 1938, hoje Fórum
Tomaz de Aquino. Em 1936, o paisagista Roberto Burle Marx desenvolveu um projeto para
ela e seu entorno, que foi reconhecido por Decreto Municipal nº 29.537, de 23 de março de
2016, como um dos 15 “Jardins Históricos de Burle Marx” da cidade do Recife.

Nesse trecho do rio havia também o conhecido Bar Flutuante que fez história na cidade, e
foi construído nos anos 1950, entre as pontes Maurício de Nassau e Buarque de Macedo
que interligam o bairro de Santo Antônio com a Ilha do Bairro do Recife. O local que se
assemelhava a uma balsa, foi fechado no final de 1959, pois seu uso começou a entrar num
processo de degradação.

Entretanto, a escolha de Borsói para implantar o projeto do Museu neste lugar foi bastante
criticada na época, conforme colocou Amorim (2003, p.68), pois a área estava sujeira às
enchentes constantes do rio, além de “ocupar” indevidamente a paisagem natural do
mangue. Inclusive, alega-se que esse foi um dos motivos do projeto não haver sido
construído.

Mas, particularmente, observou-se que a questão financeira também deve ter pesado nessa
decisão por parte da Prefeitura, pois em documentos sobre a SAMR (Sousa, 2014, p. 96),
sempre estava presente a falta de apoio financeiro da instituição para dar andamento aos
seus projetos e programas.

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Além disso, observou-se na pesquisa que no ano de 1955, houve várias mudanças de
prefeitos na cidade: José do Rego Maciel (21 de abril de 1953 a 31 de janeiro de 1955);
Djair Brindeiro (31 de janeiro de 1955 a 7 de abril de 1955); e finalmente, Pelópidas da
Silveira (7 de abril de 1955 a 1° de janeiro de 1960). O que se leva a crer que, talvez, não
fosse prioridade para a Prefeitura realizar a obra de cunho cultural, e a desculpa do Museu
ser construído em uma área de risco veio a calhar.

Prova disso, é que nos dias atuais, nessa mesma área, existe o conhecido Cais do
Imperador, que recebeu um tratamento paisagístico e arquitetônico para servir de apoio
turístico, dotado de um café e uma praça com mirante para contemplação da paisagem
ribeirinha. Um local com uma paisagem deslumbrante, de onde pode-se observar a
paisagem do rio, as pontes, com seu mangue, e o Bairro histórico do Recife com seu
conjunto arquitetônico.

Atualmente, no entorno do local, o edifício do Grande Hotel, em estilo Art Déco, que teve
grande importância no cenário local durante décadas, sedia o Fórum de justiça Thomaz de
Aquino, e a Praça Dezessete está semiabandonada, servindo de abrigo para moradores de
rua, apesar ter recebido constantemente intervenções para seu uso adequado.

Não há como, não imaginar, como seria bonito, se houvera sido construído, o Museu ali
implantado. E por isso, a reconstrução virtual está trabalhando com tal simulação para
idealizar o projeto nesse lugar, que possuiria uma excelente qualidade arquitetônica,
urbanística e paisagística.

3. Dimensão espacial interna e a dimensão funcional: As soluções em planta.

Analisando-se os redesenhos da obra, Borsoi utilizaria um platô de forma trapezoidal,


avançando 30m sobre o leito do rio, e implantaria um edifício laminar no eixo norte/ sul com
a fachada principal direcionada para o leste, e a posterior para o oeste.

Considerando os condicionantes climáticos como ventilação e insolação, Borsói


desenvolveu o projeto liberando a volumetria do solo, e deixando o acesso ao museu
realizado através de um pilotis vazado, possuindo apenas um volume curvo destinado a
abrigar um depósito, sendo as demais áreas ocupadas por uma praça coberta que se
permitiria um diálogo da arquitetura com o lugar, através de um mirante com vistas para o
rio.

Quanto à solução do programa em planta, observa-se que o arquiteto adotou os princípios


da modernidade arquitetônica, como a planta livre, modulada, setorizada. As plantas baixas
do primeiro e do segundo pavimento seriam livres, com a estrutura independente,

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interligadas por uma escada de um lance. No primeiro pavimento teria um salão de
exposição, um auditório e um banheiro masculino e feminino (figura 2).

Figura 2: Redesenho do material projetual. Fonte: Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.

No segundo e último pavimento, que foi projetado como um mezanino, estaria outro espaço
destinado às exposições, ao setor administrativo com sala para diretoria, secretaria,
reuniões, depósito, reproduções, além de um balcão corrido que serviria de mirador com
vista para o rio. Observa-se ainda, que Borsoi criou uma circulação interna paralela à
fachada desse último pavimento, como maneira de proteger climaticamente o espaço da
incidência solar da fachada poente.

Outro detalhe espacial foi o recorte dado pelo arquiteto às lâminas desses dois níveis em
relação aos pilotis, pois criou ali, um vazado, com pé-direito triplo, trabalhando
esculturalmente o interior do edifício que, infelizmente, não foi construído. Dessa maneira,
observa-se que o espaço interior seria totalmente transparente, integrado, além da relação
intensa entre interior/ exterior , devido à proposta das esquadrias das fachadas Norte e Sul
que seriam em painéis envidraçados, permitindo a integração com a vista do Río e da
paisagem local.

4. Dimensão tectônica e formal

A estrutura da proposta seria sistemática, com uma modulação trabalhada no sentido


horizontal de 5.15m, e no sentido vertical de 2.70m, 6.80m e 3.80m, permitindo uma
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estrutura independente, com planta livre e planos de fachadas liberados para um
tratamento detalhado com os painéis de esquadrias.

O sistema construtivo da estrutura seria em concreto armado, com pilares do pavimento


térreo influenciados pela arquitetura de Niemeyer, adotando as formas em “I” com as
bordas abauladas (modulação frontal) e em “V” (modulação posterior). Nos demais níveis
superiores os pilares seriam em formato de “I” (figura 3).

Figura 3: Reconstrução virtual do projeto explicando a sua dimensão tectônica. Fonte: Montagem da
autora através das imagens geradas por Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.

A volumetria foi criada como um monobloco de forma trapezoidal apoiado em uma


estrutura composta de pilotis, ficando o edifício elevado do solo, passando uma sensação
de leveza, pois além de estar solta do solo, a contraposição entre as esquadrias das
fachadas Leste e Oeste, com as fachadas laterais cegas norte e sul, proporcionaria um
bom resultado plástico.

As esquadrias foram projetadas de forma sistemática e moduladas seguindo uma lógica


construtiva. Na fachada Leste e oeste seriam inclinadas e compostas por módulos de
painéis de vidro estruturados em madeira, contrapondo com módulos de persianas de
madeira, propondo uma composição equilibrada e sóbria.

Como elemento especial teria um balcão corrido com vista para o rio Capibaribe que seria
protegido por um peitoril em uma peça única em madeira, possuindo como proteção
climática, brises horizontais, também projetados em madeira.

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Naqueles anos, Borsoi usava muito a madeira, e possuía como hobby executar alguns
detalhes para pôr em prática nas suas obras. No projeto aqui analisado, observa-se o uso
desse vocabulário material e construtivo do arquiteto, que estava presente em toda sua
produção dos anos 50, estudada por Afonso (2006) em sua tese doutoral.

Apesar de não ter sido construída, observa-se a clara intenção de relação com recursos
plásticos adotados pelos seguidores da escola carioca, principalmente, uma forte influência
do arquiteto Affonso Reidy em sua obra para o Colégio Brasil Paraguai (1952) presente no
texto sobre esse edifício construído na cidade universitária (Affonso Reidy, 2000, pp. 156-
161).

Como Borsoi trabalhou com Reidy no Rio de Janeiro antes de sua ida para o Recife
observa-se uma influência forte de elementos empregados por Reidy na sua produção,
como pontos convergentes, tais como: o pavimento térreo tratado com pilotis e praça
coberta, com permeabilidade visual espacial entre interior /exterior, com vistas para o rio e
proporcionando uma ampla coberta para convivência dos usuários.(Affonso Reidy, 2000,
p.156). Além, da forma trapezoidal do volume com empenas cegas e uma modulação
estrutural sistemática que também demonstra tais influências.

Conclusão

Como considerações finais, retoma-se aqui as colocações do arquiteto e professor catalão


Helio Piñón, que em um de seus livros que tratou do tema do projeto como (re) construção,
refletiu sobre tal processo, afirmando que esse se “baseia no reconhecimento e atenção
entre o material e os critérios de forma que o estruturam, a partir da consciência de sua
condição formadora, estruturante e ordenadora”. (PIÑÓN, 2005, p.21).

O professor complementa discorrendo sobre a importância da reconstrução virtual do


projeto, ao imergir no sistema da arquitetura do autor estudado e dos seus critérios
projetuais adotados para conhecê-la desde seu interior, imersão que exige, e desenvolve a
capacidade de reflexão visual e tende a estender os princípios básicos do projeto às
situações alternativas. Em uma entrevista concedida sobre o tema ele se posicionou da
seguinte forma:

(Re)construir –el paréntesis no es una impertinencia galicista, sino que trata


de hacer énfasis en lo que tiene en común con construir– es proceder a
montar de nuevo un edificio que previamente se ha diseccionado mediante
los programas de modelado virtual: sólo así se adquiere conciencia de los

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criterios que han servido para construirlo –material y formalmente– en su
origen. (PIÑÓN In RECHES e DIARTE.2010. s/p)

As colocações de Piñón demonstram e comprovam o papel fundamental da reconstrução


virtual na compreensão do projeto arquitetônico, enquanto ferramenta para a leitura e
análise da obra e de seu processo, além de contribuírem para a discussão do tema desse
artigo, que é o de resgate patrimonial do acervo moderno, como maneira de observar os
critérios e a qualidade dessa produção.

Através desse processo, pode-se constatar o quanto foi interessante e rica a simples
documentação jornalística dos anos 50, que proporcionou o desenvolvimento do projeto
que daria forma ao Museu de Arte Moderna do Recife e os seus valores arquitetônicos que
muito podem contribuir para o aprendizado de produção de uma boa arquitetura, através
dessa obra não construída do mestre Acacio Gil Borsoi.

Figura 4: Reconstrução virtual da obra. Fonte: Montagem da autora através das imagens geradas por
Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.

O trabalho de reconstrução da obra continua em trâmite (figura 4) e a cada passo, obtemos


mais informações resultantes da inserção da mesma na paisagem, e as contribuição que
esse projeto podem fornecer sobre outros aspectos relacionados ao patrimônio moderno e à
paisagem.
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Obscuro Fichário. Cartografia do Bairro de Santo Antônio. Em rede:
http://obscurofichario.com.br/lugar/sociedade-de-arte-moderna-do-recife/. Acesso em 6 de
agosto de 2021.

PIÑÓN, Helio. El proyecto como (re) construcción. Barcelona: Edicions UPC. 2005

RECHES, Magdalena; DIARTE, Julio Cesar. Helio Piñon. Entrevista, São Paulo, año 11, n.
043.03, Vitruvius, sep. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.043/3494>.

SILVA, Josefa. Entre enquadramentos e rupturas: Um olhar sobre o Campo artístico


em Pernambuco (1948-1959). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco. Recife.2017

SOUSA, Laura. O atelier coletivo em espaços e trajetórias. Dissertação. (Mestrado em


História). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.

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EIXO TEMÁTICO 2: DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION
MODELING (BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA;
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES;
FERRAMENTAS DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA
DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA, CIDADE E PAISAGEM;
INVENTÁRIOS.

(RE)INVENTARIANDO AS FAZENDAS DE CAFÉ PAULISTAS

SILVA-DIAS, LARISSA CRISTINA DA

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.


larissa2.silva@usp.br

RESUMO
Consciente da importância da cafeicultura na conformação do território paulista, o presente artigo
objetiva apresentar o procedimento de mapeamento das propriedades cafeeiras realizado no âmbito
da Retomada do Inventário de Conhecimento das Fazendas de Café Paulistas. Elaborado entre 2017
e 2018 na Superintendência do Iphan de São Paulo, esse trabalho não contou com visitas de campo
e teve como finalidade agrupar e sintetizar o material já produzido sobre fazendas cafeeiras em São
Paulo por meio de inventários, ações de proteção ao patrimônio e publicações acadêmicas, tomando
como foco estudos pertinentes ao campo disciplinar arquitetônico. Ao final, foi possível produzir uma
base de dados com mais de 700 fazendas de café em São Paulo e o mapeamento georreferenciado
e preciso de 374 dessas propriedades. Desse modo, o inventário foi capaz de esboçar uma
perspectiva inédita, clara e abrangente acerca de todo o material e conhecimento já produzido sobre
a arquitetura das fazendas de café, bem como mostrar graficamente sua vasta presença no território
paulista. Ao apresentar um panorama dessa ação, espera-se poder divulgar um modo exitoso de
realização de inventários de empreendimentos rurais que, além de possibilitar o mapeamento da
maioria das fazendas cafeicultoras conhecidos no território paulista, foi realizado apenas a distância e
com recursos acessíveis à maioria dos órgãos de preservação do patrimônio cultural.

Palavras-chave: inventário; fazendas de café; metodologia; georreferenciamento.

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Introdução

Uma breve análise da historiografia paulista permite observar o século XIX como um ponto
de inflexão no processo de transformação espacial do estado de São Paulo. Em um cenário
constituído por atividades voltadas às necessidades dos pequenos núcleos locais, o café
surgiu como um divisor de águas no território no qual “todas as coisas e fatos podem
simplesmente ser classificadas como sendo anteriores ou posteriores à chegada do
chamado ouro verde” (Lemos, 1999, p.134). Por meio da implantação, do cultivo e da
comercialização do café, São Paulo tornou-se palco de um intenso e gradual processo de
povoamento e de desenvolvimento social, político, econômico, rural e urbano, que o
condicionou a uma posição de notoriedade e relevância econômica tanto no cenário
nacional, quanto mundial.

Consciente do marco historiográfico que foi a cafeicultura paulista, produzir estudos e ações
que se debrucem sobre o tema mostra-se como importante uma vez que essa atividade, em
grande medida, possibilitou o “processo de estruturação e urbanização da região, de
constituição das paisagens urbanas e rurais e de consolidação de tradições” (Soares, 2011,
s/p). Se o estudo do café paulista se apresenta como pertinente para pensar em múltiplos
aspectos o desenvolvimento, a ocupação e a transformação do estado de São Paulo,
reorientar o olhar para os bens rurais relativos a tal universo revela-se como urgente. Frente
ao quadro de sucessivas transformações do território paulista ao longo do século XX, onde a
fragilidade de construções seculares e o avanço dos canaviais ameaçam a materialidade
das edificações rurais, mostra-se como impreterível e imediata a necessidade de conhecer e
tutelar o que ainda existe do universo do café paulista na área rural (Marins, 2008, p.151;
2010, p.03).

A análise de ações institucionais e acadêmicas relativas às fazendas de café paulistas


demonstra que algumas delas foram realizadas no sentido de identificar e conhecer tanto
seu espraiamento pelo território, quanto suas características físicas. Embora seja apenas a
partir dos anos 2000 que os bens rurais do café em São Paulo se tornaram objetos de
estudos mais recorrentes em investigações acadêmicas, a percepção da importância desses
espaços pelos órgãos de preservação teve início décadas antes. O tombamento da Fazenda
do Pau D’Alho pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 1968,
marca o início desse processo, o qual alcança o momento presente com um quadro ainda
pouco expressivo – tanto do ponto de vista material, quanto intangível – composto por seis
tombamentos de fazendas feitos pelo Iphan, dezesseis pelo Condephaat (Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo),
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a inscrição do “Jongo do Sudeste” como patrimônio imaterial federal, além de alguns
inventários e diversas pesquisas acadêmicas que se debruçaram sobre o tema.

Nas primeiras décadas de atuação do Iphan, as disputas por quais elementos seriam
assinalados como constituintes da identidade nacional privilegiaram os vetores materiais
associados ao colonial e ao moderno (Marins, 2008, p.144). Ainda que o alargamento da
noção de patrimônio cultural, nas décadas finais do século XX, tenha contribuído à
introdução de uma nova pluralidade de bens no radar de atuação dos órgãos de
preservação (Chuva, 2012, p.157), o olhar das práticas federais de identificação do
patrimônio brasileiro não foi capaz de revisitar todos os bens anteriormente negligenciados.
De tal modo, embora tenham ocorridos reconhecimentos pontuais, o patrimônio rural
paulista nunca foi encarado como prioridade, estando sempre às margens das políticas do
Iphan ao longo de sua trajetória.

Se o interesse pelos bens rurais do café de São Paulo não foi prioritário na agenda federal,
a criação do órgão paulista de proteção ao patrimônio trouxe um novo fôlego para tal
universo. Criado em 1968, o Condephaat pretendeu já em seu início definir uma conduta de
atuação (Marins 2008, p.154; Mosaner, 2012, p.35). Assim, buscando incluir no rol do
patrimônio paulista a arquitetura relativa aos ciclos econômicos do café e da indústria, em
seus primeiros anos de atividade, intelectuais e profissionais ligados ao Condephaat
planejaram e efetivaram o levantamento de bens rurais espalhados pelo estado de São
Paulo, o qual ficou conhecido como “Inventário de 500 fazendas”. Com recursos do órgão
paulista, sob orientação do arquiteto Luís Saia – então funcionário do Iphan – e organizado
em um sistema de contrato por empreita de trabalho, os levantamentos foram graduais
(Mosaner 2012, p.36), mas deram conta de produzir uma vasta documentação gráfica que
ainda hoje é analisada como fonte primária nos estudos sobre a cafeicultura paulista.

Até o fim do século XX, o desenvolvimento das ações tanto de reconhecimento, quanto de
preservação, dos bens rurais do café paulista apresentaram certa inércia, a qual começa a
ser quebrada apenas nos anos 1990 com a finalização de trabalhos acadêmicos que se
debruçaram sobre a arquitetura rural do café. Desse grupo pioneiro, convém ressaltar as
dissertações de Marcos Carrilho (1994), “As fazendas de Café do Caminho Novo da
Piedade”, e de Marialice Pedroso (1998), “Arquitetura das Fazendas de Café de Amparo,
Monte Alegre do Sul e Serra Negra de 1850 a 1930”, bem como o trabalho de Carlos Lemos
(1999), “Casa Paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café”.

A partir dos anos 2000, o interesse pela temática do café rural ganha novo impulso de modo
que as investigações se tornam não só mais numerosas, como também seus objetos de
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interesse se mostram mais plurais. Desse modo, se a primeira leva de trabalho se debruça
sobre os vetores materiais, investigações mais recentes contam com novas perspectivas
sobre os bens rurais do café, as quais transcendem a materialidade e projetam outro olhar
sobre tal patrimônio. Assim, a noção de tais espaços rurais como uma paisagem, constituída
a partir da relação homem-natureza e que só pode ser bem compreendida a partir do
diálogo com os grupos sociais que com ela se relacionam, apresenta-se como algo
indissociável do estudo do universo cafeicultor.

Nesse sentido, é válido pontuar que, apesar de não resultarem em ações de proteção ou
terem sido amplamente divulgados e estudados, nas últimas duas décadas o Iphan realizou
alguns inventários relacionados aos bens rurais do café. Em 2007, mobilizando o próprio
corpo técnico e frente ao desejo de realizar Inventários de Conhecimento em todo o país, as
Superintendências mineira e paulista do Iphan elaboraram um levantamento preliminar de
bens rurais relativos ao café em municípios do Vale do Paraíba paulista e do Sul de Minas.
Em 2009, tal estudo foi aprofundado com a contratação do escritório Pindorama Arquitetura,
que produziu investigações mais extensa de determinadas propriedades cafeeiras.

Um dos desdobramentos imediatos desses inventários foi a realização do “Primeiro


Encontro Técnico sobre o Patrimônio Rural do Café em São Paulo” e a consequente criação
do “Grupo Interinstitucional sobre o Patrimônio Rural do Café”. Assim, no âmbito da
continuidade de tais ações, entre 2017 e 2018, a Superintendência do Iphan de São Paulo
realizou um extenso inventário síntese, buscando reunir as informações já produzidas sobre
os bens rurais do café paulista. Frente aos limites que serão pontuado adiante, o material
analisado se limitou aos acervos do Arquivo do Iphan-SP, às bibliotecas Luís Saia (Iphan-
SP) e da FAUUSP, aos bancos digitais de teses e dissertações tanto da USP, quanto da
Unicamp, e aos materiais online sobre as fazendas de café de São Paulo.

Intitulado “Patrimônio Rural do Café: Retomada do inventário de conhecimento das


Fazendas de Café Paulistas”, o objetivo era mapear os dados já produzidos e o
espraiamento das fazendas de café por São Paulo. Em um momento no qual o atual
desmonte das ações culturais pelo Estado já vinha sendo posto em prática, de modo distinto
aos levantamentos anteriores, tal pesquisa não recebeu uma verba específica para sua
realização e ficou concentrada no escopo de atividades desenvolvidas pelo estagiário de
arquitetura da Superintendência paulista do Iphan. Sob coordenação e orientação das
arquitetas Carolina Pádua e Eneida Cruz, desenvolvi o trabalho de análise e coleta de
informações sobre fazendas cafeeiras paulistas que aparecem listadas ou estudadas tanto
em inventários empreendidos pelo Iphan e pelo Condephaat, quanto em pesquisas

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acadêmicas e trabalhos de secretarias municipais de cultura que estavam disponíveis online
ou nos acervos consultados.

Importante pontuar que as estruturas institucional e de acesso a informações instituiu limites


a este inventário síntese. Sendo uma atividade elaborada dentro do estágio de arquitetura,
com o período de duração de um ano e com o objetivo quantitativo de coleta de
informações, optou-se por utilizar como material de pesquisa investigações elaboradas a
partir do campo disciplinar arquitetônico, além dos inventários já realizados pelos órgãos de
preservação nacional e paulista. Se por um lado, tal recorte limitou a extensão de assuntos
e leituras sobre o universo cafeeiro, por outro ele deu conta de esboçar um extenso quadro
inicial sobre o volume que a produção do café alcançou em São Paulo.

A partir das informações coletadas nos materiais analisados, objetivava-se produzir um


banco de dados e o mapeamento georreferenciado das fazendas levantadas. Além de
proporcionar visualidade acerca da dispersão da cafeicultura pelo território paulista,
georreferenciar tais espaços permitiria a sobreposição dessas informações sobre o trabalho,
já realizado no Iphan, do traçado das ferrovias paulistas. Inicialmente, esperávamos listar
um número de propriedades cafeeiras não muito superior às cerca de 310 fazendas
presentes na tese de Benincasa (2007). Contudo, a base de dados produzida ao final
indicou a existência de mais de 700 fazendas de café espalhadas por São Paulo, revelando
uma perspectiva inédita, clara e abrangente acerca tanto do conhecimento já produzido
sobre a extensão do café, quanto de sua difusão pelo território.

O presente artigo pretende apresentar como foi elaborado este inventário síntese,
destacando sua metodologia empírica que se constitui em três etapas bem definidas:
pesquisa e coleta de informações, tabulação das informações e produção de banco de
dados, mapeamento. Ao final, além de divulgar um modo exitoso de realização de
inventários de empreendimentos rurais, espera-se tecer uma breve análise sobre os
resultados obtidos, bem como sua importância para o conhecimento dos bens rurais do café
paulista.

Pesquisa: estudo e ações incidentes nas fazendas de café

Desde os primórdios de sua implantação até o século XX, o café valeu-se da presença de
elementos singulares do meio natural – como cursos d’água e morros para o plantio – para
fixar toda organização e estruturas necessárias à sua produção. Tal condicionante fomentou
a existência de uma paisagem particular da lavoura cafeeira, que reflete e expressa as
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formas de cultivo e de preparo desse grão. Tal modo de apropriação do território, peculiar e
usufruindo-se de elementos naturais específicos, constituiu-se como uma marcha de
interiorização do café atrelada a um povoamento, o que gerou uma paisagem relativamente
análoga em todo o território. Ou seja, o avanço da cafeicultura gerou uma paisagem do café.

De acordo com Carrilho (1994), muitos estudos e investigações sobre o café já foram
realizados nos campos da história e da economia, bem como na literatura em seu universo
ficcional. Contudo, a estrutura necessária para a produção do café aparece como um
elemento físico ainda pouco pesquisado, apesar da suma importância para a memória do
país, e que sede lugar ao casarão como elemento representativo de toda a fazenda nas
investigações e levantamentos realizados. Entende-se aqui como tais estrutura toda sua
arquitetura, isto é, as construções e edificações essenciais à existência da cafeicultura:
terreiro, tulha, casa de máquinas, casarão-sede, senzala e casas de colônia.

Como pontuado anteriormente, as primeiras ações de conhecimento e proteção realizadas


sobre as fazendas de café foram alguns tombamentos – concentrados na região do Vale do
Paraíba paulista –, bem como o “Inventário de 500 fazendas” empreendido pelo
Condephaat. Esse último pode ser considerado como um marco no processo de
conhecimento dessas estruturas rurais, pois foi por meio dele que se ampliou a noção
acerca da dimensão da herança arquitetônica do ciclo cafeeiro de São Paulo. Um fato que
corrobora tal importância é que toda bibliografia relativa à arquitetura do café posterior aos
anos 1990 valem-se, em maior ou menor grau, dos registros do Condephaat, que se
caracterizam por serem um registro totalmente gráfico das propriedades constituído de
desenhos técnicos das construções e, em alguns casos, perspectivas e fotografias.

Inicialmente, o tema da arquitetura dentro da literatura cafeeira aparece nos manuais


agrícolas do século XVIII onde são estabelecidas indicações sobre a escolha do terreno e
apontadas as edificações necessárias ao desenvolvimento da produção. Foi apenas nos
anos 1990, a partir do trabalho “As fazendas de café do Caminho Novo da Piedade”
(Carrilho, 1994) que o estudo da arquitetura das fazendas de café, como a estrutura de um
ciclo econômico do passado, de fato se manifestou de modo consciente e crítico. Desde o
final do século XX, investigações acadêmicas têm se voltado para o assunto e, pouco a
pouco, vêm produzindo notável material sobre a arquitetura do café paulista. A partir dos
anos 2000, tais publicações se intensificaram de modo que, em intervalos curtos de poucos
anos, são divulgadas teses e dissertações as quais, quando não versam diretamente sobre
a arquitetura das fazendas de café paulistas, utilizam o tema do café e a bibliografia já
existente para complementar os argumentos expostos.

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Entre os anos 1990 até a primeira década dos 2000, grande parcela das investigações
acadêmicas dedicaram-se ao vetor material das fazendas, analisando sua distribuição pelo
território, bem como as técnicas construtivas e os projetos de implantação. Além dos
trabalhos já apontados anteriormente, é válido destacar as obras de Argolo Ferrão (2004),
“Arquitetura do Café”, e de Vladimir Benincasa (2007), “Fazendas Paulistas: arquitetura rural
no ciclo do café”, sendo esta última um marco nos estudo sobre a arquitetura do café não só
pela qualidade e materiais apresentados, como também pela extensão do número de
fazendas de café estudadas.

Os demais estudos provenientes das universidades que exploraram o universo da


arquitetura rural do café paulista foram importante para incidir luz e ampliar o conhecimento
sobre o tema e, também, para expandir as regiões estudadas além do Vale do Paraíba
(Marins, 2010, p.06). Assim, em investigações mais atuais, as possibilidades de abordagens
vêm pluralizando-se ao adicionar outras camadas de discussões acerca do patrimônio rural
do café paulista como relações de trabalho, experiências sociais e meio-ambiente. Em
pesquisas elaboradas a partir de 2008, além da arquitetura da fazenda passa a interessar
também o que está ao lado e além, incorporando ao estudo desse espaço criado pelo
homem, o próprio homem e a natureza.

De volta às ações de inventário, em 2007 ocorreu a retomada institucional de ações


relativas à cafeicultura, com a elaboração de novos inventários e com o desenvolvimento de
diálogos entre instituições relativos ao patrimônio rural do café. Almejando produzir uma
versão paulista do “Inventário de Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense”1 e frente ao
desejo de realizar inventários de conhecimento em todo o país, profissionais do Iphan
ligados ao Depam (Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização) e às
Superintendências Regionais de São Paulo e de Minas Gerais – 9ª e 13ª, respectivamente –
elaboraram um levantamento preliminar de cerca de trinta e sete bens rurais do café em
alguns municípios das regiões do Vale do Paraíba paulista e do Sul de Minas. Visando
estudar de modo mais aprofundado algumas das propriedades levantadas, em 2009, sob
coordenação da Superintendência do Iphan de São Paulo, o escritório Pindorama
Arquitetura produziu o “Inventário de Conhecimento do Patrimônio Rural do Vale do Paraíba
Paulista”, no qual estão presentes dezessete fazendas “consideradas significativas dos

1 Realizado entre 2007 e 2010, sob coordenação técnica do Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio
Cultural) e em parceria com o Instituto Light e o Instituto Cidade Viva, esse projeto mapeou e
inventariou 238 fazendas históricas da região do Ciclo do Café, em trinta e seis municípios do Estado
do Rio de Janeiro. Um destaque desse estudo foi a segmentação da região onde ocorreu a
cafeicultura fluminense, concebendo uma importante metodologia de análise de grandes extensões
do território.
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processos econômicos, sociais e culturais do café no Estado” (Mello, Nascimento, 2010,
p.05).

A última iniciativa institucional relacionada aos bens rurais do café paulista ocorreu em 2010,
na ocasião do “Primeiro Encontro Técnico sobre o Patrimônio Rural do Café em São Paulo”,
bem como na consequente criação do “Grupo Interinstitucional sobre o Patrimônio Rural do
Café da região”. O objetivo do grupo era estabelecer o diálogo e a troca de informações
sobre o tema entre órgão patrimoniais, universidades e instituições interessadas na
cafeicultura paulista (Iphan, Condephaat, Iepha, Inepac, USP, UFSCar, Unicamp, Instituto
Preservale e Associação de Fazendas Históricas Paulista). Contudo a interlocução
pretendida não se materializou em ações de proteção ou reconhecimento de tais bens.

Todas essas ações, brevemente relatadas, constituem parte significativa das informações e
dos dados conhecidos sobre a cafeicultura de São Paulo dos séculos XVIII ao início do XX.
Nas bibliografias analisadas é perceptível o esforço dos autores em mapear seus objetos de
estudo, identificando a localização das fazendas e o avanço da cafeicultura, o que contribui
para identificar seu posicionamento no território. Muitos trabalhos citam a presença das
ferrovias paulistas e as localidades por onde se desenhavam seus trajetos. No entanto,
poucos expõe mapas com o traçado ferroviário e nenhum ousou sobrepor a localização das
fazendas estudadas com as linhas férreas ou mesmo com as estações de trem.

Tabulação e banco de dados

O estudo das pesquisas e ações institucionais realizadas sobre a cafeicultura paulista


permite o conhecimento de informações já levantadas sobre tal tema. De tal modo, o
trabalho de retomada do inventário de conhecimento das fazendas de café paulistas,
exposto ao longo deste artigo, teve início com a análise desse material concomitante à
elaboração de planilhas com os dados disponíveis sobre os empreendimentos apontados
nesse material. Para cada bibliografia consultada relativa à arquitetura da cafeicultura
paulista e para cada inventário realizado, pelo Iphan ou pelo Condephaat, foi produzida uma
planilha por meio do software Microsoft Excel. Ao todo foram criados quatorze arquivos,
sendo a tabela resultante da tese de Benincasa (2007), a mais significativa em termos de
quantidade de fazendas estudadas, pois apresenta cerca de 310 empreendimentos.

Além do nome de cada fazenda, em tais tabelas também foram copiladas outras
informações que pudessem auxiliar no reconhecimento posterior da localização dessas
propriedades como município, dada de construção e diversos fragmentos de dados sobre

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técnicas construtivas, estilo das edificações, materiais, estruturas etc. Assim, cada planilha
foi organizada como uma tabela cujas colunas de informações estavam divididas em quatro
elementos: Nome, Localização (cidade), Data e Observação, sendo o último item uma
reunião de dados julgados relevantes. Para a união de todas as informações coletadas em
um único documento, optou-se por a partir da tabela mais numerosa – proveniente do
trabalho de Benincasa (2007) –, manter apenas os dados relativos ao nome e a localização
e acrescentar, manualmente e individualmente, as fazendas presentes nas demais tabelas.
Apesar de trabalhosa, tal ação foi fundamental para evitar a duplicação de dados.

É válido destacar a importância da existência da coluna “Observação” nas planilhas


provenientes da análise das bibliografias consultadas. Em muitos casos, a ausência de
preposições ou mesmo o nome atribuído a uma propriedade – Fazenda, Engenho ou
mesmo Sítio – transmitiu, em um primeiro momento, a ideia de que se tratava de objetos
diferentes. Contudo, a partir do confronto das informações existentes que foram copiladas
na coluna “Observação” foi possível contrapor os dados de modo a determinar se de fato
eram, ou não, empreendimentos distintos.

Ao concluir o processo de cruzamento e união das quatorze planilhas com propriedades


cafeeiras já estudadas, inventariadas ou tombadas, foi possível obter uma tabela final com
duas colunas sobre informações das fazendas (Nome da Fazenda; Município), cinco
colunas com referência dos materiais bibliográficos onde tais empreendimentos foram
encontrados e duas colunas com informações sobre as fontes onde é possível encontrar
desenhos técnicos e/ou registros iconográficos das fazendas.

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Figura 01: layout da tabela final.

Ao final, a tabulação de todos os empreendimentos cafeeiros rurais, que estão presentes em


algum estudo ou em algum inventário já produzido, revelou a existência de
aproximadamente 740 fazendas. Além de expressiva, tal quantidade evidenciou que os bens
culturais materiais e rurais relativos ao cultivo do café em solo paulista existem em um
número muito superior ao já apresentado em extensos levantamentos, como o inventário
feito pelo Condephaat nos anos 1970 ou a pesquisa de Benincasa (2007). Frente a isso, a
elaboração do mapeamento dessas fazendas se colocou como um desafio não só em
virtude da quantidade, mas também porque muitas dessas propriedades não foram
estudadas com profundidade, de modo que são conhecidos apenas sua denominação e o
município onde se encontram.

Georreferenciamento e mapeamento das fazendas de café

O processo de mapeamento dos empreendimentos cafeicultores listados teve início com a


busca por suas coordenadas geográficas. Sem dispor de um suporte teórico que servisse

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como referencial metodológico, a solução adotada para determinar as localizações foi a
construção cotidiana e empírica de mecanismos e ações que permitissem encontrar a
orientação geográfica das fazendas tabuladas. Consciente daquilo que se desejava obter,
as ferramentas disponíveis online e os softwares que fazem uso de dados geoespaciais
formaram a base dos recursos utilizados no processo.

As consultas aos dados presentes nos inventários do Iphan, no inventário de Ribeirão Preto
(realizado entre 2011 e 2012 dentro do projeto “Rede de Cooperação de Identidades
Culturais”), no site “Fazenda Paulista” e em sites de busca (como o “google.com”) foram as
principais fontes utilizadas no processo de localização das fazendas. Os dados obtidos na
etapa de pesquisa – como endereço ou coordenada geográfica – foram lançados no Google
Maps a fim de observar nas imagens de satélite se no local indicado havia uma organização
espacial condizente com as implantações de fazendas de café. Ou seja, se haviam
resquícios de uma estrutura retangular análoga aos terreiros, e se a partir desse espaço
irradiavam construções de tamanhos variados que pudessem corresponder às demais
arquiteturas dos empreendimentos cafeeiros.

Assim, confirmada a existência de alguma ocupação rural na orientação obtida, a


coordenada da fazenda era inserida na tabela de dados em uma nova coluna denominada
“Localização Geográfica”. As orientações obtidas a partir dos inventários que apresentavam
as coordenadas geográficas das propriedades levantadas e do site Fazendas Paulistas,
foram classificadas como “precisas” devido a confiabilidade desses materiais. Ao todo, com
tal procedimento foi possível localizar 126 empreendimentos cafeicultores.

O processo de mapeamento seguiu com o uso de sites de busca, de modo que para cada
fazenda ainda sem endereço foi feita a procura por alguma informação sobre ela inserindo
no “Google” seu nome junto do município. Nas buscas mais afortunadas, os
empreendimentos dispunham de site ou páginas no “Facebook” que continham mapas
indicando sua localização ou seu logradouro. Cada endereço foi verificado no Google Maps
a partir da análise do que estava construído no local, ou seja, se era possível identificar o
terreiro e construções adjacentes. Se as bibliografias ou inventários apresentassem algum
desenho da implantação ou mesmo a planta do casarão, esses eram comparados às
imagens de satélite como uma forma de comprovar se as edificações da localização
apresentada condiziam com a fazenda procurada. A escolha pelo uso do desenho do
casarão decorre do fato de esse ser um elemento constante nos inventários e materiais
consultados. Além disso, como é uma construção de grande volume, sua percepção em
imagens de satélite é mais evidente.

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A localização dos empreendimentos cujos endereços foram verificados a partir da
comparação entre desenhos existentes e a implantação observada nas imagens de satélite
foram denominadas “comparadas”. Essa diferenciação foi feita, pois, apesar de realizada a
comparação com os dados levantados na etapa de pesquisa, preferiu-se não afirmar com
absoluta certeza de que a localização estava correta em virtude de modificação verificadas
em certos edifícios. Apesar de visualidade permitir a detecção dos terreiros e do formato do
casarão, em algumas fazendas pode-se observar certa alteração nesses elementos, como o
crescimento de vegetação naquele e pequenos acréscimos laterais nesse.

Em muitos casos, os endereços fornecidos nas buscas não foram completos sendo
necessária uma procura mais apurada da localização. Para os empreendimentos que
dispunham de apenas alguma indicação do endereço – como nome da rua, rodovia ou
estrada – pesquisou-se no Google Maps tal denominação e sua coordenada geográfica.
Com o auxílio do software Google Earth, a partir da inserção da localização
georreferenciada do logradouro disponível, foi feita uma busca visual por empreendimentos
que dispunham de uma área retangular com limites bem definidos e preenchida com
vegetação baixa, ou ainda com tons marrons ou alaranjados, sendo tais elementos
indicativos da presença do terreiro.

Figura 02: Aspectos dos terreiros das fazendas Três Pedras (Campinas), São Sebastião (Catanduva)
e Figueira Branca (São Carlos). Notar que apesar das colorações diferentes, o formato retangular é
constante.

Nesse momento, a tabulação de informações das fazendas em formato Excel se revelou


como algo de fundamental importância, pois a inclusão do dado sobre as bibliografias que
versaram sobre determinadas fazendas possibilitou encontrar mais rapidamente
levantamento arquitetônicos que subsidiassem sua comparação visual com as imagens de
satélite. Nas propriedades que dispunham apenas de fotos ou desenhos de suas fachadas a
comparação foi feita, quando possível, por meio de imagens presentes no “Panoramio”
(camada de fotos georreferenciadas que estava disponível no Google Earth, mas já foi

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descontinuada). As fazendas localizadas dessa maneira também foram denominadas como
“comparada”.

Ainda assim, houve casos de propriedades que possuíam registro fotográfico nas
bibliografias e/ou inventários analisados, mas, no local onde ela poderia estar inserida, não
havia nenhuma foto anexada ao “Panoramio”. Em tais situações, as coordenadas
geográficas não foram anotadas e as fazendas de café ficaram sem dados referentes as
suas localizações georreferenciadas na planilha do Excel.

No processo de procura visual pelas fazendas que dispunham de alguma referência – como
imagens, bairro ou região em que se situam, ou ainda nome de leitos fluviais próximos –, foi
possível encontrar em determinadas regiões (Amparo, Chavantes, Franca, Garça, Jaú,
Sales Oliveira, São João da Boa Vista e São Manuel) concentrações de terreiros cujas
características eram análogas aquelas anteriormente citadas. Apesar de identificados os
terreiros, não foi possível determinar o nome das fazendas ou se eles correspondem a
propriedades presentes na planilha proveniente da etapa de pesquisa. Contudo, como foi
apontado, a prática da cafeicultura cunhou no solo paulista certa “paisagem do café”, à qual
não é possível desassociar a presença do terreiro. Desse modo, a percepção visual de tais
estruturas a partir das imagens de satélite foi registrada no Google Earth, configurando uma
nova tipologia dos empreendimentos localizados a qual foi denominada “terreiros”.

O último caso que gerou a necessidade de uma nova classificação referente à confiabilidade
das localizações encontradas pertence às fazendas que dispunham de vários indícios
quanto aos seus endereços, mas nenhuma fonte de dados gráficos que permitisse sua
classificação como no grupo “comparada”. Ao todo, essa situação ocorreu com quarenta e
uma fazendas, sendo suas localizações classificadas então como “possível”.

Ao final desse processo, somando os resultados das localizações “precisa”, “comparada” e


“possível”, foram encontradas as coordenadas geográficas de 374 propriedades, as quais
possibilitaram elaborar um mapa que revela não só a plural distribuição espacial das
fazendas de café pelo estado de São Paulo, como também o diálogo que tais construções
possuem com o traçado das ferrovias. Para as demais propriedades que não foi possível
determinar os locais de implantação, é importante pontuar que o processo de busca
realizado colaborou na coleta de mais informações sobre seu estado de uso e de
conservação. Contudo, sua localização ainda demanda uma verificação in loco.

Utilizando a classificação elaborada, separadamente as coordenadas obtidas foram


transferidas para o software Quantum Gis, o qual permite a visualização espacial, a análise
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de dados georreferenciados, bem como a elaboração de mapas com sobreposição de
outras informações. Assim, transformadas em shapefile, cada grupo de informações –
“precisa”, “comparada”, “possível” e “terreiro” – foi convertido em uma camada que pode ser
sobreposta com outros dados ou mesmo ativadas e desativadas conforme a análise que se
pretende desenvolver. Quanto maior a quantidade de shapefiles sobrepostos, maior é o
número de combinações possíveis entre elas e, portanto, maior também é a possibilidade de
análises que se pode realizar.

A seguir, serão apresentadas alguns dos mapas elaborados a partir dos dados obtidos no
processo acima descrito e que proporcionam uma leitura visual sobre a distribuição da
cafeicultura pelo estado de São Paulo. Além das camadas de localização das fazendas e
dos terreiros mapeados, também foram inseridas shapefiles referentes às linhas férreas
construídas entre os séculos XIX e XX – trabalho desenvolvido anteriormente dentro da
Superintendência do Iphan de São Paulo, sob coordenação da arquiteta Elisa Vaz Ribeiro –,
pois apresentam-se como elementos intrínsecos à história do cultivo do café em solo
paulista.

Figura 03: Localização das fazendas e dos terreiros mapeados em sobreposição com as linhas
ferroviárias paulistas.

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Conforme pode ser observado, as fazendas de café localizadas se concentram nas áreas
correspondentes ao Vale do Paraíba, à região central (arredores de Campinas, Piracicaba,
Botucatu) e se espraiam em direção a Ribeirão Preto, Catanduva e Penápolis, seguindo os
eixos das ferrovias Mogiana, Noroeste e Cia Paulista, respectivamente. Tal concentração
decorre do fato de que essas regiões se encontram mais presentes nos inventários
consultados. Ou seja, locais que contam com ais estudos e análises, e dispõem de mais
informações e dados espaciais sobre o cultivo do café, tiveram suas fazendas mais
facilmente localizadas. Também, é possível notar certa concentração de pontos em
determinados espaços como nas cidades de Ribeirão Preto, Campinas, Amparo, Bananal e
São José do Barreiro. Com base no material que foi analisado na etapa de pesquisa,
verifica-se que tal ocorrência decorre da pluralidade de bibliografias e inventários que
contemplam tais municípios, os quais contém tanto levantamentos gráficos das fazendas,
quanto informações diversas sobre suas localizações.

Nesse sentido, estudos mais aprofundados em regiões específicas mostram-se como uma
ferramenta importante, pois, além de serem uma fonte documental, subsidiaram fortemente
a elaboração do inventário síntese. Faz-se ainda necessário ressaltar que as regiões do
Vale do Paraíba e de Campinas possuem muitas fazendas cujos endereços foram obtidos
por meio de comparação entre as imagens de satélite e os desenhos elaborados pelo
“Inventário de 500 fazendas” do Condephaat. Ou seja, a importância desse levantamento
documental, ainda que antigo, foi basilar à determinação da localização de tais
propriedades.

Se o significativo volume de fazendas tabuladas revelou que tais bens rurais ainda são
plurais no território paulista, a necessidade de conhecê-los mais profundamente se coloca
como um dos próximos desafios a serem enfrentados. Isso porque o avanço das ocupações
e transformações espaciais em todo o estado de São Paulo – que atravessa o século XX e
ainda é uma realidade presente – ameaça não só à existência física desses locais, como
também às diversas práticas culturais da sociedade paulista que remetem às fazendas de
café. Tal como o inventário feito pelo Condephaat nos anos 1970, neste último levantamento
realizado pelo Iphan, mais do que evidenciar quão diversa ainda é a presença da
cafeicultura pelo território paulista, espera-se que ele possa estimular e subsidiar ações
futuras de preservação desses espaços ou mesmo investigações acadêmicas2.

2Uma continuidade desse estudo, em processo de execução, é a pesquisa de mestrado “Narrativas


em torno da patrimonialização das fazendas de café paulistas: matérias e encenações no processo
de construção da memória”. Realizado por Larissa Silva-Dias, dentro do Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, sob orientação da Profa. Dra. Flávia Brito do Nascimento e
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Considerações finais

Como se pode perceber ao longo do presente texto, a retomada do levantamento e


conhecimento das fazendas de café localizadas em São Paulo permitiu não só uma síntese
das ações e estudos já elaborados sobre tal temática, como também realizou o
mapeamento de grande parte dessas propriedades. Mesmo sem dispor de uma metodologia
específica e já anteriormente utilizada, uma análise dos produtos obtidos no processo de
conhecimento, tabulação e georreferenciamento das fazendas cafeicultoras aponta que
esse trabalho apresenta não só uma nova maneira de pensar e realizar ações de
reconhecimento e identificação de bens culturais materiais, como também incide luz sobre a
importância de produzir estudos sobre o tema. Realizado apenas a distância e com
ferramentas e softwares de uso amplamente disseminados, o mapeamento das fazendas
identificadas permite, de modo inédito, estabelecer uma leitura visual acerca da distribuição
espacial das fazendas de café paulistas.

A expressiva quantidade de propriedades listadas alerta para o desafio que é pensar a


valoração e salvaguarda desses bens, uma vez que o conjunto de todas as fazendas de
café é mais significativo para a memória paulista do que elas tomadas individualmente.
Contudo, todo o levantamento realizado pode ser encarado como um passo inicial de
proteção desses bens, uma vez que produzir material sobre o que ainda existe dos bens da
cafeicultura paulista permite o conhecimento e registro de informações importantes e
significativas dessa história. Ainda assim, frente ao intenso espraiamento das fazendas, de
modo a cobrir quase todo o território de São Paulo, é necessário e fundamental que as
ações de conhecimento e valoração desses bens avancem de modo que possamos, cada
vez mais, inteirarmo-nos acerca da importância e urgência de reorientar o olhar a esse
patrimônio cultural rural.

Referências Bibliográficas

ARGOLLO FERRÃO, André. Arquitetura do Café. 1ªed. Campinas, Editora da Unicamp,


2004.

BENINCASA, Vladimir. Fazendas Paulistas: arquitetura rural no ciclo cafeeiro. Tese de


Doutorado. São Carlos, SP: Escola de Engenharia de São Carlos, USP, 2007.

com auxílio da FAPESP (2021/01105-7), a investigação analisa ações e discussões realizadas no


campo do patrimônio que nortearam o processo de patrimonialização das fazendas de café paulistas.
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CARRILHO, Marcos. As Fazendas de Café do Caminho Novo da Piedade. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, 1994.

CHUVA, Márcia. “Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil”. In: IPHAN.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.34 (História e Patrimônio), 2012.
P.147-165.

LEMOS, Carlos. Casa Paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo
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MARINS, Paulo Garcez. “Trajetórias de preservação do patrimônio rural paulista: entre ação
governamental e práticas sociais”. 2º Seminário de Patrimônio Agroindustrial: Lugares de
Memória. São Carlos. 2010. Disponível em <http://www.iau.usp.br/sspa/palestras.html>.
[último acesso em setembro de 2021].

MARINS, Paulo Garcez. “Trajetórias de preservação do patrimônio cultural paulista”. In:


Setúbal, M. (Ed.). Terra paulista: trajetórias contemporâneas. São Paulo, Cenpec, Imesp,
2008, p.135-165.

MELLO, Joana; NASCIMENTO, Flávia. “A Experiência de Inventário de Conhecimento do


Patrimônio Rural no Vale do Paraíba – SP”. 2º Seminário de Patrimônio Agroindustrial:
Lugares de memória, São Carlos. 2010 Disponível em <
https://www.iau.usp.br/sspa/arquivos/pdfs/papers/04503.pdf>. [último acesso em setembro
de 2021].

MOSANER, Fábio. O desenho como método de estudo: Antônio Luiz Dias de Andrade e a
arquitetura do Vale do Paraíba. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo. USP, 2012.

PEDROSO, Marialice. Arquitetura das Fazendas de Café de Amparo, Monte Alegre do Sul e
Serra Negra de 1850 a 1930. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP: Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, Unicamp, 1998.

SOARES, Adélia. Iphan estuda ações de preservação e valorização do patrimônio cultural


do café na região sudeste. [online]. IPHAN, Brasília. 2011. Disponível em
<http://portal.Iphan.gov.br/noticias/detalhes/1544/Iphan-estuda-acoes-de-preservacao-e-
valorizacao-do-patrimonio-cultural-do-cafe-na-regiao-sudeste>. [último acesso em agosto de
2021].

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EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

ALTERAÇÃO DE USO EM BENS DE PATRIMÔNIO CULTURAL: O


caso da Casa Kraft em Pelotas - RS

ROCHA, LETÍCIA AGUILERA LARROSA DA. (1); LARROSA, CLÁUDIA ANAHÍ


AGUILERA. (2); MENDES, ALINE DE OLIVEIRA. (3)

1. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-


graduação em Arquitetura.
Av. Pedro Calmon, 550 - Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro
leticia.rocha@fau.ufrj.br

2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-


graduação em Arquitetura.
Av. Pedro Calmon, 550 - Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro
aline.mendes@fau.ufrj.br

3. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense. Campus Avançado


Jaguarão.
Corredor das Tropas 801 - Jaguarão
claudialrrosa@ifsul.edu.br

RESUMO

Ao sul do Rio Grande do Sul está situada a cidade de Pelotas - RS, com grande atrativo
histórico expressado de diversas formas, tanto no patrimônio histórico material, através de
sua arquitetura histórica, como no patrimônio imaterial, através de suas tradições doceiras.
As ações de preservação do seu patrimônio iniciaram entre as décadas de 1970 e 1980, e
hoje a cidade possui um dos maiores acervos da arquitetura eclética do país. Mesmo assim,
a cidade ainda carece de proteção de seu patrimônio, principalmente daquelas edificações
que não foram inventariadas até a data em que este artigo foi desenvolvido. Algumas destas
preexistências vivem no imaginário da população, e a falta de proteção abre espaço para a
destruição do espaço físico e o apagamento destes lugares, levando à perda da referência,
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de parte da história e do valor que trazem para a evolução da cidade, abrindo espaço para
novas edificações, que não preconizam a valorização e harmonização do entorno, não
possuem a mesma qualidade arquitetônica e não acrescentam qualidade visual à paisagem
urbana por não demonstrar nenhuma relação com o lugar ou com a identidade local. Dentre
os inúmeros casos que podem ser citados, iremos destacar o mais relevante para este estudo,
que é o da Casa Kraft, localizada na Zona Norte da cidade de Pelotas. A edificação esteve
em vias de ser demolida para a construção, em seu lugar, de uma drogaria em setembro de
2020 e o conhecimento deste fato causou grande comoção pública. Além disso, a
preexistência possui grande importância para memória afetiva dos pelotenses, que devido a
interesses mobiliários deveria ser destruída para dar lugar à construção de uma edificação
comercial, que inicialmente abrigaria uma drogaria, com um projeto totalmente destoante do
entorno existente, descaracterizando assim a esquina. O presente estudo pretende fomentar
o debate e reflexão de como a proposta de troca de uso do prédio poderia auxiliar na
salvaguarda do bem, assim como na conservação da memória afetiva e simbólica desta
preexistência, de importância histórica e testemunha de acontecimentos marcantes para a
cidade. Além de uma reflexão a partir de questionamentos pertinentes para a evolução do
estudo, como por exemplo: Se a Casa Kraft é referência cultural, está na memória afetiva
coletiva da comunidade e é tão importante para a população, porque não estava inserida no
inventário de bens protegidos da cidade? Qual a participação da população na construção do
processo de conservação e preservação do patrimônio? O que determina se um bem é
patrimônio cultural? Como os valores e significados atribuídos pela população podem
influenciar de forma efetiva nas decisões sobre o que é protegido? Sem a intenção de buscar
respostas absolutas, pretende-se enriquecer a discussão sobre a importância da salvaguarda
desses bens e possíveis revisões, tanto no processo de proteção, e de mudança de uso, como
ferramentas de valorização do patrimônio cultural, tombados e não tombados.

Palavras-chave: Patrimônio; Preservação; Reutilização; Valores culturais; Inventário.

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Introdução
A cidade de Pelotas, localizada ao sul do Rio Grande do Sul, foi fundada há mais de 200 anos.
Em sua história, passou por um apogeu cultural e econômico que deixou inúmeras heranças
arquitetônicas e culturais para a sociedade. Atualmente conta com um dos maiores acervos
de arquitetura eclética do país, possui oito imóveis tombados em nível estadual (IPHAE) e 14
bens tombados individualmente em nível nacional, pelo IPHAN. Além do patrimônio edificado,
em 2018 o IPHAN realizou o registro das Tradições Doceiras de Pelotas/RS no Livro dos
Saberes, tornando-as Patrimônio Imaterial nacional e o tombamento do Conjunto Histórico de
Pelotas, formado por quatro praças, um parque, a Chácara da Baronesa e a Charqueada São
João (IPHAN, 2018; IPHAN, 2018).

Pelotas também se destaca por suas ferramentas de salvaguarda do patrimônio cultural. A


partir de 1980, um conjunto de leis promulgadas entre este ano e 2006 deu corpo a este
sistema, cabendo destacar a instituição do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e
Cultural, a criação do tombamento municipal de bens culturais, as Zonas de Preservação do
Patrimônio Cultural e a proteção aos imóveis integrantes do Inventário do Patrimônio Histórico
Cultural de Pelotas (Lei nº 4568/2000). Tais imóveis são classificados em quatro níveis de
tombamento, sendo o nível 1 correspondente ao nível máximo de proteção e o nível 4 aplicado
a imóveis que complementam o contexto urbano. (PELOTAS, 2008). O processo de
realização do inventário é longo e trabalhoso, pois é um trabalho multidisciplinar que demanda
tempo e uma série de profissionais de diferentes áreas. Pelotas é uma cidade com incontáveis
edificações de épocas e estilos arquitetônicos bastante distintos e finalizar o inventário de
todo o território é uma tarefa longa e que depende de inúmeras instituições. O viés negativo
de não existir um inventário completo é a possibilidade de perda de edificações que fazem
parte da memória coletiva da cidade, mas não estão inventariadas. A falta de proteção abre
espaço para a destruição do espaço físico e o apagamento desses lugares, levando à perda
da referência de parte da história e do valor que trazem para a evolução da cidade. Com isso,
acabam por dar lugar a novas edificações que não preconizam a valorização e harmonização
do entorno, não possuem a mesma qualidade arquitetônica e não acrescentam qualidade
visual à paisagem urbana por não demonstrar nenhuma relação com o lugar ou com a
identidade local.

Neste contexto encontra-se o caso da Casa Kraft. Residência unifamiliar construída entre
1951 e 1953 no chamado III Loteamento de Pelotas (atualmente denominado AEIAC – Área

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Especial de Interesse do Ambiente Cultural – Zona Norte). Após o falecimento do proprietário,
os herdeiros desocuparam a casa, que permaneceu neste estado por anos. No ano de 2020
a edificação foi vendida para um grupo de investidores que planejou demolir a construção
para dar lugar a uma drogaria com edifício padrão. O conhecimento deste plano alertou a
comunidade pelotense, que iniciou uma petição contra a demolição, e um grupo de arquitetos
e engenheiros de várias instituições públicas e privadas, no qual uma das autoras deste artigo
faz parte, elaborou documentos técnicos atribuindo valores à Casa Kraft para justificar a
solicitação de preservação do imóvel. O Ministério Público interveio e impediu a demolição da
casa, mas não sem antes acontecer a destruição de partes importantes da mesma (Figura
01).

Figura 01: Casa Kraft antes e depois do princípio de demolição. Fontes: Google Earth, 2020 e da
autora.

Considerando que a análise dos valores associados ao monumento é o ponto de partida para
a discussão de diferentes modalidades de conservação, que abarcam usos diferenciados e

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variáveis, sem prejuízo de sua primordial função cultural (Fabris in Riegl 2014), este artigo
traz a experiência da Casa Kraft para fomentar o debate sobre como a troca de uso de uma
edificação de valor cultural pode auxiliar na salvaguarda do bem e colaborar para a
conservação da memória afetiva do contexto em que o bem está inserido. As análises sobre
os valores da edificação foram realizadas com embasamento técnico dos documentos
entregues ao Ministério Público do Rio Grande do Sul em setembro de 2020 pelo corpo técnico
aqui já citado e comparadas com os valores classificados por Riegl (2014) e Meneses (2012).

Atribuição de valores para justificar a preservação de um bem e os


valores da Casa Kraft
O reconhecimento dos valores de um bem cultural justifica a atribuição de significados ao
mesmo, servindo de embasamento para a elevação à patrimônio cultural e,
consequentemente, para a sua preservação. E através da atribuição de diferentes valores,
são recomendadas diferentes ferramentas de conservação e preservação.

Riegl (2014) foi um dos principais autores a classificar os valores que podem ser atribuídos a
um bem cultural. Em sua obra, publicada pela primeira vez em 1903, Alois divide os valores
em duas grandes categorias: valores de rememoração, em que se encontram os valores de
antiguidade, histórico e de rememoração intencional; e valores da contemporaneidade, que
são os de uso e de arte, sendo este último dividido entre de arte relativo e valor de novidade.

O valor de antiguidade é atribuído àqueles bens que transmitem ao usuário a sensação de


um tempo que já passou. Independente do nível intelectual e conhecimento histórico e
artístico do indivíduo, o bem irá evocar a percepção de passado e nostalgia. Difere-se do valor
histórico, que repousa sobre uma base científica, necessitando de um certo conhecimento
histórico para compreender e absorver o valor do monumento. No valor de rememoração
intencional, o bem possui, desde a sua construção, o objetivo de estar sempre presente e vivo
na consciência das gerações futuras.

O valor de uso é o valor que o monumento apresenta ao estar apto para seu uso, seja esta
sua função original ou a adquirida com o passar do tempo, atendendo às necessidades
materiais da humanidade. O valor de novidade, por sua vez, é atribuído a aquilo que não
passou pela degradação do tempo. “Apenas o novo é íntegro e belo, segundo a visão da
multidão; aquilo que está velho, desfragmentado, descolorido, é feio” (RIEGL, 2014 p.71). Por
fim, o valor de arte relativo é o valor que o homem moderno dá aos monumentos antigos em

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predominância aos novos, independente do valor artístico que lhe era atribuído à época de
criação.

Mais de cem anos depois, Meneses (2012) trouxe os principais componentes do valor cultural,
segundo sua visão, elencando cinco categorias de valores: cognitivos, que são aqueles que
apresentam capacidade de produzir conhecimento, quando o bem é tratado como um
documento; formais, em que os objetos têm o efeito de aguçar a percepção e ampliar os
sentidos do usuário, nos fazendo mais humanos; valores afetivos, que são os relacionados à
memória, trazem reforço de identidade, representações sociais e imaginário social;
pragmáticos, que além dos valores de uso, são capazes de qualificar a sua prática; e valores
éticos, que são aqueles associados às interações sociais, tendo como ponto de partida o lugar
do outro, produzindo diálogos e transformações mútuas.

Cabe aqui lembrar também o conceito de espírito do lugar. Em 2008, na cidade de Foz do
Iguaçu houve uma reunião dos presidentes e membros dos comitês do ICOMOS – Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios - Argentina, Brasil, Chile, México e Paraguai. A intenção
era refletir sobre a noção de “Espírito do Lugar”. Dessa reflexão surgiu a Declaração de Foz
do Iguaçu. Segundo o referido documento, citado por PAVAN (2013, 98), o conceito de
“Espírito do Lugar” traz em seu cerne, elementos que extrapolam o material. Este “espírito” é
constituído por elementos tanto do ambiente natural quanto pelos construídos pelo homem
Tem estes elementos, que são tangíveis (edifícios, objetos, paisagens) e também intangíveis
(odores, memórias, narrativas, valores, cores, texturas) como formadores de uma identidade
única, expressada pela relação entre uma determinada cultura e o sítio em que se desenvolve.

No caso da casa Kraft, pelas narrativas dos assinantes da petição e dos comentários em redes
sociais, a edificação traz a memória coletiva de momentos sonhados, mas não vividos. Estes
depoimentos, sintetizados no próximo item deste artigo, descrevem cheiros, cores, flores,
árvores, jardins,… e o sonho de conhecer ou morar em uma das casas de esquina, ou na
própria casa Kraft.

O objeto de estudo deste trabalho, assim como muitos outros monumentos, não foi construído
com o intuito memorial, mas se tornou assim através dos anos. Deste modo, pode-se
classificá-la como monumento não intencional, aqueles em que o valor de memória é “a
representação do tempo transcorrido desde a sua origem e que revela os traços de
antiguidade” (RIEGL, 2014 p.37). De acordo com a classificação dos valores de Riegl, pode-
se atribuir aqui o valor de antiguidade, pois a sensação é evocada unicamente por uma

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percepção física que pode ser compartilhada também pelas massas, por todas as pessoas
sem distinção de formação intelectual (RIEGL, 2014 p.38).

Os documentos técnicos que embasaram a denúncia ao Ministério Público e a ação


decorrente desta atribuíram os seguintes valores à Casa Kraft: valor urbanístico, paisagístico,
histórico, artístico e afetivo. A seguir comentaremos alguns destes a partir da perspectiva dos
valores classificados por Riegl (2014) e Meneses (2012).

No primeiro Laudo Declaratório, Oliveira et. al (2020) descrevem as características da


paisagem urbana da Casa Kraft. Atribuindo valores paisagísticos, relatam que a residência
“apresenta recuos de todos os lados, de maneira a estabelecer uma determinada ‘gentileza’
urbana, permitindo um desafogo da esquina da cidade e, simultaneamente, garantindo um
diálogo respeitoso com as edificações vizinhas” (p.1). Esta propriedade é típica da região em
que a casa foi construída, porém a ambiência criada já não é tão comum atualmente devido
aos novos edifícios construídos no lugar das antigas residências. Com isso, além do valor de
antiguidade já atribuído neste artigo, percebe-se a ameaça latente de descaracterização da
malha urbana. Entende-se que apenas pela implantação no lote existente na Casa Kraft e nas
edificações de seu contexto, já é necessária a utilização de alguma ferramenta de salvaguarda
que preserve as características contextuais deste conjunto.

O valor afetivo (de referência cultural) é expressado através da manifestação popular coletiva
que aconteceu nas redes sociais e por meio da petição online, que obteve aproximadamente
quatro mil assinaturas nas primeiras 24h. Com o intuito de demonstrar que não eram apenas
assinaturas em vão, Oliveira et. al (2020) anexaram ao Parecer Técnico uma série de
manifestações publicadas e enviadas aos autores. Segundo eles, “A partir de um olhar
antropológico, apenas esta manifestação pública já é motivo para entrada no Ministério
Público alegando ressonância da população. A ressonância de grupos é o que faz de um bem,
patrimônio.” (p. 3).

A cidade de Pelotas, sendo bicentenária, possui uma diversidade de ambiências urbanas que
retratam a passagem do tempo. Ao transitar pela cidade, parte-se do primeiro loteamento, o
centro histórico onde as vias são estreitas com grandes casarões ornamentados, altos e
imponentes alinhados ao passeio público. À medida que se avança para as áreas de
expansão urbana, é notável a modificação na paisagem, com a miscelânea de estilos
arquitetônicos alusivos ao século XX. As ruas vão se tornando mais largas, os casarões
colados às vias dão lugar a residências igualmente imponentes, mas com implantação solta

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no lote, com grandes jardins ocupando o recuo frontal e de esquina, onde é possível enxergar
a beleza das casas através da diversidade de árvores, arbustos e flores, que aguçam todos
os sentidos com sua variedade de odores e cores, aumentando a sensação de amplitude e
liberdade. É nesta área de expansão urbana e modificação da paisagem que a Casa Kraft
está inserida.

Conforme acima citado, o casarão localiza-se na AEIAC Zona Norte. Esta região é
essencialmente residencial, com a existência de poucos imóveis comerciais e de prestação
de serviço (instalados em edifícios que originalmente tinham função residencial).
Caracterizada por lotes de dimensionamento generoso e implantação das edificações
predominantemente isoladas nos lotes, tem na Casa Kraft o exemplo perfeito. A localização
da casa, esquina de duas ruas bastante movimentadas, (inclusive uma delas é trajeto de
diversas linhas de ônibus que fazem a ligação entre o centro e os bairros) facilitou a
construção do reconhecimento da casa pela população geral. Este reconhecimento foi além
dos moradores do entorno e bairros vizinhos, mas também para uma parte da população que
mora em bairros bastante afastados do centro e passava por aquela esquina todos os dias
para ir trabalhar ou estudar, criando um imaginário de como seria a casa por dentro, quem
viveria nela, qual seria o cotidiano do casarão, etc.

Esta pesquisa se preocupa com a manutenção e conservação da integração entre as


sensações que a ambiência existente traz à população, com as inovações tecnológicas e o
desenvolvimento urbano emergente, inevitável e necessário da cidade. Desse modo, espera-
se que as ferramentas de conservação do Patrimônio Histórico e Cultural da cidade preservem
este passeio de ambiência atemporal e multidimensional.

Entende-se, a partir dos laudos apresentados ao Ministério Público e das análises aqui
realizadas, que os principais valores atribuídos à Casa Kraft são baseados em seu contexto
urbanístico e de referência cultural. Ambos tem como premissa principal o estado de
conservação e contexto externos da edificação, sendo plenamente contemplados desde que
seja conservada a volumetria e características externas, bem como sua configuração no lote.
É importante ressaltar, contudo, que para a plena conservação da memória arquitetônica e
social, é fundamental que a integralidade da edificação seja preservada.

Cabe aqui registrar a indissociabilidade encontrada entre os elementos tangíveis e intangíveis


dos valores atribuídos à Casa Kraft. O valor que os autores do laudo técnico denominam “de

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referência cultural”, que equivale aos valores afetivos de Meneses e conversa com o valor de
antiguidade de Riegl, são fundamentados a partir da consciência coletiva gerada através das
características físicas da edificação, sua relação com o lote e da região em que está inserida.
Podemos resgatar as informações sobre o espírito do lugar e a importância de compreender
a relação entre os elementos materiais e imateriais.

Ainda pensando no espírito do lugar e trazendo esta discussão para os valores atribuídos à
Casa Kraft, conseguimos entender que a vocação do monumento gira em torno de sua relação
com o contexto em que está inserida. Portanto, para sua preservação é de crucial importância
que a Casa Kraft continue tendo uma função que contemple e valorize estes fundamentos.

A mudança de uso como ferramenta de salvaguarda


A maioria dos edifícios antigos deve sua longevidade ao fato de terem sido continuamente
utilizados. Por outro lado, a incapacidade de responder a novas necessidades condenou
magníficas edificações ao desaparecimento. (Cyro Correa Lyra, 2005 p.2)

A edificação aqui estudada era originalmente de uso residencial. E assim foi por quase seis
décadas. No entanto, quando o patriarca da família faleceu, a casa ficou desocupada. Seja
por opção ou por necessidade (afinal um casarão daquele tamanho e magnitude exige
constante manutenção, de custo alto), o uso residencial não era mais viável para a edificação.
A única maneira de conservar o edifício seria modificar seu uso. A Casa Kraft foi vendida e a
decisão dos novos proprietários foi, além da troca de função, pela demolição do bem. Como
já narrado anteriormente, foi possível barrar esta destruição com um processo do Ministério
Público. Aqui questionamos se a única solução para a Casa Kraft seria a demolição.
Certamente que não. Seria possível, através da mudança de utilização do edifício, preservá-
lo.

Sabe-se que, a depender da função escolhida, modificações serão necessárias. Poucas são
as utilizações comerciais ou de serviço que se adequam perfeitamente à estrutura de uma
residência. Provavelmente seriam realizadas alterações internas para melhor aproveitamento
do espaço, como retirada de paredes divisórias ou troca de piso. Como disse Lyra (2005), ao
pensar em mudança de uso de um bem cultural, deve-se verificar se a nova função é
condizente com a vocação daquele monumento.

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Kühl (2010) apud Pavan (2013 p.92) salientam que a Carta de Veneza observa que o uso do
monumento deve ser um meio de preservação e não sua finalidade. Pavan (2013 p.93). A
autora comenta sobre a Recomendação de Nairóbi (ICOMOS BRASIL, 1976):

O texto disserta sobre a escolha da função apropriada para as edificações, levando em conta os
aspectos sociais e do conjunto urbano onde está inserido, e afirma a necessidade de analisar o valor
cultural, mas também o econômico, como forma de adaptar o uso às necessidades sociais, culturais e
econômicas: A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de revitalização.
Seria, portanto, essencial manter as funções apropriadas existentes e, em particular, o comércio e o
artesanato e criar novas que para serem viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o
contexto econômico e social, urbano, regional ou nacional em que se inserem. (Pavan, 2013 p. 99)

Nos parece que o que falta para uma boa coexistência entre patrimônio e mercado, é a
conscientização e a visão empresarial de que o patrimônio cultural não é um empecilho para
o crescimento econômico. Pelo contrário, é um atrativo. Em nosso objeto de estudo, vemos
que o empresário pode se utilizar do fato de parte da população pelotense cultivar o desejo
antigo de conhecer a residência dos Kraft para chamar este público a visitar seu
empreendimento e consumir o serviço oferecido. Soluções existem e são muitas. É necessário
derrubar o pensamento de que valor econômico e valor cultural são antagônicos. Meneses
(2012) mostra que há uma dimensão econômica no bem cultural, assim como uma dimensão
cultural no bem econômico. Acreditamos que esta ligação pode ser melhor explorada no
mercado brasileiro.

Considerações finais
Um dos segredos para a longevidade de edificações históricas é sua constante utilização.
Muitas vezes, para manter um edifício em uso é necessário modificar sua função, pois a
original não é mais necessária ou simplesmente não corresponde mais às demandas da
sociedade ou até mesmo dos proprietários. Como vimos nos pensamentos de Lyra (2005), é
primordial que a função escolhida para o monumento seja coerente com a vocação do mesmo,
para que não se percam os valores e significados que fazem dele, patrimônio. Neste ponto,
existem opiniões divergentes sobre o tema. Enquanto alguns defendem que sejam feitas,
quando necessário, alterações nas características ou no interior dos edifícios para que estes
recebam sua nova função e sigam “sua vida”, há quem seja contra a transformação desses
lugares de memória em “não lugares”.

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Sabe-se que a maior premissa quando se pensa em conservação, restauração e intervenção
em patrimônio cultural é a de que “cada caso é um caso”, pois todo bem cultural tem suas
próprias características e particularidades. Portanto, ao analisar as possíveis ferramentas de
salvaguarda e avaliar as novas funções que podem ser atribuídas ao patrimônio em questão,
deve-se levar em consideração quais os valores e significados mais relevantes do mesmo e
que devem ser mantidos. Em muitos casos, o chamado “fachadismo” parece ser a única
maneira de preservar alguma parte do patrimônio. Estas autoras questionam se há casos em
que esta prática é aceitável. Quando os maiores valores do bem estão ligados ao contexto
urbano, à volumetria e características externas, aos aspectos imateriais gerados pela
presença daquele edifício naquela localidade, vale a pena perder a conexão com os valores
imateriais e documentais internos para a manutenção do geral, da ambiência urbana e do
contexto? Seria mais favorável que se lutasse pela manutenção de todas as características
externas e o máximo possível da integridade interna, correndo o risco de acontecer a
demolição completa do bem para dar lugar a um edifício novo com a mesma função? Estes e
outros questionamentos serão levados para futuros estudos das autoras.

Sabemos que em muitos casos, com o intuito de preservar o máximo, acaba se perdendo o
todo. Este é, infelizmente, o caso da Casa Kraft, que está há mais de um ano sem telhado e
esquadrias, sem o mínimo de cuidado com a conservação do que ainda existe.

Referências Bibliográficas
IPHAN. História e tradição: Patrimônio Cultural de Pelotas (RS) é reconhecido pelo
IPHAN. 2018. Disponível em < http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4640/historia-e-
tradicao-patrimonio-cultural-de-pelotas-e-reconhecido-pelo-iphan> Acesso em 02/11/2018.

IPHAN. Pelotas (RS). 2018. Disponível em < http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/281>


Acesso em 02/11/2018.

LYRA, Cyro Corrêa. Casa vazia, ruína anuncia: a questão do uso na preservação de
monumentos. 2005. Tese (Doutorado História e Teoria da Arte), Escola de Belas Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

MENESES, Ulpiano T. B. O Campo do Patrimônio Cultural: Uma revisão de premissas in:


I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural: desafios,
estratégias e experiências para uma nova gestão, Ouro Preto/MG, 2009 / Instituto do

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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; coordenação, Weber Sutti. -- Brasília, DF: Iphan,
2012.

RIEGL, Alois. O Culto Moderno dos Monumentos: a sua essência e a sua origem / Alois
Riegl ; tradução Werner Rothschild Davidsohn, Anat Falbel. - I. ed - São Paulo : Perspectiva,
2014.

PAVAN, Juliana Silva. A adaptação de uso dos Lugares de Memória arquitetônicos como
fator de preservação cultural: Rua do Ouvidor e adjacências / Juliana Silva Pavan. Rio de
Janeiro: UFRJ / FAU, 2013. Orientadora: Rosina Trevisan Martins Ribeiro Dissertação
(mestrado) – UFRJ/ PROARQ/ Programa de Pós-graduação em Arquitetura, 2013.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Lei No 5.502, de 11 de setembro de 2008. Institui


o plano diretor municipal e estabelece as diretrizes e proposições de ordenamento e
desenvolvimento territorial do município de Pelotas e dá outras providências. Disponível
em:http://www.pelotas.com.br/politica_urbana_ambiental/planejamento_urbano/III_plano_dir
etor/lei_iii_plano_diretor/arquivos/lei_5502.pdf . Acesso em: 24 jan. 2011.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

ALTERAÇÃO DE USO EM BENS DE PATRIMÔNIO CULTURAL: O CASO


DA CASA KRAFT EM PELOTAS – RS

Letícia Aguilera Larrosa Da Rocha (leticia.rocha@fau.ufrj.br)

Aline De Oliveira Mendes (aline.mendes@fau.ufrj.br)

Claudia Anahí Aguilera Larrosa (claudialarrosa@ifsul.edu.br)

Ao sul do Rio Grande do Sul está situada a cidade de Pelotas - RS, com
grande atrativo histórico expressado de diversas formas, tanto no patrimônio
histórico material, através de sua arquitetura histórica, como no patrimônio
imaterial, através de suas tradições doceiras. As ações de preservação do seu
patrimônio iniciaram entre as décadas de 1970 e 1980, e hoje a cidade possui
um dos maiores acervos da arquitetura eclética do país. Mesmo assim, a
cidade ainda carece de proteção de seu patrimônio, principalmente daquelas
edificações que não foram inventariados até a data em que este artigo foi
desenvolvido.
Algumas destas preexistências vivem no imaginário da população, e a falta de
proteção abre espaço para a destruição do espaço físico e o apagamento
destes lugares, levando à perda da referência, de parte da história e do valor
que trazem para a evolução da cidade, abrindo espaço para novas edificações,
que não preconizam a valorização e harmonização do entorno, não possuem a
mesma qualidade arquitetônica e não acrescentam qualidade visual à
paisagem urbana por não demonstrar nenhuma relação com o lugar ou com a
identidade local.

Dentre os inúmeros casos que podem ser citados, iremos destacar o mais
relevante para este estudo, que é o da Casa Kraft. A edificação esteve em vias
de ser demolida para a construção de uma drogaria em setembro de 2020, em
seu lugar, e o conhecimento deste fato causou grande comoção pública. Além
disso, a preexistência possui grande importância para memória afetiva dos
pelotenses, que devido a interesses mobiliários deveria ser destruída para dar
lugar à construção de uma edificação comercial, que inicialmente abrigaria uma
drogaria, com um projeto totalmente destoante do entorno existente,
descaracterizando assim a esquina.

O presente estudo pretende fomentar o debate e reflexão de como a proposta


de troca de uso do prédio poderia auxiliar na salvaguarda do bem, assim como
na conservação da memória afetiva e simbólica desta preexistência, de
importância histórica e testemunha de acontecimentos marcantes para cidade.

Além de uma reflexão a partir de questionamentos pertinentes para a evolução


do estudo, como por exemplo: Se a Casa Kraft é referência cultural, está na
memória afetiva coletiva da comunidade e é tão importante para a população,
porque não estava inserida no inventário de bens protegidos da cidade? Qual a
participação da população na construção do processo de conservação e
preservação do patrimônio? O que determina se um bem é patrimônio cultural?
Como os valores e significados atribuídos pela população podem influenciar de
forma efetiva das decisões sobre o que é protegido?

Sem a intenção de buscar respostas absolutas, pretende-se enriquecer a


discussão sobre a importância da salva guarda desses bens e possíveis
revisões, tanto no processo de proteção, e de mudança de uso, como
ferramentas de valorização do patrimônio cultural, tombados e não tombados.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO: MEMÓRIA ARQUITETÔNICA DO


CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA-PI.

Claudiana Cruz Dos Anjos (claudianaanjos4@gmail.com)

Maria Eduarda Melo De Oliveira (eduardamello.oliver@gmail.com)

Sávio Felipe Da Silva (pesawio123@gmail.com)

Dentre as operações voltadas para a preservação do patrimônio cultural


edificado, neste resumo evidencia-se a documentação. Esta consiste no
conjunto de informações técnicas, históricas, iconográficas, entre outras, sobre
determinado bem cultural, podendo ser caracterizada como um testemunho do
que foi produzido no passado. A documentação é aqui compreendida, então,
como um suporte de memória e, também, como ferramenta de pesquisa.

Seja para fins de proteção ou para subsidiar intervenções de caráter


conservativo, a fase inicial do processo de investigação sobre o patrimônio
cultural consiste no levantamento de dados sobre suas características
essenciais, historicidade, condições em que chegou à atualidade e,
fundamentalmente, os valores culturais associados. Sua produção exige
tempo, método e acesso ao patrimônio pesquisado.

As dificuldades e a qualidade das informações disponibilizadas sobre o


patrimônio edificado de Teresina, em especial o de feição eclética, estimulou a
elaboração de projeto de Iniciação Científica da Faculdade Uninassau
Teresina-Piauí, a ser desenvolvido entre 2021-2022, com o objetivo de
investigar a documentação técnica sobre edificações ecléticas de interesse de
preservação do centro de Teresina-PI e disponibilizá-los à sociedade
acadêmica e público em geral.

Teresina possui um Inventário do Patrimônio Cultural _ IPAC_ da década de 90


que documentou exemplares da arquitetura civil, religiosa e oficial, sendo uma
fonte muito rica, mas ainda insuficiente para informar sobre o que hoje constitui
o acervo arquitetônico do bairro Centro.

Este tem despertado interesse de pesquisadoras como Alcília Afonso (2012) e


Amanda Moreira (2016), que pesquisam as arquiteturas moderna e eclética da
cidade, respectivamente. É sobre essa última que o presente trabalho se
detém.

A arquitetura eclética compõe a maior parte do acervo edificado mais antigo da


capital piauiense, sendo importante para o reconhecimento e valorização deste
como patrimônio urbano. Entretanto, quando da pesquisa sobre seu acervo
depara-se com dificuldades na obtenção de dados ou com dados incorretos.
Por outro lado, tem-se em instituições de preservação, acervos e bibliotecas
com documentos e informações, mas que não chegam ao conhecimento geral,
reforçando a crença de que Teresina não possui patrimônio.

Propõe-se pesquisar, analisar, produzir, digitalizar e buscar meios para


disponibilizar documentação técnica – desenhos, plantas - de edificações
representativas do acervo arquitetônico eclético do Centro de Teresina,
protegido ou não, de modo a aliar atividades práticas de pesquisa e
levantamento de dados, à análise crítica das informações e do acervo e à
reflexão de como o acesso à documentação pode contribuir para a preservação
do patrimônio edificado de Teresina.

Para o presente artigo espera-se apresentar os primeiros percursos dos


estudantes sobre o ecletismo de Teresina e sua documentação.
EIXO TEMÁTICO 3: ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

PADRÕES E CORES DOS AZULEJOS REMANESCENTES DAS


FACHADAS HISTÓRICAS DA CIDADE DE BARBALHA - CE

FARIAS, TAISE C. (1)

1. Centro Universitário Paraíso. Arquitetura e Urbanismo


taisef@gmail.com
taise.farias@fapce.edu.br

RESUMO
Este estudo tem como objetivo registrar os elementos, padrões e cores dos azulejos
remanescentes das fachadas urbanas presentes no centro histórico da cidade de Barbalha,
no Ceará. O uso do azulejo no Brasil, que remete a colonização portuguesa, estabeleceu
um gosto nacional e foi amplamente usado como revestimento das fachadas urbanas,
promovendo sua decoração, higiene e sobretudo sua impermeabilização. Em Barbalha,
cidade fundada no século XVIII, no interior do Ceará, os azulejos também se fizeram
presentes como revestimentos das fachadas urbanas. Nesse contexto, para alcançar o
objetivo proposto, realizou-se primeiramente uma pesquisa bibliográfica, a partir da leitura e
sistematização das informações referentes ao uso do azulejo no Brasil, bem como sua
tecnologia e aplicação, e o método de pesquisa de campo, que constitui um modelo de
investigação a partir da observação direta, in loco, no qual foi realizado o registro e a análise
dos azulejos e seus padrões, através de fotografias, e a medição dos parâmetros cromáticos
com o uso do colorímetro portátil e o sistema de referência NCS (Natural Color System).
Com esse breve estudo pôde-se constatar a existência de um pequeno número de
elementos e padrões azulejares que estão aplicados nas fachadas principais, nos planos
lisos, deixando em destaque a ornamentação das modenaturas – cornijas e cercaduras.
Importante destacar que todos os padrões são formados pela repetição de um único
elemento, tendo o seu processo de aplicação do desenho decorativo por estampilha. As
cores registradas foram o branco, azul, amarelo, púrpura, verde e marrom, em que o azul e
branco se fazem presente em todos os dez elementos analisados. Outra observação
realizada durante este estudo foi o péssimo estado de conservação dos azulejos,
provenientes da falta de manutenção e a constante exposição as intempéries que conduz à
sua degradação física e sobretudo do valor artístico do conjunto na descaracterização das
fachadas. Dessa maneira, a partir da noção dos azulejos, como testemunhos de uma
técnica e imbuídos de valores histórico e artístico, busca-se com o seu registro contribuir
para o conhecimento e valorização da arte decorativa em azulejos, na cidade de Barbalha.
Palavras-chave: Azulejos históricos; arte decorativa; colorimetria; Barbalha-CE.

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Introdução

O uso do azulejo remota de civilizações antigas, onde era empregado como revestimento
decorativo de paredes e principalmente na impermeabilização de alvenarias. O azulejo
chega ao Brasil, através de Portugal, ainda no início da colonização, como um material
importado que dependia dos tipos e padrões fornecidos pelas olarias portuguesas. Esse
material passou a ser indispensável nas fachadas das edificações, promovendo a sua
decoração, mas sobretudo a sua proteção contra as intempéries, em um país tropical, com
abundância de chuva e ação do sol.

Nesse contexto, o presente trabalho busca contribuir com o conhecimento e valorização da


arte decorativa em azulejos nas fachadas das edificações históricas da cidade de Barbalha,
na região do Cariri, no Ceará, através do registro e análise dos seus elementos, padrões e
cores. Para tanto, utilizar-se-á como metodologia de pesquisa a abordagem qualitativa e
quanto aos procedimentos técnicos para coleta e tratamento das informações e dados,
adotar-se-á o método da pesquisa bibliográfica, a partir da leitura e sistematização das
informações referentes ao uso do azulejo no Brasil, bem como sua tecnologia e aplicação, e
o método de pesquisa de campo, que constitui um modelo de investigação a partir da
observação direta, in loco, no qual será realizado o registro e a análise dos azulejos, seus
elementos e padrões, através de fotografias e desenhos, e a medição dos parâmetros
cromáticos com o uso do colorímetro portátil e o sistema de referências NCS (Natural Color
System)

A partir da noção dos azulejos, como testemunhos de uma técnica e imbuídos de valores
histórico e artístico, busca-se registrar e conhecer tais objetos, contribuindo
consequentemente para a sua conservação.

A arte decorativa dos azulejos

O estudo do azulejo está relacionado ao repertório decorativo do espaço arquitetônico que


representa uma cultura material de uma determinada época. No Brasil, o azulejo, enquanto
elemento decorativo da arquitetura, sofreu uma série de transformações desde suas
primeiras aparições no interior das igrejas e capelas e o seu apogeu no século XIX, quando
começou a decorar as fachadas dos centros urbanos.

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No universo da transformação do barro em cerâmica, tem-se o azulejo que é um “objeto
decorativo e ao mesmo tempo utilitário, com forma geralmente quadrada ou retangular,
apresentando variados tamanhos, desenhos, cores, texturas e aplicações” (ALCÂNTARA,
2016, pg.15).

Alcântara (2016) faz uma breve descrição da gênese do azulejo, a sua introdução em
Portugal e finalmente sua transferência para o Brasil. Inicia relatando a importância da
contribuição chinesa nos processos de “fusão dos esmaltes a temperaturas elevadas”, no
qual posteriormente o islã, a partir desse conhecimento, incorpora a cerâmica esmaltada à
sua cultura como revestimento arquitetônico sob a forma do alicatado – técnica que a partir
das peças cerâmicas, recortadas em formas variadas, permitia a composição de desenhos e
palavras.

Tal tradição foi difundida e seguiu novo rumo, em Sevilha, a partir da criação de desenhos
executados em placas quadradas – os azulejos – que se caracterizavam ela separação das
diferentes cores dos esmaltes, por meio de elevações ou sulcos que delimitavam e
determinavam os desenhos. Outra técnica inovadora, irá para a Península Ibérica, e ficará
conhecida como “faiança ou majólica, baseada na reação dos agentes químicos das tintas
aplicadas” (ALCANTARA, 2016, pg. 15), que permitia uma decoração direta sobre a
cerâmica.

Em Portugal, a autora afirma que os primeiros revestimentos com azulejos foram realizados
durante o reinado de D. Manuel I. No Renascimento, mas sobretudo no Maneirismo, as
paredes revestidas de azulejos se tornaram frequentes nas decorações das Igrejas, dando
origem ao estilo Brutesco, que teve sua maior representação em obras do período entre
meados do século XVII e início do século XVIII.

No Brasil, este gênero foi usado em altares, sendo mais comum, inicialmente, os azulejos de
caixilho, de composição enxaquetada e posteriormente azulejos de padrão e de tapete.
Nesse sentido, Alcantara (2016, pg. 16) afirma que as primeiras peças eram “quadradas,
maiores ou bem pequenas e retangulares, mais largas ou mais estreitas, brancas, azuis,
verdes ou cor de mel” que se organizavam em composições diagonais. Tais elementos,
apesar da simplicidade dinamizavam os espaços atraves das paredes revestidas por eles.
Posteriormente as peças centrais da composição passaram a ser decoradas formando
“caixilhos compósitos”, que depois desapareceram através dos azulejos de padrão ou de
tapete.

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Cada azulejo é chamado de “elemento”. A repetição desses elementos que podem ser
expressos em quatro (2x2), dezesseis (4x4) e até trinta e seis (6x6) são chamados de
“padrão” e do conjunto desses padrões tem-se o “tapete”. O tapete é o painel de azulejo que
geralmente é utilizado para cobrir grandes superfícies, resultante da repetição regular dos
padrões monocromáticos ou policromáticos.

Os azulejos em tapete constituem o primeiro tipo que se tem uma quantidade significativa no
Brasil, no período colonial, principalmente na região Nordeste, onde se concentrava os
maiores investimentos da Coroa Portuguesa.

Nas igrejas e conventos, no século XVII, o azulejo decorativo torna-se peça importante na
representação de passagens religiosas através dos tapetes. Tais azulejos possuíam cores
tricrômicas sendo as mais comuns o amarelo, azul e branco, com ornamentações
geométricas, laçarias, arabescos e motivos florais com o uso da técnica majólica. Mesmo
com todas as dificuldades de transporte e dos elevados preços dos azulejos, este tipo de
material de revestimento foi muito empregado na decoração arquitetônica por todo o período
colonial do Brasil, tendo Portugal como principal exportador.

No século XVIII os padrões tricrômicos ou policrômicos dos azulejos são substituídos pelos
azulejos azuis sobre um fundo branco, sob influência dos ceramistas holandeses. Os painéis
de azulejos decorativos representavam os estilos dominantes, como no Barroco em que os
desenhos assumiram a perspectiva ilusionista na representação de cenas religiosas e da
natureza e posteriormente, no século XIX, o estilo Neoclássico da arquitetura imperial.

Nesse mesmo século, a abertura dos portos integra o país ao mercado internacional,
possibilitando a importação de novos produtos e equipamentos, contribuindo com a
mudança na aparência da arquitetura brasileira. Aqui os azulejos foram sendo utilizados no
embelezamento e na proteção das fachadas dos casarios urbanos, que estavam
constantemente sujeitas as ações das intensas chuvas e do sol. Nesse contexto, Barata
(1955) afirma:

O azulejo, aplicado ao monumento, cumpria, duas funções arquitetônicas:


uma imediata e outra de ordem estética. A primeira de caráter prático,
consistia em revestir paredes ou coberturas externas – visando defendê-las
da ação das águas – e superfícies interiores no intuito de evitar as
consequências da umidade, diminuindo também a ação do atrito, por meio
de rodapés e barras. Ficava-se ainda a salvo do problema do desgaste da
pintura ou falta de limpeza, diminuindo as despesas com a conservação do
edifício atraves do uso de um material de acabamento impermeável, de
longa durabilidade, imune aos insetos e bichos tão frequentes em climas
tropicais. (BARATA, 1955, pg. 78).

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A produção do azulejo manufaturado dependia dos recursos técnicos disponíveis. Dessa
maneira é muito comum encontrar irregularidades cromáticas e na própria superfície, em
decorrência da composição do barro, da habilidade na moldagem, esmaltação e decoração,
e do controle do cozimento (SILVA FILHO, 2010). Tais problemas só serão superados com
a mecanização, que irá proporcionar ao azulejo sua comercialização em larga escala.

Os azulejos apresentam várias formas, dimensões, ornamentações e técnicas de


fabricação, constituindo-se pelo suporte ou biscoito e a superfície de acabamento,
vitrificada, plana ou em relevo.

A parte cerâmica dos azulejos

A parte cerâmica do azulejo é obtida a partir da mistura denominada “pasta cerâmica”, cujo
principal material é a argila, que não deve ser seca, mas apresentar uma umidade de 45% a
50%. Desse procedimento tem-se uma multiplicidade de produtos cerâmicos que variam de
“um material geralmente heterogêneo e poroso até um material denso e aparentemente
homogêneo quanto à sua coloração” (ALCANTARA, 2016, pg. 33). Essa diferença pode ser
observada na parte cerâmica do azulejo, o biscoito, que pode variar em sua espessura,
coloração, densidade e peso, devido a tecnologia empregada no seu preparo, moldagem e
queima.

O processo de mecanização da preparação da pasta cerâmica resultou em avanços na


produção do azulejo, a exemplo do aumento da produção diária e a qualidade dos produtos.

A parte vitrificada dos azulejos

A parte vitrificada do azulejo corresponde a sua camada decorativa, com brilho, cor, texturas
e relevos. Trata-se de uma substância morfa, que cobre uma das faces do corpo cerâmico
sob forma de camadas vítreas. Além de ser a parte decorativa da peça, promove uma
superfície mais impermeável e dura.

As técnicas de decoração dos azulejos envolvem técnicas de pintura manual, semi-industrial


e industrial e podem ser divididas em quatro grupos: majólica, estampilhada, em relevo e
decalcomania (ALCANTARA, 2016).

Para este trabalho, interessa saber o significado da técnica de estampilha, que foi um
processo muito comum no século XIX, no qual o desenho decorativo era aplicado na própria
chacota ou no vidrado, utilizando uma ou mais máscaras, recortadas em papel encerado ou
em finas chapas metálicas, onde a tinta era aplicada com pincéis ou rolo. Quando se
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retirava a estampilha ficavam pintados no azulejo os traçados relativos aos recortes. A
quantidade de máscaras utilizadas para a decoração de um elemento tinha relação direta
com a quantidade de cores utilizada. A pintura nesta técnica era feita através de pincéis -
trinchas – por isso é frequente a marca dos pelos, assim como o vazamento da tinta junto
aos limites dos desenhos. Todos esses fatos atuam na forma determinante de se conseguir
distinguir este processo decorativo de outros, como a estampagem mecânica ou
decalcomania.

Dessa maneira, a técnica de estampilha possibilitou a criação de vários padrões, resgatando


a tradição dos séculos anteriores, obtida agora com uma produção semi-industrial,
permitindo a execução do serviço por artífice não responsáveis pela concepção do desenho.
A grande comercialização acarretou uma variedade de composições, de esquemas
policromáticos e desenhos, que podiam ser geométricos, vegetais, florais, fitomórficos e até
de padrões antigos.

A cidade de Barbalha-CE

Em Barbalha, cidade localizada na região do cariri, no estado do Ceará, verifica-se a


presença de azulejos decorativos nas fachadas de edificações térreas e assobradadas, mas
infelizmente em um número muito pequeno de exemplares remanescentes, corroborando
com a necessidade do se conhecer e promover sua conservação.

A cidade de Barbalha tem sua história relacionada com a ocupação e povoamento do sertão
nordestino, promovido pelo Governo Português, nos séculos XVII e XVIII, a partir da
economia da pecuária. A região do cariri, onde a cidade está localizada, era habitada pelos
índios Cariris da nação Tapuia, que foram inicialmente catequizados e posteriormente
expulsos de suas terras que foram doadas a colonos para a instalação de fazendas de
gado.

Já instalados, os colonos inauguraram, em 1790, a Capela de Santo Antônio de Barbalha,


local onde hoje encontra-se a Matriz de Santo Antônio. A criação de gado em pouco tempo
deixou de ser a principal atividade econômica da região, que por suas terras férteis de vale e
abundância de água possibilitaram a agricultura voltada principalmente para o cultivo da
cana-de-açúcar. Barbalha passou de freguesia à Vila, se desmembrando do Crato, dando
fim a sua subordinação política. Posteriormente, já como cidade, Barbalha atingiu o seu
auge de prosperidade econômica, nos fins do século XIX, consolidada como pólo canavieiro.
No entanto, no século XX, a cidade assiste a crise econômica do açúcar e a chegada da
industrialização como alternativa econômica.
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Os azulejos remanescentes: registro, padrões e cores

Na cidade de Barbalha, assim como nas outras áreas urbanas do país, a aplicação dos
azulejos nas fachadas das edificações agregou à função ornamental a intenção higienista.
Através da pesquisa de campo foi constatado que os azulejos estão aplicados nas fachadas
principais, nos planos lisos, deixando em destaque a ornamentação das modenaturas –
cornijas e cercaduras – de estuque. A azulejaria nas fachadas urbanas vão se basear na
repetição regular de um ou mais elementos – azulejos - para formar padrões, que pode ser
formado por um único elemento que contêm em si o padrão completo, ou por módulos de
quatro elementos.

A identificação da origem dos azulejos relacionando-o com a devida fábrica produtora é uma
tarefa difícil, uma vez que o melhor meio de identificação ocorre com a visualização da face
posterior do azulejo, o tardoz, aonde pode vir o nome da fábrica ou uma característica
especifica de fabricação. Além desse procedimento é possível buscar a origem dos azulejos
através dos catálogos de padrões que algumas fábricas produziram, no entanto, a tarefa
permanece difícil tendo em vista que muitos exemplares não estão mais disponíveis ou são
inacessíveis. Para esta breve pesquisa, não foi possível saber a procedência dos azulejos,
pois a conduta da autora foi a de mínima intervenção, ou seja, não foi retirado nenhuma
peça, nem encontrado nenhuma peça solta, para observar o tardoz e descobrir o nome do
fabricante, ou lugar de origem.

A especificação e medição das cores dos azulejos são consideradas ferramentas


importantes nos projetos de restauração desse material, bem como dos edifícios históricos.
Os métodos utilizados podem ser realizados em campo, diretamente nas fachadas, ou em
laboratórios. Para esta pesquisa a medição foi realizada através do colorímetro portátil
Colorcatch 3, da Colorix, que possibilitou a catalogação e documentação das cores, e dos
esquemas cromáticos que compõem os azulejos.

Nesse contexto, é importante saber que a cor se expressa tridimensionalmente por meio de
três atribuições básicas: matiz, luminosidade e saturação. O primeiro refere-se a cor
percebida, como o azul, amarelo, vermelho e as demais cores resultantes de suas
combinações, sendo a matiz relacionada ao “tom” da cor; a luminosidade ao valor ou brilho,
ou seja, define o grau de claro e escuro da cor e a saturação ou croma é o atributo de
percepção do grau de pureza da cor, ou seja, é onde se percebe a vivacidade da cor,
quanto maior o grau, mais saturada, mais viva é a cor.

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A natureza tridimensional da cor, por sua vez, é representada por um prisma, que pode ser
uma esfera, cilindro ou cone, que constituem os sistemas de ordenação das cores. Esses
sistemas organizam espacialmente as cores com base nos seus atributos ou coordenadas,
onde é possível designar qualquer cor. Tais sistemas foram desenvolvidos com o proposito
de descrever as cores com precisão e por isso são indispensáveis na identificação,
catalogação e especificação das cores, a exemplo do Natural Colour System (NCS),
utilizado neste trabalho.

Como resultado desta pesquisa foram registrados dez azulejos (elementos), sendo oito
deles, quadrados com dimensões de 15x15 cm, 14x14 cm e 11x11 cm e dois retangulares
com dimensões de 11x8 cm. Os azulejos quadrados formam padrões com quatro peças e os
retangulares, são frisos com padrões lineares. Importante destacar que todos os padrões
são formados pela repetição de um único elemento.

Figura 01: Exemplos de módulos formados por quatro elementos, encontrado no centro de Barbalha.

Fonte: Elaborado pela autora em junho de 2021

O código do sistema NCS é constituído por três elementos que correspondem as três
dimensões da cor: luminosidade, cromaticidade e posição no círculo cromático. Dessa
maneira, a cor encontrada S 2060-R80B será uma cor com 20% de luminosidade, 60% de
cromaticidade e corresponde ao plano de cor no círculo cromático de um vermelho com 80%
de azul.

Através desse estudo pôde-se constatar que todos os dez azulejos tiveram o seu processo
de aplicação do desenho decorativo por estampilha, em que as cores azul e branca se
fazem presentes em todos os elementos registrados.

A cor azul era a mais usada por ser mais resistente ao fogo e por ter boa comercialização.
Aqui, os azuis encontrados foram: 1040-R90B, 1560-R90B, 1580-R90B, 1550-R80B, 2060-
R80B, 1040-R70B, 1550-R70B e 2040-R70B. Ou seja, os azuis encontram-se com 10 a 20%
de luminosidade – baixa porcentagem de preto, ou seja, são tons claros - e 40 a 80% de
cromaticidade – muito saturadas -, sendo utilizadas tanto para o preenchimento dos motivos
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decorativos como também dos contornos. Quando há sobreposições de cores o azul parece
ser sempre a primeira cor a ser pintada, ficando geralmente por baixo dos amarelos. Em
alguns azulejos pode-se observar no entorno dos motivos pintados de azul um alastramento
da cor causado pela difusão horizontal do pigmento usado.

Figura 02: Nos detalhes observa-se a cor azul por baixo da cor amarela (1), o azul mais escuro nos
locais onde as pinceladas se sobrepõem (2) e onde o azul difundiu horizontalmente alastrando em
torno dos motivos decorativos (3).

Fonte: elaborada pela autora em junho de 2021

Outra cor encontrada foram os amarelos: 0540-Y, 0540-Y20R e 0530-G90Y, ou seja, em


tons com 5% de luminosidade – tons claros - e cromaticidade entre 30 a 40% - pouco
saturado. Caracterizam-se pela tonalidade intensa e opaca, que em alguns elementos é
possível reconhecer as pinceladas do pintor.

As outras cores foram a púrpura 2050-R10B - 20% de luminosidade e 50% de cromaticidade


-, os marrons 3050-Y20R e 3050-Y50R – 20 a 30% de luminosidade e 50% de
cromaticidade – que foram usados apenas para os contornos dos motivos decorativos, o
verde 4020-B90G - 40% de luminosidade e 20% de cromaticidade –, além do branco 0500-N
que está presente como base e fundo de todos os elementos, conforme pode-se observar
nas imagens abaixo:

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Figura 02: registro dos padrões e cores no sistema NCS

Fonte: elaborada pela autora em junho de 2021

Dessa maneira, tem-se uma predominância das cores azul e amarela, claras – entre 15 e
45% de preto – e com saturação entre 30 e 80% de cromatismo. As cores mais escuras –
com 50 a 55% de preto, são o verde e os marrons, conforme o diagrama síntese das cores
abaixo.

Figura 02: Registro das cores no sistema NCS

Fonte: elaborada pela autora em junho de 2021


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A maioria dos azulejos produzidos com a técnica de estampilha tem sua pintura realizada
sobre uma base branca acinzentada de estanho, cuja finalidade é impedir a mistura dos
diferentes óxidos usados nas cores das pinturas (ALCANTARA, 2016). A possibilidade de se
ter uma variedade de cores mostra a versatilidade do azulejo, que pode conferir a fachada
onde está aplicado um conjunto diversificado de cromatização, texturas, além de formas
gráficas e pictóricas.

Outra observação realizada durante a visita foi o estado de conservação desses elementos
e das fachadas, que em sua maioria apresentam os seus azulejos mal-conservados, com
lacunas no vidrado e na chacota, a presença de craquelês, sujeiras, manchas e fraturas,
além de peças faltantes. A perda da decoração, conduz a degradação não só física do
azulejo, mas sobretudo do valor artístico do conjunto. Aqui percebe-se que a falta de
manutenção e a constante exposição as intempéries conduziu a problemas patológicos que
resultam na descaracterização das fachadas.

Conclusão

Com esse trabalho, atraves do registro e análise dos padrões e cores dos azulejos
remanescentes das fachadas históricas da cidade de Barbalha – CE, reforça-se a
importância do azulejo enquanto representante de uma técnica e material construtivo, de
uma determinada época, que apresenta um valor histórico, mas sobretudo estético e
artístico. Espera-se que esse breve trabalho sirva de incentivo a futuros estudos, sobre a
arte decorativa em azulejos na cidade de Barbalha, o conhecimento dos elementos e
padrões remanescentes existentes, que estão sob ameaça da ação do tempo, das
intempéries e pelo relativo abandono, bem como orientação para os profissionais atuantes
na área de conservação e restauro.

Referências

ALCÂNTARA, Dora M. e S. de. Azulejaria em Belém do Pará: inventário – arquitetura civil e


religiosa – século XVII ao XX. Brasília, Distrito Federal, IPHAN, 2016.

BARATA, Mário. Azulejos no Brasil. Séculos XVII, XVIII e XIX. Tese (Concurso de Professor
Catedrático de História da Arte) – Escola Nacional de Belas Artes, Universidade do Brasil.
Rio de Janeiro, 1955.

SILVA FILHO, O. P. da. Varandas de São Luís - gradis e azulejos. Brasília, Distrito Federal,
IPHAN, 2010.

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EIXO TEMÁTICO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO

DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO: memória arquitetônica do


centro histórico de Teresina-PI

ANJOS, CLAUDIANA CRUZ. (1); OLIVEIRA, MARIA EDUARDA MELO DE (2);


SILVA, SÁVIO FELIPE DA (3)

1. Uninassau Teresina/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional. Curso de Arquitetura e


Urbanismo/Superintendência do Piauí. claudiana.anjos@iphan.gov.br

Uninassau Teresina. Curso de Arquitetura e Urbanismo.


eduardamello.oliver@gmail.com

3. Uninassau Teresina. Curso de Arquitetura e Urbanismo.


pesawio123@gmail.coml

RESUMO

Dentre as operações voltadas para a preservação do patrimônio cultural edificado, neste artigo
evidencia-se a documentação. Esta compreende o conjunto de informações técnicas, históricas,
iconográficas, entre outras, sobre determinado bem cultural, constituindo-se também como
testemunho do que foi produzido no passado. A documentação é aqui compreendida como um
suporte de memória e ao mesmo tempo ferramenta de pesquisa.
As dificuldades e a qualidade das informações disponibilizadas sobre o acervo edificado de feição
eclética de Teresina, capital do estado do Piauí, estimulou a elaboração do Projeto de Iniciação
Científica da Faculdade Uninassau Teresina, a ser desenvolvido entre 2021 e 2022 com os
estudantes do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, autores do presente artigo, com o
objetivo de investigar as edificações de feição eclética de interesse de preservação do bairro Centro
da cidade e a documentação técnica produzida sobre as mesmas, analisando-as criticamente e
disponibilizando-as à sociedade acadêmica e ao público em geral.
A arquitetura eclética compõe a maior parte do acervo edificado mais antigo da capital piauiense,
sendo importante para o reconhecimento e valorização deste como patrimônio urbano, entretanto,
quando da pesquisa sobre a mesma depara-se com dificuldades na obtenção de dados ou com
dados incorretos. Por outro lado, tem-se em instituições de preservação, acervos e bibliotecas
documentos e informações, que não chegam ao conhecimento geral, o que, aliado ao processo de
transformação e destruição do patrimônio edificado de Teresina, acaba por reforçar a crença de que a
cidade não possui patrimônio a ser preservado. Espera-se com o projeto contribuir para uma
aproximação entre as pessoas e a arquitetura eclética através da sua documentação.

Palavras-chave: arquitetura eclética; documentação; pesquisa; Teresina.

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DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO: memória arquitetônica do
centro histórico de Teresina-PI

Introdução

Dentre as operações voltadas para a preservação do patrimônio cultural edificado, no artigo


ora apresentado, evidencia-se a documentação enquanto suporte de memória e importante
ferramenta de pesquisa. Nesse sentido, ao tempo que a documentação consiste em um
conjunto de informações técnicas, históricas, iconográficas, entre outras, sobre determinado
bem cultural, constitui-se também em um testemunho singular do que foi produzido no
passado. De acordo com Medeiros (2019, p. 4):

a documentação de bens construídos é um importante elemento conector


das características passadas e futuras de um edifício: registrar e informar
uma história e, portanto, apresentar seus valores por meio de imagens,
assim como servir como subsídio para o entendimento das mudanças desse
edifício e analisar as suas transformações, possibilitando a leitura crítica de
seus processos de mutação ao longo do tempo.

Seja para fins de proteção ou para subsidiar intervenções de caráter conservativo, a fase
inicial da investigação sobre um patrimônio cultural compreende o levantamento de dados
sobre suas características essenciais, historicidade, condições em que chegou à atualidade
e, fundamentalmente, os valores culturais associados. Compõe esse processo a
identificação de informações, através de levantamentos diretamente no bem, entrevistas e
consultas a fontes e acervos diversos.

Etapas que exigem tempo e método, o que, em geral, não se constitui em uma tarefa fácil,
seja pelas condições de acesso ao objeto em estudo ou às informações sobre ele, ou ainda
pela qualidade das informações disponibilizadas. Foram essas as dificuldades que
despertaram o interesse em estudar e conhecer melhor o patrimônio edificado de feição
eclética de Teresina, capital do estado do Piauí, Nordeste do Brasil, e sobre a
documentação técnica produzida sobre ele.

A arquitetura eclética teresinense compreende um conjunto de edificações privadas e


públicas representativas dos primeiros anos do século XX da capital recém criada. Logo,
conhecer e documentar este conjunto se apresenta como ações fundamentais para a
valorização do atual bairro Centro entendendo-o como patrimônio urbano. O projeto de
Iniciação Científica da Faculdade Uninassau Teresina-Piauí, a ser desenvolvido pelos
estudantes do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo autores desse artigo, tem
por objetivo investigar edificações ecléticas de interesse de preservação do Centro de
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Teresina-PI, a documentação técnica já produzida sobre esse acervo edificado e buscar
meios para ampliar o acesso às mesmas pela sociedade acadêmica e público em geral.

Neste artigo pretende-se apresentar um panorama geral sobre o ecletismo de Teresina, sua
identificação e documentação enquanto bem cultural digno de ser preservado, e, ainda, os
primeiros percursos dos estudantes de arquitetura na pesquisa ora iniciada.

Teresina, uma capital eclética

A cidade de Teresina foi planejada inicialmente pelo viés político-administrativo para abrigar
a nova sede do governo provincial, transferida de Oeiras, localizada no sertão da então
Capitania de São José do Piauhy, sendo oficializada a fundação da nova capital em 16 de
agosto de 1852. Teve seu traçado e estruturação urbana definidos a partir de ruas paralelas,
num rígido traçado geométrico, como um tabuleiro de xadrez.

Concebido pelo mestre de obras João Isidoro França, posteriormente alterado por José
Antônio Saraiva, então presidente da Província do Piauhy, o plano urbano da nova capital
consistia em uma grande praça, de onde seguiam três largas ruas, e em volta da praça, os
prédios públicos e a igreja matriz como edilícia limitante. (SILVA FILHO, 2007b, p.104).

A cidade, no início do século XX, a exemplo do que ocorria nos outros centros urbanos,
sentiu o impacto da modernização, adquirindo novos hábitos sociais, enquanto avançava no
processo de urbanização com a criação de novos espaços urbanos e a ampliação de outros
para atender sua população, a exemplo das praças e equipamentos públicos.

De acordo com Silva Filho (2007), as técnicas industriais aos poucos foram substituindo as
artesanais na produção da arquitetura piauiense, mudanças impulsionadas pelo fim do
período escravagista e pelo acesso facilitado a produtos industrializados através da
navegação pluvial, com impactos significativos na capital que buscava romper com a
tradição arquitetônica rural e consolidar-se como cidade, embora os hábitos escravagistas
que sustentavam a vida burguesa ainda resistissem.

Para este autor, o intercâmbio comercial, impulsionado pelas mudanças “socioeconômicas e


tecnológicas ocorridas especialmente na Capital e em Parnaíba, proporcionaram
transformações nos modos de habitar e construir, incorporando benefícios da sociedade
industrial e tipificando novas edificações” (Ibidem, 2007, p. 17). Essas novas tipologias se
faziam representar pelas atividades industriais, como a produção de tijolos, tecelagens e
fiações presentes na cidade, contexto que juntamente com a advento da ferrovia, favorecia

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a adoção do ecletismo em Teresina, estilo já disseminado em todo o Brasil em reflexo ao
que ocorria na Europa.

O estilo1 eclético surgiu no contexto de profundas transformações na economia capitalista


europeia do século XIX, afetada diretamente pela incorporação de novas tecnologias na
indústria, mudanças decorrentes da Revolução Industrial, movimento que possui certidão
inglesa, mas que se expandiu para todo o mundo. A história associa à Revolução Industrial,
outros episódios políticos e sociais, como a Independência norte americana, que ocorrera
em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789, como de suma importância para o surgimento
e crescimento de uma nova classe social, a burguesia, marcando também uma mudança
significativa nas mentalidades. (MOREIRA; ARAGÃO, 2012)

Moldada pelos ideais iluministas acerca dos valores do “homem”, o antropocentrismo, e


alicerçada nos mecanismos capitalistas, a burguesia assumiu o ecletismo como
representação estética do status social, econômico e político então alcançados, deixando de
lado as linguagens arquitetônicas anteriores. Nesse contexto, o ecletismo nasce como
tendência artística fundada na exploração e conciliação de estilos arquitetônicos do
passado, que são manipulados com total liberdade de composição. (Ibidem)

O que a atitude poliestilística do ecletismo denota não é apenas um fato


artístico, mas uma nova organização social e cultural, que põe fim a toda e
qualquer ideia de unidade para apontar para o múltiplo, o diversificado, para
privilegiar o instável e o relativo em detrimento do absoluto e do eterno. Sua
metodologia fundamental consiste na decupagem, na concepção da
arquitetura como linguagem dotada de valores simbólicos e emotivos que
deveriam ser transmitidos a todas as camadas da sociedade. (FABRIS,
1993, p. 134)

Em Teresina, no início do século XX, o processo tardio de modernização, tanto estético


como urbanístico, foi suprido pelo ecletismo, pois o mesmo agregou às inovações
arquitetônicas e urbanas, o interesse pelo embelezamento e higiene da cidade,
acompanhando o contexto político e social da época.

As residências particulares de estilo eclético, por exemplo, legitimavam através


de suas inovações formais os debates travados a respeito da necessidade de
higienizar, civilizar e embelezar as cidades. Essas modificações que se
apresentavam na arquitetura apontam para as transformações que se
constituíam no espaço citadino quer relativas ao espaço urbano, à moradia
e/ou ao lazer.

1O termo estilo enquadra tudo que uma edificação nos mostra, seja através de métodos construtivos,
a forma, e até mesmo o seu caráter regional. Dessa forma o conceito modifica-se cronologicamente
com passar dos tempos, “O estudo dos traços característico de um conjunto de dados, que visa
determinar tipos, modelos. Essa prática vem sendo aplicada desde os tempos de Vitrúvio, e consiste
em uma forma de tentar enquadrar os diversos edifícios em épocas e características específicas”.
(MELO, 2012, p.67-68).
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As mudanças sofridas nas edificações, na primeira metade do século XX, vão
desde a relação das casas com o lote urbano, que se altera em relação ao
modelo urbanístico tradicional – de herança portuguesa e vigente por todo o
período colonial - até a preocupação com a ornamentação das fachadas e
interiores, crescendo o número de aposentos da área social e também atenção
quanto ao mobiliário. (FREITAS, 2011, p.12)

Silva Filho (2007) também destaca as transformações arquitetônicas ocorridas desde os


primeiros anos da capital como um aspecto que a distinguia das demais cidades do estado,
cuja ruptura com os traços da arquitetura rural se fazia mais lentamente. Para o autor a
arquitetura neoclássica foi determinante para “a ruptura estilística com o meio rural”.
Contudo, o mesmo entendia que Teresina não teve um estilo arquitetônico original, tendo
absorvido as tendências construtivas de forma tardia. (Ibidem, p. 17)

Assim, ao passo que a cidade se modernizava no bojo da política de embelezamento e


higienização, conforme estabelecia o Código de Posturas do Conselho Municipal de
Teresina de 1912, o ecletismo se consolidava como estilo adequado para suprir estas
demandas, especialmente na área central da cidade onde as edificações ecléticas, de
tipologia residencial e oficial, encontravam locus privilegiado para seu desenvolvimento. O
presente artigo se volta para as edificações ecléticas de função residencial e o contexto
urbano em que se insere.

O referido Código de Posturas de 1912, juntamente com Código de Posturas de 1939, que o
substituiu, podem ser considerados os instrumentos legais definidores das características
residenciais adotadas em Teresina até a metade do século XX, por explicitar o tratamento
que deveria ser dado às edificações novas e existentes nesse período. Neles são
apresentados os parâmetros técnicos e formais para as construções no perímetro urbano da
cidade, trazendo novidades em relação aos padrões oitocentistas.

A primeira mudança que se destaca é a forma de implantação da edificação no lote, com a


incorporação de afastamento em relação aos limites laterais, conforme padrões adotados
nos grandes centros urbanos do país, e rompendo com a forma tradicional de ocupação dos
lotes no estado, marcada pela tipologia morada inteira implantada no limite do lote, tendo
apenas o quintal como área livre. Outras duas características marcantes das edificações
residenciais de Teresina trazidas pelo Código de 1912 são: a esquina chanfrada e o jardim
lateral:

§ 3º Os prédios construídos ou reconstruídos nos ângulos das ruas e praças


compreendidos ou muros terão uma terceira face, com o desenvolvimento no
mínimo de dois metros.
§ 4º As casas construídas fora do alinhamento da rua devem ter neste muro
um gradil, de bela aparência, e deixando uma área ajardinada de, pelo menos
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três metros de largura, entre o muro e a casa. Espaço igual deve ter, no
mínimo, as casas entre si, quando separadas umas das outras, ou dos muros
laterais (PIAUHY, 1912, p. 17 apud MOREIRA, 2016, p.206-207)

O terceiro parágrafo do Código é um reflexo do processo de modernização da cidade de


Teresina, impulsionado pela chegada e difusão do automóvel e que promoveu a adaptação
da sua arquitetura ao incorporar a esquina chanfrada como solução para melhorar a
visibilidade das ruas. Recurso que se tornou bastante comum nas construções, sendo
utilizado até mesmo em casos que a lei não se aplicava. (SILVA FILHO, 2007)

Com a ascensão do ecletismo, o uso dos jardins ganha espaço na arquitetura residencial,
sua exigência, conforme quarto parágrafo do Código de Posturas, ao tempo que promovia o
embelezamento da cidade, também possibilitava a ventilação e iluminação da construção,
aspecto fundamental para assegurar as condições de higiene então defendidas. Além
destas exigências relativas à forma de implantação das edificações, o Código de Posturas
também trouxe mudanças na própria arquitetura, que, baseadas em influências externas,
transformaram as edificações no período de 1900 a 1938. O Código determinava que:

§ 2° O pavimento térreo deverá ter, pelo menos, vinte centímetros acima do


solo natural e será a base tomada para medir – se a altura da soleira de que
trata o antecedente; os porões, se houver, deverão ter, para serem utilizados,
pelo menos 1,40 m de altura e ser cimentados, ladrilhados ou isolados com
uma camada suficiente de matéria impermeável; e, em qualquer caso, deverão
ser saneados por meio de qualquer matéria desinfetante e abertos com
mezaninos à renovação suficiente de ar.
[...]
§ 5° São proibidas as goteiras salientes nos alinhamentos das ruas e praças,
devendo os prédios terminar com cimalhas ou platibandas munidas de calhas
destinadas ao escoamento das águas pluviais, que serão conduzidas por
canos de metal, de grés ou de cimento armado, passando por baixo dos
passeios, sempre que isto for possível.
§ 6° Todos os compartimentos devem ser arejados e iluminados por aberturas,
portas e janelas deitando para a rua, área ou pátio. As dimensões mínimas das
portas serão no mínimo de 2,50m de altura e 1,20 de largura, e os das janelas
de 2 metros de altura e 1,10m de largura. (PIAUHY, 1912, p. 18 apud
MOREIRA, 2016, p. 210)

No sexto parágrafo observa-se uma determinação que teve como consequência a difusão
de um elemento até então raro nas edificações da cidade, o porão, solução importante para
a higiene e salubridade que se buscava em Teresina.

Uma outra alteração importante da planta ocorrida no Brasil – embora limitada


praticamente às casas da classe média e alta – diz respeito à introdução de
porões. Os porões foram um recurso para combater a umidade – afastando o
piso do solo e garantindo uma circulação de ar entre eles – e um meio de
proteger a intimidade do interior das casas da vista dos que circulam nas ruas.
(CORREIA, 2004, p. 28)

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Além disso, a proibição das goteiras salientes nos alinhamentos das ruas e praças,
juntamente com o dever de utilizar cimalhas ou platibandas contribuíram para a modificação
da paisagem urbana de Teresina. Quanto as esquadrias, para atender às exigências do
Código de Posturas relativas à melhoraria da salubridade e conforto térmico, a solução mais
adequada encontrada foi o uso de venezianas, com a utilização do vidro em partes da janela
para manter a iluminação, e o emprego de folhas de madeira, contemplando tanto a
determinação do Código, como a necessidade de privacidade, já que a abertura se voltava
para rua, área ou pátio. (MOREIRA; SILVA FILHO)

Mesmo com a diversidade estilística própria do estilo, alguns elementos se repetiam no


ecletismo produzido em Teresina, tais como: o acabamento das fachadas, em sua maioria
revestidas de reboco liso, comumente também exibiam um barrado de pedra na altura do
porão; grande variedade de platibandas ornamentadas, e as; molduras nas janelas,
conformando características que, juntamente com as esquinas chanfradas, singularizam o
ecletismo teresinense.

Imagem 1. Vistas edificações residenciais ecléticas, bairro Centro de Teresina. Fonte: google.

Observa-se, assim, que as residências ecléticas da capital do Piauí são um produto do


desejo de modernizar a cidade através de reformas e novas construções que se deram
principalmente a partir do lançamento dos Códigos de Posturas, de 1912 e 1939. Era
evidente a intenção de embelezar e higienizar a cidade e que se apresentava também nas
intervenções urbanas de melhoria e urbanização das praças, calçamento das vias públicas,
implantação dos sistemas de iluminação e esgoto.

Todavia, esse programa de modernização era para poucos, notadamente as famílias mais
abastadas e que podiam pagar por essa modernização, por sua vez, representada pelos
grandes lotes urbanos, fachadas imponentes e interiores ornamentados com mobiliários
estrangeiros, a exemplo das residências localizadas em espaços privilegiados da área
central da cidade, como o entorno das Praças Marechal Deodoro da Fonseca e Pedro II.
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Imagem 2. Vistas Praça Pedro II, bairro Centro de Teresina. Fonte: Site Teresina Meu Amor (2012).

Mas, ao tempo que os ideias higienistas davam feição ao ecletismo de Teresina, impingiam
grande sofrimento à grande parte da população da capital, constantemente expulsando-as
para as áreas mais afastadas da cidade. Logo, integra esse contexto de esforço político,
social e legal em prol de melhorias urbanas e arquitetônicas, um dos eventos mais
marcantes e aterrorizantes daquela época, o incêndio das casas de palha da década de 40.

Entre as soluções do Código de posturas para promover as melhorias mencionadas


constava a proibição de construção de edificações com cobertura em palha e a eliminação
das existentes, devendo ser substituídas por telhas de barro, conforme Nascimento (2015).
De acordo com (FREITAS, 2011, p. 29 apud MOREIRA; ARAGÃO, 2012, p. 8)

A chegada do bonde, a inauguração de ferrovias e rodovias,


confirmam essa busca pela modernidade, além do novo código de
posturas de 1939, que define usos do solo e restrições à utilização
do espaço urbano e suas edificações, como a proibição de novas
residências com coberturas de palha. Percebemos, então, ao tempo
em que a legislação desqualifica as construções provisórias, como
eram consideradas casas de palha, confirma a predileção por
edifícios que simbolizassem a modernidade proclamada. Assim, a
construção de casas e outros edifícios de estilo eclético e suas
variantes contribuem para a produção desse cenário.

Entretanto, de acordo com Nascimento (2015), grande parte das edificações existentes em
Teresina até a década de 40 possuíam cobertura em palha, o que demonstrava que para
além das ruas do entorno do núcleo fundador na capital, proliferava a desigualdade social e
econômica. O caráter excludente do código de posturas municipal se mostra, então, mais
evidente ao se verificar que à imposição das novas regras não havia outra ação ou política
pública eficiente que fizesse frente a essa demanda social, deixando a população

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empobrecida teresinense sem condições de acessar a cidade idealizada e que só existia em
parcelas muito restritas do espaço urbano.

Tabela 1. Fonte: Tabela produzida por Amanda Moreira (2016, p.258) a partir de dados obtidos em
Alvarenga (2011) referentes ao Cadastro Predial e Condições Sanitárias das Habitações de Teresina
do ano de 1941.

Nascimento (2015), ao estudar a modernização e a violência policial em Teresina nos anos


1937 a 1945, período em que vigorava o Estado Novo sob a presidência de Getúlio Vargas,
discorre sobre como esse problema urbano e social incomodava à elite política da época, e
lança luz sobre como essa elite buscou meios próprios para solucioná-lo. Não era incomum
a ocorrência de incêndios nas casas de palha de Teresina, fato que que despertava
suspeitas, não só por sua recorrência, mas pela paulatina ausência de identificação dos
responsáveis por esses atos que, embora criminosos, pareciam contar com o respaldo do
código de postura municipal, anuência da classe política e com o silêncio da imprensa.

É necessário pontuar que um dos aspectos do autoritarismo estadonovista era a


aproximação entre o Estado e a elite intelectual, sendo os meios de comunicação recurso
fundamental para criar no imaginário da população uma imagem positiva do governo de
Getúlio Vargas e de seu representante no estado, seja através de periódicos, pelo rádio ou
mesmo nos discursos patrióticos. (NASCIMENTO, 2015)

A criação, em 1939, do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que servia como


porta-voz autorizado a expor a imagem do governo, assumindo também o papel de
examinador crítico da mídia social, intervindo quando necessário para manter a boa imagem
do presidente Vargas e de sua ditadura, assim, “os Incêndios, crimes e outras formas de
subversão à ordem pública não eram bem quistos para serem divulgados à população”.
(CARVALHO, 2018, p. 2). Esta faceta da história de Teresina, ajuda a esclarecer como os

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incêndios que devastavam ruas inteiras permaneceram silenciados, deixando impunes seus
mandatários e legando uma cidade que excluia seus habitantes.

É, portanto, sob o signo da modernização e inserção de Teresina nos preceitos urbanísticos


e arquitetônicos que há tempos moldavam as cidades brasileiras, e também do alijamento
de grande parte de sua população desse processo modernizador, que a arquitetura eclética
de Teresina se apresenta. Um legado que materializa múltiplas histórias e possibilidades de
conhecimento e interpretação do passado e do modo ser da sociedade.

A partir das edificações ecléticas que chegaram à contemporaneidade faz-se uma questão
importante, será que agora não é o momento de conservação e manutenção e não só de
transformação? As posturas preservacionistas adotadas até o momento em Teresina
parecem ser incapazes de responder positivamente a esse questionamento. Nesse
contexto, a documentação torna-se ainda mais relevante como um caminho possível para o
conhecimento e valorização das camadas de passado e dos significados impregnados na
arquitetura eclética de Teresina.

A arquitetura eclética como um patrimônio cultural a ser preservado

Das iniciativas para documentar o patrimônio cultural edificado do Piauí destaca-se o


Inventário de Proteção do Acervo Cultural do Piauí_ IPAC, realizado entre os anos 1997 e
1998, como um documento basilar. Sua realização fazia parte de um processo amplo de
pesquisa, documentação e preservação planejado pela 3ª Coordenação Regional do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/PI, atual Superintendência do Iphan no Piauí, cuja
execução se tornou possível pela cooperação entre a então Fundação Estadual de Cultura e
Desportos do Piauí, hoje Secretaria de Cultura; o extinto Ministério da Cultura; os prefeitos
dos municípios de Amarante, Oeiras, Piracuruca, Parnaíba e Teresina; e as respectivas
secretarias e instituições de cultura, entre as quais cita-se a Fundação Cultural Monsenhor
Chave, em Teresina.

Os arquitetos responsáveis pela coordenação e execução dos levantamentos e organização


dos dados, conforme metodologia de inventariamento de bens então adotada no Brasil,
foram Olavo Pereira da Silva Filho e Maria Cristina Cairo Silva, que descreveram da
seguinte forma o propósito do Inventário:

o IPAC/PI não representa um fim em si mesmo, não significa tutela e nem


expressa a oficialização dos bens culturais, mas o passo inicial a uma
preocupação comum: a preservação. Nesse contexto, o conhecimento do
acervo de interesse de preservação é premissa a qualquer programa de
proteção. O IPAC/PI visa, assim:

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1 - mostrar uma síntese dos bens que compõe o acervo de interesse de
preservação;
2 – uma base sólida para a realização de políticas e planos de
conservação dos organismos governamentais;
3 - fornecer subsídios a estudos e pesquisas nas instituições culturais e
educativas;
4 - despertar e conscientizar a opinião pública para o valor desse
patrimônio; e
5 - criar possibilidades de cooperação para a difusão e salvaguarda do
acervo cultural, de forma a evitar sua perda irreparável. (PIAUÍ, 1998, p. 7)

Consta do Inventário 230 fichas de identificação da arquitetura civil, compreendidas por


edificações de tipologia residencial, mesmo que ocupadas por funções diversas; 11 de
arquitetura religiosa, compreendendo igrejas e seminários; 22 de arquitetura oficial,
composta por instituições educacionais, de lazer, culturais e órgãos públicos; 07 de
arquitetura industrial, compostas por edificações fabris e equipamentos de abastecimento, e;
equipamentos urbanos compreendidos por dez praças, uma ponte, e dois monumentos
localizados em espaços públicos.

Decorrido 23 anos de sua realização, pode-se considerar que o mesmo cumpriu em grande
medida seus objetivos, pois constituiu-se como documento referencial para o conhecimento
da arquitetura e urbanismo piauiense, e em Teresina, além de identificar e registrar um
acervo significativo da arquitetura civil, religiosa e oficial da cidade, subsidiou a proteção de
alguns bens edificados e espaços urbanos através da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que
criou Zonas de Proteção Ambiental, dentre as quais a ZP3 composta por uma listagem de
edificações, cujas “fachadas deveriam ser preservadas”. (TERESINA, 2006)

Esse dispositivo legal passou por várias alterações ao longo do tempo, a última ocorrida no
em dezembro de 2019 com a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial, Lei
Complementar nº 5.481, que criou as Zonas Especiais de Interesse Cultural – ZEIC,
identificadas como “parcelas do território que apresentam uma paisagem cultural peculiar”,
dentre as quais as Centrais 1 e 2.

De uma análise dessa Lei, o que se observa é que não houve alteração significativa dos
bens e espaços urbanos em relação aos identificados no Inventário de 1998 e os
selecionados em 2006, exceto a supressão dos imóveis destruídos nesse decurso de
tempo, e nem aprofundamento dos critérios para intervenção, mantendo-se uma visão
individualizada das edificações e pouca ênfase na área central de Teresina enquanto

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patrimônio urbano a ser preservado2. Das edificações inventariadas, aproximadamente 160,
sobretudo de tipologia civil e oficial, compõe as ZEICs 1 e 2.

Tem-se, assim, que a perspectiva preservacionista da municipalidade se mantem muito


tímida e descolada das discussões contemporâneas sobre patrimônio cultural e sua
proteção, o que abre espaço para que o discurso do risco de “congelamento” da cidade
persevere, contrariando o que defendia o inventário de 1998, de que o mesmo fosse capaz
de “excluir as aproximações não estritamente qualificadas e de revelar com prudência e
lucidez a sutileza de valores que, desapreciados ou estimados em épocas passadas e
presente, possam vir a ser valiosos por outras gerações”. (PIAUÍ, 1998, p. 7)

O inventário de 1998 mantém-se como uma fonte única e de grande relevância, mas que
diante das dinâmicas de transformação urbana carece de atualização, uma vez que a
iniciada em 2010 não foi levada a termo, e o município não conta com outro trabalho de
identificação de tal envergadura, mostrando-se, assim, insuficiente para informar sobre o
que hoje constitui o acervo arquitetônico do bairro Centro na atualidade. Situação que
evidencia a importância da continuidade dessa documentação, mas também da realização
de pesquisas sobre a arquitetura eclética e o contexto urbano em que se insere.

Dos exemplares identificados no Inventário e os selecionados para proteção predominam as


edificações ecléticas, sobretudo as da arquitetura civil, dessa forma, pode-se considerar que
é o ecletismo que dá a feição ao patrimônio edificado do Centro histórico de Teresina,
constituindo-se, portanto, em uma paisagem urbana única que ajuda a contar a história
material e intangível da cidade. Um acervo carregada de valores como o histórico, artístico
arquitetônico e urbanístico que importa preservar. Destaca-se o papel da arquitetura civil
para a composição desse conjunto urbano, constituindo a maior parte do acervo
inventariado e protegido pela ZEIC.

Cabe também ressaltar que a arquitetura teresinense tem despertado interesse de


pesquisadores, não só do campo da arquitetura, mas também da geografia e da história,
interessados no processo de formação, desenvolvimento, modernização e transformação da
cidade, e mais recentemente sobre a arquitetura eclética na cidade, a exemplo da arquiteta
urbanista e professora Amanda Cavalcante Moreira que desde 2016 vem desenvolvendo

2De modo geral, o critério de preservação atém-se à manutenção das “características arquitetônicas,
artísticas e decorativas e também a sua volumetria” (TERESINA, 2019), podendo ser ampliada a
ocupação do lote por sua localização na Macrozona Consolidada.

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pesquisas sobre a produção arquitetônica de Teresina do final do séc. XIX a meados do XX,
período de grande efervescência do ecletismo.

Esses estudos tem gravitado no universo acadêmico promovendo reflexões sobre processos
econômicos, sociais e culturais da cidade, sendo fundamental incorporar as discussões
sobre a preservação cultural, contexto em que se destaca a produção do arquiteto Olavo
Pereira da Silva Filho, já referenciado neste artigo, por apresentar de forma detalhada a
arquitetura piauiense, estimular as sensibilidades e o senso crítico na defesa dos atributos
que justificam sua preservação, no qual Teresina tem papel importante por ser a capital, e,
portanto, deveria ser espelho e não sombra.

A partir desse panorama geral observa-se que passos importantes foram dados, mas que há
ainda um caminho longo a percorrer. Faz-se fundamental dar continuidade ao Inventário do
Acervo Cultural de Teresina, conhecer sua diversidade e valores, adotar instrumentos legais
compatíveis e promover sua conservação, proteção e preservação. Como nos ensina
Beatriz Kühl (2008, p. 36), quando diz que

é relevante enfatizar que o estudo do monumento, conhecê-lo de forma


aprofundada, leva ao entendimento, ao respeito e a uma boa restauração
[...]. Mas é ainda imprescindível recordar que não se trata apenas de
conhecer para bem conservar, mas também, e talvez sobretudo, [...]
conservar para conhecer”

A pesquisa proposta e suas fontes

O projeto de iniciação científica em curso propõe-se pesquisar sobre a arquitetura eclética e


analisar e produzir e buscar meios para disponibilizar a documentação técnica – desenhos,
plantas - de edificações representativas do acervo arquitetônico eclético do bairro Centro de
Teresina, protegido ou não, de modo a aliar atividades práticas de pesquisa e levantamento
de dados, à análise crítica das informações e do acervo e à reflexão sobre a preservação do
patrimônio edificado de Teresina.

Essa proposta surgiu da observação de que as pesquisas sobre o acervo arquitetônico


eclético de Teresina deparam-se com dificuldades na obtenção de dados, especialmente os
gráficos, ou com dados incorretos, situação que somada ao ritmo acelerado das destruições
e descaracterizações das edificações, tornam mais relevantes o acesso à documentação e
às pesquisas já produzidas.

Nesse contexto, cita-se as instituições de preservação, bibliotecas de instituições de ensino,


além dos acervos particulares, como espaços privilegiados para pesquisa, o que nem

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sempre chega ao conhecimento de estudantes e pesquisadores ou estão acessíveis aos
mesmos, a exemplo dos arquivos da Secult e da sede do Iphan no Piauí, pouco divulgados
e de acesso restrito, mas que possuem uma rica documentação composta por estudos,
fotografias, mapas e desenhos de bens culturais do estado, fruto das respectivas atuações
na identificação dos bens de interesse de preservação e ações de proteção como o
tombamento e registro.

Como tornar mais acessíveis as informações e documentos já produzidos sobre a


arquitetura teresinense, notadamente a eclética? E não só, como qualificar essas
informações? Estas foram as questões que estimularam a pesquisa ora iniciada, que
alinhada às inúmeras possibilidades oferecidas pelos recursos e mídias digitais, aposta na
digitalização e disponibilização em plataforma digital acessível documentação técnica sobre
a arquitetura eclética de Teresina.

Espera-se compor um acervo digital representativo do patrimônio edificado de feição


eclética, tomando como ponto de partida as edificações inventariadas ainda existentes, as
edificações localizadas nos espaços urbanos emblemáticos, como as praças e as que se
encontram sob ameaça de perda. Essa escolha é pautada no entendimento de que a própria
arquitetura é uma fonte essencial para o conhecimento do patrimônio.

Nesse sentido, a edificação popularmente denominada Casa da Dona Carlotinha, localizada


na Praça João Luís Ferreira, centro de Teresina, nesse primeiro momento da pesquisa se
apresenta como um ponto de partida por despertar interesse de estudantes quando da
elaboração de projeto de intervenção ou de pesquisadores nos estudos sobre a formação de
Teresina, mas, ao observar as informações disponibilizadas verifica-se que estas se
repetem ou trazem dados questionáveis, o que requer atenção.

Conclusões parciais

No campo de disputa entre a continuidade de uma existência significativa e a tábula rasa,


em que a memória arquitetônica e urbanística de Teresina se encontra, reforça-se o papel
da documentação e da ampliação do acesso às informações sobre esse acervo, o que não
substitui ações assertivas para identificação e proteção do patrimônio teresinense através
de suas instituições de preservação.

No bojo da pesquisa acadêmica, o que se espera ao final do projeto ora iniciado é integrar
ao processo de aprendizagem em sala de aula, a experiência da pesquisa, do trabalho de
campo e da vivência com o campo da preservação do patrimônio cultural. Por fim, espera-se
também estimular nos discentes senso crítico, para que se coloquem diante das
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informações disponibilizadas de forma atenta, problematizando-as e contextualizando-as. O
presente artigo constitui-se num primeiro exercício de escrita e reflexão.

Referências bibliográficas

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modernização e isolamento compulsório de famílias afetadas pela lepra no Piauí (1930-
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Diretor de Teresina, denominado “Plano Diretor de Ordenamento Territorial - PDOT”, e dá
outras providências.

________. Lei Complementar n° 3.560, de 20 de outubro de 2006. Define as diretrizes


para o uso do solo urbano do Município e dá outras providências.

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EIXO TEMÁTICO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA
SENTIDOS E VALORES DO CLIPPERS COMO OBJETOS E
DOCUMENTOS DA MODERNIDADE EM BELÉM-PA

CHAVES, CELMA (1); MORAES, RONALDO (2); CARDOSO, HIGOR (3)

1. Universidade Federal do Pará. Instituto de Tecnologia


Cidade Universitária José Silveira Netto, Rua Augusto Corrêa, 01-Guamá
celma_chaves@hotmail.com

2. Universidade Federal do Pará. Instituto de Tecnologia


Cidade Universitária José Silveira Netto, Rua Augusto Corrêa, 01-Guamá
ronaldonunesmoraes@gmail.com

3. Universidade Federal do Pará. Instituto de Tecnologia


Cidade Universitária José Silveira Netto, Rua Augusto Corrêa, 01-Guamá
higorhf card@gmail.com

RESUMO
O contexto de transf ormações que se apresenta em âmbito nacional ao longo da década de 1930,
pela instauração do regime político de Getúlio Vargas, repercutiu substancialmente sobre a capital
paraense. Na cidade de Belém f oi empreendido por meio de gestões de intervenção pública, um
projeto de modernização, suscitando importantes alterações na identidade e constituição de seu
espaço construído. No desdobramento da década de 1940, o quadro de conf litos da 2ª Guerra
Mundial (1939-1945) propiciou a conf ormação de inúmeras alianças diplomáticas entre as principais
nações envolvidas, f ator que estimulou as políticas de aproximação entre o Brasil e os Estados
Unidos mediadas, sobretudo, pela comercialização da borracha. Diante disso, marcadas pelos
“Acordos de Washington” assinados em 1942, inúmeras iniciativas materializaram, sobre o espaço da
cidade, intervenções simbólicas de distintas expressões da modernidade local. Em meio às suas
variadas f ormas de manif estação, as ref eridas transf ormações f oram, também, implementadas por
meio dos equipamentos públicos como os clippers, um tipo de abrigo de passageiros de ô nib us , q ue
apresentava distintas características de composição estética e construtiva. Esses equipamentos,
além alterarem a tradicional maneira de se deslocar na cidade antes realizada por bondes, também
contribuíram para o distanciamento da arquitetura do ecletismo. As suas curvas e linhas inspiradas na
envergadura do avião americano “Fair Child 91” que se popularizou na capital paraense na década de
1930, instigou o imaginário da população local e contribuiu para o desenvolvimento de novas
conf igurações arquitetônicas de linhas modernas. O presente artigo busca interpretar os signif icados
dos clippers para a consolidação de um novo signo de modernidade em Belém entre as décadas de
1940 e 1960, período f ortemente marcado pelas suas comunicações com os EUA. A partir dos
levantamentos bibliográf ico, documental e iconográf ico, as inf ormações f oram sistematizadas em
mapas temáticos elaborados por meio do sof tware de georref erenciamento QGIS, propiciando a
espacialização das dinâmicas de sua distribuição, e entendimento de sua desaparição nos anos
posteriores. Percebem-se os desdobramentos que a construção dos clippers ocasionaram na capital
paraense, desde o seu surgimento, até seu desaparecimento, ambos impulsionados pelo poder
público, em um movimento de construção e destruição de momentos distintos da modernidade na
cidade de Belém.
Palavras-chave: Belém, Modernidade, Estados Unidos, Equipamentos Públicos

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INTRODUÇÃO

No início da década de 1930, o Brasil apresentou significativas transformações que


circunscreveram desde sua estrutura política até a conformação dos espaços construídos
em suas principais cidades. No contexto da primeira gestão do então Presidente da
República Getúlio Vargas (1930-1945), ações modernizadoras tomaram forma com o
amparo de iniciativas particulares e, principalmente, de políticas estatais, orientadas em
consonância com medidas de fomento à industrialização do país. Na capital paraense, tais
diligências foram conduzidas por intermédio do governo estadual de Magalhães Barata
(1930-1945; 1947-1953), consolidando intervenções e melhorias de cunho infraestrutural,
mas também alterações na manifestação de seus tipos construtivos, condição que
viabilizou, principalmente, a propagação uma linguagem moderna (CHAVES, 2008).

Diante disso, o presente artigo busca interpretar os significados contidos em um tipo


de objeto inserido na paisagem urbana de Belém, caracterizado pela expressiva
representatividade da linguagem Art Déco em evidência na época. Os clippers consistiram
em equipamentos públicos urbanos de singular aspecto formal, cujo sentido para a
consolidação de um novo signo de modernidade na capital, entre as décadas de 1940 e
1960, representa, ainda hoje, um valoroso conteúdo de análise e discussão - sobretudo ao
considerar a concomitância entre estas transformações materializadas no período com as
sucessivas comunicações em estabelecimento entre o Brasil/Amazônia e os EUA. A partir
dos levantamentos bibliográfico, documental e iconográfico, os dados recolhidos foram
sistematizados em um mapa temático, elaborado por meio do software de
georreferenciamento QGIS, propiciando a espacialização das dinâmicas de sua distribuição.
A partir disso, foram percebidos os desdobramentos que a construção dos clippers
ocasionaram na capital paraense, desde o seu surgimento, impulsionado pelo poder público
no final da década de 1940, bem como pelo seu desaparecimento, ocorrido, também, por
meio da esfera pública, em virtude da falta de correspondência entre esses equipamentos e
a expectativa de uso a eles atribuída.

1. OS CONTATOS EM CIRCULAÇÃO ENTRE AS AMÉRICAS

As políticas de aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos representaram não


apenas um pano de fundo para a implantação de intervenções sobre o espaço das capitais
brasileiras, mas também constituíram parte da coerência por trás de contatos e trocas
culturais enquanto mecanismos de estímulo tanto às relações externas consensuais, como
às de dominação. Acima de tudo, antes de reconhecer os efeitos do intercâmbio cultural
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segundo a única dimensionalidade da influência - delimitando uma esfera provedora e uma
receptora -, é relevante admitir a perspectiva da “circulação cultural” (WEINSTEIN, 2013, p.
17) na compreensão de contextos múltiplos, sobrepostos às ideias e práticas em
disseminação. De tal forma, a permeabilidade das fronteiras possibilita distintas
transformações no conteúdo, podendo, assim, constituir processos de adaptação e
apropriação no decorrer do contato, para além de uma compreensão homogênea
(WEINSTEIN, 2013; CHAVES, 2019).

No contexto do século XIX, em decorrência do desdobramento de novas incursões


colonizadoras conduzidas pelas potências europeias - sobretudo no continente africano -, os
EUA usufruem de seu próprio discurso civilizatório enquanto argumentação para a
aproximação e defesa dos demais territórios da América, então considerados zonas de
influência em potencial, além de inestimáveis fontes de matérias-primas e mercado
consumidor (GALDIOLI, 2008). Em vista disso, a Doutrina Monroe, anunciada em 1823 pelo
quinto presidente estadunidense, James Monroe, representou a autoproclamação de sua
nação na qualidade de “protetora” dos vizinhos americanos, tendo em vista suas qualidades
de supremacia bélica e de padrão de desenvolvimento (ATIQUE, 2007).

No período entre o final do século XIX até a metade do século XX, uma importante
mercadoria mediadora das trocas comerciais entre Brasil e Estados Unidos foi a borracha,
gênero cuja matéria-prima pode ser identificada em maior abundância na região amazônica.
Produto extraído da seringueira, ou Hevea brasiliensis, o látex intermediou as aproximações
comerciais brasileiras com o vizinho norte-americano principalmente ao longo dos períodos
de guerra, enquadrados, mais notadamente, no intervalo entre as décadas de 1930 e 1940
(OLIVEIRA, 2003). Diante disso, é reconhecida, no decurso da 2ª Guerra Mundial (1939-
1945), a coexistência entre a comercialização dessa mercadoria com a constituição de
acordos diplomáticos e econômicos entre os países. Em virtude do domínio japonês sobre
uma ampla extensão das ilhas do Pacífico e do continente asiático, o fornecimento da
borracha às nações componentes do bloco militar oposto - os Aliados - foi interrompido
(SECRETO, 2003). À procura de mercados alternativos, os Estados Unidos encontram no
Brasil não somente uma vantajosa possibilidade de ampliar seus suprimentos de borracha,
favorecendo a “inserção da Amazônia brasileira na rota do capital mundial” (CHAVES, 2019,
p. 22); mas também um interesse pela vasta linha costeira brasileira, contígua ao continente
africano e considerada um “extenso território desabitado” (LIERNUR, 1999, p. 170),
portanto, passível de recepcionar projetos de implantação de bases aéreas estadunidenses.

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Entre outras iniciativas utilizadas em favor da aproximação estadunidense com o
Brasil nesta época, as mais expressivas foram os Acordos de Washington (1942), dos quais,
dentre as 28 resoluções versadas, metade tratava da questão do cultivo e exportação da
borracha (OLIVEIRA, 2003). Estipulado o compromisso brasileiro de gerar cerca de 60
toneladas de borracha ao ano, além de viabilizar condições propícias para sua produção;
caberia aos Estados Unidos a transferência de investimentos direcionados a intervenções
de melhoria e incentivo à industrialização do produto e, também, ao financiamento de uma
campanha de saúde pública. Com isso, em meio a este programa de contenção à
disseminação de doenças tropicais endêmicas, como a febre amarela e a malária; e de
incentivo ao desenvolvimento da atividade comercial extrativista, foram sucedidas distintas
intervenções sobre a região amazônica, que ocasionaram impactos pontuais à capital
paraense, abarcando as complexas esferas de contato concreto e/ou simbólico entre o
Brasil e os Estados Unidos (WILKINSON, 2009; MORAES, 2020).

A exemplo disso, durante a década de 1930, manifestações desta política exterior


estadunidense podiam ser verificadas nos principais centros urbanos brasileiros, sob a égide
da retórica diplomática do pan-americanismo. Com o propósito de empregar a abordagem
da atração como forma de poder, os Estados Unidos usufruíram de estratégias de “poder
brando”, ou soft power, caracterizadas, sobretudo, pelo incentivo às trocas e contatos
vinculados aos valores políticos e prática culturais, exibindo, dessa forma, o padrão do
american way of life como o principal mecanismo de sua promoção (GALDIOLI, 2008).
Através do artifício da imaterialidade de sua cultura e costumes, os EUA buscaram emplacar
uma iniciativa política de aproximação amistosa com a nação brasileira, a Política da Boa
Vizinhança. Neste contexto, a conformação de instituições como o Departamento de
Relações Interamericanas, conduzido pelo arquiteto estadunidense Wallace Harrison, foi
basilar para o incentivo a esta dita “operação político-cultural de Estado” (LIERNUR, 2010,
p. 171), em correspondência com as trocas comerciais correntes. Em vista disso, foram
promovidas diligências como: viagens de intercâmbio, entre Brasil e Estados Unidos, de
figuras intelectuais formadoras de opinião, embaixadores culturais e estrelas do cinema
hollywoodiano; a retransmissão local de programas de rádio norte-americanos traduzidos ao
português; a produção de revistas nacionais adaptadas a partir de padrões estrangeiros;
assim como o registro de produções cinematográficas de Hollywood em cidades do território
brasileiro (CAVALCANTI, 2006).

Ademais, o contexto da cidade de Belém foi inserido a essa dinâmica na medida em


que a manifestação de referências à história e à cultura estadunidense foi, também,
amplamente propagada em meio à sociedade, seja através dos meios de comunicação,
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como da implantação de obras no espaço urbano da capital. Com a finalidade de
impulsionar a proximidade com o vizinho norte-americano - mediante o incentivo à
naturalização de práticas culturais e costumes estadunidenses no imaginário local -, era
frequente a veiculação, nos jornais de Belém, de anúncios publicitários sobre viagens
aéreas e marítimas para os Estados Unidos; assim como de notas comunicando a
ocorrência de datas comemorativas, tais quais o Thanksgiving Day e o Independence Day.
Da mesma forma, a alusão à memória dos EUA também foi evidenciada através da
designação de alguns equipamentos e edificações públicas, a exemplo da Escola Municipal
República dos Estados Unidos (1952) – inaugurada no dia 4 de julho, data da comemoração
de sua independência – e na Praça Kennedy – homenagem direta ao seu 35º presidente
(MORAES, 2020).

2. A CIDADE DE BELÉM NAS DÉCADAS DE 1940 E 1950: UMA “PARADA”


INTERNACIONAL

Em princípio, é válido compreender que a década de 1920 é considerada como um


período de decadência em toda a região amazônica. Em Belém, o empobrecimento da
administração pública, pela retração dos investimentos e das dívidas deixadas pela
administração de Antônio Lemos, causaria a estagnação constatada nos estudos sobre esse
período. Entretanto, às análises quantitativas, sobrepõem-se às questões de cunho cultural,
que analogamente ao retrocesso econômico, seriam fomentadas por uma expectativa de
que, as políticas ensejadas pela Era Vargas e posteriormente pelos investimentos
provenientes dos Acordos de Washington, seriam a oportunidade para uma recuperação da
cidade.

Em torno dessa questão, apesar da crise financeira, as novas gestões a partir dos
anos 1930, continuavam a defender aquela Belém de outrora, persistindo o ideal de
modernidade, agora sobre uma base econômica encolhida e frágil. Entretanto, foi a partir
desse “ethos cultural” (GORELIK, 1999), no qual as imagens e expressões da modernidade,
como esses equipamentos da infraestrutura, puderam ser efetivamente realizadas.

Na década de 1930, o Brasil vivia uma revolução iniciada pelo presidente da


república Getúlio Vargas. Ao longo de sua gestão, a adoção de uma conduta caracterizada
pela expressiva intervenção estatal orientou iniciativas de incentivo à industrialização do
país, por meio do modelo de planejamento de substituição de importações, associado a uma
política nacional-desenvolvimentista. Tal postura do poder central foi de substancial
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relevância para a implementação de medidas modernizadoras, em oposição à perspectiva
de subdesenvolvimento que afligia o Brasil, mediante um contexto global (PETIT, 2018). As
propriedades de tais manifestações alcançaram, outrossim, os campos da cultura
arquitetônica moderna, contribuindo para a difusão edilícia de novos “símbolos políticos”
reconhecidos como expressões do progresso (ANDRADE, 2019; CHAVES 2017a).

No estado do Pará e, especificamente, na sua capital, não foi diferente, uma vez que
houve a implementação de diversas medidas visando à reestruturação das áreas centrais da
cidade com o intuito de mascarar a debilidade econômica ocasionada após o primeiro ciclo
da borracha, verificado no início do século XX (OLIVEIRA, 2003). Este compromisso com a
efetivação de medidas modernizadoras no território paraense foi orientado a partir da gestão
do interventor estadual Magalhães Barata, responsável por alterar a linguagem arquitetônica
do período, ação que repercutiu durante as seguintes décadas de 1940, 1950 e 1960 com a
conivência dos gestores subsequentes, alinhados às políticas desenvolvimentistas de
Vargas. (CHAVES, 2008).

Os múltiplos sentidos de modernidade instaurados sobre as transformações


manifestadas no espaço urbano de Belém à época, representavam, mediante ações
políticas tencionadas e/ou consubstanciadas, uma espécie de “vontade ideológica” em
busca de desenvolvimento e “transformação estrutural” (CHAVES, 2016, p. 4). Para tanto,
estas orientações do pensamento modernizador podiam ser observadas desde a escala da
arquitetura, da infraestrutura urbana, como também dos equipamentos públicos. Mediante a
proposta de implantação de um “Novo Centro” (CHAVES; SILVA, 2013), como ponto de
conexão entre as áreas portuárias, marcadas pela concentração da atividade comercial,
com os bairros em expansão na cidade, ao longo dos eixos de modernização das avenidas
15 de Agosto (atual Av. Presidente Vargas), Nazaré e Tito Franco (atual Av. Almirante
Barroso); foram empreendidas iniciativas de estímulo à verticalização, em referência aos
modernos arranha-céus situados nos principais centros urbanos do mundo, e cujas
características de racionalidade e robustez exibiam-se através das linhas do International
style (CHAVES; SILVA, 2013). Neste contexto, vale ressaltar o emprego de estratégias de
apropriação de estilos arquitetônicos, como o Art Déco, na função de propagadores políticos
de uma expressão de progresso e unidade, em meio ao regime centralizador varguista
(CHAVES; LIMA, 2018).

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3. A ORIGEM E DINÂMICA DO SURGIMENTO DOS CLIPPERS NA PAISAGEM DA
CIDADE

O afã pela modernidade também foi associado a uma condição de “construção


destrutiva” (CHAVES, 2017b, p. 31), na medida em que integrou um conjunto de iniciativas
de interrupção de uma memória associada ao passado de Belém, foram sucedidas por
ações de sucateamento e desmantelamento de serviços públicos, a exemplo das linhas de
bonde, que compunham os antigos serviços de transporte público, por novos ônibus. Por
sua vez, os antigos abrigos de passageiros de bonde foram substituídos por marcantes
estações de ônibus, denominadas clippers. Tal designação, empregada pela população
local, fazia alusão direta ao modelo de hidroavião da Pan Air do Brasil S.A, companhia
aérea nacional subsidiária de uma empresa estadunidense responsável por implementar
rotas que incluíam a cidade de Belém. Ao passo em que concentravam-se majoritariamente
nos bairros da Campina e Cidade Velha, estes equipamentos diferenciavam-se dos demais
em virtude de características como a sua estrutura interna, normalmente guarnecida de um
ponto comercial; e seu estilo de design particular, o Streamline Moderne.

Figura 01 - Panf leto da empresa Pan Air.

Fonte: FAU - Laboratório Virtual - ITEC/UFPA, 2014. Disponível em:


<https://f auufpa.org/2014/05/18/clipper-1o-primeiro/>. Acesso em: 25 de set. de 2021.
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Ao final da década de 1930, a opinião dos entes públicos a respeito das linhas de
bonde que circulavam pela cidade já não era a mesma do começo do século XX, quando a
implantação destes equipamentos foi celebrada. Em 1930, segundo o interventor Magalhães
Barata, a qualidade da infraestrutura dos trilhos de bonde era decadente e o serviço
prestado à população, desordenado, em decorrência da má distribuição de horários e de
veículos em cada linha, tornando este serviço de transporte público inapto a atender às
demandas da população (LIMA, 2019, p.152). Diante disso, a intenção impelida pelo
governo de Getúlio Vargas de modernizar os serviços públicos, foi posteriormente
convertida em um esforço conjunto entre os grupos sociais e a institucionalidade,
produzindo um desejo comum pelo “novo e moderno” (CHAVES, 2016).

De tal forma, houve o abandono das linhas de bonde que transitavam pelo centro da
cidade, circulando entre os bairros periféricos como Jurunas, Cremação e Guamá.
Consequentemente, com o declínio dos bondes, houve uma necessidade de reestruturar o
transporte público local, apesar das dificuldades econômicas enfrentadas no período
(CHAVES, 2016), esse fenômeno acarretou na popularização dos ônibus zeppelins,
modelos novos fabricados em carroceria de madeira revestida em zinco.

Durante a década de 1930, seguem os movimentos de transportes nos hidroaviões


já iniciados na administração de Eurico de Freitas (1929-1930). Na gestão do prefeito
Abelardo Condurú (1936-1943), se constrói o primeiro abrigo para passageiros de ônibus
que abrigava os zeppellines, e que se popularizam com o nome de clipper. Construídos com
linhas dos aeroplanos que sobrevoavam a cidade naquelas décadas, principalmente os da
empresa estadunidense Pan Air (Pan American Airways System), os voos frequentes
desses hidroaviões chamados de clippers, certamente devem ter inspirado a população a
associá-los a esses novos equipamentos urbanos que se erguiam na paisagem da cidade.
Provavelmente tinha como referência um exemplar do Fairchild 91 (ver figura 02)
(FAU/LABORATÓRIO VIRTUAL/ITEC/UFPA, 2017)

Ainda há controvérsia sobre a datação da construção do primeiro clipper. Misto de


parada de ônibus e, em alguns casos conjugando um pequeno espaço de comércio, e até
mesmo um posto de combustível, seu design além de remeter aos modelos de hidroavião
fabricados nos EUA, também incorporava as linhas do Streamline Moderne. Os produtos
dessa linha estilística, tão ampla que abrangia carros, navio, ônibus e trens, apresentava
linhas de design futurista, aerodinâmica, associada à velocidade, e ao dinamismo da
modernidade, bem como à imagem simbólica de objetos de aparência futurista. (FREITAS,
2012, p.32)

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Esta variante do Art Déco suscita, em meio aos seus traços racionais, objetivos e
dinâmicos, expressões de desenvolvimento e de modernidade pautadas nas concepções
correntes de velocidade e progresso, associadas à prospecção dos avanços tecnológicos do
início do século XX. Com base nisso, eram bastante comuns as alusões a veículos de
transporte como trens, navios, aviões e automóveis enquanto forma de “celebração do
transporte individual” (CAVALCANTI, 2006, p. 95; BARTHEL, 2015), um avanço significativo
para a época.

O primeiro equipamento, localizado nas proximidades da Praça do Relógio, antes


Praça Siqueira Campos, logo se popularizou, quando se observa que sua construção se
espraia a outras áreas da cidade a partir da década de 40.

Figura 02 - Sobreposição das linhas construtivas do clipper pioneiro com a carcaça do hidroavião
Fairchild 91

Fonte: FAU - Laboratório Virtual - ITEC/UFPA, 2017. Disponível em:


<https://f auufpa.org/2017/09/14/o-clipper-no1-f oi-calcado-no-hidroplano-fairchild-91-baby-clipper/>.
Acesso em: 25 de set. de 2021.

Dessa maneira, a construção destas instalações ocorreu de forma acelerada. Entre


1943-1945, surgiram os clippers localizados na Praça das Mercês e na Rua Treze de Maio,
além da ampliação do equipamento pioneiro, na doca do mercado do Ver-O-Peso
(FAU/LABORATÓRIO VIRTUAL/ITEC/UFPA, 2014). No dia 20 de janeiro de 1949, foi
inaugurado o clipper localizado na Praça Justos Chermont (atual Centro Arquitetônico de
Nazaré) na Avenida Nazaré, por meio de parcerias público-privadas (FAU/LABORATÓRIO
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VIRTUAL/ITEC/UFPA, 2015). De proporções avantajadas, o chamado Super Clipper Brasil
foi o maior exemplar construído na cidade, dispondo de dois pavimentos: o primeiro,
destinado ao abrigo de passageiros, e o segundo, ao comércio e lazer.
(FAU/LABORATÓRIO VIRTUAL/ITEC/UFPA, 2019).

Figura 03 - Clipper localizado na Praça das Mercês

Fonte: FAU - Laboratório Virtual - ITEC/UFPA, 2014. Disponível em:


<https://f auufpa.org/2014/07/21/merces-estacionamento-e-clipper/>. Acesso em: 19 de f ev. de
2020.

A arquitetura desses equipamentos, desde o primeiro clipper e principalmente depois


do fim da Segunda Guerra, passa a se distanciar dos modelos formais dos novos aviões
daqueles que continuariam a ser os referenciais dos novos clippers construídos. As asas
dos hidroavião, talvez a referência mais característica do desenho desses equipamentos,
sofre consideráveis alterações, especialmente a partir da década de 60. Provavelmente
construídos em alvenaria de tijolos e concreto armado, esses equipamentos, desde o
primeiro a ser construído na Praça do Relógio, estavam fadados tanto a ser paradigmas de
uma modernidade almejada, quanto objetos de destruição ao serem substituídos por “outra
modernidade” na década de 1960.
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Na década de 1950, os clippers se expandiram para além do extinto trajeto dos
bondes, no centro comercial, alcançando bairros periféricos como a Pedreira, Marco,
Guamá e até mesmo ultrapassando os limites da 1º Légua Patrimonial 1, ao chegar na Vila
Pinheiro, situada no distrito de Icoaraci. A popularização do ônibus foi celebrada, além de
reconhecida como um símbolo de modernidade, uma vez que o aumento da frota de
veículos nas ruas de Belém era entendida como “um dos índices do desenvolvimento desta
capital” pelos gestores da época. (BELÉM, 1930, p. 83 apud LIMA, 2019, p.153). Contudo,
ao mesmo passo em que o impulso pela modernidade contribuiu para a instauração dos
símbolos do clippers nos espaços urbanos às custas da destruição de artefatos
precedentes, o mesmo processo se reproduziu com estes equipamentos públicos. Diante
disso, a partir de 1950, estas estruturas, que previamente foram consideradas populares,
além de serem usufruídas rotineiramente pela população belenense; ganharam status de
“ponto de encontro” para o consumo de bebidas alcoólicas e atividades distintas à sua
utilidade atribuída originalmente, passando a serem consideradas, segundo relatos da
época, como locais de algazarra e tumulto pelo poder público (FAU/LABORATÓRIO
VIRTUAL/ITEC/UFPA, 2012).

Concomitante ao caráter negativo atribuído aos clippers na década anterior, em 1960


a escassez de investimentos nos serviços de infraestrutura, situação que se arrastava desde
a década de 1940 com o desaparecimento dos trilhos da Estrada de Ferro de Bragança, foi
um fator determinante para que as paradas fossem paulatinamente destruídas na capital
paraense. Portanto, em 1965 o clipper situado na feira da Bandeira Branca, o qual dava
suporte ao antigo hospital psiquiátrico Juliano Moreira na Almirante Barroso, foi demolido.
Anos mais tarde, também foram desmantelados o Super Clipper Brasil e o equipamento da
Praça das Mercês, em 1966. As sucessivas demolições perduraram pela década de 1970,
período em que os equipamentos da doca do Ver-O-Peso foram destruídos. A última parada
a ser demolida foi o clipper de Icoaraci em 1987, cujo fim foi defendido pela alegação de que
o equipamento havia perdido a sua função original de abrigar passageiros e tornou-se um
lugar de aglomeração de moradores de rua e vendedores ambulantes; Contou também com
uma justificativa estrutural - o surgimento de rachaduras - e logística - a localização do
equipamento estaria defasada em relação aos trajetos das linhas de ônibus que circulavam
por Icoaraci naquele período. Apesar de todas as explicações apresentadas pela esfera
pública, a notícia da demolição do equipamento para a construção da Praça de São
Cristóvão não foi recebida com contentamento pela população e, sobretudo, pela imprensa,
a qual acusou o poder público de crime contra o patrimônio histórico, de dar prioridade aos
1 Uma légua de terras cedida à municipalidade pela Coroa portuguesa em 1627.

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interesses de comerciantes e empresários que almejavam a remoção do equipamento de
péssimo estado construtivo daquela área e de autoritarismo, uma vez que não houve
consulta popular a respeito da demolição. (FAU/LABORATÓRIO VIRTUAL/ITEC/UFPA,
2018).

Atualmente, em Belém apenas o clipper localizado no bairro do Guamá se encontra


edificado, porém, notam-se alterações na sua composição volumétrica original, ainda que a
função de parada de ônibus com ponto comercial tenha sido preservada. É evidente, porém,
que muito do que se construiu em Belém nesse período, ainda que destruído, conseguiu
sobreviver na memória coletiva, que se apropriaria de um repertório moderno utilizando-o
em suas casas, especialmente através de elementos construtivos como as colunas em “V” e
as marquises. Assim, a permanência dessa linguagem desloca-se dos muros das casas da
elite, para aportar na composição das fachadas em casas e vilas de bairros afastados do
centro, onde essa modernidade se popularizou. (CHAVES, 2016)

Figura 04 - Clippers localizados na 1º légua patrimonial de Belém entre 1942-1970

Fonte: Moraes, R; Cardoso, H. 2021.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contribuição relevante das administrações que nos anos de 1940 a 1960


tencionam romper com os signos daquela cidade construída pelos senhores da borracha,
criaria os espaços da nova cidade moderna, uma atitude radical diante de um cenário
desfavorável, que deixou como legado as transformações que ainda são visíveis, e que
tiveram ressonâncias nos processos que se verificaram na cidade a partir dos anos que se
sucederam até o dias atuais.

A partir da interseção do conhecimento acerca do surgimento dos clippers e outros


equipamentos urbanos atrelados à noção de eixos de modernidade proposta por Chaves
(2008) (consultar imagem figura 4), observa-se que a inserção de novos equipamentos e a
adequação dos já existentes à linguagem racional e moderna foi um fenômeno iniciado na
década de 1930, reflexo, em parte, das políticas de Getúlio Vargas. Concentrou-se no eixo
das avenidas 15 de Agosto (atual Av. Presidente Vargas), Nazaré e Tito Franco (atual Av.
Almirante Barroso), bem como no largo de São Brás e nos arredores do Ver-o-Peso, com
alguns dos equipamentos construídos nas vias mais movimentadas e importantes dos
bairros periféricos para apoiar a ida dos cidadãos ao centro comercial (como é o caso do
clipper do Guamá e o de Icoaraci) e não com o intuito de modernizar estes espaços
periféricos pois não houve intenção de reestruturar a periferia, mas sim a área central da
cidade que contribuía para a narrativa de uma Belém moderna que, por seus aspectos
inéditos, causava encanto em todos aqueles que chegavam pela primeira vez, como
evidenciado por CHAVES (2008).

Importa ressaltar que os clippers, em sua inserção na paisagem da cidade, constituem-se,


ainda hoje, como objetos relevantes de investigação para a apreensão desse momento de
transições de modernidades, em que o pretenso fausto proveniente da economia da
borracha é substituído em discursos e ideias, por impulsos advindos, agora, da cultura dos
EUA. Se seus vestígios foram apagados, ficaram os registros visuais e discursivos, que
podem e devem ser fontes para a construção da história urbana e arquitetônica de Belém,
como símbolos e objetos construindo partes de uma nova modernidade.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

FITOCRONOLOGIA E PALIMPSESTO VEGETAL COMO INSTRUMENTOS


PARA A CONSERVAÇÃO DA PRAÇA DO DERBY, UM JARDIM HISTÓRICO
DE ROBERTO BURLE MARX

Italo Cintra Ferreira (italocintra@gmail.com)

Pollyana Martins Da Silva (pollyana.martins123@gmail.com)

Jonatas Souza Medeiros Da Silva (jona.medeiros@gmail.com)

Joelmir Marques Da Silva (joelmir_marques@hotmail.com)

A Praça do Derby, situada em Recife-PE, é tombada como patrimônio cultural


pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e
classificada como Jardim Histórico pela Prefeitura do Recife, por resguardar
nos seus elementos o processo de modernização da cidade, marcada
principalmente pela remodelação concebida por Roberto Burle Marx em 1936.
A praça apresenta uma composição arquitetônica e vegetal, que caracteriza o
estilo de uma época, espacializado pelos imponentes eixos de circulação que
garantiram modernidade e permanência na sua função de refúgio e reclusão da
vida urbana. O seu traçado está atrelado a um conjunto de espécies vegetais
significativas, tanto nativas quanto exóticas, que conformam seus canteiros
destacados principalmente pela bem sucedida composição de palmeiras.
Contudo, os órgãos responsáveis pela preservação pouco têm considerado o
elemento vegetal no processo de conservação desse jardim histórico. Por
tratar-se de um material vivo que passa por renovações cíclicas, a falta de
planejamento tem acarretado na necessidade de constantes substituições,
ocasionando a perda da integridade do jardim, o risco de descaracterização e
até mesmo a conversão em um falso artístico e/ou histórico. Para que não
ocorra tais problemas no ato da conservação, o jardim histórico deve ser
entendido como um documento composto por diversas camadas históricas,
formadas principalmente pelo elemento vegetal, estando nele o material para
alcançar o conhecimento para sua devida conservação. Assim, se propõe com
este artigo avaliar o estado de conservação do componente vegetal da Praça
do Derby. Para isso, pretende-se utilizar as técnicas da fitocronologia e do
palimpsesto vegetal, empregadas com o intuito de desenvolver a identificação
botânica histórica do jardim, que parte de uma análise por fotointerpretação
desencadeando na construção da paleta vegetal histórica, associando esse
procedimento ao levantamento do inventário florístico atual, para identificar as
modificações ocorridas no jardim.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

SENTIDOS E VALORES DOS CLIPPERS COMO OBJETOS E


DOCUMENTOS DA MODERNIDADE EM BELÉM-PA

Celma Chaves Pont Vidal (celma_chaves@hotmail.com)

Ronaldo De Moraes (ronaldinhonmoraes@gmail.com)

Higor Humberto Feio Cardoso (higorhfcard@gmail.com)

O contexto de transformações que se apresenta em âmbito nacional ao longo


da década de 1930, pela instauração do regime político de Getúlio Vargas,
repercutiu substancialmente sobre a capital paraense. Na cidade de Belém foi
empreendido por meio de gestões de intervenção pública, um projeto de
modernização, suscitando importantes alterações na identidade e constituição
de seu espaço urbano. No desdobramento da década de 1940, o quadro de
conflitos da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) propiciou a conformação de
inúmeras alianças diplomáticas entre as principais nações envolvidas, fator que
estimulou as políticas de aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos
mediadas, sobretudo, pela comercialização da borracha. Diante disso,
marcadas pelos “Acordos de Washington” assinados em 1942, inúmeras
iniciativas materializaram, sobre o espaço da cidade, intervenções simbólicas
de uma distinta expressão da modernidade local. Em meio às suas variadas
formas de manifestação, as referidas transformações foram, também,
implementadas por meio dos equipamentos públicos como os clippers, um tipo
de abrigo de passageiros de ônibus, que apresentavam distintas características
de composição estética e construtiva. Esses equipamentos, além de terem
alterado a tradicional maneira de se deslocar na cidade antes realizada por
meio dos bondes, também contribuíram para o distanciamento da arquitetura
do ecletismo. As suas curvas e linhas inspiradas na envergadura do avião
americano “FairChild 91” que se popularizou na capital paraense na década de
1930, instigou o imaginário da população local e contribuiu para o
desenvolvimento de novas configurações arquitetônicas de linhas modernas. O
presente artigo busca interpretar os significados dos clippers para a
consolidação de um novo signo de modernidade em Belém entre as décadas
de 1940 e 1960, período fortemente marcado pelas suas comunicações com os
EUA. A partir dos levantamentos bibliográfico, documental e iconográfico, as
informações foram sistematizadas em mapas temáticos elaborados por meio
do software de georreferenciamento QGIS, propiciando a espacialização das
dinâmicas de sua distribuição, e entendimento de sua desaparição nos anos
posteriores. Por fim, foram percebidos os desdobramentos que a construção
dos clippers na capital paraense ocasionaram, desde o seu surgimento,
impulsionado pelo poder público no final da década de trinta, bem como o seu
desaparecimento que também ocorreu por meio da esfera pública, em um
movimento de construção/destruição de momentos distintos da modernidade
na capital paraense.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ENTRE O RIO ANIL E O MAR: O PLANO DE RUY MESQUITA

Oton Gonçalves De Sá Neto (otonsa@icloud.com)

O presente artigo tem como objetivo analisar as proposições apresentadas no


“Plano de Expansão da Cidade de São Luís” (1958) de Ruy Ribeiro de
Mesquita para a capital ludovicense. Partindo de um pressuposto de que
ocorria uma circulação de ideias no campo do urbanismo no século XX (LEME,
1999), São Luís é palco de uma série de ideários urbanos que lhe são
transferidos e traduzidos à sua realidade pelas mãos e mentes de planejadores
urbanos migrantes e peregrinos. O olhar dessa reflexão se descortina a partir
da apresentação e análise crítica do desenho urbano proposto e suas
implicações, descritas em texto, para um novo modelo de cidade em São Luís
no âmbito das modernidades brasileiras. No entanto, para que a análise sobre
os planos proposta seja realizada, requer-se uma contextualização política,
econômica e social, tanto em âmbito nacional, como em âmbito local, no
sentido das transferências de ideias, que permitiram e contribuíram para que
tais se tornassem possíveis em sua época. Baseados em ideais do urbanismo
modernista, os planos urbanos são a materialização de ideários urbanos
propostos para São Luís e, quando postos sob um véu translúcido entre si e a
cidade contemporânea construída, demonstram uma urbe composta de
camadas de ideias e a força da perspectiva daqueles que experienciam São
Luís através do “olhar sensível”.
EIXO TEMÁTICO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS
NOVAS TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC

A DIGITALIZAÇÃO 3D COMO FERRAMENTA DE DOCUMENTAÇÃO


E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

BENTES, JÚLIO CLÁUDIO DA GAMA. (1); PATZLAFF, CASSIANE. (2)

1. LAFF Digitalizações 3D
Rua Gago Coutinho 26, apto. 503 – Rio de Janeiro-RJ
julio.bentes@gmail.com

2. LAFF Digitalizações 3D
Rua Evaristo da Veiga 95 (Incubadora ESDI) – Rio de Janeiro-RJ
cassiane.patzlaff@gmail.com

RESUMO
A preservação de bens culturais é de grande importância para a documentação e salvaguarda da
memória. Em 2018 ocorreu uma grande perda cultural e histórica para o Brasil e para o mundo com o
incêndio que atingiu o Paço de São Cristóvão e o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sendo
essa a mais antiga instituição científica do país e um dos maiores museus de história natural e de
antropologia das américas. Essa tragédia motivou o estudo sobre a utilização das ferramentas de
fabricação digital na documentação e preservação de bens culturais, especialmente os arquitetônicos,
artísticos e históricos. Este estudo conta com a inserção de pesquisador doutor na “LAFF Digitalizações
3D”, empresa especializada no escaneamento de objetos 3D, através de recursos da FAPERJ. O
presente trabalho apresenta a pesquisa sobre a digitalização 3D como ferramenta de auxílio à
documentação, conservação e divulgação de bens culturais, em especial os relacionados à arquitetura,
possibilitando ainda a ampliação do conhecimento sobre as técnicas de escaneamento e reprodução
física e virtual desses bens culturais. Através da digitalização 3D, alguns artefatos foram digitalizados,
sendo editados e manipulados para utilização em ambiente virtual, com usos possíveis em modelos
HBIM para projetos de restauro e em "tours virtuais" com realidade aumentada/virtual (RA/RV), como
ainda reproduzidos fisicamente através de técnicas de fabricação digital. A pesquisa teve como
objetivos: o estudo de métodos e técnicas, a partir de investigação e experimentação, da digitalização
3D de elementos arquitetônicos, artísticos e históricos; as formas de registro e representação utilizando
as ferramentas de fabricação digital para reprodução, tanto física como virtual, facilitando a consulta e
visualização por terceiros. Para a digitalização 3D foi empregado o escâner Peel 2 (Creaform), que
pode chegar a meio milímetro (0,5 mm) de resolução e acurácia. Como Estudos de Casos foram
analisados os processos de digitalização 3D de elementos arquitetônicos, escultóricos e utilitários que
compõem os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Palácio de São Cristóvão (Museu Nacional) e
do Palacete Linneo de Paula Machado (Casa Firjan da Indústria Criativa).

Palavras-chave: Patrimônio Historio, Arquitetônico e Artístico; Documentação Digital da Arquitetura;


Digitalização 3D; Fabricação Digital.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
Introdução

A salvaguarda de bens culturais, incluindo os arquitetônicos, artísticos e históricos, é de suma


importância para a documentação e preservação da memória de uma sociedade, garantindo
à presente e futuras gerações o acesso ao conhecimento e a sua História.

O incêndio que acometeu o Paço de São Cristóvão e o acervo do Museu Nacional do Rio de
Janeiro, localizado na Quita da Boa Vista, em 2018, foi uma grande perda cultural e histórica
para o Brasil e para o mundo. O fogo atingiu o palácio que foi a residência da Família Real
Portuguesa e da Família Imperial Brasileira, e que abriga a mais antiga instituição científica
do país – um dos maiores museus de história natural e de antropologia das américas.

O Museu Nacional possui o quinto maior acervo em museu do mundo, que contava com 20
milhões de peças e documentos que reuniam uma parte importante das histórias
antropológica e científica da humanidade: desde o crânio fóssil de Luzia (a mulher mais antiga
das américas), passando por coleções egípcias de múmias e sarcófagos, coleções de vasos
gregos e etruscos, importantes fosseis de dinossauros achados no país, como ainda o maior
conjunto de meteoritos da América Latina. Apesar disso, menos de 1% do seu acervo estava
exposto ao público (SOARES, 2018).

O ocorrido com o Museu Nacional, notadamente, foi o incêndio de maior destaque no país,
entretanto outras tragédias também impactam a preservação de bens culturais no Brasil:
a queima do Laboratório de Répteis do Instituto Butantan, em 2010; o incêndio em grande
parte do Museu da Língua Portuguesa, em 2015; da reserva técnica do Museu de História
Natural e Jardim Botânico da UFMG, em 2020; mais recentemente, em julho de 2021, o
incêndio do galpão com acervo da Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

Essas tragédias motivaram o estudo sobre a utilização das ferramentas de fabricação digital
na documentação e preservação de bens culturais, principalmente dos arquitetônicos,
artísticos e históricos.

A pesquisa foi desenvolvida na LAFF Digitalizações 3D – empresa inserida na Incubadora de


Empresas da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (ESDI/UERJ) –, através do programa “Apoio à Inserção de Pesquisadores em
Empresas – 2019” da FAPERJ. O estudo tratou do escaneamento tridimensional como
ferramenta de auxílio à documentação, conservação e divulgação de bens culturais,
especialmente os relacionados à arquitetura e às artes. Mais do que uma simples tarefa
técnica, o trabalho visou refletir sobre os modos e meios que podem ser empregados para

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auxiliar a registrar dados desses artefatos, colaborando para a sua documentação,
preservação, pesquisa e observação pelo público em geral.

Assim, a pesquisa teve como objetivos: o estudo de métodos e técnicas, a partir de


investigação e experimentação, da digitalização 3D de elementos arquitetônicos, artísticos e
históricos; as formas de registro e representação utilizando as ferramentas de fabricação
digital para reprodução, tanto física como virtual, facilitando a consulta e visualização dos
artefatos digitalizados.

Através do escaneamento, os artefatos são digitalizados em três dimensões, podendo ser


trabalhados e manipulados em ambiente virtual: em modelos na tecnologia BIM (Building
Information Modeling – Modelagem de Informação da Construção) aplicada à edifícios
históricos, chamada de HBIM (Heritage/Historical BIM), em projetos de restauro; ou em "tours
virtuais" em realidade aumentada/virtual (RA/RV). Além disso, podem ser reproduzidos
fisicamente através de técnicas de prototipagem e manufatura rápida, possibilitando,
inclusive, representações acessíveis à diferentes públicos.

Para a digitalização 3D foi empregado o escâner portátil Peel 2 (Creaform), podendo chegar
a meio milímetro (0,5 mm) de resolução e acurácia. Este equipamento funciona pelo princípio
da luz estruturada, em que as formas são obtidas a partir de projeções de padrões de QR-
Code1 sobre os objetos físicos, que são capturados digitalmente pelo digitalizador. Desse
modo, o artefato digitalizado tridimensionalmente é capturado a partir de vários ângulos, de
maneira a gerar sobreposições que facilitem o alinhamento, feito no próprio software do
equipamento. As coordenadas capturadas são representadas por pontos, que formam uma
nuvem de pontos que é convertida, posteriormente, em uma malha (mesh) composta por
triângulos ou polígonos, que podem ser convertidos para representar as superfícies do
artefato (PATZLAFF, 2018).

Como estudos de casos, foram digitalizados em 3D os elementos arquitetônicos, escultóricos


e utilitários que compõem os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Paço de São
Cristóvão (Museu Nacional), na Quinta da Boa Vista, e do Palacete Linneo de Paula Machado
(Casa Firjan da Indústria Criativa), em Botafogo, ambos na cidade do Rio de Janeiro.

1 Código barramétrico. Seu uso mais comum é na identificação produtos.

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A Digitalização 3D na Preservação de Bens Culturais

A pandemia de Covid-19 e, consequentemente, a necessidade de isolamento, fizeram com


que uma parcela significativa da população rapidamente se familiarizasse com as ferramentas
digitais de comunicação e interação, em substituição aos meios físicos e presenciais. Isso
inclui atividades de lazer e cultura, que foram e vêm sendo disponibilizadas por meio digitais.
Museus e galerias têm investido em exposições virtuais, que podem ser visitadas em sites
como o GoogleArts e o CCBBVirtual. Além disso, muitas empresas investiram em ampliar sua
participação no cenário digital e de mídias sociais.

Nesse sentido, a digitalização 3D é uma ferramenta de fabricação digital, que aliada à outras
técnicas tradicionais de preservação e registro, vem sendo empregada com diferentes
ferramentas computacionais complexas de fabricação digital 2: impressoras 3D de diversas
configurações, materiais e tamanhos (manufatura aditiva)3; usinagem em routers CNC
(Controle Numérico por Computador), para peças de tamanhos maiores (manufatura
subtrativa)4; registros fotográficos digitais em 3D; e toda sorte de tecnologias disponíveis.

A utilização desse conjunto tecnológico de ferramentas e técnicas é um novo e importante


meio para a preservação e a divulgação dos acervos de museus e instituições culturais
através das mídias digitais. Com isso, os profissionais envolvidos nas tarefas de preservação,
restauro e divulgação – como arquitetos, designers, historiadores, museólogos, entre outros
–, acabam por transcender as fronteiras entre as disciplinas, aprendendo a trabalhar com
instrumentos tecnológicos e matemáticos de alta precisão.

O Instituto Smithsonian criou o projeto de digitalização de acervos “Smithsonian 3D


Digitization”, que desde 2013 vem digitalizando o acervo de seus 19 museus e 9 centros de
pesquisa. Segundo o Smithsonian, apenas 1% de todo o seu acervo fica acessível ao público
por conta da sua fragilidade, situação semelhante à do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Desse modo, a utilização da digitalização 3D e a divulgação dos modelos tridimensionais em
ambiente virtual possibilitam que mais curadores de museus e pesquisadores tenham acesso
aos modelos de artefatos do acervo desta instituição (SMITHSONIAN, 2021).

2 Ferramentas da chamada Indústria 4.0.

3Nesse processo de fabricação as peças são formadas pela adição de camadas de polímeros diversos (plásticos)
ou de resinas próprias.

4No processo de fabricação por usinagem em router CNC de blocos de nylon, madeira ou alumínios (principais
materiais utilizados com essa tecnologia) são subtraídos com uso de fresas e brocas, “esculpindo” a peça.

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Outro trabalho de digitalização 3D de grande porte visto é o “Estudo Analítico das Joias de
Ouro Egípcias da Idade do Bronze”, projeto desenvolvido em parceria por diversas instituições
europeias, como o Museu do Louvre. Outro exemplo de iniciativa internacional analisada é o
projeto “Scan the World”, iniciado em 2014, que graças à voluntários por todo o mundo, conta
com um acervo de mais de 17.000 peças digitalizadas tridimensionalmente em 823 lugares,
especialmente na China e na Índia. Por meio desse último projeto, as obras de relevância
histórica estão acessíveis ao público, promovendo a democratização da distribuição de
informação e cultura, como no caso do Monumental Arco de Palmira – arco ornamental
romano localizado na Síria e construído no século III –, que é considerado patrimônio cultural
da humanidade pela UNESCO (MYMINIFACTORY, 2021).

No Brasil, destaca-se o recente trabalho de reconstrução da memória de parte do acervo do


Museu Nacional (MN/UFRJ), que foi realizado a partir da parceria com a Pontifícia
Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), após o incêndio que destruiu grande parte do acervo
do museu. Com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
as equipes de pesquisadores trabalharam para criar réplicas de artefatos do museu utilizando
as cinzas e resíduos deixados pelo desastre, que foram misturados à resina de impressão 3D.
Desse modo, as réplicas adquirem maior correspondência com os originais. A reprodução dos
modelos volumétricos dos artefatos só se tornou possível graças à cerca de 300 tomografias,
convertidas em modelos tridimensionais, e fotografias realizadas antes do incêndio, como as
feitas em múmias egípcias e no crânio de Luzia – mais antigo fóssil humano encontrado na
América do Sul, com cerca de 13 mil anos (MOTTA, 2019). Contudo, o Museu Nacional
possuía mais de 20 milhões de peças, em que apenas uma ínfima parcela poderá ser
replicada.

Entre outros grandes projetos de digitalização 3D no país, destacamos o pioneirismo do


projeto Aleijadinho 3D, realizado em 2013 pela Universidade de São Paulo (USP). Esse
projeto realizou a digitalização tridimensional das igrejas de São Francisco de Assis, Nossa
Senhora do Carmo e Nossa Senhora das Mercês, em Ouro Preto, e de todo o Santuário do
Bom Jesus de Matosinhos, incluindo os seus 12 profetas, em Congonhas, (RODRIGUES et
al, 2013).

No Rio de Janeiro, o monumento do Cristo Redentor foi inicialmente digitalizado com drones
em 2015. Mais recentemente foi realizada uma nova digitalização 3D, com o escaneamento
externo e da estrutura interna do monumento, com o uso de mapeamento por nuvens de
pontos à laser (CPE TECNOLOGIA, 2021).

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No âmbito do Plano de Conservação do Edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAUUSP), edifício Vilanova Artigas, foi realizado em 2016 o
levantamento tridimensional à varredura laser, parceria da FAUUSP com o Departamento de
Arquitetura da Universidade de Ferrara (Itália). Esse levantamento gerou uma nuvem de
pontos que permitiu localizar e quantificar áreas com patologias no concreto armado das
empenas das fachadas, bem como as áreas que foram anteriormente reparadas. O modelo
3D gerado é um importante documento da arquitetura deste icônico edifício, orientando o
Plano de Gestão e Conservação e possibilitando futuras comparações com novos estudos e
avaliações das fachadas e estruturas da edificação (CAMPIOTTO, 2016).

O Museu Paulista (Museu do Ipiranga), pertencente à USP, vem realizando um projeto de


digitalização 3D de todo o seu acervo, incluindo sua arquitetura, para construção de modelos
3D completos. O projeto foi iniciado em 2019 com a digitalização da arquitetura e das
esculturas, como também feito o registro dos artefatos, encontrando-se atualmente na fase
de modelagem com a utilização da tecnologia BIM. Esse projeto permitirá a criação de
ambientes virtuais para visitação pelo público e ainda de jogos educativos, a realização de
pesquisas com disponibilidade de um bando de dados com os modelos 3D, bem como a
utilização na conservação do patrimônio do museu e em sistemas de segurança. O museu
encontra-se fechado desde 2013 e será reaberto em 2022, no bicentenário da independência
do Brasil (JORNAL DA USP, 2021).

Estudos de Casos

A partir dos trabalhos já realizados pela LAFF 3D no setor cultural, especialmente nas áreas
de design, arquitetura e museologia, buscamos investigar o emprego da tecnologia de
digitalização 3D na preservação do patrimônio arquitetônico, quanto a sua utilização,
funcionalidades e técnicas, visando a salvaguarda, conservação, documentação e ainda a
exposição desse patrimônio.

A instituição do Museu Nacional foi criada por D. João VI em 1818, sobre a denominação de
Museu Real, situado inicialmente na edificação que abrigou a Casa da Moeda, no Campo de
Santana. Este museu foi incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em
1946.

O Paço de São Cristóvão foi construído originalmente como residência do traficante de


escravos Elias Antônio Lopes, em 1803. Com a chegada a Família Real Portuguesa ao Brasil,

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em 1808, a edificação tornou-se a residência permanente dessa família. Posteriormente com
a Independência do Brasil, em 1822, passou a ser o domicílio da Família Imperial até a
Proclamação da República, em 1889, quando abrigou a primeira Assembleia Constituinte
Republicana, realizada até 1891. Em 1892 passou ao atual uso do Museu Nacional, tendo a
edificação sido tombada pelo IPHAN em 1938.

Ao longo de sua existência, o paço sofreu sucessivas reformas e ampliações, a primeira delas
entre 1816 e 1821, pelo arquiteto inglês John Johnston. Após a Independência do Brasil, as
obras seguiram com o arquiteto português Manuel da Costa, entre 1822 e 1826, que foi
subsistido pelo arquiteto francês Pedro José Pézerát, entre 1826 e 1831, ao qual é atribuído
o estilo neoclássico da edificação. As obras foram continuadas em 1847 pelo arquiteto
brasileiro Manuel Araújo de Porto-Alegre, harmonizando as fachadas, seguido ainda pelo
alemão Theodore Marx, entre 1857 e 1868, com a decoração de diversos aposentos pelo
pintor italiano Mario Bragaldi, entre 1857 e 1861. Com a Proclamação da República, o palácio
for descaracterizado em seu interior, com muitas das suas peças vendidas ou destruídas. Já
seus jardins – a Quinta da Boa Vista – permaneceram abandonados até 1909, quando foram
cercados e restaurados mantendo-se as características definidas pelo paisagista Auguste
Glaziou (CZAJKOWSKI, 2000).

A comoção gerada pelo incêndio sofrido pelo museu em 2018 fez com que instituições
públicas e privadas brasileiras e internacionais5 reunissem forças para a reconstrução do
museu com o “Projeto Museu Nacional Vive”, que conta com financiamento nacional e
internacional, inclusive da UNESCO.

No âmbito deste projeto, em sua fase de levantamento para a realização do projeto de


restauro e requalificação do Palácio de São Cristóvão e seus jardins6, com utilização da
metodologia BIM, a LAFF 3D foi contratada para a digitalização tridimensional de bens
integrados, em complementação ao mapeamento por nuvem de pontos à laser realizado no
sítio histórico (Figura 1).

5 Entre as instituições participantes, destacam-se: UFRJ, UNESCO, MEC, Instituto Cultural Vale, BNDES,
Bradesco, Associação de Amigos do Museu Nacional (SAMN), contando ainda com a participação Consulado
Geral da Alemanha, Instituto Goethe, ICOM Brasil, IBRAM, SBPC, entre outras (PROJETO MUSEU NACIONAL
VIVE, 2021).

6Posteriormente escolhido por licitação vencida pelo consórcio formado pelos escritórios de arquitetura H+F
Arquitetos / Atelier de Arquitetura.

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Figura 1 – Fachada principal do Palácio de São Cristóvão, com a instalação de cobertura emergencial
para realização das obras. No centro do jardim vemos a escultura da Imperatriz Leopoldina com os
filhos e nas laterais o posteamento e os vasos junto à balaustrada. Foto sem data. Fonte: site do Projeto
Museu Nacional Vive. Disponível em: https://museunacionalvive.org.br/apresentacao/compromissos/
Acesso em: 15/09/2021.

O trabalho envolveu a digitalização 3D dos seguintes bens: a escultura da Imperatriz


Leopoldina com os filhos, o posteamento histórico e vasos ornamentais sobre à balaustrada,
localizados no jardim frontal do palácio; a escultura do D. Pedro II, situada em frente ao acesso
principal do museu, instalada sobre um pedestal de cinco metros de altura (Figura 2).

O serviço de escaneamento 3D propriamente dito ocorreu em dois dias, devido a necessidade


de montagem de andaime para a digitalização da escultura de D. Pedro II, à cinco metros de
altura do solo. Após a digitalização, foram realizados durante uma semana, ininterruptamente
e em regime de urgência, o processamento e tratamento dos modelos 3D, executados por
dois técnicos utilizando o software do próprio equipamento. Nesta segunda etapa, os modelos
3D foram convertidos em malhas poligonais, revisando e corrigindo falhas de descontinuidade
nas superfícies, ocorridas, principalmente, pela reflexão dos materiais constituintes dos
artefatos. Com as superfícies fechadas e contínuas na malha (mesh) foi possível a exportação
dos modelos 3D para formatos de arquivos conhecidos7.

7Os formatos mais comuns de arquivos são: STL - de STereoLithography, também conhecido como “Standard
Triangle Language”; OBJ - Object File Wavefront 3D, que foi desenvolvido pela Wavefront Technologies.

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Figura 2 – Bens integrados digitalizados no Museu Nacional: A - escultura da Imperatriz Leopoldina
com os filhos, no centro do jardim frontal do palácio; B - escultura de D. Pedro II, no acesso principal
ao museu; C - vaso sobre a balaustrada; D - poste de iluminação sobre a balaustrada.

A LAFF 3D também realizou a digitalização 3D de elementos do conjunto arquitetônico e


paisagístico do Palacete Linneo de Paula Machado, pertencente à Casa Firjan da Indústria
Criativa. O conjunto, constituído pelo palacete, jardim e edificações anexas, possui duplo
tombamento, pelo atual Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH/Prefeitura do Rio),
desde 1987, e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC/Estado do Rio de
Janeiro), em 2006.

O palacete é um importante exemplar da arquitetura urbana do começo do século XX,


localizado no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. A edificação foi provavelmente construída
em 1906, por iniciativa da família Guinle, pelo arquiteto John Oberg. Em 1908, a casa foi
transferida para Celina Guinle, que se casou com Linneo de Paula Machado em 1911. Ainda
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em 1910, foi realizada uma grande reforma de ampliação pelo arquiteto Armando da Silva
Telles, que conferiu as linhas arquitetônicas existentes e alterou o acesso principal do edifício.
Posteriormente, em 1925, foi feita nova ampliação com acréscimo de mais uma ala pelo
arquiteto francês Joseph Gire. O palacete possuía uso residencial em seus dois pavimentos,
sendo instalado um dos primeiros elevadores da cidade. Na edificação foram empregados
sistemas construtivos industrializados e materiais requintados, com arquitetura e ornamentos
em estilo eclético, com influências do Renascimento, Art Nouveau e Art Déco, acrescidos nas
sucessivas reformas de ampliação (ATELIER 77; VELATURA RESTAURAÇÕES, 2013).

A edificação teve uso residencial até 2005, quando faleceu seu último morador, Francisco
Eduardo de Paula Machado. Em 2010 o imóvel foi adquirido pela Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro (Firjan). O palacete e o jardim receberam em 2011 a edição da mostra de
decoração Casa Cor, que acabou encobrindo as patologias existentes na edificação.

O projeto de restauro e requalificação foi realizado entre 2015 e 2018, após concurso de
arquitetura realizado em 2012 para a construção de uma nova edificação e a restauração e
requalificação do conjunto arquitetônico e paisagístico existente. Esse projeto foi elaborado
pelo escritório Velatura Restaurações e executado por MViana Arquitetura e Construção. As
ações de restauração tiveram como objetivos manter e recuperar os valores estéticos e a
prevalência histórica, de modo a conservar a autenticidade e a unidade potencial do bem
tombado, ao mesmo tempo que possibilitou novos usos. Já as ações de requalificação
ocorreram com a implantação de novas instalações prediais (elétricas, hidráulicas e elevador),
além de tornar a edificação acessível.

A Casa Firjan foi inaugurada em meados 2018, com intensa utilização para eventos, palestras
e cursos, que têm como temáticas a indústria, a criação e a tecnologia. Os jardins são
intensamente utilizados pela população local, com grande frequência nos finais de semana 8.

Para o trabalho de digitalização 3D dos artefatos arquitetônicos e artísticos, incialmente foram


pesquisados no arquivo IRPH 9 as peças constituintes do projeto de restauro e de
requalificação arquitetônica do conjunto, incluindo levantamentos, mapeamento de danos,
projeto de restauro, projeto do novo edifício anexo e mapa de fluxos entre as edificações.

8Com a pandemia de Covid-19, o conjunto da Casa Firjan foi fechado em março de 2020, com o jardim reaberto
em setembro de 2021, com agendamento. Atualmente o 1º andar do palacete é utilizado como posto de vacinação.
9Agradecemos aos técnicos do IRPH por nos franquear acesso a toda documentação do restauro e requalificação
do palacete, apesar das restrições impostas pela pandemia.
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A partir dos cadernos que compõem o projeto, tendo como base os critérios de preservação
adotados no projeto de restauro e os diferentes estilos artísticos existentes no conjunto, foram
escolhidos dez artefatos arquitetônicos e decorativos do interior do palacete e do jardim para
escaneamento 3D.

O trabalho foi dividido em duas partes, na primeira, uma etapa piloto, foram digitalizados três
elementos, em que foram capturadas as texturas e cores originais dos mesmos: um aparador
de jantar em mármore; um gradil com guarda-corpo em ferro fundido e latão, no salão principal
(Figura 3) e parte de um ornamento em formato de coluna, do salão de jantar.

Figura 3 – Elementos digitalizados com a textura superficial, representativa dos materiais constituintes
dos artefatos, gerando uma aparência realista: A - aparador de jantar, com representação do mármore
Verona Grise; B - gradil com guarda-corpo no salão principal, com representação colorida dos materiais
em ferro fundido pintado de preto e em latão dourado.

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Na segunda etapa foram digitalizados mais sete elementos: dois ornamentos com rostos
femininos, situados sobre dois pórticos do átrio; ornamento com figura feminina no interior do
tímpano, acima da porta de acesso ao antigo elevador no salão principal; ornamento da
parede lateral do salão principal com temas florais; ornamento lateral em formato de coluna
com características jónicas, no salão de jantar; ânfora decorativa na balaustrada do palacete
com alto revelo de folhas e pássaros, junto ao jardim; vaso decorativo no jardim (Figura 4).

Figura 4 – Elementos arquitetônicos e decorativos digitalizados na segunda etapa: A - ornamento lateral


em formato de coluna com características da ordem jónica, no salão de jantar; B - ornamento com figura
feminina, situado no interior do tímpano acima da porta de acesso ao antigo elevador, junto ao salão
principal; C - ornamento com rosto feminino, centralizado acima de um dos pórticos do átrio; D - ânfora
decorativa com alto revelo de folhas e pássaros, na balaustrada do palacete junto ao jardim; E - vaso
decorativo no jardim, próximo a uma das entradas laterais do palacete.
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O serviço de digitalização foi realizado em apenas um dia na primeira etapa e em dois dias
na segunda, por conta das restrições de horário devido à pandemia10, enquanto o
processamento e tratamento dos modelos 3D, em cada etapa, duraram cerca de três
semanas. Os modelos 3D foram convertidos em malhas poligonais utilizando-se o software
do digitalizador Peel 2, com essas sendo revisadas e tendo corrigidas falhas de
descontinuidade nas superfícies, como também das texturas superficiais representativas dos
materiais constituintes dos artefatos, gerando uma aparência realista dos elementos
digitalizados tridimensionalmente. Após as malhas estarem totalmente contínuas e fechadas
foram feitas as exportações dos modelos 3D para o formato de arquivo OBJ. Este tipo de
arquivo permite a inserção de uma imagem contendo a textura (texture) e as cores superficiais
que representam os materiais externos, constituintes da peça, e que conjuntamente com a
forma do objeto estruturada em uma malha, representativa das superfícies, formam o modelo
3D do artefato neste formato de arquivo.

Nesse trabalho foram experimentadas técnicas de representação e reconstituição dos


materiais e das cores dos artefatos nos modelos 3D, bem como os meios de apresentação
desses modelos em diferentes formatos (site, arquivo PDF 3D).

As dificuldades encontradas durante as digitalizações 3D nos estudos de casos foram: as


falhas no escaneamento devido à reflexão nas superfícies das peças, principalmente as
metálicas, sendo necessária a aplicação de produtos (solúveis em água) que tornassem as
peças menos reflexivas (foscas); em elementos com lados confinados, junto às paredes e
tetos, em que não havia angulação ou espaço suficientes para a entrada do escâner. As falhas
foram corrigidas no processamento e tratamento dos modelos 3D com o auxílio de fotografias
e vídeos das peças.

Possibilidades de Usos da Digitalização 3D

As possibilidades de utilização da digitalização 3D por luz estruturada para a documentação,


preservação e divulgação de bens culturais são bem amplas, como destacadas.

O escaneamento 3D de artefatos expostos, ou em reservas técnicas, para fins de


documentação e catalogação é uma importante possibilidade de uso. Fichas técnicas das

10 Agradecemos o importante apoio da equipe do FabLab da Casa Firjan nos dias da digitalização.

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peças contendo informações sobre a história e características artísticas, o histórico dentro da
instituição, os materiais constituintes, as dimensões físicas e fotografias podem estar
associadas à modelos tridimensionais precisos dos artefatos. Esses modelos são
representações digitais das superfícies e volume físicos e podem incluir na sua visualização
a aparência dos materiais superficiais (texture), tornando-a mais realista.

Esses modelos 3D também podem estar inseridos dentro de um projeto de exposição virtual
pela internet de uma instituição cultural ou edificação, através de ferramentas de realidade
virtual ou aumentada (RV/RA) integradas a um conjunto de fotografias 360 graus. Há ainda a
possibilidade de jogos educativos e lúdicos, que colaborem na difusão do conhecimento e na
formação do público para os museus e instituições culturais. Essas formas de exposição digital
do acervo possibilitam a maior difusão cultural e a ampliação do público, como também a
exibição de peças que estão em restauração, emprestadas ou armazenadas na reserva
técnica da instituição, preservando as peças originais.

Na construção civil a digitalização 3D de elementos arquitetônicos e artísticos, em conjunto


com o mapeamento por nuvem de pontos, permite a criação de modelos complexos na
tecnologia BIM. Esses elementos digitalizados podem fazer parte de famílias (bibliotecas de
elementos construtivos em BIM), contendo informações técnicas, históricas e artísticas, como
ainda diferentes graus de detalhamento e representação tridimensional no modelo
BIM/HBIM11. Este é o caso do que vem sendo desenvolvido para o Museu Paulista e o Museu
Nacional.

Há ainda a possibilidade de uso dos elementos digitalizados em modelos voltados para as


dimensões de sustentabilidade (6D) e de gestão/manutenção predial (7D) do BIM,
documentando e trabalhando com todo o ciclo de vida da edificação – planejamento, projeto,
construção, utilização e demolição.

Uma outra importante utilização da tecnologia de digitalização 3D na arquitetura é a replicação


e reconstrução de elementos arquitetônicos e artísticos através de ferramentas de fabricação
digital, presentes na chamada Indústria 4.0. O modelo 3D do artefato digitalizado pode ser
processado visando simplesmente a sua reprodução, como pode, ainda, ser modificado ou
acrescido, de maneira a recompor partes faltantes.

11A quantidade e qualidade de informações, especificações, detalhamentos e representações geométricas (2D e


3D) dependem do nível de desenvolvimento (LOD, ou ND em português) dos elementos dentro do modelo BIM.

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Após o tratamento por modelagem tridimensional, as peças podem ser replicadas ou
reconstruídas, bem como espelhadas para produção de fôrmas e moldes, em parte ou no
todo, com técnicas de prototipagem e manufatura rápida com o uso de impressoras 3D ou
routers CNC. As peças podem ser executadas em diferentes tipos de polímeros (plásticos),
resinas, madeira ou alumínio, entre outros materiais. Os objetos resultantes podem ser
utilizados diretamente no local que se destinam, após acabamento, ou então serem
empregados na modelagem de fôrmas de silicone, para a reprodução com o emprego de
materiais próximos aos originais do artefato ou para produção em série.

Assim, no caso da restauração ou reparo de elementos arquitetônicos e artísticos, a


prototipagem e a manufatura rápida facilitam o processo, garantindo celeridade e conferindo
maior precisão na recomposição de elementos ou partes faltantes. Além disso, possibilita a
reintegração da unidade potencial desses artefatos, com uma leitura completa do conjunto ao
qual pertencem, porém, empregando materiais modernos, evitando-se com isso falsear as
peças ou criar um falso histórico do conjunto.

Há também a possibilidade de uso dessa tecnologia na ampliação da visibilidade e divulgação


de museus e instituições culturais, ajudando a popularizar a arquitetura e as artes. Isso é
possível através da reprodução em escala de artefatos marcantes e populares por
ferramentas e técnicas de fabricação digital, usando modelos simplificados para a criação de
moldes para a confecção e comercialização de réplicas e suvenires.

Considerações Finais

Apresentamos ao longo deste artigo dois exemplos de casos da utilização da digitalização 3D


na preservação de bens arquitetônicos, artísticos e históricos, com também algumas das
possibilidades de usos do escaneamento tridimensional, em conjunto com as demais
ferramentas de fabricação digital e exposição virtual. O emprego combinado dessas
ferramentas são formas inovadoras e precisas de documentação, preservação e divulgação
de bens culturais.

Os usos aqui preconizados permitem, para além dos próprios artefatos em si, que a história,
os estilos artísticos e as técnicas construtivas de terminados períodos e civilizações sejam
documentados e preservados. Isso pode ajudar a evitar interpretações grosseiras ou visões
parciais da história da arquitetura e da arte, assim como a dos próprios artefatos. Do mesmo

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modo, possibilita impedir que os artefatos sejam perdidos ao longo do tempo, por condições
normais de desgaste ou por tragédias, como as que acometeram diversos acervos no país.

O emprego desses usos possibilita também a difusão do conhecimento, de caráter


multidisciplinar, entre pesquisadores e profissionais de diferentes áreas – arquitetura, design,
engenharia, museologia, antropologia, história, dentre outras –, com a utilização das técnicas
adequadas para a digitalização 3D e a fabricação digital, contribuindo para futuras
pesquisas e novos usos dessas tecnologias. Um desdobramento possível é o
desenvolvimento de um sistema de catalogação de objetos digitalizados tridimensionalmente,
de maneira a serem organizados de acordo com características específicas.

Desse modo, infere-se que o principal resultado da utilização das tecnologias digitais na
documentação, preservação e divulgação é a ampliação do conhecimento, tornando os bens
culturais, em especial os arquitetônicos, artísticos e históricos, acessíveis a todos –
pesquisadores, profissionais e o público em geral.

Referências Bibliográficas

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Projetos, Rio de Janeiro: Atelier77; Velatura Restaurações, 2013.

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https://entretenimento.uol.com.br/noticias/deutsche-welle/2018/09/03/museu-nacional-no-rio-
de-janeiro-tinha-o-5-maior-acervo-do-mundo.htm Acesso em: 01/10/2021.

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EIXO TEMÁTICO 3
ENTRE O RIO ANIL E O MAR: O plano de Ruy Mesquita

SÁ, Oton (1)

1. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


Rua Borba Gato, 331, Santo Amaro, São Paulo – SP
otonsa@icloud.com

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar as proposições apresentadas no “Plano de Expansão da
Cidade de São Luís” (1958) de Ruy Ribeiro de Mesquita para a capital ludovicense. Partindo de um
pressuposto de que ocorria uma circulação de ideias no campo do urbanismo no século XX (LEME,
1999), São Luís é palco de uma série de ideários urbanos que lhe são transferidos e traduzidos à sua
realidade pelas mãos e mentes de planejadores urbanos migrantes e peregrinos. O olhar dessa reflexão
se descortina a partir da apresentação e análise crítica do desenho urbano proposto e suas implicações,
descritas em texto, para um novo modelo de cidade em São Luís no âmbito das modernidades
brasileiras. No entanto, para que a análise sobre os planos proposta seja realizada, requer-se uma
contextualização política, econômica e social, tanto em âmbito nacional, como em âmbito local, no
sentido das transferências de ideias, que permitiram e contribuíram para que tais se tornassem
possíveis em sua época. Baseados em ideais do urbanismo modernista, os planos urbanos são a
materialização de ideários urbanos propostos para São Luís e, quando postos sob um véu translúcido
entre si e a cidade contemporânea construída, demonstram uma urbe composta de camadas de ideias
e a força da perspectiva daqueles que experienciam São Luís através do “olhar sensível”.
Palavras-chave: Planejamento Urbano; Ideários Urbanos; São Luís.

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Introdução

Limitada pelas margens dos rios Anil e Bacanga, durante a primeira metade do
século XX, desenvolvera-se a cidade de São Luís a partir de uma Ponta D’Areia rumo as
terras interioranas da ilha. Com a chegada do engenheiro Ruy Ribeiro de Mesquita, a ideia de
ocupação do território é repensada. Em meio a um ideal de industrialização e modernização
das capitais brasileiras, com o advento das pontes, o engenheiro, no seu “Plano de Expansão
da Cidade de São Luís” (1958), passa a definir novos eixos de expansão do território. É a São
Luís Radiante (LOPES, 2016), que transpõe os rios e ocupa as terras ao norte e oeste, que
se adota como espacialidade de estudo neste texto.

A pesquisa de Carlos Frederico Lago Burnett (2008) é um dos materiais que


investiga a relação da produção de ambientes urbanos e os contextos de desenvolvimento
que se passaram na cidade. Em sua pesquisa os termos “urbanização tradicional”,
relacionado ao processo de ocupação do Centro Histórico de São Luís, e “urbanização
modernista”, sendo todo processo que se desencadeia após das proposições de Ruy
Mesquita, são postos em contraponto. Eles definem, de maneira generalista, o processo de
urbanização do nosso objeto de estudo em uma dicotomia, no qual o objeto é tradicional ou
modernista, facilitando, portanto, a compreensão de um espectro complexo de espaços
temporais.

Como a maioria das cidades brasileiras, São Luís apresenta assim dois tipos
de urbanização, que dividem o território da cidade: a urbanização tradicional,
originada da conquista portuguesa do século XVII, e a urbanização
modernista, implantada no último quartel do século XX, com a conquista do
litoral da Ilha. Eles representam dois modelos urbanos contrastantes nos seus
modos de apropriação espacial do território, distribuição de funções,
localização da população e tratamento do meio ambiente e seus recursos
naturais. (BURNETT, 2008, p. 16).

O olhar dessa reflexão se descortina a partir da apresentação e análise crítica do


desenho urbano proposto e suas implicações a partir do ideário urbano apresentado para um
novo modelo de cidade em São Luís, no âmbito das modernidades brasileiras, no plano
idealizado por Ruy Ribeiro de Mesquita: “Plano de Expansão da Cidade de São Luís” (1958).
No entanto, para que a análise sobre os planos proposta seja realizada, requer-se uma
contextualização política, econômica e social, tanto em âmbito nacional, como em âmbito
local, no sentido das transferências de ideias, que permitiram e contribuíram para que tais se
tornassem possíveis em sua época.

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De Saboya Ribeiro a Ruy Mesquita

No cenário nacional boa parte das reformas urbanísticas propostas, implantadas


no Estado Novo, “se limitava a esquemas de circulação com novos sistemas viários
sobrepostos aos tecidos urbanos antigos, quando não se tratava de áreas de expansão ou
cidades novas” (SEGAWA, 1998, p. 27). Partindo de um pressuposto de que ocorria uma
circulação de ideias no campo do urbanismo no século XX (LEME, 1999), São Luís é palco
de uma série de ideários urbanos que lhe são transferidos e traduzidos à sua realidade pelas
mãos e mentes de planejadores urbanos migrantes e peregrinos.

Seguindo a corrente nacional, as reformas ocorridas na cidade no início do século


XX, durante a gestão de Saboya Ribeiro na prefeitura de São Luís, representam os seus
primeiros traços desejantes modernos. Em sua mensagem ao governador do Estado,
nomeada de “ante-projecto de remodelação da cidade”, o gestor do município disserta suas
intenções de modificar a feição da “architectura colonial Portugueza” de São Luís, a qual
considera “typica sem nenhum valor de ordem architectonica ou interesse de ordem
pittoresca” (SABOYA RIBEIRO, 1937), através de uma transformação radical nas suas
esferas de desenho urbano e legislativas. Assim, após mais de trinta anos das reformas
“haussmanianas” no Rio de Janeiro, o traçado colonial de Frias de Mesquita é cortado “[...]
pelo Largo do Carmo, demolindo partes de quarteirões seculares e possibilitando a construção
de exemplares ecléticos e mesmo protomodernos” (BURNETT, 2008, p. 122).

A São Luís do século XIX, cuja administração pública atendia a desejos da elite
comercial local, foi substituída por uma capital com ideais desenvolvimentistas, iniciados por
Saboya Ribeiro (LOPES, 2013), baseada em uma política nacional e internacional de
financiamentos públicos. O êxodo rural, consequência da intensificação das atividades
industriais no país, traz à capital do Maranhão a problemática de lidar com o aumento
populacional urbano, ao passo que tenta adaptar-se, também, ao novo cenário de retomada
do crescimento econômico. Com edifícios modernistas instalando-se na agora área central da
cidade, tais como os edifícios João Goulart, na Praça Dom Pedro II, e do Banco do Estado do
Maranhão (BEM), na Rua do Egito, o adensamento de atividades causa congestionamentos
no traçado urbano tradicional limitado, trazendo à luz a necessidade de planejar a ocupação
dos territórios para além do centro.

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Além do centro

As terras que se compreendiam entre o Rio Anil e o mar eram historicamente


pertencentes às famílias detentoras de grande capital na cidade e se dividiam em grandes
sítios, como descreve o artigo escrito por Ruy Ribeiro de Mesquita para o jornal O Imparcial
em 1975. No entanto, nem mesmo os entraves da situação fundiária da ilha conseguiram
impedir que a área mais próxima do litoral fosse ocupada.

Ao passo que a ocupação na Ponta D’Areia se dava através da construção de


bares irregulares e de casas de veraneio para a classe abastada do núcleo urbano nos fins
de semana, acessados pela faixa de terra vinda do Olho D’Água (futura Avenida do
Holandeses), a Ponta de São Francisco era ocupada por um vilarejo de pescadores e
comerciantes que não conseguiam viver com o preço acintoso e desumano dos aluguéis,
devido à escassez de moradia no centro antigo (DIÁRIO DA MANHÃ, 1958).

Nesse período, o bairro do São Francisco era ocupado por pescadores,


pequenos comerciantes e lavradores, que viviam em condições relativamente
simples. Não havia água encanada, energia elétrica e esgoto. [...] Havia um
fluxo de canoas indo e vindo, transportando pessoas e mercadorias. Os
moradores chamavam esse percurso de travessias. As travessias
representavam o acesso dessa população a uma série de produtos. Elas
eram a ligação com o moderno, presente somente do outro lado da ilha.
(BARROS, 2001, p. 55 e 56).

Atendendo aos investimentos do mercado imobiliário para a população de alta


renda, é fundada, de forma simbólica, a Cidade Balneária do Olho d’Água em 07 de setembro
de 1945. A nova cidade já se encontrava delineada. Com “os terrenos divididos em lotes, Olho
d’Agua, de início”, teria “oito quarteirões e uma avenida, que recebeu o nome do Presidente
Roosevelt” (O IMPARCIAL, 1945, p. 8). Em 1950, com o investimento tanto do setor público
quanto privado, empenhados em trazer a alta classe para as proximidades da praia, esse
núcleo se estabelece como a primeira centralidade urbanizada de expansão da cidade que se
construiria entre o Rio Anil e o mar.

No fim da primeira metade do século é determinada a verba para a construção do


novo porto de São Luís, o Porto do Itaqui, que há mais de meio século vinha sendo discutida
(O IMPARCIAL, 1948), devido à localização e ao constante assoreamento do porto da Praia
Grande. Dessa forma, famílias de classe baixa buscaram nesse território ao leste da ilha,
ainda inexplorado e cheio de potencialidades, um espaço para construir suas moradias e
marcavam um terceiro eixo de interesse de expansão para além do Rio Bacanga.
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Figura 1 - Mapa da Ilha de São Luís.

Fonte: JORGE, 1950.

A cidade encontra-se, no fim desse primeiro quarto de século, fragmentada, como


é possível ver no mapa da “Ilha de São Luis” (Figura 1), do “Álbum do Maranhão – 1950” de
Miécio Jorge. As barreiras físicas dos rios Anil e Bacanga, impedem que a cidade cresça em
torno do centro antigo e limita a uma única vertente o acesso aos demais pontos da ilha,
causando problemáticas no trânsito da cidade. A superação desses obstáculos “era uma
necessidade que estava colocada como condição para a integração e consolidação da cidade”
(LOPES, 2016, p. 40).

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Ruy Ribeiro de Mesquita

Nascido, em 13 de abril de 1919, na cidade de Estância, em Sergipe, Ruy Ribeiro


de Mesquita era um engenheiro e urbanista recém-chegado a São Luís. Formado pela Escola
Politécnica da Universidade Federal da Bahia em Engenharia Civil, Mesquita é convidado pelo
diretor geral do Departamento de Estradas e Rodagens – DER-MA, Emiliano Macieira, para
compor parte do seu time de técnicos em um DER ainda em processo de estruturação
(PFLUEGER in LOPES, 2016). Nesse período, mais especificamente em 1950, o engenheiro
publica o “Plano Rodoviário da Ilha de São Luís”, que buscava integrar os diversos polos de
assentamento da ilha através das “estradas de rodagem” e estabelecia algumas diretrizes de
crescimento urbano, que viriam a ser exploradas em breve.

Estabelecendo-se como um membro influente da elite intelectual ludovicense na


metade do século, o engenheiro assume então o cargo de diretor geral, em 18 de setembro
de 1952, a pedido do Governador Eugênio Barros. Durante sua gestão, Ruy Mesquita foi
responsável pela implantação de diversas estradas além da ilha, interligando municípios no
interior do Maranhão, e de pontes, transpondo barreiras fluviais, como as “pontes construidas
sobre o rio Mearim, em Pedreiras e sobre o Itapecuru” (O IMPARCIAL, 1961, p. 9) em
Itapecuru-Mirim.

Nem sempre os esforços progressistas e de modernização de Ruy Mesquita foram


apreciados pela população como um todo. No seu livro “São Luís, Cidade Radiante” (2016),
José Antônio Viana Lopes faz um panorama das discussões travadas pelas lideranças
políticas da época através de publicações nos jornais “A Tarde” e “Jornal do Dia” na primeira
metade do ano de 1957, que divulgavam uma série de colunas envolvendo críticas ao DER.
No entanto, as desavenças políticas em torno do diretor do DER-MA não foram capazes de
inibir seus ânimos e, no ano seguinte, Mesquita publica o seu “Plano de Expansão da Cidade
de São Luís”, contendo em anexo dois mapas da cidade: um plano de grandes avenidas que
percorrem todo o território ludovicense na ilha (Figura 2) e uma planta de escala maior que
detalha a ocupação da Ponta de São Francisco e Ponta d’Areia, intitulado “Plano para o
desenvolvimento de São Luís, MA na área compreendida entre o Rio Anil e o Mar” (Figura 3).

Ruy Mesquita ainda é nomeado Prefeito Municipal de São Luís, em 16 de julho de


1962, cargo que possibilitou a implementação de seu plano urbanístico de expansão através
do sancionamento da Lei Municipal nº 1.322, de 27 de dezembro de 1962, mas, assim como
José Otacílio de Saboya Ribeiro, permaneceu nele apenas por um breve período, sendo
exonerado em 24 de abril de 1963 devido à divergências de ordem administrativa com o então

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governador do Estado Newton Bello, que o havia nomeado como prefeito (BUZAR, 2000).
Sendo então o fim de sua aparição no cenário político, faleceria 16 anos depois, em 29 de
janeiro de 1979. Esse personagem é um notável na história ludovicense, sendo, portanto, o
“Plano de Expansão da Cidade de São Luís” (PECSL) a sua grande contribuição no campo
do urbanismo maranhense. Suas ideias, construídas em anos de academia na Bahia,
justapostas às necessidades de expansão territorial resultam no documento que discutiremos
a seguir.

O documento

O PECSL inicia-se com uma breve introdução como diagnóstico da cidade. Nela
são abordados temas como as pequenas ocupações fragmentadas na ilha, chamadas de
“lugarejos” que “surgiram no perímetro da ilha, ou um pouco mais para o interior, devido aos
diversos igarapés que permitem fácil acesso” (MESQUITA, 1958, p. 1), e as dificuldades
enfrentadas com a localização do antigo porto no centro da cidade, que permitia que uma
pouca quantidade de navegações o utilizasse ao mesmo tempo, além da dificuldade que elas
tinham para acessá-lo (MESQUITA, 1958). Outros aspectos foram pontuados na análise
inicial apresentada no plano urbano como topografia, salubridade e, especialmente,
habitação, uma vez que Mesquita notava que a cidade crescia cada vez mais em um sentido
único, afastando a população do centro comercial, ou criando mazelas sociais, já que
começaram a surgir diversas ocupações espontâneas ao longo das margens dos rios Anil e
Bacanga, as palafitas.

Nas partes baixas das margens dos rios Anil e Bacanga, e nas depressões
situadas entre os espigões, desenvolvem-se inúmeros mangais. Nessas
áreas insalubres, especialmente nas mais próximas dos centros de trabalho,
desenvolvem-se os mocambos, abrigando homens, geralmente
depauperados, vencidos pelo trabalho e sem a educação necessária para
melhorar as suas condições de vida. Esse fenômeno tem como principal
causa o crescimento da cidade em um só sentido, através de uma faixa
estreita, devido à limitação da área pelos rios Anil e Bacanga. (MESQUITA,
1958, p. 2).

Ruy Mesquita discorre ainda sobre o processo de urbanização ludovicense que


foi limitado pelas barreiras fluviais e como a concentração de atividades nesse centro, situado
nessa península, pode ser prejudicial para o acervo do conjunto de edifícios coloniais luso-
brasileiros (MESQUITA, 1958). Ele se vale de um argumento protecionista em relação ao valor
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histórico das edificações presentes no traçado de Frias de Mesquita para apresentar então
seu principal objetivo nesse plano: a descentralização da cidade a fim de proporcionar um
“aumento de velocidade dos veículos” e dar a São Luís “proporções de uma grande metrópole”
(MESQUITA, 1958, p. 2).

A cidade de São Luís nasceu e desenvolveu-se caótica e


desorganizadamente sem a orientação de um plano básico para o seu
crescimento. A parte central de São Luís está limitada. Nestas condições, ou
a cidade cresce em sentido vertical ou se expande pelas áreas
compreendidas entre o rio Anil e o mar e o rio Bacanga e a baía de São
Marcos. Apresentando-se a parte central da cidade com ruas estreitas e
topografia acidentada, de difícil circulação para o tráfego, o crescimento em
altura deve ser evitado para não provocar congestionamento, confusões
insegurança e, conseqüentemente, desvalorização dos imóveis. O
crescimento em expansão, com a finalidade de descentralizar a cidade e, por
conseguinte, a circulação de veículos, é o mais recomendado e é ilimitado.
(MESQUITA, 1958, p. 2).

Para alcançar o objetivo de uma ocupação, de certa forma, mais centrifuga, são
retomadas pelo PECSL as propostas do engenheiro dissertadas no seu “Plano Rodoviário da
Ilha de São Luís” (1950), tais como as construções de pontes, para superar as barreiras físicas
impostas pela natureza, e a de grandes estradas “ora formando uma linha na periferia, ora
cortando o interior e ligando pontos opostos da ilha” (MESQUITA, 1958, p. 2), para integrar
todo território fragmentado.

Após essa síntese da situação da cidade na década de 1950, começam a ser


apresentadas as soluções e diretrizes do plano. O texto propõe que o antigo desejo de um
novo porto para a cidade seja realizado: o Porto do Itaqui, devendo as suas instalações serem
locadas ao leste da ilha. Por consequência, a construção desse porto demandaria a
construção de uma ponte sobre o rio Bacanga. Dessa forma são zoneadas como
industrial/portuária as terras compreendidas entre o rio Bacanga e a Baía de São Marcos,
uma vez que são apresentadas uma série de benefícios e serviços que podem ser construídos
para essa área, tais como a localização de novas indústrias e depósitos de combustíveis e o
desvio da intensa movimentação de carga entre o porto e o interior do Estado do Maranhão,
sem perturbar o movimento normal da cidade, uma vez que previa o deslocamento da estrada
de ferro para a margem esquerda do rio Bacanga (MESQUITA, 1958).

Com essa condição de uma nova zona, é pontuada, então, a necessidade da


construção de vias que inserissem esse polo ao tecido da ínsula. Duas estradas são
planejadas: uma que ligasse o porto ao Tirirical, região onde já existia a única rota de saída
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da ilha, a fim de desviar o trânsito do centro, como supracitado, e uma que conectasse o porto
à ponta de Madre Deus, região que se instalaria a ponte, estabelecendo uma relação
rodoviária com a região já urbanizada. Timidamente, é pontuada no plano a construção de
uma avenida que circunda o traçado urbano dos séculos passados, justificada pela área na
qual a já citada ponte viria a se edificar. Não é apresentada nenhuma justificativa para essa
proposição em relação à preservação do conjunto edificado na parte central da cidade, mas
certamente essa ideia de uma Avenida do Contorno, seguindo exemplos de planos modernos
de cidades como Belo Horizonte e Salvador, teve um papel importante na preservação desse
acervo.

Figura 2 - Plano de Expansão da Cidade de São Luís.

Fonte: MESQUITA, 1958.

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Uma série de intervenções propostas viárias para toda territorialidade da ínsula,
muitas especialmente para a área já consolidada da cidade e para o eixo de expansão definido
pela Avenida Getúlio Vargas, são anotadas sequencialmente no documento e situadas no
primeiro mapa em anexo (Figura 2). Projetos como a reforma do prédio da RFFSA, para
abrigar uma nova estação ferroviária, retirando todos os barracões que se assentavam nas
suas laterais, a construção de uma praça interligada com a praça Gonçalves Dias, no então
pátio de manobras de trens, e a construção do “Grande Parque da Cidade”, na região do
Jaracati, mostravam tentativas do plano de valorizar uma paisagem até então subaproveitada.

O imenso mangal [...] até a ponta do Sítio Novo [...] e a ponta do Angelim,
deverá ser totalmente saneada para localização do “GRANDE PARQUE DA
CIDADE”, com avenida perimetral para veículos automotores, pista para
bicicletas, excelente arborização, um grande lago artificial de diversões para
ambos os sexos e todas as idades, incluindo-se campos de futebol, de golf,
de tênis, de basquetebol, de voleibol, área para patinação, esqui, hipódromo,
área para exposições, circos etc. (MESQUITA, 1958, p. 3).

As iniciativas do plano em geral são de caráter rodoviário, interligando sítios e


especulando a ocupação dos territórios de forma radial a partir do centro. Segue um ideal
funcionalista e desenvolvimentista comum nas cidades brasileiras nesse período, priorizando
o deslocamento por automóvel. No entanto, o plano tem como um dos elementos de grande
destaque o estudo de um loteamento, seguido de modelo de uso e ocupação para as regiões
da Ponta de São Francisco e Ponta D’Areia, acessados pelo advento daquilo que já era marca
registrada de Mesquita: uma ponte.

Entre o rio Anil e o Mar

Mais uma vez é indicada a construção de uma ponte, porém, dessa vez, sobre o
Rio Anil. A “referida obra darte especial, com extensão axial de 800 metros”, seria “construída
no prolongamento da rua do Egito, devendo, entretanto, situar-se perpendicularmente à
Avenida Beira-mar” (MESQUITA, 1958, p. 2) e continuaria atravessando a Ponta de São
Francisco até dividir-se, à altura do Igarapé da Jansen, em dois caminhos. Numa lógica um
tanto quanto especuladora, são planejadas cinco vias a partir da Ponta D’Areia e da avenida
projetada após a ponte sobre o rio Anil. Três delas são: uma “avenida, com duas pistas de 12
metros cada uma e mais refúgio central de 6 metros, passará por São Marcos e irá alcançar

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o Tirirical” (MESQUITA, 1958, p. 2), uma estrada que seguirá paralela às margens oceânicas
“passando pelas praias de Calhau, Olho D. Água, Jaguarema, Olho de Porco, [...] Maioba de
Mocajutuba e fará conexão com a MA.53 (Anil - Ribamar) em São José dos Índios”
(MESQUITA, 1958, p. 3) e uma avenida litorânea que seguiria da Ponta D’Areia aos limites
do município de São José de Ribamar.

Avenida litorânea, com duas pistas de 12 metros cada uma e mais refugio
central de 6 metros, no trecho compreendido entre a Ponta da Areia, a partir
do Forte, e a praia de Jaguarema, no limite com o Município de Ribamar,
paralela ao mar e em concordância com as enseadas, executando-se em
frente à área reservada no Farol de São Marcos e outras adjacentes até a
casa de praia do Governo do Estado, em cujo trecho a Avenida passará atrás
das referidas instalações. (MESQUITA, 1958, p. 3).

É notável o anseio de Mesquita em ocupar a faixa de terra litorânea ao norte da


cidade, na qual enxergava a potencialidade de ser o polo residencial pertencente às classes
mais abastadas da população ludovicense. O engenheiro reserva no documento um espaço
para descrever um plano para a ocupação nas faixas de terra da Ponta de São Francisco e
Ponta D’Areia. Para compreender esse texto é importante a leitura simultânea do segundo
mapa em anexo ao documento (Figura 3). São especificadas zonas residenciais, comerciais
e administrativas, assim como a localização de estabelecimentos como bancos, cinemas,
hotéis e teatros. Uma praça, tal qual a praça dos três poderes de Brasília, é planejada à
margem do rio Anil, logo à direita após a travessia da ponte.

1 – Praça dos Três Poderes ou Praça da Administração. Em três áreas


laterais à praça estão indicados três edifícios, cada um de 10 pavimentos
acima da via pública, para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ou
ainda, para as secretarias e repartições do Estado.
2 – Centro Social e Administrativo.
3 – Localização de hotéis, cinemas e teatros.
4 – Localização de estabelecimentos bancários.
5 – Zona comercial – residencial.
6 – Zona residencial de luxo.
7 – Zona residencial de 1.ª classe.
8 – Zona residencial de 2.ª classe.
9 – Zona residencial de 3.ª classe.
10 – Jardins, Parques, Estádio, Hipódromo, Área destinada a feiras, circos
e realizações de concentrações.
11 – Avenida e ruas. Largura dos passeios. (MESQUITA, 1958, p. 4).

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Figura 3 - Plano para o Desenvolvimento de São Luís, MA na Área Compreendida entre o Rio Anil e o
Mar. Reconstituição digital colorida e ampliada. Autor: Anderson Fernandes Dias Ericeira/UNDB. Abril
2016.

Fonte: LOPES, 2016.

São definidas, no texto, diversas exigências quanto ao uso e ocupação do solo


nessa região, que deveriam ser reunidas em um código de obras posteriormente, e finaliza
então com um “Programa para Execução num Período de Cinco Anos”, que discorre sobre
quais trabalhos deveriam ser executados pela prefeitura, DER-MA, Departamento Nacional
de Obras e Saneamentos, Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, Departamento
Nacional de Estradas de Ferro, SESP e CEMAR. É valido ressaltar que esse plano foi
elaborado por um engenheiro e que não segue uma estrutura de texto bem definida,
opostamente ao plano urbanístico que o sucedeu, feito por uma equipe de arquitetos e demais
técnicos, e funciona quase como um estudo preliminar daquilo que seria feito, embora muito
do que foi proposto tenha sido realmente executado, necessitando de uma série de projetos
específicos e de legislações complementares.

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As ideias circulam e se materializam

O plano por si revela apenas partes das reais intenções de Mesquita; como diz
Zein (2018) “é preciso respeitar os documentos. Mas os documentos não falam por si
mesmos: aguardam serem interpretados” (ZEIN, 2018, p. 105), e devem ser interpretados
dentro de um contexto, amparado por parâmetros e critérios.

O engenheiro e urbanista defende a criação de novas zonas funcionais


conectadas por novas vias de circulação, almejando reduzir os impactos causados pelo alto
tráfego nas ruas do traçado de Frias de Mesquita, pois foram concebidas para o trânsito de
pedestres ou de carruagens. Lopes acredita que há uma relação indireta entre as diretrizes e
zoneamento propostos por Ruy Mesquita no “Plano de Expansão da Cidade de São Luís”
(1958) e as ideias expressas da Carta de Atenas (1933), resolução da IV CIAM devido a um
contato prévio com esse documento. O texto foi traduzido e publicado pelo Diretório
Acadêmico da Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia, dando à Mesquita a chance
de entrar em contato com as ideias corbusianas (LOPES, 2016).

Nesta publicação baiana, de 1955, o professor Admar Guimaraes traduz e


comenta o texto em inglês intitulado “Town Planning Chart”, evidenciando a
influência das ideias do IV CIAM sobre os trabalhos realizados pelo Escritório
do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador (EPUCS). (LOPES, 2016, p.
57).

Contestando o papel da transposição cultural, que tem um papel de instrumento


canônico e inquestionável na historiografia da modernidade brasileira (ZEIN, 2018), o autor
acredita que embora haja uma relação entre as ideias difundidas pela IV CIAM, o epicentro
das ideias não é europeu, por uma simples incongruência de datas. Os primeiros esboços do
plano de Ruy Mesquita são publicados em 1953, sendo o engenheiro egresso há muito de
sua universidade e residente da ilha de São Luís há 5 anos antes da data de publicação do
texto que difunde a ideologia modernista da IV CIAM. As ideias circulam, portanto, em
simultaneidade, em uma relação paralela. As relações de uma transposição de ideias tornam-
se muito mais evidentes quando aproximamos os pilares do Plano Rebouças (1945-1949):
“preservação das riquezas do passado, circulação e zoneamento” (BRUAND, 2010), para a
cidade de Salvador ao ideário que Mesquita leva à São Luís após 1950.

O plano não foi implementado em cinco anos como desejava o seu idealizador,
mas certamente definiu moldes e os vetores de expansão da cidade. A primeira iniciativa de
pôr em prática a ideia de ocupação para a região das praias surgiu logo no ano de 1958, antes

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mesmo do documento ter sido implantado como lei em 1962. A partir de um anteprojeto
realizado pelo próprio Ruy Mesquita (A TARDE, 1957), era construída a ponte sobre o Rio
Anil, embora os erros técnicos tenham impossibilitado a sua concretização na época.

É só quando José Sarney assume o cargo de governador do Estado do Maranhão


em 31 de janeiro de 1966, apoiado pela ditadura militar, que por sua vez ascendeu ao poder
da república em 1964, que os ideais propostos no PECSL começam a ser adotados como
políticas desenvolvimentistas para a cidade. Buscando modernizar o aparelho burocrático, o
governador aposta na contratação de um corpo de funcionários de maior capacidade técnica
(SILVA, 2013) fazendo com que as obras sejam, de fato, executadas, mesmo que
gradativamente. A primeira ponte prevista no plano de 1958 a ser construída, em 1968, foi a
ponte Governador Newton Bello, uma década após seu planejamento, indicada no documento
de Mesquita como na contemporaneidade é conhecida: ponte do Caratatiua.

O eixo de expansão ao leste necessitou de um elemento capaz de transpor a


barreira fluvial e, iniciada em 1968 e finalizada em 1973, foi construída a Barragem do
Bacanga, sobre o rio de mesmo nome. Essa conexão viária permitiu o acesso a uma nova
vertente de urbanização, imaginada por Mesquita como zona industrial, e possibilitou a
instalação de grandes instituições como o campus universitário da Fundação Universidade do
Maranhão (atual Universidade Federal do Maranhão) e, enfim, o novo porto, inaugurado em
outubro de 1973. Na edição especial ao jornal O Imparcial, de 15 de setembro de 1974,
intitulada “Itaqui: Irreversível”, é discorrida uma série de dados históricos e técnicos, tais como
situação geográfica e características naturais, além da implantação de indústrias mineradoras,
que justificam a região escolhida para locar a construção da sede do Porto do Itaqui.

As qualidades geofísicas da Ilha de São Luís, como a amplitude das marés,


cuja oscilação varia sete metros, garantindo a navegação de grande calado,
viabilizaram consideravelmente a vinda de grandes investimentos. Esses,
como, por exemplo, a implantação de grandes projetos de exploração de
minério de ferro e produção de alumina e alumínio, também contribuíram para
que o Centro Histórico fosse progressivamente esvaziado [...]. (PRADO,
2016, p. 68)

As obras da Avenida do Contorno, nomeada, enquanto projeto, de Anel Viário de


Contorno, começaram em 1972 e se estenderam por um longo período, sendo finalizadas
apenas no ano de 1985, em decorrência das dificuldades causadas pela maré. Contratada
durante o governo de Pedro Neiva de Santana (1971 – 1975), a empresa Planave Escritório
Técnico de Planejamento S.A foi responsável pelo projeto técnico da obra (LOPES, 2016).
Noticiada inúmeras vezes nos jornais, devido a sua longa duração, a construção necessitou
de uma grande quantidade de movimento de terra, executado pela Empresa Industrial Técnica
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(EIT), para a criação do aterro de parte do rio Bacanga no trecho compreendido entre a
barragem do Bacanga e a rampa Campos Melo, seguindo tendências nacionais, a exemplo
do Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro.

Alguns fatores teriam influenciado na formação e na


configuração da cidade, seria a variação da maré, pois a
amplitude é muito alta e os rios recebem um grande contra fluxo
do mar. Por isso há muitas partes mais baixas que constituíam
antigos manguezais e foram aterrados. (PRADO, 2016, p. 64)

A ligação entre o aterro e a rampa do forte da cidade foi concluída em 16 de


setembro de 1974. A avenida que contorna o traçado urbano de Frias de Mesquita e aquele
que se desenvolveu nos mesmos moldes até o século XIX, certamente foi um importante
elemento, junto a uma nova consciência patrimonial que começava a emergir no ideal do
cidadão da época, que fizeram com que São Luís preservasse esse patrimônio urbano em
meio a tantos projetos progressistas e modernos.

Outra ponte que esteve no ideário do engenheiro Ruy Mesquita para a cidade de
São Luís foi, durante seu período de construção, executada pela Construtora Itapoã LTDA, a
nomeada de “Governador Pedro Neiva de Santana”, em homenagem ao governador que deu
início à sua obra, em 15 de agosto de 1973. “A ponte medirá em toda a sua extensão, 900
metros e é dotada de 29 pilares, [...] e está prevista para janeiro de 75, caso não venha faltar
matéria prima indispensável para o andamento dos serviços” (O IMPARCIAL, 1974). No ano
de 1980, a obra d’arte foi inaugurada como ponte “Bandeira Tribuzzi” e ligava “o Bairro da
Camboa (região do antigo Matadouro da cidade descrita no PECSL) a Vinhais facilitando,
assim, o acesso á praia do Calhau e desafogará o trânsito, encurtando a distância entre os
bairros situados na região e circunvizinhanças e o centro da cidade” (O IMPARCIAL, 1974,
grifo nosso).

A construção da ponte sobre o rio Anil ligando o centro à Ponta de São Francisco
só veio a ser, finalmente, iniciada no final da década de 1960, sendo inaugurada em 14 de
fevereiro de 1970. Assim como a ponte do Caratatiua e a “Governador Pedro Neiva de
Santana”, a responsável pela execução desse projeto, a Construtora Itapoã LTDA, e o
governador do Estado foram incansavelmente admirados em matérias de jornais, que falavam
com orgulho dos materiais e métodos construtivos da obra (O IMPARCIAL, 1970). Conhecida
como ponte do São Francisco, foi intitulada com o nome de ponte Governador José Sarney e
reuniu uma enorme massa de espectadores no seu evento de inauguração (O IMPARCIAL,
1970).

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A construção da ponte Governador José Sarney alterou negativamente a rotina
dos moradores antigos da Ponta de São Francisco. A obra d’arte que era vista como símbolo
de progresso e desenvolvimento urbano, chamada até de “ponte da esperança” (O
IMPARCIAL, 1970), estava longe de melhorar as condições do assentamento preexistente e
de seus núcleos familiares. “Cerca de 180 famílias, com aproximadamente mil pessoas”
(JORNAL PEQUENO, 1972) foram compelidas a abandonar suas casas sem mesmo receber
indenização, sendo poucas as que conseguiram esse feito. O motivo desse acontecimento se
deu pelo fato de que a União, proprietária do terreno do São Francisco, reivindica a posse de
suas terras em detrimento da forte especulação imobiliária que crescia nessa região (SILVA,
2012).

Figura 4 - Fotocomposição de aerofotografias do São Francisco e Ponta D'Areia (1973).

Fonte: PRADO, 2016.

O processo de urbanização da chamada “área compreendida entre o rio Anil e o


Mar” ocorreu baseado em fortes interesses fundiários. Até que as obras que buscavam
interligar o bairro do São Francisco com a Ponta D’Areia não fossem concluídas, “todos os
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pedidos de licenças na área do bairro do São Francisco” estavam “sendo indeferidos pela
SURPLAN (Superintendência de Urbanismo e Planejamento)” (O IMPARCIAL, 1974), mas
isso não impediu que a força da especulação imobiliária loteasse a área, assim como mostra
a figura 4, no ano de 1973. Uma das obras em questão foi a barragem do Igarapé da Jansen,
que represou as águas da maré e criou uma laguna, ocupando uma área maior do que a
prevista no plano de Ruy Mesquita. Alguns projetos urbanísticos elaborados pela SURCAP
(Sociedade Anônima de Melhoramentos e Urbanismo da Capital) foram afetados por esse
represamento, fazendo com que parte do traçado planejado ficasse submerso. Assim se fez
necessário, mais uma vez, a elaboração de um projeto de loteamento, adotando as novas
condições estabelecidas com a construção da barragem. No entanto só foi devidamente
loteado após o Plano Diretor de São Luís de 1977, com o projeto urbanístico de Marlene da
Silva Oliveira, em 1981.

Esse parcelamento da área apresenta a malha viária que parcialmente se


configura até hoje. Parte dos lotes resultantes desse loteamento foi submersa
com a construção do aterro sobre o igarapé da Jansen, construção essa, que
represou as águas da maré passando a formar uma laguna. (PRADO, 2016,
p. 77-80).

Em um panorama geral, o “Plano de Expansão da Cidade de São Luís” (1958), de


Ruy Mesquita, busca imaginar o desenvolvimento da cidade sob uma nova escala, fazendo
uso daquilo que bem conhecia: as estradas. Sendo um produto mais bem-acabado do seu
plano rodoviário de 1950, esse documento estabelece vetores de crescimento urbano,
influenciado pelas políticas de JK de valorização da indústria automobilística, voltados para
uma perspectiva elitista e político-econômica, dando a cada segmento desse uma função.
Talvez um dos maiores feitos do engenheiro tenha sido conseguir que a cidade crescesse da
forma mais centrifuga possível, ao propor medidas para superar a barreiras físicas impostas
pela natureza: as pontes, mesmo que interesses fundiários fossem um dos principais
motivadores dessa solução.

Embora o seu plano não busque definir usos e zoneamentos para o eixo
interiorano de expansão, timidamente incorpora a Avenida Getúlio Vargas e suas demais
continuações ao esquema de longínquas avenidas, que, cortando o território ludovicense,
interligariam as novas zonas de funcionalidade também propostas. Algumas são: zona
portuária/industrial, comercial e residenciais separadamente para cada classe social,
integrando as terras de uma ilha de assentamentos fragmentados, mesmo que ignore
aspectos ambientais ao intervir em diversas áreas de manguezais, praias e falésias.

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[...] temos um traçado urbano além do Rio Anil calcado em fortes interesses
fundiários, que esgarçam a cidade em todas as direções, enchendo-a de
vazios atravessados por avenidas com extensões rodoviárias, ligando
longínquos conjuntos habitacionais. (BURNETT, 2012, p. 53).

Refletindo uma articulação do Estado com os interesses do capital imobiliário, o documento


em questão não busca resolver problemáticas enfrentadas na cidade existente no que tange
à habitação popular. Tanto famílias que viviam nas margens da ponta de areia onde se
desenvolveu a cidade colonial, quanto famílias que viviam em assentamentos localizados nos
vetores de expansão, ainda não explorados, são desapropriadas e marginalizadas, não
havendo sequer um planejamento de reassentamento dessa população, política que só veio
mais tarde com os financiamentos do Banco Nacional de Habitação (BNH).

No Brasil, apesar dos “problemas” sociais e urbanos não tínhamos ainda uma
questão social e não tínhamos mais uma questão urbana. Conhecíamos o
urbanismo, mas sua tradução entre nós limitou-se a produzir uma “civilidade
higienizada” sem preciar aventurar-se pelas questões dos direitos sociais que
a vida urbana suscitava, questionava. (PECHMAN; RIBEIRO, 1996, p. 335).

Apesar da circulação de ideais urbanos modernizadores da Europa, o planejamento urbano


no Brasil coloca de lado a questão social e adota um discurso defensor das “ideias de
modernização, desenvolvimento e construção da nacionalidade” que “serão os principais
temas que submeterão a questão social e darão um caráter distinto à discussão do urbano no
Brasil” (RIBEIRO apud PECHMAN, 1996). De tal forma, é conferido a esse discurso de
modernização da cidade um caráter excludente. As ideias urbanísticas de Ruy Ribeiro de
Mesquita defiram o ideário da São Luís modernista e seus efeitos reverberam até hoje na
cidade contemporânea.

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EIXO TEMÁTICO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO:
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA
DA ARQUITETURA E DO URBANISMO
OS ESPAÇOS SAGRADOS DA IGREJA CATÓLICA DA PARÓQUIA
DE LAGUNA: da edificação da Matriz à multiplicação dos templos -
a documentação da arquitetura da evangelização

BENÍCIO, DANIELLE (1); GAVA, MARCO ANTÔNIO (2); PUJOL, TACIANE (3);
WELTER, ANA CAROLINE (4)
1. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV).
Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000.
daniellebenicio@gmail.com.

2. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000
marcoarq.antonio@gmail.com

3. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000
taciane.pujol@hotmail.com

4. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).


Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000
anawelter9@gmail.com

RESUMO
Este artigo almeja reconhecer os espaços sagrados da Igreja Católica sob a circunscrição da
Paróquia de Laguna, considerando os aspectos arquitetônicos e urbanos desses documentos da
Cristandade. Daí decorrem os objetivos específicos: identificar esses espaços sagrados,
cartografando-os; inventariar os templos identificados; e, por fim, construir uma narrativa histórica
sobre a implantação e a expansão do Catolicismo em Laguna focada na obra arquitetural como fonte
documental. Em prol da consecução de tais metas, adotam-se os métodos histórico e estudo de caso,
incluindo os procedimentos metodológicos de: coleta de dados, através da documentação indireta,
abrangendo a revisão de referencial primário e bibliográfico, e da documentação direta, abarcando o
levantamento in loco e entrevistas. Ademais, recorre-se ao método hipotético-dedutivo e, assim,
defende-se a hipótese de que a instância material da Igreja Católica em Laguna, da ereção da Matriz
à multiplicação dos templos, está intimamente atrelada à história urbana lagunense. Decerto, desde a
feitura da primitiva capela no berço citadino em 1696, em mais de três séculos, a trajetória
evangelizadora da Igreja Católica funde-se ao decurso da Cidade Juliana, ou seja, a consolidação da
urbe foi acompanhada da arquitetura da evangelização. Entre os 15 templos da Paróquia de Laguna
objeto de identificação, 11 foram inventariados - a maioria deles foi erguida depois de 1950, quando
se acelera a ampliação do perímetro urbano. Ressalta-se que, as ermidas mais antigas e mais
recentes são edificadas acompanhando as principais diretrizes de formação citadina; atualmente,
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localizam-se nos mais importantes eixos viários, que orientam o progresso municipal. Em
concomitância, os conglomerados religiosos oferecem, através dos seus adros, os locais de lazer
públicos - estes são frequentemente os únicos "vazios" para a convivência das comunidades, seja
para a criançada brincar, seja para a vizinhança confraternizar. Destarte, remete-se às conclusões,
ratificando que os leigos constituem sujeitos e agentes protagonistas das ações de concepção,
execução, reforma, manutenção e decoração nos santuários. Além disso, instrui-se que cada templo
não possui um acervo organizado referente a sua própria existência e riqueza patrimonial; de modo
geral, cada batizado é um acervo ambulante que guarda o arquivo que entende ser relevante, não
raro, ponderado pelo valor afetivo. Nesse sentido, os empreendimentos eclesiásticos são
testemunhos das dinâmicas sociais e culturais peculiares à lagunidade e às vivências pastorais.
Palavras-chave: Igreja Católica; Espaços Sagrados; Desenvolvimento Urbano; Laguna; Paróquia de
Laguna.

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Os Espaços Sagrados da Igreja Católica da Paróquia de Laguna:
da edificação da Matriz à multiplicação dos templos -
a documentação da arquitetura da evangelização

Considerações iniciais

Laguna é considerada a terceira cidade mais antiga de Santa Catarina, fundada no século
XVII. Atribui-se a fundação ao bandeirante Domingos de Brito Peixoto, descendente de
família portuguesa e católica, que toma posse das terras em nome da Coroa e da Igreja e se
estabelece com sua família, seus escravizados e um frade franciscano na planície entre os
morros e a laguna. Entre seus primeiros feitos estão a consagração do lugar com a Cruz do
Catolicismo, a Capela devotada a Santo Antônio dos Anjos em 1696 o adro defronte do
templo e o cemitério nos fundos do mesmo. Assim explicita-se o marco da vitória lusa e
cristã (BENÍCIO, 2018).

A Capela Santo Antônio dos Anjos ergue-se na extremidade leste da planície, junto ao
morro, voltada à baía, distante das águas da laguna e do macabro porto. A partir do templo,
implanta-se predominantemente à frente e à direita o modesto casario, suscitando a
povoação, elevada à vila homônima ao padroeiro em 1714, ratificando o santo escolhido
pelo colonizador. Em 1725 a Capela torna-se Igreja Matriz e institui-se a Paróquia. Em 1847
a vila ascende à cidade denominada Laguna (BENÍCIO, 2018).

Esse berço citadino consolida-se como sede paroquial e Centro municipal; também constitui
o núcleo urbano mais fortemente historicizado. Desde 1985, esse sítio natural e cultural é
tombado como patrimônio nacional. Defende-se que Laguna surge como cidade portuguesa
e católica: assim deve ser preservada. Outrossim defende-se que o desenvolvimento da
urbe atrela-se à propagação e ao fortalecimento do Catolicismo, fato visível através da
multiplicação das Capelas católicas acompanhando a formação, o adensamento e a
expansão de novos bairros.

À medida que a cidade se adensa e se expande para além do Centro, novos bairros e novas
Capelas católicas são executadas, subordinadas à Paróquia Santo Antônio dos Anjos de
Laguna. Na segunda metade do século XX, multiplicam-se os templos católicos e notabiliza-
se a arquitetura da evangelização a acompanhar o município em desenvolvimento. Deveras,
realizada sua fundação, no decorrer de sua existência, a urbe possui ampla população
declarada católica. Atualmente, mantém-se esta preponderância: dos 51.562 mil habitantes
de Laguna, 40.000 assumem-se fiéis ao Catolicismo (IBGE, 2020).
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Diante disso, almeja-se reconhecer os espaços sagrados da Igreja Católica sob a
circunscrição da Paróquia de Laguna, considerando os aspectos arquitetônicos e urbanos
desses documentos da Cristandade. Objetiva-se especificamente: identificar esses espaços
sagrados, cartografando-os; inventariar os templos identificados; e, por fim, construir uma
narrativa histórica sobre a implantação e a expansão do Catolicismo em Laguna focada na
obra arquitetural como fonte documental.

Para isso adotam-se os métodos histórico e estudo de caso, incluindo: coleta de dados,
através da documentação indireta, com revisão de referencial primário e bibliográfico, e da
documentação direta, com levantamento in loco e entrevistas. Ademais, recorre-se ao
método hipotético-dedutivo, pois defende-se a hipótese de que a instância material da Igreja
Católica em Laguna, da ereção da Matriz à multiplicação dos templos, está intimamente
relacionada à história urbana lagunense. Desde a feitura da primitiva Capela no berço
citadino, em mais de três séculos, a trajetória evangelizadora da Igreja Católica funde-se ao
decurso da Cidade Juliana, ou seja, a consolidação da urbanização foi acompanhada da
arquitetura da evangelização.

A seguir, expõem-se, a partir dos fundamentos teóricos arregimentados, as conclusões


referentes às articulações entre a Igreja Católica em Laguna e a urbe em estruturação, a
cidade em progresso e o município em desenvolvimento.

A princípio, os fundamentos

No Brasil Colônia vinculam-se profundamente as pretensões do colonialismo português aos


propósitos do Catolicismo romano, demonstrando a relação íntima entre Estado e Igreja. As
conquistas territoriais resultam aumentos de fronteiras, campos de jurisdição, riquezas e
fiéis. Em Laguna,

[...] tal relação domina sem paridade o espaço urbano; de fato, há a predominância
do religioso sobre o estatal, o civil e o doméstico. Portanto, remete-se ao
caráter do espaço urbano como locus e símbolo privilegiados do sagrado - da
soberania cristã: logo, ao poder da fé, ainda que vinculado ao orgulho da
nacionalidade, na estruturação do chão laico. É justamente sobre este, e a partir
deste, que recaem as pretensões de expandir a ação pastoral e os campos de
jurisdição. (BENÍCIO, 2018, p. 85, grifo nosso).

Nesse sentido, Marx (1988) identifica o conceito inicial predominantemente religioso a


fundamentar o espaço urbano público no Brasil Colônia, bem como notabiliza a influência e
a preponderância da Igreja Católica na formação e na constituição da paisagem dos núcleos
brasileiros coloniais. A origem da urbe lagunense confirma tal tese.

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No caso brasileiro e no que tange à constituição de sua paisagem, um aspecto
institucional basilar tem sido negligenciado de maneira surpreendente: a relação
Estado/Igreja. Enquanto nunca houve uma codificação colonial portuguesa, as
normas e procedimentos eclesiásticos eram claramente estabelecidos. As
implicações urbanísticas desse fato podem ser decisivas, pois às vagas
determinações civis contrapunham-se recomendações expressas do clero que
interferiam no desenho urbano.
[...]
Desde o surgimento - e a partir da própria gênese dos núcleos - os
assentamentos coloniais expressam as precisas determinações eclesiásticas,
[...] aceitas pela importação dos costumes e das práticas do reino. De um lado,
cânones e constituições da religião católica apostólica romana, a religião
oficial, consequentemente não apenas aceitos, mas incorporados pelo
governo; de outro, cartas forais e deliberações casuísticas, confusas e limitadas. Os
prédios religiosos - os terrenos e as construções - tiveram assim um norte
firme, de saída; os demais, não. (MARX, 1991, p. 11, grifo nosso).

A formação paulatina da Laguna, decorrente da iniciativa do colonizador de cultura


portuguesa e católica, nem resulta de planejamento prévio, nem possui legislações criadas
especificamente para ela. Na fronteira meridional do território luso, com maior liberdade, a
povoação não tem controle rigoroso da Coroa, sequer demonstra grande esforço de
ordenação - daí a espontaneidade nos primeiros anos. A despeito disso, desde a edificação
da primitiva Capela, Laguna incorpora explicitamente a legislação eclesiástica (BENÍCIO,
2018).

A Capela de Laguna segue a tradição portuguesa sistematizada nas Constituições Primeiras


do Arcebispado da Bahia, redigidas em 1707 (VIDE, 1853). Apesar da obra lagunense ser
anterior à publicação, ela atende as exigências impostas para a construção de um templo do
Catolicismo: ser edificado em lugar decente, sítio alto, livre de umidade e desviado de locais
imundos e sórdidos; e exibir efeitos plásticos, em posição de destaque e primazia na urbe.
Tal conformidade leva à definitiva consagração do lugar; assim, a povoação lagunense
alcança o benefício da proteção da Coroa e da Cristandade. Ainda que a Capela não se
origine como Igreja Matriz, ela é fundamental para a sagração do lugar.

Não era somente o acesso garantido então à desejada e necessária assistência


religiosa que se obtinha, mas também o reconhecimento da comunidade de fato
e de direito perante a Igreja oficial, portanto perante o próprio Estado. [...].
[...] Não bastava, contudo, erguer a ermida; não bastava construir, por melhor
que fosse, uma capelinha; era necessário oficializá-las. Não era suficiente
dotar o povoado de um abrigo para o exercício religioso em comum; era
necessário sagrá-lo. [...]
Tal sagração importava, em termos religiosos, para a população e para o clero, para
o clero e para o governo. [...] Conferia, em decorrência, outra importância ao
lugarejo. [...] O chão sob tão humilde cobertura, a partir da ereção e só a partir
de então, passava a ser sagrado, considerado e respeitado obrigatoriamente
como tal. [...]
[...] O costume de se destacar o templo na paisagem transcendia, por isso, uma
questão de lógica, uma força da tradição, uma vontade plástica. Obedecia, na
verdade, a uma legislação clara a ser cumprida se se quisesse a sagração [...].
(MARX, 1991, p. 18-20, 22, grifo nosso).

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Portanto, ratificando Marx (1988; 1991), em Laguna a Capela Santo Antônio dos Anjos
efetiva a localização do povoado, a consagração e a oficialização do lugar e a disposição do
casario. A expansão e o adensamento urbanos, incluindo a configuração das primeiras vias,
não seguem um plano preconcebido, nem um traçado prévio - ocorrem em relação ao
patrimônio religioso (BENÍCIO, 2018).

Ou seja, o urbanismo e a arquitetura adaptam-se à geografia, à topografia e à morfologia do


sítio. A rua primitiva abre-se contígua à baía e as demais desenvolvem-se aproximadamente
paralelas. O porto, a Fonte da Carioca, a Capela e seu adro organizam a direcionalidade de
vias e quarteirões, que se flexionam e se adequam às irregularidades da planície entre os
morros e a laguna, conforme a tradição medieval portuguesa (BENÍCIO, 2018).

O crescimento da povoação suscita a elevação à vila Santo Antônio dos Anjos da Laguna
em 1714; porém, somente em fins de 1719, instaura-se administrativamente a vila e institui-
se o Código de Posturas (DALL'ALBA, 1976). Através deste, objetiva-se o desenvolvimento
da vila, disciplinado por ordenação, condizente com a rede de urbanização lusa. Essas
primeiras normas revelam uma construção de cidade desejada, valorizando segurança,
ordem, limpeza, retidão, regularidade, homogeneidade e uniformidade do conjunto urbano:
logo, a identidade nitidamente portuguesa e católica - atrelam-se as antigas tradições
urbanísticas de Portugal, as exigências oficiais e o gosto espontâneo dos proprietários
(BENÍCIO, 2018). Então, passa-se a exigir

[...] que ninguém faça casa sem obtenção de licença da Câmara, esta medirá o
terreno, indicará o local, sendo que as casas que de aí em diante se fizessem
fossem arruadas, de modo que uma rua se visse doutra banda. Devem todas ser
na mesma carreira. A primeira que se fizesse fosse perto da Igreja, de cuja
porta principal fique direita ao mar. Depois desta se iam formando as demais
em quadra. Que nenhuma tivesse menos de 40 palmos [8,80 metros] de largura.
Que na beira do mar ficasse uma rua, cujas portas e janelas olhassem para o
mar. Em caso algum dar-se-ia licença para que ficasse alguma com quintal para o
mar. Porque além de ficar desforme a povoação, destrói a fortificação da vila. [...]
Nesta rua ficarão os Paços do Conselho, cadeia, uma praça larga no meio da
qual estará o pelourinho. Deverão ser demolidas as casas de palha e pau-a-pique
que existam com costas para o mar. (COSTA, 1881 apud DALL'ALBA, 1976, p. 92,
grifo nosso).

O Código de Posturas, inclusive, prescreve a execução da praça e da Casa de Câmara e


Cadeia. Esta é inicialmente construída em 1747 em espaço público separado do adro da
Capela, à direita desta, visibilizando o poder da Coroa portuguesa (BENÍCIO, 2018).

De fato, a Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos e a Casa de Câmara e Cadeia situam-se
em praças diferentes, respectivamente, nas atuais Vidal Ramos e República Juliana.
Ressalta-se que a praça do poder estatal não se sobrepõe à praça do poder religioso;
mantém-se a primazia do Catolicismo, em dimensão e apelo: do adro e do templo - a Igreja
segue protagonista.
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Ademais, perpetua-se a grande influência exercida na estrutura fundiária pelo patrimônio
católico: este segue instigando a valorização econômica dos lotes lindeiros e a excelência
do edificado em seu contexto, persistindo vigorosamente a preponderância do sagrado
sobre o civil, e do civil sobre o doméstico. (BENÍCIO, 2018). Validando Marx (1988; 1991), a
Igreja Católica é proeminente na formação e na constituição da paisagem lagunense.

Usualmente, uma vila - uma sede municipal - ostentava, independentemente das


características de seu traçado viário, um conjunto articulado de igreja matriz e
adro, com clara preponderância sobre outros eventuais conjuntos
semelhantes de edifício e largo. Localizava sua casa de câmara e cadeia, com o
pelourinho nas proximidades, ou junto ao mesmo conjunto, ou em outro, próprio,
raras vezes não inferiorizado diante do largo da matriz. [...] Todos constituíam
polos da aglomeração incomparáveis e, com exceção daquele porventura
existente para a edilidade, de cunho religioso, assim como, o que mais importa,
estavam bem localizados geograficamente e em relação aos demais,
cuidadosamente atentos, desde que possível, às normas eclesiásticas. (MARX,
1991, p. 89, grifo nosso).

A Igreja Matriz e a Casa de Câmara e Cadeia tornam-se os principais monumentos da urbe.


Aliás, o porto, a Fonte da Carioca, a Igreja Matriz e seu adro, a rua Raulino Horn (antiga rua
Direita), a Casa de Câmara e Cadeia e sua praça constituem geratrizes e diretrizes de
crescimento, densificação e valorização urbanas; somados ao traçado urbano, configuram-
se como elementos primários, que tendem à estabilidade e à continuidade, isto é,
propendem a maior permanência. Apesar do novo status citadino conquistado em 1847, as
transformações urbanísticas sucedem morosamente, mantendo esses elementos primários,
sobretudo os vinculados ao sagrado (BENÍCIO, 2018).

Sua aparência não mudaria muito, contudo, senão lentamente. [...]


Todos esses registros, e muitos outros, revelam e repetem o tipo de ordenação
representado [...] por uma matriz nem sempre muito avantajada, [...] matriz nem
sempre requintada, porém constituindo o melhor, senão o único edifício digno
de maior interesse e o seu adro, a reforçar esse interesse relativo, talvez o maior,
senão o único largo generoso ou capaz, ainda que modesto, de abraçar todos do
lugar e das redondezas.
[...] Também nelas [nas cidades] o que se vê é a persistência de certos reflexos
do casamento entre o Estado e a Igreja. Trazem os seus tecidos urbanos,
especialmente concebidos, um destaque primordial aos edifícios eclesiásticos e
aos largos correspondentes; [...] permanecem, entre as referências principais,
os marcos religiosos na planta e no perfil da agora cidade. (MARX, 1991, p. 52,
54, 102, grifo nosso).

Somente nas últimas décadas do século XIX deflagra-se o progresso, decorrente dos
acontecimentos que "assinalam a evolução social da Laguna nos primeiros lustros da sua
existência de cidade." (ULYSSÉA, 2004, p. 42). Nas primeiras décadas do século XX
intensifica-se tal progresso, notabilizado pelas ações de aformoseamento e higienização
empreendidas pela municipalidade e pelos munícipes (BENÍCIO, 2018).

A expansão urbana prosseguiu, talvez tenha até se acelerado com o novo status
alcançado, e o fez não à revelia, porém em função do tecido viário preexistente.
O patrimônio religioso terá sido respeitado [...]. (MARX, 1991, p. 80, grifo nosso).

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O progresso lagunense é visível na implantação de novas Capelas subordinadas à Paróquia
de Laguna, acompanhando a formação, o adensamento e a expansão de novos bairros para
além do Centro; e na qualificação do patrimônio religioso e dos espaços públicos existentes.
Como exceção, ocorre a redução do adro, que cede área para a configuração de quadras e
vias em seu entorno (BENÍCIO, 2018).

Diante disso, considera-se a cidade através de sua constituição e sua continuidade no


espaço e no tempo: da área em que ela surge às sucessivas expansões, analisa-se a
cidade através de seus elementos primários, dada a excepcionalidade na estrutura citadina,
marcada por materialidade, singularidade, destaque e permanência.

[...] O que há de comum refere-se ao caráter público, coletivo, desses


elementos; essa característica de coisa pública, feita pela coletividade para a
coletividade, é de natureza essencialmente urbana. [...]
Consideremos agora os elementos primários em seu aspecto espacial,
independentemente da sua função; eles se identificam com a sua presença na
cidade. Têm um valor "em si", mas também têm um valor posicional. Nesse
sentido, [...] os monumentos são sempre elementos primários.
Mas os elementos primários não são apenas monumentos [...]; num sentido geral,
são aqueles elementos capazes de acelerar o processo de urbanização de uma
cidade e, referindo-os a um território mais vasto, elementos caracterizantes dos
processos de transformação espacial do território. Eles agem frequentemente
como catalizadores. [...]
Assim, esses elementos têm um papel efetivamente primário na dinâmica da cidade;
mediante eles e pela ordem em que são dispostos, o fato urbano apresenta uma
qualidade específica que é dada principalmente pela sua insistência num lugar,
pelo desenvolvimento de uma ação precisa, pela sua individualidade. A
arquitetura é o momento último desse processo e é, também, o componente
detectável da estrutura complexa. (ROSSI, 1995, p. 115-117, grifo nosso).

Portanto, visam-se os espaços sagrados da Paróquia de Laguna como monumentos e


elementos primários: referências às tradições portuguesas eclesiásticas e marcos das
devoções católicas, fundamentais à compreensão dos processos histórico e dinâmico da
cidade - catalizadores capazes de acelerar e valorizar a urbanização municipal. A separação
oficial entre Estado e Igreja não extingue a importância do Catolicismo na realidade urbana
lagunense. A partir disso analisam-se as articulações entre o Catolicismo e a urbe em
estruturação, a cidade em progresso e o município em desenvolvimento.

No princípio era a Igreja: a urbe em estruturação


Ao chegarem, pois, os fundadores, foram seus primeiros cuidados erigir um
templo a Deus. Levantaram, então, uma pequenina capela de pau-a-pique,
coberta de palha, para nela serem celebrados os ofícios religiosos, oficiados pelo
franciscano trazido por Domingos Peixoto, que manteve, por muitos anos,
sacerdotes às suas custas [...]. Desde então, a povoação, hoje cidade, cresceu
sempre amparada à Igreja e a Igreja acompanhando as alegrias e vicissitudes
da comuna. (ULYSSÉA, 1976, p. 168, grifo nosso).

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A Capela Santo Antônio dos Anjos constitui o elemento primário fundante da póvoa e o
primitivo monumento do Catolicismo no berço citadino. A Capela não se fixa como um
monumento "congelado" na estrutura urbana no decorrer dos tempos, mas instaura,
impulsiona, visibiliza e testemunha a urbanização que sucede morosamente na vila. Apesar
da singeleza, ela não se reduz a mera construção ordinária: irrompe em meio ao casario
sem expressividade e implanta-se como protagonista no ponto médio da planície, dando
legibilidade e significado ao conjunto urbano e contaminando o ambiente da vila. Decerto, a
Capela constitui o ápice do frontispício de Laguna (BENÍCIO, 2018).

Aliado da Capela, o adro revela-se elemento prioritário na trama urbana. Em posição central
no assentamento, exibindo o cruzeiro, consiste no centro religioso, social e cultural. Além do
posicionamento geográfico, importa a sua condição de centralidade direcional e valorização
de seu contexto urbano (BENÍCIO, 2018; LUCENA, 1998).

A elevação à vila exige melhor condição do seu monumento principal. Aliás, do século XVIII
a meados do século XIX, graças às irmandades, a Capela ascensionada à Igreja Matriz
ganha distintas benfeitorias. Sucessivamente, amplia-se o erigido e engrandece-se seu
destaque: inclusive alarga-se a frontaria voltada ao adro - as duas torres laterais configuram
saliências em relação à largura da nave, aumentando a fachada da Capela. A fronte alarga-
se para melhor relacionar-se com o imenso adro fronteiriço. Consequentemente, corrobora-
se a fundamental relação da Igreja com a baía: o templo avulta-se na mirada desde o porto,
no foco perspéctico da rua Conselheiro Jerônimo Coelho (antiga rua da Igreja), anunciando
a proteção divina do lugar. Portanto, dilata-se a monumentalidade do patrimônio religioso,
ratificando o Catolicismo a dominar o frontispício lagunense. Enfim, na vila a evolução mais
evidente manifesta-se na Igreja. Ainda que o templo figure singelo, não há edifício estatal ou
civil rival (BENÍCIO, 2018; ULYSSÉA, 1976).

Após a Revolução Farroupilha e o status citadino, Laguna mantém as geratrizes e diretrizes


de crescimento, densificação e valorização urbanas, reconhecidas como elementos
primários desde a vila: a Capela, a Casa de Câmara e Cadeia e suas diferentes praças
revelam a hierarquia dos distintos poderes manifestados na urbe e especializam as funções
preponderantes em seus entornos. No contexto da praça do poder religioso situam-se os
lotes com testadas mais largas e as edificações residenciais e culturais mais abastadas; no
contexto da praça do poder estatal, junto à rua Raulino Horn, localizam-se os lotes com
testadas mais estreitas, as casas mais modestas e os prédios comerciais (BENÍCIO, 2018).

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Os pobres são "afastados" dessas praças, "condicionados" à margem do núcleo urbano na
periferia da planície, junto aos morros. Além da hierarquização visível dos poderes nos
espaços públicos, a segregação social na urbe espelha a segregação social na Igreja: de
maior a menor prestígio - religiosos, membros de irmandades e fiéis, estes apartados por
cor, gênero e status socioeconômico. Deveras, no final do século XIX, ocorre o
adensamento e a expansão citadinos e, simultaneamente, a segregação urbana. O
crescimento da urbe provoca a população marginalizada a transpor os morros e a ocupar
dois eixos: o caminho ao litoral marítimo entre o canal da barra e os morros no Magalhães, a
sul; e o acesso terrestre à cidade entre o areal e os morros no Campo de Fora, a norte
(BENÍCIO, 2018)1.

Esse processo é acompanhado pela Paróquia de Laguna, através da construção no limite


do berço citadino no século XIX das Capelas do Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus
dos Passos (concluída em 1885 no morro do Pau de Sinal a sul) e Nossa Senhora do
Rosário (começada em 1845 no topo do morro homônimo a norte). Esses templos na
periferia refletem o distanciamento desejado das enfermidades e do povo negro.

Em surgentes bairros vizinhos ao Centro no início do século XX, são erguidas as Capelas
Nossa Senhora dos Navegantes (no Magalhães, inaugurada em 1913, tornada Paróquia em
1966 e reedificada em 1979) e Nossa Senhora Auxiliadora (no Progresso, inaugurada em
1938, reformada nos anos 1940, reedificada e reinaugurada em 1969, ampliada e decorada
entre 1990-2000). Elas voltam-se às respectivas praças frontais e passam a instigar em
seus contextos a valorização econômica dos lotes e a excelência do edificado.

Essas Capelas somadas à execução do porto carvoeiro na barra em 1943 e das instalações
ferroviárias na rua Almirante Lamego aceleram a urbanização do Magalhães, do Progresso
e do Campo de Fora, em direção ao Mar Grosso e ao Portinho. Em 1938, o primeiro
levantamento aerofotogramétrico de Laguna revela a expansão desses bairros (LUCENA,
1998; SIMON, 2000). Ademais, tais Capelas levam a evangelização à periferia, aproximam
os fiéis da Igreja e evitam a vinda dos marginalizados à sede paroquial. Assim, a sociedade
abastada restringe seu convívio social a semelhantes de mesmo nível econômico.

Ainda no início do século XX, concomitantemente com as novas Capelas, são feitas bem-
feitorias na sede paroquial e em seu adro, este transformado no Jardim Calheiros da Graça.

1 Ulysséa (1943, p. 11) descreve a Laguna de 1880, nomeando os residentes do Centro como "moradores da
cidade", excluindo os pobres habitantes dos bairros Magalhães, Campo de Fora e Progresso (antigos Areal e
Roseta). Inclusive, menciona que "havia certa aversão entre os moradores da cidade e os do Magalhães, isto é,
entre as pessoas de menos destaque social."
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A praça da Igreja Matriz torna-se o principal palco dos melhoramentos urbanos: aí exibe-se
a urbe modernizada, aformoseada e higienizada, implantam-se palacetes ecléticos
ricamente ornamentados e compõe-se o cenário da sociabilidade da sociedade abastada.
Por conseguinte, como meio de distinção de status socioeconômico, aprofunda-se a
diferenciação na qualidade dos espaços públicos e privados e exacerba-se a riqueza na
aparência do casario (BENÍCIO, 2018). Permanecem valorados mormente monumentos e
elementos primários relacionados à Cristandade (Igreja, adro, rua onde passa a procissão).

Decerto, a maioria das realizações da Igreja lagunense, desde a primitiva Capela, resultam
dos esforços dos leigos, principalmente das irmandades, que assumem as despesas para
promover e sustentar o culto católico (ações pastorais, construção e reforma de templos,
aquisição de imagens, etc.). Tais esforços, não raro, explicitam rivalidades por maior
festividade, mais vistoso padroeiro, melhor decoração de presbitério, maior
monumentalidade edificada, etc.; também revelam que o prestígio é inversamente
proporcional ao distanciamento da sede paroquial no Centro (ARNS, 1975; ULYSSÉA,
1976).

A sociedade abastada conduz as ações de "re"fazimento arquitetônico e atualização estética


(demolições, reformas, construções, etc.); este grupo assume papel coadjuvante (por
exemplo, na Comissão de Aformoseamento), quando não protagonista (por exemplo, na
administração municipal), nos empreendimentos de modernização da urbe; inclusive, as
mulheres procedem às obras de assistência social e caridade católica (BENÍCIO, 2018;
ULYSSÉA, 1976). Assim a cidade e a Igreja espelham a face das tradicionais famílias da
Laguna.

A propósito, a Capela Nossa Senhora do Rosário, pertencente à irmandade homônima (dos


pretos da plebe), é demolida em 1933, por parecer ruir. Esse singelo feito, no alto do morro
no acesso ao Centro, domina o frontispício, sobrepujando os demais edifícios. Posto que
"[...] colocar abaixo o templo do Rosário faria parte do 'progresso' estético de modernização
praticado na Laguna" (SAYÃO, 2015a, p. 862), o resultado visual mais evidente é legado à
Igreja Matriz, da irmandade do Santíssimo Sacramento e Santo Antônio (dos brancos da
elite), em nível topográfico inferior, restaurada à posição destacada na hierarquia
institucional católica e na fronte da cidade. Tal demolição representa a dissolução da
irmandade negra e a sua eliminação da urbe (BENÍCIO, 2018; SAYÃO, 2015b) (Figuras 1-
2).

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Figura 1 - A urbe em estruturação.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).


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Figura 2 - A urbe em estruturação.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).


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06 a 08 de outubro de 2021
Enfim, acontece paulatinamente a urbe em estruturação: a instância material da Igreja
Católica, da ereção da Matriz à edificação das Capelas, está intimamente relacionada à
história urbana lagunense. Ou seja, verifica-se a consolidação da urbanização
acompanhada da arquitetura da evangelização. Ademais, esses espaços sagrados da
Paróquia de Laguna constituem-se como monumentos e elementos primários - catalizadores
que aceleram e valorizam a estrutura citadina. Assim, são mantidos no processo de
modernização, se reafirmam a imagem da cidade desejada. A separação oficial entre
Estado e Igreja não extingue a importância do Catolicismo nesta realidade.

E na Igreja estava a vida: a cidade em progresso

A partir da II Guerra Mundial, sobretudo após a inauguração dos monumentos art déco
(Capitania dos Portos, Correios e Telégrafos, Rodoviária, Cine Teatro Mussi e Mercado
Público) junto ao cais, modernizando o frontispício de Laguna e marcando o apogeu da
prosperidade local, instala-se um profundo retrocesso econômico, seguido de estagnação
da economia, que persiste até a década de 1970. O maior agravante dessa realidade de
precariedade é a diminuição das atividades do porto de embarque do carvão no Magalhães
e de cargas e passageiros no Centro, refletida no sucessivo enfraquecimento da condição
de polo comercial e de serviços da região sul catarinense (LUCENA, 1998).

Comparando-se os levantamentos aerofotogramétricos de 1938, 1957 e 1965, a cidade


pouco expande-se; adensam-se os bairros existentes, mormente o Centro e seus vizinhos
através da ocupação de terrenos vazios (sem alteração do parcelamento do solo herdado da
vila colonial nem verticalização). Não há proliferação de cortiços nos casarões antigos, visto
que os mais pobres residem na periferia, abrangendo Magalhães, Progresso e Campo de
Fora. A crescente valorização imobiliária e o encarecimento do Centro, acompanhado do
aumento de impostos sobre terrenos e construções, agrava a exclusão social e o decorrente
afastamento territorial da população mais pobre, sobretudo de afrodescendentes, para os
bairros periféricos (LUCENA, 1998; SAYÃO, 2015a, 2015b; SIMON, 2000).

O legado da vila colonial fragmenta-se: a identidade nitidamente portuguesa e católica


renova-se. Nota-se a secularização espacial, mantendo-se a preponderância dos poderes
do Estado e da Igreja. Ainda que permaneçam como marcos principais, por destaque e
primazia, os episódios monumentais da municipalidade e do Catolicismo e suas respectivas
praças concorrem à atenção com as recentes edificações das atividades financeiras e de
lazer, palcos do espetáculo burguês (BENÍCIO, 2018; LUCENA, 1998).
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A partir da década de 1950, a urbanização ocorre longitudinal e morosamente articulada ao
berço citadino, principalmente em duas direções atendendo a funções distintas. Na direção
da BR 101, estrutura-se o eixo de construção de edifícios populares, aos usos de comércio,
serviço e pequena indústria em suas margens e de moradia popular em suas proximidades,
configurando-se os bairros entre Portinho e Cabeçudas. Na direção do balneário marítimo,
desde o Magalhães e o Centro (junto à Fonte da Carioca), ao longo da praia, inauguram-se
novos loteamentos dedicados ao lazer e às casas de veraneio para a sociedade mais
abastada, originando-se o bairro Mar Grosso (BENÍCIO, 2018; LUCENA, 1998).

Nesse período, a Igreja edifica poucas novas Capelas, importantes por acompanhar a
urbanização da cidade em progresso, consolidando as ocupações a oeste, em bairros
próximos à BR 101: Santa Bárbara (Caputera, década de 1940); São Judas Tadeu
(Barbacena, 1945); e Sagrado Coração de Jesus (Portinho, 1963).

Em 1953, destaca-se o monumento a Nossa Senhora da Glória, no topo do morro


homônimo, com 14 metros de altura, idealizado pelo padre Gregório Warmeling e
concretizado com a arrecadação econômica de Congregações Marianas e campanhas da
comunidade. A santa voltada ao Centro, no ponto mais alto de Laguna, é avistada desde o
acesso rodoviário à cidade: ela aparece abençoando a cidade em progresso, confirmando a
proteção sagrada e reafirmando o protagonismo do Catolicismo (BENÍCIO, 2018).

Enfim, a instância material da Igreja Católica segue intimamente relacionada à história


urbana lagunense; bem como a consolidação da urbanização segue acompanhada da
arquitetura da evangelização. Os espaços sagrados da Paróquia de Laguna, antigos e
novos, mantêm-se como monumentos e elementos primários - catalizadores que aceleram e
valorizam a estrutura citadina (Figura 3).

E a Igreja se fez carne e habitou entre nós: o município em desenvolvimento

Após décadas de estagnação econômica e da cidade em progresso vagaroso, em meados


da década de 1970, Laguna retoma paulatinamente o crescimento da economia e a
aceleração da urbanização. Com efeito, a BR 101 fomenta o turismo e a construção civil,
consequentemente, favorece a expansão urbana e o adensamento dos novos bairros,
conforme o comparativo dos levantamentos aerofotogramétricos de 1938, 1957, 1965 e
1978 (LUCENA, 1998; SIMON, 2000).

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Figura 3 - A cidade em progresso.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).


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06 a 08 de outubro de 2021
[...] constata-se que a partir do ano de 1957, até o ano 1966, o crescimento
urbano foi pequeno, ao contrário do que ocorreu entre os anos de 1966 a 1978.
Associando as imagens aos dados estatísticos da população naquela época,
conclui-se que, no primeiro período a ampliação da mancha urbanizada
corresponde ao crescimento vegetativo, ao passo que no segundo período,
Laguna sofreu um grande crescimento relacionado principalmente com a
consolidação da BR 101, ligando a região com a capital Florianópolis e com o Rio
Grande do Sul em consequência ao incentivo turístico no litoral. No bairro do
Mar Grosso foram abertos vários loteamentos e a ocupação espontânea subiu as
encostas do Morro da Glória e atingiu algumas áreas de dunas.
[...] As dunas do acesso da cidade foram ocupadas por uma malha viária ao sul e,
ao norte, percebe-se o início do loteamento da Praia do Gi, devido à instalação
uma grande estrutura hoteleira, que impulsionou o crescimento daquela área.
(SIMON, 2000, p. 59-60, grifo nosso).

Sob a égide desenvolvimentista, fundada na valorização do novo, no Centro exacerbam-se


fortes pressões especulativas. Então, em 1977, institui-se a Lei ordinária n. 34 (LAGUNA,
1977), sobre a proteção do patrimônio público histórico, artístico e natural do município. No
ano seguinte, a municipalidade publica o Plano de restauração e utilização social e
econômica do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arquitetônico da Laguna
(LAGUNA, 1978), articulando o incremento econômico ao turismo e à preservação dos bens
arquitetônicos. Em seguida, em 1979, promulga-se o primeiro Plano Diretor Municipal de
Laguna, articulado à Lei n. 4, dispondo sobre o zoneamento de uso do solo (LAGUNA,
1979). Este Plano objetiva ordenar o município em desenvolvimento, incentivando o turismo
e a construção civil, através de adensamento dos bairros existentes e liberação de edifícios
em maior altura no Mar Grosso.

Concomitantemente à grande ampliação do Mar Grosso, consolida-se o crescimento do eixo


no sentido da BR 101 (com a expansão urbana e o adensamento dos novos bairros) e do
eixo ao longo dessa rodovia federal (com a evolução dos bairros nas suas marginais).

Edificam-se várias novas Capelas, acompanhando tal urbanização: Santa Terezinha (Mar
Grosso, 1979); São José e Santa Rita (Bentos, 1981); São Sebastião (Barranceira, 1984);
Nossa Senhora dos Navegantes (Nova Fazenda, 1996); São Francisco (Cohab, 1999); e
Mãe Peregrina (Loteamento Juliana, 2002)2. Também se realizam reformas em templos
existentes, caso das Capelas Nossa Senhora Auxiliadora (Progresso, 2000), Mãe Peregrina
(Loteamento Juliana, 2018) e Santa Terezinha (2021). Apesar da maioria das Capelas ser
implantada após 1950, mantém-se a relação com os espaços públicos de maior visibilidade,
nas vias de maior fluxo. Excetuam-se Santa Terezinha no Mar Grosso (edificação recente
em bairro consolidado e extremamente valorizado pela especulação imobiliária) e São Fran-
cisco na Cohab (também edificação recente em bairro consolidado). Além disso, destacam-
se as ações em prol de seu monumento mais importante: a Igreja Matriz (Figura 4).

2São efetuadas a norte, sem datas ainda identificadas, as novas Capelas: Nossa Senhora Aparecida (Perrixil),
Sagrada Família (Praia do Sol), Santa Bárbara (Caputera) e São Brás (Estreito).
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Figura 4 - O município em desenvolvimento.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).


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Na segunda metade dos 1900, a despeito da secularização citadina, a Igreja
mantém-se como marco principal, sendo objeto de intervenção dita de
restauração. Aliás, o padre Claudino Biff tenta ampliar a Matriz, mas como '[...]
qualquer aumento iria prejudicar a estética do templo, resolveu fazer uma
restauração, sem aumento de espaço.' (ULYSSÉA, 1976, p. 198) [...] Finalmente,
em 1975 reabre-se a Igreja, tornando-se '[...] para os turistas, a de mais
interesse em todo o sul do Estado. Para o lagunense, o orgulho da cidade.'
(ULYSSÉA, 1976, p. 200).
Posteriormente, o BNDES custeia levantamento, projeto do Iphan e obra
iniciada em 2000 [...].
Apesar da intervenção dos anos 1970, na época, ser motivo de orgulho para os
lagunenses, a última intervenção dos anos 2000 parece ter minimizado ou
apagado os resultados da anterior, sem incorporar as constituições
apostólicas do Concílio Vaticano II, já amplamente conhecidas. (BENÍCIO et al.,
2020, p. 248-250).

Considerações finais

Na urbe em estruturação, na cidade em progresso e, finalmente, no município em


desenvolvimento a instância material da Igreja Católica segue intimamente relacionada à
história urbana lagunense; bem como a consolidação da urbanização segue acompanhada
da arquitetura da evangelização - seja pela tradição, seja pelas recomendações
eclesiásticas. Os espaços sagrados da Paróquia de Laguna, antigos e novos, mantêm-se
como monumentos e elementos primários - catalizadores que aceleram e valorizam a
estrutura citadina.

Em concomitância, os conglomerados religiosos oferecem, através dos seus adros, os locais


de lazer públicos - estes são frequentemente os únicos "vazios" para a convivência das
comunidades, seja para a criançada brincar, seja para a vizinhança confraternizar.

Os leigos, motivados pelos próprios valores afetivos e gostos pessoais, constituem sujeitos
e agentes protagonistas das ações de concepção, execução, reforma, manutenção e
decoração nos santuários.

Além disso, instrui-se que cada templo não possui um acervo organizado referente a sua
própria existência e riqueza patrimonial; de modo geral, cada batizado é um acervo
ambulante que guarda o arquivo que entende ser relevante, não raro, ponderado pelo valor
afetivo. Nesse sentido, os empreendimentos eclesiásticos são testemunhos das dinâmicas
sociais e culturais peculiares à lagunidade e às vivências pastorais. Enfim, notabiliza-se a
"Igreja monumento", outrossim a "Igreja documento", e sua articulação à história urbana
lagunense, à história do próprio lagunense.

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Referências

BENÍCIO, Danielle. Laguna, arquitetura novecentista e preservação do patrimônio.


2018. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Udesc, Florianópolis, 2018.

BENÍCIO, Danielle et al. De que tempo és? In: CONGRESSO SANTUÁRIOS, 5., 2020,
Portugal; Brasil. Cadernos de Artigos... Portugal; Brasil: ULisboa; UFF, 2020.

DALL'ALBA, João. Laguna antes de 1880. Florianópolis: Lunardelli; Udesc, 1976.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Panorama. Laguna.


Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/laguna/panorama. Acesso em: 22 abr. 2020.

LAGUNA. Lei ordinária n. 34. Laguna: PML, 1977.

LAGUNA. Plano de restauração e utilização social e econômica do patrimônio cultural,


histórico, artístico, paisagístico e arquitetônico da Laguna. Laguna: PML, 1978.

LAGUNA. Lei n. 4. Laguna: PML, 1979.

LUCENA, Liliane. Laguna. 1998. Dissertação (Mestrado em Geografia) - UFSC,


Florianópolis, 1998.

MARX, Murilo. Nosso chão. São Paulo: Edusp, 1988.

MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem? São Paulo: Nobel, 1991.

ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

SAYÃO, Thiago. Negras paisagens: (in)visualidade afrodescendente na Laguna (SC). In:


COLÓQUIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA CULTURAL DA CIDADE SANDRA JATAHY
PESAVENTO, 1., 2015, Porto Alegre. Anais eletrônicos... Porto Alegre: GT História
Cultural; ANPUH-RS, 2015a. p.854-869.

SAYÃO, Thiago. As heranças do Rosário: associativismo operário e o silêncio da identidade


étnico-racial no pós-abolição, Laguna (SC). Revista Brasileira de História, São Paulo,
v.35, n.69, p.131-154, 2015b.

SIMON, Lilian. Documentação e monitoramento de sítios urbanos históricos com apoio


do cadastro técnico multifinalitário e da fotogrametria digital. 2000. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Civil) - UFSC, Florianópolis, 2000.

SOUZA, Nelson. Histórico da Capela Nossa Senhora Auxiliadora. Laguna: [s.n.; s.d.].

ULYSSÉA, Nail. Três séculos na Matriz de Santo Antônio dos Anjos da Laguna. In: Cabral,
Oswaldo (Coord.). Santo Antônio dos Anjos da Laguna. Florianópolis: IOESC, 1976.
p.159-200.

ULYSSÉA, Ruben. Laguna. Brasília: Letra Ativa, 2004.

ULYSSÉA, Saúl. A Laguna de 1880. Laguna: IOESC, 1943.

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VIDE, Sebastião. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: 2 de
Dezembro, 1853. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/222291. Acesso
em: 29 mar. 2017.

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RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

A DIGITALIZAÇÃO 3D COMO FERRAMENTA DE DOCUMENTAÇÃO E


PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

Júlio Cláudio Da Gama Bentes (julio.bentes@gmail.com)

Cassiane Patzlaff (cassiane.patzlaff@gmail.com)

A preservação de bens culturais é de grande importância para a documentação


e salvaguarda da memória. Em 2018 ocorreu uma grande perda cultural e
histórica para o Brasil e para o mundo com o incêndio que atingiu o Paço de
São Cristóvão e o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sendo essa a
mais antiga instituição científica do país e um dos maiores museus de história
natural e de antropologia das américas. Essa tragédia motivou o estudo sobre
a utilização das ferramentas de fabricação digital na documentação e
preservação de bens culturais, especialmente os arquitetônicos, artísticos e
históricos. Este estudo conta com a inserção de pesquisador doutor na “LAFF
Digitalizações 3D”, empresa especializada no escaneamento de objetos 3D,
através de recursos da FAPERJ. O presente trabalho apresenta a pesquisa
sobre a digitalização 3D como ferramenta de auxílio à documentação,
conservação e divulgação de bens culturais, em especial os relacionados à
arquitetura, possibilitando ainda a ampliação do conhecimento sobre as
técnicas de escaneamento e reprodução física e virtual desses bens culturais.
Através da digitalização 3D, alguns artefatos foram digitalizados, sendo
editados e manipulados para utilização em ambiente virtual, com usos
possíveis em modelos HBIM para projetos de restauro e em "tours virtuais"
com realidade aumentada/virtual (RA/RV), como ainda reproduzidos
fisicamente através de técnicas de fabricação digital. A pesquisa teve como
objetivos: o estudo de métodos e técnicas, a partir de investigação e
experimentação, da digitalização 3D de elementos arquitetônicos, artísticos e
históricos; as formas de registro e representação utilizando as ferramentas de
fabricação digital para reprodução, tanto física como virtual, facilitando a
consulta e visualização por terceiros. Para a digitalização 3D foi empregado o
escâner Peel 2 (Creaform), que pode chegar a meio milímetro (0,5 mm) de
resolução e acurácia. Como Estudos de Casos foram analisados os processos
de digitalização 3D de elementos arquitetônicos, escultóricos e utilitários que
compõem os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Palácio de São
Cristóvão (Museu Nacional) e do Palacete Linneo de Paula Machado (Casa
Firjan da Indústria Criativa).
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

OS ESPAÇOS SAGRADOS DA IGREJA CATÓLICA DA PARÓQUIA DE


LAGUNA: DA EDIFICAÇÃO DA MATRIZ À MULTIPLICAÇÃO DOS
TEMPLOS - A DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA DA
EVANGELIZAÇÃO.

Danielle Rocha Benicio (daniellebenicio@gmail.com)

Ana Caroline Marsaro Welter (anawelter9@gmail.com)

Marco Antônio Garcia Gava (marco2antonio.garcia.gava@gmail.com)

Taciane Camargo Pujol (taciane.pujol@hotmail.com)

Este artigo almeja reconhecer os espaços sagrados da Igreja Católica sob a


circunscrição da Paróquia de Laguna, considerando os aspectos arquitetônicos
e urbanos desses documentos da Cristandade. Daí decorrem os objetivos
específicos: identificar esses espaços sagrados, cartografando-os; inventariar
os templos identificados; e, por fim, construir uma narrativa histórica sobre a
implantação e a expansão do Catolicismo em Laguna focada na obra
arquitetural como fonte documental. Em prol da consecução de tais metas,
adotam-se os métodos histórico e estudo de caso, incluindo os procedimentos
metodológicos de: coleta de dados, através da documentação indireta,
abrangendo a revisão de referencial primário e bibliográfico, e da
documentação direta, abarcando o levantamento in loco e entrevistas.
Ademais, recorre-se ao método hipotético-dedutivo e, assim, defende-se a
hipótese de que a instância material da Igreja Católica em Laguna, da ereção
da Matriz à multiplicação dos templos, está intimamente atrelada à história
urbana lagunense. Decerto, desde a feitura da primitiva capela no berço
citadino em 1696, em mais de três séculos, a trajetória evangelizadora da
Igreja Católica funde-se ao decurso da Cidade Juliana, ou seja, a consolidação
da urbe foi acompanhada da arquitetura da evangelização. Entre os 15 templos
da Paróquia de Laguna objeto de identificação, 11 foram inventariados - a
maioria deles foi erguida depois de 1950, quando se acelera a ampliação do
perímetro urbano. Ressalta-se que, as ermidas mais antigas e mais recentes
são edificadas acompanhando as principais diretrizes de formação citadina;
atualmente, localizam-se nos mais importantes eixos viários, que orientam o
progresso municipal. Em concomitância, os conglomerados religiosos
oferecem, através dos seus adros, os locais de lazer públicos - estes são
frequentemente os únicos "vazios" para a convivência das comunidades, seja
para a criançada brincar, seja para a vizinhança confraternizar. Destarte,
remete-se às conclusões, ratificando que os leigos constituem sujeitos e
agentes protagonistas das ações de concepção, execução, reforma,
manutenção e decoração nos santuários. Além disso, instrui-se que cada
templo não possui um acervo organizado referente a sua própria existência e
riqueza patrimonial; de modo geral, cada batizado é um acervo ambulante que
guarda o arquivo que entende ser relevante, não raro, ponderado pelo valor
afetivo. Nesse sentido, os empreendimentos eclesiásticos são testemunhos
das dinâmicas sociais e culturais peculiares à lagunidade e às vivências
pastorais.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

RECONSTRUÍNDO OS JARDINS DE BURLE MARX POR REALIDADE


AUMENTADA: JARDINS HISTÓRICOS DO PALÁCIO DOS LEÕES EM SÃO
LUIS DO MARANHÃO

Barbara Irene Wasinski Prado (barbaraiwp@gmail.com)

O Palácio dos Leões é a sede do governo do Estado do Maranhão e tem um


dos jardins palacianos mais significativos do país. E em 1968 o jardim recebeu
um projeto do paisagista Roberto Burle Marx, criador de uma arquitetura da
paisagem própria e inovadora. Em 1973 foi refeito a pedido da primeira-dama
Eney Santana. Com um desenho geométrico apresenta intrusões de formas
retangulares que formam tanques de plantas aquáticas e pisos diferenciados.
Atualmente o jardim está muito descaracterizado quanto a vegetação e pisos,
mas ainda apresenta as formas do projeto original. Os elementos
arquitetônicos estão como o traçado do projeto original, tendo alguns
retângulos alterados, ora rebaixados para formar uma piscina ou revestimentos
substituídos. O projeto original não foi totalmente construído (nº 1126 -
desenho de novembro/1969 - Acervo Burle Marx & Cia), como foi constatado e
nessas pesquisas desenvolvidas entre 2006 e 2018. Nestas foram identificadas
as transformações e as razões das mudanças. A estrutura vegetal do jardim
dada pelas palmeiras imperiais ainda persiste. Os primeiros exemplares podem
ter sido plantados em 1865 (com reposições ao longo tempo). O projeto original
do RBM considerou 16 dessas plantas. Nele pode-se observar a existência de
canteiros triangulares que não aparecem em nenhum outro projeto do autor e
uma composição formada por um buquê de 47 gêneros/espécies de plantas.
Todas as pesquisas contaram com métodos e técnicas diversos combinados,
além das convencionais pesquisas bibliográficas e de campo. As
transformações do jardim e as espécies foram identificadas, desenhadas a mão
livre, modeladas fisicamente, desenhados com assistência de computador
utilizando aplicativos 2D e a partir de AUTOCAD a modelagem em 3D com
softwares Revitt, Lumium, Sketchup, Unreal, entre outros experimentos, sendo
estas três últimas representações gráficas, utilizadas para reconstruir o jardim
idealizado no projeto original (obtido a partir do desenho da Burle Marx & Cia
de 1974 em também consta a assinatura dos arquitetos Haruoshi Ono e José
Tabacow). O resultado desses desenhos, modelação e imersões foram criadas
para aplicar a Realidade Aumentada (RA) e Realidade Virtual (RV). Uma das
aplicações é para a visitação virtual ao jardim, assim como para a criação de
jogos educativos (objetivo do LAPA associado CASA472/UEMA). Pretende- se
com isso que a população experimente um passeio imersivo no jardim para
conhecer a Arquitetura Paisagística Modernista Brasileira, um exemplar
maranhense do paisagismo palaciano criado por Roberto Burle Marx e se
educar artística e ambientalmente. E que o processo de reconstrução virtual dê
lugar à reconstrução física possível em seus detalhes e elaborados fielmente
aos documentos originais, que são perenes e cuja criação atravessa o tempo.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO - A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA
ARQUITETURA E DO URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E
DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO;
BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA HISTÓRIA DA ARQUITETURA;
DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS TÉCNICAS
CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR; POÉTICA,
CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O CINEMA COMO DOCUMENTO: A ARQUITETURA COMO UM


VEÍCULO DE ENTENDIMENTO DE UMA SOCIEDADE NA OBRA
FÍLMICA DE FICÇÃO

ALBUQUERQUE, Alexandre.
1. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo (PPGAU)
João Pessoa - Paraíba
Alexandre_carlos_@hotmail.com

RESUMO
Esse trabalho busca analisar o papel do cinema como documento e fonte histórica, além de sua
relação com a arquitetura e urbanismo na compreensão da sociedade e do tempo em que uma obra
cinematográfica se insere, por meio do entendimento acerca das ideias de documento por Jacques Le
Goff, Marc Ferro, dentre outros autores. Isso pode ser feito, em específico, analisando-se aqui o
cinema de ficção, através do estudo de algumas obras do século XX, relacionando os mundos
ficcionais criados com o contexto social no qual as obras estão inseridas na história, como através da
construção de cidade da "Metropolis" de Fritz Lang (1927) e da "Alphaville" de Jean Luc Godard
(1968), até chegar em uma obra contemporânea, o filme espanhol do ano de 2019, denominado “O
Poço”, para a demonstração prática dos pontos teóricos levantados em pesquisa, e sua relação com
a história da sociedade do início do século XXI. Além disso, pode-se analisar como os filmes em
questão utilizam dos espaços cenográficos, das edificações em si e das cidades, como um dos
principais meios para aludir ao mundo tangível de forma imaginativa. A partir disso, pôde-se perceber
que o audiovisual pode ser considerado de suma importância para a história, já que se configura
como uma produção humana que retrata os ideais sociais de uma época, não apenas vindos de
autoridades ou pessoas que detém o poder em uma cidade, mas da própria população, podendo se
levantar de forma crítica e descritiva, mesmo que sendo trabalhada de forma imaginativa e ficcional.

Palavras-chave: Cinema; Cidade; Sociedade; História; Documento.

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01. O Cinema como documento

A ideia e conceito de documento foi uma discussão difundida e mutável no decorrer


da história, “iniciada na Idade Média, consolidada no início do Renascimento, enunciada
pelos grandes eruditos do século XVII, aperfeiçoada pelos historiadores positivistas do
século XIX” (LE GOFF, 1990, p. 468), até se estabelecer com as ideias mais recentes, do
fim do século XX, após o aumento do uso da tecnologia.

O documento, segundo os positivistas, do fim do século XIX, é o fundamento do fato


histórico, apresentando-se por si só como tal, sendo algo indispensável para o historiador,
principalmente como texto, ideia essa assegurada por teóricos como Lefebvre (1971) e
Samaran (1961), os quais afirmam não existir história, ou fato histórico, sem documentos
(LE GOFF, 1990).

Essa ideia de limitação do documento ao texto escrito foi, porém, se enfraquecendo,


até pelo próprio pensamento da época, como exemplo, um dos principais historiadores
positivistas, Fustel de Coulanges, teria dito que “onde o homem passou, onde deixou
qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a história” (LE GOFF, 1990,
p.465).

A partir daí, a ideia de documento foi sendo desenvolvida, podendo abarcar um


sentido mais amplo, segundo Samaran (1961), por exemplo, ele poderia ser escrito,
transmitido pelo som, imagens ou de qualquer outra maneira. Como um retrato da produção
e pensamento da época na qual foi realizado, o testemunho documental poderia ser
percebido também através de uma obra, de um monumento – seja este um texto, uma
construção, uma imagem ou um filme – o qual não é inócuo, nem desprovido de
parcialidade, mas é dotado de intencionalidade, mesmo que inconsciente, refletindo a
realidade de um momento e de um lugar, o qual o produziu.

Dotado dessas características que qualificam um documento, o filme pode ser


entendido, portanto, como um registro histórico a ser analisado cientificamente, por ser um
elemento característico de uma sociedade. Segundo Lisbeth Oliveira (2002), uma obra
fílmica, seja ela qual for, “sempre vai além de seu próprio conteúdo, além da realidade
representada, mostrando zonas da história até então ocultadas, inapreensíveis, não-visíveis”
(OLIVEIRA, 2002, p. 134).

A análise ou a crítica de um filme, segundo o historiador Marc Ferro (1992), pode não
se limitar somente à obra em sua totalidade, mas se apoiar sobre extratos, além de se
integrar ao mundo que a rodeia e se comunica, necessariamente. Segundo ele

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É preciso aplicar esses métodos a cada um dos substratos do filme
(imagens, imagens sonorizadas, não-sonorizadas), às relações entre os
componentes desses substratos; analisar no filme tanto a narrativa quanto o
cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o
autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só assim se
pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da
realidade que ela representa. (FERRO, 1992, p. 87).
Segundo Ferro (1992, p. 82), a história sempre tendeu a ser contada e compreendida
do ponto de vista das pessoas que estão em uma posição de poder ou que se encarregam
da sociedade, sejam os homens do Estado, magistrados ou diplomatas. Com a presença da
obra fílmica na sociedade, por outro lado, houve a oportunidade de histórias serem
contadas, também, por um maior número de pessoas, através daqueles que estão sob o
poder, e a força dessa oportunidade se dá através da possibilidade de exprimir uma
ideologia nova em tela, independente.

Essa dicotomia de ideologias em períodos históricos, sendo representadas em obra


fílmica, pode ser percebida, também, levando em consideração os governos totalitários, nos
quais eram produzidos filmes mandados pelos governantes, como forma de doutrinação e
busca da adesão da população do país. Segundo Lisbeth Oliveira (2002), por exemplo,
“dirigentes como Leon Trotski, Lênin, Lunatcharski viam no cinema um instrumento de
propaganda extremamente eficaz, quer seja para fins científicos ou de animação, quer para
educação das massas” (OLIVEIRA, 2002, p. 3).

Por outro lado, a percepção contrária da ideologia totalitária também teve importante
espaço nas produções do cinema em meados do século XX,

Filmes como Confissões de um Espião Nazista (1939), Quatro Filhos, O


Grande Ditador, Correspondente Estrangeiro, Tempestade d’alma, de Frank
Borzage, são exemplos explícitos da ideologia americana antinazista por
meio do cinema dos anos de guerra, um fenômeno, aliás, mais claro no
cinema do que no mundo da palavra escrita, no jornalismo ou na pesquisa.
(OLIVEIRA, 2002, p.3).
Essa capacidade da obra fílmica de se comunicar e refletir a sociedade em que está
inserida não fica apenas limitada a obras de cunho realista e documental, mas pode ser
percebido até em obras ficcionais, nas quais a ideologia do criador também pode estar
retratada. O documento, segundo Ferro (1992, p. 88) “tem uma riqueza de significação que
não é percebida no momento em que ele é feito”, e isso é algo verdadeiro, também, tanto
nos casos dos filmes documentais de notícia, quando no caso da ficção.

Segundo Eduardo Victorino Morettin (2003), muitas vezes a obra de ficção pode ser
desconsiderada pelo fato dela integrar o imaginário, não tendo, então, valor enquanto
conhecimento, exprimindo a representação do real. Mas essa forma de produção fílmica
leva uma vantagem em relação à notícia e ao documentário, devido ao seu alcance e

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divulgação, podendo ter, através dela, uma maior facilidade de identificar o diálogo entre o
filme e a sociedade, por meio da recepção da crítica e público. Além disso, segundo Ferro
(apud MORETTIN, 2003), o cinema, “sobretudo a ficção, abre uma via real na direção de
zonas psico-sócio-históricas jamais atingidas pela análise dos ‘documentos’”.

02. Cinema e Arquitetura

A relação da arquitetura e do urbanismo com o audiovisual sempre foi de


proximidade, tanto na ambientação de histórias em cenários, quanto na criação de uma
atmosfera que reflita o local ou a época em que a história se insere. Esses elementos são
essenciais, e muitas vezes, determinantes para uma história, podendo ser percebidos
diferentes representações espaciais de acordo com o objetivo de cada trama fílmica.

Segundo o historiador José D’Assunção Barros (2012), ao relacionar esses dois


temas, conceituando essa relação de protagonismo da arquitetura e urbanismo em um filme,
uma Cidade-Cinema é

Qualquer cidade produzida por uma criação fílmica que, dotada de forte
singularidade, desempenhe um papel essencial ou estruturante para a
trama, não importando se a cidade-cinema em questão é uma cidade
totalmente imaginada pelo autor-cineasta, se é uma cidade criada com base
em uma referência que exista na realidade atual ou que, em algum
momento, já tenha existido na realidade histórica (BARROS, 2012, p. 02)
Como dito, essa cidade-cinema pode vir a ser percebida de algumas diferentes
formas: a primeira delas são as representações, aquelas que querem trazer a sensação de
ser um espaço que realmente existe, ou existiu, como pode ser observado em filmes como
Lost In Translation (2003) e Never, Rarely, Sometimes, Always (2020), nos quais a
representação realista e cotidiana das cidades de Tóquio e Nova York, respectivamente,
dão uma ideia ao expectador do tempo e espaço nos quais as personagens estão envoltas,
sendo as próprias cidades elementos estruturantes da história, guiando o ritmo e os
acontecimentos das tramas.

A segunda forma de percepção das cidades-cinema são as reinvenções, nas quais


há uma referência em cidades reais, que existem ou existiram, mas que deixam claro a sua
dimensão fictícia, como as cidades de Los Angeles, em Blade Runner (1982) e São
Francisco, em Dawn of The Planet of the Apes (2014), que tomam como referência
elementos da cidade real e as transformam para se adaptarem à realidade fictícia da trama
fílmica de cada um.

Por fim, a terceira forma de percepção são as cidades inventadas, nas quais não há
uma base em uma cidade real, mas que são criadas especificamente para uma obra, de
forma imaginativa, podendo estar situadas em qualquer tempo, seja no presente ou no

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passado, como na Gotham City dos filmes do universo do Batman, ou até em
representações hipotéticas de um futuro, como na cidade de Metropolis (1927). (BARROS,
2012)

Apesar dessa classificação, todas essas formas de percepção da cidade numa obra
fílmica estão ligadas tanto à realidade, quanto à ficção, pois uma cidade-cinema é um
produto da realidade em que se está inserida, trazendo para si ideias do tempo e espaço
que se situa. Até os filmes ficcionais que retratam cidades passadas, segundo Morettin
(2003) “são importantes também pelo que dizem a respeito do seu presente, do momento
em que foram feitas e não propriamente pela representação do passado em si” (MORETTIN,
2003, p. 31).

Essa ideia também é assegurada por Assunção (2012), o qual diz que

Toda cidade-cinema é suficientemente estranha, recortada ou deslocada em


relação à realidade vivida para colocar um problema para o seu analista e,
em contrapartida, é suficientemente familiar às demandas do nosso tempo
(do tempo do cineasta ou do escritor) para que, a princípio, esteja
assegurada a possibilidade de que lhe sejam decifradas as fortes ligações
com a realidade social (extrafílmica) que a estrutura. (BARROS, 2012, p.
56).

Semelhantemente, não só a cidade tem um papel importante na construção de uma


trama fílmica e representativa histórica no audiovisual, mas o filme, em si, também tem um
papel importante na construção do pensamento de uma sociedade. Segundo o filósofo
alemão Walter Benjamin (BENJAMIN, 1987 apud GONÇALVES, 2008) o cinema tem a
propriedade de impactar a vida do espectador, tanto na psique, quanto em sua estrutura
física, ampliando também a capacidade perceptiva e onírica humana.

Esse impacto psicológico, como discorrido também pelo teórico Christian Metz
(METZ, 1980 apud OLVEIRA; COLOMBO, 2014) se dá através da aproximação do que é
mostrado em tela com a realidade vivida pelo expectador, da identificação do mesmo com o
que é transmitido através da linguagem cinematográfica. Marcel Martin (2003) fala que essa
linguagem cinematográfica possui uma originalidade absoluta, a qual decorre de fatores
como a sua capacidade de visualizar o pensamento, ao mesmo tempo do vivido, de
ressuscitar o passado e atualizar o futuro, o que dá ao expectador uma maior carga
persuasiva em relação à realidade do seu cotidiano.

Dito isso, a obra cinematográfica, independente do gênero, seja documental realista,


ou de ficção, informa uma realidade social, de natureza diversa (MORETTIN 2003), tendo o
exemplar ficcional ainda a propriedade de questionamento e reflexão do expectador, ao criar
cenários e situações hipotéticas derivados da sociedade tangível. Essa aproximação com a

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ficção para criar discussões sociais está presente no audiovisual desde sua criação,
refletindo em cada época os problemas enfrentados por cada localidade, em cada tempo,
sendo representados de formas diferenciadas por meio do fílmico.

Alguns exemplos espaciais podem ser percebidos ao longo da história do


audiovisual, desde os primeiros longa metragens ficcionais do cinema expressionista
alemão, no início do século XX. Tanto em obras como O Gabinete do Dr. Caligari (1919) e
Nosferatu (1922) os espaços representados em tela auxiliam a condução da narrativa e a
criação da atmosfera fílmica, utilizando de ambientes deformados e linhas tortas para trazer
ao espectador sensações de agonia e pesadelo (LEZO, 2010, p. 11). Mas foi na Metropolis
(1927) de Fritz Lang que a cidade inventada foi realmente posta em evidência e deu-se
início a uma maior utilização das cidades fílmicas como elementos protagonistas nas obras
ficcionais.
Figura 10: Cidade distópica inventada de Metropolis (1927).

Fonte: Disponível em: < https://manualdousuario.net/metropolis-fritz-lang/ >. Acesso em: 03 Jul. 2021.

Essa cidade inventada tem a característica de remeter à modernização, às grandes


cidades e ao avanço da tecnologia, funcionando como uma crítica à sociedade de consumo
que anseia pelo progresso, em detrimento da exploração do proletariado. A cidade então
traz de forma imagética e hiperbólica essa estratificação social, dividida entre a parte
localizada acima do solo, a Metropolis, “que se estende para o céu através dos edifícios
altos, dos feixes de luz, dos aviões” (LEZO, 2010, p. 14) e as partes subterrâneas, que
“abrigam a infraestrutura necessária para que a cidade alta se mantenha em funcionamento,

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onde as construções não encontram nunca a luz do sol, escondem-se os medos, os
conflitos entre o ser humano e a máquina, entre o indivíduo e a massa” (LEZO, 2010, p.14),
nas quais habitam os trabalhadores em geral.

Segundo José D’Assunção Barros (2011) o modelo futurista trazido por Metropolis
ressalta os medos da sociedade da época, no contexto do fordismo e da urbanização
desmedida, tais como o aumento do uso da tecnologia e a consequência disso nos modos
de trabalho, vistos na substituição do homem pela máquina ou a mecanização da rotina.
Como dito pelo autor,

todos esses medos, de algum modo, estão à flor da pele no período de


gestação do filme de Fritz Lang, e é assim que o cineasta revela em sua
Metrópolis arranha-céus ao mesmo tempo magníficos e sombrios,
fascinantes e aterradores, palcos para uma vida extremamente organizada
e sofisticados berços para a solidão humana (BARROS, 2011, p. 165)

Além de contribuir para o entendimento do pensamento da época em que o filme foi


criado, a cidade de Metropolis também serviu de inspiração para a criação de diversas
outras cidades na história do cinema. Segundo Denise Lezo, o efeito da construção espacial
dessa obra “foi tão surpreendente, que configurou um ‘tesouro visual’ para os diretores de
cinema das décadas que ainda estavam por vir” (LEZO, 2010, p. 15).

Outro importante exemplo de cidade-cinema distópica pode ser observado,


aproximadamente quarenta anos depois, quando o diretor francês Jean-Luc Godard criou a
obra Alphaville (1965). A cidade em questão, homônima ao título do filme, se situa em um
outro planeta, sendo então um local inventado, que remete a uma crítica de sociedade
totalitarista, burocratizada e tecnológica, já que a obra já se situa temporalmente após a
Segunda Guerra Mundial. A organização social da obra pode ser chamada de uma
tecnocracia burocrática, a qual “seria uma superestrutura que condicionaria seus habitantes
a uma eficácia maquinal, lhes roubando cada vez mais a humanidade e fazendo com que
seus habitantes se comportassem cada vez mais como autômatos” (SÁ, 2017, p. 02).

A cidade na obra, que reflete os problemas sociais de uma época já diferente à do


Fritz Lang, é geralmente representada à noite, ressaltando as luzes artificiais das
construções e dos automóveis, o que remete à tecnologia e ao progresso que se materializa
também no urbano. Além disso, os prédios em si auxiliam no entendimento da narrativa ao
serem retratados através de grandes construções empresariais com janelas de dimensões
iguais e espaçadas em um ritmo constante, todas, quando à noite, representadas com as
luzes acesas, trazendo a sensação de mesmice. São deixadas de lado a individualidade, a
liberdade e as diferenças das pessoas na cidade e configurados todos apenas como partes
que compõem uma só máquina (Figura 11).

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Figura 11: Cidade distópica inventada de Alphaville (1965).

Fonte: Disponível em: < https://christopherwatkin.com/2019/05/25/michel-serres-and-film-4-jean-luc-


godards-alphaville/ >. Acesso em: 09 Jul. 2021.

De forma semelhante, outras obras utilizam da própria criação do espaço e cenário –


sejam espaços representados, reinventados ou inventados – para criar sensações e
discussões sociais acerca do presente que se está inserido, além das obras já citadas
anteriormente, podemos também observar em um exemplo mais recente essa discussão,
através de El Hoyo (2019). O filme, influenciado pela construção de mundo de Metropolis,
possui a característica de também utilizar da referência de altura como uma analogia à
estratificação de classes sociais, onde as pessoas que se localizam mais alto
espacialmente, são mais privilegiadas socialmente, assim como o inverso, as pessoas que
se localizam mais perto do chão são as de camadas sociais mais baixas.

03. O Poço, o espaço e a sociedade

Um exemplo recente que pode ser utilizado para a caracterização dos pontos
teóricos levantados é a obra de terror e ficção científica El Hoyo (2019), traduzida no Brasil
para “O Poço”. O filme conta a história de uma espécie de prisão vertical, que é uma
construção dividida em níveis, nos quais, em cada um deles, vivem apenas dois prisioneiros.
A característica mais marcante do filme é o fato de cada cela ser apenas um espaço de
concreto, retangular e sóbrio, com a presença de um grande buraco, também retangular, ao
centro, pelo qual é transportada uma plataforma com comida, uma vez ao dia, que se
desloca de maneira descendente, de nível em nível.

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Apesar de não ser essencialmente uma cidade, através da invenção de seu espaço
fictício, o filme buscou retratar uma analogia acerca da sociedade, utilizando de discursos e
ações que remetem a ideologias históricas, além de destinar, entre várias outras camadas e
formas de interpretação, uma crítica ao capitalismo e à sociedade de consumo do século
XXI, a qual é o espaço e o tempo em que a obra se insere e se comunica.

Figura 01: Imagem da cela da prisão fictícia da obra “O Poço”.

Fonte: Still Frame de “O Poço”, 2019.

A criação espacial se torna algo determinante para a trama fílmica na obra em


questão, principalmente, pelo fato de a maior parte de suas cenas se passarem na mesma
configuração de espaço, em uma das várias celas da prisão, as quais são todas
praticamente iguais, diferenciadas apenas por sua numeração (sendo elas numeradas de
acordo com o seu nível, a cela 01, o topo da prisão). A configuração desses ambientes, que
traz a predominância de tons cinzas e de formas retangulares, com arestas bem definidas,
em todos os elementos, remetem ao confinamento, solidão e monotonia que são
experienciadas pelas pessoas que os ocupam, além de trazer também ao próprio
expectador esse sentimento de enclausuramento e desconforto, um dos principais objetivos
da obra.

Através da espacialidade criada em “O Poço”, pode-se perceber também uma forte


crítica à estratificação de classes sociais e à apatia das pessoas em relação às
necessidades dos outros. Como já mencionado, todos os dias, nessa prisão, um banquete,
com os mais variados tipos de comida, inicia o seu percurso por entre os níveis, tendo início
no “Nível 01”, percorrendo cada um dos outros por uma pequena quantidade de tempo.
Assim, de modo geral, as pessoas tendem a comer mais do que o necessário, em cada
passagem, e não quantificar o seu consumo, deixando os restos de sua refeição para as
pessoas que se encontram nos níveis abaixo, até que não sobre mais alimento para uma
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grande quantidade de indivíduos que se encontram nos níveis mais embaixo da grande
construção, instaurando-se neles o caos.

No decorrer do filme podem ser percebidas várias tentativas de mudança, nas quais
pessoas se levantam para conscientizar as outras acerca da quantidade de comida que
cada um deve comer para que assim a plataforma possa suprir a necessidade de todos,
algumas dessas vezes são utilizados de discursos e outras, de métodos mais brutos,
incitando a obediência através do medo, mas cada um dos métodos se mostra incapaz de
realizar uma verdadeira mudança no sistema já instaurado.

Figura 02: Um dos personagens de “O Poço” se alimentando da plataforma.

Fonte: Still Frame de “O Poço”, 2019.

Ideia semelhante acontece em Metropolis (1927) – sendo também uma obra de


ficção que se relaciona com o tempo no qual foi feita – que gera uma discussão e crítica
acerca da sociedade industrial, do uso da máquina e das novas formas de trabalho da
época, utilizando dessa dicotomia espacial da altura como caracterização do poder, onde os
trabalhadores se localizavam em um local subterrâneo na cidade, enquanto a elite estava
acima, sendo o prédio do governante o ponto mais alto da cidade.

Sendo “O Poço” um filme de ficção com um teor mais interpretativo, muitas


discussões foram levantadas acerca da obra, fazendo com que ela tomasse grandes
proporções com a população mundial, através da já citada aproximação do expectador com
o que é mostrado em tela (METZ, 1980 apud OLVEIRA; COLOMBO, 2014). Como seu
lançamento se deu no início do ano de 2020, muito se discutiu, também acerca do momento
em que se estava vivendo na época, durante o início da pandemia do COVID-19, na qual

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puderam ser percebidos acontecimentos como a falta de medicamentos, alimentos e
máscaras nos estabelecimentos, em detrimento de pessoas os adquirindo e estocando em
suas casas devido ao pânico, gerando assim essa mesma diferenciação de oportunidade de
acesso a produtos essenciais mostrado no filme.

Por não ser apenas uma história realista e documental, mas fazendo uma
representação fictícia de uma realidade conhecida, “O Poço” levantou as mais variadas
discussões e questionamentos acerca da sociedade vivida na época de seu lançamento,
assim comprovando o já citado texto, o qual fala que um filme “sempre vai além de seu
próprio conteúdo, além da realidade representada, mostrando zonas da história até então
ocultadas, inapreensíveis, não-visíveis” (OLIVEIRA, 2002, p. 134).

04. Considerações Finais

Como dito por Jacques Le Goff (1990), a história pode também ser feita, além do
documento escrito em si, a partir de tudo o que, “pertencendo ao homem, depende do
homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e
as maneiras de ser do homem” (LE GOFF, 1990, p. 466), a partir daquilo que foi feito pelo
ser humano e que auxilie o entendimento do tempo em questão.

O cinema, apesar de por um tempo não ter sido credibilizado como uma fonte
histórica, desde o seu surgimento teve teóricos adeptos da ideia da sua importância para a
sociedade, como, além do teórico Marc Ferro (1992) em seu livro Cinema e História, o
teórico Siegfried Kracauer (1947) que fala, em seu livro “De Caligari a Hitler – uma história
psicológica do cinema alemão”, sobre as relações entre o filme e a sociedade que o
produziu, em especial na Alemanha até o nazismo.

Assim, ao longo da história o cinema veio conseguindo sua importância também


como documento, não só através do cinema realista, mas também do cinema ficcional,
como foi visto, por retratarem o pensamento de uma época através dos seus criadores e
“esses lapsos de um criador, de uma ideologia, de uma sociedade, constituem reveladores
privilegiados” (FERRO, 1992, p. 88), estabelecendo uma ligação direta entre o filme e a
sociedade e cidade da qual ele faz parte.

Isso pôde ser percebido através da relação de alguns exemplares de obras


ficcionais, com o foco na obra ficcional do ano de 2019, “O Poço”, que através da utilização
da linguagem cinematográfica, buscou se aproximar e levantar discussões e críticas acerca
da sociedade do início do século XXI. Além de se comunicar com o público e trazer os mais
variados questionamentos sociais e espaciais, o cinema ficcional pode ser entendido
também como um importante objeto de estudo para o entendimento de uma sociedade e a

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organização socioespacial de um determinado lugar, que se situa em um determinado
tempo na história.

05. Referências

BARROS, José D’Assunção. A cidade-cinema expressionista: uma análise das


distopias urbanas produzidas pelo cinema nas sete primeiras décadas do século XX.
Em Questão, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 161-177, 2011.

BARROS, José d’Assunção. Cidade-cinema: Um novo conceito para a análise das


cidades e distopias do cinema. Linguagens – Revista de Letras, Artes e Comunicação. V.
6, n. 1, p. 53-67. Jan/abr. 2012.

CAVALCANTI, Andrei de Ferrer. Cidade Sinfônica: A Cidade representada em Berlin: Die


Sinfonie der Grorstadt. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.

FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

GONÇALVES, Renata. Walter Benjamin e a importância do cinema na Modernidade.


Minas Gerais, Existência e Arte Revista Eletrônica do grupo PET. Ano 4, v. 4. Jan a dez.
2008.

KRACAUER, Siegfried. From Caligari to Hitler – A psychological History os the German


Film. Princeton: University Press, 2004.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990.

LEZO, Denise. O Lugar das Ideias no cinema: arquiteturas e cidades nos filmes
expressionistas alemães. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo –
SHCU. Vitória- ES. 2010.

MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.

MORETTIN, Eduardo Victorio. O Cinema como Fonte Histórica na obra de Marc Ferro.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 11-42, 2003.

OLIVEIRA, Lisbeth. Cinema e História. Comum. Inf, v. 5, n. ½, p. 131-137, jan/dez. 2002.

OLIVEIRA, Roberspierre de; COLOMBO, Angélica A. Cinema e Linguagem: as


transformações perceptivas e cognitivas. Paraná, Discursos Fotográficos. V. 10, n. 16, p. 13
– 34. Jan/jun 2014.

SÁ, Alexandre; BOECHAT, Fernando. Notas sobre Alphaville e Fahrenheit 451.


Revista Concinnitas, ano 17, v. 02, n. 29. Rio de Janeiro, 2017.

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06 a 08 de outubro de 2021
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O CINEMA COMO DOCUMENTO: A ARQUITETURA COMO UM VEÍCULO


DE ENTENDIMENTO DE UMA SOCIEDADE NA OBRA FÍLMICA DE
FICÇÃO.

Alexandre Albuquerque (alexandre_carlos_@hotmail.com)

Esse trabalho busca analisar o papel do cinema como documento e fonte


histórica, além de sua relação com a arquitetura e urbanismo na compreensão
da sociedade e do tempo em que uma obra cinematográfica se insere, por
meio do entendimento acerca das ideias de documento por Jacques Le Goff,
Marc Ferro, dentre outros autores. Isso pode ser feito, em específico,
analisando-se aqui o cinema de ficção, através do estudo de algumas obras do
século XX, relacionando os mundos ficcionais criados com o contexto social no
qual as obras estão inseridas na história, como através da construção de
cidade da "Metropolis" de Fritz Lang (1927) e da "Alphaville" de Jean Luc
Godard (1968), até chegar em uma obra contemporânea, o filme espanhol do
ano de 2019, denominado “O Poço”, para a demonstração prática dos pontos
teóricos levantados em pesquisa, e sua relação com a história da sociedade do
início do século XXI. Além disso, pode-se analisar como os filmes em questão
utilizam dos espaços cenográficos, das edificações em si e das cidades, como
um dos principais meios para aludir ao mundo tangível de forma imaginativa. A
partir disso, pôde-se perceber que o audiovisual pode ser considerado de suma
importância para a história, já que se configura como uma produção humana
que retrata os ideais sociais de uma época, não apenas vindos de autoridades
ou pessoas que detém o poder em uma cidade, mas da própria população,
podendo se levantar de forma crítica e descritiva, mesmo que sendo trabalhada
de forma imaginativa e ficcional.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL EM SÃO GABRIEL-


RS: PROPOSTA DE PROJETO INTERPRETATIVO PARA O CENTRO
HISTÓRICO

Alícia Antunes Rodrigues (aliciaarodrigues@outlook.com)

Francisco Queruz (francisco@ufn.edu.br)

Apesar da discussão sobre os métodos de preservação patrimonial


remontarem ao menos do período do Renascimento, ela começou a ser
discutida com mais seriedade apenas no século XX. Ainda assim, existem
muitas dificuldades para preservação patrimonial, principalmente no Brasil, e
quando se trata de cidades de pequeno porte, este assunto é ainda mais
delicado. Os testemunhos remanescentes dessas realidades locais, diversas,
são igualmente dignas de reconhecimento, pelas mais diversas razões. A
preservação de bens edificados ou sítios urbanos não deve ser associada
exclusivamente a sua concepção formal, mas sim a importância que aquele
determinado bem tem no contexto em que foi inserido. A partir de bibliografias
acerca do assunto, e buscando dar maior ênfase a questão do patrimônio nas
cidades interioranas, percebeu-se o potencial de preservação patrimonial da
cidade de São Gabriel, localizada na região da fronteira oeste do Rio Grande
do Sul. A cidade, de cerca de 60.425 habitantes, foi palco de inúmeras batalhas
entre espanhóis e portugueses, devido às disputas territoriais do século XIX, e
por sua baixa taxa de crescimento, mantém boa parte de seu patrimônio
edificado no centro da cidade, onde é possível reconhecer os extratos de sua
história. O centro histórico de São Gabriel foi então escolhido como objeto de
estudo durante o Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Franciscana, pois apesar de observar-se o potencial do centro
histórico enquanto agrupamento de testemunhos com valor, percebe-se a
também a não-valorização da mesma pela população local, e ainda como
potencial desenvolvimento turístico na região. O objetivo principal deste
trabalho, então, é o resgate da importância do patrimônio cultural edificado da
cidade, e a partir daí a propagação e perpetuação da identidade local, servindo
como referência para a valorização patrimonial da região e do estado. A
metodologia da pesquisa, de caráter exploratório e qualitativo, iniciou-se a
partir da retomada de bibliografias locais a respeito da cidade e da temática do
patrimônio como um todo, com a finalidade de criar embasamento teórico para
as etapas subsequentes, além dos estudos de referência. Paralelo a isso,
realizou-se também um levantamento histórico e fotográfico da área, além de
uma revisão do atual inventário do patrimônio municipal. As análises
comparativas realizadas demonstraram as suas transformações ao longo do
tempo. A partir dos resultados e conclusões acerca dos estudos exploratórios,
chegou-se ao projeto interpretativo com rotas diversas como produto final, que
terá função primordial na educação patrimonial na cidade, tanto para a
população quanto para os visitantes, além de contribuir para a difusão e
fortalecimento da identidade e história local, dando assim, visibilidade e força
para a questão patrimonial na região e estado.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

MNEMOTÉCNICA DIANTE DA DESORDEM: ARQUITETURAS DA


MEMÓRIA EM WALTER BENJAMIN E ABY WARBURG

João Vitor De Paula Araújo (jvp.araujo@hotmail.com)

Enquanto instrumento do ensinar [docere + mentum] - em especial do ensino


histórico -, propomos uma provocação teórica em torno do conceito ocidental
de documento. Enquanto tal instrumento de ensino, exploraremos o conceito
sob o ângulo da milenar arte da memória - da qual valeram-se Quintiliano e
Simônides até Giordano Bruno e Giulio Camillo – investigada em detalhe pela
historiadora Frances Yates. Conforme Yates, a arte da memória configura-se
dentre outras coisas enquanto uma “arte de impressão de lugares e de
imagens na memória”, a qual mobiliza a “arquitetura da época para elaborar
seus lugares de memória e, para suas imagens, o repertório figurativo da
mesma época”.

Assim sendo e atentando-nos mais à dimensão topológica da mnemotécnica,


somos interpelados pelo problema da determinação histórica das múltiplas
expressões da arte da memória no que concerne aos seus lugares da
memória, ou mais particularmente, interrogamos pelo significado de uma
mnemotécnica aderente ao nosso presente arquitetônico. Neste sentido, nossa
investigação interroga sobre o caráter particular de uma mnemotécnica
enquanto arte de ensino histórico na atualidade, dado que tal teria de
posicionar-se diante da desordem do mundo e seus espaços – evidenciada
após a primeira guerra -, bem como sua topologia teria de operar segundo a
mesma desordem.

Seguindo a senda aberta pelo historiador da arte Georges Didi-Huberman,


propomos esboçar dois horizontes positivos de resposta da mnemotécnica esta
desordem, formulados em contexto alemão na primeira metade do século XX:
por um lado, no projeto da Warburg Bibliothek e no Atlas Mnemosyne de Aby
Warburg; por outro na construção histórica e seu ordenamento constelacional e
fragmentário realizada por Walter Benjamin em seus estudos da topografia
antropológica da Paris do auge do capitalismo.

Por fim, destes dois pontos de partida traçaremos alguns aspectos de uma
noção de documento enquanto instrumento mnemotécnico do ensino histórico
ante a desordem moderna, o qual seria estruturado segundo uma lógica de
lugares figurados arquitetonicamente, e, portanto, conforme ao objeto da
própria documentação da arquitetura.
EIXO TEMÁTICO 4

RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL EM SÃO


GABRIEL-RS: Proposta de Projeto Interpretativo para o Centro
Histórico

RODRIGUES, ALÍCIA A. (1); QUERUZ, FRANCISCO (2)

1. Universidade Franciscana. Acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo


aliciaarodrigues@outlook.com

2. Universidade Franciscana. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo


francisco@ufn.edu.br

RESUMO
Apesar da discussão sobre os métodos de preservação patrimonial remontarem ao menos do período
do Renascimento, ela começou a ser discutida com mais seriedade apenas no século XX. Ainda
assim, existem muitas dificuldades para preservação patrimonial, principalmente no Brasil, e quando
se trata de cidades de pequeno porte, este assunto é ainda mais delicado. Os testemunhos
remanescentes dessas realidades locais, diversas, são igualmente dignas de reconhecimento, pelas
mais diversas razões. A preservação de bens edificados ou sítios urbanos não deve ser associada
exclusivamente a sua concepção formal, mas sim a importância que aquele determinado bem tem no
contexto em que foi inserido. A partir de bibliografias acerca do assunto, e buscando dar maior ênfase
a questão do patrimônio nas cidades interioranas, percebeu-se o potencial de preservação
patrimonial da cidade de São Gabriel, localizada na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. A
cidade, de cerca de 60.425 habitantes, foi palco de inúmeras batalhas entre espanhóis e
portugueses, devido às disputas territoriais do século XIX, e por sua baixa taxa de crescimento,
mantém boa parte de seu patrimônio edificado no centro da cidade, onde é possível reconhecer os
extratos de sua história. O centro histórico de São Gabriel foi então escolhido como objeto de estudo
durante o Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana,
pois apesar de observar-se o potencial do centro histórico enquanto agrupamento de testemunhos
com valor, percebe-se a também a não-valorização da mesma pela população local, e ainda como
potencial desenvolvimento turístico na região. O objetivo principal deste trabalho, então, é o resgate
da importância do patrimônio cultural edificado da cidade, e a partir daí a propagação e perpetuação
da identidade local, servindo como referência para a valorização patrimonial da região e do estado. A
metodologia da pesquisa, de caráter exploratório e qualitativo, iniciou-se a partir da retomada de
bibliografias locais a respeito da cidade e da temática do patrimônio como um todo, com a finalidade
de criar embasamento teórico para as etapas subsequentes, além dos estudos de referência. Paralelo
a isso, realizou-se também um levantamento histórico e fotográfico da área, além de uma revisão do
atual inventário do patrimônio municipal. As análises comparativas realizadas demonstraram as suas
transformações ao longo do tempo. A partir dos resultados e conclusões acerca dos estudos
exploratórios, chegou-se ao projeto interpretativo com rotas diversas como produto final, que terá
função primordial na educação patrimonial na cidade, tanto para a população quanto para os
visitantes, além de contribuir para a difusão e fortalecimento da identidade e história local, dando
assim, visibilidade e força para a questão patrimonial na região e estado.

Palavras-chave: Patrimônio; Preservação; Projeto Interpretativo; São Gabriel.

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1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo apresentar a pesquisa realizada durante o
Trabalho Final de Graduação I do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Franciscana, bem como o desenvolvimento da proposta projetual até o presente momento
para o Trabalho Final de Graduação II, da mesma instituição. Através da temática
patrimonial, optou-se por trabalhar com a cidade de São Gabriel, no estado do Rio Grande
do Sul, visto que a mesma apresenta uma ampla concentração de bens edificados em seu
centro, porém sem a devida valorização histórico-cultural pela população local e tampouco
desenvolvimento turístico na região. A partir do potencial observado no centro histórico do
município, e também dos estudos de legislações vigentes e do histórico local, chegou-se ao
projeto interpretativo como produto final para o trabalho de graduação, com o intuito de
resgatar a história do município e difundi-la para a população local, com enfoque na
população em idade escolar, e a partir daí nutrir a afetividade pelo espaço urbano, gerando
apropriação do local e consequentemente, o sentimento de pertencimento e identidade.
Logo, foram traçados objetivos (geral e específicos) para a realização da pesquisa, bem
como a definição da metodologia a ser utilizada para coleta, seleção e organização do
material teórico e prático durante o desenvolvimento do projeto. A partir do potencial
observado no centro histórico do município, definiu-se objetivos gerais e específicos para a
pesquisa, e também a metodologia a ser utilizada para coleta, seleção e organização do
material teórico e prático durante o desenvolvimento do projeto. Ao final, apresenta-se os
resultados parciais do projeto interpretativo, cuja previsão para finalização data de dezembro
de 2021.

2. APRESENTAÇÃO DO LUGAR E JUSTIFICATIVA DO TEMA


São Gabriel é uma cidade situada na região da fronteira oeste do estado do Rio
Grande do Sul, com cerca de 60.425 habitantes (IBGE, 2010), e economia baseada na
agricultura, pecuária e setor terciário (PMSG, 2021). Por sua localização privilegiada, o
município foi palco de disputas territoriais entre espanhóis e portugueses antes mesmo de
sua fundação, em 1800. De lá para cá, destacou-se na história do estado durante a
Revolução Farroupilha, Guerra do Paraguai, e também nas Revoluções de 1923, 1926,
1930 e 1932. É amplamente conhecida por ser berço de diversas figuras importantes na
história do país, como o ex-presidente Hermes da Fonseca e o comandante das tropas
brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial Marechal Mascarenhas de Moraes, entre
outros (FIGUEIREDO, 1993). Carrega os títulos “Terra dos Marechais”, “Princesa das
Coxilhas”, “Atenas Riograndense” e “Último Reduto dos Carreteiros” reforçando sua

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importância histórico-cultural na região e no estado. A cidade, desde seus primórdios, possui
crescimento tímido, porém constante, e por sua vasta extensão territorial e baixa taxa de
crescimento populacional não se percebe inclinação à verticalização urbana, mantendo
assim boa parte de sua história edificada desde 1817, ano em que foi implantada em sua
atual localização.

Algumas dessas edificações permanecem bem conservadas, mas de modo geral,


observa-se que não há a devida valorização desses bens, tanto pela população local quanto
por seus visitantes. Observa-se também uma forte tendência comercial da área, o que
coloca em risco de intervenções indevidas e até mesmo de demolição as edificações
existentes, bem como o encobrimento de sua arquitetura através da sinalética comercial. De
acordo com a pesquisa realizada por Celso Soares Alves (2017), a própria população
considera que não há um reconhecimento adequado ao patrimônio histórico e cultural do
município e alegam não ter conhecimento de políticas públicas municipais em prol da
preservação do mesmo. Nesta mesma pesquisa, os professores das redes municipais e
estaduais alegam que não há desenvolvimento pleno de atividades de educação patrimonial
nas escolas onde lecionam, apesar de palestras e visitas a museus e locais históricos que
ocorrem esporadicamente. Em uma passagem pela cidade, Alexandra Aranovich (2016)
lamentou as poucas opções turísticas, mas observou o rico conjunto arquitetônico do centro
da cidade:

São Gabriel nos encantou pelo fato de ser, entre todas as cidades que
visitamos na viagem da Rota Farroupilha, a que possui as casas históricas
mais bem preservadas [...]. O centro merece um olhar do visitante e serve
de exemplo a todas as outras cidades que não preservam como deveriam o
seu patrimônio, a sua história. (ARANOVIICH, 2016).

Por ser uma cidade pequena, possuir uma baixa taxa de crescimento e este se dar
de forma horizontal, a cidade tem grande potencial para manter sua história edificada viva
por muito mais tempo. Apesar de estar localizada no interior, São Gabriel se mostra
merecedora de reconhecimento histórico e cultural por sua notável presença ao longo da
história do estado e do país. A Declaração de Tlaxcala (1982) reforça a importância de
conservar as pequenas aglomerações como testemunho das culturas existentes, com o
envolvimento dos poderes Estadual e Municipal, e principalmente, da comunidade. Valorizar
a história, patrimônio e legado de um lugar significa valorizar o seu povo, que ao apropriar-
se de suas origens, perpetua sua história.

Compreender a importância do patrimônio cultural brasileiro é


entender a necessidade de preservar as diferentes culturas e
identidades dos diversos grupos formadores do país, grupos que

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construíram e vivenciaram as cidades e paisagens brasileiras. Isso,
não apenas com um olhar saudosista ou nostálgico, mas visando
salvaguardar o patrimônio cultural para as novas gerações que irão
contribuir na conformação das cidades brasileiras no futuro. Os
valores imateriais do passado, transformados pelo tempo, estão
simbolizados nos edifícios, nas paisagens nas áreas urbanas e
rurais, nos ritos, nas festividades, nas tradições culturais, todas elas
que, juntas, conformam nosso imaginário, nossas lembranças,
nossas identidades culturais. (PAVAN, 2019, p. 10)

Com base nas análises iniciais apresentadas, percebeu-se a necessidade de


resgatar a importância do patrimônio cultural edificado, bem como a identidade da cidade e
memória afetiva da população. Portanto, optou-se por trabalhar com o Centro Histórico de
São Gabriel, área localizada no distrito sede do município, reconhecida pelo Plano Diretor
de Desenvolvimento Territorial Urbano e Ambiental (PDDTUA) como zona de interesse
histórico. Mesmo com as diretrizes de planejamento e preservação para a área já existentes
(PDDTUA em vigor desde 2008), observa-se a necessidade de um olhar mais cuidadoso
quanto a aplicação e cumprimento das mesmas, para que a região não seja
descaracterizada. Assim, tendo como ponto de partida as diretrizes de preservação e
planejamento presentes no PDDTUA relacionadas ao centro histórico, bem como o
inventário de bens edificados vistos como Patrimônio Cultural pelo município, a elaboração
de um Projeto Interpretativo do Centro Histórico de São Gabriel terá função primordial na
educação patrimonial na cidade, tanto para a população quanto para os visitantes, além de
contribuir para a difusão e fortalecimento da identidade e história gabrielense.

3. ÁREA DE INTERVENÇÃO E CONDICIONANTES LEGAIS

O sítio escolhido para ser objeto de pesquisa e intervenção foi o Centro Histórico da
cidade de São Gabriel, área definida pelo PDDTUA no ano de 2008. Foi neste local que a
terceira povoação de São Gabriel se fixou em 1817 e a partir de então, começou a se
estruturar e se desenvolver (figura 1). Observa-se que na área em destaque na cidade, a
malha urbana é bem mais rígida em relação a outras regiões da cidade, herança da
colonização espanhola no século XIX. Além da malha urbana, outros elementos
característicos dos assentamentos urbanos do século XIX aparecem nesta área, como a
praça central com edifícios importantes no seu entorno, localizada mais a leste, próxima às
margens do rio Vacacaí, que abastece a cidade. Outro elemento importante é a antiga
Estação Ferroviária, localizada a oeste, um pouco afastada do centro e próxima aos antigos
engenhos da cidade, hoje desativados, limitantes da zona do centro histórico.

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Rio Grande do Sul

Área Urbana de São Gabriel

Centro Histórico de São


Município de São Gabriel
Gabriel

Figura 1: Mosaico com mapas indicando a localização da cidade de São Gabriel e área de
intervenção em escala estadual e municipal. Fonte: PDDTUA São Gabriel, 2008; Google Earth, 2019;
modificado pela autora.

Em 2008, com a atualização do PDDTUA, foi definido também o atual perímetro do


Centro Histórico, assim como a elaboração da lista de bens edificados do patrimônio cultural
do município. Em 2018 houve uma nova atualização do inventário de bens do patrimônio
cultural, com a elaboração de fichas catalogadas de acordo com o padrão exigido pelo
IPHAE. Com isso, abrangeu-se um número maior de edificações, tanto da área urbana
quanto da área rural, assim como os bens imateriais do município (as procissões). A maioria
dos bens da área estão no Inventário do Patrimônio Cultural de São Gabriel de 2018, que
tem como objetivo reconhecer a importância e incentivar a preservação dos prédios
históricos, mas de maneira mais flexível que o tombamento. Este último, por sua vez, exige
que a edificação tombada mantenha seu uso original ou assuma uso institucional, com
restrições mais rígidas quanto a modificações volumétricas ou internas. As edificações do
perímetro, antes majoritariamente residencial, agora apresentam também caráter comercial,
com forte tendência de inversão de usos.

Atentar-se a mudança de uso dos bens edificados se faz relevante para que neste
processo não se perca a história da edificação e nem suas características arquitetônicas,
principalmente no que diz respeito a fachada, que sem orientação ou conhecimento prévio
do proprietário, pode sofrer intervenções indevidas (seja pela descaracterização da
arquitetura, seja pela sinalética comercial) ou até mesmo apresentarem risco de demolição.
A arquitetura dos prédios da cidade também se destaca, com edifícios datados entre o final
do século XIX e início do século XX, com ornamentações principalmente do estilo eclético. A
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maioria majoritária dessas edificações são casas térreas com porão elevado, platibanda,
alinhamento do lote junto a calçada, e a simetria nos elementos e na construção da fachada
chamam a atenção (figura 2). As instituições mais antigas da cidade também se apresentam
dignas de tal reconhecimento, onde sua arquitetura reflete a sua importância para a cidade
na época.

Figura 2: Mosaico com exemplares da arquitetura do centro histórico de São Gabriel. Fonte:
acervo da autora, 2021.

Quanto aos condicionantes legais que interferem diretamente no projeto para a área
em questão, pode-se considerar o PDDTUA de São Gabriel como principal norteador das
ações para a cidade, visto que suas diretrizes foram elaboradas em escala local, visando a
preservação de seus próprios bens. O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) e IPHAE, como órgãos que trabalham diretamente com a questão patrimonial no
país, também apresentam grande relevância para a elaboração do projeto. Observa-se na
legislação municipal a existência de diretrizes para a conservação dos bens edificados da
cidade, centro histórico e sítios rurais, porém, percebe-se que, na prática, deixa a desejar
quanto a aplicação. Por muitas vezes o desenvolvimento e progresso estar associado a uma
ideia contrária a preservação patrimonial, alguns exemplares centenários foram demolidos
sem apresentar risco de desabamento à sociedade. Outro ponto a ser considerado é quanto
ao turismo na cidade, que limita-se apenas a pontos turísticos, não considerando o centro
histórico enquanto área urbana como tal. Quanto a aspectos positivos, é importante
destacar certa rigidez quanto ao potencial construtivo no sítio em questão: na área de
ambiência das edificações que compõem o sítio, a legislação mantém um baixo limite para
índice de aproveitamento, mas com a possibilidade de transferência de potencial construtivo
para outros bairros da cidade, protegendo assim o perímetro de descaracterização
volumétrica em escala urbana, afastando das áreas centrais a possibilidade de edifícios
altos que possam barrar a insolação em edificações de interesse patrimonial de baixa altura.

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4. SÃO GABRIEL: HISTÓRICO E EVOLUÇÃO URBANA

A história de São Gabriel tem início no ano de 1800, quando a mando da Coroa
Espanhola, o engenheiro Dom Felix de Azara é enviado ao sul do território hispano-
americano, com o objetivo de fortalecer a fronteira contra os portugueses. Em 2 de
novembro de 1800, foi fundada oficialmente a primeira povoação, intitulada Vila de Batovi,
data em que foi realizada a primeira missa na capela dedicada ao arcanjo Gabriel, santo de
devoção do Vice-Rei espanhol Avilés. Porém, em 29 de julho de 1801, o povoado, sabendo
que as tropas portuguesas aproximavam-se, evacuou a área, que logo foi incendiada pelos
portugueses (FIGUEIREDO, 1993).

Antes que este fato se consumasse, o capitão Xarão, temente a Deus,


cristão e de fé, retirou da capela a imagem do Arcanjo Gabriel,
acomodando-a em um rico nicho, [...], e a conduziu numa carreta para sua
estância de São Rafael, no atual município de São Sepé. (FIGUEIREDO,
2006, p. 86-87).

Abrigaram-se a noroeste da antiga localidade, onde fundaram a segunda povoação,


dessa vez com o nome do arcanjo, São Gabriel, agora padroeiro do vilarejo, e dessa vez em
território português. Nos anos seguintes, a cidade prosperou tranquilamente, visto que agora
encontravam-se em uma faixa neutra de disputas territoriais. Em 1817, com a escassez de
recursos hídricos na região e o constante desenvolvimento da vila, mudaram-se para a
localização atual, à margem esquerda do rio Vacacaí, acomodando-se nas então
desapropriadas sesmarias de Antônio Trilha. De acordo com Figueiredo (1993), a terceira
povoação foi construindo-se em torno da praça central, tendo como primeira edificação a
Igreja do Galo, primeira igreja da cidade construída em 1817, o que permitiu a vila ser
elevada a Capela Curada. A Igreja do Galo, assim conhecida por conta do galo de bronze
presente em sua cúpula até 1985 (FIGUEIREDO, 1991), permanece em pé até os dias de
hoje, sendo uma das edificações do município tombadas pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) em 1994, abrigando desde julho de 2011 o Museu
Nossa Senhora do Rosário Bonfim. Em fevereiro de 1846, logo após o fim da Revolução
Farroupilha, a cidade recebeu a visita do então imperador Dom Pedro II, que ficou
encantado com a beleza natural da região e com os costumes e modo de vida dos
gabrielenses. Neste mesmo ano, a freguesia foi elevada à categoria de Vila, e enfim
emancipada em 4 de abril, data em que se comemora o aniversário do município. O
historiador Osório Santana Figueiredo cita que, além da elevação da freguesia, a fixação de
uma Unidade Militar e o apreço do então Barão de Caxias por São Gabriel foram essenciais
para sua emancipação:

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O imperador Dom Pedro II, chegando ao Rio Grande do Sul, manifestou
desde logo o desejo de conhecer o seu interior, a fim de tomar contato com
o que de mais autêntico houvesse na sua gente e no seu meio físico. Foi
ainda, o Barão de Caxias, governador da província, que indicou São Gabriel
para sua visita imperial, como prova de grande simpatia que nutria pelo seu
povo e sua terra; e por ser um dos pontos de maior evolução social da
época. (FIGUEIREDO, 1993, p. 98).

Em 1859, São Gabriel foi elevada à categoria de cidade. Com a paz estabelecida na
fronteira nos anos que se seguiram, São Gabriel pôde prosperar e consolidar-se enquanto
tecido urbano (figura 3). Em 1862 foi inaugurada a Santa Casa de Caridade, seguida do
Cemitério Municipal em 1898. As unidades militares das três armas também se
desenvolveram, assim como o Hospital Militar e o Quartel General. A presença de oficiais na
cidade contribuiu para o desenvolvimento cultural e intelectual da população, e também das
casas comerciais, que buscavam oferecer os melhores produtos às famílias militares
(Figueiredo, 1977). Não à toa São Gabriel carrega consigo o título de Terra dos Marechais:
a cidade foi berço de muitos nomes ilustres, cujas residências encontram-se em pé até hoje.
Também neste período era chamada de Atenas Riograndense, por conta da efervescência
cultural do final do século XIX (Rieth, 2007).

Figura 3: Mapas
com evolução
urbana de São
Gabriel. Fonte:
PDDTUA São
Gabriel, 2008.

No início do século XX, ocorreram diversas revoluções em que a cidade participou


ativamente através de suas unidades militares. No século XIX, antes mesmo de sua
emancipação, a freguesia chegou a ser capital do estado em 1841, durante a Revolução
Farroupilha. Nas Revoltas de Contestado (1912) e Canudos (1896), enviou tropas para
combate fora do estado. Figueiredo (1977) menciona ainda furos de bala na antiga ponte
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seca da cidade, onde passavam os trilhos do trem, a aproximadamente 280 metros da
Estação Férrea, resultantes da Revolta de 1926. Na Revolução de 1930, as tropas
gabrielenses lutaram na cidade de Rio Grande, e em 1932, em São Paulo, na Revolução
Constitucionalista.

A chegada da ferrovia em São Gabriel também foi um acontecimento importante.


Diversas conexões começaram a ser feitas a partir de 1884, e em 1900 a cidade já estava
integrada a estrada de ferro do Rio Grande do Sul. A Estação Férrea serviu como vetor de
crescimento em direção a oeste, fazendo com que, em alguns anos, a estação já estivesse
integrada ao tecido urbano. Figueiredo (1993) relata que em 1977 já estavam acontecendo
obras para o desvio dos trilhos:

No ano de 1977, foram ultimados os trabalhos da reforma que sofreu o


traçado ferroviário Cacequi-São Gabriel-Bagé. [...] A retificação da antiga
ferrovia foi um golpe fatal para alguns tradicionais povoados do nosso
município. Tiaraju, Santa Brígida e Suspiro perderam suas estações, que ali
foram seu principal meio de transporte, de comunicações e ponto de
sociabilidade diária. (FIGUEIREDO, 1993, p. 125).

A estação então, localizada à margem oeste do centro histórico, foi desativada, e


uma nova foi construída, mais afastada ainda da cidade (hoje desativada). A antiga estação
abriga o Museu Gaúcho da FEB (Força Expedicionária Brasileira) até os dias atuais; a
construção ao lado, que funcionava antes como depósito da estação, serve de espaço para
pequenos produtores venderem seus produtos.

5. PROJETO INTERPRETATIVO COMO MEIO DE VALORIZAÇÃO


PATRIMONIAL EM ESCALA URBANA

Ao longo dos anos, o entendimento de patrimônio passou a ser mais abrangente. No


que diz respeito a cidade e a arquitetura, pode-se dizer que, se antes era considerado
patrimônio apenas edificações pontuais, hoje entende-se que até mesmo eventos e
costumes tradicionais de um lugar são considerados bens imateriais de uma determinada
sociedade. Quando tratamos de tecidos urbanos, pensa-se logo em planos urbanísticos
europeus, porém é importante ressaltar que, para ser considerado patrimônio não é
necessário ser reconhecido mundialmente, mas sim, ser testemunho da história de um povo.
Quando trata-se se cidades pequenas, esses assentamentos não são reconhecidos pela
população de modo geral como elemento passível de preservação, pois de modo geral, há
uma certa carência na educação patrimonial no Brasil, principalmente em cidades
interioranas.

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É importante percebermos que, para identificarmos os aspectos e valores
culturais que contribuem para a nossa identidade cultural coletiva brasileira,
temos que compreender primeiro a nossa relação com os valores culturais
que nos cercam diariamente: nossas casas, nossas ruas, nossos bairros,
nossas cidades. Uma pessoa, antes de se auto reconhecer como brasileira,
terá uma relação direta e diária com o local em que vive, e os aspectos
materiais e imateriais existentes nesse determinado local irão influenciar
diretamente no seu sentimento, ou não, de pertencimento. Ao
compreendermos nossa relação identitária com o espaço que nos cerca, a
partir daí, talvez, conseguiremos assimilar nossa relação com os aspectos e
valores culturais identitários do Brasil como um todo. (PAVAN, 2019, p. 13)

Optar pela elaboração de um projeto interpretativo se faz pertinente, considerando a


escala de trabalho e a riqueza presente na história de São Gabriel. O projeto interpretativo
enquanto instrumento de valorização de centros urbanos mostra-se bastante flexível desde
a etapa de planejamento até o seu uso. Por considerar as características locais, é
impossível replicá-lo em outros lugares, e sendo assim, assume a identidade do local de sua
implantação. Quanto ao uso, este pode ser feito de maneira independente pelo usuário,
apenas através de elementos físicos, como totens ou folders, incentivando o turista a
explorar a região. Ou ainda guiado, alimentando o setor turístico da cidade e fortalecendo a
experiência do visitante com o patrimônio cultural local.

A tradição da interpretação do patrimônio natural e cultural sinaliza


justamente o valor único de um determinado ambiente, buscando
estabelecer uma comunicação com o visitante, ampliando seu
conhecimento. Em outras palavras, visa estimular suas várias formas de
olhar e apreender o que é estranho. Como a experiência turística é
fortemente visual, o olhar do visitante procura encontrar a singularidade do
lugar, seus símbolos e significados mais marcantes. Os ambientes,
sobretudo as cidades, devem ser vistos como um enigma a ser desvendado
pela exploração, como um texto a ser interpretado pelo explorador.
(MURTA; ALBANO, 2002, pg.9)

Através do projeto interpretativo para o Centro Histórico de São Gabriel, pretende-se


contribuir para a educação patrimonial do município, instigando a população a apropriar-se
de seu legado e ser meio de propagação do mesmo, contribuindo assim para a perpetuação
da identidade gabrielense. O projeto interpretativo visa atrair o olhar do visitante à cidade,
descobrindo a essência do local onde se encontra: sua história, seus lugares, seu povo e
costumes, entre outros. No caso de São Gabriel, a elaboração dos roteiros foi pensada sob
diversas perspectivas: a Terra dos Marechais terá um roteiro voltado apenas ao
conhecimento dos mesmos, de suas residências e importância no município e fora dele, por
exemplo. Uma outra perspectiva a ser explorada pelas rotas é a cultural, através dos clubes
e teatros ainda existentes na área. Por fim, mas não menos importante, a antiga estação
ferroviária deve ser incluída nestes roteiros, pois sua implantação na cidade, em 1900,
fomentou o crescimento da malha urbana em sua direção, bem como o desenvolvimento
municipal. Os roteiros podem ser feitos pelo próprio turista, de maneira independente, ou
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ainda com passeios guiados, como pelas instituições da cidade, com visitas internas e maior
aprofundamento na história do local. Pensar em visitas guiadas incentiva o crescimento do
turismo na cidade, além de geração de empregos e renda na região.

6. O PROJETO: DEFINIÇÃO DE TEMÁTICAS E


DESENVOLVIMENTO DE ROTAS

A partir do material coletado durante a etapa de pesquisa e após a análise dos bens
edificados na cidade definiu-se cinco temáticas para os roteiros do projeto interpretativo:
Rota Histórica, Rota Militar, Rota Cultural, Rota dos Casarões e Rota da Memória. Cada rota
conta a história da cidade por diferentes pontos de vista, e o turista pode escolher qual lhe
interessa mais. A praça Dr. Fernando Abbott, local de implantação e início do
desenvolvimento da cidade, foi escolhida para ser o ponto em comum entre as rotas, sendo
ponto de partida, chegada e também de informações turísticas.

A Rota Histórica pretende abordar de forma geral a história do município, desde sua
implantação em 1817 até a desativação da ferrovia em 1976, destacando através do centro
os elementos históricos e culturais que caracterizam a cidade de São Gabriel. Por sua
história estar intrínseca ao militarismo, a Rota Militar apresenta através dos quartéis e
residências dos antigos militares e marechais, os vultos ilustres que outrora levaram o nome
da cidade para outros cantos do país.

Durante o final do século XIX e início do século XX, São Gabriel era chamada de
Atenas Riograndense por conta da efervescência cultural que estava acontecendo na
época, sendo os clubes, teatros e escolas construídos neste período provas de tal
preocupação. Por possuir vários desses espaços edificados atualmente, percebeu-se a
importância que a Rota Cultural teria em demonstrar os espaços de convívio da época. Além
das edificações, os museus e edificações abertas ao público podem complementar a
experiência através dos acervos iconográficos mantidos por esses espaços.

A Rota dos Casarões visa destacar a arquitetura presente na cidade, datada entre os
séculos XIX e XX. Os exemplares apresentam majoritariamente estilo eclético, com casas
térreas com porão elevado, telhado escondido com platibanda, alinhamento do lote junto a
calçada, simetria nos ornamentos e elementos de construção, entre outros. Pretende -se
através das edificações apresentar o contexto histórico em que foram construídas e seus
proprietários, figuras importantes para a formação de São Gabriel.

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Por fim, mas não menos importante, criou-se a Rota da Memória, com o intuito de
recordar de edificações que foram importantes para o crescimento da cidade, ou ainda,
relevantes no contexto da época, mas que acabaram sendo demolidas e viraram apenas
lembranças no imaginário social. Portanto, a Rota da Memória pretende resgatar as
memórias de uma São Gabriel antiga ao passo que conscientiza o visitante da importância
da valorização coletiva dos bens patrimoniais de um determinado local.

Preservar casarões e prédios antigos significa ter como contar um pouco de


nossa história, a origem de nossa cidade. Estas construções são partes de
nossa identidade social e histórica. Cada prédio que tomba, é um pouco
mais da nossa história que se vai. (RIETH, 2007, p. 43)

As rotas (figura 4) encontram-se em processo de desenvolvimento, com previsão de


finalização para dezembro de 2021. Junto com a definição das rotas, percursos e as
edificações que comporão cada uma, será entregue também um material gráfico (folders)
sobre o projeto, visando a utilização do mesmo pelo turista, assim como a graficação do
projeto de sinalização urbana (totens) para reconhecimento do projeto pela população e
visitantes. Tanto os folders quanto a sinalética estão em etapa de desenvolvimento.

Rota Histórica
Rota Cultural
Rota dos Casarões

Figura 4: Percurso das rotas Histórica, Cultural e dos Casarões para o Projeto Interpretativo do
Centro Histórico de São Gabriel. Etapa em andamento. Fonte: Google Earth, 2019; modificado pela
autora.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da finalização dos estudos referentes ao material apresentado anteriormente,


pode-se concluir que a cidade de São Gabriel possui pleno potencial para promoção da
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preservação e valorização de seu patrimônio cultural, que mesmo após 204 anos de sua
implantação mantém a essência de sua história edificada ao longo de suas ruas mais
antigas. O incentivo a preservação do sítio de forma mais ativa e comunitária ascende na
população gabrielense o sentimento de pertencimento, afetividade local e identidade
coletiva. É através do conhecimento e apropriação da própria história que um povo pode
criar mecanismos de desenvolvimento adequados às suas necessidades em diversas
esferas de atuação.

A proposta do projeto interpretativo para o local foi a alternativa adotada para a


valorização não só das edificações em si, da construção da história local como um todo. O
centro de São Gabriel, coração da cidade, é utilizado diariamente pela população, e esta, ao
estar imersa em um contexto do qual tem conhecimento, acaba desconstruindo conceitos
superficiais e ao mesmo tempo resgatando e nutrindo a memória afetiva da população, pois
quando um povo conhece o seu passado tem tudo para se desenvolver e prosperar cada
vez mais.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Celso Soares. Leitura das Potencialidades Patrimoniais do Município de São
Gabriel – RS. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Gestão Ambiental)
– Universidade Federal do Pampa, São Gabriel, 2017. Acesso em: 29 mar. 2021.

ARANOVICH, Alexandra. São Gabriel – Os casarões preservados, x-coração e berga na


praça. Café Viagem, Porto Alegre, 31 ago. 2016. Disponível em:
https://www.cafeviagem.com/sao-gabriel-rota-farroupilha/. Acesso em: 03 abr. 2021.

FIGUEIREDO, Osório Santana. História de São Gabriel. 1. Ed. S.E., São Gabriel, 1993.

FIGUEIREDO, Osório Santana. História dos Apelidos Urbanos de São Gabriel. 1. Ed.
Editora Pallotti; Santa Maria, 1991.

FIGUEIREDO, Osório Santana. São Gabriel desde o Princípio. 1. Ed. S.E., São Gabriel,
1977.

GIESBRECHT, Ralph Mennucci. São Gabriel, Nova Estação. Estações Ferroviárias do


Brasil, 30 dez. 2020. Disponível em:
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rs_bage_riogrande/sgabriel-nova.htm. Acesso em:
14 abr. 2021.

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IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. São
Gabriel: IBGE, 2017. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/sao-
gabriel/panorama. Acesso em: 29 mar. 2021.

ICOMOS, Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Declaração de Tlaxcala,


IPHAN, México, outubro de 1982. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Declaracao%20de%20Tlaxcala%201982.
pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.

MURTA, Stela M.; ALBANO, Celina. Interpretar o patrimônio: em exercício do olhar. Belo
Horizonte: Ed. UFMG,Território Brasilis, 2002.

PAVAN, Juliana Silva. Patrimônio Cultural e Globalização: as problemáticas da


preservação do patrimônio cultural no século XXI. II Congresso Nacional para
Salvaguarda do Patrimônio Cultural, Cachoeira do Sul, Volume I, 11 a 14 nov. 2019.
Disponível em:
https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/221/2020/03/II_CNSPC_2019__Anais_Volume-1.pdf.
Acesso em: 04 abr. 2021.

PLÁ, Juliana de Oliveira. A representatividade do patrimônio arquitetônico histórico de


Jaguarão: uma perspectiva dos usuários e das políticas de patrimonialização.

PLÁ, Juliana de Oliveira. A representatividade do patrimônio arquitetônico histórico de


Jaguarão: uma perspectiva dos usuários e das políticas de patrimonialização. 2018. 255 f.
Dissertação (Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural) – Instituto de Ciências
Humanas, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2018.

PMSG. Conheça São Gabriel: Economia. Prefeitura Municipal de São Gabriel. Disponível
em: https://www.saogabriel.rs.gov.br/Portal/conheca/economia.html. Acesso em: 5 abr.
2021.

PMSG. Inventário de Patrimônio Cultural de São Gabriel – RS. Material não publicado.
S.E., São Gabriel, 2018.

SÃO GABRIEL. Lei complementar nº 002 de 2 de junho de 2008. Plano Diretor de


Desenvolvimento Urbano e Ambiental de São Gabriel. São Gabriel: Palácio Plácido de
Castro. Disponível em:
https://www.saogabriel.rs.gov.br/Portal/comunidade/planoDiretor.html. Acesso em: 25 mar.
2021

RIETH, Myrta Luiza Garcia Dias. Casaróes: História e Arquitetura de São Gabriel. 1. Ed.
São Gabriel, 2007.

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DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS

SOBRADOS COLONIAIS – O USO DO BIM NO LEVANTAMENTO DE


REMANESCENTES NO CENTRO DE VITÓRIA – ES – BRASIL

NEWLANDS, AKHIRIS (1); NEMER, LUCIANA (2)

1. UFF – PPGAU – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo e TAR – Departamento


de Arquitetura
Rua Conselheiro Ferraz nº 65 casa 2 Lins de Vasconcelos – Rio de Janeiro – RJ
akhirisn@id.uff.br

2. UFF – PPGAU – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo e TAR – Departamento


de Arquitetura
Rua José Bonifácio nº 36 São Domingos – Niterói – RJ
luciananemerdiniz@gmail.com

RESUMO
No século XVI e na Villa de Victoria no Espírito Santo – Brasil, ergueu-se representativo casario que,
até princípios do século XX, permanecia dando a cidade feição colonial portuguesa na sua arquitetura
e arruamento. No contexto de uma pesquisa que registra a evolução da habitação na vila no período
colonial e imperial, cuja região de estudo é prioritariamente, nos dias atuais, o Centro Histórico da
cidade, debruça-se no presente trabalho a um olhar específico à questão da permanência de antigas
estruturas arquitetônicas habitacionais. Na justificativa se destaca o fato da possibilidade da produção
de material analítico das habitações haja vista que, até o presente momento, foram mapeadas quatro
unidades que guardam características construtivas e fachadas originais, duas tombadas pelo estado
e duas pela união. Destas, optou-se pela modelagem em BIM da unidade que atualmente abriga a
sede do Iphan-ES (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A metodologia está baseada
em pesquisa às fontes secundárias, material já publicado (livros e artigos) dos quais destaca-se os
autores: Novaes, Oliveira, Pessotti e Ribeiro e Souza e Ribeiro e em complementação estão sendo
examinados todos os processos da Câmara Municipal. No arquivo do município e do Estado foram
realizadas pesquisas iconográficas e cartográficas que contribuíram para o levantamento histórico. A
investigação também foi elaborada a partir de fontes primárias (idas a campo) nas quais foi possível
levantar, através de imagens externas e internas, detalhes dos materiais de construção e do sistema
construtivo. O uso da tecnologia BIM como ferramenta para auxílio na reprodução dos projetos gerou
vantagens e desafios. Diferentemente de um modelador 3D convencional que possui como principal
objetivo a representação de uma maquete virtual, a plataforma BIM abriga um banco de dados
gerando um modelo computacional que, de forma colaborativa, integra diversos profissionais para a
elaboração de um projeto que contenha todas as informações necessárias. Através do uso do
Building Iformation Modelling concluiu-se que foi possível economizar tempo, recursos e otimizar
processos, questões essenciais para um projeto de habitação. A representação do projeto em 3D, de
forma que todos os elementos a serem construídos são computados no modelo, e a facilidade de
criação de representações 2D de cortes e fachadas precisos automaticamente, favorecem o
entendimento do projeto e permitem a redução de retrabalhos. De maneira geral o trabalho traz uma
reflexão profunda sobre o tema a partir da utilização de documentação dos arquivos públicos e
análises gráficas que interpretaram os fatores determinantes da arquitetura.

Palavras-chave: BIM, sobrados coloniais, projeto, Vitória-ES.

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1. Introdução
A análise, compreensão e representação da habitação na Villa da Victoria no período
colonial demanda entendimento dos fatos precedentes e propulsores da formação do
conjunto edificado. Esta história inicia no século XVI quando Vasco Fernandes Coutinho
chega ao Espírito Santo. Segundo Oliveira a 23 de maio de 1535 sua caravela aportou à
capitania, aproando em uns terrenos baixos, ao fundo de uma enseada, bem junto ao monte
Moreno, à esquerda da entrada da baía – que julgaram ser um rio (OLIVEIRA, 2008, p. 37).

Derenzi afirma que o desembarque se fez no continente, pelo lado sul da baía, no trecho
entre o Moreno e Piratininga, onde ordenou o donatário que cada um construísse uma
morada. Desses casebres se originaria a vila do Espírito Santo, que a tradição se habituou a
apelidar de Vila Velha (DERENZI, 1995, p. 15). De acordo com Souza apud Novaes, a vila
chamou-se Vila de Nossa Senhora da Vitória (NOVAES, 1968, p. 15).

Conforme Klug a vila antiga ficava na entrada da baía em uma área plana, sendo mais
vulnerável a ataques por embarcações piratas e índios, ao passo que, na Ilha de Santo
Antônio, o terreno com muitos cortes e afloramentos rochosos podia funcionar como pontos
estratégicos de defesa (KLUG, 2009, p. 17). Relata Novaes que Vasco Coutinho havia, ao
passar pela Bahia de Todos os Santos, convidado Duarte Lemos para acompanhá-lo no
desbravamento da capitania, este, em 1537 recebeu a recompensa pelo auxílio prestado, a
Ilha de Santo Antônio, mediante um alvará (NOVAES, 1968, p. 18). A transferência da
cabeça da capitania para Ilha de Santo Antônio, na margem oposta da baía, ocorreu em
função dos constantes ataques de indígenas, franceses e holandeses à cidade. Edinger
reafirma o fato informando que a ilha passou a ser conhecida como Ilha de Duarte Lemos e
este inicia logo as plantações e edificações na parte alta e mais abrigada da mesma.
(EDINGER, 2001, p. 118).

“A colonização do Espírito Santo seguiu a lógica da expansão portuguesa e implantou os


seus núcleos urbanos que eram planejados sob princípios da engenharia militar que
delineava seus primeiros passos adotando as inovações técnicas e científicas do
renascimento. ” (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 166).

Cita Pena apud Derenzi que a povoação foi fundada em 1550 (DERENZI, 1995, p. 31), no
entanto Daemon relata que a mudança se fez em 1551, a 08 de setembro, quando após
derrota dos indígenas, foi dado o nome de Vila de Nossa Senhora da Vitória ao povoado
(DAEMON, 1879). Segundo Novaes esta data se refere não a fundação e sim a
consagração da Vila Nova a Nossa Senhora da Vitória (NOVAES, 1968, p. 25).
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Durante a pesquisa em desenvolvimento foram elaborados mapas de Vitória do período
Colonial e Imperial utilizando o software CAD (Computer Aided Design) e verificou-se a
utilidade de recursos digitais para a interpretação de dados cartográficos. Na verdade, os
instrumentos de concepção projetual vêm sofrendo grandes transformações nas últimas
décadas, principalmente na atual ‘Era digital’ - também conhecida por ‘Era da informação’,
definida por Riegle (2007) apud Gómez (2015, p. 14) como o período atual. Com as
inovações tecnológicas o arquiteto vivenciou uma transição entre o uso de ferramentas
analógicas de desenho, como a prancheta com papel e caneta, para as pranchetas digitais –
as ferramentas CAD. Posteriormente, o modo de projetar no computador deixou de ser
meramente representativo e passou a incluir conceitos de construção virtual, através do BIM
(Building Information Modelling) e outras tecnologias de geração de formas e banco de
dados. Atualmente os conceitos BIM e a arquitetura paramétrica parecem ser imperativos
para a concepção de projetos em diversos países.

Essa tecnologia permite a interlocução de diversas informações pertinentes para um


desenvolvimento amplo e preciso do projeto, desde a criação do edifício e as possíveis
interferências das instalações complementares à arquitetura, até o manejo das futuras
intervenções necessárias para sua manutenção. Esse sistema permite um considerável
aumento da eficiência durante todas as fases projetuais e executivas, através de uma
metodologia colaborativa que possibilita o acompanhamento do ciclo de vida de um edifício
até o seu fim. A necessidade inerente de adequação às novas tecnologias na era da
informação pressiona o mercado a transacionar para métodos atualizados de produção
projetuais. Para Manuel Castells a economia eletrônica não pode funcionar sem
profissionais capazes de navegar nesse mar de informação, traduzindo-o em conhecimento
específico (CASTELLS, 2003, p. 77).

No contexto do uso de tecnologias em edificações históricas, o BIM tem sido avaliado como
ferramenta com potencial para previsão de futuras manutenções do edifício na gestão da
conservação do patrimônio histórico, assim como para suporte da documentação das
informações construtivas. A centralização dos dados em um único modelo digital facilitaria a
gestão das diversas informações técnicas presentes e ampliaria o acesso a esse tipo de
documentação. Para a conservação preventiva, a realização de um inventário é o começo
do processo de documentação. Além disso, é necessária uma abordagem de gestão
constante das informações e alimentação da base de dados para a manutenção do imóvel e
sua preservação (CUPERSCHMID et al., 2018, p. 184). O BIM então se configura como um
processo que, além de permitir o registro do estado atual do bem histórico, é uma

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oportunidade para documentação e gestão de conservação de patrimônio (BRUMANA et al.,
2013).

O termo Historical Building Information Modelling (HBIM) é utilizado quando o foco é o uso
de BIM em edificações de patrimônio histórico (GROETELAARS, 2015). Nesse contexto,
como aponta CUPERSCHMID et al. (2018, p. 186) o HBIM pode ser útil para comunicar e
explicar o valor técnico e histórico de um edifício, assim como para gerenciar, manter e
realizar intervenções no edifício, prevenir riscos e, também, para permitir simulações sobre o
sistema estrutural, sobre as instalações e sua compatibilização e também sobre
propriedades de materiais. Para tal, a utilização de BIM em edifícios históricos é “reversa”
(WU et al., 2013), já que o modelo virtual é construído quando o edifício já é existente. Esse
processo de levantamento das informações para elaboração de modelos BIM é
frequentemente baseado na medição direta, analise de desenhos já existentes e fotografias
(WU et al., 2013).

Para o desenvolvimento deste trabalho fez-se uso do software Revit da Autodesk durante o
processo de modelagem do edifício sede do Iphan, localizado na Rua José Marcelino, bairro
Cidade Alta - Vitória. A proposta é alimentar esse banco de dados com mais informações à
medida em que esse levantamento de informações se amplie, para que se tenha
centralizadas as informações pertinentes que permitam a gestão dos bens históricos e sua
manutenção. Esta pesquisa tem caráter exploratório e se desenvolve como um estudo de
caso de uso das tecnologias BIM como suporte de documentação para bens históricos.

2. Revisão bibliográfica
A Villa de Victoria, através de sua ocupação e crescimento urbano, remete para a
importância da habitação, tema arquitetônico ligado essencialmente à vivência humana.
Sendo uma das primeiras necessidades, o abrigo descreve modos de vida sendo um
exemplo material e, portanto, palpável dos hábitos de uma sociedade.

Para além de estilos, a arquitetura das habitações em diversos períodos, no caso desta
pesquisa colonial, apresenta aspectos funcionais como a compartimentação, o número de
cômodos que determinam a distribuição e o porte da construção. Cabe ressaltar que as
técnicas construtivas e os materiais disponíveis influenciaram de sobremaneira no processo.

O embelezamento das fachadas frontais e os aspectos formais das edificações refletem o


gosto e as possibilidades materiais da sociedade, aspectos influenciados pelos

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colonizadores e por técnicas construtivas / materiais locais e, no período colonial
prevaleceram soluções que visaram o conforto térmico e a privacidade.

Autores de diversas áreas estudam o tema da habitação no Brasil, dentro de enfoques


arquitetônicos e urbanísticos, sociais, econômicos e históricos. Entre a história da Villa de
Victoria, e seus aspectos relacionados à questão da ocupação territorial por moradias,
apresenta-se a seguir o quanto estes autores contribuem para o presente artigo.

O livro de Bittencourt (1987) descreve o Espírito Santo no século XIX com destaque aos
benefícios proporcionados pelo café para a cidade. O autor Campos Júnior escreveu livros
sobre a história de Vitória e em especial da construção nessa cidade e as transformações
ocorridas. A criação do Novo Arrabalde (1996) relata os antecedentes, do período colonial
ao republicano passando pelo imperial.

Biografia de uma ilha de Derenzi (1965) é obra de referência para pesquisadores que
necessitam estudar a capital capixaba. Elton (1999), autor de várias obras sobre Vitória, em
muito contribui para a esta investigação em seu livro: Logradouros Antigos de Vitória, ao
relatar fatores econômicos, políticos e sócias de diversos períodos históricos. Já Freire
(2006) abordará especificamente o período colonial realizando uma pesquisa histórica que
em muito auxilia na análise da produção da arquitetura relacionando-a aos fatores
históricos.

Klug (2009) ao descrever Vitória através do sítio físico e da paisagem remete ao leitor ao
período colonial, a formação e a transformação da paisagem da cidade, em especial do que
se conhece hoje como Centro Histórico. O livro de Novaes (1968) relata os fatos históricos
de forma detalhada descrevendo lugares e personagens da história capixaba desde o tempo
dos donatários, detalhando a chegada dos jesuítas ao Espírito Santo e a importância da
igreja na formação da cidade. Aborda também o período do governador Rubim, que
antecede a proclamação da independência.

Alguns autores desenvolveram pesquisas referentes à utilização do HBIM no cenário


nacional. Tolentino (2016) desenvolveu a modelagem BIM, com o objetivo de gestão do
imóvel e preservação, da Igreja de Bom Jesus do Matozinhos, MG, datada de 1770. A falta
de documentação fidedigna de boa parte dos prédios históricos brasileiros fomenta a
proposição da utilização de HBIM para melhorar a eficiência nos processos de gestão desse
patrimônio.

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Canuto (2017) faz a aplicação da plataforma BIM como o desenvolvimento do modelo digital
do Palácio Gustavo Capanema, datado de 1930, no Rio de Janeiro, e utiliza registros
históricos para modelagem do projeto original e também das principais alterações realizadas
no edifício até o presente, integrando dados construtivos e históricos em um modelo central.

Os autores Cuperschmid et al. (2018) em seu artigo Casa de Vidro: BIM e Gestão do
Patrimônio Histórico Arquitetônico trazem questionamentos importantes sobre as principais
problemáticas durante o processo de adequação do BIM no registro de bens históricos,
através de um estudo de caso que utiliza a Casa de Vidro, um dos ícones da arquitetura da
década de 50 de Lina Bo Bardi, como objeto de estudo. Os métodos tradicionais de
documentação são insuficientes para integrar e gerir informações relacionadas à edificação
e com o objetivo de tornar mais eficiente esse processo, o modelo virtual foi desenvolvido
para ser utilizado como base de dados e de referências para a gestão da operação e da
manutenção do imóvel.

3. Arquitetura no período colonial


Na descrição de Novaes a primeira habitação na Villa da Vitória foi um quitungo, ou grande
tenda onde se abrigavam os jesuítas. Esta substituída pelo seminário para meninos
construído pelas próprias mãos dos padres o qual a autora nomeia como casa dos religiosos
(NOVAES, 1968, p.27).

Ao fim do século XVI a ilha de Vitória já possuía seis engenhos e produzia açúcar suficiente
para atrair até quatro navios por ano. A capitania que também plantava algodão e tinha
gado, no início do XVII passa a produzir arroz, tabaco e aguardente e para viabilizar o
crescimento da produção inicia, em 1621, o tráfico direto de escravos de Angola para a Villa
de Victoria (FREITAS, 2010, p. 43).

Para Elton, o Espírito Santo viveu em estado de quase total penúria, minguadíssimos eram
os recursos de sua população (ELTON, 1999, p. 9). De fato, afirma Novaes, tudo concorria
para a decadência da Vila da Vitória ao citar as epidemias ocorridas em 1558 e em 1594
(NOVAES, 1968, p. 32 – 51).

Ainda assim, durante o século XVI foram construídos: o cenóbio no morro de São Francisco,
uma capela na Ladeira da Tapera, um fortim de taipa junto ao Morro do Vigia e o seminário.
Este, na localidade conhecida como sítio do Egito, cujo caminho para a Igreja de Santa
Luzia formou a Rua do Egito que pela inclinação chegava ao Mangal e passou a ser
nomeada Ladeira do Egito hoje substituída pela Escadaria Cleto Nunes (NOVAES, 1968, p.
48 – 50).
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“A Vila de Vitória foi implantada no dorso de uma colina pouco elevada, apoiada de forma
variada e cercada de vegetação. No início da ocupação era como um adorno da baía com
suas matas e rochas que avançavam raízes no mar, uma espécie de anfiteatro de belas
montanhas. ” (KLUG, 2009, p. 17).

De acordo com Hollanda as cidades de colonização portuguesa formam-se


preguiçosamente, em desalinho entre ruelas estreitas compostas do casario de estilo
europeu. Diz-se que o traçado original das ruas copiava as trilhas tortuosas escolhidas pelos
animais em caminhada. (HOLLANDA, 1983, p. 75).

Na descrição de Reis Filho “... os núcleos urbanos estabelecidos nos primeiros séculos da
colonização brasileira situavam-se, de modo predominante, no litoral, por razões
econômicas, administrativas e militares. ” (REIS FILHO, 1968, p.122).

Derenzi afirma que no limiar do Século XVII a vila é ainda uma aldeia construída de taipa,
cujas casas são cobertas de sapé ou palhas de pindoba (DERENZI, 1995, p. 61). A técnica
de alvenaria de taipa é empregada pelos jesuítas no século XVI, no entanto, foi substituída
nos séculos posteriores pela pedra e pela cal, material que conferia maior resistência. Para
Ribeiro a cal foi um material que o Espírito Santo parece não ter sentindo jamais falta,
sempre fabricada por processos rústicos e artesanais que não comprometiam a sua
qualidade, e a partir de fontes biogênicas tal como foi predominantemente na tradição
portuguesa na América (RIBEIRO in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 118). As pedras
utilizadas eram calcário, arenitos ou pedra de rio e granitos assentados em tamanhos
variados com auxílio de formas de madeira.

Afirma Rocha Pombo apud Freire que Vitória, por 1600, teria cerca de 700 habitantes, boas
casas de negócio, Misericórdia, o colégio e conventos (FREIRE, 2006, p. 103). Embora
Campos Júnior afirme que no governo de Jerônimo Monteiro grande parte dos prédios
públicos, igrejas e casarios em estilo colonial foram demolidos (CAMPOS JÚNIOR, 1996, p.
123) existem remanescentes (igrejas e casas) do período colonial tombados pelo IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e pela SECULT (Secretaria de Estado
da Cultura do Espírito Santo).

Conforme Ribeiro desde as primeiras perspectivas executadas pelos engenheiros militares


ao final do século XVIII até as descrições dos viajantes do XIX observa-se que a Vila era
edificada com materiais e técnicas de melhor qualidade e durabilidade. Presume-se que
quase na sua totalidade se tratavam de sobrados de pedra e cal, caiados e cobertos por
telhas cerâmicas. (RIBEIRO in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 130).
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Souza considera a Vila de Vitória um dos mais significativos exemplares da história urbana
do Brasil no período colonial, tendo a Igreja Católica, de forma maior e mais atuante,
definido aspectos singulares a morfologia, cujas referências do urbanismo português
vernacular é observada (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 192).

No entanto, Derenzi faz a seguinte afirmação com relação à arquitetura colonial:

Pelo meado do século XVIII, o número de sobrados em Vitória é


avultado. Todos invariavelmente toscos, inexpressivos e
desproporcionados. As janelas, mal vazadas, temiam a entrada de
luz e ar [...]. Os poucos conventos construídos pelas ordens
religiosas e pela fé do povo, são obras singelas, de valor sem dúvida,
mas traduzem parcela modesta no âmbito da arte de construir. Das
velhas residências nenhuma resistiu aos tempos [...] No que
concerne ao traçado das cidades, o ilogismo foi regra. É bastante
considerar os poucos logradouros da cidade que guardaram os eixos
diretores daquela época: ruas Duque de Caxias, Maria Ortiz, Prof.
Azambuja, José Marcelino e ladeira da Misericórdia que se orientam
todas por onde não deviam (DERENZI, 1995, p. 76 – 77).

Como afirma Klug a cidade possuía uma escala muito singela e delicada, onde a
continuidade de altura das edificações e a relação de proximidade do parcelamento das
quadras, adicionados à semelhança das casas ajudava a destacar com mais força a
presença dominante do relevo (KLUG, 2009, P. 21).

Segundo o Projeto de Identificação dos Imóveis de Interesse de Preservação do Centro de


Vitória a cidade guarda raríssimos exemplares do período colonial e pouco de seu traçado
urbano original, apenas a Rua Muniz Freire (antiga Rua da Assembleia) e a Rua Francisco
de Araújo (antiga Rua do Egito) (UFES, 2002, p. 11).

Para Elton a cidade até princípios do século XX tinha feição colonial portuguesa na sua
arquitetura e arruamento. As construções medíocres, não se diferenciavam e as ruas
tortuosas e estreitas, algumas com menos de cinco metros de largura seguiam a topografia
do terreno (ELTON, 1987, p. 9).

Com a abertura dos portos em 1808, Vitória passou a comercializar com Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro e o exterior. Segundo Miranda os cais e trapiches da borda do
canal eram movimentados por uma economia de subsistência, mas, havia a exportação de
açúcar, madeira e tecido de algodão. O meio de mobilidade principal era aquaviário
(MIRANDA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 55).

“A condição sanitária da capital propiciava surtos e moléstias, por muitas vezes, atingindo
cifras impressionantes e exterminando quase que populações inteiras” (DERENZI, 1965, p.
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203). O custo para a realização das obras de saneamento, abastecimento d’água e
instalação de redes de esgoto implicava em vencer acidentes geográficos ou contornar
grandes áreas o que as tornava incompatíveis com os recursos disponíveis. A geografia da
ilha ainda era fator agravante, a ligação com o continente era somente realizada por via
marítima ou pela ponte da Passagem (1801), que ficava localizada na direção oposta à área
central, no entanto, no ponto mais estreito para transposição para o continente.

No entanto, Saint-Hilaire, em sua viagem ao Espírito Santo, ocorrida em 1818, assim


descreve a Villa de Victoria:

As ruas de Victoria são calçadas, porém o são mal; tem pouca


largura, não oferecendo nenhuma regularidade. Entretanto, não se
veem aqui casas abandonadas, semiabandonadas, como na maioria
das cidades de Minas Gerais. Entregues a agricultura ou ao comércio
regularmente estabelecido. Os habitantes da Villa de Victoria não são
sujeitos aos mesmos reveses dos cavadores de ouro e não tem
razão de abandonar sua terra natal. Eles tem o cuidado de bem
preparar e embelezar suas casas. Um número considerável dentre
elas tem um ou dois andares. Algumas de janelas com vidros, e de
lindas varandas trabalhadas na Europa. (SAINT-HILLAIRE, 1974, p.
91).

Outro viajante, o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied que também esteve em Vitória no


período (1816), durante a sua expedição botânica ao litoral do Espírito Santo assim se
referiu a vila:

A vila possui bons edifícios construídos no velho estilo português,


com balcões e rótulas de madeira, ruas calçadas, uma Câmara
Municipal razoavelmente grande, e o convento dos jesuítas, ocupado
pelo governador... Além dos vários conventos há uma igreja, quatro
capelas e um hospital. A cidade é, entretanto, um tanto morta, e os
visitantes sendo raros, são objeto de grande curiosidade. O comércio
marítimo não é desprezível; por isso, diversas embarcações estão
sempre aí ancoradas, e fragatas podem aportar na cidade. As
fazendas vizinhas produzem muito açúcar, farinha de mandioca,
arroz, bananas, e outros artigos que são exportados ao longo da
costa. (PHILIPP, 1989, p. 142).

De acordo com Ribeiro “cerca de um ano após, Coutinho fez coro com os demais
escrevendo que a Vila mostrava muitas casas nobres de dois e três andares, igrejas, torres,
e, sobretudo um magnífico colégio dos jesuítas. ” (RIBEIRO in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011,
p. 130).

3.1 Casas do período colonial

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Os remanescentes do período colonial na capital capixaba, que guardam as características
arquitetônicas originais, e estão localizados no Centro Histórico, são agora descritos.

Os dois sobrados geminados da Rua José Marcelino, nº 197 e nº 203/205 foram tombados
segundo IPHAN por sua historicidade e por serem os "últimos vestígios das antigas
edificações de Vitória” (IPHAN, 2016). As casas que abrigam a sede do IPHAN no Estado e
a mitra possuem registros históricos que datam do período colonial e foram tombadas em
1967.

Figura 1: Sobrado da Rua José Marcelino que abriga a sede do IPHAN-ES. Fonte: IPHAN, 2019.

Os sobrados localizam-se na região mais antiga de Vitória (século XVI), no local onde antes
havia a Igreja Matriz. Há indícios de que Muniz Freire tenha residido na edificação durante
seu primeiro mandato como Presidente do Espírito Santo (entre 1892 e 1896) (IPHAN,
2016).

Próximas a estes, seis casas na Rua Muniz Freire fazem parte de processo de tombamento
protocolado na década de 80 do século XX por interesse do IAB (Instituto de Arquitetos do
Brasil) junto a SECULT. Tal processo procurou reverter a desapropriação das mesmas por
parte do Governo Estadual com o objetivo de ampliar o Fórum Civil Muniz Freire. No
processo do tombamento, estão inventariadas as seis unidades, no entanto, quatro
residências foram demolidas. As duas remanescentes são do período colonial possuindo um
e dois pavimentos e técnica construtiva em alvenaria de pedra e taipa (SECULT, 1981, p. 2-
18).

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A região destes imóveis remota ao século XVI. A ocupação espacial de Vitória, de fato, nos
primeiros séculos se restringiu ao seu núcleo histórico com edificações locadas na área de
topografia acidentada onde o solo era firme. Estas eram construídas em ladeiras evitando o
risco dos alagamentos pela alta das marés. Vasconcelos menciona que os altos funcionários
no Brasil Colônia residiam em sobrados e solares, assim também como grandes
proprietários de terra e comerciantes. Os demais residiam em casas térreas
(VASCONCELOS, 2009, p.22).

4 Reconstrução a partir do Revit


O imóvel elegido para o desenvolvimento do modelo em BIM está localizado na Rua José
Marcelino 203/205, ponto de ocupação mais antiga da cidade. O imóvel foi adquirido pelo
IPHAN em 2006 e vem sendo usado como sede de sua Superintendência no Espírito Santo.
Este imóvel foi escolhido devido a disponibilidade de documentação mais abrangente, que
envolve um plano diagnóstico da edificação realizado pelo IPHAN e suas respectivas
documentações técnicas. O levantamento das instalações foi feito através de observações e
análises in loco, no período de 12 a 16 de setembro de 2011 pela comissão técnica do
IPHAN, com o objetivo de promover a restauração do referido sobrado, através do Projeto
de Restauração e Adaptação do Imóvel Sede do Iphan-ES,

A estrutura da edificação, como observada em através de prospecções e observações in


loco, é mista. Autoportante em alvenaria de pedra nas fundações e no Porão, e autônoma
em pilastras de alvenaria de pedra com vigas em madeira nos pavimentos Térreo e Superior
(IPHAN, 2011). As alvenarias de tijolos cerâmicos maciços não são estruturais, exceto na
parte de trás da edificação, mas compreende-se que haja colaboração para a estabilidade
geral da estrutura, como contraventamento dos vãos entre as pilastras de pedra e apoio de
algumas terças do telhado. Este, por sua vez, tem estrutura em madeira, conformando
frechais, cumeeira, terças, caibros e ripas (IPHAN, 2011).

O principal objetivo desse estudo é investigar a possibilidade da utilização do BIM para a


centralização das informações de edifícios com interesse histórico em um modelo central. É
importante destacar que este estudo se encontra em andamento e as informações e
resultados aqui citados são parciais e processuais. Para o desenvolvimento da modelagem
foram utilizadas as plantas técnicas que se encontravam em arquivo. dwg, do software
Autocad, fornecidas pelo IPHAN.

Um dos primeiros desafios observados com relação à modelagem da edificação no Revit a


partir das plantas originárias do Autocad foram algumas incongruências encontradas nas
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paredes externas. Quando superpostas as plantas do subsolo, térreo e primeiro pavimento,
houve descasamento das faces externas das paredes. Esse tipo de problema não ocorre em
um modelo BIM, já que a representação não provém de desenhos em 2D e sim de um
modelo virtual da construção de onde as representações são então extraídas.

Figura 2: Planta térrea do sobrado em arquivo .rvt. Fonte: das autoras, 2021.

Dentro do arquivo do modelo do edifício é possível montar uma planilha com as imagens
provenientes do levantamento fotográfico do imóvel e data-las. Esse acompanhamento do
estado de conservação através da linha do tempo auxilia a tomada de decisão sobre as
intervenções necessárias para uma manutenção apropriada das instalações, e está previsto
para uma próxima etapa do estudo. A exportação desses dados para outras extensões de
arquivos permite o acesso facilitado quando há a demanda por essas informações.

O mapeamento dos danos foi representado em forma de desenhos superpostos no modelo,


de acordo com as informações cadastrais fornecidas pelo IPHAN. As esquadrias foram
modeladas de maneira fiel à realidade, categorizadas e organizadas em planilha. Dentro
dessa categorização, pode-se descrever todas as características individuais e manutenções
periódicas realizadas e datadas. Esse processo auxilia na gestão do patrimônio
arquitetônico e fornece subsídios para que essa coordenação possa ser realizada de
maneira mais eficiente.

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Figura 3: Fachada do sobrado. Fonte: das autoras, 2021.

Em 2018, o Decreto nº 9.377/2018 instituiu a Estratégia Nacional de Disseminação


do Building Information Modelling – Estratégia BIM BR, com o objetivo de promover
investimento em BIM e sua difusão no país, assim como encaminhar sua gradual
obrigatoriedade para a licitação de obras públicas, até 2021. Dois anos mais tarde o Decreto
de 2020 estabeleceu a utilização do Building Information Modelling na execução direta ou
indireta de obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e pelas entidades da
administração pública federal, no âmbito da Estratégia Nacional de Disseminação
do Building Information Modelling. De maneira geral, pode-se dizer que a necessidade de
adequação às novas tecnologias é latente e demanda atenção principalmente por parte dos
órgãos públicos, uma vez que são responsáveis pela normatização do uso dessas
ferramentas. O BIM pode ter impacto positivo quando utilizado para a gestão do patrimônio
cultural, em escala federal gerido pelo IPHAN.

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Figura 4: Modelagem do sobrado. Fonte: das autoras, 2021.

5 Conclusões
O levantamento dos exemplares arquitetônicos remanescentes se mostra como caminho
para registrar a evolução da habitação na Villa de Victoria. Pela pesquisa preliminar é
possível concluir que nos primeiros três séculos da colonização, o aspecto das residências
na Villa de Victoria se apresentou bastante simples, uma vez que foi povoada também por
pessoas com poucos recursos e visitadas ocasionalmente pelos fazendeiros que nelas se
hospedavam, resultando numa casa colonial construída, de certo modo uniforme.

As casas do período colonial remanescentes aqui comentadas possuem importância


histórica para a cidade de Vitória e representam um período de relevantes características
construtivas e arquitetônicas. O sobrado Sede da Superintendência no Espírito Santo do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, localizado na Rua José
Marcelino, 203/205, no bairro Cidade Alta de Vitória, possui uma documentação extensa,
situação fundamental para a representação em BIM de forma mais verossímil.

Para a representação de uma edificação de interesse histórico em BIM é necessário reter


um conjunto de informações precisas sobre a edificação, que possibilitem o
desenvolvimento de um modelo fidedigno sobre o objeto arquitetônico. A dificuldade de
representação dos danos e ações do tempo sobre a edificação no software Revit é um dos
problemas apontados, já que estes somente podem ser realizados por desenhos e não de
forma paramétrica. Ainda assim é possível centralizar essas informações em um único
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modelo, o que já representa uma evolução com relação ao CAD, onde diversos desenhos
separados precisam ser reunidos e então analisados.

A pesquisa aponta para um caminho promissor com relação ao uso do BIM em edificações
de interesse histórico. Algumas adaptações da ferramenta ainda parecem ser necessárias
para um uso mais eficiente, como o acesso facilitado às informações em BIM por parte de
pessoas não treinadas no uso dos softwares. É possível prospectar um futuro onde a
documentação histórica dos bens patrimoniais esteja atrelada à um modelo virtual da
edificação, que facilitará o acesso à informação e gestão das edificações de interesse
histórico.

6 Bibliografia
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século XIX. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Cátedra, 1987.

BRASIL. Decreto nº 9.377, de 17 de maio de 2018. Instituí a Estratégia Nacional de


Disseminação do Building Information Modelling no Brasil - Estratégia BIM BR, com a
finalidade de promover um ambiente adequado ao investimento em Building Information
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15 set. 2019.

______. Decreto nº 10.306, de 2 de abril de 2020.


Estabelece a utilização do Building Information Modelling na execução direta ou indireta de
obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e pelas entidades da administração
pública federal, no âmbito da Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information
Modelling - Estratégia BIM BR, instituída pelo Decreto nº 9.983, de 22 de agosto de 2019.

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Remote Sensing and Spatial Information Sciences - ISPRS Archives. Proceedings. 2013.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

DA OCA À LAMA: A HISTÓRIA DA VILA DE REGÊNCIA AUGUSTA

Leandro Teixeira Grandi (leandrotgrandi@hotmail.com)

Luiz Guilherme Dutra De Oliveira (lguilherme0dutra@gmail.com)

Emanoel Oliveira Ferreira (emanoeloliveiraf@gmail.com)

Aline Vargas Da Silveira (arq.alinevargas@gmail.com)

Regência Augusta é um distrito da cidade de Linhares, interior do Espírito


Santo. Localiza-se na foz do rio Doce e, consequentemente, foi drasticamente
atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana,
Minas Gerais, em novembro 2015. A lama tóxica corrompeu o rio e se espalhou
pelo mar criando uma nuvem de rejeitos que impactaram a fauna e flora
marítima num raio de até 250 quilômetros. O crime ambiental fragilizou
dinâmicas culturais locais conectadas às águas (salgadas, do oceano e doces,
do rio Doce). Com a incapacidade de os nativos exercerem suas práticas
econômicas e culturais milenares, causada pela poluição dos biomas, os quais
eram substancialmente interligados, houve um apagamento assistido da vila. A
compensação monetária pelo crime ambiental garante a subsistência, mas
retira identidade e cultura. O presente trabalho busca resgatar a história da vila
de Regência Augusta: da oca (suas raízes ancestrais) à lama (o mais recente
atentado contra a cultura local) como forma de impedir o apagamento histórico
local, entendendo que quando a história é contada, ela (sobre)vive.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

SOBRADOS COLONIAIS – O USO DO BIM NO LEVANTAMENTO DE


REMANESCENTES NO CENTRO DE VITÓRIA – ES – BRASIL

Akhiris De Araujo Newlands (akhirisn@id.uff.br)

Luciana Nemer Diniz (luciananemerdiniz@gmail.com)

No século XVI e na Villa de Victoria no Espírito Santo – Brasil, ergueu-se


representativo casario

que, até princípios do século XX, permanecia dando a cidade feição colonial
portuguesa na sua

arquitetura e arruamento. No contexto de uma pesquisa que registra a


evolução da habitação

na vila no período colonial e imperial, cuja região de estudo é o Centro


Histórico da cidade, debruça-se no presente trabalho a um olhar específico à
questão da permanência de antigas estruturas arquitetônicas habitacionais. Na
justificativa se destaca o fato da possibilidade da produção de material analítico
das habitações haja vista que, até o presente momento, foram mapeadas
quatro unidades que guardam características construtivas e fachadas originais,
duas tombadas pelo estado e duas pela união.

A metodologia está baseada em pesquisa às fontes secundárias, material já


publicado (livros e

artigos) dos quais destaca-se os autores: Bueno, Kühl, Lemos, Mascarenhas,


Novaes, Oliveira,

Pessoa, Pessotti e Ribeiro e Souza e Ribeiro e em complementação estão


sendo examinados

todos os processos da Câmara Municipal. No arquivo do município e do Estado


foram

realizadas pesquisas iconográficas e cartográficas que contribuíram para o


levantamento

histórico. A investigação também foi elaborada a partir de fontes primárias (idas


a campo) nas

quais foi possível levantar, através de imagens externas e internas, detalhes


dos materiais de

construção e do sistema construtivo.

O uso da tecnologia BIM como ferramenta para auxílio na reprodução dos


projetos gerou vantagens e desafios. Diferentemente de um modelador 3D
convencional que possui como

principal objetivo a representação de uma maquete virtual, a plataforma BIM


abriga um banco

de dados gerando um modelo computacional que, de forma colaborativa,


integra diversos

profissionais para a elaboração de um projeto que contenha todas as


informações necessárias.

Através do uso do Building Iformation Modelling concluiu-se que foi possível


economizar

tempo, recursos e otimizar processos, questões essenciais para um projeto de


habitação. A
representação do projeto em 3D, de forma que todos os elementos a serem
construídos são

computados no modelo, e a facilidade de criação de representações 2D de


cortes e fachadas

precisos automaticamente, favorecem o entendimento do projeto e permitem a


redução de

retrabalhos.
EIXO TEMÁTICO 4
PATRIMONIO ARQUITETONICO, LEGISLAÇÃO URBANA E
INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO:

Estudo de caso do bairro do Carmo

PAZ, SARAH

Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura


vpssarah@gmail.com

RESUMO
Este artigo investiga a situação do patrimônio arquitetônico no bairro Carmo, situado na região Sul de
Belo Horizonte. Partindo de um levantamento sobre o patrimônio arquitetônico (seja esse tombado ou
não) da cidade foi possível perceber uma concentração de estudos e políticas de preservação do
patrimônio em edificações dentro do limite da Avenida do Contorno, e uma escassez de estudos e
levantamentos sobre o patrimônio em bairros pericentrais (bairros que estão ao redor da Avenida do
Contorno). Diante disso, foi eleito um bairro pericentral para se aprofundar. A escolha do Carmo se
dá pelo fato de ser um bairro antigo (a ocupação dele data do inicio do século XX) e por ter uma
demanda de estudos sobre sua arquitetura. Dessa forma, foi realizado um diagnóstico sobre o bairro,
por meio de um levantamento bibliográfico sobre a história, de visitas a campo, de mapeamentos
diversos e da analise da legislação urbana e dos instrumentos de proteção ao patrimônio. A partir
desse diagnóstico notou-se que algumas edificações de importância histórica e arquitetônica, e que
são patrimônio do bairro, como a Igreja Nossa Senhora do Carmo e um conjunto de casas na Rua
Outono datadas de 1940 até 1960, não possuem proteção prevista pela lei. Foi feita então uma
analise sobre os efeitos da aplicação dos parâmetros urbanos propostos pelo zoneamento da lei de
uso e ocupação de solo atual sobre esses bens para verificar o nível do risco dessas edificações
serem demolidos ou descaracterizados. A partir disso, foi elaborada uma proposta para preservar a
homogeneidade e a ambiência do conjunto de residências, bem como a conservação da igreja e a
manutenção da visibilidade da torre sineira de alguns pontos do bairro, por meio da aplicação de
instrumentos previstos pela legislação municipal, como o tombamento, a transferência de direito de
construção, o limite de altimetria, entre outros.

Palavras-chave: Patrimônio arquitetônico; Belo Horizonte; Carmo; Instrumentos de proteção do


patrimonio cultural; legislação urbana;

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1. Introdução
A noção do patrimônio urbano histórico constitui-se na contracorrente do
processo de urbanização do processo de urbanização dominante. Ela é o
culminar de uma dialética da história e da historicidade (CHAOY, 2006, p.
193).

O conceito de patrimônio urbano histórico descrito por Chaoy (2006) se desenvolve


a partir do século XIX, quando John Ruskin (1860) critica as destruições de obras
arquitetônicas individuais que foram consideradas menos importantes em cidades como
Paris, com o plano de Haussmann, e Barcelona, com o plano de Cerdá

Em sua concepção, uma cidade não poderia ser descrita meramente a partir
dos seus grandes edifícios. Há todo um contexto urbano, uma “arquitetura
doméstica” que forma um tecido contínuo, uma textura que se exprime na
malha urbana e que é a essência da cidade (CHOAY, 2006, apud.
MOREIRA et al. 2018, p. 420)

Nessa mesma perspectiva, Sitte (1992) afirma que “há uma beleza observável nos
conjuntos antigos que deriva do arranjo de seus elementos no espaço” (SITTE, 1992 apud.
MOREIRA et al. 2018, p. 420). Essas abordagens ampliam a perspectiva acerca do
patrimônio, deixando de tratar apenas da arquitetura, das edificações isoladas com valor de
excepcionalidade, e passam a tratar a questão da relação desses bens com o seu entorno e
do valor histórico de edificações mais simples que fazem é parte fundamental da cidade.

O presente artigo surge de uma pesquisa iniciada na graduação e que resultou em


um trabalho de conclusão de curso, que partiu de um interesse sobre o patrimônio
arquitetônico na cidade de Belo Horizonte. Para isso, foi feito um levantamento geral sobre o
patrimônio arquitetônico em Belo Horizonte. Primeiramente foi realizado um mapeamento
das edificações tombadas em nível municipal, com base nos dados informados pela
prefeitura de Belo Horizonte. Esses dados, no entanto, se referem apenas ao patrimônio
tombado, não oferecendo informações sobre o patrimônio arquitetônico que não está
protegido pela legislação municipal. Diante disso, buscaram-se outras fontes de
levantamento e estudos o patrimônio da cidade que estivessem disponíveis online1.

Nota-se que nos últimos anos houve vários estudos sobre o patrimônio dos bairros
da região Leste de Belo Horizonte, principalmente do bairro Lagoinha, construindo-se assim

1
Devido à pandemia do Covid-19 não foi possível ter acesso a documentos dos órgãos de patrimônio, a
bibliotecas e acervos públicos durante as fases inicias do trabalho, sendo as fontes disponíveis apenas as online.

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uma base de dados sobre essa área. Em 2017, foi realizado um estudo e um mapeamento
pelo projeto Casas da Lagoinha com o intuito de levantar os dados sobre o patrimônio dessa
região e então desenvolver um dossiê de tombamento. Esse processo resultou na criação
do Conjunto Urbano bairros Lagoinha, Carlos Prates e Bonfim e no tombamento de diversas
edificações. No levantamento do conjunto urbano, além dos dados das novas edificações
tombadas, foram mapeadas também as edificações indicadas para tombamento e
edificações que tem características e elementos de importância histórica e/ou arquitetônica,
mas que não foram indicadas, apenas registradas. Outro estudo realizado recentemente foi
do projeto “Quanto Tempo dura um Bairro”, o qual fez um levantamento sobre o patrimônio
dos bairros Lagoinha, Santa Tereza e Savassi. Assim como o mapeamento mostrado
anteriormente, esse não se restringe apenas aos imóveis tombados.

A partir desses dados coletados, elaborou-se um mapa sobre o patrimônio


arquitetônico em Belo Horizonte. Nele é possível perceber a concentração do patrimônio na
área dentro da Avenida do Contorno e na região Leste em bairros como Floresta, Santa
Tereza, Lagoinha e Bonfim.

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Figura 1: Mapeamento patrimônio arquitetônico em Belo Horizonte

Fonte: Elaborada pela autora


Essa centralização do patrimônio arquitetônico na antiga zona urbana2 (região
dentro do limite da Avenida do Contorno) em detrimento da zona suburbana3 (externa ao
limite da Contorno) pode ser resultado da origem de Belo Horizonte e a forma pela qual a
cidade foi planejada e ocupada. De acordo com Andrade e Arroyo (2012) o planejamento da
cidade contribui para a preservação de elementos e edifícios do início da ocupação,

O fato de Belo Horizonte ser uma cidade planejada fez com que seu traçado
e algumas de suas construções guardassem fortemente a marca de suas
origens. Essa é uma das razões que explicam o fato de a política municipal
do patrimônio ter privilegiado o traçado do plano e as primeiras construções
situadas no interior da zona urbana (ANDRADE; ARROYO, 2012, p. 21).

Ainda segundo Andrade e Arroyo (2012), outro motivo é a concentração de


construções monumentais na zona urbana. O reconhecimento da população dessa área

2
Entende-se como Zona Urbana “a área regulamentar desse plano, onde esse projeto foi implantado e
demarcado pelos limites da Avenida do Contorno” (LEMOS, et al., 2019,p 23).
3
Entende-se como Zona Suburbana “a área reservada para a expansão urbana, que não recebeu um projeto
urbano regulamentar” (LEMOS, et al., 2019, p 23).
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como patrimônio também foi um fator que corroborou para a aplicação de instrumentos
legais para proteção da região. Dessa forma,

A política municipal da década de 1980 optou em focar-se [sic] em ações de


proteção em edifício ou lugares que articulasse, ao longo do tempo, a
história da ocupação da cidade como base em seu projeto original, ou seja,
a área dentro da Avenida do Contorno. Tendo como referência o traçado
original da zona urbana, ainda mantido, foram organizados os conjuntos
urbanos (ANDRADE; ARROYO, 2012, p.75).

Não apenas isso, a zona urbana é vista como área referencial no projeto da cidade
e por isso tem seu valor cultural reconhecido. O Plano Diretor de 1996 (Lei Municipal
7165/1996) caracteriza a Avenida do Contorno como centro histórico da cidade. Esse
reconhecimento da importância cultural e histórica, no entanto não é observado na zona
suburbana,

Suas construções e arquitetura, ainda que contemporâneas às da zona


urbana, diferem significativamente quanto á forma. Ou seja, no quesito de
histórias e de antiguidade, elas não são significativamente diferentes, mas,
na forma sim. Enquanto nos bairros da zona urbana, os projetos das
edificações são mais representativos dos estilos então em voga, até porque
são obras de arquitetos e construtores; na zona suburbana, essas
concepções foram apropriadas de maneira mais livre pelos seus moradores.
Isso torna mais complexa a tarefa de estabelecer critérios pelos órgãos de
proteção referenciados nos estilos arquitetônicos característicos dos tempos
de ocupação da zona. A arquitetura eclética ou moderna, por exemplo, não
seria a mesma em diferentes áreas da cidade e, principalmente, suas
formas de apropriação e relação com o espaço vivido seriam também
diferentes. (ANDRADE e ARROYO, 2012, p. 22)

Conforme já mencionado anteriormente, a arquitetura da zona urbana tem um


caráter mais monumental, enquanto as construções nas zonas suburbanas são mais
singelas. Isso dificulta o reconhecimento do valor dessas edificações pois os critérios de
reconhecimento do patrimônio cultural são influenciados pelas tipologias arquitetônicas
presentes na zona urbana da cidade (ANDRADE e ARROYO, 2012, p. 22). No entanto,
analisando o levantamento realizado pelo site Guia do Bem, que relaciona os bens
tombados e seus estilos arquitetônicos, é possível perceber que esse reconhecimento do
valor está relacionado mais a uma questão estilística do que tipológica, predominando as
edificações ecléticas.

Em relação ao grande número de edificações apontadas no mapeamento nos


bairros a norte da zona urbana (Lagoinha, Bonfim, Santa Tereza), isso ocorre devido a
movimentos iniciados nos anos 1990, muitas vezes liderados por grupos da sociedade civil
para a preservação do patrimônio. Um exemplo disso é a atuação em 1996 do movimento
‘Salve Santa Tereza’, formado por moradores do bairro que temiam a descaracterização do

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bairro com o processo de verticalização, e que teve como resultado a aprovação da lei que
estabeleceu o Santa Tereza como área de diretrizes especiais (ANDRADE e ARROYO,
2012).

Diante disso é possível observar a ausência de dados sobre o patrimônio


arquitetônico nos bairros pericentrais, especialmente localizadas ao sul da zona urbana.
Nesses bairros há poucos edifícios tombados, sendo que em alguns casos, como no São
Lucas e no Cruzeiro, não há edificações tombadas. A percepção da ausência de dados
sobre o patrimônio arquitetônico nos bairros pericentrais fez com que o foco do trabalho
mudasse. A situação de abandono do patrimônio desses bairros se dá primeiramente pela
falta de dados e instrumentos de proteção sobre essas edificações. Diante disso, questiona-
se qual é a situação do patrimônio nesses bairros pericentrais? E como fazer o
reconhecimento desse patrimônio?

A fim de compreender essas questões, foi delimitada uma área de estudo de


menor, com a escolha de um bairro para aprofundar o estudo e realizar um levantamento de
dados e analise. O bairro escolhido foi o Carmo e essa escolha se dá principalmente pela
demanda acadêmica e social de estudos sobre o patrimônio do bairro, visto que não foi
encontrado nenhum trabalho que tivesse essa temática como foco do estudo. Dessa forma,
a pesquisa ocupa-se em levantar e analisar o patrimônio arquitetônico no bairro do Carmo,e
elaborar uma proposta de preservação para esses bens.

2. História

O bairro Carmo está localizado na região sul de Belo Horizonte, e tem como
vizinhos os bairros Sion, Savassi, São Pedro e Anchieta. No plano original de Belo
Horizonte, o bairro estava na 2ª Seção Suburbana e na Colônia Agrícola Adalberto Ferraz.
Essa colônia agrícola foi criada para abastecimento da capital; no entanto, a maioria dos
sítios que deveriam ser implantados na região não foram implementados por falta de apoio
do governo. Na década de 1910, a região era pouco habitada, “os bairros São Pedro e
Carmo, que faziam parte da 2ª Seção Suburbana, que, em 1911, não possuía mais do que
90 casas” (APCBH, 2008).

Essa região começa a mudar a partir do final da década de 1920, quando as


atividades agrícolas já haviam sido encerradas, e os bairros mais próximos à Avenida do
Contorno (APCBH, 2008). No entanto é na década de 1940, com a construção da Igreja
Nossa Senhora do Carmo que a transformação do bairro se intensifica.

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Durante o período da construção da igreja, o bairro sofreu muitas mudanças. No
início dos anos 1940, o bairro tinha muitas casas, lotes vagos e as ruas não eram
asfaltadas. Esse cenário mudou na década seguinte, sendo que nos anos 1950 a prefeitura
pavimentou e fez o calçamento do passeio. As obras não aconteciam apenas nas ruas e nas
avenidas, nessa época diversos lotes vagos foram ocupados e diversas casas foram
construídas:

Visto do alto, o Carmo era um verdadeiro canteiro de obras. Muitos


compradores daqueles terrenos eram engenheiros civis e eles mesmo
projetavam seus sonhos. Casas com sala ampla, copa, escritório, três ou
quatro quartos, cozinha espaçosa, garagem, jardim na frente e terreiro nos
fundos. Mas todas elas tinham apenas um banheiro (VILLAS, 2008, p. 19).

Apesar das mudanças, o bairro mantinha seu caráter residencial, tendo poucos comércios.
A tipologia predominante era residências uni familiares de um pavimento com o espaço
interno semelhante ao descrito acima.

Na década de 1950 foram feitas diversas obras urbanas nas proximidades do


bairro, como a canalização do Córrego Acaba Mundo, que possibilitou a construção da BR-
3, atual Avenida Senhora do Carmo. Além da cobertura do córrego Acaba Mundo, em 1966
houve a cobertura do Córrego Gentio. Isso teve grande impacto no bairro, pois possibilitou o
asfaltamento das vias nas ruas Grão Mogol e Outono. Todas essas mudanças atraíram mais
moradores para a região e o bairro começou a crescer e atrair comerciantes.

No entanto, foi no final da década de 1970 que houve uma grande mudança no
bairro. Isso se deve por causa de dois fatores, o primeiro são as obras nas vias públicas,
que melhoraram a infraestrutura do bairro, e o segundo foi o surgimento da considerada
primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo, a lei 2662/76. Essa lei determinou o zoneamento e
parâmetros urbanos da cidade e impactou diretamente na ocupação do bairro.

De acordo com essa legislação, o bairro estava localizado na Zona Residencial 4, e


a principal característica dessa zona era o uso residencial vertical e a proposta de
substituição por prédios de apartamento (MOL, 2004). Isso permitiu o início do processo de
verticalização no bairro, que acontece até hoje. Os primeiros prédios tinham de 2 a 3
pavimentos, sendo 3 o número de andares máximo permitido pela legislação da época.
Nessa época, algumas das residências existentes no bairro já começaram a ser substituídas
por edifícios, essas substituições se intensificaram nas décadas seguintes, ocorrendo até os
dias atuais.

3. Diagnóstico
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Apesar das diversas mudanças sofridas ao longo dos anos, o Carmo manteve a
característica de ser um bairro residencial. No entanto, há mais edificações verticais
multifamiliares do que residências unifamiliares. O bairro concentra residenciais nas vias
coletoras, como as ruas Caldas, Campanha. Já nas duas vias arteriais, que são as
principais do bairro, as ruas Grão Mogol e Pium-í, concentram-se o uso comercial, de
serviço e misto (comercial e residencial).

A distribuição territorial dos usos interfere na verticalização do bairro, sendo que os


prédios acima de sete andares concentram-se nas vias coletores, e nas vias principais as
edificações comerciais e de serviços são de pequeno porte (de um a dois pavimentos).
Apesar de apresentar edificações com mais de sete pavimentos concentradas em algumas
ruas (como nas ruas Campanha e Boa Esperança) não é um bairro muito verticalizado, uma
vez que a maior parte das edificações é de um ou dois pavimentos. Esse cenário, no
entanto, pode se modificar em um curto período de tempo devido à especulação imobiliária.
Observa-se que nos últimos dez anos houve uma intensificação na construção de edifícios
residenciais de médio e grande porte no bairro. Esses edifícios são construídos em lotes
que antes eram ocupados por casas unifamiliares do século XX.

Em relação ao patrimônio do bairro, há poucas edificações tombadas. Duas


residências na Rua Pium-í, sendo uma delas uma eclética e a outra neocolonial. Além disso,
há duas edificações modernistas. Uma na Rua Grão Mogol, construída em 1954 e outra na
Rua Caldas, sendo essa a primeira residência projetada pelo arquiteto Sylvio de
Vasconcellos e construída em 1940. Por fim, o tombamento mais recente foi do Clube
Recreativo, em 2020. O tombamento do e do prédio modernista e do Ginásio Poliesportivo
do clube.

No entanto foi observado durante o diagnóstico duas áreas do bairro de importância


histórica que não estão sobre proteção patrimonial: um conjunto de residências do inicio da
ocupação do bairro na Rua Outono e a Igreja Nossa Senhora do Carmo. Em relação ao
conjunto de residências, essas se destacam pela permanência do conjunto e da
homogeneidade em relação à linguagem arquitetônica delas. Essa linguagem trata de
residências de 1 a 2 pavimentos, construídas entre 1940 e 1960 e que misturam elementos
de diversas linguagens na fachada. As plantas dessas casas eram semelhantes,
constituidas por uma varanda, geralmente localizada na fachada frontal, fazendo a transição
entre a parte externa e a porta principal da edificação. Internamente, além da sala, as casas
tinham em média três quartos, copa, cozinha e banheiro.

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Outro bem arquitetônico sem proteção é a Igreja Nossa Senhora do Carmo. A igreja
teve um forte impacto na história do bairro, sendo o nome dele modificado em homenagem
à igreja, e continua sendo um espaço importante para os moradores do bairro. Conforme
Villas (2008) comenta em seu livro, “a Igreja do Carmo acabou virando o xodó, o coração e
a alma do bairro” (VILLAS, 2008, p. 41). Apesar de a igreja estar bem conservada e a
edificação não apresentar risco estrutural aparente, há um risco de verticalização do seu
relação ao seu entorno. Isso porque a quadra em que a igreja está localizada é uma das
poucas quadras do bairro que ainda não sofreram processo de verticalização, o que a torna
um possível alvo para o mercado imobiliário. A verticalização dessa quadra pode prejudicar
a visibilidade da Igreja, principalmente da torre sineira.

Diante dos dados levantados na etapa do diagnóstico, são evidentes as mudanças


que o Carmo sofreu nas últimas décadas. Nota-se, a partir dos anos 1960, um processo de
diversificação dos usos. Inicialmente, o bairro era ocupado por residências unifamiliares,
mas houve um aumento no uso comercial e no uso de serviços. Apesar dessa
transformação, o Carmo ainda mantém a característica de ser um bairro predominantemente
residencial.

Nessa época também se iniciou o processo de verticalização, que se intensificou no


século XXI, fazendo com que muitas das residências do início da ocupação do bairro fossem
demolidas e substituídas por edifícios contemporâneos de grande porte. Isso gerou uma
desconstrução parcial da antiga paisagem do bairro, de casas construídas nos anos 1940
até os anos 1960. Essa substituição pode gerar um apagamento da história do bairro, que
fica evidente na variedade das linguagens arquitetônicas das edificações do bairro, que
refletem a época das suas construções.

A partir dessa problemática, deve-se pensar na situação do patrimônio arquitetônico


dessa região. Salvo algumas edificações que estão tombadas em nível municipal, as outras
edificações que tem importância histórica e arquitetônica correm o risco de serem
demolidas, substituídas ou modificadas, como é o caso do conjunto de residências na Rua
Outono e da Igreja Nossa Senhora do Carmo.

4. LEGISLAÇÃO

A partir das observações resultantes do diagnóstico do bairro, o próximo passo foi


fazer uma análise da legislação. Essa análise tem o objetivo de entender quais são as leis
vigentes e como elas afetam a área de estudo. Para isso, foi feita a análise da legislação
sobre o patrimônio e os instrumentos que podem ser usados para a proteção e conservação
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deste. Além disso, foi analisada a lei de uso e ocupação do solo de Belo Horizonte, desde a
Lei 7166/1996 até a mais recente, o Plano Diretor de 2019 (Lei nº 11.181/2019), com o
intuito de compreender como o zoneamento e os parâmetros urbanos afetaram, tem afetado
e afetarão a ocupação do bairro nas últimas décadas, avaliando os impactos da nova
legislação.

4.1 Legislação sobre a proteção do patrimônio


A legislação de proteção do patrimônio cultural na esfera municipal é relativamente
recente, datada de 1984 (Lei 3.802/84) e regulamenta a proteção de bens culturais e cria o
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte. Essa legislação surgiu após
a pressão popular devido à demolição do Cine Metrópole em 1983, que proporcionou o
início de um debate sobre o patrimônio local e a necessidade de se abranger edificações
que não fossem monumentais. É nesse contexto que ocorrem diversos tombamentos
individuais,

O período iniciado pela lei alongando-se até o fim da década correspondeu


a uma fase de muitos tombamentos em Belo Horizonte, feitos pela
CDPCM/BH (Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural Municipal),
compreendendo 69% de todos os tombamentos feitos pelo conselho, sendo
1994 o ano de maior atividade desde a sua criação (OLIVEIRA, 2020, p.
126).

O ano de 1994 foi importante no cenário de preservação o patrimônio em Belo Horizonte,


pois foi quando houve vários tombamentos de edificações não monumentais, e da
arquitetura civil, como antigas residências.

Desde então, houve outros tombamentos individuais e de conjuntos urbanos. Nota-


se que no caso de Belo Horizonte o instrumento mais utilizado para a proteção desses bens
é o tombamento. Entende-se como tombamento “o ato final resultante do procedimento
administrativo mediante o qual o Poder Público, intervindo na propriedade privada ou
Pública, integrando-se na gestão do Bem móvel ou imóvel de caráter histórico, artístico,
arqueológico, documental ou natural, sujeitando-o a regime jurídico especial e tutela pública,
tendo em vista a realização de interesse coletivo de preservação do patrimônio” (PIRES,
1994, p.78).

Além do tombamento, há alguns instrumentos que auxiliam na gestão e


conservação desses bens. Esses instrumentos são medidas compensatórias aplicadas
apenas em bens tombados. Um dos instrumentos aplicados é a isenção de impostos nos
bens culturais com tombamento definitivo. De acordo com Arroyo (2009), “a isenção de
IPTU é um importante incentivo, pois possibilita ao poder público transferir diretamente ao
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proprietário do bem cultural os recursos para a conservação do mesmo” (ARROYO, 2009, p.
73).

Outro instrumento, o mais recente a ser aplicado, é o processo de Transferência de


Direito de Construção (TDC), regulamentado em 2015, e que consiste em:

O direito de alienar ou de exercer em outro local o potencial construtivo do


lote, previsto na lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, que não
possa ser exercido no imóvel de origem seja por possuir proteção
especifica, ou seja, por se inserir em área de preservação ambiental ou
cultural (Prefeitura de Belo Horizonte, sem data).

De acordo com o Plano Diretor de Belo Horizonte (2019), o TDC é aplicável, além dos casos
de imóveis tombados e áreas de: interesse ambiental, de Equipamentos Urbanos e
Comunitários e de implantação de Projetos Viários Prioritários. O TDC é importante, pois
permite, além da preservação do bem cultural, a preservação da paisagem urbana local e o
equilíbrio construtivo entre diferentes áreas da cidade que têm necessidade ou possibilidade
de crescimento (ARROYO, 2009, p.73).

Os instrumentos apresentados auxiliam na preservação das edificações e as


medidas compensatórias viabilizam a conservação desses bens; no entanto, a maioria deles
se restringe a bens tombados. Isso se torna um problema uma vez que as edificações
tombadas estão concentradas dentro do limite da Avenida do Contorno, o que deixa o
patrimônio dos bairros pericentrais sem a possibilidade de usufruir dessas medidas.
Seguindo essa lógica, no caso do Carmo, por exemplo, os instrumentos mencionados
aplicar-se-iam em apenas a quatro edificações.

4.2 Lei de uso e Ocupação do Solo (LUOS)


Além da legislação do patrimônio, foi analisada a Lei de Uso e Ocupação do Solo
para verificar o que a lei permite e se essa está auxiliando ou não na proteção do
patrimônio. Para isso foram analisadas a lei de 1996 e a lei atual, de 2019, para entender a
diferença entre essas e qual será o impacto na paisagem do bairro.

As mudanças na legislação do patrimônio que ocorreram nos anos 1990 tiveram


impacto na Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1996. O zoneamento favorecia a ocupação
de outras áreas fora do entorno da Contorno (região que concentrava os bens tombados).
Nessa lei, o Carmo estava na área de Zona Adensada, sendo o coeficiente de
aproveitamento do bairro de 1,5. Esse parâmetro urbano e o processo de crescimento de
Belo Horizonte, fez com que houvesse um aumento na construção de prédios residenciais
no bairro.
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No entanto, com a aprovação do Plano Diretor em 2019, houve uma mudança no
zoneamento. De acordo com a lei atual, o bairro tem três zoneamentos diferentes:
Centralidade Regional (CR) nas quadras próximas as Avenidas Nossa Senhora do Carmo e
a Avenida do Contorno, Ocupação Preferencial 1 (OP1) nas quadras das ruas Outono,
Caldas, Campanha e Montes Claros, e Ocupação Moderada 3 (OM3) nas quadras entre as
ruas Passatempo e Rio Verde (Figura 2). Sendo assim, a nova legislação prioriza a
ocupação e o adensamento das quadras que não foram verticalizadas. O coeficiente de
aproveitamento básico é 1 em toda a região, sendo o coeficiente máximo conforme a tabela
abaixo.

Tabela 1: CA máximo por zona

Zoneamento CA máximo

OP1 2

CR Não se aplica

OM 3 1

Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 2019

Com isso, é possível ver que houve uma diferença no CA nas quadras próximas as
avenidas Nossa Senhora do Carmo e Contorno (diminuição do CA) e nas quadras das ruas
Outono, Caldas e Campanha (em que o CA aumentou, considerando o CA máximo).

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Figura 2: Mapa zoneamentos

Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados do site BH Maps

Essa mudança na legislação faz com que a região destacada em marrom (nas
quadras das ruas Campanha, Caldas e Outono) esteja mais suscetível ao adensamento e
verticalização, uma vez que nas outras áreas do bairro houve uma diminuição ou
manutenção do CA. Isso pode gerar um impacto negativo sobre o patrimônio edificado do
bairro, uma vez que nessa região encontra-se o conjunto de residências do início da
ocupação do bairro, na Rua Outono, conforme mostrado anteriormente. Com essa mudança
na legislação, essas casas correm risco de serem demolidas e substituídas por prédios de
grande porte (mais de 7 pavimentos), como já ocorreu em outras residências do bairro.

5. PROPOSTA PARA PRESERVAÇÃO


Diante do que foi observado no diagnóstico e da análise da legislação municipal e
dos instrumentos de proteção patrimonial, foram elaboradas propostas de preservação para
o patrimônio arquitetônico do Carmo. Essas propostas focaram em duas áreas do bairro: a
Igreja Nossa Senhora do Carmo e seu entorno e o conjunto de casas na Rua Outono. O
foco nessas regiões se justifica pela ausência de instrumentos eficazes para a preservação
da arquitetura e da história do bairro.

Em relação às residências na Rua Outono, um instrumento que pode ser aplicado


para preservar esses bens de forma mais eficaz é o tombamento, uma vez que o
tombamento é o instrumento de maior impacto restritivo. Sendo assim, uma proposta para
uma preservação seria a criação de um conjunto urbano da Rua Outono, abrangendo 13

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lotes. Esse conjunto se limitou a apenas uma face da rua, pois a outra face já se encontra
verticalizada e muito modificada, com edifícios de outras linguagens arquitetônicas.

Figura 3: Delimitação Conjunto Urbano R. Outono

Fonte: Elaborado pela autora

Dentro desse conjunto, sugere-se o tombamento de 9 residências da Rua Outono.


Esse tombamento se justifica pelo valor histórico dessas casas, e pelo fato de formarem um
conjunto com uma homogeneidade da linguagem arquitetônica, que mesmo sem uma
política de proteção atuando sobre elas, se manteve preservada, sendo uma das poucas
áreas do bairro que manteve tantas edificações que remetem à ocupação e à ambiência do
início da ocupação do bairro (década de 1940). Existem nessa quadra 2 lotes vagos e 2
edificações que já foram muito modificadas e com isso perderam as características originais,
a esses casos não seria aplicado o tombamento, mas as restrições de entorno imediato.

Com o tombamento das casas será possível aplicar alguns instrumentos como a
isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), isso possibilitaria que os
proprietários utilizassem os recursos que iriam para o pagamento desse imposto para obras
de restauro. Outro instrumento que pode ser aplicado é a Transferência de Direito de
Construir. O TDC, além de proporcionar um reequilíbrio das restrições econômicas que o
tombamento pode gerar ao proprietário do imóvel, ajuda a garantir a conservação das
edificações, uma vez que para o imóvel ser passível de geração de TDC é preciso que seu
bom estado de conservação atestado por meio de laudo técnico emitido pelo Conselho
Deliberativo do Patrimônio Cultural (de acordo com o artigo 52º da lei 1181/19).

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Atualmente, de acordo com a lei nº 11.181/2019, são imóveis passíveis de gerar
TDC: “imóveis tombados; reservas particulares ecológicas de caráter perpétuo em zonas de
preservação ambiental; imóveis destinados a equipamento urbano e comunitário e à
implantação de projetos viários prioritários” (PBH, 2019). Dessa forma, os quatro lotes não
tombados não gerariam TDC. No entanto, devido ao impacto que a verticalização desses
lotes teria sobre o conjunto, justifica-se abranger o direito de geração de TDC a eles.

Esse potencial construtivo é passível de ser utilizado em outras áreas do bairro em


que o processo de verticalização já foi iniciado, não causando uma grande mudança na
paisagem já transformada. Dessa forma, foi elaborado um mapeamento (Figura 4) com os
lotes geradores de TDC, os lotes já verticalizados (e por isso não poderão receber o TDC), a
área de zoneamento CR-1 que não pode receber o TDC pelo fato do CA máximo não se
aplicar aos lotes dessa área (sendo nela vigente apena o CA básico) e os lotes que ainda
não foram verticalizados, os quais podem ser receptores de TDC.

Por fim, é importante que sejam aplicadas algumas restrições de altimetria de novas
edificações nos lotes vagos e nas duas edificações não tombadas, sendo proposto o limite
de 6 metros (que é a altimetria máxima existente no conjunto). Além disso, é importante que
as novas edificações não impactem na visibilidade dos bens tombados ao redor e que os
projetos sejam analisados pelo DPCA.

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Figura 4: Mapa TDC

Fonte: Elaborado pela autora

Além disso, foi pensado o tombamento da Igreja Nossa Senhora do Carmo, que se
justifica pelo seu valor cultural e histórico. Junto ao tombamento, é preciso que sejam
elaboradas diretrizes especiais para a quadra em que a igreja se localiza. Uma das
diretrizes deve ser o limite da altura de novas edificações nesses lotes, não ultrapassando a
altimetria das edificações existentes atualmente, sendo a altura máxima para novas
edificações de 6 metros. Os novos projetos devem ter restrições quanto ao material usado
no revestimento externo, de forma que esse não atrapalhe a visibilidade da igreja.

O tombamento da Igreja permite a aplicação de alguns instrumentos e medidas


compensatórias que auxiliam na preservação do bem. Um desses instrumentos nesse
contexto é a Transferência de Direito de Construção nos lotes dessa quadra. Essa será uma
medida compensatória que ajudará a impedir a verticalização dessa quadra sem que haja

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prejuízo para os proprietários desses lotes. Nesse caso, assim como no caso da R. Outono
propõe-se que o direito de geração de TDC seja estendido aos imóveis das adjacências da
edificação tombada, uma vez que a verticalização desses lotes teria um forte impacto sobre
a visibilidade da igreja. Dessa forma, foi gerada uma tabela com as áreas dos imóveis a
serem transferidas seguindo o cálculo. A geração de TDC dessas edificações, no entanto,
fica atrelada à regulamentação das edificações existentes, aplicando os parâmetros de
afastamento laterais, frontais nos lotes (uma vez que as edificações atuais estão em uma
situação muito precária e não atendem aos parâmetros de afastamento atuais).

Esse potencial construtivo pode ser utilizado em outras áreas do bairro conforme
apontado no mapa da Figura 4. Dessa forma, seria possível conservar a igreja e a altimetria
do entorno, sem que os proprietários desses lotes se sintam prejudicados. É importante
ressaltar ainda que o TDC é uma boa medida compensatória, mas é preciso que a aplicação
dele seja expandida para além da edificação tombada, fazendo-se necessária em alguns
casos, à aplicação em seu entorno.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto é evidente a carência de estudos sobre o patrimônio


arquitetônico dos bairros que estão fora da Avenida do Contorno. É preciso que sejam
desenvolvidos estudos para o reconhecimento do valor desses bens e para a aplicação de
políticas de proteção ao patrimônio. Dessa forma, o presente trabalho buscou atender em
parte à demanda por estudos sobre essa área pericentral, com o aprofundamento sobre o
bairro do Carmo.

O Carmo é um bairro antigo e tradicional de Belo Horizonte, teve sua ocupação


iniciada na década de 1910 e cresceu a partir de 1940 devido à construção da Igreja Nossa
Senhora do Carmo e a diversas obras de pavimentação e canalização realizadas na área. O
levantamento da história do bairro é uma etapa importante para identificar os bens que tem
valor cultural e histórico. Além da pesquisa histórica, foi feito um diagnóstico sobre a
situação atual do bairro. A análise desses dados foi importante para compreender a
dinâmica do bairro e a identificação de bens arquitetônicos que não estão protegidos por
nenhum instrumento de preservação, como o conjunto de casas datadas da década de 1940
da R. Outono e a Igreja Nossa Senhora do Carmo. O estudo da legislação, tanto atual
quanto as antigas foi fundamental para entender o processo de ocupação do bairro e o
processo de verticalização que esse vem sofrendo. Analisar o zoneamento e os parâmetros

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urbanos vigentes é importante para verificar o impacto dessa legislação sobre o patrimônio
do bairro e para elaborar propostas para a preservação do patrimônio do Carmo.

Por fim, esse estudo feito sobre o Carmo demonstra a importância da ação de
documentação e registro das histórias e do patrimônio dos bairros pericentrais. Esses
bairros muitas vezes negligenciados devem ser estudados para impedir que o patrimônio
arquitetônico deles seja destruído e a história apagada.

7. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA
ANDRADE, Luciana Teixeira de; ARROYO, Michele Abreu (org.). Bairros Pericentrais de
Belo Horizonte: Patrimônio, território e modos de vida. 1. ed. Belo Horizonte: Editora PUC
Minas, 2012. 404 p.
APCBH. História dos bairros de Belo Horizonte: região Centro Sul. Belo Horizonte, 2008.
ARROYO, Michael Abreu. Para além do tombamento: possibilidades de instrumentos de
proteção do patrimônio cultural nas políticas públicas municipais. In: ASKAR, Jorge Abdo;
ARAÚJO, Guilherme Maciel; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Mestres e conselheiros:
Manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural. Belo Horizonte: IEDS, 2009. cap. 6,
p. 68-75.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Decreto nº 15.254. 04 Jul. 2013. Dispõe sobre a
transferência do direito de construir. Belo Horizonte: PMBH, 2013.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 2662. 29 Nov. 1976. Institui normas de uso e
ocupação do município de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PMBH, 1976.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 4034. 25 Mar. 1985. Uso e Ocupação do Solo
Urbano de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PMBH, 1985.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 7165. 27 Ago. 1996. Plano Diretor. Belo
Horizonte: PMBH, 1996.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 7166. 27 Ago. 1996. Estabelece normas e
condições para parcelamento, ocupação e uso do solo no município de Belo Horizonte. Belo
Horizonte: PMBH, 1996.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 11181. 08 Ago. 2019. Aprova o Plano Diretor do
Município de Belo Horizonte e dá outras providências. Belo Horizonte: PMBH, 2019.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 3802. 6 Jul. 1984. Organiza a proteção do
patrimônio cultural do município de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PMBH, 1984.
BELO HORIZONTE Prefeitura. BH MAPS. Disponível em < http://bhmap.pbh.gov.br/
v2/mapa/idebhgeo#zoom=4&lat=7796893.0925&lon=609250.9075&baselayer=base>.
Acesso em 06 Jun. 2021.
BELO HORIZONTE Prefeitura. Novo sistema de transferência do direito de construir. 09
Dez. 2020. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/politica-urbana/novo-sistema-de-
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CASAS DA LAGOINHA. O conjunto urbano Lagoinha, Bonfim e Carlos Prates.
Disponível em <https://www.casasdalagoinha.com.br/post-unico/2019/03/05/o-conjunto -
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CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 4.ed. São Paulo: Estação Liberdade:
UNESP, 2006. 282 p. ISBN 9788574480305.
GUIA DO BEM. Guia do Bem. Disponível em <https://guiadobem.org/>. Acesso em 10 Dez.
2020
LEMOS, Celina Borges; GUERRA, Karla Bilharinho (org.). Casa Nobre: Significados dos
modos de morar nas primeiras décadas de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Frente e Verso,
2019. 249 p. ISBN 9788566644296.

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MOL, Natalia Aguiar. Leis e urbes: um estudo do impacto da lei de parcelamento, ocupação
e uso do solo de Belo Horizonte. Orientador: Geraldo Magela Costa. 2004. 142 p.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
MOREIRA, Eugênio; CARDOSO, Daniel; BEIRÃO, José Nuno. Modelagem da informação
e métodos quantitativos a serviço da preservação da ambiência do patrimônio cultural
edificado. In: Moreira et al. PNUM2018: A Produção do Território: Formas, Processos,
Desígnios. 2019.
OLIVEIRA, Raquel Elizabeth Byrro. Dossiê de Ausência: O Patrimônio Arquitetônico
Urbano Em Condição De Vacância Na Região Central De Belo Horizonte. Belo Horizonte,
2020.
PIRES, Maria Coeli Simões. Da proteção ao Patrimônio Cultural: o tombamento como
principal instituto. 1ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. v. 1.
QUANTO DURA. Quanto tempo dura um bairro. Disponível em <https://quantodura.
com.br/mapa>. Acesso em 15 Dez. 2020.
VILLAS, Alberto. BH. A cidade de cada um: Carmo. 1. ed. Belo Horizonte: Conceito, 2008.
80 p.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO, LEGISLAÇÃO URBANA E


INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO - ESTUDO DE CASO DO BAIRRO DO
CARMO

Sarah Vieira Paz Souza (sarah_vps@hotmail.com)

Este artigo investiga a situação do patrimônio arquitetônico no bairro Carmo,


situado na região Sul de Belo Horizonte. Partindo de um levantamento sobre o
patrimônio arquitetônico (seja esse tombado ou não) da cidade foi possível
perceber uma concentração de estudos e políticas de preservação do
patrimônio em edificações dentro do limite da Avenida do Contorno, e uma
escassez de estudos e levantamentos sobre o patrimônio em bairros
pericentrais (bairros que estão ao redor da Avenida do Contorno). Diante
disso, foi eleito um bairro pericentral para se aprofundar. A escolha do Carmo
se dá pelo fato de ser um bairro antigo (a ocupação dele data do inicio do
século XX) e por ter uma demanda de estudos sobre sua arquitetura. Dessa
forma, foi realizado um diagnóstico sobre o bairro, por meio de um
levantamento bibliográfico sobre a história, de visitas a campo, de
mapeamentos diversos e da analise da legislação urbana e dos instrumentos
de proteção ao patrimônio. A partir desse diagnóstico notou-se que algumas
edificações de importância histórica e arquitetônica, e que são patrimônio do
bairro, como a Igreja Nossa Senhora do Carmo e um conjunto de casas na Rua
Outono datadas de 1940 até 1960, não possuem proteção prevista pela lei. Foi
feita então uma analise sobre os efeitos da aplicação dos parâmetros urbanos
propostos pelo zoneamento da lei de uso e ocupação de solo atual sobre esses
bens para verificar o nível do risco dessas edificações serem demolidos ou
descaracterizados. A partir disso, foi elaborada uma proposta para preservar a
homogeneidade e a ambiência do conjunto de residências, bem como a
conservação da igreja e a manutenção da visibilidade da torre sineira de alguns
pontos do bairro, por meio da aplicação de instrumentos previstos pela
legislação municipal, como o tombamento, a transferência de direito de
construção, o limite de altimetria, entre outros.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O ORNAMENTO SOB FORMA DE TEXTURAS E RELEVOS NA


ARQUITETURA ECLÉTICA DA CIDADE DA PARAÍBA NA 1ª METADE DO
SÉCULO XX

Victor Moreira De Freitas (victormoreiraf@hotmail.com)

Ivan Cavalcanti Filho (icavalcantifilho@yahoo.com.br)

A presença do ornamento sob forma de texturas e relevos decorativos são


protagonistas de peso na arquitetura eclética desde sua gênese na Europa a
partir de meados do século XIX, tendo reflexos em todo o mundo ocidental. No
Brasil, essa linguagem arquitetônica profusa em termos de ornamento nas suas
fachadas aportou nas grandes cidades – Rio de Janeiro e São Paulo – já no
final da aludida centúria através de edificações requintadas, principalmente
inspiradas no gosto francês. A cidade da Parahyba, atual João Pessoa, foi
igualmente contemplada com a aludida linguagem formal em edificações tanto
institucionais quanto residenciais produzidas na primeira metade do século XX,
quando importantes eixos viários foram abertos na urbe em franca expansão.
Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica
(PIBIC), em curso no Laboratório de Pesquisa Projeto e Memória do
Departamento de Arquitetura da UFPB, com o objetivo de registrar e fazer uma
análise crítica de edificações ecléticas do Centro Histórico da capital paraibana
com ênfase nas texturas e relevos nelas apresentados, procurando justificar
seu significado na cultura arquitetônica da época. A justificativa para a
investigação reside na escassez de estudos sobre o tema e, portanto, na
necessidade de identificação e classificação dos citados elementos
ornamentais que dão visibilidade e destaque às edificações onde foram
aplicados, garantindo-lhes um toque de novidade não obstante sua essência
eminentemente historicista. Os procedimentos metodológicos adotados para o
desenvolvimento do trabalho compreenderam inicialmente uma revisão
minuciosa da literatura acerca do ecletismo, seus pressupostos teóricos e suas
diferentes interpretações no mundo e no Brasil, para dar suporte à análise a ser
empreendida no trabalho. A identificação dos edifícios e o levantamento
fotográfico dos mesmos com seus relevos e texturas no recorte espacial
adotado consistiram a etapa seguinte, antecedendo o processamento dos
dados obtidos, quando foram eleitas treze edificações para análise, culminando
com a produção de um quadro resumo indicativo da presença de texturas e
relevos nas mesmas, sua classificação quanto à forma, e seu significado no
patrimônio estudado. Os resultados da pesquisa traduzem o protagonismo
formal do ornamento nas fachadas das edificações ecléticas, emprestando às
mesmas a ‘suposta’ modernidade e o cobiçado ‘ineditismo’ preconizados à
época no âmbito da produção arquitetônica.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

O ORNAMENTO SOB FORMA DE TEXTURAS E RELEVOS NA


ARQUITETURA ECLÉTICA DA CIDADE DA PARAHYBA NA 1ª
METADE DO SÉCULO XX

(1) FREITAS, VICTOR MOREIRA; (2) CAVALCANTI FILHO, IVAN

1. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Campus I - Cidade Universitária, 58051-900, João Pessoa – PB.

victormoreiraf@hotmail.com

2. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Campus I - Cidade Universitária, 58051-900, João Pessoa – PB.

icavalcantifilho@yahoo.com.br

RESUMO

A presença do ornamento sob forma de texturas e relevos decorativos são protagonistas de peso na
arquitetura eclética desde sua gênese na Europa a partir de meados do século XIX, tendo reflexos em
todo o mundo ocidental. No Brasil, essa linguagem arquitetônica profusa em termos de ornamento nas
suas fachadas aportou nas grandes cidades – Rio de Janeiro e São Paulo – já no final da aludida
centúria através de edificações requintadas, principalmente inspiradas no gosto francês. A cidade da
Parahyba, atual João Pessoa, foi igualmente contemplada com a aludida linguagem formal em
edificações tanto institucionais quanto residenciais produzidas na primeira metade do século XX,
quando importantes eixos viários foram abertos na urbe em franca expansão. Este trabalho apresenta
resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC), em curso no Laboratório de Pesquisa
Projeto e Memória do Departamento de Arquitetura da UFPB, com o objetivo de registrar e fazer uma
análise crítica de edificações ecléticas do Centro Histórico da capital paraibana com ênfase nas texturas
e relevos nelas apresentados, procurando justificar seu significado na cultura arquitetônica da época.
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A justificativa para a investigação reside na escassez de estudos sobre o tema e, portanto, na
necessidade de identificação e classificação dos citados elementos ornamentais que dão visibilidade e
destaque às edificações onde foram aplicados, garantindo-lhes um toque de novidade não obstante
sua essência eminentemente historicista. Os procedimentos metodológicos adotados para o
desenvolvimento do trabalho compreenderam inicialmente uma revisão minuciosa da literatura acerca
do ecletismo, seus pressupostos teóricos e suas diferentes interpretações no mundo e no Brasil, para
dar suporte à análise a ser empreendida no trabalho. A identificação dos edifícios e o levantamento
fotográfico dos mesmos com seus relevos e texturas no recorte espacial adotado consistiram a etapa
seguinte, antecedendo o processamento dos dados obtidos, quando foram eleitas dez edificações para
análise, culminando com a produção de um quadro resumo indicativo da presença de texturas e relevos
nas mesmas, sua classificação quanto à forma, e seu significado no patrimônio estudado. Os resultados
da pesquisa traduzem o protagonismo formal do ornamento nas fachadas das edificações ecléticas,
emprestando às mesmas a ‘suposta’ modernidade e o cobiçado ‘ineditismo’ preconizados à época no
âmbito da produção arquitetônica.

Palavras-chave: Relevo; Textura; João Pessoa.

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1. INTRODUÇÃO
Os relevos e texturas empregados em fachadas de edificações são elementos decorativos
presentes na arquitetura desde a Antiguidade Clássica, quando, além de compor os capitéis
das colunas gregas e romanas, são pontualmente expressos nos acrotérios e tímpanos dos
templos. A partir da segunda metade do século XVIII, no entanto, num contexto de Revolução
Industrial, tais ornamentos vão aos poucos ganhando maior importância até se tornarem
elementos essenciais nas frontarias das edificações. Nesse contexto de novas tecnologias, a
arquitetura passa a conformar, em meados do século seguinte, uma nova linguagem plástica
– o ecletismo – que busca, através da diversidade de suas formas, gerar edifícios
profusamente ornamentados, usando elementos arquitetônicos de vários estilos do passado,
sempre primando por uma composição harmônica, onde os relevos e texturas se constituem
protagonistas em termos de qualidade e de quantidade.

Na verdade, os avanços tecnológicos e os novos materiais empregados à época no


mundo europeu provoca uma espécie de repaginação da arquitetura. Surgem novos modelos
de edifícios buscando acompanhar o discurso de modernidade então veiculado nos grandes
centros. Nesse contexto, após as manifestações historicistas do Neoclassicismo e do
Medievalismo, o ecletismo desponta como resposta à busca por uma nova arquitetura,
utilizando elementos de diferentes vertentes arquitetônicas produzidas ao longo da história.
Materializando tal discurso, os edifícios ecléticos se disseminam pelo mundo, através de
fachadas inéditas, profusas em relevos e texturas, que se tornam importantes sinalizadores
de uma das linguagens formais mais emblemáticas em vigor até o início do século XX.

“Os valores do ornato e do décor atravessam repetidas reavaliações e negações a cada ruptura com as
convenções precedentes. Com a emergência das ideais modernas, é buscada uma superação das teorias
do século 19, colocando em crise a própria definição de ornamento, agora rodeada por um discurso técnico
estreitamente ligado às evoluções no campo tecnológico” (ANTONIOLI, 2010).

O ecletismo chega nas principais capitais brasileiras no final do século XIX, num momento
de mudanças por que passava o país. Como não contava com indústrias, o Brasil importava
não só os materiais e tecnologias necessários para suas construções, mas também os
arquitetos e, grosso modo, os próprios modelos dos edifícios ecléticos, já que pouco se
inovava em termos de arquitetura no país, como afirma Reis Filho (1970, p. 159): “Os
arquitetos e engenheiros dessa época orgulhavam-se de imitar com perfeição, até nos
detalhes, os estilos de todas as épocas”.

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A arquitetura eclética aporta na cidade da Parahyba, atual João Pessoa, favorecida pelo
momento econômico alvissareiro pelo qual passava a economia do Estado. Conforme afirma
Mariz (1978), nessa época, a riqueza gerada pela cultura do algodão proporcionava as
condições econômicas para a introdução de novidades em todos as áreas de uma sociedade
em busca de modernização. Tal contexto concorria para a evolução do nível da arquitetura
local, que podia contar tanto com edifícios institucionais quanto residenciais com maior
requinte e qualidade estética.

Considerando o exposto, o objetivo dessa pesquisa é, a partir do reconhecimento da


arquitetura eclética produzida na capital paraibana na primeira metade do século XX,
identificar as texturas e relevos apresentados nas edificações do gênero situadas no seu
Centro Histórico. O trabalho intenta estudar tais ornamentos, seu desenho, padrões,
composições, e sua eventual simbologia, além de agrupá-los de acordo com sua tipologia. A
justificativa da investigação reside na escassez de registros textuais e iconográficos, bem
como de trabalhos acadêmicos que abordem o tema, sobretudo no tocante à diversidade
formal estampada nas edificações.

Com relação aos procedimentos metodológicos empregados, o trabalho parte de uma


cuidadosa revisão da literatura, seguida do reconhecimento e mapeamento de edificações
ecléticas situadas no recorte espacial adotado. O levantamento fotográfico dos imóveis
pertinentes constituiu o procedimento seguinte, a partir do qual foi registrado e catalogado o
repertório de texturas e relevos das fachadas consideradas, sendo tais dados processados e
organizados de modo a compor os resultados da investigação.

Nesses termos, para registrar tais resultados e atender ao objetivo da pesquisa, este
ensaio faz uma incursão no contexto geral da linguagem eclética, alude à sua difusão no
Brasil, e destaca sua introdução na capital paraibana, quando conforma superfícies parietais
dos principais eixos viários da cidade em expansão. No estudo das edificações, são
destacados os principais tipos de texturas e relevos que ornamentam suas fachadas, com
uma breve análise pautada no discurso arquitetônico da época. O trabalho culmina com a
apresentação de um quadro resumo onde o ornamento, uma vez registrado e classificado, é
quantificado para efeito de comprovação de sua importância como patrimônio de valor.

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2. ARQUITETURA ECLÉTICA: EXPRESSÃO DE MODERNIDADE
O surgimento do ecletismo na segunda metade do século XIX está relacionado com a
Revolução Industrial catapultada em meados da centúria anterior. Isso porque, a partir desse
momento histórico o continente europeu passa por expressivas mudanças, quando surge uma
grande variedade de novos produtos e tecnologias obtidos a partir da mecanização do
trabalho. Esses novos produtos eram confeccionados de forma mais rápida e tinham seus
custos reduzidos, favorecendo uma nova ordem onde o espírito de consumo motivava a
população, ansiosa por acompanhar a modernização imposta pelos avanços tecnológicos e
pelo mercado em expansão. Essa avidez pela modernização é turbinada ainda mais pelas
Exposições Universais, em especial aquelas ocorridas em Paris até 1900, quando as
inovações tecnológicas eram apresentadas em setores específicos da cidade, que serviam
de palcos para tais eventos de repercussão mundial (BENEVOLO, 1978).

Nesse contexto, a arquitetura é repaginada face às novas técnicas construtivas e aos


materiais produzidos industrialmente, como o ferro (utilizado tanto em estruturas quanto em
ornamentos), o vidro, o tijolo, e outros materiais cerâmicos produzidos de forma mais rápida
e barata se comparados com a manufatura tradicional. O contexto era favorável para se
conceber novos elementos decorativos, empregá-los nas fachadas dos edifícios, e com isso,
gerar obras inéditas, como argumenta Paim (2000). Com o ecletismo, os arquitetos possuíam
uma licença poética para criar edifícios arrojados que satisfaziam a burguesia da época. Sobre
o assunto, Patetta (1987, p. 13) assim se refere: “O ecletismo era a cultura arquitetônica
própria de uma classe burguesa que dava primazia ao conforto e amava o progresso”. Com a
aprovação daqueles quem detinham os meios de produção, a arquitetura eclética deslancha
e se espraia por toda a Europa, sendo festejada por contemplar edifícios ricos sob o ponto de
vista ornamental.

Apesar da total liberdade para criar e compor com diferentes linguagens arquitetônicas,
os arquitetos adotavam pontos em comum ao conceber tais edifícios. Suas características
provinham da linha Beaux-Arts, o modelo mais seguido por escolas superiores na época, o
qual divergia da Escola Politécnica de Paris, que lidava de uma forma diferente com o projeto
de edifícios. A última adotava um modo mais pragmático e matemático, procurando resolver
as questões da maneira mais funcional e economicamente viável (CZAJKOWSKI, 2000). De
acordo com o citado autor, a linha Beaux-Arts enxergava a arquitetura como arte, fazendo
com que fossem aplicados conceitos de outras artes plásticas no projeto do edifício, como a
simetria, a composição e a ornamentação.

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2.1. Simetria

A simetria era considerada pela Beaux-Arts como um requisito básico do edifício eclético,
o qual deveria apresentar um reflexo exato quando rebatido em relação a um eixo. Isso se
aplicava tanto nas plantas baixas, quanto nas elevações e nos ornamentos que decoravam
as obras. Essa busca pela simetria em todos os elementos pode ser percebida no Le Petit
Palais, em Paris, na França, edifício cuja fachada é perfeitamente simétrica.

2.2 Composição

Uma das principais características do ecletismo é a forma de dispor elementos de


diferentes linguagens arquitetônicas no mesmo edifício. Para tanto, era imprescindível que os
arquitetos se esmerassem ao compor, sobretudo as fachadas, para que a ideia de imponência
e requinte do edifício fosse assegurada. Os arquitetos podiam realizar suas composições
através de inspirações de edifícios já existentes, como aconteceu na Ópera Nacional de Paris,
que teve sua fachada inspirada no Pavilhão do Relógio do Louvre, localizado na mesma
cidade; ou podiam realizar suas composições a partir de tipologias de fachadas comuns que
se repetiam em diversas obras.

2.3 Ornamentação

O ornamento dos edifícios ecléticos era basilar para a sua composição, já que lhes
conferia o tom de ineditismo e destaque que a linguagem deveria ensejar. Conforme Sullivan
(2016), o uso e a aplicação da forma e de elementos plásticos dependiam de um contexto, de
uma história, de uma cultura, de um espírito do tempo. Nesse sentido, por vezes o ornamento
escondia detalhes mecânicos da construção, fazendo com que o edifício pudesse ser
contemplado como uma obra visualmente perfeita, por não conter imperfeições à vista, como
afirma Reis Filho (1970). A platibanda ornada com texturas e relevos, por exemplo, acolhia tal
função ao esconder os telhados.

Considerando o exposto, a linguagem eclética tinha sua importância não apenas por
adotar e fazer uma composição de elementos formais de arquiteturas anteriores, mas também
por consolidar a euforia por uma modernidade vivida na Europa pós-Revolução Industrial. Os
novos edifícios, além de fazerem uso de inovações tecnológicas nos materiais e métodos
construtivos, resgatavam a relação entre arte e arquitetura através da utilização recorrente do
ornamento sob forma de relevos e texturas, e também de materiais utilizados segundo práticas
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inovadoras, como o ferro e o vidro, que eram amplamente empregados em suas fachadas.
De acordo com Paim (2000), os citados ornamentos não eram apenas complementos para a
beleza dos edifícios, mas sim os definidores de arquitetura como arte.

Nesse contexto, os relevos e texturas se tornaram reais protagonistas na concepção das


fachadas dos edifícios ecléticos, lhes conferindo o toque de modernidade através do
ineditismo de sua composição, pautada tanto em elementos de estilos do passado como em
componentes inovadores. Os relevos eram expressos sob forma de ornamentos geométricos
ou orgânicos, sendo estes últimos fitomórficos, zoomórficos ou antropomórficos. As texturas
diferiam dos relevos por serem aplicadas não pontualmente, mas revestindo panos completos
de frontarias, ou recortes das mesmas, a exemplo de faixas perimetrais nelas apostas.
Usando tais recursos plásticos aliados ao discurso da modernização vigente na época, o
ecletismo se difundiu em todo o Ocidente, sendo acolhido também no Brasil.

3. O ECLETISMO NO BRASIL
O ecletismo chega ao Brasil no final do século XIX com o mesmo ideário de modernidade
e progresso difundido na Europa, ocasionando uma verdadeira revolução na arquitetura
brasileira. Com o fim da escravidão, ocorre uma forte imigração europeia, que vai impactar de
forma decisiva na qualidade da mão-de-obra no país. Conforme Reis Filho (1970), os
imigrantes detinham técnicas que os escravos não dominavam. O trem também teria sua
parcela de contribuição nesse processo de modernização. O investimento na ampliação da
malha ferroviária foi essencial para a difusão do ecletismo, sobretudo nas cidades que não
possuíam portos. É importante ressaltar que, através destes últimos, foi possível o acesso a
materiais inéditos no país, os quais vinham diretamente da Europa para serem empregados
nas construções, desde vigas e pilares de ferro, até peças de mobiliário, e outros ornamentos
congêneres (REIS FILHO, 1970).

Introduzida no Brasil, a linguagem eclética tem como primeiro palco a cidade do Rio de
Janeiro, através do academicismo vigente na Escola Nacional de Belas Artes, que defendia a
ideia da arquitetura ser tratada como arte. A nova vertente se consolidaria no país como
expressão de peso a partir da realização, na capital federal, da Exposição Comemorativa do
Centenário da Abertura dos Portos em 1908, grande empreendimento que demonstrou a
euforia plástica com que era apresentada a arquitetura de então, através de construções
arrojadas e profusamente ornamentadas (LEMOS, 1987).

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Tal euforia já se fazia sentir no início do século XX, no governo de Rodrigues Alves,
quando reformas urbanísticas são implementadas no Rio de Janeiro. Largas avenidas são
criadas, edifícios são demolidos e construídas edificações de gosto eclético, conferindo à
cidade uma imagem belle époque (DEL BRENNA, 1987). Os prédios institucionais eram
verdadeiros monumentos, a exemplo da Escola Nacional de Belas Artes, inspirada no Palácio
do Louvre, em Paris. O Teatro Municipal do Rio de Janeiro, inspirado na Ópera de Paris, é
outro edifício que traz ao Brasil a verdadeira essência do ecletismo: composição com
diferentes linguagens formais, inspiração em estilos do passado e uso abundante do
ornamento.

Além do Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo seria também contemplada com
expressivos exemplares de arquitetura eclética. A partir da construção de ferrovias na década
de 1860, e do investimento na cultura cafeeira no lugar do açúcar, São Paulo deslancha
economicamente, passando a lidar com grande riqueza a ponto de se tornar expoente
nacional no cenário econômico e político.

Nessa época de pujança econômica, São Paulo é contemplada com investimentos tanto
na modernização das técnicas construtivas e dos materiais, quanto na organização
urbanística da cidade. Lemos (1987) destaca que entre 1900 e 1910, o número de edificações
construídas na urbe cresce de vinte e um mil para trinta e um mil. Em meio a tantas
edificações, aquelas de uso institucional e cultural se destacam por serem mais arrojadas no
tocante ao ornamento, como o Teatro Municipal de São Paulo, também inspirado na Ópera
de Paris. A Catedral de São Paulo, obra marcante no tocante aos elementos formais
neogóticos, segundo Lemos (1987), exigiu mão-de-obra especializada em corte de pedras
para que fosse executada com perfeição. Afinal, houve grandes avanços nas técnicas
voltadas à aplicação do citado material vislumbrando seu bom acabamento (BENEVOLO,
1978).

Considerando o exposto, o ecletismo produzido no Brasil era mais europeu do que local.
Além dos produtos e técnicas importadas do Velho Mundo, notadamente da Inglaterra e
França, a carência de profissionais da construção capacitados provocaria o apelo à mão-de-
obra estrangeira, já que os técnicos locais não tinham knowhow para produzir segundo os
‘ditames’ da nova vertente (REIS FILHO, 1970). Tal contexto fez com que um expressivo
número de arquitetos e engenheiros europeus aportassem no Brasil para contribuir como
projetistas da linguagem arquitetônica em voga, e, através da mesma, conferir ares de
modernidade às cidades onde ela era produzida.

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Nesses termos, o ecletismo provoca uma verdadeira revolução na arquitetura brasileira,
contribuindo para que a mesma se tornasse um incontestável indicador de progresso, como
alega Reis Filho (1970, p. 186), ao afirmar: “O ecletismo foi, pois, em arquitetura, conciliação
e progresso, tradicionalismo e progresso ou, como se diria depois, ordem – com uma
conotação determinada – e progresso”. Afinal a República recém proclamada (1899)
ensejava, através da bandeira nacional, o referido binômio de teor nitidamente progressista.

Com tais pressupostos, a arquitetura eclética, animada com o ornamento traduzido


através dos relevos e texturas já comentados, é introduzida na cidade da Parahyba, através
de edifícios institucionais, comerciais e residenciais, que, como nos grandes centros já
citados, são produzidos como símbolos de modernidade, conforme vai ser abordado capítulo
que segue.

4. ARQUITETURA ECLÉTICA E ORNAMENTO NA CIDADE DA


PARAHYBA
A linguagem eclética chega à antiga cidade da Parahyba (atual João Pessoa), no final do
século XIX, um período economicamente favorável, devido à cultura do algodão, que gerava
riqueza e condições alvissareiras para uma parcela da população detentora da citada
produção. A cultura canavieira e a pecuária extensiva realizada no sertão do estado também
contribuíam para esse período áureo da economia, conforme atesta Galizza (1996).

Com tais condições economicamente favoráveis, a cidade da Parahyba vai, aos poucos
se modernizando, primeiro com a chegada de luz elétrica, depois com reformas urbanísticas
que visam melhorar os fluxos na cidade e a higiene das ruas (MARIZ, 1939). A arquitetura da
urbe é contemplada com a construção dos primeiros edifícios ecléticos, guarnecidos de
ornamentos obtidos a partir do emprego de novos materiais e técnicas construtivas. O requinte
da linguagem é contemplado em edifícios residenciais, comerciais, e institucionais, sendo
estes últimos simbólicos enquanto indicadores do poder constituído na cidade.

Nesse contexto de euforia desenvolvimentista, os principais logradouros públicos então


existentes na capital, bem como outros definidos durante sua expansão, são contemplados
com essa arquitetura inédita, e ao mesmo tempo animada por seu caráter historicista. Para
um melhor entendimento do objeto de estudo – os relevos e texturas – a arquitetura eclética
produzida na cidade entre o final do século XIX e primeira metade do século XX é aqui
registrada a partir de sua relevância formal, sendo os exemplares de uso institucional e até

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alguns de uso recreativo grandes expoentes em termos de requinte e de diversidade de
ornamentos. Assim, dez edifícios vão ter a primazia de registro no presente trabalho a partir
de um total de quarenta e cinco edificações identificadas no recorte espacial adotado na
investigação. Os prédios ecléticos de uso comercial e residencial, por questões de logística
operacional, não vão ser analisados neste trabalho.

As edificações identificadas estão localizadas no Centro Histórico da capital paraibana,


dentro do perímetro definido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba
(IPHAEP), conformando numa poligonal delimitada a noroeste pela Praça Antenor Navarro,
nordeste pela Praça da Independência, sudeste pela esquina da Rua das Trincheiras com Av.
João Machado, e sudoeste pela esquina da Rua Beaurepaire Rohan com Rua da República.
Para facilitar sua localização no mapa, os edifícios são ‘sinalizados’ pela mesma cor dos
respectivos logradouros onde se encontram, sendo estes elencados na legenda. No caso do
presente registro, as edificações consideradas para efeito de estudo de relevos e texturas –
real objeto desta pesquisa – são aquelas dez numeradas no mapa. As demais são indicadas
na cor do respectivo logradouro, porém não são numeradas (Figura 1).

São elas: 1) Palácio da Redenção, 2) Palácio da Justiça, 3) Academia de Comércio


Epitácio Pessoa, 4) Palácio dos Correios e Telégrafos, 5) Associação Comercial, 6) Edifício
sede da FUNJOPE, 7) Loja Maçônica Branca Dias, 8) Grupo Escolar Thomás Mindello, 9)
Grupo Escolar Antônio Pessoa, e 10) Coreto da Praça Venâncio Neiva.

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Figura 1. Mapa de localização da cidade de João Pessoa e seu recorte adotado no trabalho.

Fonte: PMJP. Edição Victor Moreira, 2021.


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4.1 Palácio da Redenção

Localizado na Praça João Pessoa, o Palácio da Redenção é um dos principais edifícios


ecléticos da cidade, apresentando relevos geométricos, zoomórficos e fitomórficos (Figura
2.1). Com textura geral de frisos horizontais no pavimento térreo, o imóvel apresenta, acima
da porta principal de acesso ornamento zoomórfico – a cabeça de um leão envolto por
elementos florais. A porção central da platibanda balaustrada é provida de frontão triangular
com o Brasão da República no tímpano, sendo encimado por ádito com pináculos nas bordas,
e outro frontão escalonado encimado por escultura antropomórfica (Figura 2.1a). Sua fachada
apresenta seis pilastras caneladas sobre pedestais, com capitéis jônicos coroando sua parte
superior arrematada por painéis com coroas de flores (Figura 2.1b).

4.2 Palácio da Justiça

O Palácio da Justiça, localizado na Praça João Pessoa, integra o repertório dos edifícios
institucionais mais expressivos da cidade, face à sua imponência e pujança ornamental
(Figura 2.2). O edifício apresenta variados tipos de ornamento, mas aqueles de maior
destaque são de caráter geométrico e fitomórfico: os primeiros perfazendo o entablamento
das fachadas, e os últimos animando os frontões central e laterais que arrematam a fachada
norte. As fachadas leste e oeste são recheadas nos dois pavimentos por textura definida por
sulcos horizontais. Nas janelas do pavimento inferior os sulcos convergem para a parte
superior das aberturas em arco pleno, apontando para seus fechos. Na parte central da
fachada, colunas demarcam o terraço do seu pavimento superior, guarnecido de guarda-corpo
ornamentado com coroas fitomórficas, e arrematado por frontão triangular rompido e recheado
com elementos geométricos (Figura 2.2a). As extremidades da platibanda da fachada norte
exibem frontões semicirculares rompidos recheados por relevos fitomórficos (Figura 2.2b).

4.3 Academia de Comércio Epitácio Pessoa

Situada na Rua das Trincheiras n° 45, esquina com a Rua Almeida Barreto, a Academia
de Comércio Epitácio Pessoa é um expressivo exemplar de arquitetura eclética, o único que
apresenta arremate cupuliforme no Centro Histórico da cidade (Figura 2.3). No que diz
respeito ao ornamento, a edificação é contemplada com duas faixas texturizadas com
desenhos geométricos em todo o perímetro visível de sua fachada: uma acima das janelas do
pavimento superior, e outra – em forma de grega – à meia altura do pavimento térreo,
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interrompida pelas dezessete aberturas em arco pleno nas frontarias norte e oeste (Figuras
2.3a e 2.3b)

A parte inferior das fachadas apresenta outro tipo de textura, conformando a marcação do
embasamento em blocos de pedra granítica com juntas em relevo. Molduras das janelas em
relevo com fechos ressaltados, todos na cor branca, destacam as aberturas em arco pleno do
pavimento térreo. A marcação da entrada principal do edifício, curva, recuada e disposta no
vértice noroeste do imóvel, apresenta marquise que intercepta o volume meio cilíndrico sobre
a qual repousa o arremate cupuliforme (Figura 2.3).

4.4 Palácio dos Correios e Telégrafos, atual Paço Municipal

O Palácio dos Correios e Telégrafos é uma edificação recheada de relevos e texturas


próprios da arquitetura eclética (Figura 2.4). Construído no segundo decênio do século
passado, e ocupando quadra inteira na confluência da Praça Pedro Américo com a Rua
Beaurepaire Rohan, o prédio de tres pavimentos apresenta textura de frisos horizontais
reentrantes em alvenaria em todo o seu perímetro externo (Figura 2.4a). A outra textura
presente no edifício é o recobrimento de seu embasamento, confeccionado em de blocos de
pedra granítica lisa.

Outros relevos de expressão nas fachadas do edifício são as molduras geométricas


que envolvem todas as aberturas, destacando as esquadrias. Os frontões triangulares
sobrepostos às janelas do primeiro pavimento dão o toque clássico à edificação, assim como
a cornija inferior ao frontão grego de arremate da abertura central do piano nobile na fachada
norte. Além desses ornamentos, a aludida frontaria conta com ornamentos orgânicos
expressos através do frontão de contorno curvo cuja base é marcada por guirlanda de flores
suspensa por volutas que flanqueiam a parte inferior do Brasão da República Federativa do
Brasil (Figura 2.4b).

4.5 Associação Comercial

Localizado na extremidade norte da Rua Maciel Pinheiro, à borda sul da Praça Antenor
Navarro, no Varadouro, o edifício da Associação Comercial apresenta relevos de cunho
geométrico em praticamente toda a fachada (Figura 2.5). Projetado pelo arquiteto
Hermenegildo Di Lascio, o prédio com predominância de traço clássicos, exibe um marcante

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jogo de volumes na sua fachada leste, onde os dois extremos avançados são sobrepostos
com frontão triangular definido por molduras salientes, também presentes no ádito superposto
em cada um (Figura 2.5a).

As aberturas do edifício são delimitadas por pilastras laterais e relevos em formas


quadradas e retangulares acima das janelas, e em formato de “x” abaixo das mesmas. Os
ornamentos que fogem da composição geométrica são os zoomórficos situados no topo da
porção central do edifício, consistindo em cabeças de caprinos (Figura 2.5b).

Outros relevos dignos de menção são aqueles dos tímpanos, apresentando elementos
zoomórficos – asas de águia – que conferem um tom místico quando atreladas ao restante do
ornamento. As acróteras que arrematam as extremidades dos volumes salientes representam
conchas do mar, denotando outro exemplar zoomórfico de ornamento.

Figura 2 – Palácio da Redenção, Palácio da Justiça, Academia de Comércio, Palácio dos Correios e
Associação Comercial

Figura 2.1: Palácio da Redenção Figura 2.1a Figura 2.1b

Figura 2.2: Palácio da Justiça Figura 2.2a Figura 2.2b

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Figura 2.3: Academia de Comércio Figura 2.3a Figura 2.3b

Figura 2.4: Palácio dos Correios Figura 2.4a Figura 2.4b

Figura 2.5: Associação Comercial Figura 2.5a Figura 2.5b

Fonte: Acervo Victor Moreira, 2021.

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4.6 Edifício sede da FUNJOPE

Localizado na Rua Duque de Caxias nº 346, esquina com a Rua Peregrino de Carvalho,
o edifício onde funciona a Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE), foi inaugurado em
1925 sob moldes da arquitetura eclética para abrigar o Esporte Clube Cabo Branco, que ali
se manteve até o decênio passado (2011). Disposto em dois pavimentos, o prédio é profuso
na ornamentação, sobretudo na platibanda e na porção diagonal da frontaria, onde está
localizada sua entrada principal flanqueada por colunas de ordem toscana (Figura 3.1).

A fachada do pavimento térreo apresenta janelas em arco pleno emolduradas por


ornamentos geométricos, além de aberturas tripartidas que flanqueiam a entrada principal
guarnecida de porta de ferro Art Nouveau (Figura 3.1a). O imóvel é provido de balcões
balaustrados apoiados em mãos francesas na porção sudeste da frontaria, e na parte superior
da entrada da fachada sul. O entablamento é marcado por cornija avançada superposta por
platibanda formada por volumes retangulares alternados por frontões curvos justapostos a
pequenos áditos coroados por ornamentos fitomórficos. O coroamento da parte diagonal da
frontaria possui ornamento fitomorfo inscrito no frontão, e arrematado por ádito curvo coroado
por cornija (Figura 3.1.b).

4.7 Loja Maçônica Branca Dias

Situado à rua General Osório, o imóvel nº 128 apresenta grande diversidade de relevos
de caráter geométrico, antropomórfico e zoomórfico em sua fachada (Figura 3.2). A superfície
da fachada, expressa através de textura com sulcos horizontais, é marcada por colunas
lotiformes caneladas, ratificando o caráter hegemônico de símbolos egípcios no edifício.
Nessa mesma linha, a parte superior das janelas é guarnecida de relevos em forma de asas
de águia, remetendo à cultura egípcia, que tinha a águia como símbolo de poder e eternidade
(Figura 3.2a). Sua entrada é flanqueada por duas esculturas de esfinges, criaturas da
mitologia egípcia caracterizadas por ter corpo de leão e cabeça de mulher, peças que
emprestam ao edifício um caráter místico (Figura 3.2.b). O frontão central que arremata a
fachada possui tímpano com ornamento antropomorfo – olho humano – e é encimado por
águia como ornamento zoomorfo. A parte inferior desse arremate central acolhe outro frontão
desprovido de base cujo tímpano apresenta esquadro e compasso – elementos igualmente
simbólicos da instituição maçônica.

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4.8 Grupo Escolar Thomás Mindello

O imóvel n° 343 situado à Rua General Osório, esquina com a Av. Guedes Pereira,
apresenta uma variedade de ornamentos na sua fachada, sendo as texturas geométricas e
os relevos fitomórficos os mais recorrentes. O maior destaque da edificação está na porção
sul de sua fachada, onde está localizado pórtico saliente provido de balaustrada e escadórios
de acesso (Figura 3.3). Suas colunas de ordem compósita apoiam entablamento simples
encimado por frontão semi-curvo coroado por ádito provido de abertura circular.
(Figura 3.3a). Uma cornija saliente percorre toda a porção superior do edifício, sendo
superposta por platibanda marcada por pequenos pedestais com pinhas ornamentais na sua
parte superior. O ornamento fitomórfico é também apresentado nos guarda corpos das
aberturas de suas fachadas sul e oeste, com desenhos vazados em formato de folhas e flores
(Figura 3.3b), e nos relevos de sua porção superior. Quanto às texturas, o prédio apresenta
frisos horizontais que percorrem toda a parte inferior das fachadas sul e oeste,
correspondendo ao seu embasamento.

4.9 Grupo Escolar Antônio Pessoa

Localizado à Rua Beaurepaire Rohan, o Grupo Escolar Antônio Pessoa se destaca


especialmente pela textura geométrica disposta ao longo de sua frontaria, com ênfase nos
cunhais que delimitam os cheios de sua fachada oeste (Figura 3.4). Em forma de sulcos
horizontais, tal modulação marca toda a fachada do edifício (Figura 3.4a). A porção central
do corpo do imóvel é vazada por terraço provido de duas colunas toscanas que definem sua
entrada, sendo ligadas lateralmente ao mesmo através de balaustradas. A edificação
apresenta expressiva cornija encimada por platibanda coroada na sua parte central por
frontão de inspiração barroca com pináculos nas extremidades. O elemento traz o nome da
instituição educativa, e no seu topo um ornamento floral (Figura 3.4b).

4.10 Coreto da Praça Venâncio Neiva

Localizado na parte noroeste da Praça Venâncio Neiva, o coreto em forma circular


apresenta uma grande diversidade de ornamentos (Figura 3.5). Sua base exibe textura
cimentícia áspera, e o fecho do arco que limita sua passagem inferior possui relevo fitomórfico
(Figura 3.5a). Seu pavimento principal é delimitado por guarda-corpo balaustrado, sobre o
qual pousam colunas dispostas duas a duas com capitéis de ordem toscana. O entablamento
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apresenta friso com métopas e tríglifos, e cornija sobre a qual se assenta a platibanda
recheada de relevos sob forma de rostos femininos. Acima dos citados ornamentos
antropomórficos estão frisos salientes superpostos por relevos barrocos fitomórficos (Figura
3.5b).

Figura 3 – Edifício da Funjope, Loja Maçônica, Grupo Thomás Mindello, Grupo Antônio Pessoa, e
Coreto Venâncio Neiva

Figura 3.1: Edifício sede da FUNJOPE Figura 3.1a Figura 3.1b

Figura 3.2: Loja Maçônica Branca Dias Figura 3.2a Figura 3.2b

Figura 3.3: Grupo Escolar Thomás Mindello Figura 3.3a Figura 3.3b

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Figura 3.4: Grupo Escolar Antônio Pessoa Figura 3.4a Figura 3.4b

Figura 3.5: Coreto da Praça Venâncio Neiva Figura 3.5a Figura 3.5b

Fonte: Acervo Victor Moreira, 2021.

Para efeito de uma análise pertinente sobre o ornamento no patrimônio aqui destacado,
sua presença é registrada num quadro-resumo onde as dez edificações analisadas são
elencadas, e levantados seus principais relevos e texturas (Figura 4).

Figura 4. Quadro-resumo das texturas e relevos encontrados nas dez edificações analisadas.

Fonte: Acervo Victor Moreira, 2021.


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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados da presente pesquisa pode-se fazer quatro considerações


acerca do ornamento traduzido sob forma de relevos e texturas nas edificações existentes no
Centro Histórico da capital paraibana. A primeira delas é sua presença inconteste na
arquitetura eclética produzida no recorte espacial adotado entre o final do século XIX e
primeira metade do XX, tendo nítida influência de edificações congêneres erigidas nos
grandes centros urbanos brasileiros, cujas linhas, teriam sido influenciadas pelo ecletismo
europeu.

A segunda consideração a ser feita é que o trabalho expressa apenas uma


amostragem da produção eclética existente no centro histórico em tela, se limitando ao
registro de dez edificações, nove de uso institucional e uma de uso comemorativo. É oportuno
justificar que uma ampliação do número de exemplares para estudo seria inviável para os fins
deste trabalho, face à necessidade de uma análise pertinente de todos os seus ornamentos,
e o curto tempo disponível para tal.

A terceira consideração diz respeito aos relevos encontrados nas edificações


estudadas, que são expressos segundo quatro tipos – geométricos e orgânicos, sendo os
últimos expressos sob formas antropomórficas, zoomórficas e fitomórficas. Considerando o
quadro resumo elaborado com o repertório arquitetônico levantado, ficou evidente que os dois
primeiros foram os mais recorrentes, ambos se fazendo presentes em 100% das edificações
estudadas, enquanto os zoomórficos aparecem em 50% das edificações e os antropomórficos
em apenas 30%. Tal preferência pelos ornamentos geométrico e fitomórficos se deve à maior
facilidade para suas produções, uma vez que os motivos orgânicos mais complexos
(antropomórficos e zoomórficos) exigiam uma mão-de-obra especializada. Apesar da
existência de matrizes em concreto pré-fabricadas, sua instalação, requeria uma tecnologia
própria para seu assentamento. No âmbito das texturas, as geométricas lideram pelo mesmo
motivo supracitado.

A quarta consideração é que a pesquisa acena para investigação adicional e


complementar, uma vez considerado o grande repertório de edificações identificadas no
recorte espacial adotado (conforme indicado no mapa), o qual não pôde ser contemplado para
análise. As variedades dos relevos e texturas igualmente sugerem uma possível
descriminação dos mesmos por variações de cada morfologia, seja geométrica, fitomórfica,
zoomórfica ou antropomórfica.

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Para finalizar este trabalho, cumpre ressaltar a importância da pesquisa sobre os
relevos e texturas na arquitetura eclética do Centro Histórico da antiga cidade da Parahyba,
já que ela provê os meios para seu conhecimento e reconhecimento como patrimônio histórico
e cultural por parte da Academia e da sociedade em geral, carecendo de um maior apoio
institucional no tocante à sua conservação e preservação.

REFERÊNCIAS

ANTONIOLI, Luiz Fabio. Percursos do Ornamento. 2010. Dissertação (Mestrado em Projeto,


Espaço e Cultura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.

BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 3ª


edição, 2001.

CZAJKOWSKI, Jorge. Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Editora
Casa da Palavra, 2000

DEL BRENNA, Giovanna Rosso Ecletismo no Rio de Janeiro. In: FABRIS, Annateresa (Org.).
Ecletismo Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987. p. 28-67.

FABRIS, Annateresa. Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987.

GALLIZA, Diana Soares. Modernização sem desenvolvimento na Paraíba 1890-1930. João


Pessoa: Ideia, 1993.

LEMOS, Carlos. Alvenaria Burguesa. São Paulo: Nobel, 1989.

________. Ecletismo em São Paulo. In: FABRIS, Annateresa (Org.). Ecletismo Arquitetura
Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987. p. 68-103.

MARIZ, Celso. Evolução Econômica da Paraíba. João Pessoa: A União, 1939.

PAIM, Gilberto. A beleza sob suspeita. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1° edição, 2000.

PATETTA. Luciano. Considerações sobre o Ecletismo na Europa. In: FABRIS, Annateresa


(Org.). Ecletismo Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987. p. 8-27.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil, 2° edição. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1970.

SULLIVAN, Louis Henri. Um sistema de ornamento arquitetônico coerente com uma filosofia
dos poderes do homem. Londrina, Editora EDUEL, 2016.

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A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

DA OCA À LAMA: A HISTÓRIA DA VILA DE REGÊNCIA AUGUSTA

OLIVEIRA, LUIZ GUILHERME (1); GRANDI, LEANDRO (2); FERREIRA, EMANOEL


(3); VARGAS, ALINE (4)

1. Instituto Federal do Espírito Santo (Campus Colatina). Graduação em Arquitetura e Urbanismo


Av. Eugênio Pachêco de Queirós, 350. Jd. Camburi. Vitória – ES. 29092-170.
lguilhermedutra@live.com

2. FAMEESP – SP. Planejamento Urbano e Arquitetura


R. Mariana B. Santos, 158. Olaria. Lavras – MG. 37202-524.
leandroteixeira.arq@gmail.com

3. Instituto Federal do Espírito Santo (Campus Colatina). Arquitetura e Urbanismo.


Av. Arino Gomes Leal, 1700. St. Margarida – ES. 29700-558.
emanoeloliveiraf@gmail.com

4. Instituto Federal do Espírito Santo (Campus Colatina). Arquitetura e Urbanismo.


Av. Arino Gomes Leal, 1700. St. Margarida – ES. 29700-558.
arq.alinevargas@gmail.com

RESUMO
Regência Augusta é um distrito da cidade de Linhares, interior do Espírito Santo. Localiza-se na foz do
rio Doce e, consequentemente, foi drasticamente atingida pelo rompimento da barragem de Fundão,
no município de Mariana, Minas Gerais, em novembro 2015. A lama tóxica corrompeu o rio e se
espalhou pelo mar criando uma nuvem de rejeitos que impactaram a fauna e flora marítima num raio
de até 250 quilômetros. O crime ambiental fragilizou dinâmicas culturais locais conectadas às águas
(salgadas, do oceano e doces, do rio Doce). Com a incapacidade de os nativos exercerem suas práticas
econômicas e culturais milenares, causada pela poluição dos biomas, os quais eram substancialmente
interligados, houve um apagamento assistido da vila. A compensação monetária pelo crime ambiental
garante a subsistência, mas retira identidade e cultura. O presente trabalho busca resgatar a história
da vila de Regência Augusta: da oca (suas raízes ancestrais) à lama (o mais recente atentado contra
a cultura local) como forma de impedir o apagamento histórico local, entendendo que quando a história
é contada, ela (sobre)vive.

Palavras-chave: Regência Augusta, apagamento histórico, rio Doce, Linhares.

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1. A VILA REGÊNCIA AUGUSTA
A vila de Regência Augusta está situada na região costeira do município de Linhares, no
estado do Espírito Santo, precisamente na margem sul da foz do rio Doce. A vila é a sede do
distrito também chamado de Regência, que tem aproximadamente 40 hectares de área total
(BICALHO, 2011). A porção urbanizada da vila é reduzida, segundo levantamentos
censitários, no ano de 2010 habitavam a região cerca de 818 pessoas (IBGE, 2010). A
ocupação da vila está (como grande parte dos agrupamentos humanos brasileiros) ligada às
águas. Regência têm contato com duas: as salgadas do oceano atlântico e as imponentes do
curso do rio Doce. Sendo assim, a navegação, a pesca e o surfe são atividades de grande
importância cultural e que, com passar dos anos, foi se tornando base da economia local.
Muito da dinâmica cultural local se mistura com a exploração turística, isso se mostra na forma
de campeonatos de surfe, restaurantes, campings, trilhas e outras atividades.

A vila tem aspecto pacato. A maior parte do comércio é de pequeno porte, voltado em sua
maioria para serviços básicos e apoio ao turista. As ruas são de terra batida e o urbano se
dissolve em meio ao natural e rural. O meio construído é de baixa densidade, não há edifícios
com mais do que quatro pavimentos e grande parte das residências são de tipologia térrea (a
maioria com muros baixos e afastadas das divisas). Regência se desenvolve
morfologicamente a partir de uma rua principal onde estão concentrados os serviços. Há
também uma praça onde ocorrem as festas locais, um campo de futebol, uma escola primária
e um posto de saúde. A ambiência da vila pode ser observada na Figura 1.
Figura 1 – A ambiência da vila: rua principal

Fonte: Acervo dos autores, 2019.

Tanto no espectro cultural quanto econômico, percebe-se a dependência da vila das águas.
Porém, essa ligação se dá também em forma de herança de um passado portuário e indígena
e por isso ultrapassa o sentido contemporâneo e adquire um aspecto ancestral. Assim, em
2015, quando 50 milhões de toneladas de lama tóxica de mineração atingiram o rio e o mar,
a vila ruiu. O que antes era base para a subsistência e cultura se tornou veneno. Regência
sem as águas se viu órfã e às margens de subsídios externos. A dependência das águas foi
transferida para antagonistas que buscavam, por meios monetários, corrigir os danos e com
isso qualquer independência local foi retirada. Com passar dos anos, diante de uma falta de
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sentido cultural e econômico, iniciou-se um processo de apagamento local. O rompimento da
barragem de Fundão (parte do complexo de gestão da Samarco Mineração S/A) não foi o
primeiro evento que atentou contra o pequeno vilarejo. Historicamente diversos
acontecimentos privaram a vila de ser protagonista de sua própria história.

É nesse contexto turbulento, a história da vila de Regência Augusta, que se insere o presente
estudo. Os capítulos que seguem narram essa trajetória percorrida e por meio de uma
elucidação da história da vila, buscam obstaculizar o apagamento histórico local causado por
atores externos catastróficos.

2. DA OCA À LAMA
Para fazer a documentação histórica, foram divididos dois recortes temporais definidos por
eventos importantes principais. O primeiro, ao qual foi dado nome de “a oca”, inicia-se no
primeiro momento possível documentado: a chegada portuguesa e as relações conflituosas
com os nativos indígenas. O período se estende até os anos 80 onde foi observado um
aumento massivo da população de Linhares (município sede). O segundo período (“a lama”)
inicia-se pelo descobrimento de petróleo no campo da Lagoa Parda (próximo à vila), em 1987.
Este período segue até os dias atuais. Os recortes temporais não só guiaram o estudo como
também demonstram estágios de esquecimento e agressão à vila, como será mostrado.

2.1 A oca

Para iniciar essa viagem histórica, é inerente que se discorra sobre o indígena. A região de
planície costeira, a qual Regência está inserte, possui registros humanos pré-coloniais.
Estudos dos sítios arqueológicos de sambaquis das proximidades indicam a presença
humana de até 6.800 anos atrás (VILLAGRAN et. al, 2018). Posteriormente, durante a invasão
portuguesa, relata-se que os colonizadores fizeram contato com diversos povos indígenas.
Os Aimorés (Aymorés, Guaimurés, Ambarés, Embarés) e os Guerens (Gherens, Grens,
Krens), alcunhas referentes aos “Botocudos” (Figura 2), ocupavam o território do rio Pardo,
na Bahia, até o rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, e também no litoral baiano e
espírito-santense (SEKI, 2008).
Figura 2 – Índios Botocudos

Fonte: Garber, 1920.

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Os povos indígenas residentes do delta do rio Doce sustentavam seus hábitos de vida
baseados na coleta, na caça e na pesca, já a agricultura ainda estava em seu início. Sabendo
que a agricultura é determinante para afirmar a condição de um povo ser sedentário, pode-se
afirmar uma característica nômade (tardia) dos nativos. A comunidade indígena local estava
dividida em diversos grupos, ocupando o território de forma esparsa. Para os indígenas, o
bioma da Mata Atlântica era habitat, condição alterada pouco a pouco a partir da invasão e
dominação portuguesa no século XVI (GONÇALVES, 2014).

As navegações expedicionárias subiam o curso hídrico do rio Doce e necessitavam de locais


de parada nas intermediações. No estabelecimento desses atracadouros, pontos de auxílio
para os barcos, foram fundadas a aldeia de Regência, em 1572 na margem Sul, e a aldeia de
Nossa Senhora da Conceição, em 1593 na margem Norte (a qual seria a futura sede de
Linhares). No final do século XVII, a coroa portuguesa opta por proibir completamente a
navegação pelo rio, isso se deu devido a descoberta de ouro e minerais preciosos. A proibição
foi denominada de “Área Proibida” e visava proteção do território na região do alto rio Doce
(região das “minas gerais”). Contudo, as medidas tomadas pela coroa acabariam decidindo o
futuro daquele território, reduzindo seu desenvolvimento (ZUNTI, 1982). Este é o primeiro
evento que coloca a região capixaba em um vazio histórico-documental.

Quando comparado às regiões produtoras de açúcar mais ao norte, na Bahia e Pernambuco,


nota-se o desenvolvimento lento da região. Contudo, a importância da vila se mantinha visto
as navegações costeiras; Regência continuava como um importante ponto de apoio e
atracadouro. Segundo o Plano de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Entorno da
Reserva Biológica de Comboios de Pró-Tamar (2002, p. 27):
Na época do Império, a Estrada Real, que ligava o Rio de Janeiro à Bahia,
consistia em percurso realizado pelo litoral. Nas barras dos rios eram mantidos
destacamentos, em quartéis, para realizar a travessia dos viajantes, transmitir
ordens ao longo do litoral e guardar as comunicações com as sedes.

Considerando a descoberta de metais precisos na região do Alto rio Doce, pode-se


estabelecer que Regência adquire, naquele período, uma importância defensiva. Porém, ao
analisar exemplos similares, como no Rio de Janeiro, em que fora proposta a construção de
uma cidade para defesa de invasores franceses (FILHO, 1968), percebe-se que, para
Regência, a história foi diferente.

A paisagem de floresta, terrivelmente opressora, imprimia dificuldades até para o pequeno


povoamento local. A insalubridade ceifava vidas por diversos motivos recorrentes como
doenças oriundas do contato com a floresta, desnutrição, naufrágios e conflitos indígenas. A
invasão naquele local demonstrava-se muito mais custosa do que em outros locais. A solução
foi então o desmatamento. Remover a floresta se tornou sinônimo de resolver as adversidades
e patologias e, da mesma maneira, estruturar condições para povoamento pautado em
ampliação da navegação, da agricultura, e da mineração além de que, com campos abertos,
era mais seguro lidar com ataques dos indígenas. O desmatamento da mata ciliar foi
realizado, entretanto a pequena população luso-brasileira não modificou regiões mais
afastadas, somente as de interesse direto. Com isso, a mata densa e as comunidades
indígenas, nesse período, ainda se mantiveram (ESPINDOLA, 2008).

Mesmo de forma lenta, o desenvolvimento era inevitável. Contudo, a capitania do Espírito


Santo ainda era muito dependente de sua vizinha ao norte, a Bahia. Foi somente a partir do
século XIX que a região entra em uma nova fase, marcada por novas condições conjunturais

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na região do Baixo rio Doce. Esse notável desenvolvimento acabou por fomentar
investimentos da coroa portuguesa. Alguns dos diversos pontos pertencentes ao contexto
foram postos por Nascimento (2016).

Para estruturar a ocupação nesse período foi necessária a construção do quartel Coutins, na
atual Linhares (Espírito Santo), em 1800. A função do quartel era barrar a subida pelo rio de
embarcações não autorizadas, que acabariam chegando nas Minas Gerais, onde estavam os
minerais preciosos (uma nova forma, menos agressiva do que a anterior “Área Proibida”). A
preocupação da coroa em proteger tais riquezas era notável. No mesmo período, também se
criou condições para a cultura do trigo, linho, mandioca e cana-de-açúcar nas terras de
aluviões nas margens do rio Doce, chegando até a processar e exportar farinha e açúcar
(INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980). Todo esse desenvolvimento foi
ligeiramente assíncrono com o restante das capitanias.

Todavia, mesmo com a reafirmação territorial, expressa simbolicamente pela urbanização


(ainda modesta), os ataques indígenas continuavam. Os Botocudos eram descritos como
índios violentos e ativamente responsivos à invasão de suas terras. Note que o território
destas tribos ocupava o nordeste mineiro, sul baiano e norte espírito-santense e que era
exatamente essa área (de mata fechada) que a coroa buscava expansão para possibilitar a
exploração aurífera. O conflito de interesses era claro. Em 13 de maio de 1808, o príncipe
regente Dom João, por meio de uma carta régia, declara guerra contra os Botocudos (PENA;
DUARTE, 2008).

A guerra contra os invasores durou décadas. O primeiro quartel, Courtins, e o povoado anexo
foram alvos de um ataque massivo dos Botocudos e ambos acabaram sendo destruídos
completamente, o que demonstra a força dos tais índios. Contudo, foram reconstruídos em
1809, recebendo agora o nome de Linhares, em homenagem ao Rodrigo de Souza Coutinho,
o Conde de Linhares. Já o quartel de Regência Augusta recebeu esse nome para homenagear
Dom João VI, príncipe regente na época. A reconstrução fez parte do período documentado
de 1808 a 1818, marcado por um forte aumento na construção de fortificações às margens do
rio Doce (BICALHO, 2012; PEREIRA, 2013). Tal investimento militar sinaliza claramente o
interesse no extermínio dos Botocudos para assegurar interesses econômicos colonialistas.

O implemento dessas estruturas militares acabou resultando em melhor defesa contra aos
ataques dos Botocudos. Com isso, a antiga Barra do rio Doce tornou-se Regência Augusta,
que manteve (e mantém) a identidade pesqueira e cabocla; resultado da miscigenação entre
índios (Botocudos e Tupiniquins), brancos colonizadores, baianos e mineiros que vieram a
trabalhar nas roças.

Avançando para o final do século, na madrugada do dia 7 de setembro de 1887, o cruzador


Imperial Marinheiro (navio português) colide contra a barra de areia da foz do rio Doce, em
Regência Augusta. Em meio a condições climáticas adversas, Bernardo José dos Santos (um
morador de Regência) se lança ao mar em uma jornada ao naufrágio para levar um cabo para
salvamento. Em uma operação de 5 horas, foram resgatadas 128 vidas, fato que foi agraciado
pela coroa. Alguns dias depois, em 29 de setembro do mesmo ano, o herói nacional, agora
chamado de “Caboclo Bernardo” recebe a horaria da Princesa Isabel, a medalha humanitária
de 1ª classe, forjada a ouro, entre outros documentos de agradecimento. Seu ato vira
elemento do imaginário dos pescadores locais e, posteriormente, elemento cultural com a
festa do Caboclo Bernardo, que ocorre próxima a sua data de óbito (BICALHO, 2011).

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O evento é de importância estrutural para este estudo. O salvamento do Cruzador Imperial,
realizado por Caboclo Bernardo, marcou a história, a cultura e, por fim, a estrutura urbana da
vila que recebe um farol de ferro (de 47 metros de altura) a ser instalado na ponta norte em
1895. Após 12 anos de atuação o farol foi deslocado para a barra sul em Regência, para
atender melhor a navegação. Atualmente um novo farol está em operação. O farol de ferro
agora ocupa uma das praças da vila, como ícone local (Figura 3).
Figura 3 – Farol original de 1895, Regência.

Fonte: Acervo dos autores, 2019.

Avançamos agora para períodos pós independência, uma possível divisão metodológica
poderia ser posta neste momento, porém buscamos dividir a história da vila por eventos
influenciadores de seu apagamento e não políticos ou de outras naturezas.
A nova era política, pós proclamação da república, é marcada por grandes mudanças locais
influenciadas por projetos políticos e econômicos nacionais. Para este estudo e para
Regência, os investimentos em transportes foram determinantes. Foram iniciadas
intervenções desenvolvimentistas na região do Baixo rio Doce, conforme Quintão (2008, p.
130):
Podemos identificar, ao longo desse período, três meios diferentes idealizados
para realizar a tão almejada ligação com Minas Gerais: o primeiro, com Silva
Pontes [Antônio Pires da Silva Pontes Leme, governador], ainda no início do
século XIX, através da navegação pelo rio Doce; o segundo, uma década
depois, com Francisco Rubim [Francisco Alberto Rubim, administrador
português], optando pelas estradas de rodagem, idéia que permeou esse
século, pois foi seguida por outros administradores provinciais; e o terceiro,
com Moniz Freire [José de Melo Carvalho Muniz Freire, também governador],
que encontrou nas vias férreas a melhor forma para concretizar tais anseios.

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Regência ganhava importância como porto; o farol permitia uma navegação mais segura
permitindo um transporte de mercadorias pelo canal do rio Doce até a capital, entretanto um
novo modal de transporte altera a configuração local.
Nos últimos anos do século XIX, uma nova forma de escoamento da produção foi
implementada: a Estrada de Ferro Diamantina. Seu traçado incluía diversas regiões locais,
mas não chegava a Linhares. O escoamento de produtos, antes realizado pela navegação, é
substituído pela nova ferrovia. Produtos e mercadorias provindos de Minas Gerais e interior
do Espírito Santo agora chegam à capital (Vitória) pela ferrovia após passarem pelo porto de
Colatina (Espírito Santo). Dessa forma, no período, observa-se que Linhares sofre
intensamente os efeitos, assim como a vila de Regência, por agora estarem fora da rota
econômica. O caráter portuário de Regência se esvai. Atualmente a Estrada de Ferro
Diamantina faz parte da Estrada de Ferro Vitória-Minas, administrada pela Vale S.A
(BICALHO, 2012; INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980).
A história de Regência chega no século XX. Já primeiras décadas de 1900 os ciclos da
madeira e do café tiveram grande importância econômica, a introdução da cultura do cacau
foi incentivada a partir do ano de 1917 com distribuição de glebas pelos governos estaduais
para esse fim. Já a década de 40 é marcada por uma reestruturação do município de Linhares,
sinalizada principalmente por um aumento populacional: ordem de crescimento de 280%. O
resultado foi a emancipação dos distritos de Linhares e Regência formando o município de
Linhares tal qual é conhecido hoje. Linhares se torna independente em 31 de dezembro de
1943 (INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980; PREFEITURA MUNICIPAL DE
LINHARES, 2015).

Já na metade do referido século, alguns fatos marcantes foram encontrados: a construção da


ponte Presidente Vargas, sobre o rio Doce em 1954 e o asfaltamento da BR-101. Tais
conexões viárias criaram uma conexão entre os municípios da região (Linhares, João Neiva
e Vitória) o que acaba por fortalecer os municípios, entretanto o asfalto acaba por tornar as
rotas fluviais completamente obsoletas (BICALHO, 2011). Regência Augusta, como cidade
portuária, sofre novamente os impactos. Entende-se que este período marca mais uma etapa
da exclusão sócio territorial da vila.

Outro fator pontual a se observar é a capacidade pesqueira da vila, como cita o Plano de
Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Entorno da Reserva Biológica de Comboios
(2002, p. 27):

O rio Doce e o mar adjacente sempre foram riquíssimos em peixes,


sustentando inúmeras gerações de pescadores, que assistiram à degradação
do rio e suas águas e ao declínio dos recursos pesqueiros que chegavam a ser
enterrados de tão abundantes.

Contudo, com avanço do desenvolvimento econômico regional, essas atividades econômicas


locais foram sendo substituídas. Alagados dão lugar pastagens, a histórica área pesqueira
também passa a ter um carácter de produção agrícola. A descaracterização cultural se dá
então por causas econômicas.

Independente dos motivos, a região prosperou. A extração de madeira e o reflorestamento


aqueceram a economia municipal. As áreas da região com características alagadiças
receberam saneamento tornando-se propícias para atividades como a agropecuária extensiva
além de culturas como mandioca, pimenta do reino e abacaxi e manejo florestal utilizando
arvores exógenas como o eucalipto (INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980).

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Chegando à década de 1960, tem-se que a tendência nacional é a industrialização. A grande
expansão industrial demanda um contingente de trabalhadores que inicialmente não existia
na zona urbana. No Espírito Santo, o pilar econômico era a produção cafeeira. Em 1962, com
o decreto de erradicação dos cafezais antieconômicos, houve grande desemprego no campo.
A junção de vagas nas indústrias (nas cidades) e o recente desemprego no campo resultaram
em um evento conhecido como “êxodo rural”. Para a região e para Regência Augusta, o
resultado foi a migração da população campesina para a região da Grande Vitória. Muitos
desses trabalhadores foram empregados na indústria siderúrgica (SOUSA, 2015)

O período compreendido entre 1960 e 1980 é caracterizado por um segundo grande


crescimento populacional histórico em Linhares, alavancado pelo desenvolvimento
econômico (IBGE, 2010).

Finaliza-se neste período o primeiro recorte temporal metodologicamente definido. No capítulo


que se segue serão colocados eventos mais recentes ligados principalmente à exploração
econômica insustentável e agressiva que, ao final, resultam em desastre.

2.2 A lama

A produção capitalista busca sempre novas formas de manutenir o capital. Na história de


Regência até o momento (década de 1980), percebe-se uma acentuação gradual dos
interesses econômicos. Nos períodos que se seguem, a economia deixa de ser parte e se
torna todo. Dinâmicas sociais, culturais e históricas são, agora, mantidas ou extintas conforme
a ordem do capital ou seus impactos diretos.

O segundo recorte temporal deste estudo inicia-se pelo marco da descoberta de petróleo no
campo de Lagoa Parda (6 km da vila), em 1987. Embora a extração não tenha se desenvolvido
inicialmente (estagnando no início em 1989), a notícia de que há o “ouro negro” nas terras
locais sinaliza para uma nova dinâmica regional. O desenvolvimento da prática se desenvolve
lentamente até que, em 1997, a abertura de mercado propicia novas perfurações por
empresas estrangeiras (SHIGNORELLI, 2013).

As terras costeiras, em que o vilarejo de Regência está situado, passam então por uma
intensa alteração impulsionada pela perfuração de dezenas de poços terrestres de petróleo e
outras intervenções da indústria petrolífera. O fluxo de caminhões, a instalação de gasodutos,
tanques e cavalos de extração modificaram o contexto natural local. Embora tenha acontecido
um grande aporte financeiro, isso não significou uma mudança estrutural do local, mesmo
com o emprego de alguns moradores, a maior fonte financeira da população manteve-se aos
ofícios já existentes

A exploração de Gás e Petróleo no estado apresentou grande potencial, chegando ao posto


de segunda maior produtor nacional (PETROBRÁS, 2005). Contudo, as estruturas
necessárias para dar suporte à toda essa produção (em terra e agora também no mar)
começam a, de forma programática e silenciosa, estabelecer controle sobre tudo que é
realizado na região. A complexidade das instalações e da cadeia produtiva da indústria de
petróleo e gás começa a restringir o uso de recursos terrestres e marinhos, o que origina os
conflitos sociais e ambientais.

Em novembro de 2015, ocorreu um dos maiores crimes/desastres ambientais do Brasil: o


rompimento da barragem de Fundão, o maior desastre de caráter industrial da história do país.
A estrutura colapsada era parte do complexo minerador de gestão da Samarco Mineração

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S/A (controlada pela Vale S.A e BHP Billinton) localizado no município de Mariana (Minas
Gerais) e despejou mais de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos de atividade
mineradora no ambiente. A avalanche se deslocou por 55 km no rio Gualaxo do Norte até
alcançar o rio do Carmo, percorrendo 22 km até desaguar no rio Doce. Por fim, chegou à vila
de Regência, na foz do rio com o Oceano Atlântico (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2017).

Por onde a lama passou ficaram marcas e um caminho de destruição. Ao todo, 19 vidas
humanas foram levadas, centenas de casas em Bento Ribeiro (Minas Gerais) foram
soterradas, 14 milhões de toneladas de peixes mortos foram retiradas. O lastro mortal passou
por 41 cidades de Minas Gerais e Espírito Santo e 3 reservas indígenas. Em área, o impacto
gerado foi de 240,88 hectares da Mata Atlântica e propriedades rurais as margens dos rios
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2017).

A pluma de rejeitos impossibilitou a captação de água do rio, cidades que dependem do corpo
hídrico tiveram abastecimento comprometido por 8 dias em Governador Valadares (Minas
Gerais), e 6 dias em Colatina (Espírito Santo). Ao se aproximar da foz a Samarco tentou criar
uma barreira instalando boias nas margens do rio, mas sem sucesso (SAMARCO, 2016).

Regência aguardou a chegada da lama em clima mórbido, como se a comunidade estivesse


a se despedir de um ente querido. A água turva chegou à Regência no fim de uma tarde de
sábado (21 de novembro de 2015). O fato de o desastre ser anunciado, mas demorar cerca
de duas semanas para alcançar a vila, amplificou o sentimento de angústia dos locais. O
curta-metragem “Últimos dias em Regência” (2015) faz um retrato desse momento. Durante
o período de mais de 4 anos, os impactos ambientais inevitavelmente se tornaram também
sociais e com isso iniciaram-se um emaranhado de medidas judiciais e extrajudiciais que
almejam a compensação dos danos aos ecossistemas, prejuízos morais, materiais e
existenciais dos atingidos (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2019). Os impactos totais
ainda hoje não puderam ser mensurados ou revertidos.

Os impactos com a lama não se restringiram às águas doces. Quando no encontro com o
oceano houve dispersão mar a dentro, criando uma nuvem de rejeitos que impactaram a fauna
e flora marítima. Estudos identificaram a presença de rejeitos da Samarco a 250 km da foz do
rio Doce, no arquipélago de Abrolhos (Bahia), onde corais foram danificados pela presença
de zinco e cobre (UERJ, 2019).

Não só o cenário mórbido afetou a vila. A poluição de rio e mar deixou as instituições federais
e estaduais sem escolha senão:

[...]proibir/interditar a pesca de qualquer natureza, ressalvada aquela


destinada à pesquisa científica, a partir do dia 22 de fevereiro de 2016, desde
a primeira hora do dia, e por tempo indeterminado, passível de revisão
quando dos resultados das análises técnicas oficiais [...] (JUSTIÇA FEDERAL
DO ESPÍRITO SANTO, 2016, p. 1, grifo nosso).

O rio e o mar, como foi mostrado até o momento, são elementos não só de subsistência, mas
culturais e econômicos. Com a impossibilidade de exercer atividades comuns como a pesca
ou qualquer contato com às águas (mesmo que religioso) Regência ruiu.

A busca por remediação foi realizada com dinheiro. Indenizações e projetos de recuperação
ambiental foram feitos a partir de um acordo feito entre a Samarco, Vale e BHP, Governos
estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

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Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e ICMBio. Representantes do comitê de bacias
estabeleceram a formação da chama “Fundação Renova”, entidade sem fins lucrativos que
coordena um fundo de 20 bilhões de reais. As indenizações e programas sociais são pagos
com esse fundo (BRASIL, 2018).

Contudo, o dinheiro injetado na vila pela Renova acaba por acirrar disputas locais, o
cadastramento dos atingidos dentro da comunidade nem sempre atinge a todos, fornecendo
o auxílio a uns e não para outros. Movimentos como o Movimento dos Atingidos por Barragem
(MAB), e outras entidades, atuam nesses locais de disputa, lutando por direitos de atingidos.

Com a proibição da pesca no rio e no mar, a Associação de Pescadores de Regência


implementou tanques de cultura de peixe como forma de suplementação da renda junto ao
auxílio da Renova. O valor fornecido no subsídio é quase sempre menor do que a quantia que
a pesca fornecia; a vida do pescador foi totalmente comprometida. Aliado a isso, têm-se que
o turismo sofreu uma considerável redução, tendo como base o número de visitantes anuais
da Reserva Biológica (REBIO) de Comboios, no ano de 2015 a base teve 35.000 visitantes,
já nos 10 primeiros meses de 2018 a base recebeu 16.500 visitantes (ICMBio, 2018). O
desconhecimento do real efeito do contato com a água contaminada afastou o turismo da vila,
além de prejudicar em diversos pontos da economia e sociabilidade local.

Queiroz et. al (2021), em estudo, coletou amostras da lama toxica no curso do rio Doce em
2015 para análises laboratoriais. Dois anos depois (2017), em uma nova coleta, observou-se
uma concentração de manganês nove vezes maior que a anterior. Embora o aspecto da água
esteja menos turvo, e que visualmente a lama tenha “passado”, seus efeitos são ainda piores.
O aspecto limpo e salubre torna a água um veneno ainda mais eficaz. O impacto imediato da
pluma foi a perca de cerca de 30% da biodiversidade local. Já os efeitos futuros são incertos,
visto que os rejeitos estão interagindo com o meio, tornando-se biodisponíveis, e acumulando
na cadeia alimentar ciclicamente. Ainda que a pesca esteja proibida, ela ocorre. Contudo,
análises ainda relatam uma alta concentração de metais como o manganês nos peixes. O
consumo desses metais pode desenvolver nas pessoas doenças no fígado, cardiovasculares,
e neurológicas como mal de Parkinson e Alzheimer, consequências eternas e invisíveis para
as futuras gerações.

3. A VILA APÓS A LAMA


Apesar das adversidades as relações sociais da vila vêm se estabilizando, a vida segue seu
ritmo, mas sem chegar ao patamar anterior ao crime da Samarco. A história do distrito pode
ser dividida em períodos cíclicos, condicionados a eventos marcantes, muitas vezes reflexos
de políticas nacionais ou coloniais. O ano de 2015, por exemplo, é um marco temporal, data
em que o projeto extrativista mineral sequestrou as águas do convívio do povoamento
caboclo, todavia a data também pode marcar o início de um complicado projeto. De certa
forma, a história da vila e principalmente seus fatos antagônicos, alimentam sua
reestruturação.

A reparação dos danos ambientais vem sido promovida por meio de investimentos na região.
Alguns (de grande porte) estão previstos, um deles é o asfaltamento da estrada de Linhares
Sede à Regência que será financiado pela Fundação Renova. Serão 90 quilômetros de
pavimentação, custando R$ 367 milhões ao todo. O prefeito do município e os presidentes
das associações de moradores entendem que a melhoria da logística facilitará a conexão com
os serviços de saúde, educação e outros na sede municipal, além de incrementar a
distribuição da produção rural, cacau e café em particular, e fortalecer o turismo. A Secretaria

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de Educação Estadual (SEDU) receberá R$ 30 milhões, esses serão utilizados na área
educacional dos municípios atingidos (PREFEITURA MUNICIPAL DE LINHARES, 2020).

Contudo, o aumento do fluxo para Regência é visto com certa desconfiança por alguns
moradores, eles entendem que esse aporte de novos investimentos e edificações na vila
podem descaracterizar a tradição local e possivelmente gerar um novo risco ao meio
ambiente. A pavimentação da estrada de acesso facilitará o fluxo, tanto de saída e como o de
entrada, o que acaba favorecendo fenômenos já existentes, como a êxodo da juventude e a
especulação imobiliária local. A presente estrutura agrária local exige um certo nível de
proteção ambiental, e muitas vezes a procura por novas glebas não respeita as delimitações
das reservas. Outro ponto é a configuração dos equipamentos urbanos na vila. A
incapacidade de atender as demandas locais favorecem justificativas para o êxodo e
dependência.

Com a análise histórica de Regência identificou-se uma questão evidente: os grandes projetos
nacionais ditaram o desenvolvimento local, não de maneira a integrar a região em um plano,
mas sim colocando a comunidade a margem dos grandes investimentos. A vila, em nenhum
momento documentado, foi protagonista de sua história.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Regência vive uma realidade e futuro paradoxais: ao passo que se vê em direção à
independência econômica e desenvolvimento, precisa, para isso, entregar sua identidade em
uma espécie de troca imposta por condicionantes que vão para além do controle dos locais.
Essa imposta condição gera por si só um grave desequilíbrio social local: há aqueles que
acreditam no desenvolvimento econômico -a icônica chegada do asfalto e outros símbolos
do progresso- e há aqueles que acreditam que a preservação é a única forma da vila
sobreviver. As discordâncias em geral acabam enfraquecendo o sentido de comunidade, visto
que mesmo aqueles que defendem a preservação, acabam perdendo o fator “coletividade”,
tendo que lutar contra os próprios conterrâneos.

Fica claro que o desastre ambiental impacta diretamente a dinâmica social, mas, ao analisar
com proximidade, percebe-se que as tentativas de reparação acabam por impor um projeto
que, assim como a lama, é despejado na vila. Mesmo que o fundo monetário gerenciado pela
Fundação Renova seja de extrema importância, os recursos devem ser aplicados em
consonância com planos de reestruturação que tenham em suas diretrizes ações, programas
e projetos que resgatem (e não modifiquem) as dinâmicas pré-existentes. Quando as multas
são direcionadas para novas estruturas, o que se tem é uma espécie de “compra”, diferente
do real motivador por detrás: a reestruturação do que antes já existia.

O paradoxo de Regência só pode ser visualizado em sua completude quando historicamente.


A injeção de investimentos totalmente acrítica e deliberada pode causar mais danos do que
benefícios. As respostas para as divergências sobre o futuro da vila só podem ser encontradas
ao elucidar o princípio primordial de “restaurar” e para isso é necessário conhecer o passado.
A condição atual de Regência ilustra que a noção de identidade, contemporaneamente
falando, está fragilizada. O pensamento que atualmente circunda globalmente as ideias de
futuro, dita que o progresso e desenvolvimento tem como único vetor o econômico, o que
acaba por reduzir drasticamente o distanciamento (pluralidade) cultural global. Em uma
caminhada (corrida) pelo lucro, toda e qualquer cidade ou vilarejo tende a chegar em um
mesmo destino (o “progresso”), tornando assim, toda e qualquer cultura parecida, homogenia.

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Como atuar em Regência? Empiricamente, cada um terá uma resposta, contudo, para longe
das discussões entre os próprios moradores, que divergem sobre o destino da vila, há uma
resposta direta: objetiva-se a restauração; reestruturar é tanto o pressuposto como o motivo
pelo qual há a discussão. Dito isso, esclarece-se boa parte dos erros e direciona a vila para
um dos possíveis caminhos que definiriam seu destino. Mesmo que outros caminhos
pudessem ser escolhidos, este se dá como o de maior embasamento.

O que faz Regência? Regência Augusta é uma vila de caráter portuário, desde sempre o
contato com as águas é marcante. É também residência de povos indígenas e caboclos.
Permeia o urbano e o rural e sempre se situou aí, sem que a contemporânea ideia de
zoneamento fosse necessária. É casa do surfe, do turismo, das praias. Todos esses atores
fazem da vila o que ela é, de tal sorte que a valorização, restauração ou reestruturação destes
não terá outro resultado senão seu resgate.

O desenvolvimento local, quando alinhado com a busca pela valorização da cultura, se mostra
como a solução mais coerente em diversos aspectos. A implementação de ações de
manutenção da economia e identidade locais deve levar em consideração a presença de
elementos que reafirmem princípios como pertencimento afim de, em um plano multifacetado,
auxiliar Regência para o futuro, longe do esquecimento e perto do que sempre foi.

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A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
O IPHAN E A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO NORMATIVO PARA
CONJUNTOS URBANOS

COUTINHO, MARCO A. (1); LACERDA, NORMA (2); REYNALDO, AMÉLIA (3)

1. Universidade Federal da Paraíba, UFPB. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


marcoafcoutinho@gmail.com

2. Universidade Federal de Pernambuco, UFPE. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


norma_lac@yahoo.com.br

3. Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


ameliareynaldo@yahoo.com.br

RESUMO
Em 1938, as primeiras ações deflagradas pelo Iphan, foi o tombamento de diversos bens individuais
dispersos pelo país. Paralelamente se deu a proteção dos primeiros conjuntos urbanos em Minas
Gerais. Diamantina, Serro, Tiradentes, São João del Rey, Ouro Preto e Mariana tiveram seus
perímetros urbanos tombados na intenção de conter o curso da degradação. De 1938 a 2018, os
levantamentos de identificação e proteção resultaram no tombamento de 1196 bens imóveis
individuais e 93 conjuntos urbanos. Contudo, atualmente, somente 16 desses conjuntos possuem
legislação patrimonial específica. Os outros 77 permanecem sem critérios e parâmetros a orientar
suas intervenções. A complexidade gerada a partir dessa situação induziu essa investigação. A
pesquisa procurou entender a motivação inicial que levou à construção normativa, visualizando quais
as referências conceituais que a animaram. Percebeu-se que a partir da motivação inicial associam-
se detalhamentos de ordem teórico-metodológicos na construção desses processos, permitindo
separá-los em categorias. Ali reside o pensamento preservacionista duramente construído no século
20, difundido pelas Cartas Patrimoniais, a orientar as políticas das instituições. Registra-se a
normatização informal – fruto do modus operandi utilizado nos primeiros 40 anos de funcionamento
do Iphan – pautada na interpretação individualizada dos artigos do Decreto-Lei 25/1937. Em 1979,
Olinda dá início à complexa regulamentação das cidades históricas. Somente nos anos 1980, passa a
existir entre os profissionais do Iphan as primeiras preocupações em estabelecer parâmetros e
critérios para a preservação. Uma sequência de experiências constitui esse universo – João Pessoa
(1986), Tiradentes (1996), além de mais dez conjuntos entre 2010 e 2018 – cada qual com sua
conceituação, especificidade, metodologia de trabalho e resultado. Além das peculiaridades na
condução de cada processo, a aproximá-las e distanciá-las, importa estudar cada normativa, pois
refletem a construção do pensamento normativo conduzido pelo Iphan e com fortes desdobramentos
para o atual processo de degradação dos conjuntos urbanos. Observa-se que essa discussão
envolve a preservação do patrimônio construído e ambiental, compreendida como um amplo sistema
– fruto da interação entre as fases iniciais da patrimonialização como identificação, reconhecimento e
proteção, a construir conhecimento para gerar a normatização. A reflexão proposta se faz importante,
visto que apesar de uma série de experiências ricas e diversificadas; apesar de estudos detalhados
criando metodologias inventariais unidas à normatização, torna-se necessário traçar as bases para a
criação de uma política nacional de normatização.

Palavras-chave: conjunto urbano; Iphan; normatização; pensamento preservacionista

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Introdução
Em 80 anos – entre 1938 e 2018, recorte temporal aqui investigado – os processos de
tombamento do Iphan salvaguardaram 1196 bens imóveis individuais e 93 conjuntos
urbanos. Contudo, somente 16 deles possuem normas específicas de preservação. Em
1979, Olinda aprovou a primeira legislação urbanística destinada a orientar intervenções em
seu sítio histórico. Nesses primeiros 41 anos de funcionamento prevaleceu o que chamamos
de normatização informal, conduzida pelos profissionais do Instituto, pautada pela
autoridade técnica e interpretações a respeito do ato de tombamento. Compreender esse
processo, conhecer essas poucas normas específicas, buscar uma linha condutora para
esses fatos, atraiu a atenção dessa pesquisa1.

Buscando a motivação inicial à construção normativa, observou-se um movimento externo


ao Iphan – a iniciativa municipal em Olinda/1979 e o convênio internacional entre Espanha e
Brasil em João Pessoa/1987 – ambos com a participação do Iphan. Já a motivação interna,
surgiu para resolver problemas pontuais – casos de 1986 no Morro da Conceição, Petrópolis
e Vassouras, pelo Iphan.RJ, e do Iphan.GO, com normativas de Brasília/1992, Goiás/1993 e
Pirenópolis/1996. Porém, com o Projeto-Piloto de Tiradentes – 1991 a 1996 – desenvolveu-
se base metodológica objetivando uma política institucional de normatização. A produção do
século 21 – Areia/2010, Ouro Preto/2010, Cabo Frio/2012, Paraty/2012, Brasília/2012-2016,
Corumbá de Goiás/2013, as revisões do Morro da Conceição/2013 e Petrópolis/2017, e
Porto Alegre/2016 – ao ampliar o alcance da normatização fez surgir diferenças conceituais
entre essas experiências.

Entre Olinda e João Pessoa prevaleceu o inventário de identificação como produtor de


conhecimento sobre o sítio. Já a produção do Iphan.RJ e Iphan.GO buscava solucionar
processos de degradação através de estudos técnicos sem inventariação. Tiradentes,
inaugura a intenção da Coordenação de Registro e Documentação do Iphan em produzir a
norma específica partindo do inventário. A produção atual, simplificou a base inventarial,
mantendo o desejo da construção normativa. Neste trabalho nos centraremos nas
experiências pautadas pelos inventários – de identificação e simplificados – objetivando
compreender seus processos, referências teórico-metodológicos – preconizados pelas
principais Cartas Patrimoniais – e desdobramentos urbanísticos na paisagem histórica.
Serão apresentadas as experiências de Olinda, João Pessoa, Tiradentes e Ouro Preto.

1Esta pesquisa é fruto da tese de doutorado “Tijolo por tijolo. O Iphan e a construção do pensamento normativo
para conjuntos urbanos”, da linha Conservação Integrada do PPGMDU/UFPE – orientada pelas Professoras
Norma Lacerda e Amélia Reynaldo. Investiga a construção de legislações específicas destinadas aos conjuntos
urbanos vivenciada pelo Iphan, na perspectiva de visualizar seus conteúdos, referenciais e esforços para
definição de política nacional de normatização.
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1.Conjunto urbano tombado sem normatização

1.1. Normatização informal

Os primeiros 41 anos de funcionamento do Iphan, consolidaram um modus operandi, restrito


aos tombamentos, às restaurações – muitas vezes estilísticas – e ao tratamento caso a caso
das demandas do público conduzidas pela autoridade técnica. Essa atuação – inicialmente
favorecida pelo Estado Novo – amparava-se no Decreto-Lei 25/1937. Suas interpretações,
solidificaram decisões no Supremo Tribunal Federal, STF, reforçando o que chamamos de
normatização informal (SANT’ANNA, 2014, p.127-148).

Estudos realizados em Ouro Preto, por Motta (1987), e Diamantina, por Gonçalves (2010),
mostram o estabelecimento dessa prática voltada a não perturbar a paisagem histórica.
Nesse sentido, repristinações promovidas pelo Instituto, concretizaram uma política de
combate ao ecletismo (MOTTA, 1987, p.111), bem como, recomendações da utilização de
elementos arquitetônicos coloniais tornaram-se exigências para aprovação (GONÇALVES,
2010, p.116-117). Pessoa (2004), em “Lucio Costa: documentos de trabalho”, apresenta
diversos pareceres do Diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos, demonstrando a
difusão dessa prática pelo Brasil.

Somente nos anos 1960, é que gradativamente, o Diretor Rodrigo M.F. de Andrade
aproximou a Instituição do debate internacional. Esse movimento levou o Brasil às
discussões que referendaram a Carta de Veneza em 1964, à construção das Normas de
Quito em 1967. Com a entrega do relatório do consultor da UNESCO, Michel Parent, em
1968 – resultado de visitas pelos sítios históricos brasileiros – o Instituto passou a conviver
com um documento estruturado, introduzindo um olhar científico; visualizando não só o
patrimônio construído, mas também o ambiental, trazendo rudimentos de metodologia de
trabalho, prevendo o conhecimento dos sítios para definição da forma de atuação,
planejamento e conservação. Esses movimentos de aproximação com a comunidade
internacional, ao passo que buscava um olhar externo sobre o nosso patrimônio, começou a
constituir um paradoxo frente ao modus operandi instalado e seus frutos.

1.2. Construção de um princípio de normatização

Essa investigação procurou entender o vínculo entre as normas elaboradas e as referências


teórico-metodológicos preconizadas pelas principais Cartas Patrimoniais produzidas no
âmbito da UNESCO e instituições de apoio – ICOMOS e ICCROM. As cartas têm caráter
indicativo. Suas interpretações dão suporte teórico-crítico e técnico-operacional às
instituições patrimoniais. Importa compreender a natureza das proposições, discussões e
como suas recomendações foram interpretadas e se inscreveram nas legislações. Ao

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conduzirem a difusão do pensamento preservacionista, alargaram o entendimento de
monumentos e sítios históricos para construir o conceito de bem cultural. Com o tempo, os
documentos adotaram uma visão integrativa, aprofundando-se em objetos específicos,
reinterpretando conteúdos para contextos ampliados condizentes com suas épocas. Aqui
utilizou-se especialmente as cartas da UNESCO relacionadas ao tema investigado –
Atenas/1931, Veneza/1964, Nairóbi/1976, Washington/1987 – além do Manifesto de
Amsterdam/1975 do Conselho Europeu e da Carta de Petrópolis/1987, produzido no 1°
Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros Históricos. A Carta de
Atenas/1933 do CIAM, também foi considerada devido aos fortes vínculos do seu conteúdo
com os arquitetos urbanistas fundadores do Iphan.

2.Emergência da normatização dos conjuntos urbanos tombados

Quinze de março de 1979 marcou o início do último governo da ditadura militar no Brasil. A
brisa democrática, produziu as primeiras mudanças no Ministério da Educação, ocupado
pelo Professor Eduardo Portella. No Iphan foi nomeado Aloísio Magalhães, coordenador do
Centro Nacional de Referências Culturais, CNRC. Seguindo reforma administrativa
desenvolvida pelo antecessor, Renato Soeiro – a criação de fundação associada à estrutura
do Iphan – Magalhães agilizou sua concretização. Em novembro de 1979, o Iphan
transformou-se em Secretaria Nacional do Patrimônio Histórico Nacional, Sphan, ato
contínuo, foi criada a Fundação Nacional Pró-Memória, FNpM. Por fim, o Programa Cidades
Históricas, PCH e o CNRC, foram incorporados à nova estrutura, conformando o Sistema
Sphan/Pró-Memória. Essa reviravolta foi decisiva para a Instituição, mantendo seu poder de
polícia – determinante à fiscalização dos bens culturais – ao passo que ganhava agilidade
administrativa; ampliando orçamento e corpo técnico em número e diversidade. Essa
renovação dirigiu-se à população das áreas históricas, convidadas a participar de
seminários e discutir seus principais problemas ao lado das autoridades públicas.

Apesar da morte prematura de Aloísio Magalhães em 1982, o Sistema Sphan/Pró-Memória


deu continuidade, não só às tratativas com a UNESCO para a inserção de nossos sítios
históricos na lista de Patrimônios da Humanidade, mas também voltou-se para discussões
internas da construção de instrumentos de proteção, numa clara resposta às demandas da
população, ainda sem regras para o planejamento.

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2.1. Olinda e a normativa pioneira

O tombamento federal de Olinda teve início em 1962. Durante esse processo o Iphan
recebeu o relatório solicitado ao inspetor da UNESCO, Michel Parent, também dedicado à
proteção da cidade histórica (Parent, 2008, p.102). Reforçava o tombamento da Colina
Histórica e arredores, bem como o estabelecimento de planejamento urbanístico definindo
áreas non aedificandi e demais restrições para a preservação, aproveitando suas
características paisagísticas e edilícias assentadas sob topografia movimentada e com forte
potencial cultural e turístico. A esse olhar mais detido, juntaram-se Augusto Silva Telles, da
Diretoria de Conservação e Tombamento, DCT, e a regional pernambucana na instrução do
processo de tombamento. Contudo, minimizando os condicionantes naturais e históricos da
ocupação apontados por Parent, o tombamento de 1968 definiu perímetro restrito e bastante
rígido, contando com 1,2 km2.

Entre 1972 e 1978 o Iphan, as Prefeituras de Recife e Olinda, o Serviço Federal de


Habitação e Urbanismo, SEPHAU, a Fundação de Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Recife, FIDEM – refinaram as reflexões a respeito da preservação da área
através do Plano de Desenvolvimento Local Integrado/1972, da legislação urbanística de
Olinda, Lei 3926/1973, do Plano de Desenvolvimento Integrado/1976, e especialmente do
Plano de Preservação dos Sítios Históricos da Região Metropolitana do Recife/1978. Em
dez anos, Olinda passou de cidade histórica sem proteção federal a conjunto urbano
tombado pelo Iphan dotado de instrumentos urbanísticos com canteiro de obras para a
preservação de seu casario. Um dado importante nesse processo foi a vitória de Germano
Coelho para a prefeitura da cidade em novembro de 1976, num claro movimento de
renovação e abertura política. Sua gestão criou o Sistema de Preservação dos Sítios
Históricos de Olinda em 19792. Apesar das transformações sofridas entre 1979 e 1995 –
período em que é possível visualizar mudanças em sua condução (MILET, 1993, p. 70),
essa nova estrutura administrativa coroou os esforços anteriores com a primeira legislação
específica para um conjunto urbano, construída juntamente com o Escritório do Iphan.PE na
cidade.

Aqui é possível perceber forte preocupação com a preservação ambiental associada à


cidade histórica, tendo em vista a crescente agenda de obras na Região Metropolitana do
Recife, RMR. A maior delas – a extensão da Avenida Agamenon Magalhães em direção
norte, ampliando o fluxo viário com previsão de forte adensamento e alterações

2 O Sistema de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda era formado pelo Conselho de Preservação –
instância deliberativa – pela Fundação Centro de Preservação Sistema de Preservação dos Sítios Históricos de
Olinda, FCPSHO – órgão executor da política instituída pelo Conselho – e pelo Fundo de Preservação, definido a
partir da utilização de 5% da cota do Fundo de Participação dos Municípios, FPM.
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significativas nas porções sul e oeste da Colina Histórica. Representantes da Prefeitura,
Iphan e FUNDARPE, acreditavam que a visualização entre as cidades deveria ser
preservada com a adoção de regras diferenciadas de ocupação. Na figura 01 é possível
visualizar a Colina Histórica de Olinda(1), o Bairro de Bonsucesso(2), os manguezais do Rio
Beberibe(3), as regiões limítrofes entre as duas cidades(4, 5 e 6) – tratadas como áreas non
aedificandi – e a região do delta do Capibaribe(7).

Figura 01- Região Metropolitana de Recife. Vista entre Recife e Olinda.

Legenda
Poligonal de tombamento-Iphan/1968 (PDLI/1972)
Avenida Agamenon Magalhães – início da PE-015
Fonte: Base Google Earth/2019. Elaboração própria.

Entre a primeira edição da norma e sua Rerratificação aprovada pelo Conselho Consultivo
do Iphan em 1985, a Prefeitura promoveu um inventário em 1981, reunindo uma gama de
informações que levou à delimitação de onze setores distintos – distribuídos dentro das
poligonais de tombamento e de entorno. O conhecimento individualizado do sítio –
compreendendo suas peculiaridades – definiu critérios e parâmetros específicos para a
preservação dos valores culturais encontrados nas partições.

Na Área Tombada, com regras mais rígidas, procurou-se garantir a preservação das
principais características da paisagem – a forte topografia enladeirada com ampla cobertura
vegetal permeada por construções erguidas nas sinuosas ruas. A volumetria do conjunto,
entre um e dois pavimentos, coroava-se por telhados cerâmicos. A intenção principal era a
preservação das edificações existentes através de restaurações – processos de
conservação das características principais e a retirada dos elementos “sem mérito
arquitetônico”. Os critérios utilizados para esse zoneamento pautavam-se no controle do

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adensamento, valendo-se de taxas de ocupação e definição de gabaritos. A norma, no
entanto, admitia pequenas alterações no casario – somente soluções para a melhoria das
condições de conforto ambiental – como a introdução de poços de iluminação/ventilação,
desde que fixados nos panos posteriores das cobertas. A Área de Entorno, a região de
encontro dos Rios Beberibe e Capibaribe – planícies costeiras ponteadas de manguezais e
matas de restinga – foi tratada como área non aedificandi, liberando uma ampla extensão
para recomposição da cobertura vegetal. As porções oeste e norte, a envolver a Colina
Histórica, tolerariam dois pavimentos no máximo, e taxa de ocupação variando entre 25 e
50%. Merece menção a criação da taxa de solo virgem – entre 25 e 30% – como índice
urbanístico voltado à proteção ambiental.

Importa sublinhar algumas questões aqui colocadas, mas que persistirão ao longo do tempo
no debate das intervenções das áreas históricas. Caso das recomendações para novas
edificações. Nas poligonais de Tombamento e Entorno, repetem-se praticamente as
mesmas restrições das restaurações: taxa de ocupação, gabarito, materiais e técnicas
construtivas semelhantes à média da vizinhança próxima; cobertura em telha cerâmica
artesanal, com inclinação de 30%, porém, caracterizando-se como construções
contemporâneas. Na apresentação dessas restrições, há espaço para que as novas
edificações não sejam entendidas como meras cópias do acervo colonial existente. Há um
chamamento para a incorporação do genius loci.

O conhecimento inventarial produzido sobre o sítio, possibilitou à norma inaugurar um olhar


para além do monumento de “pedra e cal”, contemplando o patrimônio vegetal conformado
pela paisagem singular da Colina Histórica. Aproveitando uma conjunção político-
institucional favorável no contexto local – numa clara valorização do saber técnico sobre as
pressões políticas – os profissionais do Iphan e da Prefeitura construíram uma legislação de
proteção municipal/federal alinhada com o debate internacional – a Carta de Veneza (1964),
o Manifesto de Amsterdam (1975) e a Carta de Nairóbi (1976) – numa busca pela
preservação do patrimônio construído e ambiental, vigente até o momento.

2.2. Anos 1980, primórdios da construção do pensamento normativo

O I Seminário sobre Entornos dos Monumentos Tombados, no Rio de Janeiro – março/1983


– promovido pela Diretoria de Tombamento e Conservação, DTC, é um marco nessa
discussão, reunindo pela primeira vez profissionais das diretorias regionais objetivando
refletir e criar metodologia capaz de definir critérios e parâmetros para intervir no entorno
dos bens culturais. Em meio aos debates de estruturação de pontes institucionais com as
municipalidades, enfrentamento às pressões político-econômicas sobre as áreas históricas,
evidenciava-se a necessidade da participação das populações envolvidas, bem como das

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diversas entidades de classe na discussão preliminar que subsidiaria todo o processo. As
indicações do seminário, buscavam definir um roteiro básico: delimitação preliminar da área
de estudo, estruturação de grupo de apoio (população, edilidade e demais órgãos públicos),
levantamentos documentais, históricos, legais, iconográficos, etc.

A sistematização e análise dos dados possibilitaria a delimitação definitiva da poligonal, bem


como das normativas, além dos encaminhamentos posteriores. Apesar de sugestões para
novos seminários, ampliando as reflexões iniciadas e promovendo aproximações entre
profissionais, isso não se verificou. Destaca-se a dificuldade na troca de informações entre
as regionais e a Diretoria de Tombamento e Conservação, e especialmente a ausência de
ordenamento metodológico para o enfrentamento do tema (MOTTA, THOMPSON, 2011,
p.65-66, 122-142).

2.3. João Pessoa e a preservação espanhola

Até hoje, a experiência do Centro Histórico de João Pessoa, a partir de 1986, tem pouco
destaque nos textos sobre preservação do patrimônio cultural, permanecendo desconhecida
em muitos aspectos, especialmente no que diz respeito à metodologia adotada em seu
Plano de Revitalização, importante para esta investigação. Esse projeto pontual trouxe em
seu bojo uma sequência ainda inédita de ações para aqueles anos: a construção de
inventário originando legislação específica de proteção, finalizada por plano de intervenção.
Trata-se de convênio internacional proposto pela Espanha ao Brasil objetivando comemorar
os 500 anos da chegada dos ibéricos no continente americano. O projeto da Agência
Espanhola de Cooperação Internacional, AECI, englobava centros históricos fundados
durante seu processo de colonização pelo mundo. A escolha da Paraíba aconteceu devido à
capital ser a primeira cidade no Brasil fundada – por édito do rei Felipe II, em 1585 – durante
a união das coroas ibéricas. Apesar de possuir diversos bens tombados pelo Iphan desde
1938, João Pessoa não havia passado por qualquer processo de patrimonialização em seu
conjunto.

Destacam-se alguns princípios do programa de cooperação espanhol: conservação do


patrimônio cultural enquanto memória social; sua valorização, uso e fruição entendidos
como fator econômico e dinamizador do desenvolvimento social; intervenção em
propriedades públicas ociosas destinadas a alavancar novos usos públicos, e intercâmbio
de formação técnica e cultural. Essa conceituação, trabalhada pela Espanha desde as
décadas de 1970/1980 – partindo das administrações municipais de esquerda – utilizava-se
da Conservação Integrada, para estruturar uma gestão eficiente, com justiça social e
participação popular através do planejamento urbanístico e territorial direcionados às áreas
históricas (ZANCHETI, 2003, p. 110-111).
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Em João Pessoa o arranjo institucional foi encabeçado pelos arquitetos urbanistas Maria
Luísa Cerrillos – Cooperação Espanhola – e José Saia Neto – Escritório Técnico Iphan.PE
na cidade. Profissionais da Secretaria de Estado do Planejamento e Prefeitura Municipal
completavam uma equipe multidisciplinar, denominada Comissão do Centro Histórico. As
pesquisas históricas abriram os trabalhos, levando à delimitação preliminar do sítio. Em
seguida, passou-se ao inventário com o levantamento da imagem urbana: setores de
características singulares na área do Centro Histórico, formados por logradouros públicos,
ruas, praças, parques e jardins, mais significativos da paisagem histórica. Aqui a intenção
era buscar uma leitura urbanística de conjunto, capturar os principais valores culturais a
serem preservados e que estavam contidos na estrutura urbana das Normas Gerais/1987. A
delimitação proposta correspondia a 117 hectares, coincidindo com a então Cidade da
Parahyba em 1858, figura 02.

Figura 02- João Pessoa. Poligonais de proteção do Centro Histórico.

Legenda
Área de preservação Comissão Centro Área de preservação rigorosa Iphan
Histórico/ Área de preservação de entorno Área de preservação de entorno
Iphan Iphaep
Fonte: IPHAEP, 2004, elaboração própria.

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A metodologia partia do inventário. A primeira das quatro fichas inventariais registrava os
dados básicos: dimensões, propriedade, regime de ocupação, uso; além dos dados
edilícios: fachada, cobertura, estrutura, piso, divisórias e forro. A segunda ficha destinava-
se às plantas e fotografias. Na terceira pontuava-se estado de conservação, valor
histórico – tradicional, histórico nacional, significação local, indiferente – valor estético-
formal – unidade compositiva, representante de época, elementos de interesse, sem
interesse – e relação com o entorno – integrada em trecho de valor, não integrada, isolada
com valor, não integrada, isolada sem valor ou integrada em trecho sem valor. A última ficha
estimava o custo médio da intervenção – alto, médio e baixo, e sua respectiva pontuação
– abrindo espaço à totalização dos pontos, criando um indicador: o nível de intervenção da
edificação. Este, variando de possível demolição, reestruturação, conservação parcial e
conservação total.

Toda a legislação patrimonial mantinha forte viés de conservação da imagem urbana


registrada: traçado, divisão fundiária, implantação nas quadras, tipologias edilícias, áreas
verdes dos fundos de quintais. Nos trechos onde se verificasse a presença de valores
históricos, estéticos e ambientais, recebiam uma classificação final: conservado, com
interferências, alterado ou destruído. Paralelamente a equipe coletou informações
socioeconômicas dos habitantes e comerciantes, infraestrutura e serviços urbanos
instalados, transportes, legislação e proteções patrimoniais incidentes, além de programas
institucionais capazes de integrar o plano de revitalização.

Percebe-se a normativa trabalhando em duas escalas associadas: a imagem urbana e o


nível de intervenção de cada imóvel. A ideia do nível de intervenção cria um grau de
individualização para a legislação urbanística completamente novo. A partir da produção de
conhecimento inventarial, amplia-se o olhar normalmente construído na escala de setores e
subsetores, chegando a critérios individualizados de intervenção, auxiliando não só a
criação da normativa, mas também análises projetuais, além da fiscalização. Quanto aos
parâmetros urbanísticos utilizados, busca-se preservar a malha urbana histórica revelando
marcações pretéritas dos séculos 16 e 17. Mantém-se o parcelamento do solo segundo data
do inventário, com desmembramentos somente para imóveis de possível demolição. Sobre
os usos possíveis, opta-se por habitação, indústria não poluente de pequeno porte,
comércio/serviços, usos coletivos – habitação social, edificações assistenciais, culturais,
educacionais, institucionais – e áreas verdes (mínimo de 25% por lote). Para cada uso há
detalhamentos e regras.

Apesar do nível de intervenção – individualizando informações lote a lote – o inventário não


registrou os tradicionais índices urbanísticos como aproveitamento, taxa de ocupação,
afastamentos e gabarito. Essa lacuna, até hoje remete o usuário ao Código de Urbanismo
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Municipal, pautado por parâmetros a partir de setores estabelecidos com outra
conceituação, gerando conflitos nas análises projetuais, solucionadas por interpretações dos
profissionais das instituições patrimoniais. Essa fragilidade termina por levar à manutenção
das características e relações volumétricas das edificações; à preservação dos materiais
construtivos existentes; possibilitando novas construções somente nos lotes vazios e nos
imóveis sem valoração cultural. O ideal seria o registro desses índices urbanísticos básicos
pelo inventário como parâmetro da norma, eliminando a complexa análise caso a caso.

De toda sorte, o Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa trouxe para o
país uma experiência completa de patrimonialização, partindo do inventário cadastral
associado às pesquisas históricas e socioeconômicas, subsidiou-se a construção normativa
– ainda vigente – e o plano de intervenção – uma lista de mais de 25 bens individuais e
praças – tendo a Oficina Escola de Restauração como instituição de formação em auxílio às
execuções das obras. A Comissão do Centro Histórico ainda incentivou à criação de duas
associações de moradores locais – Associação Centro Histórico Vivo e a Comunidade do
Porto do Capim. Ao cabo de 20 anos, em 2006, a participação espanhola deu-se por
concluída. Como sempre, em nosso país, deu-se a redução do apoio dos poderes públicos,
fragilizando-se o arranjo institucional inicialmente criado.

2.4. Tiradentes e a construção do inventário

Em 1987, no cinquentenário do Iphan, o Boletim Sphan n0.39, divulgou 1988 como o Ano
Nacional do Inventário. Naquele momento, a Coordenação de Registro e Documentação,
CRD, e sua Diretoria de Inventário e Documentação, DID – dirigidas pelo cientista-social
Sydney Solis e a arquiteta Lia Motta, respectivamente – informavam a riqueza do acervo
institucional, mas a inexistência de metodologia científica para organização. Como resposta,
estabeleceu-se nova abordagem para os sítios centrada em três ações complementares
necessárias à compreensão do valor cultural: pesquisa histórica, formação e
desenvolvimento do sítio; levantamento das características físicas; estado de conservação
de cada lote – aqui o inventário promovia aproximação com moradores, dialogando sobre o
processo de patrimonialização em curso, estabelecendo parceria através de entrevistas,
abordando dados socioeconômicos, registrando histórias, anseios, opiniões sobre o sítio e a
Instituição (IPHAN, 2001, p.157).

Tiradentes, serviu de experiência piloto – conhecida como Inventário Nacional de Bens


Imóveis-Sítios Urbanos, INBI-SU – entre 1991 e 1996, registrando os valores culturais que
motivaram seu tombamento. Uma característica marcante era sua ocupação espaçada, de
baixa densidade, com lotes maiores, gerando configuração mais equilibrada entre áreas
construídas e vazios com cobertura vegetal. O casario em sua maioria é térreo, com alguns

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sobrados. Percebe-se no Projeto Piloto Tiradentes (IPHAN, 2005), o conceito de cidade
histórica construído nas décadas de 1970/1980 vinculado à compreensão do patrimônio
cultural disposto nas Cartas de Veneza, Nairóbi, Washington e Petrópolis. A necessidade de
posicionamento veemente quanto ao entendimento da cidade-documento é típica dessa
fase, onde importa “descolar-se” de ações pretéritas do próprio Iphan. Assumir o conteúdo
das Cartas Patrimoniais significava compreender o transcurso do tempo como consequência
natural das relações existentes nas cidades, especialmente com os envolvidos – desejos,
críticas – e a abertura de diálogo para construção comum da preservação dos bens
culturais.

Figura 03- Tiradentes. Poligonal e setores de proteção.

Legenda
1 Santuário Santíssima Trindade Setor-3
2 Igreja Matriz Santo Antônio Setor-4
3 Igreja do Rosário Setor-5
4 Largo das Forras Setor-6
5 Chafariz São José Setor-7
Setor-1 Setor-8
Setor-2
Fonte: Base Google Earth, maio/2019, elaboração própria.

Embora o inventário tenha levantado todos os lotes da poligonal de tombamento – figura 03


acima – a norma direcionou-se para oito setores delimitados. Quanto aos parâmetros
urbanísticos de preservação, procurou-se manter a lógica da ocupação inicial, controlando o

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parcelamento do solo. Favoreceu-se usos existentes – habitação, comércio/serviços – e de
interesse coletivo – saúde, cultural, educacional, etc. – abrindo espaço para analisar
projetos atípicos, desde que não ferissem premissas básicas estabelecidas; nem
causassem impactos viários na estrutura urbana. Sem índice de aproveitamento, a
densidade é controlada pelos parâmetros edilícios em cada setor: taxas de ocupação – 40%
para lotes mínimos, reduzindo-se até 10% da área de projeção conforme amplia-se a área –
além de gabaritos e recuos. Esses indicadores seguem o estabelecido pelas edificações da
vizinhança. Somente nos setores 6 e 7 abre-se espaço para dois pavimentos – fachadas de
6,50m, cumeeira de 9,00m – nos demais prevê-se um pavimento – fachadas de 3,00m,
cumeeira de 6,00m. As cobertas deverão ter a inclinação tradicional, observando-se a
vizinhança. Nas edificações recuadas nas laterais, recomenda-se telhados de quatro ou três
águas, visando diminuir impacto das empenas na paisagem (IPHAN, 2005, p.49).

Pela preservação da paisagem setecentista – referenciada pelo setor 1 – prevê-se


implantação de proporção 1x3, seguindo “planta típica”, recorrente em 46% do setor 1;
proíbe-se a construção de mansardas, mirantes, lanternins, caixas d’água, etc. Justificadas
pelo acréscimo volumétrico indevido. Abre-se exceção para poços de ventilação/iluminação
com 10% do pano de coberta. Implicitamente a normativa apresenta preocupações com a
preservação ambiental: não autoriza desmontes nem aterros a fragilizar a topografia local;
fica subentendido taxa de área livre mínima de 40% – para lotes maiores essa taxa vai até
70% – prevê a liberação de 10 metros das margens dos rios e córregos como áreas non
aedificandi.

O Iphan optou por não reutilizar o INBI-SU como construção normativa. Provavelmente o
tempo de levantamentos, sistematizações e análises – três anos em Tiradentes, pela
escassez de recursos inviabilizou sua difusão. A norma de Tiradentes, apesar de aprovada
pelo Conselho Consultivo, nunca foi publicada pela presidência do Iphan, permanecendo
como Notificação Técnica. Sua permanência e utilização dá-se até hoje – bem como as
legislações de Olinda e João Pessoa – reforçam as bases do processo que a gerou,
relacionando a objetividade da letra da lei às peculiaridades dos sítios – sua estrutura física
e ambiental perpassada pelo modo de vida de suas populações.

Seguindo no esforço de construir uma base inventarial, o Departamento de Identificação e


Documentação, DID, organizou em 1995 o Encontro de Inventários de Identificação do
Iphan. Reunindo experiências inventariais pelo país – inclusive externas ao Instituto –
desenhou-se um panorama do tema buscando respostas sobre critérios de valoração
tradicionalmente empregados na definição do patrimônio cultural (MOTTA, SILVA, 1998,
p.11). O diagnóstico serviu de divisor de águas: constatou a inexistência de política

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institucional de inventários – ações dispersas e assistemáticas; dados coletados sem
condições de integrar um sistema de informação sem possibilidades de intercâmbio
(MOTTA, SILVA, 1998, p.22).

Entre 1996 e 2000 o Iphan constrói sua política de inventariação. Em 2000, finalizam-se o
INBI-SU, o Inventário Nacional de Configurações de Espaços Urbanos, INCEU, e o
Inventário Nacional de Referências Culturais, INRC – para o patrimônio imaterial. O
Inventário de Bens Arquitetônicos, IBA – bens individuais – foi o último, em 2002. Após
décadas de trabalhos descontínuos e isolados, o Iphan criara uma metodologia inventarial
complementar, de fluxo contínuo, pronta para digitalizar-se, restando vontade política para
colocar todo o projeto em ação.

2.5. A criação do Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão

A partir de 2003, o Ministério da Cultura com Gilberto Gil inicia mudanças significativas no
setor. O Iphan se organiza em departamentos, concentrando-se nos temas principais –
patrimônio material, DEPAM, e imaterial, DPI. O planejamento estratégico adotado
reestrutura a Instituição através de concursos públicos – 2005 e 2006 – 27
superintendências regionais, ampliação de escritórios técnicos e orçamento – absorvendo o
Programa Monumenta. Esse movimento da União, dirigia-se também às tecnologias da
informação e transparência pública, ampliando acesso e direitos dos cidadãos. Nessa época
a sede do Iphan migra para Brasília.

Entre 2006 e 2009, o DEPAM/Brasília inicia criação do Sistema Integrado de Conhecimento


e Gestão, SICG, a cargo de técnicos do Iphan, Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão e a empresa EGL/Ltda. A ideia era integrar essa plataforma digital aos sistemas do
Instituto – Fiscalis, SIG-Iphan e Geplanes – além de compartilhar dados com organismos
patrimoniais e universidades. Inicialmente a concepção voltou-se para o patrimônio material,
revisitando alguns inventários produzidos pelo Iphan3, através de reuniões com
superintendências e escritórios técnicos. As fichas desenvolvidas dividiam-se em módulos –
conhecimento, gestão cadastro – desenvolvidas em Word e Excel. O Plano Estratégico de
revisão dos inventários recebeu duras críticas do DEPAM/RJ – responsável pela
inventariação até então. Em memorando interno é explicitada a condição de recém-
chegados dos autores do plano de revisão; a falta de avaliação detalhada e criteriosa das
metodologias e diagnósticos das experiências anteriores, gerando inconsistências. Enfim, a
desconsideração do contexto institucional (SILVA, 2014, p.103).

3Além da base inventarial existente, essa revisão contava com leitura do Inventário Geral da França,
o Inventário do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia, IPAC/BA, o Inventário dos Roteiros da
Imigração em Santa Catarina do Iphan/SC e o Inventário do Vale do Ribeira.
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O novo produto centrou-se no olhar do especialista – geralmente arquiteto-urbanista –
dialogando com associações de moradores/comerciantes somente durante a apresentação
da norma em audiências públicas previstas por lei. Perdeu-se a oportunidade de contato
mais profundo com os envolvidos, retirando das fichas informações pessoais: condição de
vida, fatores de fixação, grau de satisfação – com a edificação, serviços urbanos e a própria
Instituição – referências culturais, histórias da edificação, enfim, dados pessoais que
influenciam na vida do sítio. Reduziu-se a possibilidade de registro de um quadro real,
proporcionando detalhamento à construção normativa, ao processo de preservação no todo,
e ao planejamento da gestão (COUTINHO,2021, p.185-195).

2.6. Ouro Preto e a normatização do século 21

Apesar do título de Patrimônio Nacional de 1933, do tombamento de 1938, Ouro Preto


mantinha o perímetro urbano como área de tombamento. No Plano Diretor de 1996
delimitou-se a Zona de Proteção Especial 1 – núcleo original e foco da primeira norma do
Iphan em 2004. Contudo, somente em 2010 o Instituto construiu legislação para além da
ZPE1, finalmente delimitando poligonal de tombamento. O processo é fartamente
documentado, contando com recomendações inquietantes entre Iphan.MG e
DEPAM/Brasília sobre a utilização do novo método (COUTINHO,2021, p.202-203).
Servindo-se do SICG como projeto piloto, o Iphan delimitou a Área de Preservação Especial,
APE – “núcleo de maior concentração de bens de interesse cultural”; ao redor, Áreas de
Proteção, APs – 01/02/03 e 04 – expansões sequenciadas; envolvendo esse conjunto, a
Área de Preservação Ambiental e Arqueológica, APARQ – conforme figura 04 abaixo.

Partindo da APE, a norma busca manter as relações de morfologia urbana – parcelamento


do solo, áreas verdes, configuração das quadras e espaços públicos – tomando o conceito
de Faixas Edificáveis como parâmetro de ocupação: “limites máximos permitidos, em metro
linear, de projeção da edificação sobre o lote, a partir de sua testada”. Na escala edilícia
procura preservar a ambiência das edificações – implantação, volumetria, inclinação de
cobertas, relação e proporções entre cheios e vazios, cromatismo seguindo paleta de cores
do Iphan, materiais construtivos – valendo-se das características da Face de Quadra:
“segmento contínuo entre duas ruas ou entre duas mudanças de direção do logradouro” –
como parâmetro para intervenção. A intenção é garantir que as intervenções não perturbem
a moldura da paisagem histórica. Provavelmente, a não utilização dos tradicionais índices
urbanísticos daria ao Iphan a possibilidade de regular o sítio sem atritar-se com a
municipalidade.

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Fig. 04- Ouro Preto. Macro-setorização do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico.

Legenda
Limite poligonal de tombamento do Iphan AP 02 – Área de preservação 2
Limite município de Ouro Preto AP 03 – Área de preservação 3
APE – Área de preservação especial AP 04 – Área de preservação 4
AP 01 – Área de preservação 1 APARQ – Área de preservação
paisagística, arqueológica e ambiental
Fonte: Base Google Earth/ 2019, Anexo I Portaria 312/2010. Elaboração própria.

Apesar das APs corresponderem “às áreas com menor incidência de bens arquitetônicos de
interesse cultural”, a norma praticamente repete as restrições da APE alterando a inclinação
das cobertas e o gabarito máximo: os planos de cobertura em telha cerâmica voltado para a
via pública com inclinação entre 25% e 40%; alvenarias externas rebocadas pintadas em
cores claras; aberturas frontais e posteriores deverão privilegiar vãos predominantemente
verticais, mantendo proporções e ritmos de cheios e vazios; altura máxima até 12m com três
pavimentos; muro divisório de 2.10m; a arquitetura de grande porte é desestimulada,
possibilitando aprovação somente segundo análise do Iphan.

Apenas na AP03 permite-se parcelamento do solo, bem como a diversificação das formas
de ocupação e características arquitetônicas; altura máxima de 14m com quatro pavimentos,
desde que não afetem visualmente a APE. Na APARQ – maior setor, com baixa densidade
– é possível garantir mais facilmente a preservação. A norma prevê ações pré-definidas de

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manejo ambiental através de projetos paisagísticos e de requalificação para fruição da
população às frentes de água, espaços públicos tradicionais e remanescentes de ocupações
anteriores.

Ouro Preto – assim como outras cidades de estrutura colonial tombadas pelo Iphan –
recebeu, a partir de 1938, ações homogeneizadoras em sua paisagem. A falta de estudos
detalhados que orientassem normas específicas, levou à normatização informal buscando a
recomposição da paisagem colonial. Essa prática, descrita por Motta (1987), mostra o
surgimento do Estilo Patrimônio – cunhado pelos ouro-pretanos – produzindo a falsa
impressão da hegemonia da matriz colonial. Como não houve um inventário de identificação
– mas uma simplificação – a utilização do princípio da Face de Quadra tende a reproduzir
essa solução e favorece à perda das características originais da paisagem histórica, agora
normatizada.

Durante sua concepção, o método SICG – divulgado na publicação Normatização de


Cidades Históricas – assume um discurso controverso, reduz os procedimentos inventariais
existentes, “prescindindo de análises exaustivas, onerosas e que, muitas vezes, não
forneciam aos técnicos subsídios para seu trabalho diário de gestão dos sítios” (IPHAN,
2011, p.03-04). Simplifica os complexos processos de preservação dos sítios históricos,
desqualificando a produção do conhecimento como base para definição de critérios e
parâmetros de intervenção – recomendações das Cartas Patrimoniais construídas
duramente no século 20. Impressiona esse pensamento pragmático no momento em que o
Governo Federal investia na construção de instrumentos de participação popular. Sem o
conhecimento individualizado sobre a população envolvida com o sítio – justamente o
elemento produtor dessa dinâmica, reconhecida pelo método – limitam-se as possibilidades
de planejamento da gestão, concentrando-se em informações edilícias e urbanísticas. O
processo de construção da norma sugere a não visualização sistêmica das ações de
preservação – identificação, normatização, autorização, fiscalização e conservação –
componentes da gestão patrimonial, restringindo as possibilidades do próprio sistema.

Conclusões -

A construção do processo de normatização para conjuntos urbanos tombados pelo Iphan


ocorreu par e passo ao desenvolvimento do conceito de patrimônio cultural transcorrido no
século 20. Aconteceu de forma desordenada e pontual. Sem motivação inicial própria à
Instituição, as experiências se deram de forma isolada, quase sem diálogo entre si, não
conseguindo avançar. Os processos de Olinda, João Pessoa e Tiradentes – ao utilizar o
inventário como produção de conhecimento – aproximaram-se do ideário divulgado pelas
Cartas Patrimoniais, a conduzir o avanço do pensamento preservacionista. Contudo,
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retrocessos aconteceram. Apesar do aumento do número de conjuntos urbanos
normatizados neste século 21, isto só foi possível pela simplificação da base inventarial
anteriormente produzida. Verificaram-se descontinuidades durante as gestões, acentuando
diferenças profissionais dentro da Instituição, ampliando contradições conceituais,
desconsiderando consolidações na direção da participação popular na gestão patrimonial.
Apesar disto, o processo de construção normativa aqui investigado trouxe à luz experiências
riquíssimas, indicando amadurecimento suficiente capaz de gerar uma política nacional de
normatização, contemplando metodologia para produção do conhecimento via inventário,
participação da população, na direção de uma gestão democrática das cidades históricas.

Referências

COUTINHO, Marco Antonio. Tijolo por tijolo. O Iphan e a construção do pensamento


normativo para conjuntos urbanos. 2021. 370f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento
Urbano) – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal
de Pernambuco, Recife.
GONÇALVES, Cristiane Souza. Experimentações em Diamantina. Um estudo sobre a
atuação do SPHAN no conjunto urbano tombado 1938-1967. 2010. 224f. Tese (Doutorado
em Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, São Paulo.
MILET, Vera. A experiência de gestão e proteção ao Sítio Histórico de Olinda. In Zancheti,
Marinho e Milet, (Org.). Estratégias de intervenção em áreas históricas: revalorização de
áreas urbanas centrais. Recife. UFPE/MDU, 1993, p.66-72.
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desenvolvimento turístico e econômico. In BAETA LEAL, Cláudia. (Org.). As Missões da
UNESCO no Brasil. Rio de Janeiro: Iphan/COPEDOC, 2008.
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preservação de áreas urbanas no Brasil (1937-1990). Salvador. Oiti Editora, 2014.
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discurso na política nacional de preservação. 2014. 124f. Dissertação (Mestrado Profissional
em Preservação do Patrimônio Cultural). Iphan, Rio de Janeiro.
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de Estudos Sociais, Recife, vol.19, n.01, p.107-124, 2003.
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Sítios-Urbanos: Manual de preenchimento. Rio de Janeiro. Ed. Senado Federal, 2001
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Áreas Tombadas – orientações para elaboração de diretrizes e Normas de Preservação
para áreas urbanas tombadas. Brasília. 2011.

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EIXO TEMÁTICO: ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO

LEVANTAMENTO DO PATRIMÔNIO EDIFICADO RURAL COM


VISTAS AO INVENTÁRIO DE LAJEADINHO (VERANÓPOLIS-RS)

FELIN, PAULINE FONINI (1); BALESTRIN, TALITA BENEDETTI (2)

1. Universidade de Caxias do Sul. Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo


Alameda João Dal Sasso, 800 – Bento Gonçalves- RS
pffelin@ucs.br

2. Universidade de Caxias do Sul. Acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo


Alameda João Dal Sasso, 800 – Bento Gonçalves- RS
tbbalestrin@ucs.br

RESUMO

A pesquisa tem como objetivo realizar o levantamento de patrimônio com vistas ao inventário da zona
rural de Veranópolis, focada na comunidade de Lajeadinho. O estudo parte da contextualização sobre
o tema, com o intuito de desenvolver a cultura de preservação de patrimônio, a fim de cultivar a
memória e o sentimento de pertencimento dos moradores. Em paralelo, busca-se agregar e incentivar
o desenvolvimento da atividade turística da comunidade, fortalecendo a “Rota Segredos da Maçã”,
lançada pela Secretaria de Turismo do município. Ainda em parceria com as secretarias municipais,
existe o “Projeto Pulando Janelas” que visa a educação patrimonial ainda na escola. O objetivo está
fortemente ligado à preservação desses exemplares históricos, uma vez que o setor turístico é
apontado como um dos meios que contribuem para a preservação dos bens edificados. Para
compreensão do universo de pesquisa, foram abordados os aspectos de desenvolvimento e evolução
do município, assim como da área de estudo. O levantamento de campo iniciou-se pelos primórdios
da formação do núcleo central da comunidade, partindo para as edificações de interesse vinculadas à
história e à cultura, principalmente italiana. De forma complementar, foram recolhidos relatos orais de
moradores, principalmente familiares dos quais constituíram ou viveram nas residências de objeto de
estudo desta pesquisa. Tendo em vista a carência de material gráfico referente as edificações,
realizou-se levantamento in loco através de medições, registros fotográficos, bem como
considerações gerais que abrangem o âmbito material e construtivo da edificação, além de pesquisa
sobre a importância histórica, cultural e social da comunidade. Para fechamento do trabalho, foram
elaboradas fichas individuais dos exemplares estudados, de modo a aprofundar a história e o
processo construtivo através de materiais gráficos, além de uma lista de outras edificações com
interesse em inventariação, abrindo margem para um possível novo estudo.

Palavras-chave: Arquitetura vernacular, Veranópolis, inventários, patrimônio rural

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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho se insere no universo da história e da memória. O patrimônio
cultural de uma determinada região é um conjunto de bens repleto de lembranças da cultura
local transmitido ao longo dos anos. A preservação de objetos, lugares, documentos,
edificações, paisagens e costumes mantém a memória viva e enriquecem a história da
cidade de Veranópolis (RS).
Neste contexto, este artigo apresenta uma síntese de um relatório de Estágio de uma
acadêmica de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul (núcleo Bento
Gonçalves). O campo de pesquisa é o Patrimônio Cultural e objetiva apresentar um possível
inventário da comunidade de São João Batista, mais conhecida como Lajeadinho, zona rural
de Veranópolis.
Atualmente, existe no município o “Projeto Pulando Janelas – Educação Turística,
Patrimonial e Ambiental” ministrado pelas Secretarias de Turismo e Cultura; Educação,
Esporte, Lazer e Juventude. O projeto surgiu em 2016 e visa a educação e valorização do
Patrimônio Cultural na cidade, bem como a preservação da história e da memória. O
levantamento é realizado pelas escolas públicas como forma de educação patrimonial e visa
identificar conjuntos de bens carregados de lembranças de uma cultura que foi sendo
transmitida de geração em geração.
A iniciativa do projeto partiu dos municípios da região com o intuito de trabalhar de
forma regional com as escolas em três áreas: turismo, patrimônio e meio ambiente. Para
cada ano, é escolhido uma temática diferente. Os profissionais envolvidos na educação
recebem capacitação para trabalhar o assunto de acordo com cada disciplina.
Para englobar cada vez mais a população da cidade, convidou-se estudantes das
áreas de Arquitetura e Urbanismo para prestar trabalho voluntário, de forma a acompanhar
os alunos nas visitas aos edifícios e elaboração das fichas do IPHAE. Como ponto de
partida, foi elaborado o levantamento da “Escadaria da Palugana”, a critério da comunidade
em 2019. Em virtude da pandemia do novo Coronavírus em 2020, o projeto encontra-se
parado, e os objetos estudados encontram-se apenas na área urbana e central do
município.
Dessa forma, buscou-se meios de concretizar o objetivo deste presente trabalho que
é oferecer subsídios para o desenvolvimento de um plano de preservação do patrimônio
cultural do município, que vem sendo alvo de discussão nos últimos anos. Até o momento,
já foram realizados levantamentos através da Universidade de Caxias do Sul, os quais irão
ser avaliados pela câmara de vereadores nos próximos meses de 2021. O intuito desse
esforço é a criação de Zonas Especiais de Interesse do Patrimônio (ZEIP), conforme

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apontado pelo Plano Diretor do Município (Lei Municipal nº7.577/2020) e o Estatuto das
Cidades (Lei nº 10.257/01).
Tendo em vista estes aspectos, o estágio foi realizado no âmbito da Prefeitura
Municipal de Veranópolis (RS), setor de Engenharia, pertencente a Secretaria Municipal de
Infraestrutura. Adotou-se seis etapas para realização dos objetivos. A primeira consistiu no
levantamento de bibliografia e material gráfico junto ao Museu Municipal (MUMVER) e a
Universidade de Caxias do Sul (UCS). Nessa ocasião, encontraram-se documentos, livros,
revistas, jornais, fotos, imagens e peças gráficas, bem como monografias realizadas
anteriormente com a mesma temática ou comunidade.
Em um segundo momento, desenvolveu-se a fundamentação teórica através da
evolução urbana e histórica do município, bem como o reconhecimento dos valores culturais
da região. Esta etapa foi crucial para a escolha das edificações a serem inventariadas.
Nesta mesma etapa, foram levantados os métodos de inventário, catalogação e
interpretação adotados por instituições de referência no assunto, como IPHAN, IPHAE e
Instituto de Memória e História Cultural da UCS. Após essa análise, pôde-se concluir a
delimitação do objeto de estudo, de forma a apresentar um mapa temático do local.
A quarta etapa contemplou o levantamento in loco, no qual definiu-se um pré-roteiro
de visitação para reconhecimento da área. As visitas foram realizadas para fins de registro
fotográfico, métrico, bem como elaboração de croquis e aplicação de entrevistas com
moradores. Na sequência, caracterizou-se o conjunto arquitetônico e elegeu-se três
exemplares com características da arquitetura vernacular.
Por fim, sistematizou-se os dados e elaborou-se material gráfico para o
preenchimento das fichas de inventário (com base em estudos prévios consagrados). O
modelo seguiu sobretudo os critérios de valoração elaborados no âmbito da Universidade de
Caxias do Sul (HELTON e XAVIER, 2019).

2. A ARQUITETURA IMIGRANCISTA NO RIO GRANDE DO SUL

Para Frosi e Mioranza (2009), o processo de integração do imigrante italiano no Rio


Grande do Sul se deu em três fases: estabelecimento dos imigrantes e agricultura de
subsistência, desenvolvimento da vitivinicultura e industrialização. A primeira etapa se
destacou pela fixação no território e consolidação de núcleos coloniais, momento no qual a
agricultura era a atividade principal. Os núcleos urbanos começaram a surgir em torno de
capelas, período em que a religião católica era determinante para o assentamento das
comunidades.
Dessa forma, destaca-se que este primeiro período de colonização teve fortes raízes
na arquitetura vernacular. De acordo com Posenato (1982), os imigrantes italianos
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enfrentaram ausência total de infraestrutura. As construções da primeira fase tinham caráter
provisório, na qual os materiais eram escolhidos de maneira espontânea, conforme a oferta
do local. Segundo o autor, como havia madeira em abundância, o pinheiro (Araucaria
angustifolia) teve destaque para fins estruturais. A madeira podia ser rachada, serrada à
mão ou em serrarias e teve quatro períodos de aplicação: primitivo, apogeu, tardio e
influência do chalé.
O processo de autoconstrução aconteceu concomitantemente com a autoprodução
dos materiais e técnicas, diretamente ligados a fatores sociais e econômicos. Devido à
precariedade das estradas rurais, haviam dificuldades extremas com o transporte. A
chegada de materiais como tijolos e madeiras serradas na colónia era um movimento
inviável na época. Muitas vezes, os pregos eram substituídos por pinos, e as dobradiças
eram de couro. (LORENZONI e DE BONI apud WEIMAR, 1987).
Geralmente, a pedra empregada era o basalto, que existia em grande quantidade e
eram recolhidas da superfície do solo do próprio terreno. A matéria podia ser encontrada em
disposições soltas, vesiculares, laminares ou colunares. As paredes eram construídas de
três formas: com pedras irregulares naturais, irregulares lascadas ou talhadas (regulares).
As casas construídas na sua integridade de pedra são características do período
primitivo da imigração. Posteriormente, a pedra foi empregada somente nos porões das
residências. A argamassa utilizada era uma composição de terra vermelha e água que era
pisoteada até que apresentasse a liga. Com o passar dos anos, o imigrante dominou a
técnica da composição da pedra “in natura” de tal forma que a junta deixou de ser
argamassada, dando lugar ao assentamento com junta seca. (WEIMAR, 1987)

3. CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS


Com o objetivo de compreender a relevância dos imóveis inventariados, será
apresentado a seguir um apanhado geral do município, demonstrando seu posicionamento
geográfico, seus títulos, bem como os pontos turísticos já consolidados. Além do histórico,
da fundação aos dias atuais, foram elencados os critérios que repercutiram na escolha dos
exemplares para pesquisa neste trabalho.

3.1 CONTEXTO GEOGRÁFICO E SOCIOECONÔMICO


O município de Veranópolis localiza-se no nordeste do estado do Rio Grande do Sul,
tendo clima subtropical e está a 705 metros de altitude, local conhecido como a Serra
Gaúcha. Distancia-se 170 quilômetros da capital do estado, Porto Alegre. O município é
integrante da AMESNE – Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste do
Rio Grande do Sul, criada em 1996, além do COREDE Serra – Conselho Regional de
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Desenvolvimento da Serra Gaúcha, criado em 1991, integrando à Região Funcional de
Planejamento 3 (RF3). É conhecida na região como Berço Nacional da Maçã e Terra da
Longevidade e pode ser acessada pelas vias BR 470, RS 359 e RS 355.
Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, a
população chegava a 24.885 habitantes residentes no município (26.533 habitantes
conforme estimativa do IBGE para o ano de 2020). Sua população, em maioria, é formada
por residentes da área urbana e a expectativa de vida é de 75,3 anos (IBGE 2010).
O título “Terra da Longevidade” foi conquistado no ano de 1997. Porém, atualmente
a cidade não possui mais a maior expectativa de vida do país. Apesar disso, existem
diversos estudos em desenvolvimento no município, uma vez que os munícipes vivem com
poucas doenças e comorbidades, chegando aos últimos anos de vida de forma saudável e
independente.
A cidade possui a honraria de ser classificada com o 9º melhor Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico do Estado, segundo a Fundação de Economia e
Estatística (FEE) do estado do Rio Grande do Sul, tornando-se comprovadamente uma das
melhores cidades para se viver.

3.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO


Em 1830, o território da atual Veranópolis pertencia ao município de Santo Antônio
da Patrulha e tinha como vizinhas, as freguesias de Lagoa Vermelha e Vacaria. Com o
passar do tempo, os fazendeiros de Lagoa Vermelha foram abrindo picadas, entrando na
região e tomando posse das terras próximas ao Rio das Antas para cultivar milho e extrair
erva-mate. No lugar mais agradável do percurso, entre Lagoa Vermelha e Montenegro,
tropeiros se encontravam para descansar. Esse local era uma elevação rochosa com uma
vertente de água com nome do Roça Reúna.
Essas terras tiveram um excesso de “donos”, obrigando a Inspetoria Geral de
Colonização a planejar a criação de uma nova colônia, local onde o excedente populacional
seria acomodado.
Em 1884 instituiu-se a colônia de Alfredo Chaves, pertencente ao município de
Lagoa Vermelha, no antigo local conhecido como Roça Reúna. Foi após essa decisão que a
colonização do município de Veranópolis iniciou, com a chegada dos primeiros imigrantes
italianos. Advindos principalmente das províncias de Belluno, Cremona, Mântua, Pádua,
Tirol, Treviso e Vicenza. Em pouco tempo, imigrantes poloneses também começaram a
chegar.

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Na década de 40, Alfredo Chaves passa a chamar-se Veranópolis, que significa
Cidade de Veraneio, relembrando os tropeiros, que durante muito tempo, por ali passaram e
paravam para descansar.

3.3 VERANÓPOLIS: BERÇO NACIONAL DA MAÇÃ

A história teve início na comunidade de Lajeadinho, onde o agricultor José Bin, em


1935, comprou uma maçã vinda da Califórnia. Ele plantou cinco sementes e conseguiu
apenas que um pé sobrevivesse, a qual, após enxerto, produziu uma variedade especial de
maçã, que não murchava e nem perdia peso depois de um longo tempo guardada. Com o
decorrer dos anos, José Bin passou a multiplicar a macieira através de novos enxertos,
distribuindo aos vizinhos e fazendo com que surgissem pomares desta variedade,
denominada “Maçã José Bin”.
Uma vez que o cultivo desse fruto ganhou espaço no setor agrícola, a comunidade
tomou a iniciativa, em 1960, de realizar a 1ª Festa da Maçã. Iniciou como uma festa local e
ganhando crescimento através dos anos. Em 1976, aconteceu a 1º Festa Nacional da Maçã,
conhecida popularmente como “Femaçã”. Esta contou com a presença do então Presidente
da República Ernesto Geisel e do Governador do Estado Dinival Guazelli.
Devido esses acontecimentos e o pioneirismo no cultivo da maçã no Brasil,
Veranópolis é conhecida como Berço Nacional da Maçã e sua festa, Femaçã, tornou-se
tradicional no calendário de festejos da região. (Femaçã, 2021)

3.4. ROTA SEGREDOS DA MAÇÃ


A cidade de Veranópolis conta com diversos pontos turísticos consolidados. Alguns
deles constituem a Rota Segredos da Maçã. Outros pontos importantes são: Belvedere do
Espigão, Cascata da Usina Velha, Caverna Indígena, Pico de Monte Claro, Ponte Ernesto
Dornelles e Torre Mirante da Serra. Vale destacar a beleza arquitetônica e histórica do
Castelinho da FEPAGRO, apesar do mesmo estar localizado em uma propriedade
particular.
A rota “Segredos da a Maçã” tem como emblema ofertar “Histórias, sabores e
encantos do Berço Nacional da Maçã”. Mesmo que não tenha a devida proteção ao
patrimônio, a rota contempla as belezas do interior, os segredos da longevidade, da
religiosidade, da gastronomia e do início do cultivo da maçã.
A prefeitura propõe este percurso como forma de revelar aos visitantes histórias
lembradas e preservadas com carinho e os encantos da paisagem do interior encontrados
no trajeto. (Termas e Longevidade, 2021).

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Figura 01 – Folder Rota Segredos da Maçã
Fonte: Prefeitura Municipal de Veranópolis (2021)

4. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE DE LAJEADINHO


A comunidade de São João Batista, mais conhecida como “Lajeadinho”, localiza-se ao
sul do perímetro urbano do município, logo acima da serra do Rio das Antas e distancia-se
quinze quilômetros do centro da cidade. A comunidade conta com esse apelido em
decorrência de um local onde possuía lajes e água abundante. Os tropeiros que por ali
passavam, em busca da cidade de Montenegro, se abrigavam nesta área, que contava com
um lajeado e diversos serviços, sendo eles, ferraria, armazém, entre outros.
O local apresenta importantes atrativos turísticos do município, como o cemitério dos
imigrantes e o busto em homenagem a José Bin, primeiro produtor de maçãs na região, que
também é destaque da Rota Segredos da Maçã. Além desses encantos, ainda é possível
observar belas paisagens do Vale do Rio das Antas, vinícolas e locais gastronômicos.
O livro “Histórias de Veranópolis” (1992) conta que a localidade teve início com a
chegada de sete imigrantes italianos no ano de 1885. Apenas um dos homens trouxe a
esposa consigo, os outros mandaram buscar suas famílias mais tarde. Estes eram vindos de
diversas regiões da Itália.
A viagem desses imigrantes foi bastante tumultuada, dependeram de trem, carreta e
cargueiros para chegar ao destino. Chegando em Bento Gonçalves, tiveram que improvisar
um bote com uma tora de cedro para atravessar o rio. Nas costas levavam os poucos
pertences que receberam do Estado. Chegando na tão esperada terra, encontraram apenas

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mata nativa. Com o passar do tempo, e muito esforço, começaram a construir pequenas
casas de madeira.
Por volta de 1907 começou a construção da atual capela, que ocorreu em torno da
primeira, a qual continuou sendo usada até a conclusão da nova, em 1910. Esta foi
construída pelos próprios moradores, que fabricavam artesanalmente os tijolos. Os três
sinos, parte integrante da edificação, foram fabricados na cidade vizinha de Garibaldi e
trazidos até a comunidade por carroças. Em 1936, a capela passou por grandes reformas,
permanecendo até os dias de hoje. Todos os meses de junho, a comunidade realiza uma
grande festa em homenagem ao seu protetor e padroeiro São João Batista.

5. INVENTÁRIO: ATRIBUIÇÃO DE VALORES


Um patrimônio edificado precisa ser analisado se ele dispõe de potencial para
preservação, através de uma avaliação com base na atribuição de valores. Neste tópico,
serão explanados os valores que podem ser atribuídos a um patrimônio, levantando critérios
de escolha para os exemplares deste trabalho. Os valores serão descritos de acordo com
livros consagrados neste universo de estudo.
No ano de 2012, o IPHAE instituiu o Sistema de Rastreamento Cultural. Este refere-
se a uma metodologia de inventário, a qual estabelece critérios que indiquem a atribuição de
valores aos bens inventariados. Neste sistema, os valores são separados em seis grupos:
valor cultural, valor paisagístico, valor morfológico, valor funcional, valor técnico e valor
legal. (IPHAE, 2021).

5.1 VALOR CULTURAL: HISTORIOGRÁFICO E REFERENCIAL


Cunha (2006) cita Riegl, em sua resenha, sobre aspectos característicos de
decomposição, alteração de cor e forma que demonstram o tempo transcorrido nos edifícios
que trazem em suas paredes marcas de história e referencial em diversas formas.
Esse tópico de valor, pode ser subdividido em três categorias que serão
demonstradas e explicadas a seguir. A primeira categoria trata-se do valor histórico que
nada mais é que uma edificação onde algum fato histórico, de importância para a população
local, ocorreu e que trazem consigo valores que servem de referência para a comunidade.
A segunda categoria é o valor bibliográfico, que são bens que foram analisados,
observados, registrados e atestado a sua veracidade pelo município, como um bem com
valor científico. (CUNHA, 2006)
Por último, encontra-se o valor de antiguidade, que são obras que possuem mais de
cinquenta anos de construção ou que sejam consideradas marcos históricos em qualquer
âmbito, seja ele municipal, estadual ou federal
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5.2. VALOR CULTURAL: IDENTITÁRIO
Reis-Alves (2007) comenta em sua resenha a explicação de Schulz sobre a estrutura
de um lugar. Ele explana que essa estrutura pode ser composta por duas categorias, o
espaço (terra) e o caráter (céu). Observando que através do simbolismo e da percepção são
capazes de esclarecer a habilidade de habitar humana. Com isso, o Valor Cultural Identitário
pode ser subdividido em duas categorias: valor afetivo e valor locacional.
O valor afetivo está fortemente relacionado à memória, uma vez que apresenta
significado simbólico ou emocional aos pertencentes aquele grupo residente de determinado
local. Já o valor locacional, está mais ligado a referência que a comunidade faz com aquela
edificação. Trata-se de um ponto de orientação facilmente reconhecido pela comunidade,
que pode ser usada para demarcar uma localização ou um fato.

5.3 VALOR PAISAGÍSTICO E PAISAGEM CULTURAL


Esses dois valores são muito utilizados e conceituados pelo IPHAN. Segundo o
instituto, o primeiro valor abrange os espaços naturais e os lugares criados pelo ser
humano, como exemplo, podem ser cidades, jardins ou conjuntos arquitetônicos que se
destacam no território. Ele também abrange a paisagem cultural, que se trata de uma
porção do território representada através da interação entre o homem e a natureza, onde os
dois deixam marcas e agregam valores.
Esse valor também aparece na Carta de Atenas (1931) que menciona o cuidado
especial que se deve ter com esse valor, igualmente com os demais que são de suma
importância ao patrimônio. Na carta ainda é ressaltado e recomendado que elementos de
publicidade, postes, fios e indústrias que geram ruído e poluição pelas suas chaminés
devem ser evitadas (IPHAN, 2021).
Ainda é possível englobar mais dois valores neste mesmo item, o valor natural, que
compreende além da paisagem natural, as intervenções humanas, as manifestações
culturais, de uso e as práticas que caracterizam o local, e o valor ambiental, que faz
referência a edificações em que o entorno ajuda a valorizá-las. (IPHAN, 2021).

5.4 VALOR MORFOLÓGICO ARQUITETÔNICO


Para este valor, Barranha (2016), subdivide o mesmo em quatro classes: valor
artístico ou de estilo, valor de conjunto arquitetônico ou de recorrência regional e/ou raridade
formal, valor tecnológico construtivo e por fim, valor de conservação.
Seguindo da primeira classe, Barranha (2016) explana que monumentos são obras
artísticas ou de arquitetura, elementos arqueológicos, inscrições e grutas com valor
universal, tanto para a história, como para a arte e para a ciência.

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Ainda segundo Barranha (2016), a segunda classe é determinada por conjunto de
construções isoladas ou de conjuntos com valor agregado, podendo ser histórico, artístico
ou científico dependendo da sua arquitetura, unidade ou paisagem.
Por terceiro, tem-se o valor tecnológico construtivo, que é exemplificado por
ICOMOS (2003), onde apresenta-se que a integridade da edificação é apresentada através
da demonstração das tecnologias construtivas da época, presentes nos materiais,
mostrando assim, a necessidade da preservação além da aparência.
A última classe, valor de conservação, é marcado pela posição de Curtis (2003), que
diz que esse valor é aplicado aquelas edificações que não precisam de qualquer tipo de
obra ou reparo urgente. Já Barranha (2016), complementa afirmando que o principal intuito
da preservação e conservação desses bens é manter a autenticidade e a integridade com
qualidade. Essa integridade é o estado original completo do bem e a autenticidade é a
veracidade do patrimônio, mostrado através da materialidade.

5.5. VALOR DE RARIDADE FUNCIONAL


Segundo Curtis (2003), o valor de raridade funcional pode ser dividido em quatro
categorias. Mas primeiro o atribui às edificações em que a função arquitetônica esteja se
transformando de forma singular ou ainda passando por transformações incompatíveis com
as necessidades da atualidade.
A primeira categoria desse valor é o valor de uso tradicional ou evocativo que é uma
qualidade dada à edificação que seja de interesse de permanência na memória coletiva. Já
a segunda categoria é o valor de uso peculiar, o qual trata da arquitetura diferenciada do
contexto urbano em que está inserida, construções que fogem do padrão.
As outras duas categorias são o valor de compatibilidade com a estrutura urbana e o
valor de acessibilidade com vista à reciclagem. O primeiro diz respeito a edificações, que em
sua localização, não obstruam a estrutura urbana, como por exemplo alargamento de vias.
O segundo, são edificações que possam ser readequadas para receber novos usos, além
de ser conectado com a via principal e com equipamentos de cultura e lazer. (CURTIS,
2003).

5.6 VALOR DE PROTEÇÃO LEGAL


O valor de proteção legal abrange quatro poderes, o municipal, o estadual, o
nacional e o mundial, cada qual regido sobre suas próprias regras internas.

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5.7 VALOR DE RISCO
O termo risco é sinônimo de perigo, dessa forma o valor de risco é a chance de algo
ruim acontecer, neste caso, sobre a edificação, além da análise do impacto que isso
ocasiona. Dentro deste tópico existe o fator risco de desaparecimento que é empregado a
construções que possuam risco de desaparecer, devido a não valorização, que não tenham
manutenções regulares, ou que sua localização seja em área de especulação imobiliária e
plausível de aumento de índice construtivo e ganho financeiro.
Conforme Gonçalves e Rosado (2015), o valor de risco apresenta dez
condicionantes de degradação que podem ocorrer sobre edifícios de preservação, são eles:
forças físicas, criminosos, fogo, água, peste, poluente, luz, temperatura, umidade relativa e
dissociação.
Levando em conta o número de vezes que esses fenômenos podem acontecer em
determinado espaço de tempo, existe uma classificação, descrita por Antomarchi, Michalski
e Pedersoli Jr. (2017), que se separam em três categorias.
A primeira a ser elencada é a categoria de eventos raros, estes são eventos que
durante um século acontecem uma única vez, como incêndios, ciclones, tornados e grandes
enchentes. A segunda categoria é de eventos comuns, que acontecem mais de uma vez por
século, como infiltrações e proliferação de insetos. A última categoria é a de processos
cumulativos que são comuns ao longo dos anos, como o aparecimento de fungos.

6. DEFINIÇÃO DE VALORES PARA INVENTARIAÇÃO


Para o processo de inventariação, produto final deste trabalho, foram adotados os
critérios de valorização do Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico acima citados e os valores
levantados pelo Professor Helton Bello, um dos autores do Inventário Arquitetônico de
Veranópolis, elaborado pela Universidade de Caxias do Sul, em 2019. Esses itens fazem
parte da matriz de valorização do trabalho. Essa matriz foi utilizada e elaborada pela
Universidade durante a revisão dos Planos Diretores dos municípios da Serra Gaúcha. A
tabela a seguir foi utilizada pela instituição para o levantamento realizado para a Prefeitura
Municipal de Veranópolis em 2019.

Valores para Preservação do Patrimônio Arquitetônico


VALORES ARQUITETÔNICOS
Valor Morfológico Obra de interesse pelas qualidades formais que apresenta
Valor Tipológico Obra reflete modelo consagrado na história da arquitetura
Valor de Raridade Expressão singular genuína da arquitetura regional ou local
Valor de Compatibilidade Prédio(s) original(is) e anexo(s) compõe(m) conjunto de interesse

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Valor de Integridade Presença expressiva de elementos arquitetônicos originais
VALORES DE REFERÊNCIA
Valor Histórico Obra como marco/interesse histórico para a comunidade
Valor da Antiguidade Obra construída há mais de 50 anos
Valor Bibliográfico Obra como objeto de estudo acadêmico/científico, publicação, etc.
Valor de Reconhecimento Obra com significado simbólico ou afetivo para a comunidade
Valor Locacional Obra como ponto de referência identificável pela comunidade
VALORES CONSTRUTIVOS
Valor Técnico Obra apresenta singularidade no sistema construtivo
Valor de Constituição Obra apresenta singularidade no emprego de materiais
Valor de Risco Obra ameaçada (degradação, abandono, pressão imobiliária, etc.)
Valor de Conservação Conservação adequada / resistência ao tempo com dignidade
VALORES CENOGRÁFICOS
Valor Contextual Obra em harmonia com diversidade da paisagem e contexto
Valor de Conjunto Conjunto harmônico com unidades autônomas indissociáveis
Valor de Marco Visual Obra em destaque na paisagem, constituindo-se em referência
VALORES FUNCIONAIS
Valor de Uso Original Obra com permanência de usos originais
Valor de Reciclagem Obra com elementos passíveis de readequação de função
Valor de Uso Peculiar Obra com atividade de caráter peculiar ou excepcional
VALORES DE SALVAGUARDA
Valor de Proteção Federal Incidência de legislação de preservação a nível Federal
Valor de Proteção Estadual Incidência de legislação de preservação a nível Estadual
Valor de Proteção Municipal Incidência de legislação de preservação a nível Municipal

Figura 01: Valores para preservação do Patrimônio Arquitetônico.


UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL. Inventário arquitetônico de Veranópolis/RS. Caxias do Sul:
UCS, 2019.

Este estudo teve como origem a contratação da Universidade pela prefeitura de


Veranópolis, quando o Ato Administrativo nº 67, de 26 de abril de 2021, ingressou na
Câmara Municipal com uma lei que prevê a proteção, preservação e promoção do
patrimônio arquitetônico, histórico, artístico e cultural da cidade. Este tema esteve na
agenda há muitos anos e tem causado conflitos, porque interfere nos pertences e bens dos
proprietários.

Se a medida for aprovada, cerca de oitenta (80) prédios da cidade passarão a ser
patrimônio histórico. A pauta partiu do Ministério Público, que encaminhou a proposta à
secretaria, comprovando a necessidade de promulgação de lei que examine o patrimônio
histórico do município.

Com a conclusão das pesquisas e propostas, os parlamentares têm ouvido as opiniões de


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entidades ligadas à cultura urbana e proprietários de imóveis afetados. A fim de atender às
necessidades sociais de pesquisa, após o projeto será votado. (DAL PAI, 2021).

7. LEVANTAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO


Dentre as edificações estudadas no estágio, serão apresentadas somente uma neste
artigo. Para a escolha das edificações, foram observados alguns critérios, como os valores
de referência, em especial os valores de antiguidade e histórico. Os valores construtivos e
arquitetônicos também foram levados em consideração e tiveram bastante peso para a
determinação final.
Os valores de salvaguarda foram determinantes para a escolha dos exemplares,
bem como a disponibilidade de acesso por parte dos proprietários. A receptividade das
famílias somada à vontade de deixar seu legado registrado, facilitaram para que a
pesquisadora acessasse as edificações.

7.1 CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS EXEMPLARES


A comunidade de Lajeadinho surgiu através da imigração italiana, que construiu um
pequeno núcleo, formado pela igreja, cemitério e algumas poucas residências. Aqui serão
apresentadas duas destas, uma vez que seus antigos moradores contribuíram para a
história de Veranópolis. Um exemplo foi José Bin, residente da comunidade e figura muito
importante para a cidade, lembrado até os dias atuais.
Para o preenchimento das fichas, foram realizadas entrevistas com os proprietários,
que explanaram o que sabiam sobre as edificações, sua história e também os momentos
vividos nelas. Durante estas falas, foi possível perceber, com todos os proprietários, que
existe valor afetivo entre os donos e as edificações.
Na mesma oportunidade, foram realizadas as medições in loco e o registro
fotográfico. Com isso, chegou-se ao resultado que será apresentado através de ficha de
inventário de uma edificação particular: Residência de José Bin (para fins de
exemplificação).

7.2 RESIDÊNCIA DE JOSÉ BIN

A edificação denominada popularmente por “Casa José Bin”, localiza-se em uma


estrada vicinal paralela à Estrada Guerino Cosmo Rigon, na comunidade de Lajeadinho –
Veranópolis (RS). Atualmente pertence à Família Marin, da qual o SR. Belmir Marin de 65
anos foi entrevistado. O mesmo acredita que a edificação tenha sido construída
aproximadamente em 1940, porém não existem documentos que comprovem a data. Antes

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dessa residência ser construída, Bin morava em uma casa próxima a esta, a qual foi
desmanchada e as madeiras reaproveitadas para esta nova residência.
Belmir, atual proprietário, conta que o primeiro dono foi José Bin e por volta de 1950,
seu pai, Elizeu Ricardo Marin comprou a propriedade de seu sogro. Este senhor herdou a
casa e tem muito orgulho em preservá-la até os dias de hoje. A edificação está com em
processo de deterioração, uma vez que nenhuma reforma foi realizada. Além disso, o
entrevistado relatou que não tem realizado manutenção periódica, mas também não possui
intenção de demolir. Essa casa tem valor afetivo para a família, bem como para a cidade.
No interior da residência é possível observar alguns mobiliários originais. No entanto,
da época da construção apenas um, cilindro utilizado para amassar o pão, que Belmir
lembra de ser usado por sua mãe.
A partir das definições de Posenato (1983) é possível classificar esta residência
quanto ao seu período de imigração. Isso é possível com a observação da forma construtiva
e formal. Assim, pode-se concluir que a residência pertence ao período tardio da imigração.
Trata-se de uma tipologia de casa parcialmente em subsolo. Uma vez que não
existia a necessidade de fechamento em pedra de todo o perímetro do subsolo, tendo em
vista que não eram produzidos queijos, vinhos ou salames. Este subsolo é parcialmente
fechado com tijolos maciços produzidos artesanalmente e parcialmente por madeira,
afirmando assim, ser uma residência do período tardio. Este subsolo era utilizado como
estrebaria para animais de transporte, como o cavalo.
Quanto a residência, é possível destacar que sua construção é de madeira, com
repartições também em madeira. O subsolo é construído apenas por pilares de sustentação
em tijolos maciços produzidos artesanalmente (POSENATO, 1983). O telhado permanece o
mesmo desde sua construção, feito de caibros e terças em madeira e fechamento com
telhas de zinco. A estrutura conta com pilares e barrotes de madeira. Os fechamentos são
com portas e janelas de madeira e não possui lajes. É importante destacar que poucas ou
quase nenhuma são as patologias encontradas. O que é possível observar é a presença de
cupins no exterior da edificação, umidade concentrada na base e esquadrias em má
conservação. O assoalho da residência permanece em perfeito estado, sem falhas.
Quanto aos valores, diversos podem ser elencados. Na parte arquitetônica, são
encontrados valores morfológicos, tipológicos, de raridade, compatibilidade e integridade. Já
os valores de referência visualizados são o histórico, antiguidade, bibliográfico e de
reconhecimento. Os valores construtivos presentes são o técnico, constituição e risco. O
valor funcional observado é o de reciclagem, infelizmente valores de salvaguarda não se
aplicam a edificação. A estrutura se apresenta como artesanal e o edifício permanece

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original com acabamentos em madeira natural e seu estado de conservação é regular.
Abaixo segue a ficha de inventário preenchida como forma de exemplo.

Figura 02 – Ficha de Inventário da Residência José Bin

Fonte: Das autoras, 2021


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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já mencionado anteriormente, patrimônio cultural é o conjunto de bens
naturais, materiais ou ainda imateriais, que carregam identidade, memória, costumes,
conhecimentos e crenças de um local ou de um povo, que é formado durante muitos anos e
passado de geração em geração.
O sentimento que qualquer indivíduo sente sobre sua cultura ou seus bens faz com
que ele trate essa forma de viver com mais respeito, cuidado e zelo. Sendo assim, se o
cidadão se sentir parte integrante da cidade ele irá preservá-la, caso contrário, o ambiente
será um local desagradável e hostil. Isso aplica-se também às edificações, se o proprietário
reconhecer o real valor do seu bem, seja ele através da forma construtiva, da memória
afetiva, das recordações ou até mesmo através da estética, ele não irá desfazer-se de sua
propriedade, nem mesmo por especulação imobiliária, pois o dinheiro não compra o
sentimento e o orgulho por ele sentido através da edificação.
É por esse pensamento que se explica a importância da preservação, não só
edificada, mas também da memória, e este relatório buscou a preservação do patrimônio
cultural edificado, através do sentimento e das experiências dos moradores de Lajeadinho,
por meio das edificações presentes na comunidade.
Por fim, os estudos comprovam a importância da preservação da Casa de José Bin,
da residência da família Bavaresco, da antiga Cooperativa Aurora e da comunidade de
Lajeadinho como um todo, pois todos carregam consigo histórias que merecem ser
conhecidas e passadas as gerações futuras. Merecem ainda, serem parte da Rota Segredos
da Maçã para serem vistas e contempladas por munícipes e turistas.

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REFERÊNCIAS

BARRANHA, Helena. Património Cultural: conceitos e critérios fundamentais. Portugal -


Lisboa: IST Press e ICOMOS, 2016.

BELLO, Helton Estivalet & XAVIER, Luiz Merino de Freitas. Oficinas de patrimônio
arquitetônico. In: UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL. Inventário arquitetônico de
Veranópolis/RS. Caxias do Sul: UCS, 2019.

CUNHA, Claudia dos Reis e. Alois Riegl e o culto moderno dos monumentos. Resenhas
Online, n. 054, ano. 05, junho de 2006. Disponível em:
<https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/resenhasonline/05.054/3138>. Acesso em:
26 de junho de 2021.

CURTIS, Júlio Nicolau Barros de. Vivências com a Arquitetura Tradicional do Brasil:
Registros de uma experiência técnica e didática. Porto Alegre: Ritter dos Reis, 2003.

DAL PAI, Cristiano. Câmara estuda projeto de lei que dispõe sobre patrimônio histórico
de Veranópolis. Entrevista concedida a Rádio Studio 87.7 FM de Veranópolis, 27 de maio
de 2021. Disponível em: <https://www.studiofm.br/2021/05/camara-estuda-projeto-de-lei-
que-dispoe-sobre-patrimonio-historico-de-veranopolis/?fbclid=IwAR1dDH1Vn-
elVPG9galpTh5X23TNWyM8FARBkngy4ELçu12w-Pn-0CJ7AKs>. Acesso em 01 julho 2021.

FEMAÇÃ. Disponível em: <http://www.femaca.com.br/>. Acesso em: 26 de junho de 2021

FROSI, Vitalina Maria; MIORANZA, Ciro. Imigração italiana no nordeste do Rio Grande
do Sul: processos de formação de uma comunidade ítalo-brasileira. Caxias do Sul:
EDUCS,1975.

ICOMOS – Comitê Científico Internacional para Análise e Restauração de Estruturas do


Patrimônio Arquitetônico. Carta do ICOMOS – Princípio para análise, conservação e
restauração estrutural do patrimônio arquitetônico. Zimbábue, 2003.

IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado. Disponível em:


<http://www.iphae.rs.gov.br/>. Acesso em: 26 de junho de 2021.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em:


<http://portal.iphan.gov.br/>. Acesso em: 26 de junho de 2021.

LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
1982. 110 p.

MARIN, Belmir. Entrevista concedida a Talita Benedetti Balestrin. Veranópolis, 03 de


Junho de 2021, às 14:42. Entrevista.

MICHALSKI, Stefan; ANTOMARCHI, Catherine; PEDERSOLI JR, José Luiz. Guia de


gestão de riscos para o patrimônio museológico. Brasília: IBERMUSEUS, ICCROM,
2017. ISBN 978-92-9077-270-5. 122 p.

POSENATO, Júlio. Arquitetura da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul: assim vive
os italianos. 4. ed. Porto Alegre: Fondazione Giovanni Agnelli, 1983. 600 p.
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Desenvolvimento Urbano Ambiental e Rural Integrado - PDDUARI do Município de
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REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n.
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Acesso em: 26 de junho de 2021.

ROSADO, Alessandra; GONÇALVES, Willi de Barros. Ciências do Patrimônio: horizontes


transdisciplinares. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Arquivo
Público Mineiro, 2015. 347 p.

TERMAS e Longevidade. Disponível em: <https://termaselongevidade.com.br/>. Acesso em:


26 de junho de 2021.

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL. Inventário do Patrimônio Arquitetônico Urbano


de Veranópolis. Caxias do Sul: A, 2020. 200 p.

VERANÓPOLIS. Prefeitura Municipal de Veranópolis. Secretaria de Educação e Cultura.


Histórias da Terra da Longevidade. Veranópolis. 152 p.

WEIMER, Günter (org). BERTUSSI [et. al.] A arquitetura no Rio Grande do Sul. 2ª Ed.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. 224p.

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ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

VIAGENS ACADÊMICAS COMO REGISTRO DO PATRIMÔNIO: A


Cidade de Penedo nas margens do São Francisco

SILVA, EDER D. (1); NOGUEIRA, ADRIANA D. (2)

1. Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Rua Samuel de Oliveira s/n, Campus Laranjeiras, Sergipe
eder@infonet.com.br

2. Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Arte e Design


Av. Marechal Rondon n. 81, Campus São Cristóvão, Sergipe
adnogueira@gmail.com

RESUMO
Este artigo busca o relato das viagens acadêmicas realizadas a cidade histórica de Penedo
(Rochedo) as margens do Rio São Francisco, na divisa entre os Estados de Sergipe e Alagoas, que
teve como prerrogativa principal atividade extensionista que proporcionou aos alunos do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe do Campus de Laranjeiras (de vários
períodos), aos alunos da Oficina Escola da Cidade de Laranjeiras (Oficina de ensino de conservação
e restauro mantida pela Prefeitura desta Cidade) e da comunidade em geral, a oportunidade de
conhecer in situ a história da arquitetura brasileira, uma vez que os monumentos e edificações
visitados guardam a identidade e memória de vários períodos históricos. A investigação propiciou
experiências de extremo valor prático, produzindo conhecimentos complementares, como a da
técnica ilusionista renascentista presente na pintura no forro da Igreja de Santa Maria dos Anjos (um
dos últimos exemplares ainda existentes na arquitetura brasileira), a relação da construção da Igreja
de Nossa Senhora da Corrente com as lendas e folclores do “Velho Chico”, os azulejos históricos,
elementos de cantaria feitas pelos escravos como os da portada da Igreja de São Gonçalo
representando o Deus Grego Zéfiro e, muitos outros, além de contato com as rotinas necessárias às
ações de intervenção (conservação e restauro) de edifícios portadores de juízo de valor patrimonial.
O registro e documentação fotográfica das condições do patrimônio material da cidade de Penedo e
suas possíveis transformações, ao longo dos últimos dez anos, pontuaram a metodologia empregada
nas viagens acadêmicas realizadas em abril de 2012, julho e setembro de 2016, março de 2017 e
agosto de 2019. Partindo de um conceito exploratório da observação simples que é o contato direto e
participação do indivíduo ao universo pesquisado, as viagens acadêmicas ocasionaram mais do que
vivenciar as principais teorias da arquitetura, urbanismo, conservação e restauro, pois ativaram uma
relação de identidade e memória do indivíduo e o meio, predispondo a formação mais completa de
arquitetos e técnicos e especialmente de agentes difusores multiplicadores da preservação,
prevenção, conservação e restauro do patrimônio cultural.

Palavras-chave: Viagens Acadêmicas; Urbanismo; Arquitetura; História; Preservação.

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Introdução

Na história da Arquitetura e Urbanismo, verifica-se uma constante discussão entre a teoria e


prática em como construir belas edifícações e implantar cidades eficientes, os teóricos
antigos e os modernos indicam que o arquiteto deve unir este dois preceitos, no entanto,
outro ingrediente, às vezes pouco ou quase nunca estudado, é introduzido nesta intenção
da busca de apreender arquitetura, ou seja, a necessidade de observação de obras já
realizadas em locais e cidades que se tornaram exemplos emblemáticos para a fruição e
compreensão de um modelo a ser seguido, ou mesmo que, com o tempo, tornaram-se a
representação da identidade e memória arquitetônica de uma época; estes locais e
edificações passam a ser, então, foco e sonho de uma visitação obrigatória na formação do
arquiteto.

O aprendizado do ver o Urbanismo e a Arquitetura

Pontuando que as lições de arquitetura partem das leituras históricas e teóricas e de sua
influência sobre o criar edificações e espaços urbanos e que a pretensa “descoberta” do
Brasil ocorreu na transição do Renascimento para o Maneirismo, apesar de os Portugueses
não terem inicialmente a intenção de se fixar, deixaram marcadas técnicas e estéticas ao
longo de 300 anos (BURY, 1991, p.162). Devemos admitir, além dos portugueses, a
influência indígena nos cem primeiros anos da Colônia (WEIMER, 2018, p.202), dos negros
nos séculos vindouros (WEIMER, 2014, p.156), dos franceses, holandeses (HUE, 1999,
p.20) e depois nos revivais historicistas (FABRIS, 1987, p.122), da arquitetura Moderna
Alemã e Francesa no século XX (SEGAWA, 1997, p.41); nesta trajetória, exemplos de
edificações e espaços urbanos variados pontuaram, mesmo que a distância, a forma do
fazer e foram usados como modelos e tipologias a serem seguidos no Brasil.

Quanto ao sistema construtivo, as lições de Vitrúvio (POLIÃO, 1999, p.69-70) estiveram


presentes, como na observação dos materiais de construção, adobes, cal, pedras,
madeiras, na observação da disputa técnica entre a tradição e o jeito de fazer, do exercício
da imaginação e do engenho dos locais, das formas dos arcos, abobadas, colunas, ordens,
da influência da natureza e da própria engenhosidade humana. Outros aspectos técnicos
também foram cuidados por outros teóricos ao longo do tempo, como o entendimento
construtivo das torres como elemento de maior dificuldade na edificação das Igrejas, a
disposição geométrica das plantas baixas, os elementos ornamentais e suas decorações
como folhagens, cartelas, brasões, cartuchas, coruchéus, esculturas, carrancas, elementos

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ornamentais “abrasileirados” nos tímpanos dos frontões e no riscado do frontispício das
igrejas ou nas talhas dos linteis e/ou ombreiras das portadas (RODRIGUES, 1975, p.138).

O aprendizado da arquitetura também se inscreve no exercício do conhecimento histórico e


teórico de suas tipologias, da arquitetura militar, civil e religiosa. A arquitetura militar esteve
muito presente no Brasil entre 1500 e 1800, essas construções tiveram importância no
recrudescimento da defesa e estabelecimento da posse da terra pela metrópole. Um dos
nomes mais importantes foi o do Português Francisco de Frias da Mesquita (SILVA-NIGRA,
1945, p. 9), que entre muitas fortificações e construções religiosas, trabalhou na Fortaleza
dos Reis Magos na atual Cidade de Natal/RN (SILVA-NIGRA, Op.cit., p.13). As fortificações
podem ser consideradas como as que menos sofreram alterações construtivas de transição
para o Brasil.

Na arquitetura civil brasileira, alguns dos modelos históricos e teóricos estudados são a
Nobre Morada de Garcia D’Ávila (RODRIGUES, 1945, p.164), a Morada Seiscentista
Paulista (SMITH, 1969, p. 27). A estreita relação dessas construções com as economias que
monopolizaram o período colonial, como o açúcar, ensejam outras peculiaridades de
implantação como a Casa Grande, a Capela, Engenho e a Senzala (GOMES, 2006, p.20).
Na Casa Bandeirista predominam os cheios sobre os vazios (REIS FILHO, 1987, p.21), já os
Sobrados de vergas curvadas na sua grande maioria são portugueses, enquanto os de
verga reta são holandeses, destacam-se também os Solares e as Casas de Câmara e
Cadeia nos sítios urbanos dos três primeiros séculos (REIS FILHO, Op.cit, p.28).

Entre todas as arquiteturas produzidas no período colonial a que era para ser vista era a
religiosa, por este motivo as representações construtivas das igrejas demonstram maior
requinte e acentuação das transposições europeias (BAZIN, 2010, p.205). A arquitetura
religiosa está estreitamente ligada a vinda das Ordens religiosas para o Brasil (TELLES,
2008, p.19). Estas ordens seguem os padrões originais, mas vagarosamente vão tomando
rumos próprios até atingir sua maioridade nas Minas Gerais, com Antônio Francisco Lisboa,
no século XVIII (BAZIN, 1963, p.139); os materiais e as técnicas construtivas misturam
técnicas Vitruvianas e Renascentistas com a atmosfera misteriosa da teatralidade Barroca
(TIRAPELI, 1999, p.19).

Quanto ao aprender ver o Urbanismo, um dos autores mais importantes nos primeiros
trezentos anos foi o Professor Nestor Goulart Reis Filho, seu livro Contribuição ao Estudo da
Evolução Urbana do Brasil (1500/1720) publicado em 1968, registrou questões históricas
das capitanias e tabelas cronológicas de fundação das cidades no período colonial,
documentando a diversidade e complexidade da vida colonial, a política centralizadora que
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forçava e garantia o controle, os serviços existentes nas cidades e a relação entre as
produções exploratórias comerciais e ciclos econômicos.

A arquitetura brasileira, a partir dos finais do século XVIII e início do XX, recebe a influência
de outros “ingredientes”, tanto da Europa quanto dos Estados Unidos, o Neoclassicismo e
os outros revivais são sentimentos nostálgicos e emocionais da Antiguidade. Os modelos
utilizados se baseiam nas publicações de obras clássicas, a revalorização das harmonias
antigas faz revisitar as lições Palladianas e suas fortunas (KRUFT, 2016, p.445). Essas
lições vieram para o Brasil com a Missão Artística Francesa de 1816, com Grandjean de
Montigny, Lebreton, os irmãos Taunay, Jean Baptista Debret e muitos outros (BARDI, 1975,
p.46); na versão de alguns historiadores e estudiosos da arquitetura, eles romperam com
uma possibilidade que vinha se firmando de uma arquitetura genuinamente nacional
vislumbrada pelo Barroco das Minas Gerais.

O Ecletismo no Brasil pode ser entendido levando-se em conta a análise da arquitetura de


algumas cidades, o Rio de Janeiro adotaria o estilo Chalet que triunfaria e se tornaria o que
ficou conhecido por estilo pitoresco, também havia o Neogótico Imperial como no gabinete
de Leitura Português. Em São Paulo exemplos são a Catedral Metropolitana em estilo
Neogótico, o Teatro Municipal de São Paulo inspirado na Ópera de Paris e as casas
Ecléticas paulistanas; um dos mais importantes arquitetos desse período foi Ramos de
Azevedo (BRUAND, 2012, p.39).

No final do XIX o Art Nouveau contaminou avassaladoramente toda a produção de objetos e


de materiais de acabamento, seu estilo floreal, todo rebuscado, exagerado ao máximo, a
carga decorativa com uma ornamentação reinventada a partir dos repertórios de todas as
correntes historicistas surgiu com outra gramática, embora a simplicidade formal não fosse
seu ideal, essa arte teve enorme penetração no Brasil; vidros, caixilhos, azulejos e ladrilhos
eram seu forte e o grande nome da arquitetura brasileira foi Victor Dubugras (BRUAND,
Op.cit., p.46).

Para alguns autores, a arquitetura Moderna teria sido desencadeada a partir do Art
Nouveau. São vários os arquitetos importantes neste momento, como Henry van de Velde,
Victor Horta e Hector Guimard, além de Otto Wagner; também deve ser citado Antoni Gaudí;
mas os que antecedem o racionalismo são August Perret, Adolf Loos e muitos outros. Na
maturidade da arquitetura Moderna, os quatro grandes pilares do fazer que devem ser
sempre lembrados são: Walter Gropius, Mies van Der Rohe, Frank Lloyd Wright e Le
Corbusier (BRUAND, Op.cit., p.35). No Brasil de JK, surgiu Oscar Niemeyer, mas Gregori
Warchavchik deve ser sempre lembrado. A grande obra modernista de 1937 é o Ministério
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da Educação e Saúde (Lucio Costa, Niemeyer, Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos);
outros nomes importantes são Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, irmãos Roberto e João
Filgueiras Lima, ensejando o denominado “Triunfo da Plástica” (BRUAND, Op.cit., p.151).

Um último ponto sobre o aprendizado básico de saber ver o urbanismo e a arquitetura indica
o uso do concreto no Brasil. De acordo com o Livro “O Concreto no Brasil”
(VASCONCELOS, 2002, p.13) não se pode precisar quando ele foi usado pela primeira vez,
mas a utilização de pré-fabricados refere-se à execução do Hipódromo da Gávea no Rio de
Janeiro, na verdade, o século XX envolveu, na sua primeira metade até o seu terceiro
quarto, uma harmonia entre a arquitetura e a engenharia marcadas pela ousadia e
engenhosidade culminando no projeto urbano e arquitetônico da cidade de Brasília
(URBANISMO NO BRASIL, 1999, p.230).

O aprendizado do saber ver o urbanismo e arquitetura através da história e da teoria


parecem contemplados (ZEVI, 1996, p.53), no entanto, como e de que forma poderíamos
reconhecer todos estes conceitos in situ? As Viagens Acadêmicas são um recurso
indiscutível para se analisar todos esses preceitos com a vantagem de acrescentar a
percepção de todos esses elementos no local. Uma cidade capaz de acomodar a maioria
desses condicionantes históricos e teóricos citados é a cidade de Penedo, na divisa dos
estados de Sergipe e Alagoas, às margens do Rio São Francisco, portanto, a verificação de
várias destas teorias, histórias, técnicas construtivas, estilos e as influências dos moradores
locais podem ser apreciadas a seguir, frente a uma reflexão crítica exploratória de
observação, diferenciada da oferecida na forma tradicional.

Viagens Acadêmicas a Penedo

A cidade de Penedo, indiferente à precisão da data de sua implantação, que para alguns se
deu em 1560 (SOUTO, 2010, p.141), teve como fator determinante a sua localização, ou
seja, adentrando alguns quilômetros do delta do São Francisco, sua posição geográfica se
deveu, inquestionavelmente, ao controle militar e econômico da região. A fortaleza, que
então se assentou num rochedo (Penedo), proporcionava uma ampla e estratégica
fiscalização na rota fluvial entre os interiores do Brasil e o mar. Elevada à Vila de São
Francisco em 1636, denominada de Penedo do rio São Francisco, atingiu o fórum de cidade
em 1842, consolidando-se a época como uma das cidades comerciais mais importantes do
Segundo Império (SOUTO, Op.cit., p.142).

A primeira grande referência de aprendizado ao observar o sítio histórico urbano de Penedo,


a partir das margens na cidade de Neópolis do lado do Estado de Sergipe, é a possibilidade
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da constatação da conjugação entre a paisagem natural e a paisagem artificial que o
urbanismo definiu como cidade alta e cidade baixa. O Porto e o Paço Imperial de Penedo
fazem lembrar, guardada as proporções, do Terreiro do Paço na cidade de Lisboa, com
influência do rio (ria) Tejo para Lisboa na mesma escala da importância do São Francisco
para a implantação de Penedo. Quanto a engenharia militar portuguesa e holandesa,
observa-se a posição estratégica em relação implantação de uma fortificação, pois a
sinuosidade, a profundidade e a correnteza do rio São Francisco nesta posição, obrigavam
os navios a se colocarem exatamente na linha de tiro dos canhões da cidade sob o risco de
encalharem nos bancos de areia (Figura 1).

Figura 1: acima – Travessia de balsa do lado de Sergipe (jul. 2016, ago. 2019). Abaixo – Vista da
cidade (set. 2016). Fonte: autores.

As cidades são estruturas multifacetadas que, com o tempo, recebem acréscimos,


transformações, destruições, alterações, complementações na sua composição, ao
vislumbrar o patrimônio ambiental urbano deste sítio chamam a atenção, entre o Paço
Imperial e a Igreja de São Gonçalo, o Hotel Modernista de São Francisco, construído por
volta de 1960 e a torre do relógio de edificação Art Déco, construída em 1935, que abriga a
Associação Comercial. Ao observar estas edificações, nota-se que elas encobrem a vista do
Convento Franciscano de Santa Maria dos Anjos e encobrem a vista da Casa de Câmara e
Cadeia e, respectivamente, da Catedral de Nossa Senhora do Rosário. Esta questão da
interferência visual na ambiência histórica a partir de construções “novas” é uma das
discussões mais difíceis no tratamento da preservação das áreas históricas urbanas.
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O Convento Franciscano de Santa Maria dos Anjos e a Igreja tiveram sua construção
iniciada no século XVII (BENS MÓVEIS E IMÓVEIS, 1994, p.1). Sua implantação no terreno
possui diferenças em relação à implantação de outros conventos franciscanos, como do
Convento de Santa Cruz na cidade de São Cristóvão em Sergipe, contudo possui
semelhanças com o Convento de Nossa Senhora das Neves em Olinda. O Cruzeiro de
Pedra, a frente da Igreja de Santa Maria, é uma das características que se repetem em
todos os conventos e igrejas da Ordem Franciscana. O Claustro é composto por colunas
circulares nas quais o fuste tem maior diâmetro na parte inferior do que a parte superior, a
base e os capitéis possuem influência dórica maneirista ao gosto Palladiano e são
arrematadas por arcos abaulados com cartelas no seu centro de aduela enfeitados acima
por conchas representativas do Barroco e datadas. A composição interna do conjunto de
Santa Maria dos Anjos tem espacialidade padrão do período colonial brasileiro, com coro,
grande nave, arco de transição e capela mor; a nave principal é pouco ornamentada, mas
diferente do altar mor com colunas salomônicas retorcidas e expediente Barroco.

À margem esquerda do rio São Francisco, os pescadores ergueram, por volta de 1720, uma
Capela pedindo proteção contra as traiçoeiras correntezas do “Velho Chico” (BENS MÓVEIS
E IMÓVEIS, Op.cit., p.2). Esta primeira construção desmoronou e a placa informativa na
fachada indica que foi refeita em 1729; a grande altura frontal da igreja em relação a sua
largura provoca uma distorção visual, fazendo com que o observador fruidor tenha que se
afastar para que a visão do frontispício e frontão não sejam distorcidos. A riqueza artística
da Igreja é demonstrada internamente pela azulejaria nas paredes da nave central, dos
ladrilhos hidráulicos com motivos florais em seu piso, da imagem de Nossa Senhora pintada
no forro abobadado e, altar mor com concheados em sinuosidades exuberantes folheadas
em ouro; todo este conjunto levou o célebre estudioso da arquitetura brasileira Germain
Bazin declarar: “um conjunto admirável”...”quase desconhecido”...”um dos mais bonitos do
Brasil” (1983, p.316).

A Igreja de São Gonçalo Garcia foi edificada sobre a antiga capela entre 1758 e 1759
(BENS MÓVEIS E IMÓVEIS, Op.cit., p.2). Quando observada em sua implantação percebe-
se o mesmo problema de equilíbrio da fachada notado na Igreja de Nossa Senhora da
Corrente, apesar de haver uma possível simetria entre a largura e altura, a falta de domínio
das lições de Brunelleschi em relação à perspectiva produz a impressão de um desequilíbrio
visual que se torna acentuado pelo formato das torres em bastiões (baluartes), acentuado
pelos grandes coruchéus que ornamentam as duas torres sineiras, as quais, provavelmente,
feitas em época diferente da construção da Igreja. Na parte interna, apesar do forro em
gamela não apresentar mais a sua pintura, os púlpitos bem trabalhados, os altares laterais
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em estilo Neoclássico, a capela mor estreita e profunda marcada no seu início pelo arco
cruzeiro, definem uma forte influência da escola Bahiana Colonial, semelhante à Igreja de
São Domingos Gusmão e à Igreja de São Pedro dos Clérigos na cidade de Salvador.

No Paço Imperial, em Penedo, observamos um sobrado de características coloniais


portuguesas, provavelmente do século XVIII, pois já possui técnicas construtivas mais
desenvolvidas do que as casas térreas simples dos primeiros cem anos no Brasil. Entre as
características observadas estão a forma quadrada da edificação e sua implantação no
limite do terreno, apesar de se tratar de uma edificação colonial com três pavimentos, as
paredes não são tão espessas como as utilizadas na arquitetura religiosa e militar. Os
vazios (portas e janelas) predominam sobre os cheios (paredes) e, apesar de formato
colonial, receberam acréscimos de guilhotinas afrancesadas. O aspecto do casario do Paço
Imperial muda na região do Porto para construções mais estreitas no lote, também são
edificações assobradadas, que perfazem uma semelhança com as arquiteturas holandesas
do Bairro Santo Antônio na cidade do Recife (1630-1654).

A Casa de Câmara e Cadeia na cidade alta é uma construção assente sobre as antigas
ruínas da fortaleza, paredes largas, caiadas e janelas com gradis na parte térrea expressam
as características construtivas portuguesas da metade do século XVIII. Na frente da Casa
de Câmara e Cadeia fica uma pequena construção, datada em sua cartela acima da portada
principal de 1769, este local servia as últimas orações dos condenados que seriam
enforcados no Terreiro do Paço. Nas ruas próximas, apesar de existirem edificações
residenciais com aspectos tipológicos coloniais, a arquitetura recebe contributos de outras
épocas, como o Hotel São Francisco em que o uso do concreto denota uma arquitetura
totalmente diferente do espaço histórico urbano colonial; assim como, ao lado do Hotel, as
superfícies das paredes da Associação Comercial, com reboco em área quartzosa (mica e
feldspato), fazem as linhas de força brilharem sob o sol e expressam uma das principais
características da arquitetura Art Déco.

Na avenida Floriano Peixoto, logradouro atrás da avenida que compreende o Paço Imperial
e o Porto, destacam-se duas arquiteturas, a do Teatro Sete de Setembro e o Mercado
Público. O Teatro, em estilo Neoclássico, projeto realizado pelo arquiteto Italiano Luiz
Lucarine (o mesmo que projetou o Teatro de Maceió), sua construção começou em 1878 e
terminou em 1884 (Placa informativa na fachada da edificação). O Mercado Municipal
possui a parte externa em estilo Eclético predominando o Neorrenascentista adaptado a um
interior colonial representativo de antigos trapiches de açúcar (depósitos de açúcar).

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O maior conjunto arquitetônico representativo do Ecletismo, Art Nouveau, Art Déco, se
encontra na avenida Getúlio Vargas, praticamente fora da área Histórica do Paço Imperial e
do Porto; este conjunto representativo do final do século XIX até a metade do XX na avenida
Getúlio Vargas, juntamente com todo o espaço da arquitetura Colonial na área urbana de
Penedo, distinguem, pormenorizam e retratam um registro e uma documentação cultural de
excepcional importância do Brasil (Figura 2).

a b c

d e f

g h i

j k l

Figura 2: a- Convento de Santa Maria dos Anjos (jul. 2016); b- Igreja de Nossa Senhora da Corrente
(jul. 2016); c- Igreja de São Gonçalo (set. 2016); d- Matriz de Nossa Senhora do Rosário (set. 2016);
e- Oratório dos Condenados (abr. 2012); f- Casa de Câmara e Cadeia (mar. 2017); g- Teatro Sete de

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Setembro (mar. 2017); h- Mercado Municipal (ago. 2019); i- Casa Eclética (ago. 2019); j- Casa Art
Nouveau (ago. 2019); k- Associação Comercial Art Déco (set. 2016); l- Hotel São Francisno
Contemporâneo/Moderno (set. 2016). Fonte: autores.

Percebendo o que não havia sido percebido

No Conjunto do Convento de Santa Maria dos Anjos, a fachada principal com ornamentos
esculpidos em pedra calcária em adornos antropomórficos apresenta no frontão volutas
salientes com desenhos de figuras humanas a segurar, como atlantes, a curvatura da
espiral, esta composição representada por soldados portugueses com túnicas e saiotes
indígenas retratam a etnologia que se repete em tema escultórico no interior da Igreja; no
centro do frontão a composição da figura humana, especialmente nos anjos talhados acima
do óculo em estilo floral seguram a cartela que traz o nome da Virgem Protetora, retratam a
técnica da proporção humana da arte Maneirista (JANSON, 1993, p.670).

Na Sacristia, ao lado da Igreja, por onde também se adentra ao Convento, tem-se um altar
cujo tema esculpido, de Atlantes segurando a base da mesa central representam em suas
faces os povos portugueses, índios e negros, notados pela composição dos cabelos, dos
narizes, da forma do rosto e especialmente dos olhos; as cores predominam os vermelhos e
azuis. O tema dos anjos voantes segurando o Brasão da Ordem Franciscana se repete no
arco cruzeiro, agora esculpido em madeira policromada, possuem traços Maneiristas e
Barrocos muito mais elaborados, demonstrando uma qualidade técnica de escultura em
madeira muito mais desenvolvida do que a escultura em pedra.

O forro da Igreja de Santa Maria dos Anjos apresenta uma das poucas pinturas ilusionistas
ainda remanescentes (OTT, 1982, p.12), assinada em 1784 por Libório Lazdro Lial Afes,
retrata a Virgem Protetora, o observador fruidor, que adentra a Igreja pelo avarandamento e
passa abaixo do coro, ao se posicionar na entrada da nave principal e olhar para Santa
Maria pintada no forro, verá que ela abre os braços para recebê-lo, ao caminhar em direção
à capela mor e altar mor para receber as bençãos da eucarístia, na cancela abaixo do arco
cruzeiro, ao se virar e contemplar novamente a pintura do forro perceberá que a Virgem se
voltou para ele e mantém seu braços abertos como a declarar sua eterna proteção
misericordiosa.

Os materiais construtivos, como o piso da Igreja de Santa Maria, demonstram as alterações


que se fizeram ao longo do tempo, ou seja, aparecem na composição ladrilhos hidraulícos
ingleses do inicio século XX (placa informativa na Sacristia), estas alterações nos interiores
das Igrejas brasileiras, especialmente do Nordeste, devem-se a noções higienistas do
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século XIX. Em Penedo, os ladrilhos hidraúlicos ingleses também podem ser apreciados no
piso da Igreja de Nossa Senhora da Corrente, no entanto, com desenhos muitos mais
elaborados, especialmente no centro da nave principal, no entanto, são os azulejos das
paredes e o altar mor conjuntos de especial unidade artística; os azulejos retratam várias
fases da vida da Virgem Maria, como seu casamento, a anunciação e a fuga para o Egito.

Os retábulos da Igreja de Nossa Senhora da Corrente possuem imagens de São José,


Santa Lucia e Santa Cecília, além, é claro, da imagem de Nossa Senhora da Corrente com
o Menino Jesus nos braços. Categoricamente, é um templo dedicado às mulheres, pois
além da representação da vida da Virgem Santíssima traz no coroamento dos altares
colaterais esculturas de Judite com a cabeça de Holofernes (BIBLIA SAGRADA, Cap. 1 e 2
Livro de Judite, 1996, p.539) e de Jael com o escopo das armas com o qual matou Sisara
(BIBLIA SAGRADA, Cap. 4 e 5 do Livro dos Juízes, 1996, p.280). O púlpito também é um
dos elementos de maior destaque junto com o altar mor, tem a base representando a coroa
da Virgem Santíssima e o corpo em fingidos de mármore rosáceis, os quais proliferam pelo
altar junto com laqueaduras douradas em folhas de ouro e azuis preponderantes
embrechados nos retorcimentos Barrocos e Rococós das colunas salomônicas que
compõem de forma a dialogar com os azuis e brancos do conjunto azulejar. O forro possui
pintura da Virgem Santíssima ao centro com raios de luz, declarada como pintura ilusionista,
infelizmente não se pode constatar esta técnica, provavelmente devido a intervenções
restauradoras que danificaram este efeito ótico.

A Igreja de Nossa Senhora da Corrente tem sua história relacionada a duas questões: a
Mãe de Deus para a proteção dos pescadores e a um fugitivo de Portugal que chega a
Penedo algemado alcançando a graça de se libertar e, em devoção a este livramento,
edificou a Igreja enterrando em seu alicerce um pedaço da corrente; entretanto, importante é
sua relação com o movimento abolicionista, pois em um dos altares laterais, esquerdo de
quem adentra na Igreja, existe uma passagem secreta para esconder os escravos que
fugiam das fazendas e posteriormente se abrigariam no Quilombo de Palmares. Igrejas
como a de Comandaroba (1734) na cidade de Laranjeiras e da Matriz do Senhor dos
Passos (1848) na cidade de Maruim, ambas em Sergipe, são representações marcantes
desta estratégia arquitetural abolicionista.

A relação da arquitetura com a representação das Ordens religiosas é indissociável, em


Penedo percebe-se a presença marcante dos franciscanos, mas também a presença de
Irmandades como dos negros e dos pardos que se funde aos franciscanos. A Igreja de São
Gonçalo Garcia dos Homens Pardos relaciona-se à história deste Santo que pertencia a

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Ordem de São Francisco e considerado o primeiro santo pardo (VIANNA, 2016, p.39), por
ser músico, rezam as lendas que tocava em prostíbulos para persuadir as mulheres a não
praticarem seus ofícios e os homens a não fornicarem (Figura 3).

a b c d

e f g

h i j k

l m n

Figura 3 : a- Frontão Santa Maria (ago. 2019); b- Altar Sacristia Santa Maria (set. 2016) ; c- Arco
Cruzeiro Santa Maria (abr. 2012); d- Coluna Salomônica Altar Santa Maria (abr. 2012); e- Forro Santa
Maria (jul. 2016); f- Piso Santa Maria (set. 2016); g- Pìso Igreja da Corrente (abr. 2012); h- Jael Igreja
da Corrente (set. 2016); i- Judith Igreja da Corrente (set. 2016); j- Aberturta falsa no altar
colateral Igreja da Corrente (set. 2016); k- Forro Igreja da Corrente (set. 2016); l- Azulejos Casamento

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da Virgem Maria Igreja da Corrente (mar. 2017); m- Torres de São Gonçalo (mar. 2017) n- Zéfiro
Igreja de São Gonçalo (jul. 2016). Fonte: autores.

A irregularidade proporcional da fachada da Igreja de São Gonçalo Garcia e suas torres é


elemento que chama a atenção, no entanto, a talha escultórica constituida por figuras
antropomórficas (carrancas), esculpidas nas ombreiras e bases das pilastras das portadas,
possuindo uma linguagen espanholada, apesar da distância com o plateresco que pode ser
visto na Igreja de São Francisco da Ordem Terceira de Salvador, representam faces de
figuras humanas cuja forma da cabeça e dos narizes recaem na fisionomia representativa
dos homens negros e especialmente pardos, esta representatividade se expressa por uma
figura na base da portada principal representando Zéfiro, o Deus Grego dos ventos. A parte
interna da Igreja de São Gonçalo Garcia, apesar de haver perdido muito de suas
ornamentações e pinturas, como no forro, tem as esculturas que encimam os altares laterais
o mesmo tema de Judite e Jael, ofertados na Igreja de Nossa Senhora da Corrente.

As sensações vividas in situ no espaço urbano são elementos de grande aprendizado na


arquitetura, um dos exemplo desta questão é a fruição da visão do rio São Francisco a partir
da comadreira de uma das janelas da Casa de Câmara e Cadeia (Casa da Aposentadoria
no Largo do Pelourinho). Nesta situação se pode exercitar a imaginação de como os
soldados holandeses guardavam e monitoravam a passagem dos navios pelas águas de cor
esmeralda do “Velho Chico”. A Casa de Câmara e Cadeia possui alvenaria de pedra
rebocada com argamassas a base de cal, diferente da técnica construtiva observada em
algumas casas coloniais de Penedo, cujas paredes são feitas em taipa de sebe (taipa de
mão), como na residência que hoje abriga a sede do IPHAN na avenida Floriano Peixoto.

Na percepção do que não havia sido percebido, a arquitetura contemporânea do Hotel de


São Francisco alguns elementos tentam reproduzir conceitos da arquitetura moderna, como
os pilotis e uso do concreto, no entanto, são apenas aspectos que não atigem com
substancialidade o programa moderno; resultado diferente se tem no Teatro Sete de
Setembro, onde as Musas da Arte, ou seja, as Deusas da Música, da Poesia, da Pintura e
da Dança, feitas em louça, encimam a platibanda, seu interior nos faz retornar aos antigos
recintos do período Romântico na Inglaterra e na França. O Mercado em estilo Eclético
aguça os cheiros, sabores, ruídos, tatos, de uma percepção humana existencial
materializada na espacialidade da arquitetura.

As construções da Avenida Getulio Vargas são exemplos de colagens historicistas de vários


revivais formando um dos conjuntos mais completos de edificações assobradadas do
período Eclético no Brasil. Neste conjunto, percebe-se uma edificação Art Déco na forma de
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barco exatamente igual a encontrada na Praça Camerino na região central da cidade de
Aracaju, na cor azul clara, perfazendo o que podemos conceituar como várias influências
advindas de revistas, jornais, livros e folhetins dos séculos XIX e XX (Figura 4).

a b c

d e

h i j

Figura 4: a- Vista do rio São Francisco da Casa de Câmara e Cadeia (mar. 2017); b- Máquina de
acetileno na Igreja do Rosário (jul 2016); c- Parede de Taipa de Sebe sede do IPHAN (jul. 2016); d-
Igreja do Rosário (mar. 2017); e- Art Déco/racionalismo perto da Igreja do Rosário (set. 2016); f-
Interior do Teatro Sete de Setembro em restauração (set. 2016); g- Deusas da Arte no Sete de

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Setembro em restauração (set. 2016); h- Casa Barco av. Getúlio Vargas (ago. 2019); i- Chalé av.
Getúlio Vargas (ago. 2019); j- Neogótico av. Getúlio Vargas (ago. 2019). Fonte: autores.

Propositalmente, deixamos para falar da arquitetura negra em Penedo no final deste artigo,
pois é neste momento que podemos exercitar o conceito de perceber o que não havia sido
percebido. Se analisarmos o espaço urbano de Penedo, temos uma área histórica colonial
com acréscimos de edificações do final do XIX e início do XX, e uma área mais afastada
com edificações Ecléticas, Art Nouveau e Art Déco, então onde estariam as construções
representativas dos negros? Há alguns anos temos analisado a cidade colonial de São
Cristóvão e a cidade Imperial de Laranjeiras no estado de Sergipe, onde as Igrejas da
Ordem dos Pretos como do Rosário e São Benedito ficam mais na periferia da área
histórica.

Penedo segue este modelo, ou seja, a Catedral de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja
Matriz de Nosssa Senhora do Rosário dos Pretos, ficam em separado dessas áreas
históricas, apesar da Matriz estar no Largo do Pelourinho, praticamente ao lado da Casa dos
Aposentados (Câmara e Cadeia), esta construção de grandes proporções é voltada para a
Rocheira, apesar de ser fruto de assentamentos sobre capelas anteriores, apenas terá sua
construção entre 1808 e 1899, o que a coloca, devido as suas sucessivas reformas, em
separado dos demais conjuntos analisados e, apesar de elementos arquitetônicos de muito
interesse patrimonial, como a torre sineira e seu frontão.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, mais afastada, entre área colonial e a
área Eclética, também possui arquitetura simples, concluida no século XIX, destacando no
seu interior uma máquina de gás acetileno que provia a iluminação elétrica urbana da
cidade; possui uma torre inconclusa e interior simples e singelo, quanto a sua espacialidade
chama a atenção sua proximidade com uma edificação Art Déco/racionalista que servia ao
antigo Cine Penedo. Estas observações fruidas in situ provocam a hipótese que, apesar dos
escravos terem sido os principais construtores da cidade de Penedo, esta comunidade vivia
praticamente em uma espacialidade em separado do restante do conjunto patrimonial da
cidade.

Conclusão

As Viagens Acadêmicas proporcionam mais do que a conferência dos conhecimentos


adquiridos em referências bibliográficas, ela possibilita o exercício da percepção de
questões que só podem ser fruidas no local, ou seja, elementos estruturais, elementos
técnicos, elementos ornamentais, cores, relações com o imaginário da população local e,
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principalmente, adaptações às necessidades e disponibilidade da sociedade no seu tempo;
a observação exploratória age sobre a memória do observador fruidor, deixa marcas,
constroi entendimentos com outros locais e outras arquiteturas, reforça o caráter da
identidade e memória, atuando na formação mais completa dos futuros profissionais, além
de registrar elementos que, na maioria das vezes, não foram completamente percebidos
pelos estudiosos da história e teoria da arquitetura e urbanismo.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

VIAGENS ACADÊMICAS COMO REGISTRO DO PATRIMÔNIO: A CIDADE


DE PENEDO NAS MARGENS DO SÃO FRANCISCO

Eder Donizeti Da Silva (eder@infonet.com.br)

Adriana Dantas Nogueira (adnogueira@gmail.com)

Este artigo busca o relato das viagens acadêmicas realizadas a cidade


histórica de Penedo (Rochedo) as margens do Rio São Francisco, na divisa
entre os Estados de Sergipe e Alagoas, que teve como prerrogativa principal a
atividade extensionista que proporcionou aos alunos do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe do Campus de Laranjeiras (de
vários períodos), aos alunos da Oficina Escola da Cidade de Laranjeiras
(Oficina de ensino de conservação e restauro mantida pela Prefeitura desta
Cidade) e da comunidade em geral, a oportunidade de conhecer in situ a
história da arquitetura brasileira, uma vez que os monumentos e edificações
visitados guardam a identidade e memória de vários períodos históricos. O
espaço urbano, ruas, largos, praças e casario, as principais igrejas como Santa
Maria dos Anjos, Nossa Senhora da Corrente, São Gonçalo Garcia, Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos, o Oratório dos Condenados, as ruínas das
muralhas da antiga fortificação, representações dos estilos Maneirista, Barroco,
Rococó e Neoclássico, edificações como o Teatro 7 de Setembro, exemplo
marcante do estilo arquitetônico empregado no século XIX, o Mercado
Municipal, a área da cidade as proximidades do Rio São Francisco (Ribeira), o
Museu de Penedo (Paço Imperial), enfim, todo o conjunto Eclético, Art
Nouveau e Art Déco constituído polifonicamente entre a espacialidade
remanescente colonial foram investigados. As viagens acadêmicas
oportunizaram experiências de extremo valor crítico, produzindo
conhecimentos complementares, como a da técnica ilusionista renascentista
presente na pintura no forro da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos (um dos
últimos exemplares ainda existentes na arquitetura brasileira), a relação da
construção da Igreja de Nossa Senhora da Corrente com as lendas e folclores
do “Velho Chico”, os azulejos históricos, elementos de cantaria executados
pelos escravos como os da portada da Igreja de São Gonçalo representando o
Deus Grego Zéfiro e, muitos outros, além de contato com as rotinas
necessárias às ações de intervenção (conservação e restauro) de edifícios
portadores de juízo de valor patrimonial. O registro e documentação fotográfica
das condições do patrimônio material da cidade de Penedo e suas possíveis
transformações, ao longo dos últimos dez anos, pontuaram a metodologia
empregada nas viagens acadêmicas realizadas em abril de 2012, julho e
setembro de 2016, março de 2017 e agosto de 2019. Partindo de um conceito
exploratório da observação simples que é o contato direto e inclusão do
indivíduo ao universo pesquisado, as viagens acadêmicas ocasionaram mais
do que vivenciar as principais teorias da arquitetura, urbanismo, conservação e
restauro in situ, pois ativaram uma relação de identidade e memória do
indivíduo e o meio, predispondo a formação mais completa de arquitetos e
técnicos e especialmente de agentes difusores multiplicadores da preservação,
prevenção, conservação e restauro do patrimônio cultural.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O IPHAN E A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO NORMATIVO PARA


CONJUNTOS URBANOS

Marco Antonio Farias Coutinho (marcoafcoutinho@gmail.com)

Amélia Maria De Oliveira Reynaldo (ameliareynaldo@yahoo.com.br)

Norma Lacerda (norma_lac@yahoo.com.br)

Em 1938, as primeiras ações deflagradas pelo Iphan, foi o tombamento de


diversos bens individuais dispersos pelo país. Paralelamente se deu a proteção
dos primeiros conjuntos urbanos em Minas Gerais. Diamantina, Serro,
Tiradentes, São João del Rey, Ouro Preto e Mariana tiveram seus perímetros
urbanos tombados na intenção de conter o curso da degradação. De 1938 a
2018, os levantamentos de identificação e proteção resultaram no tombamento
de 1196 bens imóveis individuais e 93 conjuntos urbanos. Contudo,
atualmente, somente 16 desses conjuntos possuem legislação patrimonial
específica. Os outros 77 permanecem sem critérios e parâmetros a orientar
suas intervenções. A complexidade gerada a partir dessa situação induziu essa
investigação. A pesquisa procurou entender a motivação inicial que levou à
construção normativa, visualizando quais as referências conceituais que a
animaram. Percebeu-se que a partir da motivação inicial associam-se
detalhamentos de ordem teórico-metodológicos na construção desses
processos, permitindo separá-los em categorias. Ali reside o pensamento
preservacionista duramente construído no século 20, difundido pelas Cartas
Patrimoniais, a orientar as políticas das instituições. Registra-se a
normatização informal – fruto do modus operandi utilizado nos primeiros 40
anos de funcionamento do Iphan – pautada na interpretação individualizada
dos artigos do Decreto-Lei 25/1937. Em 1979, Olinda dá início à complexa
regulamentação das cidades históricas. Somente nos anos 1980, passa a
existir entre os profissionais do Iphan as primeiras preocupações em
estabelecer parâmetros e critérios para a preservação. Uma sequência de
experiências constitui esse universo – João Pessoa (1986), Tiradentes (1996),
além de mais dez conjuntos entre 2010 e 2018 – cada qual com sua
conceituação, especificidade, metodologia de trabalho e resultado. Além das
peculiaridades na condução de cada processo, a aproximá-las e distanciá-las,
importa estudar cada normativa, pois refletem a construção do pensamento
normativo conduzido pelo Iphan e com fortes desdobramentos para o atual
processo de degradação dos conjuntos urbanos. Observa-se que essa
discussão envolve a preservação do patrimônio construído e ambiental,
compreendida como um amplo sistema – fruto da interação entre as fases
iniciais da patrimonialização como identificação, reconhecimento e proteção, a
construir conhecimento para gerar a normatização. A reflexão proposta se faz
importante, visto que apesar de uma série de experiências ricas e
diversificadas; apesar de estudos detalhados criando metodologias inventariais
unidas à normatização, torna-se necessário traçar as bases para a criação de
uma política nacional de normatização.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

A PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS NA POLÍTICA PÚBLICA DE PROTEÇÃO


AO PATRIMÔNIO CULTURAL DE MINAS GERAIS

Kelly Juliane Dutra (kellyjdutra@gmail.com)

Renata Maria Abrantes Baracho Porto (renatambaracho@gmail.com)

A Política Pública de Proteção ao Patrimônio Cultural de Minas Gerais, tem seu


início na década de 1990 com a implantação da Lei Robin Hood. A partir dos
anos 1996 os municípios mineiros passam a produzir documentação tanto para
implementação das suas políticas públicas, quanto para prestação de contas
do que está sendo feito para a proteção de seus patrimônios culturais. Esta
documentação é formada por dossiês de tombamento e registro de bens
imateriais, inventários, educação patrimonial, prestação de contas sobre
investimentos com os Fundos de Patrimônio Cultural e atas de funcionamento
dos Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural. Estes documentos ficam
armazenados nas prefeituras e na biblioteca do Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. Este resumo tem por objetivo
apresentar um breve panorama de uma pesquisa desenvolvida como
dissertação de mestrado no PPG-ACPS e seu desdobramento como tese de
doutorado no PPG-GOC da UFMG. O que os dois trabalhos se propõem com
relação a esses apontamentos, é uma valorização deles, e a utilização das
informações tanto no âmbito da pesquisa acadêmica quanto no
desenvolvimento de instrumentos de busca e recuperação da informação. A
valorização dos documentos da política pública de proteção ao patrimônio
cultural, passa pela correta salvaguarda dos arquivos físicos dentro das
prefeituras. A utilização das informações contidas nesses documentos, passa
pela pesquisa acadêmica em várias áreas do conhecimento, e principalmente
no uso desses documentos para criação de instrumentos tecnológicos que
possam facilitar o acesso e o entendimento das comunidades locais sobre os
mecanismos de proteção ao patrimônio cultural proposto na política pública
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

LEVANTAMENTO DO PATRIMÔNIO EDIFICADO RURAL COM VISTAS AO


INVENTÁRIO DA COMUNIDADE DE LAJEADINHO – VERANÓPOLIS (RS)

Pauline Fonini Felin (pauli.felin@hotmail.com)

Talita Benedetti Balestrin (tbbalestrin@ucs.br)

A pesquisa tem como objetivo realizar o levantamento de patrimônio


arquitetônico vernacular com vistas ao inventário da zona rural de Veranópolis,
focada na comunidade de Lajeadinho. O estudo parte da contextualização
sobre o tema, conceituação do objeto com o intuito de desenvolver a cultura de
preservação de patrimônio, a fim de cultivar a memória e o sentimento de
pertencimento dos moradores. Em paralelo, busca-se agregar e incentivar o
desenvolvimento da atividade turística da comunidade, fortalecendo a “Rota
Segredos da Maçã”, lançada pela Secretaria de Turismo do município. Ainda
em parceria com as secretarias municipais, existe o “Projeto Pulando Janelas”
que visa a educação patrimonial ainda na escola. O objetivo está fortemente
ligado à preservação desses exemplares históricos, uma vez que o setor
turístico é apontado como um dos meios que contribuem para a preservação
dos bens edificados. Para compreensão do universo de pesquisa, foram
abordados os aspectos de desenvolvimento e evolução do município, assim
como da área de estudo. O levantamento de campo iniciou-se pelos primórdios
da formação do núcleo central da comunidade, partindo para as edificações de
interesse vinculadas à história e à cultura, principalmente italiana. De forma
complementar, foram recolhidos relatos orais de moradores, principalmente
familiares dos quais constituíram ou viveram nas residências de objeto de
estudo desta pesquisa. Tendo em vista a carência de material gráfico referente
as edificações, realizou-se levantamento in loco através de medições, registros
fotográficos, bem como considerações gerais que abrangem o âmbito material
e construtivo da edificação, além de pesquisa sobre a importância histórica,
cultural e social da comunidade. Para fechamento do trabalho, foram
elaboradas fichas individuais dos exemplares estudados, de modo a aprofundar
a história e o processo construtivo através de materiais gráficos, além de uma
lista de outras edificações com interesse em inventariação, abrindo margem
para um possível novo estudo.
EIXO TEMÁTICO 4

A CONSTRUÇÃO DO HIPER-REAL PARA O ESPETÁCULO DA


CIDADE: O Porto de Cuiabá e suas arquiteturas inanimadas.

LOUZICH, Kellen M. D. (1); FIORIN, Evandro (2); CÔRTES, Mara L. (3); CANOVA,
Loiva (4).

1. Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo.


Rua Coreia, n°79, Shangri-lá, Cuiabá-MT, 78070-245.
kellendorileo@gmail.com

2. Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo.


Campus UFSC – Trindade, PósARQ/CTC, Caixa Postal 476, 88040-900 - Florianópolis – SC
evandrofiorin@gmail.com

3. Universidade Federal de Mato Grosso. Departamento de História.


arquitetamaralopes@gmail.com

4. Universidade Federal de Mato Grosso. Departamento de História.


Pró-Reitoria de Ensino e Graduação, Departamento de História, Av Fernando Corrêa, s/n, Coxipó,
78000-000 - Cuiabá, MT – Brasil
canovaloiva@gmail.com

RESUMO
Arquitetura fantasiosas e extravagantes produzidas pela sociedade do espetáculo. Essas arquiteturas
não são reais, elas seduzem e alienam o espectador com a sua hiper-realidade. São arquiteturas
hiper-reais. O objetivo deste trabalho é analisar as transformações urbanas ocorridas no Porto de
Cuiabá, que criam cenários hiper-reais para a construção de espetáculos urbanos. O Porto apresenta
em seus espaços vários tempos, os tempos das monções, das navegações, da modernização do fim
do século passado. Tempos inscritos na arquitetura ainda presente no Porto. Porem as últimas
transformações, que estavam vinculadas a um ideal de ‘cidade moderna’, transforma o Porto em
vitrine para o mercado, de uma forma esvaziada e resfriada, desvalorizando os espaços e silenciando
a tradição local.

Palavras-chave: Vitrine; Espetáculo Urbano; Orla do Porto; Cuiabá; Brasil.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Introdução
Arquiteturas como a Disneylândia, a Strada Novissima, o Teatro do Mundo são “fantasiosa e
extravagante” (ARANTES, 1995, p.30) que foram produzidas pela sociedade do espetáculo.
No Brasil temos alguns exemplos, como a cidade de Gramado; a Catedral de Santo Angelo,
que é uma cópia do que foi a Ruína de São Miguel (Redução jesuítica de São Miguel
Arcanjo), estes estão localizados no estado do Rio Grande do Sul. Temos, também, o Cristo
Redentor no Rio de Janeiro, que nos mostra uma imagem de Jesus Cristo sem ao menos
termos comprovação de qual foi sua real aparência, que alimentar um imaginário ideológico
do Brasil: a seleção da família tradicional brasileira, a exaltação dos valores brasileiros, uma
“transposição idealizada de uma realidade contraditória” (BAUDRILLARD, 1981, p. 20). Mas
isso esconde uma outra coisa, que esta trama ideológica serve (ela própria) de cobertura a
uma simulação, da existência de um “imaginário de Brasil” que esconde o real Brasil.

Todas essas arquiteturas “[...] não é o real, pois já não está envolto em nenhum imaginário.
É um hiper-real, produto de síntese irradiando modelos combinatórios num hiperespaço sem
atmosfera” (BAUDRILLARD, 1981, p. 8). Uma arquitetura que tem a intenção de seduzir e
alienar o espectador com a hiper-realidade. Um lugar que pudéssemos experienciar outras
realidades e construir novos imaginários, ou seja, a termos novas experiências fantasiosas e
irreais, construído (a partir destas experiências) imaginários hiper-reais. “É antes de mais
nada um jogo de ilusões e de fantasmas” (BAUDRILLARD, 1981, p. 20).

Podemos chamar isso de espetáculo que “corresponde a uma fabricação concreta da


alienação” (DEBORD, 1997, p.24), é uma composição que nos “impressiona até a
embriaguez e o êxtase” (BENJAMIN, 1989, P. 202), fazendo-nos divagar em meio aos
nossos devaneios por esta hiper-realidade. Na maioria das vezes utiliza a arquitetura para
criar estes ambientes, ou seja, criam os simulacros, uma arquitetura sem vida, sem história,
sem memória, sem alma, uma arquitetura inanimada.

[...] vivemos sob o signo do olhar, sob o império da imagem, no amago de


uma civilização do simulacro, [...] a favor ou contra, todos procuramos
demonstrar que assim chamada realidade evaporou a golpes de estetização
hiper-realista, que numa sociedade do espetáculo (embora nela nada se
represente) a cópia é superior ao original, que tal eclipse se deva a uma
avalanche de imagens sem referência, que não há portanto informações
propriamente dita, sendo a comunicação mera simulação. (ARANTES,
1995, p.19 e 20)

Não se trará de dissimular, simular ou uma imitação. O primeiro, finge não ter o que se tem;
o segundo, finge ter o que não tem; o terceiro, é “uma substituição no real dos signos do
real” (BAUDRILLARD, 1981, p. 9). Todos são simulação, em que
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[...] parte da negação radical do signo como valor, parte do signo como
reversão e aniquilamento de tora a referência. Enquanto que a
representação tenta absorver a simulação interpretando-a como falsa
representação, a simulação envolve todo o próprio edifício da representação
como simulacro. Seria estas as fases sucessivas da imagem: ela é o reflexo
de uma realidade profunda; ela mascara e deforma uma realidade profunda;
ela mascara a ausência de realidade profunda; e ela não tem relação com
qualquer realidade: ela é o seu próprio simulacro puro. (BAUDRILLARD,
1981, p. 13)

Neste trabalho analisaremos as escolhas tomadas para a realização das transformações


urbanas ocorridas no Porto Geral de Cuiabá-MT, revelando os impactos causados por estas
transformações, de modo a despir os espetáculos urbanos e desmascarar os simulacros.

Porto, o rio e suas transformações.


A cidade de Cuiabá (figura 1), ou como era denominada de Vila Real do Senhor Bom Jesus
do Cuiabá, foi fundada por Rodrigo César de Meneses em 1727, sobre um arraial
minerador. Estas minas foram descobertas em 1722 e desde então aquela localidade foi
alvo de uma expressiva migração, tanto de bandeirantes paulistas quanto de outros arraiais
que ficavam próximos as minas do Cuiabá, por exemplo, o Arraial da Forquilha 1.

Monções que embarcavam no Rio Tietê (SP) com destino as minas do Cuiabá enfrentaram
um longo percurso: ora subindo o rio, ora por terra, tendo que carregar as canoas, escalar
morros, desviar das cachoeiras e correntezas, quando “chegavam ao Cuiabá2 tinham no
porto [...] ponto final da longa viagem” (SIQUEIRA et.al., 2006, p.155) e um sentimento de
“alívio de ter sobrevivido ao rigor da larga e difícil viagem” (COSTA; DIENER, 2000, p.13).
Este trajeto até Cuiabá e região, perdurou cerca de 134 anos.

Foi no Porto Geral “que se fixaram as residências de antigos monçoeiros3. Ali surgiram as
primeiras pensões e hotéis, acolhida aos exaustos viajantes” (SIQUEIRA et.al., 2006,
p.155), que não tinham forças para percorrer cerca de dois quilômetros até o centro da Vila
do Cuiabá. Os viajantes descreviam este local como “um lugar simpático e pitoresco”
(COSTA; DIENER, 2000, p.14).

1 Em 1719, foi descoberto ouro nas proximidades do Coxipó-Mirim (próximo ao rio Coxipó em Cuiabá), que foi
denominado de Arraial da Forquilha. In.: SIQUEIRA et.al., 2006, p.155
2 O Rio Cuiabá é um dos muitos rios pertencentes à Bacia do Alto Paraguai e do Pantanal Mato-grossense, que

deságua no Rio Paraguai e que este porventura irá desaguar no Oceano Atlântico.
3 Quem viajava nas monções eram chamados de monçoeiros. As monções (ou expedições bandeiristas) eram as

expedições que desciam ou subiam rios da Capitania de São Paulo e Mato Grosso nos séculos XVIII e XIX.
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Figura 1: Planta de Cuiabá: (1) região do Porto Geral, (2) região do Centro e das minas.

Fonte: Freitas (2011)

Em 1856, com o Tratado Especial de Navegação, firmado entre Brasil e Paraguai, que as
viagens até Cuiabá passaram a se dar pelas águas da Bacia do Prata. O que facilitou não
só as viagens até Mato Grosso, mas também, “as relações entre a Província de Mato
Grosso e os grandes centros do Prata” (GOMES, 2005, p.16). A viagem dava-se com
pequenos navios (chalanas) tendo no máximo capacidade para quinze a vinte pessoas.

[...] levavam de três a quatro dias, de águas abaixo, até à cidade de


Corumbá; daí em outros barcos, mais três dias até à capital da República do
Paraguai, Assunção, e mais quatro a seis dias até Buenos Aires. Desta
metrópole do Prata é que se tomava outro navio para se chegar à “Corte”,
no Rio de Janeiro, com escala em Montevidéu, Rio Grande e Florianópolis.
De águas acima, ou seja, de Buenos Aires a Assunção e desta a Corumbá
e Cuiabá o tempo de viagem era quase o dobro (PÓVOAS, 1980, p.25).

Com este novo meio (de transporte e de comunicação), Cuiabá e toda a região do Mato
Grosso4 passa a receber muitas mercadorias e forasteiros de diferentes nacionalidades,
como “italianos, franceses, em menor número, uruguaio e argentinos, que em geral de
Buenos Aires se decidem a navegar rio acima, até Corumbá, Cáceres, ou Cuiabá, onde se

4A região do Mato Grosso era composta pelos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. A
separação destes estados se deu nos anos de 1979 e 1981, respectivamente.
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fixam” (GOMES, 2005, p.16). Uma atividade que movimentava a economia Mato-grossense
e que era vista pelos forasteiros como uma boa oportunidade de enriquecer.

[...] baseada na atividade mercantil de importação e exportação, serviu


como elemento de atração e fixação dos mesmos. [...] as largas
perspectivas de lucro em vista dessa extensa área carente de meios para
seu auto-abastecimento, justificavam o afluxo de estrangeiros e
aventureiros ligados às atividades mercantis. (GOMES, 2005, p.17)

Os viajantes, que aqui chegaram, se depararam com uma recepção calorosa com muita
alegria. “[...] um tiro de canhão e a corneta do quartel anunciava a presença do vapor,
ancorado no porto. Mas a demora era pouca, o vapor permanecia menos de 24 horas”
(COSTA; DIENER, 2000, p.19).

Quando os navios aportavam, a população se apinhava no cais do Porto,


seja para recepcionar os filhos, parentes e visitantes, mas também para
receber a correspondência acondicionada em malotes. Era uma ocasião de
alegria e de esperança por boas novas, embaladas pelo som da boa música
orquestrada por uma banda. (SIQUEIRA et.al., 2006, p.157)

No porto, ancoravam canoas vindas de fazendas próximas a Cuiabá que traziam “[...]
farinha, verduras, frutas, galinhas e tudo o mais para abastecer um lugar em crescimento”
(COSTA; DIENER, 2000, p.20), mas, também, “diversos tipos de navios, todos a vapor e
movidos a lenha” (COSTA; DIENER, 2000, p.18). Com isso, a cidade passa por novas
transformações, para atender às novas necessidades. “[...] antigos prédios são demolidos, e
se constroem um novo cais em pedra canga5 e uma praça ajardinada para receber os que
ali desembarcavam” (COSTA; DIENER, 2000, p.20). Luiz D´Alincourt, que foi sargento-mor,
descreve o Porto Geral:

[...] junto a este porto acha-se um largo retangular ornado de casas, e


vizinho ao barranco, da parte direita, olhando para o rio, um armazém
pertencente à fazenda pública, que serve de deposito geral de viveres, para
dali se fornecerem a legião de linha, pedestres, hospitais e presídios da
fronteira do Paraguai; [...] a uma curta distância deste sitio, em terreno
algum tanto elevado, está uma capela dedicada a S. Gonçalo, e em frente a
ela, do lado oposto da estrada, acha-se a casa de pólvora. Além do porto,
na margem direita do rio (cidade de Várzea Grande), estão algumas casas,
e daí segue a estrada para Vila Maria, S. Pedro del Rei e Mato Grosso
(COSTA; DIENER, 2000, p.14).

Outro viajante, Castelnau que estava à espera de sua partida observa “alguns homens em
pequenas canoas tangiam a uma boiada, fazendo-a atravessar o rio a nado. [...] uma cena
comum para os moradores da cidade, porém inusitada para um estrangeiro” (COSTA;
DIENER, 2000, p.18).

5 Pedra Canga é uma rocha muito resistente, que era encontrada na região e utilizada para barragens e
fundações das residências na Vila do Cuiabá.
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Além das trocas das embarcações que eram feitas e das dificuldades da viagem até
Corumbá e, posteriormente, à Corte, as viagens eram descritas pelos viajantes, como
pitorescas e divertidas.

O pitoresco das viagens de lanchas eram as margens do rio povoadas de


jacarés e bicharada do Pantanal. As paradas para provisão de lenha,
consumida pela maquinaria do navio, propiciava periódicas descidas em
fazendas e usinas ribeirinhas, compra de rapadura de leite e queijo. Apesar
das delongas, dos mosquitos e das bolachas duras, substituindo o pão
fresco, as viagens eram muito divertidas, com passageiros se
transformando em velhos amigos, pela excelente camaradagem.
(SIQUEIRA et.al., 2006, p.169)

Porém todo esta atividade e comunicação com a Coroa foi interrompida, por causa da
Guerra do Paraguai, ou também chamada de Guerra da Tríplice Aliança, que durou seis
anos e durante este tempo um sentimento de medo e desespero tomou conta dos
cuiabanos, seja pelo motivo de não terem informações da Corte e do desenrolar da guerra
ou por imaginarem a possibilidade do inimigo subir o rio e tomar Cuiabá, assim como fez
com o Forte de Coimbra, ou pior, pois a maior parte dos soldados cuiabanos haviam ido
para a guerra e próximo da cidade não havia forte6, desta forma a cidade estava indefesa.
Após o fim da guerra, em 1870, a navegação retoma o transporte entre as cidades e Cuiabá
volta às atividades e o abastecimento normalmente.

Mas a navegação pela Bacia do Prata só dura até 1915 (somando-se 53 anos de viagens,
aproximadamente), quando é inaugurada a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava
Corumbá a São Paulo. Devido a este novo trajeto até o litoral ou a corte diminui o tempo de
viagem em oito a dez dias.

[...] indo-se pela via fluvial até Corumbá; dali em outro barco, em mais uma
noite de viagem, até Porto Esperança, ponto terminal da E. F. Noroeste, à
margem esquerda do rio Paraguai; deste ponto seguia-se pela via férrea,
com várias baldeações, até o Rio de Janeiro, com paradas em Campo
Grande, Três Lagoas, Araçatuba, Bauru e São Paulo. Com a conclusão de
todas as obras da ferrovia, principalmente da imponente ponte sobre o Rio
Paraná, a viagem passou a ser feita sem baldeações desde o Porto
Esperança até Bauru. (PÓVOAS, 1980, p.25 e 26)

Com os trabalhos de Cândido Rondon e o Telégrafo Nacional, a partir de 1930, “as notícias
do país e exterior passaram a ser ouvidas através dos rádios” (PÓVOAS, 1980, p.26). Neste
mesmo ano foram instaladas linhas aéreas, com frequência de duas vezes por semana, mas
o transporte era feito por um hidroavião, tendo assim capacidade apenas para 6
passageiros, o que inviabiliza financeiramente o transporte. Somente após a abertura das

6
O próximo forte, subindo o rio até chegar no Vale do Guaporé, é o Forte Real Príncipe da Beira, localizado no
estado de Rondônia, próximo a cidade de Costa Marques.
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rodovias, em 1950, que foi possível, com mais frequência e sem percalços, o transporte da
população de forma mais acessível.

[...] novas linhas regulares, com as “Jardineiras” da “Empresa Baleia”, que


lançaram definitivamente a linha Campo Grande – Cuiabá, dotando-a
posteriormente de ônibus confortáveis, iguais aos que circulavam nas
demais linhas comerciais do país. (PÓVOAS, 1980, p.26)

Nesta mesma época, foi construída a ponte Júlio Muller que liga a duas cidades vizinhas
(Cuiabá e Várzea Grande), separadas pelo rio Cuiabá. A ponte foi construída sob um dos
portos (rampas que descarregavam os navios), que ficava em frente à rua 15 de Novembro
(primeira rua do Porto). Antes da construção desta ponte o acesso à cidade vizinha se dava
pela barca pêndulo, “que a partir do ano de 1870, passou também a compor a paisagem do
Porto Geral, fazendo a travessia para o já terceiro distrito, Várzea Grande” (COSTA;
DIENER, 2000, p.20) facilitando as viagens para as cidades vizinhas, como Cáceres e
Poconé, ambas no estado do Mato Grosso. No final do século passado, antes da construção
da Ponte, a barca pendulo apresentava uma estrutura mais robusta que transportava até
automóveis.

O final do século XX, foi marcado por muitos percalços no Porto, principalmente no ano de
1974, que ocorreu a maior cheia do Rio Cuiabá, causando uma inundação de boa parte da
cidade, inclusive no porto (figura 2). “O poder público considerou a área como de risco e
promoveu a retirada da população, levando-a para conjuntos habitacionais financiados pelo
Banco Nacional de Habitações (BNH), como o Novo Terceiro e o Grande Terceiro”
(ROMANCINI, 2005. p.113). Essas realocações dos desalojados ocorreu em três etapas,
porem os moradores relatam que tiveram que abandonar suas casas, alguns sem terem
para onde ir (os que não tinham como pagar o financiamento) e que acabaram ocupando as
proximidades do rio, tentando manter o seu trabalho (a pesca) e suas ‘raízes’ no bairro. Mas
“[...] os moradores que foram retirados, contra a sua vontade, até hoje lamentam o fato de
terrem sido forçados a abandonar seu espaço de vivencia” (ROMANCINI, 2005. p.113).

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Figura 2: Rua 15 de Novembro, com Vista para a Praça Luiz de Albuquerque. Fevereiro de 1960.

Fonte: Siqueira, et. al. (2006)

Depois da retirada dos moradores, o porto “passou por um processo de urbanização”


(ROMANCINI, 2005. p.113), uma higienização, museificação e congelamento dos espaços
que eram um ‘símbolo’ da história de Cuiabá, transformando o espaço em um espetáculo,
para a cultura ser vendida ao turismo.

Usando como desculpa o fim da navegação no rio Cuiabá, que extinguiu por volta de 1970,
devido a implementação das rodovias no Brasil. Cuiabá passa “a se integrar com os
importantes centros do país através de rodovias” (ROMANCINI, 2005, p.112). Com essa
mudança no transporte e, consequentemente, no deslocamento de toda a população pela
cidade, a mesma acaba mudando toda a sua paisagem e a forma da população ver o
espaço e utiliza-los.

Algumas ruas que não eram pavimentadas ou que eram de paralelepípedo, foram
asfaltadas. O mercado do peixe é transformado em Museu do Rio. A beira do rio é aterrada,
dificultando o acesso e a visão ao mesmo. O esgoto é canalizado e despejado no rio
(apenas 30% do esgoto da cidade é tratado até hoje), inviabilizando o lazer e os banhos nas
praias do mesmo. As transformações não foram realizadas somente nos espaços físicos,
mas, também, nos hábitos, fazeres e viveres, tudo para se adequar a uma cidade moderna.

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O tombamento do porto
O porto é uma das regiões de Cuiabá que apresenta uma das mais ricas tradições da
cultura popular, seja pela pesca, as lendas, os modos de fazer e o viver. Mas “coube à
comunidade nativa do Porto a preservação da riqueza cultural da capital de Mato Grosso”
(LACERDA, 2018, p.82), ou o que restou dela.

Em 1996 foi solicitado o tombamento de Cuiabá e neste documento estava incluso a região
do centro e a região do Porto. “Após vinte e quatro anos contados a partir da solicitação,
finalmente, foi homologado o tombamento de todo o conjunto, integrando os aspectos
Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico, proibindo, assim, a demolição das edificações”
(LOUZICH; FIORIN, 2020, p.110). Porém, o Porto foi retirado do processo de tombo sem
nenhuma explicação nos autos, mesmo sendo “[...] possível identificar que as configurações
acerca da importância da região do Porto se diluem e os mapas que a princípio indicavam
esta região passam a enfocar apenas no centro da cidade” (LACERDA, 2018, p.86).

Apesar de toda a história que a região do Porto abrigava, é possível


argumentar que este espaço tenha tido seu valor nacional contestado por
ter uma representatividade especificamente local. No entanto, a hipótese
mais bem desenhada para a recusa vem do fato de ser um espaço urbano
essencialmente popular, pois nos idos da década de 1980, apesar da
ampliação do conceito de patrimônio com a introdução da produção dos
esquecidos e excluídos pela história tradicional, havia a permanência dentro
das agências de preservação e conservação de uma visão elitista da
cultura. (LACERDA, 2018, p.88)

Somente em 2007 que o porto foi tombado pelo Estado de Mato Grosso, mas este
tombamento se restringiu a uma pequena poligonal: a região do mercado do peixe,
ruas com residências coloniais, excluído (da poligonal) algumas edificações
importantes como a Igreja São Gonçalo e a casa de pólvora (1° Batalhão da PM),
que foram tombados isoladamente, além de algumas edificações importantes que
mantinham a história do comércio portuário, não foram incluídas nem na poligonal
de entorno.

O antigo Mercado do Peixe, hoje transformado em Museu do Rio [...] foi, por
mais de dois séculos, local onde se comprava peixe fresco e também
temperos como pimenta, coentro, salsa e também verduras e legumes.
Deixemos Dunga Rodrigues nos contar o segredo da palavra verdura:
verdura é alface, abóbora, moranga, maxixe, quiabo. Não se chamavam
legumes, tudo era verdura. (SIQUEIRA et.al., 2006, p.166)

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A vitrine por trás do porto
Nos últimos anos, as transformações urbanas realizadas na cidade de Cuiabá-MT, estavam
vinculadas a busca pela consolidação de ideal de ‘Cidade Moderna’, “dinâmica e
globalizada, polarizadora de uma das regiões mais dinâmicas do planeta” (SANTOS, 2013,
p. 22), além da persistência do estigma do 'novo' associado ao moderno, visto como 'melhor'
e mais adequado para alcançar o ideal de avançado. Para Arantes (2014, p. 20) “o novo é
evidentemente o moderno, e quando este declina ao esbarrar nos seus limites imanentes, o
primeiro se degrada, o seu efeito de choque amortece e a novidade torna-se moda, cuja
obsolescência é industrialmente programada”.

O novo se torna um espetáculo, cedendo os preceitos do Capital, como uma forma de


impulsionar o desenvolvimento do lugar. Segundo Debord (1997, p.25), “o espetáculo é o
capital em tal graus de acumulação que se torna imagem”, uma imagem-mercadoria.

[...] o espetáculo (que se) faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo
o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois
seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em relação
a tudo o que produzem. (DEBORD, 1997, p.28)
Tudo é visto como mercadoria, tudo tem um preço, para lógica de mercado. Mas tudo pode
ser descartado quando não atende os padrões do mercado. Com isso, nada está fora do
alcance do consumo, de se tornar uma mercadoria, ou seja, nada está fora do alcance do
capital, “muito menos a cultura e seu prestígio, mas agora o próprio ato de consumir se
apresenta sob a aparência de um gesto cultural legitimador, na forma de bens simbólicos”
(ARANTES, 2014, p.143). Tudo é consumido, o tempo; um estilo de vida; o fazer; os
hábitos; o dialeto; ditados pelo mundo capitalista. Tudo se tornou uma vitrine.

A vitrine é uma janela. Nela construímos um espaço para que os outros nos
olhem, mas também para olharmos através dela. Mais ainda, pela maneira
como nos olham podemos compreender como nós projetamos e, pela forma
como a vitrine é projetada, podemos entender como ela quer ser vista.
Assim, a vitrine constitui-se num jogo de olhares (SILVA, 2001, p. 27).

A vitrine é o espetáculo, que seduz e nos aliena. A vitrine, das cidades, são as construções
de um cenário, que envolvem o material (espaço físico) e o imaterial (um imaginário), ou
seja, as transformações urbanas e o desejo do novo, respectivamente. Os espetáculos
fazem com que o espectador se aliene em favor do objeto contemplado, uma atividade
inconsciente, motivada pelo desejo de consumo. Porém, quanto mais ele contempla, menos
ele vive: quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade;
menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo” (DEBORD, 1997, p.24).

Mas existe, também, um outro lado da vitrine, que é baseada na necessidade do 'novo', que

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faz o indivíduo se sentir parte; se sentir aceito; ou para fugir do estereótipo de atrasado.
Neste caso o espetáculo seduz o indivíduo (conscientemente) para se enquadrar ao meio, a
fazer parte; a não estar à margem; ser banido da história; ou esquecido.

Um exemplo desses espetáculos é a reanimação cultural, que são promovidas pelos


governos locais e que “dizem estar recuperando valores esquecidos, consolidando tradições
e reconquistando identidades locais, [...] na maioria dos casos, se está a montar cenários de
uma sociabilidade fictícia e a recuperar para as camadas sociais privilegiadas” (ARANTES,
2014, p.111), produzindo uma suposta identidade cultural. Uma estratégia de
mercantilização da cultura.

A devoção e o amor dos brasileiros a Jesus Cristo, criou-se o cenário do Cristo Redentor no
Rio de Janeiro. A perda da Redução jesuítica de São Miguel Arcanjo e toda a história da
disputa de território, criou-se a Catedral de Santo Angelo e o espetáculo da Ruína de São
Miguel. A promoção de uma cidade tradicional em prol do turismo, criou-se a cidade de
Gramado. Todos são um simulacro de algum imaginário, seja a devoção e o amor; a perda e
a incessante reprodução da dor; e a propagação de uma arquitetura e de uma cultura. Os
imaginários foram transformados em vitrines para serem uma imagem-mercadoria a ser
vendida e propagada. Um status de sociedade perfeita, de cidade perfeita, uma hiper-
realidade.

O que toda uma sociedade procura, ao continuar a produzir e a reproduzir,


é ressuscitar o real que lhe escapa. É por isso que esta produção material é
hoje, ela própria, hiper-real. Ela conserva todas as características do
discurso de produção tradicional, mas não é mais que a sua refracção
desmultiplicada (assim, os hiper-realistas fixam numa verossimilhança
alucinante um real de onde fugiu todo o sentido e todo os charme, toda a
profundidade e a energia de representação). Assim, em toda a parte o
hiper-realismo da simulação traduz-se pela alucinante semelhança do real
consigo próprio. (BAUDRILLARD, 1981, p. 34)
Em 2017, “a prefeitura de Cuiabá, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, gastou R$
1,540 milhão para implantar o cenário permanente da Orla do Rio Cuiabá, no bairro do
Porto” (FOLHAMAX, 2017). O cenário muito semelhante a Strada Novissima, reproduzia
fachadas da arquitetura cuiabana. Em seu interior, muitos murais contendo textos sobre a
história da cidade, fotografias e cartografias antigas.

O espetáculo urbano que deveria ser permanente, não durou nem quatro anos (figura 18). A
estrutura construída em madeira foi destruída pelas chuvas. A representação das fachadas
é uma transformação dos “monumentos da memória numas tantas figuras de retorica
esvaziada e resfriada” (ARANTES, 1995, p.33), uma arquitetura que simula, pois algumas
fachadas foram inventadas; outras imitam o patrimônio arquitetônico cuiabano (que ainda

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vive em várias partes da cidade), mas numa forma simplificado, retirado de contexto,
miniaturizado, reduzido a fachada, ou seja, uma cidade inanimada.

Tudo isso para compor o cenário da hiper-realidade em torno do tricentenário de Cuiabá,


que completaria três séculos de fundação em 2022. Mas para a validação do espetáculo
usou-se a data de fundação do Arraial da Forquilha e quase tudo ficou pronto para as
festividades em 2019, faltando o Aquário Municipal que ainda não foi entregue. Para este,
foi elaborado um projeto de requalificação com um anexo. Sendo mais uma arquitetura
hiper-real, sem atmosfera em um hiperespaço.

Figura 18: Orla do Porto interditada

Fonte: Autores (2020)

Atualmente, a cidade inanimada está sendo reconstruída de concreto e tijolo, no mesmo


lugar (na área de preservação permanente (APP) do Rio Cuiabá), que serão gastos mais 1,2
milhões, aproximadamente. O preço para manterem a vitrine exposta para sempre e
juntamente com ela toda um espetáculo, que aproxima o turista e afasta os moradores, os
ribeirinhos e os que não pertence a uma classe ou um padrão estabelecido.

A cidade inanimada e o Aquário Municipal fazem parte do projeto de revitalização da Orla do


Porto, que está sendo elaborada em duas etapas (figura 22). Na primeira etapa, o projeto

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contemplava a revitalização de 1,3 quilômetros da orla, sendo inaugurada em 2016, mas
com partes que não finalizadas e tendo desmatado boa parte da APP, para a ampliação
calçadão da orla, da abertura e visão do Rio e da Ponte Júlio Muller e a implementação de
bares e restaurante ao longo de toda a orla, além da cidade inanimada.

Figura 22: Reconstrução da cidade inanimada.

Fonte: Autores (2021)

Para a segunda etapa, a

“[...] Prefeitura de Cuiabá, ao longo de mais de 600 metros de extensão vai


implantar calçadões para caminhada e contemplação, ciclovia, iluminação,
arborização e adequação de acessibilidade. Além disso, o espaço contará
com esculturas de personalidades regionais, área coberta por lonas
tensionadas destinadas a feiras locais, espaço com aparelhos para
atividades físicas ao ar livre e estacionamento” (PNBONLINE, 2020)

A Orla do Rio Cuiabá é uma área da cidade que está encurralada pelas vias de fluxo intenso
e rápido, jogada para cima do Rio Cuiabá. Uma área utilizada pelos pescadores, que
nenhum momento, foram levados em consideração. Área com uma cultura tradicional
popular que não valoriza a cultura local, da pesca, da Festa de São Gonçalo (padroeiro do
bairro), apenas valorizam e exaltam personalidades que não tem raízes no Porto.

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Considerações finais
As cidades sofrem silenciamentos e desvalorização da sua tradição e dos seus espaços.
Estes que apresentam a vida da cidade, não são vistos por alguns como tendo o padrão
desejado para serem utilizados com a imagem-mercadoria. Com este intuito, transforma-se
os espaços para serem as vitrines da cidade.

O porto era a porta de entrada da cidade na época das navegações, mas ainda continua
sendo, porque um dos meios de chegar a Cuiabá é pelo transporte aéreo e o aeroporto fica
na cidade vizinha, Várzea Grande. Assim, é preciso atravessar a Ponte Júlio Muller para
chegar a Cuiabá. Ou seja, a Orla do Rio Cuiabá ainda continua sendo a porta de chegada.
Dito isso, a frase “Cuiabá virou de costas para o rio” é uma falácia, utilizada como
argumento para transformar o Porto numa vitrine. Esta falácia surgiu quando Cuiabá
reflorestou a sua orla, no fim do século passado, com o intuito de salvaguardar o Rio Cuiabá
e proteger sua população de novas enchentes. O que nos últimos anos foi desfeito, devido a
construção deste espetáculo.

Em nenhum momento, esta vitrine, valorizaram ou incentivaram o comercio local ou a


comunidade, que mantem a tradição. Muito menos, contam a história do Rio Cuiabá ou a
história do bairro. Contam a história da cidade, mas ao mesmo tempo que silencia a história
e memória do porto, cria um simulacro da história da Vila do Cuiabá como se ela não
existisse, ela que é ignorada pelo poder público e tenta sobrevive ao tempo e o abandono.

Os espaços transformados ficam vazios a maior parte do tempo, pois não elaboram projetos
para e com a comunidade local, mas para serem vitrines. O que beneficia poucas pessoas
em um curto espaço de tempo, pois a novidade está sujeita a obsolescência, tendo um
prazo de validade. Mas prejudica a cultura a longo prazo, de uma forma que um dia não
saberemos mais qual é a nossa tradição, porque tudo foi transformado em mercadoria. O
que era tradicional, o que tinham valores reais foram transformados. Assim, temos (hoje)
Cristo Redentor no Rio Grande do Sul, a Torre Eiffel por todo o mundo, a Estátua da
Liberdade por todo o Brasil.

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Agradecimentos
Agradecemos ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal de Santa Catarina e à CAPES pelo apoio que nos foi concedido para esta pesquisa.

Referências
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da Arquitetura depois dos modernos. 2ed. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1995.

ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o
colapso da modernização arquitetônica. 2 ed. rev., 1. reimp. São Paulo: editora da
Universidade de São Paulo, 2014. 224p.

BAUDRILLARD, Jean. Simulações e simulações. Éditions Galilée. Tradução de Maria


João da Costa Pereira. 1981.

BENJAMIN, W. Obras Escolhidas III. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo


São Paulo: Brasiliense. 1989.

COSTA, Maria de Fátima; DIENER, Pablo. Cuiabá: Rio, Porto, Cidade. Cuiabá: Secretaria
Municipal de Cultura. 2000.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997. 238p.

FOLHA MAX. Cuiabá investe R$ 1,5 milhão com cenário da Orla do Porto. Jornal Baixada
Cuiabana. 6 jan. 2017. Disponível em: https://baixadacuiabana.com.br/cuiaba-investe-r-15-
milhao-com-cenario-da-orla-do-porto/

FREITAS, M. A. de. Cuiabá: imagens da cidade: dos primeiros registros à década de


1960. Cuiabá, MT: Entrelinhas. 2011.

GOMES, C. T. do A. C. Viveres, fazeres e experiências dos italianos na cidade de


Cuiabá: 1890-1930. Cuiabá: Entrelinhas: EdUFMT, 2005. 159p.

LACERDA, M. D. C. DE A. A invenção dos lugares de memória em Cuiabá: as


demandas e políticas federais de preservação do patrimônio histórico em Mato
Grosso (1958-2013). Cuiabá-MT: EdUFMT. 2018.

LOUZICH, Kellen Melo Dorileo; FIORIN, Evandro. Permanências e transformação do


Centro Histórico de Cuiabá: uma construção historiográfica. 94-113. In. BARBOSA,
Frederico Celestino. Ciência e Desenvolvimento: um olhar sobre a humanidade.
Piracanjuba-GO. Editora Conhecimento Livre, 2020. 127p.

PNBONILINE. PREFEITURA DE CUIABÁ INVESTE QUASE R$ 4 MI NO PROJETO ORLA


DO PORTO II. PNBONLINE. 25 FEV. 2020. DISPONÍVEL EM:
HTTPS://WWW.PNBONLINE.COM.BR/GERAL/PREFEITURA-DE-CUIABA-INVESTE-
QUASE-R-4-MI-NO-PROJETO-ORLA-DO-PORTO-II/63758

PÓVOAS, L. C. Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá. Cuiabá: Fundação Cultural de


Mato Grosso. 1980.

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ROMANCINI, Sônia Regina. Cuiabá: paisagem e espaços da memória. 1ed.Cuiabá:
Cathedral Publicações, 2005. 176p.

SANTOS, José Antônio Lemos dos. Cuiabá e a copa: a preparação. Cuiabá, MT:
Entrelinhas, 2013. 206 p.

SILVA, Armando. Imaginários Urbanos. São Paulo: Perspectiva; Bogotá, Colômbia:


Convenio Andres Bello, 2001. 247 p.

SIQUEIRA, E. M; et.al., Cuiabá: de vila a metrópole nascente. Cuiabá: Entrelinhas, 2006.


2008p.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

PARA ALÉM DAS PEDRAS: OLHARES CONTEMPORÂNEOS SOBRE A


RECONSTRUÇÃO DE SÍTIOS PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE
DESTRUÍDOS.

Gisele Montalvão Freixo (giselemontalvao@yahoo.com.br)

Desde o princípio dos tempos, as civilizações edificaram suas obras,


intencionalmente ou não, marcando sua passagem por territórios, sendo essas
edificações ou sítios, documentos materiais a serem estudados como forma de
aprendermos sobre nossos antepassados e nossa própria história. A destruição
proposital e deliberada de monumentos deste tipo por grupos extremistas tem
sido comum nas últimas décadas, como o acontecido no Templo de Baal-
Shamin, na cidade síria de Palmira, construção datada com mais de 1900 anos
e reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO, dentre
tantas outras, como forma de limpeza cultural, doutrinação religiosa e
apagamento da memória. Estas ações violentas evidenciam o potencial da
arquitetura como documento histórico para fonte de pesquisa arqueológica,
mas mais do que isso, como detentora tangível de mensagens do passado,
pois ao destruir a matéria do monumento, estes grupos acreditam atingir
também os aspectos memoriais intangíveis ali reconhecidos. Neste artigo,
parte integrante de pesquisa para tese de doutoramento do Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, abordaremos a questão da
reconstrução – ou não – destas obras a partir das teorias contemporâneas da
preservação e das recomendações internacionais, aprofundando o conceito de
monumento como documento e discutindo a importância da permanência
destes sítios para sobrevivência da memória coletiva.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

DIFUSÃO CULTURAL E AÇÃO EDUCATIVA EM ARQUIVOS:


EXPERIÊNCIAS DO ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE
RIO CLARO/SP

Monica Cristina Brunini Frandi Ferreira (monicafrandiferreira@hotmail.com)

Nas instituições de custódia, as ações de preservação, gestão e acesso ao


patrimônio documental podem ser complementadas com atividades para
extroversão do acervo, em iniciativas que devem ser crescentes e
permanentes. Com esse objetivo, a equipe do Arquivo Público e Histórico do
Município de Rio Claro/SP, para além da sua atribuição precípua e alinhada à
sua função informacional administrativa e científica, tem realizado serviços de
difusão cultural e implementado programas de ação educativa que tem lhe
trazido a necessária dimensão popular e cultural, contribuindo para a projeção
da instituição na comunidade local.

Relatar duas dessas iniciativas é o objetivo deste artigo, ações estas que
ajudam na extroversão do acervo e que estão sendo ampliadas pelo uso de
tecnologias da informação e da comunicação que permitem a reprodução dos
documentos originais e o tratamento das imagens para a produção de jogos
pedagógicos e de material de divulgação.
Relacionada à difusão cultural, a exposição “A casa mais que morada –
projetar para construir, preservar para conhecer” apresenta ao público em geral
os documentos de arquitetura como uma das fontes mais consultadas do
acervo, com potencial informativo para além das razões que levaram à sua
criação. A mostra objetivou apresentar a série documental “Processos de
Construção de Obras Particulares”, produzida para controlar a atividade
edificativa na cidade, valendo-se da reprodução de documentos textuais e
iconográficos que registram a prática projetual em diferentes meios de
expressão gráfica. A padronização dos documentos textuais e a qualidade
visual dos documentos iconográficos ofereceram diversas possibilidades de
exploração e permitiram a divulgação dos agentes envolvidos na construção
civil, da cultura arquitetônica e da evolução do modo de vida urbano.

Vinculado à ação educativa nas escolas de Ensino Fundamental II, o “Projeto


ArqAventuras: atividades práticas de educação patrimonial no cotidiano
escolar” teve início a partir do interesse das crianças e das professoras nas
atividades técnicas desenvolvidas na instituição e nos documentos do acervo,
na ocasião das esporádicas visitas pedagógicas ao Arquivo. Na intenção de
tornar esses momentos ainda mais estimulantes e de auxiliar os professores
nos processos didático-pedagógicos da rotina de sala de aula, o projeto em
fase de implantação pretende constituir processo permanente e inclusivo de
ação educativa, que tem como ponto de partida o patrimônio documental e
como centro o patrimônio cultural local, em todas as suas manifestações e
expressões. Como material pedagógico foram produzidos quebra-cabeças,
caça-palavras, jogo da memória, painéis comparativos, jogo de tabuleiro
contendo cartas de curiosidades e adivinhações, livro de arte-colagens e
diversos materiais que tratam dos variados assuntos abordados em sala de
aula, boa parte deles adaptados aos portadores de necessidades especiais,
especialmente produzidos e relacionados ao contexto local.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

INTERVENÇÃO EM ANTIGOS SÍTIOS INDUSTRIAIS: O CASO DO BAIRRO


PORTO - PELOTAS – RS.

Aline De Oliveira Mendes (aline.mendes@fau.ufrj.br)

Letícia Aguilera Larrosa Da Rocha (leticia.rocha@fau.ufrj.br)

Claudia Anahí Aguilera Larrosa (claudialarrosa@ifsul.edu.br)

O interesse tardio pela preservação do patrimônio industrial, e a falta de


preparo técnico e teórico dos profissionais nas atuações que buscam a
salvaguarda desses bens, reforça a necessidade e a importância da
investigação das ações já realizadas, nesse campo de estudo. O cuidado e
respeito por esses artefatos, passa a ter mais vulto a partir da década de 1950
na Inglaterra e a atrair mais a atenção pública na década 1960, após algumas
demolições de preexistências industriais, em consonância com a especulação
imobiliária e o desenvolvimento das cidades.
Mesmo as edificações que não foram demolidas nesse período, sofreram com
o abandono e a ameaça eminente de destruição, em função de suas grandes
dimensões, especificidades, e obsolescência funcional (Kühl, 2009). Apesar de
inúmeras iniciativas privadas e do poder público, além de diversos estudos,
encontros e congressos desenvolvidos na intenção de discutir sobre o tema, as
análises críticas direcionadas às atividades de restauração e reutilização do
patrimônio industrial ainda são muito descritivas, sem uma apreciação técnica
mais aprofundada e que auxilie em novas proposições assertivas para a
qualificação dessas ações. (Kühl, 2009).

Com foco na discussão da apropriações e mudança de uso do patrimônio


industrial em regiões portuárias, pretende-se desenvolver uma análise crítica
das intervenções realizadas nas pré-existências industriais do bairro Porto na
cidade de Pelotas - RS, no tratamento, tanto individual das edificações, como
de conjunto histórico, buscando quais as lacunas entre teorias e práticas
reabilitadoras são identificadas.

Para o desenvolvimento do estudo, será realizada uma revisão bibliográfica, de


levantamento arquitetônico, urbanístico e projetivo. Além, da análise crítica do
material coletado e ponderação das possíveis abordagens que alterariam o
atual cenário, pretende-se abrir alguns questionamentos, como: Quais ações
poderiam ser desenvolvidas? Como foram elaboradas as propostas a nível de
conjunto? Quais os valores patrimoniais, de acordo com a perspectiva de
Riegel (2006), foram mantidos pós intervenções?

Porém, mais do que buscar respostas que fortaleçam nossas hipóteses, ou que
sanem a maioria das nossas dúvidas sobre o assunto em questão, queremos
fomentar o debate e a reflexão sobre possíveis abordagens metodológicas e
propositivas para intervenções em patrimônio industrial. Que abarquem a
importância da ambiência, da apropriação e significância cultural, além da
associação entre o antigo sítio industrial, as edificações do entorno imediato e
a sua inclusão em um contexto contemporâneo.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A CONSTRUÇÃO DO HIPER-REAL PARA O ESPETÁCULO DA CIDADE: O


PORTO DE CUIABÁ E SUAS ARQUITETURAS INANIMADAS.

Kellen Melo Dorileo Louzich (kellendorileo@gmail.com)

Evandro Fiorin (evandrofiorin@gmail.com)

Mara Lopes Côrtes (arquitetamaralopes@gmail.com)

Loiva Canova (canovaloiva@gmail.com)

Arquiteturas fantasiosas e extravagante são produzidas pela sociedade do


espetáculo. Essas arquiteturas não são reais, pois já não está envolto em
nenhum imaginário. É um hiper-real, um produto de síntese irradiando modelos
combinatórios num hiperespaço sem atmosfera”. Elas seduzem e alienam o
espectador com a sua hiper-realidade, fazendo-nos divagar em meio aos
nossos devaneios por esta hiper-realidade. Na maioria das vezes utiliza a
arquitetura para criar estes ambientes, ou seja, criam os simulacros, uma
arquitetura sem vida, sem história, sem memória, sem alma, uma arquitetura
inanimada. O objetivo deste trabalho é analisar as transformações urbanas
ocorridas no Porto de Cuiabá que criam cenários hiper-reais para a construção
de espetáculos urbanos. A cidade de Cuiabá, ou como era denominada de Vila
Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, foi fundada por Rodrigo César de
Meneses em 1727, sobre um arraial minerador. O Porto apresenta em seus
espaços vários tempos, os tempos das monções, das navegações, da
modernização do fim do século passado, formando um palimpsesto. Tempos
inscritos na arquitetura ainda presente no Porto. Porem as últimas
transformações, que estavam vinculadas a um ideal de ‘cidade moderna’, que
transformaram o Porto em vitrine para o mercado, de uma forma esvaziada e
resfriada, desvalorizando os espaços e silenciando a tradição local. Tudo isso
para compor o cenário da hiper-realidade em torno do tricentenário de Cuiabá,
que completaria três séculos de fundação em 2022. Mas para a validação do
espetáculo usou-se a data de fundação do Arraial da Forquilha e quase tudo
ficou pronto para as festividades em 2019. As cidades sofrem silenciamentos e
desvalorização da sua tradição e dos seus espaços. Estes que apresentam a
vida da cidade, não são vistos por alguns como tendo o padrão desejado para
serem utilizados com a imagem-mercadoria. Com este intuito, transforma-se os
espaços para serem as vitrines da cidade. Em nenhum momento, está vitrine,
valorizaram ou incentivaram o comercio local ou a comunidade, que mantem a
tradição. Muito menos, contam a história do Rio Cuiabá ou a história do bairro.
Contam a história da cidade, mas ao mesmo tempo que silencia a história e
memória do porto, cria um simulacro da história da Vila do Cuiabá como se ela
não existisse, ela que é ignorada pelo poder público e tenta sobrevive ao tempo
e o abandono. Os espaços transformados ficam vazios a maior parte do tempo,
pois não elaboram projetos para e com a comunidade local, mas para serem
vitrines. O que beneficia poucas pessoas em um curto espaço de tempo, pois a
novidade está sujeita a obsolescência, tendo um prazo de validade. Mas
prejudica a cultura a longo prazo, de uma forma que um dia não saberemos
mais qual é a nossa tradição, porque tudo foi transformado em mercadoria.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O IMAGINÁRIO URBANO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE


MANAUS/AM: UM OLHAR ATRAVÉS DOS CARTÕES POSTAIS DA BELLE
ÉPOQUE AMAZÔNICA

Bruna Lopes De A. Martins (b.lopesandrade@gmail.com)

Frederico De Paula Tofani (fptofani@gmail.com)

Conhecida como Paris dos trópicos, a Manaus do final do século XIX e início
do século XX representou valores éticos e estéticos em voga na Europa, em
razão de seu protagonismo na próspera economia de extração e exportação da
borracha na região Amazônica e de suas relações com países como a França
e o Reino Unido. Esse período, denominado em grande parte da literatura
como a Belle Époque Amazônica, acarretou grandes transformações na
paisagem da então bicentenária cidade de Manaus e seria determinante para a
constituição de grande parte daquilo que se entende hoje como seu patrimônio
cultural edificado. Todavia, deve-se destacar que, enquanto as décadas de
1880 e 1890 consistiram no período em que a maior parte dessas
transformações foi produzida, é a partir da década de 1900 que Manaus se
consolidaria, no imaginário nacional e internacional, justa ou injustamente,
como um vicejante espaço urbano de matriz cultural europeia incrustado em
meio à maior floresta equatorial do planeta – em uma relação algo mitológica,
na qual cultura e natureza tanto se opõem quanto se confundem. O artigo
proposto tem como principal lastro uma pesquisa que desenvolvemos no
Programa de Pós-Graduação ao qual estamos vinculados e cujo objetivo é
contribuir para um melhor entendimento de tal imaginário acerca de Manaus,
por meio de levantamento e interpretação de fontes iconográficas históricas
que retratam essa cidade e, em específico, fotografias veiculadas como cartões
postais na Belle Époque Amazônica, retratando o que seriam os bens
edificados constituintes do Centro Histórico de Manaus, tombado pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2012. Nesse sentido,
adota-se como premissa o fato de que a fotografia em geral e, especialmente,
os cartões postais do período, mais do que meros registros de espaços,
objetos e manifestações, evidenciam os valores de quem produziu essas
imagens e/ou para quem elas se destinam e, como lhes é próprio, contribuem
para a produção e reprodução de imaginários – sejam eles mais ou menos
mitológicos, sejam eles mais ou menos factuais. Em outras palavras, entende-
se que por meio da iconografia sobre um dado espaço urbano em um dado
tempo é possível identificar elementos compositivos do respectivo imaginário
urbano. Por conseguinte, é possível aferir esses componentes do imaginário
sobre o espaço urbano em um outro tempo – e, caso ele tenha sido tombado
como patrimônio cultural, é possível cotejá-los com elementos do imaginário
que fundamentaram seu tombamento.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO.

QUADRO DA URBANIZAÇÃO CEARENSE NA SEGUNDA METADE


DO SÉCULO XIX:

Espacialização do “Ensaio Estatístico da Província do Ceará” de


Thomaz Pompeo de Sousa Brasil.

Fernandes, Pedro. (1); Jucá, Clovis. (2)

1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design


Av. da Universidade, 2890 – Campus do Benfica – CEP 60020-181 – Fortaleza-CE.
pedrofernandesp@arquitetura.ufc.br

2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design


Av. da Universidade, 2890 – Campus do Benfica – CEP 60020-181 – Fortaleza-CE .
clovisjuca@gmail.com

RESUMO
O artigo apresenta o exercício de cartografia retrospectiva da urbanização do território cearense na
metade do século XIX. Entende-se por cartografia retrospectiva, mapas resultantes da espacialização
de fontes primárias escritas ou a partir da vetorização da cartografia histórica. Os dados
cartografados compõem o Ensaio Estatístico da Província do Ceará (1863) elaborado por Thomaz
Pompeu de Souza Brasil. O Ensaio sistematiza amplo conjunto de informações e dados sobre a
província. A ausência de pesquisa sistemática sobre o processo de urbanização do Ceará durante os
oitocentos justifica a análise. Muito já foi escrito sobre a urbanização setecentista, mas são quase
inexistentes escritos sobre o século XIX. Como referencial teórico sobre o processo de urbanização
brasileiro nos apoiamos em Nestor Goulart Reis e Beatriz Bueno. Com Reis entendemos a
urbanização como processo social, materializado em rede de núcleos hierarquicamente conectados
no território. Nesta perspectiva, cada núcleo terá sua função na rede urbana. Em diálogo com Reis,
pensamos Beatriz Bueno e sua proposição sobre uma arqueologia da paisagem. Ainda com Bueno,
ampliamos a noção de rede urbana. A cartografia proposta apresenta complexa rede urbana com
povoações, arraiais, vilas, cidades, sedes de freguesias (Igrejas matrizes) e sedes de comarcas. A
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cartografia evidencia uma Província amplamente interligada na escala do território - tanto
internamente como com as demais Províncias do Norte. A importância da espacialização de fontes
primárias e secundárias encontra suporte teórico nas reflexões da Geografia Histórica em Pedro de
Almeida Vasconcelos e Mauricio de Almeida Abreu. Metodologicamente, a elaboração da cartografia
retrospectiva parte do cruzamento das informações presentes no Ensaio Estatístico e da vetorização
da cartografia histórica. Trabalhamos a Carta Chorographica da Província do Ceará (1861) de Pedro
Theberge, o mapa atual do Ceará com informações de satélites, o Diccionario Geographico Histórico
e Descriptivo do Estado do Ceará de Gurgel de Alencar (1903/1939) e a base cartográfica do IBGE.
Após a identificação dos pontos de fixação no território, georreferenciamos por meio do software
QGIS as informações coletadas. Com esse conjunto de dados realizamos a investigação mirando a
localização real dos lugares descritos no Ensaio e suas conexões territoriais, partindo da
sobreposição dos dados espacializados. O Software QGIS permite a organização das informações
em camadas diferenciadas, o que possibilita a elaboração de diversas combinações dos dados,
resultando em cartografias diversas. Foram espacializados 155 lugares da província, entre eles 38
povoações, 31 arraiais, 18 vilas, 9 cidades e 36 sedes de freguesias, compondo substancial base de
análise para o processo de urbanização do Ceará no século XIX.

Palavras-chave: Ceará; Séc.XIX; Urbanização; Cartografia Retrospectiva; Thomaz Pompeu.

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I - Introdução
O artigo apresenta o exercício de cartografia retrospectiva da urbanização do
território cearense na metade do século XIX. Entende-se por cartografia retrospectiva,
mapas resultantes da espacialização de fontes primárias escritas e da vetorização da
cartografia histórica. Os dados cartografados provêm do Ensaio Estatístico da Província do
Ceará (1863) elaborado por Thomaz Pompeu de Souza Brasil. O Ensaio sistematiza um
amplo conjunto de informações e dados sobre a província. A ausência de estudos
sistemáticos sobre o processo de urbanização do Ceará durante os oitocentos justifica a
exercício. Algo já foi escrito sobre a urbanização setecentista do território, mas são quase
inexistentes os estudos sobre o século XIX.

II – Uma análise interdisciplinar


O estudo busca representar e, em linhas gerais, compreender a urbanização do
território cearense na segunda metade do século XIX em múltiplas dimensões. Para tal, parte-
se de uma abordagem teórica e histórica interdisciplinar que se atenta à complexidade do
fenômeno e às dinâmicas que o caracterizam.

Fez-se o uso da espacialização de fontes primárias escritas que, quando associado à


vetorização de fontes cartográficas diversas, possibilita a representação de elementos
significativos para o estudo do quadro de urbanização em tela: hidrografia, relevos, distâncias,
caminhos e lugares. Ao intercruzarmos e espacializarmos esse conjunto de informações,
configuramos o objeto principal de análise: a cartografia retrospectiva. Portanto, múltipla
articulação dos dados viabiliza leitura de novas territorialidades à luz das relações espaço-
temporais evidenciadas pela cartografia.

Para a análise dessas variáveis, partimos de um aporte teórico interdisciplinar que


articula conhecimentos de urbanização, Geografia e História. Interagem-se conceitos relativos
ao processo de urbanização territorial e de rede urbana, à aproximação com a Geografia
Histórica e ao conhecimento das especificidades relativas à organização do espaço territorial
oitocentista cearense. Por fim, importa refletir sobre as relações humanas próprias à produção
do espaço: relações econômicas, políticas e ideológicas, conforme descreve Sonia Barrios
(1986). Em nosso caso, tratamos daquelas que tangem a produção do espaço territorial
oitocentista cearense.

Outro dado teórico basilar para este estudo é o conceito de urbanização. Nestor
Goulart Reis Filho define a “urbanização como processo social”, asseverando que ela
provoca o “aparecimento e a transformação de núcleos, como consequências das
interações humanas em que implica”. O autor também acrescenta que “a urbanização se dá
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com o aparecimento de uma ‘economia urbana’” e que “cada sistema econômico, pelo
volume e natureza de trocas urbano-rurais, que estabelece, corresponde a um determinado
índice de urbanização”. Para Reis, “o índice ou grau de urbanização pode ser entendido
economicamente como a relação entre a produção agrícola transferida para o meio urbano e
a total”, que, em perspectiva demográfica, trata-se da relação entre “a população urbana e a
total”. Portanto, neste processo, a “concentração de indivíduos, as atividades religiosas,
educacionais, militares e etc.” favorecem “o aparecimento de um mercado urbano” e, por
sua vez, a “instauração [...] de um processo de urbanização, ou a inclusão da área num
processo já existente”. (REIS FILHO, 1968, p. 20 – 21).

Dessa forma, o entendimento da urbanização como processo social contribui para


superação de dificuldades metodológicas, como assevera Reis Filho. Dentre outras
questões, aponta que a compreensão do processo de urbanização em “escala nacional” não
corresponde a um centro urbano isolado, mas a um “nível organizatório mais complexo, que
é a rede urbana”. Daí a importância da percepção de “todas as formas de aglomeração
urbana” como um “conjunto, ao nível do processo”, sendo aquele amplamente
interconectado, dinâmico, capaz de ultrapassar fronteiras, assumindo um “caráter
internacional”. (REIS FILHO, 1968, p. 21).

Portanto, a urbanização pode ser reconhecida “como sendo objeto de dois diferentes
níveis organizatórios: a rede e o núcleo”. Tal apreensão conduz a “vantagens de ordem
metodológica”. Primeiro, compreender as formações urbanas como componentes nucleares
do sistema social global, inter-relacionadas por “meio de conexões típicas, que são as
funções urbanas; ou seja, em escala macro. Por isso, afirmar que “o processo de
urbanização é relativo ao sistema social global”, onde os “núcleos urbanos” são
“componentes nucleares” e que o “conhecimento das funções urbanas implica no
conhecimento do contexto em que se inserem”. (REIS FILHO, 1968, p. 22).

Em diálogo com Nestor Goulart Reis Filho, Beatriz Bueno avança na compreensão
do sentido de rede urbana. Bueno propõe seu entendimento em “conotação mais ampla nela
incluindo-se pousos, bairros rurais, fazendas, feiras, passagens, barreiras, registros e
demais pontos nodais relacionados às cidades, vilas, capelas, freguesias, julgados e
aldeamentos missioneiros”. Para a autora, essas observações possibilitam ampliar o
“conceito de urbano para todo e qualquer vestígio de localidade indicativa de presença
humana irradiada de demandas urbanas, via homens urbanos, a despeito da sua fragilidade
demográfica, formal e estatuto político”(BUENO, 2016, p. 826, grifos da autora).

Essa ampliação permite ainda “alargar o conceito de núcleo urbano propriamente


dito, ao demonstrar que lhe orbitavam um rosário de fazendas e sítios que alimentavam
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mercados distantes”. Assim, Bueno considera “pertinente incluir no horizonte das questões
citadinas pontos de economia que extrapolavam a lógica da subsistência, dando-lhes
visibilidade por estarem imantados a circuitos urbanos e que, em constelação, configuravam
territorialidades entretecidas por vivências cotidianas” (BUENO, 2016, p. 826). Portanto, este
amplo conjunto de fixações territoriais permite desvelar “paisagens pretéritas representadas
na cartografia [também na espacialização de fontes escritas], entendendo-as como
configurações territoriais de um “conjunto de elementos naturais e artificiais” e, como tal,
uma “espécie de palimpsesto onde, mediante acumulações e substituições, a ação das
diferentes gerações se superpõe”. (BUENO, 2016, p. 826).

A noção ampliada de rede urbana proposta por Bueno (2016) alcança a importância
de sua espacialização, a partir da elaboração da cartografia retrospectiva, identificação e
representação de rotas de circulação e de lugares de fixação (como estradas, fazendas,
barreiras físicas, povoados e feiras). A sobreposição dos fluxos e fixos evidenciam diferentes
relações e arranjos espaciais diversos, revelando interconexões e diferentes significados.
Sendo assim, este estudo propõe a aplicação do conceito largo de rede urbana pensado por
Beatriz Bueno no entendimento da urbanização do território cearense na metade do século
XIX.

Prezamos pelo uso da espacialização de fontes primárias e secundárias cuja


importância encontra suporte teórico nas reflexões da Geografia Histórica, como nas feitas
por Pedro de Almeida Vasconcelos (2009) e Mauricio de Almeida Abreu (2010). A
reconstituição de morfologias pretéritas é fundamental para a recuperação da produção
material das relações sociais do passado, imprescindíveis para o resgate das ancoras
espaciais da história, além de servirem como base para a constituição dos lugares e
regiões. (ABREU, 2010).

É importante ressaltar, contudo, que a cartografia – referimo-nos tanto à histórica


como a retrospectiva proposta - não pode ser entendida como uma representação absoluta
e única. Ou seja, essa representação tanto deve ser apreendida como expressão da
interseção de processos socioeconômicos e culturais que atuam em diferentes escalas,
como deve promover, a partir de sua leitura, uma empiricização do tempo de outrora
(ABREU, 2010). A elaboração e leitura da cartografia retrospectiva do território cearense na
metade do século XIX, a partir dos dados presentes no Ensaio Estatístico da Província do
Ceará de Thomaz Pompeu de Souza Brasil, não se encerra na localização e identificação
das vilas, povoados, arraiais, sede de freguesias. Com a cartografia elaborada, é possível,
em leitura a contrapelo, elucidar as lógicas dos investimentos de capital e técnica na
adequação do espaço às transformações sociais, as razões temporais e espaciais das

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intervenções e o papel dos diversos agentes envolvidos na organização da espacialidade
urbana e territorial da Província. Logo, faz-se necessário o entendimento do espaço como
síntese material de processos sociais.

A noção de espaço que atribui suporte teórico à pesquisa é a empreendida pelo


geógrafo Milton Santos, em A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção.
Segundo Santos, o espaço é formado por um “conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente,
mas como o quadro único onde a história se dá” (SANTOS, 2016, p. 39).

A discussão sobre espacialização de fontes é apresentada pelo também geógrafo


Mauricio de Almeida Abreu (2010) em sua obra Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502
-1700). Segundo o autor, regiões e lugares são hoje vistos como campos de força, como
produtos da interseção de processos socioeconômico-culturais que têm origem e
manifestações diversas, que atuam em escalas diferentes e que estão sempre criando,
recriando e dando novos significados a lugares e regiões. Mauricio de Almeida Abreu
assevera que já é antiga a tradição dos estudos de geografia histórica e que a geografia tem
muito a contribuir para o estudo dos lugares do passado. Na geografia histórica ela atribui
uma referência espacial à história, daí a importância da cartografia. Contudo, lembra que a
contribuição da disciplina não pode se restringir à recuperação das morfologias pretéritas,
relembrando que as formas materiais devem estar relacionadas com os seres humanos e
classes sociais que, efetivamente, as produziram. (ABREU, 2010).

Para a elaboração e análise da espacialização dos lugares de fixação no Ceará, os


“nós” da rede urbana, mostra-se igualmente necessário o conhecimento histórico sobre o
processo de urbanização do Ceará colonial. Baseado nos estudos de Raimundo Girão (2000),
um largo panorama da história econômica do Ceará é apresentado com as relações de
produção dentro do território e o tipo de atividades e mercadorias. Já Lemenhe (1991) expõe
acerca da organização social, política e econômica do Ceará desde o séc. XVI a meados do
séc. XX, situando as dinâmicas internas no contexto do Brasil Império e a formação e
consolidação dos núcleos hegemônicos no território cearense. Por fim, a partir de Jucá Neto
(2012), é apresentada uma profunda reflexão sobre os primórdios da urbanização do Ceará no
século XVIII.

III - O Ceará no século XIX


A atividade da pecuária atribuiu sentido econômico à ocupação da Capitania durante
o setecentos. Expulsas do litoral açucareiro, as boiadas seguiram a antiga estrada velha no
litoral norte-sul e leste-oeste das capitanias do Norte, ou cruzaram os sertões da Bahia, de

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Pernambuco, da Paraíba em busca de novas pastagens. A ocupação do território fora
extremamente complexa e pautada por extrema violência. (JUCÁ NETO, 2012). Liberal de
Castro (2012) assevera que a conquista fora marcada por “campanhas belicosas
sistemáticas de expulsão ou aculturação dos índios”1.

Jucá Neto acrescenta que, por todo os setecentos, “os desbravadores construíram
suas casas de fazenda e levaram suas famílias” e que em “pontos estratégicos do território
– no cruzamento dos caminhos, na foz do Rio Jaguaribe, no sopé ou no alto de alguma
serra e nas proximidades do Forte de Nossa Senhora da Assumpção –, o Estado português
fundou vilas”. Também em “lugares estrategicamente situados, a Igreja estabeleceu
aldeamentos, missões e freguesias com suas igrejas matrizes e capelas. (JUCÁ NETO;
BEZERRA, 2021, p. 5).

No alvorecer do século XIX, a Carta Marítima e Geográfica da Capitania do Ceará,


levantada pelo engenheiro militar português Antônio José da Silva Paulet, apresenta o
território cruzado por estradas que cortam o território interligando 16 vilas e cerca de 60
povoados. (JUCÁ NETO, 2012). Também no século XIX, o aumento da produção agrícola –
mais especificamente a cotonicultura - associada à pecuária atribuiu novos significados
econômicos ao Ceará, alargando a rede urbana e amplificando a ação de agentes no
processo de organização territorial. Contudo, é somente com a instalação da ferrovia, no
último quartel do oitocentos, que se observa uma reorganização do espaço territorial da
província cearense.

IV - O Ensaio Estatístico da Província do Ceará


Tomamos o Ensaio Estatístico da Província do Ceará, escrito por Thomaz Pompeu
de Sousa Brasil em 1863 e 1864, como base para a cartografia retrospectiva proposta.
Thomaz Pompeu de Sousa Brasil fora “padre, advogado, professor de História e Geografia,
jornalista – editor do jornal O Cearense – e dirigente político de expressão do partido liberal
do Ceará”. De acordo com Sousa Neto, Thomaz Pompeu “exerceu todas as funções
paralelamente, mesmo a de padre, até o final de sua vida”. (SOUSA NETO, 2018, p. 28). O
intuito maior do autor quanto a elaboração do Ensaio foi “recensear a população para
controlá-la, saber dos recursos para geri-los mediante estratégias previamente pensadas e
esquadrinhar de tal modo o território, fluxos, nós e redes, que pudesse jogar com a
população e os recursos sobre essa base territorial”. (SOUSA NETO, 2018, p. 115).

Os dados coligidos por Thomaz Pompeu, presentes no Ensaio, provieram de


informações do governo provincial e do contato com os membros da Comissão Científica de

1 Ver Putoni (2002).


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Exploração que correu a província do Ceará entre os anos de 1859 e 1861 2. Na
apresentação da obra, Thomaz Pompeu explicita que formulara “modelos de mapas, e
instrucções com uma série de quesitos bem explicados, e depois de impressos” os enviou
para as autoridades provinciais. Contudo, não lhe foi “possível obter resposta nem a
vigésima parte dos quisitos”. (BRASIL, 1997).

Thomaz Pompeu também se utilizara da cartografia cearense da primeira metade do


século XVIII - elaboradas pelo engenheiro militar português Antonio José da Silva Paulet 3,
por Visconde de J. Villiers de L’ile-Adam, pelo engenheiro e militar carioca Conrado Jacó de
Niemeyer e pelo médico francês residente no Icó, Doutor Pedro Theberge - na busca da
longitude e latitude do território. As cartas consultadas foram, possivelmente, as seguintes: a
Carta Marítima, e Geographica da Capitania do Ceará, levantada por ordem do
Govor Manoel Ignco. de Sampayo por seu ajudante d'ordens Antonio Joze da Sª. Paulet, de
1817; a Carta corográfica dedicada a S.M.I o Senhor D. Pedro 2, contendo as províncias de
Alagoas, Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte e Ceará, 1843 (Figura 01) e a Carta
corographica do Império do Brazil, 1846, de Conrado Niemeyer; de Visconde de J. Villiers de
L’ile-Adam, a Carta Topographica e Administrativa da Província do Ceará de 1849 e, do
Doutor Theberge, a Carta Chorographica da Província do Ceará, com a divisão eclesiástica
e indicação da civil e judiciária, organizada pelo D. Pedro Theberge, em 1861. (Figura 02).

2 Sobre a Comissão Científica de Exploração ver Braga (1982) e Koury (2009).


3 Sobre Paulet ver CASTRO (1982), JUCÁ NETO (2012, 2012a).
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Figura 01. Carta corográfica dedicada a S.M.I o Senhor D. Pedro 2 contendo as províncias de
Alagoas, Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte e Ceará, 1843.

Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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Figura 02 - Carta Chorographica da Província do Ceará, com a divisão eclesiástica e indicação da
civil e judiciária, organizada pelo D. Pedro Theberge, em 1861.

Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

No que se refere a consulta da cartografia histórica cearense, Thomaz Pompeu


assevera que “na falta de observações exactas e na difficuldade de escolha entre as cinco
cartas da província” tanto em relação à “situação astronômica como quanto a relativa a
lugares”, seguira a carta “geral do Coronel Conrado para as posições astronômicas e para o
mais a do dr. Theberge”. Pompeu acrescenta que a carta de dr. Theberge possuía o “mérito
de representar aproximadamente a província não so pelo lado physico, como pelo politico,
pois traz as divisões mais recentes”. (SOUSA BRASIL, 1997, p. 5).

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O Ensaio Estatístico é composto de dois volumes e fora publicado entre 1863 e
1864, cujo primeiro está organizado em duas partes4.  A primeira trata do “estado physico do
território”, “do clima e agentes meteorológicos”, da “divisão physica do território”, das
“produções naturais” e da “divisão política”. O título 1, o “Estado physico do território”, é
composto pelos capítulos “Situação ou posição astronômica”, “Dimensões”, “Limites”,
“Aspecto Physico”, “Costas do mar”, Ilhas”, “Orografia”, “Hydrografia” e “Constituição
Geológica”. O título dois, “Do clima e agentes meteorológicos”, é composto pelos capítulos
“Temperatura”, “Humidade” e “Salubridade”. O título três, “Divisão Physica do Território” é
formado pelos capítulos “Do litoral”, “Do sertão” e “Do terreno montuoso” e “Das florestas”.
Compõem o título quatro, “Das producções naturais”, os capítulos “Do reino mineral”, “Do
reino vegetal” e “Do reino animal (Zoologia). O título cinco, “Divisão política”, apresenta a
“Divisão eleitoral”, “Divisão administrativa”, “Divisão judiciaria” e a “Divisão ecclesiastica”.

A segunda parte do primeiro volume apresenta ideia geral da população, trabalhando


a “riqueza publica e particular”, o “comércio”, a “administração pública”, as “finanças”, a
“força pública” e a “justiça pública”. O título 1, “Da população” apresenta capítulo sobre
“População antiga”, “População atual”, “Da população e seus movimentos internos” e “Da
população por sexos, idades e estado civil”. O título dois, “Riquesa pública e particular”, é
composto pelos capítulos “Da indústria agrícola” e da “Industria fabril”. O título três trata “Do
comércio”, já o quatro, “Da navegação”. O título cinco trata do “Do governo civil”, “Do
governo municipal” e “Do governo ecclesiastico”. O título seis, “Das finanças”, trata “das
finanças gerais”, “Da despesa publica”, “Das finanças provinciais”, “Despesa provincial”,
“Finanças municipaes” e “resumo das Finanças”. O título sete trata “Da força pública”. O
título oito, “Da justiça pública”, apresenta os capítulos “Da administração da justiça”, “Da
justiça em matéria civil”, “Da justiça em material criminal” e “Dos movimento das prisões”. O
título nove sobre “Instrucção Pública” é composto pelos capítulos “Da organização da
instrucção”, “Do movimento do ensino primário, seu custo e pessoal” e “Destribuição da
instrucção por municípios”.

No segundo volume, a terceira parte exibe as comarcas das províncias – “Comarca


da Capital ou da Fortaleza”, do Aracati, Icó, Saboeira, Crato, Jardim, Inhamum,
Quixeramobim, Baturité, Imperatriz, Sobral, Ipu, Viçosa, Granja - com suas freguesias,
igrejas matrizes e capelas filiais. Fechando este segundo volume, são apresentados
“mapas” (tabelas) indicando a posição das cidades, vilas, sede de freguesias, sede de
comarcas, municípios, distritos.

4 Não estamos apresentando os artigos de cada capítulo nem os mapas estatísticos.


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V - A cartografia retrospectiva proposta
A elaboração da cartografia retrospectiva partiu do cruzamento das informações
presentes no Ensaio Estatístico, da vetorização da cartografia histórica e atual e de um
dicionário com verbetes relativos aos lugares do Ceará no alvorecer do XIX. Trabalhamos a
Carta Chorographica da Província do Ceará (1861), de Pedro Theberge; a Carta
Topographica e Administrativa da provincia do Ceará (1849), de Villiers de L'Ile Adam; o
mapa atual do Ceará com informações de satélites; a base cartográfica do IBGE e o
Diccionario Geographico Histórico e Descriptivo do Estado do Ceará de Gurgel de Alencar
(1903/1939).

Para composição da cartografia retrospectiva, foi utilizado como objeto base de


espacialização o Ensaio Estatístico da Província do Ceará de Thomaz Pompeu de Souza Brasil
(1863), mais especificamente duas tabelas. A primeira apresenta o “MAPPA DEMONSTRATIVO
DA POSIÇÃO DAS CIDADES, VILLAS, POVOAÇÕES E ARRAIAES DA PROVÍNCIA DO
CEARÁ; DA DISTÂNCIA EM LINHA RECTA E PELOS CAMINHOS ORDINÁRIOS DE TODOS
ELLES” , que consiste em uma tabela de 175 lugares da província contendo os respectivos
nomes: latitude sul, longitude do Rio de Janeiro (em branco), categoria (cidade, villa povoação,
arraial), “distância à capital em linha recta”, “distância à capital pelos caminhos ordinários”,
município a que pertencem, “distância à cabeça do município por caminhos ordinários” e
comarca a que pertencem. (BRASIL, 1997, p.234–243). A segunda, o "MAPPA ESTATISTICO
DA PROVINCIA DO CEARÁ”, compreende o “censo da população livre e escrava por
comarcas, municipios, freguezias, e o movimento por baptisados, casamentos, e obitos, de
diversos annos, segundo os arrolamentos dos delegados, subdelegados, camaras, juizes de
paz e parochos, e augmentados (os do censo da população) com 3% ao anno até 1860."
(BRASIL, 1997, p. 297 – 298).

Os dados das tabelas foram cruzados com as informações presentes na Carta


Chorographica da Província do Ceará, com a divisão eclesiástica e indicação da civil e
judiciária, organizada pelo D. Pedro Theberge, em 1861 e Carta Topographica e Administrativa
da provincia do Ceará (1849) de Villiers de L'Ile Adam. A cartografia de Pedro Theberge
apresenta, além da divisão eclesiástica, civil e judiciária do ano de 1861, a rede urbana com
cidades, vilas, distritos, povoados, matrizes de freguesias, fazendas, arraiais e ancoradouros.
Já a cartografia de Villiers de L'Ile Adam apresenta as divisões administrativas do Ceará: 9
comarcas, 4 cidades, 19 vilas, 36 freguesias, cerca de 60 capelas e cerca de 180 povoados.

Fora difícil encontrar a localização geográfica de alguns lugares presentes na tabela,


dada a comum mudança de nomes, ou mesmo o desaparecimento do núcleo. Visando

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solucionar tal dificuldade, partimos para uma triangulação de informações: os dados da tabela e
da cartografia histórica foram cruzados com os do Diccionario Geographico Histórico e
Descriptivo do Estado do Ceará, de Gurgel de Alencar (1903/1939), e com a base de dados do
IBGE, atentando ao histórico de formação administrativa dos lugares onde encontram-se
registradas as mudanças de nome. O Diccionario é composto de verbetes com nomes e uma
breve descrição física e histórica de lugares no território, portanto, também nos valemos de
relatos históricos documentados acerca de características físicas, como a presença de um
corpo d’água ou encontrar-se na base de relevo montanhoso. Além desse recurso, o artifício
metodológico restringe a área de provável localização do lugar, facilitando o encontro do
mesmo. Por fim, por meio de imagens de satélite, buscamos a localização da cidade, vila ou
povoado, registrando as coordenadas geográficas.

Após a identificação dos pontos de fixação no território, georreferenciamos, por meio


do software QGIS, as informações coletadas. Segundo esse conjunto de dados, realizamos
a investigação mirando a localização real dos lugares descritos no Ensaio, partindo da
sobreposição dos dados espacializados. O Software QGIS permite a organização das
informações em camadas diferenciadas, o que possibilita a elaboração de diversas
combinações dos dados, resultando em cartografias diversas.

Até o momento da pesquisa, foram elaborados dois mapas: um desenha o território


com várias escalas de nucleações (Figura 03); o outro apresenta manchas onde se
localizam quatro regiões de intensificação do processo de urbanização do território, que
denominamos como Núcleo Sobral (bacia do Acaraú / Coreaú), Núcleo Fortaleza (Fortaleza
– Baturité), Núcleo vale do Jaguaribe e Núcleo Crato (Cariri) (Figura 04).

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Figura 03 – Cartografia base de disposição de sedes de freguesias, arraiais, cidades, povoações ,
vilas e outros até a década de 1860 a partir do Ensaio Estatístico da Província do Ceará (1863) de
Thomaz Pompeo de Sousa Brasil.

Produção nossa.

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Figura 04 – Cartografia base de disposição de regiões de mais intensos processos de urbanização
observados até a década de 1860 a partir do Ensaio Estatístico da Província do Ceará (1863) de
Thomaz Pompeo de Sousa Brasil.

Produção nossa.

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A cartografia elaborada evidencia que o território encontrava-se intensamente conectado com
155 lugares da província; entre eles 38 povoações, 31 arraiais, 18 vilas, 9 cidades, 36 sedes de
freguesias. As sedes de freguesias estão assim distribuídas a partir da sobreposição e
interseccionamento: sede de freguesia/cidade, sede de freguesia/villa e sede de
freguesia/outro. Aponta, ainda, um incremento da rede urbana cearense em duas direções. A
primeira encontra-se ainda atrelada, na sua maior parte, às regiões ligadas à atividade pecuária
setecentista; ou seja, aponta para intensificação do processo de urbanização no núcleo Sobral
(bacia do Acaraú / Coreaú) e do Núcleo rio Jaguaribe. Tal processo já havia se iniciado no
século XVIII; mais fortemente no rio Jaguaribe. Na segunda, observa-se o crescimento do
índice de urbanização no núcleo Crato (Cariri) e no núcleo Fortaleza (Fortaleza – Baturité),
áreas situadas à margem do criatório setecentista.

Breves considerações finais


A pesquisa ainda se encontra em estágio inicial. É resultado do projeto PIBIC/UFC (2020-2021)
– Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica – intitulado URBANIZAÇÃO DA
PROVÍNCIA DO CEARÁ. Cartografia Retrospectiva - Século XIX. Até o momento foi criado um
banco de dados georreferenciado com todas as vilas, povoados, arraiais, sedes de freguesias
encontrados a partir do cruzamento de fontes diversas. A intenção é expandir a elaboração da
cartografia para outros índices apresentados no Ensaio; tais como comarcas, sedes de
município, população, presença de unidades de saúde, escolas e etc. Sobre a elaboração da
cartografia, a maior dificuldade, como já mencionado, foi a identificação dos lugares. Os dois
mapas elaborados já compõem substancial base de análise para o processo de urbanização do
Ceará no século XIX.

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cart67925_4.jpg

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EIXO TEMÁTICO 4 - A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO

O IMAGINÁRIO URBANO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE


MANAUS: um olhar através dos cartões-postais da Belle Époque
Amazônica

MARTINS, BRUNA LOPES DE A. (1); TOFANI, FREDERICO DE PAULA (2)


1. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura. Programa de Pós-Graduação
em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável
Rua Paraíba, 697. Bairro Funcionários. Belo Horizonte, MG. Brasil. CEP 30130-140
brunalopes@ufmg.br

2. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura. Departamento de Projetos.


Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável
Rua Paraíba, 697. Bairro Funcionários. Belo Horizonte, MG. Brasil. CEP 30130-140
fptofani@ufmg.br

RESUMO
O Centro Histórico da cidade de Manaus, no estado do Amazonas – recentemente inscrito pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Livro do Tombo Histórico e no Livro
do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico – tem seu processo de formação e composição
caracterizados pela pluralidade de referências culturais. Nesse sentido, o presente artigo consiste em
um breve discussão sobre o imaginário urbano associado a esse espaço, conforme evidenciamos por
meio de levantamento e interpretação de fontes iconográficas que retratam a cidade de Manaus na
última década do século XIX e primeira do século XX – a chamada Belle Époque Amazônica – e, em
específico, de fotografias veiculadas como cartões-postais que registram o que viriam a ser, um
século depois, os bens edificados constituintes do Centro Histórico dessa cidade. A análise desse
acervo iconográfico evidencia a disseminação de um discurso no qual Manaus é referida
crescentemente como a Paris dos trópicos, o que, no entanto, não contempla a totalidade de imagens
que constituem o imaginário local.

Palavras-chave: Manaus; Centro Histórico; Imaginário Urbano; Fotografia; Cartão-Postal.

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1. INTRODUÇÃO
Conhecida como Paris dos trópicos, a Manaus do final do século XIX e início do século XX
representou valores éticos e estéticos em voga na Europa, em razão de seu protagonismo
na próspera economia de extração e exportação da borracha na região Amazônica e de
suas relações com países como a França e o Reino Unido. Esse período, denominado em
grande parte da literatura como a Belle Époque Amazônica, acarretou grandes
transformações na paisagem da então bicentenária cidade de Manaus e seria determinante
para a constituição de grande parte daquilo que se entende hoje como seu patrimônio
cultural edificado.

Todavia, deve-se destacar que, enquanto as décadas de 1880 e 1890 consistiram no


período em que a maior parte dessas transformações foi produzida, é a partir da década de
1900 que Manaus se consolida, no imaginário nacional e internacional, justa ou
injustamente, como um vicejante espaço urbano de matriz cultural europeia, incrustado em
meio à maior floresta equatorial do planeta – em uma relação algo mitológica, na qual
cultura e natureza tanto se opõem quanto se confundem. Nesse sentido, o presente artigo
tem como principal lastro uma pesquisa que desenvolvemos no Programa de Pós-
Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da Universidade Federal de
Minas Gerais (PPG-ACPS-UFMG) e cujo objetivo é contribuir para um melhor entendimento
de tal imaginário acerca de Manaus, por meio de levantamento e interpretação de fontes
iconográficas históricas que retratam essa cidade e, em específico, fotografias veiculadas
como cartões-postais durante a Belle Époque Amazônica, retratando o que viriam a ser, um
século depois, os bens edificados constituintes do Centro Histórico de Manaus.

Os estudos com vistas ao tombamento do Centro Histórico tiveram início no ano de 2010, a
partir de determinação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por
meio do Processo nº. 01450.012718/2010-93. Tais estudos indicaram sua inscrição tanto no
Livro do Tombo Histórico quanto no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico, o que ocorreu provisoriamente em 2012 e definitivamente em 2021, por meio
da Portaria nº. 55, de 22 de julho, do Ministério do Turismo. Como explica o IPHAN (2021), o
Centro Histórico de Manaus

abrange uma área entre a orla do rio Negro e o entorno do Teatro


Amazonas e ainda mantém os aspectos simbólicos e densos de
realizações artístico-construtivas. Apresenta uma fração urbana formada
por edificações do período áureo da borracha, mesclada a edifícios
modernos e representa um dos maiores testemunhos de uma fase
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econômica ímpar no Brasil, quando a exploração do látex proporcionou o
incremento da industrialização em escala mundial. A preservação deste
núcleo, que configura o coração urbano da cidade, garante a manutenção
de seu patrimônio singular e íntegro, e inclui Manaus no rol das cidades
históricas do Brasil [...]. Mesmo fragmentada, Manaus ainda possui um
vocabulário arquitetônico vasto e diversificado, com representação de
todas as correntes ecléticas e a verticalização ainda não compromete a
percepção do espaço criado na Belle Époque. A cidade pode ser vista
como um espaço urbano composto por monumentos, arquitetura corrente
e áreas livres públicas, formando um conjunto que celebra e representa o
ecletismo no norte do país. (IPHAN, 2021, s.p.)

O levantamento e a interpretação de fontes iconográficas históricas que retratam o Centro


Histórico de Manaus, realizados em nossa pesquisa, adotam como premissa o
entendimento de que a fotografia em geral e, em específico, os cartões-postais da Belle
Époque Amazônica, mais do que meros registros de espaços, objetos e manifestações,
evidenciam os valores de quem produziu essas imagens e/ou para quem elas se
destinavam e, como lhes é próprio, contribuem para a produção e reprodução de
imaginários – sejam eles mais ou menos mitológicos, sejam eles mais ou menos factuais.
Em outras palavras, entende-se que por meio da iconografia sobre um dado espaço urbano
em um dado tempo é possível identificar elementos compositivos do respectivo imaginário
urbano. Por conseguinte, é possível aferir esses componentes do imaginário sobre o espaço
urbano em um outro tempo – e, caso ele tenha sido tombado como patrimônio cultural, é
possível cotejá-los com elementos do imaginário que fundamentaram seu tombamento.

2. PATRIMÔNIO, IMAGINÁRIO E ICONOGRAFIA

Os processos de determinação e conservação de bens do patrimônio cultural exigem que se


reconheça os significados e valores atribuídos pelos respectivos grupos sociais, ontem e
hoje, a aspectos tangíveis e intangíveis daquilo que determinam como realidade. Tal
afirmação se baseia, conforme autores como Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses (2006),
na ideia de que o campo do patrimônio cultural se situa no universo dos sentidos e da
mediação simbólica, sendo possível afirmar que “[n]o domínio cultural, tudo isso diz respeito
à produção, armazenamento, circulação, consumo, reciclagem, mobilização e descarte de
sentidos, de significações” (MENESES, 1996, p.89).

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Quanto trazida para o contexto urbano, a questão ganha diferentes expressões,
relacionadas entre si. Segundo Meneses et al. (2006), a cidade pode se manifestar através
das dimensões de artefato, de campo de forças e de imaginário. A primeira diz respeito à
natureza física do lugar, ou seja, a cidade como “coisa feita, fabricada” (MENESES et al.,
2006, p.36). A segunda dimensão é a das tensões e conflitos de interesses que envolvidos
na produção do espaço. Por último, a dimensão do imaginário urbano, que enfatizamos em
nossa pesquisa, é entendida pelo autor como fenômeno social determinante de que “a
cidade é também representação, imagem.” (MENESES et al., 2006, p.37).

A respeito do imaginário, Cristina Freire (1997) levanta a dificuldade de uma conceituação


precisa, uma vez que o tema deve ser tratado a partir de uma perspectiva histórica e
interdisciplinar. A autora destaca, também, a relevância das projeções do imaginário no
espaço urbano, por meio da arquitetura em geral e dos monumentos em específico. Do
mesmo modo, Bronislaw Baczko (1985) demonstra como a organização espacial pode
evidenciar configurações de poder e exclusão, ou como a linguagem arquitetônica pode
comunicar prestígio e domínio, o que leva à conclusão de que “todas as cidades são, entre
outras coisas, uma projeção dos imaginários sociais no espaço” (BACZKO 1985, p.313).

Esses imaginários sociais, por sua vez, dependem de referências individuais e coletivas,
como ideias, memórias ou saberes socialmente fabricados. Conforme Cristina Freire (1997),
as imagens, raízes do imaginário, surgem no intervalo entre o objeto e sua representação.
“O imaginário constitui-se, portanto, em parte, por essa reconstrução singular do mundo,
realizada através dos processos de representação” (FREIRE, 1997, p.117). Logo, dentro do
campo das representações, os signos – e os documentos – seriam passíveis de
reconstrução e interpretação.

Sobre o imaginário urbano e sua relação com a iconografia, tem-se que representações
visuais de cidades remontam ao princípio da distinção entre assentamentos humanos.
Porém, tudo indica que é no Renascimento que as cidades passam a ser, de fato, temas
centrais de ilustrações. A cartografia teve um importante papel nesse contexto, evidenciando
a função e interesse político por trás do uso de tais imagens que, para além de uma
natureza meramente descritiva, serviam a um exercício de domínio (MENESES, 1996).

Segundo Meneses (1996), a partir do século XIX, com a profusão das modalidades de
representações e com o desenvolvimento dos contextos urbanos e sociais, as relações
entre cidade e imagem se tornaram mais complexas. Perante isso, fica cada vez mais
evidente o fato de que “a imagem é uma construção discursiva, que depende das formas

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históricas de percepção e leitura, das linguagens e técnicas disponíveis, dos conceitos e
valores vigentes” (MENESES, 1996, p.152). Portanto, não caberia tratar tais representações
meramente como registros de uma realidade, tendo em consideração seu grau de menor ou
maior fidelidade ao que é apresentado.

Para que se entenda essa ideia, é preciso, sobretudo, afastar-se da falsa dicotomia entre
real e imaginário, que predominou durante séculos, sobretudo no Ocidente. Isso se deve,
principalmente, a uma concepção proveniente da Antiguidade Clássica que colocava a
imaginação em uma posição à margem do real, como menos importante ou associada às
ilusões. Esse cenário mudou, finalmente, com as noções proporcionadas pelo advento da
psicanálise e pelo desenvolvimento de disciplinas que estudam o comportamento humano e
a sociedade (MENESES, 1996).

Portanto, não há por que separar a noção de imagem do real, como oposições, já que a
primeira é também integrante do segundo. Afinal, as esferas tangível e intangível do que se
entende como realidade são indissociáveis. Gilbert Durant (1964) contribui para esse
entendimento ao afirmar que a consciência representa o mundo de duas formas: uma direta
e outra indireta. Na direta, “a própria coisa parece estar presente no espírito, como na
percepção ou na simples sensação” (DURANT, 1964, p.7), enquanto na indireta o objeto
não se apresenta na dimensão sensível, mas em recordação ou imaginação. Nesse caso,
pode-se dizer que o objeto é representado na consciência através de uma imagem.

Além disso, é necessário apontar que tais representações visuais evidenciam os valores de
quem as produziu, além de para quem ou para que se destinam. Elas não são e nem devem
ser lidas como uma reprodução fiel da realidade, uma vez que carregam visões próprias de
seu tempo, conforme seus autores. Ou como explica Eduardo França Paiva (2002), “A
imagem, bela, simulacro da realidade, não é a realidade histórica em si, mas traz porções
dela, traços, aspectos, símbolos, representações” (PAIVA, 2002, p.19). Dessa forma, é
possível afirmar que as imagens contribuem decisivamente para a produção e reprodução
de imaginários – sendo este entendimento a principal premissa de nossa pesquisa.

Entende-se, a partir disto, que a intenção de compreender a formação e composição do


imaginário urbano de um determinado espaço, a partir de iconografia que o retrate, advém
da possibilidade de interpretação dessa mesma iconografia. Visto que “em última instância,
não é a cidade aquilo que pode ser conhecido profundamente por esse tipo de
documentação. Não é a cidade em si, mas o olhar do viajante” (MENESES, 1996, p.153), a
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partir desses registros se procura não um olhar objetivo da realidade, mas uma aproximação
à pluralidade de visões construídas acerca dela que, por sua vez, alimentam um imaginário.

De maneira similar, Jacques Le Goff (2003) apresenta a discussão a respeito dos


documentos, ao apontar como estes carregam o caráter de monumento por terem o objetivo
de rememorar um passado e por demandarem uma interpretação. Contudo, para além de
vestígio, os documentos implicam uma escolha, ou seja, uma seleção do que se deve
rememorar.

De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado,


mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no
desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se
dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores.
(LE GOFF, 2003, p.462)

Por conseguinte, se levamos em conta o caráter de escolha inserido na existência de


repertórios iconográficos, admite-se que a reconstrução interpretativa dessas imagens seja
realizada não somente pelo que se vê, mas também pelo que não está apresentado. Em
outras palavras, “abramos os olhos para experimentar o que não vemos, o que não mais
veremos – ou melhor, para experimentar que o que não vemos com toda evidência” (DIDI-
HUBERMAN, 1998, p.34).

3. O IMAGINÁRIO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE MANAUS


Para que seja possível construir uma análise acerca do imaginário urbano associado ao
Centro Histórico de Manaus, é necessário, antes de tudo, contextualizar esse espaço
historicamente e enfatizar a formação de seu patrimônio edificado. A respeito disso,
voltamo-nos ao fim do século XIX, quando a extração e exportação do látex de seringueira
na Amazônia acarretou grandes impactos e transformações nos modos de produção do
espaço e reprodução social nas cidades da região.

A periodização estabelecida para nosso estudo – referência necessária ao levantamento


documental iconográfico – tem relação com o momento histórico conhecido como Belle
Époque Amazônica, período de grande renovação urbana na cidade de Manaus, promovida
pela ascensão da economia da borracha. A propósito, Otoni Mesquita (2006) destaca o

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período de 1892 a 1900 como a fase de advento das principais mudanças na paisagem, e o
período de 1900 a 1910 como a Belle Époque propriamente dita, “quando se tornou possível
usufruir os melhoramentos introduzidos no período anterior” (MESQUITA, 2006, p.141).

No entanto, deve-se destacar que as transformações socioespaciais ocorridas à época, por


mais que tenham sido impulsionadas pela economia da borracha, foram fortemente
motivadas pela intenção de se afastamento do passado colonial e aproximação do ideal de
progresso em voga na Europa. Em outras palavras, essas transformações resultam de um
momento em que o continente europeu era entendido, no Brasil em geral e na Amazônia em
específico, como padrão cultural a ser alcançado e, portanto, buscava-se “atingir um estágio
de progresso compatível com a noção de modernidade” (MESQUITA, 2006, p. 142).
Naturalmente, a capital amazonense – epicentro da extração e exportação da borracha,
sobretudo para a França e o Reino Unido – torna-se uma expressão eloquente do
pensamento vigente, à medida em que seus habitantes mais influentes assim determinam.

No entanto, esse período de modernização da região Norte do país entra em declínio a


partir de 1911, quando se inicia uma acentuada queda dos preços da borracha amazônica
no mercado internacional. Isso se deveu principalmente à competição trazida pela borracha
asiática, que superou a produção amazônica por meio de uma lógica sistemática de plantio
da seringueira e com preços mais baixos, proporcionados pelas diferentes condições de
extração (DERENJI, 2012).

Uma das principais expressões desse momento da história amazônica foi a arquitetura
produzida sob seus auspícios, através da qual é possível apreender as dimensões do que
foi a Belle Époque para os diferentes extratos da sociedade de então. Do abrigo do
seringueiro, chamado de “tapiri” (DERENJI, 2012, p.96), não restam evidências materiais
além das que podem ser apreendidas de registros fotográficos, por conta do evidente
caráter perene dessas construções feitas de palha e esteiras trançadas.

É justamente na capital do estado onde a arquitetura melhor evidencia as transformações


advindas da economia da borracha e, como destaca Jussara Derenji (2012), “É marcante a
ruptura com os padrões de arquitetura coloniais, com o abandono de modelos, materiais e
formas construtivas da herança portuguesa como os sobrados azulejados, as casas
geminadas e sem jardins” (DERENJI, 2012, p.97). São importantes exemplos das novas
construções à época diversos equipamentos urbanos de grande porte, como reservatórios
de água, redes hidrossanitárias, redes de bondes para transporte público, instalações
portuárias, mercados e, em especial, monumentos arquitetônicos de grande valor cultural
como o Teatro Amazonas. A chamada Arquitetura de Ferro, composta no todo ou em parte
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de elementos industrializados produzidos principalmente no Reino Unido, tem forte presença
em Manaus (SILVA, 1986) e o Ecletismo, de viés principalmente francês, é o estilo que
melhor traduz a linguagem da Belle Époque.

Entretanto, é possível perceber as contradições trazidas com as diferenças econômicas e


sociais do período, e como o discurso de desenvolvimento e riquezas da Belle Époque
mostra apenas uma face da história. As dicotomias apresentadas na arquitetura podem ser
verificadas, conforme Jussara Derenji (2012), em como “a população pobre é afastada dos
centros e continua a erguer casas precárias em madeira, adobe e palha nas zonas baixas,
alagadas e insalubres” (DERENJI, 2012, p.97). Ademais, como pondera Otoni Mesquita
(2006),

Pelas condições de sua origem, a cidade desde muito cedo manifestou forte
tendência ao Ecletismo: a convivência de diferentes culturas no mesmo
espaço propiciava este tipo de manifestação. Na segunda metade do século
19, o viajante alemão Avé-Lallemant fez uma das primeiras observações
neste sentido. Ao descrever a aparência do lugar destacou, principalmente,
os contrastes entre uma cultura índia e outra europeia. (MESQUITA, 2006,
p.321)

De modo a explorar tais contradições e suas representações no repertório das imagens,


voltamo-nos a uma amostra da iconografia do período em questão para identificar o que
poderia, portanto, compor a multiplicidade da qual se constitui o imaginário urbano sobre o
Centro Histórico. As fotografias analisadas em nossa pesquisa – e produzidas e colorizadas
pela empresa Photographia Allemã, de propriedade do fotógrafo George Huebner (1862-
1935) e do desenhista e professor da Academia de Belas Artes de Manaus Libânio do
Amaral (?-1920) – compõem os cartões-postais que retratam a capital amazonense e
representam suas paisagens na primeira década do século XX.

Neles é possível identificar, especialmente, elementos referentes ao então recente processo


de urbanização da cidade. Para fins de análise, selecionamos alguns exemplares desses
cartões-postais, que foram agrupados conforme elementos recorrentes e tipologias
reconhecidas, sendo elas: pontes (Figura 01), ruas (Figura 02), o Porto de Manaus (Figura
03) e marcos arquitetônicos (Figura 04).

Os elementos destacados nos cartões-postais são, em geral, símbolos do progresso


instaurado na região amazônica, segundo padrões europeus. Um exemplo disso é o
contínuo retrato de bondes, estruturas de ferro e edificações em estilo eclético (Figuras 01 e

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02). No caso das pontes, é notável como contrastam com os igarapés e as matas nos seus
arredores e sugerem a progressiva realização do desejo positivista de domínio do mundo
natural (Figura 01).

Figura 01 - Cartões-postais retratando pontes da cidade de Manaus, produzidos pela empresa


Photographia Allemã em 1909.

Fonte: Biblioteca Nacional, 2021.

Figura 02 - Cartões-postais retratando ruas da cidade de Manaus, produzidos pela empresa


Photographia Allemã em 1909.

Fonte: Biblioteca Nacional, 2021.

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Percebe-se, também, o protagonismo do Porto de Manaus nos cartões-postais levantados e
analisados (Figura 03), o que é compreensível considerando a importância desse espaço
para a exportação da borracha que movia todas essas transformações urbanas e a
importação de materiais, equipamentos e pessoas necessários para tanto. Assim, a imagem
transmitida pode ser uma forma de marketing e de escolha consciente de projeção – e como
nos lembra Baczko (1985), temos que “a história do savoir-faire no domínio dos imaginários
sociais confunde-se em grande parte com a história da propaganda” (BACZKO, 1985,
p.300).

Figura 03 - Cartões-postais retratando o Porto de Manaus, produzidos pela empresa Photographia


Allemã em 1909.

Fonte: Biblioteca Nacional, 2021.

A apresentação, nos cartões-postais, de arquiteturas ecléticas de grande porte é outro ponto


a ser destacado, pois são recorrentes as imagens do Teatro Amazonas e de monumentos
que sediam instituições educacionais como o Ginásio Amazonense, instalações militares
como o Quartel do Regime Militar do Estado e espaços religiosos católicos como a Igreja da
Matriz e a Igreja de São Sebastião (Figura 04). Tal ênfase em arquiteturas relacionadas a
organizações que desempenham poder e dominação simbólica nesse momento de
transformação da sociedade amazonense nos faz retomar o pensamento de Baczko (1985),
quando afirma que: “A influência dos imaginários sociais sobre as mentalidades depende em
larga medida da difusão destes e, por conseguinte, dos meios que asseguram tal difusão”
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(BACZKO, 1985, p.313). Ou seja, é perceptível como tais cartões-postais veiculam o
discurso da cidade que essas organizações buscavam produzir e reproduzir, discurso esse
cuja transmissão contou, decisivamente, com notórios fotógrafos e outros artistas de então.

Figura 04 - Cartões-postais retratando marcos arquitetônicos da cidade de Manaus, produzidos pela


empresa Photographia Allemã em 1909.

Fonte: Biblioteca Nacional, 2021.

Entretanto, para além do que está representado nesses cartões-postais, é preciso refletir
também sobre o que não foi representado, como sugere Georges Didi-Huberman (1998) ao
nos convidar a também experimentar o que não vemos, o que nos alcança pela ausência.
Nessa perspectiva, destaca-se a obra de Edinea Mascarenhas (1999) dedicada à Manaus
que não se vê nos relatos da Belle Époque, o que a autora chama de “Ilusão do Fausto”,
nome que dá a seu livro.

Ainda a respeito do que não vemos, Mesquita (2020) evidencia o caráter contraditório da
capital Manaus ter seu nome originário da etnia Manaó, com grande relevância na história
da região, inclusive quando de sua colonização por europeus. Porém, como aponta o autor,
a despeito das contribuições capitais desse e de outros grupos ameríndios na formação
cultural e étnica das sociedades amazônicas, no passado e no presente, eles pouco ou
nada aparecem nas representações da Belle Époque.

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Da mesma forma, é preciso lembrar que muito do que “não se vê” foi fruto de escolhas
conscientes ou inconscientes, já que “no comportamento humano, o traço fundamental é a
opção, a seleção, a possibilidade de mudanças que criam novas condições de escolha – e,
por isso mesmo, a variedade e a heterogeneidade” (Meneses, 1996, p.90). Em relação às
escolhas associadas às fotografias que estudamos, é preciso considerar que, por terem a
finalidade de compor cartões-postais – uma das mídias iconográficas de maior popularidade
e universalidade à época – o que se apresenta são primordialmente representações do que
se deseja veicular acerca da Manaus do início do século passado. Ou seja, a imagem de
uma cidade onde prospera a economia e viceja o ideal positivista de “Ordem e Progresso”.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À vista do exposto, é possível afirmar que predomina nos cartões-postais levantados e


analisadas, justa ou injustamente, um discurso de modernidade que contribui para a difusão
de uma imagem de Manaus enquanto uma Paris dos trópicos, mesmo quando os espaços
arquitetônicos e urbanísticos retratados estão sobrepostos a elementos naturais da
exuberante paisagem amazônica – ou, talvez, principalmente por isso. No entanto, não
obstante a preferência desses cartões-postais pela temática arquitetônica e urbanística, é
presumível que não contemplem a totalidade de referências culturais edificadas existente à
época no que é hoje o Centro Histórico de Manaus e, menos ainda, do que é hoje a cidade
de Manaus.

A propósito, talvez seja possível afirmar, também, que a imagem de Manaus enquanto uma
Paris em meio à Floresta Amazônica, ensejada pela prosperidade advinda da extração e
exportação de um valioso elemento natural que a compunha, foi fundamental não apenas na
estruturação do imaginário nacional e internacional sobre Manaus, mas também no
processo de patrimonialização de seu Centro Histórico. Em conformidade com essa imagem
longeva e resiliente, outras referências culturais ficaram em segundo plano ou foram
excluídas, tanto pelos cartões-postais do início do século XX quanto pela motivação à
patrimonialização no início do século XXI.

Portanto, em continuidade à pesquisa, entendemos que será vantajosa ampliar a busca por
fontes iconográficas que retratem Manaus antes, durante e depois da Belle Époque
Amazônica, de modo a incluirmos fontes produzidas por outros autores e com diferentes
finalidades e, assim, darmos margem a maiores possibilidades de interpretação e

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exploração da diversidade de visões que constituem o imaginário urbano acerca do Centro
Histórico de Manaus.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional


Casa da Moeda, 1985, volume 5.

DERENJI, Jussara. A Tangível Herança de um Período Efêmero. Arquitetura da Borracha na


Região Amazônica. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). Amazônia: Ciclos de Modernidade.
São Paulo: Zureta, 2012, p, 98-99. Disponível em:
http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/AmazoniaCiclosModer.pdf

DIAS, Edinea Mascarenhas. A ilusão do Fausto: Manaus 1890-1920. Manaus: Valer, 1999.

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Trad. Paulo Neves. São Paulo:
Editora 34, 1998.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. PÓS: Revista do Programa


de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, nov. 2012. – abr.
2013. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15454.
Acesso em: 10 jul. 2021.

DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Tradução: Carlos Aboim de Brito. Lisboa:


Presses Universitaires de France, 1964.

FREIRE, Cristina. Além dos mapas: os monumentos no imaginário urbano contemporâneo.


São Paulo: SESC, 1997.

IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Manaus (AM) [online]. 2021.
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/104.

IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Tombamento do Centro


Histórico de Manaus: Dossiê. Manaus: Iphan, 2012.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 2003.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao
estudo histórico da iconografia urbana. Revista USP: Brasil dos viajantes, São Paulo, n. 30,
1996.
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MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Os “usos culturais” da cultura: Contribuição para
uma abordagem crítica das práticas e políticas culturais. In: YASIGI, Eduardo (org.).
Turismo, paisagem e cultura. São Paulo: Hucitec, 1996.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. et al. A cidade como bem cultural: áreas envoltórias
e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano.
[Debate]. Patrimônio: atualizando o debate [s.l: s.n.], 2006. São Paulo: IPHAN.

MESQUITA, Otoni. Manaus: História e Arquitetura (1852-1910). 3. ed. rev. Manaus: Valer,
2006.

MESQUITA, Otoni. Roteiro para uma prospecção das origens da cidade de Manaus. In:
PEDROSA, Tatiana, et. al. (Org.) Amazônia: História, Conflitos e Memória. Rio de Janeiro:
Letra Capital, 2020.

PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: Nobel, 1986.

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EIXO TEMÁTICO - A preservação dos acervos - Arquivos e acervos.

JF PATRMÔNIO
Guia Virtual do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora

OLIVEIRA, MÁRCIO HENRIQUE DE (1);

1. Universidade Federal de Juiz de Fora. Programa de Pós-Graduação em Comunicação


mhojfmg@gmail.com

RESUMO
O artigo apresenta a proposta de desenvolvimento do aplicativo JF Patrimônio - Guia Virtual do
Patrimônio Cultural de Juiz de Fora, tendo como premissa a ideia de design universal e inclusivo,
conforme Barbosa (2019), com projeto centrado no utilizador do produto/aplicação. A utilização de
metodologia adotada na criação de aplicativos para dispositivos móveis busca estruturar as soluções
aqui sugeridas, através das quais se pretende potencializar a divulgação do patrimônio cultural por
meio das mídias digitais e possibilitar, através de recursos tecnológicos, a interação dos utilizadores
da aplicação com dinâmicas associadas à educação patrimonial, supostamente capazes de despertar
o interesse dos indivíduos pela diversidade cultural e suas representações patrimoniais. Objetiva-se,
com a publicação do aplicativo, oferecer amplo acesso a informações relativas ao patrimônio cultural
juiz-forano. Para tanto, são consideradas a sistematização e a publicação, em meio digital, de
conteúdo relativo à lista de bens patrimoniais do órgão de preservação local.

Palavras-chave: Patrimônio cultural. Turismo sustentável. Mídias digitais móveis. Educação


patrimonial. JF Patrimônio.

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1 Introdução
Derivada da palavra inglesa application, a sigla app costuma ser utilizada como referência a
uma aplicação, ou aplicativo desenvolvido para dispositivos eletrônicos móveis, apesar de
sua utilização não se restringir aos smartphones e tablets. Os apps são programas de
software – com capacidade de funcionamento on-line e off-line – que auxiliam a realização
de determinadas tarefas, com diferentes finalidades, conforme os objetivos para os quais
foram criados. São geralmente adquiridos de forma gratuita nas chamadas lojas de
aplicativos e devem ser instalados no aparelho para funcionar de forma integrada com os
sistemas operacionais que gerenciam seus recursos.

Pretendemos a promoção do acesso à informação e a possibilidade de manifestação e


compartilhamento de opiniões por parte dos utilizadores de mídias digitais móveis – em
especial os smartphones. Para tanto, propomos a utilização do aplicativo JF Patrimônio
como recurso auxiliar para a educação patrimonial, entendida como “[...] todos os processos
educativos formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural, apropriado
socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em
todas as suas manifestações [...]” (IPHAN, 2014, recurso on-line).

O aplicativo proposto tem como premissa a ideia de design universal e inclusivo, conforme
Barbosa (2019), com projeto centrado no utilizador do produto/aplicação. Partimos de
metodologia adotada na criação de aplicativos para dispositivos móveis, visando estruturar
as soluções sugeridas, através das quais buscamos potencializar a divulgação do
patrimônio cultural por meio das mídias digitais e possibilitar a interação dos utilizadores da
aplicação com dinâmicas associadas à educação patrimonial, supostamente capazes de
despertar o interesse dos indivíduos pela diversidade cultural e suas representações
patrimoniais.

A proposta de desenvolvimento do aplicativo JF Patrimônio foi inscrita como projeto


proponente do Programa Cultural Murilo Mendes, mantido pela Prefeitura de Juiz de Fora –
Minas Gerais, Brasil –, com o objetivo de assegurar recursos para incentivar e impulsionar a
produção da cultura local, tendo completado, em 2019, 25 anos de existência. Mais
conhecido como Lei Murilo Mendes, o instrumento contou, em suas últimas edições, com
contribuições e sugestões da classe artística da cidade, com vistas ao aperfeiçoamento da
legislação. Houve, ainda, a inclusão de propostas de melhorias realizadas por parte do
Conselho Municipal de Cultura (Concult).

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2 Proposta de desenvolvimento do aplicativo JF PATRIMÔNIO

O desenvolvimento do aplicativo JF Patrimônio tem como objetivo a oferta de amplo acesso


a informações relativas ao patrimônio cultural juiz-forano através da publicação, em meio
digital, de conteúdo relativo à lista de bens patrimoniais do órgão de preservação local (Juiz
de Fora possui, atualmente, 194 imóveis e 26 monumentos em praças públicas tombados,
além de nove bens imateriais registrados). Interessa-nos, portanto:

. divulgar, por meio de um aplicativo para dispositivos móveis, informações relativas


aos processos que redundaram no reconhecimento desses bens como patrimônio cultural;

. incentivar a visita física, quando permitida, aos bens patrimoniais divulgados pelo
aplicativo;

. estimular a interação dos utilizadores do aplicativo com dinâmicas relacionadas às


tecnologias empregadas, visando o aprendizado em ambiente virtual, por meio da educação
patrimonial.

Pretendemos, assim, o desenvolvimento de uma aplicação para smartphones e tablets


constituída por apps “nativos” dos sistemas operacionais Android e IOS, e por uma
Progressive Web App (PWA). Como estratégia para a otimização de suas funcionalidades, a
aplicação deverá ser integrada a tecnologias de geolocalização e marketing de proximidade.
Trata-se, portanto, de um guia sobre o patrimônio cultural material e imaterial de Juiz de
Fora, com informações georreferenciadas relativas a cada bem listado pelo órgão de
preservação do patrimônio cultural da cidade.

O projeto do aplicativo JF Patrimônio foi estruturado a partir da metodologia citada por


Barbosa (2019), com vistas ao conceito de “Design Centrado no Utilizador” (DCU). Pela
descrição das cinco fases propostas pelo autor – estratégias, escopo ou esfera de ação,
estrutura, esqueleto e superfície –, considera-se como função principal da aplicação a
informação relativa ao patrimônio cultural da cidade de Juiz de Fora. As estratégias de
engajamento utilizadas são entendidas como supostamente capazes de despertar o
interesse dos indivíduos utilizadores do aplicativo em relação aos processos que constituem
a atribuição de valor patrimonial a determinado bem, suas consequências e objetivos de
preservação e sustentabilidade. Sugerimos, também, a possibilidade de fomento do
interesse dos juiz-foranos e dos turistas relativamente à história da cidade – representada
pelo patrimônio cultural local –, o que poderia gerar o interesse pela visita física aos bens,
conjugada com uma espécie de “ampliação da percepção do visitante”, por meio de
conteúdo digital.

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O DCU tem por referência o design inclusivo e universal. Neste sentido, a estratégia que
pretendemos empregar para garantir acesso ao maior número de pessoas, prevê a
incorporação de recursos que permitem a utilização do aplicativo por indivíduos com
distintas capacidades. Para tanto, a aplicação deverá ser integrada com os pacotes de
acessibilidade disponibilizados pelos sistemas operacionais Android e IOS, tais como:
conversão de texto em voz; leituras em segundo plano (permitem a continuidade de leitura
mesmo após a mudança de tela); leitura de textos associados a imagens; ampliação da tela;
correções de cor; acesso com interruptor externo (dispositivo externo que verifica os itens na
tela, destacando um por vez, até que se faça uma seleção); etc. Pretende-se, ainda, a
disponibilização das informações através da narração de áudios correspondentes aos textos
publicados, bem como a tradução dos mesmos por vídeos com interpretações em Língua
Brasileira de Sinais (Libras).

O aplicativo possibilitará a interação dos seus utilizadores com o conteúdo informativo


publicado, através de: opiniões e sugestões sobre a aplicação; compartilhamento do
conteúdo em redes sociais; registro de comentários pessoais relativos às informações
publicadas; recebimento de notificações conforme a posição geográfica. Serão oferecidas
orientações a respeito da localização e das características próprias de cada bem
patrimonial, permitindo a consulta a mapas com rotas de acesso, textos informativos,
imagens, áudios ou vídeos ilustrativos, além de links para contato direto com as instituições
responsáveis ou pessoas proprietárias dos bens culturais. Ressaltamos, por fim, a busca
pela complementariedade de experiências geradas a partir da “fruição estética”
proporcionada pela visita a um determinado bem cultural, associada às informações
disponibilizadas pelo uso do aplicativo.

O desenvolvimento do projeto vale-se de uma plataforma preexistente e “customizável”,


estruturada por um Sistema de Gestão de Conteúdo (SGC) que oferece integração com as
seguintes tecnologias e suas correspondentes finalidades:

. Conexão interna com os recursos disponibilizados pelos dispositivos móveis, tais


como câmera, bluetooth, GPS, pacotes de acessibilidade etc.: possibilita o acesso a
informações geolocalizadas sobre o utilizador – caso o mesmo concorde com o uso de tal
função –, além do compartilhamento em rede de dados hospedados no aparelho;

. Listas de conteúdo geolocalizado: permite a inserção de informações através de


vídeos, áudios, imagens, textos, mapas e botões para a identificação e interação com um
determinado item – no caso do JF Patrimônio, cada bem cultural listado –, a partir do qual é

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gerado um conjunto de coordenadas geográficas que permitem elaborar o conteúdo
baseado na localização de quem irá acessá-lo;

. Leitor de QR Code: proporciona a leitura de códigos de barras em duas dimensões


– digitais ou impressos – que, após a sua decodificação, passam a ser um trecho de texto
e/ou um link para redirecionar o acesso a um determinado conteúdo publicado por aplicativo
ou site na web. Tal recurso pode gerar uma espécie de “ampliação” da experiência concreta,
pela ideia de “realidade aumentada” (RA), ao proporcionar a leitura de um objeto físico que
permite o acesso a dados digitais;

. Notificações remotas: conhecidas do inglês como push, cuja tradução direta seria
“empurrão”, são mensagens de textos com links de acesso a outras informações disponíveis
na web, ou aos recursos do próprio aparelho. Enviadas pelo aplicativo para o dispositivo
móvel de uma pessoa que forneceu permissão para receber esse tipo de alerta, com a
intenção de estabelecer novas interações e comunicação entre o app e seu utilizador;

. Conexão com beacons: do inglês, “faróis”, pequenos dispositivos eletrônicos para


comunicação sem fio, que funcionam como um aparelho geolocalizador de proximidade,
emitindo informações via Bluetooth Low Energy (BLE). São apropriados para o envio de
notificações para dispositivos móveis em ambientes fechados – espécie de GPS indoor –,
servindo como gatilho para uma determinada ação executada pelo aplicativo e podendo
atingir distâncias de poucos centímetros a algumas centenas de metros;

. Geofencing SMS (GMS): tecnologia que define um limite virtual em torno de um


determinado ponto geográfico do mundo real, permitindo o envio de mensagens para um
público-alvo específico, no momento desejado. Baseia-se no uso de Sistemas de
Posicionamento Global (GPS) para definir um limite geolocalizado. Uma vez estabelecida a
área de geofencing, o administrador do aplicativo pode configurar disparadores que enviam
mensagens de texto, alertas de e-mail, ou notificações, quando um dispositivo móvel entra,
sai, ou permanece por um determinado tempo na área especificada, que pode abranger um
raio de alguns quilômetros de distância em relação ao ponto central;

. Compartilhamento das informações através de redes sociais e acesso a aplicativos


de mensagens instantâneas e ao telefone do dispositivo: utilizados para comunicação direta
com outros smartphones, bem como com apps e sites externos;

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. Sistema de fidelização de visitantes: controlado por pontuação gerada a partir de
determinadas ações, que podem ser convertidas em premiações.

Outra ação a ser considerada para o desenvolvimento do JF Patrimônio trata-se da


utilização do chamado marketing de proximidade, possível pela comunicação realizada
através de notificações enviadas conforme o posicionamento geográfico do indivíduo,
através de dispositivos beacons e do Geofencing SMS (GMS), em que a comunicação direta
com os utilizadores cadastrados no aplicativo, que assim o permitirem, oferece informações
adicionais em seus aparelhos. Tal ação pode ser associada, também, a estratégias relativas
à gamificação, “[...] termo utilizado atualmente para designar o uso de elementos de jogos
(analógicos e digitais) em sistemas e artefatos que tradicionalmente não possuem aspectos
ou fins lúdicos” (SANTAELLA; NESTERIUK; FAVA, 2018, p. 9), com a criação de desafios e
dinâmicas que estimulem o conhecimento sobre o patrimônio cultural juiz-forano e ofereçam
recompensas para o engajamento do utilizador. Por fim, a possibilidade de leitura dos QR
Codes poderá ser utilizada como meio de acesso a informações digitais que complementem
a visita física ao bem cultural.

Os recursos acima listados atendem às necessidades tecnológicas para o desenvolvimento


das estratégias propostas, quais sejam: 1) possibilitar o amplo acesso – considerando os
recursos de acessibilidade – a informações sobre a lista de patrimônios culturais listados
pelo órgão de preservação de Juiz de Fora; 2) associar tais informações às localizações do
utilizador do aplicativo e do bem cultural listado, permitindo a orientação por rotas para
acesso físico aos bens; 3) em caso de consentimento, permitir o acesso a informações
externas e o contato direto com as instituições e proprietários dos bens listados; 4) criar e
aplicar dinâmicas com base no conceito de gamificação para estimular a educação
patrimonial e a visita aos bens culturais; 5) incentivar o compartilhamento de opiniões e
registros de utilizadores relacionados ao patrimônio cultural juiz-forano e, por fim; 6)
proporcionar a ampliação da percepção do bem cultural através do acesso a conteúdos
digitais pela leitura de QR Codes.

Salienta-se que, no caso da utilização de dispositivos móveis, conceitos específicos de


usabilidade estão relacionados, de acordo com Barbosa (2019), à redução de números de
cliques necessários para a execução de determinada tarefa, à manutenção apenas das
funcionalidades realmente necessárias e de um conteúdo estritamente essencial, com a
possibilidade de acesso a outras informações através de links e botões. São necessários,
ainda: a qualidade estética e funcional da interface; o desenvolvimento de uma aplicação
com referências a outros modelos, já conhecidos e utilizados; o claro entendimento dos

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símbolos, imagens e palavras empregadas no ambiente frequentado pelo utilizador, que
deverá reconhecer e organizar apropriadamente as informações e, por fim; tarefas e funções
propostas pela aplicação, cuja “navegação” deverá ser facilitada, podendo recorrer a
janelas, caixas de diálogo, menus e painéis de controle, com vistas a satisfazer os conceitos
relacionados ao User Experience Design (UX).

O “Design Centrado no Utilizador” (DCU) deverá, portanto, considerar os possíveis


desfechos das ações realizadas com o produto, compreendendo as expectativas geradas
durante o processo de uso, objetivando a fruição de experiências eficientes que cativem e
envolvam o indivíduo. Outro conceito relevante para projetos acessíveis à maioria das
pessoas, independentemente de suas capacidades físicas ou mentais, é o de “Design
Universal”. Desenvolvido, conforme Barbosa (2019), na década de 1980 pelo arquiteto
norte-americano Ronald Mece, em conjunto com outros designers e projetistas, refere-se ao
que hoje se traduz como “design inclusivo”, em que os produtos projetados não necessitam
de adaptações ou soluções especiais para a sua utilização por indivíduos com distintas
capacidades, inclusive aqueles com mobilidade reduzida ou condicionada, tais como os
cadeirantes, os que não conseguem percorrer grandes distâncias, pessoas com dificuldades
sensoriais – cegas ou surdas, por exemplo – e aquelas que se apresentam transitoriamente
condicionadas, como as grávidas, as crianças e os idosos.

A aprovação do projeto JF Patrimônio – Guia Virtual do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora


pelo Programa Cultural Murilo Mendes, que assegura sua realização – ora em curso –,
justifica a necessidade de meios de divulgação que promovam o acesso a informações
sobre o patrimônio cultural da cidade. Ressaltamos, ainda, o fato de Juiz de Fora não
possuir, atualmente, nenhuma solução tecnológica destinada exclusivamente a tal objetivo,
contando apenas com publicações impressas entre as quais se destacam dois “guias de
bolso” – Guia dos Bens Tombados de Juiz de Fora (2002) e Memória da Urbe - Bens
Tombados (2004), publicados por iniciativa da Prefeitura de Juiz de Fora e da Fundação
Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa). Tais publicações reúnem informações sobre os
bens listados pelo órgão de preservação local até a data de lançamento das mesmas, que
deverão servir de referência, juntamente com os decretos de tombamento e registro dos
bens, para a criação do conteúdo textual a ser publicado no aplicativo, considerando-se a
atualização das informações até o momento atual, além de futuras ações que incluam novos
bens na lista do patrimônio cultural da cidade.

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Após a definição das estratégias empregadas para o desenvolvimento do aplicativo JF
Patrimônio, torna-se necessário sintetizar, conforme Barbosa (2019), os pontos mais
relevantes do projeto, os quais entendemos como:

. O que é: uma aplicação para dispositivos móveis com informações sobre o


patrimônio cultural de Juiz de Fora;

. Objetivo: possibilitar o amplo acesso, inclusivo e gratuito, às informações


publicadas, por parte de residentes e turistas;

. Público-alvo: residentes e turistas que se interessem pelas informações


disponibilizadas, com faixa etária estimada entre os adolescentes-jovens (15 a 17 anos) e os
idosos (mais de 60 anos) – o acesso de pessoas com distintas capacidades físicas ou
mentais deverá ser considerado;

. Premissas: seguir os conceitos relativos ao “Design Centrado no Utilizador” (DCU).

Tendo por base as estratégias e o escopo anteriormente previstos, procuramos apresentar a


estrutura do aplicativo, representada abaixo por um fluxograma (Figura 1) referente às telas
que compõem o processo de utilização das mesmas (navegação) através das ligações
(links) disponíveis. A aplicação deverá apresentar uma imagem introdutória, com o logotipo
do app, direcionando o utilizador, em seguida, à tela principal, na qual ele encontrará as
quatro seções mais relevantes do aplicativo:

1) Patrimônio de todos – com informações sobre o aplicativo e sua usabilidade;

2) Patrimônio material – com acesso à lista de bens materiais tombados pelo


município;

3) Patrimônio imaterial – com acesso à lista de bens imateriais registrados pelo


município;

4) Jogo do patrimônio – com acesso aos desafios propostos para o engajamento do


utilizador com o aplicativo, valendo-se das estratégias da gamificação com vistas à
educação patrimonial.

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Figura 1 – Fluxograma de navegação do aplicativo JF Patrimônio

Fonte: Elaborado pelo autor.

Barbosa (2019) aponta para as vantagens proporcionadas por um tipo de protótipo de baixa
fidelidade, representado por desenhos simples, denominado wireframe, cujo objetivo é
auxiliar o designer na definição do conjunto de elementos interativos presentes em cada
uma das telas, servindo como um primeiro esboço para a visualização do projeto gráfico e
facilitando a criação, a modificação e a iteração, com a identificação de eventuais problemas

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e a rápida possibilidade de alterações definidoras dos requisitos a serem empregados pelo
sistema. A seguir, apresentamos o “esqueleto” a ser utilizado pelo aplicativo JF Patrimônio.

Figura 2 – Proposta de wireframe para as telas do aplicativo JF Patrimônio

Fonte: Elaborado pelo autor.

Com base nas observações de Barbosa (2019) relativamente aos elementos definidores da
“superfície” de uma aplicação para dispositivos móveis, bem como nas estratégias e
objetivos apontados para a criação do JF Patrimônio, partimos para a definição do leiaute a
ser empregado no aplicativo, com a descrição das funções dos elementos que o constituem.
Serão relacionadas, por fim, as estratégias previstas para a utilização dos recursos
adicionais, voltados para o marketing de proximidade, além de possíveis usos do QR Code
e da gamificação como estímulos à visitação dos bens culturais e à educação patrimonial.

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3 Descrição do aplicativo JF PATRIMÔNIO

O fluxograma e o wireframe sugeridos para orientar a criação do aplicativo JF Patrimônio,


juntamente com as considerações apontadas em cada fase da metodologia citada por
Barbosa (2019), servirão de referência para a definição dos elementos gráficos e suas
funções para a interface. Apresentamos, a seguir, parte de um mockup com ilustrações que
definem, inicialmente, a composição visual e as funções dos elementos gráficos das telas.
Reiteramos, ainda, que os testes de usabilidade e acessibilidade do projeto ora proposto
serão objeto de futuros estudos, a serem realizados durante o seu desenvolvimento.

3.1 Elementos gráficos e funções

A página (tela) inicial de um aplicativo, tecnicamente conhecida como splash screen, é a


primeira a ser acessada pelo utilizador, servindo, geralmente, para a apresentação de uma
marca ou imagem durante a realização de algum tipo de pré-processamento. Para a
apresentação do projeto ao Programa Cultural Murilo Mendes, foi criado um logotipo
específico para o JF Patrimônio, que faz referência a um símbolo do patrimônio local. Trata-
se do painel “As Quatro Estações”, construído artesanalmente em azulejos e projetado pelo
pintor brasileiro Cândido Portinari – instalado na fachada do edifício Clube Juiz de Fora em
1956. As fontes escolhidas para a marca (Magic e Futura) procuraram reforçar – pelo
aspecto manuscrito e tradicional da primeira em contraposição ao caráter moderno da
segunda – as relações entre passado, presente e futuro nas discussões sobre a relevância
da preservação do patrimônio cultural. A utilização das cores azul, vermelho e verde – com
algumas variações de tons –, fazem referência às cores da bandeira de Juiz de Fora. O
logotipo será destacado na tela de abertura do aplicativo, considerando-se a possibilidade
de inserção de uma imagem de fundo, desde que a leitura não seja prejudicada.

O modelo de composição dos elementos gráficos definido para as seções principais do


aplicativo deverá ser seguido pelas demais telas que apresentam informações textuais,
eventualmente acrescidas de imagens, vídeos, mapas, formulários e botões com links para
contato.

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Figura 3 – Logotipo e telas dos aplicativo JF Patrimônio

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Fonte: Elaborado pelo autor.

As telas com as descrições individuais dos bens também contam com ícones, na parte
superior do aparelho, para adicionar o bem cultural à lista de favoritos do utilizador, o
compartilhamento do conteúdo nas redes sociais e o envio de comentários. Por fim, a tela
relativa ao que chamamos de “Jogo do patrimônio” apresentará as dinâmicas a serem
desenvolvidas com base em desafios que serão propostos como estímulo ao engajamento
das pessoas com o tema do patrimônio cultural juiz-forano. Nesse sentido, possíveis
soluções a serem adotadas, bem como a utilização do marketing de proximidade e do leitor
de QR Code do aplicativo, são descritas a seguir.
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3.2 Estratégias de marketing de proximidade, gamificação e “realidade
aumentada”

O Sistema de Gestão de Conteúdo (SGC) utilizado para o desenvolvimento do JF


Patrimônio oferece uma área administrativa cujo acesso se dá por “navegadores” (browsers)
convencionais, possibilitando o controle do conteúdo publicado e permitindo adicionar,
remover ou atualizar informações. Além disso, proporciona acesso a dados estatísticos
sobre o uso do aplicativo, ao gerenciamento de ações de marketing de proximidade e à
definição de processos de “fidelização” do utilizador baseados em check-in geolocalizado,
compartilhamento em redes sociais e leitura de QR Code.

As “estatísticas de acesso” informam sobre o uso do aplicativo de acordo com datas,


horários, tipo de dispositivo e sistema operacional utilizados, informando, também, sobre a
origem e o tempo das visualizações de página e seções de uso. A área administrativa do
SGC permite, ainda, o acesso à lista de utilizadores cadastrados e seus respectivos dados
de contato, que poderão ser organizados por grupos pré-definidos, capazes de receber
notificações específicas, de acordo com suas características ou preferências, sendo
disparadas pelo aplicativo. O envio de notificações remotas push pode ser programado com
base na definição de grupos, permitindo a adaptação da mensagem a ser enviada, da ação
a ser executada quando o utilizador clica sobre a mensagem recebida, da data e do horário
de envio, dos dispositivos destinatários e do tipo de alerta a ser disparado pelo aparelho
utilizado. As notificações também poderão ser programadas conforme as estratégias a
serem adotadas para ações de marketing de proximidade.

O marketing de proximidade, estratégia de comunicação pela qual notificações são enviadas


para dispositivos móveis através de localizadores (GPS) dos aparelhos, sinal de wi-fi, ou
tecnologia Bluetooth, permite que o indivíduo cadastrado no aplicativo receba mensagens
instantâneas, de acordo com a sua localização geográfica. Destacamos, aqui, as
possibilidades de interação do JF Patrimônio com seus utilizadores, conforme as
considerações de Carvalho (2015), que enfatizam o uso dos dispositivos móveis no contexto
didático-pedagógico a partir de três eixos principais: “sondar e testar”, “representar o
conhecimento” e “desafiar a aprender”.

Os recursos relacionados à geolocalização dos indivíduos e dos bens patrimoniais listados


no JF Patrimônio valem-se dos dispositivos beacons e do Ggeofencing SMS (GMS). Sua
aplicação também é gerenciada através da área administrativa do aplicativo, permitindo a
escolha dos locais em que serão aplicados, definidos a partir de coordenadas geográficas
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que se referem a pontos localizados em ambientes internos e fechados (beacons), ou em
ambientes externos e abertos (geofences), conforme ilustrado abaixo.

Figura 4 – Esquema da comunicação por beacon e geofence

Fonte: Elaborado pelo autor.

O beacon deve ser afixado em um determinado local de um ambiente fechado (indoor) para
identificar a presença de smartphones cadastrados no aplicativo e enviar mensagem
instantânea como gatilho para uma determinada ação a ser executada (link para
informações externas ou do próprio aplicativo). No caso do uso relacionado aos bens
culturais materiais, poderão servir para o envio de links associados a estratégias de
gamificação, tais como, a realização de check-in em um local pré-determinado ou a leitura
de QR Code pelo app situado no interior do bem patrimonial, servindo para a aquisição de
pontos pelo utilizador, que poderão ser trocados por recompensas ou informações que
permitam a realização de uma ação no espaço físico. Destaca-se, ainda, a associação
dessa tecnologia ao GSM (geofences), que se caracteriza pela utilização do mesmo tipo de
recurso em ambientes abertos – auxiliado pelo uso do Sistema de Posicionamento Global
(GPS) –, com uma faixa de atuação bem maior. Nesse sentido, as estratégias de
engajamento do utilizador de um aplicativo, como as que são utilizadas pelo chamado
geocaching, são capazes de gerar efeitos positivos para a revelação de locais de
importância patrimonial, valendo-se de dinâmicas próximas das que são conhecidas por
experiência de “caça ao tesouro”, como destacado por Cruz e Marques (2015).

Em relação ao uso de QR Code e à possibilidade de realizar sua leitura através do aplicativo


JF Patrimônio, ressaltamos a aplicação do conceito de “realidade aumentada” (RA) em

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experiências que envolvem a interação de pessoas com o ambiente físico, capazes de
fornecer acesso a informações complementares através de conteúdo digital. A leitura dos
códigos é um recurso que se assemelha à ideia de RA (possível de ser melhor
experimentada por recursos mais avançados, além dos que são, aqui, utilizados) e permite,
portanto, a “ampliação” da realidade percebida pelo indivíduo, ao combinar informações
reais e virtuais. Em se tratando do patrimônio cultural, tal recurso pode ser bastante útil para
o acesso a informações com objetivos didático-pedagógicos relacionados aos bens,
podendo estimular a interação dos utilizadores com as dinâmicas relacionadas à
gamificação, que deverão ser pensadas com base na utilização das mecânicas associadas
aos jogos, podendo ser incorporadas em experiências que permitam, conforme Domingues
(2018), engajar pessoas, resolver problemas e melhorar o aprendizado, motivando ações e
comportamentos em ambientes fora do contexto de jogos.

Para finalizar, reiteramos novamente que os testes de usabilidade e acessibilidade do


aplicativo, bem como a validação das dinâmicas de gamificação a serem criadas com o
objetivo de proporcionar a ampla divulgação do patrimônio cultural juiz-forano através do JF
Patrimônio, serão objetos de futuros estudos, capazes de corroborar os objetivos aqui
pretendidos. Como contrapartida do projeto apresentado ao Programa Cultural Murilo
Mendes, foi prevista a criação de um e-book com informações sobre o processo de
tombamento e registro do patrimônio cultural de Juiz de Fora, para o esclarecimento de
dúvidas sobre direitos e deveres dos proprietários de bens tombados. Além disso, a
publicação apresentará instruções de uso do aplicativo e será disponibilizada ao Conselho
Municipal de Patrimônio Cultural (Compac) para distribuição e divulgação a quem possa
interessar.

Como forma de divulgação do aplicativo JF Patrimônio, foi previsto o investimento em peças


publicitárias, tais como panfletos, cartazes e banners. Tal iniciativa deverá contar, ainda,
com um planejamento de marketing digital, a criação de um site e de canais de
comunicação em redes sociais, com ações voltadas para incentivar o interesse pelo
patrimônio cultural de Juiz de Fora.

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4 Conclusão

As definições acima propostas servem de base para a definição das estratégias de


desenvolvimento do aplicativo JF Patrimônio – Guia Virtual do Patrimônio Cultural de Juiz de
Fora, projeto contemplado pelo Programa Cultural Murilo Mendes, que gerencia a lei
municipal de incentivo à cultura de Juiz de Fora. Para tanto, procuramos empregar uma
metodologia voltada para o design inclusivo, centrado no utilizador, pelo qual se busca a
fruição de experiências eficientes capazes de cativar e envolver o indivíduo, considerando o
aspecto de acessibilidade universal.

Propusemos, assim, o desenvolvimento de uma aplicação que permite a integração de


recursos aptos a estimular o processo de educação patrimonial por meio das mídias digitais
móveis, conforme as alternativas anteriormente apontadas, em que se destacam: o uso da
geolocalização como referência para a comunicação com os utilizadores; a possibilidade de
ampliação da percepção do espaço físico por meio do conteúdo digital disponibilizado,
relativo ao patrimônio cultural e; o emprego de estratégias e recursos de jogos com outras
finalidades, distintas do puro entretenimento – no caso do JF Patrimônio, direcionados para
a aprendizagem.

Outra preocupação destacada no processo de desenvolvimento do aplicativo proposto diz


respeito ao alargamento do foco direcionado à ergonomia do sistema, com uma perspectiva
voltada para as ações recorrentes do indivíduo que proporciona a criação de projetos
acessíveis à maioria das pessoas, independentemente de suas capacidades físicas ou
mentais. Com isso, procuramos estabelecer parâmetros para o projeto gráfico da interface
que consideraram as recomendações de um produto cujo design é centrado no seu
utilizador, visando a facilitação de interações dos indivíduos com os dispositivos móveis e
proporcionando o acesso universal ao conteúdo publicado.

Ressaltamos, por fim, a necessidade de estudo posteriores capazes de validar as soluções


aqui propostas. Nesse sentido, reafirmamos a possibilidade de execução de testes para a
aferição das alternativas ora apresentadas, considerando que o processo de
desenvolvimento da aplicação foi assegurado por recursos provenientes do Programa
Cultural Murilo Mendes e encontra-se em fase de execução.

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REFERÊNCIAS

ALVES, Luiz; CARVALHO, Paulo. Geocaching e descoberta/valorização de territórios rurais.


A sua geografia em Portugal e o exemplo da Serra da Lousã. In: Lazeres Ativos. EUMED
(Universidade de Málaga – Espanha), 2015, p. 29-45. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/294261044_Geocaching_e_descobertavalorizacao
_de_territorios_rurais_A_sua_geografia_em_Portugal_e_o_exemplo_da_Serra_da_Lousa.
Acesso em 14 jun. 2021.

BARBOSA, Caroline Carvalho. UX design na aplicação móvel de rotas acessíveis para o


centro da cidade de Viana do Castelo. Dissertação (Mestrado em Design Integrado).
Instituto Politécnico de Viana do Castelo. 2019. Disponível em:
http://repositorio.ipvc.pt/handle/20.500.11960/2266. Acesso em: 14 jun. 2021.

BUSARELLO, Raul Inácio. Fundamentos da gamificação na geração e na mediação do


conhecimento. In: SANTAELLA, Lucia; NESTERIUK, Sérgio; FAVA, Fabricio (Org.).
Gamficação em debate. São Paulo: Blucher. 2018. p. 115-126.

CARVALHO, Ana Amélia A. (Org.). Apps para dispositivos móveis: manual para
professores, formadores e bibliotecários. República Portuguesa: Ministério da Educação
- Direção-Geral da Educação, 2015. Disponível em: https://erte.dge.mec.pt/noticias/apps-
para-dispositivos-moveis-manual-para-professores-formadores-e-bibliotecarios. Acesso em:
14 jun. 2021.

CARVALHO, Paulo. Património, Turismo e Sociedade Digital: Teoria e Aplicação. In:


PIÑEIRO-NAVAL, Valeriano & SERRA, Paulo, Cultura, Património e Turismo na
Sociedade Digital: Uma perspetiva ibérica. Covilhã: Editora LabCom.IFP. 2018. p. 21-48.
Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/328202476_Patrimonio_Turismo_e_Sociedade_Di
gital_Teoria_e_Aplicacao/link/5bbe564892851c4efd5622b7/download. Acesso em: 14 jun.
2021.

CRUZ, Sónia; MARQUES, Célio Gonçalo. Aurasma Studio: para realidade aumentada. In:
CARVALHO, Ana Amélia A. (Org.). Apps para dispositivos móveis: manual para
professores, formadores e bibliotecários. República Portuguesa: Ministério da Educação -
Direção-Geral da Educação, 2015, p. 55-68. Disponível em:
https://erte.dge.mec.pt/noticias/apps-para-dispositivos-moveis-manual-para-professores-
formadores-e-bibliotecarios. Acesso em: 14 jun. 2021.
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DIVISÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL DA PREFEITURA DE JUIZ DE FORA. Guia dos
Bens Tombados de Juiz de Fora. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2002.

DOMINGUES, Delmar. O sentido da gamificação. In: SANTAELLA, Lucia; NESTERIUK,


Sérgio; FAVA, Fabricio (Org.). Gamficação em debate. São Paulo: Blucher. 2018. p. 11-20.

GOMES, José; GOMES, Cristina. C: Geo - aplicação para geocaching. In: CARVALHO, Ana
Amélia A. (Org.). Apps para dispositivos móveis: manual para professores, formadores e
bibliotecários. República Portuguesa: Ministério da Educação - Direção-Geral da Educação,
2015, p. 29-54. Disponível em: https://erte.dge.mec.pt/noticias/apps-para-dispositivos-
moveis-manual-para-professores-formadores-e-bibliotecarios. Acesso em: 14 jun. 2021.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

DOCUMENTAR LA MEMORIA SÍSMICA DEL PATRIMONIO CONSTRUIDO


DE CHILE. 1971-2015

Mario Ferrada Aguilar (mferrada@uchilefau.cl)

El presente trabajo se origina en el proyecto de investigación “Relato


audiovisual de los terremotos y las políticas públicas del patrimonio
arquitectónico y urbano de Chile (1971-2015)”, ganador del concurso FAU 2.0
Research by Design, del año 2019, de la Dirección de Investigación y Creación
de la Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Chile.

El objetivo de esta presentación es documentar la memoria sísmica acumulada


en Chile en el periodo 1971-2015, con sus efectos en el patrimonio ambiental,
urbano y arquitectónico. Se trata de demostrar que, a raíz de los sismos, el
patrimonio se encuentra en permanente movimiento y conformación,
enfrentándose a incontrolables fuerzas con las que tenemos que vibrar y
convivir.
A partir de 22 grandes desastres sísmicos y tsunamis verificados en los siglos
XX y XXI, este trabajo aborda 8 eventos que han marcado el devenir del
patrimonio ambiental, urbano y arquitectónico nacional. Ellos son los
terremotos de Illapel (1971), San Antonio (1985), Punitaqui (1997), Tarapacá
(2005), Tocopilla (2007), Cobquecura (2010), Iquique (2014) y Coquimbo
(2015). Los desastres abarcan los territorios del extremo norte, centro-norte,
zona central y sur del país.

Los terremotos y tsunamis constituyen elementos arraigados en la cultura


chilena, y conforman parte sustancial de un sistema de identidades ancladas
en la diversidad territorial y patrimonial del país. Parte importante de esta
memoria se encuentra contenida en variados soportes documentales:
discursos, escritos, fotografías y audiovisuales. El registro devela un
conocimiento que sitúa al sismo como factor identitario y lo resignifica como un
momento de revalorización social y de reconstrucción del patrimonio afectado.

Metodológicamente se procedió a la interpretación de documentos de


organismos del Estado, de la prensa de la época y de trabajos especializados
en la materia. Mediante un análisis de tipo histórico-descriptivo, se identificaron
los principales impactos experimentados al nivel social, territorial, urbano y
arquitectónico, las respuestas desplegadas por el Estado y sus organismos
públicos, así como los efectos disímiles que estos sismos tuvieron en los
enfoques de la intervención conservativa y reconstructiva del patrimonio
afectado.

Se concluye que la memoria sísmica documentada es un factor fundamental


para la correcta valoración, conservación y gestión del patrimonio construido de
Chile. En esta perspectiva, ejercitar una memoria socialmente activa de la
realidad telúrica, facilita construir una cultura de la conservación preventiva y
de los procesos de reconstrucción. Una cultura atenta a la gestión integral del
riesgo sísmico en el patrimonio, se traduce en que esté inserta en la política
pública del Estado, en las prácticas cotidianas de las comunidades afectadas y
en las técnicas aplicadas por los expertos del patrimonio.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

JF PATRIMÔNIO – GUIA VIRTUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE JUIZ


DE FORA

Márcio Henrique De Oliveira (mhojfmg@gmail.com)

O artigo apresenta a proposta de desenvolvimento do aplicativo JF Patrimônio,


tendo como premissa a ideia de design universal e inclusivo, conforme Barbosa
(2019), com projeto centrado no utilizador do produto/aplicação. Partimos de
metodologia adotada na criação de aplicativos para dispositivos móveis
visando estruturar as soluções sugeridas, através das quais buscamos
potencializar a divulgação do patrimônio cultural por meio das mídias digitais e
possibilitar a interação dos utilizadores da aplicação com dinâmicas associadas
à educação patrimonial, supostamente capazes de despertar o interesse dos
indivíduos pela diversidade cultural e suas representações patrimoniais.

Com a publicação do aplicativo, pretende-se oferecer amplo acesso a


informações relativas ao patrimônio cultural juiz-forano. Para tanto, são
consideradas a sistematização e a publicação, em meio digital, de conteúdo
relativo à lista de bens patrimoniais do órgão de preservação local (Juiz de
Fora possui, atualmente, 194 imóveis e 26 monumentos em praças públicas
tombados, além de nove bens imateriais registrados). Como objetivos do
projeto, pretende-se:

. divulgar, por meio de um aplicativo para dispositivos móveis, informações


relativas aos processos que redundaram no reconhecimento desses bens
como patrimônio cultural;

. incentivar a visita física, quando permitida, aos bens patrimoniais divulgados


pelo aplicativo;

. estimular a interação dos utilizadores do aplicativo com dinâmicas


relacionadas às tecnologias empregadas, visando o aprendizado em ambiente
virtual, por meio da educação patrimonial.

Objetiva-se, assim, o desenvolvimento de uma aplicação para dispositivos


móveis (smartphones e tablets) integrada a tecnologias de geolocalização e
marketing de proximidade. Trata-se, portanto, de um guia sobre o patrimônio
cultural material e imaterial de Juiz de Fora, com informações
georreferenciadas relativas a cada bem listado pelo órgão de preservação do
patrimônio cultural da cidade.

O projeto do aplicativo JF Patrimônio foi estruturado a partir da metodologia


citada por Barbosa (2019), com vistas ao conceito de “Design Centrado no
Utilizador” (DCU). Pela descrição das cinco fases propostas pelo autor –
estratégias, escopo ou esfera de ação, estrutura, esqueleto e superfície –,
considera-se como função principal da aplicação a informação relativa ao
patrimônio cultural da cidade de Juiz de Fora.

Ressalta-se a necessidade de futuros estudos que proporcionem a


comprovação das suposições levantadas, cuja execução será realizada
durante o processo de criação do aplicativo JF Patrimônio, projeto com
finalização prevista para, no máximo, maio de 2022. Acredita-se, por fim, na
busca por sustentabilidade – econômica, ambiental e social - como
consequência da valorização da diversidade cultural, da democratização do
acesso ao patrimônio e do reconhecimento e preservação de práticas culturais
que conferem identidade aos distintos grupos e manifestações sociais.
EIXO TEMÁTICO 3

EM BUSCA DO PASSADO DE NATAL NAS CRÔNICAS DE


AUGUSTO SEVERO NETO

MADRUGA, NATÁLIA MELCHUNA. (1)

1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Departamento de Arquitetura e Urbanismo
UFRN, CAMPUS I. R. da Tecnologia- Lagoa Nova, Natal- RN
natalia.mmadruga@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo buscar as representações da cidade de Natal na literatura das
crônicas de Augusto Severo Neto (1921-1991), publicadas no livro Ontem Vestido de Menino (1985).
As representações, segundo a abordagem da história cultural, são as apreensões e reflexões que os
indivíduos têm sobre algo, como por exemplo a cidade, seus acontecimentos e sociedade, que é o
objeto de estudo deste trabalho. A busca por representações da cidade é uma forma de estudar o
passado do lugar, sem o foco tradicional na história política de grande acontecimentos, e assim se
aproximar da história das pessoas comuns que viveram na cidade real. Além disso, utilizar crônicas
para estudar a história da cidade, apesar de não ser uma fonte tradicional, é um material muito rico já
que trata de um gênero textual em que a história se desenvolve a partir de observações do cotidiano,
então a cidade, suas singularidades e habitantes estão geralmente presentes nas narrativas. As
crônicas trabalhadas neste artigo, referem-se à Natal dos anos 1920, 1930 e 1940 décadas da
juventude do autor, e através delas, Augusto Severo Neto ao descrever suas memórias, conta quais
eram os costumes natalenses, o cotidiano na cidade e suas observações sobre o que vivia, e de certa
forma colabora para o resgate de uma parte do passado da cidade que não é encontrado nos livros
de história, em museus e nem edificado na paisagem urbana

Palavras-chave: História cultural; Representação; Cidade; Literatura.

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Introdução
Crônica é uma narrativa literária, curta, e em forma de prosa, muito difundida através das
colunas dos jornais. Uma das principais características desse gênero é que os textos
contam sobre os eventos do cotidiano, e por essa razão as cidades aparecem muitas vezes
como parte fundamental das histórias:

O autor parece fundir-se em um tecido urbano que permaneceria


inextricável se ele não desse nomes que, de uma maneira encantatória,
evocam cidades conhecidas. O movimento de sua descrição, ao ritmo de
sua observação detalhada, permite ir-se representado no pensamento do
leitor toda a vida cotidiana em sua realidade imediata. (...) Cada situação
surge e depois desaparece, cada visão da cidade delineia-se de acordo
com uma realidade que advém, que marca, que capta e que se esvai em
seguida dentro da noite dos tempos (JEUDY, 1998, p. 90-91)

Além das crônicas, a cidade por ser um espaço de troca, de lazer, de encontros, de cultura
acaba por ser explorada nas mais diversas artes e gêneros literários, entre eles o romance
que surgiu no século XIX, e apesar de ser ficcional, representava a vida social dos
personagens nas grandes cidades, como por exemplo Brás Cubas de Machado de Assis no
Rio de Janeiro e David Copperfield de Charles Dickens em Londres. Por essa razão as
obras literárias podem se configurar como uma fonte de pesquisa sobre a história das
cidades e nos colocar em contato com representações simbólicas sobre a realidade social
de diferentes lugares e épocas.

A utilização de fontes não convencionais de pesquisa como forma de apreender o passado


de uma cidade é a abordagem da história cultural urbana, o historiador argentino Adrian
Gorelik (2009) expõe que:

A história cultural urbana abre-se a todas as disciplinas que tenham algo a


dizer sobre a cidade, e com isso redefine todas as questões que giram em
torno dela: a literatura, a política, a sociologia, a arquitetura, que também
acabam reformuladas ao passar pelo filtro da cidade”. (GORELIK, 2009, P.
248)

Dessa forma a história cultural urbana permite uma investigação sobre o passado das
cidades que vai além das legislações, governos e morfologia urbana e se aproxima do
cotidiano, da vida social e das vivências de quem vive e viveu a cidade. A historiadora
Sandra Pesavento (2007) explica que isso acontece através da busca pelas representações
pelas quais o homem expressa a si mesmo e o mundo.
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Entendendo isso, através desse artigo pretende-se discutir a literatura como fonte para
apreensão da história da cidade do Natal a partir das representações da cidade e da
sociedade natalense encontradas em crônicas do livro “Ontem Vestido de Menino” de
Augusto Severo Neto. Mais especificamente busca-se entender quais eram os costumes
sociais, o cotidiano natalense e as apropriações dos espaços na época que se passam as
histórias narradas nas crônicas.

As crônicas presentes na obra que será estudado foram inicialmente publicadas como
colunas em um dos jornais locais, e o autor relata a sua juventude na cidade,
aproximadamente correspondente aos anos 20, 30 e 40 e assim a memória individual do
cronista serve como uma ferramenta historiográfica para estudar a história de Natal, e
contribuir para a preservação da história da cidade.

História cultural urbana e a representação como ferramenta


metodológica

Definir cidade não é tarefa simples, definição essa que foi sendo alterada e adaptada com o
decorrer das décadas. O significado mais utilizado para o termo é aglomeração urbana, a
arquiteta e urbanista Raquel Rolnik explica que a cidade é um imã por funcionar como um
“campo magnético que atrai, reúne e concentra homens” (ROLNIK, 1988, P. 12). Além
dessa capacidade de atração, a arquiteta complementa falando que a cidade é como uma
escrita por contar sua própria história através das construções, ruas, e pela forma que o
homem interage com a natureza, e a cidade é política pela vida coletiva que acontece nesse
espaço.

Por essa razão quando se opta por estudar a história das cidades, também deve-se atentar
a essa característica tão importante que é o que define cidade, isto é, o agrupamento das
pessoas naquele território. Assim, é importante investigar o fator que atraiu as pessoas para
aquele lugar, e como elas se relacionavam com ele, isso é reforçado por Rolnik (1992)
quando ela fala que:

As relações que os indivíduos estabelecem entre si configuram-se


espacialmente. São processos de subjetivação individual e coletiva e não
relações funcionais do tipo uso ou relações de uso: aqui lugar de morar,
aqui lugar de trabalhar, aqui lugar de circular. Então, uma rua, para além de
ser um lugar onde se passa, ou se deixa de passar, uma rua está carregada
de história, está carregada de memória, está carregada de experiência que

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o sujeito teve que seu grupo teve, e que a história de seu grupo naquele
espaço teve. (ROLNIK, 1992, P.02)

Essa discussão corrobora com a proposta da história cultural urbana, que é um


desdobramento da história cultural. A história cultural é uma abordagem da historiografia
que como explica Jacques Le Goff, um dos historiadores ligados a esse movimento,
procura-se “uma história do poder sob todos os seus aspectos, nem todos políticos, uma
história que inclua notadamente o simbólico e o imaginário” (LE GOFF, 1998, p. 8)

A história cultural nos apresenta uma nova forma de estudar o passado, através da
valorização das manifestações culturais, por essa razão se abre a novas fontes de pesquisa
não tradicionais. Segundo Pesavento (2004) a história cultural busca a produção de sentidos
sobre o mundo construídos pelo homem do passado que se manifestam através das
representações em palavras, discursos e imagens.

A partir daí fica mais fácil entender a história cultural urbana, que é conceituada por Roger
Chartier, um dos estudiosos da História Cultural, como “Utilização dos gêneros literários e os
discursos não especializados - ensaio, narrativa, poesia, dramaturgia, crônica de viagens,
representação pictórica e cinematográfica, entre outros – como fontes documentais da
história urbana” (CHARTIER,2012).

Pesavento (2007) explica que a importância da história cultural urbana é que por muito
tempo o estudo das histórias das cidades esteve relacionado à história política, criando uma
história cronológica diretamente ligada aos governos e à gestão da cidade. Porém com a
história cultural urbana abre-se a possibilidade de explorar o que está por trás da
materialidade da cidade, e buscar as relações sociais, os comportamentos, hábitos, festas
influenciam também nas transformações do espaço urbano.

E a busca por esses aspectos simbólico da cidade são exatamente o resultado da


aglomeração urbana, que é o que define o meio, e é isso que acaba por chamar atenção
dos escritores, pintores, compositores e demais artistas que escolhem as cidades como
peças importantes das suas obras. Assim, ao optar por retratar ou falar sobre lugares, esses
artistas trazem para as suas criações, na maioria das vezes, lugares de importância em que
se reconhecem, viveram experiências e que fazem parte da sua própria história, Pesavento
(2007) conta que essa é a forma que a cidade se revela através da percepção de emoções
e sentimentos resultados do viver urbano, e isso tudo também mostra a esperança, o medo,
as utopias que a sociedade cria sobre o lugar que vive.

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Essas são as representações urbanas, objeto de estudo deste artigo, o filósofo participante
do movimento Paul Ricouer (1998), enfatiza que as representações nem sempre estão
aparentes, e o historiador tem que buscar as pegadas na cidade do presente que está
sendo constantemente renovada e que teve a modernidade implantada de forma tão
avassaladora, que apagou os registros materiais e as formas de sociabilidade do passado.
Pesavento (2012), também estudiosa do tema, complementa o entendimento explicando
que:

As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar


deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e
pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas
sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do
real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das
representações que constroem sobre a realidade. (PESAVENTO, 2012, P.
39)

No caso desse trabalho, em que se busca as representações da cidade em crônicas, essas


representações vêm na forma de memórias do autor. Memórias que são lembranças
pessoais de outros tempos podem ser narrativas orais ou escritas, na historiografia são
consideradas representações. Quando aplicadas ao estudo da cidade, elas relatarão em sua
maioria lugares vivenciados pelo autor. Inclusive, pela memória ser uma forma de
representação ela possui um vinculo com um tempo e um espaço, e a sua narrativa permite
que seja possível vivencia-los através da descrição do autor. Sobre esse vínculo, Delgado
(2003) cita Poulet (1992)

Graças à memória, o tempo não está perdido, e se não está perdido,


também o espaço não está. Ao lado do tempo reencontrado está o espaço
reencontrado ou para ser mais preciso, está um espaço, enfim
reencontrado, um espaço que se encontra e se descobre em razão do
movimento desencadeado pela lembrança.” (Poulet, 1992, p. 54-5 apud
Delgado, 2003, 14)

Ainda sobre a memória está ligada ao tempo e ao espaço, o sociólogo francês Maurice
Halbwachs (1990) explica que esse fator é o que faz com que as memórias sejam uma
construção coletiva, pois a formação dessa memória tem influência dos grupos que
frequentavam os mesmos espaços nos mesmos momentos. O autor ressalta que as
memórias coletivas também estão vinculadas à um grupo social, aqueles que vivenciaram o
momento, e dessa forma essa lembrança cria naqueles os quais ela pertence um
sentimento de identidade social, que é uma característica das representações, e explicada
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por Pesavento (2012) como “uma construção imaginária que produz a coesão social,
permitindo a identificação como parte de um todo” (PESAVENTO, 2012, P.89).

E por pertencerem a um grupo específico, as memórias são seletivas e por esse motivo
tendem a desaparecer quando o grupo social vai se dispersando. Por isso que Halbwachs
(1990) fala que a única forma de preservar as memórias coletivas é registrando e assim
transformando elas em memórias históricas que a qualquer momento podem ser
consultadas e revividas.

O autor fala que esses registros são feitos por meio de narrativas, e assim pode-se reforçar
o papel da literatura, como as crônicas de Augusto Severo Neto por exemplo, como um
documento para onde pode-se recorrer para estudar o passado, e como uma forma de
preservar a memória de um grupo social que vivenciou os mesmos espaços na mesma
época.

Ontem vestido de menino- Augusto Severo Neto e a cidade do Natal


do século XX

A busca pelas representações é o objetivo deste artigo, mais especificamente a apreensão


da cidade de Natal do século XX através das representações encontradas nas crônicas do
livro “Ontem Vestido de Menino” de Augusto Severo Neto. Augusto Severo Neto (1921-
1991) foi um poeta, cronista natalense, também foi jornalista, professor e piloto. Formado
pela Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza (Incorporada pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte), publicou 14 livros que contam suas histórias sobre a cidade do Natal,
veraneio na praia de Pirangi e viagens pela Europa, e colaborou com diversos jornais locais.
Suas histórias são reflexos da própria vivência, segundo o jornalista estudioso da literatura
Potiguar Gustavo Sobral

Até os sonhos loucos serão matéria do improvável. Severo Neto é um


contador e chama o leitor para uma conversa como se pusesse a contar
uma experiência em que se fundem páginas de um diário, lembranças,
memória e autobiografia. O leitor pode acompanhar um dia ou um sonho e
todas as impressões que pode colher de cada um deles. A crônica de
Severo será puramente centrada na sua experiência pessoal e nas suas
impressões, são registros de instantes, do momento vivido, como se
dispusesse aquilo que vê, escuta, pensa ou sente no momento, por isso as
feições de um diário literário.

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Pela sua formação, profissão e família influente percebe-se que Augusto Severo Neto
pertencia à elite intelectual e financeira dessa cidade, então deve-se considerar que suas
memórias estão diretamente relacionadas às atividades e vivências dessa classe social
natalense.

No livro Ontem Vestido de Menino, fonte de pesquisa para o desenvolvimento deste artigo, o
autor relata histórias da sua juventude nas décadas de 1920, 1930 e 1940 aproximadamente
(as datas não são explícitas na obra), no bairro da Ribeira e Cidade Alta: “já vestido de
menino, começo a caminhar pelos outrora desta cidade que é minha e pelos antigamente
das gentes que, de pedra, cal e amor, construíram a história desta cidade” (SEVERO NETO,
1985, P.6). Inicialmente as crônicas publicadas neste livro, foram escritas para a coluna do
jornal do autor, e em 1985 foram reunidas para publicação da coletânea.

No período de quando se passam as narrativas contadas nas crônicas, Natal passava pelo
processo de modernização urbana que atingiu principalmente os principais centros urbanos
como Rio de Janeiro e Recife. Essas transformações voltadas para a modernização das
cidades, começaram no Brasil na passagem do século XIX para o XX, eram influenciadas
pelos grandes centros internacionais como Paris e Nova York, e estavam diretamente
relacionadas com o ideal de civilidade, como explica o historiador Raimundo Arrais (2008)
em seu livro sobre o tema.

A vontade de modernizar partiu principalmente das elites com vontade de desenvolver a


cidade e incorporar os costumes internacionais que estavam sendo divulgados, o historiador
Arrais et al. (2008) conta que a ideia de modernidade estava muito atrelada as indústrias e
desenvolvimento tecnológico, e foram nas gestões do governador Alberto Maranhão (1900-
1904 e 1908-1912) que foram feitas as principais obras públicas voltadas à "modernização".
Na primeira gestão foi construído o teatro Carlos Gomes (atual teatro Alberto Maranhão) e
aprovada a Lei nº 145, de 06 de agosto de 1900 que promoveu o desenvolvimento cultural do
estado. Já na segunda gestão foram feitos jardins e praças públicas, calçamento de ruas, a
iluminação a gás, implantação dos bondes elétricos e a implementação do bairro Cidade
Nova, primeiro bairro planejado da capital. Percebe-se que os ideias de modernização são
voltados e restritos para as elites, inclusive a implantação do bonde não abrangia bairros
mais populosos na época, como o Alecrim, mas beneficiava o bairro Cidade Nova, ainda
não tão ocupado (Medeiros et al. 2012):

Assim, embalados por essas formosas perspectivas, chegamos à Avenida


Rio Branco. O bonde voltou. Mas a tarde estava tão bela que não pude fugir
no desejo de ver a Cidade Nova, esse novo bairro de nossa terra que será,
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com os bondes, um dos pontos prediletos da sociedade chique da nossa
pequena urbe. Como vai ser linda a nossa Natal” (A República, 1911 a, p.
01 apud Medeiros, G. L. P. et al., 2012)

Porém em Natal, a sensação de modernidade aparecia mais em forma de costumes sociais


absorvidos pela população do que materializada na cidade, um exemplo eram as
expressões em outras línguas que passaram a ser utilizadas na época, práticas esportivas,
formas de vestir, e festas que aconteciam na cidade. Essas novidades e hábitos são
relatados nas crônicas do livro Ontem Vestido de Menino, o livro começa com uma série de
crônicas sobre um simples passeio do autor menino vendo os vizinhos, reconhecendo e
cumprimentando todos, e contando as atividades de criança que fazia nas casas das
redondezas de onde morava, Av. Juqueira Aires, no bairro da Ribeira:

Passei pelo portão da tia Ineizinha e olhei lá para dentro. Ela estava como
sempre, sentada na cadeira de balanço, no patamar da escadaria de
entrada, com seu chale branco e seu terço. Marinete, a cadela, deitada bem
ali junto e rindo como sempre. Sim, porque Marinete era uma cadela que ria.
Entre a sebe de pitangueiras e a aléia de palmeiras reais, Luciano, Geraldo,
Zé de Vasconcelos (O José Mauro do Meu Pé de Laranja Lima), Chico
Lamas e não sei mais quem andavam de bicicleta e jogavam futebol. Mas
eu não entrei, estava afim de andar. (SEVERO NETO, 1985, P. 17)

Porém a influência europeia nos costumes sociais aparece na maior parte das crônicas dos
livros, principalmente quando se trata do vocabulário do natalense da época. O café
frequentado na Rua Tavares de Lyra tinha “moldes dos antigos e populares cafés lisboetas”
(SEVERO NETO, 1985, P.103), em uma crônica o autor comenta que a cidade era “cheia
dos mots, allures, maximes e moeur, segundo ele era chic falar francês, fazer citações de
poetas e escritores franceses e portar sobre si qualquer coisa que sugerisse a eterna
Lutécia ou qualquer outra região da velha França” (SEVERO NETTO, 1985, P.105).

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Figura 1: Cinema Polytheama e Loja Paris em Natal

Fonte: nataldasantigas.com.br

A influência europeia também aparecia nas atividades culturais e nas vestimentas como por
exemplo o cinema Polytheama (Figura 01) que dividia as sessões entre matinées e soirées,
onde as mulheres se “vestiam de melindrosas, usavam fitas de veludo no cabelo e pendentif
no pescoço. Os rapazes e senhores usavam calças de flanela, palitó listrado, com lenço no
bolso e sapatos de duas cores [...] havia uma dona que não perdia aqueles intervalos e
usava luvas mitanines e fumava cigarros Ghesira e Pour la Noblesse.” (SEVERO NETTO,
1985, P.105)

Outra atividade social era o footing na Ribeira (Figura 02) que segundo o autor acontecia
nos sábados do mês de maio quando

Mulheres bonitas que desfilavam seus vestidos de melindrosas, suas meias


de seda e seus sapatos alto e grossos, semelhantes aos das dançarinas de
flamengo, até mesmo pela correia trespassada no peito do pé. Também,
naquele sábado, os homens envergavam seus melhores ternos, duques ou
jaquetões, ou blazers de mescla inglesa, cinza chumbo, com calças pretas,
com riscas de giz. (SEVERO NETO, 1985, P. 17)

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Figura 2: Praça Augusto Severo

Fonte: nataldasantigas.com.br

O autor cita também que nessa época a loja que tinha o nome de “Paris em Natal” (Figura
01) ficava com as vitrines iluminadas, que à noite o teatro Carlos Gomes teria um show com
uma cantora lírica e no Aeroclube um baile a rigor. Este teatro também foi o cenário de
inúmeras apresentações e atividades para a elite da época, enquanto o clube chamado
Aeroclube além de sediar os bailes também simbolizava a adesão dessa classe social aos
esportes “modernos” que precisavam de um espaço e equipamentos específicos como era
escola de pilotos de aviação, que tinha como sede o referido clube.

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Figura: Bonde em Natal

Fonte: tokdehistoria.com.br

Sobre os tempos modernos, os bondes (Figura 03) eram um dos protagonistas. Augusto
Severo Netto conta que quando chegou “os bondes tirados a burro já haviam dobrado a
esquina no tempo” (SEVERO NETO, 1985, P.137). Segundo ele os bondes elétricos
chegaram junto com a iluminação e os telefones após o governo conseguir um empréstimo
financeiro da França, e assim as linhas que quando eram de tração animal, eram bem
restritas aos bairros da cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova, conseguiram se expandir para o
bairro popular Alecrim, e para orla para o bairro de Areia Preta.

Na narrativa percebe-se que os bondes eram de difícil manutenção e logo no início da


implantação por um momento e problema de gestão quase acabaram, porém conseguiram
se manter. O autor conta sobre as travessuras dos meninos que colocavam sabão nos
trilhos da subida da Junqueira Aires, para que o bonde não conseguisse subir a ladeira,
também fala que o transporte balançava muito e regulamente saía dos trilhos o que obrigava
os passageiros a colocar ele de volta no lugar.

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Conclusão

As representações da história cultural urbana são uma forma de investigar o passado de


uma cidade de forma a não se restringir aos estudos tradicionais da história política,
cronológica, dos planos de ordenamento urbano, desenho urbano e da arquitetura. As
representações permitem um contato maior com o social, com as pessoas comuns que
viviam na cidade, e através das suas atividades cotidianas e observações nos contam sobre
o passado da cidade.

Isso foi encontrado de forma muito clara nas crônicas do livro Ontem Vestido de Menino do
jornalista Augusto Severo Neto. Neto, através da sua narrativa, demonstra que Natal era
uma cidade pequena, com características provincianas ainda, quando começou a ser
influenciada pelos “ares da modernidade”. Pelos relatos do autor a modernidade chegou
primeiro nos hábitos da população, principalmente no vocabulário, na forma de vestir
(inclusive incompatível com o clima da cidade), na alimentação e nas atividades sociais.

Porém por trás dos restaurantes, “footings”, bailes de gala e orquestras no teatro ainda
existia uma cidade com o ritmo de vida calmo, onde todos os vizinhos se conhecem, tem
acesso a casa de um aos outros, características típicas de uma cidade pequena. A tão
aspirada modernização tecnológica ainda era tímida, e percebemos isso com o exemplo que
só existia um cinema que funcionava em poucos horários durante a semana, e do bonde
tinha problemas de manutenção, e que quase foi retirado por problema de administração da
empresa responsável.

Deve-se ressaltar que essa cidade, encontrada nas crônicas, era a vivida por uma classe
social, a pertencente ao autor, e que se sabe que dentro de uma cidade existiam vários
outros costumes, lugares e hábitos correspondentes a outros grupos de pessoas. Uma
cidade é vivida de várias formas, e a busca pelas representações é exatamente a busca por
esse contato entre as pessoas comuns e a cidade.

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Referências Bibliográficas

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EJE TEMÁTICO 4
“DOCUMENTAR LA MEMORIA SÍSMICA
DEL PATRIMONIO CONSTRUIDO DE CHILE. 1971-2015”1
Mario Ferrada Aguilar
Facultad de Arquitectura y Urbanismo. Universidad de Chile
Portugal 84. Santiago-Chile
mferrada@uchilefau.cl

RESUMEN

El objetivo de esta presentación es relevar documentalmente la memoria acumulada de los sismos en


Chile en el periodo 1971-2015, con sus efectos en el patrimonio ambiental, urbano y arquitectónico.
Se trata de demostrar que, a raíz de los sismos, el patrimonio se encuentra en permanente
movimiento y conformación, enfrentándose a incontrolables fuerzas con las que tenemos que vibrar y
convivir.

A partir de 22 grandes desastres sísmicos y tsunamis verificados en los siglos XX y XXI, este trabajo
aborda 8 eventos que han marcado el devenir del patrimonio ambiental, urbano y arquitectónico
nacional. Ellos son los terremotos de Illapel (1971), San Antonio (1985), Punitaqui (1997), Tarapacá
(2005), Tocopilla (2007), Cobquecura (2010), Iquique (2014) y Coquimbo (2015). Los desastres
abarcan los territorios del extremo norte, centro-norte, zona central y sur del país.

Los terremotos y tsunamis constituyen elementos arraigados en la cultura chilena, y conforman parte
sustancial de un sistema de identidades ancladas en la diversidad territorial y patrimonial del país.
Parte importante de esta memoria se encuentra contenida en variados soportes documentales:
discursos, escritos, fotografías y audiovisuales. El registro devela un conocimiento que sitúa al sismo
como factor identitario y lo resignifica como un momento de revalorización social y de reconstrucción
del patrimonio afectado.

Metodológicamente se procedió a la interpretación de documentos de organismos del Estado, de la


prensa de la época y de trabajos especializados en la materia. Mediante un análisis de tipo histórico -
descriptivo, se identificaron los principales impactos sísmicos a nivel territorial, urbano y
arquitectónico, las respuestas desplegadas por el Estado y sus organismos públicos, así como los
efectos disímiles que estos sismos tuvieron en los enfoques de la intervención conservativa y
reconstructiva del patrimonio afectado.

Se concluye que la memoria sísmica documentada es un factor fundamental para la correcta


valoración, conservación y gestión del patrimonio construido de Chile. Ejercitar una memoria
socialmente activa de la realidad telúrica, facilita construir una cultura de la conservación preventiva y
de los procesos de reconstrucción, en la que participen activamente los actores del Estado y de la
sociedad.

Palabras clave: Desastre sísmico, memoria social, documentos, patrimonio construido.

1
Comunicación derivada del Proyecto de investigación “Relato audiovisual de los terremotos y las políticas
públicas del patrimonio arquitectónico y urbano de Chile (1971-2015)”. FAU 2.0 Research by Design, 2019.
Dirección de Investigación y Creación de la Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Chile.

1
1. Introducción

Chile se ubica en pleno cinturón o anillo de fuego, en una zona de subducción, entre la
Placa de Nazca -o Placa del Pacífico- y la Placa Sudamericana, lo que explica su extrema
exposición y vulnerabilidad sísmica. Con frecuencia la tierra se encarga de recordar que
Chile es un país sísmico. Nos recuerda también que los terremotos y tsunamis avanzan más
rápido que las políticas públicas que el Estado y la sociedad deben construir para preservar
y desarrollar el patrimonio cultural.

Gran parte de la identidad cultural de Chile se ha construido de manera colectiva en


periodos de larga duración, a partir de la experiencia, la memoria, la tradición y las prácticas
que las personas han ejercido ante cada evento telúrico dentro de sus entornos habitados
(Said, 2005, p. 42). Desde épocas prehispánicas, una de las caras más visibles y
representativas de las identidades construidas e inmateriales de Chile, está conformada por
los desastres naturales, y entre ellos los terremotos y tsunamis sobresalen por el impacto
físico, periodicidad y la influencia en nuestras formas de relacionarnos con el territorio, la
ciudad y la arquitectura (Onetto, 2018, p. 16).

El comportamiento del habitante enfrentado a las fuerzas telúricas constituye algo más
profundo que la simple destrucción de la materialidad que producimos, o de la entropía que
inunda nuestro movido entorno. En Chile, los terremotos establecen una ruptura del
equilibrio del ser humano con la naturaleza y sus medios. Derivado de la cosmogonía
mapuche los terremotos (Nuyun) y los maremotos son expresiones reales de un conflicto
que reedita la lucha eterna entre las fuerzas maléficas y benéficas que desembocan en el
caos.

La memoria sísmica del patrimonio chileno ha formado una imagen de los sujetos sociales y
de los lugares y arquitecturas habitadas. Las identidades colectivas se han configurado en el
contexto de la incertidumbre a partir de una negociación con la realidad del desastre,
permitiendo una forma específica de supervivencia con la ciudad y la arquitectura. Este tipo
de identidades representarían el «principal recurso para contar con una sensación de
seguridad y orientación que hace posible actuar eficazmente en el mundo en que vivimos»
(Hernando, 2002, p. 50).

Los terremotos y tsunamis ponen de relieve una condición de nuestra arquitectura tan
ineludible como la fuerza de gravedad y definen la historia de nuestra arquitectura de un
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modo muy similar a como lo han hecho las guerras con la arquitectura europea. Como ha
señalado Eliash reconocer «el desarrollo histórico de los terremotos en relación con la
arquitectura, así como sus consecuencias, no sólo es una cuestión académica sino un tema
fundamental para el desarrollo de la disciplina y sus implicancias en el ejercicio profesional»
(Eliash, 2010, p. 21).

Figura 1. Efectos del terremoto y tsunami de


2010 en la localidad costera de Dichato, ubicada
en Tomé, Región del Bio Bío. Fuente: Paulina
Sepúlveda. A 10 años del terremoto que cambió
la tierra. La Tercera 5 ENE 2020.
https://www.latercera.com/que-pasa/noticia/10-
anos-terremoto/960000 (consultado 14/07/2021).

La orientación que ha tomado la política pública del Estado para enfrentar la preservación
del patrimonio frente a los sismos ha dependido, en cada caso, del tipo de organización
ideológico-política del Estado y de los proyectos de desarrollo que él ha estimado necesario
encauzar. Durante el siglo XX y primeras décadas del XXI algunos los fenómenos sísmicos
chilenos han facilitado la implementación y/o mejoramiento de un conjunto de acciones de
política pública que ya estaban establecidas previamente en la estructura del Estado. En
otros casos, los sismos llegan a promover la generación de instrumentos organizativos,
legales, normativos, así como programas, planes y proyectos, que a partir de ese momento
y en conjunto se constituyen en parte de las políticas públicas.

En esta perspectiva, entre 1971 y 2015, es posible observar tres tipos de comportamientos
estatales muy distintos en sus alcances: desde el Estado de Bienestar con planificación
central de las décadas de 1960-1970, pasando por el Estado Neoliberal en dictadura de la
década de 1980, hasta llegar al actual Estado Neoliberal en democracia, desarrollado desde
1990 hasta la actualidad.

El acontecer sísmico chileno se encuentra contenido en una amplia diversidad de


documentos elaborados por las instituciones públicas del Estado, por monografías histórico-
panorámicas que relatan los efectos producidos ante cada evento sísmico, así como en
estudios técnicos específicos realizados por expertos de la arquitectura, el urbanismo, la
ingeniería, mediante los cuales se establecen diagnósticos y propuestas de rehabilitación

3
patrimonial. No obstante el valor de estos trabajos, aún es poca la producción de relatos
históricos, sustentados en documentación de época, que abarquen de manera integrada y
comprensiva los riesgos sísmicos en relación al comportamiento que ha tenido el Estado
respecto de las propuestas para la conservación y gestión del patrimonio destruido,
rehabilitado y reconstruido.

Las huellas que los desastres dejan en la ciudad y la arquitectura chilena quedan archivadas
en tres niveles de registros documentales: a) en la documentación pública, generada por los
organismos públicos del Estado a cargo de inducir procesos de reconstrucción planeados y
gestionados; b) en el relato ejercido por las personas a nivel individual y colectivo, dimensión
en la que se gestan las representaciones sociales e imaginarios de la incertidumbre; y c) en
paisaje que genera la reconstrucción luego del desastre, dejando sus huellas en los
territorios, espacios, lugares y arquitecturas.

De acuerdo a lo señalado, el objetivo central de la investigación que da lugar al presente


artículo fue elaborar las bases documentales que permitieran establecer un relato histórico
audiovisual sobre el impacto que han tenido los desastres sísmicos en la formulación de las
políticas públicas para la conservación y gestión del patrimonio construido de Chile.

A partir de un universo de 22 grandes desastres sísmicos y tsunamis verificados en los


siglos XX y XXI, se identificaron 8 eventos que han marcado el devenir del patrimonio
ambiental, urbano y arquitectónico nacional. Ellos son los terremotos de Illapel (1971), San
Antonio (1985), Punitaqui (1997), Tarapacá (2005), Tocopilla (2007), Cobquecura (2010),
Iquique (2014) y Coquimbo (2015). Mediante un análisis de tipo histórico-descriptivo, se
registraron los principales impactos experimentados al nivel social, territorial, urbano y
arquitectónico, las respuestas desplegadas por el Estado y sus organismos públicos, así
como los efectos disímiles que estos sismos tuvieron en los enfoques de la intervención
reconstructiva del patrimonio afectado.

2. El patrimonio en las memorias sísmicas

El paisaje telúrico subsiste no solo en sus aspectos materiales afectados, sino sobre todo,
en la subjetividad de sus actores, conformando una interpretación de la realidad factual que
se apoya en la morfología de los elementos físicos (Maderuelo, 2010, p. 576). En las
prácticas socioculturales de estos paisajes, la memoria actúa como un dispositivo
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fundamental que hace posible la emergencia de un entramado de lugares interiorizados en
las imágenes de nuestro cuerpo y entorno, las que constantemente buscamos como materia
de nuestros recuerdos (Belting, 2007, p. 83).

Generalmente, nos parece fuera de toda razón aprendida que el sismo no solo destruya la
materialidad del patrimonio construido, sino también la inteligibilidad que de él tenemos
(Rojo, 1969, p. 129). Más allá del evidente movimiento físico que ocasiona un terremoto,
también podemos observar un movimiento constante en las formas de construirse el
territorio y el paisaje sísmico, y los modos de emerger la arquitectura y la ciudad. Se
sacuden las formas de valorar el patrimonio, se remecen las memorias y sus
representaciones sociales, y también se producen cambios en políticas públicas destinadas
a su conservación. Hasta que no ocurre la aceleración sísmica o hasta que el maremoto no
golpea la ciudad, seguimos creyendo en nuestro inconsciente, que la obra perdurará en el
mundo de lo estático, tan inamovible y exacta como la proyectamos y construimos.

A diferencia de la mirada tradicional, la forma dinámica y cambiante que adquiere el


territorio, la ciudad y la arquitectura resultan inseparables de las “geografías de las
incertidumbres” que producen los desastres sísmicos. Consecuentemente, la lectura de las
formas urbanas y arquitectónicas que se suceden a un sismo, permiten identificar los modos
cómo la sociedad enfrenta las amenazas, así como la manera particular en que en ellos se
reflejan los niveles de vulnerabilidad del sistema socio-espacial dañado (Ruiz, 2017, p. 298).
En un contexto de incertidumbre espacial y temporal, las identidades patrimoniales no se
comportan como elementos fijos. Interpretamos, adaptamos y controlamos la naturaleza que
constantemente nos amenaza y, en ese momento nos construimos una realidad, que
representamos a través del patrimonio materializado y arraigado.

Siguiendo a Jelin (2002, p. 25) las identidades resultantes del fenómeno sísmico nacional,
cargadas de memorias, no constituyen aspectos sobre las que pensamos, sino que actúan
como soportes con las que pensamos y actuamos estratégicamente en nuestra realidad
cotidiana. La memoria sísmica se actualiza en una contante tensión con los efectos de
olvido y recuerdo. Es por este motivo que la lectura documental de las formas que suceden
a un sismo, permiten identificar los modos cómo la sociedad, la arquitectura y la ciudad
enfrentan las amenazas, así como la manera específica en que en ellos se reflejan niveles
de vulnerabilidad física e inmaterial del sistema socio-espacial señalado.

5
Figura 2. Portada del Plan de Reconstrucción
elaborado e implementado por el Gobierno
con ocasión del terremoto de Illapel, en 1971.
Fuente: Gobierno de Chile (1971). Oficina de
Planificación Nacional ODEPLAN. Plan de
Reconstrucción 1971-1973.

3. Documentos para un relato histórico del sismo en chile (1971-


2015)

Durante el siglo XX y los inicios del XXI, los sismos chilenos han establecido 2 formas
particulares de relación con el patrimonio:

Un primer comportamiento está dado cuando, sin existir previamente una intencionalidad
patrimonial explícita, los sismos actúan como factores activadores de un patrimonio
moderno que hoy podemos valorar. Es el caso de los terremotos de Valparaíso (1906),
Talca (1928), Chillán (1939), Valdivia (1960) e Illapel (1971), los que fueron aprovechados
como una oportunidad para materializar la planificación urbana y la concreción de tipologías
habitacionales, educacionales y hospitalarias de la arquitectura moderna nacional.

Una segunda relación se aprecia cuando existiendo un patrimonio ya reconocido, la


sociedad y el Estado se movilizan para recuperarlo y reconstruirlo. Ejemplos del este
fenómeno son los terremotos de Punitaqui (1997), Tarapacá (2005), Tocopilla (2007),
Cobquecura (2010), Iquique (2014) y Coquimbo (2015). En todos ellos observamos planes
de inversión, planes específicos de reconstrucción, programas de mejoramiento urbano,
intervenciones para la restauración y rehabilitación del patrimonio arquitectónico y un
conjunto de normas técnicas de apoyo.

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La constante sísmica ha afectado históricamente a un extenso territorio del país, entre las
regiones de Arica y Parinacota al norte y Los Lagos por el sur, cubriendo áreas urbanas
centrales, localidades rurales y asentamientos costeros. A las pérdidas en vidas humanas y
damnificados, deben sumarse daños a la economía productiva a nivel regional y nacional,
destrucción de la infraestructura vial, portuaria, sanitaria, educacional y habitacional. En este
trance histórico la dinámica sísmica y las políticas públicas de conservación del patrimonio
construido nacional se han desplegado en los siguientes cuatro momentos significativos:

a. Del Estado de Bienestar al Estado Neoliberal: Los sismos de 1971 (Illapel) y


de 1985 (San Antonio)

El 8 de julio de 1971 en la ciudad de Illapel un terremoto 7,5 Richter azotó las provincias de
Coquimbo, Aconcagua, Valparaíso, Santiago y de O´higgins. Los daños se focalizaron
principalmente en viviendas, equipamiento comunitario, servicios públicos, escuelas,
hospitales e infraestructura. Los efectos se hicieron notorios en inmuebles a base de adobe
y albañilería de ladrillo sin armar.

Los efectos del terremoto fueron gestionados desde un Estado Planificador y como parte de
una visión de desarrollo de largo plazo, estrechamente vinculados con los radicales cambios
estructurales, sociales, económicos y políticos que intentó llevar adelante el Gobierno
Socialista de la Unidad Popular. La característica racionalizadora de la planificación estatal
buscó que el ‘Plan de Reconstrucción’ fuera una respuesta que abarcara las necesidades de
desarrollo del país y acordes a los ‘Planes Integrales de Desarrollo´ y el Sistema de Centros
Urbanos que había elaborado el gobierno popular (Gobierno de Chile, 1971, p. 19).

La rapidez con que se planificó la reconstrucción es un dato que en la actualidad sorprende.


Esto, porque, en apenas tres meses se efectuaron los trabajos previos de diagnóstico de
daños, se evaluaron los aspectos económicos y técnicos del problema y se articuló la
participación de las comunidades afectadas junto a los organismos públicos responsables.
La planificación de las acciones públicas se centró en una estrategia de intervención para
cada región, ciudad y zona afectada, contando con los respectivos diagnósticos, inversiones
e instrumentos técnicos, designándose al organismo público responsable de cada labor en
particular. La estrategia consideró el mejoramiento urbano, a través del diseño de áreas de
uso público, localización de equipamientos y áreas verdes, así como la ubicación que
tendría cada tipología de vivienda en un terreno específico (en altura o en extensión).

7
Figura 3. Detalle del Plan de Reconstrucción,
implementado luego del terremoto de 1971 en
las localidades de Ovalle e Illapel, Región de
Coquimbo. Fuente: Gobierno de Chile (1971).
Oficina de Planificación Nacional ODEPLAN.
Plan de Reconstrucción 1971-1973.

Por su parte, el 3 de marzo de 1985 la zona central es sacudida por un sismo de 8,0 grados
de magnitud Richter, con epicentro en la ciudad de San Antonio, Región de Valparaíso. El
impacto se hizo sentir entre las regiones de Coquimbo en el norte, de Valparaíso y de
Santiago en el centro y del Maule por el sur, representando el 50 % de la población nacional
de la época. Las localidades que experimentaron los mayores daños fueron Illapel, San
Antonio, Valparaíso, Santiago, Alhué y Melipilla. Junto con el terremoto de 1906 en
Valparaíso, el de San Antonio es considerado el terremoto más destructivo que hasta esta
fecha ha azotado la zona central. Se registraron 177 muertos, 2.575 heridos y 979.792
damnificados. Los daños físicos se observaron en edificaciones con sistemas constructivos
a base de adobe o conformadas por muros con albañilerías sin refuerzo (vivienda social
SERVIU) y, en algunos casos, estructuras de hormigón armado.

En el puerto de San Antonio, un 70 % de las construcciones más antiguas, levantadas con


sistemas constructivos a base de adobe, ladrillo y madera, experimentaron destrucción total.
Los más severos daños arquitectónicos se presentaron en el casco antiguo y en el barrio
poniente de la ciudad de Santiago, donde existía una alta concentración de edificaciones a
base de adobe, estructuras a base de madera con rellenos de adobillo y estructuras con
refuerzo de madera y/o ladrillo. Al sur de Santiago, la localidad de Melipilla quedó

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prácticamente en escombros, haciendo dificultosa la tarea de identificación de lo que fue
este asentamiento previo al sismo.

En esta época Chile se encontraba en plena dictadura cívico-militar alentando el desarrollo


de un modelo neoliberal con un Estado Subsidiario, situación que interrumpió Estado de
Bienestar iniciado en la década de 1930. El evento de 1985 desenmascaró la profunda crisis
social, económica de la población radicada en las áreas urbanas y rurales. A través de la
televisión y la prensa se mostró la pobreza y la marginalidad vivida en campamentos y
asentamientos urbanos irregulares. Junto a la destrucción física propiamente tal, el
terremoto aumentó el grave déficit de viviendas en los sectores urbanos y rurales,
incrementando el nivel de familias allegadas en las principales ciudades del país.

A diferencia de lo obrado en 1971, el gobierno militar no pretendió aprovechar el desastre


como una oportunidad que le permitiera implementar un plan de desarrollo de largo plazo
(Micheletti y Letelier, 2016, p. 27). No hubo un plan de reconstrucción propiamente tal. La
respuesta gubernamental fue parcial y sectorizada, adoleciendo de contar con una visión
integrada de los asentamientos humanos, ciudades y territorios. La transferencia ideológica
de las responsabilidades del Estado hacia el sector privado significó que los organismos
públicos se dedicaran solamente a funciones normativas, sin incidir en la planificación global
de las acciones.

b. Los terremotos en la pachamama: Punitaqui (1997), Tarapacá (2005) y


Tocopilla (2007)

En este periodo la destrucción fue percibida no solo en la dimensión física de los poblados
rurales y urbanos, sino, fundamentalmente como un duro golpe a las prácticas ancestrales
de producción social del espacio habitado. Los sismos desnudaron la vulnerabilidad de los
valores de las expresiones inmateriales del patrimonio, sustentadas en el fervor religioso, las
festividades asociadas y el arraigo a la tradición de la tierra por parte de las comunidades de
origen Aymara. En general, los terremotos fomentaron iniciativas de reconstrucción que
priorizaron la recuperación material y simbólica del patrimonio doméstico y vernáculo
destruido, incorporando –en la medida de lo posible- la participación de las comunidades
locales en los procesos de formulación de los planes a cargo de los organismos públicos.

9
El 14 de octubre de 1997 se produce el sismo de Punitaqui, en la Región de Coquimbo, con
una magnitud de 7,1 grados Richter. El evento hizo patente la necesidad de recuperación de
las costumbres locales vinculadas con el medio natural que habían sido seriamente
afectadas. La restitución de la calidad de vida material, simbólica y espiritual configuró un
eje fundamental en la estrategia de reconstrucción que debía aplicarse en el territorio urbano
y rural marcado por un ambiente desértico. El proceso de reconstrucción se concentró en
rehabilitar el sentido simbólico y material de la comunidad afectada, dando prioridad a
restablecer la funcionalidad económica, productiva y de servicios (PNUD-Chile, 2012, p.2).
Con objeto de rearticular estos sistemas, el Plan de Reconstrucción se planteó la idea de
que las obras de restauración permitieran un equilibrio entre las características vernáculas
del lugar y las necesidades arquitectónicas contemporáneas (Gobierno de Chile, 2009, p. 4).

Figura 4. Portada del diario El Día, Región de


Coquimbo, 15 de octubre de 1997.

Por su parte, el sismo de Tarapacá ocurrido el 13 de junio de 2005 tuvo una magnitud de 7,8
grados Richter, extendiéndose entre las regiones de Tarapacá y de Atacama. El total de
personas afectadas ascendió a 68.530, de las cuales 12 resultaron fallecidas y 12.910
damnificadas. El terremoto tuvo un fuerte impacto en un conjunto de expresiones del
patrimonio local de dichas regiones, levantado por generaciones, característicos de la
apropiación cultural, vernácula y simbólica de los poblados, en sus territorios y su
arquitectura. La respuesta estatal respondió a los compromisos internacionales suscritos por
Chile en el Encuentro “Década Internacional de Reducción de Desastres Naturales”.

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El ciclo metodológico para gestionar los efectos del sismo de Tarapacá contempló una
primera etapa de emergencia, destinada a la rehabilitación de los servicios básicos; una
segunda de mediano plazo, orientada a las tareas de reconstrucción de la capacidad
habitacional deteriorada y, una tercera, de largo plazo, cuyo objeto era reponer las obras de
infraestructura. Antes de decidir sobre las acciones de reconstrucción a implementar, fue
necesario poner atención a las costumbres de los pueblos de la zona norte. Esto significó
serias dificultades para restaurar los bienes patrimoniales provenientes de los siglos XVII y
XVIII, tales como conjuntos habitados, iglesias y monumentos históricos. Lo mismo ocurrió
con las necesidades de la población, deseosa de que se reconstruyera en los asentamientos
originales, situación que derivó en erradicaciones que destruyeron los lazos de arraigo
cultural.

El 14 de noviembre de 2007, se produce el terremoto de Tocopilla, alcanzando una


magnitud 7,8 grados Richter y abarcó desde la Región de Tarapacá hasta la Región de
Valparaíso. El evento afectó a 21.446 personas, de las cuales 2 fallecieron, 17.363
resultaron damnificadas y 4.081 quedaron en situación de albergados. La destrucción física
de la capacidad habitacional afectó a un total de 7.463 viviendas, sumado a daños severos
en edificios de servicios públicos y equipamientos escolares y municipales. La estrategia
descentralizadora del gobierno otorgó un papel protagónico a los municipios en las labores
preventivas y de emergencia.

El Estado no formuló un plan de reconstrucción específico, a través del cual se visualizara


un esquema de planificación de largo plazo. Esta deficiencia demostró que, aún en una
democracia neoliberal, el sector público carecía de una institucionalidad capaz de asumir un
auténtico proceso de planificación para la prevención y la reconstrucción. En materia
habitacional, la política consistió simplemente en iterar la otorgación de subsidios a las
familias damnificadas, con soluciones materialmente precarias que no consideraron la
conservación de la población en sus lugares de origen. La política de subsidios hizo que la
gestión de la reconstrucción estuviera sometida a las prácticas individualistas y
privatizadoras, desaprovechando el potencial de la acción colectiva (Lawner, 2007, p. 2).

La acción estatal ante el terremoto de Tocopilla reiteró las debilidades que se habían
observado con el evento de Tarapacá en 2005. Se constató que la gestión integral del riesgo
sísmico aún no se encontraba implementada en las políticas públicas con los
correspondientes los instrumentos de planificación en el mediano y largo plazo, abarcando
integralmente las tareas preventivas y las proyectivas. Se hizo patente la necesidad de

11
sistematizar periódicamente las condiciones de habitabilidad de los territorios y poblados
para conocer de antemano los niveles del riesgo sísmico.

c. Planificar el patrimonio territorial: Terremoto y tsunami de 2010

El del 27 de febrero de 2010, se desata el terremoto y tsunami con epicentro en la localidad


costera de Cobquecura, situada en la actual región del Ñuble, alcanzando una magnitud de
8,8 grados Richter. El desastre afectó una extensión de 700 kilómetros, involucrando a seis
regiones, entre Valparaíso y la Araucanía. Tuvo un efecto en el 75% de la población
nacional. El evento trajo consigo tres imágenes escalofriantes: el edificio Alto Río en
Concepción, literalmente partido en dos; la desaparición completa de poblados costeros a
causa del tsunami; y, el colapso de arquitecturas tradicionales, a base de adobe y madera
en las localidades del interior.

Como nunca antes, el desastre de mar y tierra promovió el protagonismo de la sociedad civil
y no solo de las organizaciones de ayuda benéfica, canalizando el reclamo de las
condiciones de vida que habían perdido. Este fenómeno hizo visible el abandono, la
marginación y la precaria situación social y económica de numerosos poblados costeros,
rurales y urbanos. El Gobierno, a través del Ministerio de Vivienda y Urbanismo (MINVU)
formuló el “Plan de Reconstrucción MINVU. Chile unido reconstruye mejor”.

Figura 5. Consecuencias del tsunami de 2010


en la comunidad costera de Dichato, Tomé,
Región del Biobío. Fuente: Gobierno de Chile
(2010). Servicio Nacional de Geología y Minería.
Efectos geológicos del sismo del 27 de febrero
2010: evaluación preliminar y propuesta de
actividades futuras, abril 2010, p. 3.

Los principios enunciados para el Plan de Reconstrucción se referían no solamente a


materias de recuperación física del patrimonio cotidiano, sino también a aspectos vinculados
a la restauración del hábitat, la integración social, la gobernabilidad y la sostenibilidad. La

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reconstrucción fue concebida como un proceso social que requería de la activa participación
de los actores públicos, los gobiernos locales, la sociedad civil y el sector privado.
Consecuentemente, debía verse como «una oportunidad para planificar el futuro y conservar
el pasado: la reconstrucción debe estar orientada a corregir factores de vulnerabilidad,
mantener el patrimonio cultural y fortalecer la planificación del desarrollo considerando la
variable de riesgo» (Gobierno de Chile, 2010, p. 8).

Como una medida preventiva, ante nuevos embates sísmicos y tsunamis, en los poblados
costeros el proceso de reconstrucción consideró la actualización de los Planes Reguladores
Intercomunales y Comunales, orientados a dar sustento normativo a las intervenciones. En
paralelo se confeccionaron Planes Maestros, destinados a orientar física y económicamente
las tareas de reconstrucción de la vivienda, el patrimonio, los servicios y la infraestructura
dañada. Ambos tipos de instrumentos tenían por objeto visualizar una planificación de largo
plazo, con la participación de los afectados y así elevar el estándar urbano del país y, fueron
implementados en localidades como Talcahuano, Dichato, Constitución, San Juan Bautista
(Isla Juan Fernández), borde costero de Licantén, Pelluhue-Curanipe y Cobquecura
(Gobierno de Chile, 2010, p. 36).

En el proceso de reconstrucción existió una radicalización de la perspectiva neoliberal,


centralista, sectorial y urbana, lo que enfatizó la tendencia que se venía observando por
décadas en el ámbito del comportamiento estatal frente a los desastres sísmicos (Bresciani,
2010, p. 151). La experiencia de la planificación territorial de la catástrofe desarrollada por
el Estado Subsidiario, incluidas las fases de emergencia y de reconstrucción, se
caracterizaron institucionalmente por una mezcla de improvisación y fragmentación.

Es así que, las gestiones derivadas de los planes maestros comentados, tuvieron un claro
sesgo urbano, relegando a un segundo plano a los sectores rurales (Micheletti y Letelier,
2016, p.17-18). La política pública aplicada dejó huellas profundas en el largo plazo: la
visibilización de los niveles de inequidad socio-espacial en extensas zonas urbanas y
comunidades costeras, planteando preguntas sobre cómo el patrimonio puede integrarse a
un modelo de desarrollo sostenible en términos sociales, económicos, ambientales y
culturales.

13
d. El discurso del desarrollo participativo e inclusivo: Los terremotos de
Iquique (2014) y Coquimbo (2015)

Con los eventos de 2014 y 2015 el formato de acción estatal no varió mucho en relación a la
experiencia de reconstrucción aplicada con el desastre de 2010. Al menos, a nivel del
discurso público instalado fue notoria la postura de que los sismos podrían viabilizar un
desarrollo descentralizado y con ostensible participación de las comunidades directamente
afectadas.

El terremoto y tsunami de Iquique, del 1 de abril de 2014 alcanzó una magnitud de 8,2
grados Richter, afectando las regiones de Arica-Parinacota y de Tarapacá, siendo incluso
percibido en Tacna, Perú. Los principales daños se focalizaron en viviendas emplazadas en
Iquique y sector dunar del cerro Dragón, Alto Hospicio, Huara, Pozo Almonte, Camiña,
Colchane y Pica. Muchas de las viviendas levantadas por autogestión, a base de material
ligero y sin los permisos de edificación, resultaron completamente destruidas. Las tareas de
reconstrucción habitacional requirieron consideraciones a sus valores y atributos
patrimoniales.

El Plan de Reconstrucción fue pensado para que se coordinara con las prioridades “Plan
Especial de Desarrollo de Zonas Extremas”, planteado por el Gobierno para el periodo 2015-
2022, destinado para las regiones de Arica-Parinacota y de Aysén, Magallanes, la Provincia
de Palena y la comuna de Cochamó en la región de Los Lagos. Según esto, el Gobierno
contaba con la necesaria legitimidad social y política para asumir la reconstrucción dentro de
un proceso ciudadano participativo e inclusivo. La reconstrucción debía fomentar un proceso
descentralizado, con el cual se mejoraran las capacidades regionales, locales y municipales,
tomando como base las características geográficas, sociales, culturales y económicas de las
zonas afectadas por el desastre.

El Plan de Reconstrucción se enmarcó en un “espíritu de igualdad y equidad territorial”,


otorgando al mismo tiempo, oportunidades de desarrollo a las comunidades centrales y a las
más alejadas de las regiones afectadas. Se buscó dar protección a las personas, familias y
comunidades, abordando no solo las pérdidas materiales, sino también el patrimonio social
afectado. Sin embargo, el enfoque estatal no desarrolló una visión integrada de largo plazo,
lo que se tradujo en un conjunto de medidas asistenciales apoyadas en programas
preexistentes al desastre. Más allá de los propósitos gubernamentales, frente al desastre de
Iquique se aplicó el mismo patrón subsidiario del Estado, que se tradujo en iniciativas

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asistenciales y proyectos puntuales apoyados en la refocalización de programas
preexistentes al desastre.

La ausencia de planificación de largo plazo impidió que se mejorara significativamente el


patrimonio material e inmaterial afectado, con especial atención a la vivienda. La
rehabilitación del patrimonio cultural en las comunidades arraigadas entre el mar y el
altiplano representó un complejo desafío, porque, según el Gobierno era necesario que las
acciones e inversiones contribuyeran a un desarrollo económico y social que promoviera la
«competitividad de las comunidades y su mejor preparación frente a futuros desastres
naturales» (Gobierno de Chile, 2014, p. 24).

Finalmente, el terremoto y tsunami de Coquimbo, del 16 de septiembre de 2015 tuvo una


magnitud de 8,4 grados Richter, ocasionando severos daños en las localidades costeras de
las regiones de Coquimbo y Valparaíso. En zonas situadas al interior de la región de
Coquimbo, tales como Limarí y Choapa, se registró la destrucción de lugares históricos y
expresiones del patrimonio habitacional y religioso construidos a base de piedra, adobe y
paja. Los mayores daños se originaron por la entrada de mar, con olas de hasta cuatro
metros de altura en las localidades costeras de Tongoy, Coquimbo, Los Vilos y Concón,
arrasando con viviendas precarias, equipamiento pesquero, comercio turístico, áreas verdes
y mobiliario urbano.

Más allá de las obligadas medidas asistencialistas inmediatas a la emergencia, el proceso


de reconstrucción desarrollado por el Gobierno no logró articular una imagen objetivo
sostenible y de largo plazo. La presencia del Estado en las distintas fases posteriores al
desastre no incentivó la generación de proyectos de desarrollo local sostenible. Lo que
impidió crear fórmulas de asociatividad entre los ámbitos público-privados. A diferencia del
desastre de 2010, no se replicó la estrategia basada en los planes maestros y planes de
regeneración urbana, ni tampoco se ejecutaron modificaciones sustantivas de las normas de
ordenación territorial para la gestión del riesgo en las localidades afectadas del borde
costero.

15
Figura 6. En la localidad de Illapel, Región de
Coquimbo, el terremoto dejó al descubierto los
esqueletos de antiguas edificaciones de la
primera mitad del siglo XX, construidas a base
de entramados de madera y rellenos de adobillo.
Fuente:https://ovallehoy.cl/una-persona-fallecida-
y-10-mil-afectados-deja-terremoto-en-illapel
(consultado 14/04/2021).

4. Conclusiones

En este trabajo se ha podido demostrar la relevancia documental existente entre los ciclos
sísmicos estudiados (1971-2015) y el comportamiento adoptado por el Estado, tendiente al
perfeccionamiento de las acciones de conservación y gestión del patrimonio ambiental,
urbano y arquitectónico de Chile. Al interior de esta dialéctica, cruzada por incertidumbres,
han surgido interesantes memorias que dan cuenta de un relato histórico, mediante el cual
se fortalece la dimensión identitaria del patrimonio cultural chileno, grabada en el espacio, la
sociedad y el territorio en movimiento.

En tiempos de crisis e inseguridad, las memorias construidas en torno a los desastres


sísmicos y los tsunamis, cumplen una doble función respecto del patrimonio. Por un lado
constituyen factores de revalorización los aspectos materiales e inmateriales significativos
dañados, que persisten en estado latente con una potencia disminuida. En estos casos, la
resignificación del patrimonio está íntimamente relacionada con la necesidad de reparar y
sanar los sistemas de vida y de existencia cotidiana de los habitantes. Pero, además se
comportan como una valiosa oportunidad para movilizar y materializar un proyecto de
desarrollo, cuyo legado arquitectónico y urbano nuevas generaciones podrán valorar y
conservar. En gran medida, los significados y atributos del patrimonio construido e inmaterial
de Chile resultan de la permanente adaptación a las condicionantes sísmicas del país y la
continua producción de sus memorias.

Hemos observado que en los procesos de reconstrucción tanto los actores del Estado, los
sociales como los de la comunidad científica han empujado la emergencia de diferentes
políticas públicas. La orientación que ellas tomen, dependen en alto grado del proyecto de
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desarrollo y del esquema ideológico que se sustenta en la tensión Estado-sociedad,
pudiendo desplazarse entre el Estado de Bienestar y el Estado Subsidiario. No obstante,
hasta la actualidad los instrumentos legales, normativos y técnicos de la política pública aún
evidencian una falta de integración entre la necesidad de conservación patrimonial y los
recientes desafíos que impone la gestión integral ante desastres naturales. Solamente a
partir de los eventos de 1990 y especialmente desde el terremoto y tsunami de 2010, se
aprecia una incipiente voluntad en armonizar ambos aspectos.

Para concluir, la documentación del fenómeno telúrico y sus memorias actúa como una
fuente de conocimiento teórico y práctico, capaz de incentivar el surgimiento de modelos de
planificación de la ciudad destruida y de conservación y rehabilitación del patrimonio
edificado e inmaterial. En la medida en que el riesgo sísmico sea reconocido en la acción
pública, en la sociedad y en los organismos especializados –universidades y comunidades
de expertos-, los conceptos y metodologías para el tratamiento del patrimonio ambiental,
urbano y arquitectónico podrá abordarse no como una excepcionalidad, sino como una
condición histórica y cultural propia de Chile.

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Madrid: Editorial Alianza, 1975.

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 PNUD-Chile. Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo. Cuadernillos de


Gestión del Riesgo de Desastres a nivel regional y local. Cuadernillo N° 3 Recuperación
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Gobierno Regional de Coquimbo en Chile. Santiago de Chile: PNUD, (pp. 8-15), 2012.

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Aisthesis, número 4 (pp. 129-132), 1969.

 RUIZ, Javier y otros. Forma urbana, vulnerabilidad e incertidumbre. La complejidad de la


forma urbana en relación con la catástrofe. En Ruiz-Apilánez, Borja y otros
(coordinadores). La forma urbana. Pasado, presente y perspectivas (pp. 297-304)
Castilla: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2017.

 SAID, Edward. Cultura, identidad e historia. En Schröder, Gerhart y Breuninger, Helga


(compiladores). Teoría de la Cultura. Un Mapa de la Cuestión. Buenos Aires: Fondo de
Cultura Económica, (pp. 37-53), 2005.

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06 a 08 de outubro de 2021
EIXO TEMÁTICO 3
LA ARQUITECTURA VERNÁCULA NECESITA NUESTRA ATENCIÓN

VIÑUALES, GRACIELA MARÍA

Centro de Documentación de Arquitectura Latinoamericana. CEDODAL


Montevideo 1053. 3° B . C1019ABU Buenos Aires . Argentina
cenbarro@interserver.com.ar

RESUMO
La arquitectura vernácula y la conservación de edificios son temas que están vinculados y se
retroalimentan mutuamente. Casi siempre en las obras patrimoniales se ponen en evidencia
materiales y sistemas constructivos tradicionales, de muchos de los cuales ya ni se tiene memoria y
prácticamente suele desconocerse el origen de los materiales y los pasos para su fabricación y
puesta en obra.
La historia de esas manifestaciones vernáculas es débil ya que por lo general no recibió la misma
atención que las “grandes obras”, a pesar de que algunos tratadistas antiguos pudieran dedicar
algunos aspectos que unían a los monumentos con el quehacer popular. Si bien el estudio que
pudiera hacerse de edificios antiguos podrá ofrecer algunos datos de sus calidades físicas, será difícil
entender espacios, usos y valores que estuvieron presentes en el momento de su construcción.
Los datos que poseemos al presente no cubren las expectativas de quienes trabajamos estos temas.
De todos modos, se han acumulado bastantes datos interesantes, aunque no podemos decir lo
mismo de su clasificación ni, mucho menos, de que hubiera lineamientos comunes entre zonas,
países o, simplemente, entre centros de estudio. Pareciera que cada uno va avanzando por su
cuenta. Aunque debemos admitir que algunas redes de trabajo, hoy facilitadas por las
comunicaciones, están dando frutos muy interesantes.
Pero estos avances van siendo muy dispares en los países y en la contemplación de ciertos
materiales o de los sistemas constructivos que utilizan un mismo material. También se ve que hay
materiales tradicionales -como el ladrillo y la madera- que suelen ser más estudiados en su relación
con la construcción académica y con indudable presencia en la formación de los arquitectos y
técnicos constructores, mientras que otros materiales ni aparecen siquiera en los estudios superiores.
El conocimiento de la construcción en sí es importante, pero también la consideración de los oficios,
las herramientas y el léxico. Asimismo, habría que tener en cuenta el paisaje, el ambiente y los
rituales. De todos estos aspectos es menos aun lo que se documenta. Por ello debe ahondarse en la
sistematización de conocimientos, la valoración, las transferencias, la atención en las investigaciones
y los planes de estudio y la consolidación de redes de trabajo. Sólo teniendo la documentación
clasificada y a buen resguardo podrá encararse un trabajo de investigación que conjugue los
aspectos de las diferentes regiones y que permita sacar conclusiones.

Palavras-chave: patrimonio; materiales; oficios; léxico; sistemas constructivos.

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En ocasiones anteriores hemos tratado el tema de la necesidad de documentar la
arquitectura vernácula y de las urgencias que tiene el tema. Sin embargo, el panorama no
ha avanzado con la celeridad que hubiéramos deseado. Es por eso que nuevamente
abordaremos el asunto y renovaremos los enfoques que veníamos haciendo. Ciertamente,
se han producido avances, pero ello se ha debido más a la buena voluntad de los
investigadores que a las decisiones que tendrían que haber tomado ciertas entidades
relacionadas con el tema y a las que hubiera sido bueno tener comprometidas en definir
líneas de trabajo y en generar sistemas de documentación.

Estado del arte

De todos modos, quisiéramos definir claramente a qué nos referimos cuando hablamos de
arquitectura vernácula, ya que podría existir una confusión entre tres términos que a veces
se usan indistintamente, pero que se refieren a situaciones diversas: tradicional, popular y
vernácula. Para ello hemos tomado las definiciones que nos han parecido más claras: la
arquitectura tradicional “es aquella que se niega a la sofisticación industrial y a los
materiales asociados a ella... y su proceso formal es más elaborado al integrar actores
especializados”, mientras que la popular no utiliza técnicas ni materiales propios del sitio
sino que puede usar “materiales industrializados, muchas veces erróneamente dentro del
diseño”. La arquitectura vernácula, por el contrario, “al utilizar materiales y técnicas locales
con ayuda de mano de obra calificada y de los mismos habitantes, genera arquetipos
económicos y de fácil armado con la finalidad de que sean replicados por los habitantes”
(Corrales, Salazar, Pineda, 2021). Es entonces éste el punto desde donde trabajaremos.

Ya hace tiempo que viene estudiándose el asunto de los materiales y las técnicas
vernáculas, pero esos trabajos suelen encerrarse en sí mismos y, muchas veces, sólo
centrándose en casos puntuales. Tomando en cuenta nuestra región del Mercosur,
podemos encontrar documentos escritos y dibujos realizados en siglos anteriores que nos
ayudan a comprender cómo se construía. Ejemplo de ello es lo anotado por el jesuita Florián
Paucke (Paucke, 1942-44: t.1, 169-170; t.2, 43, 271ss) ya que tiene la virtud de transcribir
detalladamente su propia experiencia y ser él mismo el que hace los dibujos. Porque otros
autores agregan ilustraciones ajenas que por lo general muestran situaciones idealizadas.
Hubo que esperar a la fotografía para tener la confianza que ofrecían los pocos autores que
iban tomando imágenes in situ.

La fotografía ha permitido documentar detalles que en el momento de la toma solían no


llamar la atención y que hoy han adquirido importancia, como las herramientas, la actitud de

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los operarios y todo el entorno en que se desenvuelve una obra en sus fases preparatorias,
su desarrollo y su finalización. Y es a todos estos detalles a los que deberíamos estar
atentos porque ellos suelen darnos pistas para la comprensión de los sistemas vernáculos,
asuntos que van más allá de lo técnico o lo formal.

Los dibujos a mano alzada levantados in situ siguen siendo una buenísima fuente de
expresión de detalles, sobre todo porque por lo general tienen indicaciones y referencias
textuales y métricas que amplían lo que en una foto o en un dibujo lineal no quedan tan
explícitos. Hoy, los sistemas computados presentan facilidades de trabajo, de registro y de
multiplicación, pero quienes se mueven sólo en este nivel suelen dejar de lado aquellos
detalles en los que se detenían quienes dibujaban en papel, especialmente los que lo hacían
en campo.

Qué es lo que falta

En tal sentido vemos que lo que hasta hoy está documentado suele omitir estos datos que,
en lo popular, son la clave para entender su arquitectura. Si bien, al querer tomar nota con
alguna urgencia, lo que el investigador observa en sus viajes y visitas deja de lado la
descripción de detalles, es importante mirar con más detenimiento y preguntar los cómo y
los por qué a las comunidades involucradas. Igualmente es indispensable propiciar la
organización de redes de trabajo, así como su desarrollo y vigencia posterior. Hoy ya hay
ciertas redes de carácter nacional y regional que en algunos casos se proyectan con más
amplitud, aunque ellas suelen centrarse en un tipo particular de material, como caña,
madera, cerámicos y, sobre todo, tierra.

También sabemos de otros tipos de redes basadas en alguna zona específica, en algún
tema, como el de vivienda o como el de carácter religioso, así como las que se extienden a
lo vernáculo en general. De todos modos, la experiencia nos muestra que las redes con
temas tan amplios pueden caer en dispersiones o en inoperancias. Por eso hay necesidad
de que las redes se constituyan proponiendo metas claras de funcionamiento y, en nuestro
quehacer, que propongan sistemas precisos de almacenamiento de los datos que se
recojan.

Posibles bases para la tarea

Sería deseable arribar a bases de datos sencillas, pero que fueran ser fácilmente llenadas y
usadas por todos los integrantes de la red. Porque uno de los grandes problemas en
muchos grupos de trabajo ha sido la insistencia de algunos miembros en colocar
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innumerables casilleros de detalle que terminan quedando en blanco y que no permiten una
ágil combinación de datos. Pero antes de eso, porque no entusiasman a los demás
investigadores que se ven frente a tal cantidad de asuntos solicitados y así, abandonan la
tarea.

Por eso, las bases deben comenzar por lo sencillo y lo eficaz a fin de que los datos permitan
un intercambio productivo entre los equipos. Una primera propuesta sería hacer un
relevamiento de centros de estudio que trabajan sobre arquitectura vernácula y de sus
respectivos proyectos. De allí podrían derivar otras bases sobre técnicas, herramientas,
glosarios, materiales, organización laboral y demás. Los sistemas actuales permiten ir
ampliando y cruzando datos que terminan formando un corpus integral de documentación
que pueda seguir actualizándose en línea. Por esa facilidad que nos dan los sistemas
actuales, se debe partir de bases sencillas con programas que tengan acceso general sin
mayores complicaciones. Lo ideal es conseguirlos en nuestras lenguas -castellano o
portugués- ya que con ello nos manejaremos bien en los más de 20 países que constituyen
nuestro ámbito iberoamericano.

Lógicamente, a la par de ello irán generándose documentos impresos y almacenándose


documentación en papel que por un lado sirva de sustento a las bases y que a través de
ellas pueda localizarse fácilmente el ejemplar físico.

La fotografía da cuenta del uso de técnicas alfareras en una construcción. Los Graneros de La Poma,
Salta, Argentina. Fotografía de la autora. Colección CEDODAL

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A ello se unirá la colección fotográfica que, como ya cuenta con sistemas establecidos, no
nos explayaremos aquí. Simplemente, diremos que confiamos en que las fototecas
existentes puedan encontrar caminos convergentes y que sus experiencias sirvan para
orientar a quienes inicien las nuevas colecciones.

Pero un tema que necesita todavía mucha atención y muchos consensos es el de la


documentación física de materiales de obra, para ser usados de diversas maneras y no
quedar como una simple acumulación de elementos curiosos. Hablamos de ladrillos,
azulejos, piedra, herrajes, cajas de electricidad, llaves de agua o de gas, y hasta puertas
enteras. Una primera idea sería la de una exhibición más o menos ordenada, pero lo
importante sería que tales materiales sirvieran de base a infinidad de investigaciones
posibles de carácter histórico, físico o químico que permitieran saber algo más de esas
piezas y de analizarlas frente a otras similares que siguen en su sitio y teniendo vida útil.

Latinoamérica y las entidades mundiales

Es indispensable que se avance en los temas propios de nuestra región ya que las
organizaciones internacionales están presentándonos dos problemas: por un lado, han
soslayado el uso de nuestros dos idiomas íberos y por otro, suelen tener una visión de
América Latina como un subcontinente exótico y unitario sin contemplar nuestra variedad
cultural y natural. Inclusive, algunas de esas organizaciones que antes usaban nuestros
idiomas hoy los han borrado de sus comunicaciones oficiales.

Basta a veces con leer un libro europeo para ver que se nos menciona como “América” sin
definir si está hablándose de una arquitectura nicaragüense o chilena, una manera de
construir de la Tierra del Fuego o de Puerto Rico. Pareciera que toda la rica variedad de
nuestro continente naufragara en una simplificación. Lo mismo sucede cuando
investigadores extraños a nuestras tierras visitan uno o dos países y creen haber “conocido
América”. Y de esa manera confunden también formas de construir, materiales, climas,
léxico y, con más razón, costumbres propias de cada rincón del continente.

De allí la necesidad de formar grupos fuertes en América Latina que se organicen en función
de nuestra propia realidad, ya sea en los temas de trabajo, ya lo fuera teniendo en cuenta
las posibilidades técnicas y hasta legales de nuestros países, en los que hay bastante
escasez de normativas que acompañen a la arquitectura vernácula, como lo hay en la
Comunidad Europea. Sin embargo, no podemos apoyarnos ni imitar lo que se hace por allá
sino definir mejor lo que hace tiempo ya estamos haciendo.

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Lo malo es que hay mucho impulso desconectado y eso nos lleva a pensar que “no se ha
adelantado demasiado”. Se ha avanzado bastante en muchos aspectos y se han armado
redes de trabajo muy interesantes que están funcionando al menos desde la década de
1980. Pero lo cierto es que hay poco ejercicio de continuidad y muchas de las redes que se
forman abandonan sus impulsos de origen cayendo en lentitudes y abatimientos. A veces
los esfuerzos realizados por los fundadores quedan sin terminar de consolidarse.

No es éste un tema propio de lo vernáculo, ya que también sucede en grupos de trabajo de


temas muy diversos y de muy distintas entidades, aun las universitarias, públicas y privadas.

Al dejarse de lado el trabajo sostenido de las redes de investigación, se abandona también


la documentación generada. En poco tiempo no se sabe qué hay ni dónde se encuentra ese
material. Hoy las posibilidades informáticas van llevando a una especie de caricatura de
redes que hace que muchos piensen que tener una ristra de seguidores de facebook o de
participantes de blogs es lo mismo que operar una red de trabajo. Y así confunden un
amontonamiento de datos virtuales con una verdadera documentación. En tales
acumulaciones no existe por lo general un orden específico y, mucho menos, un respaldo
físico de lo allí volcado, por lo que puede perderse con facilidad. Y tengamos en cuenta que
esa acumulación no se hizo basándose en un plan, sino que fue creciendo de manera
espontánea entre los interesados en el asunto, a veces con un interés efímero.

La documentación que hay a disposición

Veamos también que no es sólo una cuestión universitaria, ya que la arquitectura vernácula
siempre ha sido objeto de interés de muchas personas que la toman en cuenta desde
perspectivas diversas y por motivos muy disímiles. Por ello, la documentación que se genera
es muy variada y difícil de clasificar, más aún si consideramos que es muy probable que
haya sido producida sin un motivo específico sobre el tema, sino que apenas lo bordee. Se
hace necesario compulsar bibliografía antigua a la vez que la del último medio siglo, que
posiblemente esté mejor orientada a nuestro trabajo documental. En esa bibliografía antigua
podemos encontrar rastros arquitectónicos interesantes, como los que en el siglo XIX y en la
primera parte del XX aparecía en libros que no eran tratados arquitectónicos, sino manuales
diversos en los que había partes dedicadas a la orientación popular de quien quisiera
construir en el campo o en zonas alejadas. No olvidemos que por entonces nuestros países
recibieron fuertes oleadas inmigratorias y esos manuales les servían de guía para variados
asuntos al instalarse (Daireaux, 1904). Los datos que allí aparecen, así como los que
pueden encontrarse en antiguos contratos de construcción de provincias, suelen mostrarnos

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decisiones de obra hoy abandonadas en la ciudad, pero que aun se mantienen en la
arquitectura vernácula, como medidas, elección de materiales y otros detalles que nos dan
pautas del cómo y del porqué.

En cuanto a las imágenes antiguas y modernas es importante clasificar lo que personas y


entidades han guardado porque en general ese almacenamiento de grabados, dibujos y
fotos analógicas no ha recibido un ordenamiento. Y si nos remitimos a lo guardado en
computadoras nos encontramos que cada uno de los sistemas de imágenes tiene
problemas. Lo antiguo suele estar sin referencias porque ha sido escaneado recientemente
de imágenes analógicas sin datos. Lo moderno se almacena por fecha y no por tema, como
en el sistema Picasa, que pretende ser más inteligente que la persona que trabaja y “decide”
dónde y cómo guarda los archivos. Ni qué hablar de lo que sucede cuando se escanean
imágenes antiguas y los sistemas les adjudican la fecha del escaneo y no la de la toma
original, porque lógicamente no la conocen.

Fuera de las imágenes, es muy importante el valor de las entrevistas. Si bien durante mucho
tiempo se dejó de lado la entrevista personal ya que se la consideraba de poco valor
histórico o bien mero periodismo, la documentación oral ha ido tomando mayor importancia
en los últimos años. Justamente en el caso de la arquitectura vernácula es de fundamental
importancia ya que el trabajador es el depositario del conocimiento y el garante de un
trabajo bien hecho, trabajo que generalmente no se registra en sus detalles en libros, ni
fotografías y, menos aún, en planos.

El trabajador local es el que sabe cómo cortar las tacuaras. Manizales, Colombia. Foto Colección
CEDODAL

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En algunos sitios, como en la provincia de Huesca, en España, los colegios de arquitectos
técnicos han realizado a principios de nuestro siglo series de vídeos en los que los viejos
constructores explican antiguas formas de construir comenzando por visitar los sitios de
extracción de materiales. Luego van pasando por las diferentes fases del proceso
explicando el porqué de cada detalle, de cada tiempo de espera y maduración, lo que hay
que desechar, sopesando aciertos y errores. Pero ante estos interesantísimos materiales,
ahora se nos presentan nuevos desafíos, porque los sistemas de grabación de audio y vídeo
han ido cambiando y ya hay dificultad para reproducir el material. Casi nos vemos ante la
necesidad de estar poniendo al día VHS y casetes y digitalizándolos, sin saber tampoco si
estos nuevos formatos tendrán muchos años de vigencia.

Finalmente, sabemos que lo de audio puede pasar a papel y tener larga vida, pero las
imágenes en movimiento necesitarán rescates adecuados que deberemos considerar a
largo plazo. De todos modos, este tipo de documentación recogida de los artesanos que aun
saben cómo construir con materiales y técnicas tradicionales, necesita de toda nuestra
atención. En el caso de las entrevistas, a veces se nos hacen dificultosas ya que los viejos
maestros han sufrido a menudo el desprecio de los jóvenes y hasta de las autoridades que
buscan rapidez y eficacia económica a corto plazo. Por eso, esos artesanos a veces son
reticentes por esos malos ratos que han debido pasar. A ello se les suman dos situaciones:
por un lado, temen no saber expresarse -ya que puede costarles poner en palabras lo que
saben hacer con las manos- y por otro, la edad puede hacer dificultosa la conversación por
la vacilación o la falta de memoria.

Pero en general, el viejo albañil estará feliz de que lo tengan, por fin, en cuenta y pueda
transmitir a otros su despreciada sabiduría. Todos los detales de por qué se hacían las
cosas así o por qué no hay que hacer tal otra cosa, es fundamental para encontrar los
pequeños detalles de la arquitectura vernácula y entender los cuidados que hay que tener
en la conservación de viejas estructuras y para ayudar a no abandonar esos detalles en las
nuevas construcciones. Ello serviría también para que autoridades y normativas vieran con
otros ojos a la arquitectura vernácula, ya que esos viejos constructores darían su
experiencia práctica para definir decisiones y reglas.

No debemos olvidar lo que desde hace un tiempo viene reclamándose: que se tenga en
cuenta al obrero y al artesano, más allá del profesional que firma los proyectos o dirige las
obras. ¡Cuánto más habrá que tener en cuenta a los albañiles de las comunidades, ésos que
saben cómo se construye! Por eso, documentar lo que ellos explican es doblemente

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importante. Pero no todo termina en la entrevista. Todo debe guardarse, publicarse y
releerse.

Otra necesidad que se nos presenta es la de documentar in situ, de ver las obras en sí, ya
que éstas son un documento fundamental. Allí debe observarse lo que ya está hecho, saber
en qué época fue construido, a fin de compararlo con lo que en ese mismo sitio se construye
en la actualidad. La posibilidad de ver las variaciones que han ido haciéndose es importante
y debería indagarse por qué se han hecho los cambios, si fueron verdaderas necesidades, si
hubo variaciones porque cambiaron las costumbres o el ambiente, o porque se encontraron
formas nuevas que daban mejores resultados o, como desgraciadamente pasa, porque llegó
una moda que todos quisieron imitar. Esta documentación de etapas en una misma región
permitiría una amplitud de reflexiones.

Lo vernáculo visto como algo pintoresco

Pero muchas veces nos encontramos con que lo vernáculo se ve como algo pintoresco, que
llena propagandas de turismo o de falsas expectativas de “ambiente natural” que hoy se
relacionan con la vida al aire libre, lo llamado “ecológico” y otras denominaciones atractivas.
Pero no se cae en la cuenta de la sabiduría que contiene y que va más allá de algo visual.
Toda la sabiduría acumulada parece entonces quedar relegada a un sitio de entretenimiento
y comercialización.

El traslado de las casas entre las islas de Chiloé, Chile, no es un tema turístico, sino una costumbre
vernácula. Foto Colección CEDODAL
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Tampoco parece verse que hay grupos humanos distantes que, aun sin conocerse, terminan
encontrando soluciones parecidas ya que su entorno físico y social tienen similitudes. Hay
ejemplos interesantes con el uso de zapatas de madera, aunque ello podría ser fruto de
antiguos intercambios. Pero hay otros en los que parece más difícil esta conexión, como los
puentes de criznejas que hoy se conservan en el Perú y son parte del Camino Principal
Andino -Patrimonio Mundial-, que tienen “hermanos” en ciertas partes de Pakistán. Ni qué
hablar de soluciones similares en muchos lugares con adobes, tapiales o techos de paja. Lo
importante es saber que esas coincidencias o parecidos han llegado a lo que hoy vemos
después de que las comunidades fueran mejorando paso a paso evaluando sus aciertos y
errores y fueran tomando decisiones de corrección.

Pero esos pequeños cambios que se hacen para perfeccionar las técnicas a veces se ve
golpeado por cambios ambientales, ya fuera los de origen natural como un cambio climático
o un sismo, ya fuera los generados por intrusiones humanas en su entorno. En tal sentido, la
deforestación que en muchos lugares se va produciendo, deja sin elementos vegetales
indispensables para partes de la construcción. A ello se une el hecho de que en los
alrededores no se encuentra otro elemento que pueda substituirlo. Entonces, se produce un
quiebre en una línea vernacular que venía siendo ajustada lentamente y la comunidad se
encuentra frente a decisiones que deben tomarse con rapidez. Documentar estas
alteraciones es también importante para entender por qué se han producido los cambios, sin
atribuirlos a innovaciones internas sino a necesidades generadas por el contexto.

Si bien en casos como los comentados la comunidad recibe influencias externas, también
hay que ver el caso contrario: cuando la arquitectura vernácula ofrece soluciones
inteligentes que son tomadas por la arquitectura académica -o “seria”, como también se la
llama-. Hay muchos ejemplos y los tratados de arquitectura lo reflejan tanto en sus
materiales y en sus disposiciones, como en las herramientas cuyo diseño proviene de lo
vernáculo. A veces uno se sorprende cuando conoce cómo se construía en la Mesopotamia
asiática formando grupos de adobes atados con una soga y constata que fue ése el origen
de la columna salomónica. Y lo mismo podría decirse de tantas soluciones que llegaron a
consagrarse entre los profesionales posteriores.

Se genera poca documentación

Pero a lo largo del tiempo mucha documentación va perdiéndose y toca a los arqueólogos o
a los historiadores encontrar esas viejas raíces. En vista de ello deberíamos examinar lo que
ha ocurrido en las últimas décadas, cuando se produce poca documentación, se anota en

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elementos frágiles y dispersos y termina sin tener una clasificación ni una buena
conservación. Los apuntes se toman en papeles sueltos o en grabaciones que no actualizan
su sistema, Inclusive, a veces esos apuntes son insuficientes para reflejar lo que esa
arquitectura y su entorno nos ofrecen. Es así que ya desde un principio, la documentación
que queda es poca y ese poco que se genera no se conserva bien.

La mayoría de las veces vemos que no se resguarda ni se clasifica porque no existe un


modelo práctico, flexible y normalizado que ayude a estos aspectos de cuidado; es que a
veces no se sabe cómo almacenar, clasificar ni recuperar los datos. Así, aunque esté
protegida y guardada de polvos, humedades e insectos, suele estar amontonada.

Si bibliografía y fotografía tienen sus reglas casi universalmente conocidas, no pasa lo


mismo con planos y dibujos y mucho menos aún con apuntes de campo, que no llegan a
tener un criterio similar en los centros de investigación y, por ello, tampoco generan fichas
de relevamiento compartidas con otros colegas.

Asimismo, hay puntos que quedan bastante de lado, como el de las herramientas, los
sistemas de organización laboral, el entorno físico, las amenazas y las oportunidades del
momento, así como los ritos constructivos y las simbologías asociadas. Aunque es bueno
contemplar que en cuanto a léxico y glosarios hay un interés especial y es un punto en el
que se han dado pasos importantes.

Preparación comunitaria del embarrado para la quincha en Panamá. Foto Colección CEDODAL

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De todos modos, insistimos que es indispensable tener presente que muchos de los centros
y de las redes de trabajo no tienen suficiente continuidad y que ello obliga a estar atentos a
absorber materiales ajenos que quedan desamparados. Por ello, sería de interés que
cuando se formaran redes, se definiera desde un principio cómo se cerrará el trabajo y qué
destino posible tendrá el material generado.

Conclusiones

Sólo teniendo la documentación clasificada y a buen resguardo podrá encararse un trabajo


de investigación que conjugue los aspectos de las diferentes regiones y que permita sacar
conclusiones.

Pero hay que correr contra el tiempo pues mucha documentación física existente está en
peligro y mucha documentación oral se pierde al no ser tomada en cuenta en el momento
preciso y por no dársele un resguardo suficiente.

También es necesario encontrar maneras prácticas de clasificar el material y, de algún


modo, tratar de consensuar modelos flexibles y sencillos que permitan unir conocimientos de
diferentes lugares y cubrir los baches notorios que tiene el tema.

Es indispensable lograr el reconocimiento de esta arquitectura por parte de quienes manejan


patrimonio, así como el ingreso del tema en planes de estudio. Igualmente hay que atender
a las posibles transferencias conceptuales, no sólo materiales, y con ello consolidar las
redes de trabajo.

Pero la acumulación de datos puede tornarse inoperante -y casi diríamos inútil- si ella no
alcanza una cierta clasificación que lleve a concretarse en ediciones, o si tales ediciones
sólo llegan a un público reducido.

Porque si la documentación no trasciende la esfera académica no llegará a ser considerada


por la normativa de los países, ya que la desconocerán y entonces, esa normativa irá en
contra de la arquitectura vernácula y será su propia “demoledora”. Promover su
reconocimiento ayudará a que los códigos la tomen en cuenta, no la destruyan ni alteren su
sentido.

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Bibliografía

Corrales Blanco, Juan C.; Pineda Iriarte, Ana P.; Salazar Rodríguez, Cecilia C.,
“Revalorización de la arquitectura vernácula. Módulo de vivienda para una comunidad
asháninka de Alto Kamonashiarii”, Limaq 7, Lima, Universidad de Lima, junio 2021, pp.175-
200.

José, Néstor; Viñuales, Graciela María, “Arquitecturas de tierra. Recuperando tradiciones”.


En: Temas de la Academia: Arte y Tecnología. Lo local en lo global. Buenos Aires,
Academia Nacional de Bellas Artes, 2008, pp. 71-85.

Paucke, Florián, Hacia allá y para acá (Una estada entre los indios mocobíes, 1749-1767). 4
vol. Tucumán - Buenos Aires, Universidad Nacional de Tucumán, 1942-1944.

Viñuales, Graciela María (ed.), Arquitectura vernácula iberoamericana, Sevilla: Red AVI,
2013.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

LA ARQUITECTURA VERNÁCULA NECESITA NUESTRA ATENCIÓN

Graciela María Viñuales (cenbarro@interserver.com.ar)

La arquitectura vernácula y la conservación de edificios son temas que están


vinculados y se retroalimentan mutuamente. Casi siempre en las obras
patrimoniales se ponen en evidencia materiales y sistemas constructivos
tradicionales, de muchos de los cuales ya ni se tiene memoria y prácticamente
suele desconocerse el origen de los materiales y los pasos para su fabricación
y puesta en obra.

La historia de esas manifestaciones vernáculas es débil ya que por lo general


no recibió la misma atención que las “grandes obras”, a pesar de que algunos
tratadistas antiguos pudieran dedicar algunos aspectos que unían a los
monumentos con el quehacer popular. Si bien el estudio que pudiera hacerse
de edificios antiguos podrá ofrecer algunos datos de sus calidades físicas, será
difícil entender espacios, usos y valores que estuvieron presentes en el
momento de su construcción.

Los datos que poseemos al presente no cubren las expectativas de quienes


trabajamos estos temas. De todos modos, se han acumulado bastantes datos
interesantes, aunque no podemos decir lo mismo de su clasificación ni, mucho
menos, de que hubiera lineamientos comunes entre zonas, países o,
simplemente, entre centros de estudio. Pareciera que cada uno va avanzando
por su cuenta. Aunque debemos admitir que algunas redes de trabajo, hoy
facilitadas por las comunicaciones, están dando frutos muy interesantes.

Pero estos avances van siendo muy dispares en los países y en la


contemplación de ciertos materiales o de los sistemas constructivos que utilizan
un mismo material. También se ve que hay materiales tradicionales -como el
ladrillo y la madera- que suelen ser más estudiados en su relación con la
construcción académica y con indudable presencia en la formación de los
arquitectos y técnicos constructores, mientras que otros materiales ni aparecen
siquiera en los estudios superiores.

El conocimiento de la construcción en sí es importante, pero también la


consideración de los oficios, las herramientas y el léxico. Asimismo, habría que
tener en cuenta el paisaje, el ambiente y los rituales. De todos estos aspectos
es menos aun lo que se documenta. Por ello debe ahondarse en la
sistematización de conocimientos, la valoración, las transferencias, la atención
en las investigaciones y los planes de estudio y la consolidación de redes de
trabajo.

Sólo teniendo la documentación clasificada y a buen resguardo podrá


encararse un trabajo de investigación que conjugue los aspectos de las
diferentes regiones y que permita sacar conclusiones.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

EM BUSCA DO PASSADO DE NATAL NAS CRÔNICAS DE AUGUSTO


SEVERO NETO

Natália Melchuna Madruga (natalia.mmadruga@gmail.com)

O presente trabalho tem como objetivo buscar as representações da cidade de


Natal na literatura das crônicas de Augusto Severo Neto (1921-1991),
publicadas no livro Ontem Vestido de Menino (1985). As representações,
segundo a abordagem da história cultural, são as apreensões e reflexões que
os indivíduos têm sobre algo, como por exemplo a cidade, seus
acontecimentos e sociedade, que é o objeto de estudo deste trabalho. A busca
por representações da cidade é uma forma de estudar o passado do lugar, sem
o foco tradicional na história política de grande acontecimentos, e assim se
aproximar da história das pessoas comuns que viveram na cidade real. Além
disso, utilizar crônicas para estudar a história da cidade, apesar de não ser
uma fonte tradicional, é um material muito rico já que trata de um gênero
textual em que a história se desenvolve a partir de observações do cotidiano,
então a cidade, suas singularidades e habitantes estão geralmente presentes
nas narrativas. As crônicas trabalhadas neste artigo, referem-se à Natal dos
anos 1920, 1930 e 1940 décadas da juventude do autor, e através delas,
Augusto Severo Neto ao descrever suas memórias, conta quais eram os
costumes natalenses, o cotidiano na cidade e suas observações sobre o que
vivia, e de certa forma colabora para o resgate de uma parte do passado da
cidade que não é encontrado nos livros de história, em museus e nem edificado
na paisagem urbana
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

PATRIMÔNIO TERRITORIAL DO IMIGRANTE NO ESPÍRITO SANTO:


Forma das adaptações espaciais. História e documentação

MAYER, VANESSA K. (1); ALMEIDA, RENATA H. (2)

1. Arquiteta e Urbanista, Universidade Federal do Espírito Santo


Vanessa Krohling Mayer
vanessakm1@hotmail.com

2. Universidade Federal do Espírito Santo. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Avenida Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras – Vitória – ES 29075-910
renata.almeida@ufes.br

RESUMO
Considerando a inestimável contribuição do imigrante na constituição e configuração do território do
estado do Espírito Santo, e, identificando o restrito conhecimento histórico e documental acerca da
temática, o artigo apresenta conhecimento acerca do patrimônio edificado pelos imigrantes, no
período entre 1850 e 1950, a fim de revelar valores ambientais, territorial-paisagísticos e
socioeconômicos, e auxiliar no processo de valoração patrimonial. A metodologia adotada é
qualitativa e se realiza por meio de revisão bibliográfica, iconográfica e cartográfica, seguida da
elaboração de banco de dados, subsídio para a elaboração de inventário do patrimônio territorial, em
escala estadual, em dois suportes: fichas cadastrais individuais e mapas georreferenciados
produzidos com o software QGIS. O resultado inclui reconhecer as particularidades do patrimônio do
imigrante no Espírito Santo e fixar fundamentos para um ordenamento territorial integrador de
sedimentos materiais de longa duração. No referente ao banco de dados, os resultados revelam (i) o
projeto de colonização do território, realizado por meio de assentamentos de imigrantes europeus em
pequenas propriedades, destinadas à cultura cafeeira operada por agricultura de tipo familiar, (ii) o
desinteresse atual relativamente ao patrimônio do imigrante, (iii) a predominância da arquitetura
residencial em relação à comercial, e à rural em relação à urbana e associado isolamento entre
indivíduos e comunidades. No que se refere ao território, o mapeamento subsidia e amplia o
conhecimento acerca da imigração e do processo de povoamento do estado: no primeiro momento
(1859-1900), na direção Leste-Oeste, do litoral para o interior, com uma comunicação muito precária
no sentido norte-sul; no segundo momento (1901-1950), na direção Sul-Norte, viabilizada pela
abertura de estradas e expressa em assentamentos situados acima da margem esquerda do rio
Doce. Além do bando de dados, a metodologia representacional adotada para o mapeamento com
tecnologia digital demonstra passo importante para a documentação e representação do tema da
pesquisa. Trata-se de um passo adiante, em vista dos registros encontrarem-se majoritariamente em
suporte físico. Somado a isso, o QGIS se apresenta como ferramenta relevante para a manipulação
de dados para a produção de mapas georreferenciados em diversas escalas do território. O propósito
é atingido, no que se refere à contextualização temporal e espacial do território, à documentação do
patrimônio territorial através do banco de dados, e ao reconhecimento de particularidades do
patrimônio do imigrante no Espírito Santo.

Palavras-chave: Patrimônio territorial; Imigrante; História; Documentação; Espírito Santo.

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06 a 08 de outubro de 2021
Introdução

Ainda que o povoamento do Espírito Santo tenha começado com a fundação de Vila Velha,
a exploração do território da capitania do Espírito Santo até meados no século XIX se limita
praticamente ao litoral. É por isso que Roche (1963, p.17) qualifica a penetração portuguesa
como "lenta e limitada" no Espírito Santo. A então província, até meados do século XIX, não
passa de mera divisão administrativa e não pesa na balança econômica nacional, como
afirma Derenzi (1974, p. 33). O desprezo luso-brasileiro dessas áreas em formar povoações
decorre do difícil acesso da região montanhosa do centro. Roche (1963) e Rölke (2016)
relatam a dificuldade de acesso a essa região e de instalação dos imigrantes, sendo essa
determinada pela geografia e não pela fertilidade do solo ou distribuição da vegetação.1

Frente a esse contexto, o Governo Imperial promove política de imigração, a fim de mudar
esse quadro. De acordo com Rölke (2016, p. 141), os principais motivos são o
preenchimento de extensas áreas desabitadas; a substituição de mão de obra de sujeitos
escravizados, em razão de forte pressão internacional para a abolição; e o favorecimento do
“branqueamento” da nação. Somado a isso, Posenato (1997, p.15) destaca as difíceis
condições sociais e econômicas enfrentadas na Europa pós revolução industrial, como
superpopulação, doenças endêmicas, fome, guerras e desemprego, como fatores
impulsionadores da imigração europeia para províncias brasileiras.

No Espírito Santo, os primeiros colonos que chegam em Vitória, de origem germânica, são
estabelecidos em instalações provisórias até serem transferidos para as terras destinadas à
colonização, onde cada família de imigrantes recebe prasos do Governo Brasileiro, para que
construírem suas casas e trabalharem em lavouras. Roche (1963) chama de "terras altas" o
território cedido aos primeiros imigrantes, devido às particularidades geomorfológicas dos
locais de assentamento. À medida que as famílias se fixam em lotes definitivos, vão
construindo suas residências definitivas. Até o final do século XIX, o Espírito Santo recebe
levas de imigrantes de origem germânica, italiana, tirolesa, suíça, holandesa,
luxemburguesa, polonesa, entre outros.

Apesar da relevância do imigrante na constituição do território do Espírito Santo, pouco se


conhece acerca do patrimônio constituído pelos colonos, pois são restritos os estudos e

1
Este artigo é produto da pesquisa elaborada na iniciação científica 2018-2019 (bolsista CNPq) junto ao
Patri_Lab, inserido na pesquisa intitulada "Documentação e representação do Patrimônio: Aproximação teórico
metodológica", orientado pela professora Renata Hermanny de Almeida.
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documentação dedicados aos sedimentos materiais e cognitivos2 herdados desse período.
Segundo Lima (2017, p. 72), a arquitetura é um testemunho histórico-cultural capaz de
construir identidades coletivas e fortalecer elos de uma comunidade com sua cultura
originária. Nesse sentido, alcançar a expansão do conhecimento acerca do patrimônio
edificado se torna relevante para a compreensão de sua importância social, econômica e
cultural na formação do Espírito Santo, assim como contribuir na valoração de seus
sedimentos materiais e cognitivos em prol de processos futuros de preservação.

Estudos dedicados à temática da imigração estrangeira no Espírito Santo, de âmbito


historiográfico, são de dois tipos: um relativo à trajetória do processo de ocupação -quando,
onde, quem- e outro relativo aos sedimentos materiais resultantes desse mesmo processo.
Respectivamente, um mais amplo em termos quantitativos e elaborado em uma
temporalidade mais alargada (Wagmann, 1949; Roche, 1963; Derenzi, 1974; Rocha, 1984;
Francischetto, 2014; Rölke, 2016); um muito restrito em termos quantitativos e elaborados
nas últimas décadas do século XX (Muniz, 1989; Posenato, 1997).

Frente a esse contexto, apresenta-se narrativa histórica orientada à ampliação do


conhecimento, compreensão e revelação de valores ambientais, territorial-paisagísticos e
socioeconômicos do patrimônio edificado no período compreendido entre 1850 e 1950.
Compreendendo o território como elemento estruturante de identidade territorial local, a
narrativa se desenvolve por meio de contextualização temporal e espacial do patrimônio
territorial3 e documentação por meio inventário e cartografia e reconhecimento de
particularidades do patrimônio do imigrante no Espírito Santo. Metodologicamente, a
narrativa se estrutura em abordagem qualitativa, descritiva e analítica, seguindo sínteses
decorrentes de duas etapas, cada uma elaborada em duas fases: primeira etapa, pesquisa
bibliográfica e documental; segunda etapa, estruturação de banco de dados e elaboração
cartográfica geoinformacional. Em conjunto, as duas etapas permitem a elaboração do

2 Os sedimentos materiais e cognitivos são termos fundamentados pela Escola Territorialista Italiana fundada na
Itália, por Alberto Magnaghi, cujos estudos se voltam para a análise e projeto com vistas ao desenvolvimento
local sustentável. Os sedimentos são:
Cognitivos: a) De sabedoria ambiental (uso adequado de recursos; conhecimento e técnicas de cultivo, técnicas
de salvaguarda hidrogeológica; relação sinérgica entre sistemas de produção e construção e condições
ambientais); b) Sedimentos identitários (respeito aos modelos socioculturais de longa duração, como
permanências linguísticas, étnicas, culturais e sociais, conhecimentos produtivos, artísticos e construtivos,
subculturas, etc); Materiais: a) Elementos de memória retificada na paisagem que são subsumidos na cultura e
na vida cotidiana, conotados como permanências ou persistências. Constituem historicamente um acúmulo
inteligente de informações para identificação de tipos territoriais e as regras para seu desenvolvimento.
Fornecem restrições e recursos para os próximos ciclos de territorialização. (GLOSSÁRIO, 2018, p. 21).

3 Segundo Alberto Magnaghi (2005, p. 59) o patrimônio territorial é resultado do processo histórico de
territorialização - o qual surge por meio da integração dos componentes ambientais com os elementos
construídos e os componentes antrópicos.
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inventário do patrimônio territorial do imigrante europeu no Espírito Santo4. Esse processo
elucida o entendimento da imigração, no que diz respeito à ocupação do território do Espírito
Santo e ao patrimônio constituído pelo imigrante, materializado na forma de aglomerações
espaciais e permite avaliar o estado da arte acerca de tais temáticas.

A documentação elaborada para o recorte temporal adotado -1850-1950-, enfatiza o


material iconográfico, fotográfico e cartográfico. Os registros fotográficos são valiosos para a
interpretação da arquitetura em suas dimensões técnicas e formais, e os registros
cartográficos por permitirem a elaboração de uma síntese de assentamento territorial (bens
etnotrópicos, estradas históricas, núcleos históricos). Com a documentação, organiza-se um
banco de dados em suporte digital integrado por fichas, tabelas e gráficos, constituinte da
base do inventário do patrimônio territorial: fichas cadastrais e mapas georreferenciados. As
fichas cadastrais contemplam edificações para as quais são identificados, ao menos,
fotografia e localização (município), sendo o nível máximo de informação a edificação
georreferenciada e o cadastro arquitetônico. Para sua elaboração, adota-se o modelo de
utilizado pelo DOCOMOMO Internacional, no modelo ficha mínima, modificado segundo
particularidades da arquitetura do imigrante. Os mapas georreferenciados elucidam o
território ocupado pelos imigrantes a partir da arquitetura reunida no banco de dados. O
software utilizado é o QGIS versão 3.6.3.

Pesquisa bibliográfica e documental

A pesquisa se inicia com pesquisa bibliográfica no que se refere a contextualização histórica


da imigração no Espírito Santo, por meio do levantamento de fontes bibliográficas acerca da
temática. Nesse sentido, elabora-se listagem desse levantamento bibliográfico, dividindo-se
em história e arquitetura. É constatado que o número de fontes que tratam da história da
imigração é maior do que o que trata do patrimônio arquitetônico do imigrante no Espírito
Santo: 74 e 27 referências, respectivamente. Confirma-se, assim, o pressuposto de que as
pesquisas acerca do patrimônio constituído pelos imigrantes são restritas.

Das pesquisas produzidas em faculdades e/ou universidades, as da Universidade Federal


do Espírito Santo revelam-se mais numerosas. Fazem contribuição, principalmente, aquelas
produzidas pelos alunos de graduação e pós-graduação nos cursos de História, Geografia e
Arquitetura e Urbanismo. Os geógrafos fazem valiosa contribuição quanto ao estudo

4
As principais fontes acerca da temática resultam de pesquisa em acervos físicos e digitais, como Secretaria de
Estado da Cultura (SECULT), Arquivo Público do Espírito Santo (APEES), trabalhos acadêmicos produzidos por
estudantes de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, principalmente da Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES), Instituto Jones dos Santos Neves, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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territorial, abordando o território em âmbitos ambientais e socioeconômicos, principalmente.
Além disso, as publicações do APEES se revelam relativamente numerosas acerca da
história da imigração.

Nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, a temática começa a ser explorada em 1988, com
um trabalho de conclusão de curso, na Universidade Federal do Espírito Santo. A partir dos
anos 2000, trabalhos de conclusão de curso acerca da temática são elaborados em
faculdades particulares. Mesmo assim, a soma desses trabalhos é baixa. Contudo, destaca-
se pesquisas a nível de pós-graduação, nas quais destaca-se as produzidas por
pesquisadores do Patri_Lab (Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento), do Centro de
Artes, UFES, cuja temática é recorrente nas dissertações.

Quanto aos estudos acerca da arquitetura, percebe-se preferência pelo estudo da


arquitetura dos imigrantes de origem italiana. Apesar da maior leva de imigrantes recebida
no Espírito Santo ter sido da Itália, soma-se a imigração alemã, pomerana, tirolesa,
holandesa, luxemburguesa, suíça, entre outras. Essa pluralidade impede qualquer
generalização, pois as referências culturais se vinculam a cada país de origem dos
imigrantes, resultando, por exemplo, em distintas tipologias técnico-construtivas e estético-
formais.

A pesquisa da documentação e da conservação patrimonial tem como importante referência


o arquiteto e urbanista Mário Mendonça de Oliveira (2008), em Arquitetura e documentação:
novas perspectivas para a história da arquitetura. Ele afirma que um dos instrumentos
importantes para a preservação da memória é o seu registro iconográfico, de qualquer
natureza, Oliveira (2008, p. 13). Dito isso, a representação cadastral se apresenta como
forma de preservação da memória. O autor atenta que a imagem, por sua vez, não substitui
o objeto, no entanto, trata-se de maneira de manter contato com o passado. Ainda segundo
Oliveira (2008, p. 13), a representação cadastral é instrumento inseparável para a
intervenção em monumentos. Os cadastros, quanto mais exatos feitos, permitem leitura
mais detalhada do objeto arquitetônico e suas transformações. Para revelar as
particularidades da arquitetura deste objeto de estudo, através de análise histórico-crítica do
monumento, o cadastro é essencial, pois permite leitura e entendimento das proporções do
projeto original e identificar eventuais traçados reguladores que comandaram a concepção
da arquitetura.

Ainda numa investigação acerca da documentação e conservação patrimonial, ressalta-se o


trabalho do arquiteto e urbanista Leonardo Barci Castriota (2009; 2011). O autor ressalta
que o patrimônio arquitetônico é, inicialmente, coleção de objetos representantes
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significativos da arquitetura do passado dignos de preservação, Castriota (2009, p. 84). No
entanto, tal concepção vai sendo ampliada, ao longo do século XX, para a ideia de
patrimônio cultural integre questões socioeconômicas, técnicas, estéticas e ambientais.
Castriota (2009, p. 87) declara, assim, que qualquer intervenção sobre o patrimônio se trata
de uma ação sobre o presente e uma proposta para o futuro.

Banco de Dados

Delineada a bibliografia do estudo, inicia-se a organização, em suporte digital, do banco de


dados. Primeiramente, é feita a reunião da arquitetura da imigração documentada, e este
material é organizado em forma de fichas cadastrais iniciais e tabelas.

Para isso, dentro da listagem da bibliografia referente à primeira etapa, é feita seleção de
referências bibliográficas que documentam a arquitetura da imigração no Espírito Santo, em
forma de fotografias e cadastro arquitetônico. Nesse sentido, pode-se destacar as
publicações de Muniz (1989) e Posenato (1997). Ainda sobre trabalhos que documentam a
arquitetura em forma de fotografias e cadastro arquitetônico, destacam-se trabalhos
acadêmicos nos quais destacam-se os produzidos pelos alunos da Universidade Federal do
Espírito Santo (Müller, 1991; Marchiori, 1994; Spavier, 1994). É valioso, também, o Catálogo
Patrimônio Cultural do Espírito Santo - Arquitetura (ESPÍRITO SANTO, 2009), publicação
esta que reúne todos os bens imóveis tombados pelo Estado e pela União existentes no
Espírito Santo, sendo pertinente a este estudo apenas a arquitetura de origem de
imigrantes. Também é consultada a resolução de tombamento de Itapina, uma vez que o
sítio histórico possui arquitetura de origem italiana e seus exemplares não se encontram no
catálogo por ter sido tombado depois da publicação. Há, ainda, publicações que não tratam
particularmente da arquitetura, mas que a documentam por meio de fotografias - sem o
cadastro arquitetônico - junto da descrição do local onde estão inseridas. Esse tipo de
registro é também significativo para a construção do banco de dados. Nesse sentido,
destacam-se os livros publicados pelo APEES, que tratam sobre o processo de imigração
(Grosselli, 2008; Franceschetto, 2014; Lopes, 2003; Tschudi, 2004). A contribuição de Lopes
(2003) e Tschudi (2004) é valiosa pelos registros fotográficos de Victor Frond e Albert
Richard Dietze, dois fotógrafos que, na segunda metade do século XIX, registram diversas
localidades das primeiras colônias no Espírito Santo, elucidando o início do processo de
imigração. Este acervo também pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Digital.

É importante destacar a importância dos trabalhos que se propõem a fazer o cadastro


arquitetônico, uma vez que tal documentação não existe, já que a construção das
residências - principalmente rurais - não utiliza de desenho técnico de plantas, cortes, etc.
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Já foi destacado neste estudo, a importância de documentar a arquitetura para efeito de
memória, preservação e intervenção.

Os estudos que elaboram o cadastro arquitetônico não existem em meio digital - a mais
recente delas é de 1994. Sendo assim, é necessário escanear todo este material para poder
armazená-lo e organizá-lo digitalmente. O mesmo ocorre com as fotografias das publicações
que não existem em meio digital: todo o material selecionado é escaneado. Cataloga-se as
edificações do tipo residencial, comercial, religioso, misto (residencial e comercial) e público
(escola, museu, por exemplo); não constando edificações complementares como moinho,
paiol, campanário, etc e nem edificações ocupadas por imigrantes sem terem sido
construídas por eles (é o caso de fazenda de café). Este processo, além de contribuir para a
organização do acervo, contribui para a execução do mapeamento georreferenciado e
permite a visualização em tabelas e gráficos com os dados organizados. A figura 1
apresenta o quadro síntese do banco de dados da arquitetura com o respectivo quantitativo.
As edificações levantadas somam 383 e dividem-se em 31 municípios do estado. O
município que mais possui edificações levantadas é Santa Teresa, município com imigrantes
predominantemente italianos, seguido de Santa Leopoldina que possui sítio histórico
tombado. A seguir, está o município de Domingos Martins, originado da colônia de Santa
Isabel. Tais quantitativos são esperados, de acordo com a pesquisa bibliográfica, uma vez
que tais municípios são território das colônias mais antigas.

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Figura 01: Quadro Síntese

Fonte: Autoras (2019).

Os dados do gráfico são, posteriormente, destrinchados em gráficos, como observado na


figura 2. Eles mostram que mais da metade das edificações não possuem data de
construção conhecida, e a minoria pertence ao recorte de 1850-1900. Além disso, a grande
maioria está localizada em zona rural, reflexo do tipo de colonização que ocorrida no estado
- em núcleos isolados. Sendo assim, é esperado que o número de edificações residenciais
seja realmente muito maior que as comerciais ou mistas. O número de edificações que
possuem cadastro arquitetônico, por sua vez, é muito baixo, como observado na fase de
revisão bibliográfica, assim como as edificações tombadas e as georreferenciadas.

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Figura 2. Gráficos referentes ao quadro síntese

Fonte: Autoras (2019).

Inventário do Patrimônio Territorial

O inventário do patrimônio territorial compreende as fichas cadastrais individuais e os mapas


georreferenciados utilizando o software QGIS. As fichas cadastrais individuais reúnem todas
as informações históricas e iconográficas em um só arquivo. Elas contêm breve descrição
arquitetônica, data de construção, materiais utilizados, endereço, reformas e alterações,
construtores, etc. Como visto no banco de dados, a maioria das edificações carece de
dados. A figura 3 mostra uma residência presente no banco de dados.

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Figura 3. Residência em Venda Nova do Imigrante - ES.

Fonte: Spavier, 1994, p. 73 a 79.

A residência, construída em 1908, está localizada no município de Venda Nova do Imigrante


e se desenvolve em dois pavimentos. No primeiro está a sala, por onde é a entrada da
residência, e dois quartos. No segundo pavimento há mais cinco quartos. O anexo foi
construído mais tarde aos fundos da residência e se encontra em um nível inferior,
acompanhando o terreno em declive. Nele está a cozinha, área de serviço e despensa.

Quanto ao mapeamento georreferenciado, ele elucida temporal e espacialmente o território


ocupado pelos imigrantes no Espírito Santo, contextualizando a arquitetura do banco de
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dados com as fontes bibliográficas e documentais. O software utilizado é o QGIS com
sistema de coordenadas SIRGAS200, UTM, zona 24s. Este software, projetado pela Open
Source Geospatial Foundation (OSGeo), trata-se de um Sistema de Informação Geográfica
(SIG) de código aberto e uso gratuito. A versão aqui utilizada é a 3.6.3.

Para o mapeamento do Espírito Santo, são produzidos dois mapas: o primeiro representa o
recorte de 1850-1900 e o segundo, o recorte de 1901-1950. Como base para a execução
destes mapas são utilizadas as bases do limite municipal, disponibilizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de acordo com o recorte temporal de cada
mapa. São identificadas as sedes municipais e também a capital. Para a visualização do
relevo, é gerado o hillshade a partir de operação interna, utilizando o shapefile de pontos
cotados e curva de nível. Finalmente, compondo ainda a base, são representados os rios
principais do Espírito Santo, a partir da filtragem do shapefile referente ao trecho de
drenagem do estado, disponibilizado pelo GEOBASES. Com as bases prontas, ambos os
mapas são construídos separadamente.

O primeiro, nominado “Território da imigração no Espírito Santo em 1900”, representa os


núcleos coloniais pioneiros, os trechos navegáveis por canoas, estradas, e comunidades
com arquitetura levantada.

Os núcleos coloniais pioneiros são os primeiros territórios coloniais do estado, são eles
Santa Isabel (1847), Santa Leopoldina (1857), Rio Novo (1855), e os núcleos coloniais de
Santa Teresa e Santa Cruz, pertencentes à Santa Leopoldina. Tais territórios são chamados
de pioneiros pois representam apenas as primeiras colônias, uma vez que, até 1900,
grandes levas de imigrantes chegam no estado e ocupam diversas outras áreas. A
identificação dessas áreas foi feita a partir da Planta da parte da Provincia do Espirito Santo
em que estão comprehendidas as colônias - organizada na Inspectoria Geral de Terras e
Colonisação pelos engenheiros C. Cintra e C. Rivierre, datada de 1878, utilizando como
referência os leitos dos rios para a delimitação das colônias indicadas, uma vez que este
mapa, por ser antigo, não representa a realidade pois os limites geográficos não estão
totalmente corretos.

Identifica-se, também, os trechos navegáveis por canoas, de acordo com o Mappa geral da
Provincia do Espirito Santo relativo as Colonias e Vias de Comunicação por C. Krauss,
datado de 1866. Tais trechos são importantes para os colonos pois as estradas ainda são
muito precárias. Neste mapa, são identificados tais trechos na legenda e, são eles, o rio
Santa Maria - da ilha das caieiras até o Porto de Cachoeiro; o rio Marinho - canal construído

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em 1740 pelos Jesuítas; o rio Jucu - de sua barra até o limite com o município de Vianna; e
o rio "Mangarahy".

As estradas identificadas no mapa georreferenciado são separadas entre "estradas


interprovinciais" e "estradas provinciais". As estradas interprovinciais são estradas gerais
mantidas com os recursos do governo. Segundo Quintão (2008, p.23), tinham a
incumbência de retirar a província do Espírito Santo do marasmo econômico pelo qual
passa, no início do século XIX, interligando-a comercialmente com outras regiões,
principalmente Minas Gerais. São elas, de norte a sul, a estrada de Santa Thereza, de 1848;
a de São Pedro de Alcântara, de 1814, conhecida inicialmente como estrada do Rubim, e
hoje conhecida como Rota Imperial; e a estrada de Itapemirim, do final de década de 1830.
As três estradas foram abertas antes do início efetivo da imigração no estado para permitir a
ligação com Minas Gerais e, com a chegada dos primeiros colonos, tais estradas são os
primeiros caminhos utilizados por eles. As estradas coloniais, por sua vez, tratam-se de
estradas (ou picadas) abertas em virtude da colonização. São elas a estrada da Boa Vista,
aberta para o acesso até Santa Isabel; a estrada do Paraíso, na colônia do rio Novo; a
estrada Costa Pereira, que liga Santa Leopoldina à Capital; e trecho da estrada D. Pedro II,
saindo de Afonso Cláudio (Sartório, 2007). Esses trechos são identificados com base em
Sartório (2007).

Por fim, o mapeamento das comunidades correspondentes à arquitetura levantada se dá a


partir do banco de dados da arquitetura da imigração. Das 383 edificações reunidas, 168
possuem data de construção conhecida, o que representa um pouco menos que a metade.
Estas edificações datadas são divididas em dois períodos: as construídas entre 1850 e
1900; e entre 1901 e 1950 (recorte respectivo de cada mapa produzido). A grande maioria
delas não é georreferenciada, sendo assim, no intuito de espacializar tais edificações no
mapa produzido no QGIS, representa-se a comunidade à qual cada edificação pertence.
Para isso, utiliza-se o shapefile de comunidades, disponível no IJSN, no qual são filtradas as
comunidades identificadas no levantamento. Algumas delas não podem ser mapeadas, pois
o nome correspondente na bibliografia não corresponde ao da lista de comunidades no
shapefile.

O segundo mapa georreferenciado, chamado “Território da imigração no Espírito Santo em


1950”, representa estradas, trecho ferroviário, e as comunidades com arquitetura levantada.
Não são mais representados os trechos navegáveis, pois a comunicação vai sendo
substituída, na primeira metade do século XX, pela abertura de mais estradas e por
ferrovias. Também não são representadas as colônias pioneiras, pois neste momento há

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uma pluralidade grande de locais com imigrantes no estado. Quanto às estradas
interprovinciais representadas, estas não se consolidam na íntegra, em trechos rodoviários a
nível federal ou estadual da atualidade. Porém, de acordo com o trecho rodoviário hoje
existente, é possível afirmar que o traçado dessas três estradas serve de direcionamento. A
direção da estrada de Santa Thereza de Vitória até o município de Ibiraçu é semelhante ao
traçado da atual BR 259 e, a direção paralela ao Rio Doce seu traçado é semelhante com a
EFVM. A estrada de São Pedro de Alcântara é atualmente conhecida como "Rota Imperial"
e se trata de um percurso turístico, de ainda terra batida em alguns trechos e direção
semelhante à BR 262 em alguns trechos. A estrada de Itapemirim, por sua vez, possui
trecho semelhante à atual ES 482. Sendo assim, por não prosperarem no século XX, as
estradas interprovinciais são representadas com transparência. Para o mapeamento das
estradas vicinais, utiliza-se o mapa produzido por Roche (1963), no qual o autor localiza
muitas delas. Elas cortam comunidades ou margeiam rios, e, graças a essas referências,
tais trechos podem ser traçados. O georreferenciamento dessas estradas é feito a partir de
tais referências geográficas, utilizando o shapefile do trecho rodoviário do Espírito Santo -
disponibilizado pelo IJSN - como base para a identificação de tais estradas representadas
no mapa de Roche. Neste momento, há uma grande quantidade de vias que cortam o
sentido norte-sul do estado. Quanto ao trecho ferroviário, é utilizado como base o shapefile
disponibilizado pelo GEOBASES. Quanto às comunidades, o georreferenciamento se dá a
partir do mesmo método do mapa anterior, com adição das comunidades com arquitetura
levantada no recorte de 1901-1950. Este recorte resulta em número maior de comunidades
existentes e localizadas no mapa. A seguir, mostra-se o resultado final dos dois mapas
produzidos.

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Figura 4. (a) Território da imigração no Espírito Santo em 1950, (b) Território da imigração no Espírito
Santo em 1900.

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Fonte: Autoras (2019).

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Discussão e Conclusões

O banco de dados por meio do Quadro Síntese permite reflexões reveladoras do contexto
histórico e econômico da imigração e também sobre o desinteresse atual acerca do
patrimônio do imigrante. No que se refere aos gráficos, a Data de Construção revela um
número desconhecido muito superior revelando uma escassez considerável de dados. No
que se tem conhecimento, o recorte de 1901-1950 é mais numeroso, podendo revelar uma
persistência no território advinda de um deslocamento numeroso de levas de imigrantes dos
anos anteriores. A localidade revela a maioria localizada em área rural, reiterando o contexto
da política de imigração promovida pelo Governo Imperial, que deu início a diversas colônias
e núcleos coloniais no interior do Espírito Santo. Esse resultado se relaciona diretamente
com o gráfico da Tipologia/Classificação onde a quantidade de arquitetura residencial se
mostra muito superior em relação à comercial, corroborando o fato de famílias dos colonos
viverem de agricultura de subsistência. No que se refere ao Cadastro Arquitetônico, a
quantidade de imóveis sem registro é, assim como a data de construção, representa grande
maioria. A porção do gráfico representante do “SIM” é essencialmente vinda de produções
acadêmicas reunidas na pesquisa bibliográfica e documental. O nível de proteção da
arquitetura produzida pelo imigrante se revela com porcentagem baixa, acompanhando o
padrão de resultados verificados. Por fim, o nível de georreferenciamento das edificações
cadastradas também é muito baixo.

Essa síntese revela um acervo bibliográfico e documental restrito e disperso com materiais
muitas vezes encontrados em somente suporte físico e de acesso limitado, dificultando a
própria pesquisa. É o caso de trabalhos acadêmicos antigos não digitalizados e publicações
não facilmente disponíveis em bibliotecas ou similares. Uma outra consideração é o estado
de conservação dessa arquitetura pois, uma vez que diversas publicações possuem
diferença de 20 anos em média com a atualidade, não é possível afirmar a permanência e o
respectivo estado de conservação de todas as edificações desse quadro síntese. Além
disso, os gráficos revelam quantidade de informações históricas e gráficas das edificações
muito restrita de informações. É possível relacionar essa condição a certo desinteresse
acerca da temática. De uma abundância de 31 municípios com arquitetura levantada,
apenas quatro possuem edificações com arquitetura produzida pelo imigrante tuteladas por
legislação. São eles Domingos Martins, Itapina, Santa Leopoldina e Santa Teresa. Por outro
lado, ainda que o número seja pequeno, o Quadro Síntese revelou uma quantidade
significativa de municípios contemplados. Sendo 78 o total de municípios no Espírito Santo,
no quadro estão presentes 40% deles, indicando, de fato, a relevância do imigrante na
ocupação do estado.
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No que se refere ao território, a espacialização da arquitetura no mapeamento demonstra
dois processos: a história da imigração e o povoamento do Espírito Santo. Desse modo,
revela-se um povoamento no primeiro momento na direção Leste-Oeste, do litoral para o
interior, com uma comunicação muito precária no sentido Norte-Sul entre as colônias. As
estradas e caminhos transversais são muito precários devido ao relevo e só se multiplicam a
partir do século XX. A localização das comunidades com arquitetura registrada no mapa
mostra que a maioria das comunidades está inserida nas manchas coloniais representadas
nos mapas históricos de 1866 e 1878, e, as que não estão, se localizam ao longo de
estradas. Identifica-se, também, que o início da povoação está restrito à porção central do
Espírito Santo, entre os rios Doce e Itapemirim. No mapa do recorte de 1901-1950, fica clara
uma maior exploração do norte do rio Doce, seja por estradas ou por comunidades com
arquitetura cadastrada. Além disso, as estradas já cortam a região acidentada do estado,
permitindo ligação mais efetiva no sentido norte-sul. Neste período, a expansão dos
imigrantes decorre tanto devido à chegada de levas de imigrantes, quanto devido à
migração interna de colonos já estabelecidos.

A narrativa histórica e a representação relativas aos assentamentos territoriais constituídos a


partir da co-evolução entre sedimentos humanos e natureza, de um lado, preenche lacunas
cognitivas relativas ao patrimônio constituído pelo imigrante no período compreendido entre
1850 e 1950. De outro, apresenta-se como potência para a ampliação de normativas
orientadas à valorização e preservação de valores do patrimônio territorial do Espírito Santo.
Para tanto, o banco de dados, por exemplo, permite complementação e ampliação a ser
adotadas como subsídio a iniciativas de comunidades locais (como documentação e
atualização do estado de conservação). Da mesma maneira, o mapeamento. Se pensado
como representação identitária dos lugares, pode alavancar percepções articuladoras da
compreensão de ciclos de territorialização – suas permanências, suas persistências e
mesmo desaparecimentos – perdas. Invariantes estruturais podem ser acolhidas como bens
de valor existencial e de recurso. Podem alavancar projetos de uma patrimonialização
proativa. Para tanto, as tecnologias digitais, em particular as de geoinformação, são
ferramentas decisivas para a documentação e representação, sobretudo pelo potencial de
atualização. Além disso, utilizar de conceitos da Escola Territorialista Italiana se mostra
importante para a compreensão do território, com foco no desenvolvimento local
autossustentável.

Nessa perspectiva, o conteúdo produzido reúne, organiza e disponibiliza em formato digital


um conjunto de dados até então dispersos e dispostos em suporte físico. A utilização do
QGIS, ferramenta de manipulação de dados na produção de mapas georreferenciados, em
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diferentes escalas do território, de uso público e gratuito, permite e favorece o propósito de
representar sedimentos materiais compreendidos como elementos de identidade territorial
dos ciclos de territorialização iniciados na metade do século XIX e conduzidos por homens e
mulheres impulsionados pela utopia da liberdade.

Referências Bibliográficas

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ano de 2019 do grupo de pesquisa do Laboratório e Desenvolvimento (Patri_Lab) formado
pelos integrantes: BARCELOS, Beatriz Mourão; BERNARDO, Luciano Correia; BONA,
Kamila Drago; MAZZINI, Maísa; NOSSA, Damiany Farina; RODRIGUES, Mariana Paim;
THOMÉ, Miguel Brunoro.

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EIXO TEMÁTICO 02

RESGATE DOCUMENTAL DO PATRIMÔNIO MODERNO ATRAVÉS


DA RECONSTRUÇÃO VIRTUAL:
Residência Anderson Gomes, 1964, CG – PB

ARAÚJO, DÉBORA T. R. (1); SOUZA, EMANUELA V. (2); SILVA, WILSON V. (3);


PEQUENO, PAULA E. S. (4).

1. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58400-747
E-mail: deborathaisaraujo45@gmail.com

2. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58145-000
E-mail: manu.vsouza@gmail.com

3. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58400-747
E-mail: wilsonvalmir.ds@gmail.com

3. Universidade Federal de Campina Grande. Arquitetura e Urbanismo


Endereço Postal: 58400-016
E-mail: paulapequeno13@hotmail.com

RESUMO
Este artigo tem como objeto de estudo, a reconstrução virtual da Residência Aderson Gomes,
projetada em 1964 pelo engenheiro e arquiteto autodidata Geraldino Duda, na cidade de Campina
Grande, a qual faz parte do acervo moderno local. Logo, esse trabalho possui como objetivo,
apresentar os resultados de pesquisas acerca das residências modernas, desenvolvidas pelo Grupo
de Pesquisa Arquitetura e Lugar (GRUPAL.UFCG). O grupo já vem atuando nas áreas de pesquisa e
documentação sobre a modernidade arquitetônica campinense há anos, utilizando ferramentas
digitais para a realização dos estudos. O trabalho justifica-se por apresentar resultados inéditos e
mais aprofundados sobre esse estudo de caso, contribuindo assim para a documentação e para a
afirmação e resgate do patrimônio histórico campinense. Além disso, apresenta grande relevância
dentro do cenário regional e nacional, por utilizar ferramentas digitais para redesenho e análise da
obra estudada. Como aporte teórico para o estudo da obra de Geraldino Duda e da arquitetura
moderna local, destaca-se os trabalhos realizados por Meneses (2017), Afonso (2018) e Queiroz e
Melo (2006), além de autores que contribuem para o estudo da arquitetura, como Frampton (1995),
Mahfuz (2002) e Colin (2000). Para o desenvolvimento da análise projetual foi utilizada como
metodologia a proposta por Afonso (2019), que faz uma análise detalhada sobre o objeto
arquitetônico, e é dividida em sete dimensões: normativa; histórica; espacial; tectônica; formal;
funcional; e conservação. Dessa forma, acredita-se que os resultados obtidos irão colaborar com o
estudo da arquitetura moderna local, destacando também a atuação de Geraldino Duda e reforçando
ainda mais a pesquisa arquitetônica e a documentação do patrimônio no nordeste brasileiro.

Palavras-chave: Modernidade, Projeto Arquitetônico, Patrimônio, Reconstrução Virtual,


Conservação.

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1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho possui como objeto de estudo a análise e reconstrução virtual da Residência
Aderson Gomes, obra produzida pelo engenheiro e arquiteto autodidata Geraldino Duda, em
1964, na cidade de Campina Grande – PB.

Tem como objetivo principal, a apresentação dos resultados de uma pesquisa realizada no
curso de Arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG,
com o apoio do Grupo de Pesquisa Arquitetura e Lugar – GRUPAL, bem como gerar toda a
documentação da obra, que faz parte da ascensão e consolidação da arquitetura moderna
na cidade. Essa produção apresentou ainda uma identidade regional própria que se revelou
a partir de um conjunto de decisões projetuais baseadas nos princípios modernos difundidos
durante aquele período.

Justifica-se por se aprofundar ainda mais nesse estudo de caso, apresentando alguns
resultados inéditos. Além disso, a documentação e o resgate do patrimônio moderno
contribuem diretamente para a salvaguarda da memória da residência, bem como para a
obra de Geraldino Duda, dialogando com a preservação e conservação do acervo
arquitetônico de toda a cidade.

A pesquisa está dissolvida em duas etapas principais: a reconstrução virtual do projeto


original, que utiliza como base as pranchas originais coletadas no arquivo municipal e
também o levantamento fotográfico da obra; e a análise do objeto arquitetônico, baseado no
método proposto por Afonso (2019) que investiga a obra em sete dimensões: normativa,
histórica, espacial, tectônica, funcional, formal e conservação.

Finalmente, espera-se com esse estudo contribuir diretamente para a salvaguarda da obra
aqui apresentada e das demais obras modernas existentes na cidade, além de reforçar
ainda mais o papel das ferramentas digitais na documentação da arquitetura e do patrimônio
como um todo. Acredita-se também que essa é mais uma oportunidade de fortalecer ainda
mais a discussão sobre a atuação de Geraldino Duda em Campina Grande, bem como sua
influência para a contemporaneidade e para a arquitetura local.

2 METODOLOGIA
Como método de análise do objeto arquitetônico foram utilizados os parâmetros
estabelecidos por Afonso (2019), que se baseiam em sete dimensões para análise do objeto

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arquitetônico. De acordo com estes parâmetros a obra pode ser analisada pelas dimensões
normativa, histórica, espacial, tectônica, formal, funcional e da conservação.

Na dimensão normativa é feito um levantamento sobre as leis, decretos, registros ou


normativas que protegem ou exercem influência na obra analisada. Nesta etapa, é
fundamental a pesquisa em órgãos públicos ligados a preservação do patrimônio a nível
municipal, estadual e federal, além de buscar diferentes fontes, primárias e secundárias,
afim de compreender mais a fundo a obra analisada.

A dimensão histórica está associada ao tempo, corte cronológico, ou até mesmo fatores
sociais, políticos, culturais, econômicos e urbanos que eram vigentes no momento em que o
objeto de análise foi projetado e construído. Conforme as conclusões da autora, os fatores
que deram origem ao projeto como a obra, o cliente, custos e outras variantes, devem ser
levados em consideração.

Partindo do princípio de que o espaço pode ser compreendido como a paisagem do


ambiente natural e a paisagem do ambiente construído, a dimensão espacial pode ser
dividida em dois níveis, sendo estes o espaço exterior à obra e o espaço interior da
edificação.

A nível de análise externa é necessário fazer um estudo aprofundado sobre morfologia


urbana, edificações, seu entorno e suas transformações, afim de desenvolver uma
compreensão mais assertiva sobre os fatores externos que influenciam a edificação e como
ela está sendo inserida pelo meio.

No segundo nível deve ser feita a análise espacial interna da edificação, observando fatores
relacionados a: soluções de implantação no terreno, programa de necessidades, solução de
planta baixa, zoneamento, fluxos e dimensionamento de espaços, entre outros. Nessa etapa
do estudo todo o material de redesenho (como a representação 2D do projeto original,
imagens tridimensionais, material gráfico, esquemas, etc) é produzido.

A dimensão tectônica proposta pela autora dialoga diretamente com as discussões


propostas por Frampton (1985 e 1990) e Gaston e Rovira (2007). Deve ser observado o
comportamento dos elementos estruturais que compõem a obra, além de outros aspectos
como as soluções construtivas das peles/paredes, cobertura, detalhes construtivos e
revestimentos e texturas. Parte-se da compreensão de que o sistema construtivo não é
composto apenas pela super estrutura e as subestrutura, mas também, é constituída pelos
seus detalhes, junções e relações entre a materialidade e as soluções projetuais.

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A dimensão formal por sua vez, consiste na análise da forma, destacando também que as
obras não devem ser estudadas apenas por sua aparência, mas também por seu conteúdo.
Deve ser considerado então, o lugar, a construção, as estruturas formais e o programa,
como afirma Afonso (2019).

A dimensão funcional deve se apoiar nas discussões de Colin (2000), fazendo-se


necessário levar em consideração na análise, as funções sintática, pragmática e semântica
do edifício, afim de procurar equilíbrio entre os sistemas, deixando a análise mais
contemporânea. Deve-se observar também, o uso original, as transformações sofridas
referentes ao uso ao longo dos anos, e o uso atual da edificação, considerando-se as
soluções do programa em planta apresentadas na dimensão espacial.

Por fim, a dimensão da conservação conclui as análises do objeto arquitetônico, procurando


analisar o estado de conservação da obra ou de seu conjunto. É importante nesse momento
utilizar como base, metodologias específicas que dialogam com a conservação do
patrimônio. Neste trabalho, no entanto, a conservação da obra será trabalhada de forma
bem preliminar, podendo ser apresentada de forma mais completa em trabalhos futuros.

2 DIMENSÃO NORMATIVA
Do ponto de vista patrimonial, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da
Paraíba – IPHAEP é o responsável em nível estadual pela preservação do patrimônio local,
incluindo nesse caso a residência Aderson Gomes. O IPHAEP delimitou em 28 de junho de
2004 (Decreto Estadual nº 25.139/2004) a área referente ao centro histórico da cidade de
Campina Grande, no qual estão inclusas diversas ruas do bairro do Centro. Embora muito
próxima a esse perímetro, a residência não está incluída nele e também não se encontra
sob a proteção de nenhuma outra legislação patrimonial, estando assim desprotegida. É im-
portante citar ainda, que essa área é fortemente influenciada pelo uso comercial, oferecendo
um certo risco a sua preservação.

Quanto a legislação municipal, o Plano Diretor de Campina Grande (lei complementar Nº


003, de 09 de outubro de 2006) em seu zoneamento urbano define a área onde a residência
se encontra como Zona de Qualificação Urbana, prevendo também parâmetros urbanísticos
a serem respeitados no processo de urbanização da cidade. Além do plano diretor, há tam-
bém o código de obras (Lei 5.410/13), no qual são apresentadas as diversas condições para
o uso e ocupação do solo.

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A partir dos documentos e plantas originais obtidos no Arquivo Público Municipal de Campi-
na Grande foi verificada a conformidade do projeto original com a legislação vigente, onde
observou-se uma discrepância muito grande entre o índice de aproveitamento do projeto
original (7,5) e o máximo permitido pelo código de obras (5,5). Contudo, os demais parâme-
tros, como taxa de ocupação, recuos e taxa de permeabilidade permanecem dentro do que
é permitido. É importante destacar que a divergência apresentada se justifica no fato de o
plano diretor e o código de obras terem sido implementados na cidade apenas em 2006 e
2013, respectivamente.

2 DIMENSÃO HISTÓRICA

2.1 Contextualização

A residência Aderson Gomes foi construída no ano de 1964. Nessa época, Campina Grande
passava por um período de crescimento e recebia investimentos da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, o que proporcionou a implantação de várias in-
dústrias, a consolidação do comércio local e ampliação e criação de bairros como Centro e
Prata que adotaram nesse período a arquitetura moderna como linguagem plástica formal
das residências.

No final da década de 50 à 70 – recorte de consolidação da arquitetura moderna na cidade –


a arquitetura de Campina Grande sofreu influência da Escola de Recife, onde os arquitetos
pernambucanos atuantes na cidade foram responsáveis por trazer para a arquitetura local
os princípios modernos (Meneses, 2015). Outro personagem importante no cenário da arqui-
tetura moderna em Campina Grande foi o campinense Geraldino Duda, engenheiro civil e
arquiteto autodidata, autor do projeto em estudo.

2.2 A obra

A residência foi projetada para o Sr. Aderson Costa Gomes, pai de nove filhos e proprietário
(juntamente com sua esposa) das Casas Guri – loja de roupas e variedades que funcionava
na rua Maciel Pinheiro no bairro Centro de Campina Grande. Ele também foi presidente da
Câmara dos Dirigentes Lojistas de Campina Grande/CDL – C.G nos anos de 1973 à 1977,
período no qual foi reconhecido pelo seu trabalho em prol do desenvolvimento do comércio
local.

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Atualmente, a residência está sob os cuidados da filha do proprietário, a Sra. Maria das
Graças Aragão Gomes. Engenheira elétrica aposentada, ela voltou para a cidade para cui-
dar dos seus pais, hoje, ambos falecidos.

Como consta no carimbo das pranchas originais do projeto, a residência apresenta uma
área total equivalente a 362,30 m², sendo dividida em porão (122,20 m²) e térreo (240,10
m²). Possui um amplo programa para suprir a necessidade de uma família grande que foi
descrito nas plantas originais como: abrigo (garagem), jardins, 05 quartos, 03 sanitários, 02
vestiários (Closet), depósito, quarto de empregada, área de serviço, 03 alpendres, sala de
estar, sala de jantar, copa, cozinha e sala íntima, sendo considerada para a época uma re-
sidência moderna de alto padrão.

2.1 O autor

Geraldino Duda é um engenheiro civil campinense, graduado pela Universidade Federal da


Paraíba – campus Campina Grande, hoje, Universidade Federal de Campina Grande –
UFCG. É também arquiteto autodidata e nasceu em 06 de março de 1935 na cidade de
Campina Grande - PB. Na sua infância morou em várias cidades da Paraíba e também resi-
diu em Natal - RN e Fortaleza - CE. Uma dessas mudanças o levou junto com a sua família
para Rio Tinto – PB, cidade que possuía uma importante fábrica têxtil. Nessa época, Geral-
dino e seus pais começaram a trabalhar no ramo da tecelagem e o menino ao ver o conjunto
arquitetônico industrial da cidade começou a se apaixonar pela arquitetura.

Mais tarde, de volta a Campina Grande, ele se destaca pela sua habilidade com o desenho
e um dos seus principais contatos com a arquitetura se dá aos 15 anos quando é convidado
para trabalhar no escritório do arquiteto Josué Barbosa. Em 1960, ainda estudante de enge-
nharia civil, é convidado a trabalhar como projetista e assistente em Arquitetura e Urbanismo
para a prefeitura de Campina Grande, no departamento de Arquitetura e Urbanismo.

No período que ficou na prefeitura teve a oportunidade de ir a Brasília, no ano de 1961, on-
de conheceu Oscar Niemeyer (sua grande referência profissional) e suas obras que quando
criança admirava em revistas e jornais. Retornando a Campina Grande com referências do
seu mestre, foi convidado a projetar o que é considerada a sua obra mais icônica, bastante
importante na trajetória profissional do arquiteto: o Teatro Municipal Severino Cabral, proje-
tado em 1962 e parcialmente inaugurado em 1963.

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Enquanto trabalhava na prefeitura, Geraldino Duda projetou aproximadamente 300 residên-
cias na cidade. Como optou por não fazer a prova do CREA, que na época era realizada em
Recife, seus projetos eram assinados por engenheiros responsáveis pela execução das
obras. Uma de suas residências, a Sósthenis Silva, se destacou, sendo divulgada em revis-
tas de circulação nacional.

Na década 1970, Geraldino tirou licença do seu cargo na prefeitura para concluir o curso de
Engenharia Civil, em Campina Grande, ofertado na Escola Politécnica da Paraíba – trans-
formada na UFPB, onde ele ingressou como estudante de engenharia civil. Logo após, vol-
tou a trabalhar na prefeitura onde contribuiu com o urbanismo da cidade. Seu conjunto de
obras é vasto, incluindo projetos institucionais, residenciais, comerciais, de serviços e obras
urbanas. “Sua contribuição com o urbanismo da cidade é vasta” (MENESES, 2017).

Figura 01 – Prancha de inserção da residência nas escalas: país, estado, cidade, bairro e quadra.

Fonte: SEPLAN PMCG, 2011 e Google Maps, 2021. Editado e ilustrado pelos autores, 2021.

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3 DIMENSÃO ESPACIAL

3.1 Exterior: O lugar

A residência Aderson Gomes está localizada no bairro do Centro, na rua Professor José
Coelho, n° 128, em um terreno de esquina com a rua Jerônimo Gueiros. Sua locação se ca-
racteriza por uma topografia um pouco acidentada, onde as ruas atualmente são calçadas
por paralelepípedos e as quadras vizinhas abrigam em sua grande parte um uso mais resi-
dencial. Sua localização tem como pontos de referência o centro comercial da cidade, o
Parque Evaldo Cruz e o Teatro Severino Cabral.

Como consta nas pranchas originais do projeto, o terreno destinado a construção da resi-
dência possui dimensões de 21,50mx25,00m e uma área de 536,30 m². A área total constru-
ída por sua vez, equivale a 352,30 m², sendo distribuída entre o porão (com 122,20 m²) e
térreo (com 240,10 m²). A implantação da residência se dá de forma centralizada no terreno,
apresentando os quatro recuos. Os recuos principais criam uma área de jardim em “L” e pa-
ra lidar com a topografia, o andar térreo foi nivelado com o nível mais baixo do terreno atra-
vés de corte. O pavimento superior, por sua vez, foi alinhado ao nível mais alto através de
um aterro.

Essa forma de trabalhar o espaço externo foi bem comum na cidade, como afirma Almeida
(2007, p. 44) no seu estudo sobre a arquitetura moderna campinense:

A maioria dos projetos em estudo tirou partido da declividade [...], fazendo


uso de subsolos e aterros, geralmente destinados as garagens e dependên-
cias de serviço, e outros através de plantas escalonadas, provocando níveis
intermediários que, muitas vezes, influenciaram também na composição vo-
lumétrica.

O acesso ao lote se dá pela fachada principal da residência, na qual também se destaca as


varandas do térreo e do pavimento superior. A área íntima foi priorizada em relação a venti-
lação e no lado oeste o arquiteto dispôs um jardim com árvores de grande porte, contribuin-
do para a proteção contra a insolação.

3.2 Interior: a solução espacial

No que diz respeito a solução espacial do projeto, observa-se que o pavimento térreo conta
com uma suíte e com um abrigo para carros, sendo as demais dependências destinadas a
serviço. Meneses (2017, p. 170) aponta que existe uma permeabilidade nos espaços abri-
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gados no térreo, característica essa que permite um contato entre esses espaços e as duas
ruas da esquina, bem como com o jardim da própria residência.

Um elemento importante é o jardim interno, que funciona como núcleo e conecta de forma
visual os dois pavimentos. A partir dele, o arquiteto dispõe uma escada que se destaca no
vazio e dá acesso ao pavimento superior conectando ainda, a suíte presente no térreo. O
núcleo de serviço também se abre para esse vazio através de janelas e por meio desse es-
paço, a planta da residência se desenvolve, assumindo um formato de “O”.

Figura 02 – Reconstrução virtual 2D das plantas; fotos do espaço externo da residência e das pran-
chas originais do projeto.

Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por MENESES, Camila, 2017 e SILVA,
Wilson, V., 2021.

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O pavimento superior abriga todo o setor íntimo e a maioria dos quartos da casa, apresen-
tando também uma ampla área que se destina aos ambientes de estar. Nele, a solução da
varanda a oeste influencia diretamente no volume da fachada, enquanto boa parte dos quar-
tos se abre para a fachada principal, através de amplas janelas.

A cozinha e a copa possuem aberturas voltadas para nordeste, compondo o pequeno setor
de serviço presente nesse pavimento. Existe uma rampa na fachada lateral que se torna
elemento de destaque além de servir também como acesso ao esse pavimento, criando
uma conexão entre o abrigo no térreo e a varanda superior.

Observa-se então que são criados 3 acessos distintos: a escada, disposta no jardim interno;
a rampa, presente na lateral; e o acesso de serviço no recuo da fachada sudoeste. É impor-
tante destacar a presença de uma segunda escada que tem a função de conectar os nú-
cleos de serviço presente em cada pavimento.

4 DIMENSÃO TECTÔNICA

A análise da dimensão tectônica leva em conta diversos aspectos que não estão relaciona-
dos apenas a estrutura da edificação. Baseado nas discussões propostas por Frampton,
Amaral (2009, p. 161) assinala que “a tectônica se refere não unicamente à estrutura, mas à
pele da construção (o envelope), e assim, ao seu aspecto representacional, demonstrando
que a construção é uma complexa montagem de elementos diversos.”. Logo, serão levados
em consideração nessa análise 5 elementos: a estrutura, a coberta, as peles, os detalhes e
os materiais.

4.1 A estrutura de suporte

O sistema estrutural foi concebido em concreto armado, porém a residência se apresenta


como uma obra a-tectônica, pois mantem essa estrutura oculta junto as suas vedações.
Apesar dos pilares não terem sido representados nas plantas originais do projeto, após aná-
lise, foi possível traçar seus eixos estruturais. Observou-se que a disposição da estrutura
apresenta quatro eixos longitudinais e cinco transversais e que a modulação definida neste
arranjo varia, se adequando ao programa proposto.

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É importante destacar também a decisão do arquiteto ao utilizar os pilares de seção circular
junto ao abrigo para veículos. Esses pilares diferem do restante da estrutura – que é omitida
– conferindo um certo destaque e dando uma leve quebra nos ângulos retos do restante da
obra. Outra característica estrutural importante é a utilização de vigas invertidas que susten-
tam a laje inclinada adotada em todo o projeto. Essas vigas transferem sua inclinação para
os demais elementos da residência, desde paredes e forro até armários, esquadrias e ambi-
entes.

4.2 Coberta

A coberta apresenta duas águas, sendo precedida por uma laje que segue a inclinação da
telha utilizada. Segundo Almeida (2007, p. 46) era visível nos projetos residenciais da época
o uso dessas lajes planas ou inclinadas “falsas”, que utilizavam uma nova versão de plati-
banda para esconder o telhado que as recobria. Assim, de forma conjunta, o uso da viga
invertida na estrutura (como citado anteriormente) também influencia na coberta, fazendo
com que as telhas e calhas fiquem escondidas nas fachadas.

Ainda como assinala Meneses (2017, p. 168), a coberta também saca, criando pequenos
beirais que dão a sensação de que as paredes estão recuadas. É possível observar também
que existe uma inclinação no encontro entre a coberta e a marquise que divide térreo e pa-
vimento superior, criando na fachada, um traço diagonal comum ao prisma.

4.3 Peles

O diálogo entre o interior e o exterior foi pensado e salvaguardado por meio das aberturas
possibilitadas pelas esquadrias e pelas peles vazadas, criando também permeabilidade vi-
sual. As janelas em madeira com venezianas vazadas, permitem a renovação da ventilação
interna, enquanto as esquadrias – que possuem vãos generosos – têm um importante papel
na promoção do conforto ambiental no interior da edificação, proporcionando ventilação cru-
zada.

Na parede lateral da varanda encontram-se quatro aberturas verticais, que agregam mais
permeabilidade ao interior, uma vez que além do uso da madeira e das venezianas, nas es-
quadrias também foi utilizado vidro, possibilitando iluminação natural aos ambientes inter-
nos.
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Um outro elemento extremamente importante para a integração entre os espaços são os
cobogós. Nesta residência eles são utilizados com o intuito de integrar os ambientes inter-
nos, mais especificamente o jardim e a sala íntima, garantindo permeabilidade visual e venti-
lação natural.

4.4 Detalhes

As escadas e a rampa são apresentadas como elementos especiais de destaque nesta ar-
quitetura. A escada localizada no jardim interno possui dois sistemas estruturais, no primeiro
lanço os degraus são engastados em uma viga central, enquanto no segundo, quando a di-
reção é alterada, os degraus são engastados em uma viga lateral. Como apontado anteri-
ormente, essa escada se destaca no vazio do jardim não só pelo seu formato, mas também
pelo uso do mármore branco como materialidade.

A rampa por sua vez chama atenção principalmente pela sua extensão. Embora não tenha
sido executada conforme o projeto, a mesma ocupa toda a lateral esquerda da residência
sendo uma das principais ligações entre o pavimento térreo e o pavimento superior. Sua im-
portância volumétrica também é claramente perceptível, pois traz um diferencial muito forte
para a fachada lateral na qual foi projetada.

4.5 Materiais

O uso de uma materialidade mais heterogênea na arquitetura moderna em Campina Grande


foi bastante comum, como aponta Almeida (2007, p. 46):

Além do uso do concreto, do vidro e do metal, observa-se a utilização de te-


lhas onduladas e fibrocimento ou amiando, esquadrias de ferro, madeira e
alumínio, paredes revestidas com pedra bruta, pastilhas e azulejos. Muito
comum também é o uso de combogós de louça e cerâmicos que, aliados ao
uso de pergolados, venezianas e jardins internos, mostram uma preocupa-
ção com o conforto ambiental. Nos pisos, são mais encontrados o granilite,
tacos de madeira e mármore.

Assim, neste projeto foram empregados uma diversidade de materiais, agregando persona-
lidade e autenticidade a obra. A residência segue uma paleta de cores neutra que varia de
acordo com as cores e texturas naturais da materialidade, caracterizada nesse caso, pelo
uso de madeira, vidro, pedras naturais, louça e revestimentos cerâmicos.

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De forma destacada, o arquiteto utiliza a pedra bruta em toda a parede direita do abrigo, le-
vando-a também para o primeiro pavimento e criando uma composição impressionante na
varanda. O jardim interno também recebe esse revestimento, compondo ainda com a pare-
de cobogós presente na área íntima e a escada em mármore branco.

O piso de toda a casa recebeu um revestimento cerâmico em tom bege, enquanto a maior
parte das paredes externas recebeu pastilhas em tom avermelhado. De forma geral, essa
materialidade garante variedade e uma riqueza material, dosados de forma harmônica, ga-
rantindo um visual limpo e aconchegante.

5 DIMENSÃO FUNCIONAL

Seguindo o que é proposto por Colin (2000, p. 41), a análise dessa dimensão se divide em
três categorias: a função sintática, que diz respeito a relação da obra com a cidade; a se-
mântica, que investiga a relação com a sociedade; e a pragmática, que analisa a forma co-
mo a obra abriga seus diversos usos e atividades.

Como afirma Afonso e Meneses (2016, p. 5) nos anos 60, Campina Grande passava por um
progresso notório, onde a modernidade arquitetônica era imperativa na cidade, destacando-
se a obra do próprio Geraldino Duda, por exemplo. Assim, sintaticamente falando, essa re-
sidência é extremamente representativa e possui um certo destaque, por fazer parte desse
momento histórico que é marcado pela emergência e difusão da arquitetura moderna na ci-
dade.

Já no nível semântico, ela imprime ao observador a privacidade e a proteção características


de uma habitação, porém se destaca pelo trabalho volumétrico que foi dado a suas facha-
das, se diferenciando bastante das residências vizinhas, por exemplo.

Quanto a função pragmática, o projeto original da residência apresenta uma ótima adequa-
ção com as atividades características de uma habitação. Assim, seu zoneamento é apresen-
tado de forma bem definida: o pavimento térreo é destinado sobretudo às zonas de convi-
vência semi-internas e de serviços (contando ainda com uma suíte); enquanto os espaços
sociais e de convivência estão localizados no pavimento superior.

O primeiro pavimento é destinado principalmente aos espaços íntimos e sociais, os quais


também podem ser acessados pela escada localizada no jardim interno. O acesso de servi-
ços que pode ser alcançado pela lateral na fachada sudeste conduz o usuário a um bloco de
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serviço térreo que se conecta com a cozinha e a copa no primeiro pavimento, através de
uma escada. Pode-se observar que os ambientes destinados a esse uso estão bem zonea-
dos e agrupados. As zonas íntima e de convivência apresentam a mesma característica.

A partir de visitas in loco foi constatado que atualmente, além da função residencial, essa
obra também recebe uma clínica médica que funciona no térreo. Para abrigar esse novo
uso, foram feitas mudanças no projeto original, de forma que um acesso para a clínica foi
criado na fachada frontal. Devido a impossibilidade de realizar novas visitas in loco, porém
com base no levantamento fotográfico, acredita-se que o quarto de empregada do projeto
original, bem como alguns ambientes de serviço localizados no térreo foram adaptados para
receber as novas atividades.

Figura 03 – Reconstrução virtual 2D dos cortes e fachadas; fotos de algumas soluções e materiais
utilizados na residência.

Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por MENESES, Camila, 2017 e SILVA,
Wilson, V., 2021.

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6 DIMENSÃO FORMAL

Esta edificação foi concebida com um único volume puro, no qual foram feitos subtrações e
recortes, moldando uma forma limpa e moderna. Esse volume foi dividido em duas partes,
onde o pavimento inferior apresenta maiores recortes, compreendidos principalmente na
área da garagem e do pátio interno que cria um vazio vertical ao longo de toda a edificação.

No pavimento superior, há uma massa mais sólida, com aberturas solucionadas a partir das
esquadrias, e como exceção, a partir das duas varandas superiores (uma na fachada princi-
pal e outra na fachada posterior). Da laje intermediária surge um elemento em concreto em
formato de pérgola que cruza toda a fachada principal e agrega leveza a obra. Além desta
característica, destacam-se os traços inclinados da forma, que criam ângulos marcantes na
volumetria e na paisagem.

Como mencionado anteriormente, embora não tenha sido executada conforme o projeto ori-
ginal, a rampa na fachada lateral é um elemento de destaque na edificação, claramente utili-
zada pelo arquiteto para nortear a volumetria geral da obra.

7 DIMENSÃO DA CONSERVAÇÃO

Como apontado anteriormente na dimensão histórica, a edificação atualmente se encontra


sob a gestão da filha do proprietário, a Sra. Maria das Graças Aragão Gomes. A clínica que
funciona no térreo também é pertencente a família, estando sob a gestão de outro filho do
proprietário.

Quanto a conservação física, a residência se encontra em boas condições, mesmo tendo


passado por várias reformas. Existe uma certa descaracterização, principalmente no térreo
devido a sua mudança de uso. Observou-se também, que no decorrer dos anos, mudanças
no projeto original foram realizadas. Não foi possível determinar quais mudanças foram con-
cebidas durante a execução do projeto, porém foi observado que o muro passou por mais
de uma reforma e recentemente recebeu um portão que dá acesso a clínica.

Existe também a presença de algumas patologias na construção. Ao passar pela rua, por
exemplo, observa-se a existência de algumas manchas na pintura da fachada. No entanto, é
necessário salientar que essa é uma análise mais geral da conservação, necessitando de

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estudos mais aprofundados afim de identificar e mapear os principais danos e patologias
existentes.

Figura 04 – Reconstrução virtual 3D; fotos atuais da residência.

Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por SILVA, Wilson, V., 2021.

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8 A RECONSTRUÇÃO VIRTUAL COMO FERRAMENTA DE DOCU-
MENTAÇÃO PARA ARQUITETURA

A documentação na arquitetura se constitui como um tema muito relevante no que diz res-
peito ao estudo e conservação do patrimônio, bem como resgate e valorização da obra de
diversos arquitetos independente da localidade. É perceptível como a produção arquitetôni-
ca (seja ela dos mais diversos estilos e períodos) sofre com a precariedade e muitas vezes
com o descaso que lhe é direcionado. A sistematização dos documentos existente ainda se
mostra travada, além de oferecer os mais variados riscos de perda.

Geralmente, quando se começa a pesquisar ou estudar sobre um determinado objeto arqui-


tetônico, as fontes primárias são a porta de entrada para o acesso a sua documentação.
Dentre essas fontes, a pesquisa em arquivos municipais, estaduais ou até mesmo federais
se torna uma das principais, pois é onde se tem acesso as pranchas contendo o projeto ori-
ginal produzido pelo próprio arquiteto. O que acontece é que em decorrência da grande de-
manda de documentos ou até mesmo da sua má organização, muitos dados são perdidos.

Nesse cenário de riscos, as ferramentas digitais se tornam protagonistas, podendo auxiliar


em diversos aspectos relacionados a produção arquitetônica, englobando desde a sua con-
cepção até a sua conservação. Sobre isso, Paiva, Nogueira e Cardoso (2015, p. 3) conclu-
em que:

O advento das novas tecnologias digitais e seus impactos na área de Arqui-


tetura, Engenharia, Construção e Operação (AECO) têm contribuído sobre-
maneira para a disseminação de conhecimento e desempenhado um papel
relevante como instrumento não só da concepção, desenvolvimento do pro-
jeto, geração e gestão da informação, mas da materialização e inovações
de grande valia para a documentação e inclusive intervenção no patrimônio
arquitetônico e urbanístico.

A reconstrução virtual a partir dessas ferramentas possibilita também expandir as possibili-


dades de sistematização da documentação, pois permite depositar os arquivos gerados na
nuvem, podendo-se evitar a perda ou a deterioração dos documentos, ao contrário do que
pode acontecer no meio convencional.

Além disso, é importante destacar o uso de ferramentas que permitem a reconstrução das
obras em perspectiva 3D, como o Sketchup, 3DS Max, Revit, entre outras. Com elas é pos-
sível representar a obra em 3 dimensões, criando um modelo simplificado da realidade ou
do que foi originalmente projetado. Sendo assim, elas oferecem diversas oportunidades e
aplicações nesse campo:

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Aplicações em Realidade Aumentada (RA) e Realidade Virtual (RV), podem
modificar a maneira de projetar, simular o funcionamento de equipamentos
e/ou a presença de pessoas, apresentar o detalhamento do modelo real, vi-
abilizar a análise de futuras intervenções, analisar modificações, ou seja,
experimentar o interior de um edifício em qualquer fase de sua produção
que se deseje, desde a concepção até a fase de operação e manutenção.
(CANUTO, MOURA E SALGADO (2016, p. 253)

Finalmente, o estudo aqui apresentado é resultado integral do uso das ferramentas digitais
para reconstrução virtual. Esse método de documentação permitiu não só a recuperação do
projeto original da residência Aderson Gomes, como o aperfeiçoamento dos estudos e mate-
riais que já haviam sido produzidos. Além disso, possibilitou gerar – de forma inédita – a re-
presentação da obra em três dimensões. Logo, devido as visitas in loco terem sido limitadas
ou mesmo impossibilitadas, foi possível fazer uso dessa modelagem 3D para compreender
as diversas soluções adotadas no projeto.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com uma expressividade notória em Campina Grande, a arquitetura moderna se difundiu


bastante nos anos 60. Embora tenha alcançado diversas tipologias, o estilo moderno se
destacou ainda mais na arquitetura residencial, gerando uma vasta produção localizada
principalmente nas áreas centrais da cidade.

Ao mesmo tempo em que as obras se destacavam principalmente pelos princípios moder-


nos empregados na sua concepção, os respectivos autores deixavam uma marca singular
na história da cidade, compondo não só a paisagem urbana, mas deixando um legado de
grande valor.

Após a realização de todo esse estudo, foi possível constatar o valor que a residência Ader-
son Gomes representa para a cidade e para a academia, reforçando também a contribuição
e os atributos da obra de Geraldino Duda. Acredita-se ainda que esse trabalho trouxe con-
tribuição direta para a conservação do patrimônio, apresentando o uso de ferramentas digi-
tais para reconstrução virtual e trazendo para a discussão a importância desse método para
a documentação da arquitetura e como sua aplicabilidade pode oferecer oportunidades.

Por fim, faz-se necessário ressaltar a urgência de proteger não só a residência Aderson
Gomes, mas o vasto acervo de valor histórico presente na cidade, buscando implementar
meios efetivos de garantir a salvaguarda dessas obras, tendo em vista que sua conservação
está a todo momento ameaçada.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PATRIMÔNIO TERRITORIAL DO IMIGRANTE NO ESPÍRITO SANTO:


FORMAS DAS ADAPTAÇÕES ESPACIAIS. HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO

Vanessa Krohling Mayer (vanessakm1@hotmail.com)

Renata Hermanny De Almeida (renatahermanny@gmail.com)

Considerando a inestimável contribuição do imigrante na constituição e


configuração do território do estado do Espírito Santo, e, identificando o restrito
conhecimento histórico e documental acerca da temática, o artigo apresenta
conhecimento acerca do patrimônio edificado pelos imigrantes, no período
entre 1850 e 1950, a fim de revelar valores ambientais, territorial-paisagísticos
e socioeconômicos, e auxiliar no processo de valoração patrimonial. A
metodologia adotada é qualitativa e se realiza por meio de revisão bibliográfica,
iconográfica e cartográfica, seguida da elaboração de banco de dados,
subsídio para a elaboração de inventário do patrimônio territorial, em escala
estadual, em dois suportes: fichas cadastrais individuais e mapas
georreferenciados produzidos com o software QGIS. O resultado inclui
reconhecer as particularidades do patrimônio do imigrante no Espírito Santo e
fixar fundamentos para um ordenamento territorial integrador de sedimentos
materiais de longa duração. No referente ao banco de dados, os resultados
revelam (i) o projeto de colonização do território, realizado por meio de
assentamentos de imigrantes europeus em pequenas propriedades, destinadas
à cultura cafeeira operada por agricultura de tipo familiar, (ii) o desinteresse
atual relativamente ao patrimônio do imigrante, (iii) a predominância da
arquitetura residencial em relação à comercial, e à rural em relação à urbana e
associado isolamento entre indivíduos e comunidades. No que se refere ao
território, o mapeamento subsidia e amplia o conhecimento acerca da
imigração e do processo de povoamento do estado: no primeiro momento
(1859-1900), na direção Leste-Oeste, do litoral para o interior, com uma
comunicação muito precária no sentido norte-sul; no segundo momento (1901-
1950), na direção Sul-Norte, viabilizada pela abertura de estradas e expressa
em assentamentos situados acima da margem esquerda do rio Doce. Além do
bando de dados, a metodologia representacional adotada para o mapeamento
com tecnologia digital demonstra passo importante para a documentação e
representação do tema da pesquisa. Trata-se de um passo adiante, em vista
dos registros encontrarem-se majoritariamente em suporte físico. Somado a
isso, o QGIS se apresenta como ferramenta relevante para a manipulação de
dados para a produção de mapas georreferenciados em diversas escalas do
território. O propósito é atingido, no que se refere à contextualização temporal e
espacial do território, à documentação do patrimônio territorial através do banco
de dados, e ao reconhecimento de particularidades do patrimônio do imigrante
no Espírito Santo.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

RESGATE DOCUMENTAL DO PATRIMÔNIO MODERNO ATRAVÉS DA


RECONSTRUÇÃO VIRTUAL: RESIDÊNCIA ANDERSON GOMES. 1964. CG.
PB

Débora Thais Rodrigues De Araújo (deborathaisaraujo45@gmail.com)

Emanuela Veríssimo De Souza (manu.vsouza@gmail.com)

Wilson Valmir Da Silva (wilsonvalmir.ds@gmail.com)

Paula Emanuelle Silva Pequeno (paulapequeno13@hotmail.com)

Este artigo tem como objeto de estudo, a reconstrução virtual da Residência


Anderson Gomes, projetada em 1964 pelo engenheiro e arquiteto autodidata
Geraldino Duda, na cidade de Campina Grande, a qual faz parte do acervo
moderno local. Logo, esse trabalho possui como objetivo, apresentar os
resultados de pesquisas acerca das residências modernas, desenvolvidas pelo
Grupo de Pesquisa Arquitetura e Lugar (GRUPAL.UFCG). O grupo já vem
atuando nas áreas de pesquisa e documentação sobre a modernidade
arquitetônica campinense há anos, utilizando ferramentas digitais para a
realização dos estudos. O trabalho justifica-se por apresentar resultados
inéditos e mais aprofundados sobre esse estudo de caso, contribuindo assim
para a documentação e para a afirmação e resgate do patrimônio histórico
campinense. Além disso, apresenta grande relevância dentro do cenário
regional e nacional, por utilizar ferramentas digitais para redesenho e análise
da obra estudada. Como aporte teórico para o estudo da obra de Geraldino
Duda e da arquitetura moderna local, destaca-se os trabalhos realizados por
Meneses (2017), Afonso (2018) e Queiroz e Melo (2006), além de autores que
contribuem para o estudo da arquitetura, como Frampton (1995), Mahfuz
(2002) e Colin (2000). Para o desenvolvimento da análise projetual foi utilizada
como metodologia a proposta por Afonso (2019), que faz uma análise
detalhada sobre o objeto arquitetônico, e é dividida em sete dimensões:
normativa; histórica; espacial; tectônica; formal; funcional; e conservação.
Dessa forma, acredita-se que os resultados obtidos irão colaborar com o
estudo da arquitetura moderna local, destacando também a atuação de
Geraldino Duda e reforçando ainda mais a pesquisa arquitetônica e a
documentação do patrimônio no nordeste brasileiro.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ENGENHO, HISTÓRIA E ALAGOAS: INVESTIGAÇÃO DOCUMENTAL DOS


ENGENHOS BANGUÊS NA BARRA DE SANTO ANTÔNIO

Rogério Henrique Vieira Amorim Gato (rogeriovgato@gmail.com)

Bianca Machado Muniz (bianca602@gmail.com)

Nayara Maria De Senna Barros Nascimento (nayaramdsbn@gmail.com)

Anna Letícia Castro Diégues De Arecippo (leticiaarecippo@hotmail.com)

Barra de Santo Antônio é um dos mais novos municípios do estado de Alagoas.


Tendo sido emancipado de São Luiz do Quitunde em 1960, o Rio Santo
Antônio Grande se tornou o principal demarcador do limite territorial entre as
duas cidades, as quais também compartilham a mesma história de origem.
Segundo Diégues Júnior (1980) a ocupação daquela região se deu ainda no
início do século XVII, através da doação da sesmaria a Rodrigo de Barros
Pimentel que erigiu engenhos de açúcar com o propósito de povoar e
desenvolver a região. O trabalho em tela surgiu como fruto dos resultados
obtidos durante um projeto de iniciação científica de alunos do curso de
Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Tiradentes voltado para
localizar, realizar levantamentos e catalogar os engenhos banguê
remanescentes dentro do atual limite municipal da Barra de Santo Antônio.
Através da análise cartográfica para localização de engenhos, seguida de
visitas de campo, levantamentos fotográficos e pesquisa bibliográfica, a
pesquisa buscou reunir e documentar os principais registros dos engenhos no
território da Barra de Santo Antônio, a fim de compor um banco de dados que
possa garantir ao menos a memória documental destas construções. Foi
possível, através das pesquisas, observar as limitações documentais acerca
destes engenhos, onde muitas vezes, os principais registros existentes são os
próprios remanescentes arquitetônicos. Mesmo assim, vários engenhos foram
localizados, sendo alguns inclusive visitados, gerando registros fotográficos de
seus remanescentes. Acervos documentais, físicos e virtuais foram
consultados, e as informações encontradas, mesmo que escassas, geraram
uma ficha documental do engenho, contendo localização, imagens,
levantamento histórico e antologia bibliográfica. Essas fichas deverão contribuir
para alimentar um banco de dados, a ser disponibilizado virtualmente, de forma
a tornar mais acessível o conhecimento e preservação da memória destes
lugares que tanto contribuíram para a formação do estado de Alagoas.
EIXO TEMÁTICO 3 - Arquitetura e documentação: a pesquisa na
área da história da Arquitetura e do Urbanismo

ENGENHO, HISTÓRIA E ALAGOAS: Investigação Documental dos


Engenhos Banguês na Barra de Santo Antônio
MUNIZ, Bianca Machado (1); GATO, Rogério Henrique Vieira Amorim (2);
NASCIMENTO, Nayara Maria de Senna Barros (3); ARECIPPO, Anna Letícia
Castro Diégues (4).
1. Centro Universitário Tiradentes. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo
Rua Hildebrando Falcão, n.36, Clima Bom I, Maceió, Alagoas
bianca.muniz@souunit.com.br

2. Centro Universitário Tiradentes. Graduando no Curso de Arquitetura e Urbanismo


Rua Waldomiro Nunes de Alencar Barros, 371, Feitosa, Maceió, Alagoas
rogeriovgato@gmail.com

3. Centro Universitário Tiradentes. Graduanda no Curso de Arquitetura e Urbanismo


Avenida Comendador Gustavo Paiva, 5115, Cruz das Almas, Maceió, Alagoas
nayaramdsbn@gmail.com

4. Centro Universitário Tiradentes. Graduanda no Curso de Arquitetura e Urbanismo


Rua Comendador Palmeira, 200, Farol
leticiaarecippo@hotmail.com

RESUMO
Barra de Santo Antônio é um dos mais novos municípios do estado de Alagoas. Tendo sido
emancipado de São Luiz do Quitunde em 1960, o Rio Santo Antônio Grande se tornou o principal
demarcador do limite territorial entre as duas cidades, as quais também compartilham a mesma
história de origem. Segundo Diégues Júnior (1980) a ocupação daquela região se deu ainda no início
do século XVII, através da doação da sesmaria a Rodrigo de Barros Pimentel que erigiu engenhos de
açúcar com o propósito de povoar e desenvolver a região. O trabalho em tela surgiu como fruto dos
resultados obtidos durante um projeto de iniciação científica de alunos do curso de Arquitetura e
Urbanismo do Centro Universitário Tiradentes voltado para localizar, realizar levantamentos e
catalogar os engenhos banguê remanescentes dentro do atual limite municipal da Barra de Santo
Antônio. Através da análise cartográfica para localização de engenhos, seguida de visitas de campo,
levantamentos fotográficos e pesquisa bibliográfica, a pesquisa buscou reunir e documentar os
principais registros dos engenhos no território da Barra de Santo Antônio, a fim de compor um banco
de dados que possa garantir ao menos a memória documental destas construções. Foi possível,
através das pesquisas, observar as limitações documentais acerca destes engenhos, onde muitas
vezes, os principais registros existentes são os próprios remanescentes arquitetônicos. Mesmo assim,
vários engenhos foram localizados, sendo alguns inclusive visitados, gerando registros fotográficos
de seus remanescentes. Acervos documentais, físicos e virtuais foram consultados, e as informações

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encontradas, mesmo que escassas, geraram uma ficha documental do engenho, contendo
localização, imagens, levantamento histórico e antologia bibliográfica. Essas fichas deverão contribuir
para alimentar um banco de dados, a ser disponibilizado virtualmente, de forma a tornar mais
acessível o conhecimento e preservação da memória destes lugares que tanto contribuíram para a
formação do estado de Alagoas.

Palavras-chave: Patrimônio; Arquitetura; História; Engenhos de Açúcar; Alagoas.

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1. INTRODUÇÃO
O açúcar no Brasil colônia foi um dos principais elementos de exportação e
enriquecimento da coroa portuguesa. O solo e o clima dos trópicos favorecem o plantio de
cana-de-açúcar no nordeste, assim como descreve Vera Ferlini (2017):

O centro da produção açucareira não ficaria no Sul. Seria o Nordeste, com


seu solo de aluvião fértil, o massapé que desenvolveria a lavoura de cana e
o fabrico do açúcar, transformando a Colônia em elemento fundamental do
Império Português. (FERLINI, 2017, p.22)

Ferlini (2017) também justifica a instalação de inúmeros engenhos de açúcar no


Brasil não apenas como forma de produção e enriquecimento da coroa portuguesa, como
também um método de ocupar o novo território, desde que outras nações europeias, como a
França, também estavam realizando visitas no novo mundo e contrabandeando matéria-
prima junto às comunidades indígenas locais, como o próprio pau-brasil.

Com o propósito de melhor desenvolver o novo território português, foi que surgiram
as capitanias hereditárias, sendo doadas a donatários a que se responsabilizaram pelo
progresso – principalmente econômico – do novo Brasil (FERLINI, 2017). A capitania de
Pernambuco, que até 1817 abarcava o território do atual estado de Alagoas, foi uma das
que mais teve investimento no comércio de açúcar, e foi palco de muitos episódio relevantes
para a história do nordeste brasileiro, como a invasão holandesa no século XVII ou a
Revolução Pernambucana no século XIX.

O estado de Alagoas abrigou em seu território grande número de engenhos banguês.


Desde seus primeiros anos, as terras alagoanas cultivaram cana-de-açúcar, no que se
baseou sua economia e sua sociedade. Os engenhos foram o ponto de partida para o início
de povoados, vilas, províncias e então cidade, como é o caso da capital alagoana, Maceió,
que surgiu de um engenho de açúcar chamado Massayó, nas proximidades do atual riacho
salgadinho. (COSTA, 1981).

Já apontava Diégues Júnior (1980) que o crescimento do estado de Alagoas está


interligado ao cultivo e fabrico de açúcar, e assim também foi com o município da Barra de
Santo Antônio. É baseando-se nisto que o atual artigo objetiva compilar as principais
menções a antigos engenhos banguês no atual território da Barra de Santo Antônio,
elucidando como a presença de tais engenhos influenciaram na formação social, econômica

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e cultural da região, além da visita de campo de um dos engenhos encontrados ao decorrer
da pesquisa.

A discussão apresentada é parte dos resultados obtidos através de dois projetos de


iniciação científica realizados no Centro Universitário Tiradentes por estudantes do curso de
Arquitetura e Urbanismo. Embora um desses projetos tenha sido desenvolvido durante o
período de restrições e isolamento social devido à pandemia do Covid19, a metodologia
mais aplicada foi a revisão de literatura, especialmente nas principais obras que se referem
a engenhos alagoanos, e análise cartográfica de antigos mapas que apresentam registros
de localidades de antigas propriedades no estado de Alagoas.

2. A HISTÓRIA DO MUNICÍPIO E SEUS ENGENHOS

2.1 A Origem da Barra de Santo Antônio

A Barra de Santo Antônio é considerado um dos municípios mais novos do estado de


Alagoas por conseguir sua emancipação de São Luiz do Quitunde apenas no século
passado, especificamente dia 20 de agosto de 1960. Devido a isso, a história de ambas as
cidades partem do mesmo ponto histórico, porquanto a Barra de Santo Antônio está ao sul e
São Luiz do Quitunde ao norte do rio Santo Antônio Grande.

A região que abrange hoje ambas as cidades foi uma doação de Cristóvão Lins,
fidalgo responsável por povoar e erigir engenhos na região de Porto Calvo, a Rodrigo de
Barros Pimentel em 1608, o que impulsionou o povoamento e a construção de engenhos
banguês desde o vale do rio Santo Antônio Grande até do Camaragibe, região que teve
destaque devido às suas atividades açucareiras. (SILVA, 2015).

Essas terras, segundo Craveiro Costa, eram extremamente férteis, o que as


tornavam adequadas para o cultivo de cana-de-açúcar, pois vários povoados ao redor dos
engenhos possuíam “terras fertilíssimas as dessas sesmaria, cobriram-se em largos tratos
rurais de remunerativa lavoura.” (COSTA,1983, p.18).

Segundo Costa (1983) a região do Santo Antônio dos Quatro Rios era de
propriedade de Antônio de Barros Pimentel, pai de Rodrigo, indicando o mesmo como o
segundo donatário da região que se estendia da foz do Manguaba a Santo Antônio do
Meirim: “Era grande a sesmaria conhecida por Santo Antônio dos Quatro Rios, por serem
quatro os cursos fluviais que a banhavam - Manguaba, Tatuamunha, Camaragibe e Santo
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Antônio.” (COSTA,1983, p.18). Porquanto Diégues Júnior escreve que, em 1608 as terras
da parte sul foram doadas a Rodrigo de Barros Pimentel, sendo o mesmo proprietário do
engenho Morro e Santo Antônio no período holandês. (DIÉGUES JÚNIOR, 2006, p. 56,57).

Mesmo sendo doada à família Barros Pimentel no início do século XVII, a exploração
efetiva deste território se deu durante o período da invasão holandesa, especificamente com
Alberth Sourth, que fazia parte das tropas de Van Dorth, desembarcou onde hoje é a Barra
de Santo Antônio em 1624 (SILVA, 2015). O rio Santo Antônio Grande, que servia como
transporte fluvial entre a região de Porto Calvo e a zona sul da comarca de Alagoas, foi um
dos elementos que facilitaria o desbravamento da região. E embora seja creditado aos
portugueses o povoamento da região, na Ilha da Croa já existia uma comunidade indígena
conhecida como Poço dos Veados. (MENDONÇA; SIMÕES, 2012).

Foi nas margens do rio Santo Antônio Grande que se desenvolveu os primeiros
assentamentos de engenhos banguês locais, como o Engenho Guindaste, O Engenho
Santo Antônio Grande, o Engenho Quitunde, o Engenho Castanha, entre outros. A
economia da região era fundamentada principalmente na atividade canavieira, mas foi
substituída pela atividade agropecuária na metade do século passado, devido à fundação de
usinas, como a Santo Antônio Grande, fundada em 1952, que assumiu responsabilidade
pela produção de açúcar não só local como de outras regiões próximas. (MENDONÇA;
SIMÕES, 2012).

2.2 O Engenho Santo Antônio Grande

Alguns engenhos têm mais destaque na literatura do que outros, como o próprio
Engenho Santo Antônio, o qual, segundo Diégues Júnior (1980), foi propriedade de Rodrigo
de Barros Pimentel, erigido nas margens do rio Santo Antônio Grande, sendo o primeiro da
região (DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 55) e perdurando durante o domínio holandês.

Acredita-se que este mesmo engenho tenha originado a usina Santo Antônio, por ser
encontrado em mapas antigos a localização do engenho próxima à da atual usina
(DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 48). A usina está localizada no território de São Luiz do
Quitunde, e não no da Barra de Santo Antônio, embora leve o nome do município,
provavelmente por ambos homenagearem o rio. Também é possível encontrar citação do
engenho e seu proprietário no livro Breve Discurso, do holandês Van der Dussen em 1638

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(DIÉGUES JÚNIOR, 1638 p. 90). E, segundo o autor, seu segundo proprietário foi outro
Rodrigo de Barros Pimentel, filho do primeiro.

É possível também encontrar um registro feito por Silva (2015, p. 22) datado em
1859 que aponta o engenho Santo Antônio Grande como propriedade dos “Herdeiros do
Cel. José Paulino”, e que esta propriedade chegava a produzir 1.100 a 1.200 pães de
açúcar.

Muitos engenhos foram atacados e destruídos durante o conflito holandês,


especificamente pelos flamengos que habitavam a região, e entre eles o próprio Santo
Antônio Grande foi o mais destruído. Os senhores de engenho foram levado à prisão pelo
holandeses, e alguns deles sofreram tortura, como o caso do próprio Rodrigo de Barro
Pimentel, onde sua esposa D. Jerônima de Almeida, pagou por sua liberdade com 90 caixas
de açúcar (SILVA, 2015, p. 19-20).

Segundo Silva (2015), o primeiro templo católico da região foi edificado no Engenho
Santo Antônio Grande, mas durante a invasão holandesa foi incendiado e destruído. A
imagem de Santo Antônio acabou sendo perdida e levada pelo rio Santo Antônio Grande, e
encontrada deteriorada e sem cabeça na Ilha da Croa na própria Barra de Santo Antônio, e
hoje está na igreja Nossa Senhora da Conceição (SILVA, 2015, p. 70).

2.3 O Engenho Santa Rosa do Flamenguinha

Quantos aos Flamengos, Silva (2015) menciona a existência de um antigo engenho


chamado Flamenguinha (p. 19) ou Santa Rosa do Flamenguinha (SILVA, 2015, p. 22, 37,
178), ou apenas Santa Rosa (SILVA, 2015, p. 178) que seria uma habitação de holandeses
flamengos na região.

O autor afirma que, na verdade, a propriedade se chamava apenas Santa Rosa,


todavia segundo um dito popular da região que os proprietários flamengos deste engenho
possuíam uma filha muito bonita e encantadora que era conhecida como flamenguinha, que
ao falecer ainda jovem, seu apelido afetivo serviu como referência tanto para o engenho
Santa Rosa, que era dos flamengos, quanto para outros elementos e referências ao redor
da propriedade. (SILVA, 2015, p. 180)

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2.4 O Engenho Gameleira

Outro engenho da Barra de Santo Antônio encontrado na obra de Silva (2015) foi o
Engenho Gameleira. Não se tem muita informação sobre ele, apenas sua aparição em uma
lista de engenhos que existiam no ano de 1859 que margeavam o rio Santo Antônio Grande
assim como outras propriedades: “Castanha Grande, Roncador, Cachoeira, Quitunde,
Guindaste, Cabeça de Porco, Pacas, Lagoa Vermelha, Santa Rosa do Flamenguinha e
Forquilha.” (SILVA, 2015, p. 39) Nesta época, Gameleira era propriedade de Antônio
Bandeira de Melo; Santo Antônio Grande era dos herdeiros do Cel. José Paulino; e o São
Francisco era de Paulo Caetano de Melo Albuquerque.

2.5 O Engenho São Francisco

O Engenho São Francisco é citado por Diégues Junior (1980, p. 47) como objeto
encontrado no relatório de Van Der Dussen de 1638 sendo propriedade de Manuel Camelo
Quiroga, todavia Diégues Júnior supõe que este seja o mesmo engenho Escurial, que
também era propriedade de Quiroga (DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 90).

Também foi encontrado um engenho de nome São Francisco posto à venda no


Diário das Alagoas em 12 de julho de 1859, segundo Diégues Júnior (1980, p. 116-117) sem
indicação de seu proprietário. No mesmo ano, há uma menção da mesma propriedade na
obra de Silva (2015, p. 23) como pertencente a Paulo Caetano de Melo Albuquerque, e que
produzia 650 a 750 pães de açúcar.

2.3 O Engenho Guindaste

O Engenho Guindaste foi localizado pelo mapa do IBGE (2015), todavia não foi
encontrado nenhuma menção ou registro documental a seu respeito. Todavia, a esta
propriedade em questão foi realizada visita de campo no ano de 2019 pelo mesmo grupo de
pesquisa. Os seguintes parágrafos descrevem como o engenho se encontrava até o dito
ano.

O engenho ainda se encontra no mesmo local, conhecido como Fazenda Guindaste,


estando localizado próxima ao rio Jirituba. A entrada do sítio é marcada por uma porteira
seguida de uma estrada de terra em aclive, acompanhada por palmeiras reais. Dentro da

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fazenda há algumas edificações: estábulos, capela, depósitos e casas. A parte central do
terreno, onde estão localizadas a capela, casas e depósitos é a mais elevada.

As instalações do Engenho Guindaste se localizam na parte mais alta do terreno, a


não ser o grande estábulo, localizado na parte baixa lateral. Seguem uma distribuição em
“L”, com um amplo espaço livre frontal. O terreno é setorizado em: instalações de trabalho,
capela, e área de moradia.

A fazenda Engenho Guindaste não apresenta entre suas instalações alguma que
remeta à Casa Grande. Porém é possível perceber no espaço central uma certa elevação, o
que faz alusão aos espaços mais altos onde estas edificações costumavam estar
localizadas. As habitações ali existentes não diferem muito entre si, caracterizando-se de
forma semelhante às vilas dos moradores da época do engenho.

Sua capela é uma edificação pequena, simétrica e de formas básicas, características


do estilo eclético brasileiro. Diferente das outras construções, ela está sob um plano de
maior altura, num nível bem acima das demais. A fachada frontal recebe pintura caiada
branca, com portas, colunas embutidas e cornijas azuis. A capela possui um frontão branco
em pirâmide, com arquitraves levemente ornamentadas, marcadas por cornijas azuis com
acrotérios nas extremidades de cada “nível” do frontão. A cobertura é constituída por telhas
coloniais. Possui ainda um sino em sua lateral. Além da porta principal, existe uma segunda
porta em sua lateral direita, ambas encontravam se trancadas no dia da visita. Internamente
possui uma pequena nave com bancos, e um pequeno altar. Toda a parte interna encontra-
se bastante empoeirada. Em toda a edificação é possível observar patologias, entre elas, os
bolores, desgastes nas pinturas, fissuras e rachaduras nos muros baixos e piso. Há ainda a
presença irregular de vegetação nas paredes da capela.

A fazenda Engenho Guindaste é constituída também por um pequeno conjunto de


residências dos moradores do local. Essas moradias são cercadas, e seguem o mesmo
estilo de pintura das outras edificações: parede branca caiada, com portas e janelas azuis.
Suas portas são do estilo holandesa, com duas folhas. A cobertura também é de telha
colonial. Possuem ainda uma pequena varanda apoiada sobre colunas. Além da varanda, a
casa dos moradores possui um espaço frontal livre, ou um recuo maior. Na visita, somente
uma permanecia aberta, e habitada.

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O engenho conta com 2 estábulos, um de pequeno porte logo na entrada, e um
segundo, maior e mais distante, na lateral direita do terreno. Nenhum destes estábulos
aparenta ser tão antigo quanto a capela.

Existem algumas edificações na fazenda que são utilizadas como depósitos para
guardar materiais e máquinas agrícolas. Segue-se o mesmo padrão de materiais e cores:
parede caiada branca, portas e janelas de madeira azul. Aqui a varanda é dividida ao meio
por uma parede. Não foi possível identificar no Engenho Guindaste alguma edificação que
remetesse às senzalas ou à fábrica.

Imagem 1 – Capela do Engenho Guindaste.

Fonte: Acervo pessoal, 2019.

3. ANÁLISE CARTOGRÁFICA DOS ENGENHOS

3.1 Mapas do Século XIX

Com base nos engenhos encontrados na literatura, uma análise cartográfica de


mapas do século XIX foi realizada com o propósito de identificar a possível localidade de
tais propriedades.

O primeiro mapa verificado foi o de José da Silva Pinto (1820) que foi cartografado a
pedido do Senhor Coronel Francisco Manuel Martins Ramos, comandante dos distritos das
vilas do Penedo e do Poxim em 1820. Neste mapa, próximo à orla marítima e ao rio Santo
Antônio Grande, foi encontrada a propriedade de Santo Antônio Grande com a demarcação
de uma cruz, provavelmente seja a demarcação da primeira capela da região como alega
Silva (2015, p. 19-20). Na outra margem do rio, também é possível ver a localização do
Engenho Flamenguinha.

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Imagem 2 – Recorte do mapa de Silva Pinto, 1820, apresentando elementos encontrados
anteriormente nas pesquisas bibliográficas e análise cartográfica.

Fonte: SILVA PINTO, 1820. Intervenção realizada pelos autores.


Já no mapa de Carlos Monay (1862), dedicado no dia 24 de maio de 1862 a Antônio
Alvez de Souza Carvalho, diretor da Província de Alagoas da época, é possível encontrar
mais demarcações, propriedades, ou mesmo a identificação hidrográfica da Barra de Santo
Antônio com mais clareza. Nele pode-se identificar o engenho Santo Antônio Grande na
mesma localização da atual usina do mesmo nome: próximo à cidade de São Luiz do
Quitunde, afastado do oceano, ao contrário da localização indicada no mapa de Silva Pinto
(1820). Neste também é possível o Engenho Flamengo próximo ao litoral e também ao rio.

Imagem 3 – Recorte do mapa de Monay, 1862, apresentando elementos encontrados


anteriormente nas pesquisas bibliográficas e análise cartográfica.

Fonte: MONAY, 1862. Intervenção realizada pelos autores.

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3.2 Mapa Limite Municipal Atual fornecido pelo IBGE

Também foi realizada uma investigação no mapa do limite municipal da Barra de


Santo Antônio do IBGE (2015) que apresenta registros de propriedades ao longo do
município. Assim, segundo os engenhos banguês encontrados na pesquisa bibliográfica, foi
realizada a seguinte análise:

Algumas localidades identificadas no mapa de 2015 dizem respeito a propriedades


com nomes semelhantes àquelas encontradas na literatura, como por exemplo o Engenho
São Francisco. Segundo o mapa do IBGE, existem duas propriedades com o nome São
Francisco: uma localizada próxima ao limite municipal (A, Imagem 4), e outra localizada
muito próxima à orla marítima (H, Imagem 4).

O engenho Gameleira (C, Imagem 4) aparece localizado no centro do território da


Barra de Santo Antônio, próximo a uma propriedade também nomeada Santo Antônio (D,
Imagem 4). Esta última nomenclatura aparece duas vezes no mapa de 2015, porquanto a
outra propriedade com o mesmo nome está acima da propriedade São Francisco, além do
limite municipal (B, Imagem 4). Já o Engenho Guindaste aparece próximo ao rio como
descrito acima (E, Imagem 4).

O Engenho Santa Rosa do Flamenguinha, que segundo Silva (2015) era apenas
Santa Rosa mas recebeu um acréscimo à sua nomeação em referência à família
proprietária, que eram os flamengos, foi encontrado nos mapas do século XIX como
Flamengo e Flamenguinha, praticamente na mesma posição em ambos os mapas;
porquanto no mapa de 2015 existem duas propriedades chamadas Santa Rosa (F e G
Imagem 5), ambas próximas à rodovia 413 e a um curso d’água.

Devido à ambiguidade do nome deste antigo engenho dos flamengos, não se tem
como comprovar qual dessas propriedades em localizações distintas seriam a propriedade
do século XVII, ou quais relações teriam com aquele engenho, ou entre si.

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Imagem 4 – Recortes do mapa do limite municipal da Barra de Santo Antônio, 2015, com
marcação nas seguintes propriedades que possivelmente tem relação com os engenhos
mencionados em literatura.

B E
A

H
F G

Fonte: IBGE, 2015. Intervenção realizada pelos autores.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, a investigação, pesquisa, leitura e discussões a respeito dos


engenhos banguês evidenciam o quão relevante é esta temática ao que se refere ao
patrimônio alagoano, por estar intimamente interligada com a história do desenvolvimento
do estado, e com o surgimento dos primeiros assentamentos urbanos locais.

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Para além disso, foi também nos engenhos de açúcar que surgiram os primeiros
moldes e fundamentos para a sociedade brasileira atual, dividindo-a em diferentes classes
sociais e autoridades, devido aos meios de produção (FERLINI, 2017). Isto também é
apontado por Diégues Júnior (1980) que discorre por toda sua obra sobre certas famílias
ilustres e poderosas que eram proprietárias dos antigos engenhos ainda exercem influência
na sociedade atual.

É desta forma que os resultados da pesquisa em tela contribuem, não somente para
potencializar a capacidade de investigação e senso de pertencimento à identidade local,
como também para respaldar a valorização do patrimônio histórico, cultural e edificado de
Alagoas, especificamente na região norte do estado onde abarca o município da Barra de
Santo Antônio.

Espera-se que através deste estudo possa surgir ainda mais investigação referente
aos engenhos, de forma a contribuir para o desvendar da história alagoana, além de servir
como método de salvaguardar o patrimônio histórico edificado local que demonstra registros
de atividades e relações humanas dos séculos passados.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

COSTA, Craveiro. História das Alagoas: Resumo didático. Reimpressão. Maceió:


Serviços Gráficos de Alagoas S/A - SERGASA, 1983.

______, Craveiro. Maceió. 2. ed. Maceió: Serviços Gráficos de Alagoas S/A - SERGASA,
1981.

DIÉGUES JUNIOR, Manuel. O Banguê das Alagoas. 2 Ed. Maceió: Edufal, 1980.

______. O bangüê nas Alagoas: traços da influência do sistema econômico do


engenho de açúcar na vida e na cultura regional. Maceió: EDUFAL, 2006.

______. O Engenho de Açúcar no Nordeste. 2 Ed. Rio de Janeiro: Ministério da


Agricultura, 1952.

FERLINI, Vera Lucia Amaral. A Civilização do Açúcar. São Paulo: Alameda, 2017.

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IBGE. Barra de Santo Antônio-AL. 2015. Disponível em:
<http://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/mapas_municipais/estimativas_populacionais/201
5/AL/barra_de_santo_antonio_2015_v1.pdf> Acessado em 14 de fev. 2021.

MENDONÇA, Carlos Alberto Pinheiro; SIMÕES, Leonardo. Enciclopédia dos Municípios


de Alagoas. Barra de Santo Antônio. 3 Ed. p. 32-35. Maceió: Instituto Arnon de Mello, 2012.

______. Enciclopédia dos Municípios de Alagoas. São Luiz do Quitunde. 3 Ed. p. 92-100.
Maceió: Instituto Arnon de Mello, 2012.

MONAY, Carlos de. Carta Topographica da Província de Alagoas. 1862.

PINTO, José da Silva. Carta Topográfica da Capitania das Alagoas. 1820.

SILVA, Pe. Alex Sandro da. São Luiz do Quitunde: sua história e sua gente. 1 Ed.
Maceió: Q-Gráfica, 2015.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

INOVAÇÕES NO PROGRAMA RESIDENCIAL VERNÁCULO DO SERTÃO


DO CENTRO-SUL BRASILEIRO A PARTIR DAS NORMAS HIGIENISTAS

Wolney Unes (engenho21@gmail.com)

Isabel Rodrigues (isabelrodriguesp17@gmail.com)

Gabrielle Costa (gabriellercosta96@gmail.com)

A partir de meados do séc. 19, com o crescimento das cidades e seu


adensamento populacional provocados pela Revolução Industrial, surgem as
primeiras preocupações com a higiene pública, em Londres e Paris. No início
do séc. 20, o Brasil inicia também o processo de reestruturação de suas
cidades de acordo com as novas normas higienistas. Goiânia, cidade fundada
em 1933, incorpora essas normas, em detrimento da tradição construtiva
regional. Essas normas estão no cerne do nascimento do Urbanismo como
disciplina e foram trazidas ao projeto de Goiânia pelo primeiro urbanista
formado (em Paris) a trabalhar no País, Atílio Correia Lima. Neste artigo,
partimos do estudo de uma das primeiras residências privadas da cidade, a
Casa de Altamiro de Moura Pacheco, construída de acordo com as novas
normas edilícias, para verificar o impacto dessas normas no programa
residencial no sertão do centro-sul brasileiro. Analisam-se em especial as
diferenças na locação do edifício, seus alinhamentos e os ambientes molhados.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

DEVASTAÇÃO DO PATRIMÔNIO ECOLÓGICO E CULTURAL NO


QUADRILÁTERO FERRÍFERO: IMPORTÂNCIA DA MOBILIZAÇÃO
SOCIOAMBIENTAL NAS COMUNIDADES URBANAS E RURAIS NO
ENTORNO DO MANANCIAL SERRA AZUL, IGARAPÉ - MG.

Charles De Oliveira Fonseca (serradatapera@yahoo.com.br)

Vagner Luciano De Andrade (trezeagosto@yahoo.com.br)

A arquitetura de barragens é um elemento recente na área de estudos acerca


do patrimônio e se faz cada vez mais emergencial. Assim, as paisagens
fluviais, as paisagens lacustres, são realidade nas grandes cidades por
agregarem funções de extrema relevância. Mas alguns contextos ambientais,
demostram os impactos urbanos à biodiversidade, conclamando a sociedade a
militância por sua requalificação e efetiva conservação. Na Grande BH, por
exemplo, há três represas bastante impactadas pela ação humana, incluindo a
especulação imobiliária, o lançamento de esgoto, sem tratamento e retirada da
cobertura vegetal nativa. Cita-se aqui Ibirité, Pampulha e Várzea das Flores,
como grandes lagoas, cujos índices de balneabilidade e potabilidade se
extinguiram. Na sociedade que urge por sustentabilidade, memórias coletivas e
suas narrativas ecológicas, se fazem/refazem num contexto cíclico de
construção, desconstrução e reconstrução dos ideais societários, nos quais os
acervos naturais, se efetivem na paisagem como marcos significativos e
patrimônio cultural de suas respectivas comunidades. Nesta discussão
contemporânea, o meio ambiente precisa ser valorizado especialmente, em
face de seus incontáveis benefícios providos à humanidade. Assim, a partir de
um projeto de pesquisa sobre a Serra da Conquista, Brumadinho e Rio Manso -
MG e as ameaças em seu entorno, o presente trabalho objetiva reafirmar a
paisagem histórica geológica como elemento preponderante na manutenção e
preservação de mananciais públicos, construindo discussões que legitimem
sua conservação como legado da sociedade. Espera-se cooperar para a
ascensão dos conhecimentos da comunidade acerca das questões
socioambientais desenvolvidas no estudo.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO - A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA
ARQUITETURA E DO URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E
DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO;
BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA HISTÓRIA DA ARQUITETURA;
DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS TÉCNICAS
CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR; POÉTICA,
CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

INOVAÇÕES NO PROGRAMA RESIDENCIAL VERNÁCULO DO


SERTÃO DO CENTRO-SUL BRASILEIRO A PARTIR DAS NORMAS
HIGIENISTAS

UNES, WOLNEY (1); RIBEIRO, GABRIELLE (2); RODRIGUES, ISABEL (3)


1. Universidade Federal de Goiás. Centro de Estudos Brasileiros
Rua 94, 1149, Setor Sul, Goiânia-GO, 74083-060
engenho21@gmail.com

2. Universidade Federal de Goiás. Arquitetura e Urbanismo


Rua 227, 360, apto 1205, Setor Leste Universitário, Goiânia-GO, 74605-080
gabriellercosta96@gmail.com

3. Universidade Federal de Goiás. Arquitetura e Urbanismo


Alameda Imbé, 497, casa 30, Parque Amazonas, Goiânia-GO, 74835-460
isabelrodriguesp17@gmail.com

RESUMO
A partir de meados do séc. 19, com o crescimento das cidades e seu adensamento populacional
provocados pela Revolução Industrial, surgem as primeiras preocupações com a higiene pública, em
Londres e Paris. No início do séc. 20, o Brasil inicia também o processo de reestruturação de suas
cidades de acordo com as novas normas higienistas. Goiânia, cidade fundada em 1933, incorpora
essas normas, em detrimento da tradição construtiva regional. Essas normas estão no cerne do
nascimento do Urbanismo como disciplina e foram trazidas ao projeto de Goiânia pelo primeiro
urbanista formado (em Paris) a trabalhar no País, Atílio Correia Lima. Neste artigo, partimos do
estudo de uma das primeiras residências privadas da cidade, a Casa de Altamiro de Moura Pacheco,
construída de acordo com as novas normas edilícias, para verificar o impacto dessas normas no
programa residencial no sertão do centro-sul brasileiro. Analisam-se em especial as diferenças na
locação do edifício, seus alinhamentos e os ambientes molhados.

Palavras-chave: urbanismo; a casa; higienismo; Goiânia; Atílio Correia Lima

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Introdução
A partir do grande crescimento e adensamento das cidades verificado na esteira da
Revolução Industrial, no início do século 19, inicia-se um longo debate entre sanitaristas,
políticos, engenheiros e arquitetos sobre a higiene e saúde pública das cidades. Os grandes
centros da Europa ocidental foram os primeiros a perceber o problema, especialmente bem
documentado em Paris e Londres.

Em Paris, a população que vinha se mantendo estável desde o séc. 17, passa em apenas
um século de 540 mil habitantes (em 1800) para 2,7 milhões (em 1900), em grande parte
por conta da migração a partir do campo. A densidade habitacional chegou a 26 mil/km2 em
1900, em comparação com 64/km2 para o restante da França (Insee). Cronistas da época
descreviam Paris como “oficina de putrefação, em que miséria pestilência e doenças
trabalham em concerto, e a luz do sol e o ar fresco raramente penetram” (Victor
Considerant, apud De Moncan, 2012, p.18).

A teoria dos miasmas, emanações oriundas de matéria orgânica em decomposição, era


comumente usada como explicação para a proliferação de doenças. Apesar de hoje
sabidamente incorreta, essa teoria apontou apropriadamente algumas soluções, como dotar
grandes cidades de sistemas de remoção de águas servidas e propiciar melhor ventilação
por meio do afastamento entre edifícios. É o caso das remodelações levadas a cabo por
Haussmann a partir de 1853, com o intuito de “arejar, unificar e embelezar” Paris (De
Moncan, 2012, p.19).

No Brasil, essas novas normas tiveram sua primeira aplicação no Rio de Janeiro, com as
reformas urbanas de Pereira Passos (prefeito entre 1902 e 1906) e Oswaldo Cruz (diretor
geral de Saúde Pública a partir de 1903), especialmente por meio do Decreto Municipal n°
391 (do Rio de Janeiro), de 1903, e de lá se tornariam norma em todo o País.

O primeiro profissional a ostentar o título de urbanista a trabalhar no Brasil foi Atílio Correia
Lima, diplomado em Paris em 1930 no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris,
após sua graduação como engenheiro-arquiteto na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio
de Janeiro, em 1925. Atílio é autor do projeto da cidade de Goiânia.

Antecedentes

A decisão de construir uma nova cidade para ser a capital do Estado de Goiás, em 1933, foi
um evento que mudaria para sempre a região. Para além de implicações políticas e

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geográficas, houve grande impacto na arquitetura da região, tanto em termos de processos
construtivos como de materiais.

Até essa época, a residência típica do Brasil Central utilizava-se preferencialmente de


materiais locais, como pedra, cal, barro e madeira. A técnica era também simples: a partir de
uma base de pedras, socadas em valas abertas no solo, apoiava-se a estrutura, quase
sempre madeira nobre, preferencialmente aroeira. As paredes eram erguidas de três
maneiras: desde apenas uma treliça de madeira (pau a pique), eventualmente preenchida
com barro (taipa) até os grandes tijolos de adobe, não cozidos, apenas secos ao sol.

Os edifícios eram cobertos em geral com telhas cerâmicas do tipo canal e bica, apoiadas em
caibros de madeira. Forros eram eventuais, os mais sofisticados de madeira, mas também
de palha ou simplesmente um tecido estendido. Portas, pisos e janelas eram
invariavelmente construídos de madeira, ao passo que os revestimentos variavam apenas
entre pedra e cal, vez ou outra com alguma pigmentação. Os pisos de madeira geralmente
eram formados por grandes tábuas, apoiadas sobre engastes nos pilares. Nas áreas de
serviço, eventualmente havia tijolos planos de barro no piso, mezanelas, lajes de pedras ou
simplesmente o solo apiloado (Imagem 1). Materiais como vidro, louças ou metais eram
raros, reservados apenas para as casas mais ricas, já que vinham sempre de fora da região.

Imagem 1. Processos construtivos tradicionais do Brasil Central. Da esquerda para a direita: muro
com tijolos de adobe (Pirenópolis, GO, séc. 20); casa com estrutura de aroeira, paredes de tijolos
de adobe, reboco de saibro, caiação branca, janelas de madeira e telhas de barro (Crixás, GO,
séc. 18); forro de tecido (Pirenópolis, GO, séc. 18)
Fonte: Fotografias dos autores

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Em termos urbanísticos, a casa tradicional do interior de Goiás alinhava-se no limite da via
pública, com generosas áreas aos fundos, ocupadas por pomares, hortas, instalações
sanitárias (inclusive fossas e cisternas) ou simplesmente o chamado terreiro. As fachadas
caiadas, geralmente de branco, variavam apenas nas cores das janelas de madeira.

O programa era simples: a partir da entrada principal, distribuíam-se os dormitórios, muitos


deles sem janelas ou aberturas para o exterior. A área molhada, banheiros e cozinha, ficava
aos fundos, muitas vezes em edícula separada do corpo principal da casa (Imagem 2).

Imagem 2. Quatro momentos da inserção do sanitário na residência do Brasil Central: 1. Edícula aos
fundos, separada do corpo da residência, chamada “casinha”; 2. Sanitário edificado anexo à
residência; 3. O banheiro migra para o corpo da residência, mas sempre aos fundos; 4. Banheiros no
corredor e incorporados aos quartos, chega a “suíte”.
Fonte: Levantamento arquitetônico de Pirenópolis, Inventário Nacional de Sítios Urbanos, 2005

No Brasil Central, não havia redes públicas de abastecimento até o início do século 20, e a
água era coletada de cisternas ou fontes públicas. Águas servidas eram descarregadas em
fossas, dentro do próprio terreno, quando não canalizadas até o próximo córrego.

Tomada a decisão de construir a nova capital, portanto, o governo estadual assina contrato
com a empresa P. Antunes Ribeiro e Cia., da qual fazia parte o arquiteto Atílio Correia Lima,
instalado na capital federal. O planejamento da cidade se inicia com a publicação do
Decreto 3.547, de 6 de julho de 1933, que previa, além da elaboração do projeto da cidade,
a necessidade de elaboração de projeto para “20 tipos de casas para funcionários” (art. 8º,
VIII). Correia Lima, que havia tido parte de sua formação no Instituto de Urbanismo da

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Universidade de Paris, entre 1927 e 1930, previu em seus projetos materiais e técnicas
contemporâneas, em uso nos grandes centros, de modo a obter uma cidade dentro dos
novos conceitos urbanísticos.

Com a melhoria das condições de transporte, vários materiais de construção industrializados


começaram a chegar com maior rapidez e menor custo. Coincidentemente, a indústria
nacional tomara novo ímpeto no primeiro quartel do século 20 e naquele momento já estava
apta a fornecer grande parte desses novos materiais: esquadrias metálicas, peças de
madeira trabalhadas em torno, pisos cerâmicos, telhas francesas, luminárias, louças e
peças de ferro fundido completavam o novo cardápio à disposição dos construtores, e agora
podiam ser adquiridas de fabricantes nacionais.

As novas especificações contrastavam fortemente com a prática construtiva da cidade de


Goiás e materializaram o ideal de dar à cidade uma “aparência moderna”, expressão contida
em vários relatórios da época. Essa aparência moderna manifestava-se ainda, é claro, nos
padrões urbanísticos, que determinavam para o edifício residencial recuos frontal e laterais
(de 5 m e 1,5 m respectivamente), entre várias outras condicionantes, como a área
construída limitada a 45% do terreno.

Essas normas eram fruto dos recentes entendimentos sanitários da época. Nas
especificações para Goiânia, o recuo frontal poderia ser ocupado por jardim e cercado com
muro baixo: “Nas zonas residenciais não será permitida, nas divisas dos lotes, construção
de muros de altura superior a 1,00 m. Será permitida cerca de arame, até a execução
posterior de cerca viva, nas divisas dos fundos, e laterais do terreno” (Portaria 67, art. 22).
Essas medidas de isolamento do corpo do edifício seriam mantidas nos Códigos de Obras
de Goiânia subsequentes, desde o primeiro deles, de 1947 (Decreto-lei 574), e vige até
hoje.

As Normas Gerais para a Regulamentação de Construções decretavam o fim de


construções de taipa ou adobe, especificando que as paredes externas deveriam ser “de
uma vez (de um tijolo) em espessura” (Portaria 67, art. 18), o que significava que os tijolos
deveriam ser assentados transversalmente, produzindo uma parede acabada com pelo
menos 25 cm de espessura.

Além de detalhes técnicos construtivos, as normas previam até mesmo o programa


arquitetônico: peças como garagem, dispensa, cozinha e banheiro não poderiam se
comunicar com dormitórios, sempre com “paredes revestidas de material impermeável, até a
altura de 1,50 m” (Portaria 67, art. 21), outra manifestação higienista.

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Ao passo que as casas tradicionais do Brasil Central eram estreitas e profundas, alinhadas
com o limite da rua e com grandes terreiros nos fundos, as propostas da nova capital
traziam casas afastadas da rua e dos vizinhos, isoladas ao centro do terreno, com jardim
frontal, iluminadas e ventiladas por todas as fachadas. Essa situação traria consequências
para toda a região e as inovações foram alegremente assimiladas pela população e
construtores: alpendres, suítes, salas de visita, forro em laje. Esse efeito esteve em
consonância com as previsões do arquiteto Correia Lima, que prognosticou em 1937 que
Goiânia teria “função de cabeça e orientador (...) modelar (...), quer no seu traçado quer na
sua edificação, (...) principalmente pela influência que poderá exercer”. E conclui: “num País
ou num Estado, a capital é sempre o padrão, onde os outros satélites se espelham” (Lima,
1937, p.47).

Seria esse projeto piloto, imbuído da prática construtiva moderna, que capitanearia a
aniquilação das técnicas tradicionais e sua substituição pelas inovações: a troca da caiação
pela pintura à base d´água ou óleo; dos forros de tecido, palha ou madeira pelas lajes de
concreto; das estruturas de madeira pela de concreto armado; além da introdução dos pisos
de ladrilhos e tacos.

Uma das primeiras edificações residenciais privadas da nova capital é a casa mandada
construir pelo então médico Altamiro de Moura Pacheco. Formado no Rio de Janeiro no
exato ano de fundação de Goiânia, em 1933, o médico muda-se para a nascente cidade em
1936 e em 1938 inaugura sua clínica, o Instituto Médico-Cirúrgico de Goiânia, na Rua 3,
esquina com Av. Araguaia, uma das primeiras instituições médicas da cidade. Dentro da
tradição local, imediatamente passa a dedicar-se também à atividade pecuária, com a
aquisição de uma grande fazenda a nordeste da nova capital. Em 1942 adquire de Eurico
Teixeira um terreno próximo à sua clínica, na Avenida Araguaia, onde edificaria sua casa.
Em vista da falta de documentação precisa, em análise de fotografias cidade na época, a
data da construção da casa na Avenida Araguaia, esquina com Rua 15, n° 240 pode ser
situada entre 1947 e 1950, cerca de 15 anos portanto depois das primeiras ações para a
construção da nova cidade. Cópia do projeto arquitetônico seria registrada na prefeitura da
cidade apenas em 1954.

A Casa de Altamiro, mesmo tratando-se de empreitada privada, seguiu, é claro, essas


especificações, da Portaria 67, bem como espírito da época, de abandonar técnicas e
materiais vernáculos e abusar dos novos materiais industriais. Como uma das primeiras
iniciativas privadas da nova capital, a Casa de Altamiro permanece hoje como testemunho
vivo de um tempo de grandes transições na prática construtiva do Brasil Central, ao

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incorporar toda a técnica contemporânea, possibilitada ainda pelo poder aquisitivo de seu
proprietário.

A casa
Quando Altamiro, já médico, encomenda sua residência em meados dos anos 1940, toda a
tecnologia e as inovações chegadas a Goiânia nas primeiras edificações construídas a partir
do contrato de 1937 foram ali também aplicadas. Ali podem-se ver pilares de concreto
armado esbelta e orgulhosamente exibidos já na entrada do alpendre, beirais revestidos e
adornados com molduras, vidros fantasia, esquadrias e gradis de ferro.

Ao passar pelo vão da porta principal, surge a grande sala, com seus incríveis 54 m2 em 10
m por 6 m de laje em vão livre, sem vigas ou quaisquer apoios para a laje, arrojo de que as
casas-tipo de 1937 nem sequer se aproximavam. Novamente aqui a nova técnica do
concreto armado é que possibilitou o vão. A vista do salão deixa-se emoldurar aos fundos
pela escada monolítica sólida em sua estrutura de concreto, que permite o aproveitamento
de parte de seu vão inferior como lavabo – um dos cinco banheiros da residência.

Com relação ao volume do edifício, sem dúvida houve influência das casas-tipo elaboradas
ainda por Atílio, nas Ruas 20 e 24. O próprio terreno adquirido por Altamiro para edificar sua
casa ficava próximo ao núcleo pioneiro, a apenas duas quadras da Rua 20, onde haviam
sido edificadas as primeiras residências de alvenaria, destinadas a funcionários transferidos
da antiga capital (as casas do contrato de 1937).

Programa
Entre as modificações introduzidas na arquitetura residencial vernácula em Goiás estava a
separação de usos por cômodo, o que definia todo o programa de necessidades da
residência. A tradição regional muitas vezes produziu residências que misturavam várias
atividades num mesmo cômodo. Na Casa de Altamiro, há clara separação entre área íntima
e espaço de convivência, bem como inovações na distribuição dos cômodos e na circulação
(Imagem 3).

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Logo na entrada já se anuncia o novo programa de distribuição: o antigo vestíbulo se
transfere para o alpendre, fora do corpo da casa. Diferentemente da varanda, o alpendre
não mais circunda todo o corpo da casa, como nas residências rurais, mas limita-se à área
de recepção da entrada. O acesso ao corpo do edifício, a partir do alpendre, fica, portanto,
reservado àquele convidado a entrar. É no alpendre que se toma a decisão de permitir a
entrada ao visitante, é o alpendre que separa o ambiente privado do lar do espaço público
da rua. Ao mesmo tempo em que se trata de uma zona tampão, único ponto de entrada na
residência, o alpendre oferece ainda a oportunidade de receber o estranho com algum
conforto, espaço amplo e mobiliário.

Imagem 3. Planta baixa original do térreo da Casa de Altamiro, datada de 1954, com carimbo do
Departamento de Obras Públicas e assinatura do autor, eng. Geraldo Duarte Passos.
Fonte: Arquivo Centro de Estudos Brasileiros UFG

Tomada a decisão de fazer passar o visitante para o interior, ao adentrar o corpo da


residência, salta aos olhos a eliminação do antigo corredor do programa vernáculo como
centro distribuidor de acesso aos vários cômodos. A Casa de Altamiro faz uso da sala-
praça: a partir do grande salão é que se ganha acesso à saleta, copa, piso superior e área
íntima.

No piso superior, a solução se repete: a escada termina numa nova sala-praça, que permite
acesso aos dormitórios aos fundos e aos salões da biblioteca e ao escritório. Nos fundos da
casa, distante do movimento e burburinho da Avenida Araguaia, é que se concentra a área
íntima, em dois quartos de dormir, um dos quais com banheiro próprio – uma suíte, outra
grande inovação para a época.

As medidas sanitárias e higienistas fizeram com que todos os ambientes fossem


configurados de modo a possuir aberturas que permitissem iluminação e ventilação naturais,
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além dos já citados recuos e afastamentos. Outra grande inovação foi levar em conta a
existência de novo membro da família, o automóvel, com a inclusão de área de garagem
coberta no próprio corpo do edifício.

Outra área que se incorporava ao corpo do edifício foram os ambientes molhados. Com a
obrigação de sua incorporação ao corpo da residência, no sobrado essas peças foram
agrupadas em baterias com superposição das instalações hidráulicas, de modo a tirar
partido das prumadas de água. Na Casa de Altamiro há duas baterias: o banheiro da suíte
do andar superior sobrepõe-se ao banheiro do dormitório térreo e ao de serviço, ao passo
que o banheiro do piso superior se sobrepõe ao lavabo térreo sob a escada. No total, são,
portanto, duas prumadas, para uma cozinha e cinco banheiros – nada mal para uma peça
que apenas poucos anos antes havia encontrado seu caminho para dentro do corpo da
casa!

Na época de sua construção, a migração dos banheiros para o interior das casas era
fenômeno ainda recente. Esse movimento iniciou-se por volta de 1850, mas se disseminaria
entre residências da classe média apenas a partir dos anos 1870, em cidades como Londres
e Paris. Em outras partes, essa tendência se consolidaria apenas a partir de fins do século
19, e com velocidade de disseminação variada em cada cidade. O programa residencial
passou a prever inicialmente apenas um banheiro e, a partir de 1900, surge o conceito de
suíte em residências mais nobres, com a necessidade portanto de dois banheiros, um na
suíte e outro no corredor.

Talvez ainda mais importante que a especificação das peças seja um item das “Normas
Gerais para a Regulamentação de Construções em Goiânia” (Portaria nº 67, 1937), código
provisório de obras para Goiânia, que tinha como principal função facilitar a elaboração de
projetos por particulares (Portaria n° 67: Normas Gerais para Regulamentação das
Construções em Goiânia): “Art. 20 – Todo compartimento, seja qual for o seu destino,
deverá ter um vão de iluminação e ventilação (portas ou janelas) aberta diretamente para o
exterior.”

O banheiro

Além do banheiro contíguo ao quarto principal, há vários outros banheiros na Casa de


Altamiro. A profusão de banheiros nas casas da época é ao mesmo tempo inovação no
conforto doméstico como demonstração de pujança. Os banheiros na residência do início do
século 20 talvez representem a maior inovação tecnológica no programa residencial.

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Ao passo que o fornecimento de água encanada para cidades e individualmente para
residências é conhecido desde a Antiguidade, grande parte das peças utilizadas no banheiro
é produto da indústria fabril, frutos de processos industriais, numa grande mudança em
relação à prática anterior.

Antes da construção de Goiânia, as edificações do Brasil Central utilizavam-se de materiais


produzidos in loco, a partir de matéria-prima local, terra, pedra, madeira e cal. O parque
fabril nacional começa a se estruturar ainda em fins do século 19, notadamente em São
Paulo. A industrialização nacional ganharia novo ímpeto com a vinda dos inúmeros artífices
e artesãos nas grandes imigrações iniciadas em 1874, especialmente oriundas da Itália.
Convém um olhar mais detalhado nas várias inovações introduzidas para conforto dos
residentes da nova cidade e evidentes na Casa de Altamiro.

Tubulação
Convém ressaltar que a existência de banheiros plenamente funcionais no interior das
residências é algo que só se tornou possível com o advento das instalações hidráulicas
públicas. É preciso não só levar água até o banheiro, mas também de lá retirá-la.

Concebida a partir de 1932, Goiânia foi projetada já com a inovação de um sistema para
levar água limpa e retirar águas servidas de maneira individual de cada residência. O
sistema público entregava a água tratada diante de cada um dos vários terrenos da cidade e
entregava, a partir desse ponto de entrada de água, a responsabilidade ao proprietário.

Antes desses sistemas remotos, as necessidades de águas eram resolvidas no próprio


local, dentro do próprio terreno, o que em parte ainda ocorre em regiões sem sistemas
públicos: escava-se uma cisterna para obtenção de água do subterrâneo, e escava-se uma
fossa para emissão de resíduos. Cumpre não estarem próximos esses dois poços, de modo
a evitar o risco de percolação de líquidos entre eles. No Brasil Central, esse sistema
perdurou parcialmente até o início do século 20, no caso de coleta de águas servidas e em
parte é ainda utilizado em certos bairros ou mesmo cidades.

Anteriormente a sistemas remotos individualizados, havia a alternativa de abastecimento de


água coletivo, em fontes públicas. Esse sistema existe desde as primeiras aglomerações
urbanas, e no Brasil Central foi implantado inicialmente na cidade de Goiás, com uma
primeira fonte pública em 1772 (a Fonte da Carioca, ainda existente) e um chafariz em 1778.

Há relatos de instalação de sistemas de abastecimento público em Ouro Preto (então vila


Rica) já em 1710, com uma primeira fonte disponível à população já em 1722 (Carles, 2016,

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p.127), bem como em Mariana, em 1720 (Tedeschi, 2011, p. 28), e Diamantina (MG), por
volta de 1737, já com tubulação cerâmica (Starling & Germano, 2012, p.17).

Por essa mesma época, porém, inaugurou-se em 1723, no Rio de Janeiro o Aqueduto da
Carioca (RJ), primeiro sistema de captação e distribuição pública de água em toda a
América. Ao passo que o sistema carioca optou por canalização aérea, os pequenos
sistemas das cidades mineiras o faziam por via subterrânea, todos sempre por gravidade.

Ao longo do tempo, vários materiais foram utilizados em encanamentos públicos urbanos,


como argila, cerâmica ou mesmo madeira. Cobre e latão eram os mais eficientes, em
termos de resistência, mas o alto custo de implantação foi e ainda é um impeditivo. O
chumbo, com sua facilidade de fabricação, baixo preço, alta resistência à corrosão e
ductilidade, apresentou-se como alternativa ideal durante muito tempo.

Não foi senão com o desenvolvimento da siderurgia, a partir de fins do século 19, que
tubulações de ferro galvanizado se tornaram a norma, material igualmente maleável, mas
sem os inconvenientes do chumbo. No início da construção de Goiânia, tubulações de ferro
eram o padrão, o que ocorreria até sua substituição por matéria plástica (em especial o
PVC, descoberto acidentalmente na Alemanha em 1835) a partir dos anos de 1960 (Olin,
1995, p. 257).

Nesse cenário, as especificações para as primeiras casas de Goiânia previam para ligações
e canos, respectivamente, chumbo e ferro: “As canalizações serão de ferro, sendo o tubo da
entrada de 3/4” e o da queda de 1” (...) As ligações serão em chumbo de 1/2”” (Contrato
com Coimbra Bueno & Cia. Ltda, 1935).

Águas servidas
Com o crescimento das cidades, na esteira da Revolução Industrial, no início do século 19,
inicia-se um longo debate entre sanitaristas, políticos, engenheiros e arquitetos, sobre a
higiene e saúde pública das cidades.

Assim, em 1846 proclama-se em Londres o Decreto de Remoção de Incômodos e


Prevenção de Doenças (Nuisances Removal and Diseases Prevention Act), bem como o
Decreto de Saúde Pública de 1848, primeiras iniciativas modernas a incentivar a construção
de redes subterrâneas de esgoto sólido e líquido, com o intuito de substituir o sistema de
fossas individualizadas.

Novamente aqui, a velocidade de implantação desses sistemas foi variada, com fossas
subsistindo ainda na Paris do início do século 20. Em Londres, maior e mais rica cidade do
mundo dessa época, o código de obras municipal só passou a exigir banheiros no interior de
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residências ligados à rede pública de água e esgotos depois da Primeira Guerra, com o
Relatório Tudor-Walters, de 1918. Interessante notar que um dos relatores da comissão foi o
engenheiro inglês Raymond Unwin, justamente o idealizador da cidade-jardim, que inspiraria
o Setor Sul de Goiânia.

Já para o esgotamento das águas servidas, no edital de concorrência pública para a


construção de 15 imóveis, a previsão era de tubulação de chumbo e cerâmica:

Esgotos: As canalizações de esgoto serão de chumbo de 1” para o bidet, lavatório,


pia e tanque para lavar roupa, e de 1 ¼ “para a banheira. O W. C. levará manilhas de
4”. (...) O esgoto será coletado por manilhas e lançado na fossa. (...) Os esgotos dos
aparelhos, com exceção do W. C., irão ter a um ralo sifonado de cerâmica ou
concreto. Esse ralo será ligado então á canalização geral do esgoto. (Edital, 1936)

O grande inconveniente da tubulação de ferro é sua propensão à ferrugem nas juntas e ao


acúmulo de depósito nas paredes internas, o que diminui o fluxo de água. Além disso, como
há disposição de reação com concreto, não é recomendada sua instalação dentro de peças
de concreto armado. É essa a tubulação utilizada majoritariamente na Casa de Altamiro, que
atualmente sofre desses três problemas. Para piorar a situação, como a água fornecida para
abastecimento público em Goiânia tem alguma acidez (com pH variando na faixa de 4,2-5,1)
e altos níveis de cálcio (Arantes, 2017, , p.17), a propensão é para acúmulo de sedimentos
internamente à tubulação. Além disso, a tubulação na Casa de Altamiro é instalada dentro
de vigas de concreto moldadas in loco, tornando a situação mais desfavorável.

Parte desses problemas seria resolvida com o advento do processo da galvanização, em


meados do século 19. O processo aplicava uma camada de zinco – material resistente à
corrosão – sobre o ferro, resultando num produto mais resistente à corrosão. A partir do
início do século 20, as tubulações de ferro galvanizado tornam-se padrão na construção, e
na Casa de Altamiro há umas poucas peças galvanizadas. De qualquer maneira, a
recomendação de fabricantes de tubulações de ferro galvanizado sugere troca a cada 70
anos, tempo médio de vida útil na Casa de Altamiro atingido justamente neste momento.

Aparelhos sanitários, metais e outras peças hidráulicas

As especificações do edital de 1936, de concorrência para a construção das primeiras casas


de Goiânia, previam várias peças sanitárias nos banheiros:

Aparelhos: Serão colocados os seguintes: (1) Uma banheira de ferro esmaltado de


cinco pés com ladrão e válvula e torneiras niqueladas. (II) Um bidet de louça tipo

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popular com dois registros niquelados, uma ligação d´água quente e outra de água
fria. (III) Um W. C. com tampa simples envernizada. (IV) Um lavatório de ferro fundido
com uma torneira e válvula niquelados, que será instalado no quarto de banho,
quando não existir local mais apropriado para colocá-lo. (V) Uma pia de ferro
esmaltada n. 1, com pedra de granito, na cozinha. (VI) Uma caixa de descarga de
ferro fundido. (VII) Um chuveiro, com registro também na parede niquelado. Todos os
aparelhos serão de primeira escolha. (Edital, 1936)

Esses aparelhos representavam uma grande inovação e conforto na vida urbana.


Anteriormente à introdução dos banheiros internos, como forma de evitar a necessidade de
ter de deixar a casa à noite para ir à edícula nos fundos, a prática era a de usar recipientes
colocados sob a cama durante a noite (penicos ou comadres), cujo conteúdo era descartado
na manhã seguinte.

Essas primeiras peças sanitárias para os banheiros internos eram fabricadas tanto de metal
como de porcelana. No caso de peças de metal, a prática era recobrir o ferro de uma
camada de sílica, formando ferro esmaltado. O produto final tem grande resistência química
bem como impermeabilidade, além da facilidade de limpeza e resistência mecânica.

Por outro lado, o menor custo da porcelana, com características como durabilidade,
impermeabilidade e resistência à ferrugem, aos poucos suplantou o uso de peças de ferro
esmaltado. Na Casa de Altamiro, há nos banheiros peças de porcelana, como vasos
sanitários, colunas de sustentação de lavatórios e saboneteiras.

Uma grande inovação com o advento dos vasos sanitários foi o sistema de descarga de
dejetos sólidos. Na Casa de Altamiro, foram utilizadas válvulas “para descargas automáticas
de água em aparelhos sanitários”, conforme descrição de um fabricante de válvulas da
época.

Anteriormente à invenção das válvulas de descarga, os vasos sanitários eliminavam seus


dejetos por gravidade, diretamente em fossas sob eles. Com as válvulas de descarga,
tornou-se possível a instalação de vasos sanitários em qualquer parte da residência,
distante do ponto de eliminação dos dejetos, fosse fossa ou ligação à rede pública de
esgoto.

Na Casa de Altamiro, foram utilizadas Válvulas Itu, patenteadas e fabricadas em São Paulo
por Dino Ferraresi & Cia Ltda. (Imagem 4). O fabricante alterou seu nome a partir de 1948,
para Indústrias Ferraresi S. A., e seria mais tarde incorporado por uma empresa maior, que
continua ainda hoje a fabricar o mesmo tipo de válvula, agora com a marca “Hydra”.

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Uma peça que chama a atenção nos banheiros íntimos da Casa de Altamiro são os bidês
(Imagem 4). Essa peça destinada à higiene das partes íntimas ou dos pés perderia
importância a partir dos anos 1970. Concebida como peça de higiene para uso dentro do
próprio quarto de dormir, o bidê surge na França, a partir do séc. 17, inicialmente feito de
madeira ou porcelana.

Outra inovação na Casa de Altamiro é o uso de torneiras com misturadores nos banheiros.
Ao passo que torneiras são comuns em casas há vários séculos, os misturadores de água
quente e fria surgiram comercialmente apenas em fins do séc. 19. O equipamento propicia
conforto adicional ao usuário, uma vez que permite a seleção da temperatura adequada da
água. O uso de misturadores disseminou-se inicialmente pela Europa, mas, na Inglaterra,
por força de normas do código de obras local (British standard CP 310, 1965), lavatórios
exibem ainda hoje duas torneiras separadas. Ao passo que o sistema evita a contaminação
entre os dois sistemas de água e um eventual desbalanceamento de pressão, há a
desvantagem de não oferecer a possibilidade de temperatura média. Na Casa de Altamiro,
os dois modelos são utilizados, o modelo inglês com duas torneiras e o modelo com
misturador.

Com o uso de duas torneiras, a identificação da temperatura da água de cada torneira pode
não ser imediata, razão pela qual surge a necessidade de identificá-las. Essa identificação
pode ser feita com marcações em cada torneira, como letras ou cores, e há códigos de
obras que determinam ainda água quente à esquerda (como o já citado CP 310 inglês). Na
Casa de Altamiro, essa norma é seguida, além de cada torneira contar com identificadores
coloridos (Imagem 4).

Na Casa de Altamiro todos os banheiros utilizam uma mesma linha de metais, a Atlântica,
fabricada pela Indústria de Metais Vulcânia, estabelecida em São Paulo no início do séc. 20.
As torneiras desse modelo são de aço, com válvula de esfera, terminadas por uma manopla
plástica com cores vermelha e azul, identificando a temperatura da água. Com um sistema
simples e eficiente, a linha Atlântica apresentava-se como “mecânica revolucionária no
sentido técnico e moderno da palavra”.

No curso das obras de restauração em 2020, apesar das instalações de água quente e fria,
não foi identificado nenhum sistema de aquecimento de água. Como não há registros, pode-
se especular que o sistema tenha sido removido anteriormente ou mesmo que nunca tenha
sido instalado.

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Já as pias da cozinha da Casa de Altamiro utilizam torneiras simples, sem água quente, da
Metalúrgica Crevatin (Bedolini, 2019, p. 8). Imigrantes italianos, os irmãos Crevatin
patentearam em 1939 sua “torneira à pressão”, comercializada com a marca Cre,
abreviatura de seu sobrenome (Imagem 5). A torneira, desenhada para fixar-se na parede,
ficava na extremidade de um cabo de aprox. 23 cm. A abertura se dava pelo revolucionário
sistema de um quarto de volta, com poucas peças móveis. O sucesso do modelo foi tanto
que a marca tornou-se nome genérico, ainda hoje comercializado como “torneiras modelo
Cre”, por diversos fabricantes.

Imagem 4. Aparelhos e metais sanitários na Casa de Altamiro. À esq.: bidê Souza Noschese; acima à
direita: válvula sanitária Itu; abaixo: torneiras de água quente e fria Atlântica.
Fonte: Fotografias dos autores

A maioria dos metais hidráulicos da Casa de Altamiro têm acabamento galvanizado ou


cromado. Peças de acabamento, como torneiras, registros, válvulas e até sifões são todos
de metal revestido por camada de cromo.

No Brasil, surgiram logo as primeiras oficinas de cromagem, tanto que já em 1934


associaram-se em São Paulo trabalhadores de “galvanoplastia e niquelação” para formar
um sindicato do setor (Winkel, 2006, p.12). Como os primeiros processos industriais de
galvanoplastia utilizavam-se de níquel, o termo niquelagem era mais comum na época. Nas
especificações dos aparelhos sanitários no contrato de 1933, são previstos “válvula
nickelada (...) registros nickelados na parede (...) torneira, válvula e suportes nickelados (...)
chuveiro nickelado com registro na parede e braço nickelado.”

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A Casa de Altamiro avançou um passo para além da especificação, ao utilizar-se de metais
cromados em detrimento dos niquelados. Ainda hoje, em vista de sua maior durabilidade e
beleza (Olin, 1995, p.19), a preferência recai sobre metais cromados (Imagem 5).

Imagem 5. Torneira da cozinha da Casa de Altamiro, modelo Cre.


Fonte: Fotografia dos autores

Conclusão
A construção de uma nova capital trouxe a oportunidade de planejar e implantar conceitos
inovadores no interior do Brasil. O arquiteto-urbanista Atílio Correia Lima, graduado no Rio
de Janeiro e com experiência no exterior, foi o responsável por introduzir na nova cidade os
conceitos sanitaristas e de planejamento urbano.

Esse conjunto de normas causaria um impacto na arquitetura, nas técnicas construtivas e na


materialidade. No lugar de buscar adaptar processos e materiais à realidade local, o que se
viu foi o abandono de técnicas vernáculas e adoção das inovações, disseminadas para as
novas residências e edifícios. Esse processo deu-se mesmo em vista das grandes
distâncias, da nova cidade afastada de grandes centros e de difícil acesso a insumos e mão
de obra especializada. A Casa de Altamiro de Moura Pacheco, uma das primeiras
residências particulares construídas na nova capital, é um exemplo de edificação dentro
desse contexto. Construída por um particular, mesmo assim não se hesitou em adotar todas
as normas elaboradas para as construções financiadas pelo Estado, uma vez que se
vislumbraram os novos formatos de instalações hidráulicas, iluminação e ventilação natural
numa perspectiva de bem-estar, conforto e, no âmbito social e urbano, de saúde pública.
Goiânia e a Casa de Altamiro, em diferentes escalas, permanecem como testemunho da
transformação das técnicas construtivas.
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Referências Bibliográficas

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de abastecimento público do ribeirão João Leite. Dissertação (Mestrado em Engenharia
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Bedolini, A. (2019). Moderno e experimental: uma reflexão sobre a materialidade da
arquitetura brasileira (1937-1964). Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) –
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.
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Decreto nº 3.547, de 6 de julho de 1933 – Encarrega o Urbanista Atílio Correia Lima,
representante da firma P. Antunes Ribeiro & Cia., do Rio de Janeiro, do estabelecimento do
projeto da futura capital do Estado. (1933). Goiás. Recuperado em 17 de maio de 2021, de
http://www.gabinetecivil.go.gov.br/historia/goiania/decreto_3547.pdf

Edital, julho de 1936 – Especificações para a construção de 15 casas para funcionários, em


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A PAISAGEM GEOLÓGICA COMO UM PATRIMÔNIO PREPONDERANTE NA
MANUTENÇÃO E PRESERVAÇÃO DE MANANCIAIS PÚBLICOS: um estudo
histórico sobre a Serra da Conquista, em Brumadinho - MG e as ameaças
urbanas e minerárias em seu entorno

ANDRADE, Vagner Luciano de (1);

1. Rede Ação Ambiental, Programa Agente Ambientais em Ação.


Rua Vinte e Seis, 85, Zona Rural – Bela Vista (CEP 32.421-020)
Ibirité - MG. E-mail: reacao@yahoo.com
RESUMO
A arquitetura de barragens é um elemento recente na área de estudos acerca do
patrimônio e se faz cada vez mais emergencial. Assim, as paisagens fluviais, as
paisagens lacustres, são realidade nas grandes cidades por agregarem funções de
extrema relevância. Mas alguns contextos ambientais, demostram os impactos
urbanos à biodiversidade, conclamando a sociedade a militância por sua
requalificação e efetiva conservação. Na Grande BH, por exemplo, há três represas
bastante impactadas pela ação humana, incluindo a especulação imobiliária, o
lançamento de esgoto, sem tratamento e retirada da cobertura vegetal nativa. Cita-
se aqui Ibirité, Pampulha e Várzea das Flores, como grandes lagoas, cujos índices
de balneabilidade e potabilidade se extinguiram. Na sociedade que urge por
sustentabilidade, memórias coletivas e suas narrativas ecológicas, se
fazem/refazem num contexto cíclico de construção, desconstrução e reconstrução
dos ideais societários, nos quais os acervos naturais, se efetivem na paisagem
como marcos significativos e patrimônio cultural de suas respectivas comunidades.
Nesta discussão contemporânea, o meio ambiente precisa ser valorizado
especialmente, em face de seus incontáveis benefícios providos à humanidade.
Assim, a partir de um projeto de pesquisa sobre a Serra da Conquista, Brumadinho
e Rio Manso - MG e as ameaças em seu entorno, o presente trabalho objetiva
reafirmar a paisagem histórica geológica como elemento preponderante na
manutenção e preservação de mananciais públicos, construindo discussões que
legitimem sua conservação como legado da sociedade. Espera-se cooperar para a
ascensão dos conhecimentos da comunidade acerca das questões
socioambientais desenvolvidas no estudo.

Palavras chave: Mineração, Impactos, Patrimônio, Paisagem, Urbanização.

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
1. Introdução

A pertinência da água na morfogênese e morfodinâmica das paisagens é o


foco da geomorfologia fluvial, que abarca estudos dos eixos lacustres e costeiros.
Adicionalmente, incluem-se trabalhos focados na fisiografia, morfografia e
morfometria de rios, nascentes, lagos e bacias hidrográficas, além dos ambientes
litorâneos. Dentro desta conexão interdisciplinar, as bacias hidrográficas, pelo
conjunto de serviço ecossistêmico são elementos indispensáveis à manutenção da
vida, geridos por rígidos parâmetros legais. Assim, o modelo socioeconômico
vigente deve-se adequar à legislação especifica tratando adequadamente, a
geomorfologia local e seus rios, nascentes, lagos e bacias hidrográficas,
principalmente em áreas de intenso adensamento urbano. Índices de
balneabilidade e potabilidade são regidos por lei. Na Serra da Conquista, a
construção de uma represa no Rio Manso (Figura 01) para captação de água
submergiu (topocídio) um povoado chamado Cachoeira dos Antunes, segundo o
Jornal Estado de Minas (2015):
O recuo das águas do reservatório de Rio Manso expôs os
alicerces e parte das estruturas de 10 casas, três currais, dois moinhos e
parte do que restou do piso da igreja. Da Cachoeira dos Antunes, uma
queda d’água que tinha 50 metros e de tão bela batizou o distrito,
apareceu apenas a cabeceira, com corredeiras que não têm mais de dois
metros de altura. Às ruínas só se chega com autorização da COPASA,
pois a estrada de terra de cinco quilômetros fica em área de preservação
do represamento, sob responsabilidade da companhia de abastecimento.
Todo o distrito foi desapropriado em 1988 para dar espaço à represa.
Quando a estrada chega ao fim, é o lago que aparece primeiro, dominando
o fundo da paisagem, mesmo registrando ontem apenas 53,4% de seu
volume total.

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FIGURA 01: Represa do Rio Manso, na Serra da Conquista
Fonte: https://www.brasildefatomg.com.br/2017/09/27/terceiro-maior-reservatorio-de-agua-da-
rmbh-pode-secar

O Art. 21, inciso XIX da CF - Constituição Federal instituiu, para os Estados,


Distrito Federal e Municípios, a compensação financeira pelo resultado da
exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração
de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios,
plataformas continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, e outras
providências. Neste contexto, no entorno da capital mineira há áreas paisagísticas
de exponencial valor para a coletividade por agregarem acervos naturais e
culturais, com destaque para os serviços ecossistêmicos indispensáveis à
manutenção da qualidade de vida das urbes componentes da Grande BH. De
acordo com Neves Júnior, Borges e Neves (2014, p. 01-02)
Os sistemas de abastecimento de água são considerados estratégicos
para promover o atendimento das demandas sociais e econômicas,
principalmente em contextos urbanos e industriais, inseridos em grandes
aglomerações humanas e industriais. Podem atender os usos múltiplos da
sociedade e colaborar para promover o desenvolvimento e a segurança
hídrica. Podem ser considerados como “estruturas multifuncionais”, por
possuírem a barragem, reservatórios e serviços de captação, tratamento
e adução de água. São considerados empreendimentos polêmicos e de
alto impacto socioambiental (BOTKIN e KELLER, 2011).

A lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de


Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos como marco regulatório que definiu, fundamentou e legitimou critérios de
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outorga de direitos de seu uso, (), e alterando o art. 1º da Lei federal nº 8.001, de
13 de março de 1990, que definia os percentuais da distribuição da compensação
financeira de que tratava a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, dando outras
providências e por sua vez havia modificado a respectiva Lei de 1989.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I - DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
CAPÍTULO I - DOS FUNDAMENTOS
Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes
fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o
consumo humano e a dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso
múltiplo das águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com
a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Assim destaca-se a água, captada nas APEE - Áreas Estaduais de


Preservação Especial dispersas pela RMBH (Tabela 1), em especial, o manancial
da Serra da Conquista/Rio Manso, no vetor oeste metropolitano, responsável por
preservar remanescentes naturais indispensáveis à captação de água da COPASA.
Neves Júnior, Borges e Neves (2014, p. 01-02) asseguram que:
O Sistema Rio Manso é composto por uma “barragem de regularização”,
com área de 1.080 ha. Possui um sistema de captação e tratamento de
água, com capacidade para tratar 4 m³/seg. localizado a sudoeste da
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Compõe o sistema de
abastecimento da RMBH, que possui outros mananciais como o Sistema
Rio das Velhas. É responsável por aproximadamente 35% do
abastecimento de toda essa área (SEMAD, 2010). O manancial colabora
para promover o armazenamento de água, bem como perenizar o Rio
Manso, integrante da Bacia do Rio Paraopeba. Além disso, o Sistema Rio
Manso encontra-se no portfólio de serviços da COPASA (2014), que
promoveu uma PPP – Parceria Público-Privada - para promover a gestão
do manancial. Pode-se considerar que o manancial se enquadra no
contexto da “privatização dos serviços da água” (...) o que “possibilita
negociar diferentes contratos, ampliando a gama de opções aos
investidores, que em geral atuam em consórcios envolvendo parcerias
com o capital nacional (...)” (RIBEIRO, 2008).

TABELA 1
Relação de APEE – Área Estadual de Proteção Especial – RMBH (MG)
Nome de Criação Lei/De Data de Área Área da UC dentro do Mun. (Ha)
UC -creto Criação (Ha)

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Rio Manso 27.928 15/03/1988 65.778 Bonfim 3.455; Brumadinho 9.256;
Crucilândia 14.776; Itatiaiuçu 15.175;
Rio Manso 23.116;
Serra Azul 20.792 08/07/1980 26.058 Igarapé 7.000; Itaúna 3.184;
Juatuba; 4.57 Mateus Leme 11.304
Várzea das Flores 20.793 08/07/1980 12.300 Betim 1.709; Contagem 10.591
Barreiro 22.091 08/06/1982 1.327 Belo Horizonte
Taboão 22.109 14/06/1982 890 Ibirité 305; Sarzedo 95
Rola Moça e 22.110 14/06/1982 738 Ibirité
Bálsamo
Fechos 22.327 03/09/1982 476 Nova Lima
Mutuca 21.372 01/07/1981 250 Nova Lima
Cercadinho 22.327 03/09/1982 247 Belo Horizonte
Catarina 22.096 14/06/1982 180 Brumadinho
Fonte: adaptado de http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/quadrosUCs/2012/apee_mg.pdf

2. Área de estudo

Compreende estudos na APEE - Área Estadual de Proteção Especial da


Serra da Conquista/Rio Manso (Figura 02), o maior manancial metropolitano
(65.778 hectares), mais especificamente na antiga localidade de Cachoeira dos
Antunes, lugar extinto devido ao represamento nos anos 1980. Enquanto, pelo a
importância do papel da água, nascentes, rios e lagos, Tadeu (2017, p. 02):
A bacia hidrográfica do rio Paraopeba, situa-se a sudeste do estado de
Minas Gerais e abrange uma área de 13.643 km². O rio Paraopeba, que
na língua Tupi significa “rio de águas rasas e de pouca profundidade”, tem
como seus principais afluentes o rio Águas Claras, Macaúbas, o rio Betim,
o rio Camapuã e o rio Manso. Ele é também um dos mais importantes
tributários do rio São Francisco, percorrendo aproximadamente até a sua
foz no lago da represa de Três Marias, no município de Felixlândia
(CIBAPAR, 2012). A bacia abrange 48 municípios dentre os quais
apresentam importantes pólos industriais como a cidade de Contagem e
Betim. A bacia do rio Paraopeba possui uma área que corresponde a 2,5%
da área total do estado de Minas Gerais. Perto de 1,4 milhão de pessoas
vivem na bacia, em municípios de paisagens, culturas, economias e
realidades sócio-econômicas e ambientais muito diversas (CIBAPAR,
2012). A bacia hidrográfica do rio Paraopeba é responsável pelo
abastecimento de água de aproximadamente 53% da população da
Região Metropolitana de Belo Horizonte, por meio dos sistemas
integrados: Várzea das Flores, Serra Azul e Rio Manso. Apenas a Estação
de Tratamento de Água do Sistema Rio Manso, operado pela Companhia
de Saneamento de Minas Gerais (COPASA), fornece 28,3 % do total desta
água (CIBAPAR, 2012). Com 537 km de rio, a bacia do rio Paraopeba é
“alongada” em sua forma.

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FIGURA 02 - O Manancial Rio Manso no contexto da RMBH
Fonte: http://www.rmbh.org.br:8081/plano/municipio.php?mun=rio_manso

O destaque local fica com o Distrito de Sousa, onde as comunidades


remanescentes de quilombos mantêm vivas as tradições camponesas como a
Festa do Rosário, realizada anualmente em Agosto, na capelinha do bairro do
Pequi. É assim que as pessoas interagem com as paisagens cotidianas,
descobrindo e atribuindo a elas os mais diversos significados. Lodi (2012, p. 42)
enuncia que:
Das nascentes em Cristiano Otoni até a foz em Felixlândia, no lago de
Três Marias, a natureza revela diferentes características físicas, bióticas,
climáticas, econômicas e de ocupação. Percebe-se menores altitudes,
maiores temperaturas e menor densidade demográfica do Alto para o
Baixo Paraopeba. No aspecto econômico, as atividades também são
distintas nas três regiões da bacia: Alto, Médio e Baixo Paraopeba
(CIBAPAR, 2012). A área em estudo se encontra na região do Médio
Paraopeba, onde estão localizados vários municípios da Região
Metropolitana de Belo Horizonte (Betim, parte de Contagem, Ibirité,
Sarzedo, São Joaquim de Bicas, Igarapé, Juatuba, Mateus Leme,
Florestal, Esmeraldas, Mário Campos e Brumadinho, etc.) há uma rica
diversidade industrial, com destaque para grandes indústrias dos ramos
automobilístico, petroquímico e alimentício. A mineração de Ferro também
está presente nessa região, sobretudo nas serras de Itatiaiuçu, Serra Azul
e Farofas, que ainda pertencem ao Quadrilátero Ferrífero. Há expressivas
minerações de areia na região de Esmeraldas, e produção de hortaliças e
em Sarzedo, Igarapé, Mário Campos e Rio Manso (CIBAPAR, 2012).

A área em estudo, Serra de Igarapé próximo ao segmento se encontra na


cidade de São Joaquim de Bicas, cruzamento da BR 381, com o principal rio da
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Bacia, o rio Paraopeba. Trata-se de análise do lugar, através de três categorias:
topocídio (extinção), topofobia (medo) e topofilia (afeição). A escolha do manancial
da Serra da Conquista/Rio Manso, Brumadinho-MG deve-se ao fato de ser a área
uma síntese socioambiental das diversas paisagens que formam a região
historicamente denominada Quadrilátero Ferrífero. O site Marilice Costi (2020)
exemplifica bem isso:
Frequentemente dizemos: este é o meu lugar, referindo-nos a um espaço
que temos vínculos de afeto. Por que não dizemos “este é meu local”?
Porque a palavra “lugar” é o espaço pelo qual você tem sentimentos,
vínculos, memórias, vivências. São locais muito importantes em nossa
vida.
Uma cidade sem lugares perde sentido. A cidade precisa desses espaços,
a sociedade precisa porque são espaços significativos, são territórios que
nos transmitem segurança, lembranças, ativam nossa memória…
Se você gosta ou prefere determinado local é porque viveu ali momentos
especiais. Pode ser o estar íntimo da família, o seu quarto, o seu
automóvel, a praia. Esse lugar tem sentido pra você e explica o que você
sente. Olhar melhor sobre esse lugar é importante, pois irá descobrir um
pouco mais de você.
Isso é topofilia, onde há identidade e afeto por determinados aspectos do
lugar.

3. Metodologia

A ideia é metodologicamente discutir a ideia do corredor ecológico e cultural


a partir dos conceitos de biodiversidade, geodiversidade e sociodiversidade. Assim
a APEE, enquanto tipologia diferenciada de unidade de conservação agrega
múltiplos valores às paisagens cultural (sociodiversidade), ecológica
(biodiversidade) e geológica (geodiversidade). No contexto de história geológica e
de história ambiental, estudos recentes enfatizam a importância de preservação da
paisagem geomorfológica como elemento preponderante na manutenção e
preservação de mananciais públicos (Figura 03). Silva (2015, p. 36) pondera que:
destaca algumas características relacionadas à geologia e à
geomorfologia que podem ser utilizadas para identificar as áreas com
atratividade para o turismo, devido ao fato de retratarem a singularidade e
a representatividade de aspectos relacionados aos eventos importantes
da evolução da estrutura física do planeta, entre elas destacam-se: 
Característica Geológica Excelente: está relacionada a processos raros
ou a processos que possuem interesses científico, cultural e estético de
muita relevância;  Característica Geológica Representativa: pode estar
relacionada a processos raros ou comuns, mas possui um significado
importante devido ser reconhecido como um exemplo do seu tipo de
evento. As ocorrências ou exposições de testemunhos geológicos e
geomorfológicos que registram a história geológica da Terra em uma
região, como vulcões, cavernas, áreas fossilizadas, falhas geológicas,
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jazidas minerais, são também conhecidas como Geótopos (...). Estes
elementos, além de possuírem um valor científico e estético especial,
constituem atrações para as visitações de pessoas comuns, estudantes
ou especialistas, com interesse didático ou de interação com a natureza
através do turismo. Devido à importância dos Geótopos, como objetos
geológicos e geomorfológicos que ajudam a interpretar a história
geológica do planeta, ou seja, a sua Geodiversidade, alguns destes
objetos, pelas suas características históricas, didáticas, raridade ou
monumentalidade assumem um valor patrimonial, sendo também
designados como Patrimônios Geológico e/ou Geomorfológico (....)

FIGURA 03 - Paisagens naturais no entorno do Manancial da Serra da Conquista/Rio Manso


Fonte:
http://www.copasa.com.br/wps/portal/internet/imprensa/noticias/releases/2016rel/dezembro16rel/re
servatoriosrmbh-
2016/!ut/p/a0/04_Sj9CPykssy0xPLMnMz0vMAfGjzOJ9DLwdPby9Dbz8gzzdDBy9g_zd_T2dgvx8zf
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Assim, o presente trabalho de pesquisa apresenta um estudo de revisão


bibliográfica sobre o local destacando as e ameaças aspectos importantes para
conservação da geodiversidade local e destacando seu potencial pedagógico
através do geoturismo com contextos interdisciplinares que permitem visitas
escolares em seu entorno, e abordagens integradas em Ecologia, Geografia e
História. Silva (2015, p. 37) aponta que:
o valor patrimonial de um objeto, seja ele geológico, geomorfológico,
cultural ou artístico está cada vez mais identificado como a herança
coletiva, e ressalta a importância de sua preservação para as gerações
futuras por representar os vestígios ligados à história da sociedade e da
natureza. Em suma, é considerado como Patrimônio Geológico ou
Geomorfológico qualquer evento de relevância natural que assuma um
valor documental e/ou de monumento e que justifique a sua conservação

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como herança para as gerações futuras (SANTOS, 2005). Carvalho
(1999) menciona que o uso de escalas diferentes para se analisar os
testemunhos que retratam a herança geológica e a evolução
geomorfológica na paisagem, advêm de valores patrimoniais diferentes,
problemas de conservação diversos e modos de gestão e valorização
distintos. Desta forma, são destacados alguns critérios que subsidiam na
distinção dos Patrimônios Geológicos e Geomorfológicos da paisagem,
através de três níveis de interpretação de Geomonumentos, baseados na
escala como se apresentam os aspectos mais significativos do arcabouço
geológico e sua evolução geomorfológica na paisagem e, que merecem
ser preservados para fins do turismo e de pesquisas cientificas.

Basta reforçar que todas as áreas de captação de águas para abastecimento


público em Belo Horizonte e região são retiradas de unidades de conservação em
áreas inseridas no Quadrilátero Ferrífero. O trabalho fundamenta-se em ampla
revisão bibliográfica sobre o manancial da Serra da Conquista/Rio Manso (Figura
04) e as condições socioambientais de seu entorno com vistas à ampliar a
discussão sobre sua relevância para a Grande BH. Salis et al, 2017, p. 93) verificam
que:
A Bacia Hidrográfica do Rio Manso está localizada na Região
Metropolitana de Belo Horizonte(RMBH), Minas Gerais e abrange os
municípios de Brumadinho, Rio Manso, Itatiaiuçu, Bonfim e Crucilândia. A
área de estudo com aproximadamente 67.000 ha de extensão, pertence à
bacia estadual Rio do Paraopeba, que por sua vez é afluente da bacia do
Rio São Francisco. Os principais cursos d’água tributários da bacia do Rio
Manso são os rios: Manso e Veloso e os córregos Souza, Provisório,
Grande, Lamas, do Cruzeiro, das Pedras, Taboca, da Pinguela, Areias e
Quéias.

FIGURA 04: Manancial da Serra da Conquista/Rio Manso


Fonte: https://www.amda.org.br/index.php/comunicacao/noticias/3961-minas-gerais-pode-
enfrentar-racionamento-severo-de-agua

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Matas e nascentes encontram-se em considerável estado de conservação
ambiental num cenário cercado por mineração e práticas agrícolas degradantes,
com intenso uso de agrotóxicos. A Zona Rural em Rio manso sofre ameaça com a
expansão urbana das Bernardas, do Centro, do Condomínio Rural Vida Nova, do
Nova Cachoeira, do Santa Luzia, do Sousa, do Pequi e do Viamão. Paiva e Parreira
(2012, p. 84) confirmam que:
A sustentabilidade ambiental entrou definitivamente na pauta das grandes
discussões mundiais. Entendida como o conjunto de medidas e ações
capazes de prover sustento para a humanidade e alavancar o
desenvolvimento econômico, levando em consideração a preservação do
ecossistema, tem como premissas a exploração racional dos recursos
naturais, o uso de fontes de energia limpas e renováveis e a redução dos
níveis de poluição ambiental, entre outros. À medida que se propaga a
conscientização de que é necessário preservar o meio ambiente como
forma de assegurar a continuidade de existência da própria humanidade,
cresce também a certeza de que o rol de ações ideais não é composto
apenas por atitudes de grande porte. Muito pelo contrário, é necessário
analisar todos os níveis dos processos produtivos e de consumo, sob a
ótica da sustentabilidade ambiental. A exploração da matéria-prima, a
logística, a produção, a comercialização, o consumo e os descartes de
resíduos em todas estas fases são alvos do “pensar ambiental” e estão
sujeitos a terem seus fluxos alterados ou interrompidos, seja por força de
algum ordenamento jurídico, seja por pressão da sociedade. Neste
contexto, os efluentes originários das empresas do setor de saneamento,
antes lançados nos corpos hídricos sem qualquer avaliação quanto ao seu
potencial poluidor, passaram a ser objetos de estudos cujo objetivo é
minimizar a possibilidade de ocorrência de impacto ambiental.

As paisagens fluviais são a marca do papel contínuo realizado pela água na


morfogênese e morfodinâmica do relevo. Assim, estudos de geomorfologia fluvial
desempenham significativo destaque nos trabalhos focados na fisiografia,
morfografia e morfometria de rios, nascentes, lagos e bacias hidrográficas,
compreendendo dimensões e processos em diferentes escalas e recortes
temporais. Na Grande BH, é indispensável o estudo da Geomofologia fluvial, em
mananciais ameaçados por paisagens minerárias, com o intuito de se efetivar
políticas conservacionistas para preservação das últimas áreas de captação de
água para fins de abastecimento metropolitano. Conforme relatam Matos e Dias
(2012, p. 21):
Outros representantes destacaram o assoreamento por mineradoras,
utilização de agrotóxicos, desvio de cursos d’água, uso inconsciente e,
principalmente, a poluição. Como apontou o Município de Betim (2011), “o
maior problema é a má utilização do rio e de suas nascentes e margens”.
De forma mais detalhada, o representante do Município de Brumadinho

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acrescentou: Os principais conflitos ou problemas entre os usuários de
água na região do consórcio são: – COPASA (abastecimento público) X
mineração X agricultura irrigada na sub-bacia do Ribeirão Serra Azul; –
COPASA (esgotamento sanitário) X Petrobras (indústria) X população
(recreação e lazer) na sub-bacia do Ribeirão Sarzedo (Lagoa de Ibirité).
Também há outros casos, como a questão do uso múltiplo de
reservatórios em Rio Manso e Brumadinho (reservatório do sistema Rio
Manso, da COPASA, destinado ao abastecimento público); conflito entre
abastecimento em comunidade de Congonhas e mineradoras
(REPRESENTANTE DE BRUMADINHO, 2011).

Para Matos e Dias (2012, p. 21) transcrito na íntegra “este estudo tem como
objetivo apresentar uma reflexão, a partir de uma revisão bibliográfica, sobre a
gestão dos recursos hídricos no Estado de Minas Gerais e sua política estadual de
recursos hídricos. Também apresenta uma análise dos questionários direcionados
aos gestores dos 48 municípios pertencentes à bacia. Nesta parte da pesquisa,
evidencia-se que 52% dos representantes entrevistados informaram que há
conflitos ou problemas entre os usuários de água na região da bacia, além da
frequência elevada de diversos processos ambientais que contribuem para a má
qualidade da água em vários pontos da extensão territorial sob foco”.

Com bases aplicada na geração do modelo, ao final do projeto sobre


manancial da Serra da Conquista/Rio Manso - Cachoeira dos Antunes (Figura 05),
e com as atividades desenvolvidas e os dados da pesquisa coletados. Espera-se
gerar um movimento ambiental para que os atores envolvidos com o projeto de
pesquisa se sintam motivados e engajados em prosseguir com as proposições,
contribuindo para a disseminação das ideias de sustentabilidade do espaço rural
suscitadas na pesquisa, aproximando-se assim o conceito de pesquisa associada
com extensão.

4. Resultados e discussões

O trabalho fornece ainda uma visão geral sobre o Sistema de


Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado e da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraopeba. Neste sentido, a percepção do lugar em sua “essência” é uma das
possíveis formas de visualizar e analisar o conflito entre homem e natureza.
Perceber a realidade talvez se caracterize como um possível fio condutor rumo a
uma nova perspectiva de sociedade, mas integrada, sustentável e interdisciplinar.
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No contexto da localidade (Tabela 2) em questão, Silva (2015, p. 37-38), afirma que
“os Geomonumentos podem ser distinguidos ao nível de”:
Afloramento ou local: está relacionado com único elemento geológico
ou geomorfológico e com dimensão da ordem da dezena de metros. Neste
caso predominam os valores de ordem geológica (aspectos particulares
da litologia, jazidas paleontológicas, entre outros) mesmo que estejam
presentes valores de ordem geomorfológica (grutas, cachoeiras, dunas,
praias, entre outros);
Sítio: em geral, combinam diversos elementos geológicos ou
geomorfológicos com a dimensão da ordem de centenas de metros,
contudo estão ainda susceptíveis a uma delimitação rigorosa. Pela sua
magnitude predominam os aspectos geomorfológicos (os domos
rochosos, os escarpamentos, as cristas, entre outros);
Paisagem: em geral, está conjugada um todo geológico e geomorfológico,
passível de ser visto de um ou mais pontos de observação. Neste caso,
são consideradas as imensões da ordem de quilômetros e os aspectos
geomorfológicos (montanhas, serras vales ao longo de linhas de falha,
cânion extensos, entre outros) são muitas vezes reforçados ou mesmo
valorizados por aspectos bióticos (cobertura vegetal) e, mesmo,
antrópicos (áreas de elevada exploração mineral, ocupação urbana).

FIGURA 05 - Mapa de Cachoeira dos Antunes, engolida pelas águas do represamento


Fonte: http://blog.leia.org.br/mar-de-lama-e-pouca-chuva-agua-de-bh-agoniza/

TABELA 2
Dados populacionais de Rio Manso
Distritos Povoados e População População População População %
localidades Urbana Rural Total
Sede 1.565 1.669 3.234 61.30
Bernardas
Souza 1.245 797 2.042 38.70
Total 2.810 2.466 5.276 100.00
% 53.26 46.74 100.00 XXXXXX
Fonte: http://www.rmbh.org.br:8081/plano/municipio.php?mun=rio_manso

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Este conflito tem cada vez mais levado às pessoas a buscarem a natureza,
através do turismo como um resgate, um retorno à “essência”. Mas qual é a relação
entre Turismo e a Questão Ambiental? Além das tecnologias mediando tempo e
espaço, bem como todas as questões a ela vinculadas, surgem novas formas de
apropriação e segregação do espaço, em sua maioria ditadas pelo turismo e suas
possibilidades. Isso se deve ao fato de que na sociedade pós-moderna, torna-se
comum, como resposta imediata ao stress e consecutiva perda da qualidade de
vida em todos os sentidos e níveis, a mercantilização da natureza, propiciando uma
fuga e descanso, mesmo que temporário ao turista que pode pagar por ela. Silva
(2015, p. 38) cogita que:
Pelas características particulares que proporcionam na paisagem
devido a sua originalidade, grandiosidade, espetacularidade e, também,
pelo seu valor cultural, revelado nas ações humanas, alguns processos
geológicos e geomorfológicos representam o verdadeiro patrimônio de
uma região, assim como, podem constituir no seu principal atrativo para
as pessoas que procuram opções de lazer, desporto e de interpretação
ambiental através dos diversos ramos do turismo. Nesse sentido, através
do modelo de diferenciação escalar dos Geomonumentos, proposto por
Carvalho (1999), é possível encontrar formas interessantes em qualquer
dos níveis de análise espacial, que podem ser atrações para o turismo,
estudos científicos, entre outros. Como por exemplo: ao nível local, podem
ser encontradas, entre outros, as grutas que em alguns casos possuem
significativo interesse arqueológico; ao nível de sítio, podem ser
encontrados muitos elementos com valor patrimonial, com destaque, entre
outros, para as marcas espetaculares de falhamentos tectônicos, cuja
grandiosidade paisagística pode ser valorizada pelas fendas que se abrem
nas vertentes escarpadas das serras e montanhas; e por último, ao nível
da paisagem, podem ser destacados, entre outros, o interesse científico
que muitas serras e montanhas proporcionam devido à monumentalidade
e beleza cênica que representam no contexto regional.

Denominado convencionalmente como Ecoturismo ou turismo ecológico é


um subproduto técnica do turismo que estabelece circuitos e pacotes em atrativos
cujo principal elemento seja a natureza, com seus atributos e benefícios. Associado
também a outros tipos específicos de aproveitamento dos elementos estéticos da
natureza encontra-se o turismo rural e o turismo de aventura. Todos têm como
objetivo comum à realização de “visitas a áreas naturais não degradadas e não
poluídas, a fim de estudar, admirar e usufruir à paisagem, sua fauna e flora, além
das manifestações culturais encontradas no local” (SILVA, 2003, p. 119). Neste
contexto, as áreas naturais com suas peculiaridades, tanto em regiões costeiras
como em regiões rurais aparentemente preservadas e não muito distantes dos
grandes centros urbanos, passam a ser aproveitadas e comercializadas gerando
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com isso uma série de impactos tanto sociais, quanto ambientais. Silva (2015, p.
38) analisa que:
As atividades do turismo, sobretudo do Geoturismo podem representar
uma das estratégias importantes para a preservação de áreas que são
privilegiadas pela ocorrência de arcabouços geológicos importantes da
Terra; contudo, é essencial nestas atividades a divulgação dos
mecanismos que incorporem as informações geológicas e da evolução
geomorfológica com as suas diversas explicações aos atrativos da
paisagem. Desta forma, a crescente exigência de compreensão da
natureza, claramente expressada pelos turistas de hoje, pode ser em certa
medida, melhor atendida e a preservação dos recursos naturais
incentivadas.

Mas conceitualmente o que é meio ambiente? Por que ele sempre foi
referência e base para o progresso e a evolução das técnicas humanas?
Inicialmente dentro de uma perspectiva sustentável, pode-se afirmar que o conceito
de meio ambiente é indispensável à conscientização e educação de visitantes por
ser o veículo através do qual o homem interage com os aspectos ambientais sem
depredá-los. Segundo Coimbra (2002, p. 153) meio ambiente, proveniente da fusão
dos termos em latim medium (que significa meio e se refere ao lugar onde qualquer
espécie de ser vivo possa ser encontrada) e ambire (que significa ambiente,
relacionado a tudo que envolve esse lugar), o conceito repassa e reforça a ideia de
manutenção da vida e de sua diversidade. Para Silva (2015, p. 40):
Nesse sentido, as propostas de percursos ou roteiros de
interpretação dos eventos de maior representatividade da paisagem em
determinadas zonas ou áreas, com fins de entretenimento ou turismo,
devem valorizar a experiência com as particularidades do local visitado. O
turista deve ser estimulado a experimentar e interpretar o cenário de
riquezas dos aspectos físicos da natureza e das manifestações humanas
associadas, que aparece, sobretudo nos testemunhos deixados pelos
aspectos geológicos, evolução geomorfológica e manifestações humanas
no contexto espacial, incentivado pelas suas peculiaridades estéticas,
científicas, econômicas e pedagógicas, representando uma grande
atração da paisagem de muitos lugares, como a região do Quadrilátero
Ferrífero. Desta forma, torna-se imprescindível pensar em percursos em
zonas ou áreas que ofereçam aspectos importantes da natureza e da
história humana no ambiente visitado, estimulando o ganho de
conhecimento através da leitura da paisagem e das experiências
adquiridas ao longo de todo o caminho.

O termo, por sua vez, envolve um “universo de significados, motivos, aspirações,


crenças, valores e atitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos não podendo ser reduzida a
operacionalizações de variáveis” (SILVA, 2003, 117). Ainda para Coimbra (2002,

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p. 155), meio ambiente é o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas
naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num
processo de interação voltado ao desenvolvimento das atividades humanas, que
mesmo estando dentro dos padrões de qualidade definidos não garante à
preservação dos recursos naturais e de suas características essenciais. Ladwig
(2008, p. 60) defende que:
Sistema natural: atmosfera, biosfera, litosfera, hidrosfera - sem
intervenção humana este conjunto está em constante mutação;
Sistema social: os grupos humanos, as infra-estruturas materiais
construídas pelo homem, as relações de produção e os sistemas
institucionais por ele elaborados.

Muitos pesquisadores trocam o termo meio ambiente por ecossistema,


mesmo não sendo ambos sinônimos. O termo meio ambiente abrange o ser
humano e toda sua evolução, até mesmo a tecnológica, já o termo ecossistema
traz características de manutenção do equilíbrio e da estabilidade geral apontando
o controle da evolução natural das espécies naturais. Casasola (2000, p. 09) aponta
três subconjuntos para o meio ambiente, fundamentado em constatações
aparentemente contraditórias: por um lado problemas graves, por outro um
panorama de riquezas. De acordo com a Constituição Federal (1988):
Meio ambiente natural: formado por solo, água, ar, flora, fauna e todos os
demais elementos naturais responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre
os seres vivos e o meio em que vivem (art.225, caput e §1º da CF/88).
Meio ambiente cultural: composto pelo patrimônio histórico, artístico,
arqueológico, paisagístico, turístico, científico e pelas sínteses culturais
que integram o universo das práticas sociais das relações de intercâmbio
entre homem e natureza (art.215 e 216 da CF/88).
Meio ambiente artificial: constituído pelo conjunto e edificações,
equipamentos, rodovias e demais elementos que formam o espaço
urbano construído (art. 21, XX, 182 e segs., art. 225 C F/88).

Neste contexto, o entendimento da realidade local, através de noções da


complexidade ambiental fará com que o turista entenda que a natureza é um
elemento indispensável à manutenção da vida no planeta, inclusive a humana, e
como tal deve ser preservada, fazendo com as atividades turísticas sejam também
elementos efetivos de sensibilização, conscientização e transformação. E neste
sentido, a relação epistemológica muito próxima entre áreas distintas do
conhecimento como a Ecologia, a Geografia e a História nos permite
interdisciplinarmente entender como se materializa e se processa este conflito.
Silva (2015, p. 55-56) questiona que:
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É inegável a relação histórica que existe entre a mineração e a
ocupação do Estado de Minas Gerais, especialmente, da região do
Quadrilátero Ferrífero. São inúmeros os aspectos que demonstram a
influência dessa atividade na colonização da região, dentre eles, estão à
conquista de terras em busca de bens minerais de valor elevado (o ouro,
principalmente) e uma urbanização típica das áreas mineradoras que
reflete a riqueza cultural e econômica do período. Atualmente, além de
abrigar grandes mineradoras de ferro e ouro, no Quadrilátero Ferrífero
também estão presentes vários empreendimentos que exploram jazidas
de outros tipos de rochas e minerais, como por exemplo: a bauxita, a
pedra-sabão, o topázio imperial, o quartzo, o níquel, o caulim, dentre
outros. A exploração do ouro teve seu início no final do século XVII, com
a descoberta do mineral nos aluviões do Rio das Velhas e de seus
tributários na região de Sabarabuçu, atual município de Sabará,
posteriormente foram descobertas novas jazidas em Ouro Preto, Mariana,
Caeté, Nova Lima, entre outros lugares, o que contribuiu para a ocupação
e para o desenvolvimento econômico da região.

Conceitos errôneos podem conduzir grupos a impactarem o atrativo natural


visitado, reduzido seu potencial e gerando seu comprometimento. É preciso que
turistas e planejadores entendam que espaços naturais devem ser preservados e
não antropizados, ou seja, transformados. Ambiente transformado, por sua vez,
inclui todos os espaços que foram criados ou modificados pelo homem para
realização de diferentes atividades, como agricultura, urbanização e pecuária.
Apesar de já ser ofertado em agências de turismo, o ecoturismo e outras formas
turísticas (Tabela 3) de apropriação dos elementos e atributos naturais, ainda não
apresenta no seu planejamento e execução uma inter-relação com o meio ambiente
que previna possíveis impactos. Assim sendo através do turismo, é possível visitar
um local sem prejudicar o contexto natural respondendo as necessidades do
presente. Isso justifica que se faz necessário redefinir a base dos conceitos
ecológicos utilizados, para que não surjam dúvidas que conduzam a uma
interpretação equivocada, influenciando nas formas de utilização deste ou daquele
espaço natural. De acordo com Silva (2015, p.78):
A fim de demonstrar uma parcela dos aspectos da diversidade geológica
e da evolução geomorfológica na paisagem do Quadrilátero Ferrífero,
reconhecida em conjunto com as manifestações histórico-culturais como
alguns dos maiores símbolos do Estado de Minas Gerais, neste trabalho,
foram destacadas zonas de interpretação ambiental que privilegiam os
lugares, onde estão expostos alguns dos testemunhos mais
representativos e peculiares da diversidade paisagística da região e que,
por conseguinte, podem se constituir em atrativos a serem agregados à
oferta turística do Quadrilátero Ferrífero. Nesse sentido, foi imprescindível
identificar percursos nestas zonas que oferecessem aos turistas os
melhores acessos aos lugares de maior representatividade cênica,
científica e histórico-cultural na paisagem, tendo como referência as
principais rodovias que entrecortam a região. A proposta dos percursos
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procurou seguir o trajeto das principais estradas, tendo em vista, favorecer
o estabelecimento de uma conexão entre origem e destino, estimulando o
ganho de conhecimento do visitante através da leitura da paisagem e das
experiências adquiridas ao longo do caminho, mecanismo cada vez mais
valorizado pelo turismo na atualidade (...).

TABELA 3
Coleta de dados
Patrimônio Cultural Patrimônio Natural
Bernardas Não consta Prainha de Bernardas
Cachoeira dos Antunes Elementos extintos Elementos extintos
Pequi Festa do Rosário Pequi Centenário
Rio Manso Matriz de Santa Luzia Cachoeira das Setes Quedas
Cachoeira do Zé Velho
Cachoeiras do Morro da Onça
Lajinha de Grotas
Mirante do Viamão
Sousa Represa da COPASA Serra da Conquista
Fonte: https://circuitoveredasdoparaopeba.org.br/rio-manso

5. Considerações finais

Neste sentido a questão ambiental, com seus inúmeros conceitos podem


direcionar aos planejadores do turismo, novas formas de ver, pensar e aproveitar o
que a natureza oferece, sem depredá-la. Compete urgentemente à humanidade
mediante preocupação e educação, viabilizar novas perspectivas através do
planejamento socioambiental enquanto elemento capaz de difundir novos conceitos
e posturas acerca do meio ambiente e de sua importância na manutenção da
qualidade de vida. Assim toda atividade turística comercializada como ecológica
deve ser planejada levando-se em consideração elementos, princípios e práticas
ambientais, objetivando é claro além de conscientizar minimizar eventuais impactos
decorrentes do fluxo de visitação aos atrativos naturais.
Baseado nas potencialidades teórica, epistemológica e metodológica, o
presente trabalho propõe enveredar um caminho pelo Turismo entendido aqui não
apenas como área interdisciplinar do conhecimento, mas como uma simbologia de
idéias e ideais e como um possível acesso à transformação do futuro ao permitir
conexões entre ambiente, cultura, educação e sociedade. Entendendo a ação
humana como o meio que modifica o ambiente dando-lhe novas feições, formatos
e significações, o turismo é desta forma o fio condutor de ações sociais, educativas,
culturais e ambientais, que numa perspectiva de integração e interdisciplinaridade
constroem um novo projeto de sociedade.
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Entendendo o ecoturismo em paisagens rurais como um fio condutor de uma
nova sociedade mais integrada, sustentável e interdisciplinar espera-se elencar as
múltiplas possibilidades culturais, educativos e socioambientais existe na realidade
do município de Rio Manso, no estado de Minas Gerais. Assim apresentam-se
informações substanciais necessárias a futuros projetos de inventário da oferta
turística do respectivo município mineiro, evidenciando elementos naturais e
culturais de valor intrínseco que possam se consolidar como tipos e sub-tipos de
atrativos turisticos.

Referências

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7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


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7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

IDIOSSINCRASIAS DO CONTEXTO ARQUITETÔNICO DE NOVA IGUAÇU

Julio Cesar Ribeiro Sampaio (julio.sampaio.ufrrj@gmail.com)

O artigo apresenta os desdobramentos da pesquisa de Iniciação Científica


desenvolvida com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro (Faperj), implementada no Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no
período de 2018 a 2019.

A investigação em questão concentra-se na abordagem das particularidades do


conjunto arquitetônico protegido e com potencial de proteção da cidade de
Nova Iguaçu, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a partir de informações
obtidas na execução do plano de ensino da disciplina de Projeto de
Conservação e Restauração do Patrimônio Edificado (IT819 - Módulo de
Edificações), do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ.

Os resultados obtidos nesta investigação pretendem contribuir para o


aprofundamento dos conhecimentos disponíveis do conjunto arquitetônico de
Nova Iguaçu, na elaboração de políticas de proteção e de conservação do
patrimônio cultural da Baixada Fluminense, especialmente no âmbito das
prefeituras da região e, ainda, nos debates sobre o ensino de Conservação nos
cursos de Arquitetura e Urbanismo do País.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

MUSEU CASA EDUARDO RIBEIRO EM MANAUS-AM E A HABITAÇÃO


COMO DOCUMENTO: ENTRE A HISTÓRIA PRIVADA E A MEMÓRIA
URBANA OFICIAL

Luiza Martins Prazeres Dos Santos (luizasantos739@gmail.com)

Vládia Cantanhede (vladiacantanhede@gmail.com)

O presente trabalho investiga o Museu Casa Eduardo Ribeiro em Manaus, com


vistas a compreender a patrimonialização do imóvel que o abriga e em
paralelo, o processo com que se deu sua musealização pelo Governo do
Estado, a partir de 2010. Situado no entorno do Teatro Amazonas, primeiro
bem cultural tombado pelo IPHAN na capital amazonense, e inscrito na
poligonal de tombamento do sítio histórico de Manaus (Processo: n° 1.614 - T -
10 de 2012), a edificação eclética expõe a história do ex-governador Eduardo
Ribeiro, cuja notoriedade tem sido associada às iniciativas que adotou para a
modernização da cidade. Dentre estas, a implantação de planos urbanos no
período de apogeu do ciclo econômico da Borracha, entre finais do séc. XIX e a
primeira década do séc. XX, promoveram profundas reformas urbanas e
sociais neste contexto. A partir de referencial bibliográfico, da investigação dos
registros de tombamento e de proteção do bem imóvel em pauta, da análise da
proposta de musealização, suas justificativas e meios materiais, é pretendido
investigar o trânsito do imóvel urbano patrimonializado a Museu Casa,
consequentemente, a condição de documento histórico do referido imóvel.
Considerado o nexo do personagem com a história oficial da cidade, a
habitação musealizada reafirma a história urbana que o consagra junto à
memória local e ao construir em síntese, um habitar típico em exposição
permanente, o Museu Casa Eduardo Ribeiro se utiliza dos recursos do tema da
habitação para idealizar sobre o universo privado do personagem exposto.
Deste modo, é na construção do ambiente simulado da casa, onde mobiliário e
objetos do cotidiano fornecem uma imagem do que teria sido o ambiente da
vida privada do personagem, que dá-se, desde o referido objeto de estudo, a
reafirmação de uma memória oficial da cidade de Manaus.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

O ACERVO FOTOGRÁFICO DO MUSEU DA ESTRADA DE FERRO


SOROCABANA: PRESERVAÇÃO E POTENCIALIDADES DE
INTERPRETAÇÃO SOBRE OS CONSTRUTORES DE FERROVIAS

Larissa Girardi Losada (larissalosada28@gmail.com)

Daniella Gomes Moreira (daniellagmoreira@gmail.com)

O uso da fotografia como fonte histórica vem ganhando espaço desde que o
conceito de documento se ampliou, na esteira das influências dos historiadores
da École des Annales. Como materiais da memória coletiva, os registros
fotográficos podem ser pensados a partir de suas condições de produção e
perpetuação – levantando novas problemáticas e traduzindo valores e ideias de
diferentes períodos. Os documentos fotográficos são fragmentos ‘cristalizados’
do passado, escolhidos por fotógrafos e fotógrafas, que chegam até os dias
atuais na forma de mediadores entre diferentes pessoas e mentalidades. Essa
mediação só é possível a partir da conservação dos aspectos físicos dos
documentos. Contudo, a fotografia não se limita aos aspectos visíveis ou
tangíveis, uma vez que coexistem ‘camadas ocultas’, intangíveis e
interpretáveis, que passam a ser notadas a partir das indagações feitas aos
objetos. Portanto, a conservação das fotografias possibilita não somente sua
perpetuação no tempo, mas também diversas interpretações e pesquisas. O
Museu da Estrada de Ferro Sorocabana, localizado em Sorocaba – SP,
salvaguarda cerca de 3 mil fotografias relacionadas às ferrovias no Estado de
São Paulo, principalmente à Estrada de Ferro Sorocabana. Em seu acervo,
recentemente inventariado, encontram-se documentos fotográficos que datam
desde o início do século XX até os dias atuais – um patrimônio imagético que
ainda pouco se conhece. O presente texto resulta de pesquisas em condução
sobre a preservação deste acervo e suas potencialidades como fonte de
pesquisa e comunicação. Toma-se como objeto de estudos os registros
fotográficos que tratam dos construtores de ferrovias, os quais, embora sejam
os principais responsáveis por caminhos de ferro e edificações, estão
retratados como objetos na paisagem que se modificava com as obras - como
anônimos ou utilitários. Busca-se refletir sobre o uso da fotografia como fonte
histórica, especialmente no que tange à relevância de sua preservação e às
potencialidades interpretativas desses documentos para o entendimento da
cultura do trabalho nas obras ferroviárias. A metodologia de estudo contempla
pesquisa bibliográfica e iconográfica. Espera-se contribuir com os debates
acerca do uso da fotografia como fonte histórica, especialmente no âmbito da
valorização dos trabalhadores e operários responsáveis por erguer complexos
ferroviários. Ressaltando, também, a importância da preservação desses
documentos, ação que oportuniza este estudo e os subsequentes.
IDIOSSINCRASIAS DO CONTEXTO ARQUITETÔNICO DE NOVA
IGUAÇU

SAMPAIO, JULIO CESAR RIBEIRO

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


Instituto de Tecnologia
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
BR-465, Km 7, Seropédica, Rio de Janeiro, CEP: 23.897-000
E-mail: julio.sampaio.ufrrj@gmail.com

RESUMO

O artigo apresenta os desdobramentos da pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida com recursos


da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), implementada no
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
no período de 2018 a 2019.
A investigação em questão concentra-se na abordagem das particularidades do conjunto arquitetônico
protegido e com potencial de proteção da cidade de Nova Iguaçu, Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, a partir de informações obtidas na execução do plano de ensino da disciplina de Projeto de
Conservação e Restauração do Patrimônio Edificado (IT819 - Módulo de Edificações), do curso de
graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ.
Os resultados obtidos nesta investigação pretendem contribuir para o aprofundamento dos
conhecimentos disponíveis do conjunto arquitetônico de Nova Iguaçu, na elaboração de políticas de
proteção e de conservação do patrimônio cultural da Baixada Fluminense, especialmente no âmbito
das prefeituras da região e, ainda, nos debates sobre o ensino de Conservação nos cursos de
Arquitetura e Urbanismo do País.
Palavras-chave: Conservação; Ensino de Conservação; Conjunto Arquitetônico de Nova Iguaçu

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06 a 08 de outubro de 2021
IDIOSSINCRASIAS DO CONTEXTO ARQUITETÔNICO DE NOVA IGUAÇU

1 – Introdução

As áreas urbanas protegidas e com potencial de proteção são portadoras de aspectos


arquitetônicos, urbanísticos, paisagísticos, sociais e econômicos que as diferenciam dos
demais espaços urbanos. De acordo com a Carta de Petrópolis, documento redigido no
Primeiro Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros Históricos (Cury,
2000, p. 285), esses locais devem ser compreendidos nos seus sentidos operacionais como
áreas críticas “e não por oposição a espaços não-históricos da cidade, já que toda cidade é
um organismo histórico.”

A diversidade da paisagem urbana das “áreas críticas” centrais da cidade de Nova Iguaçu é
marcada, entre outros aspectos, pela presença de edificações protegidas (em uma escala
menor) e com potencial de proteção do Período Eclético, das Arquiteturas Art Déco,
Neocolonial, Moderna e por prédios contemporâneos portadores de programas arquitetônicos
variados (unidades residenciais, comerciais, de usos mistos etc.). O grupamento dessas
principais manifestações arquitetônicas históricas da cidade é composto por edificações de
notáveis méritos arquitetônicos do cenário cultural local e outras contextuais. O primeiro grupo
destaca-se na paisagem urbana das áreas onde se localiza e compõe a maioria do conjunto
de bens culturais protegidos da cidade.

As edificações contextuais possuem aspectos estilísticos não tão requintados como as


edificações excepcionais. Entretanto, apresentam diversidades de ornamentos,
acabamentos, cores, programas, sistemas construtivos e outras características arquitetônicas
que personalizam trechos da cidade, sobretudo na parte central e em sua periferia imediata.
Esses dois grupos de edificações, cujas significações ambientais complementam-se,
constituíram-se ao longo do século XX. Ambos compõem as principais “áreas críticas” de
Nova Iguaçu por conta dos conflitos entre conservação e desenvolvimento. Nas periferias
intermediárias e distantes deste núcleo central encontra-se disperso outro grupo específico e
também muito relevante para o cenário cultural da cidade, composto por edificações do
Período Colonial e Imperial. Destaca-se, neste contexto, a Fazenda São Bernardino, de 1875,
tombada pelo Governo Federal em 1951 e que vem se deteriorando há várias décadas.

A importância de todo esse conjunto arquitetônico fundamenta-se em termos quantitativos (o


número considerável de exemplares) e qualitativos (integridade, homogeneidade, valores
artísticos e históricos diversificados e únicos).

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
O enfoque deste artigo concentra-se na avaliação das condições atuais desse significativo
grupamento de edificações que diferencia Nova Iguaçu das demais cidades da Baixada
Fluminense, e compõem o universo de atuação de um projeto mais abrangente que vem
sendo realizado desde 2012. Trata-se do inventário arquitetônico da região, desenvolvido a
partir da contribuição do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ), especificamente das atividades acadêmicas contidas no plano de
ensino da disciplina de Projeto de Conservação e Restauração do Patrimônio Edificado
(IT819), no Módulo de Edificações (Cf. Sampaio, 2016).

Os dados produzidos pelo inventário arquitetônico dos alunos da UFRRJ foram organizados
e analisados a partir de uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj), no período de 2018 a 2020. Os resultados desses
procedimentos e dos seus desdobramentos serão abordados a seguir.

2 – Obtendo os dados: os Projetos Básicos de Conservação (PBCs) dos alunos do


curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ

A disciplina de Projeto de Conservação e Restauração do Patrimônio Edificado (IT819), no


Módulo de Edificações, visa capacitar o estudante para interferir em edificações protegidas
e/ou com potencial de proteção, conforme as recomendações das diretrizes curriculares dos
cursos de graduação do País (Resolução n. 2, de 17 de junho de 2010) e da regulamentação
do exercício profissional (Lei n. 12.378, de 31 de dezembro de 2010). Essa formação, no caso
específico, assenta-se nos princípios e procedimentos metodológicos do campo do saber da
Conservação, cujas abordagens são precedidas pela compreensão das noções de patrimônio
cultural, suas respectivas categorias e seus instrumentos de proteção que ajudam a
contextualizar essas discussões.

O plano de ensino em evidência, praticado na UFRRJ desde 2012, também se articula com
as discussões particulares do ensino de Conservação nos cursos de graduação em
Arquitetura e Urbanismo. Leva em consideração importantes debates que ocorrem nos
âmbitos institucionais, no Comitê Científico de Formação Profissional do Conselho
Internacional de Monumentos e Sítio – CIF/Icomos (Ahoniemi, 1995), na Rede PHI –
Patrimônio Histórico Cultural Iberoamericano – e nos domínios acadêmicos referenciando
importantes contribuições como Derek Linstrum (1996), Bernard Feilden e Jukka Jokilheto
(1993).

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Os procedimentos didáticos da disciplina IT819/UFRRJ estruturam-se em aulas expositivas e
estudos de casos. Os tópicos do programa correspondem às fases dos Projetos Básicos de
Conservação (PBCs): pesquisas históricas das edificações, análise das condições atuais
(planialtimetria, características arquitetônicas remanescentes, da ambiência, mapeamento de
danos e análise das legislações vigentes) e técnicas básicas de conservação. Esta proposta
pedagógica baseia-se, ainda, na contextualização das reflexões anteriormente apontadas,
nas experiências desenvolvidas nos cursos de Arquitetura e Urbanismo do Centro
Universitário Geraldo de Biasi (2001-2002) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (2004-
2010) - (Cf. Sampaio, 2009).

O aprendizado das sínteses conceituais e


metodológicas abordadas ao longo do semestre
letivo é avaliado a partir dos PBCs (Figura 1). Para
o desenvolvimento desses trabalhos, as turmas são
divididas em grupos de, no máximo, quatro alunos.
Cada grupo escolhe um exemplar do universo
arquitetônico da cidade de Nova Iguaçu, protegido
ou com potencial de proteção, relativamente
deteriorado, descaracterizado, recuperável e
passível de transformação de uso, com o objetivo de
se explorar a complexidade do campo do saber da
Conservação. Esse contexto concentra-se em duas
áreas (“críticas”), ambas na parte central da cidade:
ao redor da Rua Getúlio Vargas e nas imediações
do Calçadão de Nova Iguaçu (Rua Ministro Edgar da
Figura 1. PBC/UFRRJ 001-2012/1.
Costa). Mas também inclui edificações situadas em
outras partes da cidade, que já se encontram protegidas: uma pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/Iphan (Fazenda São Bernardino) e outras 12 pelo Governo do
Estado do Rio de Janeiro (conjunto urbano da extinta Vila de Iguaçu, antiga Estação
Ferroviária de Rio d’Ouro, entre outras). Após esse processo seletivo, os grupos apresentam
as edificações em um seminário para que seja avaliada a pertinência da escolha e para que
toda a turma tenha uma visão abrangente do conjunto arquitetônico em questão.

A conservação dos casos selecionados vincula-se aos valores culturais, históricos, artísticos,
científicos e/ou afetivos do patrimônio edificado de Nova Iguaçu. Podem ser de grande, médio

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
ou pequeno porte, de notáveis méritos arquitetônicos (os casos tombados)1 ou de valores de
conjunto (das duas áreas centrais abordadas)2, com condições de acessibilidade facilitada.

Os PBCs refletem o conteúdo e a sequência dos temas que constituem os tópicos do


programa da disciplina. As fases concentram-se na pesquisa histórica e na avaliação das
condições atuais das edificações. Os grupos produzem versões preliminares, avaliadas com
pesos proporcionais, passíveis de aprimoramentos em função da identificação de informações
complementares incorporadas nas versões finais. Estas últimas são antecedidas por estudos
preliminares por meio dos quais são apresentados, em seminários, os danos (de
caracterização e de deterioração), as intervenções de conservação e os programas
arquitetônicos das transformações de uso.

Os relatórios finais são estruturados nas normas de trabalhos acadêmicos da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). As partes seguem a ordem do desenvolvimento dos
PBCs. Nos anexos, são incluídas as documentações da pesquisa histórica (documentos,
fotografias, projetos etc.), as plantas do levantamento planialtimétrico, do mapeamento de
dano e do anteprojeto, que se baseiam nos itens básicos determinados pela Norma Brasileira
(NBR) 6.492, de Representação de Projetos de Arquitetura. Todo esse material é
encadernado em um único volume no formato A4.

Do primeiro semestre de 2012 até o fim de 2019 foram realizados 64 PBCs pelos alunos(as)
do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ, em Nova Iguaçu, nos moldes dos PBCs de
Juiz de Fora (UFJF). Trata-se de uma amostragem significativa do universo arquitetônico
dessa cidade, permitindo a compreensão da trajetória histórica e das condições atuais de tais
edificações. Esse material foi organizado, sistematizado e analisado em uma pesquisa com
apoio da Faperj, cujos resultados serão apresentados a seguir.

3 - O processamento das informações: as idiossincrasias do contexto arquitetônico de


Nova Iguaçu

O plano de ensino da disciplina de Conservação da UFRRJ determina um padrão na


estruturação e na formatação dos PBCs parcialmente desconsiderado por alguns grupos. A

1
- Edificações que se destacam na paisagem urbana em função da complexidade das escalas,
volumetrias, requintes das composições arquitetônicas, de acabamentos e integridade do grau de
caracterização.
2
- Edificações contextuais portadoras de aspectos arquitetônicos não tão depurados como as
edificações de notável mérito, integrantes de um conjunto com composições arquitetônicas
homogêneas, íntegras, articuladas e singulares, do ponto de vista artístico e histórico, que caracterizam
um ambiente urbano, o qual pode compor a paisagem urbana de uma rua, quadra, praça etc.

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primeira fase da pesquisa, apoiada pela Faperj, por meio do Edital de Iniciação Científica de
2018, concentrou-se na padronização dos relatórios dos 64 PBCs realizados até o segundo
semestre letivo de 2019. Os exemplares foram identificados, catalogados e armazenados no
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ.

Em seguida, os conteúdos dos PBCs foram editados e sintetizados em fichas sumárias, cuja
formatação e composição foram definidas por uma análise de exemplos de inventários
arquitetônicos disponíveis na literatura especializada de patrimônio edificado, sobretudo de
edificações. As informações básicas são compostas pelos dados de identificação,
informações históricas, características arquitetônicas remanescentes e condições atuais
(Figura 2).

Figura 2. Ficha sumária 019. Hospital Iguassú. Rua Getúlio Vargas, 222, Centro. Síntese dos
PBCs UFRRJ, Faperj IC 2018-2019.

A partir das pesquisas das documentações históricas escritas e iconográficas, de fontes


primárias e predominantemente secundárias3, desenvolvidas por alunos(as) em arquivos,
bibliotecas, órgãos da Prefeitura de Nova Iguaçu, e também em entrevistas, foi possível

3
- Com referenciamento frequente de Marcus Monteiro (2008) e Gênesis Tôrres (2008).

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realizar uma síntese da trajetória histórica dessa localidade e região fundamental à
compreensão do contexto das edificações trabalhadas nos PBCs.

A formação de Nova Iguaçu remonta ao Período Colonial (1500-1822), no momento da divisão


do atual País em Capitanias Hereditárias, e à posterior distribuição de sesmarias na região,
por volta da década de 15504. Várias referências consultadas (dentre elas, Tôrres, 2008)
indicam que essas sesmarias transformaram-se em freguesias situadas ao longo dos rios da
região. A mais próspera delas foi a de Nossa Senhora da Piedade de Iguaçu. Nesse período,
a região era ocupada por fazendas com produção agrícola diversificada (especialmente da
cana-de-açúcar), incrementada com a construção do Caminho Novo de Garcia Rodrigues
Paes, na década de 1720, ligando Ouro Preto ao Rio de Janeiro e que passava próximo desse
local.

O núcleo histórico de Nova Iguaçu, entretanto, não se situava na parte central atual e tinha
outra denominação: Iguassú, localizado às margens do Rio Iguassú, que vai se transformar
em vila, no século XVIII; e em cidade, no século seguinte. São dessa ocasião as construções
de várias igrejas ainda existentes (Igreja Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, Capela
Nossa Senhora de Guadalupe, Capela da Posse, entre outras), sobretudo do século XVIII. Do
núcleo original de Iguassú, restam apenas as ruínas da Matriz de Nossa Senhora da Piedade,
do muro do cemitério e vestígios do antigo porto local.

Nas proximidades de Iguassú, na segunda metade do século XIX, foi construída a Fazenda
São Bernardino, que se tornou a principal da região com plantações diversas (açúcar,
mandioca e, especialmente, café). A sua relevância histórica e artística levou o Iphan a
convertê-la em patrimônio cultural nacional (o único de Nova Iguaçu), em 1951. Trinta e dois
anos depois, a casa-sede sofreu um incêndio criminoso que a transformou em ruínas.

Pouco tempo depois da construção da São Bernardino, em 1858, é inaugurada a Estrada de


Ferro Dom Pedro II, impactando e diversificando a ocupação da região. Nesse momento,
Iguassú perde relevância social e econômica para uma nova centralidade, o Arraial de
Maxambomba, situado próximo a essa via férrea, onde hoje se situa a parte central de Nova
Iguaçu, passando a ter essa denominação a partir de 1916 e convertendo-se, gradualmente,

4
- Convém destacar que toda região da Baixada Fluminense possui um vasto e importante acervo
arqueológico do Período Pré-Cabralino com vestígios que remontam à Pré-História. Na construção do
Arco Metropolitano (Rodovia BR 493), de 2007 a 2014, que liga a Cidade de Itaguaí a Itaboraí, de
acordo com o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB, 2014), foram identificados 22 sítios arqueológicos
do início da ocupação da região até o século XVIII. A Prefeitura de Nova Iguaçu realizou, em 2020, a
exposição “A Cultura Tupy nas terras do Guaguassú: fragmentos da História Iguaçuana da Pré-História
ao Século XVI”, apresentando diversos artefatos desse período, dentre eles, uma lâmina de machado
de mão, considerada o mais antigo artefato encontrado na Baixada Fluminense, com datação de 6000
a 9000 anos.

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em um centro comercial e de serviços da região. Alguns anos depois, na década de 1930,
Nova Iguaçu vai se transformar em um dos principais produtores de laranja do País. A parte
central da cidade terá uma expansão significativa em função de atividades diretas e indiretas
correlacionadas com essa fase econômica local.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a suspensão do comércio internacional afetará


consideravelmente a produção da laranja em Nova Iguaçu, que entra em declínio irreversível.
Da década de 1940 em diante, toda a Baixada Fluminense passa se integrar ao município do
Rio de Janeiro em um processo de conurbação que compôs a segunda maior região
metropolitana do País. Nova Iguaçu, nesse período, terá parte do seu território fragmentado
em outros municípios. A primeira leva de emancipação, na década de 1940, criou os
municípios de Duque de Caxias, Nilópolis e São João de Meriti. Em um segundo momento,
na década de 1990, foram implantadas as municipalidades de Belford Roxo, Queimados,
Japeri e Mesquita. Mesmo assim, Nova Iguaçu ainda permanece como a maior cidade da
Baixada Fluminense.

Além da ferrovia da Central do Brasil, a Baixada Fluminense passou a ser interligada com o
Rio de Janeiro e São Paulo, a partir de 1952, pela Rodovia Presidente Dutra. Esses acessos
facilitaram o deslocamento da cidade do Rio de Janeiro para toda a Baixada, especialmente
para Nova Iguaçu, transformando-a na segunda maior população de toda a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, estruturando-a em um dos centros comerciais e de serviços
mais importante do estado.

As 64 edificações dos PBCs da UFRRJ distribuem-se nos períodos históricos anteriormente


resumidos. Sete desses casos no Período Colonial (do século XVIII); quatro no Imperial; e 53
no Republicano (todas do século XX). Delas, apenas uma é tombada pelo Iphan (Fazenda
São Bernardino) e outras 12, pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, sob tutela do Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) da Secretaria de Estado de Cultura e Economia
Criativa. Esta amostragem representa uma síntese consistente do universo de manifestações
arquitetônicas da região (Baixada Fluminense), do estado e do País, no âmbito das periferias
das Regiões Metropolitanas, conforme será apresentado a seguir (Figura 3).

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Figura 3. Localização dos PBCs UFRRJ. Área 1 - Imediações da Rua Getúlio
Vargas. Faperj IC 2018-2019

Os programas arquitetônicos básicos identificados nos PBCs refletem as diversas demandas


de cada momento da trajetória da formação de Iguassú, Maxambomba e Nova Iguaçu,
especialmente dessa última fase. Neste universo, predominam 21 residências (em maior
número, especialmente unifamiliares); sete templos religiosos (todos católicos); três estações
ferroviárias; 11 estabelecimentos comerciais, entre outros. São informações valiosas que
permitem compreender as diversas facetas da vida cotidiana e as tendências sociais e
econômicas de Nova Iguaçu. São aspectos que foram convertidos em patrimônio cultural
edificado por arquitetos e demais profissionais da Construção Civil nas ocasiões em questão.

Os conhecimentos adquiridos por alunos(as) nas disciplinas de Arquitetura Brasileira I (IT817)


e II (IT818), somados às informações catalogadas das referências bibliográficas manuseadas
da pesquisa de Iniciação Científica da Faperj, permitiram traçar uma síntese das tendências
estilísticas do conjunto arquitetônico composto por esses PBCs. Nesse cenário, destacam-se
três grupos: das edificações religiosas construídas nos séculos XVIII e XIX; dos casos que se
concentram em Iguassú; e dos demais exemplares concentrados em Maxambomba e Nova
Iguaçu, majoritariamente construídos na primeira metade do século XX.

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As igrejas que se dispersam nas periferias da cidade assemelham-se aos padrões jesuíticos
e barrocos avaliados por Lúcio Costa (1975), German Bazin (1983) e Sandra Alvim (2014).
Essa e outras constatações foram complementadas nos PBCs e na sua edição, por meio da
referência “O Rio de Janeiro nas visitas pastorais do Monsenhor Pizarro”, editado por Marcus
Monteiro (2008)5. Pesquisas adicionais (documentais e entrevistas6) foram feitas por
alunos(as) no arquivo da Diocese de Nova Iguaçu.

No grupamento arquitetônico de Iguassú, a edificação principal avaliada foi a Fazenda São


Bernardino, que se constituía em um importante complexo agrícola da segunda metade do
século XIX, de inspirações neoclássicas. O conjunto urbano da extinta Vila de Iguaçu, situado
próximo dessa fazenda, que apresenta estrutura remanescente da ocupação da região desde
o século XVI, também foi trabalhada. Nele, ainda é possível identificar parte da Matriz de
Nossa Senhora da Piedade, de fins do século XVII; do cemitério vizinho; vestígios de alicerces
de antigas edificações; e de um porto fluvial. Por muitos anos, tais edificações ficaram
arruinadas. Estavam nessas condições quando foram avaliadas por alunos(as) da UFRRJ.
Entretanto, recentemente, a Prefeitura de Nova Iguaçu promoveu intervenções de
conservação em todo esse complexo, que se concentram na igreja matriz. Ainda no século
XIX, é importante destacar a construção do Reservatório de Rio d’Ouro, de 1879 (tombado
pelo Governo do Estado em 1988), situado em um sítio natural, de notável valor paisagístico,
com lagos, renques de palmeiras, calçamento de pedras, gradis em ferro forjado, estátuas e
um pavilhão de manobras de tendência estilística neoclássica.

As edificações de Maxambomba e Nova Iguaçu (a partir de 1916) enquadram-se


majoritariamente nas tendências compositivas do Período Eclético brasileiro, com destaque
para os casos que se inspiram tardiamente na Linguagem Clássica da Arquitetura, conforme
trajetória analisada por John Summerson (1982), sobretudo nos aspectos correlacionados
com o maneirismo, barroco e neoclássico, os quais são contextualizados no âmbito brasileiro
por meio dos trabalhos de Nestor Goulart Reis Filho (1978), Carlos Lemos (1979), Annateresa
Fabris (1978), entre outros. O Bar Brasil, de 1928, situado na Avenida Marechal Floriano
Peixoto, 1991, no Centro da cidade, e várias outras edificações construídas majoritariamente
nas décadas de 1920 e 1930, no auge da fase do cultivo de laranjas, refletem essas
tendências. Nesse mesmo período, percebe-se também em Nova Iguaçu presença de
edificações de inspirações neogóticas e do que ficou convencionado como chalés e normando

5
- Esta edição consiste na reprodução parcial do manuscrito "Livro das visitas pastorais", escrito por
Monsenhor Pizarro entre 1794 e 1795, disponível no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
6
- Com o historiador Antônio Lacerda, responsável por este arquivo na ocasião.

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na literatura especializada de História da Arquitetura (Cf. Paulo Santos, 1981). A sede da Cruz
Vermelha, no Centro de Nova Iguaçu, evidencia tais características.

Ainda na década de 1930 e na seguinte, o repertório do Período Eclético é acrescido da


linguagem arquitetônica do Neocolonial, que tem no Hospital Iguaçu (1935) e no Instituto de
Educação Rangel Pestana (1944) dois dos principais exemplos de Nova Iguaçu, ao lado de
um grupo de edificações contextuais, de características estilísticas semelhantes, que lembram
os casos do cenário arquitetônico do subúrbio do Rio de Janeiro. Em contraposição às
tendências historicistas, a partir dessa ocasião, sobretudo da década de 1940 em diante,
muitos proprietários construíram suas edificações inspirados em vertentes consideradas de
vanguarda na Baixada Fluminense. O Art Deco do prédio da Rua Getúlio Vargas, n. 122/124,
no Centro, e outros similares posicionam Nova Iguaçu nessa conjuntura. Da mesma forma
que a imponente sede do Fórum Itabaiana (1954), projeto do arquiteto Francisco da Rocha
Villaça, que apresenta o típico repertório modernista praticado na ocasião, nas principais
cidades do País, nesse caso caracterizado pela ausência de ornamentações historicistas,
longas janelas em fita, brise-soleil, planta livre etc.

Essas manifestações arquitetônicas baseiam-se nos padrões arquitetônicos predominantes


de cada fase histórica anteriormente apresentada. As referências principais são europeias.
No Período Colonial, são portuguesas; e do século XIX em diante, são especialmente
francesas, inglesas, italianas e da corrente internacional modernista. A cidade do Rio de
Janeiro, capital do período colonial a partir de 1763, de toda a fase imperial (ao longo do
século XIX) e da República, até 1960, intermediou a aplicação desse repertório arquitetônico
para a realidade social, econômica e cultural da Baixada Fluminense.

O conjunto dos padrões arquitetônicos e construtivos observados em Nova Iguaçu revela a


singeleza do imaginário de periferia. Representa, na realidade, tentativas de apropriações do
que era hegemônico em termos de tendências edilícias regionais e nacionais. Entretanto, em
termos locais, é bastante inovador e representa uma transição da dimensão rural para a
urbana da região. Demostra, a partir do fim do século XIX, iniciativas de se descolar de um
passado escravocrata, identificando-se com novas formas burguesas de se viver que já eram
realidade, por exemplo, na capital do País, Rio de Janeiro. Avança nos conceitos e ações de
simplificações e estilizações de soluções compositivas e construtivas já praticados em outros
centros urbanos do País, conforme indicam Carlos Lemos (1985), no caso de São Paulo,
Pedro e Dora Alcantara (1981, 1983 e 1984), no Rio de Janeiro. Em um momento mais
recente, da segunda metade do século XX em diante, assemelha-se aos processos de
reinterpretações modernistas estudados por Dinah Guimaraens e Lauro Cavalcanti (1979).

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Portanto, é um repertório arquitetônico repleto de idiossincrasias que demanda estudos
complementares para se dar conta pormenorizada de toda esta complexidade apresentada.

A pesquisa de IC da Faperj também processou os dados das condições atuais dos estudos
de casos que compõem o conjunto arquitetônico dos PBCs. As 64 edificações abordadas
encontram-se com programas arquitetônicos parcialmente mantidos. A maioria teve
transformações de usos que se correlacionam com a conversão da cidade em centro
comercial e de prestação de serviços regionais. O programa mais alterado foi das residências
unifamiliares, modificadas para instalações de clínicas, escritórios, lanchonetes, entre outras
novas funções.

As estações ferroviárias são os casos que representam as maiores perdas de uso,


especialmente por conta das extinções dos ramais ferroviários da região. A maior parte
encontra-se invadida. Uma delas, a Estação de Vila Nova de Cava, foi recentemente
reintegrada pela Prefeitura de Nova Iguaçu. Quase todas as igrejas tiveram uso religioso
preservado. Porém, três delas encontram-se abandonadas. Grande parte das transformações
de usos causou descaracterizações irrecuperáveis nos interiores e nas áreas externas, exceto
no caso da Casa de Cultura (antiga residência da família Di Gregório), que teve projeto
adequado do ponto de vista de conservação (em termos conceituais e metodológicos
disponíveis na literatura especializada7). Por outro lado, as fachadas e coberturas dessas
mesmas edificações encontram-se com as características originais relativamente
preservadas.

Quanto ao estado de conservação, observa-se que a falta de uso comprometeu severamente


a integridade das edificações, afetadas por diversos fatores de deteriorações que colocam em
risco até a sua estabilidade. As igrejas (situação da Capela Nossa Senhora de Guadalupe) e
estações ferroviárias (por exemplo, a Estação Ferroviária Rio D’Ouro), que se localizam nas
redondezas da cidade, são os casos mais comprometidos. Entretanto, na parte central da
cidade, a edificação da Rua Bernardino de Melo, 2.107 exemplifica também alguns casos com
graus de deterioração avançados.

As informações apresentadas de uma parte expressiva do conjunto arquitetônico de Nova


Iguaçu (em termos qualitativos e quantitativos) permitem a conclusão inicial de que se trata
de um dos principais casos situados nas periferias de Regiões Metropolitanas do País. As
diversidades de fases históricas, programas arquitetônicos, soluções compositivas,

7
- Sintetizados no trabalho de Feilden (1996).

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estilísticas, entre outros fatores, sustentam essa conjectura. Os trabalhos do Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) na Região Metropolitana de Salvador (1975 e
1978), da Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife/Fidem (1978) e
da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro/Fundrem
(1982) contextualizam estes resultados apresentados. Convém destacar a vulnerabilidade
desse valioso patrimônio cultural em função das diversas carências das periferias das Regiões
Metropolitanas brasileiras evidenciadas no Estatuto das Regiões Metropolitanas (Lei n.
13.089/2015) – apesar de o Plano Estratégico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2018) recomendar diretrizes para a conservação do
patrimônio cultural da região.

4 - Os desdobramentos

Os PBCs produzidos por alunos(as) do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ cumprem


satisfatoriamente as metas acadêmicas estabelecidas no plano de ensino da disciplina de
Projeto de Conservação e Restauração do Patrimônio Edificado (IT819), no Módulo de
Edificações (Figura 4). Viabilizam os objetivos do projeto pedagógico do curso. Atingem os
parâmetros básicos da formação profissional estabelecidos pelo Conselho de Arquitetura e
Urbanismo do Brasil/CAU e contribuem para a consolidação da política de Conservação do
patrimônio cultural de Nova Iguaçu. Essa proposta pedagógica produziu resultados
semelhantes na Universidade Federal de Juiz de Fora8. Os 64 PBCs produzidos nessa
instituição foram doados para a Diretoria de Patrimônio Cultural da Prefeitura de Juiz de Fora

Figura 4. Planialtimetria do PBC UFRRJ 005/2013.1. Fachada principal da Casa de


Cultura, Rua Getúlio Vargas, 58, Centro, Nova Iguaçu.

8
- Este plano de ensino foi premiado em 2010 no “Concurso de ações pedagógicas inovadoras na
graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora – Aula em Vitrine”.

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e usados na publicação de três cartazes, com desenhos das fachadas principais de 60
edificações, todas tombadas.

Das 64 edificações estudadas na UFRRJ, 13 delas já são protegidas. As demais possuem


potencial de proteção que necessita ser revisto em função do grau de caracterização e de
deterioração desse momento. A confirmação de tal potencialidade estimularia a criação dos
instrumentos de proteção no âmbito municipal que ainda precisam ser implementados em
Nova Iguaçu. Colaboraria na ampliação das cidades da Baixada Fluminense, que dispõem de
legislação local de proteção do patrimônio cultural. Das 13 cidades da região, apenas os
municípios de Nilópolis (Cf. Monteiro, 2012) e Duque de Caxias possuem tais prerrogativas.

O processamento das informações dos PBCs da UFRRJ desenvolvido no citado projeto de


iniciação cientifica da Faperj poderia se converter em um estudo-piloto para a criação de um
banco de dados de edificações protegidas e com potencial de proteção nacional constituído
pelas contribuições das disciplinas correlacionadas com o campo do saber da Conservação
dos cursos de Arquitetura e Urbanismo do País, nos moldes da proposta feita pelo autor deste
trabalho, na versão do Terceiro Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação 2013
(Sampaio, 2013). Levando-se em consideração o quantitativo dos cursos existentes na
ocasião (320) e o número médio de alunos(as) por disciplina, (30 estudantes, 15 para cada
docente9, divididos em quatro grupos), estimou-se que seria possível cadastrar cerca de 2.560
edificações. Atualizando esses dados, a partir dos 466 cursos existentes neste momento,
conforme os dados disponíveis na página da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura
e Urbanismo (2021), daria para ampliar esse universo para algo em torno de 3.720 casos,
com custo de produção acessível, gestão otimizada e sustentável.

Em termos de contribuições para o aprimoramento do campo do saber da Conservação, os


resultados obtidos nos trabalhos de Nova Iguaçu avançam na relativização do universo do
patrimônio cultural brasileiro. Produz subsídios para o aprimoramento da catalogação de
informações para iniciativas de proteção e/ou conservação do patrimônio cultural edificado.
Conjuga, em uma só proposta, os objetivos de capacitação, formação profissional, iniciação
científica e desenvolvimento de políticas de conservação. Valoriza o estabelecimento de
pontes entre teoria e prática, interligando o plano das ideias (conceitos e procedimentos
metodológicos) com o contexto empírico, sobretudo da solução de demandas sociais, neste

9
- Conforme recomendação do documento Perfis da Área & Padrões de Qualidade Expansão,
Reconhecimento e Verificação Periódica dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, da Secretaria de
Educação Superior/Sesu (MEC, 2021), para as disciplinas de projeto.

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caso específico, da conservação de um valioso patrimônio cultural, contextualizado ao longo
deste trabalho.

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EIXO TEMÁTICO 3

MUSEU CASA EDUARDO RIBEIRO EM MANAUS-AM E A


HABITAÇÃO COMO DOCUMENTO: entre a história privada e a
memória urbana oficial.

SANTOS, LUIZA (1); CANTANHEDE, VLÁDIA (2)

1. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Manaus-AM
luizasantos739@gmail.com

2. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Departamento de arquitetura e Urbanismo


Manaus - AM
vladiacantanhede@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho investiga o Museu Casa Eduardo Ribeiro, em Manaus, com vistas a compreender
a patrimonialização do imóvel que o abriga e, em paralelo, o processo com que se deu sua
musealização pelo Governo do Estado, a partir de 2010. Situado no entorno do Teatro Amazonas,
primeiro bem cultural tombado pelo IPHAN na capital amazonense, e inscrito na poligonal de
tombamento do sítio histórico de Manaus (Processo: n° 1.614 - T -10 de 2012), a edificação eclética
expõe a história do ex-governador Eduardo Ribeiro, cuja notoriedade tem sido associada às
iniciativas que adotou para a modernização da cidade. Dentre estas, a implantação de planos
urbanos no período de apogeu do ciclo econômico da Borracha, entre finais do séc. XIX e a primeira
década do séc. XX, promoveram profundas reformas urbanas e sociais neste contexto. A partir de
referencial bibliográfico, da investigação dos registros de tombamento e de proteção do bem imóvel
em pauta, da análise da proposta de musealização, suas justificativas e meios materiais, é pretendido
investigar o trânsito do imóvel urbano patrimonializado a Museu Casa, consequentemente, a condição
de documento histórico do referido imóvel. Considerado o nexo do personagem com a história oficial
da cidade, a habitação musealizada reafirma a história urbana que o consagra junto à memória local
e ao construir em síntese, um habitar típico em exposição permanente, o Museu Casa Eduardo
Ribeiro se utiliza dos recursos do tema da habitação para idealizar sobre o universo privado do
personagem exposto. Deste modo, é na construção do ambiente simulado da casa, onde mobiliário e
objetos do cotidiano fornecem uma imagem do que teria sido o ambiente da vida privada do
personagem, que dá-se, desde o referido objeto de estudo, a reafirmação de uma memória oficial da
cidade de Manaus.
Palavras-chave: Documento; Museu-casa; Habitação

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Atento à produção acadêmica acerca dos temas da habitação como um documento e a
patrimonialização e musealização de espaços domésticos, pretende-se localizar estes temas na
cidade de Manaus, a partir da análise do processo de construção da Museu Casa Eduardo Ribeiro. O
objetivo aqui é observar o processo que levou a construção do museu neste ambiente e de que forma
ele se articula como um documento que reafirma uma memória oficial da cidade.

Observa-se a crescente aproximação dos temas da habitação e o Patrimônio Cultural, com destaque
para eventos e seminários recentes e publicações sobre cultura material, domesticidade e estudos de
gênero. Percebe-se que as discussões que perpassam a temática de habitações como espaço
museal são variadas, também, abrangendo os campos da museologia, cultura material,
documentação, patrimônio cultural e uso habitacional. Tendo estas questões em vista, pretende-se
apresentar uma discussão crítica em relação a este espaço e suas repercussões na construção da
memória.

Entende-se a moradia aqui em três faces: artefato, campo de disputas e representação do imaginário
(MENESES, 2006, p. 18). Sendo o artefato a composição física e a materialidade arquitetônica. Um
documento das relações histórico-sociais de um tempo, formatando assim um campo de disputas. E,
por fim, a representação de um imaginário, onde surgem os questionamentos e a tensão em relação
à produção do patrimônio cultural. E por este motivo percebe-se que a habitação tem um potencial
documental grande como campo material, de disputas e do imaginário, em especial quando o seu uso
é um espaço cultural e educacional como um museu.

Os objetos decorativos e utensílios, quando expostos em um espaço de museu, também carregam


um valor importante para o entendimento de um processo histórico social e da vida de certos
personagens importantes. O trabalho realizado por Vânia Carneiro Carvalho (2011;2021) no Museu
Paulista demonstra como estes objetos têm relevância para a construção de relações de gênero. Ao
tratar de acervos museais a autora destaca a importância de um olhar crítico em relação a estes
utensílios e o seu papel na construção de uma imagem e de um imaginário.

Posto isto e para um melhor entendimento destas questões inseridas na Museu Casa Eduardo
Ribeiro é necessário contextualizá-la quando a época e o personagem que este espaço representa.
Para isto se faz uma pequena exposição da evolução urbana da cidade até o século XXI, época de
sua instalação, com destaque para os eventos sócio históricos do final do século XXI e início do XX,
época de atuação de Eduardo Ribeiro na cidade de Manaus.

Em sua publicação Manaus: história e arquitetura (2019) o historiador Otoni Mesquita destaca,
através de pesquisa sobre relatos de pesquisadores, ilustradores e cronistas viajantes, que a primeiro
relato sobre a cidade de Manaus é datado de 1669, onde é relatada a existência de uma pequena
fortaleza ás margens do Rio Negro. A construção era modesta e feita em palha. Ainda sobre o relatos
destes pesquisadores em 1786 foi descrita uma pequena povoação com habitações em palha e uma
Igreja. Ao longo dos anos diversos relatos foram feitos por pesquisadores e cientistas destacando a
forma de habitar, a construção de edifícios públicos e a população.

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Em 1850 o antigo povoado se transformou na província de Manaós e se tornara a capital da capitania
do Alto Amazonas. Com o crescimento econômico e populacional novas construções foram surgindo
com características identificadas como “provinciais” (MESQUITA,2019), por já apresentarem uma
tecnologia construtiva mais aprimorada e maior diversidade de tipologias.

O momento importante para a história retratada na Museu Casa Eduardo Ribeiro é compreendido
entre os anos de 1890 e 1900, marcado por mudanças profundas, motivadas pelo projeto de
modernidade que advém do Ciclo da Borracha na Amazônia. é caracterizado pelo acúmulo de capital,
a partir da exportação do látex, e um processo de reordenação urbana. A construção de edifícios
públicos, obras de infraestrutura urbana e adensamento populacional foram iniciativas tomadas para
construir esta “cidade vitrine” (MESQUITA,2005) do apogeu econômico e da civilização moderna.
Edinéia Mascarenhas (1999) cita em sua publicação A ilusão do Fausto que este movimento de
modernização e embelezamento era o maior objetivo da administração pública da época, pois era
necessário que Manaus se apresentasse “moderna, limpa e atraente para imigração”
(MASCARENHAS, 1999, p.18).

O processo de urbanização trouxe muito luxo e opulência para compor esta vitrine para o mundo,
mas apagou e segregou presenças históricas, com destaque para a população indígena. Neste
período a cidade era composta por duas facetas, uma que desfrutava deste fervor econômico e outra
que foi removida deste centro e relocada nas periferias (BRAGA,2016).

Estas mudanças foram concretizadas, de fato, com o Plano de embelezamento da cidade de Manaus
proposto por Eduardo Ribeiro, personagem cuja história está representada no Museu Casa Eduardo
Ribeiro, então governador da província de Manaus. Este plano era uma oficialização de uma política
pública de embelezamento da cidade de Manaus. De acordo com Otoni Mesquita (2005) a cidade a
partir deste momento passa por um “refundação”.

Este processo de “refundação” (MESQUITA,2005) foi um política integrada de saneamento, melhorias


urbanas e imigração proposta pelo estado da época. As medidas envolviam o alargamento e
construção de ruas, aterro de igarapés, construção de edifícios monumentais e a consolidação de
sistema de esgoto e escoamento de água.

É importante destacar o caráter higienistas das propostas urbanas da época. Como já citado Manaus
era um pequena cidade com poucas edificações e habitada por etnias indígenas que foram afastadas
deste porção central da cidade. Em sua dissertação de mestrado, o historiador Bruno Braga (2016)
destaca a atuação desta população originária no território trabalhando na construção destas grandes
obras. Monumentos como o Teatro Amazonas, finalizado em 1896, foi construído com a mão de obra
indigena.

Outro fato de destaque deste período é o momento em que ele ocorre e os contextos históricos e
sociais, nacionais e internacionais. A instituição da República e o processo de modernização do
século XIX foram as bases desta “refundação” descrita por Mesquita (2005). Os moldes urbanos,
habitacionais e culturais implementados em Manaus neste momento tinham bases da civilização

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européia. Isto tudo com o intuito de atrair migrantes para atuar na exportação da borracha e como
trabalhadores nos seringais.

Como já explicado anteriormente, este projeto urbanístico da cidade tem como principal articulador o
governador Eduardo Gonçalves Ribeiro, um político e militar maranhense. Ribeiro foi transferido para
a província de Manaus após concluir seus estudos em engenharia e comunicação. Assumiu o cargo
de Secretário de Estado do então governador da província. Por motivos de saúde e falta de
suplentes, substituiu este governador no ano de 1891. Logo após terminado o mandato viajou para o
Rio de Janeiro para lecionar na Escola Superior de Guerra. (MESQUITA,2005)

Apesar disto logo retorna ao Amazonas e assume a administração do estado e inicia seu governo de
obras e reformulação da cidade. Em sua publicação La belle vitrine, Otoni Mesquita (2005) destaca as
diversas formas como Eduardo Ribeiro foi narrado na historiografia amazonense. Ora aparece como
um grande administrador, ora como um vilão do progresso. Os jornais da época pressionavam o
governador com acusações e críticas continuamente.

Sobre a vida pessoal do personagem pouco se sabe. Em sua biografia não é citado o nome de seu
pai, o que leva a acreditar que ele só tinha ligação com sua mãe. Eduardo Ribeiro também foi escritor
em um jornal chamado O Pensador, o que lhe rendeu este apelido. Sobre suas posses e vida
financeira pouco se conhece. De acordo com Mesquita (2005) após acusações, por parte de inimigos
políticos, Ribeiro emitiu um documento relatando suas posses, onde estão descritos os lotes próximos
ao Igarapé da Cachoeirinha onde ficava sua residência, alguns imóveis do entorno e uma moradia no
centro da cidade de São Luís. Este fato se mostrará importante na construção do argumento para o
Museu Casa Eduardo Ribeiro, já que este não aparenta constar em suas listagens de bens
imobiliários.

Em 1896. Eduardo Ribeiro deixa o cargo. Alguns anos depois volta como Senador Federal, mas não
possui mais a mesma aclamação popular e sofre duras críticas de políticos rivais. Em 1900 falece de
causas desconhecidas e não divulgadas, alguns historiadores indicam que causa foi suicídio
(MONTEIRO, 1990, p. 56) outros indicam que pode ter sido algum tipo de rivalidade política.

Após a saída e queda na popularidade de Eduardo Ribeiro outros governadores assumiram a


administração do estado, continuando as obras planejadas pelo plano urbanístico vigente até a queda
da economia do látex da borracha em 1910.

Após este período a cidade de Manaus passou por um processo de estagnação econômica e urbana.
O êxodo foi intenso e as obras públicas foram escassas. Esta fase de estagnação perdurou até os
anos 70 com a instalação da Zona de Livre Comércio e do Polo Industrial de Manaus (COSTA,2006).
Este momento foi marcado pela expansão da malha urbana da cidade e um êxodo habitacional do
centro.

Este êxodo e uma legislação fraca em relação a manutenção do patrimônio cultural acarretaram em
um degradação desta malha urbana antiga e o abandono de áreas de promoção de cultura e
habitacionais dando lugar ao comércio informal. Em resposta a isto, o governo estadual iniciou um

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plano de revitalização das estruturas próximas ao Teatro Amazonas com a intenção de restaurá-lo e
incentivar o uso cultural. Neste contexto é criada a Museu Casa Eduardo Ribeiro, no ano de 2010.

Para completar a análise proposta aqui foi necessário pesquisar este processo de reestruturação
cultural proposto pelo estado do Amazonas e as escolhas feitas em relação à memória e preservação
do patrimônio cultural. Tendo isto em vista foram realizadas entrevistas com a diretora do Museu
Casa Eduardo Ribeiro, na época de sua implantação, uma pesquisa no acervo de desenhos técnicos
e inventários no Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Estadual de Cultura (DPH-
SECAM) e, por fim, uma visita à casa museu.

O Museu Casa Eduardo Ribeiro passou por obras de restauro em 2002 até ser aberto no ano de
2010. De acordo com Nararene Maia (2021), diretora do museu desde sua criação até 2016, o
objetivo deste é espaço é contar a história de um personagem ícone da história da cidade e também
abrigar outros espaços expositivos relacionados à história da casa. Nazarene também explica que a
montagem foi baseada em diversas pesquisas feitas sobre Eduardo Ribeiro e época em que ele
viveu, procurando ser fidedigno com os fatos de sua vida pública e privada.

O museu está instalado em um palacete eclético localizado próximo ao “eixo monumental” da cidade,
onde estão situados o Teatro Amazonas, Palácio da Justiça e o antigo Palácio do Governo. De
acordo com as informações no encarte de apresentação do museu (SEC-AM,2010) o palacete após
ter pertencido ao ex-governador Eduardo Ribeiro foi habitado pela família do engenheiro Bretislau de
Castro, pelo período de 1907 a 1961. O acervo do museu apresenta objetos da família Castro, como
seu álbum de fotos. Após a saída de Bretislau de Castro o local foi vendido à União e abrigou
diversas secretarias públicas relacionadas à saúde.

O levantamento de usos realizado na época do restauro das casas foi baseado em inventários e
jornais da época de sua construção. Quanto ao pertencimento do local à figura do governador esta
informação é confirmada por Mario Ypiranga. De acordo com os documentos recolhidos junto às
fontes pesquisadas não é possível confirmar esta afirmação, pois se faz a mesma referência ao
historiador Mário Ypiranga no Levantamento Cadastral de Identificação e Especificação de Elementos
Arquitetônicos: Museu Casa Eduardo Ribeiro (SEC-AM,2020) e há uma dúvida já que o imóvel não
estava listado no documento emitido por Eduardo Ribeiro, já citado neste artigo.

Quanto à estrutura arquitetônica da casa é possível descrevê-la como um palacete com referência ao
estilo eclético., com dois pavimentos. Sua tipologia possui uma entrada lateral, acessada por uma
escadaria, porão alto e platibanda de um metro. De acordo com as informações obtidas no
Levantamento Cadastral (SEC-AM,2020) acredita-se que sua estrutura de sustentação é feita em
pedra. Possui uma fachada com aberturas ritmadas e esquadrias similares com duas folhas em
madeira.

Os espaços internos são amplos contando, antigamente, com sala de visitas feminina e masculina,
sala de jantar, dois quartos e uma cozinha no pavimento superior. O acesso entre os pavimentos é
feito por uma escada em madeira e o piso segue o mesmo material. Ainda conta com um alpendre no
pavimento superior, que acredita-se ser um anexo, posterior à data de sua construção. As paredes
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são pintadas com argamassa colorida e ornamentada. E os forros são feitos em gesso com sancas
decoras apresentando motivos florais. Percebe-se que as esquadrias possuem uma diversidade de
formatos e número de folhas, mas são todas em madeira.

Apresentada as características arquitetônicas da casa museu é necessário descrever seus espaços


expositivos e acervo para o entendimento da construção e elaboração entorno da instituição. Ao
longo da descrição dos ambientes será descrito o processo de montagem destes espaços.

O acesso se dá pelo pavimento térreo ( antigo porão alto) onde está o Museu da História da Medicina,
a área administrativa e um pequeno auditório. O Museu da História da Medicina está aí situado, pois
o edifício abrigou alguns órgãos governamentais relacionados à secretaria de saúde do estado. O
acervo ali contido corresponde a painéis com informações sobre a história da disciplina da saúde e
um acervo fotográfico relacionado a personagens ícones do Conselho de Medicina do Estado.

Através da escada se tem acesso ao primeiro pavimento. A escada tem sua estrutura em madeira e
foi reconstruída na época do restauro do edifício em 2002. A primeira sala é a Sala de Visitas ou Sala
da Educação, este ambiente apresenta um mobiliário em madeira, característico do período
republicano, com motivos florais e objetos decorativos espalhados pela sala.

Um fato importante a ser destacado sobre o acervo do mobiliário é que eles não são os móveis
originalmente pertencentes ao ex-governador Eduardo Ribeiro. Este acervo foi construído a partir da
pesquisa sobre o arrolamento de bens de Ribeiro. O mobiliário e as peças decorativas são originadas
de antiquários e que possuem motivos e estrutura parecida com a da época de atuação de Ribeiro na
cidade. (SEC-AM,2010)

Ainda no primeiro pavimento encontra-se o escritório de Eduardo Ribeiro. A sala é denominada Sala
do governador ou Sala Teatro Amazonas.O mobiliário é composto por uma mesa em madeira e
cadeiras com acabamentos em palha. Ainda nesta sala existe um desenho técnico do projeto do
Teatro Amazonas, umas das obras mais caras ao ex-governador.

Em seguida temos a Sala Bretislau de Castro que pode ser considerada a sala de recepção da
família, antigamente. A sala possui o mesmo mobiliário com referências ao período republicano e
uma coleção de fotos da família que ali habitou.

No segundo pavimento encontram-se a Sala de almoço, o Gabinete particular e o Aposento


Particular - Sala Maria Florinda. A sala de almoço possui uma grande mesa de jantar e cristaleiras
com objetos decorativos e um exemplar do jornal O Pensador, periódico para onde o personagem
escrevia. O Gabinete Particular abriga uma pequena mesa em madeira e um oratório. O Aposento
particular apresenta objetos relacionados ao dormir e vestir, como cama, guarda roupa e penteadeira.

No lote da casa se encontra também um espaço de jardim e paisagismo, que homenageia a esposa
de Bretislau de Castro. Este espaço abriga também um painel informativo com fotos da época do
restauro, um pequeno coreto para abrigar uma charrete da época e um busto de Eduardo Ribeiro.

Posto isto é possível compreender como foi o processo de “museificação” do objeto de uso
residencial que abriga a Museu Casa Eduardo Ribeiro. A partir da organização dos cômodos e do
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processo de aquisição e montagem do acervo é possível levantar questões acerca deste espaço
cultural que podem contribuir para outras experiências deste tipo.

Como citado acima, analisa-se o uso habitacional em três esferas: artefato, campo de disputas e
representação do imaginário (MENESES,2006,p.18). Olhando para esta questão observa-se que a
categoria museu tem como objetivo, desde a antiguidade, armazenar e expor coleções, sejam elas
privadas ou públicas. Ou seja, um museu armazena artefatos, e artefatos são vetores e locais de
disputa, assim como, uma representação de um imaginário. O que, muitas vezes, não ocorre é este
entendimento de que é necessário um olhar problematizador sobre estas coleções.

O "seguimento" de museu-casa se inicia, no Brasil, com o Museu Mariano Procópio em Minas Gerais
e vai ganhando destaque como categoria museal. A característica deste tipo de exposição é a relação
“personagem-acervo-edifício" (ALMEIDA,2019) e conflito entre o público e o privado. O que se mostra
importante neste conceito, ao relacioná-lo com o Museu Casa Eduardo Ribeiro é que é estes vínculos
se mostram, de certa forma, fragilizados. E isto mostra a partir do reconhecimento de que estas
estruturas foram manipuladas de forma a apresentar uma narrativa. Isto não quer dizer que a história
apresentada não seja válida, mas que ela apresenta uma espécie de teatralização, o que não deve
ser o objetivo do espaço museal.

A teatralização dos espaços domésticos e a sua apresentação de forma contar uma história
pasteurizada do personagem Eduardo Ribeiro aparece no museu casa de forma sutil. A versão que
se conta a partir dos cômodos e mobiliários acaba por retratar o personagem e seus feitos de forma a
enfatizá-los, sem questioná-los. O que se deve ser questionado, neste caso, é a narrativa
apresentada nos espaços e de que forma ela reforça este ideal civilizador da modernidade do século
XIX.

Olhar para o Plano de embelezamento da cidade de Manaus e para seu catalisador só como uma
ação ação de estado e embelezamento é ser parcial em relação às violências e práticas de
apagamento ali existentes. O museu como um espaço de cultura e educação deve procurar
questionar estas narrativas isoladas e que não promovem e não levantam questões.

Portanto, entende-se que o papel de um espaço de museu deve ser de questionamento e educação.
A Museu Casa Eduardo Ribeiro se mostra como objeto potencial de questionamentos e
documentação de um época sobre a qual se conhece pouco na cidade de Manaus.

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REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Álea Santos de; RANGEL, Aparecida Marina de Souza. A metodologia de


pesquisa e catalogação dos cômodos do Museu Casa de Rui Barbosa. Anais do Museu
Paulista, São Paulo, v. 27, n. 03, p. 1-45, jun. 2017.
BRAGA, Bruno Miranda. Manaós uma aldeia que virou Paris: saberes e fazeres indígenas
na belle époque baré 1845-1910. 2016. 340 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História
Social, Cultura e Representação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2016.
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Cultura material, espaço doméstico e musealização. Varia
História, Belo Horizonte, vol.27, n.46, pp.443-469, 2011
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da
cultura material em São Paulo, 1870-1920. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2021. 368 p.
COSTA, Graciete Guerra da. Manaus: um estudo do seu patrimônio arquitetônico e urbano.
2006. 390 f. Dissertação (Doutorado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Teoria, História e
Crítica da Arquitetura, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
MASCARENHAS, Edineia. A ilusão do Fausto: Manaus 1890-1920. Manaus: Editora Valer,
1999.
MENESES, Ulpiano Bezerra de. A Cidade Como Bem Cultural: áreas envoltórias e outros
dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano. Patrimônio:
Atualizando o debate, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 34-76, nov. 2006.
MESQUITA, Otoni Morreira de. Manaus História e Arquitetura: 1669-1915. 4. ed. Manaus:
Valer, 2019. 362 p.
MESQUITA, Otoni Moreira de. La belle vitrine: o mito do progresso na refundação de
Manaus (1890/1900). 2005. 439 f. Tese (Doutorado) - Curso de História Social, História
Social, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2005.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Negritude e Modernidade. Manaus: Governo do estado do
amazonas,1990
SEC-AM. Levantamento Cadastral de Identificação e Especificação de Elementos
Arquitetônicos: museu casa Eduardo Ribeiro. 2. ed. Manaus: Secretária de Cultura do
Estado do Amazonas, 2020. 60 p.
SEC-AM. Museu casa Eduardo Ribeiro 1. ed. Manaus: Secretária de Cultura do Estado do
Amazonas, 2010. 60 p.

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Normas para as Referências Bibliográficas

As referências bibliográficas devem seguir obrigatoriamente as recomendações da ABNT.

Confira as normas da ABNT em:


http://dgi.unifesp.br/sites/comunicacao/pdf/entreteses/guia_biblio.pdf

Para citações no corpo de texto, deverá ser utilizado o seguinte modelo: (autor, data, p.XX).
Ex: (Santos, 1996, p.58).

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ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A PESQUISA NA ÁREA DA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO

ACERVO BAUMGART – Experiências remotas em 2020

NUNES, D. V.; XAVIER, I. S. L.; SOUZA, O. L. C.; ANTUNES, G. C.; ALMEIDA. J.


A. G.

1. Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF. Depto. de Arquitetura


Rua Passo da Pátria 156 - Niterói, RJ
denisenunes@id.uff.br

2. Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF. Depto. de Arquitetura


Rua Passo da Pátria 156 - Niterói, RJ
ivan_xavier@id.uff.br

3. Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF. Depto. de Arquitetura


Rua Passo da Pátria 156 - Niterói, RJ
osvaldoluiz@id.uff.br

4. Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF. Depto. de Arquitetura


Rua Passo da Pátria 156 - Niterói, RJ
gabrielcrepaldi@id.uff.br

5. Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF. Depto. de Arquitetura


Rua Passo da Pátria 156 - Niterói, RJ
julia_americo@id.uff.br

RESUMO
O presente artigo trata do trabalho realizado no ano de 2020 pelo Grupo de Estudos de
Arquitetura e Concepção Estrutural (GEACE) da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) no âmbito da pesquisa Diálogos no Acervo
Baumgart. O Acervo abriga plantas e documentos relativos aos projetos de estrutura realizados
pelo Escriptório Technico Emílio H. Baumgart e pela empresa que o sucedeu – a Serviços de
Engenharia Emilio Baumgart Ltda. (SEEBLA) e está depositado no Núcleo de Pesquisa e
Documentação (NPD) da FAU-UFRJ. Devido a pandemia ocorrida no ano de 2020, tornou-se
imperioso buscar caminhos para dar seguimento à pesquisa de forma remota. Com a valorosa
colaboração de quatro discentes da EAU-UFF foram estudadas oito edificações icônicas do
Acervo através de consulta à plataformas e arquivos virtuais, sites e fontes primárias e
secundárias. Categorias de análise orientaram o preenchimento de uma ficha por edifício e seus
conteúdos foram discutidos em seminários internos. Por fim, apresenta-se os resultados
preliminares obtidos e a rica experiência vivenciada pelos professores e alunos envolvidos.
Palavras-chave: Acervo Baumgart; pesquisa remota; GEACE;

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Introdução
O Acervo Baumgart é composto pelo material gráfico e documental relativo à atividade no
campo do projeto estrutural do Escriptório Technico Emílio H. Baumgart (1925-1943), fundado
em 1925 no Rio de Janeiro pelo engenheiro catarinense Emílio Henrique Baumgart (1889 -
1943) e de sua sucessora, a empresa SEEBLA – Serviços de Engenharia Emílio Baumgart
Ltda. (1943 - 2012). Em 1983 esta empresa transferiu sua sede e o Acervo Baumgart do Rio
de Janeiro para Belo Horizonte (MG).

O Escriptório Technico Emílio H. Baumgart trabalhou com diversas escalas de projeto e


programas arquitetônicos: residenciais, comerciais, conjuntos habitacionais, edifícios públicos
e privados, projetos industriais e de galpões, pontes e viadutos, projetos de plataformas
flutuantes e obras de contenção. A utilização de tipologias estruturais pouco usuais e de
considerável complexidade projetual reforçam o engajamento de Baumgart com as inovações
nos campos da Arte e da Arquitetura.

Verifica-se no Acervo, além dos projetos de arquitetura e estrutura, uma rica documentação
relacionada ao dia a dia do desenvolvimento dos projetos, traduzida por meio de
correspondências entre os profissionais envolvidos, contratante e contratados, e documentos
de caráter técnico, tais como orçamentos, memoriais descritivos e de cálculos, croquis de
estudos de sistemas estruturais, levantamentos planialtimétricos, cadernetas de obras,
fotografias e fitas magnéticas de registros de obras.

No início de 2018 o Acervo foi doado ao Núcleo de Pesquisa e Documentação (NPD) da


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Após convênio firmado em 2019 entre o NPD e a Escola de Arquitetura e Urbanismo
(EAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF), foram iniciadas a identificação e a
organização do Acervo no NPD pelos professores integrantes do Grupo de Estudos em
Arquitetura e Concepção Estrutural (GEACE) da EAU/UFF. Após a apresentação realizada
pelos professores do GEACE na Semana de Arquitetura e Urbanismo (SAU) da EAU-UFF em
outubro de 2019 o Grupo de Estudos passou a contar com a participação de quatro discentes
voluntários. Em 2021 o Grupo conquistou duas bolsas de Iniciação Científica - uma
PIBIC/CNPq e outra através do programa IC/ FAPERJ.

No ano de 2019 foram catalogados cerca de 300 do total de 3.142 documentos listados e
armazenados em caixas box relativos a cerca de 1000 obras, enviadas pela SEEBLA para o
NPD. O Acervo é composto ainda por projetos originais em papel vegetal, acondicionados em
forma de rolos e em mapotecas, que não foram até o momento examinados.

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Apresenta-se aqui o trabalho realizado pelo GEACE nesta pesquisa durante o ano de 2020,
entendido como atividades iniciais de um longo e promissor trajeto. Ressaltam-se as
metodologias remotas adotadas diante da realidade imposta pela pandemia do COVID-19
ocorrida no ano de 2020, os resultados obtidos com a dedicação e o empenho de quatro
discentes da EAU-UFF e a experiência vivenciada por professores e alunos.

Atividades realizadas em 2020


Diante das limitações impostas pela pandemia mundial no ano de 2020, optou-se por dar
prosseguimento à pesquisa por meio remoto, visando iniciar a efetiva colaboração dos
estudantes na pesquisa e na análise de alguns edifícios do Acervo previamente selecionados
pelos professores. A realidade do necessário isolamento social apresentou ao grupo alguns
desafios de comunicação, mas sobretudo quanto à impossibilidade de acessar
presencialmente às instituições como o Acervo depositado no NPD, as bibliotecas e os
próprios edifícios a serem estudados.

Os professores se viram diante do desafio de elaborar um roteiro que tornasse possível a


pesquisa no formato remoto. O primeiro passo foi a definição dentro da listagem de obras do
Acervo de um grupo de edifícios a serem estudados e escolhidos por cada aluno. Para
organizar as informações a serem coletadas sobre as edificações, foi criada uma ficha modelo,
que deveria conter dados gerais de localização, ano do projeto, construção e seus
responsáveis, uso original e atual, histórico e estado do imóvel, descrições das características
sobre fachadas, estrutura, espaços interiores, documentação e referências. Ao longo do
processo os alunos constataram ser a ficha um instrumento de fundamental importância na
pesquisa como fonte de registro e como referência para o Grupo de Estudos. Além disso, a
ficha poderá ser consultada a qualquer tempo, no âmbito de outras atividades e pelos
integrantes atuais ou futuros, uma vez que possui uma linguagem única, independente de
quem à preencha.

As investigações foram realizadas através de diversas ferramentas e guiadas por


questionamentos e apontamentos feitos nas reuniões realizadas para orientação com os
professores, sempre por meio remoto. Por fim, foram organizados dois seminários restritos
aos membros do Grupo de Estudos, onde os quatro discentes apresentaram, por meio de
plataforma virtual, o material coletado, as dificuldades encontradas e o resultado de suas
pesquisas.

Ainda em 2020 o GEACE apresentou o “estado da arte” de suas pesquisas no Acervo


Baumgart nos Seminários EAU/UFF 2020 – Experiências em Ensino, Pesquisa e Extensão,
que foram realizados remotamente no período de junho a setembro.
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Desde que se iniciou esse processo sabe-se que esta primeira fase de pesquisa será
complementada quando houver possibilidade de visitas in loco, mas de qualquer modo, os
dados coletados neste período e as análises até aqui realizadas, serão incorporadas ao
Acervo e contribuem para o avanço do seu conhecimento.

As etapas da pesquisa virtual

Verificou-se de início ser necessário o estabelecimento de etapas que orientassem o trabalho


remoto de modo a uniformizar o processo para que o preenchimento da ficha fosse o mais
uniforme possível. Assim, foi desenvolvida a seguinte sequência de análise dos edifícios:

▪ Familiarização com o projeto: trata-se do primeiro contato com o edifício, realizado


informalmente pela plataforma geral do Google e Google Maps.
▪ Análise ampla: procede-se uma avaliação mais sensível do edifício, considerando seu
público-alvo, seus tipos de usos e é elaborado um levantamento histórico-social do período
em que foi construído; são observados: a política da época, as influências culturais e os
avanços tecnológicos do período.
▪ Reconhecimento e listagem das informações previamente disponíveis: antes de iniciar
as buscas na internet, verifica-se nos arquivos digitais compartilhados (pasta do Google
Drive), os documentos previamente coletados pelos professores em pesquisas anteriores e
os organizam por tipo, órgão e data.
▪ Montagem do roteiro de busca na internet: a partir dos dados levantados e
sistematizados são determinadas as plataformas, os termos de busca, o período, e também
se faz uma projeção do que pode ser encontrado, preparando o olhar dos pesquisadores. Ao
longo do processo o roteiro é revisado diversas vezes de acordo com as novas informações
coletadas, que muitas vezes redirecionam as investigações.
▪ Preenchimento da ficha: é feito simultaneamente à obtenção de novas informações e
análise das imagens coletadas e armazenadas na pasta situada no Google Drive do Grupo
de Estudos.

O processo de pesquisa vem se realizando através do contato com diversas fontes de


diferentes níveis. Como o meio de busca disponível no ano de 2020 foi exclusivamente o
digital, os alunos foram orientados a navegarem em sites de instituições confiáveis, tais como
o Arquivo Nacional, o Google Acadêmico, a Biblioteca da ALERJ, a Hemeroteca Digital
Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional ou as plataformas de fomento à informação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

As fontes primárias utilizadas foram jornais de época de construção dos edifícios no intuito de
se obter a sua data de inauguração ou mais informações sobre a obra (imagens, tipo de uso,
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composição dos pavimentos, entre outras) e projetos originais que já haviam sido fotografados
no Acervo e no AGCRJ antes da pandemia. Fontes secundárias como artigos, dissertações e
teses foram importantes para complementar não apenas as informações, mas também para
contribuir com a análise crítica das edificações.

A iconografia dos edifícios encontrada durante as buscas virtuais em 2020 foi outra fonte
importante de análise e leitura das obras, já que havia a impossibilidade de se consultar
desenhos e plantas estruturais no Acervo e de se visitar as edificações in loco. Assim, pode-
se realizar através das imagens um trabalho de investigação, buscando a relação entre
Estrutura e Arquitetura. Além disso, também foram coletadas informações sobre os estados
de conservação e estilos arquitetônicos, sendo possível uma melhor contextualização do
edifício com o período histórico em que foi projetado.

Como o Acervo é constituído por muitos edifícios de importância histórica para a cidade do
Rio de Janeiro e para o país, considerou-se relevante buscar informações sobre tombamentos
e preservação. A plataforma Patrimônio Cultural Carioca foi de grande auxílio para a coleta
desses dados, através dos quais foram descobertas particularidades importantes. Como
exemplo, pode-se citar o caso do Cinema Roxy (1938) em Copacabana, que possui
tombamento provisório desde 2003; da Obra do Berço (1936-1940) que ainda não possui
regularização apesar de ser um bem tombado nos níveis municipal e estadual. O caso do
Hotel Glória (1922) é outro caso interessante, pois, apesar de seu valor histórico e cultural, só
passou a ter suas fachadas e volumetria protegidas a partir do ano de 2005, depois da criação
da área de entorno do bem protegido do edifício Milton (1929), situado na Praia do Russel,
próximo ao Hotel.

Resultados preliminares obtidos


Durante o ano de 2020 foram estudadas, através da metodologia anteriormente apresentada,
oito edificações icônicas do Acervo Baumgart localizadas na cidade do Rio de Janeiro: os
edifícios de uso misto em altura Paschoal Segreto (1931, Centro) e Roxy (1934, Copacabana),
o edifício comercial Guinle (1928, Centro), as edificações da fábrica Behring (1930, Santo
Cristo) e da Obra do Berço (1936, Lagoa) e os edifícios residenciais em altura Milton (1929,
Glória), Castro Araújo (1929, Copacabana) e Tamandaré (1927, Flamengo).

O edifício misto Paschoal Segreto, situado em frente à praça Tiradentes (Centro), foi erguido
sobre os escombros do antigo Teatro Carlos Gomes, arruinado por um incêndio. O novo
edifício gerou muitas expectativas na população carioca que costumava frequentar a região
por suas casas de espetáculos e aguardava a reconstrução do teatro. A pesquisa remota foi
baseada principalmente em buscas na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, através de
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periódicos da época. Projetado pelo arquiteto Nazareth de Castro e inaugurado em 1932,
prometia trazer ares de modernidade à área central. Em estilo Art Déco e constituído por sete
pavimentos em estrutura em concreto armado, o edifício foi considerado um arranha-céu à
época em que foi inaugurado. Os quatro pavimentos superiores são ocupados por
apartamentos e o térreo é destinado a estabelecimentos comerciais e ao Teatro Carlos Gomes,
em funcionamento até hoje. Possui tombamento em nível municipal, datado de 1984.

Com gabarito de onze pavimentos o edifício misto Roxy (Copacabana) possui com um grande
cinema e algumas lojas no térreo e no mezanino. Seu projeto foi encomendado por Abel de
Rezende Costa ao escritório B. Dutra & Cia. Ltda, sendo desenvolvido por Ruderico Pimentel,
Firmino Saldanha e Anibal de Mello Pinto. Sua construção iniciada por volta do ano de 1934
foi realizada em dois momentos, sendo o primeiro realizado pela Kemnitz & Cia Ltda e o
segundo pelo proprietário do empreendimento. Nessa segunda etapa, Abel contou com a
participação de outros profissionais, sendo eles Sávio Penna, Jorge Furquim Werneck e
Ruderico Pimentel. O cinema foi projetado exclusivamente pelo arquiteto Raphael Galvão,
destacando-se a solução estrutural da cúpula elaborada por Emílio Baumgart: em concreto
armado, com 36 metros de diâmetro e alcançando em seu topo uma espessura de apenas 7
centímetros.

Projeto de Alejandro Baldassini e encomendado pelos irmãos Guinle, o edifício comercial


Guinle (Centro) de 16 pavimentos foi inaugurado em 1928. Atualmente está em bom estado
de conservação e ainda mantém o uso comercial pretendido desde a sua idealização. Em
estilo Art Déco, foi implantado em esquina e possui composição de matriz clássica, tripartida
em base, corpo e coroamento. Devido a pandemia não foi possível obter muita informação a
respeito da sua estrutura, além de que foi realizada em concreto armado. Com o auxílio da
Hemeroteca da Biblioteca Nacional foi possível identificar que em cada pavimento tipo há
entre 10 a 20 salas comerciais. Para auxiliar na compreensão histórica do edifício, foi de
grande importância a dissertação de mestrado “A família Guinle e a Arquitetura do Rio de
Janeiro: um capítulo do ecletismo carioca nas duas primeiras décadas do novecentos”, de
Roberto Cattan.

Inaugurada em 1934 e localizada no bairro de Santo Cristo a antiga fábrica de chocolates tem
hoje diversos espaços alugados individualmente para ateliês de artistas. Seu espaço recebe
diversos eventos e já serviu como cenário de filmagens para campanhas publicitárias,
especiais de televisão e outros. Foi tombada a nível municipal no ano de 2018, sendo também
protegida a área de entorno do bem tombado. O processo de pesquisa sobre esse edifício foi
realizado principalmente através do estudo da iconografia e no histórico da fábrica em si,
assim extraindo-se informações sobre a edificação. A estrutura é mista, tendo pilares em
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concreto armado e algumas peças em estrutura metálica, sobretudo vigas. As peças em aço
foram trazidas da Alemanha, a partir do desmonte de outra fábrica. O uso fabril demandou os
grandes vãos da estrutura, aberturas generosas, espaços amplos e pé direito alto, visando
melhores iluminação natural e ventilação.

Primeira obra de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer a Obra do Berço, situada no bairro da
Lagoa, é um exemplar das transformações arquitetônicas do seu período, assim como um
reflexo das importantes experiências profissionais do arquiteto no final da década de 1930. O
edifício é a sede da instituição, uma das mais importantes entidades de assistência social na
cidade do Rio de Janeiro desde sua fundação em 1928. A sua construção foi iniciada no ano
de 1936 e durou cinco anos; foi realizada em quatro fases: a primeira, em 1936, consistia no
projeto inicial, um volume térreo em “L”; a segunda, em 1938, realizou o acréscimo de um
segundo pavimento sobre o pavimento térreo, além da construção de um volume cúbico de
três pavimentos com pilotis externos, térreo envidraçado e solução de fachada oeste com
brise-soleils fixos em concreto; a terceira, em 1939, promoveu a instalação de um sistema de
brise-soleil flexível no lugar dos brises fixos iniciais; e a quarta, em 1940, consistiu na adição
do quarto pavimento no corpo principal cúbico da sede.

Localizado no bairro da Glória, o edifício residencial Milton (projeto estimado de 1929) foi
inaugurado em 1930. Sua fachada possui composição eclética com elementos Art Déco. A
cobertura remete às mansardas francesas do século XVII, tendo o entrecruzamento ao estilo
Luís XVI como seu acabamento. Pelos registros iconográficos encontrados ao longo da
pesquisa é possível identificar o sistema estrutural em concreto armado, com vigas robustas
e lajes em grelha, característica do escritório Baumgart. Pelos anúncios encontrados na
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, identificou-se que a edificação é composta por dois
apartamentos por pavimento tipo e nos dois últimos pavimentos por um apartamento duplex.
Possui tombamento em nível municipal, realizado em 2005.

O edifício Castro Araújo situa-se no bairro de Copacabana. Trata-se de um edifício misto de


10 pavimentos, sendo constituído de um térreo com 3 lojas comerciais e 3 apartamentos
residenciais nos demais pavimentos tipo. O edifício foi implantado junto às divisas do terreno,
ocupando toda a sua área. Em 1929 José Ferreira de Castro Araújo, português naturalizado
brasileiro, encomendou a construção à empresa J. Pinheiro Irmão & Cia. Sua fachada
tripartida apresenta detalhes de caráter eclético e de expressão Art Déco; se utiliza também
de vãos em arco pleno e em verga reta para as fenestrações em ambas as fachadas, variando
apenas com o pavimento. É importante ressaltar que a construção não é protegida por
tombamento e nem está inserida nas APACs do bairro de Copacabana.

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O edifício Tamandaré (projeto de 1927) vem sendo estudado há alguns anos por membros do
GEACE no âmbito de outras pesquisas, de modo que já havia material coletado antes do início
da atual pesquisa, o que facilitou o desenvolvimento do trabalho no período remoto.
Informações obtidas em 2020 na Hemeroteca digital confirmaram aos dados arquivados
anteriormente e se somaram a outras obtidas em fontes secundárias – publicações e uma
dissertação de mestrado, contribuindo para a análise preliminar da edificação, que se
apresenta a seguir para explicitar mais detalhadamente o desenvolvimento da pesquisa
remota realizada.

O Edifício Tamandaré

Endereço: Rua Almirante


Tamandaré, nº 20, bairro do
Flamengo, Rio de Janeiro.
Utilização: Residencial
exclusivamente Multifamiliar
Pavimentos: 8
Unidades de apartamentos:
28 (4 por pavimento tipo)
Data: 1927 (projeto)
Construtora: Gusmão,
Dourado e Baldassini Ltda.
Arquiteto: (provável)
Alejandro Baldassini
Projeto estrutural: Emílio
Baumgart

Fig.1 – Fachada principal do ed. Tamandaré


Fonte: LAURD/João Magnus, 2014

O projeto e a construção do edifício de apartamentos Tamandaré (fig.1) foram encomendados


à construtora Gusmão, Dourado e Baldassini Ltda. pelo empresário Carlos Guinle (1883-1969).
Como este residia à época em um suntuoso palacete na Praia de Botafogo e a legislação
vigente não permitia ainda a venda individualizada de apartamentos, pode-se conjecturar que
o objetivo deste empreendimento tenha sido rentista, o que era bastante usual naquele
período. Acredita-se também que seu público alvo seria uma ascendente burguesia e/ou

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políticos, que desejavam usufruir das proximidades do Centro da cidade e do Palácio do
Catete, sede da República. Morar no bairro Flamengo nas primeiras décadas no século XX
era sinônimo de morar de modo elegante e aristocrático. Neste sentido o projeto da edificação
procurou incorporar elementos que remetessem a ideia vigente de sofisticação de bem morar.

Implantação, fachadas e volumetria

Alinhado com as divisas frontais e laterais do terreno o edifício tem implantação em forma de
“H” e sua volumetria consiste em dois volumes retangulares idênticos paralelos à via,
conectados por um volume menor em forma de cruz centralizado, onde se localizam as
circulações horizontais e verticais da edificação (fig.2). Na parte posterior do lote o conjunto
possui um quarto volume (uma edícula) de apenas dois pavimentos, que abriga no térreo
garagem para doze automóveis e no pavimento superior quatorze quartos com dois banheiros
para funcionários dos apartamentos. Essa organização resultou em um grande
aproveitamento do terreno.

Fig.2 – Planta de implantação do ed. Tamandaré


Fonte: AGCRJ

O acesso principal do edifício é centralizado na fachada situada na Rua Almirante Tamandaré


e é único tanto para pedestres como para automóveis. A ampla entrada é emoldurada por
grandes portões de ferro em gradil trabalhado, configurando em uma larga galeria
pavimentada coberta, livre de pilares, disposta perpendicularmente à rua, que conduz o

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caminho passando pelos elevadores e escadas, remetendo às porte cochères francesas e
chegando à garagem coberta no fundo do lote. Vale destacar aqui o grande vão sustentado
por laje em grelha em concreto armado, ousadia estrutural de Baumgart (fig.3).

Fig.3 – Portão principal e laje em grelha do ed. Tamandaré – vista interna.


Fonte: LAURD/João Magnus, 2014

O pano frontal da edificação apresenta proporções similares, mas ampliadas às dos


exemplares franceses do período haussmaniano do século XIX. No Rio de Janeiro, no ano de
1927, já era possível contar com a presença do elevador nas novas edificações, permitindo
assim maiores gabaritos. O pavimento térreo tem pé direito de 4.40m e os demais 3.50m,
resultando em um volume imponente e verticalizado para à época.

Na fachada principal observa-se uma composição clássica tripartida: o embasamento, que


corresponde aos 1o e 2o pavimentos, é delimitado pela linha das sacadas do terceiro
pavimento e é revestido com uma faixa de 1m de altura em mármore rosado a partir da
calçada. O corpo da edificação é marcado por sacadas com gradis geométricos e de estética
leve com exceção do terceiro pavimento, que possui sacadas em alvenaria lisa e grades
trabalhadas. Por fim, caracterizando o entablamento, encontram-se o 7o pavimento e o sótão,
este destinado no volume frontal a 29 compartimentos para malas e no posterior à habitação
dos funcionários dos apartamentos (quatorze quartos para “creados” e banheiro coletivo). O
edifício apresenta ainda uma fachada de fundos com tratamento cuidadoso muito similar à
principal, o que raramente se verifica em edifícios residenciais até hoje. Há a preocupação em
garantir ventilação cruzada e iluminação natural no edifício através de prismas e recuos nas

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laterais dos volumes (ver figs. 2 e 4). Nas fachadas há a presença de balcões em todas as
aberturas, proporcionando excelente ventilação e iluminação aos ambientes. O acabamento
esmerado das fachadas e dos interiores revela o uso de materiais up to date, que enobreciam
a edificação.

Programa de necessidades e plantas baixas

No nível dos pavimentos tipo (fig.4), os dois elevadores sociais se abrem para um amplo hall
de recepção e distribuição com 55m2, que permitem acessar dois vestíbulos simétricos com
cerca de 16m2 cada; estes funcionam como um segundo hall social destinados, cada um, a
dois apartamentos com cerca de 190m2 cada, com espaços internos bastante amplos e
compartimentados: há um primeiro ambiente de distribuição que recebia nos apartamentos
de luxo da época algumas variações de denominação (vestíbulo, galeria, saleta, entrada,
antessala e hall), aqui chamado de entrada (cerca de 10m2). Este espaço faz a conexão com
os setores social e de serviços. A partir deste espaço, chega-se aos salões de visita - salão e
living-room – o primeiro voltado para a fachada principal e sala de jantar (21m2). Os espaços
de recepção, tais como nos apartamentos hausmanianos franceses, são aqueles onde
circulam os convidados e recebem fino acabamento: sancas, portas altas, piso em parquet
decorado etc.

Fig.4 – Planta baixa do pavimento tipo com edícula do ed. Tamandaré


Fonte: AGCRJ

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O setor íntimo desse edifício incluí dois dormitórios (cerca de 18m2), quarto (14m2) e banheiro
com lavatório separado. Há ainda um pequeno quarto de vestir contíguo ao dormitório
principal aqui denominado vestiário. Pode-se associá-lo ao boudoir 1 , que integrava o
programa de necessidades do hôtel particulier francês (por vezes chamado de vestíbulo,
vestiário, toucador ou rouparia, RYBCZYNSKI, 1999).

As modificações ocorridas no setor de serviços da casa brasileira entre os séculos XIX e XX


são as que apontam para questões mais amplas, envolvendo transformações sociais relativas
à histórica segregação entre patrões e empregados no Brasil e ao papel da mulher dentro da
família. O programa de necessidades deste setor no início do século XX se compunha de
terraço ou varanda de serviço, copa, cozinha, despensa e wc de serviço. O quarto de “creada”
poderia estar dentro ou fora da unidade do apartamento. No caso do ed. Tamandaré
localizavam-se em parte juntos na cobertura, camuflados sob o telhado e atrás da platibanda,
de modo a que não fossem percebidos a partir da rua. Esta é uma prática herdada do costume
francês de alojar seus criados nos pavimentos de mais difícil acesso e sob as mansardas. Tal
disposição revela a intenção de apartar o empregado do convívio com o patrão,
principalmente fora de seu horário de trabalho, mas, ao mesmo tempo, tê-lo próximo. Há ainda
mais quartos para funcionários na edícula do pavimento térreo.

Tratando ainda do setor de serviços, verifica-se a presença da copa. Este ambiente de apoio
à cozinha e à sala de jantar, onde se guardavam utensílios afins, se finalizavam os pratos nos
banquetes e a família fazia refeições ligeiras, agregava conforto às tarefas domésticas e
aconchego à família, mas foi na atualidade abolido nos novos apartamentos por economia de
espaço na moradia; No ed. Tamandaré, a copa está conjugada à cozinha e ambas são
ventiladas e iluminadas através de uma varanda aberta, que se liga a um pequeno corredor,
onde se encontra a porta de entrada de serviço do apartamento, que se conecta ao elevador
e à escada de serviço.

Considerações finais
O trabalho desenvolvido pelos discentes no ambiente virtual resultou em uma rica experiência
com ferramentas de busca, através do contato com acervos virtuais e suas instituições
mantenedoras. Deste modo puderam adquirir competências de pesquisadores como
independência na pesquisa, discernimento na identificação e catalogação do que deve ser
considerado para o desenvolvimento e crescimento da atual e de futuras pesquisas. Além
disso, os alunos envolvidos puderam treinar o olhar e melhorar sua capacidade de análise

1
Pequena sala íntima anexa ao quarto da dona da casa, onde as damas recebiam as amigas, com
entrada independente, um espaço para toilette e uma garde-robes (armário).
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sobre Arquitetura, Estrutura e a íntima relação entre as disciplinas. Houve também um
importante aprendizado sobre a importância das fontes e sobre patrimônio. Os debates e
conversas realizados de maneira virtual, principalmente a partir dos seminários apresentados,
possibilitaram esclarecer dúvidas, adquirir novos conhecimentos, enriquecer o repertório e
uma maior valorização do papel da Engenharia na concepção do espaço arquitetônico.

Sabe-se que o Acervo Baumgart é muito rico e extenso. Apesar do fato de que o trabalho até
aqui realizado se constitui em uma pequena parte do que há por ser feito, o trabalho
desenvolvido virtualmente no ano de 2020 trouxe contribuições significativas de conteúdo
para a Pesquisa e permitiu que os membros do Grupo de Estudos passassem por este período
de forma mais ativa, produtiva e pró-ativa. Para todos foi uma vivência fundamental, que
aproximou os membros do Grupo de Estudos e tornou a jornada desse período mais leve.

Referências
CABRAL, Maria Cristina N., CURY PARAÍZO, Rodrigo. Presença Estrangeira. Arquitetura
no Rio de Janeiro. 1905-1942/Foreign Presence. Rio de Janeiro: RioBooks/FAPERJ, 2018.

CATTAN, Roberto C. de M. A família Guinle e a Arquitetura do Rio de Janeiro: um capítulo


do ecletismo carioca nas duas primeiras décadas do novecentos.160 f. Dissertação
(mestrado) - Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2003.

CZAJKOWSKI, Jorge (org.) Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
CAU, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2000.

_____________________ Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:


CAU, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2000.

_____________________ Guia da Arquitetura Moderna no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:


CAU, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2000.

DIAS, José S. Teatros do Rio: do Século XVIII ao Século XX. Rio de Janeiro: FUNARTE,
2012.

FREITAS, Maria Luiza. Modernidade concreta: As grandes construtoras e o concreto


armado no Brasil, 1920 a 1940. Tese de Doutorado apresentada à FAU – USP, São Paulo,
2011.

JERMANN, Arthur E. A Técnica do Concreto Armado de Emílio Baumgart. Symposium de


Estruturas. Concreto Revista Technica das Construções em Concreto Armado. N. 66, Ano
VIII, 11. Volume, Rio de Janeiro, 1944.
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LIMA, Evelyn F. W. Arquitetura do Espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça
Tiradentes e da Cinelândia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.

_______________. Uma arquitetura de transição na paisagem urbana do Rio de Janeiro: três


obras de Alejandro Baldassini (1928-30). Arquitextos. São Paulo: Vitruvius, ano 20, n. 232.07,
set. 2019. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.232/7525.
Acesso em: 11 de maio de 2020.

NUNES, Denise Vianna; XAVIER, Ivan de Lima; Poéticas em construção: Afluências na


Obra do Berço. ENANPARQ, 2020

NUNES, Denise Vianna. Edifícios residenciais de Firmino Saldanha. Morar Moderno no


Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado apresentada ao PROARQ/UFRJ. Rio de Janeiro:
2009.

___________________. O Processo inicial de verticalização da Praia do Flamengo: uma


análise tipo-morfológica dos edifícios de apartamentos de luxo. Tese de Doutorado
apresentada ao PROURB/UFRJ. Rio de Janeiro: 2014.

PAMPONET, Roger. Escriptório technico Emílio H. Baumgart: Escola do concreto


armado e a arquitetura modernista brasileira. Tese de doutorado apresentada à Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Brasília (FAU – UNB), 2016.

PAMPONET, R.; SANCHEZ, J. M. M. O engenheiro Emílio Baumgart e a Arquitetura


Brasileira em concreto armado da primeira metade do século XX. IX Congresso brasileiro
de pontes e estruturas. Rio de Janeiro, 2016.

RYBCZYNSKI, Witold. Casa – pequena história de uma idéia. Rio de Janeiro: Ed. Record,
1999 [1986].

SALOMON, Maria H. R. et al. Guia de arquitetura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed.
Bazar do tempo, 2016.

SANTOS, Marilane A. A fábrica Bhering e a inserção da arte no tecido urbano: relações


entre os usos dos espaços industriais e os projetos de cidade. 315 f. Tese (Doutorado
em Arte e Cultura Contemporânea) - Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

SEDREPAHC. Guia do Patrimônio Cultural Carioca - Bens tombados 2014. Rio de


Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2014.

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VASCONCELOS, A. C. Emilio Henrique Baumgart, suas realizações e recordes: uma
vida dedicada ao concreto armado. São Paulo: Otto Baumgart Indústria e Comércio S.A,
2005.

Arquivos consultados

Acervo Baumgart/NPD/FAU/UFRJ

Aplicativo Patrimônio Cultural Carioca

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ)

Arquivo Nacional

Biblioteca da ALERJ

Biblioteca Nacional/ Hemeroteca Digital Brasileira

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)/ Google Acadêmico


/ plataformas de fomento à informação

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RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

BIM 5D: MODELAGEM DA INFORMAÇÃO COMO PROCESSO PARA


LEVANTAMENTO DE CUSTOS NO DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DE
EQUIPAMENTOS PÚBLICOS PARA FINS HABITACIONAIS

Letícia Barcelos (leticiabarcelos@arquitetura.ufc.br)

Neliza Maria E Silva Romcy (nelizaromcy@daud.ufc.br)

Este trabalho se estrutura sobre três pontos principais: a importância da


dimensão do custo para a tomada de decisões em um projeto arquitetônico, o
uso do Building Information Modeling (BIM) para antecipar o levantamento de
valores de uma obra e o processo de projeto de equipamentos públicos para
fins habitacionais. Tendo esses pontos como base, identificou-se uma
demanda existente de reassentamento de uma comunidade em área de risco,
localizada na cidade em que o trabalho está sendo desenvolvido – e, a partir
disso, a pesquisa debruçou-se sobre a Modelagem 5D (SAKAMORI, 2015)
como tema, tendo como objeto de estudo a modelagem da Informação da
construção como apoio para o processo de orçamentação e levantamento de
custos no desenvolvimento do projeto de equipamentos públicos para fins
habitacionais.
De acordo com Sakamori (2015), a eficácia em custos se tornou um fator
essencial para a sobrevivência das organizações, como foco de estratégia
competitiva. Trazendo essa perspectiva mercadológica para o cenário
econômico brasileiro dos últimos anos, no qual a inflação sobre o preço do
material de construção tem disparado, percebe-se que é necessário conectar
cada vez mais o processo de projeto arquitetônico ao levantamento dos custos
da respectiva obra.

Nesse contexto, os objetivos do presente trabalho incluem investigar a


contribuição da aplicação do BIM para o levantamento de custos de uma obra
pública em habitação de interesse social, ainda na etapa de projeto,
demonstrando como poderiam ser feitas as etapas de estimativa de custo,
utilizando o índice do CUB (Custo Unitário Básico), e a composição de custos
de seus sistemas construtivos - exemplificado a partir do sistema de alvenaria
estrutural.

A metodologia incluiu a pesquisa de autores relacionados ao impacto do


custo das decisões arquitetônicas, como Mascaró (1998), e à contribuição do
BIM para o processo de levantamento de custos ainda na etapa projetual.
Posteriormente, foi desenvolvido um projeto tipo de habitação de interesse
social, a ser aplicado no contexto do reassentamento previamente identificado,
e realizada sua estimativa de custos a partir da implementação do índice CUB
ao ambiente de modelagem em BIM, utilizando-se o software Archicad. Por fim,
foi desenvolvida a listagem dos serviços necessários para a execução das
principais etapas da obra prevista para o projeto: fundação, estrutura,
vedações, esquadrias e cobertura; utilizando como base as tabelas fornecidas
pelo SINAPI. Como resultado dessa etapa, a fim de se exemplificar a
contribuição e o potencial do BIM durante a composição de custos do
orçamento de uma obra, ainda na etapa de projeto, será apresentado no
presente trabalho o exemplo do sistema de alvenaria estrutural e os
respectivos serviços necessários para sua execução.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ACERVO BAUMGART - EXPERIÊNCIAS REMOTAS EM 2020

Denise Vianna Nunes (denisenunes@id.uff.br)

Ivan Silvio De Lima Xavier (ivan_xavier@id.uff.br)

Osvaldo Luiz De Carvalho Souza (osvaldoluiz@id.uff.br)

Gabriel Crepaldi Antunes (gabrielcrepaldi@id.uff.br)

Júlia Américo Gomes De Almeida (julia_americo@id.uff.br)

O presente artigo trata do trabalho realizado no ano de 2020 pelo Grupo de


Estudos de Arquitetura e Concepção Estrutural (GEACE) da Escola de
Arquitetura e Urbanismo da UFF (EAU-UFF) no âmbito da pesquisa Diálogos
no Acervo Baumgart. O Acervo abriga plantas e documentos relativos aos
projetos de estrutura realizados pelo Escriptório Technico Emílio H. Baumgart e
pela empresa que o sucedeu – a Serviços de Engenharia Emilio Baumgart
Ltda. (SEEBLA) e b\está depositado no Núcleo de Pesquisa e Documentação
(NPD) da FAU-UFRJ. Devido a pandemia do corona vírus, tornou-se imperioso
buscar caminhos para dar seguimento à pesquisa de forma remota. Com a
valorosa colaboração de quatro discentes da EAU-UFF. foram estudadas oito
edificações icônicas do Acervo através de consulta a plataformas e arquivos
virtuais e sites com acesso a fontes primárias e secundárias. Categorias de
análise orientaram o preenchimento de uma ficha por edifício e seus conteúdos
foram discutidos em seminários internos. Por fim, são apresentados os
resultados preliminares obtidos e a rica experiência vivenciada pelos
professores e alunos envolvidos.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

DIAGNÓSTICO DE DANOS: UM ESTUDO DAS FACHADAS DA CASA DO


DECANO, NA CIDADE DE CAJAZEIRAS-PB

Mirela Davi De Melo (mireladavi.m@gmail.com)

Clara Patrícia Almeida Campos (clarapatriciacampos@gmail.com)

Dalmar Trigueiro Santana De Medeiros (dalmarmedeiros@hotmail.com)

Apesar do patrimônio arquitetônico ligar-se de forma direta a identidade


coletiva de um povo, as edificações históricas, nem sempre são preservadas
como devem ser, ainda que carreguem a história e a manufatura de uma época
passada. Diante desse contexto, os estilos e métodos construtivos evoluíram,
ao passar do tempo, possibilitando que as técnicas de restauro e conservação
fossem cada vez mais aprimoradas. Tal fato, contribuiu para o processo de
restauração dos monumentos antigos, seja na aplicação de novos materiais, ou
nos métodos de análises das manifestações patológicas. Assim, o diagnóstico
de danos aparece como um dos principais métodos de avaliação técnica
arquitetônica. Na cidade de Cajazeiras, no estado da Paraíba, a figura do
professor Crispim, decano cajazeirense, contribuiu para o reconhecimento de
sua casa como bem patrimonial material. Diante dessa relevância da edificação
para a cidade e do seu estado atual de conservação, esta pesquisa teve como
objetivo a elaboração de diretrizes para restauração das fachadas da Casa do
Decano, como é popularmente conhecida, por meio da produção de um
diagnóstico de danos das suas fachadas. Como produto, se tem a
representação gráfica da situação atual das fachadas e o mapeamento dos
danos. Para isso foi preciso realizar visitas in loco e fazer análises fotográficas
de todas as fachadas da casa. Por fim, foi possível identificar e mapear as
principais patologias, o que subsidiou a elaboração das diretrizes e proposição
das medidas corretivas.
EIXO TEMÁTICO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS
NOVAS TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION
MODELING (BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA;
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES;
FERRAMENTAS DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA
DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA, CIDADE E PAISAGEM;
INVENTÁRIOS.

BIM 5D: Modelagem da Informação como processo para


levantamento de custos no desenvolvimento do projeto de
equipamentos públicos para fins habitacionais

BARCELOS, LETÍCIA PEREIRA (1); ROMCY, NELIZA MARIA E SILVA (2)

1. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design.


leticiabarcelos@arquitetura.ufc.br

2. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design.


nelizaromcy@daud.ufc.br

RESUMO
Este trabalho se estrutura sobre três pontos principais: a importância da dimensão do custo
para a tomada de decisões em um projeto arquitetônico, o uso do Building Information
Modeling (BIM) para antecipar o levantamento de valores de uma obra e o processo de
projeto de equipamentos públicos para fins habitacionais. Tendo esses pontos como base,
identificou-se uma demanda existente de reassentamento de uma comunidade em área de
risco, localizada na cidade em que o trabalho está sendo desenvolvido – e, a partir disso, a
pesquisa debruçou-se sobre a Modelagem 5D (SAKAMORI, 2015) como tema, tendo como
objeto de estudo a modelagem da Informação da construção como apoio para o processo
de orçamentação e levantamento de custos no desenvolvimento do projeto de
equipamentos públicos para fins habitacionais.
De acordo com Sakamori (2015), a eficácia em custos se tornou um fator essencial para a
sobrevivência das organizações, como foco de estratégia competitiva. Trazendo essa
perspectiva mercadológica para o cenário econômico brasileiro dos últimos anos, no qual a
inflação sobre o preço do material de construção tem disparado, percebe-se que é
necessário conectar cada vez mais o processo de projeto arquitetônico ao levantamento dos
custos da respectiva obra.
Nesse contexto, os objetivos do presente trabalho incluem investigar a contribuição da
aplicação do BIM para o levantamento de custos de uma obra pública em habitação de
interesse social, ainda na etapa de projeto, demonstrando como poderiam ser feitas as
etapas de estimativa de custo, utilizando o índice do CUB (Custo Unitário Básico), e a
composição de custos de seus sistemas construtivos - exemplificado a partir do sistema de
alvenaria estrutural.
A metodologia incluiu a pesquisa de autores relacionados ao impacto do custo das decisões
arquitetônicas, como Mascaró (1998), e à contribuição do BIM para o processo de

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levantamento de custos ainda na etapa projetual. Posteriormente, foi desenvolvido um
projeto tipo de habitação de interesse social, a ser aplicado no contexto do reassentamento
previamente identificado, e realizada sua estimativa de custos a partir da implementação do
índice CUB ao ambiente de modelagem em BIM, utilizando-se o software Archicad. Por fim,
foi desenvolvida a listagem dos serviços necessários para a execução das principais etapas
da obra prevista para o projeto: fundação, estrutura, vedações, esquadrias e cobertura;
utilizando como base as tabelas fornecidas pelo SINAPI. Como resultado dessa etapa, a fim
de se exemplificar a contribuição e o potencial do BIM durante a composição de custos do
orçamento de uma obra, ainda na etapa de projeto, será apresentado no presente trabalho o
exemplo do sistema de alvenaria estrutural e os respectivos serviços necessários para sua
execução.
Palavras-chave: BIM; Orçamento; Levantamento de custos; Habitação de Interesse
Social; Modelagem 5D.

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho se estrutura sobre três pontos principais: a importância da dimensão do


custo para a tomada de decisões em um projeto arquitetônico, o uso do Building Information
Modeling (BIM) para antecipar o levantamento de valores de uma obra e o processo de
projeto de equipamentos públicos para fins habitacionais. Tendo esses pontos como base,
identificou-se uma demanda existente na cidade em que o trabalho foi realizado –
reassentamento de uma comunidade em área de risco – e, a partir disso, o tema sobre o
qual a pesquisa pretende se debruçar será a Modelagem 5D (SAKAMORI, 2015), tendo
como objeto de estudo a Modelagem da Informação como apoio para o processo de
orçamentação e levantamento de custos no desenvolvimento do projeto de equipamentos
públicos para fins habitacionais.

De acordo com Sakamori (2015), a eficácia em custos se tornou um fator essencial


para a sobrevivência das organizações, com foco de estratégia competitiva e como
coadjuvante em outros contextos. Trazendo essa perspectiva para o cenário econômico
brasileiro dos últimos anos, no qual a inflação sobre o preço do material de construção tem
disparado (SARAIVA, 2021), faz-se necessário conectar cada vez mais o processo de
projeto arquitetônico ao levantamento dos custos da respectiva obra.

Também de acordo com Eastman et al. (2008) “as estimativas prévias [de valores]
auxiliam a tomada de decisão do projetista e do proprietário do empreendimento, além de
antecipar os problemas e permitir alterações projetuais para permanecer dentro das
limitações impostas pelo orçamento”.

Ademais, desde 02 de abril de 2020, a Presidência da República do Brasil, por meio


do decreto Nº 10.306 “estabelece a utilização do Building Information Modelling na execução
direta ou indireta de obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e pelas
entidades da administração pública federal, no âmbito da Estratégia Nacional de
Disseminação do Building Information Modelling - Estratégia BIM BR, instituída pelo Decreto
nº 9.983, de 22 de agosto de 2019.”

Nesse contexto, pretende-se apresentar a inclusão da variável “custo” à modelagem


virtual de um projeto como foco principal deste trabalho, de modo a trazer um olhar mais

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atento ao custo-benefício de uma obra, em busca de maior qualidade para o projeto
arquitetônico. O recorte projetual será na construção de obras públicas, dando enfoque
àquelas destinadas para fins habitacionais.

Busca-se também investigar a influência das estimativas prévias em BIM sob quatro
pontos de vista: para o arquiteto na hora de projetar, oferecendo maior respaldo para
orientar suas decisões projetuais; para o cliente, que pode alterar seus requisitos para a
construção ainda em fase de projeto, ao ser informado dos valores; para o orçamentista,
facilitando a extração de quantitativos; e, finalmente, para a qualidade do produto final: a
construção em si, a partir de uma maior clareza e confiabilidade do processo.

Além disso, o uso do BIM atrelado à orçamentação do edifício foi um tema pouco
explorado até o momento, e este trabalho poderá contribuir para suprir lacunas de
conhecimento relacionadas ao assunto.

Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa é, por meio da proposição e


modelagem de um equipamento de habitação de interesse social, investigar de que forma o
BIM pode ser empregado durante o processo de levantamento de custos/orçamentação
para trazer um maior respaldo à tomada de decisões projetuais e qualidade à obra.

No presente artigo, será apresentado como recorte a demonstração de como


poderiam ser feitas as etapas de estimativa de custo, utilizando o índice do CUB (Custo
Unitário Básico), e a composição de custos de determinados sistemas construtivos -
exemplificado a partir do sistema de alvenaria estrutural. Assim, a pesquisa fez uso do
Building Information Modeling (BIM) para documentar digitalmente um projeto arquitetônico,
utilizando seus sistemas de informação a fim de agregar maior precisão ao projeto e maior
respaldo ao projetista para desenvolvê-lo.

2 METODOLOGIA

A metodologia usada para este trabalho iniciou-se com pesquisas bibliográficas


sobre dois temas: uma a fim de investigar a relação entre levantamento de custos e o uso
de softwares em BIM, e outra com o intuito de entender a relação entre o processo projetual
e a orçamentação de uma obra.

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Em seguida, com base nas pesquisas, foi desenvolvida a modelagem de um projeto
tipo de residência (Figuras 01 e 02), para um conjunto habitacional de interesse social. O
módulo habitacional é um sobrado com unidades geminadas, composto por térreo mais um
pavimento, sendo duas residências térreas acessíveis e duas residências no pavimento
acima.

Os principais sistemas construtivos selecionados para o módulo do projeto tipo foram


alvenaria estrutural de tijolo cerâmico da família 14, cobertura de telha cerâmica resinada
vermelha, lajes pré-fabricadas treliçadas para piso e para fôrro, no caso dos banheiros,
fundação radier e portas de madeira semi-oca sem pintura de acabamento e janelas de
alumínio e vidro liso/fantasia.

Figura 01: Modelagem 3D do conjunto habitacional de interesse social.

Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

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Figura 02: Planta baixa setorizada do pavimento térreo.

Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

A etapa subsequente foi modelar as zonas da casa padrão e relacioná-las ao índice


CUB para realizar a estimativa de custos. Posteriormente, utilizou-se as tabelas do SINAPI
(Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil) para refinar o
levantamento de custos do sistema construtivo de alvenaria, escolhido como exemplo de
como a metodologia deve ser aplicada, devido à sua importância em termos de custos em
uma construção.

3. DESENVOLVIMENTO

Utilizando dados apresentados por Mascaró (1998), em sua obra O Custo das
Decisões Arquitetônicas, na qual ele traz diversos estudos de casos acerca do peso de cada
sistema construtivo no custo final de uma edificação, busca-se aplicar uma metodologia
semelhante para entender qual o peso no custo final de cada ambiente da residência
projetada neste trabalho. Os métodos de avaliação utilizados pelo autor foram, segundo ele,
“desenvolvidos através da compilação e adequação de uma série de tabelas preparadas por
diversos autores, alguns deles anônimos que circulam entre os práticos da edificação”.

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Isso posto, é importante destacar que a metodologia aplicada neste trabalho tem fins
acadêmicos, portanto utilizam como base esse referencial bibliográfico, sem a inclusão de
exemplos práticos desenvolvidos em escritórios e construtoras.

ELEMENTO EDIFÍCIO CASA TÉRREA/


SOBRADO

PADRÃO MÉDIO PADRÃO SIMPLES PADRÃO PADRÃO


COM ELEVADOR SEM ELEVADOR MÉDIO SIMPLES

Instalações 2,60 2,82 3,00 4,10


provisórias

Fundações 5,00 6,55 6,40 9,99

Alvenarias 8,00 10,95 11,80 19,95

Estrutura 18,00 17,45 7,10 8,39

Telhado 2,50 5,91 9,52 10,81

Instalações elétrica 7,10 6,62 6,68 5,26


e telefônica

Instalações 8,40 8,12 8,40 6,55


sanitárias e de gás

Pisos 6,84 6,55 6,50 5,15

Aparelhos sanitários 4,38 4,30 4,40 4,30

Aberturas 8,55 8,20 10,45 7,35

Revestimentos 9,50 8,28 9,50 6,93


internos

Revestimentos 6,36 6,10 6,80 4,65


externos

Pintura 5,48 5,02 5,55 3,44

Vidros 1,42 1,54 1,70 1,78

Acabamentos e 1,42 1,59 1,80 1,35


outros

Elevador 4,45 - - -

Tabela 01: Tabela da participação de cada sistema construtivo (em %) no custo total de uma
edificação residencial,com destaque em verde para a tipologia a ser utilizada no presente trabalho.
Fonte: Adaptado de Mascaró, 1998 - pg 139.

A tabela 01 mostra a participação de alguns elementos construtivos principais, em


porcentagem, no custo total de uma edificação residencial. Desse modo, um sobrado, de

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padrão simples, como é o caso do projeto apresentado neste trabalho (Figura 03), por
exemplo, terá cerca de 20% do seu custo atrelado às alvenarias, sendo o item mais
relevante para a composição de custos do projeto.

Figura 03: Modelagem 3D do bloco habitacional utilizando biblioteca IFC de tijolos cerâmicos cedida
por fornecedor (PAULUZZI, 2017).
Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

A partir desses dados, foi feita uma análise, considerando-se quais dos sistemas
listados na tabela são previstos para cada ambiente da residência proposta. Em seguida,
foram atribuídos diferentes pesos para cada sistema, de acordo com a proporção em que se
espera que ele seja aplicado (ou não) em cada ambiente. Nesse contexto têm-se que a
habitação sugerida apresenta 4 zonas principais: 1. Dormitórios; 2. Sala/hall; 3.
Banheiro/cozinha (áreas molhadas internas) e 4. Área de serviço/tanque (áreas molhadas
externas).

Utilizando novamente o exemplo das alvenarias sabe-se que todos os ambientes


possuem paredes, no entanto, os dormitórios, sala, hall, banheiro e cozinha tem 4 faces de
paredes, enquanto a área de serviço possui apenas 3. Sendo assim, buscou-se atribuir
pesos diferentes aos espaços citados, baseando-se na quantidade de alvenaria que existe
em cada um deles. Caso as quantidades fossem iguais, a porcentagem relativa ao custo

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total seria dividida pelos 4 ambientes igualmente, resultando em uma porcentagem
individual de 4,98%. Nessa situação, porém, isso não ocorre.

Para que seja atribuído apenas valores inteiros aos ambientes, a porcentagem total
do item (19,95%) será dividida por 7, de modo que os dormitórios terão peso 2, a sala e o
hall da mesma forma, e por fim o banheiro e a cozinha. A área de serviço, por sua vez, terá
peso 1 por contar com menos paredes. Na tabela 02, o sistema de cores utilizado indica
quais ambientes possuem peso 2, por meio da cor verde, peso 1, por meio da cor amarela,
e peso 0, por meio da cor vermelha.

MEMORIAL DE CÁLCULO DOS ÍNDICES : RESIDENCIAL

SISTEMAS DORMITÓRIO SALA WC/COZINHA ÁREA MÁSCARÓ SOMA


TANQUE (%)

Instalações 1,03 1,03 1,03 1,03 4,10 4,10


Provisórias

Fundações 2,50 2,50 2,50 2,50 9,99 9,99

Alvenarias 5,70 5,70 5,70 2,85 19,95 19,95

Estrutura 2,40 2,40 2,40 1,20 8,39 8,39

Telhado 2,70 2,70 2,70 2,70 10,81 10,81

Instalações elétrica 1,75 1,75 1,17 0,58 5,26 5,26


e telefônica

Instalações 0 0 3,28 3,28 6,55 6,55


sanitárias e gás

Pisos 1,29 1,29 1,29 1,29 5,15 5,15

Aparelhos 0 0 2,87 1,43 4,30 4,30


sanitários

Aberturas 2,45 2,45 1,63 0,82 7,35 7,35

Revestimentos 0 0 6,93 0 6,93 6,93


internos

Revestimentos 0 0 0 4,65 4,65 4,65


externos

Pintura 0,86 0,86 0,86 0,86 3,44 3,44

Vidros 0,71 0,71 0,36 0 1,78 1,78

Acabamentos e 0 0 0,68 0,68 1,35 1,35


outros

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CONVERSÃO (%) ÍNDICE AMBIENTES BEIRAL
(índice
fixo)

%
21,39 21,39 33,38 23,85 AMBIENTES

100 % SOMA 0,7


0,86 0,86 1,34 0,95 ÍNDICE

Tabela 02: Tabela de índices por ambiente relativos ao custo total de uma edificação residencial.
Fonte: Desenvolvido pela autora com base em dados de Mascaró (1998), 2021.

Após a realização desse processo para cada sistema da construção, é feito o


somatório das porcentagens de cada ambiente, resultando na porcentagem total que se
estima para cada um deles dentro do custo final da habitação. De acordo com esses
cálculos têm-se que: os dormitórios serão responsáveis por 21,39% do valor da construção,
a sala e o hall por mais 21,39%, o banheiro e a cozinha por 33,37% e a área de serviço por
23,85%, completando 100% do valor.

A etapa seguinte dos cálculos consiste, então, em transformar essas porcentagens


obtidas em índices por ambiente. Se 100% do custo final corresponde às 4 zonas juntas,
cada porcentagem individual obtida irá equivaler a um índice x. Caso todas as zonas da
casa tivessem a mesma porcentagem no custo, teria-se 100% dividido igualmente por 4,
resultando em 25% e um índice individual de 1,00, visto que cada zona seria contada uma
vez no custo final. Entretanto, como o trabalho considerou pesos diferentes, em função da
análise dos sistemas construtivos presentes para cada ambiente, os percentuais
apresentaram variação, resultando proporcionalmente nos seguintes índices: os dormitórios
terão índice 0,86; a sala e o hall 0,86; o banheiro e a cozinha 1,34 e a área de serviço 0,95.
Para o beiral foi aplicado um índice fixo de 0,70, utilizando como base os coeficientes
médios por área de projeto padrão dispostos na NBR 12721 (ABNT, 2007).

Com o estabelecimento desses pesos, buscou-se refletir qual seria o impacto relativo
do custo de cada ambiente da residência proposta, com base nas decisões projetuais que
se pretende tomar. É importante reforçar, portanto, que esses coeficientes são específicos
da proposta em questão.

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Ao fim do memorial de cálculos, os resultados devem ser transportados para o
modelo 3D em BIM, a fim de vinculá-los aos respectivos ambientes do projeto. Para este
trabalho, o software utilizado será o ArchiCAD 23 (GRAPHISOFT).

O primeiro passo foi setorizar a residência e modelar a zona de cada ambiente no


programa, considerando a área construída de cada espaço, conforme a figura 04.

Figura 04: Setorização de zonas de uma residência em planta.


Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

Como é possível perceber, as zonas possuem reentrâncias entre si, pois as paredes
estão sendo incluídas na medição. Na figura 04, elas estão indicadas pela linha cinza
pontilhada. Desse modo, caso um ambiente possua uma parede em comum com outro, será
considerada uma linha central na parede em que metade fará parte da zona de um ambiente
e a outra metade, do outro.

O próximo passo foi, por meio do gestor de propriedades, configurar 3 novos


parâmetros principais, com o intuito de automatizar a extração de determinados
quantitativos: custo unitário CUB, índice CUB por ambiente e custo final CUB.

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Esses parâmetros serão criados como novas propriedades dentro do grupo Zonas. O
primeiro parâmetro é relativo ao valor do Custo Unitário Básico, e deve ser atualizado
mensalmente. Neste trabalho o valor utilizado será referente ao CUB estadual. Nessa etapa
da criação, não deve ser pré-estabelecido nenhum número, uma vez que esse campo de
entrada será modificado frequentemente e especificar um valor específico dificultaria a
alteração constante.

A segunda propriedade a ser criada é a de índice CUB por ambiente, cujos valores
foram calculados anteriormente para atribuir um peso ao custo de cada ambiente da
edificação (Tabela 02). Quanto à configuração da propriedade, seguirá o mesmo
procedimento do Custo Unitário Básico. Vale lembrar que o valor também deve ser igual a 0,
visto que para cada tipo de zona o índice será diferente e, caso fosse alterado diretamente
no gestor de propriedades iria afetar todas as zonas do modelo por igual.

A propriedade de Custo Final é a última a ser criada pois depende das duas
anteriores para ser colocada em prática. Diferentemente das outras, ela não será apenas
um valor fixo, mas sim uma expressão matemática estruturada da seguinte maneira: Custo
Unitário CUB multiplicado pelo Índice CUB por Ambiente multiplicado pela Área Medida do
Ambiente dividido por 1 m². Essa multiplicação se refere ao custo final da casa, composta
por 4 tipos de zonas, tendo como base o valor do CUB. A divisão que acontece no final é
apenas para que o resultado obtido seja adimensional (valor monetário, não geométrico), ao
invés de metro quadrado, devido à presença de valores em área na expressão matemática.

Por fim, é possível organizar todos esses dados em uma tabela dentro do próprio
ArchiCAD selecionando quais propriedades deverão integrá-la. Como exemplo, será
apresentada a tabela gerada para 1 unidade habitacional (Tabela 03).

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Mapa de Zonas (Unifamiliar)

Nome Zona Área Medida Índice CUB Custo Unitário CUB Custo Final CUB
(m²) Ambiente (R$) (R$)

COZINHA 5,03 1,34 904,08 6090,14

ESTAR/REFEIÇÃO 10,83 0,86 904,08 8422,75

HALL 4,24 0,86 904,08 3298,21

QUARTO 1 8,95 0,86 904,08 6955,97

QUARTO 2 11,64 0,86 904,08 9049,32

SERVIÇO 2,63 0,95 904,08 2260,99

WC 5,92 1,34 904,08 7166,57

49,24 m² R$ 43.243,95

Tabela 03: Mapa de Zonas gerado para custo final CUB de 1 habitação.

Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

Paralelamente à construção do modelo 3D e do memorial de cálculos, foi produzida


a listagem de serviços necessários para a construção do projeto proposto. Essa listagem foi
dividida em 5 subgrupos de acordo com os principais sistemas construtivos da habitação:
cobertura, estrutura, fundação, esquadrias e alvenarias.

A listagem de serviços tem como principal referência as tabelas do SINAPI com as


composições dos serviços (custos de materiais/equipamentos/mão de obra) referentes ao
mês de junho/2021, conforme disponibilidade até o momento de finalização da primeira
etapa do trabalho em andamento. Também foram levadas em consideração as tabelas de
custos e insumos fornecidas pela SEINFRA (Secretaria de Infraestrutura do Ceará) para
itens não encontrados no SINAPI.

Para a escolha dos serviços em questão, as tabelas selecionadas foram as


desoneradas, o que significa que os valores lá dispostos não consideram a contribuição
previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento da mão-de-obra, com a finalidade de
reduzir o impacto da variação dos encargos sociais sobre o preço da construção na análise
do presente trabalho.

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Como já foi verificado anteriormente, sabe-se que as alvenarias são responsáveis
por uma parcela significativa do custo final de uma obra, além disso, possuem um método
de composição de serviço mais específico que os demais. Sob essa perspectiva, escolheu-
se esse sistema construtivo para ser apresentado no presente artigo, coletando além da
composição dos serviços, os quantitativos e custos preliminares, a fim de exemplificar a
metodologia com um resultado parcial.

A tabela 04 abaixo exemplifica as informações sobre cada serviço: 1. qual sistema


construtivo está relacionado ao respectivo serviço (fase); 2. de qual fonte foi retirado o item
em questão; 3. qual o código do serviço; 4. a descrição do que será realizado; 5. a unidade
de medida em que o serviço será quantificado; 6. a quantidade do item no projeto proposto;
7. o custo unitário do serviço e, por fim, 8. o custo total para um bloco de 4 habitações.

FASE FONTE CÓDIGO DESCRIÇÃO UNID QNTD VALOR VALOR


UNITÁRIO TOTAL

PAREDES/ SINAPI 89282 Alvenaria estrutural de m² 36,43 64,68 2356,29


PAINÉIS
blocos cerâmicos
ALVENARIA
DE 14x19x39, (Espessura
ELEMENTOS
de 14 CM), para
VAZADOS
CERÂMICOS paredes com área
líquida menor que 6M²,
sem vãos, utilizando
palheta e argamassa
de assentamento em
betoneira

Tabela 04: Trecho da listagem de serviços, exemplificando um item da fase de Alvenaria.


Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

O resultado de composição de custos parcial a ser apresentado para essa tabela


inclui o valor total do custo das alvenarias de um módulo habitacional, com 4 habitações, do
projeto proposto, considerando os serviços desonerados e materiais de alvenaria e
grauteamento que devem ser executados. Os materiais e serviços de armadura da
alvenaria, no entanto, não estão inclusos nesse total, visto terem sido categorizados como
estrutura. O valor obtido para alvenaria e graute foi de R$31.784,58 e o processo de
extração de quantitativo e cálculo dos custos será apresentado a seguir.

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A extração dos quantitativos das alvenarias por meio do BIM, em específico no
ArchiCAD, se dá da seguinte forma: assim como no caso do CUB, foram criados novos
parâmetros para acrescentar os custos existentes na tabela da SINAPI, são eles Custo
Unitário e Custo Total.

De acordo com classificação estabelecida pela tabela do SINAPI, o custo unitário


para alvenaria apresenta quatro tipos, relativos à área da parede e à área de suas aberturas,
podendo ser menor que 6 m² sem vãos, menor que 6 m² com vãos, maior ou igual a 6 m²
sem vãos e maior ou igual a 6 m² com vãos. O parâmetro para o Custo Unitário da alvenaria
deve ser criado da mesma forma que o parâmetro de Custo Unitário Básico, ou seja, será
um valor sem número pré-estabelecido, disponível apenas para ser usado como parâmetro
do elemento parede. Após a criação desse parâmetro, as paredes podem ser selecionadas
conforme os tipos relativos à área e área de abertura, por meio da ferramenta pesquisar e
selecionar, adicionando os critérios que possibilitarão automatizar a seleção, mas também a
seleção pode ser feita manualmente direto na tabela de paredes.

Já o parâmetro de Custo Total será uma expressão da multiplicação da área útil da


superfície da parede (subtraídas as áreas das aberturas) pelo parâmetro de Custo Unitário
criado previamente. Para que esse valor seja apresentado em reais (R$), usa-se no
ArchiCAD uma expressão aplicada à multiplicação: STRACALCUNIT.

Considerando as propriedades criadas, a tabela final com os custos da alvenaria


gerada no ArchiCAD, deverá conter então os seguintes dados: espessura da parede em
metros, altura da parede em metros, área de superfície útil da parede, ou seja, a área
subtraídas as aberturas, em metros quadrados, área das aberturas também em metros
quadrados, custo unitário e custo total, tendo como base as tabelas da SINAPI e a unidade
de medida em reais, conforme o trecho abaixo.

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Mapa de Paredes

ID do Espessura Altura da Área de Área Analítica da Custo Custo Total


Elemento da Parede Parede Superfícies Útil Superfície das Unitário SINAPI
(m) (m) na Face Aberturas da SINAPI (R$)
Externa (m²) Face Externa (R$)
(m²)

Parede-001

0,15 2 3,60 0 58,66 R$211,18

Tabela 05: Trecho do mapa de paredes, com o exemplo dos dados levantados e calculados para a
composição de custo das alvenarias do projeto.

Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.

Os resultados encontrados ao fim desta tabela são a área útil de alvenaria para 1
bloco habitacional, com 4 habitações, do projeto proposto, e o valor do material e serviço
para esse item. Considerando apenas os serviços de alvenaria, o custo obtido então foi de
R$29.413,45, para 485,58m² de alvenaria. Vale ressaltar que esse valor não inclui materiais
de grauteamento e armadura, que deverão ser calculados separadamente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse contexto, diante de tudo que foi exposto, pode-se concluir que a presente
pesquisa se insere em um cenário de mudanças em andamento: até 2024, segundo a
legislação brasileira, o BIM deverá ser obrigatoriamente utilizado para a produção de
projetos arquitetônicos por órgãos públicos em todo o país, incluindo a fase de
orçamentação. Até lá, a Lei Nº 14.133, de 1º de abril de 2021, sobre licitações e contratos,
dará preferência ao recebimento de projetos em BIM nas licitações de obras e serviços de
engenharia e arquitetura, com o intuito de “promover a adoção gradativa de tecnologias e
processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos
digitais de obras e serviços de engenharia”.

Além disso, hoje 5% do PIB da Construção Civil adota o BIM e a meta do governo é
atingir 50% em 10 anos (INBEC, 2020), demonstrando a necessidade da compreensão
desse método e o reconhecimento da sua contribuição para projetistas e construtoras.

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A partir da aplicação proposta pela presente pesquisa, buscou-se demonstrar que a
documentação de um projeto em BIM pode abranger diferentes etapas, incluindo o
levantamento de custos e orçamentação. A partir da inserção de parâmetros de custo em
um modelo BIM de projeto arquitetônico, a exemplo do trabalho aqui apresentado, é
possível antecipar a discussão dos custos de uma obra, considerando dados mais claros e
precisos, ainda durante o desenvolvimento do projeto arquitetônico - desde um estudo
preliminar (a exemplo da inserção dos parâmetros de CUB) a um projeto básico (a exemplo
da inclusão dos parâmetros de composição de custo de um serviço, com base no SINAPI).

Assim, espera-se ter contribuído para reduzir as lacunas de conhecimento referentes ao


tema e enfatizar a contribuição do uso dos modelos de informação para uma maior precisão
durante o desenvolvimento do projeto e maior respaldo ao projetista durante sua tomada de
decisão.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• ABDI. Estratégia BIM BR. Disponível em:


<https://estrategiabimbr.abdi.com.br/estrategia>. Acesso em: 22 Agosto 2021.
• ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12721:
avaliação de custos unitários e preparo de orçamento de construção para
incorporação de edifícios em condomínio. Rio de Janeiro, 2007.
• CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SINAPI: Metodologias e Conceitos: Sistema
Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil / Caixa
Econômica Federal. – 8ª Ed. – Brasília: CAIXA, 2020.
• CEARÁ. Lei Complementar N° 0101, de 30 de Dezembro de 2011 - Legislação
PGM. 2011. Disponível em
<legislacao.pgm.fortaleza.ce.gov.br/index.php/Lei_Complementar_n%C2%B0_0101,
_de_30_de_dezembro_de_2011>. Acesso em 7 Junho 2021.
• EASTMAN, C. et al. BIM handbook: A guide to building information modeling for
owners, managers, designers, engineers and contractors. Hoboken: John Wiley
& Sons, 2008.
• IMPRENSA NACIONAL. LEI No 14.133, DE 1o DE ABRIL DE 2021 - DOU -
Imprensa Nacional. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-
14.133-de-1-de-abril-de-2021-311876884>. Acesso em: 23 Agosto 2021.
• INBEC PÓS-GRADUAÇÃO - ENGENHARIA, ARQUITETURA. Uso do BIM será
obrigatório a partir de 2021 nos projetos e construções brasileiras. Disponível
em: <https://inbec.com.br/blog/uso-bim-sera-obrigatorio-partir-2021-projetos-
construcoes-brasileiras>. Acesso em: 22 Agosto 2021.
• PAULUZZI. Alvenaria Estrutural. Pauluzzi Blocos Cerâmicos, 13 Mar. 2017.
Disponível em <pauluzzi.com.br/alvenaria-estrutural/>. Acesso em 18 Julho 2021.
• PAULUZZI. Bloco 11,5cm – 4 MPa. Pauluzzi Blocos Cerâmicos, 28 Abr. 2017.
Disponível em <pauluzzi.com.br/produtos/bloco-115cm-4-mpa/>. Acesso em 10
Julho 2021.

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• SAKAMORI, M.M. Modelagem 5D (BIM) : processo de orçamentação com estudo
sobre controle de custos e valor agregado para empreendimentos de
construção civil. Curitiba, 2015. 178 p.
• SARAIVA, A.; CARNEIRO, L. Inflação da construção civil é a maior em 28 anos.
Valor Econômico, 21 Mai 2021, Disponível em
<valor.globo.com/brasil/noticia/2021/05/21/inflacao-da-construcao-civil-e-a-maior-em-
28-anos.ghtml>. Acesso em 8 Junho 2021.
• SEINFRA. Tabela de Custos E Insumos - Seinfra - 027.1 - ENC. SOCIAIS 83,85%.
Ce.gov.br, 2021. Disponível em
<sites.seinfra.ce.gov.br/siproce/desonerada/html/tabela-seinfra.html>. Acesso em 23
Julho 2021.
• SINDUSCON - Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas
Gerais. Saiba mais: Custo Unitário Básico (CUB/m2 ). Belo Horizonte: Sinduscon-
MG, 2013. 28p. Disponível em <http://www.cub.org.br/static/web/download/cartilha-
saiba-mais-cub.pdf> Acesso em 6 Julho 2021.

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EIXO TEMÁTICO 04

PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE UBERABA: interações entre a


identificação e descaracterização de bens construídos

MEDEIROS, Matheus L. (1); VALE, Marília M. B. T. (2)

1. Universidade Federal de Uberlândia. Mestrando do Programa de Pós-Graduação


em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU
Rua Governador Valadares, 732, 202, Centro, Uberaba/MG
matheuslmedeiros.arq@gmail.com

2. Universidade Federal de Uberlândia. Professora titular do Programa de Pós-Graduação em


Arquitetura e Urbanismo - PPGAU
Av. João Naves de Ávila, s/n - Bloco I, Santa Mônica, Uberlândia/MG
mariliabtvale@yahoo.com

Resumo
As políticas públicas de proteção do patrimônio cultural executadas nas instâncias locais ainda são
recentes na maior parte dos municípios brasileiros. Em Uberaba-MG, as ações de proteção se
tornaram uma prática somente ao final dos anos 1990, para se adequar as estratégias estaduais de
preservação, visando, sobretudo, os incentivos da Lei “Robin Hood” (Lei Estadual n. 12.040 de 1995).
Hoje, a gestão de preservação do patrimônio cultural do município está centralizada no Conselho do
Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba (CONPHAU), órgão colegiado paritário, - composto por
representantes do poder público e da sociedade civil organizada, e na equipe técnica que o
assessora e executa suas deliberações, formada por historiadores, arquitetos, engenheiros e
estagiários. Contudo, embora a cidade possua um número consideravelmente expressivo de imóveis
reconhecidos por meio do Inventário de Proteção do Acervo Cultural (IPAC), há uma contínua e
severa degradação de seu patrimônio construído. Ao observar que as ações realizadas pela gestão
do patrimônio estão mais diretamente relacionadas à documentação, - por meio da elaboração de
inventários, tombamentos e registros -, do que na aplicação de estratégias para a preservação
material dos imóveis já tutelados, e, tendo em vista a importância de não se perder a memória visual
e tátil, garantidas pela preservação integral do bem, questiona-se, a partir das análises apresentadas
neste trabalho, a efetividade das ações de preservação aplicadas pelo município. Foram analisadas
as atividades da gestão de preservação, e diagnosticadas as particularidades das demolições e
descaracterizações em patrimônios edificados da cidade, com o objetivo de compreender os desafios
da preservação em Uberaba para uma possível tomada de ações mais precisas e eficientes, as quais
poderão contribuir para outras cidades em situação semelhante.

Palavras-chave: patrimônio cultural, documentação, descaracterização, Uberaba.

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Introdução
O presente trabalho tem como finalidade apresentar as práticas de preservação do
patrimônio cultural em Uberaba-MG, com especial atenção aos procedimentos aplicados
para a salvaguarda do patrimônio edificado, tendo em vista a sua contínua degradação no
município, sobretudo no ambiente urbano. O estudo integra a pesquisa de mestrado
acadêmico, em fase de conclusão, intitulada, “A governança local nas práticas
preservacionistas em Uberaba: a atuação do Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico de
Uberaba, suas políticas, práticas e desafios”, que tem como o objetivo principal
compreender, através da análise das ações de preservação em seus devidos contextos
históricos, a eficácia das estratégias adotadas para a gestão de patrimônio cultural em
Uberaba, bem como os desafios da implementação da governança participativa para esse
fim.

Em Uberaba, as atividades de preservação do patrimônio cultural foram iniciadas a década


de 1980, contudo, embora se reconheça o engajamento de uma pequena parcela da
sociedade na estruturação de uma política municipal em defesa do patrimônio, percebe-se
que o assunto ainda se mantém muito distante da população em geral, havendo, também,
uma desarticulação das ações de preservação com as atividades desenvolvidas por outros
setores do Poder Público, sobretudo daqueles diretamente relacionados ao planejamento
urbano. Por essa razão, neste trabalho apresenta-se a contextualização histórica das
primeiras ações de salvaguarda no município e a análise da consolidação da gestão do
patrimônio cultural, - hoje centralizada no Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico de
Uberaba (CONPHAU) e na equipe técnica que o assessora e executa suas ações -, para ser
possível questionar o êxito das práticas realizadas na cidade.

Por último, investiga-se o cenário das demolições e descaracterizações do patrimônio


construído, com o objetivo de identificar e compreender as particularidades das intervenções
visando possíveis estratégias mais precisas e eficazes de proteção. Foram analisadas,
nesse trabalho, fontes primárias como atas de reunião do Conselho, leis de proteção e de
estruturação da gestão do patrimônio cultural em Uberaba, e as intervenções e o estado de
conservação do patrimônio edificado reconhecido por meio do inventário, através de
pesquisa iconográfica e visitas in loco aos bens.

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As primeiras discussões sobre a preservação do patrimônio cultural em
Uberaba

A primeira ação de proteção do patrimônio cultural em Uberaba foi o tombamento em nível


federal da Igreja de Santa Rita, em 1939, no início das atividades do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). A igreja, que foi construída como ex-voto em 1854,
resiste, hoje, como o edifício mais antigo da cidade, e também representa o último templo
católico edificado no século 19 com duas torres em todo “Sertão da Farinha Podre”, região
que corresponde atualmente ao Triângulo Mineiro e parte do território do Alto Paranaíba
(VALE, 1998). O seu tombamento partiu da inciativa do industrial e intelectual uberabense
Gabriel Toti, e, em ato contínuo a aprovação pelo SPHAN (Inscr. Nº 275, vol. 1, F. 047), a
comunidade local conduziu uma campanha para angariar fundos e promover o restauro da
igrejinha, o qual foi concluído em 1941.

Todavia, o tombamento da Igreja Santa Rita permaneceu como uma ação de proteção
isolada em Uberaba até os anos 1980, um intervalo que pode ser justificado pela
prevalecente centralização da gestão de preservação em instância federal. Como observa
Lia Motta (2000), as discussões acerca do papel dos estados e municípios nas práticas de
proteção do patrimônio só foram fortalecidas a partir da década de 1960, mais precisamente
com o I e II Encontro de Governadores. O primeiro deles, realizado em 1970, resultou no
“Compromisso de Brasília”, o qual reforçava a necessidade de uma ação supletiva dos
estados e municípios às ações desempenhadas em âmbito federal. Com “Compromisso de
Salvador”, fruto do II Encontro, realizado no ano seguinte, os prefeitos e governadores
apresentaram várias recomendações ao governo federal objetivando, sobretudo, a
constituição de recursos financeiros e humanos para implementar as tratativas do
Compromisso de Brasília. É nesse contexto que o governo de Minas criou, sob forma de
fundação em setembro de 1971, através da Lei n. 5.775, o Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG).

As políticas públicas de preservação do patrimônio executadas pelo munícipio de Uberaba,


tiveram origem na década seguinte à criação do IEPHA/MG, com o início das atividades da
Fundação Cultural de Uberaba, em 1983. Essa instituição promoveu e colaborou, nos anos
subsequentes, com uma série de ações até então inéditas para a cidade, como a abertura
de importantes equipamentos culturais, a exemplo do Museu do Zebu (1983), - o primeiro
museu da cidade -, e o Museu de Arte Sacra (1987), implantado na Igreja de Santa Rita.
Percebe-se uma maior atenção para as atividades de preservação na cidade com a
aprovação, em 1984, da primeira lei municipal de proteção do patrimônio (Lei n. 3483), e,
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em 1985, com a inauguração do Arquivo Público de Uberaba (Lei n. 3.656), o qual contava
com uma equipe de pesquisadores para coletar, organizar e analisar documentos da história
de ocupação de Uberaba e da região do Triângulo Mineiro.

As primeiras atividades de reconhecimento do patrimônio móvel e imóvel em Uberaba foram


executadas entre os anos de 1987 e 1988, por funcionários do IEPHA/MG em colaboração
com historiadores e servidores da administração pública municipal, após a celebração de
um convênio, em 1986, entre o Instituto e a Fundação Cultural de Uberaba. Esse trabalho
integrava as ações ampliadas do IEPHA/MG de inventariar o patrimônio de Minas Gerais, e
resultou em um documento entregue ao município em julho de 1989, com os inventários de
185 bens imóveis, 15 bens integrados, e seis bens móveis na área urbana, além de 24 bens
imóveis e três bens integrados nos distritos rurais.

Junto ao documento, o IEPHA/MG elaborou um parecer que, atendendo a um dos objetivos


da prática do inventário, propunha, a partir do diagnóstico dos levantamentos, possíveis
ações a serem desenvolvidas pelo Município. O Instituto relatou, ao observar o estado de
conservação e as perdas do patrimônio material sobretudo após a década de 1970, -
quando a cidade passou por novas dinâmicas de crescimento -, a urgência da tomada de
algumas ações de salvaguarda pela administração municipal, elencando um certo número
de imóveis para se proceder ao tombamento, e destacando a importância da preservação
da ambiência de alguns conjuntos arquitetônicos e urbanísticos. Salientou-se, também, a
oportunidade de integrar a preservação ao planejamento urbano, ao ter em vista que na
ocasião, a cidade elaborava o seu primeiro Plano Diretor. Contudo, embora esse documento
tenha servido como uma orientação para a adoção de futuras ações pelo Município, grande
parte das recomendações não foram implementadas.

Observa-se um intervalo de tempo considerável entre a instituição da primeira lei de


proteção municipal, e o início efetivo das ações de reconhecimento do acervo do município
pelo poder público de Uberaba. A primeira lei instituía o tombamento como o único
instrumento de salvaguarda pelo município, e autorizava a criação do Conselho Consultivo
Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba, para assumir as discussões sobre
a preservação na cidade. No entanto, o órgão colegiado entraria em atividade apenas ao
final da década de 1980, e ainda que, em princípio, houvesse reuniões regulares, ele teve
uma atuação bastante tímida.

O Município realizou ações salvaguarda em seu patrimônio construído, sem a participação


das demais esferas, somente após o ano de 1990. A primeira delas foi por solicitação do
Conselho, em seu primeiro período de atuação (1988-1991), com o tombamento do Paço
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Municipal (Lei n. 43 81/1990; Decreto n. 1899/1999). Destaca-se que, inicialmente, as ações
de salvaguarda se deram por meio de tombamentos legislativos, uma prática questionada
por não proporcionar, aos proprietários dos imóveis de interesse público de preservação, as
garantias constitucionais do contraditório e à ampla defesa, as quais são asseguradas
mediante a abertura de um processo administrativo pelo Poder Executivo (CUNHA FILHO;
MAGALHÃES, 2018).

Dos primeiros oito tombamentos municipais, realizados entre os anos de 1990 e 1996,
apenas três tinham sido listados no parecer do IEPHA/MG de 1989, sendo eles o Paço
Municipal, o Palácio Episcopal (Lei n. 5723/1996; Decreto n. 1907/2003) e o Palacete Castro
Cunha (Lei n. 5557/1995; Decreto n. 1906/1999). À exceção do Paço, todos os outros
tombamentos, - um conjunto arquitetônico e paisagístico, cinco bens imóveis, e um bem
móvel -, foram homologados pelo Poder Legislativo em um período de vacância das
atividades Conselho. As reuniões do Órgão ficariam suspensas por mais de seis anos,
retornando apenas no ano de 1997.

A preservação como prática: as ações de identificação e reconhecimento em


Uberaba

As políticas públicas de proteção do patrimônio cultural ganharam maior vulto em Uberaba


especialmente após a promulgação, em 1998, de uma nova lei municipal de patrimônio (Lei
n. 6542). O Município tinha como objetivo alinhar e adequar as suas ações às estratégias
estaduais de preservação, visando os repasses de recursos através da Lei “Robin Hood”
(Lei Estadual n.12.040/95). Com a nova lei de proteção, o Conselho se tornou deliberativo,
complementando o seu caráter inicialmente consultivo, o que contribuiu para uma gestão de
patrimônio mais autônoma. Novos procedimentos foram adotados para a instituição do
tombamento municipal, cuja homologação passou a ser exclusivamente por ato
administrativo do Poder Executivo. Foram instituídos quatro Livros de tombo e nomeada
uma equipe técnica para assessorar o Conselho, composta por servidores do Arquivo
Público de Uberaba, a qual também ficou responsável por redigir os dossiês de
tombamento.

Na primeira gestão do Conselho como órgão deliberativo (1998 – 2003), recorria-se ao


tombamento como único instrumento de preservação, sobretudo para salvaguardar os
imóveis sob-risco de demolição ou aqueles que se encontrassem em mau estado de
conservação. Nesse intervalo, o Município expandiu suas ações de preservação ao publicar

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os decretos de tombamento dos bens anteriormente salvaguardados pelo Poder Legislativo,
e ao decretar o tombamento de outros seis bens.

No entanto, ao analisar as atas do Conselho nessa primeira gestão, observa-se que foram
autorizados pelo Órgão um número de tombamentos muito superior ao instituído pelo Poder
Executivo. O Conselho aprovou a instauração do processo de tombamento de 53 bens, dos
quais 44 eram estruturas arquitetônicas ou urbanísticas. Outro dado relevante é o pequeno
número de solicitações de tombamento encaminhadas por agentes externos ao Conselho,
apenas três propostas, sendo que uma delas, referente ao edifício do 4º Batalhão da Polícia
Militar, partiu de quatro vereadores e não foi bem recebida pelos conselheiros. Ainda sobre
a autoria das propostas de tombamento, observa-se que 24 delas partiram da equipe
técnica, portanto o maior número se comparadas as 17 solicitações dos conselheiros.

Verifica-se, como a principal razão para que a maior parte das decisões do Conselho não
fossem efetivadas por meio da publicação dos decretos de tombamento, a falta de pessoal
para elaboração dos processos de tombamento. Conforme registrado em ata, eram
recorrentes os relatos de sobrecarga de trabalho pela coordenadora da equipe técnica ao
Conselho, sobretudo por não haver recursos disponíveis para a contratação de profissionais
especializados. Mesmo que a cidade ainda não tivesse uma arrecadação expressiva via Lei
“Robin Hood”, a autonomia do Conselho para a execução de ações era bastante reduzida,
por não ter recursos próprios e nem acesso direto aos repasses do ICMS-Patrimônio
Cultural, cuja administração era feita pela Secretaria de Fazenda do Município, e seu uso
atendia a outros interesses.

Observa-se ainda que havia um distanciamento considerável entre as ações propostas pelo
Conselho, e as atividades desenvolvidas por outros setores da Prefeitura, tais como a
Secretaria de Planejamento Urbano e o Departamento de Posturas, este último responsável
por fiscalizar as intervenções e demolições de imóveis na cidade. Não existia, como
procedimento interno do Poder Executivo, a prática de encaminhar as solicitações de
demolição de bens de interesse de preservação ao Conselho, havendo, paralelamente,
autorizações de demolição de imóveis pela Secretaria de Planejamento que, mesmo sem a
publicação do decreto, já possuíam tombamento provisório aprovado pelo Conselho.

Foi o caso de dois imóveis, um situado à Rua São Sebastião, nº31, e o outro o Palacete
Pedro Naves, localizado na esquina da Rua Major Eustáquio com a Rua Cel. Manoel
Borges, ambos protegidos por tombamento provisório e, considerados pelo Conselho como
relevantes para a memória da cidade. Esses imóveis foram demolidos em um intervalo de
uma semana ao final do ano de 2002, o que resultou em uma grande comoção da
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sociedade e, sobretudo, dos conselheiros, que constatavam a inoperância e indiferença do
Poder Executivo frente às deliberações do Órgão. Após um pedido de desligamento de
cinco dos membros mais atuantes do Conselho, o Município decretou uma medida de
suspensão de todas as solicitações de demolição encaminhadas à Prefeitura (Decreto
n.2540 de 31/01/2003). Esse decreto determinava ainda o encaminhamento ao Conselho de
todos os pedidos de demolição e de intervenção em imóveis do centro histórico da cidade, o
que contribuiu para o início de umas das práticas mais comuns do Órgão nos anos
seguintes, a de avaliar os processos de demolição e incluir nas discussões os
procedimentos de conciliação entre a preservação e os interesses dos proprietários.

Figura 01: Palacete Pedro Naves, demolido em 2002, após ter seu tombamento provisório aprovado.

Fonte: Acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), 1988.

A primeira e maior ação de identificação e reconhecimento do acervo arquitetônico pelo


Município ocorreu no ano de 2004, com a inventariação de 52 imóveis, complementando o
acervo reconhecido pelo IEPHA/MG em 1989. No entanto, Uberaba só presenciaria uma
conduta mais coesa das políticas públicas de preservação a partir de 2005, na
administração municipal de Anderson Adauto (2005 - 2012). Nessa gestão, foi estruturada
uma equipe técnica junto à Fundação Cultural de Uberaba, composta por historiadores,
arquitetos, engenheiros e estagiários, para planejar ações e executar diferentes

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instrumentos de salvaguarda, como inventários, tombamentos, registros, além de projetos
de educação patrimonial. A nova equipe procedeu com inventário de dez novos imóveis e
com a elaboração do processo de tombamento de outros seis. Destes bens, quatro foram
adquiridos pelo munícipio sob a justificativa de representarem o período de maior
prosperidade econômica relativa à comercialização do gado zebuíno na cidade, sendo eles
o Palacete dos Borges, localizado na Rua Tristão de Castro nº64, o imóvel localizado na
Rua Senador Pena, nº358, hoje destinado ao Centro de Artesanato, a atual Casa da Cultura,
localizada na Praça Rui Barbosa nº356, e o Cine Teatro Vera Cruz.

Em 2006, com a promulgação da Lei Municipal n. 9928, a composição do Conselho foi


revista para que fosse possível definir, paritariamente, os espaços de representação da
sociedade civil organizada e do Poder Executivo. As políticas de incentivo aos proprietários
de bens tombados e inventariados foram ampliadas, garantindo a eles, mediante
autorização do Conselho, a isenção integral de IPTU e o desconto de 50% na tarifa de água.
Também em 2006, com a aprovação de um novo Plano Diretor (Lei Complementar n. 359), -
o primeiro após o Estatuto das Cidades -, foram definidos novos regramentos e orientações
para a preservação do patrimônio cultural no munícipio.

Foi por meio da Lei do Plano Diretor de 2006 que as estratégias de preservação foram de
fato incorporadas ao planejamento urbano, sobretudo por criar as Unidades e Áreas
Especiais de Interesse Cultural, que possuem a finalidade de estabelecer conjuntos de
preservação na malha urbana sob a égide do Conselho do Patrimônio. Para cada uma
delas, foram definidas normas específicas para o uso e ocupação do solo, como número
máximo de pavimentos, afastamentos, taxa de ocupação, e coeficiente de aproveitamento.
Embora ainda não tenham sido constatadas ocorrências de utilização para fins de
preservação, o Plano Diretor também proporcionou a essas áreas a possibilidade de
aplicação dos instrumentos da política urbana, como outorga onerosa e a transferência do
direito de construir.

Em 2008, foi aprovada uma nova Lei de Proteção (Lei n. 10717), com o objetivo de
apresentar, pormenorizadamente, as competências do Conselho e as normas para a
preservação dos bens de interesse cultural. No ano seguinte, a Lei n.10870/2009 instituiu o
Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba (FUMPHAU) - uma
reivindicação antiga do Conselho - para que ele pudesse financiar as ações de salvaguarda
a partir dos recursos do Programa ICMS-Patrimônio Cultural. No entanto, por não haver a
obrigatoriedade do Poder Executivo em repassar integralmente esses recursos ao
FUMPHAU, o Conselho possui acesso direto apenas a um valor muito abaixo do montante

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arrecadado pelo Programa, o que lhe tem permitido promover somente pequenas ações,
como impressão de material gráfico para divulgação de celebrações que constituem o
patrimônio imaterial registrado, ou reparações pontuais em edifícios, em especial nos
imóveis públicos tombados.

Para cumprir com um dos critérios de pontuação do ICMS-Patrimônio Cultural foi elaborado,
em 2015, um plano de inventário do município, com o objetivo de orientar as ações de
salvaguarda para os quinze anos seguintes. Com ele, a gestão de patrimônio, composta
pelo Conselho e pela equipe técnica, se propôs a identificar e reconhecer os bens de
natureza material e imaterial, através de uma setorização da área urbana e rural, atrelada a
um cronograma de ações. O distrito sede de Uberaba foi dividido em nove áreas, tendo
como base os estágios de ocupação do território, e os distritos rurais, em treze, definidas
pelas principais fazendas históricas e suas áreas de influência. No entanto, grande parte das
atividades executas pela gestão não seguiram o cronograma e a setorização propostos pelo
plano de inventário.

Dentre dos motivos que justificam o descumprimento do cronograma é o pequeno corpo de


profissionais, na equipe técnica, para executar as ações propostas pelo plano, tendo em
vista a quantidade elevada de bens a serem identificados e reconhecidos em cada área
definida pela setorização. Há, também, relatos de interferência política na aplicação dos
instrumentos de salvaguarda, em especial, no registro de bens imateriais, a exemplo do
Conservatório Estadual de Música Renato Frateschi (Decreto 4229/2019), inscrito no Livro
de Registro das Formas de Expressão, cuja localização não correspondia à área prevista
para ações naquele ano.

Observa-se que, a partir de 2010, às ações de reconhecimento do patrimônio imaterial


ganharam maior destaque em Uberaba, em detrimento das ações voltadas ao patrimônio
material, sobretudo arquitetônico e urbanístico. Desde o ano de 2015 foram registrados
treze bens imateriais, entre modos de fazer, formas de celebração e expressão, e foram
inventariadas vinte casas de matriz africana ou afro-brasileira, 34 Companhias de Reis,
cinco grupos de Catira, e 14 Ternos de Congada, Moçambique ou Afoxé. Enquanto 18 bens
arquitetônicos foram inventariados, e apenas cinco decretos de tombamento de bens
imóveis foram publicados.

O município de Uberaba possui, hoje, 399 bens de natureza material inventariados, sendo
que destes, 322 são bens imóveis e 18 são bens integrados. Após o início das ações de
preservação pela administração pública municipal, foram executados ao todo 30
tombamentos na sede do município e mais quatro na área rural, além de quinze registros de
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bens imateriais. Considerando o elevado número de bens imóveis e integrados
inventariados e o estado de conservação em que se encontram, e ao observar a ausência
de ações de atualização das fichas de inventário dos bens, percebe-se uma atenção
preferencial do Município em documentar e identificar novos bens, sem se preocupar com o
patrimônio já reconhecido.

Percebe-se, portanto, que na gestão do patrimônio de Uberaba, as atividades de


preservação estão mais voltadas ao reconhecimento por meio de inventários, à aplicação do
tombamento, - em geral nos casos de bens sob risco de demolição ou descaracterização -,
e, mais recentemente, à execução do registro de bens imateriais, do que na proposição de
políticas públicas que contribuam para uma melhor compreensão do patrimônio cultural pela
sociedade. Para efeitos de pontuação no Programa ICMS-Patrimônio Cultural, a equipe
técnica tem realizado atividades, ainda que pontuais, de educação patrimonial, no entanto,
por não serem destinadas a um público amplo, ficando restritas somente ao ambiente
escolar, elas têm se mostrado pouco efetivas, sobretudo com relação à degradação do
patrimônio edificado.

Considerações sobre a gestão do patrimônio cultural em Uberaba

A gestão do patrimônio cultural em Uberaba se encontra centralizada no Conselho e na


equipe técnica que o assessora, sendo eles, respectivamente, responsáveis pela
deliberação e pela execução das ações referentes à preservação. Contudo, ainda se
observa uma distância considerável entre a gestão de patrimônio e as práticas de outros
setores do Poder Executivo. Por mais que esteja definido, como procedimento interno, que a
Secretaria de Planejamento Urbano tem o dever de repassar ao Conselho os processos
administrativos, para a autorização de intervenções em bens protegidos por inventário ou
tombamento, há um grande número de demolições e descaracterizações que são realizadas
informalmente, sem qualquer autorização. Para evitá-las, seria importante uma especial
atenção às atividades realizadas pelo Departamento de Posturas, - vinculado à Secretaria
de Defesa Social, e responsável por fiscalizar as intervenções nos imóveis da cidade -, o
que contribuiria para cessar um dos procedimentos recorrentes do Conselho, o de deliberar
sobre possíveis ações em casos de imóveis que já foram clandestinamente demolidos ou
descaracterizados.

Quanto à autonomia das ações promovidas pela gestão de patrimônio em Uberaba,


constata-se, ao analisar as atas do Conselho e os pareceres técnicos elaborados pela
equipe de apoio, que, sobretudo os funcionários da equipe técnica e os representantes do
Poder Executivo no Conselho, por ocuparem cargos de confiança do governo, na maioria
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das vezes não tomam uma posição clara frente à preservação, a fim de evitar possíveis
desgastes políticos, os quais, consequentemente, comprometeriam a estabilidade de seus
cargos e funções. De maneira oposta à imagem que se tinha da composição do Conselho
em seus primeiros anos de atuação, como um lugar de reunião dos principais agentes
interessados pela defesa do patrimônio na cidade, hoje, parte considerável dos conselheiros
possuem pouco domínio na área de preservação, e falta um conhecimento mais amplo
sobre o patrimônio cultural do município.

Já no que se refere às principais atividades desenvolvidas no Conselho, observa-se que,


atualmente, suas ações se resumem, quase que exclusivamente, a apreciar os pedidos de
demolição e intervenção em bens protegidos, e a autorizar as ações propostas pela equipe
técnica. Raros são os casos de propostas de salvaguarda encaminhadas pelos membros do
Conselho, e mais raros ainda são os pedidos de salvaguarda feitos pela comunidade. Já
quanto a equipe técnica, percebe-se que, - por falta de pessoal ou de maior autonomia dos
profissionais contratados frente ao governo -, suas atividades não se direcionam ao efetivo
planejamento de políticas públicas ou a propor estratégias que visem aprimorar a gestão de
patrimônio na cidade, e sim a apenas a assessorar o Conselho e executar os relatórios para
efeitos de pontuação no Programa ICMS-Patrimônio Cultural.

O patrimônio construído de Uberaba e o seu atual estado de


conservação
Uberaba presenciou ao menos duas mudanças significativas em sua paisagem urbana: a
primeira delas na virada do século 19 para o 20 e a segunda a partir da década de 1960. Até
a instalação do ramal da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, em 1889,
predominavam-se, na cidade, construções com estruturas independentes de madeira e
vedação em taipa, técnicas herdadas do período colonial. A estação ferroviária afirmou a
posição hegemônica de Uberaba nas trocas comerciais com outras regiões, garantindo um
período de efervescência econômica e cultural. Nesse período, novos materiais construtivos
e a mão de obra imigrante chegaram ao município, permitindo a expansão e a reconstrução
da cidade ao gosto da arquitetura eclética.

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Figura 02: Praça Rui Barbosa e os casarões dos criadores de gado zebu na década de 1930.

Fonte: Acervo do Arquivo Público de Uberaba

Ainda nas primeiras décadas do século 20, a elite rural de Uberaba, ao expandir a sua
fortuna com a importação e comercialização do gado zebu, mandou construir na cidade um
certo número de casarões e palacetes como um símbolo de prosperidade econômica
(REZENDE, 1991). Destaca-se ainda, a arquitetura realizada entre as décadas de 1930 e
1950, também relacionada à prosperidade trazida pelo Zebu, com o estabelecimento de
notáveis residências em estilo neocolonial e o aparecimento dos edifícios verticalizados,
geralmente em estilo Art’Decó. Em 1955, foi inaugurado o primeiro edifício com
características da arquitetura moderna na cidade, a nova sede dos Correios, localizada na
Praça Henrique Krugger, nº33. A popularização dessa arquitetura seria difundida na década
seguinte, sobretudo com a construção das torres de edifícios residenciais.

Por possuir uma localização estratégica para o escoamento de insumos, Uberaba seria
beneficiada pela construção de Brasília, e, em seguida, pelos Planos Nacionais de
Desenvolvimento, que, associados ao crescimento vertiginoso das cidades, e à valorização
do solo urbano, observados na época por todo país, proporcionariam uma considerável
transformação de sua paisagem construída. Esse processo se intensificou, essencialmente,
na década de 1970, havendo inúmeras ocorrências de demolição de construções do início
do século, quando ainda não havia uma articulação local voltada para a preservação do seu
patrimônio.

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Como já exposto, as discussões sobre a preservação e o início das ações de proteção ou
reconhecimento, ganharam vulto apenas na década de 1980. Entretanto, por mais que
houvesse o empenho de um pequeno número de agentes locais interessados pela defesa
do patrimônio arquitetônico, esse assunto sempre esteve muito distante da população em
geral, que continuou promovendo descaracterizações e demolições, em muitos casos por
desconhecer o valor do patrimônio para a cidade, ou por não estar disposta a manter um
imóvel sob as justificativas da preservação.

Dos 340 bens arquitetônicos ou urbanísticos reconhecidos e inventariados, 301 estão


localizados na sede do município, sendo que 286 correspondem à imóveis e 15 à bens
integrados. Embora esses números pareçam expressivos, eles ainda são baixos, ao
perceber que muitos imóveis ainda poderiam ser identificados por meio do inventário. Ao se
contrapor os bens já reconhecidos com as intervenções na cidade, percebe-se que o
inventário não evitou as demolições ou descaracterizações. Desde a finalização das
atividades de inventariação pelo IEPHA/MG, em 1989, até os tempos atuais, 45 imóveis
foram demolidos, o que corresponde à 16,7% do patrimônio edificado inventariado da
cidade. Somados a outros 42 imóveis parcialmente demolidos ou severamente
descaracterizados, o percentual de perdas salta para 30,1%, como apresentado no gráfico a
seguir.

Gráfico 01: A situação atual do patrimônio edificado protegido da cidade de Uberaba.

Fonte: Elaboração dos autores com base em análise in loco

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Por mais que o índice de bens em estado de conservação bom seja o mais elevado das
quatro avaliações apresentadas no gráfico 1, chega-se a 38 o número de imóveis em estado
ruim de conservação, sendo que uma parte deles apresentam ornamentações mais
complexas, o que coloca em risco, pela falta de manutenção, pinturas parietais ou uma série
de detalhes decorativos em argamassa, estuque ou madeira.

Observa-se, ao comparar as relações de uso dos imóveis ao estado de conservação, que o


maior percentual de bens em estado ruim, correspondendo a 23,1% do total de 39 imóveis
levantados, são os destinados ao comércio. Grande parte dos imóveis que abrigam esse
tipo de uso passou por significativas descaracterizações no nível do térreo, e possui sua
face frontal ocultada por elementos alheios à época de construção do edifício, como letreiros
e placas. Outro dado importante, que pode contribuir para orientar possíveis ações, é a
identificação do alto percentual de imóveis vazios, os quais representam 16,5% do total de
bens inventariados, portanto 47 dos 286 imóveis. Conjectura-se que, muitos dos imóveis
sem uso façam parte de espólios, o que impede ou atrasa, por anos, a possiblidade de
comercialização e adequação de um novo uso ao lugar.

Dentre as intervenções mais frequentes observadas que levaram à descaracterização estão


a remoção de elementos decorativos, a substituição das esquadrias originais por outras
fabricadas em série ou por enchimentos de alvenaria, e a construção de anexos ou a
disposição de elementos alheios à época de construção do edifício. Quanto às demolições,
destaca-se, como uma particularidade da cidade, a remoção dos corpos das edificações e a
preservação das faces frontais dos imóveis. Dos bens inventariados, seis tiveram apenas a
fachada frontal preservada, e, desses, quatro tiveram o seu lote ocupado por
estacionamentos.

Por haver em Uberaba uma grande demanda pela abertura de estacionamentos no centro
da cidade, - cujos quarteirões são extensos e as vias estreitas, não permitindo a disposição
de duas faixas estacionáveis, além da maioria das construções não possuírem garagem -, o
número de demolições integrais que deram lugar a esse tipo de uso também é outro dado
relevante a ser analisado. Ao todo, vinte imóveis inventariados foram demolidos para abrigar
estacionamentos em seus lotes, certamente por possuírem uma dimensão atraente para
esse tipo de uso. Observa-se que as demolições por esse motivo alteraram,
significativamente, o contexto construído de algumas ruas, como Rua Alaor Prata e
Governador Valadares. Foram contabilizados, também, seis casos de lotes que
permanecem sem uso anos após a demolição; alguns deles até preservam a fachada
frontal, mesmo que em ruínas, mas por uma simples função de fechamento frontal do lote.

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Figura 03: Mapa das particularidades das demolições do patrimônio edificado em Uberaba.

Fonte: Elaboração dos autores com base em imagem do Google Earth. 2021.

Ao analisar o quadro da degradação do patrimônio edificado de Uberaba, constata-se, a


partir de algumas particularidades, que grande parte das demolições e descaracterizações
resultaram das novas dinâmicas e demandas da cidade, as quais poderiam ser melhor
gerenciadas através de diretrizes estabelecidas pelo planejamento urbano. Quando a
abertura de estacionamentos se mostra mais rentável do que a adequação de um novo uso
em um patrimônio edificado, observa-se que os fatores econômicos são determinantes para
o aumento da degradação. Há um consenso, entre os proprietários e locatários, de que a
intervenção ou manutenção de um imóvel protegido é mais onerosa e burocrática, por exigir
a contratação de profissionais especializados e a aprovação do Conselho, o que diminui a
atratividade comercial do bem, sobretudo daqueles que passaram anos sem uso. Observa-
se, portanto, que gestão de preservação não pode ignorar diversos desafios,
especificamente apresentados em imóveis protegidos, se o objetivo for o de traçar diretrizes
para uma proteção mais eficaz para a memória da cidade.

Considerações Finais
Considera-se que, no país, as discussões e o desenvolvimento de políticas públicas de
patrimônio cultural nas instâncias municipais são bastante recentes. Embora Uberaba tenha
inaugurado esse processo com a sua primeira lei de proteção um pouco mais de uma
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década após a criação, em 1971, do IEPHA/MG, as ações municipais em defesa do
patrimônio ganharam maior vulto apenas ao final dos 1990, em grande parte por influência
dos incentivos da Lei “Robin Hood”.

No entanto, ao se inserir nas estratégias de preservação estaduais, por meio do Programa


ICMS-Patrimônio Cultural, o Município tratou de seu patrimônio mais como um problema
jurídico e legal do que um benefício para a cidade e sua população, a qual sempre se
manteve distante das discussões, interessando-se muito pouco pela preservação. Observa-
se que muitas das perdas do patrimônio edificado estão relacionadas às novas dinâmicas da
cidade, e ainda não há um diálogo direto entre diversos setores do Poder Executivo quanto
a defesa do patrimônio.

O Conselho de Patrimônio, embora atuante, ocupa-se mais em apreciar os pedidos de


intervenção no patrimônio edificado e mediar a conciliação entre a preservação e os
interesses dos solicitantes, do que propor ações mais amplas que busquem antecipar,
resolver ou minimizar as perdas; trabalha quase que exclusivamente a partir das demandas
que surgem, as quais ocupam praticamente todo tempo das reuniões, deixando pouco
espaço para uma discussão mais ampla sobre a conservação patrimonial. Sua composição
paritária entre representantes da sociedade e do poder municipal favorece as decisões de
acordo com a conveniência do Executivo. Nem sempre os conselheiros - em especial
aqueles que são designados por seus órgãos empregadores – tem vivência ou interesse
sobre o tema. Embora as reuniões sejam um espaço de constante aprendizagem, não é raro
identificar conselheiros com pouco ou nenhum conhecimento sobre as abordagens e
conceitos mais contemporâneos do patrimônio cultural, ou sobre a legislação vigente e os
procedimentos legais, ou mesmo as ações de preservação do município, tais como o seu
plano de inventário. Por outro lado, a equipe técnica, que assessora o Conselho e executa
a gestão de patrimônio, possui poucos funcionários (seu número varia de acordo com as
perspectivas da administração do momento de maior ou menor apoio ao tema), os quais se
ocupam, quase que exclusivamente, da elaboração dos relatórios do ICMS-Patrimônio
Cultural.

Apesar do número até expressivo de imóveis reconhecidos pelo inventário, a aplicação


desse instrumento não evitou uma grande quantidade de demolições e descaracterizações,
e também não serviu para um de seus maiores objetivos, ou seja, o de traçar um
diagnóstico para ser possível a tomada de ações de preservação mais precisas e eficazes
na cidade. Observa-se, como fundamental, a proposição e execução de ações que
aproximem a população em geral dos debates acerca da preservação, sobretudo os

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proprietários e locatários de imóveis de interesse cultural. Pode-se constatar que os
incentivos fiscais, oferecidos pelo Município, ainda não são suficientemente interessantes
para os detentores desses imóveis. Nesse sentido, faz-se necessária a adoção mais ampla
de medidas, por meio de programas de governo, que busquem apresentar à sociedade os
valores do patrimônio edificado, sejam eles para a garantia da memória e identidade da
cidade, ou para a adequação e atratividade de um uso.

Referências Bibliográficas

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patrimônio cultural: adequações e usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC,
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INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MNAS GERAIS


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Histórico. Inventários de Proteção do Acervo Cultural em Uberaba. Uberaba, Minas
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MOTTA, Lia. Patrimônio Urbano e Memória Social: práticas discursivas e seletivas de


preservação cultural - 1975 a 1990. 2000. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-
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UBERABA. Lei nº 10870, de 02 de dezembro de 2009. Institui o Fundo Municipal de


Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba e dá outras providências. Uberaba, MG:
Prefeitura Municipal. 2009. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/mg/u/uberaba/lei-
ordinaria/2009/1087/10870/lei-ordinaria-n-10870-2009-institui-o-fundo-municipal-de-
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2021.

VALE, Marília M. B. T. Arquitetura religiosa do século XIX no antigo Sertão da Farinha


Podre. 1998. Tese (Doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
São Paulo, São Paulo.

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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO
A DIMENSÃO DOS PROJETOS NÃO CONSTRUÍDOS: Maria do
Carmo Schwab na Universidade Federal do Espírito Santo

MENEGHEL, JULIA P. (1);

1. Universidade Federal da Bahia. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.


Rua Caetano Moura, 121 – Federação, Salvador–BA.
juliapelam@gmail.com

RESUMO
A dimensão dos projetos arquitetônicos não construídos amplia, significativamente, a reflexão em
torno de uma determinada produção, sendo importante considera-los como partes integrantes do
conjunto da obra do arquiteto para, assim, auxiliar na compreensão da sua atuação como um todo.
Neste artigo, toma-se como objeto de estudo a produção da arquiteta Maria do Carmo Schwab para o
campus da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), compreendendo os projetos construídos
e propostos. Não obstante seu pioneirismo enquanto arquiteta mulher e capixaba e sua ampla
atuação entre as décadas de 1950 e 1980, registrando-se mais de 240 projetos realizados, ainda é
restrita a discussão científica acerca da sua obra, especialmente aquela de tipologia institucional.
Além disso, apesar de ter participado desde as discussões iniciais envolvendo a instalação do
campus universitário na cidade de Vitória, pouco se debate sobre sua ampla atuação na instituição,
focando-se, recorrentemente, em apenas uma de suas propostas. Assim, o presente artigo objetiva
expandir a discussão acerca da produção institucional de Maria do Carmo Schwab, bem como a
divulgação de material documental de pouca notoriedade no contexto local e nacional. Pretende-se,
ainda, através de uma análise comparativa entre obra executada e projetos não construídos,
reconhecer as diferentes abordagens projetuais da arquiteta, tomando como referenciais de análise o
lugar, o programa, a técnica construtiva e as soluções formais. Para tanto, realiza-se revisão
bibliográfica acerca do tema, tentando compreender a participação de Schwab no processo de
consolidação do campus, seguida por uma análise comparativa entre três projetos desenvolvidos pela
arquiteta – o Escritório de Campo ‘Catetinho’ (1967), o centro de Convivência e Restaurante
Universitário (1976) e a Capela Ecumênica (1980), os dois últimos não executados. A pesquisa
bibliográfica em conjunto com a realização de entrevistas e levantamento documental junto a acervos
públicos e privados constituem o suporte metodológico deste trabalho. Inclusive, a iconografia
levantada, especialmente no arquivo da Prefeitura Universitária e naquele organizado pela Professora
Clara Miranda, assume protagonismo na discussão, revelando uma série de estudos propostos pela
arquiteta, alguns até então desconhecidos, e, assim, ressaltando a relevância do arquivo documental
para investigação, reconhecimento e preservação do patrimônio arquitetônico. Ao contrapor obra
construída e projetada, observa-se a versatilidade de Maria do Carmo Schwab, cujas diferentes
abordagens, reveladas nas diversas escalas de projeto, respeitam as especificidade ao mesmo tempo
que garantem a qualidade técnica-construtiva característica de sua obra. Além disso, permite o
reconhecimento de sua atenção à completude do projeto universitário, transitando entre as escalas

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urbana, do edifício e do detalhe e fazendo-se valer do repertório moderno para desenvolver sua
identidade projetual.

Palavras-chave: Maria do Carmo Schwab; Universidade Federal do Espírito Santo; Projetos não
construídos; Arquitetura moderna.

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Introdução

A dimensão dos projetos arquitetônicos não construídos, seja por razões histórico-políticas
ou por suas características utópicas, amplia significativamente a reflexão em torno de uma
determinada produção, podendo ser entendida tanto como lugar de livre experimentação do
arquiteto-propositor, como espaço de atuação crítica-reflexiva. Considerando as múltiplas
ideias e intenções que estas propostas carregam, ainda que preservadas somente no papel,
seja através de desenhos ou escritos, é importante pensa-las como partes integrantes do
conjunto da obra do arquiteto, revelando possíveis ensaios de projetos futuros,
experimentações técnicas e estéticas ou, inclusive, auxiliando na compreensão da sua
atuação projetual como um todo.

Os motivos por quais tais projetos não se realizam são variados, contando desde razões de
cunho prático, derivadas das circunstâncias históricas, políticas e econômicas do contexto,
como propostas não vencedoras desenvolvidas para concursos públicos; o desinteresse do
cliente em levar o projeto adiante; revisões ao projeto original, mudando o partido projetual;
a falta de recursos, sejam técnicos, materiais ou financeiros, entre outros. Destaca-se
também aqueles projetos considerados utópicos e/ou visionários, portanto, inovadores,
idealizadores de uma nova arquitetura, por vezes, compreendidos como inexequíveis,
citando, por exemplo, as propostas de Étienne-Louis Boullée e Claude-Nicolas Ledoux no
século XVIII, a atuação do grupo Archigram, intercalando o campo da realidade e da ficção,
e, até mesmo, a ideia do “edifício-autopista” apresentada nos esboços de Le Corbusier para
o Rio de Janeiro. Tais exemplos elucidam a capacidade que os projetos não construídos
mantêm de influenciar gerações futuras, de transmitir ideias, de reverberar, seja na prática
ou conceitualmente.

Ao justificar a inserção de obras não construídas em seu livro, Kenneth Frampton (1997,
p.X) aponta seu entendimento de que “a história da arquitetura moderna refere-se tanto à
consciência e a intentos polêmicos quanto às próprias construções”. Como o autor, defende-
se, aqui, a relevância de uma análise conjunta entre obra projetada e obra construída,
considerando a possível elucidação dos processos de transformação e amadurecimento da
atuação projetual do arquiteto. Parte-se do princípio de que a produção arquitetônica
compreende todos os processos ligados ao ato de projetar, as reflexões, ideias,
experimentações, expressas em desenho ou escrita, independente de sua execução.

Inclusive, é interessante refletir sobre a expansão do campo da arquitetura nas últimas


décadas, conforme bem nos apresenta Eduardo Costa (2021, p.131), há uma
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“transformação na própria compreensão do que vem a ser arquitetura”. Enquanto alguns
autores compreendem a materialidade, a dimensão física como preocupação fundamental
dos arquitetos e historiadores; outros defendem a importância das múltiplas linguagens
relacionadas para a leitura contemporânea, cujo debate não engloba somente os objetos
físicos, mas também aqueles não concretizados, ganhando relevância por suas “críticas,
elaborações teóricas, publicações, desenhos, exposições e todo um conjunto de
manifestações visuais” (COSTA, 2021, p.132).

Para reforçar esta perspectiva, o autor se referencia a Beatriz Colomina e a Jean-Louis


Cohen, apresentando a ideia da existência de uma dupla instância, da dimensão prática do
campo, a matéria propriamente dita, e aquela intelectual-crítica, aproximando-se das
manifestações retóricas. Enquanto Colomina estabelece uma diferenciação entre arquitetura
e construção, entendendo a primeira como “um ato crítico e interpretativo. Tem uma
condição linguística diferente da prática, da construção” (COLOMINA apud. COSTA, 2021,
p.133); Cohen aborda os dois termos existentes em francês para o sentido de trabalho –
ouvrage e oeuvre (COHEN apud. COSTA, 2021, P.133), o trabalho construído e o trabalho
intelectual, respectivamente.

Reforça-se, portanto, a relevância da dimensão dos projetos não construídos, já bastante


explorada em pesquisas de arquitetura desenvolvidas no exterior e que vem ganhando
maior atenção no cenário brasileiro nos últimos tempos, sendo o trabalho de Ana Florio
(2012) apontado como inédito dentro desta abordagem. A autora traz um rico panorama
sobre pesquisas que certificam o valor da análise da obra não executada, não só para as
áreas de história, teoria e crítica, mas também no campo do projeto arquitetônico, refletindo
sobre modos e processos projetuais. A sua própria investigação indica a possibilidade de
releitura da obra residencial de Vilanova Artigas através da inclusão dos projetos não
construídos, seja para a identificação de tipos formais ou para interpretação das
transformações e permanências presentes no conjunto da obra (FLORIO, 2012, p.394).

No presente artigo, tomando como objeto concreto de análise os projetos para o Campus de
Goiabeiras, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) propostos pela arquiteta
capixaba Maria do Carmo Schwab, pretende-se refletir sobre quais outras perspectivas as
obras não concretizadas, muitas vezes “esquecidas” pelos estudos científicos, apresentam
sobre a sua atuação na cidade universitária. Apesar da arquiteta ter participado desde as
discussões iniciais envolvendo a instalação do campus na cidade de Vitória, pouco se
debate sobre seu papel dentro da instituição, lembrando-se, recorrentemente, apenas de
sua única proposta edificada, o Escritório de Campo. Busca-se, portanto, por meio da

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releitura de sua trajetória junto à universidade somada à análise combinada de três projetos
para o campus – o Escritório de Campo (1967), o centro de Convivência e Restaurante
Universitário (1976) e a Capela Ecumênica (1980) – reconhecer as diferentes abordagens
projetuais da arquiteta, assim como ampliar o conhecimento acerca da sua participação na
consolidação da cidade universitária.

É válido pontuar que o artigo resulta de um recorte às primeiras análises projetuais


realizadas para a pesquisa de mestrado que tem como objetivo principal compreender o
processo de constituição da linguagem projetual da arquiteta Maria do Carmo Schwab,
orientada pela Profa. Dra. Ana Carolina Bierrenbach.

Maria do Carmo Schwab na Universidade Federal do Espírito Santo

Nascida em 1930 na cidade de Vitória, Espírito Santo, integrante de uma família tradicional
capixaba, e graduada, em 1953, pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do
Brasil, no Rio de Janeiro, Maria do Carmo de Novaes Schwab integra o seleto grupo de
arquitetos, juntamente a Élio de Almeida Vianna e Marcelo Vivácqua, responsável pela
consolidação da arquitetura moderna no Espírito Santo. Vale ressaltar, é somente na
década de 1950, impulsionada pela política de desenvolvimento adotada pelo governador
Jones dos Santos Neves, correspondente às medidas assumidas por Getúlio Vargas a nível
federal, que a nova arquitetura se instala no estado (MURTA, 2000, p.37). Como aponta o
próprio arquiteto Élio Vianna (apud. MIRANDA, 2011, p.6-7)

“No serviço público [...], na Divisão de Obras Públicas, com uma equipe de engenheiros
novos e de consumado valor, demos início à renovação da arquitetura por uma organização
de espaços, refletidas no seu exterior por uma expressão autêntica de formas despojadas e
de caráter eminentemente funcional. Eu, Marcello Vivácqua e, logo a seguir, Maria do
Carmo Novaes Schwab semeamos em todo Estado, obras isoladas que refletiam por sua
simplicidade das formas e rara beleza, uma amostra da perfeita integração edifício/entorno,
conteúdo/continente [...]”

Com uma atuação ativa entre as décadas de 1950 e 1980, a arquiteta trabalha como
autônoma, em seu escritório particular, e também em uma variedade de instituições
públicas, como a Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado do Espírito Santo
(SVOPES) e a Universidade Federal do Espírito Santo, exercendo também um importante
papel na fundação do núcleo estadual do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-ES). Destaca-
se por seu pioneirismo enquanto arquiteta mulher e capixaba e por sua ampla e versátil
produção arquitetônica, totalizando mais de 240 projetos1 desenvolvidos, com uma
interessante variedade tipológica e de escalas.

1 Para mais informações da documentação e inventariação da obra, ver MENEGHEL, 2019.


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A arquiteta apresenta uma significativa trajetória junto à UFES, ocupando, primeiramente, o
cargo de Diretora de Planejamento e Obras da Reitoria, integrando, no ano de 1963, um
grupo de trabalho responsável pela análise das condições dos possíveis locais de instalação
do campus universitário (BORGO, 1995, p.70), participando, pois, desde os processos
iniciais relativos à cidade universitária. A polêmica discussão em torno das áreas de
implantação perdura por alguns anos, até serem superadas, na segunda metade da década
de 1960, com a efetivação da aquisição da área do Victória Golf & Country Club, mais a Ilha
do Cercado, que viria a ser o Campus Alaor de Queiroz Araújo, o Campus de Goiabeiras.

Paralelamente, discute-se, a nível federal, o projeto de reestruturação acadêmica das


universidades brasileiras, visando superar o modelo carreirocêntrico – faculdades
funcionando de maneira independente – em favor de um funcionamento integrado (BORGO,
1995, p.74). No caso da UFES, conta-se com um projeto desenvolvido pelo consultor norte-
americano Rudolph Atcon, em 1966, propondo a departamentalização das unidades
administrativas-acadêmicas no novo campus (INHAN, MIRANDA, ALBERTO, 2016, p.241),
que baseia o seu posterior planejamento. Em seguida, começam a ser realizados planos
urbanísticos para a cidade universitária, sendo um deles idealizado pelo arquiteto Marcelo
Vivácqua, cuja concepção de flexibilidade total se baseia em um edifício modular, o
CEMUNI – Célula Modular Universitária, sendo parcialmente executado.

Outras propostas a seguiram, traçando alterações ao plano geral de Vivácqua, como aquele
desenvolvido pelo arquiteto baiano Diógenes Rebouças, com participação de Maria do
Carmo Schwab, “onde já é possível perceber a substituição do modelo dos Cemunis por
uma organização de edifícios laminares” (INHAN, MIRANDA, ALBERTO, 2016, p.244). Tal
estudo abarca as edificações já construídas até então, como os módulos dos CEMUNIs e o
edifício do Escritório de Campo, e propõe uma expansão através de blocos longitudinais
dispostos em pares e articulados a grandes eixos de circulação. Apesar de não efetivado,
auxilia as revisões futuras, considerando que as modificações ao plano inicial resultam
“basicamente de ideias e sugestões dos arquitetos Diógenes Rebouças e José Magdalena”
(BORGO, 1995, p.77).

Maria do Carmo Schwab segue sua atuação na universidade enquanto arquiteta da


instituição, elaborando uma quantidade significativa de projetos, apesar de somente um
exemplar construído. Em pesquisa realizada junto ao Programa Institucional de Iniciação
Científica (PIIC-PRPPG), da UFES, entre 2017-2018, sob coordenação da Profa. Dra.
Renata Hermanny, realiza-se a documentação da obra da arquiteta, registrando dezenas de
estudos realizados para a universidade, desde reformas e adaptações até projetos

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completos, sendo sete destes mais significativos – Escritório de Campo, Centro
Tecnológico, Convivência e Restaurante Universitários, Laboratório de Ecologia, Capela
Ecumênica, Instituto de Odontologia e Creche e Pré-Escola Criart. Este conjunto, de escalas
e soluções variadas, bem exemplifica a versatilidade da atuação da arquiteta.

Embora com registros de projeto para a instituição até o final da década de 1980, a arquiteta
comenta, em entrevistas, por motivos de saúde e assim impossibilitada de acompanhar as
obras, ter se afastado das atividades profissionais em 1981. Atualmente, aos 91 anos segue
entusiasta da profissão e armazena, em sua própria residência, um rico acervo pessoal de
extrema importância para preservação de sua obra.

Três projetos para o campus

A partir de um olhar ampliado ao conjunto de projetos desenvolvidos por Maria do Carmo


Schwab para o Campus de Goiabeiras, levando em consideração sua obra não construída,
revela-se uma atuação versátil, de abordagens distintas às diferentes demandas, seja do
programa ou do lugar, preservando a qualidade técnica-construtiva característica de sua
arquitetura. Ao tomarmos como referência sua única obra executada conhecida no campus,
pensar-se-ia em uma atuação pontual e, de certa forma, restrita, considerando o recorte
temporal e a modesta escala do volume, apesar das interessantes soluções apresentadas.
No entanto, estendendo o olhar ao conjunto de estudos existentes, reconhece-se a
variedade de escalas e soluções desenvolvidas pela arquiteta, mostrando uma real atenção
e compromisso com a consolidação do plano universitário.

Para a discussão projetual são selecionadas três propostas para o Campus de Goiabeiras
(Figura 1): o Escritório de Campo (1967), o centro de Convivência e Restaurante
Universitários (1976) e a Capela Ecumênica (1980), os dois últimos não construidos. Não se
sabe ao certo o motivo para a não execução destes projetos, porém, imagina-se tratar de
razões práticas envolvendo questões políticos-econômicos para a execução, considerando
as soluções inovadoras de grandes dimensões adotadas em ambos volumes. A escolha
destes projetos deriva da ideia de refletir sobre a escala do edifício unitário de tipologia
institucional, sendo três programas diversos representativos da versatilidade da arquitetura
de Schwab. Pretende-se, através de uma análise combinada, reconhecer as diferentes
soluções projetuais adotadas, tomando como referenciais de análise o lugar, o programa, a
técnica construtiva e as soluções formais.

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Figura 1: Implantação aproximada dos projetos no Campus de Goiabeiras–UFES. Fonte: GoogleEarth
modificado pela autora, 2021.

É importante esclarecer a importância da iconografia levantada junto a acervos públicos e


privados para esta pesquisa, principalmente, o arquivo da Prefeitura Universitária–UFES e
aquele organizado pela Professora Clara Miranda, pois assumem protagonismo na
discussão, baseando as análises projetuais a seguir.

Escritório de Campo

O edifício do Escritório de Campo, do ano de 1967, pode ser incluído no contexto inicial de
construção do campus universitário, sendo um dos primeiros projetos elaborados. Também
conhecido como “Catetinho”, apelido que remete à primeira sede oficial utilizada pelo
presidente Juscelino Kubitschek durante a construção de Brasília, recebe função
administrativa, possivelmente vinculada ao monitoramento e funcionamento da obra do
Campus de Goiabeiras.

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Figura 2: Prancha técnica com planimetria e elevações (2-A); Fotografia frontal do Catetinho (2-B);
fotografias da obra e de celebrações realizadas no jardim interno (2-C); Fonte: arquivo Prefeitura
Universitária, digitalização Patri_Lab (2-A); acervo Maria do Carmo Schwab, reunido e organizado por
Clara Miranda (2-B; 2-C).

De geometria regular simples, a edificação é implantada sobre uma rocha natural do terreno,
próxima ao acesso sul do campus. Em meio à vegetação abundante, o edifício, explorando
o uso dos materiais em seu estado bruto, aparenta se isolar no meio natural, criando uma
relação direta entre edifício e sítio. Todavia, a edificação não se submete à natureza
circundante, relaciona-se harmoniosamente com o entorno mantendo sua racionalidade
construtiva. Inclusive, ao elevar o volume do solo e aloca-lo sob uma plataforma revestida
em pedra, a arquiteta parece propor uma livre transição entre natural e construído.

Em uma aproximação as escolhas projetuais, fica clara a atenção às condicionantes


naturais do terreno, em relação as orientações das fachadas e os níveis de insolação e

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ventilação, quando, por exemplo, somente a fachada sul se abre ao exterior com amplas
esquadrias em vidro e aquelas de maior incidência solar recebem a solução em venezianas.
Também é proposto um jardim interno descoberto, que permite a livre abertura dos cômodos
e a integração entre interior-exterior, além de sua importância a nível programático-
funcional, quando auxilia na organização dos cômodos internamente. Parece funcionar
também como espaço para eventos institucionais (Figura 2-C), sendo alocados três mastros
para bandeiras, próximo a fachada frontal.

Com um pavimento principal, a arquiteta tira partido do desnível existente para propor um
andar inferior, indicado como área para garagem, aberto à fachada lateral. De dimensões
pequenas, o projeto é solucionado em uma planimetria quase quadrada (Figura 2-A),
internamente bastante compartimentada, cujo acesso se dá a partir da varanda frontal, que
se torna ambiente de transição e de organização dos fluxos. Grande parte da área principal
recebe os ambientes administrativos, destinados ao gabinete do reitor, à sala de reuniões e
à assessoria, por exemplo, contando também com cômodos generosos para a portaria e
sala de espera, fora os espaços de serviços. Estes se organizam, internamente, em torno do
jardim de formato retangular, concentrando os cômodos de apoio na parcela posterior e
aproximando aqueles destinados às atividades institucionais à fachada frontal. A
organização do programa segue a modulação estrutural do edifício, dividido igualmente, em
relação a sua largura, em quatro módulos longitudinais.

A estrutura principal do projeto segue o sistema pilar-viga-laje em concreto, facilmente


perceptível pelo destaque que os elementos de sustentação ganham em fachada,
apresentados em seu estado natural. Os pilares externos, que estruturam a varanda frontal,
recebem um desenho particular, propostos associando duas peças esbeltas em madeira
que faceiam lateralmente e interligam a viga de cobertura ao pilarete no solo, ambos em
concreto aparente, atribuindo leveza ao elemento estrutural. No plano da cobertura, adota-
se o prolongamento das vigas nas extremidades livres da edificação, vezes cruzando-as em
um mesmo nível e reforçando, assim, a horizontalidade e ortogonalidade do volume.

Em relação a materialidade da obra, combinam-se materiais tradicionais, como o tijolo, a


madeira e a pedra natural, com outros modernos, sendo o vidro, o concreto e as telhas
onduladas de fibrocimento. Externamente, as fachadas ganham destaque pelo uso dos
materiais em seu estado natural, contrastando o tijolo e concreto aparentes na fachada
principal e a pintura branca com o concreto nas outras três elevações. As esquadrias,
solucionadas em madeira e vidro, evidenciam uma intenção de modulação, ressaltando a
presença da racionalidade do processo construtivo. As janelas, em sua maioria, são

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propostas de piso a teto, divididas em doze folhas quadradas, com abertura tipo guilhotina,
criando uma dupla abertura central. Dependendo da fachada a ser aplicada, são propostas
em vidro ou em venezianas de madeira. A solução dada às básculas de serviço é bastante
interessante, propostas em formatos quadrados, dispostas linearmente e distanciadas
igualmente entre si, parecendo reinterpretar a famosa janela em fita. As duas portas de
acesso principais, apesar das dimensões diferentes do vão, assemelham-se às outras
esquadrias recebendo divisão quadriculada.

Externamente (Figura 2-B), a edificação se apresenta como um bloco único, de apenas um


pavimento e forma geométrica simples, destacando-se pela horizontalidade reforçada pelas
horizontais dominantes da estrutura e da cobertura de baixa inclinação. As soluções
técnicas a nível do detalhe, seja o desenho particular dos elementos, a distinção do sistema
estrutural em fachada ou o uso dos materiais em seu aspecto natural caracterizam a obra.
Assim, talvez possa-se relacionar diretamente a composição estética-formal do edifício com
as soluções de nível material-técnico, cujo detalhamento singular atribui particularidades ao
projeto. Com a elevação do volume em relação ao solo e a proposta da varanda frontal,
resultado da extensão da laje de piso e da cobertura, articula-se o volume prismático
original, criando um espaço de transição, um vazio frontal em contraste ao bloco edificado,
atribuindo certa permeabilidade ao conjunto. Além disso, a arquiteta mostra sua atenção à
espacialidade interna, seja na qualidade dos ambientes ou na preocupação com o conforto
térmico. Ainda que apresente apenas uma fachada de maior comunicação com o entorno
circundante, a proposta do jardim permite a articulação entre interior-exterior, deixando o
natural adentrar o construído, sem perder a privacidade que as funções institucionais
possam exigir. Este, por suas dimensões e funcionalidade, assume relevância na solução
projetual como um todo.

Atualmente, o edifício se mantém parcialmente conservado, tendo passado por intervenções


descaracterizantes ao longo do tempo, como o preenchimento da base e fechamento de
parte da varanda com vidro temperado preto; alteração dos vãos frontais; mudança dos
revestimentos; e outras adições posteriores que influenciam na leitura do todo.

Convivência e Restaurante Universitários

O edifício proposto para o centro de Convivência e Restaurante Universitários, datado de


1976, integra o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Superior (PREMESU) – MEC
BID II, conforme indicado nas pranchas técnicas consultadas, porém, não é executado.

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A edificação é proposta para uma área ampla, de formato retangular, com 136mx196m,
localizada entre os CEMUNIs e os ICs (Centro de Estudos Gerais e Centro Pedagógico),
próximo à entrada norte do campus. Solucionado em dois blocos prismáticos de grandes
proporções, dispostos paralelamente entre si e alinhados por seus eixos, o edifício assume
escala monumental, alcançando dimensões de uma quadra urbana (Figura 3-A). Apesar da
extensão da obra, certa permeabilidade é garantida ao não bloquear os limites dos edifícios,
que recebem uma circulação contínua livre em todo o perímetro, além das passarelas
cobertas que conectam os dois blocos. Assim, cada um deles é composto por duas amplas
lajes de concreto, de piso e de cobertura, cuja ocupação é distanciada do perímetro externo.

Figura 3: Planta de implantação (3-A); Diagrama dos blocos, destacando a malha estrutural (3-B);
Elevações do conjunto de Convivência e Restaurante Universitários (3-C); Fonte: arquivo Prefeitura
Universitária, digitalização Patri_Lab (3-A, 3-B, 3-C).
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De forma geral, a arquiteta parece se atentar às orientações das fachadas para a
distribuição do programa. O vazio sombreado circundante aos blocos, a setorização dos
ambientes articulados com amplos eixos de circulação e a ventilação cruzada auxiliam no
conforto térmico da edificação. Também são pensados pequenos jardins internos,
normalmente associados aos ambientes de serviço, mas também a espaços de circulação,
que contribuem para a ventilação e iluminação naturais do todo.

Com programa amplo e bastante diverso, a arquiteta organiza o projeto em dois blocos
retangulares conectados: o menor, de 40mx112m, é ocupado pelo centro de convivência da
universidade, agrupando funções variadas; e o maior, de 40mx192m, recebe o restaurante
universitário e os serviços relacionados. O primeiro compreende salas de entretenimento,
seja para jogos, leitura ou música, por exemplo, comércio e serviços diversos, além dos
sanitários e setor administrativo. Em planta, a variedade dos serviços é organizada em
alguns setores, respeitando rigorosamente a modulação estrutural, intercalados com áreas
de circulação horizontal generosas.

Já no bloco referente ao restaurante universitário, com exigências técnicas específicas ao


seu uso, a planimetria parece tomar como referência a organização dos fluxos de circulação
para a setorização do programa, indicados em planta. A maior parte do bloco se organiza
em torno dos dois restaurantes, articulados centralmente, através dos pontos de
distribuição, pela extensa cozinha. Esta, com 72m de comprimento e bem setorizada,
recebe na metade posterior os ambientes de apoio e serviços e, na metade frontal, o espaço
operacional. Na outra extremidade do bloco, adjacente ao amplo setor longitudinal dos
sanitários, dispõe-se um grande salão de estar. Não fica clara a função deste espaço, mas
imagina-se que funcione como área para eventos acadêmicos esporadicamente.

A estrutura do projeto segue o sistema pilar-viga-laje em concreto, respeitando uma clara


malha estrutural de modulação quadrada, com lado igual a 8m (Figura 3-B). Esta tem um
papel definidor na distribuição e setorização do programa, bem como na proposição
planimétrica, facilmente perceptível em planta. Em relação aos pilares, propostos com base
quadrada, são dispostos linearmente em todas as interseções da malha estrutural internas
ao perímetro construído. No entanto, dentro de cada bloco, alguns alinhamentos tem a
disposição duplicada, alocando-se dois pilares lado a lado, sempre no sentido transversal,
não se identificando, porém, um único padrão sequencial. Quanto aos elementos horizontais
da estrutura, os cortes nos revelam a alternância das soluções para as vigas, vezes
utilizadas de forma tradicional, vezes propondo vigas invertidas.

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Pelo caráter de estudo do projeto, não se tem acesso ao detalhamento da proposta, ainda
assim, é notável a solução adotada para os avanços da estrutura no perímetro dos blocos e
passarelas, que recebem acabamento chanfrado, aumentando a permeabilidade e soltando
o grande bloco horizontal do solo (Figura 3-C). Na cobertura, parece-nos que a laje é
inclinada, vencendo um balanço de 4m até alcançar a linha inferior da platibanda. Já no
piso, a laje se prolonga linearmente no balanço de 4m, elevada 1m do terreno, e a viga
recebe um desenho chanfrado, tocando a extremidade da laje até a base do pilar.

No que diz respeito aos materiais propostos, fica clara a predominância do concreto em
fachada, sendo mantido em seu estado natural nos elementos estruturais, dando destaque
especial para as vigas. Sobre as esquadrias, não constam informações sobre os materiais
utilizados, apesar de se supor o vidro. Em relação aos tipos propostos, reconhece-se, no
desenho das fachadas, uma modulação das soluções, respeitando os módulos estruturais,
estendendo-as de pilar a pilar, sem interrupções. Pode-se identificar duas soluções
elementares para as esquadrias: uma que se estende de piso a teto e por toda a extensão
do módulo, compondo um plano único; e a segunda, prolonga-se por todo o módulo com
altura reduzida, assemelhando-se a uma janela em fita.

Externamente, o conjunto de Convivência e Restaurante Universitários é caracterizado pela


escala grandiosa e forte horizontalidade. Às duas grandes massas construídas, atribui-se
certa permeabilidade ao propor vazios contrastantes. Desta forma, os vazios gerados pelos
eixos de circulação horizontal, tanto entre, quanto no entorno dos edifícios, contribuem na
composição das fachadas ao romperem com a solidez do conjunto, permitindo que o
entorno natural permeie a estrutura densa da construção. A horizontalidade dominante
derivada da solução volumétrica, blocos térreos bastante alongados, é reforçada pelo
destaque, em tamanho e material, dado aos elementos estruturais em fachada,
especialmente as vigas, assim como as soluções das esquadrias, cuja modulação reforça a
continuidade das elevações.

Aqui, mais uma vez, reconhece-se a importância do nível do detalhe arquitetônico para a
solução estética-formal da obra, quase como um processo de finalização compositiva, ainda
que de características bastante racionais, como quando a arquiteta opta por elevar o edifício
em relação ao terreno e atribuir um acabamento chanfrado as vigas e lajes no perímetro do
mesmo. Sem estes cuidados, provavelmente, o edifício aparentaria estar preso ao solo, ao
invés de pousar sobre ele, apesar da solidez do volume.

Capela Ecumênica

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A Capela Ecumênica, também não executada, é projetada para o Campus de Goiabeiras em
1980. Proposta para uma área livre localizada junto ao acesso norte do campus, a
edificação se instala justamente no trecho de transição entre a cidade universitária e a área
urbana da capital. Solucionada em planta circular, a capela é implantada na extremidade
mais ampla do terreno triangular de perímetro irregular, isolando-se do entorno através de
um espelho d’água circundante. Desta forma, o acesso se dá através de uma única rampa
que direciona o indivíduo para a entrada principal, voltada para o campus. Pode-se, assim,
traçar uma relação com a ideia do edifício religioso da cidade tradicional, enquanto elemento
de tipologia particular e implantação privilegiada.

Vale destacar que não se reconhece uma relação direta entre as características do terreno e
as soluções planimétricas e volumétricas adotadas, assim como o edifício não parece
buscar estabelecer relações com o entorno imediato, voltando-se ao seu interior.

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Figura 4: Planta-baixa pavimento principal, com área de celebração central (4-A); Fachada frontal (4-
B); Cortes transversal e longitudinal (4-C). Fontes: acervo Maria do Carmo Schwab, reunido e
organizado por Clara Miranda (4-A, 4-B, 4-C).

Com uma área total construída superior a 2000m², a capela é solucionada em uma planta de
formato circular, com raio da circunferência externa igual a 20m (Figura 4-A). Além da nave,
altar central e o coro, a edificação recebe outros ambientes de caráter funcional, como
escola bíblica, sacristia e sala de oração, por exemplo. As circulações externas ganham
destaque, conformando, no nível de acesso, uma varanda circular contínua, que percorre
todo o perímetro externo da edificação junto ao espelho d’água. No nível superior, a mesma
circulação se repete, no entanto é compartimentada em trechos internos e externos,
separados por vitrais e portas pivotantes. Assim, conformam três varandas voltadas a
fachada frontal e outra mais alongada na fachada posterior, funcionando tanto para acesso
dos sanitários, como espaço de ventilação e iluminação naturais dos cômodos internos.

Internamente, a organização se dá a partir do centro da planimetria e de seus eixos radiais,


concentrando a ocupação mais próxima ao ponto central e liberando o perímetro da
edificação. A entrada principal, alinhada a rampa de chegada, direciona o indivíduo para
uma escadaria de acesso ao espaço de celebração elevado. O altar circular, centralizado
com o edifício, eleva-se em relação à nave e é rodeado, em parte, por arquibancadas
semicirculares, assemelhando-se à composição de um anfiteatro greco-romano. Por trás do
altar, em um terceiro pavimento, tem-se o coro.

Ao analisarmos o mesmo ambiente em corte (Figura 4-C), nota-se a grandiosidade da


proposta. Além da amplitude do espaço, o ambiente de celebração ascende centralmente
até uma abertura zenital, alcançando altura final de 18m. Poder-se-ia falar da
reinterpretação de uma cúpula tradicional, em dimensões menores, de interior côncavo e
aberturas para entrada de luz natural. Outra percepção curiosa é a de que as vedações ao
fundo do altar são finalizadas de acordo com a diagonal determinada pela estrutura,

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conformando um tronco de cone que conecta, justamente, a ampla base circular da nave
àquela menor da cobertura. A cruz, elemento simbólico, está sobre o altar, suspensa no ar.

A estrutura principal da edificação é solucionada pelos seis elementos em concreto,


dispostos radialmente e circunscritos à circunferência de maior raio, dividindo-a em partes
iguais. Tais elementos integram pilares de 1,10mx4,50m a vigas de cobertura em formato
“elíptico retificado” que ascendem em direção ao centro da edificação. Os pilares alcançam
altura considerável, estendendo-se desde a fundação, imersos no espelho d’água, atingindo
cerca de 7m de altura. Somada a estes, as vigas são compreendidas como uma estrutura
invertida que sustenta a laje de cobertura, alinhando-se a ela internamente. A mesma laje
acompanha o formato articulado das vigas, apresentando, no entanto, menor espessura.
Tais elementos parecem compor uma espécie de ‘grande casco protetor’ da edificação,
definindo-a volumetricamente.

Em relação às escolhas dos materiais, notam-se algumas opções recorrentes. Em fachada,


o concreto ganha destaque nos elementos estruturais, apresentados em seu aspecto
natural. As vedações do pavimento superior, em primeiro plano, são em tijolo aparente,
contrastando com a variação de cor e luz dos vitrais ou com a dureza do concreto. No
térreo, toda a vedação, recuada do perímetro, parece ser tratada de forma mais simples e
contínua. No todo, de forma geral, integram-se materiais tradicionais e industrializados,
como a madeira, o tijolo aparente, o vidro e o concreto.

A respeito das esquadrias, neste projeto, intercala-se o uso de janelas e vitrais considerando
o uso correspondente de cada cômodo. De forma geral, apresentam larguras semelhantes,
sendo intercaladas com pilares ou elementos de mesma dimensão. Os vitrais, no entanto,
alcançam altura de 2,50m, enquanto as janelas possuem apenas 50cm de altura. Como
maiores exceções, tem-se o amplo vitral alinhado ao eixo central de acesso, no pavimento
principal, e a pequena faixa linear do térreo, permitindo a entrada de luz rente a laje do piso
acima. Outra solução interessante são as portas pivotantes, de 2,50mx2,50m, propostas nas
varandas do andar principal que, quando abertas, rotacionadas sobre seu eixo, criam uma
circulação livre percorrendo todo o perímetro da edificação, além das aberturas zenitais
dispostas na “cúpula” do edifício.

Externamente (Figura 4-B), a Capela Ecumênica se caracteriza como um grande volume


circular elevado, sustentado pelos seis elementos estruturais dispostos radialmente,
pousado sobre um outro volume circular recuado em relação ao primeiro. Além dos imensos
pilares imersos no espelho d’água, o maior destaque está na laje de cobertura, somada às
extensas vigas invertidas, que ascendem até a cúpula central de raio menor, onde a cruz é
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apoiada. Apesar da verticalidade oferecida pela solução da cobertura, guiando o olhar, os
volumes dos pavimentos trazem, em contraposição, uma forte horizontalidade, tanto pela
amplitude, como pelo tratamento contínuo dado às superfícies e às esquadrias. Os materiais
empregados ganham destaque pela franqueza de seu tratamento. De forma geral, em
fachada, a edificação se apresenta como uma grande estrutura fechada, voltada ao seu
interior, com alguns pontos de comunicação entre interno-externo. Por se tratar de um
projeto de uso religioso, a função parece ter influenciado diretamente a solução planimétrica
e volumétrica, até mesmo por questões simbólicas, como a opção pela centralidade e
priorização da espacialidade interna.

Considerações finais

Ao revisitar a trajetória da arquiteta junto à Universidade Federal do Espírito Santo, revela-


se a amplitude da sua atuação na instituição, participando desde o processo de instalação
do campus na cidade, passando pelo seu planejamento até suas contribuições projetuais, a
nível urbano e arquitetônico. O que poderia ser lido como uma contribuição pontual, com
base em seu único projeto construído, apresenta-se como uma atuação comprometida com
a completude do projeto universitário, transitando entre as diferentes escalas de projeto: a
urbana, a do edifício e a do detalhe.

Ao contrapor os três projetos aqui apresentados, identificam-se três soluções diversas, em


forma e proporção, que respondem a funções e programas variados, preservando, no
entanto, a qualidade técnica-construtiva característica da obra da arquiteta capixaba. Em
relação ao lugar, de forma geral, é reconhecível uma atenção às condicionantes naturais do
sítio, como as condições climáticas e orientações favoráveis para iluminação e ventilação
naturais, contribuindo, especialmente, na setorização da planimetria e na adoção de
mecanismos de proteção solar. Todavia, a racionalidade da obra arquitetônica é garantida,
relacionando-se ao lugar sem se submeter a ele. Nos três casos analisados, o projeto do
‘Catetinho’ é o que mais se aproxima desta premissa, seja na implantação, na setorização
do programa ou nas soluções para o conforto térmico; enquanto o centro de Convivência e
Restaurante Universitários, com suas grandes dimensões, impõe-se volumetricamente ao
entorno, utilizando das amplas circulações horizontais e os jardins internos para garantir
permeabilidade ao todo e conforto térmico internamente; sendo o mais disruptivo, neste
sentido, o projeto da Capela Ecumênica, um edifício-símbolo que parece se isolar do
entorno, voltado à si mesmo.

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Esclarece-se também a importância do programa na expressão final do projeto,
considerando que três funções diversas resultam em três soluções volumétricas bastante
diferentes entre si. Enquanto o ‘Catetinho’, com sua volumetria de geometria simples e
dimensões pequenas, apresenta a função institucional prática para que foi construído; o
centro de Convivência e Restaurante Universitários, em seu programa múltiplo e complexo,
como grande espaço de encontro, é dividido em dois grandes blocos articulados entre si; e
na Capela Ecumênica, o espaço sagrado e simbólico, opta-se pela centralidade e tipologia
diferenciada.

Quanto à técnica construtiva, o uso do sistema estrutural em pilar-viga-laje em concreto e a


exploração dos materiais em seu estado natural são constantes nos projetos. É no desenho
pormenorizado dos elementos, da estrutura a esquadrias, que a escala do detalhe revela
sua importância na arquitetura de Schwab, seja no desenho diferenciado dos pilares
externos do ‘Catetinho’; no acabamento chanfrado dados às lajes do centro de Convivência
e Restaurante Universitários; ou nas formas expressivas dos elementos estruturais e da laje
da Capela Ecumênica. Este cuidado também é registrado no desenho e modulação das
esquadrias, vezes atingindo a escala 1:1 de projeto. Assim, pode-se relacionar diretamente
a atenção ao detalhe construtivo à expressão plástica final da obra.

Apesar dos projetos apresentados assumirem volumetrias e formas bastante diferentes, de


proporções diversas, reconhece-se uma expressão estética bastante racional. As soluções
parecem respostas diretas às potencialidades do programa, mas também são compostas
pelo caráter plástico atribuído às soluções técnicas e estruturais através de um desenho
particular. Caracterizam-se pela exposição da lógica estrutural da edificação e do emprego
dos materiais em seu estado bruto, destacando-se, pois, pela “franqueza tectônica” dos
volumes. Em seus projetos, são constantes a atenção ao sítio, ao programa e ao detalhe
construtivo, que, somados aos princípios racionalistas preservados da arquitetura moderna
e a uma variedade de inovações técnica-construtivas propostas, caracterizam a obra.

Por fim, ressalta-se, uma vez mais, a potencialidade da dimensão dos projetos não
construídos para reflexão em torno de uma determinada produção. Retomando a trajetória
da arquiteta junto à instituição e combinando a análise da obra construída e projetada,
reconhece-se uma ampla e versátil atuação, que ficaria esquecida se não fossem os
registros documentais, em imagens e escritos, que preservam parte dessa história,
reforçando a importância dos arquivos para as pesquisas de arquitetura.

Referências bibliográficas

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BORGO, Ivantir A. UFES: 40 Anos de História. 2. ed. Vitória: UFES, 1995.

COSTA, Eduardo Augusto. Mudanças epistemológicas na arquitetura: entre arquivos,


exposições e publicações. ESTUDOS HISTÓRICOS, v. 34, n.72, p. 129-147, jan./abr. 2021.

FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. 1. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.

INHAN, G; MIRANDA, C; ALBERTO, K.C. Rudolph Atcon e o planejamento do campus da


Universidade Federal do Espírito Santo. Oculum Ensaios, Campinas, v.13, n.2, p.237-254,
dez. 2006.

MENEGHEL, Julia Pela. Documentação como resistência: inventário da obra de Maria do


Carmo Schwab. In: Simpósio Científico Icomos 2019 - Espírito Santo, 1., 2019, Vitória. Anais
eletrônicos do 1° Simpósio Científico Icomos 2019 - Espírito Santo. Vitória: Universidade
Federal do Espírito Santo, 2019. Disponível em:
https://www.even3.com.br/anais/icomoses2019/. Acesso em agosto de 2021.

MIRANDA, Clara Luiza. A arquitetura moderna brasileira: experiência e expectativa de


modernização do Espírito Santo. In: SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 9., 2011, Brasília.
Anais eletrônicos do 9º Seminário Docomomo Brasil: Interdisciplinaridade e experiências em
documentação e preservação do patrimônio recente. Brasilia: UnB-FAU, 2011. Disponível
em: https://docomomo.org.br/course/9-seminario-docomomo-brasil-brasilia/. Acesso em
agosto de 2021.

MURTA, Luciana Mello. Guia da Arquitetura Moderna Capixaba. 2000. 68f. Monografia
(Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.

FLORIO, Ana M. Tagliari. Os projetos residenciais não-construídos de Vilanova Artigas em


São Paulo. 2012. 403 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE UBERABA: INTERAÇÕES ENTRE A


IDENTIFICAÇÃO E DESCARACTERIZAÇÃO DE BENS CONSTRUÍDOS

Matheus Lopes Medeiros (matheuslmedeiros.arq@gmail.com)

Marilia Maria Brasileiro Teixeira Vale (mariliabtvale@yahoo.com)

As políticas públicas de proteção do patrimônio cultural executadas nas


instâncias locais ainda são recentes na maior parte dos municípios brasileiros.
Em Uberaba-MG, as ações de proteção se tornaram uma prática somente ao
final dos anos 1990, para se adequar as estratégias estaduais de preservação,
visando, sobretudo, os incentivos da Lei “Robin Hood” (Lei Estadual n. 12.040
de 1995). Hoje, a gestão de preservação do patrimônio cultural do município
está centralizada no Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba
(CONPHAU), órgão colegiado paritário, - composto por representantes do
poder público e da sociedade civil organizada, e na equipe técnica que o
assessora e executa suas deliberações, formada por historiadores, arquitetos,
engenheiros e estagiários. Contudo, embora a cidade possua um número
consideravelmente expressivo de imóveis reconhecidos por meio do Inventário
de Proteção do Acervo Cultural (IPAC), há uma contínua e severa degradação
de seu patrimônio construído. Ao observar que as ações realizadas pela gestão
do patrimônio estão mais diretamente relacionadas à documentação, - por meio
da elaboração de inventários, tombamentos e registros -, do que na aplicação
de estratégias para a preservação material dos imóveis já tutelados, e, tendo
em vista a importância de não se perder a memória visual e tátil, garantidas
pela preservação integral do bem, questiona-se, a partir das análises
apresentadas neste trabalho, a efetividade das ações de preservação aplicadas
pelo município. Foram analisadas as atividades da gestão de preservação, e
diagnosticadas as particularidades das demolições e descaracterizações em
patrimônios edificados da cidade, com o objetivo de compreender os desafios
da preservação em Uberaba para uma possível tomada de ações mais
precisas e eficientes, as quais poderão contribuir para outras cidades em
situação semelhante.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A DIMENSÃO DOS PROJETOS NÃO CONSTRUÍDOS: MARIA DO CARMO


SCHWAB NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO.

Julia Pela Meneghel (juliapelam@gmail.com)

A dimensão dos projetos arquitetônicos não construídos amplia,


significativamente, a reflexão em torno de uma determinada produção, sendo
importante considera-los como partes integrantes do conjunto da obra do
arquiteto para, assim, auxiliar na compreensão da sua atuação como um todo.
Neste artigo, toma-se como objeto de estudo a produção da arquiteta Maria do
Carmo Schwab para o campus da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), compreendendo os projetos construídos e propostos. Não obstante
seu pioneirismo enquanto arquiteta mulher e capixaba e sua ampla atuação
entre as décadas de 1950 e 1980, registrando-se mais de 240 projetos
realizados, ainda é restrita a discussão científica acerca da sua obra,
especialmente aquela de tipologia institucional. Além disso, apesar de ter
participado desde as discussões iniciais envolvendo a instalação do campus
universitário na cidade de Vitória, pouco se debate sobre sua ampla atuação na
instituição, focando-se, recorrentemente, em apenas uma de suas propostas.
Assim, o presente artigo objetiva expandir a discussão acerca da produção
institucional de Maria do Carmo Schwab, bem como a divulgação de material
documental de pouca notoriedade no contexto local e nacional. Pretende-se,
ainda, através de uma análise comparativa entre obra executada e projetos não
construídos, reconhecer as diferentes abordagens projetuais da arquiteta,
tomando como referenciais de análise o lugar, o programa, a técnica
construtiva e as soluções formais. Para tanto, realiza-se revisão bibliográfica
acerca do tema, tentando compreender a participação de Schwab no processo
de consolidação do campus, seguida por uma análise comparativa entre três
projetos desenvolvidos pela arquiteta – o Escritório de Campo ‘Catetinho’
(1967), o centro de Convivência e Restaurante Universitário (1976) e a Capela
Ecumênica (1980), os dois últimos não executados. A pesquisa bibliográfica em
conjunto com a realização de entrevistas e levantamento documental junto a
acervos públicos e privados constituem o suporte metodológico deste trabalho.
Inclusive, a iconografia levantada, especialmente no arquivo da Prefeitura
Universitária e naquele organizado pela Professora Clara Miranda, assume
protagonismo na discussão, revelando uma série de estudos propostos pela
arquiteta, alguns até então desconhecidos, e, assim, ressaltando a relevância
do arquivo documental para investigação, reconhecimento e preservação do
patrimônio arquitetônico. Ao contrapor obra construída e projetada, observa-se
a versatilidade de Maria do Carmo Schwab, cujas diferentes abordagens,
reveladas nas diversas escalas de projeto, respeitam as especificidade ao
mesmo tempo que garantem a qualidade técnica-construtiva característica de
sua obra. Além disso, permite o reconhecimento de sua atenção à completude
do projeto universitário, transitando entre as escalas urbana, do edifício e do
detalhe e fazendo-se valer do repertório moderno para desenvolver sua
identidade projetual.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

QUADRO DA URBANIZAÇÃO CEARENSE NA SEGUNDA METADE DO


SÉCULO XIX. ESPACIALIZAÇÃO DO “ENSAIO ESTATÍSTICO DA
PROVÍNCIA DO CEARÁ” DE THOMAZ POMPEO DE SOUZA BRASIL

Pedro Fernandes Pinheiro (pedrofernandesp@arquitetura.ufc.br)

Clovis Ramiro Jucá Neto (clovisjuca@gmail.com)

O artigo apresenta o exercício de cartografia retrospectiva da urbanização do


território cearense na metade do século XIX. Entende-se por cartografia
retrospectiva, mapas resultantes da espacialização de fontes primárias escritas
ou a partir da vetorização da cartografia histórica. Os dados cartografados
compõem o Ensaio Estatístico da Província do Ceará (1863) elaborado por
Thomaz Pompeu de Souza Brasil. O Ensaio sistematiza amplo conjunto de
informações e dados sobre a província.

A ausência de pesquisa sistemática sobre o processo de urbanização do Ceará


durante os oitocentos justifica a análise. Muito já foi escrito sobre a urbanização
setecentista, mas são quase inexistentes escritos sobre o século XIX. Como
referencial teórico sobre o processo de urbanização brasileiro nos apoiamos
em Nestor Goulart Reis e Beatriz Bueno. Com Reis entendemos a urbanização
como processo social, materializado em rede de núcleos hierarquicamente
conectados no território. Nesta perspectiva, cada núcleo terá sua função na
rede urbana. Em diálogo com Reis, pensamos Beatriz Bueno e sua proposição
sobre uma arqueologia da paisagem. Ainda com Bueno, ampliamos a noção de
rede urbana. A cartografia proposta apresenta complexa rede urbana com
povoações, arraiais, vilas, cidades, sedes de freguesias (Igrejas matrizes) e
sedes de comarcas. A cartografia evidencia uma Província amplamente
interligada na escala do território - tanto internamente como com as demais
Províncias do Norte. A importância da espacialização de fontes primárias e
secundárias encontra suporte teórico nas reflexões da Geografia Histórica em
Pedro de Almeida Vasconcelos e Mauricio de Almeida Abreu.

Metodologicamente, a elaboração da cartografia retrospectiva parte do


cruzamento das informações presentes no Ensaio Estatístico e da vetorização
da cartografia histórica. Trabalhamos a Carta Chorographica da Província do
Ceará (1861) de Pedro Theberge, o mapa atual do Ceará com informações de
satélites, o Diccionario Geographico Histórico e Descriptivo do Estado do Ceará
de Gurgel de Alencar (1903/1939) e a base cartográfica do IBGE. Após a
identificação dos pontos de fixação no território, georreferenciamos por meio do
software QGIS as informações coletadas. Com esse conjunto de dados
realizamos a investigação mirando a localização real dos lugares descritos no
Ensaio e suas conexões territoriais, partindo da sobreposição dos dados
espacializados. O Software QGIS permite a organização das informações em
camadas diferenciadas, o que possibilita a elaboração de diversas
combinações dos dados, resultando em cartografias diversas. Foram
espacializados 155 lugares da província, entre eles 38 povoações, 31 arraiais,
18 vilas, 9 cidades e 36 sedes de freguesias, compondo substancial base de
análise para o processo de urbanização do Ceará no século XIX.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

CARLOS EKMAN E SÃO PAULO: A BIOGRAFIA COMO MÉTODO PARA A


HISTORIOGRAFIA DO ECLETISMO

Marina Rodrigues Amado (marinamado@gmail.com)

O período do ecletismo na arquitetura vem passando por uma revisão


conceitual na historiografia nacional e internacional. Busca-se desfazer
preconceitos e o julgamento (pejorativo) que sempre recaiu sobre ele. Uma das
maneiras de avançar nesse sentido é explorar interpretações que levem em
conta outras noções para além da estética e da forma, que, recorrentemente
mobilizadas, no caso do ecletismo, quase sempre contribuíram para reforçar
ideias generalizantes. É comum na historiografia da arquitetura explorar
trajetórias e obras de personagens do campo das construções, sobretudo
arquitetos. Mas no que tange ao ecletismo, apesar de trabalhos pioneiros que
revelaram a produção de nomes como Ramos de Azevedo, Victor Dubugras e
vários outros autônomos, ainda são poucos aqueles que atuaram
profissionalmente em São Paulo de fins do século XIX ao início do século XX
que tiveram seu papel reconhecido. O arquiteto sueco Carlos Ekman costuma
ser lembrado pelo projeto e construção da Vila Penteado. O pioneirismo do uso
do estilo art nouveau em residências no Brasil, somado ao entendimento e à
valorização deste como uma suposta transição para o modernismo, ao mesmo
tempo em que marcou o nome de Ekman na história da arquitetura, também
restringiu os estudos sobre sua obra a um único exemplar. Investigando mais a
fundo, porém, sua biografia (a partir da análise de sua formação, trajetória,
inserção social e profissional, além das próprias obras) percebe-se que a maior
riqueza de sua extensa e variada produção arquitetônica está justamente na
forma como ele se apropria de abordagens da arquitetura do ecletismo em
suas relações com as demandas e imposições locais e com a sua experiência
de vida. Os preceitos ecléticos circularam internacionalmente, bem como
materiais de construção e publicações especializadas, e estavam disponíveis e
abertos a variadas formas de apropriação e interpretação, conforme as
circunstâncias e os agentes. Boa parte desses profissionais da construção,
como as pesquisas mostram, estavam interessados sobretudo na
experimentação, frequentemente inventando e ousando nas soluções
propostas. Cada obra resultava, assim, sempre única e, ao mesmo tempo,
híbrida. Este artigo propõe que um dos caminhos profícuos e interessantes de,
pouco a pouco, expor e problematizar a riqueza das obras e experiências que
envolveram o ecletismo em São Paulo, é considerá-lo a partir de sua dimensão
coletiva e heterogênea, da qual participaram diversos personagens, com
origens, inserções e atuações distintas – ao contrário de tentar enquadrá-lo em
uma noção fechada de “estilo”. Essa heterogeneidade demanda uma
consideração por meio do caso a caso, do que há de particular e específico na
atividade cotidiana de cada profissional em suas relações com outros agentes
envolvidos na produção da cidade. Examinar, então, suas “biografias” permite
interpretar tal arquitetura a partir de suas próprias questões e embates,
fundamentais para nossa cultura arquitetônica até hoje.
EIXO TEMÁTICO 4: A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

A VISUALIZAÇÃO DE DADOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL


BRASILEIRO E A NARRATIVA DA MEMÓRIA (1938-2018)

GOMES, CAMILLA (1)

1. Fundação Getulio Vargas. Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do


Brasil, FGV-CPDOC.
Praia de Botafogo, 190, 14º, Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil.
E-mail: gomescamilla.arq@gmail.com

RESUMO
O artigo visa investigar a construção da Memória Nacional a partir dos tombamentos de bens
culturais de natureza material. A partir da coleta da base de dados, a Lista dos Bens tombados e
processos em andamento (1938-2018), tabela disponível no portal do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), que contém cerca de 2270 processos de tombamento, incluindo a
totalidade dos bens tombados (aprox. 1200), como também processos em andamento ou indeferidos,
faz-se uma análise quantitativa, espaço-temporal dos tombamentos realizados nos oitenta anos de
atuação do IPHAN. Mais do que um balanço da política de tombamento, a pesquisa lança um olhar
sistêmico sobre a herança cultural brasileira para analisar esses dados a partir da ferramenta de
análise da Visualização de Dados (InfoVis), ramo da Ciência de Dados. Desde a estruturação da
informação, do processamento da tabela e da utilização de softwares como Google Data Studio, é
possível construir gráficos, mapas e linhas do tempo que tornam possível a visualização da
informação de maneira mais elucidativa, tornando possível a análise espaço-temporal e sua relação
com a narrativa da Memória Nacional.
Palavras-chave: Memória Nacional; Tombamento; Patrimônio Cultural; Visualização de Dados.

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06 a 08 de outubro de 2021
A Visualização de dados do Patrimônio Cultural Brasileiro e a
Narrativa da Memória (1938-2018)

O Patrimônio e a Memória

A narrativa da Memória Nacional está relacionada a diversos símbolos, signos, e mesmo


“âncoras” (Assmann, 2011), os quais são portadores materiais da história e da memória que
representam. A narrativa da Memória está também politicamente relacionada à
“sociogênese” do Estado (Chuva, 2009), e à invenção da Nação e da Identidade Nacional.
A ideia de Memória Nacional é abrangente e abstrata. Abrangente porque vai englobar
manifestações culturais representativos da Nação, que podem ser materiais, imateriais,
artísticas, das mais diversas naturezas de cultura, mas que, em comum, têm o poder de
representar o que é brasileiro. Abstrata porque se ancora numa noção também abstrata, a
comunidade imaginada (Anderson, 2008) a que chamamos de Nação.
Dentro deste universo dos símbolos que representam a Memória Nacional, o Patrimônio
Cultural de natureza material é, sem dúvida, um importante grupo de objetos, lugares,
paisagens que representam essa construção narrativa da Memória, visto que são objetos
reconhecidos, protegidos e patrimonializados pelo órgão federal de proteção ao patrimônio,
o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Em sendo um órgão ligado ao Estado, podemos lançar a ideia de que a narrativa de
Memória que se constrói pelo IPHAN a partir dos bens culturais tombados é uma narrativa
de caráter oficial que representa o que é entendido como Nacional pelo próprio Estado. “O
Estado manipula a categoria de Memória Nacional no interior de um quadro de
racionalização da sociedade. Esta memória [...] se impõe como memória coletiva, isto é,
como mito unificador do Ser e da sociedade brasileira.” (Ortiz, 1985, p. 124)
Em sendo o Patrimônio Cultural esse constructo social mnemônico, Pollak trata dos “pontos
de referência que estruturam nossa memória”, e identifica entre eles o patrimônio
arquitetônico, as paisagens, os monumentos:
Em sua análise da memória coletiva, Maurice Halbwachs enfatiza a força
dos diferentes pontos de referência que estruturam nossa memória e que a
inserem na memória da coletividade a que pertencemos. Entre eles incluem-
se evidentemente os monumentos, esses lugares da memória analisados
por Pierre Nora, o patrimônio arquitetônico e seu estilo, que nos
acompanham por toda a nossa vida, as paisagens, as datas e personagens
históricas de cuja importância somos incessantemente relembrados, as

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06 a 08 de outubro de 2021
tradições e costumes, certas regras de interação, o folclore e a música, e,
por que não, as tradições culinárias. Na tradição metodológica
durkheimiana, que consiste em tratar fatos sociais como coisas, torna-se
possível tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores
empíricos da memória coletiva de um determinado grupo, uma memória
estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também
que, ao definir o que é comum a um grupo e o que, o diferencia dos outros,
fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras
socioculturais. (Pollak, 1989, p. 3)

Os bens culturais de natureza material são, portanto, esses pontos de referência que
estruturam a Memória Nacional, assim como representam o pertencimento comum a uma
coletividade que, ainda que abstrata, nos alcança na formação de nossa cidadania,
sobretudo através da educação formal.

Através do marco legal do tombamento, o IPHAN protege e patrimonializa esses objetos,


lugares, paisagens, sítios. O entendimento de como a política de tombamento é
implementada ao longo das oito primeiras décadas de atuação do Instituto é essencial para
fazer apontamentos de como acontece esse o processo de construção narrativa da Memória
e Identidade nacionais a partir do processo de patrimonialização dos bens culturais. O
Patrimônio representa a Memória Nacional, que é, por sua vez, uma operação narrativa,
política e abstrata sobre o Brasil e o brasileiro.

Compreender o universo de bens culturais tombados, sua distribuição territorial, por estado
e região, o número de tombamentos realizados ano a ano, sua classificação tipológica, tudo
isso nos leva, então, a um entendimento mais holístico da relação entre o Patrimônio e a
Memória.

Metodologias e Fontes

Para compreender esse recorte temporal de oito décadas, o passo inicial foi utilização da
Lista de Bens Tombados e Processos de Tombamento do IPHAN como fonte primária e
base de dados. A Lista foi publicizada através do Portal do IPHAN e está disponível para
download.

A técnica utilizada no entendimento e processamento dessa base de dados foi a


Visualização de Informações (Information Visualization – InfoVis), que vem da Ciência de
Dados e pode ser aplicada a muitas áreas do conhecimento, por se tratar de uma estratégia
quantitativa de sistematização de dados e geração de informação gráfica, como mapas,
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linhas do tempo e gráficos diversos. Dessa maneira, através da utilização do software de
visualização de dados, o Google Data Studio, foi possível processar esses dados, entendê-
los de forma gráfica e utilizar as visualizações como ferramentas de análise, o que permitiu
a realização de uma análise de cunho espaço-temporal.

A visualização de dados, segundo Meirelles (2013, p. 13), “pode ser considerada um


‘artefato cognitivo’, de modo que pode complementar e reforçar nossas habilidades
mentais.” A autora diz que a visualização de dados é subjacente aos princípios cognitivos,
podendo nos ajudar a: “registrar a informação, transmitir significado, aumentar o potencial
de memorização, facilitar a pesquisa, facilitar a descoberta, apoiar a inferência perceptiva,
melhorar a detecção e o reconhecimento, fornecer modelos teóricos e práticos da realidade
e permitir a manipulação dos dados.”

Essa estratégia metodológica foi uma forma de analisar historicamente a distribuição


territorial dos bens culturais, assim como o que as categorias em que estão classificados os
bens representam para o entendimento global do Patrimônio Cultural e sua relação
intrínseca com a Memória Nacional.

Análises e Leituras possíveis

A Lista de Bens tombados e processos em andamento do IPHAN, tomada aqui como fonte
primária e base de dados, traz uma classificação para os bens culturais que é chamada
“classificação quanto a forma de proteção”, que significa que é uma classificação que o
IPHAN estabelece para melhor compreender o objeto patrimonializado e que forma de
tratamento ele terá na preservação, manutenção e proteção legal que o tombamento lhe
confere. A Lista traz informações sobre os processos em andamento como também
processos indeferidos, mas ao filtrar apenas os bens culturais tombados e já registrados nos
Livros do Tombo, considerando o recorte temporal 1938-2018, tem-se o universo de 1.195
bens culturais tombados. Tomando essa classificação como base para esta pesquisa, temos
a distribuição percentual ilustrada no gráfico abaixo:

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Figura 1- Gráfico Pizza mostrando o percentual de bens tombados por categoria enquanto forma de
proteção. Fonte: Elaborado pela autora a partir da metodologia de InfoVis.

Pela imagem, onde podemos enxergar as porcentagens maiores, as categorias menores


são: Conjunto Rural (2,7%); Ruínas (2,5%); Coleção e acervo (2,2%); Patrimônio natural
(1,7%); Jardim Histórico (1,2%); Terreiro (0,8%); Sítio arqueológico (0,5%) e as categorias
de Bem paleontológico e Quilombo, ambas representando 0,1% do Patrimônio nacional.

O que os dados nos mostram é a disparidade entre as categorias Edificação, Edificação e


Acervo e as demais categorias. Juntas, essas duas categorias constituem dois terços da
totalidade de bens culturais tombados de 1938 a 2018, o que nos aponta para a
compreensão de que a Instituição considera, de forma expressiva, que edificações são
símbolos da Memória Nacional, mais do que qualquer outra forma de materialidade de bens
culturais. Quando comparamos com as categorias Terreiro (0,8%) e Quilombo (0,1%),
percebemos que as categorias diretamente relacionadas a representação da memória de
resistência negra e de religiões de matriz africana são pouco expressivas, na visão do
IPHAN, para a constituição do conjunto da herança cultural da Nação.

É interessante olhar para a totalidade dos bens tombados e enxergar quais categorias são
consideradas mais expressivas no conjunto do Patrimônio Cultural brasileiro. A
materialidade das igrejas, das casas, também tem a ver com a visão que se tem do
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Patrimônio Cultural respectiva a cada época. Obviamente, esse gráfico não traz a dimensão
temporal para a análise, e é essencial entender que a perspectiva do que é considerado
Patrimônio nacional pela Instituição varia de acordo com o desenrolar dessa história, de
acordo com os diferentes momentos políticos e ideológicos vividos pelo próprio Instituto.

Durante muito tempo o objeto arquitetônico foi sacralizado e monumentalizado como os


representantes da nossa herança como Nação, e essa perspectiva só vai se alargar com o
decorrer do tempo e dada a mudança de mentalidade e contexto.

Sobre esse alargamento paulatino do que o Instituto entende como Patrimônio Cultural e
que é essencial para entendermos a disparidade entre as categorias de bens culturais
tombados, Fonseca (1997) analisa dois principais momentos na política de tombamento do
Brasil, sendo os anos 1970 o ponto de inflexão para essa mudança, devido a nova
perspectiva no entendimento de cultura, “nas mudanças institucionais que ocorreram a partir
dos anos 70, com a entrada em cena de novos atores, a adoção de uma concepção ampla e
abrangente de cultura, o ensaio de novas formas de proteção e, sobretudo, uma proposta de
democratização da política de patrimônio em nível federal.” (Fonseca, 1997, p. 79.)

É também importante notar que a visualização dessa porcentagem é um olhar


contemporâneo para um processo de acumulação feito ao longo de oitenta anos, e que,
portanto, tem reflexos dos mais diversos momentos históricos e sobretudo das gestões e
diferentes perspectivas políticas dentro da Instituição.

Quando escreve “O mapa do Brasil passado”, Rubino (1996) analisa os bens culturais
tombados entre 1937 e 1967 e investiga as seguintes categorias organizadas numa tabela:
Bens móveis; Conjuntos; Arquitetura urbana; Arquitetura rural; Arquitetura ligada ao Estado;
Arquitetura religiosa; Arquitetura militar; Parques/áreas naturais; Ruínas/remanescentes;
Fontes/chafarizes; Detalhes; Pontes/arcos e Outros. (Rubino, 1996, p.98)

Notemos que as categorias trabalhadas na presente pesquisa são diferentes das utilizadas
por Rubino, embora as análises sejam similares. É importante notar como a forma de
classificação também traduz um novo entendimento da Instituição em relação aos bens
tombados. As categorias das Arquiteturas (religiosa, militar, rural etc.) caberiam toadas em
Edificação e Edificação e Acervo, sendo a diferença que a classificação mais atual nos
ajuda a entender que quando uma edificação é tombada com seu acervo, como no caso de
igrejas, nada pode ser alterado, inclusive em seu interior. Ao contrário, quando é tombada
como Edificação, pode ser apresentado projeto de reforma interna ao Instituto, para análise
e possível aprovação. Assim, as duas classificações se diferenciam porque a primeira
considera a natureza da arquitetura e o que ela representa, a mais atual está relacionada a
forma de proteção.
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É necessário ir a fundo dentro dessas categorias para entender de que forma o conceito de
Memória se aplica a cada uma desses conjuntos de bens culturais. Por exemplo, a categoria
de Edificação e acervo é composta sobretudo por igrejas, mosteiros e conventos das mais
diversas ordens religiosas, além de casas de pessoas que foram importantes para a História
do país, a exemplo da casa de Chico Mendes ou a casa onde viveu Prudente de Moraes.
Um olhar mais profundo sobre essa categoria deve escrutinar o que cada bem cultural
significa para a História e Memória nacionais, o que ele representa, e por que foi
considerado digno do tombamento. No caso de um conjunto de bens culturais da mesma
ordem religiosa ser tombado, podemos levantar a hipótese de que a História daquela ordem
religiosa e sua participação na colonização e desenvolvimento urbano são considerados
expressivos para a História pátria.

No caso do gráfico percentual, é importante enxergar e interpretar a disparidade numérica


entre as categorias. O fato de um terço da totalidade de bens tombados estarem
relacionados a memória das ordens religiosas e da construção de templos católicos no
Brasil tem muito a dizer sobre a construção política dessa memória, já que em selecionando
e valorando esses bens o Instituto está, na verdade, criando uma narrativa de Nação. Chuva
afirma que “A um só tempo, o patrimônio é representado, metaforicamente, como as bases
concretas de sustentação da “identidade nacional”, assim como confere objetividade à
Nação por meio de sua materialização em objetos, prédios, monumentos etc.” (Chuva, 2009,
p.44)

Outro terço dos bens tombados é subdividido entre as demais categorias, sendo conjuntos
urbanos, conjuntos arquitetônicos, jardins históricos, patrimônio natural, quilombos, terreiros,
sítios arqueológicos, bens paleontológicos, ruínas, infraestrutura urbana, bens móveis ou
integrados e coleções e acervos.

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Figura 2- Gráfico de barras mostrando a distribuição bens tombados por categoria enquanto forma de
proteção nos estados brasileiros no ano de 1938. Fonte: Elaborado pela autora a partir da
metodologia de InfoVis.

Este gráfico mostra os tombamentos realizados no ano de 1938 pelo então SPHAN (Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), trazendo a distribuição dos tombamentos pelos
estados para a análise, mostrando as categorias e a quantidade de bens tombados em cada
categoria. Cientes de que estamos utilizando categorias contemporâneas para analisar os
tombamentos realizados quando essa classificação não existia, podemos ver que as
categorias quilombo, terreiro, sítio arqueológico e bem paleontológico não aparecem nesse
primeiro momento. Três dessas categorias só vão aparecer depois de 1986, como veremos
a seguir na visualização da linha do tempo.

Por enquanto, podemos inferir por este gráfico que os estados tidos como prioritários nos
primórdios da política de tombamento são dois estados que foram capitais brasileiras, Bahia
e Rio de Janeiro (que no momento do tombamento era a capital federal), e dois estados
representantes de importantes ciclos econômicos na História Nacional, como Pernambuco,
representante do ciclo de açúcar e Minas Gerais, representante do ciclo do ouro.

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O único estado em que conjuntos urbanos foram tombados é Minas Gerais, o que denota
um entendimento talvez pioneiro do Patrimônio Cultural nacional. Cidades inteiras foram
tombadas por serem consideradas representantes não só do ciclo econômico do ouro, mas
como um bem que tem atributos artísticos e estilísticos do barroco brasileiro.

As primeiras ações do Patrimônio nos centros tombados tratavam a cidade


como expressão estética, entendida segundo critérios estilísticos, de valores
que não levavam em consideração sua característica documental, sua
trajetória e seus diversos componentes como expressão cultural e parte de
um todo socialmente construído. Esta abordagem resultou numa prática de
conservação orientada para a manutenção dos conjuntos tombados como
objetos idealizados, distanciando-se das contingências reais na preservação
daquele tipo de bem. (Motta, 1987, p. 108)

No entendimento desses conjuntos urbanos, é interessante contrapor essa classificação


contemporânea proposta pelo IPHAN aos Livros do Tombo e entendê-las cada qual em seu
contexto de produção. Quando tombados, esses bens foram registrados nos Livros do
Tombo segundo os valores a eles atribuídos. Em 1938, foram tombados os centros
históricos de Diamantina, Serro, Tiradentes, São João del Rei, Mariana e Ouro Preto no
estado de Minas Gerais. Todos esses bens foram registrados no Livro do Tombo das Belas
Artes, o que indica que o valor atribuído aos bens em ocasião do registro era sobretudo o
valor artístico.

Entendê-los como conjuntos urbanos na classificação mais contemporânea do IPHAN


mostra uma perspectiva que visa entender que tipo de proteção é assegurada àquele bem
cultural para fins de gestão, restauro e conservação. Não significa, entretanto, que o
entendimento do IPHAN ao tombar aqueles conjuntos urbanos em 1938 era o mesmo
entendimento que temos hoje. Por isso, é importante pontuar que essas são classificações
diferentes, o Livro do Tombo e a Classificação enquanto forma de proteção nascem em
momentos e contextos diversos e com propósitos distintos.

O tombamento desses conjuntos urbanos é um entendimento que reflete o que estava se


pensando no contexto internacional no campo do Patrimônio cultural, nas ideias de Ruskin,
Morris e especialmente nas ideias precursoras de Gustavo Giovannoni. “A arquitetura menor
torna-se parte integrante de um novo monumento, o conjunto urbano antigo: ‘Uma cidade
histórica constitui em si um monumento, quer pela sua estrutura topográfica, quer pelo seu
aspecto paisagístico, quer ainda pelo carácter de suas vias e pelo conjunto dos seus
edifícios maiores e menores. [...]’” (Choay, 2001, p.150)

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Figura 3 - Gráfico de barras empilhadas mostrando a distribuição bens tombados por categoria
enquanto forma de proteção nos estados brasileiros. Fonte: Elaborado pela autora a partir da
metodologia de InfoVis.

A figura 3 nos informa o número de bens tombados por estado da federação e sua
distribuição nas respectivas categorias quanto a forma de proteção. O Rio de Janeiro, em
tendo sido a capital federal durante quase dois séculos, sendo sede do governo em suas
várias diferentes formas ao longo da História do Brasil, da Colônia à República, palco de
importantes reformas urbanas e testemunha do nascimento do Brasil moderno, a cidade foi
também capital do país durante a atuação do IPHAN entre 1937 e 1960, o que explicaria
tamanha atenção dada à herança que a cidade tem. No gráfico, é possível ver a distribuição
dos tombamentos nas categorias quanto a forma de proteção, e o Rio é a cidade com mais
Edificações tombadas no país.

Com bem destaca Bicalho (2013), ao encontrar, em pesquisa ao Arquivo Histórico


Ultramarino, uma carta do governador de São Paulo ao futuro Marquês de Pombal, datada
de 1765, destacando a importância da cidade do Rio de Janeiro como capital da colônia
portuguesa.

Por ser cabeça do Estado do Brasil e centro de articulação de fronteiras,


territórios, redes de interesses e negócios no Atlântico Sul, cabia à cidade
do Rio de Janeiro a defesa do patrimônio, tanto régio, quanto de seus
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vassalos ultramarinos. Não custa lembrar as palavras de D. Luiz Antônio de
Souza, reproduzidas no início deste artigo. A seu ver o Rio de Janeiro era a
“chave deste Brasil”, “uma das pedras fundamentais em que se afirma a [...]
Monarquia, e em que [se] segura uma parte muito principal das suas forças
e riquezas”. (Bicalho, 2013, p.20)

O Rio de Janeiro é também o estado que tem mais Jardins Históricos, Patrimônios Naturais
e Conjuntos Rurais tombados.

Em seguida, conforme mostra o gráfico, Minas Gerais é o estado com mais bens na
categoria Edificação e Acervo tombados do país, muito devido à sua representatividade no
Barroco brasileiro, visto que as edificações tombadas com seu acervo são, em geral, igrejas,
mosteiros e conventos. A importância do Barroco mineiro é destacada pelo trabalho de
Robert Smith desde os anos 1930, a ver:

The essentially native Portuguese tradition, on the other hand, neglected but
never forgotten in the coastal cities, flourished in the interior capitania of
Minas Gerais. [...] Discovered at the end of the seventeenth century by
pioneer adventurers whose bandeiras swept up the river valleys form São
Paulo e Bahia, these mines poured out the wealth that was supporting the
extravagant court at Lisbon while financing at home a campaign of building
that constitutes the major architectural development of colonial Brazil.

The civilization of Minas Gerais was a purely eighteenth-century


accomplishment. [...] Our study, therefore, will concern itself with the period
of the eighteenth century, when throughout the Portuguese world the
Baroque style was defining its last and most expressive forms. (Smith, 1939,
p.114)

A tradição Portuguesa essencialmente nativa, por outro lado, relegada, mas


nunca esquecida nas cidades costeiras, floresceu no interior da capitania de
Minas Gerais. [...] Descobertas no fim do século XVII pelos pioneiros
bandeirantes cujas missões varreram rios e vales de São Paulo a Bahia,
essas minas proporcionaram a riqueza que sustentava a extravagante corte
de Lisboa enquanto financiavam em casa uma campanha construtiva que
constituiu o maior desenvolvimento arquitetônico do Brasil colonial.

A civilização de Minas Gerais foi uma conquista do século XVIII. [...] Nossos
estudos, portanto, vão se concentrar no período do século XVIII, quando em
todo o mundo português o estilo Barroco foi definindo as suas formas
últimas e mais expressivas. (Smith, 1939, p.114) (tradução livre)

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Já na Bahia, o terceiro estado em número de bens culturais tombados, a concentração de
terreiros tombados revela o que Chuva (2009) chama de “uma característica essencial da
ideia de patrimônio: sua materialidade e sua localização no espaço” (Chuva, 2009, p. 65), e
é muito significativo que esse estado tenha e mantenha as raízes dos espaços sagrados de
matriz africana, que são, essencialmente, espaços de resistência da memória e da cultura
do povo negro.

No Setecentos, a presença do africano nas lavouras baianas e


pernambucanas já era superior à do nativo. Invariavelmente, a reposição
desta mão-de-obra se dava via tráfico atlântico. Dentro desta lógica
econômica, o porto de Salvador, na Bahia, desempenhou papel
imprescindível na importação de africanos e no abastecimento de escravo
aos mercados regionais do Nordeste e demais áreas do interior do Brasil,
tornando-se um dos principais portos negreiros das Américas. (Ribeiro,
2006, p. 2)

Além de ter sido a primeira capital da então Colônia portuguesa nas Américas, o que em si
demonstra o porquê do desenvolvimento urbano e arquitetônico que resultam na
acumulação de patrimônio edificado, Salvador da Bahia também registra número
significativo de edificações católicas, como igrejas, mosteiros e conventos, além de casas de
câmara e cadeira e conjuntos arquitetônicos importantes dos primórdios da colonização até
o desenvolvimento da cidade moderna.

Figura 4 – Linha do tempo cumulativa mostrando os tombamentos dos bens culturais ao longo dos
oitenta anos de atuação do IPHAN (1938-2018). Fonte: Elaborado pela autora a partir da metodologia
de Infovis.

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A linha do tempo, por sua vez, tem o potencial de nos fornecer informações importantes
relativas à periodicidade da Instituição e aos marcos e mudanças que ocorrem na
presidência e na perspectiva político-ideológica que rege as escolhas e definições da
política de tombamento. O desafio de analisar oitenta anos de processo histórico é não cair
no erro de entender esse processo como linear. É importante demarcar as mudanças
ocorridas na instituição, e entender a complexidade das descontinuidades e do contexto
extra-intitucional. Entender, por exemplo, o significado de cada diretoria é importante para
entender o processo de patrimonialização.1

Ao visualizar os oitenta anos da política de tombamento, as inferências que me chamam


atenção é, para além da óbvia disparidade dentre as categorias Edificação e Edificação e
Acervo em relação às outras categorias, como antes dito, três categorias só vêm aparecer
na linha do tempo muito depois das demais, como é o caso das categorias cujas linhas
estão no eixo X, Terreiro [linha vermelha], que tem sua primeira aparição em 1986,
Quilombo [linha azul ciano], aparecendo em 2002, e Bem paleontológico [linha rosa
magenta], com primeiro tombamento em 2011.

Isso nos faz refletir sobre a natureza desses bens culturais e o que eles representam para a
história e a memória nacionais. O que faz com que seu reconhecimento seja tão tardio em
relação às outras naturezas de bem cultural? Por que tamanha discrepância na quantidade
de bens tombados nessas categorias em relação às outras? São nove terreiros, um
quilombo e um bem paleontológico, num universo de 1.195 bens tombados.

Em agosto de 1986, o ―Terreiro da Casa Branca‖ (Ilê Axé Iyá Nassô Oká)
foi o primeiro centro de culto afro-brasileiro inscrito no Livro do Tombo
Histórico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Segundo o processo de tombamento do terreiro, a documentação existente
e a tradição oral permitem identificar o templo afro-brasileiro como o mais
antigo de Salvador e talvez do Brasil, com fundação datada de
aproximadamente final do século XVII. Identificado como local de prática de
candomblé originário da ―Nação Ketu, em referência ao lugar de origem
de seus principais fundadores, o terreiro instalou-se inicialmente em terreno
anexo à Igreja da Barroquinha, no Centro Histórico de Salvador, tornando-
se uma matriz de culto da qual outros terreiros brasileiros descendem.
(Silva, 2017, p.14)

1 Para uma leitura mais aprofundada nas atuações das diretorias do Instituto, ver: BAUER, Letícia Brandt: O
homem e o monumento : criações e recriações de Rodrigo Melo Franco de Andrade, 2015; SAPORETTI,
Carolina Martins: A gestão de Renato Soeiro na direção da DPHAN (Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) (1967-1979), 2017; LAVINAS, Laís Villela: Um animal político na cultura brasileira: Aloísio Magalhães e
o campo do patrimônio cultural no Brasil (anos 1966-1982), 2014.

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Entende-se que a memória é uma manipulação seletiva que brinca entre a lembrança e o
esquecimento. No caso de uma pretensa e abstrata Memória Nacional, estamos falando de
uma operação política de construção narrativa de Nação. A narrativa da Nação brasileira é
marcada por esquecimentos compulsórios de bens culturais relacionados a herança das
populações negra e indígena. Terreiros, quilombos, igrejas católicas da ordem do Rosário
dos homens pretos, lugares sagrados indígenas, todas essas memórias foram silenciadas
durante muitos anos na trajetória do processo de patrimonialização.

Essa construção narrativa de um Patrimônio que representa uma identidade nacional é


talvez ingênua ou, antes, nada inocente ao imaginar uma Nação formada por grupos étnicos
tão diferentes e sugerir uma amálgama étnica através do processo de miscigenação, como
se não houvéssemos construído a Nação numa economia escravista. “A noção de
mestiçagem engloba neste sentido outras ideias e vai travestir o significado de termos como
“democracia” e “liberdade”. Não é por acaso que os movimentos negros denunciam o
racismo do conceito de “democracia racial”.” (Ortiz, 1985, p. 94)

Na tentativa de identificar o “ser nacional”, o Instituto na verdade cria uma narrativa que
elege a memória branca de herança portuguesa como o Patrimônio nacional, apagando e
silenciando ou subrepresentando outras heranças. “O SPHAN elegeu um Brasil
antepassado que exclui alguns atores contemporâneos ao delimitar claramente de quem
“descendemos”. Não é um discurso da superioridade branca, lusitana e cristã conferido pela
detração do outro e sim ela sua exclusão [...]” (Rubino, 1996, p.103) Está mais do que na
hora de revisitarmos essa construção de Nação e trazer à luz aquilo que está na sombra do
esquecimento da história do Patrimônio nacional.

O Patrimônio Cultural de natureza material reconhecido e protegido pelo IPHAN ao longo de


mais de oitenta anos ainda é sobretudo o Patrimônio de Influência Portuguesa, e traz uma
cara do Brasil que é essencialmente branca, cristã, barroca. Outros patrimônios possíveis
devem ser cada vez mais reconhecidos para que se construa uma Memória de fato
brasileira: diversa, multicultural, multicolorida e que reconhece diferentes matrizes religiosas.

Observações não conclusivas

Desde a Introdução, este artigo busca relacionar bem as noções de Patrimônio e Memória
porque acredita-se que o patrimônio tombado representa uma Memória Nacional que,
enquanto narrativa, se torna oficial.

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A partir da análise de algumas visualizações de dados, gráficos e linhas do tempo, foi
possível fazer inferências e relacioná-las ao diálogo historiográfico que vem sendo
desenvolvido e debatido no campo do patrimônio.

Tomamos conhecimento da classificação estabelecida pelo IPHAN para compreender os


bens culturais e suas formas de proteção, compreendendo como os bens tombados se
distribuem percentualmente nessas categorias, e o que isso significa para o entendimento
global do processo de patrimonialização.

Também foi possível lançar um olhar sobre o ano de 1938 e os tombamentos realizados
então, compreendendo que estados e categorias foram priorizados pelo Instituto.

Vimos a distribuição por estados da totalidade dos bens tombados e como cada estado
distribui os bens tombados nas categorias, levando-nos a compreender os estados com
maior número de bens tombados e o que isso representa na atuação do IPHAN ao
reconhecer esses bens culturais. Foi possível estabelecer relações como Minas Gerais e o
Barroco implícito na categoria de Edificação e Acervo, Bahia e a categoria de Terreiros,
dentre outras.

A leitura da linha do tempo cumulativa nos propiciou o entendimento de como os bens


culturais foram sendo protegidos ao longo do tempo e de que forma o entendimento das
categorias nos ajudam a perceber o olhar do Instituto para a natureza de bens culturais que
estavam sendo protegidos. Por exemplo, as categorias de terreiro e quilombo são naturezas
de bem cultural que só vem a ser reconhecidas depois de 1985. A discrepância numérica
entre as categorias de Edificação e Edificação e acervo em relação às outras naturezas de
bem cultural também é importante dado para o entendimento da totalidade do patrimônio
tombado no Brasil e o que essa jogo de valores representa.

A narrativa construída pelo Instituto ao selecionar, valorar e proteger esses bens culturais é
uma construção de identidade e memória nacionais, e essa narrativa tem mostrado a
perspectiva dos vencedores, dos colonizadores, do patrimônio edificado que representa o
Portugal que se adaptou aos trópicos, a civilização cristã e civilizada que herda da
Metrópole seu DNA europeu.

Essa construção narrativa nos leva a considerar que é urgente buscar uma perspectiva
decolonial para repensar Patrimônio e Memória Nacional, buscando representar as diversas
memórias que compõem a Memória Nacional, sobretudo as memórias dos povos
escravizados e subalternizados no processo de construção da Nação.

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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO

A MODERNIZAÇÃO DO EDIFÍCIO ESCOLAR PAULISTA NA DÉCADA


DE 1930 NAS PÁGINAS DA REVISTA ACRÓPOLE

RUFINO, LUDIMYLLA VIEIRA (1); GOLDFARB, MARINA. (2) BRITO, CHARLIE


BROWN DANTAS (3) SILVA, MARIA SABRINA NÓBREGA DA (4)

1. Faculdade Santa Maria. Arquitetura e Urbanismo


504 BR-230, s/n - Bairro Cristo Rei, CEP 58900-000, Cajazeiras – PB.
ludimyllasharon@gmail.com

2. Faculdade Santa Maria. Arquitetura e Urbanismo


504 BR-230, s/n - Bairro Cristo Rei, CEP 58900-000, Cajazeiras – PB.
marinagoldfarb@yahoo.com.br

3. Faculdade Santa Maria. Arquitetura e Urbanismo


504 BR-230, s/n - Bairro Cristo Rei, CEP 58900-000, Cajazeiras – PB.
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RESUMO
A década de 1930, marca a modernização dos edifícios escolares do estado de São Paulo,
alavancada por uma comissão formada por profissionais de diferentes áreas: da construção civil, da
educação e da saúde, que defendiam a inserção de princípios da arquitetura moderna nos novos
projetos escolares. Estes novos edifícios escolares constaram em diversas publicações da Revista
Acrópole, importante periódico nacional na área de arquitetura, o que pode demonstrar o interesse
que tais edifícios tinham na época. O objetivo geral deste trabalho é investigar como Revista
Acrópole retratou as inovações da arquitetura escolar paulista nos anos de 1930. Para isso, foi
realizada uma pesquisa documental no acervo on-line da Revista Acrópole, seguida de seleção e
sistematização das notícias encontradas sobre a modernização dos edifícios educacionais paulistas
no recorte temporal estudado. A análise qualitativa das notícias encontradas pôde indicar que houve
diferentes motivos para a modernização da arquitetura escolar, tal como: a atualização aos novos
métodos pedagógicos, a implementação de novos ambientes como biblioteca, sala de leituras, salas
odontológicas, salas de exames, ginásio e campo de futebol, estes dois últimos devido a
obrigatoriedade da educação física. Além do mais, as notícias destacaram as novas técnicas e
materiais construtivos, como o concreto armado, elementos pré-fabricados, materiais de
revestimento, novas louças sanitárias, entre outros. Espera-se contribuir para preencher lacunas na
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historiografia da arquitetura escolar, ressaltando a pesquisa em periódicos como uma importante
fonte documental para o tema.

Palavras-chave: Arquitetura escolar; Edifícios escolares paulistas; Revista Acrópole.

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A modernização do edifício escolar paulista na década de 1930 nas
páginas da Revista Acrópole

Introdução

As primeiras décadas do século XX no Brasil, foram marcadas pela busca de


modernização do país. Na década de 1930, em especial, essa busca se torna parte do
projeto de desenvolvimento nacional, e para isso, era necessário melhorar os indicadores
sociais. Assim, em 14 de novembro de 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde
Pública, no início do governo provisório de Getúlio Vargas, governo que com a criação
desse ministério já mostra indícios do que seria marcado pela busca de melhorias nesses
dois âmbitos: da educação e saúde (HERSCHMANN; PEREIRA, 1994).

Em um período em que ainda havia diversas manifestações arquitetônicas


historicistas em voga, equipe de profissionais responsáveis por criar novos tipos de edifícios
escolares para São Paulo, após a reforma da instrução pública de 1933, concordou que o
partido arquitetônico a ser adotado nos novos prédios escolares deveria seguir a arquitetura
moderna. Seus princípios arquitetônicos seriam os que melhor se adequariam aos novos
métodos pedagógicos do movimento Escola Nova que seriam propostos, para promover um
ensino mais dinâmico, voltado ao educando, assim como um espaço mais salubre e
confortável aos alunos.

As novas edificações escolares resultantes do plano de construções desenvolvido


foram publicadas em matérias da Revista Acrópole, um dos mais importantes periódicos
especializados da área de arquitetura e urbanismo do Brasil, o que pode indicar o valor que
estas construções escolares tiveram em sua época. Assim, o objetivo geral deste estudo é
investigar como Revista Acrópole retratou as inovações da arquitetura escolar paulista nos
anos de 1930.

Metodologia

Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa, que seguiu os seguintes


procedimentos metodológicos: Primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre
os seguintes temas: arquitetura escolar paulista, modernização da arquitetura escolar,
periódicos especializados de arquitetura e a Revista Acrópole.
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A segunda fase foi a pesquisa documental, em que foi investigado o acervo online da
Revista Acrópole (Disponível em: <http://www.acropole.fau.usp.br/), importante periódico
brasileiro da área da arquitetura, em busca de notícias sobre as edificações escolares
paulistas construídas nas décadas de 1930. Depois, foi feita a sistematização das notícias
encontradas, sobre a modernização dos edifícios educacionais paulistas no recorte temporal
estudado.

Para maior controle sobre os dados da pesquisa, realizada toda através da internet
(a pesquisa foi iniciada e desenvolvida de modo remoto no segundo semestre de 2020,
devido ao isolamento social imposto pela pandemia do novo Coronavírus) houve a criação
de uma pasta compartilhada no Google drive para inserir as imagens salvas de notícias
relevantes que forem sendo encontradas, além de uma planilha colaborativa, para registro
das notícias. Por fim, foram analisadas as matérias selecionadas, agrupando-as segundo os
temas mais frequentes que envolviam a modernização das edificações descritos nas
notícias, e com isso, chegamos aos resultados descritos aqui.

A Revista Acrópole e sua relação com a arquitetura moderna brasileira

Os periódicos especializados na área de arquitetura e urbanismo tiveram um papel


importante para a difusão do Movimento Moderno no Brasil, principalmente em um momento
em que tal movimento ainda não estava consolidado. As revistas tiveram influência na
formação de um público específico, e aceitação das expressões modernas. Também tiveram
o papel de informar e promover a circulação de ideias e imagens, nesse período que a
formação dos arquitetos era ainda predominantemente vinculada às Escolas de Belas Artes,
trazendo informações técnicas necessárias as novas construções (NERY, 2013).

As revistas, apresentam o que era de interesse no momento, publicando os debates


que estavam em curso no fervor do momento. Conforme reforça Juliana Nery (2013, p.286):

O mergulho nas revistas especializadas dos anos 20 e 30 é um modo de


recuperar falas silenciadas, debates esquecidos e possibilitar uma
aproximação maior desse campo de forças na constituição e conformação
de um movimento arquitetônico significativo para o país, no mapeamento da
diversidade dos pensares e fazeres guardados nesses periódicos. (NERY,
286)

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Além disso, as revistas especializadas de arquitetura podem ser consideradas
documentos pré-canônicos, pois apresentam os fatos anteriores à constituição da trama
hegemônica da arquitetura moderna brasileira. “Por isso, oferecem um
material rico em informações e alguma reflexão, que embora não muito profunda,
apresentava o frescor das observações sem julgamentos prévios” (TINEM, 2010, p. 04).

Nas décadas de 1920 e 1930 havia oito periódicos de arquitetura produzidos no


Brasil em circulação: “Architectura no Brasil”, “A Construccção em São Paulo”, “A Casa”,
“Architectura e Construcções”, “Revista de Arquitetura”, “Arquitetura e Urbanismo”,
“Urbanismo e Viação” e “Acrópole”, que tiveram importância fundamental na renovação da
arquitetura local (NERY, 2013, p. 287).

A Revista Acrópole, foi o periódico de maior longevidade de circulação entre os


citados: foi inaugurada em 1938, e foi publicada em caráter mensal até 1971, totalizando 33
anos de publicação. O que a inscreve como “uma das mais importantes revistas brasileiras
de arquitetura do século XX” (NERY, 2013, p. 291). Sua trajetória, é marcada por duas
fases, referentes à quem estava à frente da direção da revista, inicialmente dirigida por
Roberto Correia Brito (1938 – 1952):

Pode-se considerar a existência de duas fases de evidente alteração na


editoração da revista Acrópole. A primeira, com o início das publicações da
revista, em maio de 1938, e a segunda, com a venda e alteração da direção
da revista para Max Gruenwald em setembro de 1952 (ALMEIDA, 2008, p.
98).

Para Almeida (2008), o primeiro período da revista, que é o pesquisado nesse


estudo, é marcado por publicações de caráter mais comercial e relacionadas à decoração,
comparado ao segundo período. Retratava correntes e manifestações arquitetônicas
diversas, retratando uma multiplicidade de vozes e opiniões. Nessa primeira fase, a maioria
dos projetos publicados (88,86%) foram construídos no Estado de São Paulo (OLLERTZ,
2007). A Revista Acrópole só foi passar a publicar uma quantidade mais significativa de
projetos modernos, além de divulgar seus agentes e iniciativas com mais ênfase, a partir
dos anos 1950, em sua segunda fase (SILVA, 2017).

Para São Paulo, local onde a Revista era editada, e onde foram construídos grande
parte de seus projetos publicados, ela foi responsável pela “disseminação mais ampla de
alguns valores da arquitetura paulista” (SEGAWA, 2010, p. 152). Assim, acreditamos que
também constitui fonte importante para pesquisa na área da arquitetura escolar paulista.

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A reforma educacional paulista de 1933 e suas prescrições para novos grupos
escolares

No estado de São Paulo, foi através da reforma da instrução pública proposta por
Fernando de Azevedo, quando ocupou o cargo de Diretor Geral do Departamento de
Educação do Estado de São Paulo, em 1933, que uma nova linguagem arquitetônica com
influência do vocabulário moderno foi inserida na arquitetura escolar.

Fernando de Azevedo coordenou e implantou em seu curto período de gestão (entre


janeiro e junho de 1933) um novo Código de Educação (Decreto n.º 5.884, de 21 de abril de
1933), que tinha o objetivo de unificar a legislação escolar do estado de São Paulo, e
adequá-la às novas exigências pedagógicas requeridas, instituindo um aprendizado pautado
nas premissas da Escola Nova (OLIVEIRA, 2007). Com o Código de Educação foi criado o
Serviço de Prédios e Instalações Escolares, que tinha como intuito propagar a nova política
das construções escolares, que deveriam possuir instalações pedagógicas adequadas, para
que se tornassem “centro de saúde e alegria, ambiente de educação estética e fator de
nacionalização (CÓDIGO ..., art.32, 1933 apud BUFFA, 2002, p.67).

O Serviço de Prédios e Instalações Escolares defendia que era necessário que as


escolas possuíssem instalações próprias adequadas ao novo tipo de ensino, e com
condições de salubridade adequadas, como modo de evitar a disseminação de epidemias
entre os estudantes. Tais problemas eram frequentes nas escolas em funcionamento até
então, muitas de forma inadequada, em prédios alugados, adaptados de outros usos. Esse
setor teria como função: a formulação de um plano de substituição de prédios alugados por
prédios próprios; a análise e elaboração de pareceres sobre as condições pedagógicas das
obras de construção, reforma ou adaptação de edifícios escolares; execução de desenhos
arquitetônicos e orçamentos de prédios para os diferentes níveis de ensino; a formação da
consciência da necessidade de dotar cada escola de edifício próprio, com condições
higiênico-pedagógicas adequadas. Essas ações seriam pautadas por estudos e dados da
situação escolar da época (OLIVEIRA, 2007).

Para atingir tais propósitos foi criada a Comissão Permanente de Prédios Escolares,
composta por um grupo de profissionais com formações variadas – arquitetos, engenheiros,
médicos, higienistas e educadores. Tal comissão desenvolveu um plano para adaptação e
construção de novas escolas, além de uma série de estudos para identificar como deveriam
ser os novos edifícios escolares, que foram publicados em 1936, pela Secretaria dos

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Negócios da Educação e Saúde Pública do Estado de São Paulo, sob o título "Novos
Prédios para Grupo Escolar" (GOLDFARB, TINEM, 2017).

A publicação "Novos Prédios para Grupo Escolar" (SÃO PAULO, 1936), era uma
espécie de manual para a construção dos novos grupos escolares. Representa a
necessidade da arquitetura escolar se especializar e se diferenciar de outros edifícios, já
que deveria ter características próprias para o desenvolvimento do aprendizado por meio da
pedagogia da Escola Nova. E o novo tipo de edifício deveria ser pensado de modo racional,
resultado de estudos (GOLDFARB, TINEM, 2017). Tais estudos foram organizados em um
volume composto por uma apresentação e mais dezesseis artigos:

Os seis primeiros artigos, apresentam o problema ao qual os estudos


contidos na publicação buscam solucionar, e quais os profissionais
especialistas que se dedicaram a esse feito. A partir do sétimo artigo até o
décimo, os textos abordam prescrições de caráter técnico construtivo,
voltadas à arquitetura escolar. Por fim, ainda apresenta quatro artigos sobre
as inovações do programa que as novas escolas deveriam incorporar
(GOLDFARB, TINEM, 2017, p. 02-03).

Estes artigos abordavam desde a orientação e implantação do edifício relacionando


com o clima, a questão estética, materiais construtivos como o tipo de piso, estrutura, uso
de cores, novos ambientes como o “auditório-ginásio”, entre outros (SÃO PAULO, 1936).

A Comissão Permanente de Prédios Escolares definiu como partido arquitetônico


das novas escolas a adoção aos princípios do movimento moderno. Deveriam ser “...casas
escolares simples, alegres e baratas, mas invariavelmente subordinadas, no seu arranjo
estructural, à educação e à hygiene” (SÃO PAULO, 1936, p.34).

O responsável pelo projeto das novas escolas foi José Maria da Silva Neves, Chefe
da Seção Técnica de Projetos de grupos escolares, e professor adjunto da Escola
Politécnica e professor da Escola de Belas Artes (OLIVEIRA, 2007). Ao todo, foram
construídos onze grupos escolares pela Comissão, na capital, entre 1936 e 1938. Desses,
nove edifícios de autoria deste arquiteto, além do Grupo Escolar Frontino Guimarães (de
autoria de Jorge Mancebo), e do Grupo Escolar Prudente de Moraes, de autoria
desconhecida. Vários desses novos grupos escolares tiveram seus projetos publicados nas
páginas da Revista Acrópole, ao longo do final da década de 1930 e início da 1940.

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Os grupos escolares nas páginas da revista acrópole

Com a pesquisa no acervo da Revista Acrópole foram identificadas cinco notícias em


que os grupos escolares construídos na década de 1930 foram publicados, em três edições
diferentes, nos anos de 1938, 1941 e 1942. Os grupos escolares (G.E.) presentes nas
notícias foram: Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo (Acrópole, ed.3, 1938, p.
62-64), G.E. Godofredo Furtado (Acrópole, ed. 35, 1941, p379-382), G.E. Antonio Queiroz
Teles (Acrópole, ed. 35, 1941, p383-384), G.E. João Vieira D’Almeida (Acrópole, ed. 35,
1941, p385-386), G.E. São Paulo (Acrópole, ed. 48,1942, p429-433).

De modo geral, todas as matérias abordaram recortes de um plano de avanço


voltado a técnicas construtivas, novos materiais, equipamentos e ambientes que refletem a
preocupação em renovar os métodos de ensino e seus sistemas educacionais. Ao todo,
essas cinco matérias trazem vinte e seis fotografias e dezessete plantas baixas incluindo
todos os pavimentos. Também eram acompanhadas por informações sobre os fornecedores
e publicidades sobre os mesmos após as notícias.

As imagens das edificações escolares registradas podem informar sobre vários


aspectos de interesse para a Revista Acrópole e seu público. Todas as notícias
apresentavam ao menos uma fotografia da fachada principal da edificação escolar,
geralmente em uma vista diagonal, que favorecia ver a ausência de simetria e jogo
compositivo de volumes.

Além das fotos externas, as matérias contêm fotos de detalhes, como dos portões e
guarda corpo em ferro, pilotis e marquises de concreto armado, sala de aula, hall de entrada
e escadarias, os largos corredores, e ginásio com suas instalações sanitárias com
chuveiros. As inovações construtivas e programáticas eram exibidas nas imagens. Em
relação aos desenhos arquitetônicos, as matérias só trouxeram plantas baixas, e em um
caso, sobre a Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo, mostra também a planta
de implantação no lote, para ressaltar sua implantação no centro do lote em Z, na diagonal,
moderna e pouco usual na época, adotada para melhor insolação das salas de aula.

A modernização para atender aos novos métodos pedagógicos

Ao analisar as notícias selecionadas das escolas abordadas na Revista Acrópole,


tornou-se notório que houve uma demasiada preocupação relacionada a necessidade de
expressar a modernização agregada aos métodos pedagógicos, informando da elaboração
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por uma equipe multiprofissional. As matérias que discorrem sobre as cinco escolas
paulistas abordadas na revista, destacam que elas apresentam características específicas
que fazem parte de um plano de construções estabelecido e rigorosamente cumprido nos
mínimos detalhes, contendo atributos inovadores para o programa escolar daquela época
como bibliotecas, salas de leitura, pátios, ginásio e até mesmo aparelhos de
intercomunicação.

Destacava-se a multifuncionalidade dos ambientes, como os corredores largos que


poderiam ser usados como museu escolar para expor as atividades dos educandos, e o
ginásio, ambiente sempre ressaltado, que poderia servir para ginástica e como salão para
festas escolares.

O termo “moderna pedagogia” foi empregado para referir-se à qualidade das


construções escolares naquele momento, e a funcionalidade do projeto arquitetônico:

As plantas, bem estudadas, revelam a preocupação do arquiteto em fazer


uma obra completamente de acordo com os requisitos mais exigentes da
moderna pedagogia, no que se refere a sede escolar (ACRÓPOLE, 1941, p.
379).

O texto, em geral, reforçava que havia uma certa urgência em atender aos novos
protocolos e em repassar as atualidades efetuadas à população, como se as novas
construções fossem favorecer a educação, os demais profissionais envolvidos e
propagandear o governo. Realizou-se uma ressignificação quanto ao que se entendia por
qualidade educacional, resultando em metodologias ainda aplicadas na atualidade.

As novas técnicas e materiais construtivos

Destacado em três noticiais sobre três grupos escolares diferentes, a introdução do


concreto armado marcou as novas construções, sendo usado principalmente em elementos
estruturais como as vigas, pilares e lajes. Com a necessidade de maiores espaços livres no
térreo, três das cinco escolas dispõem de pilotis para suprir a carência, exibidos nas
fotografias.

Além da introdução de pilotis, esses novos edifícios tiveram a implementação de


sistemas de impermeabilizante, que com sua aplicação fez-se possível distribuir mais
ambientes no solo conseguindo eliminar os porões altos frequentemente visto nas

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construções dos anos anteriores. Além disso, o uso de esquadrias metálicas basculantes,
acompanhadas de vergas de concreto armado tornou-se possível a horizontalidade nas
aberturas das janelas, que puderam se tornar mais amplas.

Figura 01- Grupo escolar Visconde de Congonhas do Campo. Fonte: Revista Acrópole, n.° 3,
1938, p.62.
Ainda que o concreto armado tenha sido bastante útil em vários elementos
estruturais e sendo o material construtivo de maior destaque para época, sua eficiência
passou a ser limitada por ser uma técnica construtiva economicamente alta, além da
necessidade de mão de obra especializada pouca encontrada na época. Sendo assim,
alguns dos edifícios apresentados foram executados com cobertura em telhas francesa e
madeiramento convencional.

Dentre os cinco grupos escolares encontrados nas pesquisas, quatro mostraram


através de imagens ou relatados através de textos os pilotis em sua estrutura, o que
demostra que era um elemento da arquitetura dessas escolas que se desejava ressaltar,
símbolo da modernidade, e que poderia servir de referência projetual.

Figura 02- Pilotis e marquises em concreto armado do pátio do G. E. Antonio Queiroz Teles e
do G. E. João Vieira D’Almeida. Fonte: Revista Acrópole, n.° 35, 1941, p.384 e 385.

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Para a parte interna das escolas, os arquitetos visavam a duração e não o luxo.

Os pisos dos corredores são revestidos em grés cerâmicos, as escadas


com mármore, as barras de corredores com estuque lucido, o revestimento
externo com argamassa de cimento, e os aparelhos sanitários todos de
louça “Standard” (Acrópole, 1938, p.62).

As matérias afirmavam a boa qualidade dos acabamentos e materiais construtivos


adotados. Outro elemento ressaltado, e que aparece nas fotos, era a adoção de louças
sanitárias padronizadas, com acabamento perfeito e adequado à higiene de uma escola
moderna.

Elementos projetuais relacionados a saúde no espaço escolar

A modernização das edificações escolares estava associada com a busca de


construções escolares apropriadas aos novos métodos pedagógicos e que seu uso fosse
favorável à saúde dos estudantes. Essa questão aparecia como uma reação à profusão de
doenças que eram transmitidas no ambiente escolar, devido à aglomeração de alunos em
sala de aulas inadequadas, frequentemente escuras, sem ventilação e iluminação
suficientes. (HERSCHMANN; PEREIRA, 1994). Em São Paulo, os estudos e prescrições de
como os edifícios escolares deveriam ser, traziam indicações voltadas à saúde dos
estudantes no espaço escolar como um ponto importante a ser levado em conta na hora de
se construírem novas escolas (GOLDFARB; TINEM, 2017).

Dentre os ambientes de cinco escolas paulistanas citadas na revista Acrópole, pode-


se destacar aqueles que se destinavam à saúde dos profissionais e estudantes que
frequentavam a edificação, de diferentes maneiras.

Alguns destes espaços, que hoje já são comuns entre as construções escolares,
como o ginásio e o campo de jogos, passavam a ser parte do programa padrão das escolas
públicas nesse momento, com a obrigatoriedade da Educação Física em 1937
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000). Estes ambientes se voltavam à prática de
exercícios e outras atividades física, a fim de estimularem a saúde dos alunos. Os referidos
espaços não eram considerados enclausurados, uma vez que possuíam aberturas amplas
como forma de permitir a permeabilidade da ventilação e iluminação natural.

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Além disso, destaca-se a existência de escolas que apresentavam ambientes
específicos para profissionais da saúde, como sala do médico e sala de dentista. Estes
eram cômodos direcionados a realização de consultas e exames, se destinando tanto aos
estudantes como aos próprios profissionais que nestas escolas atuavam.

Outro tipo de ambiente encontrado, foi o que demonstra a preocupação com a


higiene que havia nessa época: A sala da educadora sanitária, o quarto de banho, e o
destaque que os ginásios tinham banheiros com chuveiros (sendo noticiado que o G. E.
Visconde de Congonhas do Campo foi o primeiro de São Paulo a apresentar ginásio com
chuveiros, mostrado em foto), podem indicar que a higiene era um hábito importante a ser
ensinado aos alunos. As louças sanitárias modernas também eram tidas como um item
importante para a higiene no espaço escolar.

Todas as salas de aula são amplas, arejadas, muito claras, com iluminação
adequada; as dependências abrangem salas para porteiro, Diretor,
Educadora Sanitária, Arquivo, Biblioteca, Sala de Leitura, sem falar em um
amplo Ginásio onde as crianças fazem seus exercícios ginásticos e realizam
suas festas escolares. (ACRÓPOLE, 1940, p. 381).

Além do programa de necessidades, as matérias da revista Acrópole, percebe-se


que no contexto em que as escolas identificadas foram construídas (1930-38), havia uma
grande preocupação em relação ao conforto ambiental em que os alunos ficariam expostos,
fator que também tem relação direta com a saúde. Isso era informado nas notícias, e se
refletiu em salas de aula arejadas, bem iluminadas, e na própria disposição em planta de
acordo com a orientação solar.

A estética das novas escolas

As escolas publicadas na Revista Acrópole apresentam uma feição condizente com


as primeiras manifestações do moderno da época. Não fazem referência à estilos do
passado, nem apresentam ornamentações, mas paredes lisas, e uma volumetria marcada
por jogo de volumes horizontais correspondentes aos blocas de salsa de aula e verticais que
correspondem às circulações verticais. As linhas de esquadrias acentuavam esse efeito. O
revestimento externo era em argamassas de concreto e as cores e materiais adotados nas
escolas eram todos frutos de estudos e especificados no plano geral de construção.

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Nas notícias, os elementos de concreto armado como marquises e lajes eram
creditados à aparência moderna das escolas, assim como a utilização de elementos de ferro
como portões e gradis que vinham a complementar as fachadas, permitindo assim um
pouco da integração visual entre o meio interno e o meio externo da construção escolar. Os
jardins implantados também possuíam importância, uma vez que o paisagismo era visto
como uma peça-chave e fundamental para o estímulo da saúde cognitiva e bem-estar dos
alunos e profissionais além de outras pessoas que frequentavam a edificação.

Nas páginas selecionadas da revista Acrópole, pouquíssimas informações foram


encontradas que de fato revelava de forma descritiva como era a estética desses grupos
escolares, só descrevendo duas edificações, sendo estas, dos Grupos
Escolares Antonio Queiroz Teles e Godofredo Furtado. O foco das descrições é voltado a
empregabilidade dos elementos característicos do movimento moderno que expressam o
efeito de sobriedade nas fachadas e em outras partes da edificação:

Todos os patêos de recreio são cercados por muros com gradís e portões
de ferro que completam o belo efeito da fachada e do jardim fronteiriço. Um
detalhe interessante é o que apresentam as fotografias que seguem dos
galpões e passadiços, feitos completamente de concreto armado com linhas
sóbrias e muito elegantes. (ACRÓPOLE, 1940, p.381).

Além de modernas, as escolas eram qualificadas pelo corpo editorial como


elegantes, uma vez que além dos elementos adotados a estas construções, o acabamento
merece certo destaque, já que através deste, a qualidade dos materiais e da mão de obra
especializada e bem selecionada se tornam nítidos e chamando bastante atenção.

Os clichês que ilustram estas informações apresentam-nos dos modernos e


elegantes prédios para o Grupo Escolar recentemente concluídos nesta
capital. É de notar-se nessas construções, especialmente o acabamento.
Ele revela que foram empregados na obra, materiais de ótima qualidade
aplicados por mão de obra escolhida. (ACRÓPOLE, 1941, p.381).

Além disso, em alguns casos as paredes das escolas recebiam painéis de azulejos,
cuja representação era de assuntos pedagógicos, tendo assim uma justificação funcional
para sua adoção.

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Figura 03- Grupo Escolar São Paulo. Paredes com azulejos em representação dos três reinos: Animal, vegetal e mineral.
Fonte: Revista Acrópole, nº 48, 1942, p. 432.

Considerações finais

A análise qualitativa das notícias encontradas na Revista Acropole sobre as


edificações escolares paulistas construídas na década de 1930, pôde indicar que houve
diferentes motivos para a modernização da arquitetura escolar, tal como: a atualização aos
novos métodos pedagógicos, a implementação de novos ambientes como biblioteca, sala de
leituras, salas odontológicas, salas de exames, ginásio e campo de futebol, estes dois
últimos devido a obrigatoriedade da educação física, mas que poderiam servir para
recreação e confraternizações.

Além do mais, as notícias destacaram as novas técnicas e materiais construtivos,


como concreto armado, usado na estrutura e em pilotis, lajes e marquises, que eram
exibidos em destaque nas fotografias das edificações escolares. Elementos pré-fabricados,
materiais de revestimento, novas louças sanitárias, entre outros. A aparência das escolas, e
a opção pelo vocabulário estético moderno foi pouco comentada, dando sinais que este não
era um ponto importante para os editores da Revista, ao contrário das soluções técnicas e
contrutivas e do novo programa de necessidade escolar.

Por fim, espera-se contribuir com este arigo para preencher lacunas na historiografia
da arquitetura escolar, ressaltando a pesquisa em periódicos como uma importante fonte
documental para o tema, e da importância dos acervos documentais disponíveis na internet
para a produção de conhecimento.

Referências Bibliográficas

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7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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ACRÓPOLE. São Paulo: Gráfica Brescia, v. 102, out. 1946. Mensal.

ACRÓPOLE. São Paulo: Edições Técnicas Brasileiras Ltds, v. 29, set. 1940. Mensal.

ALMEIDA, Maísa Fonseca de. Revista Acrópole publica residências modernas: análise
da revista Acrópole e sua publicação de residências unifamiliares modernas entre os
anos de 1952 a 1971. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Departamento
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JAGUARIBE EKMAN EM FORTALEZA. DIFUSÃO E REGISTRO DE SUA ARQUITETURA
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7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A VISUALIZAÇÃO DE DADOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO


E A NARRATIVA DA MEMÓRIA (1938-2018)

Camilla Gomes (gomescamill.arq@gmail.com)

O artigo, que deriva de pesquisa de doutoramento em andamento, visa


investigar a construção da memória nacional a partir dos processos de
tombamento de bens culturais de natureza material pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Para tanto, é lançado o aporte teórico
que justifica a relação entre patrimônio e memória a partir de autores como Le
Goff, Aleida Assmann, Pierre Nora, Maurice Halbwach. Os bens culturais
tombados são, então, entendidos como “âncoras da memória”, como
elementos materiais que reificam a memória histórica do Brasil, selecionados
pelo Instituto numa operação política de construção da memória e identidade
nacionais.

A partir da coleta da base de dados, a Lista dos Bens tombados e processos


em andamento (1938-2018), tabela disponível no portal do IPHAN e que
contém cerca de 2270 processos de tombamento, incluindo a totalidade dos
bens tombados (aprox. 1200) como também processos em andamento ou
indeferidos, faz-se uma análise quantitativa, espaço-temporal dos
tombamentos realizados nos oitenta anos de atuação do IPHAN.

Mais do que um balanço da política de tombamento, a pesquisa lança um olhar


sistêmico sobre a herança cultural brasileira para analisar esses dados a partir
da ferramenta de análise da Visualização de Dados (InfoVis), ramo da Ciência
de Dados. Desde a estruturação da informação, do processamento da tabela e
da utilização de softwares como Google Data Studio e Tableau Public, é
possível construir gráficos, mapas e linhas do tempo que tornam possível a
visualização da informação de maneira mais elucidativa, tornando possível o
entendimento de um grande recorte temporal e territorial.

As visualizações geradas permitem o entendimento de concentração territorial


dos bens tombados, levando a comparações regionais e apontamentos dos
estados brasileiros que mais concentram bens culturais tombados. As
classificações em que se enquadram os bens culturais são comparadas em
seus contextos históricos, como os Livros do Tombo, instituídos pelo Decreto
Lei nº 25/1937, e a análise quantitativa de seus registros, como também a
classificação contemporânea do IPHAN, que define as “categorias enquanto
forma de proteção”. É feita a análise percentual de bens tombados por
categoria, assim como a relação entre categoria, estado e momento do
tombamento. A partir dessas correlações, é possível ter um entendimento
holístico dos momentos históricos que foram decisivos no florescimento do que
hoje é entendido como patrimônio cultural.

A partir de diálogo historiográfico com a literatura, hipóteses são levantadas e


outras ratificadas a partir de evidências gráficas que, numa perspectiva
interdisciplinar, ajudam a consolidar o entendimento do processo político de
construção da memória nacional a partir do Instituto que guarda a herança
cultural ao passo que constrói essa narrativa da nação.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A NORMATIZAÇÃO DE SÍTIOS HISTÓRICO URBANOS PELO IPHAN: O


FINAL DO SÉC. XX E AS INOVAÇÕES DO SÉCULO XXI.

Vanessa Maria Pereira (vanessamariapereira@gmail.com)

As dimensões políticas e normativas na gestão do patrimônio cultural brasileiro


configuram grandes desafios para os órgãos responsáveis em todas as esferas
da administração pública, especialmente quando se trata de sítios urbanos, em
função de seu caráter dinâmico e de seus múltiplos valores. Portanto,
compreender o contexto das decisões técnicas, das normas e critérios
adotados pelo IPHAN na gestão destes sítios é fundamental para que se
verifique a necessidade e eficácia de tais medidas, e identificar lapsos ou
ausências. A normatização dos sítios urbanos tombados no Brasil foi
conduzida, institucionalmente, de forma menos prioritária do que os processos
de tombamento, e mesmo com todos os esforços da instituição na busca do
estabelecimento de procedimentos de normatização e gestão dessas áreas,
em especial no século XXI, os números não apresentaram grandes evoluções
ao longo da história da instituição. A primeira normatização de áreas urbanas,
por iniciativa do IPHAN, com o estabelecimento de parâmetros urbanísticos, foi
para o Parque Histórico Nacional dos Guararapes, em 1974. Nestes quase 50
anos, o IPHAN conta com pouco mais de 50 portarias de normatização de 206
bens tombados: 19 para conjuntos urbanos, arquitetônicos ou paisagísticos,
englobando 118 bens com tombamento isolados; 23 para o entorno de 69 bens
isolados, sendo que algumas envolvem mais de um bem; e outras 14 revisões
ou atualizações de outras portarias vigentes (DIOGO, 2021).

No final da década de 2010, dois atos legais do IPHAN vão delinear novas
perspectivas no contexto da elaboração de normativas para bens tombados no
país. Primeiramente, em dezembro de 2017, o Decreto 9238/2017 institui nova
estrutura organizacional do IPHAN, criando a Coordenação Geral de
Normatização e Gestão do Território, reposicionando o trabalho de
normatização, até então parte da Coordenação Geral de Autorização e
Fiscalização. Em 2018 é instituída a Política de Patrimônio Cultural Material
(Portaria 375/2018), um instrumento interno que consolida entendimentos e
estabelece marcos relevantes relacionados à ação e às competências do
IPHAN, já estabelecidas no âmbito constitucional. Para tanto, estabelece
premissas, princípios e relaciona os vários processos institucionais como ações
de preservação, entre eles, a normatização, que é então incorporada como um
processo interno que observa o dever constitucional de vigilância, estabelecido
pelo art. 216 da Constituição Federal. O presente artigo pretende, então, trazer
colaborações para o debate sobre os instrumentos de gestão dos sítios
históricos urbanos no final do séc. XX e início do séc. XXI, decorrentes de
novas paradigmas institucionais, estabelecidos a partir da década de 1980.

DIOGO, ÉRICA. Normatização de sítios urbanos tombados no Brasil: ações em


curso no IPHAN. Palestra apresentada disciplina de Sítios Históricos Urbanos
do PPGAU da Universidade Federal da Bahia, ministrada pelo Prof. Nivaldo V.
de Andrade Júnior, 25 mar. 2021. Salvador.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A MODERNIZAÇÃO DO EDIFÍCIO ESCOLAR PAULISTA NA DÉCADA DE


1930 NAS PÁGINAS DA REVISTA ACRÓPOLE

Marina Goldfarb De Oliveira (marinagoldfarb@yahoo.com.br)

Charlie Brown Dantas Brito (charliebrito77@gmail.com)

Ludimylla Vieira Rufino (ludimyllasharon@gmail.com)

Maria Sabrina Nóbrega Da Silva (sabrinaangs@gmail.com)

A década de 1930, marca a modernização dos edifícios escolares do estado de


São Paulo, alavancada por uma comissão formada por profissionais de
diferentes áreas: da construção civil, da educação e da saúde, que defendiam
a inserção de princípios da arquitetura moderna nos novos projetos escolares.
Estes novos edifícios escolares constaram em diversas publicações da Revista
Acrópole, importante periódico nacional na área de arquitetura, o que pode
demonstrar o interesse que tais edifícios tinham na época. O objetivo geral
deste trabalho é investigar como Revista Acrópole retratou as inovações da
arquitetura escolar paulista nos anos de 1930. Para isso, foi realizada uma
pesquisa documental no acervo on-line da Revista Acrópole, seguida de
seleção e sistematização das notícias encontradas sobre a modernização dos
edifícios educacionais paulistas no recorte temporal estudado. A análise
qualitativa das notícias encontradas pôde indicar que houve diferentes motivos
para a modernização da arquitetura escolar, tal como: a atualização aos novos
métodos pedagógicos, a implementação de novos ambientes como biblioteca,
sala de leituras, salas odontológicas, salas de exames, ginásio e campo de
futebol, estes dois últimos devido a obrigatoriedade da educação física. Além
do mais, as notícias destacaram as novas técnicas e materiais construtivos,
como o concreto armado, elementos pré-fabricados, materiais de revestimento,
novas louças sanitárias, entre outros. Espera-se contribuir para preencher
lacunas na historiografia da arquitetura escolar, ressaltando a pesquisa em
periódicos como uma importante fonte documental para o tema.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO

CARLOS EKMAN E SÃO PAULO: a biografia como método para a


historiografia do ecletismo

RODRIGUES AMADO, MARINA (1);

1. Universidade de São Paulo. Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP)
Rua do Lago, 876 – São Paulo – SP – 05508-080
E-mail: marinamado@gmail.com

RESUMO
O período do ecletismo na arquitetura vem passando por uma revisão conceitual na historiografia
nacional e internacional. Busca-se desfazer preconceitos e o julgamento (pejorativo) que sempre
recaiu sobre ele. Uma das maneiras de avançar nesse sentido é explorar interpretações que levem
em conta outras noções para além da estética e da forma, que, recorrentemente mobilizadas, no caso
do ecletismo, quase sempre contribuiram para reforçar ideias generalizantes. É comum na
historiografia da arquitetura explorar trajetórias e obras de personagens do campo das construções,
sobretudo arquitetos. Mas no que tange ao ecletismo, apesar de trabalhos pioneiros que revelaram a
produção de nomes como Ramos de Azevedo, Victor Dubugras e vários outros autônomos, ainda são
poucos aqueles que atuaram profissionalmente em São Paulo de fins do século XIX ao início do
século XX que tiveram seu papel reconhecido. O arquiteto sueco Carlos Ekman costuma ser
lembrado pelo projeto e construção da Vila Penteado. O pioneirismo no uso do estilo art nouveau em
residencias no Brasil, somado ao entendimento e à valorização deste como uma suposta transição
para o modernismo, ao mesmo tempo em que marcou o nome de Ekman na história da arquitetura,
também restringiu os estudos sobre sua obra a um único exemplar. Investigando mais a fundo,
porém, sua biografia (a partir da análise de sua formação, trajetória, inserção social e profissional,
além das proprias obras) percebe-se que a maior riqueza de sua extensa e variada produção
arquitetônica está justamente na forma como ele se apropria de abordagens da arquitetura do
ecletismo em suas relações com as demandas e imposições locais e com a sua experiência de vida.
Os preceitos ecléticos circularam internacionalmente, bem como materiais de construção e
publicaçoes especializadas, e estavam disponíveis e abertos a variadas formas de apropriação e
interpretação, conforme as circunstâncias e os agentes. Boa parte desses profissionais da
construção, como as pesquisas mostram, estavam interessados sobretudo na experimentação,
frequentemente inventando e ousando nas soluções propostas. Cada obra resultava, assim, sempre
única e, ao mesmo tempo, híbrida. Este artigo propõe que um dos caminhos profícuos e interessantes
de, pouco a pouco, expor e problematizar a riqueza das experiências que envolveram o ecletismo em
São Paulo, é considerá-lo a partir de sua dimensão coletiva e heterogênea, da qual participaram
diversos personagens, com origens, inserções e atuações distintas – ao contrário de tentar enquadrá-
lo em uma noção fechada de “estilo”. Essa heterogeneidade demanda uma consideração por meio do
caso a caso, do que há de particular e específico na atividade cotidiana de cada profissional em suas
relações com outros agentes envolvidos na produção da cidade e, principalmente, de sua arquitetura.
Examinar, então, sua “biografias” permite interpretar tal arquitetura a partir de suas próprias questões
e embates, fundamentais para nossa cultura arquitetônica até hoje.

Palavras-chave: História da arquitetura; Ecletismo; Biografia; Carlos Ekman (1866-1940); São Paulo.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
O conceito de ecletismo na arquitetura1
O termo “ecletismo” foi cunhado por Victor Cousin em 1830 na França para se referir
a um método de pensamento que se dá a partir da composição de elementos diferentes
entre si selecionados de outros métodos. Transposto para a arquitetura e o exercício do
projeto, tal raciocínio se reflete em uma escolha de elementos arquitetônicos do passado
para compor edifícios que respondam às demandas do presente (Liernur; Aliata, 2004, p.
10). Tendo recebido já vários significados na historiografia da arte e da arquitetura, tanto
internacional quanto nacional, é até hoje um termo ambíguo e de difícil definição.

Embora seja difícil precisar os limites entre manifestações distintas da arquitetura do


século XIX, como a tendência denominada “historicismo” e o próprio “ecletismo”, e
encontremos entre os autores diversas maneiras de categorizá-las, considera-se que o
ecletismo na arquitetura tem início, na Europa, com a reformulação pela qual passou a
École des Beaux-Arts de Paris2, em termos de princípios arquitetônicos e métodos de
ensino, a partir da atuação de alunos como Violet Le Duc e Henri Labrouste, por volta de
1830. Já nas cidades brasileiras, suas manifestações costumam ser identificadas entre as
últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, no período que corresponde ao da
Primeira República.

Por muito tempo prevaleceu sobre a arquitetura do ecletismo um julgamento


pejorativo, que já existia no século XIX e foi reforçado pelas narrativas da historiografia da
arquitetura moderna. Assim, foi recorrentemente visto como um período secundário na
história da arquitetura, de pouca importância, se consolidando como algo a priori de má
qualidade, alheio à cultura nacional, e que deveria ser, portanto, desconsiderado. Isso
contribuiu diretamente para uma baixa recorrência de estudos específicos a seu respeito
durante bom tempo nas produções historiográficas nacionais e, ainda, internacionais e para
uma atitude deliberada de não preservação do patrimônio cultural do período.

O conceito de “ecletismo” na arquitetura, no entanto, vem passando por uma revisão


desde a década de 1970, na qual mobilizaram-se diferentes aspectos e abordagens no
sentido de compreender suas contribuições e sua importância. Trata-se de um processo
ainda em curso que teve seu início vinculado à exposição organizada pelo Museu de Arte
Moderna de NY, Moma, em 1975, sobre a École des Beaux-Arts de Paris, sucedida pelo

1Este trabalho é resultado de nossa pesquisa de doutorado em andamento, que conta com apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2018/01725-2. As opiniões, hipóteses e
conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não
necessariamente refletem a visão da FAPESP.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
catálogo de 1977 que, com ampla difusão internacional, foi reeditado em 1984 (ver Drexler,
1977). Soma-se a isso o contexto favorável de revisão crítica da historiografia moderna. No
Brasil, Carvalho (2000, p. 21) destaca o II Congresso Brasileiro de História da Arte, em
1984, cujo tema foi o ecletismo e o neoclassicismo e que deu origem ao livro “Ecletismo na
arquitetura brasileira”, publicado em 1987, ambos por iniciativa de Annateresa Fabris,
marcando o início do efetivo aumento do número de trabalhos sobre o assunto.

Como percebeu Marcelo Puppi (1994) ao analisar a historiografia do neoclassicismo


e do ecletismo brasileiros a partir do estudo de seis autores “clássicos”, estes consolidaram
modelos interpretativos que moldaram os que lhe sucederam pelo menos até começar a
década de 1980. Assim, de forma mais ou menos explícita, a arquitetura acadêmica foi
sendo “medida, analisada e criticada a partir dos padrões estéticos instaurados pela
arquitetura moderna” (Puppi, 1994, p. 187). Já as discussões contemporâneas vêm
propondo uma intensa revisão em torno do conceito de ecletismo na arquitetura por meio de
abordagens de análise que partem do enfrentamento de seus parâmetros próprios,
buscando assim evitar interpretações anacrônicas e fugir de generalizações.

Talvez o primeiro aspecto que convém ressaltar seja o fato de que não há consenso
quanto à definição de “ecletismo” como um estilo, já que é evidente sua tendência à
heterogeneidade. Ele é fruto de uma condição de incertezas, de confronto com realidades
móveis; é debate, é discussão, é tensão. À época de seu surgimento, não houve a
pretensão de definir uma unidade, nem uma solução universal a ser adotada; pelo contrário,
aceitou-se a variedade, e isso se tornou seu principal trunfo. Não é possível, assim, falar em
apenas um “ecletismo”, definível dentro de um conjunto fechado de regras e características
pré-estabelecidas. Ainda assim, também não há dúvidas de que há muitos aspectos em
comum entre as manifestações ecléticas, o que demonstra sua abrangência internacional e
adaptabilidade a diferentes contextos.

O pesquisador francês Jean Pierre Epron, ao estudar o ecletismo na arquitetura na


França (Epron, 1997), se refere a ele como um conjunto de formas de abordagem; um fazer
arquitetônico orientado por alguns princípios comuns à arquitetura acadêmica e ao
“historicismo”, mas que inclui em sua própria essência a possibilidade da variedade, longe
de apresentar algum consenso. Epron também defende que o ecletismo na arquitetura é
fruto de três debates fundamentais à época e que extrapolam o âmbito da arquitetura,
exigindo uma reflexão mais ampla: um debate político, outro debate técnico e outro sobre a

2 Escola que, como aponta o historiador da arquitetura francês Jean-Louis Cohen (2004), foi a principal
responsável por difundir o “ecletismo” em âmbito internacional e de forma muito eficiente.
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história3 – a tais debates, é claro, devem-se reconhecer nuances específicas conforme a
localidade.

Como defende Cohen (2004) e como demonstrou a pesquisadora Heliana Angotti-


Salgueiro (2020), as formas de abordagem ecléticas, bem como o sistema de ensino de
arquitetura que permitiu sua disseminação, configuraram uma hegemonia internacional
naquele período; ainda que não tenha se configurado um “movimento” arquitetônico. Com
métodos de projeto que se integraram bem “às exigências dos programas de modernização”
(Cohen, 2014), os preceitos e modelos ecléticos circularam mundialmente, tornando-se uma
“cultura de projeto” hegemônica. O trânsito de profissionais, de materiais construtivos e de
manuais e publicações sobre o assunto foram determinantes nesse contexto. Dessa forma,
nos edifícios do período é possível verificar também apropriações, interpretações e
reverberações dessas práticas projetuais e referenciais arquitetônicos que eram
compartilhados internacionalmente.

Os modelos e alguns tipos de abordagem dos projetos, como defende Angotti-


Salgueiro, são cosmopolitas, mas as soluções, as medidas, são sempre locais, variando de
acordo com a cultura local receptora e as práticas culturais que a transformam. Dessa
forma, o resultado final sempre será como uma “Casaca do Arlequim”4, com sua
característica fragmentação (Angotti-Salgueiro, 2020, p. 27).

A biografia e a história da arquitetura

Sempre presente no debate historiográfico, a biografia passou, desde o século XIX


até recentemente, por alguns períodos de ostracismo, por ter sido muitas vezes considerada
um gênero “menor” e antiquado. Atualmente ocupa posição de destaque e vem sendo
bastante praticada por historiadores em diversas áreas temáticas, incluindo a arquitetura e o
urbanismo. De caracterização fluida, a biografia constitui-se como um gênero híbrido desde
a sua origem, podendo ser entendida, tanto como forma narrativa, quanto como método de
investigação histórica. Na literatura pode-se falar em gênero biográfico ou mesmo forma
narrativa; nos trabalhos acadêmicos, fala-se em método de investigação ou abordagem.

3 O debate técnico envolve tudo que diz respeito à representação do projeto e à construção, como a estrutura e
os materiais; o debate sobre a história envolve questões relativas à forma e à estética do edifício, como o corpus
de referência e os princípios de composição; e o contexto político refere-se à esfera político-social. Tais
discussões se dão no nível do “fazer” da arquitetura; sobre a maneira de pensar sobre o projeto e a atividade de
projetar (EPRON, 1997).
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
Uma maior aceitação e apropriação da biografia pela história se intensificou em fins
da década de 1970, início de 1980, com a crise dos modelos de interpretação estruturalista,
quando começa a ser colocado em xeque o uso de “categorias interpretativas
predeterminadas”, que desconsideravam as ações individuais (Schmidt, 2012, p. 193). Os
historiadores começaram a se interessar mais em “refletir sobre os destinos individuais”
(Loriga, 1998, p. 226), o que se evidenciou em diversos contextos historiográficos, como foi
o caso de alguns membros da terceira geração dos Annales, ou da “Nova História”, como
Georges Duby e Jacques Le Goff, que encontraram “no estudo biográfico outra forma de
compreender os contextos sociais nos quais viveram os personagens” (Schmidt, 2012, p.
193).

A micro-história, como destaca Priore, “trouxe à luz importantes biografias” (Priore,


2009, p. 10), como a história do moleiro Mennochio narrada por Carlo Ginzburg em “O
Queijo e os Vermes” (1987) que, a partir de farta documentação inquisitorial italiana, teceu
estudo sobre a cultura popular camponesa da Europa pré-industrial. Para este tipo de
enfoque da biografia, utilizada como método de pesquisa, interessa, não o caso típico, e sim
as experiências de vida que se afastam da média e que, estudadas em maior número,
permitem explorar os conflitos e potencialidades da história, bem como refletir sobre o
“equilíbrio entre a especificidade do destino pessoal e o conjunto do sistema social” (Loriga,
1998, pp. 248-249).

A história da arquitetura também terá seu campo ampliado a partir deste momento
entre fins de 1970 e início de 80, não apenas com a inclusão do ecletismo como assunto de
interesse, como já mencionado, mas também passando a abranger agendas teóricas e
metodológicas externas (multidisciplinares), se aproximando das ciências humanas, que lhe
conferiram caráter crítico, se desvinculando de forma mais evidente da prática e da ideia de
autonomia da forma.

Nas últimas décadas, de acordo com José Lira (2010, p. 9), também as trajetórias de
arquitetos e urbanistas vêm recebendo mais atenção, mesmo daqueles não enquadrados
pelas narrativas hegemônicas, que vêm merecendo reflexões mais abrangentes. Refletindo
sobre a biografia no campo da história urbana, Josiane Cerasoli (2014), alerta para o perigo
de se incorrer em certas ilusões5, como a busca de “coerências” na trajetória do sujeito

4 Expressão cunhada por Paul Planat em meados do século XIX na França para definir a arquitetura eclética que
parte de uma analogia entre esta e a peça do figurino do palhaço, emprestada por Angotti-Salgueiro para título
da tese e de seu livro homônimo (2020).
5 Em referência ao célebre texto do sociólogo Pierre Bourdieu no qual, atento à proliferação de biografias na

década de 1980, alertava para uma série de “ilusões” que considerava armadilhas nas quais biógrafos
frequentemente caiam e que colocavam em xeque a credibilidade científica de suas narrativas.
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biografado, tentativas de simplificação de processos e acontecimentos complexos, e,
sobretudo, a busca da “linearidade” nas narrativas. Rodrigo Faria (2014, p. 66) alerta ainda
para a “ilusão do todo” em uma biografia, ou seja, a ideia de que seria possível abranger
tudo; os documentos não dão conta disso, pois são vestígios fragmentados que carecem ser
interpretados. A biografia, assim, é uma escrita interpretativa.

Para Lira, os riscos de incorrer em ilusões biográficas podem desdobrar-se em dois


efeitos distintos quando tratamos de biografias de arquitetos e arquitetas:

“(...) de um lado, na reabilitação, consciente ou


inconsciente, do conceito idealista de estilo como
chave para o entendimento da obra em sua
autossuficiência e coerência interna; de outro, no
investimento nas ideias de gênio como precursor, o
pioneiro ou mestre (...)” (Lira, 2010, p. 10).

Outra dimensão importante da biografia, que precisa ser explorada como


potencialidade, é a noção de que os indivíduos existem na rede de relações que
estabelecem ao longo de sua vida. Dessa forma, uma biografia necessariamente abrangerá
outras biografias. Em se tratando de biografados que executam atividades de criação, deve-
se evitar a ênfase exagerada no indivíduo, que pode acabar por isolar a figura do biografado
ou colocá-lo em uma posição de superioridade.

A biografia como método para a historiografia do ecletismo

A perspectiva de enfrentamento das generalizações que pode trazer o método


biográfico parece especialmente interessante para avançar na revisão historiográfica sobre
o ecletismo na arquitetura, já que por meio das biografias será possível questionar
justamente a aparente coerência do discurso genérico que recaiu sobre a arquitetura do
ecletismo e alguns tabus ainda hoje repetidos sobre ela. O historiador François Dosse
acredita ser possível, a partir de certos procedimentos metodológicos, “construir narrativas
biográficas capazes de enfatizar complexidades” (Dosse, apud. Cerasoli, 2014, p. 296). No
caso em questão a complexidade a enfatizar seria o ecletismo na arquitetura.

Como defende Gilberto Velho, o contexto da vida do biografado, em vez de


apresentar uma configuração “fixa e pré-moldada”, na qual devemos enquadrar um indivíduo
e sua obra, constitui-se como um “campo de possibilidades”, um “espaço para formulação e
implementação de projetos individuais e coletivos” (Velho, apud. Schmidt, 2012, p. 196). Da
mesma forma, para Faria (2014, p. 75), o contexto não é um dado, nem “pano de fundo”,
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muito menos rígido e coerente. O contexto está em constante transformação e as trajetórias
o modificam com suas interlocuções. Assim, “compreender a dimensão contextual significa
problematizar o mesmo contexto na esfera das relações nas quais o biografado esteve
inserido” (Faria, 2014, p. 73).

Para Angotti-Salgueiro (2020, pp. 29-37), explorando as biografias dos atores sociais
envolvidos na produção da arquitetura naquele período, é possível contribuir para a revisão
de terminologias e conceitos que ajudam a melhor compreender o ecletismo dentro de um
quadro mais amplo. Isso porque por meio da trajetória, das várias questões que a
atravessam e dos diversos personagens envolvidos nas tramas das vidas, é possível
identificar ideias e/ ou temas que estiveram em debate naquele momento, bem como os
agentes e as forças que as(os) disputaram e nelas(es) interferiram de forma particular.

A partir da trajetória e atuação do indivíduo, assim, é possível perceber a pluralidade


das questões envolvidas no processo de produção da arquitetura “eclética” a partir das
abordagens que lhe são próprias/ típicas, e contribuir para minorar as generalizações e
interpretações pejorativas já feitas em torno deste conceito e do conjunto arquitetônico que a
ele corresponde.

Deve-se mencionar que, poucos foram os arquitetos e engenheiros do período que


tiveram suas obras estudadas mais a fundo, seja individualmente seja dentro dos estudos
panorâmicos da história da arquitetura nacional. Uma simples consulta a catálogos de
bibliotecas especializadas em arquitetura permite perceber que a esmagadora maioria de
trabalhos específicos é sobre arquitetos modernos, de todas as gerações.

Ainda assim, há vários esforços reunidos nesse sentido. Considerando apenas o


universo paulistano, figuras como as de Ramos de Azevedo, arquiteto brasileiro formado na
Bélgica, Victor Dubugras, arquiteto francês que se transferira para São Paulo na última
década do século XIX, já mereceram importantes estudos biográficos, e seguem tendo suas
trajetórias analisadas. Há ainda algumas dissertações de mestrado e teses de doutorado
sobre arquitetos e engenheiros do período, e a coleção “Ecletismo Paulista” (2015), que,
ainda incipiente, traz estudos biográficos em dois dos três volumes publicados. O passo
dado por Lindener Pareto Jr. (2011) e pelos trabalhos subsequentes dele mesmo e de
outros autores olhando para os profissionais que pejorativamente eram tachados de
“práticos licenciados” é também paradigmático no sentido da ampliação da historiografia do
ecletismo.

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Mas há ainda muito a explorar e conhecer dentre os diversos nomes de profissionais
arquitetos e engenheiros em São Paulo entre fins do século XIX e primeiras décadas do XX,
que atuaram de forma autônoma (ou por meio de pequenos escritórios) e que disputavam o
mercado privado da arquitetura, se aventurando também, vez ou outra, em intervenções
urbanas.

Ainda que não sejam muitos, há uma coincidência importante nos trabalhos acima
mencionados e que, acreditamos, é uma potencialidade a ser explorada no sentido de
enriquecer a complexidade da arquitetura do período: o entendimento de que a atividade
daqueles arquitetos era movida por uma vontade de experimentar soluções e que se
manifestava em diversos aspectos de suas atividades: da escolha dos estilos/ estilemas do
passado na composição das fachadas, à introdução de elementos inventados, ao uso de
técnicas e materiais novos ou em combinações criativas e / ou tradicionais e à organização
dos programas. É claro e o que caracteriza tais experimentações é próprio de cada
profissional em sua rede de relações na cidade, daí a importância de explorar suas
trajetórias e obras considerando nexos biográficos na análise de suas atividades.

Carlos Ekman e São Paulo

Em nossa tese de doutorado, em andamento, vimos realizando um estudo biográfico-


crítico sobre a trajetória e a obra de Carlos Ekman em São Paulo. O arquiteto, nascido em
1866 em Estocolmo, estabeleceu-se na capital paulista em 1894, onde atuou até a década
de 1930, após curtas temporadas de dois anos cada uma nas cidades de Nova York,
Buenos Aires e Rio de Janeiro. O trabalho propõe considerar a arquitetura em suas
múltiplas relações, inclusive a trajetória de seus agentes arquitetos, o que implica estudar
sua origem, formação, trânsitos, redes sociais e profissionais e referências culturais.

Após extenso levantamento documental em diversos acervos (sobretudo as coleções


da Seção Obras Particulares do Acervo do Arquivo Municipal de São Paulo; Carlos Ekman
da Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAUUSP; e acervos
particulares obtidos com seus descendentes), a partir do qual foi possível catalogar e
inventariar 130 projetos do arquiteto em São Paulo (ver Amado, 2020), percebemos que as
interpretações até agora feitas pela historiografia da arquitetura brasileira à contribuição de
Carlos Ekman (que sempre aparece como pioneiro no uso do art nouveau no projeto da Vila
Penteado), não são suficientes para dar conta da dimensão de sua atuação na cidade,
ignorando justamente o que tem de mais rico e interessante em sua obra: suas abordagens
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ecléticas da arquitetura, que resultaram em um conjunto extenso, diverso, criativo, ousado e
em constante transformação.

Não é nosso objetivo narrar a trajetória do biografado pressupondo linearidade,


coerência, nem sentido evolutivo. Colocando o conjunto da obra de Ekman em perspectiva
isso se mostrou ilusório, pois, enquadrando-o dessa forma, estaríamos pressupondo uma
predestinação que não é real. Essa constatação é especialmente importante para
estudarmos os arquitetos e as arquiteturas do ecletismo, pois qualquer interpretação que
pressuponha, ainda, um processo supostamente evolutivo de transição dos arquitetos rumo
ao modernismo e que neles busque um “desenvolvimento” ao longo da carreira profissional,
incorrerá em uma leitura anacrônica e distorcida.

É necessário, ainda, esclarecer os limites do universo de atuação do profissional em


questão, já que a maioria dos clientes de Carlos Ekman, bem como ele próprio6, são
membros da elite paulistana do período – dentre os nomes mais recorrentes, estão Antonio
Álvares Penteado, Germaine Lucie Burchard, João Alves de Lima, família Souza Queiroz,
entre outros (Amado, 2020). Ademais, dos 130 projetos catalogados, 127 foram para a
iniciativa privada, o que também restringe a análise a este universo.

Dentro dos limites acima delineados, pode-se dizer que a trajetória de Carlos Ekman
é representativa dos debates político, sobre a técnica e sobre a história de que fala Jean
Pierre Epron (1997) no âmbito do ecletismo paulistano, da mesma forma que sua atividade
contribuiu para moldar e enriquecer esses debates. Vamos aqui reunir algumas perspectivas
de análise a partir do conjunto de sua obra.

Ecletismo e experimentação

A primeira característica que vale ressaltar e que é determinante para a análise de


sua atividade, é o caráter essencialmente experimental de sua obra, no qual vislumbram-se
diferentes abordagens ecléticas de que lançou mão ao longo de sua atividade – operações
projetuais já identificadas na atividade de outros arquitetos do período e também nos
próprios parâmetros que eram ensinados pelo sistema da École des Beaux-Arts de Paris,
tais como “aplicação das operações de recorte, ampliação, redução e acumulação” (Angotti-
Salgueiro, 2020) na composição com modelos e referências; respeito pelo “caráter do

6Em 1898, Carlos Ekman casou-se com Flora Jaguaribe, filha de Domingos Jaguaribe e herdeira dos barões de
Porto Feliz. A partir daí adquire condição financeira favorável e passa a inserir-se nos círculos mais restritos de
sociabilidade da elite paulistana, como pudemos verificar em registros em periódicos e nos arquivos da família.
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edifício” (expressão decorativa ou simbólica do programa); comunicabilidade / “arquitetura
falante” (Rocha-Peixoto, 2001, pp. 6-7); respeito aos princípios de simetria e proporção.

Trata-se de uma experimentação que se valia da investigação de soluções técnicas,


programáticas e estético-formais diversas, frequentemente buscando conciliar o que de mais
novo havia - com relação aos materiais e às técnicas de construção, aos agenciamentos e
componentes dos programas, às composições e à linguagem – a aspectos de sua cultura de
origem, a suas experiências pregressas e às imposições e demandas locais, o que fez com
que cada projeto trouxesse soluções únicas. A clientela e o papel dos órgãos públicos
responsáveis pela aprovação de obras na cidade são agentes igualmente determinantes no
processo de concepção e construção dos edifícios.

Considera-se que Carlos Ekman, ao circular e se relacionar nos diferentes lugares


em que habitou, foi incorporando e difundindo práticas que trouxe para São Paulo, da
mesma forma que São Paulo também o estimulou a uma série de outras práticas. Suas
obras arquitetônicas, assim como as de arquitetos estrangeiros atuando em território
nacional, ou de brasileiros que estudaram foram do país, são fruto de um processo de
projeto que apresenta soluções necessariamente híbridas7. Isso deve ser ressaltado na
arquitetura do século XIX: os processos e as formas de abordagem (Epron, 1997; Angotti-
Salgueiro, 2020).

Tanto os processos de projeto/ formas de abordagem, como as obras, não apontam


para uma solução acabada, uma conclusão, mas sim para uma discussão, para um debate
e tentativa de conciliação – uma dentre várias possíveis – dentre as dialéticas que estavam
postas para a arquitetura naquele momento, como tradição e modernidade, arte e técnica,
artesanato e tecnologia, engenharia e arquitetura. Como o arquiteto lidou e respondeu a
todas essas questões ao mesmo tempo contribuindo para moldá-las?

O fato de Ekman ser um arquiteto imigrante que trabalhou em escritórios em outros


países antes de chegar a São Paulo, extrapola a reflexão para o âmbito internacional,
vinculando as experiências do ecletismo paulistano na arquitetura às apropriações dos
métodos de projeto da École des Beaux-Arts pelo mundo. Às vezes a liberdade dos
arquitetos para criar era maior fora de seus países de origem, onde frequentemente não

7Como já observara Heliana Angotti-Salgueiro (2020, p. 221) com relação às obras de José de Magalhães em
Belo Horizonte, característica que ela considera comum à arquitetura do ecletismo em suas diferentes
manifestações.
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havia demanda para todos8. Ao passo que nas ex-colônias na América podiam encontrar um
campo aberto para experimentações, além de uma sociedade receptiva para novidades.

Foi o que aconteceu com Carlos Ekman na cidade de São Paulo. Mesmo que sua
média anual de projetos por ano fosse relativamente baixa9, oportunidades não lhe faltaram
para exercer sua atividade profissional e experimentar, ainda que tenha passado toda a sua
carreira na cidade à margem da atuação em grandes escritórios, como o de Ramos de
Azevedo, e sem se envolver também em outras atividades, como a docência ou cargos
públicos. Além dos projetos que lhe foram contratados, propôs, por iniciativa própria, alguns
projetos de infraestrutura urbana que também teriam sido investimentos lucrativos– como
fez com o Viaduto Santa Ifigênia, para o qual desenhou um edifício-ponte em sociedade
com Augusto Fried em 1898, com o teatro no Arouche, de 1900, e com um viaduto para as
fronteiras do Brás, porém nenhuma dessas propostas saiu do papel.

Mas se a experimentação parece ser um traço comum aos arquitetos do período, o


que configurou a de Carlos Ekman? Elencamos a seguir aspectos que consideramos
relevantes para elucidar a trajetória desse arquiteto sueco e enriquecer parte dos debates
próprios do ecletismo identificados por Epron.

Debate sobre a história

Sob esse ponto de vista, a obra de Ekman evidencia uma experimentação que
combina, na composição das fachadas e dos agenciamentos internos, elementos obtidos de
diferentes fontes de repertório (passando pelo classicismo, gótico, pitoresco etc), modelos
de circulação internacional, elementos de manifestações mais recentes como o Art Nouveau
e outros inventados ou escolhidos de seu universo pessoal, o que resulta em uma grande
personalização dos projetos; composições que, apesar de vinculadas às regras acadêmicas
mais comuns, nem sempre as respeitam, por vezes subvertendo-as.

Como aponta Angotti-Salgueiro (2020), era comum que os arquitetos possuíssem


ampla formação artística. Muitos eram desenhistas, pintores, aquarelistas e escultores,
como acontece com Carlos Ekman. Sua formação na Escandinávia foi bastante abrangente.
Filho do arquiteto-construtor Pehr Ekman, ele trabalhou como pedreiro e cursou desenho na

8 No caso de Ekman, vale lembrar que a Suécia de meados do século XIX era um país ainda relativamente
isolado e essencialmente rural.
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Academia de Belas Artes de Estocolmo antes de iniciar a educação formal na Escola
Técnica de Copenhague. Em seguida transferiu-se para o curso de Arquitetura e
Ornamentação da Escola Politécnica de Estocolmo (atual Escola de Arquitetura do Instituto
Real de Tecnologia, KTH), deixando a Suécia ao se formar em 1886.

É importante destacar que não se confirma a ideia de que no ecletismo paulistano a


França seria fonte unânime de modelos e referências. Neste sentido, a comparação entre o
projeto do Teatro Municipal (figura 1), desenvolvido para a concorrência de 1898 (não
construído), do teatro do Arouche (figura 2), feito por iniciativa própria (não construído), e do
Teatro São José (figura 3), de 1909, é emblemática. Para o Teatro Municipal, a Ópera de
Garnier era quase que uma referência obrigatória, seguida por quase todos os participantes
mais ou menos fielmente (Amado, 2016, pp. 243-245). Ali, o arquiteto lançou mão de um
modelo parisiense já muito consagrado. No entanto, quando vai construir por conta própria e
para seu usufruto – teria a concessão pelos primeiros anos, depois entregaria à iniciativa
pública, em troca de isenção de encargos – um teatro no largo do Arouche, o referencial é
completamente distinto e o partido de projeto é outro. O próprio texto do memorial descritivo
destaca a ausência de “luxos” e a menor escala. A referência mais provável neste projeto
vem do Teatro de Drammen na Noruega, projeto e construído entre 1869 e 1879 pelo
arquiteto sueco Emil Viktor Langlet (Amado, 2016, p. 185).

Figura 1: aquarela do projeto de Teatro Municipal para São Paulo apresentado por Carlos Ekman em
concorrência de 1898. Não construído. Fonte: Coleção Carlos Ekman do Acervo da Seção Técnica de
Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAUUSP.

9Conforme a catalogação de obras do arquiteto em São Paulo, a maior média anual de projetos simultâneos em
um ano foi de 6 quando de sua sociedade com Augusto Fried (1894-1899). Quando possuía escritório próprio,
essa média caiu para 3 projetos por ano (ver Amado, 2020).
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Figura 2: fachada do projeto de teatro no largo do Arouche, 1900. Não construído. Fonte: Coleção
Obras Particulares do Acervo do Arquiteto Histórico Municipal de São Paulo.

Figura 3: fachada do Teatro São José. Fotografia sem data. Fonte: Coleção Carlos Ekman do Acervo
da Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAUUSP.

Já em 1909, Ekman foi o responsável por projetar e construir o Teatro São José, nas
cabeceiras do viaduto do Chá, defronte ao terreno onde dois anos depois estaria finalizado o
Teatro Municipal de São Paulo. O partido, novamente, é bastante distinto dos demais, nesse
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caso inserindo elementos vinculados ao art nouveau nas composições das fachadas,
combinados com elementos clássicos, de modo que cada uma das três fachadas do edifício
é explorada, do ponto de vista da composição, de forma específica, mas com alguns
elementos que se repetem, conferindo maior dramaticidade ao conjunto, condizente com o
uso de teatro. Teatros na República Tcheca, como o East Bohemia e o Vinohrady são
algumas referências estilísticas possíveis nesse caso (Amado, 2016, pp. 204-205). Na
disposição interna, muito derivada da declividade e posição de esquina do lote, foi criada
uma rua interna, espécie de galeria que ligava a rua Xavier de Toledo ao Viaduto do Chá. O
imponente volume monolítico tinha assim sua rigidez quebrada internamente ao mesmo
tempo em que convidava o pedestre a transitar em seu interior.

No caso da Vila Penteado, ainda que inegavelmente se reconheça muitos traços


vinculados à estética art nouveau e uma obra específica que muito provavelmente lhe serviu
de modelo – o Schloss Esterházy, de 1899, do vienense Carl Joseph Urban (Couto, 2002, p.
107) – , a abordagem é eclética. É a obra de Carlos Ekman que mais fielmente segue um
modelo e um estilo único, sem dúvidas, mas o faz com muitas adaptações e invenções, de
acordo com as demandas do cliente e possibilidades locais. Os motivos decorativos, por
exemplo, remetem às atividades comerciais da família Penteado: o café e a indústria.

Ademais, fica patente na documentação e nos estudos já realizados sobre a casa


que o estilo art nouveau ali adotado, além de trazer uma miscelânea de características
provenientes de suas diferentes manifestações (Liberty, Floreale, Sezession), como notou
Daniela Saldanha (2017) foi uma demanda de Antonio Álvares Penteado (que, recém
chegado de Paris, tinha se impressionado com o estilo na Exposição Universal de Paris de
1900). A casa ainda integrou um conjunto com outras 6 obras que Carlos Ekman projetou e
construiu para o conde entre 1902 e 1911, que constituíram, assim, uma espécie de marca
registrada de Penteado na cidade (Amado, 2020, p. 12).

Debate sobre a técnica

Nota-se na obra do arquiteto tentativas diversas de conciliação entre técnicas e


materiais, que incorporavam à predominante alvenaria de tijolos elementos novos, como o
ferro, o cimento, e o concreto armado e outros tradicionais, porém pouco recorrentes na
arquitetura paulistana no período, como é o caso da madeira. As soluções estruturais de
suas obras muitas vezes são inéditas, inventivas e, em geral, foram desenvolvidas de forma

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específica para cada edifício, demonstrando um processo de apropriação e experimentação
que era ajustado circunstancialmente.

Angotti-Salgueiro (2020) chama a atenção para o fato de que o uso do ferro não era
uma unanimidade à época, mas uma escolha. No caso de Ekman, devemos lembrar de sua
experiência de dois anos em Nova York, trabalhando no escritório dos alemães De Lemos e
Cordes, que dedicaram-se à construção de edifícios de ferro e vidro em linguagem
historicista na cidade (Saldanha, 2017, pp. 96-97). Um dos vestígios de sua passagem pela
cidade presente nos acervos consultados é justamente um livro de bolso sobre estruturas de
ferro. No conjunto de sua obra vemos que lançou mão do material em projetos do período
de 1900 até 1914, como o teatro do Arouche, 1900, a Casa Alemã, 1909, o Teatro São
José, 1909 e a Casa Bamberg, 1909, que trazem uma experimentação com uso mais
extensivo desse material na estrutura, que ficava aparente em alguns pontos, funcionando
associadamente à alvenaria de tijolos.

A interrupção no uso do ferro como material principal em estruturas pode estar


relacionada à dificuldade de acesso ao material que, importado da Europa, no contexto da
Primeira Guerra Mundial tornou-se inacessivelmente caro. Ainda assim, o material
reaparecerá em edifícios do arquiteto embutido em elementos estruturais de concreto
armado, como lajes, vigas e “cintas”, que desenvolvia para assegurar o travamento da
estrutura a partir de 1916, como ocorre no conjunto de quatro prédios para João Alves de
Lima na rua Florêncio de Abreu (figura 4). No material pertencente a sua biblioteca,
encontram-se manuais alemães de 1912 sobre uso do concreto – outra pesquisa, portanto,
que lhe interessava e da qual participou.

Essas experimentações demonstram como, apesar da primazia do uso da alvenaria


de tijolos vinculada ao ecletismo na arquitetura em São Paulo, dava-se também um
processo de apropriação de materiais e técnicas construtivas que eram novidades à época
na cidade e que somente posteriormente vão ganhar hegemonia e definir mais claramente
técnicas que serão ostensivamente aplicadas na construção civil, como é o caso do
concreto armado.

Essas e outras perspectivas de análise com relação à trajetória e a obra deste


arquiteto vem sendo estudadas visando contribuir com as discussões sobre o ecletismo na
arquitetura paulistana, questionando tabus sobre ela e permitindo, assim, avançar na
identificação e análise dos arquitetos e das arquiteturas ecléticas na cidade.

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Figura 4: corte transversal de projeto de edifício comercial à rua Florêncio de Abreu, 108, de 1909,
para João Alves de Lima. Vê-se a utilização de concreto armado em diversas partes da estrutura do
edifício associada à alvenaria de tijolos. Fonte: Coleção Obras Particulares do Acervo do Arquiteto
Histórico Municipal de São Paulo.

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EIXO TEMÁTICO 2

PANORAMA DE TECNOLOGIAS BIM-FM APLICADAS À


MANUTENÇÃO DE EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS

BARRETO, PABLO HENRIQUE NEVES (1); GROETELAARS, NATALIE


JOHANNA (2)

1.Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA, 40210-905. Salvador, BA
pablo.barreto@ufba.br

2.Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


R. Caetano Moura, 121 - Federação, Salvador - BA, 40210-905. Salvador, BA
natgroet@ufba.br

RESUMO
Examina-se neste artigo, mecanismos para facilitar o gerenciamento de instalações (Facility
Management – FM) especificamente, serviços de manutenção em edificações históricas. Estuda-se o
processo de gerenciamento e integração de informações geométricas e semânticas com o uso de
Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modeling – BIM) associada a
aplicações FM. Em particular, pretende-se identificar o Estado da Arte nessa integração tecnológica,
explorando-se potencialidades ressaltadas na literatura (como rapidez e confiabilidade aos fluxos de
trabalho), bem como identificar possíveis lacunas na área de manutenção do patrimônio arquitetônico.
Nesse sentido, apresenta-se um panorama de tecnologias BIM-FM aplicadas nessa área. As
principais técnicas e ferramentas identificadas envolvem a integração do modelo BIM a informações
não geométricas por diversas vias: integração com estrutura ontólogica e compartilhamento web;
conexão a banco de dados em linguagem SQL; compartilhamento web com banco de dados próprio
(como os projetos Inception, HeritageCare e BIMLegacy); uso de programação visual para integração
semântico-geométrica e ainda, integração BIM por meio de tecnologias de realidade virtual e
aumentada. A metodologia incluiu uma Revisão Sistemática de Literatura, que permitiu levantar
dados e realizar reflexões acerca de várias questões, como: possibilidades de integração de
diferentes tecnologias; tipo de informações coletadas e registradas; diferentes formas de classificação
das informações geométricas e semânticas; métodos e técnicas para levantamento, armazenamento,
extração e compartilhamento das informações. Os resultados apontam que o processo de integração
das ferramentas BIM-FM para o gerenciamento de edificações históricas representa um grande
movimento disruptivo, impulsionando pesquisas em áreas diversas. Desse modo, tão importante
quanto à efetivação no uso dessas ferramentas, é o seu aperfeiçoamento e a sua continuidade,
considerando-se recursos disponíveis e conhecimentos técnicos, bem como outras diretrizes, como
prazo estipulado, questões legais/contratuais, estratégia de integração etc. Nesse sentido, o paper
contribui apresentando uma perspectiva importante para o debate e compreensão mais ampla das
peculiaridades do processo de integração BIM-FM para manutenção de edificações históricas.

Palavras-chave: Interoperabilidade; Modelagem da Informação da Construção; Gerenciamento de


Instalações; Manutenção; Documentação arquitetônica.

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1 INTRODUÇÃO
Processos tradicionais de gerenciamento de manutenção predial apresentam uma série de
problemas e limitações, como uso de grande volume de papel e informações dispersas,
inconsistentes e de difícil acesso. No caso de imóveis históricos, os desafios para
preservação são maiores, pois envolvem outras restrições, tais como materiais antigos e
maior complexidade arquitetônica (incluindo irregularidades e deformações sofridas no
decorrer do tempo), o que impacta no processamento de dados envolvidos. Nesse contexto,
o cenário se torna propenso à ocorrência de falhas e atrasos em serviços, resultando em:
infraestrutura degradada, baixa produtividade, desvalorização de imóveis, perda de
garantias etc. (DEL MAR, 2015; ABNT, 2012; LAFRAIA, 2014).

Diante disso, o uso de Sistemas de Gestão de Manutenção (ABNT, 2012) e de tecnologias


digitais de apoio a atividades de manutenção destacam-se como alternativas ao modus
operandi convencional. Algumas dessas ferramentas incluem sistemas para gestão de
instalações (Facility Management – FM) e para Modelagem da Informação da Construção
(Building Information Modeling – BIM), os quais possibilitam: melhor administração de
portifólio e ativos, redução no cronograma de serviços, estimativas de custos mais
confiáveis, maior conformidade a programas estabelecidos etc. (EASTMAN et al., 2014).

Embora a integração destes sistemas seja um dos maiores desafios, se realizada


adequadamente, pode permitir a transferência automatizada de dados extraídos do software
BIM para a aplicação FM, dando suporte às atividades de operação e manutenção por meio
de modelos enriquecidos semanticamente (BRANDÃO; MACHADO; TELES, 2016).

É nesse contexto em que essa pesquisa se enquadra, uma vez que busca identificar,
através de uma Revisão Sistemática de Literatura, exemplos de integração de aplicações
FM com sistemas BIM voltados a edificações históricas, também conhecidos como Historic
Building Information Modeling – HBIM.

2 METODOLOGIA
A Revisão Sistemática de Literatura (RSL) foi utilizada para o mapeamento bibliográfico e
ampla documentação da pesquisa, com etapas verificáveis pelos pares, favorecendo o rigor
investigativo (DRESCH, 2013), e possibilitando a determinação do estado da arte e a
identificação das potencialidades e lacunas relacionadas a uma temática.

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Esse estudo descreve e discute sobre possibilidades de integração tecnológica; diversos
tipos de classificação relacionados a modelagem geométrica e semântica; métodos e
técnicas para levantamento, armazenamento, extração e compartilhamento das informações

Foi elaborado um protocolo com uso do aplicativo StArt, versão 2.3.4.2. As bases de dados
utilizadas foram: Scopus, Web of Science e Science Direct, com um recorte temporal de
cinco anos (2015-2020), tendo o inglês como idioma de pesquisa. A string de busca
utilizada foi: ("Building Information Modeling" OR "Building Information Modelling") AND
("Architectural Documentation" OR Historic OR Heritage) AND (Conservation OR
Maintenance OR Facility OR Utility OR Asset) AND (Management Administration).

Na etapa de seleção, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão de artigos


conforme representado no Quadro 1. Assim, dos 741 artigos identificados, 81 estavam
duplicados, 439 foram rejeitados e 221 foram aceitos. Já na etapa de extração, dos 221
artigos selecionados, 112 foram aceitos para leitura integral, sendo 107 rejeitados e 2
duplicados (artigos não identificados pelos critérios automáticos do software). Nesta etapa,
foi realizada uma nova filtragem, em que dos 112 artigos selecionados, foram filtrados 19
trabalhos, considerando-se ainda os critérios do Quadro 1, mas que tratavam
especificamente de HBIM e FM.

Quadro 1 – Critérios de inclusão e exclusão de artigos


Critérios de inclusão Critérios de exclusão

• Aceitar trabalhos científicos cujos títulos, • Descartar publicações cujo tema não trate
palavras-chaves ou resumos atendam à string de manutenção de edifícios históricos com
de busca e ao objetivo da pesquisa; a abordagem de integração BIM-FM;
• Avaliar papers que correspondam • Desconsiderar artigos duplicados;
indiretamente ao objetivo da pesquisa;
• Excluir trabalhos que não apresentem o
• Incluir trabalhos que abordem métodos método utilizado para integração e
testados de captura, integração, extração ou extração de dados interoperáveis;
compartilhamento de dados de edificações
• Não incluir artigos curtos ou pôsteres;
históricas com uso de BIM em apoio à
manutenção. • Arquivo não disponível para download.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Após a etapa de extração, foi salvo um relatório através do software StArt, o qual gerou uma
planilha em formato XLS com os dados sistematizados. Esta foi formatada e reorganizada
no software Microsoft Excel, possibilitando buscas direcionadas através de filtros de
palavras-chave e outras ferramentas, como formatação condicional, por exemplo.
Finalmente, foi realizada uma discussão entre os artigos lidos, possibilitando um panorama
atualizado sobre a integração BIM-FM, apresentado nesta publicação.
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3 REFERENCIAL TEÓRICO
No ciclo de vida das edificações, a etapa de manutenção é de maior duração e impacto
econômico, o que torna a organização adequada das informações da construção
(agrupamento, armazenamento e disponibilização) essencial para a melhor gestão do objeto
construído (PINTI et al., 2018; GUILLEN et al., 2016; ILTER; ERGEN, 2015; CHEN et al.,
2018; ABNT, 2015). Os reflexos das dificuldades causadas por falhas de manutenção são
conhecidos: atrasos, sobrecustos, absenteísmo, baixa produtividade, desvalorização de
imóveis, perdas de garantias perante construtoras etc. (DEL MAR, 2015; ABNT, 2012;
LAFRAIA, 2014).

Nesse contexto, a integração das tecnologias BIM-FM, pode contribuir para minimização
desses efeitos negativos e apontar novos horizontes (PÄRN et al., 2016; SPENCE, 2018).
Os modos típicos para troca de dados envolvem: ligações diretas entre softwares BIM
específicos; formatos proprietários de arquivos; formatos abertos para compartilhamento de
modelos de dados e formatos baseados em XML1 (EASTMAN et al., 2014). Nessa linha,
Farghaly e colaboradores (2018) pontuam como padrões de arquivos mais utilizados para
interoperabilidade2: o formato aberto IFC3, o padrão público de dados COBie4 e formatos de
softwares proprietários, como Revit, Archicad, Bentley e outros. Borrelli e Scheer (2019)
identificam como prática recorrente para integração BIM-FM, o uso do software Revit
(modelagem geométrica) e COBie (informações semânticas). No entanto, Suzuki (2020)
realiza a integração BIM-FM através de softwares proprietários, em que opta pelo Revit para
a modelagem BIM e o software Archibus para gerenciamento de instalações, desenvolvendo
um roteiro para o processo (Figura 1). Nessa lógica, com a definição prévia de regras e
padrões para fluxo de dados estruturados, viabiliza-se a criação de uma base de dados
enriquecida semanticamente, possibilitando consultas ao sistema com visualizações de
resultados no modelo BIM.

1
Extensible Markup Language: códigos legíveis por máquinas que organizam e possibilitam o compartilhamento
de dados via internet (PEREIRA, 2009).
2 Interoperabilidade está relacionada ao desempenho de diferentes aplicações ou sistemas para trocas de
informações sem retrabalho e perda de dados relevantes. Facilita a comunicação entre profissionais,
possibilitando um fluxo produtivo no intercâmbio de dados geométricos e semânticos durante o ciclo de vida das
edificações (EASTMAN et al., 2014; FARGHALY et al., 2018; RODRIGUES et al., 2019).
3 Industry Foundation Classes (IFC): formato de arquivo BIM interoperável para integridade de informações
incluindo geometria, materiais, processos, desempenho etc. A neutralidade e bidirecionalidade dos arquivos
permite importação ou exportação de dados em todo o ciclo de vida das edificações, desvinculados de softhouse
proprietárias (EASTMAN et al., 2014; BIM DICTIONARY, 2018; BIBLUS, 2017).
4 Construction Operations Building Information Exchange (COBie): padrão ou especificação para intercâmbio
de informações entre aplicações BIM e sistemas FM. Possibilita o armazenamento de dados de maneira
estruturada, ou seja, por meio de planilhas ou solução de software compatível (CHEN et al., 2018; BIM
DICTIONARY, 2021).
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Figura 1 - Roteiro para integração BIM-IWMS5

Fonte: Adaptado de Suzuki, 2020.

Ressalta-se ainda, o papel fundamental dos proprietários na implantação de sistemas BIM-


FM integrados no sentido de promover o uso dessas tecnologias integradas, com a
possibilidade de aplicação parcial do roteiro no caso de organizações em desenvolvimento
(SUZUKI, 2020). Apesar de bem sucedida a experiência de integração do Revit com o
Archibus, esse autor sugere a necessidade de estudos adicionais com o uso de outros
padrões como IFC e COBie.

Nessa perspectiva, verifica-se que o uso de padrões e processos abertos (não-comerciais)


como o OpenBIM6 vem se consolidando, ampliando as possibilidades de melhorias no fluxo

5 Integrated Workplace Management System (IWMS): Plataforma de dados que agrupa os principais processos
envolvidos na gestão de edificações (uma das aplicações de FM). Visa gerenciar e otimizar os recursos do local
de trabalho das instalações, portfólios imobiliários e seus ativos componentes, servindo de apoio ao
planejamento, projeto, gestão, utilização e alienação dos ativos de uma organização baseada na sua localização
(RODAS, 2015; BIM DICTIONARY, 2021; SOARES, 2013).
6OpenBIM é um processo colaborativo neutro que facilita a integração de projetos em o todo o seu ciclo de vida
da construção. Possibilita fluxos de trabalho digitais baseados em formatos abertos e não comerciais como IFC,
COBie, BCF, CityGML, gbXML e outros. Reconhece a interoperabilidade como fator-chave para transformação
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de informações da construção, uma vez que o custo de implantação de sistemas de grande
porte pode ser fator impeditivo no uso dessas tecnologias (NBS, 2020). O avanço nas
técnicas de gerenciamento instalações, contudo, passa por alguns desafios a serem
enfrentados nesse processo de integração (BIM-FM), como apontado no Quadro 2.

Quadro 2 – Uso integrado de plataformas BIM-FM


Potencialidades Desafios envolvidos
• Maior integração e interoperabilidade de • Problemas de captura, integração e
informações com relação à metodologia interoperabilidade de informações;
tradicional; • Curva de aprendizagem necessária para uso
• Maior disponibilidade, precisão, das tecnologias;
confiabilidade e rapidez no armazenamento e • Identificação de informações mais relevantes
recuperação de dados; para FM (no contexto de atividades
• Melhorias no planejamento e redução nos multidisciplinares inerentes ao processo);
erros de interpretação de projetos; • Impacto econômico inicial (compra de
• Melhorias nas condições de trabalho (maior hardware, software e treinamento);
produtividade); • Resistência cultural a novas tecnologias;
• Ampliação da vida útil de equipamentos; • Lacunas legais envolvendo questões de
• Maior facilidade para realização de análises, direito autoral e contratuais;
evitando condições de risco e contribuindo • Informações de manutenção negligenciadas
para o incremento da segurança; na etapa de projeto;
• Melhor controle de custos, com redução de • Necessidade de se ampliar a acessibilidade
prejuízos e retorno de investimentos. do usuário final a informações relevantes
(melhor transparência e comunicabilidade).

Fonte: Elaborado pelos autores7.

3.1 Organização e padronização de dados

Conforme registrado na literatura, diversos são os padrões de classificação relacionados a


modelagem geométrica e semântica, tanto voltados a edificações novas (modeladas desde
a etapa de projeto), quanto a edificações históricas. Uma das referências mais utilizadas é o
LOD (Level of Development): este termo refere-se ao volume de informações (gráficas e
não-gráficas) inseridas em um modelo, visando melhorar a qualidade da comunicação entre
usuários de BIM (BIM FORUM, 2020). O LOD tem grande associação com as etapas de
desenvolvimento de projeto e ao grau de confiabilidade dessas informações que vão sendo
incorporadas ao modelo BIM.

digital, visando intercâmbios de dados confiáveis, melhoras em fluxos de trabalho colaborativos, flexibilização na
escolha de tecnologias de apoio e a sustentabilidade para formatos interoperáveis (BUILDINGSMART, 2021).

7Apoiado em autores diversos (WONG et al., 2018; FARGHALY et al., 2018; PÄRN et al., 2017; DIAS; ERGAN,
2016).

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Brumana e colaboradores (2018) ressaltam, contudo, que esta classificação (na qual o
detalhamento das informações cresce conforme a etapa correspondente), não pode ser
transferida automaticamente para atividades de preservação, restauro e manutenção, em
virtude da maior complexidade envolvida no gerenciamento destas edificações. Propõem
então, um complemento à classificação LOD, apresentando conceitos como LOG, LOA, LOI,
GOG, explicados a seguir.

O LOG (Level of Geometry) se refere ao grau de detalhamento da geometria, para formas


mais complexas, gerado a partir de um LOD 500 e enriquecido com texturas e camadas de
informações atribuídas (materiais, patologias, fase cronológica). O LOI (Level of Information)
associa-se ao nível de informação semântica atribuída ao modelo, e o GOG (Grade of
Generation) é uma classificação relacionada à forma de geração do modelo geométrico em
ferramentas BIM. O GOI (Grade of Information) é um conceito que quantifica a informação
contida em um modelo e o LOA (Level of Accuracy) refere-se à precisão do modelo com
relação ao objeto real.

Com o tempo, surgiram outras classificações associadas a modelos BIM de edificações


históricas, como: GRADE, nível de detalhamento gráfico e geométrico dos modelos BIM
(CHIABRANDO et al., 2018; CAFFI et al., 2014); LODIA que engloba os conceitos de LOD,
LOI e LOA (GRAHAM; CHOW; FAI, 2018); LOIN (Level Of Information Need), nível de
necessidade de informação, que engloba os conceitos de LoD (Level of Detail - Nível de
Detalhe), grau de detalhamento geométrico do modelo, e LOI, associado à quantidade de
informação inserida no objeto (AZENHA et al., 2020).

Nota-se assim, uma grande variedade de sistemas classificatórios para informações


geométricas e semânticas, e critérios para verificação da confiabilidade e maturidade do
modelo. Mas não há um sistema de classificação universal, padronizado e amplamente
utilizado para aplicações em edificações históricas. Nesse contexto, vale destacar a
importância das informações geométricas e semânticas do modelo BIM serem
compreensíveis, coerentes e interoperáveis com as aplicações desejadas do modelo, ao
longo do ciclo de vida da edificação.

3.2 Informações paramétricas associadas aos modelos geométricos

Em referência às informações coletadas e registradas nos modelos, estas envolvem


diversos aspectos, conforme a aplicação de cada estudo. As principais informações citadas
pelos autores incluem: tipos de materiais, estados de conservação, informações históricas,
documentos referentes a tombamento, processos construtivos e histórico de manutenção
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(MASCIOTTA, et al., 2019; FREGONESE et al., 2015; KORPELA et al.,2015; RODRIGUES,
et al., 2019; KIM et al., 2018; YANG et al., 2019).

Nesse sentido, informações e parâmetros podem ser conectados ao modelo através de links
via web, ou de imagens e texturas para criação de mapas de danos (GALANTUCCI;
FATIGUSO, 2019). Há ainda outras possibilidades de aplicações, como a exportaçao e
visualização dos modelos em dispositivos para Realidade Virtual (RV), Realidade
Aumentada (RA) e outras mídias, como smartphones e tablets (MASCIOTTA et al., 2019;
RODRÍGUEZ-GONZÁLVEZ et al., 2017; OSELLO; LUCIBELLO; MORGAGNI, 2018;
MAIETTI et al., 2018, 2019).

3.3 Integração tecnológica

Os métodos citados de integração das tecnologias BIM-FM (Quadro 3) podem ser resumidos
conforme se segue:

• Softwares BIM e aplicações em RV/RA: é possível utilizar modelos HBIM para


aplicações em RV/RA, permitindo não somente a visualização e interação como o modelo
geométrico, mas também para obtenção e inserção de informações semânticas, a partir de
dispositivos específicos ou por meio de smartphones e tablets. No caso de aplicações em
RA, com o ambiente real sendo enriquecido com objetos virtuais, é possível a visualização
de diferentes informações, como instalações, elementos estruturais, diferentes fases
cronológicas, histórico de manutenção etc.

• BIM associados a plataformas web: nesse caso, são desenvolvidos bancos de dados
para consulta via internet, os quais possibilitam buscas parametrizadas com resultados
representados espacialmente nos modelos 3D, facilitando a visualização das informações;

• Uso de plataformas próprias: alguns estudos na área de conservação do patrimônio


vêm se destacando, como Inception, HeritageCare e BIMLegacy, os quais contam com
grandes equipes envolvidas, disponibilidade de recursos financeiros e tecnológicos e
engajamento de vários países. Trata-se de plataformas de consulta via web de
desenvolvimento ad hoc, em cujo ambiente, o modelo BIM é integrado segundo
determinados roteiros e padrões de classificação, possibilitando consultas e facilitando a
comunicação dos intervenientes.

• Softwares BIM conectados a web semântica: nesses casos são desenvolvidas


classificações (taxonomia) e relacionamentos de termos pesquisados (ontologia) segundo a
estrutura lógica construtiva de um edifício. São os chamados bancos de dados relacionais.
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Esta linguagem de pesquisa é conhecida como Linguagem de Consulta Estruturada
(Structured Query Language – SQL), que fundamenta a maioria dos bancos de dados (BD)
disponibilizados para pesquisa na internet;

• BIM e Sistemas de Informações Geográficas (SIG): esse tipo de integração visa


agrupar dados construtivos de escalas arquitetônicas e urbanas, unindo os benefícios do
BIM com o SIG. Geralmente esse processo de integração apoia-se em formatos
interoperáveis: IFC (BIM) e CityGML (SIG 3D), conectando informações heterogêneas
ligadas à conservação de sítios, obras e artefatos arquitetônicos, através de bancos de
dados estruturados em múltiplas escalas e níveis de detalhamento. A vantagem desse
método inclui a possibilidade de consultas e atualizações periódicas dessas bases, com o
propósito de reunir informações para suporte a atividades de manutenção, administração,
pesquisa, divulgação cultural etc.;

• BIM e Softwares de programação visual: nessa técnica, são utilizados softwares ou


plug-ins de programação visual como Dynamo e Grasshoper, integrados às aplicações BIM
(Revit, Archicad, Aecosim etc.). Esses programas permitem a extração automática de
informações do modelo BIM para o preenchimento automático de planilhas e para a
realização de diversas buscas paramétricas no ambiente tridimensional, por meio de
ferramentas de programação de fácil manuseio, possibilitando inúmeras funcionalidades
para os usuários de bancos de dados.

Das leituras realizadas durante a RSL, observa-se que o processo de integração de dados
geométricos e semânticos no contexto de BIM-FM, pode ser resumido em sete grandes
etapas, conforme ilustrado na Figura 2 e descrito em seguida.

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Quadro 3 - Integração BIM-FM em construções históricas

INTEGRAÇÃO ESTUDO DE CASO REFERÊNCIA


Basílica de Santo Ambrogio, Itália (BANFI; BRUMANA;
BIM + RV/RA
século IV) STANGA, 2019)
BIM/NURBS + RV + Basílica de Collemaggio, Itália (século
(BRUMANA et al., 2018)
Plataforma Web XIII)

BIM + BD SQL+ Monastério Agostiniano, Itália (Século


(BRUNO et al., 2019)
Análise diacrônica XVI)

BIM + Plataforma
Catedral de Parma (Séc. XI -XII e
web (AutoDesk 3D (BRUNO; RONCELLA, 2019)
Palácio Duccal de Mântua (século XIII)
Forge)
Monastério Cartuxo, Espanha (século (CASTELLANO-ROMÁN;
BIM + BD
XV) PINTO-PUERTO, 2019)
(CHIABRANDO;
BIM + RV/RA Sítio histórico e Castelo, Itália (1543)
SAMMARTANO; SPANÒ,
2016)
BIM+ BD Igreja Galvagnina, Itália (século XVI) (FREGONESE et al., 2015)

Sistema HBIM + BD
Antigo campo militar. China (séculos
+ interface RV + (JONGWOOK et al., 2019)
XVII -XX)
servidor

BIM + RV/RA +
Museu (Instituto dos Inocentes), Itália
Plataforma web (MAIETTI et al., 2018, 2019)
(séc. XVII)
(Inception)
BIM + RM e
Palácio, Guimarães, Portugal (Século
Plataforma web (MASCIOTTA et al., 2019)
XV)
(HeritageCare)

BIM (Plug-ins) + BD Igreja de Saint Maurice, França (século


(MESSAOUDI et al., 2018)
SQL XIV).

BIM, ontologia e Web


Sítio histórico, Paquistão (séc. XVII) (NOOR et al., 2019)
semântica

BIM + RV/RA + (OSELLO; LUCIBELLO;


Castelo (Piemonte), Itália (século XVI)
Plataforma (A360) MORGAGNI, 2018)

Plataforma Própria Conj. arquitetônico medieval (Espanha),


(PALOMAR et al., 2020)
(BIMLegacy) tombo em 1943

BIM e Web
Igreja, Itália (Século XI) (QUATTRINI et al., 2017)
semântica
BIM + SIG + (RODRÍGUEZ-GONZÁLVEZ
Diversos
RV/RA/RM et al., 2017)
BIM e Web (SIMEONE; CURSI;
Oratório de San Saba, Itália (Século IV)
semântica ACIERNO, 2019)
BIM + Programação
Igreja St-Pierre Jeune, Strasbourg,
Visual + App (YANG et al., 2019)
França (1889-1893)
Ontologia

Fonte: Elaborado pelos autores.

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Figura 2 – Processo Geral de Integração BIM-FM

Fonte: Elaborado pelos autores.

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1. Planejamento: desenvolvimento de diretrizes, em que se determina tempo e recursos
necessários para realização das atividades a partir da análise prévia da logística envolvida;

2. Levantamento de dados: para aquisição de dados geométricos, deve ser checada a


existência de documentos e materiais de referência como projetos, registros audiovisuais,
mapas etc. Caso não existam informações suficientes, é necessária a realização de um
cadastramento da edificação, que pode envolver técnicas tradicionais (medição direta) e/ou
mais sofisticadas, como Fotogrametria e 3D Laser Scanning, para obtenção de nuvens de
pontos. Quanto às informações semânticas, é importante a consulta a documentos
existentes e registro de dados relevantes como patologias, detalhes de funcionamento,
histórico de manutenção, tipos de materiais etc.

3. Análise/mapeamento: as informações geométricas obtidas devem ser averiguadas para


se assegurar sua consistência e qualidade. Materiais impressos devem ser checados quanto
às escalas e dimensões em conformidade com medidas e características
observadas/levantadas in loco. Quanto aos documentos correspondentes à parte semântica,
deve-se realizar a triagem e verificação desses dados para sua utilização.

4. Organização/padronização: informações geométricas devem ser organizadas e extraídas


de desenhos CAD caso existentes, das nuvens de pontos, das imagens e das medidas
coletadas. Isso inclui limpeza e alinhamento das nuvens, geração de malhas e texturas,
conforme o caso. Quanto aos materiais semânticos, devem ser estruturados, padronizados
e legíveis por computador para construção dos bancos de dados relacionais.

5. Modelagem geométrica e semântica: quanto à modelagem geométrica, podem ser


usadas ferramentas BIM como Revit, Archicad, Openbuildings Designer, para a modelagem
geral, ou modeladores geométricos genéricos como Rhinoceros, Blender etc., para a
modelagem de formas mais complexas, a serem exportadas para complementação do
modelo BIM. Quanto ao material semântico deverá ser desenvolvido um banco de dados,
através de softwares como Access, Excel ou plug-ins de apoio (máquinas de inferência,
desenvolvimento de ontologia, programação visual) etc. Nesta etapa, ferramentas
específicas para FM, como Archibus, Planon e Ecodomus, também podem ser utilizadas
para o enriquecimento semântico do modelo BIM.

6. Integração de diferentes tipos de informações e tecnologias: diversas abordagens vêm


sendo desenvolvidas para integração tecnológica, conforme anteriormente mencionado:
softwares BIM associados a: tecnologias para RV/RA, plataformas web, SIG, programação
visual etc. Desse modo, possibilita-se melhor entendimento das informações e maior
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segurança aos usuários dos espaços, já que podem ser simulados ambientes de difícil
acesso, como cumeeiras de telhado, áreas subterrâneas ou insalubres etc. Nota-se assim,
que o mecanismo de integração passa por desafios, considerando-se que não há uma
ferramenta única que dê conta de todo o processo. Essas técnicas estão ainda em
desenvolvimento, com resultados experimentais, embora promissores;

7. Compartilhamento: finalmente, as informações do modelo paramétrico serão


disponibilizadas juntamente às informações semânticas. Nesse caso, podem ser utilizadas
tecnologias virtuais ou fornecimento de links de compartilhamento pela internet (dispositivos
móveis). O usuário, no entanto, não precisa ser um profissional de engenharia ou de
arquitetura. Pode ser um usuário comum, um visitante da instituição por exemplo, o qual terá
um acesso compatível com o seu perfil. Assim, pode ser feita uma visita virtual ao espaço,
contribuindo para a programação de serviços de manutenção. Áreas de difícil acesso podem
ser visualizadas virtualmente sem que o operador se exponha a riscos de quedas ou mesmo
seja causado algum prejuízo a elementos construtivos durante as vistorias (especialmente
em imóveis antigos). Caso haja alguma atualização significativa na arquitetura ou
instalações da edificação, o processo deve ser reiniciado desde a etapa de planejamento e
levantamento de dados, seguindo-se o fluxo normal das atividades até o fim do processo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos estudos apresentados sobre a integração BIM-FM para construções históricas,
ressalta-se a importância de metodologias avançadas para captura, modelagem e
integração de dados geométricos e semânticos com o intuito de criar bancos de dados
enriquecidos como ferramentas de apoio a múltiplas atividades, como serviços de
manutenção, análises de eficiência energética, estudos de viabilidade etc.

Observa-se que a facilidade do BIM para modelagem, visualização e desenvolvimento de


projetos, representando espacialmente elementos arquitetônicos e instalações, está entre as
principais vantagens identificadas na literatura. Tal funcionalidade, alia-se à riqueza de
possibilidades das ferramentas FM, as quais contribuem para o planejamento de operações,
manutenção, restauro, reformas, simulações etc.

Por outro lado, é comum a dificuldade na integração de dados, especialmente considerando-


se as particularidades das edificações históricas. Evidencia-se que ainda é bastante
trabalhoso reunir todo o arcabouço necessário de informações envolvidas nas atividades de
conservação do patrimônio construído. Nesse sentido, o processo de modelagem mostra-se

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intrincado e sujeito a perdas de informações, apesar dos esforços em desenvolvimento com
os formatos interoperáveis (IFC, CityGML etc.).

Construções históricas são geralmente mais complexas do que as mais modernas, o que
gera grande volume de dados, impactando no custo computacional e em tempo de
processamento. Em função de elementos arquitetônicos mais detalhados e complexos,
muitas vezes é necessária a simplificação de modelos para viabilizar os fluxos de dados
computacionais (CHIABRANDO; SAMMARTANO; SPANÒ, 2016).

Outro ponto crítico é a escassez de publicações orientativas sobre gerenciamento de


construções antigas, especialmente no contexto nacional. Conforme Borrelli (2020), no
Brasil inexistem guias BIM dedicados especificamente à integração com FM. Faltam
também softwares dedicados ao segmento de construções históricas. Na fase de
levantamento cadastral, técnicas de levantamento sofisticadas como o 3D laser scanning e
a fotogrametria, além de outras para obtenção de dados ocultos (termografia, ultrassom,
radiografia etc.), podem envolver equipamentos de alto custo e de uso bastante
especializado. Ressalta-se assim, a necessidade de maior investimento em pesquisa,
capacitação e treinamento.

O processo de integração das ferramentas BIM-FM para o gerenciamento de edificações


históricas representa um grande movimento disruptivo, impulsionando pesquisas diversas
como demonstrado no Quadro 3. Desse modo, tão importante quanto à efetivação no uso
dessas ferramentas, é o seu aperfeiçoamento e a sua continuidade, considerando-se os
recursos disponíveis e os conhecimentos técnicos, bem como outras diretrizes: prazo
estipulado, questões legais/contratuais, estratégia de integração etc.

Diante dos desafios e potencialidades mapeados, a modelagem BIM deve ser dimensionada
conforme as realidades organizacionais. A integração de bancos de dados diversos deve
sempre ser adequada em função das reais necessidades e contextos funcionais. Os ganhos
no uso das tecnologias mostram-se evidentes através de maior riqueza das informações
(modelos paramétricos conectadas a bancos de dados), com comunicações mais claras,
permitindo maior economia, rapidez no acesso às informações etc.

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06 a 08 de outubro de 2021
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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

FAZENDAS DO MÉDIO PARAOPEBA: A URBANIZAÇÃO DOS DISTRITOS


DE ENTRE RIOS ENTRE OS ANOS DE 1821 E 1929, MINAS GERAIS,
BRASIL.

Mateus Felipe Rocha Maia (mateusfelprocha@gmail.com)

Marcos Vinícius Teles Guimarães (mvtguimaraes@gmail.com)

O estudo realizado partiu da observação da relevância desempenhada pela


região do médio Paraopeba em relação à sua vocação como “celeiro de Minas”
(ESCHWEGE, 1996, p. 63) durante o século XVIII e XIX, sendo uma região
fundamental para o fornecimento de gêneros alimentícios aos limites territoriais
conflitantes, como as atuais cidades de Ouro Preto/MG e Conselheiro
Lafaiete/MG em tempos de máxima expressão econômica. Em meio a isto,
este estudo é parte sintetizada do Trabalho Final de Graduação do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del Rei que
buscou a contextualização de um trecho na referida região que exibe registros
da escravidão, ruínas e histórias associadas à cultura popular. Portanto, o
ensaio se estruturou sob uma fundamentação histórica e teórica, debruçando-
se sobre a fim de definir uma rota e suas edificações aqui defendidas como
relevantes para o comércio do século XIX em uma região compreendida entre
os atuais territórios Belo Vale/MG e Entre Rios de Minas/MG, que resultaram,
posteriormente na região de Jeceaba/MG. A rota selecionada atravessa outros
três povoamentos, englobando uma edificação tombada pelo Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e algumas outras ordinárias,
com ênfase ao século XIX, dentre elas, a fazenda da Parada 511; percorrendo
uma série de distritos, alguns deles extintos, como o de Santa Cruz do Salto.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

PANORAMA DE TECNOLOGIAS BIM-FM APLICADAS À MANUTENÇÃO DE


EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS

Pablo Henrique Neves Barreto (pablo.barreto@ufba.br)

Natalie Johanna Groetelaars (natgroet@ufba.br)

Examina-se neste artigo, mecanismos para facilitar o gerenciamento de


instalações (Facility Management – FM), especificamente serviços de
manutenção em edificações históricas. Estuda-se o processo de
gerenciamento e integração de informações geométricas e semânticas com o
uso de Modelagem da Informação da Construção (Building Information
Modeling – BIM) associada a aplicações FM. Em específico, pretende-se
identificar o Estado da Arte nessa integração tecnológica, explorando-se
potencialidades ressaltadas na literatura (como rapidez e confiabilidade aos
fluxos de trabalho), bem como identificar possíveis lacunas na área de
manutenção do patrimônio arquitetônico. Nesse sentido, apresenta-se um
panorama de tecnologias BIM-FM aplicadas nessa área. As principais técnicas
e ferramentas identificadas envolvem a integração do modelo BIM a
informações não geométricas por diversas vias: integração com estrutura
ontólogica e compartilhamento web; conexão a banco de dados em linguagem
SQL; compartilhamento web com banco de dados próprio (Inception,
HeritageCare e BIMLegacy, por exemplo); uso de Programação Visual para
Integração semântico-geométrica e ainda, integração BIM por meio de
tecnologias de realidade virtual e aumentada. A metodologia incluiu uma
Revisão Sistemática de Literatura, viabilizando um mapeamento bibliográfico
relevante e documentação de todo o processo de modo amplo e colaborativo.
A pesquisa permitiu levantar dados e realizar reflexões acerca de várias
questões, como: softwares mais citados e utilizados nos estudos de caso;
especificidades para a manutenção de edificações históricas; possibilidades de
integração de diferentes tecnologias; tipo de informações coletadas e
registradas; níveis de desenvolvimento e aplicações associadas; métodos e
técnicas para levantamento, armazenamento, extração e compartilhamento das
informações. As bases de dados utilizadas: Scopus, Web of Science e Science
Direct, com recorte temporal de cinco anos (2015-2020), idioma inglês e a
seguinte string de busca: ("Building Information Modeling" OR "Building
Information Modelling") AND ("Architectural Documentation" OR Historic OR
Heritage) AND (Conservation OR Maintenance OR Facility OR Utility OR Asset)
AND (Management Administration). Os resultados apontam que o processo de
integração das ferramentas BIM-FM para o gerenciamento de edificações
históricas representa um grande movimento disruptivo, impulsionando
pesquisas em áreas diversas. Desse modo, tão importante quanto à efetivação
no uso dessas ferramentas, é o seu aperfeiçoamento e a sua continuidade,
considerando-se recursos disponíveis e conhecimentos técnicos, bem como
outras diretrizes, como prazo estipulado, questões legais/contratuais, estratégia
de integração etc. Nesse sentido, o paper contribui apresentando uma
perspectiva importante para o debate e compreensão mais ampla das
peculiaridades do processo de integração BIM-FM para manutenção de
edificações históricas.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

TÉCNICA E ARTE NO PÓRTICO DO IFG – O RESTAURO

Wolney Unes (engenho21@gmail.com)

Argemiro Mendonça (a.mendonca.pontes@gmail.com)

Gabrielle Costa (gabriellercosta96@gmail.com)

Isabel Rodrigues (isabelrodriguesp17@gmail.com)

O Pórtico do Instituto Federal de Goiás, em Goiânia, surgiu no contexto do


Batismo Cultural da cidade, em 1942, e foi inovador em sua forma construtiva e
materialidade. O engenheiro-arquiteto Jorge Félix de Sousa utilizou a então
nova técnica do concreto armado como principal elemento construtivo,
associado à alvenaria de tijolo rebocada e pintada. O autor utilizou-se também
da técnica de laje cogumelo, buscando associar esbelteza arquitetônica aos
fundamentos físicos para sua estrutura.

O presente trabalho analisa as possíveis origens do conceito de pórtico, assim


como suas funções representativas para a sociedade e seus principais
elementos construtivos. Além disso, é observado o contexto do surgimento do
Pórtico do IFG, assim como as marcas de degradação ao longo dos seus 80
anos de existência, para propor seu restauro. No curso da análise do pórtico,
observou-se a falta de informações e documentos acerca da construção e de
seu construtor. Procedeu-se, então, à verificação das fontes de seu desenho
arquitetônico bem como das premissas estruturais, tanto de cálculo como de
materiais, para produção de plantas, cortes, fachadas e memoriais. Sobre o
engenheiro-arquiteto Jorge Félix de Sousa foi realizada vasta pesquisa com
base em livros, documentos, antigos colegas de trabalho e alunos, assim como
a junção de materiais de outras obras que ele projetou e executou.

O resultado da pesquisa foi reunido em um livro para registrar a trajetória


profissional de Jorge Félix de Sousa e suas obras, que possuem grande
significado para a história da construção no Brasil central.
EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO;
CONSERVAÇÃO FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE
DOCUMENTOS; ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE
ARQUITETURA E URBANISMO; ACESSO À INFORMAÇÃO E
INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL, DIGITALIZAÇÃO DE
ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

TÉCNICA E ARTE NO PÓRTICO DO IFG


O restauro

UNES, WOLNEY (1); MENDONÇA, ARGEMIRO (2); RIBEIRO, GABRIELLE (3)


RODRIGUES, ISABEL (4)

1. Universidade Federal de Goiás. Centro de Estudos Brasileiros


Rua 94, 1149, s/ 4, Setor Sul, 74083-060
engenho21@gmail.com

2. IPOG. Engenharia Civil


Rua Alfa, Qd. 160-A, c. 42, Jaó, 74674-130
a.mendonca.pontes@gmail.com

3. Universidade Federal de Goiás. Arquitetura e Urbanismo


Rua 227, 360, Setor Leste Universitário, 74605-080
gabriellercosta96@gmail.com

4. Universidade Federal de Goiás. Arquitetura e Urbanismo


Al. Imbé, 497, Cond. Paquetá, c. 30, Pq. Amazonas, 74835-460
isabelrodriguesp17@gmail.com

RESUMO
O Pórtico do Instituto Federal de Goiás, em Goiânia, surgiu no contexto do Batismo Cultural da
cidade, em 1942, e foi inovador em sua forma construtiva e materialidade. O engenheiro-arquiteto
Jorge Félix de Sousa utilizou a então nova técnica do concreto armado como principal elemento
construtivo, associado à alvenaria de tijolo rebocada e pintada. O autor utilizou-se também da técnica
de laje cogumelo, buscando associar esbelteza arquitetônica aos fundamentos físicos para sua
estrutura.

O presente trabalho analisa as possíveis origens do conceito de pórtico, assim como suas funções
representativas para a sociedade e seus principais elementos construtivos. Além disso, é observado o
contexto do surgimento do Pórtico do IFG, assim como as marcas de degradação ao longo dos seus
80 anos de existência, para propor seu restauro. No curso da análise do pórtico, observou-se a falta
de informações e documentos acerca da construção e de seu construtor. Procedeu-se, então, à
verificação das fontes de seu desenho arquitetônico bem como das premissas estruturais, tanto de
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cálculo como de materiais, para produção de plantas, cortes, fachadas e memoriais. Sobre o
engenheiro-arquiteto Jorge Félix de Sousa foi realizada vasta pesquisa com base em livros,
documentos, antigos colegas de trabalho e alunos, assim como a junção de materiais de outras obras
que ele projetou e executou.

O resultado da pesquisa foi reunido em um livro para registrar a trajetória profissional de Jorge Félix
de Sousa e suas obras, que possuem grande significado para a história da construção no Brasil
central.

Palavras-chave: Goiânia; concreto armado; Jorge Féliz de Sousa; art déco; pórtico

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O pórtico do Instituto Federal de Goiás (Fig. 1) foi a primeira estrutura desse tipo erigida na
nova cidade de Goiânia. Inaugurado em 1942, visava marcar de maneira monumental a
entrada da Exposição de Goiânia. Metaforicamente, o visitante, ao passar sob ele,
adentrava um novo mundo, a promessa de nova vida, como aquela proposta pela nova
cidade. Jorge Félix de Sousa, engenheiro-arquiteto responsável pela idealização e
construção do monumento participou em outros diversos projetos pioneiros na capital.

Figura 1. Vista Geral do Pórtico do IFG

Materiais e método

A partir da análise do Pórtico do IFG, in loco, com verificação de seu estado de


conservação, procedeu-se a pesquisa bibliográfica com vistas à contextualização de seu
desenho e estrutura.

O presente trabalho analisa o contexto do surgimento do Pórtico do IFG, suas marcas de


degradação ao longo de seus 80 anos de existência, para propor seu restauro. No curso da
análise do pórtico, procedeu-se à verificação das fontes de seu desenho arquitetônico bem
como das premissas estruturais, tanto de cálculo como de materiais.
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06 a 08 de outubro de 2021
Além disso, foi observado durante as pesquisas de contextualização histórica que o
engenheiro-arquiteto responsável pela obra é um personagem pouco conhecido e pouco
lembrado no Brasil Central, mas que teve atividade fundamental no início da construção de
Goiânia. A falta de informações e documentos acerca dos seus feitos impulsionou uma
busca com diversas pessoas que tiveram contato com Jorge Félix de Sousa, de modo que
esses depoimentos desvendassem algumas atividades de nosso profissional pioneiro.

O compilado entre a análise do monumento e do engenheiro-arquiteto resultou em um livro


chamado Jorge Félix de Sousa: Técnica e Arte, que tem o objetivo de evidenciar a
genialidade do profissional, assim como suscitar interesse pela continuidade da pesquisa
sobre a sua vida e obra, colocando-a no patamar que merece seu trabalho.

Técnica e Arte

A história é conhecida: d. João VI, rei de Portugal, ao chegar ao Rio de Janeiro fugindo das
tropas napoleônicas em 1808, decepciona-se com o ambiente da cidade. De modo a aplacar
o descontentamento real em seu exílio, a partir de 1816 passa a chegar à cidade uma
comitiva de artistas franceses, com o objetivo de cultivar e disseminar a prática artística
europeia na colônia, e assim criar o ambiente de que o rei tanto se ressentia.

A chegada desse grupo culminou, entre outras iniciativas, na criação de uma instituição de
ensino, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Ali, o grupo de franceses, com o apoio
da corte, delineou um centro de formação artística, com cursos como arquitetura, pintura,
desenho e música. Após muitas idas e vindas, em 1826, renomeada Academia Imperial de
Belas Artes, a instituição instalou-se em sua sede própria, em edifício projetado por um dos
integrantes do grupo, o arquiteto Grandjean de Montigny. Entre os primeiros professores
estavam os pintores Nicolas-Antoine Taunay, seu filho Félix-Émile Taunay, Jean-Baptiste
Debret e o próprio Montigny, entre outros. Passaram por ali estudantes que se tornariam
nomes relevantes nas artes brasileiras, como Vítor Meireles, Pedro Américo, e ou Rodolfo
Amoedo, criadores de algumas das imagens mais icônicas da nação. Ao longo do séc. 19, a
instituição foi referência na formação de artistas no País e serviu de modelo para várias
iniciativas semelhantes em outras partes do Império, como o Liceu de Artes e Ofícios de
São Paulo (1873).

Com o advento da República, a escola muda seu programa de ensino e seu nome,
tornando-se a Escola Nacional de Belas Artes. Em 1908, a escola abandona o antigo
edifício de Montigny (que seria demolido em 1938) e passa a ocupar o imponente edifício na
Av. Rio Branco, atual sede do Museu Nacional de Belas Artes. Finalmente, a partir de 1931,
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a escola incorpora-se à recém-fundada Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde
Universidade do Brasil (1937) e atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi nessa
época que Jorge Félix de Sousa freqüentou seu curso, entre 1928 e 1933, já no novo prédio
da Av. Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro.

Jorge Félix de Sousa formou-se numa época conturbada da escola, marcada pelo embate
entre grupos que intentavam abandonar práticas correntes, consideradas antiquadas, e
modernizar o ensino. Nomes como Lúcio Costa, diretor da escola em 1933, buscavam
incentivar o Modernismo, abandonando o que consideravam academicismos. É nessa época
que surge, por exemplo, a cadeira de Urbanismo, uma inovação na época.

De modo geral, a técnica começava a se impor cada vez mais na formação da arquitetura, e
já na legislação de criação da Universidade do Brasil, em 1937 (Lei nº 452, de 1937), estava
prevista a criação da Escola Nacional de Arquitetura separada das belas-artes. Mas apenas
em 1945 é que ocorreria a consolidação dessa separação entre as belas-artes e a
arquitetura, que passam a ser ensinadas em escolas específicas: a Escola de Belas Artes e
a então Faculdade Nacional de Arquitetura (organizada pelo Decreto 7.918, de 1945),
ambas atualmente integrantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O que esteve
aqui em jogo nessa transição é um dilema ainda hoje presente na formação em arquitetura:
ora segue-se um viés artístico, ora é técnica, ora entende-se como ciências sociais
aplicadas.

Ao diplomar-se, Jorge Félix de Sousa recebeu o título de engenheiro-arquiteto,


denominação já utilizada, mas apenas normalizada pelo Decreto nº 23.569, de 1933, que
regulava o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor (e fundava
o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura). Por essa legislação, engenheiro-arquiteto
e arquiteto eram equivalentes, tanto em formação como em exercício profissional. A
denominação engenheiro-arquiteto embute ainda uma opção pela formação com viés tanto
artístico como técnico.

E esses cuidados se iniciam diante de um horizonte amplo. Talvez o aspecto mais evidente
da carreira seja o fato de que o engenheiro-arquiteto é antes de tudo um pioneiro. Quase
nunca engenheiros e arquitetos trabalham em ambientes ou situações urbanas,
consolidadas, confortáveis. Muitas vezes, esses profissionais vão trabalhar em lugares onde
a civilização ainda não chegou, onde o Homo faber ainda não esteve.

Quando Jorge Félix de Sousa abandona o Rio de Janeiro e vem para Goiânia, a partir de
sua diplomação, em 31 de dezembro de 1932, o que ali havia era apenas um grande
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canteiro de obras. O engenheiro-arquiteto passa então a elaborar o levantamento
topográfico de quadras e lotes na futura cidade, em seguida passa a dedicar-se às vias da
nova capital, no Departamento de Produção e Trânsito de Goiânia. Mais tarde passa a
cuidar de estradas em todo o Estado, como inspetor de Estradas de Rodagem do Estado,
para finalmente assumir o cargo de secretário de Estado da Economia Pública.

Ao lado de tudo isso, Jorge não deixou de lado sua atividade de educador, dando aulas em
várias instituições da cidade, colégios e faculdades, além de cursos livres. Deu aulas até em
praça pública. Jorge não abandona, ainda, a sua atividade de criador, escrevendo, pintando,
fotografando e desenhando.

Mas há ainda outra faceta do pioneirismo, haverá vezes ainda em que o engenheiro-
arquiteto será o primeiro a vislumbrar um problema: cumpre a ele todo o trabalho de
convencimento acerca da existência do próprio problema, de que é preciso buscar soluções.
Com isso, o engenheiro arquitetônico precisa saber identificar problemas, apontar caminhos
e propor soluções, estando sempre um passo à frente.

O cerne do drama da posição do arquiteto está aqui, situando-se ora nas belas-artes, ora na
técnica. Na formação do técnico, engenheiro ou arquiteto ou artista, cumpre não abandonar
a formação humanista. É essa formação que lhe dará sensibilidade para reconhecer que
não basta modificar, reconfigurar a natureza, abrir espaço para as realizações humanas. O
engenheiro e o arquiteto devem saber conciliar o espaço humano com o espaço natural,
aparentemente tão díspares.

Jorge Félix de Sousa teve participação em muitos projetos e edificações nos primeiros anos
de Goiânia. Já não se sabe a abrangência dessa participação, se restrita a cálculos
estruturais ou se abrangeria também o desenho. Mas em menções de diversas fontes a
vários edifícios, seu nome aparece isoladamente, com o que pode-se especular que teria
sido autor tanto do projeto de arquitetura como dos cálculos complementares.

Um desses edifícios é a Igreja Imaculado Coração de Maria, com obras iniciadas em 1940,
uma das primeiras igrejas edificadas na cidade. Nomeada patrimônio histórico do Estado em
1982, a igreja mantém ainda hoje todas as suas características originais. Jorge Félix de
Sousa elaborou os projetos sem custo para a Congregação Claretiana e acompanhou
diariamente a execução da obra. Morou por muito tempo quase em frente à igreja, na
mesma Avenida Paranaíba, numa pequena residência ainda hoje existente, também projeto
seu. A igreja exibe característica do estilo art déco, simétrica, com linhas geométricas e
decoração parcimoniosa. A Casa Paroquial, aos fundos, mantém-se indecisa entre o
colonial e o contemporâneo, com janelões em arco e grande beiral.
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A mesma indecisão estilística se manifesta no projeto do Coreto da Praça Cívica, edificado
por ocasião da inauguração da capital, em 1942. Há ali elementos claramente oriundos do
Ecletismo da virada para o século 20, bem como uma ou outra composição geométrica do
art déco. O bordo da laje de cobertura exibe decoração rebuscada, ao passo que a laje, ao
contrário das soluções adotadas no Pórtico da Exposição de Goiânia, é estruturada com
vigas invertidas nos balanços.

O Relógio da Avenida Goiás, ao contrário, é obra, por assim dizer, fiel aos cânones do art
déco: ali abusa-se de decoração geométrica, jogo de volumes e revestimento em pó de
pedra com quartzito micáceo. Frisos verticais, vidros e uma intrincada grade sobre o
mostrador completam o panorama do relógio.

A grande obra do período é o Teatro Goiânia, edifício elaborado em parceria com José
Amaral Neddermeyer. Trata-se de obra-prima do art déco, edifício de enormes proporções
para a nascente capital, com mais de 12 m de cota de coroamento, recorde absoluto na
época para o Brasil Central. Pelo seu valor estético e testemunho da vontade de inserir a
nova cidade no âmbito cultural do País, o teatro foi nomeado patrimônio nacional pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2003.

Este conjunto de obras foi edificado por ocasião das festividades de inauguração da cidade.
O Pórtico de Goiânia foi pensado como estrutura provavelmente provisória, para marcar a
entrada da Exposição de Goiânia. Nessa exposição, apresentavam-se a cidade e o Estado
ao País, com exibição e amostra de traços culturais da região, culinária, belezas naturais,
danças folclóricas ou peças étnicas. Terminada a exposição, ficou o pórtico, a marcar a
entrada do pátio da então Escola Técnica de Goiás. O pórtico, bem como o edifício principal
do hoje Instituto Federal de Goiás, também faz parte do patrimônio nacional art déco desde
2003.

Jorge Félix de Sousa foi um dos grandes responsáveis pelas solenidades do Batismo
Cultural de Goiânia. Apesar de a história oficial não o ter registrado como um dos
protagonistas, esteve nos bastidores da maioria das atividades.

As solenidades iniciaram-se no dia 4 de julho de 1942, um dia frio. Após a recepção e baile
daquela noite, o dia 5 começou com grande alvorada, já a partir das 5 horas da manhã.
Todos se dirigiram então para a Praça Cívica, para a missa campal defronte o Palácio das
Esmeraldas, onde foi montado grande cenário. À tarde, dirigiram-se os convidados ao
Teatro Goiânia, para a inauguração formal da cidade.

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Paralelamente a essas atividades oficiais, no pátio da então Escola Técnica Federal,
realizava-se a Semana Ruralista, com a primeira exposição pecuária de Goiás, evento ainda
hoje realizado anualmente. Pois por detrás de toda essa infraestrutura – Teatro Goiânia,
areal da Exposição de Goiânia, mobiliário urbano da Praça Cívica – estava a figura do
engenheiro- arquiteto.

Depois desse acúmulo de obras, Jorge participaria ainda da edificação da primeira sede da
Escola Goiana de Belas Artes, na Praça Universitária, na década de 1950, edifício já
modernista, demolido em fins dos anos 1990. Foi ainda o responsável pelo cálculo estrutural
da nova catedral de Goiânia, edificada numa quadra inteira (inicialmente planejada como
área residencial) da Avenida Universitária e inaugurada em 1956.

A partir daí, suas atividades inclinam-se cada vez mais para a docência. Deixou ainda
alguns poemas, publicados postumamente, e várias gravuras e telas a óleo.

Discussão sobre o monumento

O Pórtico

A ideia de pórtico persegue a humanidade há milênios. Na mitologia xintoísta, o pórtico


marcaria a divisão entre o mundo profano e o sagrado, ao passo que a tradição chinesa o
via apenas como monumento a demarcar um sítio. Em ambos os casos, especula-se que a
origem seja a da torana hinduísta. Na cultura hindu, a torana tinha tanto a função de
demarcar a entrada a um espaço sagrado como a de abençoar e comemorar um evento. No
nascimento de um bebê, por exemplo, era (e ainda é) comum edificar um arco defronte a
casa dos pais, sob o qual convidados e a família devem passar com o recém-nascido ao
adentrar a casa, de modo a eliminar maus pensamentos e espíritos. O mesmo valia para um
casamento ou mesmo para a inauguração de um edifício. Essa tradição chegou até nós e
manifesta-se tanto no costume de cortar a fita inaugural de um novo edifício, bem como a de
fazer os recém-casados passarem sob os braços arqueados dos convidados.

A ideia da torana, portanto, se materializa por meio de dois pilares encimados por uma viga,
destacado de qualquer outra edificação. Aos poucos a viga superior evoluiria para uma
arquitrave, com arcada, frisos e outros elementos decorativos, o que daria origem aos
grandes arcos comemorativos.

De modo semelhante, a arquitetura grega clássica exibe o mesmo tipo de estrutura.


Provavelmente o conceito se desenvolveu de maneira independente das toranas. Estruturas

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semelhantes são encontradas em outras culturas distantes, como o caso das cidades maias
na América Central e mesmo das ruínas neolíticas de Stonehenge, na Inglaterra, datadas de
2000 a.E.C.

De volta à Grécia, há ali exemplos de pórticos desde os anos 1500 a.E.C. Em casos mais
elaborados, a estrutura evolui para um propileu (literalmente “algo antes da porta”), como no
caso da Acrópole (séc. 5 a.E.C.). Diferentemente da evolução oriental, os propileus gregos
são estruturas em geral ligadas a um edifício.

A arquitetura romana tomou de empréstimo a estrutura grega e a transformou em grandes


arcos independentes e monumentais, edificados muitas vezes para comemorar uma vitória
militar ou a chegada de um visitante ilustre. No caso militar, os arcos do triunfo eram
edificados por ocasião da volta das tropas vitoriosas, ao passo que arcos comemorativos
foram edificados em lugares variados, em estradas, cruzamentos ou na entrada de cidades
e territórios. Estima-se que mais de 360 desses arcos romanos tenham sido edificados
(BINDING, 2009, p. 18).

Essa tradição foi mantida até a época moderna, com arcos em Paris, Berlim, Madri e outras
cidades ocidentais. No século 20, o período do art déco retomou o conceito e propôs
monumentos desse tipo. Um dos primeiros exemplos conhecidos é a Praça da Entrada do
Brasil, projeto proposto pelo arquiteto francês Alfred Agache (1930), para a região entre a
Glória e o Centro do Rio de Janeiro, nunca edificado. Ali sobressaem-se os dois grandes
pilares por entre os quais o visitante passaria ao adentrar o País. Outros exemplos
encontram-se país afora em pontes e outras locações marcantes (UNES, 2001, p.47).

Entretanto, nesses casos, a inspiração parece mais baseada nos chamados pilones dos
templos egípcios, cultura que fascinava o Ocidente na esteira da descoberta da tumba de
Tutancâmon. Os mais antigos pilones datam de 1500 a.E.C. e eram edificados para
demarcar a entrada de um templo ou solo sagrado. Os pilones eram formados por dois
pilares ou torres laterais, unidas por uma viga. Característica marcante a diferenciar os
pilones dos arcos gregos e romanos, bem como das toranas, são os pilares a extrapolar a
altura da viga. É esse o caso do pórtico do IFG, com suas duas altas torres de 11 m,
prolongadas para além da viga de cobertura a 3,80 m do piso.

A referência egípcia é ainda reforçada pela edificação de vários obeliscos em pontos focais
da cidade. Os grandes templos quase sempre exibiam um par de obeliscos em frente ao
pilone. Se não há obeliscos em frente ao pórtico de Jorge Félix de Sousa, há (ou havia)
exemplares tanto na Praça Cívica, no ponto do prolongamento das Avenidas Tocantins e
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Araguaia e no cruzamento dessas mesmas avenidas com a Anhanguera. Não seria demais
especular que o engenheiro-arquiteto tenha se baseado nessas referências, homem culto,
de múltiplos interesses, com longos anos de estudos no Rio de Janeiro.

A estrutura completa dos pilones egípcios está ligada à ideia de recriação e renascimento, é
a representação espacial do hieróglifo “horizonte”, com o sol a nascer entre duas colinas.
Nada mais apropriado portanto que edificar um pilone na nova cidade que recriava Goiás e
se abria para o País e para o mundo.

A técnica do concreto armado

Entre as várias inovações chegadas com a construção de Goiânia, das mais importantes
talvez tenha sido o cimento, com sua aplicação em peças de concreto armado de
vergalhões de aço. Essa técnica passou a substituir a antiga estrutura de madeira,
possibilitando maiores vãos e altura, bem como múltiplos pavimentos e lajes em balanço.

Iniciado na França a partir de fins do século 19, o uso de armadura de aço no concreto foi
uma inovação recente. Após várias experimentações com a técnica, a primeira estrutura
registrada é um edifício de quatro pavimentos construído num subúrbio de Paris, em 1853
(AVENIER, 2010, p. 33).

O concreto armado consiste em uma estrutura de ferro, uma espécie de esqueleto, em volta
da qual é aplicada uma mistura de cimento, areia e brita. O cimento é um material altamente
resistente à compressão, mas não resiste bem à tração. Combinado o cimento com o aço, o
composto ganha resistência tanto à tração como à compressão, uma união que possibilita
peças esbeltas e ao mesmo tempo resistentes, o que não seria possível nem com peças de
madeira nem com esses materiais usados isoladamente. Em que pese ter sido introduzido
apenas no século 19, tanto o ferro como o cimento eram já antigos conhecidos.

Os primeiros registros de uso de cimento datam do Egito, em pirâmides do séc. 25 a.E.C.


De maneira sistemática, foi também utilizado no Império Romano, em vários tipos de
edificações. Com o fim do Império Romano, a tecnologia caiu em esquecimento e o
conhecimento só foi recuperado nos anos 1800 na França, com a compreensão dos
processos químicos envolvidos e o domínio da fabricação do cimento.

No Brasil, a tecnologia de produção de cimento chegou com as primeiras pequenas fábricas


em fins do século 19. A maioria dessas fábricas não durou mais que uns poucos anos, já
que os custos de transporte entre os locais de produção e de consumo tornavam o produto

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custoso. Com escala comercial e de maneira perene, a primeira indústria estabeleceu-se em
São Paulo em 1924, a Companhia Brasileira de Cimento Portland (TELLES, 1994, p. 101).

Jorge Félix de Sousa especializou-se em cálculo estrutural de concreto armado, disciplina


ainda jovem. Sistematizado inicialmente na França e na Alemanha em meados do século
19, a primeira obra conhecida no Brasil, em concreto armado é um túnel ferroviário
concluído em 1901, na Serra da Mantiqueira em Minas Gerais. A partir daí, foram
construídos pontes, aquedutos e muros de arrimo, e o primeiro edifício surgiria em 1909, em
São Paulo. Em todas essas obras, foi mínima a participação de construtores nacionais, visto
que a técnica ainda era pouco conhecida. Apenas em 1926 funda-se no Brasil o primeiro
escritório de cálculo estrutura de concreto armado, do engenheiro Emílio Baumgart, no Rio
de Janeiro.

Foi nesse cenário que o jovem Jorge Félix de Sousa tomou contato com essa técnica,
tornando-se responsável por vários dos primeiros edifícios com estrutura de concreto
armado em Goiânia e por conseguinte em Goiás. Os depoimentos de construtores da época
o dão como autor dos projetos estruturais do Teatro Goiânia (1942), com grande plateia
superior em balanço, do Coreto da Praça Cívica e do Relógio da Avenida Goiás (1942). É de
sua autoria ainda o cálculo estrutural da Igreja Imaculado Coração de Maria (iniciada em
1940), além de participação no cálculo da Catedral Metropolitana de Goiânia (1956).

Resultados

Ao longo da história, vários materiais foram utilizados na edificação de pórticos e arcos. Na


arquitetura clássica greco-romana o material preferencial para o pórtico era a pedra, mesmo
material dos pórticos maias e egípcios, ao passo que toris xintoístas utilizam
majoritariamente madeira. Alguns pórticos romanos também utilizaram-se de cimento com
revestimento em pedra. O pórtico do IFG foi edificado em concreto armado e alvenaria de
tijolo rebocada e pintada.

Dois pilares robustos formam a base do pórtico. O volume e a geometria dos pilares são
moldados por alvenaria rebocada, ocos na base e sólidos a partir de determinada altura.
Unindo os dois pilares, há a laje em concreto armado, extremamente delgada, com
espessura de 10 cm no bordo, contrapondo-se à elevada robustez dos pilares. Entretanto a
esbeltez da laje é efeito visual provocado por sua forma: no ponto de engaste com os
pilares, a espessura chega a 15 cm. O resultado atende duplo objetivo, um técnico, outro
poético: diminuição do peso próprio no bordo, região de maior carga, e grande esbeltez da
peça (Fig. 2).
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Figura 2. Projeção e corte do Pórtico; diagrama de cargas

Os elementos estruturais foram edificados em concreto convencional da época e, após


quase 80 anos de existência exibia elevada carbonatação e grande oxidação de ferragens
expostas. A restauração levada a cabo em 2020 visou exatamente interromper e reverter
esse processo.

Primeiramente, procedeu-se à recuperação dos problemas de corrosão das armaduras na


face inferior da laje. Para isso, foi escarificado e removida toda a camada de recobrimento
de concreto, que possuía cerca de 2 cm de espessura. Após a limpeza das superfícies do
concreto e do aço, procedeu-se a conversão do processo de oxidação das ferragens
existentes. Posteriormente, foi verificada a necessidade de complementação de secção
metálica em função de leve perda de secção de armadura. Optou-se por inserir uma malha
de aço, soldada e amarrada à armadura remanescente (Fig. 3). Finalmente foi reconstruída
a geometria com aplicação de argamassa estrutural, especialmente na parte inferior, região
mais desgastada do revestimento da laje. Na parte superior da laje, as fissuras existentes
foram tratadas por colmatação, com preenchimento por concreto após abertura das fissuras,
identificadas especialmente nas regiões de engaste da laje nos pilares.

Foram identificados ainda desgastes provocados por infiltração pluvial, especialmente na


parte inferior da laje. Ocorre que a velocidade de escoamento da água por sobre o bordo da
laje permitia-lhe escorrer para dentro da superfície inferior. Para corrigir o problema, foram
moldadas pingadeiras com menos de 1 cm em todo o bordo da laje, de seção quadrada com
sulco em sua face inferior.

Com relação ao revestimento final, foi realizada prospecção de cores, com a identificação de
três camadas (Fig. 3). A mais antiga delas exibia um rosa-escuro, tonalidade também
encontrada em outros edifícios art déco da mesma época em Goiânia. Entrementes, optou-
se por manter a coloração palha anterior, combinando com a tonalidade do edifício principal
do IFG.

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Figura 3. Sustentação da laje antes da restauração; escarificação da laje; prospecção cromática

Em termos estruturais, a edificação é tão magnífica quanto simples: laje que se apoia em
um pilar. Entretanto, para conhecedores de sistemas estruturais, a simplicidade das peças
combinadas é já um fator instigador. Os sistemas estruturais mais simples são compostos
por três elementos: lajes, vigas e pilares. No caso de nosso pórtico, as vigas foram
suprimidas.

Este tipo de sistema estrutural – com apenas os elementos placa e barra, com apoio direto
da placa na barra – denomina-se laje cogumelo. Uma placa, ao apoiar-se em uma barra, faz
com que a barra tenda a perfurar a placa. A maneira de evitar esse problema é ampliar a
seção transversal do pilar e aumentar a espessura da laje na região de contato entre os dois
elementos.

No caso do pórtico, a laje tem a função de cobrir uma determinada área, protegendo, por
exemplo, da chuva; e os pilares devem compor a elevação do conjunto, conferindo a
pujança necessária ao destaque do acesso. Os pilares devem ter elevação vertical tal que
confiram o marco necessário à composição da fachada.

Sob o ponto de vista da resistência a elementos externos, a laje deve fazer com que a água
(decorrente da chuva) que incidir sobre a superfície superior da laje escoe para as
extremidades, sem acumular-se em poças nem sobrecarregar o elemento laje. A inclinação
da laje do centro para a borda é que permitirá o adequado escoamento da água.

Conjugadas essas questões, as dimensões da laje necessárias para dar vazão ao


escoamento pluvial e para evitar efeitos de flexão e punção provocam, por assim dizer, um
aspecto capitel. Esse aspecto decorre da variação da espessura da laje (mais espessa no
encontro com o pilar), de modo a ganhar maior inércia e resistir ao puncionamento
provocado pelo pilar na laje, como reação à carga dela recebida.

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Conclusão

Na análise do pórtico, ficam evidentes a sensibilidade técnica e o conhecimento do


comportamento estrutural por parte do projetista, ao conferir as dimensões harmônicas e
adequadas ao conjunto. Por vezes, a arquitetura é tratada como arte; mas a etimologia
destaca sua essência mais ampla, já que na grande arquitetura a arte nunca se dissocia da
técnica.

O conhecimento técnico e capacidade criativa do engenheiro-arquiteto Jorge Félix de


Sousa, já no primeiro terço do século passado, praticando Arte e Técnica em Goiás,
permitiu-lhe projetar um pórtico que ao mesmo tempo carregasse os conceitos da
arquitetura vanguardista contemporânea ao art déco, fazendo das perfeitas correlações de
medidas e dimensões a base principal para que uma obra de concreto armado persistisse
por praticamente 80 anos sem qualquer intervenção mais significativa. Chama a atenção
ainda o fato de a edificação ter sido produzida nos primórdios de adoção deste material,
ainda sob técnicas rudimentares, tendo se sustentado cumprindo as finalidades para quais
foi concebida. Finalmente, trata-se de uma das poucas edificações capazes de registrar os
elementos que expressam a condição histórica em que surge a capital de Goiás.

Referências Bibliográficas

AVENIER, Cédric. Les ciments de l´Isère. Grenoble: Le Dauphiné, 2010

BERTRAN, Paulo. Parecer terminativo: Acervo Arquitetônico e Urbanístico art déco de


Goiânia. Conselho Consultivo do Iphan. Processo de Tombamento nº 1.500. Rio de Janeiro,
11 de dezembro de 2002.

BINDING, Günther. Architektonische Formenlehre. Dortmund: WBG, 2009.

CASCUDO, Oswaldo. Avaliação de Laje em Concreto Armado Constituinte do Pórtico de


Entrada Lateral do IFG – Câmpus Goiânia. Goiânia, 2019. Relatório.

IBGE. Goiânia. Rio de Janeiro: IBGE, 1942.

TELLES, Pedro C. da Silva. História da engenharia no Brasil. Rio de Janeiro: Clube de


Engenharia, 1994.

UNES, Wolney. Identidade Art Déco de Goiânia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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UNES, Wolney; SÁFADI, Marcelo. Goiás 2010. Goiânia: Casa Brasil, 2009.

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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

ENTREPOSTOS RURAIS DO RIO PARAOPEBA: CARACTERÍSTICAS


DOS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO DOS DISTRITOS DE ENTRE
RIOS NO SÉCULO XIX, MINAS GERAIS, BRASIL.

MAIA, MATEUS F. R. (1); GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS TELES (2)

1. Arquiteto e Urbanista.
mateusfelprocha@gmail.com

2. Prof. Dr. Docente na Universidade Federal de São João Del Rei.


mvtguimaraes@gmail.com

1 RESUMO

O estudo realizado partiu da observação da relevância desempenhada pela região do médio


Paraopeba em relação à sua vocação como “celeiro de Minas” (ESCHWEGE, 1996, p. 63)
durante o século XVIII e XIX, sendo uma região fundamental para o fornecimento de
gêneros alimentícios aos limites territoriais conflitantes, como as atuais cidades de Ouro
Preto/MG e Conselheiro Lafaiete/MG em tempos de máxima expressão econômica. Em
meio a isto, este estudo é parte sintetizada do Trabalho Final de Graduação do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del Rei que buscou a
contextualização de um trecho na referida região que exibe registros da escravidão, ruínas e
histórias associadas à cultura popular. Portanto, o ensaio se estruturou sob uma
fundamentação histórica e teórica, debruçando-se sobre a fim de definir uma rota e suas
edificações aqui defendidas como relevantes para o comércio do século XIX em uma região
compreendida entre os atuais territórios Belo Vale/MG e Entre Rios de Minas/MG, que
resultaram, posteriormente na região de Jeceaba/MG. A rota selecionada atravessa outros
três povoamentos, englobando uma edificação tombada pelo Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e algumas outras ordinárias, com ênfase ao século

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XIX, dentre elas, a fazenda da Parada 511; percorrendo uma série de distritos, alguns deles
extintos, como o de Santa Cruz do Salto.

Palavras-chave: Médio-Paraopeba, Arquitetura, História do Urbanismo, Território,


Infraestrutura.

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INTRODUÇÃO

A questão da ocupação do interior do estado de Minas Gerais é um assunto bastante


discutido no meio acadêmico e isso se deve à importância das políticas de incentivo ao
surgimento e formação de aglomerados urbanos logo nos anos iniciais da colonização. A
investigação aqui instigada, partiu da observação da relevância desempenhada pela região
do médio Paraopeba em relação à sua vocação como “celeiro de minas” (ESCHWEGE,
1996, p. 63) durante o século XVIII e XIX, sendo uma região fundamental para o
fornecimento de gêneros alimentícios aos assentamentos urbanos conflitantes, como Ouro
Preto e Mariana em tempos de máxima expressão econômica. Contudo, diante desta
importância, notou-se que a falta de sistematizações sobre a condição urbana dos
povoamentos para além das vilas tradicionais do século XVIII, compromete a compreensão
deste território para a fruição do tema.

A partir das primeiras provocações, direcionadas especificamente à atual cidade de


Jeceaba (MG), chegou-se ao ponto de que seria necessário conhecer o processo de
ocupação de uma forma mais ampla antes de abordar especificamente a cidade, indo de
encontro, inevitavelmente, às cidades vizinhas. Dessa forma, o tema divagou entre
diversas nuances, revelando também uma grande variação de possibilidades de
abordagem, chegando, por fim, ao estudo e caracterização das edificações rurais de uma
rota de 25,6 Km de extensão, constatando a importância do olhar a este patrimônio.

Em meio a isto, este estudo buscou a contextualização de um caminho que exibe resquícios
de escravidão, por meio de ruínas e histórias associadas à cultura popular. Portanto, o
estudo se estrutura sob uma fundamentação histórica e teórica, debruçando-se sobre
uma rota e suas edificações que foram aqui defendidas como relevantes para o comércio
do século XIX em uma região compreendida entre Belo Vale e Entre Rios de Minas. A
partir deste recorte, foi possível assinalar as características destes assentamentos e
definir características tipológicas da arquitetura estabelecida neste período, baseando-se
em pesquisadores como Vladimir Benincasa (2007) e Cícero Ferraz Cruz (2010).

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Constatado o aumento da produção por meio da industrialização na transição para o século
XX (CAMPOS, A. 1896), a migração da população em direção às cidades acentua as
relações de dependência do meio produtivo entre o rural e o urbano, onde, eventualmente, o
rural passa a atender, em maior escala, às demandas geradas pelas cidades. Devido à
complexidade relacionada aos termos, optou-se pelo emprego do termo “periurbano”. Esta
atribuição é aqui mais apropriada, ilustrando uma relação mais estreita cultural e
economicamente em relação às cidades locais, pois compromete-se com a lógica de
produção da cidade que também está inserida no meio rural (Figura 1).

Figura 1: Área de Influência do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais com destaque aos territórios
do trabalho, em vermelho. Mapa cedido por Tiago A. G. Mello, autor do trabalho Parametrização do
Clima Urbano: Propostas de planejamento em uma abordagem multiescalar. Laboratório de
Geoprocessamento da Escola de Arquitetura da UFMG (2021/2022). Mateus Maia (Adaptado de
MELLO, T. 2021).

Em oposição à maioria dos municípios, o município de Jeceaba, derivado de Entre Rios de


Minas, é caracterizado por possuir uma população proporcionalmente dividida entre rural e
urbana (IBGE, 2010), com cerca de 50% em cada instância. Embora já tenha características
do meio urbano consolidadas, as redes de comunicação podem indicar esta “influência
invisível” sobre o meio rural, acentuando o êxodo rural, uma vez que a instalação de

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grandes empresas tornam-se atrativo para que ocorra a potencialização na saída do homem
do campo (JECEABA. 2014. p.13).

No Município, a agricultura familiar, embora seja uma das principais atividades econômicas,
“é exercida de forma muito empírica” (JECEABA, 2014. p.13), sendo uma tratativa
imperativa das atuais administrações. Por meio de uma pesquisa realizada pela Secretaria
de Agricultura do Município (idem, p.13), registrou-se um total de 285 produtores distribuídos
no território (Figura 2).

Figura 2: Mapa da distribuição geográfica dos produtores rurais (agricultura familiar) no Município de
Jeceaba- MG. Em amarelo, o perímetro do limite municipal; branco, o do Monumento Natural
Estadual Serra do Gambá e pontos em azul (balõezinhos) propriedades rurais. Com o pino amarelo, a
localização da cidade-sede de Jeceaba (adaptado de JECEABA, 2014).

A área rural do município é composta por 2 distritos, Bituri e Caetano Lopes e outros 20
povoamentos, o de Água Limpa, Hangá, Aroeiras, Bananal (localidade de origem
quilombola), Campo Alegre, Dinizes, Gungumbeira, Lava Pés, Machados, Jacarandá, Lobo-
Lobô, Mato Dentro, Mato Felix, Pequeri, Pinheiros, Santa Cruz, Santa Maria, Sapé,
Sesmaria e Tartária. Estas somam 2.417 habitantes que representam 44,79% de toda a
população (IBGE, 2010; JECEABA, 2014. p.8).

Com observação dos documentos, foi possível delimitar características do processo de


urbanização desta região, delimitando as rotas de relevância para o século XIX após o
progressivo investimento em infraestrutura a partir da década de 1830. Ao final deste
recorte, assinalaram-se as edificações e os detalhes construtivos baseados em literaturas

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do gênero, que definiram a sua vocação utilitária para a época, estabelecendo um
paralelo da rede urbana das habitações rurais à tese acerca do desenvolvimento
agropecuário aqui defendida como relevante para o desenvolvimento de regiões
imediatas.

2 PANORAMA HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO MÉDIO PARAOPEBA

O chamado mundo civilizado é fruto da sobreposição de complexas cadeias de


características que definitivamente mudaram sob a perspectiva do capitalismo na idade
moderna, visto que “a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo”
(BENEDICT apud.: LARAIA, 2001, p.70).

É importante indicar a importância de Marshall Mcluhan (1964) para a compreensão do


fenômeno identificado por ele como “aldeia global”, não somente para compreender a
arquitetura enquanto produto, mas também para indicar propriamente elementos que
sobrepõem uma cultura hegemônica sobre outra. O conceito pode, por exemplo, ser
aplicado sobre a utilização e apropriação das conhecidas “Estradas Reais”, por já serem um
caminho percorrido pelos nativos (FREITAS, C., 2017. p. 244-247; SALES, 2012, p.60). Isto
indica que, ocasionalmente, quando se faz referência aos caminhos, falamos do meio em
que se manifestam as diversas influências regionais europeias, não somente culturais, mas
também construtivas, a exemplo do uso difundido do vidro e do ferro no século XIX.

Deste modo, com o “melhoramento” do meio, há uma inegável transformação no que se


refere os termos “tempo e espaço”, na imposição do horário da máquina ao do homem
(CAMPOS, H. 2007), onde “tudo está no presente durante todo o tempo” (McLUHAN, 1964,
apud. PEDROSA, 2009). Isto é uma característica marcante trazida pela instalação das
ferrovias (VASCONCELOS, 1928).

Segundo Helena Campos (2007. p.4),

Buscar a relação entre os caminhos mineiros e os processos de ocupação


do território e de urbanização não é tarefa difícil. O historiador João Camilo
de Oliveira Torres já apontava que Minas sempre fora uma província, pois a
oposição cidade/campo a diferenciava das demais regiões, tradicionalmente
rurais, ainda no período das capitanias (TORRES, IV. p. 1129 apud.
CAMPOS, 2007).

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Após chegar na paragem onde seria fundada a vila de São João del Rei, durante o século
XVII, é reconhecida a paragem chamada de Camapuã, que posteriormente veio a se
chamar Brumado, resultando em Entre Rios. Dessa forma, ainda no século XVII, segue-se
pelo leito do rio Paraopeba e funda-se, próximo a Santana do Paraopeba, o pouso que se
chamava São Pedro do Paraopeba.

2.1 INFRAESTRUTURA E TERRITÓRIO NO SÉCULO XIX

No contexto do século XIX, o império do Brasil e as mudanças desencadeadas a partir dele


favoreceram as condições para a exploração econômica do território por meio do
desenvolvimento em infraestrutura que divergiam, em diversos momentos, da situação das
vias de escoamento, que constantemente encontravam “problemas de rodagem”, não
somente pelo estado de conservação, mas de outras naturezas, como o saqueamento em
regiões disputadas (CALAES, Gilberto & FERREIRA, Gilson. 2009. p. 14-16). Este
“problema” é combatido pelo primeiro plano rodoviário, composto por 66 artigos (lei n. 18 de
1º de abril de 1835), ressaltando a necessidade da construção de “quantas -vias- forem
necessárias” (MINAS GERAIS, 1835) na ligação de Ouro Preto às áreas produtoras de
insumo da província, melhorando, exponencialmente, a comunicação entre as localidades.

Os empreendimentos e a mobilização social para o melhoramento das vias foram ativos


amplamente apoiados pelos fazendeiros porque, através deles, eram capazes de,
simultaneamente, rentabilizar pelo aluguel do escravizado, amortizar os altos custos do
transporte de tropas e usufruir de melhor acessibilidade à locais economicamente orientados
(PEREIRA, 2020, p. 267-290).

A partir da acessibilidade, transitando através dos caminhos da colônia, estavam “(...) os


comboieiros que transportavam escravos e dos boiadeiros que conduziam o gado bovino, os
tropeiros foram os principais agentes do abastecimento das Minas Gerais” (CAMPOS, H.
2007.p. 25), assim, as obras de infraestrutura viária não escapam da atenção do político
liberal emergente no período (VASCONCELOS apud. CRAVO, 2018. p. 90), observando
práticas similares “às nações como a Inglaterra, França e Estados Unidos” (idem, 2018. p.
90).

Dessa forma, os colonos, em sua maioria, se tornaram “agregados” dos grandes sesmeiros,
muitos deles formaram uma classe pobre, destituída de bens de raiz; “foi essa classe de

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sesmeiros que esteve na origem da formação de novos povoados” (JUNIOR & SALGADO,
2016. p. 230), e de, possivelmente, de algumas das edificações que constituem o objeto de
estudo.

A atividade agropecuária foi, mesmo antes da decadência do ouro,


mais atrativa que a própria mineração e, muitas vezes, preferida em
detrimento desta. De modo que a ocupação rural e a urbana coexistiram a
um só tempo; na verdade, não existe uma dicotomia, mas uma
simultaneidade e complementaridade. O rush da mineração, que atraiu
milhares de pessoas, não cessou com sua decadência, ao contrário, criou
um fluxo permanente que perdurou durante todo o século XVIII
e XIX. Os imigrantes, fundamentalmente portugueses, vinham de regiões de
longa tradição urbana, e podiam tanto ir para as cidades, onde se
dedicavam ao comércio, à mineração ou ao setor terciário, quanto podiam
se dedicar à agropecuária, fixando-se na zona rural.

Ademais, com o progressivo investimento do Império em infraestrutura viária após a década


de 1830, diante das novas ofertas de trabalho e subsistência, a população passou a
regularmente ocupar este território, refletindo sobre o número de municípios de Minas, que
saltou de 16 municípios, em 1814, para 104 municípios, em 1890 (CARRARA & MACHADO,
2020. p.3-7). Um reflexo direto das medidas adotadas para alavancar a economia por meio
da infraestrutura, fazendo com que Minas se tornasse a província mais populosa até o fim
do regime.

Nos anos compreendidos entre 1850 e 1889, houve a concentração de 94% do número total
de documentos associados à construção de vias e estradas na província mineira durante o
século XIX (CRAVO, 2018. p. 61), sendo a grande maioria delas -59,2%-, na região
Mineradora Central Oeste, região correspondente ao objeto de estudo (idem). Isto equivale
a dizer que, neste período, realizou-se um massivo empenho do Governo em prol da
urbanização do interior do estado (CRAVO, 2018. p. 39-85).

Do dia para a noite surgiram cidades, vilas, arraiais. A população brasileira


saltou de 300 mil habitantes em 1690 para 3.250.000 em 1798.
Economicamente fez surgir um mercado interno, estimulou a produção
agrícola e de manufaturas para atender à nova demanda populacional
(CRUZ, Cícero. 2008. p. 17).

Deste modo,

a divisão territorial e social do trabalho entre campo e cidade não se fez


por completo, visto que um conjunto mais amplo de relações se

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estabeleceram entre às economias rural e urbana no que diz respeito
às interações e complementaridades, e mais precisamente, como o
elemento estruturante da organização produtiva baseada nos grandes
cultivos tropicais de exportação foi, em parte, o sustentáculo do processo
de urbanização e ao mesmo tempo um empecilho para sua
dinamização (PEREIRA, 2020, p.266).

Ademais, boa parte das cidades do interior de Minas Gerais têm, em seu processo histórico
de formação, participação em um processo de ocupação orientado mormente pela
exploração de um diverso sistema econômico associado às “redes” entre áreas rurais e
mineradoras interligadas por meio de vias (PEREIRA, 2020, p.265-266). Deste modo, a
“expansão da produção agropastoril pôde impulsionar e sustentar a economia nesta
transição política, requerendo infraestruturas” de escoamento à criação de novas rotas que
se direcionam para os pontos de interesse econômico durante o século XIX (SALES, 2012,
p.63).

Antes de teorizar sobre as “redes das fazendas”, primeiramente é necessário pontuar o


conceito utilizado do termo. Sabidamente, o componente de informação “redes” é, por sua
vez, complexo e não pode ser tratado de forma generalizada.

“Esse componente se subdivide em dois subcomponentes, compreendendo


os que podem ser designados como “vias de transportes” e “meios de
comunicação”, e que apresentam também subdivisões. No primeiro, as
subdivisões correspondem às categorias hidroviária, viária e ferroviária; e,
no segundo as referentes ao correio, ao telégrafo e à telefonia (SANTOS,
M. M., 2012).

O povoamento esparso ao longo das vias e a multiplicação de “economias de subsistência”


“raramente (eram) capazes de produzir excedentes para um diminuto, ocasional e
intermitente comércio interior”, caracterizado por grandes propriedades e baseado na
monocultura e no trabalho escravo (LINHARES, 1979 apud. PEREIRA, 2020, p.267).
Portanto, as fazendas e habitações vinculadas à atividade foram os elementos
indissociáveis dos caminhos que serão exibidos neste estudo, devido à sua atribuição como
entreposto para os tropeiros.

A escolha do termo “redes de fazendas” é aqui direcionada à rede física das rotas entre
pontos de interesses comerciais no século XIX, os mesmos que caracterizam os territórios
municipais de Jeceaba, Entre Rios e Belo Vale nos dias atuais, como o componente exposto

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anteriormente. Assim, ressalta-se uma diferente dinâmica ocupacional compreendida entre
os séculos XVIII e XIX que refletiu diretamente sobre a distribuição e tipo dos
assentamentos como as fazendas, determinando também o surgimento e o
desaparecimento de alguns povoamentos além dos de origem nativa.

Segundo Carrilho (apud. BENINCASA p.35), para um bom projeto de fazenda

(...) tratava-se de ter, antecipadamente, o controle de todas as atividades a


serem desenvolvidas na fazenda, elaborando da melhor forma o seu
encadeamento e suas articulações. Evidentemente estamos diante de um
princípio de projeto, anunciando a faculdade de antecipação característica
desta atividade. Esta notável preocupação não negligencia sequer a
dimensão estética em que o gosto pela simetria é ressaltado junto à sua
adequação econômica.

Notifica-se a dificuldade da definição e da separação entre fazendas e residências devido à


semelhança funcional: as habitações rurais também podem apresentar características
semelhantes às das fazendas, como o porão e mesmo o formato da edificação
(BENINCASA, 2007, p.15).

Uma diferença fundamental, provavelmente a novidade trazida das terras


mineiras, é a presença da zona de serviços não mais separada do corpo
principal, mas acoplada à edificação, formando o partido que seria o mais
tradicional na zona rural paulista no século seguinte, a planta em “L”
(BENINCASA, 2007. p.15)

Deste modo, o item que foi considerado para esta categorização como “fazenda” foi a
presença de viveiros para animais e/ou os paióis, ou seja: de edificações que dão suporte à
atividade agropecuária, podendo assim, diferenciar os objetos entre si.

Ao longo do XIX, a partir das “novas tecnologias”, passou-se a exigir maior rigor na
demarcação territorial, passando da atribuição de freguesia, unidade de divisão comum ao
período colonial, que era definido pelas famílias e paróquias; para o conceito de lugar (vide
glossário), demarcado por aspectos visíveis e mensuráveis; como os elementos naturais
(CARRARA & MACHADO, 2020. p.10). Assim, durante as primeiras décadas do século XIX,
formaram-se os pré-requisitos para a concepção político cultural e do ordenamento territorial
do Estado de Minas (CALAES, Gilberto & FERREIRA, Gilson. 2009. p. 21).

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Discorrer e problematizar a reinterpretação do conhecimento territorial neste período, é falar
sobre atribuições e áreas de influência para um momento histórico, ou seja, é uma
interpretação contextual sobre a ocupação, possuindo influência direta sobre os topônimos
locais e, por conseguinte: à ocupação dos colonizadores sobre a localidade no século XVII e
XVIII. Assim, atribui-se que a produção de subsistência direcionada ao mercado interno foi
impulsionada pelo crescimento demográfico, dinamização do comércio e dos novos
enquadramentos profissionais (PEREIRA, 2020. p. 274).

Os povoados dependentes da localidade de Entre Rios já eram numerosos no período de


sua emancipação política, estando localizados a:

(...) N.E. Sapé, 9 kilômetros; ao N. Lagoinha, 18 kilômetros; O Cayuaba, 6


kilômetros ao S.O. Pedra Branca, 18 kilômetros, e bom-Jardim, 9 kilômetros;
ao S. Crasto, 9 kilômetros, e Camapuan, 9 kilômetros; e ao N.E. Gambá, 7
kilômetros (CAMPOS, A. 1896).

Deste modo, a produção em Entre Rios, na segunda metade do século XIX, já era retratada
em destaque regional (CAMPOS, A. 1896). Ao longo do século XIX, nas proximidades de
São Mateus, o povoamento de Lagoinha, sob influência da emancipação política da sede,
na década de 1880, surge como uma nova centralidade econômica e política local,
possuindo vias que conectavam-se às rotas de interesse econômico de cunho exportador e
regional nos anos finais dos oitocentos (CAMPOS, A. 1896).

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Figura 03: Diagrama com a localização de quatro pontos - Santa Cruz do Salto, São Matheus,
Gambá e Brumado - em fragmento da Carta Chorographica da Província de Minas Geraes,
WAGNER, F., 1855. Figura com finalidade ilustrativa, mapa sem escala.

Neste período, com a especulação ocasionada pela ferrovia, à medida que a demanda por
mão de obra se tornava eminente, atraiu, por consequência, os imigrantes estrangeiros já
mencionados pela historiografia corrente, dos quais foram indispensáveis para a formação
cultural solidificada nos povoamentos e das novas centralidades por meio do comércio de
excedentes alimentícios (RESENDE, 2017). Em relação aos costumes, certamente
obedeciam a uma ordem similar aos distritos de Camapuão e Brumado, em Entre Rios:

“One thing however, I must mention, which is continually striking me, not
only here, but in all the villages, namely, that there is so little cultivation to be
seen, and everybody appears to have nothing to do but to lounge about and
smoke, while most of the necessaries of life –even food- such as butter,
wine, and beer, etc. are imported (HASTINGS, 1886. p.42).

Como o setor de serviços era direcionado às centralidades locais, esta descrição é coerente.
Portanto, é provável dizer que no distrito de Lagoinha, sob influência das redes de produção
locais, houve a manifestação de um povoamento que obteve uma população
numericamente relevante durante o Século XIX no atual território de Jeceaba. Lagoinha,
neste período, estava compreendida entre Belo Vale (ex São Gonçalo da Ponte) e Entre
Rios (ex Brumado) e já possuía uma via para carruagens (CAMPOS, A. 1896).

A relevância de Lagoinha, para este momento histórico, é representada na construção da


capela de Nossa Senhora das Dores no ano de 1887, com ornamentos de qualidade
artística considerável e de “beleza singular” (RESENDE, 2017, p. 64).

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Na capela encontram-se diversos itens que, segundo relatos dos moradores, foram movidos
do Cemitério da Parada 511 e de uma “antiga capela”. A edificação passou por uma grande
reforma durante o século XX, havendo a remoção da torre sineira, que ficava externa à
edificação. O campanário do altar-mor guarda o sino do cemitério referido (RESENDE, R.
2017, p. 64).

Deste modo, sob influência da Paróquia de Brumado de Entre Rios, Lagoinha passou a
desenvolver peculiaridades culturais e econômicas (RESENDE, 2017. p.64-67; CAMPOS,
Arthur, 1896), para que pudesse, através das estradas, exportar seus produtos, como os
das Facas Tamanduá, indústria manufatureira no território de Entre Rios.

Indústria manufatureira não há; apenas na povoação da Lagoinha


fabricação de facas bem boas, iguais ás denominadas do –Tamanduá- pelo
facto de serem fabricadas na cidade que teve este nome (sic. CAMPOS, A.
1896).

A partir destes fatores, a localidade pôde atingir, no ano de 1911, o status de distrito de paz,
com cerca de 2378 habitantes (SENNA, N., 1907, p.440), passando, em 1950, para a marca
de 3534 habitantes (SENNA, N. 1952 p.622).

As divisas do distrito da Lagoinha (art. 2°, n. XXVI) começam na


embocadura do rio São Matheus, no Paraopeba, e por este acima até
próximo ao Aguiar e ali ao alto da Serra das Lages e deste ao córrego, que
passa nas fazendas de Antônio Ribeiro Maia e por este abaixo até o Rio
Cayuaba e, por este abaixo, até o rio Brumado; e por este até o rio
Paraopeba No ponto de partida [.sic] (MINAS GERAIS, 1911).

Segundo RESENDE (2017 p.65),

“a primeira estrada que ligava Entre Rios a Lagoinha era muito mais longa,
pois tinha que dar volta pelo Rio Abaixo (passando pela estrada do
Camapuã). (...) E assim, em pouco tempo foi feita uma nova estrada ligando
Bituri a São José das Mercês (...)”.

Contudo, a informação de Resende (2017, p. 65) conflita com a informação do desenho


urbano de Lagoinha da década de 1930, segundo o Trecho do Mapa do município de João
Ribeiro (LOMMEZ, Francisco & ROSCOE, Octávio, 1939) e com as informações da Revista
do Arquivo Público Mineiro: Chorographia mineira, cidade e municipio de Entre Rios
(CAMPOS, Arthur, 1896). Como já mencionado no texto, a revista mostra que ao norte de

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Entre Rios existia uma via carroçável de 18 quilômetros para Lagoinha, portanto, a
informação pode estar relatando uma outra via que não a mencionada.

Este apontamento, por fim, estrutura o trecho final da rota proposta neste estudo, tendo
Lagoinha assumido um papel importante entre a região de vocação agropecuária
(RESENDE; CAMPOS, A. 1896). A partir do cruzamento destas informações, pode-se definir
um trajeto que interliga estes povoamentos a partir dos edifícios encontrados pelos
caminhos destas localidades. Assim, estruturou-se a rota abordada por esta pesquisa.

Em meio a esta interpretação, a exploração econômica dos distritos, a partir da inauguração


do trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II, aumentou significativamente a projeção
econômica de Entre Rios (CAMPOS, A. 1896), pois era especulada que a via férrea
atravessasse seu território em um eventual prolongamento (HASTINGS C. D., 1886. p. 286).

A escolha da rota relaciona-se diretamente com a criação do distrito de Lagoinha, em


meados do século XIX, que por sua vez, formou um entreposto agropecuário de relativa
relevância entre as localidades imediatas (CAMPOS, 1896). Ademais, reitera-se que as
redes comerciais a partir das vias foram, até o fim do século XIX, o principal motivo para a
ocupação da localidade que, sendo descentralizada, distribuiu-se em extensos eixos ao
longo das vias, inclusive dentro da área urbana da atual cidade. A rota conta com 25,6 Km
de extensão, iniciando na casa de Pedra do Gambá, localizada na divisa de Entre Rios com
Jeceaba, terminando na Fazenda da Parada 511, em Belo Vale, próximo à divisa com
Jeceaba.

Ao todo, são 13 pontos marcados no mapa, 10 deles correspondentes a edificações


marcadas imediatamente na rota, e outros 3 equivalentes às edificações e componentes
levantados em suas imediações. Marcados em vermelho, apresentam-se os quatro
povoamentos descritos anteriormente no trabalho (Camapuã, Santa Cruz, Lagoinha, Gambá
e Entre Rios, Figura 04).

O caminho percorrido na rota, de Casa de Pedra do Gambá à fazenda da Parada, se


estende em 25,6 quilômetros em um percurso de estrada de terra. Nos trechos de aclive,
concentrados em Santa Cruz do Salto, as estradas têm brita ou são canjicadas, buscando
contornar estes problemas de tráfego. Portanto, as estradas nas piores condições de
rodagem estão compreendidas entre Canoas e Santa Cruz, caracterizando uma estrada de

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baixo trânsito de veículos, onde nota-se também o cruzamento de porteiras com tranqueiras
na própria via principal.

O estudo de campo foi realizado mediante o levantamento de duas hipotéticas rotas que, de
modo experimental, foram percorridas utilizando-se como guia principal o mapa do
Município de João Ribeiro, encomendado pelo Estado de Minas Gerais em 2 março de
1939. A rota, após apresentação de justificativa no desenvolvimento do texto, foi percorrida
ao longo de três visitas, uma em junho e duas em agosto de 2021. O mapa referenciado
apresenta uma iconografia bastante completa, situando fazendas e as habitações rurais
nesta localidade, podendo-se transferir seu conteúdo para o software Google Earth para
conferi-las por meio das visitas in loco. A representação dos bens imóveis foi realizada por
meio de desenhos manuais. Assim o percurso foi sendo construído. A rota conta com 25,6
Km de extensão, iniciando na casa de Pedra do Gambá, localizada na divisa de Entre Rios
com Jeceaba, terminando na Fazenda da Parada 511, em Belo Vale, próximo à divisa com
Jeceaba. O diagrama abaixo (figura 04), é um produto deste raciocínio de forma simplificada
e apresenta as localidades no século XIX enquanto áreas conectadas por vias, além de
destacar duas vias relevantes: a via da “rede” estudada (em verde) e a “Estrada do
Camapuã” (em amarelo).

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Figura 04: Diagrama da “rede de caminhos, cidades e comunidades” em meados do XIX: o trecho
em pontilhado exibe uma possível extensão da área de influência rumo às ruínas de uma construção
que foram localizadas neste estudo. Mateus Maia (2021).

De um modo geral, as edificações consideradas são compostas por até dois pavimentos
(térreo e 1º pavimento ou porão e térreo). A maior parte das residências mapeadas neste
estudo são atribuídas ao século XIX, conforme a observação do mapa de 1939.

1. 5 O CARÁTER POLÍTICO DO RAMAL FERROVIÁRIO

Assim, os tropeiros foram os para a integração urbana entre as fazendas e localidades.


Eram eles os agentes responsáveis pela comunicação entre os distintos lugares da
província durante o século XIX (CAMPOS, H. 2007. p.24).

Crescentemente substituídos pelas ferrovias a partir da


segunda metade do século XIX, os tropeiros continuaram exercendo
tais funções, articulando-as com as áreas de abrangência dos trilhos
ferroviários que, além do transporte cargueiro e de passageiros,
mantinham serviços de telégrafo e de correio (CAMPOS, H. 2007.
p.25).

Assim, novamente, há a modificação da dinâmica regional entre os povoados,


apresentando assim, as condições para a formação de outras localidades, supondo-se a

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atribuição da rota da “rede periurbana” um aspecto de “rota secundária” a partir deste
momento. Portanto, a exemplo de outras cidades paulistas (D’AMBRÓSIO, 2002), a cidade
atual de Jeceaba surge a partir das políticas que viabilizaram as rotas comerciais
interestaduais e, a partir dela, as primeiras manifestações autônomas em vias econômicas,
sociais e políticas.

Supõe-se que a instalação da ferrovia do Ramal, ao passo que trouxe desenvolvimento,


causou um grave dano às características originais do traçado e sobre a ocupação das
regiões lindeiras, realizando aterros e eliminando sua “espontaneidade” que era a
característica da iniciativa portuguesa por meio dos aventureiros, roceiros, bandeirantes e
tropeiros (FONSECA, 2012, p.80) sendo substituídas pelos ideais liberais com a
supervalorização da “infraestrutura de transportes, que materializa o fluxo de produtos e
pessoas”, passando a ser “delimitadora de eixos e de sua área de influência, para fins de
planejamento integrado” (idem, 2012, p.77).

Os ideais liberais e iluministas são características indissociáveis anos antes da transição


para o século XX e podem ser problematizados pelo caráter político e “colonizador” e
político das estradas de ferro Mineiras. Isto se reflete sobre a lógica de exploração da
autossuficiência em gêneros alimentícios adquirida nos oitocentos, sendo, portanto, uma
consequência do desenvolvimento das “redes de fazendas” ou de produção aqui envolvidas.

Segundo Max Vasconcellos (1928), autor de referência no assunto, a ferrovia materializava


o progresso e a urbanização de áreas afastadas. Portanto, a

(...) linha de ferro, no Brasil, é condição precípua para a entrada


da civilização no riquíssimo e vasto território sertanejo, habitado por
esparsos núcleos de população inculta, mas que ansios e acolhedoramente
esperam ouvir o silvo da locomotiva, signal certo e infalível da aproximação
do progresso. (VASCONCELLOS, 1928. p. 10).

Em contrapartida, indo em desencontro ao discurso do senso comum, há autores que


afirmam que as estradas de ferro sempre atenderam à demanda de uma parcela reduzida
da população (CRAVO, 2018. p. 39-85), um raciocínio que é exercitável sobre a rota de
estudo, até porque, como foi discorrido, antes de sua inauguração, já existiam boas vias
para a “rede urbana das fazendas” (CAMPOS, A. 1896). Embora o fato das ferrovias

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também transportarem passageiros, as estradas eram, ainda antes, o maior motivo de
empolgação (CRAVO, 2018. p. 79).

Segundo Darcy Ribeiro, as estradas de ferro não atendiam as aspirações do seu povo,
“porque só se tinha atenção ao zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade da
feitoria exportadora” (2006, p. 404. Apud. CRAVO, 2018). Embora intitulado eixos
ferroviários de integração e desenvolvimento, a maioria deles, era sem integração e
“voltados para a ligação de regiões produtoras aos portos”, possuindo “um viés
excessivamente exportador” (CAMPOLINA, 2000, p. 345 apud. FONSECA. p.78), fazendo
novamente menção ao caráter explorador/ exportador do período colonial (PEREIRA, 2020,
p. 268).

Desta forma, cria-se uma oposição econômica ao observado no período Imperial, as cidades
que se constituíram como entrepostos comerciais, passaram a fazer a ligação mais direta da
“produção rural aqui instalada com o mercado urbano europeu” (SOARES p.27). Embora a
prevalência do abastecimento interno, sua participação no mercado internacional não pode
ser descartada, devido à existência de fábricas de subprodutos do leite, “grande parte da
produção de manteiga era vendida para o Rio de Janeiro, sendo transportada pela ferrovia”
(JECEABA, 2014, p.7), assim como Entre Rios, que exportava insumos para regiões
comerciais (CAMPOS, A. 1896). Comparativamente, após a instalação da ferrovia, passou a
possuir uma relação mais próxima com São Paulo e Rio de Janeiro (CRAVO, 2018. p.87;
PEREIRA, 2020, p.278).

Para retomar a pergunta feita no início deste tópico, reitera-se que já no início dos
novecentos, havia uma concentração populacional na cidade de Entre Rios na faixa de
6.800 habitantes, totalizando 20.000 em todo seu território, um número relativamente
próximo ao dos dias atuais (BARBOSA, 1923). Portanto, tratar a ferrovia como a fundadora
destas localidades é de uma análise relativamente incompleta, sendo mais adequado tratá-
la como agente centralizador (e colonizador) para a formação de outros povoamentos, como
o que originou a cidade de Jeceaba, ponto focal nas décadas iniciais do século XX.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho consistiu na exploração e especulação das características que conceberam os


povoamentos do século XX em Minas Gerais a partir de suas características urbanas, dos

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quais as fazendas foram protagonistas, trazendo um estudo de caso sobre o atual município
de Jeceaba, que era o antigo território de Entre Rios. O local foi parte de um importante eixo
de produção agropecuária com ênfase ao período Imperial, com diversas construções
edificadas no mesmo período e que repercutiu para sua concepção cultural.

Considera-se que as cidades mencionadas têm redes de apoio e conflitos que se instalaram
a partir da melhora dos meios de comunicação, a dizer: das vias gerais de transporte e
acesso à energia elétrica. Tais ações influenciaram no desenvolvimento de atividades
comerciais sendo marcadas pela tipificação dos elementos arquitetônicos, que nas áreas
rurais geralmente eram desprovidas de ornamentos pois eram orientadas ao uso
agropecuário, relevantes também em regiões imediatas como na Fazenda Boa Vista e Boa
Esperança, ambas do século XVIII.

Conclui-se que a descaracterização dos bens imóveis possui forte tônica na rota entre os
distritos com raras exceções, um fato que continua progredindo com a influência do tempo e
das novas técnicas construtivas.

Por fim, as reflexões apontam para a relevância da configuração espacial e histórica na


socialização dos vários agentes sociais, que foram relacionadas a partir de atos conscientes
em prol da economia de uma vasta região e direciona o estudo a uma projeção futura.

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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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EIXO TEMÁTICO 4
A PESQUISA ARQUEOLÓGICA NAS INTERVENÇÕES DE
RESTAURO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO: trajetória e
perspectivas no contexto brasileiro.

COSTA, TATIANA C.

1. Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


E-mail: taticosta_arq@hotmail.com

RESUMO
A arqueologia, desde a consolidação da restauração como disciplina autônoma no final do século XIX,
é considerada como parte integrante da prática restaurativa. Seu progresso e o da história da arte,
juntamente com as descobertas das ciências físicas e químicas marcam inclusive o desenvolvimento
deste campo do conhecimento. O aparelhamento teórico e metodológico da arqueologia aproximou
ainda mais estas duas áreas, resultando no desdobramento da arqueologia em segmentos particulares
de interface com a restauração arquitetônica. É o caso da arqueologia da arquitetura que surgiu na
década de 1980 na Itália e atualmente é aplicada em diversos projetos de reabilitação de edifícios na
Europa.
No Brasil, a integração das pesquisas arqueológicas às intervenções do patrimônio arquitetônico teve
início durante a consolidação dos estudos em arqueologia histórica no país, por volta de 1960. Nesse
período, a legislação de proteção ao patrimônio arqueológico nacional começava a ser implementada
e eram conduzidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, obras de
restauração nas regiões Nordeste e Sul.
Mais tarde, com o Programa Monumenta, diversas intervenções de recuperação do patrimônio urbano
tiveram como condição indispensável a pesquisa arqueológica prévia e foram criados alguns
instrumentos técnicos para auxiliar os profissionais a gerir e executar os projetos de restauração e
estabelecer a prática arqueológica, como é o caso do Manual de Arqueologia Histórica do Iphan.
Apesar deste esforço, ainda se identifica no Brasil a ausência de uma abordagem arqueológica
adequada para a compreensão da preexistência arquitetônica durante o processo de restauro. O
descompasso na interação entre os dois campos não só pode diminuir o papel da arqueologia nas
intervenções, como provocar resultados que se distanciam dos objetivos da preservação patrimonial.
Com este trabalho buscamos, portanto, analisar a trajetória da interface entre pesquisas arqueológicas
e intervenções de restauro no patrimônio arquitetônico brasileiro, bem como vislumbrar perspectivas
futuras.

Palavras-chave: pesquisa arqueológica, intervenção arquitetônica, restauro, Brasil.

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1. Arqueologia, arquitetura e restauro

Desde a consolidação da restauração como disciplina autônoma no final do século XIX, a


arqueologia é considerada como parte integrante da prática restaurativa. Seu progresso e o
da história da arte, juntamente com as descobertas das ciências físicas e químicas marcam
inclusive a ampliação cronológica e geográfica deste campo disciplinar (CHOAY, 2017, p.
171).

Até que a arqueologia e a preservação do patrimônio arquitetônico se aproximassem


metodologicamente, a prática desta relação foi experimentada em diversos canteiros, como
em Herculano e Pompeia, na Itália. As escavações iniciadas nestas duas cidades romanas,
em meados do século XVIII, não correspondiam a princípio ao sentido moderno do termo,
mas de um simples cavar em busca de valor estético e comercial. Gradualmente é que foi se
firmando o interesse por outros elementos integrados e pela arquitetura romana doméstica
(TRIGGER, 2004).

Com as grandes campanhas arqueológicas empreendidas no século XIX se difundiu não só


o gosto pela antiguidade greco-romana, mas também oriental. Algumas inovações técnicas
foram introduzidas nas pesquisas arqueológicas no fim do referido século, como o
desenvolvimento da estratigrafia geológica, o uso da fotogrametria e a técnica do calco in
gesso1 (DEZZI BARDESCHI, 2007, p. 38-45). A abordagem teórica utilizada, porém, ainda
era baseada no histórico-culturalismo, ou seja, na determinação da cultura e da tradição
através da descrição e da cronologia. As evidências arqueológicas eram organizadas e
classificadas com o método tipológico, formando tipos/conjuntos e “culturas arqueológicas”
(RENFREW e BAHN, 1998).

Por outro lado, ainda no início do século XX, o trabalho do arqueólogo nas intervenções
restaurativas estava limitado às pesquisas em ruínas e vestígios soterrados. A colaboração
entre arquitetos e arqueólogos se baseava no desenvolvimento da anastilose, técnica que
consistia no recolhimento de fragmentos dispersos do edifício e na sua recolocação no local
de origem, recuperando parcialmente a imagem do monumento. Esta técnica de conservação
foi referendada na Carta de Atenas de 1931: “Quando se trata de ruínas, uma conservação
escrupulosa se impõe, com a recolocação em seus lugares dos elementos originais
encontrados (anastilose), cada vez que o caso o permita”. (ICOMOS, 1931).

1 O calco in gesso foi desenvolvido por Giuseppe Fiorelli em Pompéia na segunda metade do século XIX e consistia
no preenchimento das formas deixadas pelos corpos nas cinzas vulcânicas da erupção do Vesúvio com gesso
líquido.

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A Carta de Veneza de 1964 ratificou a relevância da arqueologia na restauração arquitetônica
através da importância dada ao caráter filológico do monumento, um dos aspectos da teoria
do restauro crítico. Em seu Art. 9º a Carta defende a vinculação do estudo arqueológico de
forma prévia e contínua às intervenções recomendando que “a restauração será sempre
precedida e acompanhada de um estudo arqueológico e histórico do monumento.” (ICOMOS,
1964).

Com o tempo, o aparelhamento teórico e metodológico da arqueologia ampliou seu papel na


restauração arquitetônica, complementando e comprovando a relação entre as evidências
documentais e materiais. Todavia, a arqueologia inserida na restauração arquitetônica sempre
foi entendida como um meio para a obtenção exclusiva de informações sobre o edifício,
embasando as condutas que até então eram apoiadas em documentos históricos, na história
da arquitetura ou no conhecimento de técnicas construtivas. Para diferenciar esta prática
arqueológica destinada a oferecer uma série de detalhes arquitetônicos ou construtivos que
podem permitir maior precisão nas restaurações/reconstruções, daquela voltada ao
conhecimento histórico mais amplo, incluindo aspectos sociais ou culturais, J. C. Harrington a
denominou de “arqueologia de contrato”. Isto significa que a pesquisa é realizada a pedido de
um cliente, com um objetivo mais claro e específico (ORSER JR., 2000, p. 98).

Porém, sob a ótica da corrente teórica conhecida como pós-processualismo em arqueologia,


os estudos sobre a arquitetura se tornaram mais amplos, principalmente com o entendimento
da arquitetura como resultado de processos sociais. Com a crise moral deflagrada com o pós-
modernismo, uma série de tendências marcadas pela falta de consenso e diversidade de
pensamento surgiu nos finais de 1970 e começo de 1980. A arqueologia pós-processual, cujo
nome é uma analogia ao termo pós-moderno, é fruto desse contexto. Esta corrente vai
entender os artefatos e estruturas não como produtos de vítimas passivas de um sistema
social, mas como produtos de indivíduos.

Das correntes de pensamento filosófico que influenciaram o pós-processualismo, destacam-


se o estruturalismo e o marxismo. Os modelos estruturalistas, entendendo a cultura como
uma linguagem, ofereceram novas ferramentas metodológicas para a compreensão das
evidências, com a pretensão de desvelar as regras ocultas geradoras das formas culturais. A
semiologia aplicada à investigação arqueológica, por exemplo, permitiu a abordagem da
arquitetura enquanto signo de comunicação, assim, o “espaço construído não só apresenta
uma funcionalidade pragmática, mas também é um objeto simbólico, já que transmite uma

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mensagem que é assimilada de maneira inconsciente dentro do marco espacial da vida
cotidiana” (BORRAZÁS et al, 2002, p. 17).

O marxismo, por outro lado, chamou a atenção sobre a importância dos conflitos e da
ideologia, afirmando o caráter político do trabalho do arqueólogo. Ou seja, ao mesmo tempo
em que reconhece o indivíduo no processo ativo de construção do discurso arqueológico, no
pós-processualismo toma-se consciência da dimensão social e política da arqueologia.

Esta nova forma de compreender a arquitetura, entretanto, ainda não foi plenamente
apropriada nas pesquisas arqueológicas que se integram à prática restaurativa. Apesar de na
década de 1980 ter surgido um novo campo de estudos voltado exclusivamente à
compreensão dos edifícios - a arqueologia da arquitetura - percebe-se que o potencial destas
investigações é aplicado de maneira supérflua, muitas vezes restrito às inferências
cronológicas e tipológicas a partir das construções.

Segundo Azkarate (2020b, p. 3), um dos motivos destas atitudes reducionistas do campo é
justamente a atribuição do estudo de edifícios históricos apenas a historiadores de arte ou da
arquitetura, bem como a crença de que a arqueologia da arquitetura se limita a leituras
estratigráficas de paredes.

Como será discutido adiante, a diferente aplicação da arqueologia da arquitetura - ora


direcionada aos aspectos metodológicos de sistematização de unidades estratigráficas e ora
ligada a uma interpretação da história social das construções – se dá também
geograficamente, com abordagens distintas na Europa e na América.

2. Arqueologia da arquitetura

Na Europa, a arqueologia da arquitetura compreende um conjunto de experiências e


investigações realizadas a partir de 1980, inicialmente na Itália e mais tarde na Espanha, com
a utilização do método estratigráfico ou de sobreposição de camadas aplicados à leitura das
alvenarias. O objetivo é o diagnóstico de problemas estruturais e a composição das
sequências das ações construtivas (adições, acréscimos) e ações destrutivas (supressões,
demolições) que produziram o objeto arquitetônico. Para tanto, emprega-se o conceito de
Unidades Estratigráficas (UE), ou seja, de partes do edifício que sem dúvida são resultado de
uma mesma ação construtiva. É através da identificação destas unidades e dos pontos de
contato entre elas que se reconstrói a sequência de superposição temporal da construção
(BOATTO e PITTALUGA, 2000).

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Quirós Castillo (1996), um dos expoentes da arqueologia da arquitetura na Espanha, afirma
que existem dois instrumentos que servem ao arqueólogo no estudo do documento material:
a estratigrafia e a análise tipológica. Esta última quando determinada tradicionalmente pela
arquitetura só leva em conta características estilísticas e formais, além de ser subjetiva e
desprezar a individualidade de cada monumento. Uma análise tipológica no âmbito da
arqueologia da arquitetura ou AA recorre a uma série de elementos arquitetônicos particulares
distribuídos diacronicamente na construção (aberturas, elementos estruturais, decorativos,
etc.), dos quais se conhece sua data de fabricação. Através da construção de um banco de
dados de referência onde se registram os mais expressivos casos de elementos construtivos
associados a um período cronologicamente delimitado, tem-se datações empíricas, objetivo
da cronotipologia, um dos instrumentos da AA.

O deslumbramento com os aspectos instrumentais do campo de estudo bem como o excesso


da aplicação desses modelos foi alvo de críticas por alguns pesquisadores europeus que,
convencidos das potencialidades da arquitetura para o conhecimento de contextos sociais,
alertam para a compreensão de outros mecanismos presentes no modo de produção dos
materiais construtivos. Para estes pesquisadores, a investigação das técnicas construtivas
deve superar sua sequência em diagramas estratigráficos e tabelas tipológicas, revelando
mecanismos sociais presentes na confecção das estruturas2, bem como o conhecimento de
técnicas construtivas que desapareceram em virtude da industrialização (AZKARATE GARAI-
OLAUN et al, 2002, p. 8).

A compreensão dos processos sociais presentes na arquitetura é justamente o mote de


diversas pesquisas desenvolvidas na América Latina. Diferentemente da prática europeia,
focada majoritariamente na materialidade construtiva, as referidas pesquisas em arqueologia
da arquitetura defendem a produção de conhecimento também a partir de outras fontes, tal
como plantas arquitetônicas.

Um exemplo deste tipo de análise é desenvolvido na tese de doutorado do antropólogo e


arqueólogo Andrés Zarankin (2002) intitulada “Paredes que Domesticam: Arqueologia da
Arquitetura Escolar Capitalista”. Através do exame de plantas arquitetônicas de algumas
escolas municipais de Buenos Aires, estruturadas pelo sistema capitalista, o autor pesquisa a
organização do espaço físico, com foco em aspectos ideológicos como as relações de poder.
Para demonstrar a organização e configuração destes espaços, são aplicados modelos de

2Uma abordagem nesse sentido é feita em: FERREIRA, Ton. Arqueologia da arquitetura e sistemas
construtivos afrodiaspóricos no Brasil. Publicações AMA-patrimônio em Rede. No prelo.

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análise espacial como o modelo ‘Gamma’ desenvolvido pelos arquitetos ingleses Bill Hillier e
Julienne Hanson (1984), que consiste na decomposição do edifício em uma série de
representações cujo resultado é um gráfico de sua estrutura composta por diferentes nós
(correspondentes a espaços físicos delimitados dentro de uma estrutura arquitetônica) e por
conexões (que são as portas que conectam um nó com outro). Na análise o autor utiliza os
índices de ‘Escala’, ‘Integração’ e ‘Complexidade’ de Richard Blanton (1994)3, demonstrando
que na sua maioria os edifícios escolares apresentam espaços pouco fluidos, em que a
comunicação com o mundo exterior é feita quase sempre por uma única via, tornando os
usuários altamente vigiados. O autor constata ao final da pesquisa que as escolas públicas
fazem parte do mecanismo de domesticação e disciplinamento das pessoas pela burguesia e
pelo capitalismo. Essa conclusão é associada ao pensamento de filósofos pós-modernos
como Michel Foucault (1993) em seu livro clássico “Microfísica do Poder”.

Este tipo de abordagem arqueológica da arquitetura, cujos defensores argumentam a


desnecessária vinculação da arquitetura à materialidade, apresenta uma possibilidade de
aportar conhecimento sobre o bem e a sociedade que o produziu e/ou na qual está inserido
através de métodos não destrutivos. Diferentemente das prospecções e escavações que
podem implicar na perda de fragmentos das construções e na adulteração de evidências
pretéritas. Por outro lado, como dito anteriormente, estes estudos ainda não se vinculam
diretamente com a problemática da intervenção restaurativa que está pautada
predominantemente na materialidade do objeto arquitetônico.

De todo modo, essa nova perspectiva da arqueologia da arquitetura desenvolvida


principalmente na América Latina, apresenta grande versatilidade, ao contrário do que se
observa na Europa, onde a disciplina possui limites temáticos e metodológicos mais
evidentes. As publicações latino-americanas abordam por exemplo: a arquitetura monumental
e cerimonial pré-hispânica e sua vertente espacial e simbólica, propostas que aprofundam as
conotações sociopolíticas dos espaços construídos, através de instrumentos de “sintaxe
espacial” ou a “arqueologia da arquitetura doméstica” pré-colombiana. (AZKARATE, 2020a,
p. 1-2).

3 O arqueólogo Richard Blanton, com base no modelo ‘Gamma’, construiu uma série de índices que possibilitam
aprofundar a análise da estrutura arquitetônica. Estes índices são denominados ‘Escala’, que consiste no número
de ‘nós’ (equivalente aos ambientes); ‘Integração’, que é igual à quantidade de ligações ou conexões entre os ‘nós’
dividida pela quantidade de ‘nós’ de cada gráfico. Já o ‘Índice de Complexidade’ está relacionado à quantidade de
ligações entre os ‘nós’ e a acessibilidade de cada ‘nó’ com o exterior. (ZARANKIN, 2002; ZARANKIN e NIRO,
2010). Ver: BLANTON, R. Houses and households. New York: Plenum Press, 1994.

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Foi inclusive através das investigações arqueológicas focadas no estudo da arquitetura
doméstica, em particular, que Sharon R. Steadman (1996) definiu a arqueologia da arquitetura
na América ainda na década de 1990. Por volta das mesmas datas em que Tiziano Mannoni
cunhou o conceito de “archeologia dell’architettura” na Itália, para se referir a um campo da
arqueologia caracterizada pela aplicação de critérios estratigráficos e cronotipológicos ao
estudo dos edifícios históricos (na sua maioria edifícios em pé e em uso), Sharon R. Steadman
utilizara em Inglês o mesmo conceito para referir-se à arqueologia dos ambientes domésticos
e à análise dos padrões espaciais dos vestígios arquitetônicos (principalmente em ruínas ou
abaixo do nível 0) (AZKARATE, 2020b, p.2).

3. Arqueologia, restauro e arqueologia da arquitetura no contexto brasileiro

No Brasil, a integração das pesquisas arqueológicas à restauração arquitetônica teve início


durante a consolidação dos estudos em arqueologia histórica no país, o que ocorreu depois
de 1960. Nesta década, a legislação de proteção ao patrimônio arqueológico nacional
começava a ser implementada e eram conduzidas pelo então Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico nacional – Iphan, diversas obras de restauração na região Nordeste (em fortes e
igrejas) e Sul (nas Missões Jesuíticas) (LIMA, 1993, p. 226-227).

Na Igreja Nossa Senhora da Divina Graça, em Olinda-PE, por exemplo, os estudos iniciais
para a obra de restauro motivaram uma extensa pesquisa arqueológica com a execução de
escavações sistemáticas em todo o interior da igreja. As pesquisas foram conduzidas pelo
arqueólogo Marcos de Albuquerque e segundo o próprio, os resultados contribuíram de forma
efetiva para o projeto de restauração, representando, no Brasil, o início de uma experiência
em que uma intervenção desta natureza foi antecedida por uma ampla pesquisa arqueológica
(ALBUQUERQUE, 1992, p. 134).

Nesse contexto, porém, as pesquisas arqueológicas realizadas estavam limitadas ao nível do


subsolo e seu produto era a análise de cunho histórico-cultural com estudos descritivos e
particularistas contendo referencial histórico, geográfico, dados funcionais, técnicas
construtivas e aspectos formais. Para Lima (1993, p. 226), a visão patrimonial que privilegiava
os “monumentos de pedra e cal” direcionada principalmente aos exemplares da arquitetura
colonial foi inclusive o que determinou os rumos da arqueologia histórica no Brasil e sua
integração às restaurações no período de 1960 a 1990. Somente a partir deste período é que
novas perspectivas se abriram para a disciplina, como os estudos de quilombos e quintais.
(LIMA, 1993, p. 226-229).

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Coincidentemente, é a partir da década de 1990 que ocorre a inclusão da arqueologia pós-
processual no Brasil e durante a década seguinte, esta corrente teórica da arqueologia se
firmou como pensamento da renovação da arqueologia brasileira. Foi nesse contexto que o
objeto arquitetura voltou a ser inserido na discussão da arqueologia histórica, principalmente
a partir da tese de doutorado de Andrés Zarankin, já mencionada (FERREIRA e FREITAS,
2020, p. 3).

Neste mesmo período entrava em execução o Programa Monumenta, em que diversas


intervenções de recuperação do patrimônio urbano incorporaram em seu escopo a pesquisa
arqueológica. Um exemplo foi o Projeto Pelourinho de Pesquisa Arqueológica, em Salvador.
Este projeto desenvolvido na 7ª Etapa de Recuperação do Centro Histórico da capital baiana,
abrangeu 11 quarteirões e 63 imóveis, dos quais 14 foram prospectados e pesquisados de
modo sistemático. O objetivo foi diagnosticar o potencial arqueológico da área de intervenção
e desenvolver investigações nas zonas de interesse especial, além de fazer um retrato do
local sob o prisma da arqueologia visando compreender a ocupação atual (NAJJAR, 2010, p.
11).

O estudo foi objeto de publicação pelo Programa e apesar de fazer menção à realização das
pesquisas arqueológicas de modo integrado aos projetos de restauro, bem como de haver um
capítulo dedicado exclusivamente ao diálogo da arqueologia com a arquitetura no livro, não
há informações claras sobre o resultado dessa relação, ou seja, como o conhecimento gerado
pela arqueologia contribuiu na restauração. É relatado apenas que através da observação,
descrição e avaliação dos elementos e técnicas construtivas utilizadas nas edificações foram
obtidas informações morfológicas e tipológicas da arquitetura que auxiliaram no
estabelecimento das fachadas como elemento de datação no estudo geral de ocupação da
área (NAJJAR, 2010, p. 20).

Ainda de acordo com a referida publicação, o Projeto seguiu os procedimentos do “Manual de


Arqueologia Histórica” – (NAJJAR, 2005), criado no âmbito do Programa Monumenta para
auxiliar os técnicos do IPHAN a gerir os projetos de restauro e suprir a necessidade de
estabelecimento de padrões metodológicos para as práticas arqueológicas. Este Manual
apresenta dois modelos de pesquisa arqueológica: no modelo A, mais pragmático, a
arqueologia busca responder as demandas do projeto de restauro, ou seja, busca aclarar as
dúvidas do arquiteto sobre o bem a ser restaurado. No modelo B, tido como o ideal, além da
contribuição imediata para o projeto de restauro há possibilidade de gerar modelos
explicativos da realidade social ao qual o bem está vinculado, já que o conhecimento não é
direcionado.

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Como procedimentos mínimos recomendados para os projetos de arqueologia, o Manual
prevê a prospecção de pisos, paredes, fundações e elementos construtivos de forma conjunta;
escavações dentro e fora das edificações; datação de materiais móveis e do próprio edifício.
A última etapa descrita, na qual se daria a interface entre o produto da pesquisa arqueológica
e o projeto de restauro aventa apenas a possibilidade de integração ou não dos vestígios
arqueológicos descobertos ao projeto, citando a opção de exposição integral ou parcial dos
mesmos e a execução de projetos específicos, como um projeto museográfico, caso
necessário (NAJJAR, 2005, p. 40).

Pelo que pode se depreender, apesar de citar um modelo de pesquisa mais abrangente, a
perspectiva de interface prevista no manual está focada nos resultados obtidos a partir da
materialidade dos artefatos e estruturas revelados durante as prospecções e/ou escavações.
Entretanto, como já foi abordado neste artigo, demais inferências colhidas a partir da análise
da preexistência arquitetônica em conjunto com outras fontes podem se constituir num rico
arcabouço para a tomada de decisões projetuais durante a intervenção restaurativa.

Segundo Ferreira e Freitas (2020, p. 3), o Programa Monumenta – cujo encerramento se deu
por volta de 2010 - ignorou a arquitetura como resultante de processos sociais e durante sua
execução ficou evidente a falta de metodologias sistemáticas para o estudo das construções
no âmbito da prática arqueológica brasileira.

Além disso, as pesquisas que aproximam arqueologia da arquitetura e restauro de edifícios


no país são mínimas e constituem exemplos isolados. Um deles foi o trabalho pioneiro
coordenado pela arquiteta Regina Tirello para a “Casa de Dona Yayá”, em São Paulo, iniciado
na década de 1990 e direcionado ao estudo e conservação de pinturas murais no prédio de
estilo eclético. Alguns estudos acadêmicos que envolvem o tema da arqueologia da
arquitetura também são encontrados, o que nos permite vislumbrar uma abertura para
discussões mais amplas no Brasil.

Em síntese, a prática arqueológica brasileira em restaurações frequentemente foi baseada


nos enfoques histórico-culturalista e processual, privilegiando os trabalhos de escavações de
solos. As parcas abordagens sobre as estruturas “históricas” localizadas acima do nível zero
estiveram sempre voltadas à busca de portas e janelas fechadas no decorrer da evolução
construtiva do edifício (FERREIRA e FREITAS, 2020, p. 3).

O pós-processualismo ao reconhecer a arquitetura como uma ferramenta de construção da


realidade social, expandiu os horizontes dos estudos arqueológicos sobre as estruturas

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arquitetônicas, entretanto, ainda não há abordagens consistentes com foco na restauração de
edifícios na vertente pós-processualista da arqueologia da arquitetura brasileira.

4 – Conclusões

Diante do que foi exposto, percebe-se a importância da expansão da investigação


arqueológica do registro arquitetônico e do espaço construído para além da perspectiva
própria do funcionalismo, incorporando os fatores sociais e simbólicos da arquitetura como
produto da atividade humana. Afinal, a forma adquirida por uma construção é o resultado no
meio ambiente físico e em determinado momento histórico da conjugação de variáveis
econômicas, técnicas, culturais e sociais, as quais respondem a múltiplas finalidades como
proteção, moradia, segurança, indicação de status, dentre outras.

Do mesmo modo, numa restauração não importam apenas os resultados do transcurso da


obra através do tempo refletidos na sua materialidade, mas os valores simbólicos, presentes
quando o bem foi edificado e quando ele é percebido. A restauração, ao visar a incorporação
de um bem à dinâmica atual, é uma atividade pautada no profundo conhecimento do
monumento e seu contexto tanto no passado quanto no presente.

É nesse sentido que pode se pensar no desenvolvimento das práticas arqueológicas


aplicadas à restauração arquitetônica, ou seja, com maior abertura para a vasta gama de
abordagens existentes, as quais podem responder questões cronológicas, tipológicas ou
estilísticas, mas também permitir uma nova compreensão das estruturas num panorama mais
complexo e abrangente.

No Brasil, alguns esforços foram realizados para a construção de instrumentos técnicos


destinados à auxiliar os profissionais a gerir e executar os projetos de restauração, bem como
para estabelecer a prática arqueológica. Entretanto, é fundamental a construção de uma
metodologia mais clara na interação entre estes dois campos, explorando tanto o potencial
das análises arqueológicas quanto as necessidades do projeto de restauração que podem ser
de natureza diversa. Deste modo, pode-se ampliar o papel da arqueologia nas intervenções
e alcançar resultados mais próximos dos objetivos da preservação patrimonial no contexto
contemporâneo.

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Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, São Paulo.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de


Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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EIXO TEMÁTICO 3: ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
O edifício como documento

OCUPAÇÃO E MEMÓRIA

VUCOVIX, MAÍRA

1. Universidade Presbiteriana Mackenzie


Avenida São Luís, 192 / São Paulo – SP / CEP 01046.000
mavucovix@gmail.com

RESUMO
As cidades brasileiras, em meados da década de 1960, viveram um acelerado processo de
industrialização e urbanização, característico da América Latina. Isto, aliado à precariedade da vida
no campo, resultou na inédita progressão populacional urbana com relação à rural.
As localidades que receberam tais migrantes, desprovidas de infraestrutura, expulsaram seus novos
moradores para as bordas das cidades e os impuseram os assentamentos irregulares como única
alternativa habitacional.
Mirando mais detidamente a cidade de São Paulo como centro do estudo, constatou-se que, com a
construção de Brasília, houve o enfraquecimento político-econômico da cidade do Rio de Janeiro
(antigo Distrito Federal) e a ascensão econômica da capital paulista.
O despontamento de São Paulo, em meio ao capitalismo dependente, movido principalmente pelo
subemprego e pela precariedade da qualidade de vida, escancarou ainda mais as diferenças
socioeconômicas dos habitantes da cidade. Como consequência, em finais da década de 1990 e
início dos anos 2000, surgiam as primeiras ocupações no centro de São Paulo - encabeçadas pela
ULC (União para a Luta de Cortiços), visando edifícios patrimoniais que não cumpriam a função social
da propriedade.
O debate acerca da função social da propriedade foi muito anterior às primeiras ocupações. A Lei nº
4.132, de 1962, tinha como objetivo promover justa distribuição da propriedade e condicionar o seu
uso ao bem-estar social. Foi incorporada ao artigo nº 147 da Constituição Federal de 1946 e também
previa a construção de casas populares. Posteriormente, com a redemocratização do País, em 1988,
foi incorporada à nova Constituição Federal nos artigos nº 182 e 183, no Capítulo II – da política
urbana.
A partir do explanado acima, o artigo aqui proposto pretende, portanto, analisar a Ocupação 9 de
Julho, liderada pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e por Carmen Silva, dentro do recorte de
políticas públicas habitacionais e processos participativos populares.
Para tanto, a pesquisa contou com método de visitas de campo e revisão bibliográfica. Resultados
previamente levantados evidenciam o sentido atribuído à edificação ocupada como símbolo de uma
luta social de décadas.
Palavras-chave: história da cidade; edifício como documento; ocupações urbanas; habitação social;
política pública

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Introdução e justificativa da pesquisa

O interesse pelo tema desta pesquisa surgiu em meados do curso de Pós-Graduação stricto
sensu de mestrado da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com área de concentração em
Arquitetura, Tecnologia e Cidade, com a linha de pesquisa em Arquitetura: Fundamentos,
Metodologia e Projeto. O trabalho final foi uma dissertação sobre o papel do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB) na formulação do Plano Nacional de Habitação (PNH) de 1964.

A década de 1960 foi marcada por grandes transformações: urbanisticamente, as cidades


brasileiras incharam de forma alarmante, em função de mudanças na economia nacional,
decorrentes da entrada do capital estrangeiro e da instalação de multinacionais no País na
década anterior. Isso gerou intenso crescimento do mercado de trabalho e incitou o êxodo
rural.

O governo progressista de João Goulart, iniciado em 1961, conviveu com uma crescente
polarização ideológica. Eram tempos de instabilidade político-institucional, mas, a despeito
disso, em sua administração aprovou-se a Lei nº 4.132/62. Esta previa desapropriação
territorial em caso de interesse social e tinha como objetivo promover justa distribuição da
propriedade e condicionar o seu uso ao bem-estar social. Também previa a construção de
casas populares, e a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e
de reservas florestais. Tais itens faziam parte das Reformas de base do governo Jango que
pretendiam discutir, entre outras coisas, regulamentações urbanas e agrárias.

Foi incorporada no artigo nº 147 da Constituição Federal de 1946 através da Emenda


Constitucional nº 10, de 9 de novembro de 1964. O artigo, subdividido em seis parágrafos,
detalhando as condições de desapropriação e as formas de pagamento, foi aprovado já com
o Regime Militar em vigor.

Tal Lei foi responsável pela previsão da função social da propriedade, no intuito de prover
bem-estar de seus habitantes, na Constituição Federal de 1988, nos artigos nº 182 e 183, no
Capítulo II – da política urbana. No Art. 182, subdividido em quatro parágrafos, ficou
determinada as desapropriações em caso de exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor (instrumento obrigatório para cidades com mais de vinte
mil habitantes). E no Art. 183, subdividido em três parágrafos, definiu-se direito adquirido por
usucapião àquele que possuir como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros

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quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia
ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Também no governo de Goulart, apresentou-se o Projeto de Lei (PL) nº 87, de 3 de abril de


1963. Este era uma continuação do PL nº 1.911, de 28 de junho de 1960. Ambos foram
apresentados na Câmara dos Deputados pelo deputado federal do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB - mesmo partido político do presidente João Goulart), Floriceno Paixão.

Seu principal objetivo era estabelecer uma política de habitação efetiva para combater os
altos índices de déficits habitacionais no país. Em meio ao caos, pediu-se urgência em sua
tramitação. No preâmbulo previa-se a iniciação de um Plano Nacional de Habitação (PNH),
a criação de um Conselho Nacional de Habitação e a instauração de um Fundo Nacional da
Habitação. Para o funcionamento das três instâncias, acreditava-se que as questões
econômicas estariam subordinadas às questões sociais, e não o contrário. Para isso, previa-
se que esses órgãos funcionassem exatamente nesta ordem de autonomia.

Previa-se que os custos das unidades habitacionais não deveriam exceder o valor de 150
vezes o salário mínimo estabelecido em cada região ou sub-região. A proposta do baixo
custo reforça a ideia da possibilidade da habitação para todos. A ideia central era favorecer
o acesso à moradia para trabalhadores que ganhavam até 15 salários mínimos, por meio de
recursos financiados pela Caixa Econômica Federal.

Outros pontos importantes que devem ser valorizados nesse PL são: a proposição de que o
próprio Estado deveria ser responsável pela urbanização das áreas de intervenção, antes
mesmo da comercialização dos terrenos; que fosse estimulada a instalação de novas
indústrias de materiais da construção civil para aumentar a concorrência e a competitividade
e, consequentemente, baratear os preços; que os municípios, com população igual ou
superior a 10 mil habitantes, tivessem direito a assistência técnica e financeira para a
elaboração de planos diretores; que fornecedores de materiais, máquinas e/ou prestadores
de serviços para as construções de interesse social tivessem isenção de tributos; e que
coubesse ao Conselho Nacional de Habitação a coordenação da execução dos planos, com
autonomia técnica, administrativa e financeira.

Por último, importante pontuar que, juntamente com o PNH, pretendia-se elaborar um Plano
Nacional Territorial (PNT) capaz de delimitar questões mais abrangentes antes de instaurar
os planos de habitação social de acordo com demandas regionais.

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Poucos meses depois, em julho de 1963, aconteceu o SHRU. Promovido pelo IAB,
juntamente com o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE)
foi batizado de O Homem, sua Casa, sua Cidade.

Foram discutidos quatro temas centrais no Seminário: a situação habitacional no País –


exposição e análise das condições; a habitação e o aglomerado humano; a reforma urbana
– medidas para o estabelecimento de uma política de planejamento urbano e de habitação;
e a execução dos programas de planejamento urbano e de habitação. Nos debates, a
presença e atuação do Estado eram de extrema importância. Desapropriações,
implementações de novas unidades habitacionais, instrumentos de reforma urbana,
diagnósticos de demanda populacional, entre outras ferramentas, seriam fundamentais para
a condução de novos sistemas operantes.

A questão da moradia social voltada para a população de baixa renda vinha sendo discutida
desde a década de 1930. No entanto, ao incluir o planejamento urbano e regional como
itens associados à habitação, o debate tornou-se mais amplo, com propostas que
abordavam problemas como tributação e renda da terra urbana, uso e ocupação do solo,
direito seletivo às cidades, e condições mínimas de moradia e infraestrutura urbana.

Um tema essencial colocado pelo Seminário foi a necessidade imediata de medidas práticas
quanto às políticas públicas. Nesse momento, imaginava-se atuar imediatamente em áreas
emergenciais. Em anos anteriores, muito se discutia no plano teórico sobre habitação social
e alguns programas, inclusive, estavam em vigor. No entanto, o questionamento dos
arquitetos era sobre a demagogia política envolvida e a pouca concretização desses
programas perto à real dimensão do problema.

Durante muito tempo apresentou-se a questão nacional da moradia como sendo de ordem
meramente assistencial e quantitativa, isto é, um evento apenas de construção de mais
casas ditas populares. Isso atribuía ao Governo a responsabilidade exclusiva para essa
questão, ao mesmo tempo em que se escondia toda sua verdadeira problemática (Cf.
Revista Arquitetura, número 14, edição agosto, Rio de Janeiro, 1963, p.2).

O Seminário também discutiu o passo a passo para a implantação dos planos: Plano
Nacional Territorial (PNT) e PNH. A primeira medida seria a criação de um órgão central e
federal, de autonomia financeira e de competência de jurisdição sobre o território brasileiro.
Imaginava-se incorporar a essa organização a Fundação da Casa Popular (FCP) e o
Conselho Federal de Habitação (CFH). Esse novo Conselho seria responsável por fixar
diretrizes da política habitacional e do planejamento territorial por meio da elaboração de
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planos, de organização descentralizada. Para a execução deles, imaginava-se o
estabelecimento de parcerias público-privadas.

A Instituição também teria competência de coordenar, supervisionar e distribuir os recursos


e assistência técnica estrangeira. Além disso, regularia as medidas de desapropriações por
interesse social. Havia interesse em investir na indústria de materiais da construção civil
pensando na estandardização do processo.

Outro ponto de extrema importância era a aproximação da política habitacional à política


agrária e de desenvolvimento econômico. Inseridas em um sistema capitalista, as diretrizes
econômicas eram determinantes para o condicionamento da lógica de exploração do solo
urbano e rural e, consequentemente, da distribuição espacial da sociedade.

No relatório final do SHRU, foram estabelecidas condições de atendimento dos PNT e PNH,
segundo critérios de crescimento da população; intensidade de urbanização; disponibilidade
de recursos e fatores produtivos ociosos; densidade relativa em sub-habitação; e integração
com os planos locais e regionais de habitação e de desenvolvimento econômico-social.
Importante dizer que esses planos locais e regionais só seriam executados nas condições
previstas pelo plano central de desenvolvimento nacional. Esse plano nacional de habitação
visava lidar diretamente com o déficit habitacional e com os equipamentos urbanos
pertinentes.

Outro fator importante, colocado pelo Seminário, foi a recomendação de investimentos


públicos para áreas já urbanizadas, porém, de sub-habitações. O principal objetivo era
orientar as comunidades no sentido de disseminar informações técnicas e esclarecer riscos
e cuidados com as construções, ainda que de pequeno porte.

As conclusões do Seminário resultaram em um projeto completo que contemplava as


minúcias para o funcionamento do sistema. Estavam previstos os registros de loteamentos
urbanos, as desapropriações legais, em caso de área de interesse social; a cobrança de
taxas sobre o imóvel de acordo com o perímetro urbano e a proposição de planos em
esferas locais e regionais.

No ano de 1964, no entanto, foi aprovada a Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964,


responsável pela instauração de um PNH e pela criação do Banco Nacional da Habitação
(BNH), do Regime Militar. Houve, neste momento, favorecimento da cidade econômica em
detrimento da cidade social, redução do corpo técnico envolvido no âmbito das políticas

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habitacionais brasileiras e descarte do conceito de habitação ampliado e complementação
urbanística.

Mais do que compreender efeitos arquitetônicos e urbanísticos de alguns conjuntos


habitacionais modernos, o mestrado despertou interesse em estudar habitação social, com
viés em políticas públicas e processos participativos. Além da trajetória acadêmica, a
recente experiência profissional, como arquiteta contratada pelo edital do CAU/SP junto ao
MSTC e à FIO Assessoria Técnica Popular de intervenção em Ocupações na área central
de São Paulo (ATHIS – AÇÕES EMERGENCIAIS – PROJETOS E CAPACITAÇÃO),
somou-se à intenção preexistente.

Este artigo pretende ser, portanto, um recorte da continuação dos estudos iniciados no
mestrado, no contexto mais atual brasileiro – momento dúbio entre a tentativa de
desmantelamento dos movimentos e direitos populares; e a recente retomada de visibilidade
de movimentos sociais e alguns ensaios progressistas.

Materiais e Métodos

O estudo teve como base a leitura de bibliografias primárias e outras, contemporâneas.


Foram tidos materiais da área da arquitetura e do urbanismo, mas também do campo da
geografia crítica e urbana, de modo a complementar a complexa articulação da cidade e seu
entendimento atualmente.

De acordo com Scarlato (apud Ross, 2019), por muito tempo a geografia ficou indiferente
aos aspectos subjetivos no estudo urbano. Hoje a ciência geográfica consegue perceber as
relações de identidade entre os indivíduos e seus lugares, tendo em vista as influências
exercidas por outras correntes teóricas, como a fenomenologia, que valoriza a compreensão
ou a maneira como o indivíduo vê a realidade, e não somente a explicação ou as relações
de causa e efeito entre as coisas. Desta forma, ampliou-se o horizonte dessa ciência no
estudo das cidades. Isso veio permitir ao geógrafo oferecer sua contribuição para um
planejamento urbano mais humanístico, no qual qualquer proposta de política de renovação
urbana deve levar em consideração o significado afetivo e visual de cada componente dos
lugares para as pessoas (Cf. SCARLATO apud ROSS, 2019, p.408).

Além da questão geográfica, a pesquisa contou também com contribuições da sociologia


para abranger possíveis relações entre cidade e memória. De acordo com Jodelet (apud Del
Rio, 2002), existe um jogo de memória no cenário urbano e o centro deste jogo é a
identidade dos habitantes, que faz com que se afaste o que se percebe como identidade

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negativa, e que se valorize o que se percebe como identidade positiva. Seguno ela, a
questão da memória é fundamental para qualquer estudo sobre a cidade. Ao unir passado,
presente e futuro, a memória ajuda a estabelecer formas de vida sem rupturas brutais,
estimulando o desenvolvimento de relações intergrupos não conflitantes. Trata-se de
respeitar o presente, que, por sua vez, é fundamentado no passado (Cf. JODELET apud
DEL RIO, 2002, p. 31).

A autora afirma, ainda, que há uma estreita relação entre a cidade e os modos de vida e os
modos de pensar. O espaço construído, portanto, é resultado direto das relações sociais, do
conjunto de atitudes, de ideias e de comportamentos de um determinado grupo social. Em
sua forma mais atual, a cidade dificulta a criação de laços sociais e o estabelecimento de
relações simbólicas com os outros. Isso porque as crescentes migrações e os conflitos
ligados à coexistência entre comunidades distintas resultaram em fenômenos urbanos cada
vez mais complexos, o que exige um novo modo de pensar a cidade (Cf. JODELET apud
DEL RIO, 2002, p. 40).

E por fim, Jodelet (apud Del Rio, 2002) diz que a cidade tem três formas de memória. A
memória eventual, relacionada a lugares emblemáticos de acontecimentos dos quais foram
palco. A memória coletiva, definida pelas atividades e pelos traços sociais, culturais e
étnicos de seus habitantes. E a memória monumental, representada pelas construções que
guardam vestígios e estabelecem ligação com o passado. As três formas de memória
deveriam ser valorizadas de modo a garantir a defesa das identidades dos habitantes de
uma cidade, favorecendo o desenvolvimento duradouro, reforçando e estabilizando a
evolução social e material (Cf. JODELET apud DEL RIO, 2002, p. 43).

As leituras programadas da área da arquitetura e do urbanismo foram voltadas para


questões da habitação de interesse social, autogestão, ocupações, luta por moradia,
desigualdades espaciais e exclusão em cidades brasileiras. Para todos os materiais
utilizados foi aplicada a metodologia de revisão bibliográfica. Complementar a isso, a
experiência profissional junto ao CAU/SP, ao MSTC e à FIO, permitiu visitas de campo nas
ocupações São Francisco e 9 de Julho. Resultados foram desenvolvidos nos tópicos
seguintes.

MSTC e Carmen Silva

Antes mesmo de analisar mais atentamente o MSTC e a importância de Carmen Silva, é


importante pontuar sobre o início dos movimentos sociais por moradia na cidade de São
Paulo. Segundo Fiúza e Lima (apud D’Ottaviano, 2021), pode-se considerar como sendo a
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matriz embrionária desses movimentos a União para a Luta de Cortiços (ULC), nascida em
1988 e oficializada em 1991. Hoje o movimento se chama Unificação das Lutas de Cortiço e
Moradia (ULCM). Em 1997 a ULC foi responsável pela primeira ocupação de imóvel ocioso
no centro de São Paulo: um casarão do governo estadual na Rua do Carmo foi ocupado por
57 dias consecutivos por 1050 famílias organizadas (Cf. PITTA apud FIÚZA e LIMA, 2021,
p. 353). As autoras explicam também que, na época, a organização do movimento se dava
por grupos centrais e periféricos e concentrava diversas lideranças que depois passaram a
fundar e atuar em outros movimentos sociais.

Essa colocação é importante, pois distingue os diversos movimentos atuantes no campo da


habitação. Aqueles ligados à União dos Movimentos de Moradia (UMM) e à Central dos
Movimentos Populares (CMP) defendem às ocupações no sentido de denunciar os imóveis
ociosos na cidade (são a ULCM e o Movimento de Moradia do Centro – MMC). Por outro
lado, os ligados à Frente de Luta por Moradia (FLM), como o próprio MSTC e o Movimento
de Moradia da Região Centro (MMRC), continuam ocupando para morar, além de lutarem
pela criação e defesa de políticas públicas habitacionais (Cf. BLOCH apud FIÚZA e LIMA,
2021, p. 353).

Visto isso, agora será analisado mais especificamente o MSTC. Em novembro de 1997,
algumas pessoas ocuparam o prédio na Rua Álvaro de Carvalho, hoje conhecido como
Ocupação 9 de Julho. Em 2000, mulheres líderes desta e de outras ocupações se unem e
fundam o MSTC, para mobilizar e organizar famílias sem moradia. Atualmente o Movimento
coordena cinco ocupações e um empreendimento. O empreendimento é o Residencial
Cambridge, que foi uma ocupação e é, agora, um empreendimento financiado pelo
Programa Minha Casa Minha Vida Entidades (PMCMV-Entidades). O projeto de assessoria
técnica é da Peabiru e tem previsão de entrega das unidades aos moradores ainda neste
ano de 2021.

As cinco ocupações de coordenação do MSTC são: Ocupação José Bonifácio (ocupado em


2012, propriedade privada), Ocupação Casarão (ocupado em 2012, propriedade privada),
Ocupação Nove de Julho (2ª ocupação em 2016, propriedade pública federal), Ocupação
Rio Branco (ocupado em 2011, propriedade pública municipal) e Ocupação São Francisco
(ocupado em 2013, propriedade pública municipal). Parte dos moradores atuais destas
ocupações foram selecionados pelo PMCMV-Entidades e se mudarão para o Residencial
Cambridge.

Quando um projeto é viabilizado, cada grupo de base indica suas famílias com maior
expressividade participativa para compor a lista de famílias que será enviada à Caixa
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Econômica Federal para aprovação. A lista é feita pelo movimento de moradia seguindo
critérios de classificação internos e, após aprovação segundo critérios da Caixa, passa a ser
a lista dos moradores do edifício (Cf. FIÚZA e LIMA, 2021, p. 364).

Nesses mais de 20 anos de luta por moradia popular, a importância do MSTC é


incontestável. Não há dúvida de que o Movimento, a partir de ações coletivas, foi capaz de
mudar a vida de inúmeras pessoas. Além das questões óbvias de habitabilidade e dignidade
humana, o MSTC também é responsável por realizar parcerias com instituições e coletivos
artísticos, oferecendo atividades culturais, esportivas e educativas, além de acesso à saúde,
em parcerias especiais com UBS da região e instituições privadas, para crianças e adultos
que moram nas ocupações. Ao longo dessa trajetória, a figura de Carmen Silva é
fundamental.

Carmen é ativista, mãe de 8 filhos, baiana, retirante, que dormiu nas ruas de São Paulo no
início dos anos 1990 e, nos anos 2000, tornou-se líder do MSTC. Na esfera da
administração pública, foi coordenadora do Conselho Participativo da Região da Sé por dois
biênios e, em 2018, foi Conselheira Municipal e Estadual de Habitação e das Políticas
Públicas para Mulheres. Em 2019, coordenou o Conselho de Gestão da Cracolândia. Além
de coordenar o MSTC, fez carreira por 20 anos na mesma empresa de corretagem de
seguros, seu primeiro emprego na cidade de São Paulo, onde segue como prestadora de
serviços do empresário (Cf. MTSC, biografia Carmen Silva). Atualmente é professora do
Núcleo de Mulheres e Territórios do Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER).

A Ocupação 9 de Julho

Histórico
O edifício da Ocupação 9 de Julho foi construído em 1943. O projeto é de autoria do
arquiteto Jayme Fonseca Rodrigues, contemporâneo de Oswaldo Bratke e Eduardo Kneese
de Mello, responsável, também, pelo conhecido Edifício Sobre as Ondas, no Guarujá, litoral
paulista. O projeto da Rua Álvaro de Carvalho foi encomendado pelo Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETC) e chegou a
ser ocupado pelo Instituto.
No térreo e no 1º pavimento concentravam-se as atividades administrativas; no 2º e 3º
pavimento estavam os serviços médicos; e os demais pavimentos, destinavam-se a salas de
escritório para aluguel, sendo a planta totalmente livre estruturalmente. Na década de 1960,
os IAPs foram unificados e substituídos pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
em 1966. Posteriormente, na década de 1990, tornou-se o atual Instituto Nacional do

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Seguro Social (INSS). Após estes processos de mudanças administrativas o prédio foi
desocupado e ficou por anos abandonado.
Conforme já mencionado acima, teve uma primeira ocupação em 1997, que se manteve até
2003. Neste momento, recebeu assessoria técnica da Ambiente Arquitetura – atuante desde
1992 com movimentos sociais por moradia, desenvolvendo e acompanhando projetos
habitacionais de interesse social na cidade de São Paulo e municípios vizinhos.

Mais recentemente, houve uma segunda ocupação, realizada em 2016 e mantida até hoje.
Em um segundo momento, o Movimento recebeu assessoria técnica da Peabiru TCA –
atuante desde 1993, com um grupo de profissionais diversificado, no desenvolvimento de
projetos e acompanhamento de obras habitacionais de interesse social no contexto do
programa de mutirão com autogestão.

Atualmente, a Ocupação também conta com a participação efetiva da FIO Assessoria


Técnica, equipe multidisciplinar, atuando junto ao MSTC e à Casa Verbo – Instituição criada
por Carmen Silva, em abril de 2020, logo após o início da pandemia, com uma importante
campanha nomeada ‘Operação Povo Sem Fome’. Os trabalhos se desenvolvem em ações
conjuntas do Movimento com a Casa Verbo e com a FIO Assessoria Técnica visando a
segurança das ocupações de moradia na área central e o fortalecimento político do próprio
Movimento. Estes trabalhos também são estratégias para a legitimação e reconhecimento
da atuação do MSTC nos prédios ocupados no centro da cidade.

Estrutura

A Ocupação 9 de Julho é composta por um pavimento térreo bastante generoso e mais 14


andares. Os pavimentos mais baixos são maiores e, conforme a edificação ganha altura, a
planta diminui. As áreas coletivas estão principalmente no térreo. Os espaços internos de
uso comum são: sala multiuso; brechó; marcenaria; cozinha coletiva (e refeitório); sala de
convivência; biblioteca e brinquedoteca; e galeria. Os espaços externos, também de uso
comum, são: quadra e quadrado para atividades esportivas, recreação, oficinas, ensaios,
reuniões, palestras, rodas de conversa, sessões de cinema, shows, aulas públicas etc.;
horta; e estacionamento que abriga atividades de grande proporção como festas, festivais e
atividades coletivas voltadas para o público externo.

Nos pavimentos, os sanitários são coletivos e as unidades habitacionais são de tamanhos


variados. O Movimento tem uma organização interna para distribuição das famílias de
acordo com o número de pessoas e a metragem quadrada das unidades disponíveis. Os
moradores também se organizam em escalas para trabalhos de limpeza da Ocupação

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(mesmo sistema se aplica a todas as ocupações do MSTC). Os residentes contam, ainda,
com um regimento interno de normas de boa convivência como qualquer outro condomínio.

Simbologia e significação

Antes de tratar da Ocupação 9 de Julho, será relatada uma breve história do Jardim Ângela,
periferia da zona sul da cidade de São Paulo. O caso está descrito no livro Cidade de
Chegada, a migração final e o futuro do mundo, de Doug Saunders. Frente ao avanço da
violência urbana, líderes comunitários se reuniram para discutir a questão ignorada pelas
autoridades municipais, estaduais e nacionais. ‘Os encontros foram ganhando força e
ficaram conhecidas como Fórum em Defesa da Vida. Logo, centenas de residentes estavam
frequentando essas reuniões, e os cidadãos do Jardim Ângela se mostraram unânimes a
respeito das necessidades do bairro: em primeiro lugar, segurança; depois, educação; e,
por último, conexão física e econômica adequada entre o bairro e a cidade. “Aquela
escola se tornou o primeiro território realmente neutro da favela; o primeiro espaço público”,
afirma Jucileide Mauger1 (Cf. SAUNDERS, 2010, p. 283).

Não seria exagero comparar a Ocupação 9 de Julho a este território neutro, um espaço
público que atende internamente às demandas das ocupações (com programações
artísticas, culturais, educacionais e outras), mas também, ao bairro. É com muita frequência
que são realizados eventos abertos ao público externo. Com as questões sanitárias
impostas pela pandemia, esse fluxo não é o mesmo, mas a Ocupação ainda é um ponto de
encontro e uma razão de significância para a comunidade local. Um exemplo disto é o
funcionamento da Cozinha Ocupação 9 de Julho que, apesar da pandemia, teve movimento
significativo com o projeto Lute Como Quem Cuida. Por vezes preparadas por chefs
renomados da cidade, a produção semanal é de cerca de 500 marmitas (CONSIGLIO,
Marina. Quentinhas de projeto são preparadas por nomes como Helena Rizzo, do Maní.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 06 maio 2021. Disponível em:
<https://guia.folha.uol.com.br/restaurantes/2021/05/chefs-badalados-fazem-marmitas-na-
ocupacao-9-de-julho-e-vendem-por-delivery-a-r-30.shtml>. Acesso em: 30 set. 2021).

Mais duas aproximações podem ser feitas entre esse caso de estudo do Jardim Ângela e a
Ocupação 9 de Julho. A primeira delas é sobre a questão financeira. De acordo com
Saunders (2010), o economista Amartya Sen foi o primeiro a reconhecer que,
fundamentalmente, a pobreza não é a escassez de dinheiro ou de recursos, tampouco a

1Jucileide, pedagoga e professora, foi diretora da Escola Municipal Oliveira Viana, no Jardim Ângela, por 16
anos. Pressionando governo e organizações por fundos de apoio, a escola conseguiu orçamento para abrir
novos cursos noturnos para adultos e adolescentes.
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falta de talento ou de ambição. Trata-se da ausência de capacidades – a inexistência das
ferramentas e oportunidades necessárias para garantir a plena cidadania. Segundo o autor,
são nas cidades de chegada (aquelas com grande número de migrantes), onde prevalece a
maior vontade de melhorar; são os locais que as pessoas têm menos capacidades e
enfretam mais obstáculos econômicos. Os elementos mais necessários são as capacidades
de dar início a um negócio e de estudar (Cf. SAUNDERS, 2010, pp. 293 e 294).

O autor segue dizendo que, tais realizações são possíveis a partir da autogestão eficiente,
da segurança e do acesso ao crédito e aos benefícios urbanos. Para isso é necessária a
participação efetiva do governo, especialmente o municipal. Neste sentido, não apenas para
a Ocupação 9 de Julho, mas o MSTC é um mediador no sentido de engajar os moradores
em cursos livres, profissionalizantes e afins. É articulado no diz respeito à sua participação
junto à sociedade civil.

E o terceiro e último ponto é o anseio dos moradores das cidades de chegada em alcançar a
capacidade da posse completa das terras sobre as quais se vive (Cf. SAUNDERS, 2010, p.
294). Segundo Frutoso e Kato (2019), é sobre o desejo de fixação no território. De acordo
com as autoras, os elementos de fixação no território, de maneira consequente, podem
também ser entendidos como mecanismos de resistência de uma população que luta pelo
direito à cidade e pelo acesso à moradia digna e, em determinados espaços da cidade que,
por suas estruturas urbanas e condensação de pessoas permitem viabilizar sua
sobrevivência mesmo precária, vulnerável e em permanente instabilidade (Cf. FRUTOSO e
KATO, 2019, p. 10).

Considerações finais

É a partir de todo material exposto anteriormente e por meio das metodologias aplicadas
que se entende a Ocupação 9 de Julho como uma potência na luta por moradia na cidade
de São Paulo, na ampliação do direito à cidade e à democracia e na representatividade e
respeito à memória de um povo. A Ocupação é, portanto, responsável por ampliar o debate
e o engajamento dos moradores e dos frequentadores de seu espaço e por dar seguimento
às cobranças por políticas públicas para habitação de interesse social de modo que atenda,
de fato, a população mais vulnerável.

Dito isto, é importante ressaltar que a implementação de processos participativos e o


acompanhamento por assessorias técnicas podem contribuir fortemente para a ampliação
do alcance da voz dos movimentos populares e para a compreensão das reais demandas
sociais, em ordem prioritária, no sentido de combater a precariedade habitacional.
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Imagina-se, para isto, a aproximação entre o poder público, a comunidade e a assistência
técnica, de modo democrático e participativo. Segundo Paterniani (2016), a ideia da
dignidade remete também a um cenário que pode integrar às demandas por moradia outras
demandas; uma moradia que permita acesso a outros bens e serviços essenciais, como
emprego, transporte, saúde e educação. A noção de dignidade, portanto, amplia o sentido
de moradia, uma vez que, muitas vezes, a conquista da casa não encerra o sentido da
reivindicação. Este conceito de habitação ampliado é o mesmo pontuado na introdução do
artigo, sobre as discussões os arquitetos do IAB no SHRU.

Dada a precariedade da moradia popular no País, escancarada pela pandemia, este


trabalho reforça, portanto, a necessidade de continuidade de pesquisas sobre o campo da
habitação e do planejamento urbano nas cidades brasileiras e para as cidades brasileiras.
Entende-se o arquiteto como integrante fundamental de grupos de profissionais de
assessoria técnica.

Referências Bibliográficas

CONSIGLIO, Marina. Quentinhas de projeto são preparadas por nomes como Helena Rizzo,
do Maní. Folha de S. Paulo, São Paulo, 06 maio 2021. Disponível em:
<https://guia.folha.uol.com.br/restaurantes/2021/05/chefs-badalados-fazem-marmitas-na-
ocupacao-9-de-julho-e-vendem-por-delivery-a-r-30.shtml>. Acesso em: 30 set. 2021
FIÚZA, Cecília Andrade e LIMA, Juliana do Amaral Costa. “Formas de moradia e a
unificação das lutas de cortiço e moradia (ULCM) na cidade de São Paulo”. In:
D’OTTAVIANO, Camila. Habitação, Autogestão & Cidade (organização). 1ª ed. – Rio
de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2021.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=20A344
30C28439F7E55C82123AD71680.node1?codteor=1201760&filename=Avulso+-
PL+87/1963 Acesso em: 27 mai. 2019.
https://www.movimentosemtetodocentro.com.br/carmen Acesso em: 24 abr. 2021
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4132.htm Acesso em: 6 mar. 2019
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4380.htm Acesso em: 6 mar. 2019
JODELET, Denise. “A cidade e a memória”. In: DEL RIO Vicente. DUARTE,
Cristiane Rose. RHEINGANTZ, Paulo Afonso (Orgs.). Projeto do Lugar –
colaboração entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: Contra
Capa/PROARQ, 2002, p. 31-43.
PATERNIANI, Stella Zagatto. Morar e viver na luta: movimentos de moradia,
fabulação e política em São Paulo. – São Paulo: Annablume, 2016.
Revista Arquitetura, número 14, edição agosto, Rio de Janeiro, 1963, p.2
SAUNDERS, Doug. Cidade de chegada, a migração final e o futuro do mundo. São
Paulo: DVS Editora, 2013.

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SCARLATO, Francisco Capuano. “População e Urbanização Brasileira”. In: ROSS,
Jurandyr Luciano Sanches. Geografia do Brasil. . – 6. Ed., 3 . Reimpr. – São
Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2019.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A PESQUISA ARQUEOLÓGICA NAS INTERVENÇÕES DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS DO CONTEXTO
BRASILEIRO.

Tatiana De Carvalho Costa (taticosta_arq@hotmail.com)

A arqueologia, desde a consolidação da restauração como disciplina autônoma


no final do século XIX, é considerada como parte integrante da prática
restaurativa. Seu progresso e o da história da arte, juntamente com as
descobertas das ciências físicas e químicas marcam inclusive o
desenvolvimento deste campo do conhecimento. O aparelhamento teórico e
metodológico da arqueologia aproximou ainda mais estas duas áreas,
resultando no desdobramento da arqueologia em segmentos particulares de
interface com a restauração arquitetônica. É o caso da arqueologia da
arquitetura que surgiu na década de 1980 na Itália e atualmente é aplicada em
diversos projetos de reabilitação de edifícios na Europa.
No Brasil, a integração das pesquisas arqueológicas às intervenções do
patrimônio arquitetônico teve início durante a consolidação dos estudos em
arqueologia histórica no país, por volta de 1960. Nesse período, a legislação de
proteção ao patrimônio arqueológico nacional começava a ser implementada e
eram conduzidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
Iphan, obras de restauração nas regiões Nordeste e Sul.

Mais tarde, com o Programa Monumenta, diversas intervenções de


recuperação do patrimônio urbano tiveram como condição indispensável a
pesquisa arqueológica prévia e foram criados alguns instrumentos técnicos
para auxiliar os profissionais a gerir e executar os projetos de restauração e
estabelecer a prática arqueológica, como é o caso do Manual de Arqueologia
Histórica do Iphan.

Apesar deste esforço, ainda se identifica no Brasil a ausência de uma


abordagem arqueológica adequada para a compreensão da preexistência
arquitetônica durante o processo de restauro. O descompasso na interação
entre os dois campos não só pode diminuir o papel da arqueologia nas
intervenções, como provocar resultados que se distanciam dos objetivos da
preservação patrimonial.

Com este trabalho buscamos, portanto, analisar a trajetória da interface entre


pesquisas arqueológicas e intervenções de restauro no patrimônio
arquitetônico brasileiro, bem como vislumbrar perspectivas futuras.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

A FOTOGRAFIA COMO RECURSO DE PRESERVAÇÃO DIGITAL: ENSAIOS


COM O MATERIAL ICONOGRÁFICO DAS RESIDÊNCIAS DO ACERVO DE
DECIO TOZZI

Heloisa Martin Mendes Pereira Helena (h226642@dac.unicamp.br)

Ana Tagliari (tagliari.ana@gmail.com)

Este artigo versa sobre os procedimentos metodológicos adotados para a


pesquisa de mestrado que investiga a arquitetura residencial de Decio Tozzi e
contribuí com as atividades de curadoria de seu acervo de projetos na
Biblioteca da Área de Arquitetura e Engenharia da Unicamp (BAE Unicamp). A
doação do referido acervo para a BAE Unicamp é recente, data de 2018, e
figura como a primeira do gênero, não contando então com um setor pré-
estabelecido para esse tipo de curadoria ou mesmo dispondo de equipamentos
especiais para as atividades, como a digitalização de material iconográfico de
grande porte. Portanto, neste primeiro momento, os resultados obtidos com a
conservação do acervo consistem em adaptações entre as possibilidades
institucionais, as necessidades do material e as produções das colaboradoras,
aqui autoras, envolvidas. Dentre os produtos desenvolvidos pelas
pesquisadoras está o registro fotográfico das pranchas de desenho das
propostas residenciais contempladas no acervo de Decio Tozzi. Visto a
indisponibilidade atual de uma digitalização por scanner, tanto pela falta de
equipamento apropriado como pela condição física frágil da documentação
para tal processo, foram explorados e executados diferentes registros
fotográficos do material que pudessem atender as demandas da pesquisa em
questão. Recorreu-se a recursos como painel de metal, mesa de luz, chapa de
acrílico transparente e o software photoshop CS6 para a produção de imagens
com boa qualidade, as quais observou-se que com as devidas ponderações e
ante as circunstâncias, podem ser exploradas também como forma inicial de
preservação digital do acervo. Posto isto, essa publicação visa apresentar a
experiência sobre o assunto, trazer questões e colocar em perspectiva
procedimentos e ações de estudos particulares que podem contribuir com o
debate em voga sobre a preservação digital de acervos de arquitetura.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

OCUPAÇÃO E MEMÓRIA

Maira Vucovix Firmino (mavucovix@gmail.com)

As cidades brasileiras, em meados da década de 1960, viveram um acelerado


processo de industrialização e urbanização, característico da América Latina.
Isto, aliado à precariedade da vida no campo, resultou na inédita progressão
populacional urbana com relação à rural.

As localidades que receberam tais migrantes, desprovidas de infraestrutura,


expulsaram seus novos moradores para as bordas das cidades e os
impuseram os assentamentos irregulares como única alternativa habitacional.

Mirando mais detidamente a cidade de São Paulo como centro do estudo,


constatou-se que, com a construção de Brasília, houve o enfraquecimento
político-econômico da cidade do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal) e a
ascensão econômica da capital paulista.
O despontamento de São Paulo, em meio ao capitalismo dependente, movido
principalmente pelo subemprego e pela precariedade da qualidade de vida,
escancarou ainda mais as diferenças socioeconômicas dos habitantes da
cidade. Como consequência, em finais da década de 1990 e início dos anos
2000, surgiam as primeiras ocupações no centro de São Paulo - encabeçadas
pela ULC (União para a Luta de Cortiços), visando edifícios patrimoniais que
não cumpriam a função social da propriedade.

O debate acerca da função social da propriedade foi muito anterior às primeiras


ocupações. A Lei nº 4.132, de 1962, tinha como objetivo promover justa
distribuição da propriedade e condicionar o seu uso ao bem-estar social. Foi
incorporada ao artigo nº 147 da Constituição Federal de 1946 e também previa
a construção de casas populares. Posteriormente, com a redemocratização do
País, em 1988, foi incorporada à nova Constituição Federal nos artigos nº 182
e 183, no Capítulo II – da política urbana.

A partir do explanado acima, o artigo aqui proposto pretende, portanto, analisar


a Ocupação 9 de Julho, liderada pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC)
e por Carmen Silva, dentro do recorte de políticas públicas habitacionais e
processos participativos populares.

Para tanto, a pesquisa contou com método de visitas de campo e revisão


bibliográfica. Resultados previamente levantados evidenciam o sentido
atribuído à edificação ocupada como símbolo de uma luta social de décadas.
EIXO TEMÁTICO 3

O SUPORTE FOTOGRÁFICO NAS CORRENTES DE RESTAURO:


pontos de contato, da teoria à prática

BRANDÃO, NATÁLIA C.

Universidade Federal da Bahia. Mestranda em Arquitetura e Urbanismo no Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo.
natalia.correia@ufba.br

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo mapear os pontos de contato entre o suporte fotográfico e o
amadurecimento do campo do restauro, buscando identificar o mútuo beneficiamento entre eles.
Nessa perspectiva, fazendo alusão à organização das primeiras fotografias em folhas de contato, a
estrutura do artigo se organiza em contatos sucessivos na sequência cronológica do desenvolvimento
de ambas as práticas. No primeiro deles, partindo da compreensão de que a fotografia é apenas mais
uma forma de representação visual, faz-se necessário entender como se deram as primeiras
aproximações entre a gravura e as ações interventivas sobre os monumentos nos períodos que
precedem a restauração como se entende atualmente. O segundo contato é referente à tomada de
consciência, no final do século XVIII, em torno do distanciamento histórico que configura monumento
histórico em paralelo ao surgimento da fotografia na primeira metade do XIX; busca-se indicar como a
fotografia estava presente nas elaborações de Viollet-le-Duc, Ruskin e Boito. O terceiro aborda a
virada do século XIX para o XX no sentido de trazer à luz, a partir da conceituação proposta por Riegl,
a abordagem acerca dos valores atribuídos aos monumentos enquanto baliza para as ações sobre
eles. O quarto contato pretende rebater o uso do suporte fotográfico no campo do restauro no âmbito
brasileiro, confrontando-o com a corrente do “restauro crítico” internacionalmente em processo de
consolidação. Por fim, busca-se provocar a reflexão acerca das novas tecnologias de representação
visual e sua aplicabilidade no campo do restauro.
Palavras-chave: fotografia; restauro; valores.

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Contato 1: as primeiras ações sobre monumentos e a gravura

O processo de consolidação do campo da restauração apresenta diversos pontos de contato


com os diferentes suportes de representação visual. Esses cruzamentos acontecem nos
processos de pesquisa e inventariação em torno de uma dada cultura; como suporte
documental para intervenções; nas decisões práticas, por vezes junto ao canteiro de obras;
como testemunho visual do ciclo de vida de determinado bem construído; e, dentre outras
maneiras, na consolidação visual e congelamento de uma feição física que se deseja
estabilizar e memoriar.

Sobre o amadurecimento, primeiramente, do campo da restauração, tem-se uma primeira


tomada de consciência em torno do valor artístico e histórico dos bens edificados - um
embrião da noção de distanciamento histórico, que viria a se consolidar apenas no século
XVIII no pós Revolução Francesa – por Francesco Petrarca (1304-1374), ainda no contexto
da Idade Média, e Filippo Brunelleschi (1377-1446), no prelúdio do Renascimento;
personagens que marcaram o movimento de retomada pelo fascínio artístico e literário em
torno da Antiguidade. Essa gênese de um olhar distanciado tinha como base uma
investigação direcionada - com a negação do que fora produzido na Idade Média - à
Antiguidade por meio da busca pela superação estética arquitetônica que se utilizava da
base instrumental e conceitual oferecida pelos monumentos antigos. Para além das novas
produções, a partir das referidas pesquisas, a manutenção das edificações antigas ainda
não era entendida como restauração, ao passo que o sentido da conservação se dava por
meio da modernização dos bens edificados.

Um pouco mais tarde, entre os séculos XVII e XVIII, a pesquisa que anteriormente tinha
como base os bens construídos e os textos literários dá lugar ao testemunho fornecido pelas
gravuras. As figuras centrais nesse novo processo investigativo foram os antiquários
eruditos, os quais passaram a buscar pelas antiguidades nacionais dos territórios para além
das fronteiras romanas. Naquele cenário, de melhoria nas condições de mobilidade
europeias, as viagens e a comunicação entre esses personagens foram facilitadas, o que se
desdobrou na investigação e inventariação dos testemunhos por eles apreendidos. Esses
arquivos podem ser entendidos como os embriões de uma configuração que viria a ser
consolidada, no contexto pós Revolução Francesa de 1789, nas primeiras galerias e
museus. As gravuras, portanto, começaram a fazer parte do corpus de objetos que
compunham tais pesquisas, cumprindo a função de inventário e de revisita ao passado1.

1 Sobre esses primeiros inventários, não se pode deixar de pontuar a importância do processo desenvolvido,
ainda no século XV, por Johannes Gutenberg de gravar sobre papel. O surgimento da imprensa, aqui
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A importância atribuída pelos antiquários aos testemunhos da cultura material e das belas-artes não é
senão um caso particular do triunfo geral da observação concreta sobre a tradição oral e escrita, do
testemunho visual sobre a autoridade dos textos. Entre o século XVI e o fim do Iluminismo, o estudo das
antiguidades evolui segundo uma abordagem comparável à das ciências naturais: ele busca uma
mesma descrição, controlável e, portanto, confiável, de seus objetos (Choay, 2001, p. 76).

As ilustrações em água-forte de Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), por exemplo,


serviram de base para os estudos de como a cidade de Roma se encontrava após séculos
de espoliação ocasionada pelo proselitismo cristão e pelo favorecimento do valor utilitário -
usos diferentes do original - dos monumentos. Diferentemente das gravuras
intencionalmente produzidas com fins de inventariação, a mensagem veiculada em as
ilustrações tridimensionais de Piranese configuram objetos de apreciação estética de uma
cultura romântica nascente – de culto à ruína, ao pitoresco, ao trágico –, além de uma
dramaticidade ainda característica do período barroco, o que justifica as diferenças entre o
que é visto e o que é representado2. A leitura contemporânea dessas ilustrações permite,
além da compreensão da mentalidade de sua época, a visão de uma memória,
simbolicamente, em processo de apagamento; principalmente por conta das ações
promovidas pelos papas, ora conservadores, ora destruidores. Ainda que haja distorções
nesse suporte de representação3, os desenhos servem de testemunho visual acerca das
ações sobre monumentos com vistas à sua preservação, ainda que por intermédio de obras
de modernização; tem-se portanto, um ponto de significativo contato e de mútuo
beneficiamento entre o campo da representação visual e os primórdios da restauração.

considerado como a primeira revolução da imagem, permitiu que esse corpus de informações fosse não apenas
fixado sobre o papel e inventariado nos arquivos dos antiquários, mas também facilitou as trocas que fizeram
parte da consolidação do campo da restauração.
2 As gravuras de Piranesi evidenciam o fato de que uma mensagem que se deseja comunicar se altera de acordo

com a carga ideológica do contexto em que o artista está inserido. Nesse caso específico, enquanto arquiteto e
gravurista, Piranesi representa em desenho técnico e também de observação, uma cultura romana que é
superior à grega. Suas imagens tridimensionais parecem potencializadas em termos de uma representação de
algo que o olho humano não é capaz de captar – uma espécie de gênese de uma objetiva grande angular.
3 Sobre essas investigações, tem-se o exemplo do estudos capitaneadas por Aby Warburg (1866-1929) e Erwin

Panofsky (1892-1968), em torno de algumas representações icônicas em imagem. Eles “formularam a hipótese
da existência de um conselho humanista, que formulava o programa iconográfico de imagens complexas a ser
executado pelos artistas” (Burke, 2017, p.63). Indicando, portanto, que a leitura dessas representações deve-se
ater ao fato de uma verdade relativizada por determinada mentalidade.
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Ilustração de Giovanni Battista Piranesi da parte interna do Panteão.
Esse desenho ilustra uma visão que o olho humano não é capaz de captar, indicando uma relação entre
essa forma de representação à de uma fotografia capturada a partir de uma objetiva grande angular.
Imagem em domínio público
Fonte: commos.wikimedia.org

Contato 2: o campo da restauração e a fotografia

O período entre os séculos XV e XVIII foi necessário no sentido de maturação daquela


primeira noção, ainda embrionária no Renascimento, em torno do distanciamento histórico.
Foi no contexto do Século das Luzes que diversos processos investigativos resultaram,
dentre outros avanços, na renovação na forma de encarar o tempo; levando, portanto, ao
surgimento da historiografia moderna e da história como disciplina. Essa nova consciência
se relacionou diretamente com o amadurecimento do campo da restauração pois ofereceu
as bases para a compreensão, efetivamente, do distanciamento e da ruptura que
diferenciam o monumento do monumento histórico. Enquanto o antiquário colecionava bens
relacionados ao passado, o historiador passava a elaborar uma reflexão - com o auxílio das
evidências materiais e escritas - a fim de compreender a trajetória dos objetos. Esse
entendimento é crucial pois, a partir da distinção entre monumento e monumento histórico,
as condutas interventivas sobre eles são sustentadas em acordo com a sua natureza. É
nesse contexto, portanto, que a noção de rompimento e distanciamento - não
necessariamente temporal - em relação a uma tradição precedente, dá início a uma
consciência que se reflete na conceituação teórica do restauro, bem como nas ações
protetivas e interventivas sobre a materialidade dos bens. A consolidação do campo da
restauração, que carece dessa compreensão, avança a passos largos após esse período.

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No sentido dos estudos e investigações em torno dos bens, o século XVIII sinalizou que a
dependência dos ilustradores e de seus processos interpretativos precisava ser revista
devido à imprecisão desse suporte. A mediação interpretativa e cultural do desenhista, que
por vezes omitia detalhes que pudessem destoar da intencionalidade da mensagem, passou
a ser pouco confiável também pela inexatidão das medidas e proporções. Sob essa mesma
lógica de questionamento, as gravuras - que ilustravam uma determinada teoria e não
precisamente o conteúdo nelas representado - saíram, no Iluminismo, do centro das
investigações e deram lugar ao uso de documentos mais confiáveis: as próprias edificações.
Se até aquele período a conservação dos bens materiais se dava desvinculado da atuação
prática e majoritariamente através das imagens e arquivos, a proteção deles in situ passa a
fazer parte do novo plano prático.

No entanto, ainda que à margem, as gravuras faziam parte do método de inventariação e


proteção do patrimônio francês proposto por Mirabeau e Talleyrand para a Comissão dos
Monumentos da Constituinte de 1790. Elas constavam indiretamente como parte da seção
“I. Livros impressos”; e diretamente na seção “VII. Quadros, pastas de pintores, desenhos,
gravuras, mapas, tapeçarias antigas ou históricas, mosaicos, vitrais” (Choay, 2001, p. 99).
Somente em 1837, com a criação efetiva da Comissão dos Monumentos Históricos, dava-se
o início às atividades de restauração oficialmente chanceladas e regulamentadas pelo
governo federal francês (Viollet-le-Duc, 2006); indicando, portanto, uma inédita
regulamentação quanto à proteção e intervenção sobre monumentos.

O desenvolvimento da fotografia4 na primeira metade do século XIX, aqui considerado como


o segundo grande marco na trajetória da representação visual, indica o início de uma
relação mais estreita de contribuições e cruzamentos com o campo da restauração.
Enquanto que a gravura impressa tornou possível a disseminação do que vinha sendo
armazenado nos arquivos dos antiquários, a fotografia revolucionou o processo de fixação
da imagem sobre o papel, bem como a versatilidade em torno de seu uso. A partir daquele
momento, ela contribuiu para uma representação - ainda que haja interferência pelo
intermédio do fotógrafo - mais fidedigna do objeto, participando em diferentes momentos na
prática restaurativa até a projeção futura de uma determinada imagem do bem.

4 O surgimento da fotografia se deu em diferentes locais e com a contribuição de diversos personagens. Os mais
conhecidos, e responsáveis pelo seu processo de institucionalização, foram o inglês Talbot (1800 - 1877) e os
franceses Niépce (1765 - 1833) e Daguerre (1787 - 1851); no entanto, já é sabido que o artista francês Hercule
Florence, radicado no Brasil no primeiro quartel do século XIX, desenvolveu o processo fotográfico
simultaneamente aos personagens europeus amplamente conhecidos. Segundo o historiador brasileiro Boris
Kossoy “houve, concretamente, uma descoberta isolada da fotografia na Vila de São Carlos, interior da província
de São Paulo, a partir de 1833. Uma descoberta independente, no Brasil e nas Américas, mantida praticamente
no anonimato por cerca de 140 anos” (Kossoy, 2006, p. 330).
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Diferente da gravura, esse suporte opera segundo a representação do mundo visível de
maneira a citá-lo como referência, o que lhe confere, em certa medida, uma autenticidade e
confiabilidade que carece o desenho. A imagem resultante é constituída pela emanação de
luz do próprio referente, a qual é capturada e gravada no suporte já sensibilizado (Barthes,
2018).

Tais imagens são de fato capazes de usurpar a realidade porque, antes de tudo, uma foto não é apenas
uma imagem (como uma pintura é uma imagem), uma interpretação do real; é também um vestígio,
algo diretamente decalcado do real, como uma pegada ou uma máscara mortuária. Enquanto uma
pintura, mesmo quando se equiparada aos padrões fotográficos de semelhança, nunca é mais do que a
manifestação de uma interpretação, uma foto nunca é menos do que o registro de uma emanação
(Sontag, 2019, 170).

O advento da fotografia, além de representar mais um avanço técnico na sociedade pós


Revolução Industrial, auxiliou o registro e a disseminação - potencializado pela cultura de
comunicação de massa e pelo desenvolvimento do transporte ferroviário (Colomina, 1996,
p.47) - dos bens nela representados. Nesse ínterim, a difusão de novas informações,
também relacionadas ao campo da restauração, foi facilitada.

Algumas posturas no campo do restauro ecoaram no século XIX, seja pela valorização em
torno da materialidade do bem físico ou relacionadas ao conceito imbuído em determinado
estilo. Na Inglaterra romântica - do culto ao pitoresco e da noção de ruína que seduz,
presente nas artes e na literatura - o crítico de arte John Ruskin (1819-1900) defendia a não
intervenção sobre os bens. Para o inglês, era preciso manter sua materialidade,
privilegiando o ciclo natural de vida e a relação entre o homem e a força que a natureza
exerce sobre a edificação. Ou seja, a manutenção do bem passava pela conservação total,
inclusive de todas as marcas do tempo, como uma forma de registro da memória dos
antepassados através da arquitetura, para que fosse possível sua contemplação e a
posterior manutenção de uma memória coletiva.

Enquanto crítico de arte, o inglês legitimava a utilização de fotografias como evidência visual
desde que houvesse, essencialmente, a interrogação das fontes no sentido de entender a
veracidade ou o arranjo intencional em torno do que está representado (Burke, 2017, p. 40).
Segundo Arrhenius,

Ruskin identificou o importante papel do daguerreotipo em “salvar” visualmente as obras-primas


arquitetônicas em perigo. ‘Ele é certamente a invenção mais maravilhosa do século; dando-nos, eu
acredito, tempo de salvar alguma evidência do grande público de destruidores’. A câmera, portanto,
ofereceu a Ruskin uma maneira de documentar as edificações (Arrhenuius, 2005, p. 102, grifos no
original, nossa tradução).

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Na França, no polo extremo ao de Ruskin, Viollet-le-Duc (1814-1879) defendia a intervenção
que recuperasse uma suposta inteireza do bem arquitetônico, integridade essa que poderia
nunca ter existido e que estava, portanto, ligada à manutenção da racionalidade de que todo
e qualquer elemento detém uma função específica. Para o francês, no cenário do rigor
técnico e do empirismo, as obras interventivas deveriam priorizar a manutenção da relação
entre forma e função. Para tanto, uma minuciosa investigação comparativa do repertório
construído no país dava as bases, juntamente com outras fontes, para a conceituação de
suas propostas restaurativas na arquitetura. Os estudos de Viollet-le-Duc potencializaram o
fato de que no gótico francês nada é gratuito, tudo é racionalizado e exerce uma função,
inclusive o ornamento; o que ofereceu um lastro conceitual ao que viria a ser o Movimento
Moderno.

No método de investigação e elaboração das propostas interventivas, Viollet-le-Duc se


utilizou do desenho - como no caso dos exercícios gráficos e dedutivos para a proposição
de intervenção nas fortificações de Carcassonne, e também na concepção da catedral
gótica ideal - bem como da fotografia que, segundo ele,

[...] a cada dia assume um papel mais sério nos estudos científicos, parece vir a propósito para ajudar
nesse grande trabalho de restauração dos edifícios antigos, com os quais a Europa inteira hoje se
preocupa. [...] a fotografia apresenta essa vantagem de fornecer relatórios irrefutáveis e documentos
que podem ser consultados sem cessar, mesmo quando as restaurações mascaram os traços deixados
pela ruína. A fotografia levou, naturalmente, os arquitetos a serem ainda mais escrupulosos no respeito
pelos mínimos remanescentes de uma disposição antiga, a melhor se conscientizar da estrutura, e
fornece-lhes um meio permanente de justificar suas operações. Nas restaurações não poderíamos
jamais usar demasiadamente a fotografia, pois muitas vezes se descobre em uma prova aquilo que não
se tinha percebido no próprio monumento (Viollet-le-Duc, 2006, p. 68-69).

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Muralhas de Carcassonne, 1851, Gustav Le Gray, impressão de papel salgado em negativo encerado,
23.5 x 33.2 cm.
A Mission Héliographique foi uma iniciativa organizada pela Comissão dos Monumentos Franceses que
previa a documentação visual, a partir de fotografias, dos monumentos a partir de 1851.
Imagem em domínio público
Fonte: metmuseum.org

Na Itália, já no final do século XIX, a postura de Camillo Boito (1836-1914) indicava o


esforço no sentido de conceituação da prática do restauro, que ficou conhecido como
“restauro filológico”. Dentre os fundamentos por ele elaborados, privilegiava-se a
consolidação em detrimento da renovação; os acréscimos, quando necessários, deveriam
distinguir-se do original, com vistas a não romper a leitura total do bem, e ser de material
diferente e de forma simplificada; deveria ser evitada a perda de elementos pitorescos, no
entanto, quando os mesmos danificavam a qualidade estética original, sua retirada era
admitida; era imprescindível a documentação das fases da intervenção, bem como a
explanação das ações para o público que posteriormente passaria a usufruir do bem. Nesse
sentido, ao classificar a restauração em arqueológica, pictórica e arquitetônica - para os
monumentos antigos, medievais e construções do pós Renascimento, respectivamente -
havia uma indicação sobre quais características eram importantes de serem preservadas
em relação a cada categoria. No entanto, a premissa da diferenciação entre o novo e o
original dava as bases para qualquer tipo de intervenção (Boito, 2002).

A fotografia, na elaboração desenvolvida por Boito, fazia parte da metodologia das


intervenções como forma de registro documental das fases - anterior, durante e depois - da
obra; bem como da composição do material a ser exposto, juntamente com descrições, no
momento de finalização do restauro. Nesse sentido, há uma confiabilidade em torno do
suporte fotográfico, o qual é entendido como prova dos diferentes estágios da vida de
determinado bem, assim como parte de uma estabilização visual da feição restaurada que
se deseja congelar e projetar para o futuro também em imagem. Tomando-se como base a
teoria desenvolvida, e não focando nas contradições que perpassam a prática, é
interessante notar que no interim da proposta de utilização da fotografia, somada à intenção
de não enganar o expectador, Boito a coloca à serviço da verdade em relação a como o
monumento se apresentava após a intervenção.

O objetivo de recuperar pontos de contato entre o campo do restauro no século XIX -


iluminado pelas posturas desses três personagens - e o campo da representação visual, é
demonstrar, sem juízo de valor em torno das práticas citadas, que a fotografia faz parte das
metodologias de atuação e conceituação dos bens edificados; elucidar, portanto, que a

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relação entre patrimônio e fotografia, se dá desde o nascimento de ambas as concepções e
práticas. Enquanto para Ruskin, ao menos em uma fase de sua vida, ela era utilizada como
fonte de informação - com semelhante finalidade ao uso das gravuras pelos antiquários – e
também como um instrumento que possibilitava a “salvação” do bem e sua projeção futura
enquanto documento; Viollet-le-Duc e Boito pareciam utilizá-la no sentido não apenas de
investigar o pormenor e a vida útil da arquitetura, mas também de documentar os processos
transformativos que ela seria submetida. De fonte de pesquisa à prova de intervenção, a
fotografia mostra-se, logo no período recente à sua descoberta, útil nas elaborações teóricas
e práticas de restauro - da mais à menos interventiva - como um instrumento comum à
diferentes finalidades.

Contato 3: um novo valor para o restauro, um novo valor para a


fotografia

Na virada do século XX, a abordagem teórica do austríaco Aloïs Riegl (1858-1905)


inaugurou um pensamento focado nos valores atribuídos aos bens, levando-se em
consideração o contexto moderno a partir do qual se olha; ou seja, há de se levar em
consideração o valor que se sobressai partindo de uma determinada cultura5. Nessa
perspectiva, a depender da atribuição de determinado valor, a ação interventiva seria guiada
pelo embasamento teórico correspondente; as respostas para toda e qualquer intervenção
sobre um monumento deveriam, portanto, ser referentes ao contexto contemporâneo à
intervenção. Essa virada na consciência configurou um grande marco no campo da
restauração, de compreender que a leitura de bem, transformado e transmutado pela
passagem dos tempos, acontece a partir de determinada época e contexto.

O entendimento que diferenciava o monumento do monumento histórico passou a orbitar no


sentido da intencionalidade, ou não, do mesmo. Na concepção de Riegl, por monumento
“entende-se uma obra criada pela mão do homem e elaborada com o objetivo determinante
de manter sempre presente na consciência das gerações futuras ações humanas ou
destinos (ou a combinação de ambos)” (Riegl, 2014, p. 31), ou seja, é uma criação
imbricada em uma determinada intencionalidade; por outro lado, o “monumento histórico
[seria] toda obra de constituição análoga que possui valor histórico” (Riegl, 2014, p. 32),

5Riegl discorre sobre o fato dos valores serem relativos pois partem justamente de determinado contexto cultural
e época. A atribuição do valor determina, portanto, o tratamento que se deve dar ao bem. Nessa compreensão,
ele entende que o objeto é capaz de transmitir algo independentemente de seu valor histórico; o que denomina
de Kunstwollen ou, traduzindo de maneira literal, de querer da arte.
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portanto, é resultado de um olhar – histórico e artístico – que acontece em um momento
posterior. Choay, partindo das elaborações de Riegl, acrescenta ainda que “o monumento
tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado no tempo. O monumento histórico
relaciona-se de forma diferente com a memória vivida e com a duração” (Choay, 2001, p.
26).

Brasília6
Fotografia de Marcel Gautherot, 1962 circa
Fonte: Marcel Gautherot / Acervo Instituto Moreira Salles

6 Seguindo a lógica proposta por Riegl, pode-se atribuir à Brasília, partindo de um ponto de vista brasileiro, o
valor de monumento intencionado pois a cidade evoca o sentido de nacionalidade; por outro lado, não há a
negação do valor artístico de suas formas.
As fotografias de Marcel Gautherot serviram - através da disseminação em veículos de comunicação nacional e
internacional no século XX - de auxílio para a elaboração coletiva em torno do valor artístico dessa cidade
monumental.
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O pensamento em torno da recepção do monumento, a partir de Riegl, influenciou
diretamente no desdobramento do restauro crítico que viria, após a II Guerra Mundial, a
priorizar o valor figurativo dos bens arquitetônicos. Essa corrente entende que a restauração
se dá apenas na instância estética e figurativa do monumento conforme seu estado no
momento da intervenção, que passou a ser definido como o “terceiro tempo”. A partir da
contribuição do italiano Cesare Brandi (1906-1988), o restauro crítico surgiu da demanda por
trabalhar sobre os remanescentes das destruições causadas pela guerra, os quais, apesar
das relativas perdas, ainda permitiam uma leitura de sua inteireza. Quando essa
compreensão, alcançada por meio de um método, era possível de identificação e leitura, a
unidade sobre a qual o restauro incidiria passou a ser chamada de “unidade potencial”. Essa
teoria, que derivou da experiência empírica e prática, preserva princípios documentais do
restauro filológico com a nova perspectiva de que o restauro acontece metodologicamente a
partir do reconhecimento da unidade potencial da obra; que tem por objetivo - com uma
intervenção que acontece no terceiro tempo - tirar o protagonismo da lacuna e recuperar,
com cautela, a leitura da inteireza do bem. Assim sendo, o restauro passa a ser entendido
como um ato histórico-crítico, que privilegia o aspecto formal, bem como promove a
manutenção dos diferentes tempos transmutados em sua materialidade.

Na sequência desses debates e, em certo grau, acompanhando os pontos levantados pela


corrente do restauro crítico, as Cartas Patrimoniais aprofundam teoricamente questões
como a definição de restauração, assim como apontam o uso das fotografias como parte da
metodologia nas ações de restauro. No caso da Carta de Veneza, elaborada no âmbito do II
Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos de 1964, a
restauração “Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do
monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos.
Termina onde começa a hipótese”7. Sobre a utilização da fotografia, o documento indica que
os trabalhos de restauração sejam “sempre acompanhados pela elaboração de uma
documentação precisa sob a forma de relatórios analíticos e críticos, ilustrado com
desenhos e fotografias”8. Um pouco mais adiante no tempo, a Carta Italiana de Restauro de
1972, afirma que para qualquer intervenção em uma obra e no seu entorno “deverá ser
organizado um diário de seu desenvolvimento, a que se anexará a documentação
fotográfica de antes, durante e depois da intervenção"9.

7 Carta de Veneza (1964), artigo 9o. Ver www.iphan.br


8 Carta de Veneza (1964), artigo 16o. Ver www.iphan.br
9 Carta de Restauração Italiana (1972), artigo 8o. Ver www.iphan.br

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O que se percebe, a partir dos textos de ambas as cartas, é que à fotografia é destinado um
local no método de execução das obras de restauro como parte da documentação dos
procedimentos adotados sobre o bem. Por outro lado, entendendo que as Cartas
Patrimoniais respondem teoricamente aos avanços conceituais no campo do restauro, não
se pode deixar de constatar que, tratando-se de documentos de alcance internacional, há
um local destinado à esse suporte em suas recomendações.

Contato 4: o Brasil, o restauro e a fotografia

No caso do Brasil, onde o campo da restauração parece seguir uma trajetória mais voltada
ao repristino10 do que ao restauro efetivamente, a fotografia assume um local privilegiado
nas ações promovidas pelo órgão oficial responsável pela proteção dos bens nacionais.
Para o IPHAN, desde as suas primeiras décadas de atuação, essas imagens, além de
documentar as obras de intervenção, serviam de prova documental de uma feição “primitiva”
que se desejava recuperar; legitimando, portanto, essa suposta volta no tempo. É
interessante notar que essa ancestralidade material poderia, ao máximo, datar de meados
do século XIX, período em que a prática fotográfica começou a ser exercida no Brasil. Há
portanto, um afastamento teórico-metodológico das correntes vigentes internacionalmente.

Sobre a metodologia aplicada nas ações do IPHAN, o uso da fotografia, ainda que não
oficializada desta maneira, parece ter seguido a lógica de segmentação em três categorias.
Na “Documentação Oficial” constavam as imagens acabadas do bem “restaurado”. São
imagens que até o presente momento circulam nas produções editoriais do IPHAN e que
indicam o estado material que o instituto pretendia cristalizar e estabilizar, tanto em termos
materiais do próprio bem, quanto em imagem. A “Documentação de Pesquisas” teria sido
composta no sentido da investigação dos bens no território nacional e que, para além das
fotografias elaboradas pelo corpo técnico do IPHAN, contava também com imagens
enviadas pela população como resultado das solicitações públicas de seus servidores. Na
“Documentação de Obras” constavam as fotografias que comunicavam visualmente a rotina
e o andamento das obras nas diversas localidades do território nacional. Nessa última
categoria, elas serviam de relatos entre o canteiro de obras11 e a Superintendência
responsável, bem como entre esta e a Diretoria (Costa, 2018).

10 O “repristino” diz respeito às ações interventivas que buscam a volta a um estado anterior, primitivo; ou seja,
há um apagamento intencional das marcas do tempo sobre determinada edificação. Muitas obras de repristino
são entendidas como de restauro, o que é um equívoco do ponto de vista conceitual.
11 Renata Cabral discorre, por exemplo sobre a obra de intervenção na Catedral da Sé de Olinda. Essa obra,

assim como outras, serve de exemplo para o uso da fotografia como exercício dedutivo no momento da obra e
em seu canteiro. Ainda que as decisões finais não tenham sido relacionadas à feição que se tinha na fotografia
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Dos valores relacionados à recepção, como abordado por Riegl, o valor de novidade parece
se aplicar às práticas do IPHAN, tanto relacionadas às tentativas de apagamento das
marcas do tempo e manutenção de uma determinada materialidade física dos bens, quanto
na transposição desse estado em imagem fotográfica e sua posterior disseminação por meio
das publicações do instituto. A Revista do Patrimônio contribuiu, e ainda o faz, enquanto
meio de comunicação no sentido de veicular essas imagens, intencionalmente formuladas,
para que pudessem se desdobrar na construção de uma memória visual coletiva e oficial. O
que se percebe, portanto, é que a fotografia ocupa funções privilegiadas no contexto na
formação do campo da restauração no Brasil, possivelmente por conta da fragilidade de seu
embasamento teórico durante o século XX. Essas práticas indicam uma busca por suprir
essa lacuna, utilizando-se da fotografia como prova e justificativa de uma feição “antiga” que
se desejava “recuperar”, configurando uma prática que se aproxima mais do repristino do
que da restauração.

Considerações finais

Enquanto que o campo do restauro ganhava novos rumos, a fotografia, junto à


disseminação constantemente acelerada - tanto pelos veículos de comunicação em massa
quanto pelos avanços tecnológicos do mundo digital - vem contribuindo para a formulação
das “memórias artificiais”. A partir do final dos anos 1980, a imagem passa por uma nova
revolução com o surgimento da fotografia digital. A corrida por parte dos fabricantes,
primeiro por equipamentos cada vez mais práticos e de fácil manuseio tanto pelos fotógrafos
da imprensa quanto pelo público em geral, acabou por se desdobrar na ruptura do sistema
analógico. Essa descontinuidade indica, para além das técnicas de revelação, a abertura
para novos caminhos de captura e edição da imagem.

Nessa direção, um novo ponto de contato entre o campo da restauração e da fotografia


poderia ser denominado, segundo expressão tomada por empréstimo de Choay, de
“semantização do monumento sinal”. Esse fenômeno, ainda que possibilite um alcance dos
bens fotografados em uma escala nunca antes imaginada, pode ter contribuído para uma
perda na fruição da materialidade física dos monumentos por intermédio dos valores
simbólicos dessas imagens (Choay, 2001, p. 22). Embora Choay aplique esse processo às
fotografias de bens patrimoniais em geral, a transição da representação analógica para a
digital parece indicar a potencialização desse fenômeno devido à nova quantidade de

“antiga”, esse suporte fez parte do processo metodológico adotado pela superintendência do IPHAN (Cabral,
2016).
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imagens produzidas, bem como a velocidade e facilidade de sua disseminação. No entanto,
ainda que haja pontos de conflito entre as novas formas de circulação e a posterior
interação do público com o monumento, negligenciar o poder desse suporte cada vez mais
facilitado na sociedade contemporânea, poderia significar um rompimento no curso natural
da continuada relação entre o campo do restauro e o da representação visual. O desafio
talvez esteja em calibrar o quanto cada um deles pode continuar beneficiando e
potencializando o outro, mutuamente.

Mais recentemente, além da fotografia e do desenho, observa-se a utilização de técnicas de


representação mais rebuscadas no auxílio da prática restaurativa e na investigação
minuciosa dos bens arquitetônicos. Artifícios como o 3D Laser Scanning são exemplos de
mais um ponto de contato entre ambas as práticas, indicando um melhoramento relacionado
à compreensão do pormenor e à redução de danos nas intervenções (Novaes, 2018)12. A
fotogrametria - utilizada na representação de bens através de um processo de captura de
sensores e sua posterior reconstituição digital - representa um avanço tecnológico no
sentido da precisão e rapidez do levantamento da documentação do monumento. Artifícios
como este têm se apresentado como uma forma que facilita o estudo em zoom de
ampliação na materialidade do bem patrimonial, o que se desdobra em tomadas de decisão
que partem de sua leitura mais completa. Embora esse avanço represente um novo ponto
de contato entre o campo da restauração e da representação visual, não se deve
negligenciar o fato de que boas decisões não partem apenas de boas imagens, mas
principalmente do embasamento teórico que ofereça o lastro metodológico para a leitura
desse novo panorama de informações visuais e tomadas de decisão sobre posteriores
intervenções.

Em conclusão, ainda que haja avanços tecnológicos que cruzam e beneficiam, a um só


tempo, os dois campos de saber, não se pode prescindir – no caso das intervenções sobre
monumentos - do embasamento teórico acerca, principalmente, do campo da restauração.
O desafio talvez esteja em calibrar a relação entre o acelerado avanço das técnicas de
representação com as ações interventivas sobre os bens edificados a fim de não prejudicar
suas acumuladas significâncias culturais.

12
Maria Vitória Novaes discorre, por exemplo, sobre o restauro do Palacete Tereza Lara em São Paulo. A
intervenção ocorreu no período do seu tombamento pelo CONPRESP/DPH em 2009, e foi realizado por uma
equipe multidisciplinar que contava com arquitetos, engenheiro, biólogo, restaurador e designers. Relatórios
fotográficos mensais foram desenvolvidos para acompanhar e documentar a obra, bem como um levantamento
realizado por 3D Laser Scanning, abarcando os pormenores da fachada eclética (NOVAES, 2018)

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REFERÊNCIAS
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NOVAES, Maria Vitória Fischer. A tecnologia e seu lugar na metodologia de restauro: o 3D Laser
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Paulo. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo,
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PESAVENTO, S. J. Memória e história: as marcas da violência. In: Revista de História e Estudos
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RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos: a sua essência e a sua origem. São Paulo:
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Annateresa Fabris.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O SUPORTE FOTOGRÁFICO NAS CORRENTES DE RESTAURO: PONTOS


DE CONTATO, DA TEORIA À PRÁTICA

Natália Correia Brandão (brandaocorreia.nb@gmail.com)

O presente artigo tem por objetivo mapear os pontos de contato entre o suporte
fotográfico e o amadurecimento do campo do restauro, buscando identificar o
mútuo beneficiamento entre eles. Nessa perspectiva, fazendo alusão à
organização das primeiras fotografias em folhas de contato, a estrutura do
artigo se organiza em contatos sucessivos na sequência cronológica do
desenvolvimento de ambas as práticas. No primeiro deles, partindo da
compreensão de que a fotografia é apenas mais uma forma de representação
visual, faz-se necessário entender como se deram as primeiras aproximações
entre a gravura e as ações interventivas sobre os monumentos nos períodos
que precedem a restauração como se entende atualmente. O segundo contato
é referente à tomada de consciência, no final do século XVIII, em torno do
distanciamento histórico que configura monumento histórico em paralelo ao
surgimento da fotografia na primeira metade do XIX; busca-se indicar como a
fotografia estava presente nas elaborações de Viollet-le-Duc, Ruskin e Boito. O
terceiro aborda a virada do século XIX para o XX no sentido de trazer à luz, a
partir da conceituação proposta por Riegl, a abordagem acerca dos valores
atribuídos aos monumentos enquanto baliza para as ações sobre eles. O
quarto contato pretende rebater o uso do suporte fotográfico no campo do
restauro no âmbito brasileiro, confrontando-o com a corrente do “restauro
crítico” internacionalmente em processo de consolidação. Por fim, busca-se
provocar a reflexão acerca das novas tecnologias de representação visual e
sua aplicabilidade no campo do restauro.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O VIADUTO DAS ALMAS (MG) NO IMAGINÁRIO COLETIVO: REFLEXÕES


SOBRE SUA HISTÓRIA E ENCAMINHAMENTOS VISANDO SEU
TOMBAMENTO ENQUANTO PATRIMÔNIO

Vagner Luciano De Andrade (trezeagosto@yahoo.com.br)

Um viaduto projetado em curva com décadas de mistérios e acidentes em um


panorama que ficou marcado na história de quem trafegou pela Rodovia
Federal BR-040 no trecho entre Belo Horizonte e Congonhas. O viaduto vila
rica, conhecido como viaduto das Almas por muito tempo foi cenário de
acidentes trágicos e muitas mortes. O nome “almas, ao contrário do que pensa
a maioria, não se deve ao fato das inúmeras mortes, mais pelo fato de o
mesmo cruzar o córrego das Almas, que nasce na serra das Almas. Essa
toponímia deriva de comunidades rurais que acreditavam, que nevoeiros eram
os meios utilizados para conduzir as almas ao além. Os mistérios são muitos e
os casos folclóricos tornaram o local peculiar, com destaques incluindo uma
atriz que falecera num ônibus que despencou do mesmo. Porém, fazem dez
anos que o mesmo se encontra abandonado, devido a construção de outro,
nas proximidades, em formato reto e, portanto, mais seguro. Mas, o viaduto
abandonado, permanece no mesmo lugar e devido ao fato de ser um
imaginário coletivo e sua estrutura de formato particular, carece ser tombado
como memória do lugar e como patrimônio histórico-cultural dos mineiros. O
local atualmente é muito utilizado para a prática de esportes verticais. Assim o
presente trabalho, busca através de referenciais, trazer a história do viaduto
das Almas, em Ribeirão do Eixo, na divisa dos municípios de Itabirito e Ouro
Preto, com vistas a promover a reflexão de seu tombamento, nos três entes
federados, união, estado e municípios, para que o mesmo tenha uma
destinação turística e cultural e não seja condenado ao abandono e ao
esquecimento. A abordagem teórica e analítica adotada, é o levantamento de
reportagens jornalísticas, enquanto uma aproximação possível para uma
metodologia de pesquisa empírica. Como há pouquíssimos estudos sobre a
importância histórica e cultural do viaduto, o material disponível são as
reportagens que registraram os inúmeros acidentes durante o período de
utilização do mesmo. Os procedimentos metodológicos utilizados foram o
levantamento, a análise e leitura dos textos e imagens disponibilizados em
jornais impresso e uma reflexão sobre estra estrutura no imaginário coletivo
local. O estudo sobre o tema proposto demostra a necessidade de se ampliar
estudos sobre o mesmo, bem como buscar instrumentos legais para sua
preservação enquanto patrimônio, não somente dos mineiros, mas sobretudo
da nação, uma vez que a Via Rodoviária Federal BR 040 (Rodovia Presidente
Juscelino Kubitschek), antiga BR-3 liga a antiga capital brasileira, Rio de
Janeiro até Brasília, passando por Belo Horizonte. As conclusões preliminares
do estudo desenvolvido vertem para a buscas emergências junto ao IPHAN e
IEPHA para o tombamento emergencial desta localidade.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

MODERNIZAÇÃO EM PROCESSO: A ARQUITETURA DA ELITE NA


PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX EM TERESINA.

Camila Soares Figueirêdo (figueiredocamila97@gmail.com)

Ricardo Alexandre Paiva (paiva_ricardo@yahoo.com.br)

Este trabalho trata da escrita da história da arquitetura ao abordar o processo


de modernização da cidade de Teresina, Piauí, com foco nas primeiras
décadas do século XX. Tem como objetivo examinar a relação entre o contexto
histórico-social, econômico e político no qual a cidade estava inserida nesse
período e a arquitetura elitista que emergia na época, buscando contribuir para
o enriquecimento da historiografia arquitetônica teresinense. Nesse viés, é
importante destacar que, desde sua fundação, em 1852, Teresina se articulava
em busca do progresso, uma vez que, ao se tornar sede do governo, assumiu
o encargo de alavancar o desenvolvimento econômico do Estado, e alcançar o
estágio de evolução urbana suposto para uma capital. À busca por esse
crescimento imediato, e pelo fim da atmosfera rural que ainda predominava em
Teresina, algumas medidas foram idealizadas a partir da elaboração dos
códigos de postura. Entretanto, apenas na década de 1930 a cidade atinge um
razoável desenvolvimento, e, dentre os fatores que contribuíram para a
construção desse cenário, estavam o estímulo econômico proporcionado pela
prosperidade das atividades extrativistas, a influência modernizadora trazida
pelo governo de Getúlio Vargas, e as iniciativas da prefeitura municipal,
liderada pelo engenheiro Luís Pires. O propósito de modernizar teve seu ápice,
de fato, na instituição do Código de Posturas de 1939, que trazia a arquitetura
e a infraestrutura como dois de seus principais pilares, o que fez dessa época
um momento de obras decisivas para a remodelação de importantes trechos da
cidade. No entanto, assim como as demais iniciativas modernizadoras já
desenvolvidas em Teresina, não contemplava toda a população, fortalecendo
a, já consolidada, segregação socioespacial. O desenvolvimento desta análise
se fundamenta em pesquisas bibliográficas direcionadas à historiografia local
existente referente à dinâmica que se desenrolou na cidade durante o período
em estudo, assim como sua relação com as manifestações arquitetônicas
emergentes nesse contexto. Além disso, os procedimentos metodológicos
também envolvem a coleta e análise de dados específicos, documentos e
fontes de natureza iconográfica em acervos públicos e em repositórios virtuais
como o Arquivo Público do Piauí e o banco de teses da Universidade de São
Paulo, respectivamente. Dessa forma, o artigo se estrutura em uma análise que
discute desde as modestas tentativas de modernização dos primeiros anos do
século em estudo, até as medidas vinculadas ao Código de Posturas de 1939,
realizando uma comparação entre os dois momentos, além de discorrer acerca
da produção arquitetônica que resultou deste contexto modernizador,
ressaltando, também, os entraves sociais decorrentes do processo. Essa
articulação entre a história da cidade e sua produção arquitetônica contribui,
portanto, para a construção de conhecimento sobre um período pouco
documentado, mas extremamente relevante para a história da arquitetura
teresinense.
Eixo temático 3 – Arquitetura e documentação: a pesquisa na área
da história da Arquitetura e do Urbanismo.

MODERNIZAÇÃO EM PROCESSO: a arquitetura da elite na primeira


metade do século XX em Teresina.

FIGUEIREDO, CAMILA SOARES DE (1); PAIVA, RICARDO ALEXANDRE (2)

1. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design.


Avenida da Universidade, 2890, Benfica, Fortaleza - Ce – CEP 60120180
camilafigueiredo@alu.ufc.br

2. Universidade Federal do Ceará (UFC). PPGAU+D – Programa de Pós Graduação em Arquitetura e


Urbanismo e Design
60020-181 - Fortaleza - CE - Brasil
ricardopaiva@ufc.br

RESUMO
Este trabalho trata da escrita da história da arquitetura ao abordar o processo de modernização da
cidade de Teresina, Piauí, com foco nas primeiras décadas do século XX. Tem como objetivo
examinar a relação entre o contexto histórico-social, econômico e político no qual a cidade estava
inserida nesse período e a arquitetura de caráter elitista que emergia na época, buscando contribuir
para o enriquecimento da historiografia arquitetônica teresinense. Nesse viés, é importante destacar
que, desde sua fundação, em 1852, Teresina se articulava em busca do progresso, uma vez que, ao
se tornar sede do governo, assumiu o encargo de alavancar o desenvolvimento econômico do
Estado, e alcançar o estágio de evolução urbana suposto para uma capital. A busca por esse
crescimento imediato, e pelo fim da atmosfera rural que ainda predominava em Teresina, algumas
medidas foram idealizadas a partir da elaboração dos códigos de postura. Entretanto, apenas na
década de 1930 a cidade atinge um razoável estágio de desenvolvimento urbano, e, dentre os fatores
que contribuíram para a construção desse cenário, estavam o estímulo econômico proporcionado
pela prosperidade das atividades extrativistas, a influência modernizadora trazida pelo governo de
Getúlio Vargas, e as iniciativas da prefeitura municipal, liderada pelo engenheiro Luís Pires. O
propósito de modernizar teve seu ápice, de fato, na instituição do Código de Posturas de 1939, que
trazia a arquitetura e a infraestrutura como dois de seus principais pilares, o que fez dessa época um
momento de obras decisivas para a remodelação de importantes trechos da cidade. No entanto,
assim como as demais iniciativas modernizadoras já desenvolvidas em Teresina, não contemplava
toda a população, reproduzindo a segregação socioespacial. O desenvolvimento desta análise se
fundamenta em pesquisas bibliográficas direcionadas à historiografia local existente referente à
dinâmica que se desenrolou na cidade durante o período em estudo, assim como sua relação com as
manifestações arquitetônicas emergentes nesse contexto. Além disso, os procedimentos
metodológicos também envolvem a coleta e análise de dados específicos, documentos e fontes de
natureza iconográfica em acervos públicos e em repositórios virtuais como o Arquivo Público do Piauí
e o banco de teses da Universidade de São Paulo, respectivamente. Dessa forma, o artigo se
estrutura em uma análise que discute desde as modestas tentativas de modernização dos primeiros
anos do século em estudo, até as medidas vinculadas ao Código de Posturas de 1939, realizando
uma comparação entre os dois momentos, além de discorrer acerca da produção arquitetônica que
resultou deste contexto modernizador, ressaltando, também, os entraves sociais decorrentes do
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processo. Essa articulação entre a história da cidade e sua produção arquitetônica contribui, portanto,
para a construção de conhecimento sobre um período pouco documentado, mas extremamente
relevante para a história da arquitetura teresinense.

Palavras-chave: historiografia, modernização, código de postura.

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Introdução
O processo de modernização da cidade de Teresina teve, na primeira metade do século XX,
numerosas iniciativas. Remetendo-se predominantemente aos interesses da elite, que
buscava imprimir na cidade uma atmosfera de negação ao atraso e reproduzir a onda de
modernidade que vinha se disseminando em outras importantes capitais brasileiras. Todo
esse cenário acabava se expressando em diversas esferas da sociedade teresinense da
época, inclusive na própria produção arquitetônica, uma vez que “(...) como todo fato
cultural, o fato arquitetônico está imerso na história e é inexplicável fora dela” (WAISMAN,
2013, p.27). Portanto, o presente artigo busca analisar a relação dialética entre a produção
arquitetônica das primeiras décadas do século XX e o contexto que envolveu sua
concepção, dando ênfase os exemplares residenciais, e tendo as determinações e
condicionantes dos códigos de postura como ferramenta de análise.

Nesse viés, é importante destacar que, desde sua fundação, em 1852, Teresina almejava o
progresso, uma vez que, logo que se tornou sede do governo, a cidade assumiu o encargo
de alavancar o desenvolvimento econômico do Estado e alcançar o estágio de evolução
urbana suposto para uma capital (CHAVES, 1998). Dentre as diversas medidas que fizeram
parte desse incessante empenho pela modernização, estão os códigos de posturas que
foram instituídos nos anos de 1905, 1912 e 1939. Eles, além de focar na infraestrutura
urbana, priorizavam questões relacionadas à salubridade, controle social, e arquitetura
(FONTENELES FILHO, 2008). Dentre os três, apenas os dois últimos promoveram
mudanças significativas na arquitetura, especialmente naquela de caráter residencial, com
destaque para código de 1939, considerado o indutor das maiores transformações
modernizadoras vivenciadas por Teresina durante a primeira metade do século XX
(NASCIMENTO, 2002).

Quanto aos procedimentos metodológicos, este estudo se fundamenta em pressupostos


teóricos e pressupostos práticos. Na esfera teórica, o estudo se fundamentou, inicialmente,
em pesquisas bibliográficas relacionadas a políticas modernizadoras em escala nacional e,
posteriormente, no contexto teresinense, durante a primeira metade do século XX,
especialmente naquelas que enfatizam a contribuição dos códigos reguladores, e as
consequências desse processo para a produção arquitetônica. Já em relação aos
pressupostos práticos, foi realizada a coleta e análise de dados específicos, documentos,
códigos de lei, e fontes de natureza iconográfica (fotos, desenhos, plantas) em acervos
públicos e em repositórios virtuais, para que se pudesse analisar os novos traços impostos à
arquitetura, especialmente no segmento residencial.
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Dessa forma, se estrutura em uma análise que discute, desde as modestas tentativas de
modernização dos primeiros anos do século em estudo, com o Código de Posturas de 1905,
até as medidas vinculadas aos códigos de 1912 e 1939, enfatizando esses dois últimos
momentos, além de discorrer acerca da produção arquitetônica que resultou deste contexto
modernizador

Partindo disso, o artigo “lança luz” sobre recortes relevantes, mas pouco explorados pela
historiografia da arquitetura local, que privilegia continuamente os grandes feitos e as obras
de maior impacto. Acabam, portanto, ignorando as nuances e particularidades de
residências que apresentam relevância ímpar para a compreensão de toda a dinâmica
histórica que se desenvolveu na capital. Essa visão mais abrangente do que realmente
contribui para a construção das narrativas, prontamente associada aos ideais da chamada
“Nova História”, se direciona de forma mais incisiva à análise das estruturas, enquanto “(...)
destrói a tradicional distinção entre o que é central e o que é periférico na história” (BURKE,
1992, p. 12).

Na perspectiva das tendências modernizadoras


A onda modernizadora que se disseminou pelo Brasil no início do século XX não esteve
restrita apenas aos grandes centros. A contextualização dessa temática, partindo das
cidades brasileiras de maior destaque, como o Rio de Janeiro, demonstra como os ideais
republicanos de progresso foram difundidos massivamente pelo país, chegando, até
mesmo, em capitais de menor porte, como Teresina.

Para compreender a dimensão dessas dinâmicas modernizadoras, é importante partir dos


principais centros irradiadores, papel que, no Brasil, era desempenhado pela cidade do Rio
de Janeiro. Ela, como capital do país nesse início de século, passou por uma série de
reformas realizadas para lhe atribuir uma nova roupagem, especialmente de caráter
arquitetônico e higienista, embasadas pelos padrões europeus, como os de Paris, que não
condiziam com a realidade carioca. A primeira fase dessa onda reformista veio com a
chamada “Belle Époque”, trazendo as primeiras intervenções até meados de 1906 em
bairros como Catete e Flamengo, onde ainda se pode encontrar edifícios concebidos nessa
época. O prefeito Pereira Passos mobilizou grande parte dessas intervenções sanitaristas e
de embelezamento, especialmente a partir de 1903, dentre as quais é possível destacar a
criação da Avenida Central e da Avenida Beira mar (LEME, 1999). Tais reformas atendiam a
interesses declarado da classe política e da elite do Rio de Janeiro da época, que
justificavam as incisivas investidas como uma forma de sair do atraso que assolava o Brasil
(SEVCENKO, 1985).
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Partindo disso, toda essa remodelação pode ser encarada como mais um agravante para a
segregação socioespacial já estabelecida nas capitais brasileiras, quadro perceptível no
caso do Rio de Janeiro. Isso porque, tais medidas não tinham a preocupação de beneficiar
toda a população de forma igualitária, fazendo com que a parcela menos abastada da
cidade ficasse à margem desse processo. Os governantes demonstravam interesse em
afastar esses grupos das áreas mais desenvolvidas da cidade, o que pode ser comprovado
pelas violentas desapropriações das moradias populares, como os cortiços cariocas, sem
qualquer política de amparo aos moradores, uma vez que as ações modernizadoras eram
vistas como uma necessidade incontestável em prol de um bem coletivo (SEVSENKO,
1985).

A criação de realidades contrastantes dentro de uma mesma cidade era, portanto, um


resultado irrefutável desse processo. As práticas reformuladoras foram vivenciadas de forma
diferente pelos diversos grupos sociais, uma vez que os interesses econômicos constituíram
um dos principais critérios balizadores dessas medidas. Diante disso, é importante destacar
que os menos abastados também sofreram influência de toda essa dinâmica, apesar de não
desfrutaram de suas prerrogativas da mesma maneira que a elite, como defende Fonteneles
Filho, afirmando que:

O projeto modernizador e o padrão cultural impostos pelas lideranças


políticas mostravam-se inadequados à realidade social da maioria dos
brasileiros, excluídos dos benefícios diretos da urbanização, que privilegiava
uma parcela restrita da população. Além disso, no início do século XX,
mesmo nos centros urbanos, esses brasileiros viviam, em função da própria
infraestrutura, de maneira tipicamente rural, o que era contrastante com as
propagandas do Estado, que falava na chegada de um progresso que não
era do usufruto de todos na prática. Isso não implica ignorar as influências
que essas transformações permitiram aos segmentos sociais de baixa
renda, mas é o reconhecimento de que foram mais limitadas do que
propunham em seus discursos para esses grupos (...) (FONTENELES
FILHO, 2008, p. 29).

Portanto, partindo dessa contextualização em uma esfera mais geral, e compreendendo


todas as condicionantes e consequências que envolveram tal processo, é possível ilustrar
como se deu o desenvolvimento dessas novas demandas na capital do Piauí.

Tendências modernizadoras em Teresina

Em Teresina, as práticas modernizadoras, especialmente as de caráter urbanístico,


arquitetônico e higienista, também se propagaram no começo do século XX. Foram medidas
empreendidas a fim de superar a atmosfera de ruralidade e “atraso" que ainda pairava na
recente capital, contando com ações de diversas naturezas. Dentre tantas, destaca-se a
instituição de uma série de códigos de posturas, que serão posteriormente analisados,
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sendo estes formulados em prol desse intuito principal de modernização. Além disso, todo o
estado vivia um momento de considerável vitalidade econômica no início do século XX,
muito disso resultado da prosperidade das atividades extrativistas e da exportação desses
insumos, como é o caso do algodão, da cera de carnaúba, do babaçu e, principalmente, da
borracha de maniçoba, como é enfatizado por Queiroz, ao afirmar que:

A conjuntura favorável da economia do Estado, nos primeiros anos do


século XX, teria sido determinada pela borracha de maniçoba que, a
despeito de não ter provocado alterações fundamentais no sistema de
propriedade da terra ou nas relações de trabalho, teria contribuído para a
efetiva autonomia do Estado na fase de consolidação do sistema
republicano (QUEIROZ, 1984, p.3)

Nesse período, em Teresina, também é destacável o empenho das autoridades em


conceber uma cidade considerada mais avançada e desenvolvida, sendo o grande
representante dessa fase o prefeito e engenheiro Luís Pires. Empossado em 1932, ele
empreendeu um eficaz processo de urbanização, evidenciado pela grande quantidade de
obras públicas executadas na cidade, que até essa data ainda não tinha nenhum plano
regulador, recorrendo apenas àquele a partir do qual Teresina havia sido instituída há quase
cem anos e que, portanto, se mostrava desatualizado em relação às demandas da época
referentes à quantidade de habitantes e aos novos usos. Depois do mandato no executivo
municipal, Luís Pires tornou-se diretor de obras públicas e continuou seu trabalho em prol da
modernização, com uma série de medidas pontuais que, apesar de eficazes, só foram
potencializadas com a promulgação do Código de Posturas de 1939 (NASCIMENTO, 2002).

Já em relação às consequências desses processos de modernização em Teresina, é


importante enfatizar que os mesmos entraves destacados na sociedade carioca acabaram
sendo replicados na capital piauiense, guardadas as devidas proporções. A falta de recursos
para a grande parcela da população, inclusive aqueles mais básicos, como abastecimento
de água e saneamento, representavam entraves para que o desenvolvimento almejado
fosse enfim alcançado, mesmo que a cidade já fosse permeada por um relevante nicho
intelectual e abastado, mas que representava uma parcela muito pequena de todos os
envolvidos nesse processo, como descreve Fonteneles Filho ao direcionar sua análise de
modernização ao contexto teresinense:

O que se deve enfatizar é que essas inúmeras realizações urbanísticas


continuavam a excluir a maior parte da população, que continuava sem ter
acesso ao abastecimento de água, sem iluminação elétrica, sem melhorias
habitacionais, principalmente pelo fato de não poderem pagar pelos
serviços. O contato com as amarras de pedra, que paralisavam o tempo e o
progresso parecia estar mais íntimo com a população pobre. Em
contrapartida, a cidade de Teresina também se constituía como a cidade da
vida política e cultural do Estado, apresentando indivíduos com
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comportamentos semelhantes a um estilo de vida pautado na abastança.
(...). Enquanto isso, a maior parte da população estava sujeita a uma
instrução pública deficiente, o que contribuía para sua proximidade com
percepções mais tradicionais sobre a cidade e seus costumes. A cidade era
então representada conforme as diferentes formas de contato com a
modernização. (...) A modernização, por esse viés, não se manifestou como
um processo linear e unívoco, visto que sua partilha, ou melhor, suas
representações não eram homogêneas e sim plurais e diversas
(FONTENELES FILHO, 2008, p. 33, 34).

Dessa forma, é perceptível a densidade das medidas empreendidas nas primeiras décadas
do século XX em Teresina, uma vez que as mesmas acabaram atingindo todas as camadas
da sociedade da época. A maior parte dessas determinações estava inscrita nos códigos de
posturas, e a instituição de tantos exemplares em tão pouco tempo é um forte indício do
quanto a cidade clamava por um urgente desenvolvimento.

Os códigos de posturas e a modernização

Os códigos de posturas representam um compilado de determinações que sintetizam, de


forma clara, a essência das sociedades por eles regulamentadas, além de contribuírem para
a contínua construção do espaço urbano. Tratam de questões gerais e específicas de cada
sociedade em estudo e, apesar de estarem inseridos no campo do direito, são importantes
ferramentas no estudo da arquitetura e do urbanismo, “regulando a arquitetura de edifícios e
as relações que estes mantêm entre si e com o ambiente urbano, bem como disciplinando
as atividades desenvolvidas no espaço da cidade” (SOUZA, 2002, p.2). É importante
compreender a amplitude desse instrumento legislativo e de que forma eles estão
diretamente relacionados à construção dessa composição urbana, o que pode ser percebido
a partir da definição de Estevam sobre o que são tais códigos:

“(...) dispositivos legais que regulamentaram toda uma realidade cotidiana


da cidade, desde as edificações, abastecimento de água, comércio,
indústria, aferições de medidas, disposição espacial de edificações
insalubres, conservação de vias e calçadas, alinhamento, polícia rural,
higiene e saúde pública, até as práticas morais da população, cujo caráter
era normativo e punitivo” (ESTEVAN, 2018, p.14).

Partindo da questão espacial, é importante enfatizar a contribuição desses códigos no


processo de concepção e remodelação das cidades brasileiras, tanto na questão urbanística
quanto arquitetônica, inclusive durante a marcha de modernização pela qual grande parte
delas passou. Um exemplo claro dessa influência é a relação entre a onda modernizadora
sofrida por Teresina na primeira metade do século XX, e a produção arquitetônica de caráter
eclético e neocolonial que resultou dessa época.

Os códigos de posturas teresinenses


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Os códigos de posturas da primeira metade do século XX em Teresina datam dos anos de
1905, 1912 e 1939 e representam importantes ferramentas nessa corrida pelo progresso.
Todos eles foram de destacada importância para que a cidade fosse superando,
gradativamente, a atmosfera de ruralidade que ainda pairava naquele início de século, visto
que apresentavam importantes considerações quanto à salubridade e ao controle social,
além de medidas destinadas a modificações relacionadas à própria materialidade da cidade,
no que se refere ao urbanismo e à própria prática arquitetônica.

O primeiro deles, o Código de Posturas de 1905, tinha um caráter de contenção social muito
forte, buscando coibir e disciplinar o comportamento da população. Restringia qualquer tipo
de manifestação considerada inapropriada ou ultrapassada em relação aos novos
parâmetros de modernidade, como é possível constatar pela leitura do Artigo 101. Este, em
especial, discorre sobre palavras, trajes e atos obscenos proferidos pelas ruas da cidade,
além de condenar costumes tidos como exemplos de falta de civilidade:

Art. 101. É proibido sob pena de dez mil réis de multa:


(...)
§4º Praticar em público atos ou gestos reputados imorais e indecentes;
§5º Andar em público em completa nudez ou com trajes indecentes;
§6º Tomar banhos nos portos e fontes públicas ou despidos na margem o
rio Parnaíba, dentro dos limites da zona urbana, das seis horas da manhã
às seis da noite. (TERESINA, 1905, p. 02).

Além disso, a questão da salubridade também foi um dos principais tópicos abordados no
escopo desse código. A cidade ainda se via assolada por uma extrema pobreza, agravada
pelos contínuos incêndios nas residências de palha. As poucas intervenções nesse quesito
se direcionavam a melhorias em edifícios públicos, mais como uma forma de mostrar que
algo estava sendo feito, do que por uma necessidade prioritária daquele momento
(FONTENELES FILHO, 2008).

É perceptível que o primeiro código de Posturas do século XX não teve grande influência
sobre os aspectos arquitetônicos e construtivos da cidade, interferindo pouco na concepção
das edificações, enquanto outros pontos foram priorizados. Essa questão tem relação direta
com a forte herança do passado que ainda predominava em Teresina, tornando as pautas
sociais e sanitárias mais urgentes a serem superadas, o que foi importante para que,
posteriormente, o aspecto físico da cidade pudesse se desenvolver. Esse desenvolvimento,
portanto, só veio ser efetivamente fomentado pelos códigos seguintes, que interferiram
diretamente na composição formal da arquitetura teresinense.

O próximo código implementado na cidade de Teresina data do ano de 1912, com um


intervalo de tempo curto em relação ao anterior, mas que se fez necessário pela urgência de
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renovações que se constatava na cidade. Nele, o viés arquitetônico ganha um real
protagonismo, ao dissertar de forma incisiva sobre o modo de construir, como um indutor
dessa busca pela modernidade. Partindo disso, foram definidas algumas premissas
específicas relativas aos aspectos externos e internos dessas edificações. Externamente,
legislava, dentre outros tópicos, sobre o alinhamento da construção em relação à rua, e
quanto à presença de esquinas chanfradas, jardins, cimalhas e platibandas, enquanto,
internamente, tratava da obrigatoriedade de aberturas para o exterior em todos os cômodos,
e sobre a dimensão desses vãos. Este código foi, portanto, um marco para a difusão da
arquitetura eclética.

§ 3° Os prédios construídos ou reconstruídos nos ângulos das ruas e praças


compreendidos os muros, terão uma terceira face, com o desenvolvimento
no mínimo de dois metros.
§ 4° As casas construídas fora do alinhamento da rua devem ter neste muro
um gradil, de bela aparência, e deixando uma área ajardinada de, pelo
menos três metros de largura, entre o muro e a casa. Espaços iguais devem
ter, no mínimo, as casas entre si, quando separadas umas das outras, ou
dos muros laterais
§ 5° São proibidas as goteiras salientes nos alinhamentos das ruas e
praças, devendo os prédios terminar com cimalhas ou platibandas munidas
de calhas destinadas ao escoamento das águas pluviais, que serão
conduzidas por canos de metal, de grés ou de cimento armado, passando
por baixo dos passeios, sempre que isto for possível.
§ 6° Todos os compartimentos devem ser arejados e iluminados por
aberturas, portas e janelas deitando para a rua, área ou pátio. As
dimensões mínimas das portas serão no mínimo de 2,50m de altura e 1,20
de largura, e os das janelas de 2 metros de altura e 1,10m de largura
(PIAUHY, 1912, p. 17,18).
Tais determinações reverberaram por cerca de duas décadas pela capital e, apenas na
década de 1930 a cidade consegue atingir um razoável desenvolvimento. Dentre os fatores
que contribuíram para a construção desse cenário estão a já citada, prosperidade das
atividades extrativistas e a promulgação do Código de posturas de 1939. Este surgiu no
contexto de grandes investimentos em prol da comemoração do centenário da capital,
fortalecidos, especialmente, pelas iniciativas da prefeitura municipal, liderada pelo
engenheiro Luís Pires (NASCIMENTO, 2002). Foi um código também marcado por muitas
considerações sobre a forma como se deveria fazer arquitetura, além do foco remanescente
na questão higiênica, que tratava da coleta de lixo e do despejamento de dejetos e, pela
primeira vez, trazia determinações sobre os ambientes internos das residências, dentre os
quais estava aquele destinado ao banheiro (TERESINA, 1939).

Portanto, se destacou por regulamentar a construção das residências mais abastadas, com
o intuito de que elas se disseminassem pela cidade. Por isso, assim como as demais
iniciativas modernizadoras já desenvolvidas em Teresina, o código de 1939 também não
contemplava toda a população. Apesar de corresponder a um plano municipal e de dedicar
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certo espaço para a produção residencial, nem sempre privilegiada na escrita da história
local, o código tinha suas medidas executadas apenas em áreas de maior visibilidade, e
habitadas pelas classes mais abastadas, criando uma Teresina de contrastes (MOREIRA,
2016).

A produção arquitetônica dessa época, especialmente as residências, ficou a cargo de


alguns engenheiros. Eles adotaram como principal estilo o neocolonial que, a partir da
década de 1930, já se tornava hegemônico na capital e foi caracterizada pela materialização
dos anseios da elite teresinense (MOREIRA, 2016). Esse caráter menos popular do código
também podia ser notado pelo esforço em afastar as residências menos abastadas da zona
urbana em ascensão, especialmente das praças e do centro da cidade, ao impor a distância
mínima de um quilômetro entre elas e esse núcleo mais valorizado (TERESINA, 1939).

Mesmo com tantas determinações, um levantamento do ano de 1941, disponibilizado no


estudo de Antônia Alvarenga (2011), sobre as políticas de modernização e seus efeitos na
cidade de Teresina, mostra que, aproximadamente, apenas 25% das edificações da cidade
eram construidas em tijolo, enquanto o banheiro não aparecia em mais da metade delas.
Dessa forma, a partir de uma breve análise sobre os três códigos de posturas que foram
implementados em Teresina na primeira metade do século XX (Figura 01), é possível
perceber que a arquitetura foi um dos principais caminhos para que se alcançasse a
modernização almejada.

Figura 01: Teresina nas primeiras décadas do século XX

Fonte: REFESA

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Tendências modernizadoras na arquitetura teresinense

Compreendendo os códigos de posturas dos anos de 1912 e 1939 como mais decisivos
para a construção do acervo arquitetônico do início de século XX, foram escolhidos alguns
importantes exemplares, dentre tantos também edificados nesse recorte temporal, a partir
dos quais serão analisadas algumas características que permitam captar a influência de tais
códigos e dessa gama de determinações. É importante compreender, também, que seus
efeitos sobre as produções não foram apenas imediatos, se perpetuando por algumas
décadas. Essa tentativa de interligar a produção arquitetônica com o contexto no qual ela se
insere, pode ser compreendida a partir de Marina Waisman, quando ela introduz o conceito
de unidades históricas, ao afirmar que:

O trabalho histórico exige uma articulação do contínuo histórico que, ao


definir unidades, permita situar os objetos analisados em um contexto que
possibilite sua compreensão, ao mesmo tempo em que seja possível a
relação desse conjunto maior com a totalidade da história. Essas unidades
históricas são construções que o historiador realiza, em sua tentativa de
compreender a realidade'. Aparentemente, a realidade é incoerente e é
apenas a construção do pensamento que organiza (ordena) e busca
relações que lhe deem sentido (WAISMAN, 2013, p.57).

Partindo disso, um dos mais destacáveis pontos a se analisar, quando se trata das práticas
modernizadoras na arquitetura, é a forma como a construção está inserida no lote. Os
códigos de posturas de Teresina não tratavam da obrigatoriedade de determinado tipo de
implantação, trazendo apenas algumas informações pontuais que sugeriam uma certa
mudança na forma de pensar a edificação no terreno (PIAUHY, 1912). Partindo disso, o
primeiro exemplar selecionado para análise é a Casa da Dona Carlotinha (Figura 02), uma
residência de aproximadamente 300 m², situada no centro da cidade de Teresina, e cuja
construção data da década de 1920 (FUNDAC, 2018). Foi edificada no período de grande
influência do código de posturas de 1912, manifestando uma forte inspiração eclética. Tem
como principais características uma nova forma de implantação, com a introdução de recuos
laterais, e alinhada frontalmente com a rua (Figura 03). A presença de tais recuos, mesmo
que não estivesse explicitamente exigida nas determinações desse código, começou a ser
constantemente observada nas residências da região central nesse período (MOREIRA,
2016).

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Figura 02: Casa da Dona Carlotinha, edificada sob influência do Código de Posturas de
1912.

Fonte: Google Street View, 2017.

Figura 03: Implantação Casa da Dona Carlotinha.

Fonte: Acervo pessoal de Camila Figueiredo (Redesenhado pela autora), 2021.

Apesar de também ter sido construída em meados do século XX, trouxe uma relação entre
arquitetura e lote que, no século anterior, já se difundia maciçamente pelas cidades
brasileiras. Esse modo de inserir a arquitetura no terreno foi explicado por Reis Filho (1970,
p. 46), ao discorrer sobre essa tendência da segunda metade do século XIX, onde o

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afastamento proposto foi, por muitas vezes, utilizado para a inserção de jardins nas
residências mais abastadas:

As residências maiores eram enriquecidas com um jardim do lado. Esta


novidade, que vinha introduzir um elemento paisagístico na arquitetura
residencial, oferecia a essa amplas possibilidades de arejamento e
iluminação, até então desconhecidas nas tradições construtivas do Brasil.
Ao mesmo tempo, a arquitetura aproveitava o esquema da casa de porão
alto, transferindo, porém, a entrada para a fachada lateral. Desse modo, as
casas conservavam uma altura discreta da rua, protegendo a intimidade e
aproveitando simultaneamente os porões para alojamento de empregados e
locais de serviço. O contato da arquitetura com os jardins laterais, dificultado
pela altura dos prédios, era resolvido pela presença de varandas apoiadas
em colunas de ferro, com gradis, às quais se chegava por meio de
caprichosas escadas com degraus de mármore.

Enquanto isso, a legislação determinava que a escolha por essa configuração da casa no
lote exigiria a introdução de belos gradis nos muros e de interessantes áreas ajardinadas
nesses corredores laterais, o que pode ser claramente observado nesse exemplar. Também
representa uma explícita influência desse código a existência de platibanda com calhas para
evitar o lançamento de águas pluviais na fachada alinhada à rua, assim como a presença de
uma terceira face exigida em casas de esquina, ou seja, a chamada esquina chanfrada.
Internamente, a existência de aberturas para o exterior em todos os cômodos também
representa uma adesão às preocupações de salubridade explicitadas no código de 1912
(PIAUHY, 1912). Por fim, é possível perceber como outra singularidade dessa residência a
existência de entradas laterais, como uma forma de valorização dos jardins propostos, bem
como a reminiscência do porão alto, traço da arquitetura do século anterior, mas que exigiu
dessa produção uma bela escadaria de feição eclética, para acessar o primeiro pavimento.

Já o código de 1939 não traz determinações tão claras, mas o total desprendimento em
relação aos limites do lote era um modelo incontestavelmente difundido na capital, muito
pela inspiração dos grandes centros. Quanto a isso, Moreira (2016) ainda acrescenta a
consequente difusão de gradis metálicos na arquitetura da época, com os mais variados
desenhos, como consequência da existência desses recuos, tomados por belos jardins,
assumindo um papel decorativo e indicativo de riqueza das classes mais abastadas.

Já o segundo exemplar selecionado é o imponente bangalô do governador Leônidas Melo


(Figura 04), projetado pelo engenheiro Cícero Ferraz de Souza Martins. Foi construído em
meados da década de 1940, e materializa alguns pontos definidos no Código de Posturas
de 1939, estando situado na célebre Avenida Frei Serafim, o relevante logradouro, “espelho
da modernização”. Assim como definia esse instrumento legal, era uma construção de dois
pavimentos (TERESINA, 1939), além da edificação estar implantada “solta” dos limites do

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lote, de acordo com o padrão imposto pelas demais residências desse logradouro (Figura
05).

Figura 04: Bangalô de Leônidas Melo

Fonte: Acervo pessoal de Camila Figueiredo, 2021.


Essa forma de implantar (Figura 04), adotada na edificação em questão, tinha como
consequência imediata a produção, nesses espaços, de jardins agradáveis que
embelezassem a fachada e demonstrassem poder aquisitivo elevado do
proprietário, dando destaque para a obra arquitetônica de dois pavimentos, como
ocorria em muitas outras residências dessa avenida. Para tanto, foi proposta uma
mureta muito baixa para delimitar o espaço privado e o passeio público, mas que
possibilitasse essa permeabilidade visual. Tal elemento construtivo foi
posteriormente retirado para abrigar estacionamentos, em virtude dos novos usos
da edificação.
Figura 05: Implantação Bangalô de Leônidas Melo.

Fonte:. Acervo pessoal de Camila Figueiredo (Redesenhado pela autora), 2021.


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Esse esquema, em que se conservavam todos os recuos, deixando a edificação totalmente
solta em relação aos limites do lote, foi bastante disseminado em Teresina nessa primeira
metade século XX, especialmente depois do código de 1939. Trata-se de uma fórmula que
teve suas principais aplicações nas residências de alto padrão dotadas de grandes terrenos,
dentre as quais se destacam aquelas situadas na Avenida Frei Serafim, anteriormente
ocupada por chácaras, estando estas inseridas em consideráveis lotes que seriam
aproveitados nessas futuras construções. Trata-se de uma modalidade que só se percebe
em Teresina em meados do século, mas que Reis Filho (1970, p. 50, 58) contextualiza no
Brasil em décadas anteriores, ao afirmar que:

Por volta dos últimos anos do século XIX e no início do XX, antes de 1914,
podia-se considerar como completa a primeira etapa da libertação da
arquitetura em relação aos limites dos lotes. Fundiam-se, desse modo, duas
tradições: a das chácaras e a dos palacetes. (...). Em algumas dessas
residências maiores, iriam sendo aperfeiçoadas muitas das características
que marcariam quase toda a arquitetura residencial que medeia entre as
duas guerras mundiais: a preocupação de isolar a casa em meio a um
jardim, a tendência a conservar um paralelismo rígido, em relação aos
limites do lote (...).

Ainda sobre o bangalô de Leônidas Melo, é importante ressaltar a predominância dos traços
neocoloniais, típicos das residências de alto padrão, como o uso abundante de arcos plenos
nas aberturas e interessantes beirais, mas sem muitos detalhes e adornos, como ficou claro
em muitas outras edificações dessa avenida, reforçando a primazia desse estilo em relação
aos demais nesse período.

Considerações finais

A importância desse estudo consiste em lançar um olhar sobre a produção arquitetônica de


caráter residencial que emergiu em Teresina na primeira metade do século XX, trazendo à
tona como o contexto histórico, econômico e social pode ter reflexos decisivos sobre a
arquitetura concebida em uma determinada época. A compreensão inicial da temática
modernizadora em âmbito nacional e local, associada ao surgimento dos códigos de
posturas e à articulação destes com a arquitetura emergente no início do século, revela
como a conexão entre os fatos históricos é decisiva, e como a arquitetura é um produto
dessa trama histórica. Também revela como essa teia de conexões pode ser desvendada,
evitando priorizar apenas os grandes acontecimentos e as produções “memoráveis” para a
história tradicional da cidade, abrindo espaço, dessa forma, para exemplares pontuais, mas
não menos complexos e decisivos, como as residências.

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Além disso, ao analisar a existência de três códigos de posturas em menos de cinquenta
anos, é possível perceber a urgência pela renovação que era proclamada em Teresina à
época. No entanto, essas produções arquitetônicas residenciais, construídas no período em
estudo e remanescentes até hoje, revelam que essa demanda era fruto do anseio de um
grupo específico da sociedade. Isso pode ser comprovado pela quantidade de construções
sem saneamento e ainda cobertas de palha que existiam na década de 1940 na cidade,
mesmo com as claras determinações dos códigos de posturas promulgados até então,
revelando que nem todos tinham condições de cumprir o que era exigido.

Diante disso, é possível inferir que a modernização em Teresina foi, e continua sendo, um
processo contínuo, que busca se adequar aos anseios da sociedade da época, envolvendo
suas diferentes camadas de maneiras diversas, sendo que uma parcela muito pequena
desse processo é realmente considerada nas produções historiográficas da capital.
Portanto, o estudo desse cenário como um todo estimula reflexões e justifica a inclusão
desses aspectos na construção da historiografia local, reforçando a necessidade de se
aprofundar sobre os desdobramentos arquitetônicos e sociais dessa modernização.

Referências Bibliográficas

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O VIADUTO DAS ALMAS (MG) NO IMAGINÁRIO COLETIVO:
reflexões sobre sua história e encaminhamentos visando seu
tombamento enquanto patrimônio cultural e ecológico
ANDRADE, Vagner Luciano de (1);

1. Rede Ação Ambiental, Programa Agente Ambientais em Ação.


Rua Vinte e Seis, 85, Zona Rural – Bela Vista (CEP 32.421-020)
Ibirité - MG. E-mail: reacao@yahoo.com

RESUMO

Um viaduto projetado em curva com décadas de mistérios e acidentes em um panorama que


ficou marcado na história de quem trafegou pela Rodovia Federal BR-040 no trecho entre Belo
Horizonte e Congonhas. O Viaduto Vila Rica, conhecido como viaduto das Almas por muito
tempo foi cenário de acidentes trágicos e muitas mortes. O nome “almas, ao contrário do que
pensa a maioria, não se deve ao fato das inúmeras mortes, mais pelo fato de o mesmo cruzar o
córrego das Almas, que nasce na serra das Almas. Essa toponímia deriva de comunidades
rurais que acreditavam, que nevoeiros eram os meios utilizados para conduzir as almas ao
além. Os mistérios são muitos e os casos folclóricos tornaram o local peculiar, com destaques
incluindo uma atriz que falecera num ônibus que despencou do mesmo. Porém, fazem dez
anos que o mesmo se encontra abandonado, devido a construção de outro, nas proximidades,
em formato reto e, portanto, mais seguro. Mas, o viaduto abandonado, permanece no mesmo
lugar e devido ao fato de ser um imaginário coletivo e sua estrutura de formato particular,
carece ser tombado como memória do lugar e como patrimônio histórico-cultural dos mineiros.
O local atualmente é muito utilizado para a prática de esportes verticais. Assim o presente
trabalho, busca através de referenciais, trazer a história do viaduto das Almas, em Ribeirão do
Eixo, na divisa dos municípios de Itabirito e Ouro Preto, com vistas a promover a reflexão de
seu tombamento, nos três entes federados, união, estado e municípios, para que o mesmo
tenha uma destinação turística e cultural e não seja condenado ao abandono e ao
esquecimento. A abordagem teórica e analítica adotada, é o levantamento de
reportagens jornalísticas, enquanto uma aproximação possível para uma metodologia de
pesquisa empírica. Como há pouquíssimos estudos sobre a importância histórica e cultural do
viaduto, o material disponível são as reportagens que registraram os inúmeros acidentes
durante o período de utilização do mesmo. Os procedimentos metodológicos utilizados foram o
levantamento, a análise e leitura dos textos e imagens disponibilizados em jornais impresso e
uma reflexão sobre estra estrutura no imaginário coletivo local. O estudo sobre o tema proposto
demostra a necessidade de se ampliar estudos sobre o mesmo, bem como buscar
instrumentos legais para sua preservação enquanto patrimônio, não somente dos mineiros,
mas sobretudo da nação, uma vez que a Via Rodoviária Federal BR 040 (Rodovia Presidente
Juscelino Kubistchek), antiga BR-3 liga a antiga capital brasileira, Rio de Janeiro até Brasília,
passando por Belo Horizonte. As conclusões preliminares do estudo desenvolvido vertem para
a buscas emergências junto ao IPHAN e IEPHA para o tombamento emergencial desta
localidade.

Palavras-Chave: Patrimônio; Tombamento; Imaginário; Memória; Cultura.

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
INTRODUÇÃO

A BR-040 é uma rodovia radial do Brasil, cujo ponto inicial localiza-se em


Brasília (DF), no entroncamento da BR-450 e BR-251, enquanto que o ponto
final fica no Rio de Janeiro (RJ), mais especificamente na Estação Rodoviária
Novo Rio, na Avenida. Francisco Bicalho, nº 1, bairro do Santo Cristo. A BR-
040 passa pelo Distrito Federal e pelos estados de Goiás, Minas Gerais e Rio
de Janeiro, sendo a principal ligação rodoviária entre estas unidades
federativas. Em setembro de 2009, o trecho da rodovia federal compreendido
entre Brasília (DF) e Petrópolis (RJ), recebeu o nome de Rodovia Presidente
Juscelino Kubitschek (Figura 01), através da sanção presidencial da Lei
Federal n° 12.028/2009, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Figura 01 - Presidente JK e outras autoridades políticas na inauguração do viaduto, meados


século XX

Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/08/20/interna_gerais,680133/marcado-
por-tragedias-viaduto-das-almas-agora-e-usado-para-treinar-so.shtml

Durante muito tempo era acesso à antiga capital federal (1763-1960),


conforme descreve a Câmara dos Deputados (2021) “em 1960 a capital do
Brasil passou a ser Brasília. Antes, foi o Rio de Janeiro. Mas a primeira capital
foi Salvador. Até 1763, quando houve a mudança da capital”. Durante a
primeira das Invasões holandesas no Brasil, o então Governador da Capitania
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de Pernambuco, Matias de Albuquerque, foi nomeado Governador-Geral do
Estado do Brasil, administrando a colônia a partir de Olinda entre 1624 e 1625.
O documento afirma ainda que “Salvador era considerada uma cidade mais
moderna e equipada, mas a descoberta aurífera e o consequente risco de
contrabando, exigiam uma capital mais perto das minas do ouro que ficavam
em Minas Gerais. E foi isso, que levou à criação da Estrada Real. Curitiba
também, mesmo que brevemente figurou entre as capitais federais, entre os
dias 24 e 26 de março de 1969 (GAZETA DO POVO, 2018). O Site Infoescola
(2021) afirma que:
Salvador (1549–1763): A primeira capital da América portuguesa foi
construída especificamente para ser um centro administrativo, a
cidade São Salvador de Todos os Santos. Salvador, como ficou
conhecida foi projetada com suas vastas muralhas para comportar o
Governo Geral do Brasil instituído pelo monarca português Dom João
III. O rei nomeou como o primeiro governador geral Tomé de Sousa
que iria administrar as rendas da Coroa a partir de 1549. Mesmo
estabelecendo um território na América portuguesa, o governo geral
teve pouco sucesso em se comunicar com as demais províncias do
território. Um dos motivos da transferência da primeira capital
brasileira para a cidade do Rio de Janeiro foi durante o período de
extração do ouro e pedras preciosas na província de Minas Gerais no
século XVIII.
Rio de Janeiro (1763–1960): A cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro foi fundada em 1565, tinha uma excelente baía que favorecia
as grandes embarcações, que ao longo do tempo se transformaram
em uma estação portuária. Em 1763, Marquês de Pombal transferiu a
capital das terras da América Portuguesa para a cidade do Rio de
Janeiro, principalmente pela proximidade com a região de Minas
Gerais onde, naquele momento, o ouro e as pedras preciosas eram
uns dos principais produtos brasileiros.

Figura 02 - Rodovia BR 040 e seu perímetro em MG

Fonte: https://www.mg.gov.br/conheca-minas/rodovias
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Dois trechos da BR-040 têm grande valor na história das rodovias
brasileiras, o primeiro entre Petrópolis e Juiz de Fora envolvia a Estrada União
e Indústria, a primeira rodovia brasileira, inaugurada em 23 de junho de 1861
por Dom Pedro II. Este trecho foi trocado pela atual Rio-Juiz de Fora em 1980.
O trecho Rio-Petrópolis, denominado como Rodovia Washington Luiz, foi
inaugurado em 25 de agosto de 1928, pelo Presidente da República,
Washington Luís, e tornou-se o primeiro asfaltado do Brasil em 1931. A ANTT
(2008, p. 04) registra que:
O primeiro segmento da BR 040 compreendido entre o Rio de Janeiro
e Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, foi concedido ao setor
privado desde os anos 90 e oferece um bom padrão de serviço aos
usuários. É operado pela concessionária (CONCER) desde 1996. O
trecho restante de Juiz de Fora a Brasília, com extensão de 936,8 km
apresenta problemas de infra-estrutura e deficiências das condições
operacionais, necessitando de um amplo e intensivo programa de
investimentos, de forma a recuperar e ampliar sua capacidade, dentro
de um cenário novo e adequado padrão de serviço ao fluxo de
tráfego, onde as reduções dos custos de transporte, logística e as
melhores condições para o desenvolvimento econômico regional e
nacional, sejam atendidas.

TRECHO RIO DE JANEIRO/VIADUTO DAS ALMAS

Em dezembro de 2013, o trecho da BR-040 entre Brasília e Juiz de Fora


(Figura 03) foi concedido à Invepar (Investimentos e Participações em
Infraestrutura S.A.), que será responsável, em 30 anos, pela ampliação da
rodovia, conservação, implantação de melhorias, manutenção, operação e
recuperação. Em março de 2014 foi firmado o contrato de concessão que
obriga a duplicação de pelo menos 557 km, entre Luziânia (GO) e Paraopeba
(MG); da BR-356 (trevo de Ouro Preto) até Barbacena (MG), e de Oliveira
Fortes (MG) até Juiz de Fora (MG). As onze praças de cobrança de pedágios
são: Cristalina (km 93), Paracatu (km 17), Lagoa Grande (km 91), João
Pinheiro (km 172), São Gonçalo do Abaeté (km 251), Felixlândia (km 328),
Curvelo (km 405), Sete Lagoas (km 487), Itabirito (km 577), Conselheiro
Lafaiete (km 642) e Barbacena (km 714). No trecho citadino da capital do
estado do Rio de Janeiro, entre o Rio Meriti, limite com Duque de Caxias, até a
Rodoviária Novo Rio, a BR-040 é constituída em grande parte pela Avenida

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Brasil (trecho concomitante com a BR-101). De acordo com documento técnico
da ANTT (2008, p. 04):
A rodovia BR 040 se constitui numa das principais rodovias federais
do país, configurando-se num dos mais importantes eixos da malha
rodoviária nacional, pois possibilita a integração da região central do
país em direção centro - leste, propiciando a interligação entre três
grandes cidades brasileiras - Rio de Janeiro, Belo Horizonte e
Brasília. A BR 040 com início no Rio de Janeiro ruma em direção ao
centro - oeste de forma a atingir a porção central do país,
atravessando os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás até
atingir o Distrito Federal.

Figura 03 - Slogan do Projeto BR-040 de PPP

Fonte:
http://ftp.antt.gov.br/acpublicas/apublica2008_94/EstudosTecnicos/BR040/EstudosdeEngenhari
aII_Parte1.pdf

Até 2013, ano em que se principiaram as obras na Avenida Rodrigues


Alves e a demolição do Elevado da Perimetral, seu ponto final era a Praça
Mauá, onde atualmente é o Parque Urbano Boulevard da Orla Conde (Figura
04). Pelos idos de 1926, o presidente da República, Washington Luís, afirmava
à Nação que "governar é construir estradas", num país em que, em 1927, tinha
93.682 automóveis e 38.075 caminhões. O Distrito Federal (a então capital

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federal Rio de Janeiro) somavam 13.252 automóveis e 5.452 caminhões. A
estrada Rio-Petrópolis estabeleceu-se como prioridade, de maneira especial,
pelo fato de jornalistas criticarem o abandono do caminho à Cidade Imperial na
serra de Petrópolis.

Figura 04 - Parque Urbano do Boulevard da Orla Conde

Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/boulevard-olimpico-o-novo-xodo-do-
carioca.html

Com oito metros de largura de plataforma, a Rio-Petrópolis era


inaugurada pelo presidente Washington Luís, em 25 de agosto de 1928, ao
lado de seis ministros e de autoridades regionais. No dia seguinte, domingo,
nada menos do que 1.783 carros passavam pela estrada, levando um cronista
social a compará-la a uma Avenida Central, devido às enormes filas,
vagarosas. Dois dias depois, numerosos caminhões assustavam os usuários,
temerosos dos perigos das alturas. Três anos adiante, os 22 km da serra
começavam a receber revestimentos de concreto. Três viadutos venceram as
profundas grotas existentes, pela ousadia com que conduziram o concreto
desfiladeiro abaixo.
A antiga Rio-Petrópolis (Figura 05) foi avaliada, por muito tempo, a
melhor rodovia da América do Sul. Na década de 1950 foi arquitetada a
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Estrada do Contorno de Petrópolis, conectando Itaipava a Xerém, como pista
de descida da serra. Atualmente, a antiga Washington Luiz se enquadra como
pista de subida da BR-040 até a entrada de Petrópolis (Quitandinha), onde se
inicia a Rio-Juiz de Fora, e antes se entronca com a Rodovia Rio-Teresópolis
(BR-493 e BR-116). Em 1960, a transferência da capital, o antigo DF foi
transformado no estado da Guanabara, que perdurou até 1975, quando foi esta
unidade da federação dissolvida, e o estado do RJ, cuja capital era Niterói,
mudou a capital para a cidade do Rio, hoje a segunda maior cidade do país,
com cerca de 6.748.000 habitantes.

Figura 05 - Trecho da BR 040 entre Rio e Petrópolis

Fonte: http://www.xeremdigital.com.br/noticias.php?id=150

O trecho Petrópolis - Juiz de Fora, completado em 15 de junho de 1980,


trocou a antiga Estrada União e Indústria, a primeira rodovia do Brasil,
inaugurada em 1861. Suas obras iniciaram-se em 1975 e foram finalizadas
cinco anos depois, seguindo extenso trajeto em região montanhosa, plana,
ondulada, com espaços de pista simples (7,20 m) e duplas (14,40 m), de
largura. Presentemente todo o caminho é feito em pista dupla. De Petrópolis a
Juiz de Fora, a rodovia BR 040 rasga sete municípios, num percurso de 138
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quilômetros, com volume de tráfego de sete mil veículos/dia e menor índice de
cargas, em relação a Rio-Bahia, segundo informação do DNIT. 1º de março de
1996, o trecho entre Rio de Janeiro e Juiz de Fora foi privatizado por 25 anos,
com três praças de pedágio, duas em território fluminense - km 104 (Duque de
Caxias), km 45 (Areal) e uma em Minas - km 814 (Simão Pereira).

O trecho Juiz de Fora - Belo Horizonte, que tem 260 km, corresponde
quase ao traçado do Caminho Novo aberto no século XVIII. Na década de
1930, a rodovia foi retificada e alcançou Belo Horizonte. Em 1 de fevereiro de
1957 foi inaugurada a pavimentação da rodovia BR-3 pelo presidente Juscelino
Kubitschek. Em 1982, a estrada foi duplicada de Belo Horizonte até o trevo da
BR-356 (para Ouro Preto), de Alfredo Vasconcelos até Serra da Mantiqueira,
próximo a Santos Dumont, incidindo por todo por território de Barbacena e
alargada até Juiz de Fora, menos os segmentos em pontes e viadutos. A
rodovia, entre Juiz de Fora e Belo Horizonte, apresenta diversos pontos
perigosos, tais como a Curva do Ribeirão do Eixo (km 588), o Viaduto do Túnel
(km 756), entre outros. A parte da estrada considerada mais perigosa são os
90 km que ligam Conselheiro Lafaiete à capital mineira (Figura 06).

Figura 06 - Vista do Córrego das Almas, com destaque para o


viaduto

Fonte: https://1.bp.blogspot.com/-
l6R6SdDeAeA/YHRJisfy5ZI/AAAAAAAA6DQ/oQ5d9sBKfdY59X8k0et82h0ZIDU6Nj1NwCLcBG
AsYHQ/s1192/IMG-20210412-WA0131.jpg

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TRECHO DO VIADUTO DAS ALMAS

O Viaduto Vila Rica (nome oficial), popularmente chamado de Viaduto


das Almas, é um antigo viaduto da BR-040 que atravessa o Córrego das Almas
cujas nascentes encontram-se na Serra das Almas. O córrego, que desagua no
Ribeirão Mata Porcos, afluente do Rio Itabirito delimita o limite entre os
municípios de Itabirito e Ouro Preto, no centro do estado de Minas Gerais. O
Viaduto das Almas (Quadro I) localiza-se no km 592 da BR-040, a cerca de 60
km do centro de Belo Horizonte. Inaugurado pelo presidente Juscelino
Kubitschek em 1957 (Figuras 07 e 08), fazia parte da então BR-3, rodovia que
ligava o Rio de Janeiro, capital brasileira, entre 1763 e 1960, até a capital
mineira.
Uma vegetação dominada por árvores altas de eucalipto de pouco em
pouco abraça a monumental estrutura de concreto armado e asfalto,
embrulhando no esquecimento um dos mais sombrios marcos da
história rodoviária brasileira. A pouco tempo de completar uma
década de desativação, no mês que vem, o Viaduto das Almas,
localizado entre Itabirito e Ouro Preto, na Região Central de Minas
Gerais, se degrada em silenciosa despedida, sem contudo deixar
saudades – principalmente para os familiares e amigos dos cerca de
200 mortos que nunca terminaram a travessia do elevado. A tensão
dos motoristas, que não sabiam se sobreviveriam ao entrar na pista
erguida em curva sobre um abismo, deu lugar ao canto dos pássaros,
ao sopro do vento na mata, à adrenalina dos praticantes de rapel
treinando descidas em cordas e aos passeios de habitantes locais
pelo esqueleto cinzento de 260 metros de extensão e 30 de altura.
Considerado por muitos uma armadilha, o elevado em curva fechada
sobre o Ribeirão das Almas nasceu Viaduto Vila Rica – homenagem
ao antigo nome de Ouro Preto, um dos municípios que a sustentam.
Em 1957, o presidente Juscelino Kubitschek compareceu à sua
inauguração, para permitir a ligação entre Belo Horizonte e o Rio de
Janeiro pela antiga BR-3, atualmente BR-040. Mas a violência dos
acidentes, o pior deles a queda de um ônibus da Viação Cometa,
ainda em 1969, deixando 30 mortos, fez com que merecesse o nome
de Viaduto das Almas.

Quadro I - Viaduto Vila Rica: Dimensões Arquitetônicas e Construção


Altura máxima 30 m
Comprimento total 262 m
Coordenadas Geográficas 20° 22' 57.4" S 43° 54' 03.5" O
Data de abertura 1957
Data de encerramento 2010
Data de inauguração 1957
Largura 8,5 m
Material Concreto armado
Nome oficial Viaduto Vila Rica
Outro nome Viaduto das Almas
País Brasil
Pedágio Não
Via BR-040

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Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/08/20/interna_gerais,680133/marcado-
por-tragedias-viaduto-das-almas-agora-e-usado-para-treinar-so.shtml

Figura 07 - Foto do viaduto após sua inauguração, meados do século XX

Fonte: http://carlosferreirajf.blogspot.com/2010/02/viaduto-das-almas.html

Figura 08 - Foto do viaduto após sua inauguração, meados do século XX

Fonte: https://tainacan.webmuseu.org/bem-cultural/viaduto-vila-
rica/?view_mode=masonry&perpage=12&paged=1&order=DESC&orderby=date&fetch_only=th
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A estrutura, em curva acentuada, possui 262 metros de extensão, por
8,5 de largura, sendo em mão dupla. A BR-040, que possui duas faixas por
sentido no trecho (sistema multifaixas), estreita-se para entrar no viaduto. No
local ocorreram vários acidentes desde sua inauguração, com destaque para
os ocorridos em 02 de agosto de 1969 (Figura 12), com trinta mortos em 13 de
setembro de 1967 (Figura 11), com 14, incluindo a apresentadora Zélia
Marinho (Figura 10), da extinta TV Itacolomi. O Site Elenco Brasileiro (2021)
pontua que:
Nome real: Zélia Marques
Atividades: Atriz, radioatriz, garota-propaganda, radialista, repórter,
locutora e apresentadora
Áreas: Rádio, cinema e TV
Nascimento: c.1943, Belo Horizonte/MG
Óbito: 13/09/1967, Ouro Preto/MG
Causa óbito: Acidente automobilístico
Nota: Destacou-se como astro infantil. Em 13/09/1967, foi vítima fatal
do acidente envolvendo o Ônibus Leito Scania 1510 da Viação
Cometa, em que viajava da cidade do Rio de Janeiro/RJ para Belo
Horizonte/MG. As 6h e 20min o veículo despencou do Viaduto das
Almas (oficialmente Viaduto Vila Rica, sobre o córrego das Almas), de
30 m de altura, localizado no limite dos municípios de Ouro Preto/MG
e Itabirito/MG.
Carreira: 1957-1967
Alguns trabalhos:
 1957/1959 - Rádio Mineira de Belo Horizonte (Rádio) -
Radioatriz mirim
 1960 - Repórter Real TV Itacolomi (Televisão) - Garota-Real,
Repórter e Apresentadora
 1960/1967 - Intervalos Comerciais TV Itacolomi (Televisão) -
Garota-Propaganda
 1964 - Uma Consciência de Mulher TV Itacolomi (Televisão)
 1965 - Rosa Maria TV Itacolomi (Televisão) - Rosa Maria

Figura 10 - Atriz que morreu no viaduto

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Fonte http://zeliamarinhoacidentecometa1967.blogspot.com/2011/03/zelinha-morre-no-
acidente-da-viacao.html
Figura 11 - Acidente com ônibus, meados século XX

Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/08/20/interna_gerais,680133/marcado-
por-tragedias-viaduto-das-almas-agora-e-usado-para-treinar-so.shtml

Figura 12 - Acidente com ônibus, meados século XX

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Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/08/20/interna_gerais,680133/marcado-
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Rebatizado como Viaduto Vila Rica em 1970, desde o início dos anos
1980 já se cogitava a substituição do viaduto por outro mais moderno, cuja
obra foi iniciada em 2006. Em 26 de outubro de 2010 foi inaugurado o Viaduto
Novo, denominado Márcio Rocha Martins (Figura 13) construído a dois
quilômetros da antiga e perigosa passagem (Viaduto Velho), no km 592 da BR-
040, em Itabirito, a 50 quilômetros de Belo Horizonte. O novo viaduto possui
460 metros de extensão por 21 metros de largura, com duas pistas em cada
sentido. A inauguração desse novo viaduto aposentou o Vila-Rica após 54
anos de uso e pelo menos 200 mortes. Para a AMIVE (2021):
O patrimônio cultural de cada comunidade pode ser considerado a
sua cédula de identidade. Por isso, cada vez mais os municípios
necessitam transformar-se em agentes da preservação de sua própria
identidade, garantindo assim o respeito à memória e a manutenção
de qualidade de vida, sobretudo em seus centros urbanos. No
desenvolvimento de nossos núcleos históricos, vão se perdendo
peças importantíssimas da memória urbana. Se não existirem
mecanismos legais de controle e direcionamento deste crescimento,
estes centros estarão fadados a desaparecer. Assim como é
imprescindível haver leis como o Plano Diretor e o Código de
Posturas e Obras, que organizam e regulam o desenvolvimento de
um centro urbano, é necessário proteger legalmente as edificações e
centros históricos da especulação imobiliária, através de leis
municipais de preservação. Além disso, o município pode criar e
oferecer mecanismos de compensação ao proprietário do bem imóvel
tombado ou preservado, como por exemplo, a isenção do pagamento
de impostos e taxas que incidem sobre a propriedade ou sobre a
atividade que nela é desenvolvida. A isenção de impostos e taxas
deve ser concedida proporcionalmente ao estado de conservação do
imóvel, podendo ser parcial ou total.

Figura 09 - Estruturas do Viaduto Velho e do Viaduto Novo

Fonte:https://cargapesada.com.br/2009/05/13/viaduto-das-almas-e-adiado/

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TRECHO VIADUTO DAS ALMAS/CURVELO

Após ultrapassar o viaduto, a rodovia federal, perpassa por vários


municípios da RMBH e do CMBH com elevada intensidade de urbanização e
múltiplos casamentos e interseções. (Figura 14). Duplicada entre a capital
mineira e a cidade de Sete Lagoas, dali em diante, em direção a Santa Maria, a
BR 040 tinha um traçado simples. Com o passar dos anos e o desenvolvimento
da região norte do estado de Minas Gerais o fluxo de veículos, sobretudo
caminhões carregados de carvão fornecidos para siderúrgicas, trouxeram
quilômetros de congestionamentos. As obras de duplicação da rodovia BR-040
foram lançadas pelo Governo Federal em janeiro de 2007, e consideraram o
trecho entre Sete Lagoas e o entroncamento da BR-135, o Trevo de Curvelo.
Ao todo, constituirão 48 km duplicados com duas faixas de cada lado e
afastamento por canteiros.

Figura 14 - Rodovias que cortam a Grande BH

Fonte: http://geomapas.blogspot.com/2017/01/
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Apenas pequenos trechos prosseguem em obras, mas boa parte das
pistas foi liberada para o tráfego. Foram previstas construções de novas pontes
e viadutos de acesso. Na confluência da BR 040 com a BR 356, no município
de Nova Lima, a urbanização se amplia sobre áreas ambientais (Figura 15). No
caso da cidade de Paraopeba, a nova 040 recebeu traçado externo à cidade,
pois, antes o trânsito rasgava o município. O trecho tem um fluxo diário de
cerca de 15 mil veículos, segundo o DNIT (Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes) e seu valor se dá pela ligação entre o norte de
Minas com a capital e parques siderúrgicos com os principais plantios de
eucaliptos do estado - matéria-prima para o carvão. Entre o Viaduto das Almas
e Jardim Canadá, nas próximas décadas há perspectivas de urbanização entre
os núcleos populacionais ainda isolados, conectando as manhas urbanas de
Ribeirão do Eixo, Água Limpa, Alphaville Lagoa dos Ingleses, Morro do
Chapéu, Retiro das Pedras e Vale do Sol. Nesta área é emergencial a criação
do Parque Estadual da Serra da Calçada, bem como ampliação da Estação
Ecológica dos Fechos. A ampliação do Parque Estadual Serra do Rola Moça,
também é uma medida compensatória a ser exigida como contrapartida ao
inúmeros impactos e conflitos. Sobre o grande empreendimento urbano em
Nova Lima, uma espécie de “pequena cidade”, encontra-se pautado nos
seguintes pilares:
Cada detalhe no CSul Lagoa dos Ingleses está diretamente
relacionado aos seus pilares, que norteiam os rumos para o futuro.
Sustentabilidade: Princípio inegociável, presente a todo momento,
vivo e forte em cada detalhe. Diz respeito à preocupação com o
presente e ao compromisso com o futuro, que se manifestam no
cuidado com aspectos ambientais, ecológicos, econômicos e sociais.
Pessoas: Uma nova centralidade voltada paras as pessoas, com o
indivíduo cercado de vida por todos os lados. É trabalho, moradia,
natureza, lazer e comodidade. Muito mais que um lugar para morar, é
um espaço para viver com a melhor qualidade de vida.
Planejamento & Desenvolvimento: O CSul Lagoa dos Ingleses é
dinâmico, superando o conceito de Masterplan. O desenvolvimento
ordenado, com conceitos modernos e visão clara dos objetivos, se
materializa em torno das pessoas.
É crescer pensando no amanhã.
Inovação e Tecnologia (Inovação e tecnologia sempre presentes): O
melhor lugar para projetos transformadores, propostas únicas e
mentes criativas. Um ponto de encontro para empresas inovadoras,
preparadas para o futuro.

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Figura 15 - Empreendimento Urbano entre as rodovias BR 040 e BR 356

Fonte: https://www.csullagoadosingleses.com.br/masterplan/

O Trecho Curvelo/Brasília por ultrapassar as fronteiras da Região


Metropolitana e do Colar Metropolitano não serão alvos de estudo diretos,
sendo que as próximas palavras aqui descritas versam sobre as etapas de
percepção ambiental e estudos culturais objetivando o tombamento do viaduto
(Figura 16). A abordagem teórica e analítica adotada, é o levantamento de
reportagens jornalísticas, enquanto uma aproximação possível para
uma metodologia de pesquisa empírica. Como há pouquíssimos estudos sobre
a importância histórica e cultural do viaduto, o material disponível são as
reportagens que registraram os inúmeros acidentes durante o período de
utilização do mesmo. Os procedimentos metodológicos utilizados foram o
levantamento, a análise e leitura dos textos e imagens disponibilizados em
jornais impresso e uma reflexão sobre estra estrutura no imaginário coletivo
local. Estudos sobre a área preencherão os pré-requisitos para o tombamento,
conforme descrito pela AMAVI (2021):
1. A solicitação de tombamento deve ser encaminhada ao setor
responsável pela preservação cultural da Prefeitura e pode ser de
iniciativa de qualquer cidadão, do proprietário ou do próprio órgão
municipal de preservação. Esta solicitação deverá ser acompanhada
de uma justificativa e da localização do bem. Se for possível, é
importante anexar fotografias, dados históricos e levantamento
arquitetônico.

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2. A solicitação de tombamento deverá ser encaminhada para parecer
técnico e, se aprovada, será instaurado o processo de tombamento.
3. O órgão público expedirá uma notificação, dando a conhecer o ato
ao proprietário, estabelecendo um prazo para impugnação, já definido
na Lei Municipal de Tombamento.
4. Instaurado o processo de tombamento, cabe ao poder público a
sua instrução. Quando se tratar de bens imóveis, a instrução conterá
descrição e documentação do bem, justificativa pela qual o bem será
tombado, a definição e delimitação da preservação do entorno do
bem, os parâmetros para futuras instalações e usos. Para bens
móveis, além das já colocadas, deverá ser definido o procedimento
para sua saída do município e, em caso de coleções, a relação das
peças componentes e a definição de medidas que garantem sua
integridade.
5. Após instruído, o processo é enviado ao Conselho Municipal de
Cultura ou similar, que o distribui à sessão competente, a fim de
opinar. Se o parecer for favorável ao tombamento, é designado um
conselheiro relator que poderá solicitar ao órgão público novos
estudos, pareceres, vistorias ou qualquer outra medida que oriente o
julgamento.
6. Aprovado o tombamento, será remetido ao Prefeito Municipal para
homologação através de Decreto e far-se-á sua inscrição no Livro
Tombo.
7. Após a inscrição no Livro Tombo, faz-se a averbação do registro do
tombamento em Cartório de Registro de Imóveis, para os bens
imóveis, e do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, para
bens móveis.
8. Se o monumento não for tombado, o processo é arquivado.

Figura 16 - Córrego das Almas com destaque para o viaduto

Fonte: https://www.conhecaminas.com/2018/01/viaduto-das-almas-inauguracao.html

O estudo sobre o tema proposto demostra a necessidade de se ampliar


estudos sobre o mesmo, bem como buscar instrumentos legais para sua
preservação enquanto patrimônio, não somente dos mineiros, mas sobretudo
da nação, uma vez que a Via Rodoviária Federal BR 040 (Rodovia Presidente
Juscelino Kubistchek), antiga BR-3 liga a antiga capital brasileira, Rio de
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Belo Horizonte/MG de 20 a 23/06/2017.
Janeiro até Brasília, passando por Belo Horizonte. As conclusões preliminares
do estudo desenvolvido vertem para a buscas emergências junto ao IPHAN e
IEPHA para o tombamento emergencial desta localidade (Figura 17).
É possível qualquer cidadão brasileiro pedir um tombamento?
Sim. Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar, aos órgãos
responsáveis pela preservação, o tombamento de bens culturais e
naturais, e será parte legítima para provocar, mediante proposta, a
instauração do processo de tombamento. Em caso do pedido de
tombamento federal, a proposta deverá ser encaminhada à
Superintendência do Iphan no Estado onde o bem está localizado, à
Presidência do Iphan ou mesmo ao Ministro da Cultura, em Brasília.
Quando a proposta for para tombamento estadual ou municipal, o
interessado deverá se dirigir ao governo estadual ou à prefeitura
municipal de sua cidade.
A partir dessa iniciativa, a solicitação será analisada por uma equipe
técnica especializada, que verificará se o bem possui relevância no
cenário nacional. Caso a resposta seja positiva, o processo irá à
apreciação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural que decide
sobre o tombamento do bem. O processo se encerra com a
homologação do Ministro da Cultura e a inscrição do bem em um dos
Livros de Tombo.
Qualquer cidadão brasileiro pode solicitar o tombamento de bens
móveis e integrados, como ocorre com os monumentos, cidades
históricas, edificações e outros bens de natureza material.

Figura 17 - Viaduto com imagens no anos 1990 e nos anos 1960

Fonte: https://www.conhecaminas.com/2018/01/viaduto-das-almas-inauguracao.html
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COMPLEXO CULTURAL E ECOLÓGICO VIADUTO DAS ALMAS

Um viaduto projetado em curva com décadas de mistérios e acidentes


em um panorama que ficou marcado na história de quem trafegou pela
Rodovia Federal BR-040 no trecho entre Belo Horizonte e Congonhas. O
Viaduto Vila Rica (Figura 18), conhecido como viaduto das Almas por muito
tempo foi cenário de acidentes trágicos e muitas mortes. O nome “almas, ao
contrário do que pensa a maioria, não se deve ao fato das inúmeras mortes,
mais pelo fato de o mesmo cruzar o córrego das Almas, que nasce na serra
das Almas. Essa toponímia deriva de comunidades rurais que acreditavam, que
nevoeiros eram os meios utilizados para conduzir as almas ao além. Os
mistérios são muitos e os casos folclóricos tornaram o local peculiar, com
destaques incluindo uma atriz que falecera num ônibus que despencou do
mesmo.
O histórico de desastres e de vidas perdidas de forma brutal se
sedimentou nas memórias de muitas pessoas que conviviam com a
passagem sobre o vale do Córrego das Almas, como o inspetor
aposentado da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Vitório Manzali Filho,
de 75 anos. De 1968 a 2002, o policial conviveu com o viaduto e tem
lembranças terríveis dos acidentes que lá ocorriam. “Eu era novo na
polícia e me lembro de que o acidente da Viação Cometa, com 30
mortos e cinco feridos gravíssimos, tinha comovido a sociedade. Saiu
em jornal e nas rádios. Um choque esse tanto de vidas perdidas”,
recorda-se. Mas o policial teria um contato mais próximo com a
tragédia do que aquele intermediado pela cobertura da imprensa. “Foi
então que tirei plantão e, para o meu espanto, me mandaram guardar
o ônibus acidentado na garagem da (Viação) Cometa, até que a
perícia chegasse, na manhã do dia seguinte”, conta o inspetor
aposentado.

Figura 18 - Estrutura abandonada do viaduto

Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/09/03/interna_gerais,315382/viaduto-
das-almas-esta-entregue-ao-esquecimento-e-ao-silencio-de-sua-tragica-historia.shtml

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Porém, fazem dez anos que o mesmo se encontra abandonado, devido
a construção de outro, nas proximidades, em formato reto e, portanto, mais
seguro. Mas, o viaduto abandonado, permanece no mesmo lugar e devido ao
fato de ser um imaginário coletivo e sua estrutura de formato particular, carece
ser tombado como memória do lugar e como patrimônio histórico-cultural dos
mineiros. O local atualmente é muito utilizado para a prática de esportes
verticais. Assim o presente trabalho, busca através de referenciais, trazer a
história do viaduto das Almas (Figura 19), em Ribeirão do Eixo, na divisa dos
municípios de Itabirito e Ouro Preto, com vistas a promover a reflexão de seu
tombamento, nos três entes federados, união, estado e municípios, para que o
mesmo tenha uma destinação turística e cultural e não seja condenado ao
abandono e ao esquecimento.
Figura 19 - Estrutura do viaduto, ainda em operação

Fonte: http://aquarius.ime.eb.br/~webde2/prof/ethomaz/baumgart/baumgart01.pdf

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trecho da BR-040 localizado entre Petrópolis (RJ) e o Rio de Janeiro


(RJ), recebe o nome de Rodovia Washington Luís, em homenagem ao ex-
presidente da república Washington Luís, que ficou conhecido por construir

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
diversas rodovias durante o seu mandato (1926-1930), incluindo este trecho da
BR-040.
Sua extensão total é de 1.175,5 quilômetros, passando pelo território das
seguintes cidades: Distrito Federal (Brasília), Goiás (Cristalina, Luziânia e
Valparaíso de Goiás), 34 municípios de Minas Gerais (Alfredo Vasconcelos,
Barbacena, Belo Horizonte, Caetanópolis, Capim Branco, Carandaí,
Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Contagem, Cristiano Otoni, Curvelo,
Esmeraldas, Ewbank da Câmara, Felixlândia, Itabirito, João Pinheiro, Juiz de
Fora, Lagoa Grande, Matias Barbosa, Matozinhos, Nova Lima, Oliveira Fortes,
Ouro Preto, Paracatu, Paraopeba, Pedro Leopoldo, Ressaquinha, Ribeirão das
Neves, Santos Dumont, São Gonçalo do Abaeté, Sete Lagoas, Simão Pereira e
Três Marias), e o estado do Rio de Janeiro (Areal, Cidade do Rio de Janeiro,
Comendador Levy Gasparian, Duque de Caxias, Petrópolis e Três Rios).
A atual BR-040 (Figura 02) foi concretizada durante a Ditadura Militar,
pelo Plano Nacional de Viação em 1973. A redação inicial do Plano, em 1964,
instituía a rodovia entre Brasília (DF) e São João da Barra (RJ). Com a revisão,
o trecho entre Belo Horizonte e São João da Barra sobreveio a perpetrar-se
parte do Trevo BR-356, sendo compreendida na BR-040 o trecho até o Rio de
Janeiro, primeiramente componente da BR-135. Antes de 1964, o trecho entre
Rio de Janeiro e Belo Horizonte era designado BR-3.
É preciso pensar em impactos e discutir seus desdobramentos na ciades
pelas quais a rodovia passa, criando medidas de compensação. O trecho que
passa por Alfredo Vasconcelos, Barbacena, Carandaí, Ewbank da Câmara,
Juiz de Fora, Matias Barbosa, Oliveira Fortes, Ressaquinha, Santos Dumont,
Simão Pereira pode verte para a ampliação do Parque Estadual do Ibitipoca.
Em Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Cristiano Otoni, a possibilidade é de
ampliação do Parque Estadual Serra do Ouro Branco. No trecho de Belo
Horizonte, propõe-se a ampliação do Parque Estadual Serra do Rola Moça e
em Itabirito, a ampliação da Estação Ecológica de Arêdes e a ampliação do
Monumento Natural Serra da Moeda.
Na altura de Ouro Preto, é viável a criação do Parque Estadual da Serra
das Almas, assim como em Nova Lima, onde haverá a criação do Parque
Estadual da Serra da Calçada. Em Contagem, Ribeirão das Neves, pode se
estudar a ampliação do Parque Estadual da Serra do Sobrado. Em Capim
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio
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Branco, Esmeraldas, Matozinhos, Pedro Leopoldo, o projeto é a ampliação do
Parque Estadual da Cerca Grande. O trecho Caetanópolis, Curvelo,
Paraopeba, Sete Lagoas, requer a ampliação do Monumento Natural Gruta Rei
do Mato e a criação do Parque Estadual da Serra de Santa Helena. Por fim, em
Felixlândia, João Pinheiro, Lagoa Grande, Paracatu, São Gonçalo do Abaeté e
Três Marias, faz-se necessário a ampliação do Parque Estadual do Paracatú.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRES. Estudos Técnicos BR040:


Estudos de Engenharia Parte 1. Disponível em
<http://ftp.antt.gov.br/acpublicas/apublica2008_94/EstudosTecnicos/BR040/EstudosdeEngenha
riaII_Parte1.pdf> Acesso 29. Jun. 2021

AMAVI - ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ALTO VALE DO ITAJAÍ. Passo a Passo


Processo Tombamento. Disponível em https://www.amavi.org.br/arquivo/areas-
tecnicas/cultura-turismo/2012/tombamento/Passo_a_Passo_Processo_Tombamento.pdf>
Acesso 29. Jun. 2021

BLOG ZÉLIA MARINHO. Site: Biografia. Disponível em


<http://zeliamarinhoviacaocometa1967.blogspot.com/> Acesso 29. Jun. 2021

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Em 1763, a capital do Brasil foi transferida de Salvador para
o Rio de Janeiro. Disponível em <https://www.camara.leg.br/radio/programas/394447-em-
1763-a-capital-do-brasil-foi-transferida-de-salvador-para-o-rio-de-janeiro/> Acesso 29. Jun.
2021

EXÉRCITO BRASILEIRO. Instituto Militar de Engenharia/Departamento de Ciência e


Tecnologia. Disponível em
<http://aquarius.ime.eb.br/~webde2/prof/ethomaz/baumgart/baumgart01.pdf> Acesso 29. Jun.
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ELENCO BRASILEIRO. Zélia Marinho. Disponível em


<http://www.elencobrasileiro.com/2018/11/zelia-marinho.html> Acesso 29. Jun. 2021

GAZETA DO POVO. Curitiba já foi a capital do Brasil por três dias. Disponível em
<https://www.gazetadopovo.com.br/politica/parana/curitiba-ja-foi-a-capital-do-brasil-por-tres-
dias-48zj4cby49uxdh9f6ycemrfle/> Acesso 29. Jun. 2021

MASTERPLAN. Empreendimento Urbano CSUL Lagoa dos Ingleses. Disponível em


<https://www.csullagoadosingleses.com.br/masterplan/> Acesso 29. Jun. 2021

IEPHA INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO. Serviços de


tombamento e registro. Disponível em
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INFOESCOLA. História das capitais do Brasil. Disponível em


<https://www.infoescola.com/historia/historia-das-capitais-do-brasil/> Acesso 29. Jun. 2021

IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo de


tombamento de bens culturais de natureza material. Disponível em <https://www.gov.br/pt-
br/servicos/iniciar-processo-de-tombamento-de-bens-culturais-de-natureza-material> Acesso
29. Jun. 2021

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Tombamento
Laudos. Disponível em
<http://iepha.mg.gov.br/images/Documentos/Programas/ICMS_DN_Perguntas_e_Respostas/F
AQ_-__DN_CONEP_2018_-_QIIB_TOMBAMENTO_e_QIIIA_LAUDOS.pdf> Acesso 29. Jun.
2021

IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Perguntas e


Respostas. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/perguntasFrequentes?categoria=9>
Acesso 29. Jun. 2021

JORNAL ESTADO DE MINAS. Risco, lendas de fantasma e abandono: as muitas mortes


do viaduto das Almas. Disponível em
<https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/09/13/interna_gerais,1184917/risco-lendas-de-
fantasma-e-abandono-as-muitas-mortes-do-viaduto-das.shtml> Acesso 29. Jun. 2021

JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO. Ponte perigosa em estrada de MG é fechada.


Disponível em <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,ponte-perigosa-em-estrada-de-
mg-e-fechada-imp-,636434> Acesso 29. Jun. 2021

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EIXO TEMÁTICO 4

A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA PÓS-MODERNA EM


CONJUNTOS EDIFICADOS DE VALOR PATRIMONIAL MODERNO E
COLONIAL

D’ÁVILA, PEDRO HENRIQUE GOMES CARDOSO (1); MOURA RIBEIRO, ANA


AMÉLIA DE PAULA (2); MAHLER, CHRISTINE RAMOS (3);

1. Centro Universitário UniBrasília de Goiás. Curso de Arquitetura e Urbanismo


CEP: 76100-000
pedro.davila@brasiliaeducacional.com.br

2. Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais


CEP: 74690-900
christine.ramos@ufg.br

3. Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais


CEP: 74690-900
anadepaulamoura@hotmail.com

RESUMO
As intervenções dos 3 Arquitetos – Éolo Maia, Jô Vasconcellos e Sylvio de Podestá – em sítios de
valor patrimonial foram relevantes para o pós-modernismo mineiro. Dentre elas, a discussão sobre
dois conjuntos na década de 1980: o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves – Rainha da Sucata
(1984/1991) – em Belo Horizonte e a Casa do Arcebispo (1982/87) em Mariana. Estas áreas
salvaguardadas, de diferentes temporalidades e concepções, sofreram intervenções por parte da
equipe pós-moderna e são objeto de análise neste trabalho. O debate das ideias arquitetônicas de
liberdades formais de Maia, Jô e Podestá tornam-se, a partir desta inserção em diferentes paisagens
mineiras, uma questão importante para a compreensão das transformações do Brasil no final do
século XX. O objetivo é identificar as decisões de projeto adotadas pelo grupo de arquitetos, quanto à
linguagem, organização espacial, inserção urbana e quanto às diretrizes de intervenção em pré-
existências: a condição original do entorno construído dos referidos espaços e as apropriações
arquitetônicas derivadas da releitura do mesmo. A metodologia abrangerá os estudos de casos, com
abordagem documental e historiográfica, com destaque para formação do pós-modernismo nacional e
internacional, bem como do escritório 3 Arquitetos (1981-1988) como forma de entender o processo
tardio do pós-modernismo no Brasil. Assim, a pesquisa discute critérios de intervenções em pré-
existência a partir de autores de referência, conta com análises gráficas das peças arquitetônicas e
fontes primárias (periódicos, entrevistas, jornais, boletins e revistas). Como contribuição, pretende-se
dar visibilidade à discussão da arquitetura pós-moderna e sua contribuição em intervenções em pré-
existências na historiografia brasileira.

Palavras-chave: Arquitetura Pós-moderna, Historiografia; Intervenções em pré-existência; 3


Arquitetos;

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06 a 08 de outubro de 2021
INTRODUÇÃO
O estudo da obra de Éolo Maia realizada em conjunto com Jô Vasconcellos e Sylvio de
Podestá é uma tarefa complexa, uma vez que a arquitetura pós-moderna é permeada por
polêmicas e contradições. No caso específico, torna-se ainda mais complexo, por tratar de
intervenções em pré-existências em conjuntos patrimoniais. Nesse cenário, a compreensão
da camada histórica original no contexto dos sítios salvaguardados por órgãos específicos
de proteção patrimonial torna-se fundamental para entender os novos debates na
arquitetura brasileira, por meio das decisões de projeto dos autores, uma vez que projetos
dessa natureza buscam estabelecer o diálogo entre temporalidades distintas.

O debate das ideias arquitetônicas dos 3 Arquitetos, a partir de sua inserção em diferentes
paisagens mineiras, é relevante para compreender as transformações do Brasil, e das
relações conflituosas entre o passado e o futuro representadas pelas manifestações
arquitetônicas. Essa fase foi marcada por intensa divulgação e publicações, porém, ainda é
pouco explorada pela historiografia da arquitetura nacional.

Para investigar este contexto foi necessário revisitar as publicações, as bases teóricas e
análises que tratam da crise do modernismo e da produção das últimas décadas do século
XX e analisar a vertente da arquitetura historicista nacional. Intervenções tendo como pré-
existências o patrimônio e sua interação com o espaço arquitetônico fomentam debates,
principalmente quando contrastam linguagens e valores, como o moderno e o colonial. Esta
matéria edificada é uma descrição densa das respectivas épocas, servindo de referências
históricas das arquiteturas de seus tempos, demonstrando a importância que tiveram e têm
para a memória, história, tradições e inovações da sociedade mineira. A complexidade é o
debate em questão, e os 3 Arquitetos discutem, à sua maneira, a atuação nesses espaços,
apropriando-se de elementos dos quais resultam uma obra pioneira na trajetória do trio.

A revisão histórica e historiográfica revisitada busca acrescentar elementos para as análises


posteriores do conjunto de obras desenvolvidas pelos arquitetos, destacando duas
inserções – Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves (1984/1991) e Casa do Arcebispo de
Mariana (1982/87) – como estudos de casos sobre a contribuição de Maia e seus sócios,
tornando este o eixo focal das indagações, bem como, o modo peculiar de interagir com o
passado distante ou recente e atuar na pré-existência de temporalidades distintas.

Ao revisitar este arco temporal, os críticos de arquitetura que vierem a tratar sobre a
historiografia nacional do período em questão, encontrarão na obra dos 3 Arquitetos um rico
acervo, um material farto para análises. Deste modo, a temática é necessária para entender
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06 a 08 de outubro de 2021
a obra de Éolo, Jô e Sylvio, aplicada espacial e arquitetonicamente nas cidades mineiras e
nos inúmeros concursos, nos quais eles participaram, e como o seu discurso impactou a
arquitetura brasileira.

PÓS-MODERNISMO INTERNACIONAL

Como se sabe, a crise do Movimento Moderno iniciou-se no coração do próprio movimento


com a renovação dos membros do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna e as
novas temáticas propostas por estes novos integrantes – o Team X. Esta abertura para
discussões divergentes, segundo Nesbitt (2013), levou o Museu de Arte Moderna de Nova
York a promover uma mudança de tendência. Moneo (2008) destaca a importância da
publicação Complexidade e contradição em arquitetura, de Robert Venturi, recebida com
interesse em meados da década de 1960. Ficher (1985) adota o lançamento do livro de
Venturi para balizar o surgimento do pós-modernismo como resposta ao impasse da forma
arquitetônica. Segundo Nesbitt (2013), coube a Venturi o mérito de inaugurar a crítica norte-
americana à hegemonia da corporação modernista e de resgatar os antecedentes históricos.
Esta publicação foi tão importante que Scully (apud MONEO, 2008, p. 51) tratava-a como
“escrito mais importante sobre o modo de fazer arquitetura desde Por uma Arquitetura, de
Le Corbusier, publicado em 1923”.

Venturi (apud NESBITT, 2013) afirmava que o principal problema da arquitetura modernista
era ser excessivamente reducionista, oferecendo soluções enfadonhas. Assim, em uma
época em que a crítica ao modernismo era rara, a mensagem de Venturi, segundo Moneo
(2008), era uma alternativa esperançosa aos jovens arquitetos.

Contudo, Nesbitt (2013) destaca que essa renovação da consciência da história promovida
por Venturi, estimulava uma “apropriação eclética da história”, podendo ser comparada à
abertura de uma “caixa de Pandora dos estilos”, visto que arquitetos pós-modernos de
menor expressão poderiam exagerar na apropriação destes elementos. Moneo (2008, p. 52-
53), observa a obra de Venturi como “um discurso contra a tirania ideológica da arquitetura
moderna” e, somente a escreveu “após ter se colocado à prova como arquiteto em seus
primeiros trabalhos”. A complexidade deve ser uma constante na arquitetura, segundo
Nesbitt (2013), e complementa que os arquitetos modernos ortodoxos a reconheceram, mas
geralmente o fizeram de modo insuficiente ou inconsistente.

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06 a 08 de outubro de 2021
Uma arquitetura da complexidade e contradição tem uma especial
obrigação para com o todo: sua verdade deve estar na totalidade ou
nas suas implicações. A arquitetura deve incorporar a difícil unidade
da inclusão, mais do que assumir a fácil unidade do exclusivo. Mais
não é menos. (Venturi apud MONEO, 2008, p.52)

Venturi (apud Nesbitt, 2013) afirma ainda que a melhor arquitetura muitas vezes rejeitou a
simplicidade através da redução de modo a promover a complexidade no todo,
exemplificando esta afirmação com obras de Alvar Aalto, de Le Corbusier e algumas obras
de Frank Lloyd Wright. Moneo (2008) observa a aproximação de Venturi com Kahn e sua
oposição a Mies. Para Ficher (1985, [online]), o lema de Venturi, “less is a bore, ainda que
seja um argumento ferino contra o reducionismo plástico do modernismo, não deixa de ser
uma palavra de ordem formalista”.

Na década seguinte à inauguração da discussão teórica de Complexidade e Contradição em


Arquitetura, Venturi, em conjunto com Scott Brown e Izenour, publica Aprendendo com Las
Vegas (1972) e Peter Eisenman discute o pós-funcionalismo. (NESBITT, 2013). Para a
autora, o pós-modernismo possui conscientemente várias diferenças:

Enquanto Eisenman defende uma ruptura com o humanismo, a


‘arquitetura figurativa’ de Michael Graves tende a uma reconciliação.
Demetri Porpyrios também sugere o retorno a um classicismo
tectônico genuíno, capaz de representar os valores humanistas.
(NESBITT, 2013, p. 96)

Moneo (2008, p. 73-74) sintetizou Aprendendo com Las Vegas como uma “análise
provocadora da Strip da cidade das imagens ‘onde reina a ficção’”. Segundo Frampton
(apud NESBITT, 2013, p.339) Venturi e Scott Brown “exploram essa ideologia [de
Aprendendo com Las Vegas] como forma de nos fazer perdoar o inexorável kitsch de Las
Vegas”. Frampton publicou esta crítica sobre o desgaste pós-moderno em 1985. Naquele
momento, Éolo Maia e Podestá projetavam o Centro de Apoio ao Turista Tancredo Neves,
conhecido popularmente como Rainha da Sucata em Belo Horizonte – Minas Gerais,
demonstrando o processo tardio no Brasil. Este foi o momento em que o Brasil assumiu uma
posição e dialogou com a crítica, em favor de uma renovação mediada pela complexidade.

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PÓS-MODERNISMO BRASILEIRO: 3 ARQUITETOS

Segundo Santa Cecília (2004), Éolo Maia é mineiro de Ouro Preto e, como tal, traz em si
forte sentimento da arte barroca e das igrejas e vielas da sua cidade natal (SABBAG, 2002) .
Seu ingresso na EAU/UFMG deu-se durante o entusiasmo da construção de Brasília, mas
em 1967 – ano de sua graduação – este clima tinha sido substituído pelo clima de
pessimismo da Ditadura militar (SANTA CECÍLIA, 2004). Logo após sua graduação,
segundo Rocha (2002) e Caldeira (2002), Éolo se ofereceu para trabalhar com Villanova
Artigas, este aceitou, mas posteriormente recusou pelo fato de não conhecer a obra do
mineiro Guimarães Rosa dizendo:

[Artigas disse:] ‘Aprenda isso: se você não conhece suas origens,


nunca vai conseguir fazer arquitetura’. [Éolo complementa: ] Na hora
não entendi nada, mas depois vi que essa foi a maior lição de
arquitetura da minha vida: você tem de sacar onde está e o que quer.
Para mim, a grande lição de Artigas foi essa, e não a dos quatro
pontos, da estrutura que canta. (ROCHA, 2002, [online])

No início da carreira, mudou-se para Brasília trabalhando como engenheiro de obras e


posteriormente com Arquiteto João Filgueiras Lima “Lelé”, segundo Santa Cecília (2004),
este contato consolidou seu rigor construtivo. No Condomínio Tinguá, Éolo morou a partir de
1972 com sua então futura companheira Jô Vasconcellos – arquiteta e sócia. (SABBAG,
2002). O casal formou o grupo chamado 3 Arquitetos no início da década de 1980 com
Sylvio de Podestá, após a convivência editorial e afinidade arquitetônica compartilhada na
Revista Pampulha.

Os 3 Arquitetos conhecidos também como gambás – expressão coloquial corriqueira para


identificar afinidades -, eram criativos e divulgavam suas ideias editadas em 1977, no
suplemento intitulado Vão Livre e, dois anos depois, na revista Pampulha, criada para
divulgação de suas obras e discussão das novas linguagens produzidas fora do país.
(SABBAG, 2002). A publicação demonstrou o amadurecimento das discussões e
questionamentos do grupo. Nas edições de 1980/1981 já era evidente a procura pelo
“combate direto das formas e princípios estruturais da arquitetura moderna em favor da
liberdade de criação arquitetônica inaugurando a arquitetura pós-moderna no Brasil.”
(SANTA CECÍLIA, 2004, p. 74). Outros, porém, adotam uma postura cautelosa:

Chamar de ‘pós-moderno’ a qualquer debate e/ou arquitetura


acontecidos no Brasil antes de 1981-1982 é um exercício de
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futurismo retroativo, que, aliás, começou logo em seguida, entre
1983 e 1985. (BASTOS e ZEIN, 2015, p. 221)

Segundo Bastos e Zein (2015), a promoção entre 1976-1977 do conjunto de palestras


intituladas Arquitetura Brasileira após Brasília: Depoimentos seria uma luz no cenário da
arquitetura bem como a revista Projeto. No cenário político, segundo Cremasco (2015,
p.86), “dois acontecimentos centrais pontuaram o começo e o fim do movimento pós-
moderno em Minas Gerais”:

A revogação do Ato Institucional nº 5, em 1979, e a promulgação da


nova Constituição da República, em 1988; ou seja, as manifestações
mineiras do pós-modernismo coincidiram com o período de distensão
da ditadura militar e de transição para plena normalidade
democrática. (CRESMACO, 2015, p.86).

O ponto de inflexão foi o ano de 1985, além dos eventos políticos, o XII Congresso Brasileiro
de Arquitetos em Belo Horizonte consagrou a crítica pós-moderna. Segundo Segawa (2008),
este congresso foi marcado pelas homenagens póstumas à Artigas, bem como, deu
reconhecimento nacional para arquitetos pós-modernos como os 3 Arquitetos e Luiz Paulo
Conde. O retrato de época mais importante sobre os mineiros foi produzido pela revista
Projeto, na edição de novembro de 1985, dedicada ao Congresso dos Arquitetos (SEGAWA,
2008).

Figura 1- CAPA DA REVISTA PROJETO Nº 81 (NOVEMBRO DE 1985) FONTE: SEGAWA (2008)

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Como visto, a crítica ao modernismo chegou uma década atrasada no Brasil. Segundo
Bastos e Zein (2015) o primeiro debate sobre o pós-moderno em solo nacional foi Fórum de
Arquitetura em Porto Alegre (novembro de 1983) e tratou do pós-modernismo na América
Latina. Nessa ocasião Éolo definiu:

O pós-moderno nasce dessa arquitetura que se exauriu, e não


precisa ser um grande choque para nós no Brasil, se assimilarmos
essa última corrente tanto quanto o fizemos com as outras, tentando
tirar dessas teorias o que é útil a cada região ou momento histórico.
(MAIA apud BASTOS e ZEIN, 2015, p.223)

A obra dos 3 Arquitetos mesmo não estando na historiografia oficial, está na “boca do povo”.
Um dos princípios pós-modernos era o diálogo com o usuário, segundo Santa Cecília (2009,
[online]), e este afirma que “a obra de Éolo adquire um novo significado uma vez que seus
edifícios não passam desapercebidos”.

Os gambás não gostavam de ser rotulados, em maio de 2002, Éolo realiza uma de suas
últimas entrevistas à ROCHA (2002, [online]) esclarecendo que “a vida é muito dinâmica, eu
mudo todo dia, e a arquitetura é uma expressão cultural que se reflete em meu trabalho. (...)
Não se pode ser fechado, dogmático. É preciso ter liberdade total”.

PÓS-MODERNISMO HISTORICISTA: INTERVENÇÕES EM MG

A “imaginabilidade” de Éolo Maia é exaltada por Santa Cecília (2009), enquanto a


apropriação espacial-arquitetônica de Jô Vasconcellos é definida como sensível, e
“susceptível a releituras e revivescências. Situando-se entre a imaginação e o fato urbano”.
(LEMOS apud PEREIRA, 1995, p. 155). Os 3 Arquitetos valorizavam o patrimônio edificado
e cultural, inclusive, davam como superado a mitologia modernista do arquiteto que não se
inspirava na pré-existência e produzia a arquitetura por informações estritamente objetivas
(BASTOS e ZEIN, 2015). A subjetividade e a influência edificada eram preocupação de
Éolo, Jô e Sylvio em relação à intervenção em contexto histórico:

Cada vez com mais frequência, vimos (sic) a necessidade de intervir


em edifícios existentes. Aparentemente, a dificuldade é menor do
que (sic) projetar uma obra nova, porque a matéria-prima com que se
trabalha deixa de ser o espaço para converter-se em um imóvel

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construído. (...). Os critérios numa restauração ou intervenção são
específicos para cada caso. Não existe uma fórmula para orientar
uma solução. Devem prevalecer sempre a sensibilidade e
experiência do arquiteto. Por certo, o nível de qualidade e o número
de virtudes decorrentes em um edifício ou em um conjunto
arquitetônico determinarão o grau de rigor com que é preciso abordar
sua solução. Um projeto deste tipo é um desafio permanente. (MAIA
et al, 1985, p.53 ).

As principais obras de intervenção em patrimônio dos 3 Arquitetos ocorreram no período


conhecido como fase transitória do patrimônio artístico e histórico nacional (1967-1987), no
qual “a herança da visão de preservação trazida, até então, pelos modernistas é
interrompida e (...) [reforça] o processo de abertura cultural e a importância do Pós-
Modernismo para o surgimento de novos olhares sobre o tema do patrimônio.” (PEREZ,
2009, p.22). Segundo Dangelo e Brasileiro (2008), estes arquitetos preenchiam uma
ausência conceitual do patrimônio e, ao contrário dos modernistas, tinham “relação menos
radical e mais informal com o repertório estilístico” (DANGELO e BRASILEIRO, 2008, p. 18).

A formação no curso de especialização em Restauração e Conservação de Monumentos e


Conjuntos Históricos de Jô Vasconcellos foi fundamental para as discussões de patrimônio e
atuação em contextos históricos dos gambás. Segundo Santa Cecília (2006), o debate
arquitetônico sempre foi ampliado por Éolo, e este, trazia os vocábulos e arquétipos do
barroco mineiro como elementos de sua arquitetura. O casal, em parceria com Podestá, era
uma equipe com autêntica preocupação com as questões de preservação e intervenção em
pré-existência.

Assim, o grupo interviu com sensibilidade em sítios distintos, desde o cenário colonial-
barroco das cidades históricas mineiras até o cenário moderno de Aarão Reis em Belo
Horizonte. Segundo a arquiteta, deve haver uma harmonia entre sensibilidade e
conhecimento técnico-teórico para se realizar uma boa intervenção, e destaca que “havia
abertura para discussões e colocações [na década de 1980], aceitação de propostas e
experimentações, que claro, tinham que acontecer, já que, até então, havia poucos
profissionais atuando”. (VASCONCELLOS apud PEREZ, 2009, p.182).

Os 3 Arquitetos realizaram diversas intervenções em Minas Gerais, nos mais variados


espaços, períodos e comunidades, trazendo para o Brasil novas formas de se intervir em
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patrimônio. Deste amplo repertório de projetos destacam-se duas obras: a Casa do
Arcebispo de Mariana (Projeto: 1982/83; Obra: 1983/87) e o Centro de Apoio Turístico
Tancredo Neves (Projeto: 1984/85 | Obra: 1985/92), a primeira está inserida no centro
histórico de Mariana, “implantada na praça de uma das mais antigas cidades de Minas
tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, fica ao lado do casario e de igrejas
coloniais.” (PODESTÁ, 2000, [online]). A última está inserida no plano urbanístico moderno
de Aarão Reis, na Praça da Liberdade em Belo Horizonte, cercada por projetos de
diferentes épocas, desde prédios ecléticos das secretarias do governo até o Edifício
Niemeyer, obra do próprio.

CASA DO ARCEBISPO DE MARIANA

Figura 2 - EXTERIOR E INTERIOR DA CASA DO BISPO. FONTE: METZ, 2008 E PODESTÁ, 2000.

A Casa do Arcebispo, segundo Santa Cecília (2006) destaca a harmonia da inserção da


obra, relatando que esta fazia parte de um conjunto de “intervenções que primavam pelo
respeito à arquitetura e à técnica construtiva pregressas, tendo como único pressuposto a
diferenciação clara entre o novo e o antigo através do emprego de formas e materiais
contemporâneos” (SANTA CECÍLIA, 2004, p. 77). A questão da inserção e implantação foi a
principal discussão que os arquitetos tiveram que resolver, visto que a “interferência, em
centro histórico oitocentista, fortemente regulada pelo SPHAN, acontece numa das praças,
em meio ao casario e às igrejas coloniais.” (PEREZ, 2009, p.117). Ou seja, para obterem o
aval do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o trio precisou resolver os
aspectos que o entorno delimitava:

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O entorno, por si só, ressalta o encontro do novo com o antigo, o que
sempre é delicado e polêmico; mais delicado e polêmico se
acreditarmos que a coexistência de um com outro deve ser
instrumento a serviço de uma moderna configuração espacial e
urbana. (PODESTÁ, 2000, [online]).

Os arquitetos, depois de vários estudos propuseram à Cúria de Mariana, um volume


prismático com pátio integrado ao conjunto da praça, respeitando a escala e o gabarito do
entorno, porém “com leitura atual, possuindo qualidades construtivas contemporâneas, sem
ferir o existente. Assim, a relação entre o novo e o velho seria o equilíbrio de uma inserção
criteriosa que preserva o espaço urbano” (VASCONCELLOS in JORNAL 3 ARQUITETOS,
1988, p.1). Nery e Baeta (2015) vão além e descrevem o projeto como expressão da
continuidade com a pré-existência, um diálogo respeitoso com entorno, ao ponto dos
autores afirmarem: “Ele [o projeto] reconfigura a praça com tal sutileza que se tem a
sensação que sempre esteve ali”. (NERY E BAETA, 2015, [online] ).

Figura 3- SUBSOLO, 1º PAV E º PAV. DA CASA DO BISPO S/ ESCALA FONTE: PODESTÁ, 2000.
MODIFICADO PELO AUTOR

Para Comas (2002), os arquitetos usam de ambiguidades para compor os ambientes. A


biblioteca privada, auditório, recepção e dormitórios encontram-se no volume com dois
pavimentos próximos à praça na fachada nordeste, enquanto a capela policromática está

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semienterrada no pátio coberto por uma pirâmide de vidro. Na face noroeste encontra-se a
biblioteca enquadrada pelas áreas de estar, enquanto a sudeste localizam-se apartamentos
e áreas de serviços e a sudoeste, o refeitório no térreo e a garagem no subsolo.

O programa habitacional é solucionado tais quais as antigas clausuras monásticas,


apropriando-se dos pátios, com destaque para o pátio central, sem negar a importância
técnica do vazio da face sudeste. Essa solução tradicional de distribuição dos ambientes,
contudo, é maximizada por iluminações zenitais e semicúpulas de vidro, ampliando a
complexidade formal da composição do claustro.

Esta composição arquitetônica, típicas dos conventos, faz-se presente nos quatro ambientes
de estar emoldurados pelos cilindros, demarcando o pátio quadrilátero. Este átrio, nas suas
extremidades, é coberto por um terraço plano apoiado por pilares metálicos (que aludem a
ordem dórica). Por sua vez, essa séria de colunatas, no perímetro interno, compõe o ritmo
da porção mais central do claustro engastando uma pirâmide de vidro que irradia iluminação
para o interior atingindo os vitrais da capela semienterrada. Essa complexidade compositiva
e tectônica, provocada pela utilização inusitada de formas e materiais, proporciona uma
surpresa similar à primeira visita ao conjunto barroca das igrejas de Mariana.

A exuberância cromática e o jogo de luzes da Casa do Arcebispo desperta o fascínio dos


alteres coloniais, do mesmo modo que o exterior da reverendíssima residência é austero,
ritmado e discreto, sem ser fatigante ou maçudo. “Em plano mais genérico, a Casa do
Arcebispo faz comentário provocativo e relevante sobre a interação do popular e do erudito
na cultura arquitetônica. O popular corrompe o erudito e o deforma para assimilá-lo.”
(COMAS, 2002, online]).

Duas mudanças realizadas posteriormente pela Cúria, segundo Nery e Baeta (2015),
prejudicam muito o entendimento da obra, os pilares metálicos que enquadram o sobrado
nas esquinas foram cobertos por alvenaria até 1,5 metro e pintados de branco e a cobertura
de terraço plano com iluminação zenital foi substituída por telhado com telhas portuguesas.
Essas modificações escondem parte da complexidade propostas pelos arquitetos para a
cobertura, possivelmente, buscando soluções simplistas para a manutenção da mesma.
Maia e Vanconcellos (in Pereira, 1995, p.92) finaliza suas discussões sobre a Casa do
Arcebispo destacando as suas intenções “escultóricas e pictóricas”, que segundo os
arquitetos reflete o “espírito das construções antigas de Minas”.

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RAINHA DA SUCATA EM BELO HORIZONTE

Para Santa Cecília (2004, p.78), “o projeto mais emblemático do período de crítica pós-
moderna na obra de Éolo é o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves”. Esta obra se
encontra na Praça da Liberdade, no coração político de Belo Horizonte. O projeto, segundo
Perez (2009), interage com este conjunto histórico moderno projetado por Aarão Reis,
fazendo uma releitura da arquitetura eclética na Praça. “Os arquitetos partiram da leitura
tipológica dos edifícios que compunham o conjunto e do respeito à altimetria do conjunto da
praça” (DANGELO e BRASILEIRO, 2008, p. 19).

Sem se intimidarem [Éolo e Podestá] em criar no novo edifício uma


linguagem coerente com a arquitetura do período, expressa a partir
de releituras livres dos elementos do vocabulário clássico presente
no conjunto, tão ao gosto, como já colocamos, do pós-modernismo
internacional. (DANGELO e BRASILEIRO, 2008, p. 19)

Para Santa Cecília (2006), os arquitetos não se preocupam em estabelecer um diálogo


irônico com o entorno. Nos arredores da Praça existem edifícios ecléticos do início do século
XX, construções modernistas da década de 1950 e 1960 de diferentes arquitetos, e para
Podestá (2001, [online]) “a ‘Rainha’ ficou a responsabilidade de contar a história dos anos
80, anos pluralistas, de grande efervescência e discursos cheio de adjetivos e substantivos”.
Para Perez (2009) manter a escala da praça e usar elementos arquitetônicos de outras
arquiteturas, cria uma irônica relação edificada e permanente com as edificações do
entorno. Esta atuação dos arquitetos pós-modernos em conjuntos patrimoniais edificados
“obrigaram os técnicos da área de patrimônio a se posicionarem de forma crítica sobre o
tema da intervenção.” (DANGELO e BRASILEIRO, 2008, p.19).

Figura LEGENDA

Galeria (turístico)

Anfiteatro

Exposição

Sanitários Públicos

Acessos
Circulação

Figura 4- SUBSOLO, 1º PAV E º PAV. DA RAINHA DA SUCATA S/ ESCALA FONTE: PODESTÁ,


2000. MODIFICADO PELO AUTOR

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O programa inicial incluía banheiros públicos para os usuários da praça, contudo, os
arquitetos conseguiram convencer o governo a aumentar o programa. Assim, surge a
Rainha da Sucata: um complexo multiuso em três pavimentos para abrigar vários programas
(como ocorreu posteriormente, sediando museus, centro de atendimento turístico, co-
workings e exposições de arte), um pavimento de acesso administrativo, na esquina da
Avenida Bias Fontes com a praça e no subsolo parcial encontram-se os banheiros públicos,
anfiteatro e seu camarim.

A liberdade programática possibilitou os arquitetos projetarem uma volumetria inovadora e


uma disposição arquitetônica atípica. Ao analisar o projeto, percebem-se influências do pós-
modernismo internacional no grande “pilar-banheiro” cilíndrico amarelo, na preferência
formal e na complexidade compositiva. Mas contraditoriamente (e intencionalmente), Éolo e
Sylvio adotam soluções regionais. Assim, os arquitetos não se distanciaram do
contextualismo e do regionalismo, mas o empregam como solução tectônica e ordenativa.

Referenciando o entorno, os gambás apropriam-se do arco belga do Prédio Rosa (antiga


Secretaria de Educação), do escalonamento e do ritmo compositivo das construções
ecléticas e do pátio central das mesmas, reinterpretada como anfiteatro. A expressividade
art decó do Palácio Arcebispal e a materialidade do moderno pós-Brasília, bem como a
regionalidade dos materiais mineiros e a altimetria do prédio anexo à Secretaria de
Educação (atual Espaço do Conhecimento) também foram incorporados na obra.

As questões subjetivas, como o bom humor dos feirantes, a tradição dos profetas do barroco
mineiro e a jovialidade dos novos artistas não ficaram ausentes. Elas foram empregadas na
epiderme da edificação ou nas obras de arte espalhadas pela mesma, sendo tratadas como
expressividade plástica. Assim, foram empregando-se cores primárias, materiais locais,
significativos e instigantes de modo inesperado e com bom humor (SANTA CECÍLIA, 2009).

Tais atitudes adotadas pelos arquitetos possibilitaram uma autonomia formal atípica na
arquitetura brasileira. “Nesse sentido, a forma passa a expressar conteúdos distintos e
autônomos em relação ao conjunto das soluções arquitetônicas”. (SANTA CECÍLIA, 2004,
p.168). Assim, a complexidade compositiva e a contradição do binômio internacional x
regional tornam-se parte da obra. A edificação, assim, é enxergada como uma matéria
híbrida, uma obra de arte e arquitetura pós-moderna, fruto da mineiridade sem desconectar-
se das discussões mais atuais do seu momento histórico. Novamente o erudito e o popular
estão lado a lado, coexistindo em uma única forma arquitetônica, que se referencia no
passado e na tradição, mas também na tecnologia e na visão de futuro dos anos de 1980.

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Além da inquietação da linguagem arquitetônica, esta obra e a Casa do Arcebispo, segundo
Perez (2009), tiveram importante função para que o tema do papel do novo em
preexistências voltasse a ser discutido. Segawa (apud Pereira, 1995), já ressaltava em 1994
a importância da Rainha da Sucata para o debate patrimonial. Segundo Campos (2008)
buscava-se, com a obra, uma linguagem regionalista contextualista que traduzisse a história
do barroco mineiro, bem como a diversidade multicultural do estado e fugisse do simples
pastiche (CAMPOS, 2008, p.102) ou projetos descontextualizados e estandardizados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra dos 3 Arquitetos e de todo grupo “pós-mineiro” contribui muito para o debate acerca
da intervenção em conjuntos edificados com valor patrimonial e despertou uma geração de
arquitetos para posturas críticas em relação à arquitetura praticada durante o regime militar,
marcado pela crise do Modernismo internacionalmente e pelas circunstâncias nacionais
político-ideológicas e econômicas. O trio mineiro soube reagir ao cenário e criar uma
linguagem de arquitetura “patropi”, com irreverência e apelo popular, fugindo do óbvio e do
pastiche. As questões de preservação do patrimônio, do passado edificado e da intervenção
até então eram questões secundárias. Maia, Vasconcellos e Podestá, com seus trabalhos,
auxiliaram na construção dos valores patrimoniais tanto edificados como culturais,
contribuindo para o entendimento do Restauro mais livre, compreensivo, imaginativo, sem
as amarras da teoria rígida. Desse modo, adotam o contraste de linguagens e estabelecem
um diálogo que respeita o protagonismo da pré-existência.

O autor Francisco de Gracia, em sua obra “Construir en lo construido” (1996), aponta


critérios de posicionamentos para intervenções em pré-existências, tais como níveis de
intervenção (modificação circunscrita, modificação do locus, oclusão do tecido urbano e
continuidade da imagem), padrões de atuação e atitudes em relação ao contexto. Ao
analisar os dois estudos, observa-se a preocupação abrangente dos 3 Arquitetos em
considerar o tecido urbano (e reforçar suas características morfológicas) e os elementos
existentes edificados que se inserem na paisagem. Os arquitetos demonstram, ainda, a
importância da intervenção contrastiva, ainda que cercada por recomendações de sítios
salvaguardados, posicionando-se frente à história com a arquitetura de seu tempo,
contrastante e historicista.

Assim, o trio demonstrou uma visão atualizada de intervenção em pré-existência já naquele


momento, em que as discussões estavam efervescentes, considerando as camadas
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históricas envolvidas e posicionando a construção dos objetos (Rainha da Sucata e Casa do
Arcebispo) como parte do seu tempo próprio: o tempo das inquietações no bojo da pós-
modernidade. Contudo, suas obras acenderam críticas em jornais e revistas, especializadas
ou de comunicação de massa, às quais o trio de arquitetos conseguiu responder, com
argumentação, criatividade e capacidade de diálogo. Essa capacidade de comunicação e
comunicabilidade rendeu obras premiadas internacionalmente, encaradas como marcos e
aceitas pelas diferentes comunidades nos contextos urbanos. O entendimento dos 3
Arquitetos do espaço urbano, sua compreensão da história e interpretação do lugar, a
qualidade gráfica e as discussões teóricas, portanto, é o novo tesouro escondido na terra de
Minas. Este já foi descoberto, basta explorar e tirar lições valiosas da obra de Éolo Maia, Jô
Vasconcellos e Sylvio de Podestá.

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SEGAWA, Hugo. Pós-mineiridade revisitada: Éolo Maia. Revista MDC. Campinas, n. 4,


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RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

CORAÇÃO DE CRICIÚMA: MAPEAMENTO DIGITAL DAS


TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS OCORRIDAS NA PRAÇA NEREU RAMOS
DE SUA FUNDAÇÃO À CONTEMPORANEIDADE

Juliano Knevitz Souza (juliano.knevitz@hotmail.com)

Natan De Souza Santos (ntnss07@gmail.com)

Gustavo Rogerio De Lucca (gustavodelucca@unesc.net)

Aline Eyng Savi (arquiteta.alinesavi@gmail.com)

A Praça Nereu Ramos é o marco inicial da cidade de Criciúma, sul do estado


de Santa Catarina, Brasil. Originada a partir do cruzamento da estrada geral
entre Urussanga e Araranguá, servindo de ponto de parada. Foi palco de
diversos eventos significativos do município. Endereço de instituições públicas
e religiosas, conforma o perímetro as edificações privadas. Estas sempre
fizeram parte do entorno da praça e é possível caracterizar dois momentos
estilísticos que refletem transformações socioeconômicas do município. O Art
decó pela exploração do carvão mineral e o Modernismo com a indústria
cerâmica. Do primeiro momento, há sobrados especialmente marcando as
esquinas. Do segundo, o desenho do mobiliário urbano e a inserção de novas
arquiteturas. Atualmente, a Praça vai além de um traçado delimitado. É o
epicentro urbano, possuindo a maior representação pelo comércio e atividades
de serviço. Os edifícios históricos do entorno refletem as consequências do
contemporâneo, que descaracteriza e desrespeita os aspectos patrimoniais.
Em prol de resgatar essa memória e identidade, mesmo que de maneira virtual,
é que surge o objetivo de pesquisa para elaborar um registro digital amplo das
transformações espaciais ocorridas na Praça Nereu Ramos, desde o início do
século XX até o XXI, por meio de modelos digitais em realidade 3D. As etapas
de pesquisa foram apoiadas em iniciativas nacionais e internacionais
semelhantes. Passada a etapa de construção de cabedal teórico, realizou-se
um inventário das arquiteturas remanescentes, com base nas fichas SICG.
Após, houve a construção de um acervo fotográfico, permitindo assim a
construção do modelo em realidade 3D com maior assertividade de detalhes.
As etapas seguintes consistiram na construção do modelo, ainda em fase de
elaboração. Para definição do grau de complexidade dos mesmos, considera-
se a necessidade de levar o trabalho ao maior número possível de pessoas.
Sendo assim, são “leves” e de fácil manipulação, optando-se por modelos
volumétricos geometrizados e menos orgânicos. Com o intuito de apresentar as
transformações espaciais e arquitetônicas, a etapa tem trabalhado com
camadas que permitem perceber a transformação do tempo. Ressalva-se que
tais decisões permitem que um maior número de pessoas tenham oportunidade
de visualizar os resultados, sem necessidade de recursos potentes de
computação. Os resultados parciais permitem afirmar que a atribuição de
valores a objetos oriundos de reconstrução 3D, corrobora para maior
preservação da memória de um bem perdido através da criação de novas
memórias. Este processo de atribuição de valor a um ciberespaço, é o que
permite torná-lo um lugar, que remeta à imagem de um bem que se perdeu, ou
encontra-se parcialmente descaracterizado.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A APROPRIAÇÃO DA ARQUITETURA PÓS-MODERNA EM CONJUNTOS


EDIFICADOS DE VALOR PATRIMONIAL MODERNO E COLONIAL

Pedro Henrique Gomes Cardoso D'ávila


(pedro.davila@brasiliaeducacional.com.br)

Christine R Mahler (christine.ramos@ufg.br)

Ana Amélia De Paula Moura Ribeiro (anadepaulamoura@hotmail.com)

As intervenções dos 3 Arquitetos – Éolo Maia, Jô Vasconcellos e Sylvio de


Podestá – em sítios de valor patrimonial foram relevantes para o pós-
modernismo mineiro. Dentre elas, a discussão sobre dois conjuntos na década
de 1980: o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves – Rainha da Sucata
(1984/1991) – em Belo Horizonte e a Casa do Arcebispo (1982/87) em
Mariana. Estas áreas salvaguardadas, de diferentes temporalidades e
concepções, sofreram intervenções por parte da equipe pós-moderna e são
objeto de análise neste trabalho. O debate das ideias arquitetônicas de
liberdades formais de Maia, Jô e Podestá tornam-se, a partir desta inserção em
diferentes paisagens mineiras, uma questão importante para a compreensão
das transformações do Brasil no final do século XX. O objetivo é identificar as
decisões de projeto adotadas pelo grupo de arquitetos, quanto à linguagem,
organização espacial, inserção urbana e quanto às diretrizes de intervenção
em pré-existências: a condição original do entorno construído dos referidos
espaços e as apropriações arquitetônicas derivadas da releitura do mesmo. A
metodologia abrangerá os estudos de casos, com abordagem documental e
historiográfica, com destaque para formação do pós-modernismo nacional e
internacional, bem como do escritório 3 Arquitetos (1981-1988) como forma de
entender o processo tardio do pós-modernismo no Brasil. Assim, a pesquisa
discute critérios de intervenções em pré-existência a partir de autores de
referência, conta com análises gráficas das peças arquitetônicas e fontes
primárias (periódicos, entrevistas, jornais, boletins e revistas). Como
contribuição, pretende-se dar visibilidade à discussão da arquitetura pós-
moderna e sua contribuição em intervenções em pré-existências na
historiografia brasileira.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

URBANIZAÇÃO E MINERAÇÃO NA CONSERVAÇÃO DA


BIODIVERSIDADE, DA GEODIVERSIDADE E DA SOCIODIVERSIDADE:
DESAFIOS E IMPASSES PATRIMONIAIS NA HISTÓRICA SERRA DA
MOEDA/MG, EIXO SUL DA GRANDE BH

Joana Darc Maria De Souza (piedadedoparaopeba@yahoo.com.br)

Vagner Luciano De Andrade (trezeagosto@yahoo.com.br)

A urbanização e a mineração trazem diferentes panoramas sustentáveis e


insustentáveis, dos quais s Arquitetura não pode se furtar. A busca por eixos de
ensino que valorizem metodologias inovadoras, além de ferramentas,
instrumentos e práticas de geomorfologia nos diversos níveis acadêmicos se
ampliam. Exemplo disso, são os estudos epistêmicos da mesma, com a
discussão de proposições que auxiliem e embasem a conservação da
biodiversidade, da geodiversidade e da sociodiversidade. No eixo sul da
Grande BH (MG), na histórica Serra da Moeda (trecho entre a Serra das Almas
e a Serra do Mascate), localizam-se cenários ideais para atividade de ensino e
aprendizagem da Geomorfologia em conexão com Ecologia, Geografia e
História. Assim, o presente trabalho destina-se a apresentar desafios e
impasses, tendo a paisagem da serra como referência, esboçando seus
potenciais metodológicos em diversas áreas do conhecimento, especialmente
vinculados à revisão do modelo societário devastador que se alarga.
URBANIZAÇÃO E MINERAÇÃO NA CONSERVAÇÃO DA
BIODIVERSIDADE, DA GEODIVERSIDADE E DA
SOCIODIVERSIDADE: desafios e impasses patrimoniais na
histórica Serra da Moeda/MG, eixo sul da Grande BH
ANDRADE, Vagner Luciano de (1);

1. Rede Ação Ambiental, Programa Agente Ambientais em Ação.


Rua Vinte e Seis, 85, Zona Rural – Bela Vista (CEP 32.421-020)
Ibirité - MG. E-mail: reacao@yahoo.com

RESUMO

Estudos recentes demostram que o ensino ambiental, é crucial para a


requalificação da caótica realidade enfrentada no século XXI, com tantos conflitos
e impactos ambientais. A conservação da biodiversidade, e em especial, da
geomorfologia é indispensável ao desenvolvimento pleno do ser humano. A
urbanização e a mineração trazem diferentes panoramas sustentáveis e
insustentáveis, dos quais s Arquitetura não pode se furtar. A busca por eixos e
teorias de ensino que valorizem metodologias inovadoras, além de ferramentas,
instrumentos e práticas de geomorfologia nos diversos níveis acadêmicos se
ampliam. Exemplo disso, são os estudos epistêmicos da mesma, com a discussão
de proposições que auxiliem e embasem a conservação da biodiversidade, da
geodiversidade e da sociodiversidade. No eixo sul da Grande BH (MG), na histórica
Serra da Moeda (trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate), localizam-
se cenários ideais para atividade de ensino e aprendizagem da Geomorfologia em
conexão com Ecologia, Geografia e História. Assim, o presente trabalho destina-se
a apresentar desafios e impasses, tendo a paisagem da serra como referência,
esboçando seus potenciais metodológicos em diversas áreas do conhecimento,
especialmente vinculados à revisão do modelo societário devastador que se alarga.

Palavras chave: Mineração, Impactos, Patrimônio, Paisagem, Urbanização.

INTRODUÇÃO

A Serra da Moeda (Figura 01) é um importante recorte espacial localizado à


oeste do território do Quadrilátero Ferrífero e no seu entorno percebem-se
diferentes panoramas sustentáveis e insustentáveis com impactos diretos e
indiretos ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, quase todos vinculados à
mineração e urbanização. Os primeiros europeus a circundarem pela região onde
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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
se encontra o atual município de Moeda foram sertanistas das expedições do
Bandeirante Fernão Dias Paes Leme, que descobriam os vales dos rios Grande,
Pará, Paraopeba, São Francisco e Velhas a procura de minerais preciosos e
indígenas para aprisionamento.

Figura 01 - Serra da Moeda


Fonte: https://cbhvelhas.org.br/noticias/conheca-e-preserve-serra-da-moeda/

Nesse contexto, os estudos interdisciplinares, desde a educação básica, até


o ensino superior, passando pela formação técnica-profissionalizante abordam
temas que se caracterizam pela diversidade de cenários e paisagens em
Geomorfologia. No trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate
predominam acervos naturais, memórias coletivas e narrativas ecológicas que
vocacionam múltiplas atividades na área do geoturismo. De acordo com o CBH
Velhas (2017)
Situada a 25 km de Belo Horizonte, a Serra da Moeda é uma ótima opção
de passeio para quem deseja apreciar uma das vistas mais especulares
das serras mineiras. A Serra da Moeda faz parte da cadeia montanhosa
da Serra do Espinhaço e possui uma extensão que abrange oito
municípios mineiros: Brumadinho, Moeda, Belo Vale, Jeceaba,
Congonhas, Itabirito, Rio Acima e Nova Lima. A conservação do complexo
montanhoso da Moeda é de grande importância para as bacias
hidrográficas dos rios das Velhas e Paraopeba, pois a região conserva
água subterrânea em abundância. Na Serra os visitantes podem fazer
caminhadas, conhecer cachoeiras e ruínas históricas. Além disso, podem
se aventurar em uma rampa natural para os praticantes de asa delta e
parapente.

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Durante o apogeu do ciclo do ouro em Minas Gerais, após determinação da
Coroa Portuguesa em instalar casas de fundição de moedas oficiais na colônia,
onde se pagaria o quinto do ouro, e se proibiria o comércio de ouro em pó, ocorreu
uma insurreição entre os principais produtores mineiros. O episódio ocorrido, na
capital, Vila Rica ficou notório e findou com a execução de Filipe dos Santos, a
principal liderança. Os mineradores buscaram outros pontos para encontrar novas
minas de ouro e a serra do Paraopeba e suas múltiplas estradas e trilhas
sobrevieram a serem empregadas para contrabando da produção. Baeta (2015, p.
177).
Em 1803, através do Alvará de 3 de maio, proibiu-se a circulação do ouro
em pó, substituto da moeda em transações comerciais e reduziu-se o
quinto à metade, em uma tentativa de diminuir a sonegação e incentivar a
produção mineral. A abertura dos portos em 1808 permitiu aos
comerciantes ingleses introduzir produtos manufaturados no mercado da
colônia. Após a independência do Brasil, em 1822, com a liberação da
explotação mineral para empresas estrangeiras, tomou-se um novo rumo
na extração do metal aurífero nas minas (FÉLIX, 1988:57-59). Essa nova
fase teria início, na verdade, pouco antes, com a criação por Eschwege
em 1819, da primeira sociedade mineradora do Brasil, denominada
‘Sociedade Mineralógica da Passagem de Mariana’.

Na vertente oriental da serra do Paraopeba, num lugar oculto dos caminhos


reais por onde circulavam os ouvidores da Coroa que vigiavam a produção de ouro,
um fazendeiro chamado Inácio de Souza Ferreira edificou uma fundição
clandestina para produção de moedas, conhecida como Casa de Moeda Falsa do
Paraopeba, ou Casa de Fundição de São Caetano, que funcionou por anos, até ser
desativada a mando do ouvidor geral Diogo Cotrim de Souza em 1731. Campos
(2011, p. 17-18) disserta que:
No tocante à conjuntura histórica da região, sabe-se que a ocupação e
colonização europeia deram-se a partir de fins do século 17, em função
da exploração das jazidas minerais no contexto do denominado “Ciclo do
Ouro”. Nesta oportunidade, esse mineral atraiu toda sorte de aventureiros,
degredados e paulistas que penetraram nos sertões das Gerais, terras
pertencentes à Capitania do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
Dentre as primeiras bandeiras que colonizaram a região, cita-se a
expedição liderada pelo sertanista Fernão Dias Paes que no ano de 1674,
saiu de São Paulo rumo às Minas Gerais com o objetivo duplo de
encontrar esmeraldas e de ocupar o território por ele percorrido. Segundo
Augusto de Lima Júnior, apesar de outras bandeiras já terem desbravado
as paragens das Minas Gerais, foi a partir da exploração de Fernão Dias
que se deu o efetivo povoamento deste território (LIMA JÚNIOR, 1962, p.
19).

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Presentemente a edificação está em ruínas. Nessa conjuntura, a região de
Moeda e adjacências caracteriza-se pela exploração intensiva de minério de ferro
trazendo impactos expressivos sobre a biodiversidade e à geodiversidade local.
Para Campos (2011, p. 17-18):
Os membros das caravanas e outros posseiros, povoadores e demais
interessados, estabeleceram-se e construíram ranchos e edificações
provisórias que, posteriormente, deram origem aos primeiros núcleos
populacionais com suas igrejas permanentes. Inicialmente, a descoberta
do ouro foi o principal fator para o adensamento populacional na região
das Minas. Arraiais e núcleos proto-urbanos começavam a se delinear
seguindo a topografia irregular do terreno e privilegiando os pontos mais
altos da localidade, opção que se deu tanto pelo favorecimento das
condições defensivas quanto em respeito à antiga crença católica que
acreditava que um segundo dilúvio poderia atingir a Terra. De modo geral,
o patrimônio arqueológico e arquitetônico da região e do entorno da Serra
da Moeda reflete a influência dos ambientes montanos na implantação e
organização dos espaços construídos.

O trecho da Serra da Moeda, sofre influência direta da urbanização advinda


da capital e de municípios ao sul da Grande BH, principalmente após a
consolidação do empreendimento no entorno da Lagoa Grande (Represa dos
Ingleses) ameaçando remanescentes florestais e recursos hídricos. A ampliação
da Centralidade Alphaville foi relatada no site da Universidade Federal de Minas
Gerais (2018):
A construção da C-Sul, Centralidade-Sul Lagoa dos Ingleses, pode afetar
a disponibilidade de água na Serra da Moeda, por onde passam rios das
bacias do Paraopeba e Rio das Velhas, responsáveis pelo abastecimento
da região metropolitana de Belo Horizonte. Opinião é do coordenador do
projeto Manuelzão da UFMG, professor Marcus Polignano, colunista de
Meio Ambiente, no Jornal UFMG. O empreendimento aguarda
licenciamento ambiental, decisão que deve ficar para o dia 25 de
setembro. Ontem, o Copam, Conselho de Política Ambiental da Secretaria
de Estado de Meio Ambiente, adiou a decisão após pedido de vista por
parte de dois conselheiros. A área deve formar praticamente uma nova
cidade até 2060 e receber cerca de 150 mil pessoas.

ÁREA DE ESTUDO

Moeda, um trecho da Estrada Real, é uma municipalidade brasileira inserida


no território central do estado de Minas Gerais. Encontra-se a uma latitude
20º19'59" sul e a uma longitude 44º03'10" oeste, estando a uma altitude de 812
metros. Sua população estimada em 2014 era de 4 903 moradores. Possui uma
área de 154,764 km². Moeda oferece a oportunidade de se conhecer a Casa de

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Moeda, responsável pelos topônimos da serra da Moeda (Figura 02), bem como do
município de Moeda. Presentemente, o município é constituído por dois distritos,
Coco e Sede, e subordinado à Comarca de Belo Vale. O município também pode
ser divido em duas regiões histórico-geográficas: Moeda Nova (Sede Municipal) e
Moeda Velha (São Caetano).

Figura 02 - Localização da Serra da Moeda (trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate)
Fonte: http://redesocioambientalserradamoeda.blogspot.com/2010/03/serra-da-moeda-ganha-
projeto.html

O município está situado a 59 quilômetros da capital, Belo Horizonte, sendo


acessado pelas rodovias BR-040 e MG-825 (Rodovia Paulo Alves do Carmo).
Historicamente, a região era marcada por uma ferrovia, a antiga Linha do
Paraopeba da EFCB - Estrada de Ferro Central do Brasil, que margeava toda a sua
extensão territorial e que se acha hoje cedida ao transporte de cargas em especial,
de minério de ferro e manganês. O transporte ferroviário de passageiros na cidade
se encontra desativado desde a década de 1990. Moeda pertenceu como distrito
instituído em 1938 a vários municípios e foi elevado à condição de município pela
Lei Estadual nº 1.039 de 12 de dezembro de 1953, separando-se de Belo Vale. A
Plataforma IPatrimônio (2021) descreve que:
A História do Município de Moeda tem início por volta do final do
século XVII, com a chegada dos bandeirantes paulistas, mais
precisamente da Bandeira de Fernão Dias Paes e, ainda dos ambiciosos
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portugueses em busca das riquezas minerais, durante o processo inicial
da colonização da Província de Minas Gerais.
Em tempos remotos, foram encontrados utensílios indígenas,
pelas imediações da sede, que comprova a existência de tribos selvagens,
como os primeiros habitantes.
O território que hoje integra o Município de Moeda, começa a criar
forma no início dos anos de 1700, Brasil-Colônia, quando alguns
portugueses, para fugir dos altos impostos do quinto do ouro, construíram
no meio da mata, na base da Serra, um casarão denominado de “Fazenda
Boa Memória” ou “Fazenda Boa Vista”. A construção tornou-se a primeira
fundição clandestina de moedas falsas do País. Anos mais tarde, após
prisão dos falsificadores, os moradores da região identificaram o casarão
como “Fazenda da Moeda”. Após esse fato os moradores da região
batizaram a serra que até então se chamava “Serra do Paraopeba”, com
o nome de “Serra da Moeda”.
Com a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil,
o povoado começou a prosperar, recebendo novos moradores. Com o
término dos trabalhos de construção da ferrovia, muitos dos trabalhadores
nela empregados se fixaram em Moeda, onde foi erguida uma pequena
igreja dedicada a São Caetano, povoado que veio a denominar-se “São
Caetano da Moeda”, mais tarde Moeda.

Neste contexto, o presente trabalho, objetiva apresentar as paisagens da


mineração e da Serra da Moeda, (trecho entre a Serra das Almas e a Serra do
Mascate) nos municípios de Belo Vale, Congonhas, Itabirito e Moeda, destacando
os impasses na geoconservação da paisagem local com vistas à sua apropriação
como elemento didático e plataforma pedagógica. Lemos e Paiva (2010, p. 08-09)
relata muito bem esta questão da paisagem e sua historicidade:
Outros elementos também têm presença marcante, podendo-se destacar
os antigos calçadões de pedra, as muitas ruínas, os sítios históricos,
como, por exemplo, São Caetano da Moeda, um dos mais antigos da
região, onde, frente a um grande pátio murado de pedras situam-se a
antiga matriz e ruínas do que parece ser uma torre fortificada. São
Caetano situa-se no topo de uma colina, emoldurado pela Serra da Moeda
que, nesse local é marcada por uma alta escarpa que torna o cenário
impressionante. Além dessa, pequenos povoados encravados nos rincões
das encostas, como Vila Coco e Marinho da Serra, em Moeda, ou Boa
Morte, em Belo Vale, ou mesmo São Gonçalo do Bação em Itabirito; estes
ainda preservam muito da estrutura dos assentamentos originais e dos
costumes que remontam às origens do povoamento da região. Antigas
estradas pavimentadas com grandes lajes de pedra sobem pelas encostas
íngremes, descortinando toda a paisagem que, de resto, constitui — ela
mesma — a marca maior de toda a região, caracterizada tradicionalmente
pela produção de gêneros de abastecimento e onde o moinho d’água mais
parece como o símbolo maior, pontuando as encostas dos vales estreitos,
produzindo o fubá famoso da região, base importante na culinária mineira
tradicional.

METODOLOGIA

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A metodologia consiste em ampla revisão bibliográfica acerca das
abordagens interdisciplinares que utilizam a serra (Figura 03) enquanto recorte
especial de pesquisa, evidenciando sua importância histórico-cultural. Segundo a
Plataforma IPatrimônio (2021), “a Serra da Moeda foi tombada pela Prefeitura
Municipal de Moeda-MG por sua importância cultural para a cidade”. Lemos e Paiva
(2010, p. 08) declara que:
Em resumo, a variedade paisagística tanto do patrimônio urbano e rural
quanto do natural configura-se na presença de um conjunto de
intervenções humanas peculiares e singulares. São as terras cultivadas,
as obras vernaculares de engenharia, como as redes d'águas, o casario,
as benfeitorias genuínas como os fornos, os estábulos e os muros de
pedra, que marcam a história e o desenvolvimento local. E isso
complementado pelos povoados e passagens remotas, travessias,
pontes, caminhos antigos, marcos e monumentos, edificações,
fortificações e templos religiosos, que materializam este tão diversificado
e relevante patrimônio. Por fim, é relevante enfatizar a forte e marcante
presença das cumeadas da Serra em todas essas paisagens, sendo que
a sua preservação se torna decisiva para a manutenção e prosperidade
das pessoas, lugares, locais, cenários, que configuram os estilos de viver
da região. A Serra e a sua paisagem são constituintes de um arcabouço
simbólico do criar, produzir e viver em Minas Gerais.

Figura 03 - Ruinas da cunhagem clandestina de moedas de ouro


Fonte: https://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/moeda/cacadao-moeda-velha

Assim, preservar a serra da Moeda, no trecho minerário entre a Serra das


Almas e a Serra do Mascate (Figura 04) é emergencialmente necessário motivando
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as comunidades locais a perceberem a serra como um ícone de referência na
paisagem corriqueira, enfatizando sua preservação, contrapondo-se à mineração e
à descaracterização da paisagem. Segundo o site IPatrimônio (2021), o
Tombamento se deu por meio do Decreto Municipal n° 006/2004:
Descrição: Basta percorrer um caminho de apenas 25 quilômetros,
partindo do centro Belo Horizonte, para ter a oportunidade de deslumbrar-
se com um dos ângulos mais fantásticos das montanhas mineiras. Com
uma extensão de 70 quilômetros, a Serra da Moeda se destaca pela
beleza e por apresentar condições favoráveis para a prática do voo livre.
A cordilheira tem, aproximadamente, 1.500 metros de altitude e
possui uma rampa natural que atrai, principalmente nos finais de semana,
pilotos de parapente e asa-delta de diversos lugares do mundo. Para
quem prefere se aventurar com os pés no chão, uma das alternativas é
caminhar pelas trilhas ecológicas. Eventualmente, o local ainda conta com
atrações diversificadas como cavalgadas e passeio de balão.
Muitas pessoas associam a Serra apenas ao município de Moeda,
no entanto, a série de montes se estende até as cidades de Brumadinho,
Nova Lima, Itabirito, Belo Vale e Ouro Preto. Estudiosos afirmam que a
origem do nome está ligada ao registro histórico de que a região teria
abrigado a primeira fábrica clandestina de dinheiro no Brasil, ainda nos
tempos de colônia. Atualmente, as maiores riquezas do local são o
turismo, a gastronomia e, em alguns pontos, a exploração de minério de
ferro.

Figura 04 - Paisagens da Serra da Moeda (trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate)
Fonte:
https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/Abrace_a_Serra_da_Moeda_Nao_a_exploracao_
da_Serra_da_Moeda_pela_Gerdau/

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Lemos e Paiva (2010, p. 02) dizem que a serra “constitui com conjunto
montano definido por um sinclinal que se estende longitudinalmente por cerca de
50 quilômetros norte–sul, da Serra do Rola Moça, em Nova Lima, a Jeceaba”. Os
autores descrevem que larguras variando de 3 a 10 quilômetros no sentido leste –
oeste. Para eles a serra “insere-se no Quadrilátero Ferrífero, em meio aos rios das
Velhas (a leste) e Paraopeba (a oeste), dividindo suas bacias e contribuindo
grandemente com inúmeros cursos d’água”. Lemos e Paiva (2010, p. 02) expõem
que a “altitude varia dos 800 aos 1.600 metros (1.628 metros do Pico da Bandeira,
na Serra da Bandeirinha, Casa de Pedra, município de Congonhas), sendo uma
das poucas áreas do Estado com altitudes superiores a 1.500 metros”. O artigo
afirma que “também coexistem nesse conjunto importantes ecorregiões: a Mata
Atlântica, o Cerrado e a Mata Seca”. Por outro lado, a área insere-se no imaginário
coletivo mineiro em face das histórias de cunhagem clandestina de moedas de ouro
em tempos de Brasil Colônia (Tabela 1). Assim, consolida-se enquanto paisagem
cultural, ecológica e geológica ameaçada. O portal do Governo do Estado de Minas
Gerais (s/d) relata que:
A operação Serra da Moeda, coordenada pelo Comitê Gestor de
Fiscalização Ambiental Integrada (CGFAI) do SISEMA, fiscaliza
empreendimentos em sete municípios da região: Itatiaiuçu, Brumadinho,
Rio Acima, Itabirito, Congonhas, Belo Vale e Moeda. Desencadeada no
dia 21 de julho, a operação seria finalizada no dia 25, mas foi estendida
até a próxima sexta (01/08). "Para fiscalizar o grande número de
empresas localizadas na Serra e garantir uma verificação adequada de
todos os aspectos ambientais foi necessário o prolongamento da ação",
explica o coordenador da operação e gerente de Fiscalização Ambiental
da FEAM, Gilberto Soares. A ação teve como principal objetivo as
empresas de mineração, principal atividade econômica da região. Entre
os dias 21 e 25 de julho, 25 empresas foram fiscalizadas. Oito delas foram
autuadas e seis fechadas: três mineradoras, duas empresas de extração
de areia e um matadouro. No total, foram aplicados cerca de R$ 520 mil
em multas. As empresas cujas atividades foram paralisadas terão 20 dias
para solicitar a regularização junto ao SISEMA. Na sexta (25), os agentes
vistoriaram a mina Várzea do Lopes, da Gerdau Açominas, no município
de Itabirito. A empresa teve suas atividades suspensas por liminar
concedida no dia 22 de julho de 2008, pelo juiz Manoel dos Reis Morais,
da 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual, porém a fiscalização do
empreendimento já estava prevista no cronograma da operação. Gilberto
Soares afirma que apesar de cumprir a determinação da Justiça, a área
da mina apresenta diversas irregularidades como a utilização de água e
intervenções em Áreas de Preservação Permanente sem autorização. A
empresa foi multada em R$ 208 mil.

TABELA 1
Patrimônio histórico-cultural
Belo Vale Estação Ferroviária Arrojado Lisboa

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Belo Vale Estrada Carroçável da Serra dos Mascates/Boa Morte
Belo Vale Fazenda Boa Esperança (Boa Morte)
Belo Vale Fazenda Córrego da Areia (Arrojado Lisboa)
Belo Vale Fazenda do Barão (Arrojado Lisboa)
Belo Vale Fazenda Santa Cecília (Chacrinha dos Pretos)
Belo Vale Fazenda Santa Cruz (Arrojado Lisboa)
Belo Vale Galeria de Mineração da Serra dos Mascates (Boa Morte)
Belo Vale Habitação Rural no Pé da Serra do Esmeril
Belo Vale Muro de Pedras da comunidade de Boa Morte (Ribeirão dos Paiva ou Pedra)
Belo Vale Núcleo Urbano de Boa Morte
Belo Vale Sítio Arqueológico e Comunidade Chacrinha dos Pretos
Belo Vale Sítio Pré-Histórico da Fazenda dos Paiva ou Pedra
Moeda Comunidade Rural da Mata da Conceição (São Caetano da Moeda).
Moeda Estrada Carroçável de São Caetano da Moeda
Moeda Estrada Cavaleira da Grota dos Antunes
Moeda Estrada Cavaleira da Serra das Almas
Moeda Fazenda Contendas
Moeda Fazenda da Barra do Gentio
Moeda Fazenda da Cachoeira (Moeda Velha)
Moeda Fazenda da Grota (Porto Alegre)
Moeda Fazenda dos Azevedo (Marinho da Serra)
Moeda Habitação Rural da Grota dos Antunes
Moeda Muro de Pedras da Fazenda da Barra
Moeda Muro de Pedras da Fazenda Santo Antônio (Ribeirão dos Paiva ou Pedra)
Moeda Muro de Pedras do Córrego Pedra Vermelha
Moeda Núcleo Urbano Marinho da Serra
Moeda Ruínas da Serra de São Caetano da Moeda
Moeda Ruínas de São Caetano da Moeda
Moeda Sítio Pedra Negra
Fonte: adaptado de Campos (2011, p. 26-29

Realizou-se a consulta a artigos que elencassem aspectos do meio físico,


com ênfase na geodiversidade com análise profícuas de climatologia, geologia,
geomorfologia, espeleologia, pedologia e recursos hídricos. O meio biológico da
serra também foi alvo de pesquisa e consulta com priorização de dados da
biodiversidade local em termos de vegetação, apifauna, ictiofauna, herpetofauna,
avifauna e mastofauna. Por último, se consultou dados inerentes ao meio antrópico
(sociodiversidade) com elementos de ordenamento territorial, aspectos históricos,
arqueologia, patrimônio cultural, uso público, aspectos socioeconômicos, incêndios
florestais, estruturas no entorno, entidades representativas, educação ambiental,
participação popular, aspectos fundiários e aspectos institucionais. O Portal G1
(2013) alega que:
O excesso de turistas de Veneza e a guerra civil na Síria estão destruindo seu
legado arquitetônico e cultural, alertou nesta terça-feira a organização World
Monuments Fund (WMF), que incluiu um local brasileiro na lista de 67
monumentos em 41 países que correm risco de deterioração. A Serra da
Moeda é o único sítio brasileiro a entrar na lista, por causa de ameaças
naturais e da intervenção humana no meio ambiente. No Brasil somente o
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Centro Histórico de Salvador está incluído na lista. A região da Serra da
Moeda, no interior de Minas Gerais, foi descoberta por bandeirantes paulistas
em busca de ouro. Ali hoje existem sítios arqueológicos pré-históricos com
pinturas rupestres e cerâmicas; grutas e cavernas criadas pela escavação de
minério de ferro e ruínas históricas, como o Forte de Brumadinho, a Fábrica
de Moedas Falsas de São Caetano e a Fábrica de Ferro Patriótica.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O turismo ecológico, geológico e sobretudo escolar, na Serra da Moeda, é


dádiva a promover novos elos de sustentabilidade envolvendo a população e
protagonizando diferentes meios de proteção do monumento natural,
resguardando-o de possíveis impactos minerários e de outras matrizes econômicas
insustentáveis. Para a Prefeitura Municipal de Moeda (2017):
Basta percorrer um caminho de apenas 25 quilômetros, partindo do centro
Belo Horizonte, para ter a oportunidade de deslumbrar-se com um dos
ângulos mais fantásticos das montanhas mineiras. Com uma extensão de
70 quilômetros, a Serra da Moeda se destaca pela beleza e por apresentar
condições favoráveis para a prática do voo livre. A cordilheira tem,
aproximadamente, 1.500 metros de altitude e possui uma rampa natural
que atrai, principalmente nos finais de semana, pilotos de parapente e
asa-delta de diversos lugares do mundo. Para quem prefere se aventurar
com os pés no chão, uma das alternativas é caminhar pelas trilhas
ecológicas. Eventualmente, o local ainda conta com atrações
diversificadas como cavalgadas e passeio de balão. Muitas pessoas
associam a Serra apenas ao município de Moeda, no entanto, a série de
montes se estende até as cidades de Brumadinho, Nova Lima, Itabirito,
Belo Vale e Ouro Preto. Estudiosos afirmam que a origem do nome está
ligada ao registro histórico de que a região teria abrigado a primeira fábrica
clandestina de dinheiro no Brasil, ainda nos tempos de colônia.
Atualmente, as maiores riquezas do local são o turismo, a gastronomia e,
em alguns pontos, a exploração de minério de ferro.

O trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate (Figura 05), constitui-
se significativo patrimônio cultural e natural. O estudo centrou-se na área da MONA
- Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda criado pelo governo estadual
para proteger paisagens e patrimônios da serra, através do decreto estadual nº
45.472, de 21 de setembro de 2010:
Cria o Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda, nos
Municípios de Moeda e Itabirito, e dá outra providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no uso de
atribuição que lhe confere o inciso VII do art. 90, da Constituição do
Estado, e tendo em vista o disposto na Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho
de 2000, no Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e na
Lei nº 14.309, de 19 de junho de 2002, DECRETA:
Art. 1º Fica criado o Monumento Natural Estadual da Serra da
Moeda, integrante do Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Sul da Região

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Metropolitana de Belo Horizonte - SAP Vetor Sul, nos Municípios de
Moeda e Itabirito, com área de 2.372,5572ha e perímetro de 61.663,43m.
Art. 2º Ficam declarados de utilidade pública e de interesse social,
para desapropriação de pleno domínio, mediante acordo ou judicialmente,
terrenos e benfeitorias necessários à implantação do Monumento Natural
Estadual da Serra da Moeda, observado o disposto no § 2º do art. 12 da
Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
(...)
Art. 4º São declarados essenciais aos objetivos do Monumento
Natural Estadual da Serra da Moeda os seguintes aspectos:
I - o patrimônio espeleológico;
II - a conectividade biológica e hidrológica;
III - as nascentes e ressurgências; e
IV - a conformação de um corredor ecológico entre o Monumento
Natural da Serra da Moeda e Estação Ecológica de Aredes.
Art. 5º O Instituto Estadual de Florestas - IEF fica autorizado a
promover a desapropriação de pleno domínio das áreas descritas no art.
3º, podendo, para efeito de imissão na posse, alegar a urgência, de que
trata o art. 15 do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
Art. 6º Compete ao IEF implantar e administrar o Monumento
Natural Estadual da Serra da Moeda e, no prazo de cento e oitenta dias,
contados da data da publicação deste Decreto, constituir o Conselho
Consultivo da unidade de conservação.
Art. 7º O IEF, mediante instrumento próprio de cooperação,
desenvolverá ações de parcerias com os municípios que integram o SAP
Vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, bem como com
organizações de natureza pública ou privada, para o desenvolvimento das
atividades próprias da unidade de conservação de que trata este Decreto.
Art. 8º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Tiradentes, em Belo Horizonte, aos 21 de setembro de
2010; 222º da Inconfidência Mineira e 189º da Independência do Brasil.
ANTONIO AUGUSTO JUNHO ANASTASIA, Carlos Alberto
Pavan Alvim, Renata Maria Paes de Vilhena, José Carlos Carvalho

Figura 05 - Vista Panorâmica da Serra da Moeda


Fonte: http://www.moeda.mg.gov.br/turismo/roteiros-turisticos/serra-da-moeda/
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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
O Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda tem limites, medidas e
confrontações vinculados à mineração e urbanização: o Condomínio Aconchego da
Serra, o Condomínio Villa Bella, a Rodovia BR-040, sentido Rio de Janeiro, a
Fazenda Várzea do Lopes, o Sítio Lagartixa, a propriedade da Vale (Fazenda
Vargem do Caranga - Gleba D), a propriedade da Vale (Fazenda Lagoa das Casas
Velhas), o Santuário Serra da Moeda, a Lagoa dos Ingleses S/A e a Funchal Ltda.
A Portaria nº 473, de 28 de dezembro de 2018, por sua vez, reconheceu:
o Mosaico de Unidades de Conservação Federal da Serra do
Espinhaço - Quadrilátero Ferrífero.
O MINISTRO DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, no uso de suas
atribuições, e tendo em vista o disposto na Lei n. 9.985, de 18 de julho de
2000, no Decreto n. 4.340 de 22 de agosto de 2002, na Portaria MMA n.
482, de 14 de dezembro de 2010, e no Processo Administrativo n.
02000.020974/2018-72, resolve:
Art. 1º Reconhecer o Mosaico da Serra do Espinhaço -
Quadrilátero Ferrífero como mosaico de unidades de conservação no
Estado de Minas Gerais, abrangendo as seguintes unidades de
conservação e respectivas zonas de amortecimento:

I - sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da


Biodiversidade - Instituto Chico Mendes:
a) Parque Nacional da Serra do Gandarela;
II - sob a gestão do Instituto Estadual de Florestas de Minas
Gerais - IEF: a) Área de Proteção Ambiental Sul - RMBH; b) Área de
Proteção Ambiental Cachoeira das Andorinhas; c) Área de Proteção
Ambiental Seminário Menor de Mariana; d) Estação Ecológica de Arêdes;
e) Estação Ecológica do Cercadinho; f) Estação Ecológica de Fechos; g)
Estação Ecológica do Trupuí; h) Floresta Estadual do Uaimii; i)
Monumento Natural Estadual de Itatiaia; j) Monumento Natural Estadual
Serra da Moeda; k) Monumento Natural Serra da Piedade; l) Parque
Estadual da Baleia; m) Parque Estadual do Itacolomi; n) Parque Estadual
Serra do Ouro Branco; o) Parque Estadual Serra do Rola Moça;
III - sob a gestão da Fundação de Parques e Zoobotânica de Belo
Horizonte/MG: a) Parque Fort Lauderdale; b) Parque Ecológico Roberto
Burle Marx; c) Parque Municipal das Mangabeiras; d) Parque da Serra do
Curral; e) Parque Aggeo Pio Sobrinho; e f) Parque Mata das Borboletas;
IV - sob a gestão da Prefeitura Municipal de Ouro Preto/MG: a)
Parque Natural Municipal das Andorinhas; b) Parque Natural Municipal
Arqueológico do Morro da Queimada; c) Parque Natural Municipal Gruta
Nossa Senhora da Lapa;
V - sob a gestão da Prefeitura Municipal de Sabará/MG: a) Parque
Natural Municipal Chácara do Lessa;
VI - sob gestão de proprietários de Reservas Particulares do
Patrimônio Natural - RPPN: a) Reserva Particular do Patrimônio Natural
Santuário Caraça.
Art. 2º O Mosaico da Serra do Espinhaço - Quadrilátero Ferrífero
contará com o apoio de um Conselho Consultivo, que atuará como
instância de gestão integrada das unidades de conservação constantes
do art. 1º desta Portaria.
Art. 3º O Conselho do Mosaico da Serra do Espinhaço -
Quadrilátero Ferrífero terá a seguinte composição:
I - representação governamental: a) uma cadeira para
representante das Unidades de Conservação Federais; b) três cadeiras
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para representantes das Unidades de Conservação Estaduais; c) três
cadeiras para representantes das Unidades Conservação Municipais; d)
uma cadeira para representante do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis - Superintendência de Minas Gerais;
e) uma cadeira para representante do Ministério Público de Minas Gerais;
II - representação da sociedade civil: a) duas cadeiras para
representantes das Reservas Particulares do Patrimônio Natural; b) uma
cadeira para representante das Comunidades Tradicionais; c) duas
cadeiras para representantes das Instituições de ensino, pesquisa e
extensão com atuação na região do Mosaico; d) uma cadeira para
representante de empresas do setor público ou privado com atuação na
região do Mosaico; e) duas cadeiras para representantes de Organizações
não governamentais ambientalistas com atuação na região do Mosaico; f)
uma cadeira para representante do setor extrativista; g) uma cadeira para
representante da associação de municípios.
Parágrafo único. É facultada a indicação de um ou mais suplentes
para cada cadeira, pertencente ou não à mesma instituição do membro
efetivo.
Art. 4º Compete ao Conselho do Mosaico da Serra do Espinhaço
- Quadrilátero Ferrífero:
I - elaborar seu regimento interno, no prazo de noventa dias,
contados da sua instituição;
II - propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e
otimizar:
a) as atividades desenvolvidas em cada unidade de conservação
integrante do Mosaico, tendo em vista, especialmente: 1. os usos na
fronteira entre unidades; 2. o acesso às unidades; 3. a fiscalização; 4. o
monitoramento e avaliação dos Planos de Manejo; 5. a pesquisa científica;
6. a alocação de recursos advindos da compensação referente ao
licenciamento ambiental de empreendimentos com significativo impacto
ambiental;
b) a relação com a população residente na área do Mosaico;
III - manifestar-se sobre propostas de solução para a
sobreposição de unidades;
IV - manifestar-se, quando provocado por órgão executor, por
conselho de unidade de conservação ou por outro órgão do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - Sisnama, sobre assunto de interesse para a
gestão do mosaico.
Art. 5º O Conselho do Mosaico será presidido por um dos chefes
das unidades de conservação que o compõem, a ser escolhido pela
maioria simples de seus membros.
Art. 6º O mandato de Conselheiro será de dois anos, renovável
por igual período, não remunerado e considerado atividade de relevante
interesse público.
Art. 7º O Conselho do Mosaico poderá convidar representantes
de outros órgãos governamentais, não governamentais e pessoas de
notório saber para contribuir na execução dos trabalhos.
Art. 8º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
EDSON DUARTE

A discussão junto às comunidades locais inseridas no trecho entre a Serra


das Almas e a Serra do Mascate acerca de sua transformação em parque estadual
e consecutiva ampliação da área oficial de conservação se mostram perspectivas

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
viáveis num futuro próximo. A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
(2009, p. 45) reforça que:
A região norte do Sinclinal de Moeda, nos seus limites com as Serras do
Rola-Moça e do Curral, já conta com áreas gravadas como de proteção
ambiental desde o início da década de 1980. Na época, foram
estabelecidas sete Áreas de Proteção Especial – APEs – com a finalidade
de preservar mananciais destinados ao abastecimento público de água da
Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH. Entre essas APEs, a de
Catarina, com 497 ha, e a de Fechos, com 476 ha, abrangem parte do
extremo norte da Serra da Moeda, na denominada Serra da Calçada.
Além dessas, há outras unidades de proteção ambiental que se projetam
sobre terras da Serra da Moeda: APA SUL RMBH – unidade estadual de
uso sustentável, que engloba todo o setor centro-norte da Serra da
Moeda; APA Serra da Moeda – unidade municipal de uso sustentável, que
abrange parte da borda oeste da Serra da Moeda; Parque Estadual da
Serra do Rola-Moça – unidade de proteção integral, que faz divisa com a
Serra da Calçada (nome local do setor norte da Serra da Moeda), com
zona de amortecimento que abrange praticamente toda a Serra da
Calçada; Tombamento Municipal do Forte de Brumadinho (situado na
Serra da Calçada) – feito por meio do Decreto nº 14/2009, de 20/02/2009,
da Prefeitura Municipal de Brumadinho, abrange apenas as ruínas do
forte, uma área aproximada de 2.000m²; Tombamento Provisório do
Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada, realizado em junho
de 2008 pelo Conselho Estadual do Patrimônio Histórico, Cultural e
Turístico de Minas Gerais – Conep, que abrange cerca de 3.700 ha,
incluindo o Forte de Brumadinho, o antigo complexo de mineração de ouro
associado ao forte e, praticamente, toda a Serra da Calçada.

Nesse contexto, o Quadrilátero Ferrífero consolida-se pelas paisagens


impactadas. A Serra da Moeda é uma importante área de preservação ambiental
que precisa ser ampliada visando diminuir ou anular os efeitos perversos e
destrutivos da urbanização e da mineração. Segundo reportagem do Jornal Diário
do Comércio (2021), citando a mobilização popular da ONG Abrace a Serra da
Moeda:
os técnicos da ONG elaboraram, recentemente, uma análise
crítica que aponta várias inconsistências existentes no estudo
hidrogeológico contratado pela Centralidade Sul, o Csul Lagoa dos
Ingleses, megaempreendimento para 200 mil pessoas a ser instalado em
Nova Lima que, segundo a “Abrace a Serra da Moeda”, demandará mais
de 2.300.000 metros cúbicos (m3) de água por mês – o que pode colocar
em risco o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH). Este documento foi protocolado na Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e, em breve, será
anexado à ação civil pública (ACP) que tramita em Brumadinho.
Por intermédio de seus advogados, a ONG “Abrace a Serra da
Moeda” impetrou também uma ACP na Justiça Federal, com pedido de
liminar, cujo objetivo é cancelar a licença ambiental obtida pela
Ferrous/Vale, para reprocessamento de seis pilhas de estéril existentes
na mina Serrinha, localizada no distrito de Piedade do Paraopeba, em
Brumadinho. A entidade ambientalista protocolou ainda no Ministério
Público Estadual de Itabirito uma análise crítica aos relatórios

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
hidrogeológicos contratados pela Coca-Cola Femsa, cuja operação vem
reduzindo drasticamente a vazão de nascentes da região.
(...)
O abraço simbólico à Serra da Moeda ocorre anualmente, desde
2008. A iniciativa reúne milhares de pessoas na rampa de voo livre no
Topo do Mundo, entre ambientalistas, esportistas, autoridades políticas e
moradores de comunidades e vilarejos de Brumadinho e adjacências.
Pontualmente ao meio dia os participantes formam um enorme cordão
humano no cume da cadeia montanhosa, cujo intuito é chamar a atenção
do poder público e pedir responsabilidade com a segurança hídrica da
RMBH.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É viável a discussão junto à sociedade civil para ampliação de sua área, bem
como para sua transformação em outra tipologia de Unidades de Conservação
(UC): Parque Estadual da Serra das Almas. Esse tipo de UC não permitirá impactos
ambientais, nem dentro do seu perímetro, nem nas adjacências. Por outro lado, a
Serra da Moeda também se caracteriza como um espaço de educação ambiental,
constituído e consolidado com várias possibilidades didático-pedagógicas como
geoturismo, trilhas interpretativas, mirantes com percepção da paisagem.
Formata-se como espaço onde os estudos são interdisciplinares e envolvem
conceitos relacionados a geodiversidade, a sociodiversidade e a biodiversidade,
numa área pressionada por grandes empreendimentos urbano-industriais
capitalistas como a Coca-Cola, a ampliação do Alphaville Lagoa dos Ingleses e
outros condomínios em ampliação, assim como as mineradoras que podem colocar
em risco a sustentabilidade econômica, ambiental e social, promovida pelo
respectivo monumento natural. Sua riqueza geológica e geomorfológica para o
Quadrilátero Ferrífero equipara-se para todo o estado, país e mundo e é preciso
reconhecer o valor da unidade de conservação da Serra da Moeda, principalmente
entendendo-a como geoparque com suas múltiplas possibilidades.
Outro aspecto importante é viabilizar parcerias junto as comunidades
adjacentes ao futuro parque para intercâmbios e propostas conservacionistas, uma
vez que essa unidade de conservação encontra-se em fase de instalação de
infraestrutura e por isso é importante dizer que o recorte da Serra da Moeda é uma
referência para todo o Quadrilátero Ferrífero. Um exemplo de recortes que versam
sobre sustentabilidade e insustentabilidade, convocando a sociedade mineira a
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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
conclamar novas ações e novos empreendimentos em novas mobilizações, em prol
da preservação desse importante recorte espacial, cultural e histórico do Estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://abraceaserradamoeda.blogspot.com/p/historia-da-serra-da-moeda-origem-da.html>Acesso
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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. Decreto nº 45472, de 21 de setembro de 2010:


Cria o Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda, nos Municípios de Moeda e Itabirito,
e dá outras providências. Publicação - Minas Gerais Diário do Executivo - 22/09/2010 Pág. 02 Col.
02

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. RELATÓRIO FINAL COMISSÃO


ESPECIAL DAS SERRAS DA CALÇADA E DA MOEDA (Redação aprovada pelo Plenário nos
termos do § 3º do art. 111, combinado com o parágrafo único do art. 114, do Regimento Interno).
Belo Horizonte, 2009

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Ferrous, 2015. 258 p.
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<http://blog.leia.org.br/serra-da-moeda-e-suas-nascentes-no-caminho-da-mineracao/>Acesso em
26. Jan. 2020

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<https://patrimoniocultural.blog.br/2021/04/16/serra-da-moeda-patrimonio-e-historia/>Acesso em
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CAMPOS, Luana Carla Martins. Patrimônio arqueológico da Serra da Moeda, Minas Gerais:
uma “unidade histórico-cultural” Disponível em
<http://www.usp.br/cpc/v1/imagem/conteudo_revista_arti_arquivo_pdf/195.pdf>Acesso em 26. Jan.
2020

COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS VELHAS. Conheça e preserve a Serra da


Moeda. Disponível em <https://cbhvelhas.org.br/noticias/conheca-e-preserve-serra-da-
moeda/>Acesso em 26. Jan. 2020

DIÁRIO DO COMÉRCIO Abraço à Serra da Moeda cancelado. Abraço à Serra da Moeda é


cancelado. Disponível em <https://diariodocomercio.com.br/dc-mais/abraco-a-serra-da-moeda-
cancelado>Acesso em 26. Jan. 2020

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Portaria nº 473, de 28 de dezembro de 2018: Reconhece o Mosaico


de Unidades de Conservação Federal da Serra do Espinhaço - Quadrilátero Ferrífero..
31/12/2018, Edição: 250, Seção: 1, Página: 158. Disponível em <https://www.in.gov.br/materia/-
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Disponível em <https://www.otempo.com.br/opiniao/minas-s-a/leto-faz-o-primeiro-loteamento-do-
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JORNAL O TEMPO. SERRA DA MOEDA: MP pede anulação do decreto que reduz área de
Monumento Mãe D'água. Disponível em <https://www.otempo.com.br/cidades/mp-pede-anulacao-
do-decreto-que-reduz-area-de-monumento-mae-d-agua-1.984794>Acesso em 26. Jan. 2020

LEMOS, Celina Borges; PAIVA, José Eustáquio Machado de. Patrimônio, Cultura e Meio
Ambiente na Serra da Moeda – Resíduos e Reminiscências do Espaço–Tempo Colonial. In:
Anais do XIV Seminário sobre a Economia Mineira. CEDEPLAR, Universidade Federal de Minas
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Jan. 2020

LIMA JÚNIOR, Augusto de. As primeiras vilas do ouro. Belo Horizonte: Gráfica Santa Maria,
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Moeda: Processo de Tombamento da


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<http://www.ipatrimonio.org/moeda-serra-da-moeda/#!/map=38329&loc=-20.301044999999995,-
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Disponível em <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/10/ong-inclui-serra-da-moeda-de-minas-
gerais-em-lista-de-monumentos-ameacados.html>Acesso em 26. Jan. 2020

PORTAL GLOBO. Serra da Moeda é incluída em lista de patrimônio histórico e cultural


ameaçado. Disponível em <http://g1.globo.com/minas-gerais/videos/v/serra-da-moeda-e-incluida-
em-lista-de-patrimonio-historio-e-cultural-ameacado/3135390/>Acesso em 26. Jan. 2020

PORTARIA Nº 51 DE 02 DE AGOSTO DE 2018. Dispõe sobre o Regimento Interno do Conselho


Consultivo do Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda. (Publicação – Diário do
Executivo – “Minas Gerais” – 04/08/2018)

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
PREFEITURA MUNICIPAL DE MOEDA. Roteiros Turísticos: Serra da Moeda. Disponível em
<http://www.moeda.mg.gov.br/turismo/roteiros-turisticos/serra-da-moeda/>Acesso em 26. Jan.
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SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.


Reuniões do COPAM - Conselho Estadual de Política Ambiental. Disponível em
<http://sistemas.meioambiente.mg.gov.br/reunioes/>Acesso em 26. Jan. 2020

SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.


PLANO DE MANEJO DO MONUMENTO NATURAL ESTADUAL DA SERRA DA MOEDA.
Disponível em
<http://sistemas.meioambiente.mg.gov.br/reunioes/uploads/O8RTjKepoLOY0_fdgIzS9610eT-
HZTMd.pdf>Acesso em 26. Jan. 2020

SITE CONHEÇA MINAS. Serra da Moeda. Disponível em


<https://www.conhecaminas.com/2016/04/serra-da-moeda.html>Acesso em 26. Jan. 2020

SITE IPATRIMÔNIO. Serra da Moeda, município de Moeda. Disponível em


<http://www.ipatrimonio.org/moeda-serra-da-moeda/>Acesso em 26. Jan. 2020

SITE MINAS GERAIS. Brumadinho: Encosta da Serra da Moeda. Disponível em


<http://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/brumadinho/encosta-da-serra-da-moeda>Acesso em
26. Jan. 2020

SITE PRIMOTUR. Roteiro 56: Caminhada na Serra da Moeda. Disponível em


<http://www.primotur.com.br/novosite/site/roteiro/56/caminhada-na-serra-da-moeda>Acesso em
26. Jan. 2020

SITE VISIT BRASIL. Serra da Moeda. Disponível em <https://www.visitbrasil.com/pt/atracoes/serra-


da-moeda.html>Acesso em 26. Jan. 2020

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Empreendimento na Serra da Moeda pode


comprometer mananciais, diz colunista Disponível em
<https://ufmg.br/comunicacao/noticias/empreendimento-na-serra-da-moeda-pode-comprometer-
mananciais-diz-colunista>Acesso em 26. Jan. 2020

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
EIXO TEMÁTICO 1

REGISTRO DOCUMENTAL, ORALIDADE E MEMÓRIA


TERRITORIAL: narrativas da historiografia de ritápolis - mg

NASCIMENTO, Adriana G.(1); SANTOS, Anakelly S.(2)

1. Universidade Federal de São João Del Rei-UFSJ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes
Aplicadas- DAUP
www.ufsj.edu.br/arquitetura/
E-mail: adrianan@ufsj.edu.br

2. Universidade Federal de São João Del Rei- UFSJ. Programa Interdepartamental de Pós-graduação
em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade - PIPAUS
www.ufsj.edu.br/pipaus/index.php
E-mail: anakelly@ufsj.edu.br

RESUMO
Este artigo apresenta um registro dos processos de estudos e pesquisas que vêm sendo
desenvolvidos para resgatar e registrar as origens históricas da cidade de Ritápolis. O município de
Ritápolis, localizado na região dos Campos das Vertentes no estado de Minas Gerais, que até sua
emancipação em 1962 foi distrito de São João Del Rei, era denominado originalmente como Santa
Rita do Rio Abaixo, no Brasil colônia. Inserido em região de extração do ouro, hoje configura-se nos
arredores da denominada “Estrada Real”. Consta em documentação histórica disponível em acervos
e arquivos públicos que a localidade de Santa Rita do Rio Abaixo, como arraial, já existia no século
XVIII, e que a Fazenda denominada Pombal, onde Tiradentes, nos Autos da Devassa, declara ter
nascido, pertencia ao território de Santa Rita. Dentro da historiografia urbana ou dos processos de
formação da rede urbana setecentista pouco se encontra ou se sabe quanto às origens de Santa Rita
do Rio Abaixo, uma vez que não existe publicação editorial e nem acadêmico-científica específica
sobre o tema, ou mesmo sobre a localidade. Nas pesquisas documentais sobre informações a
respeito das origens e memória de Ritápolis há também inquietações que buscam comprovar
histórias narradas pela população. Umas das narrativas orais remete a uma capela antiga que existiu
no arraial e que seria dedicada a São Sebastião. Em documento, consta no registro de batizado do
Tiradentes que este fato teria ocorrido em uma capela dedicada ao santo. No entanto, não se sabe ou
se tem registro sobre sua localização exata. Foram iniciadas em 2013 pesquisas documentais e de
campo, com práticas investigativas e experimentais a fim de comprovar a existência de uma capela
na localidade apontada pela população. Ainda que haja Conselho Municipal de Preservação de
Patrimônio no município, é em 2013 que nasce o grupo fundador do Instituto Histórico e Geográfico
(IHGR) de Ritápolis. É do IHGR a descoberta de vestígios da suposta capela de S. Sebastião, sendo
confirmada e respaldada com suporte e vistoria técnica realizada por equipe interdisciplinar formada
por historiadora e procurador integrantes do Ministério Público Estadual, técnico e arqueólogo do
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e arqueólogo especialista em
arqueologia do Brasil colônia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além deste
resultado, há outras investigações e aprofundamentos, algumas finalizadas e outras sendo realizadas
e em andamento sobre a formação urbana de Ritápolis, como trabalhos finais de graduação e
pesquisas de mestrado junto à Universidade Federal de S. João del-Rei (UFSJ).

Palavras-chave: historiografia territorial, memória, narrativa, Ritápolis, documentação.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Nota introdutória

A cidade de Ritápolis, localizada no Estado de Minas Gerais, está hoje circunscrita segundo
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) na mesorregião dos Campos das
Vertentes e Microrregião de São João Del Rei. O município tem sua independência
administrativa recente na história. Sendo emancipado pela Lei Ordinária nº 2764, de 30 de
dezembro de 1962, quando recebeu seu atual topônimo. Anteriormente o distrito era
conhecido como Santa Rita do Rio Abaixo, e por breves 15 anos fora chamado de Ibitutinga,
que por força da Lei nº 843, de 07/09/1923 substituiu o nome Santa Rita do Rio Abaixo, mas
o decreto Lei nº 148, de 17/12/1938 retorna o nome em homenagem a santa. Nossas
pesquisas apontam pelas narrativas orais da população indícios de que o arraial também foi
chamado de São Sebastião do Rio Abaixo. E é a partir desta oralidade e pelo fato conhecido
de que Joaquim José da Silva Xavier foi batizado na Capela de São Sebastião do Rio
Abaixo, Capela esta extinta e sem informações documentais sobre sua localização exata,
que iniciamos pesquisas para saber mais sobre as origens de Ritápolis e sua historiografia.

Santa Rita do Rio Abaixo

A primeira publicação que faz menção especificamente a Santa Rita do Rio Abaixo é
encontrada no livro de Eduardo Canabrava Barreiros (1976), intitulado “As vilas Del-rei e a
cidadania de Tiradentes”, no qual o autor dedica o capítulo “O Povoado de Santa Rita do Rio
Abaixo - 1738” à localidade. Nas palavras de Barreiros (1976, p.88-89):

A primeira referência a Santa Rita, documentada, encontramos na certidão


de batismo de Domingos, irmão mais velho de Tiradentes, ocorrido a 25 de
junho de 1738. Foi assinada pelo capelão de Santa Rita do Rio Abaixo, o
Padre José Fernandes de Barros, em 24 de junho de 1763. Eis um curioso
trecho da referida certidão: “... revendo o livro onde tenho alguns assentos
de batizados, as folhas 58 verso”. Assim teriam ocorrido já, antes do
batizado de Domingos em 1738, vários outros batizados, ocupando as
cinquenta e tantas páginas anteriores. Isso nos permite conjecturar sobre a
existência da referida capela em época anterior, talvez lá pelo segundo
decênio, à semelhança da Capela de Nossa Senhora da Ajuda, da Fazenda
do Pombal.1

Esse, além da declaração de Tiradentes nos Autos da Devassa, dizendo que é natural do
Pombal no termo da Vila de São João Del Rei, é mais um dos indícios que vinculam a
estreita relação do alferes e de sua família com Santa Rita do Rio Abaixo e sua importância
na historiografia de Minas Gerais. Transcrição dos Autos da Devassa (Vol.5, folha 2):

1 O documento encontra-se na Arquidiocese de Mariana e sua transcrição pode ser consultado em:
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=249&op=1.
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06 a 08 de outubro de 2021
E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural,
se tinha alguâs ordens, se era Cazado, ou Solteiro, e que ocupação tinha //
Respondeo que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos
da Silva Santos e da sua mulher Antonia da Encarnação Xavier, natural do
Pombal termo da Villa de S. João de El Rey Capitania de Minas Gerais, que
tinha quarenta e hum annos de idade que era Solteiro, q~ não tinha Ordens
Alguâs, e com effeito, vendo-lhe eu o alto da Cabeça, vi que não tinha
tonsura alguâ, e que era Alferes do regimento da Cavalaria paga de Minas
Gerais //2

Ritápolis não foi somente a localidade de vida da família do Tiradentes e de seu nascimento,
foi também importante entreposto do Caminho Velho e da Picada de Goiás, local de grande
extração de aurífera e grande celeiro da produção agropecuária da região. Conforme afirma
Martins (MARTINS, 1998, p.20):

A zona dos Campos das Vertentes tem o começo de sua ocupação e


colonização vinculados à mineração do ouro, iniciada na última década do
século XVIII, e alcançou o auge entre os anos 1698 e 1701. Sua
importância, além da descoberta do ouro nos leitos do Rio das Mortes e
outros, associa-se também à sua destacada contribuição no fornecimento
de gêneros alimentícios para outras zonas de mineração, bem como para o
Rio de Janeiro, a partir da segunda metade do século XVIII, através da
implantação de agricultura e pecuária próprias. A zona foi muito beneficiada
por ser passagem obrigatória por caminhos que ligavam o litoral ao interior
das Minas Gerais e às minas de Goiás e mAto Grosso. era passagem
forçada para se chegar aos Campos Gerais, região entre as serras da
Mantiqueira e do Espinhaço, em busca de minas de ouro.

O livro de Helena Teixeira Martins (1998), “Sedes de Fazendas Mineiras - Campos das
Vertentes - Séculos XVIII e XIX”, é outra publicação com referência à Ritápolis, nele há 03
sedes de Fazendas localizadas no município e mais um indício de que foi imediata e
crescente a ocupação da região hoje demarcada como município de Ritápolis, no final do
século XVII e início do século XVIII. Conforme Martins (1998) afirma a localização de maior
intensidade da exploração aurífera na região, é a Ponta do Morro no antigo Arraial Velho,
hoje a cidade Tiradentes, e o leito do Rio das Mortes, que com a crescente exploração neste
local levando a escassez do metal precioso, os exploradores buscam alternativas no entorno
principalmente em direção à atual Ritápolis, que está a Noroeste: “A busca de outras minas
tornou-se uma das saídas, levando muitos a rumar para Noroeste.” (MARTINS, 1998, p.22).

As duas publicações não tratam especificamente da historiografia de Ritápolis, Barreiros


(1976) escreve à cerca da naturalidade do Tiradentes e Martins (1998) da arquitetura da
Sedes de Fazendas, com isso as pesquisas sobre as origens de Ritápolis se intensificam
em documentações primárias de arquivos públicos e privados e na busca pela legitimidade
do que é passado de geração em geração através das narrativas orais da população

2 Fac-simile dos Auto da Devassa podem ser acesso no acervo da Biblioteca Nacional Digital no link:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1289278/mss1289278.pdf
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ritapolitana. Pois somente outras duas publicações citam brevemente Santa Rita do Rio
Abaixo. Na publicação da Fundação João Pinheiro “Visitas Pastorais de Dom Frei José da
Santíssima Trindade (1821-1825), Dom José registra sua passagem pela Capela Santa Rita
do Rio Abaixo em outubro de 1824 (TRINDADE, 1998, p.238):

A Capela de Santa Rita do Rio Abaixo dista da Matriz 4 léguas, da de São


Gonçalo do Brumado 2 e meia e da de Nossa Senhora da Penha 2 e ¼.
Tem 700 almas, poderá render ao capelão 70$000 e paga de pensão
9$600. O seu capelão é o Padre Manuel Coelho dos Santos e cura há 30
anos por ser natural do lugar, e tem de idade 59 anos.

Poucos anos depois Sant-Adolphe (1845) descreve a povoação de Santa Rita do Rio
Abaixo, conforme transcrito abaixo (SANT-ADOLPHE, 1845, p.631):

Santa-Rita-de-Rio-Abaixo. Povoação da provincia de Minas-Geraes, na


margem direita do rio das Mortes, perto de sua juncção com o rio Grande.
Sua igreja, dedicada à Santa do seu nome, foi desannexada da parochia da
cilla de São-João-d’ElRei, por decreto da assemblea geral de 14 de junho
de 1832, e anexada à matriz da frequezia de Ibituruna.

Em documentos históricos presentes em arquivos públicos e principalmente paroquiais, há


registros da Capela de Santa Rita que confirmam sua localização sendo ali o local de origem
do atual Santuário de Santa Rita de Cássia, localizado hoje na Praça Tiradentes em
Ritápolis, antigo Largo do Arraial. E sua implantação geográfica, concepção estrutural,
arquitetura e ornamentação, confirmam que a Capela-mor, nave menor e sacristia são
características do final dos seiscentos ou início dos setecentos. Em descobertas recentes,
no início deste século, durante reformas em seu interior ao iniciarem uma restauração dos
altares do retábulo-mor, descobriu-se embaixo de sua pintura então totalmente branca,
pinturas ornamentais com características da segunda fase do Barroco Mineiro e que indicam
ser de autoria de Natividade, artista do período e autor das pinturas da Catedral de Nossa
Senhora do Pilar em São João Del Rei, em 1713, assim afirmou o restaurador Carlos Magno
de Araújo que foi responsável pela recuperação das pinturas originais, hoje expostas no
altar. Mais recentemente, em 2014, durante outra reforma do Santuário, foi descoberto o
Presbitério original entalhado em pedra. Assim como o Presbitério totalmente feito em
pedra, as alvenarias da Capela-Mor e Nave central da Igreja também são em alvenaria de
pedra e bastante espessas, características comuns para as Capelas construídas no final dos
seiscentos e início dos setecentos. A Capela sofreu ao longo dos anos inúmeras
modificações, acréscimos e reformas. Algumas dessas alterações foram registradas em
fotografias, nos livros de Tombo da Paróquia ou contadas pela oralidade da população, e
outras são claramente visíveis do ponto de vista técnico de profissionais como historiadores,
arquitetos e etc, como o grande acréscimo frontal lhe dando uma nave maior e torre ocorrido
no início do século passado.
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Figura 01. Gabriel Freire. Altar e presbitério da Capela-mor do Santuário de Santa Rita de Cássia.

E recentemente, o ritapolitano membro do IHGR, Padre Thomás Gimenez Dias, em suas


pesquisas pessoais encontrou uma referência mais antiga, que a citada por Barreiros
(1976), da Capela de Santa Rita nos arquivos da Arquidiocese de Mariana no processo de
Habilitação para a Ordenação do Padre Salvador Passos, onde consta como local de
casamento de seus pais, a Capela de Santa Rita, em 1726, e seu batismo em 1734.3

Os dados encontrados sobre a Capela de Santa Rita nos dão conta de que a atual Matriz de
Ritápolis é formada pela Capela original com os acréscimos recebidos no século passado e
esses são os primeiros indícios sobre as origens do Arraial. Porém ainda não é possível
afirmar a data exata de construção da capela original, e nem mesmo se foi ela a primeira
capela a ser construída ali na região, que hoje conta também com a Igreja do Rosário em
outro largo a norte do largo da Matriz de Santa Rita por via única de ligação, que assim
como a Matriz sofreu imúmeras modificações e acrécimos, mas que preserva a estrutura da
capela original com caracteristicas semelhes a mesma época da capela de Santa Rita. E as
narrativas da população contam que em um pequeno largo entre as duas igrejas

3
A transcrição deste documento pode ser consultada no endereço:
http://www.projetocompartilhar.org/DocsMgMZ/salvadorpaesgodoydospassos1762E1814.htm

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supracitadas a oeste, também em um topo de morro igualmente as outras duas igrejas,
haveria uma pequena e antiga capela que seria dedicada a São Sebastião.

São Sebastião do Rio Abaixo

Porém quanto a Capela e a localidade de São Sebastião do Rio Abaixo são se pode ainda
hoje afirmar ao certo suas localizações, uma vez que não foram encontrados ainda registros
documentais da Capela além do batismo do menino Joaquim (O Tiradentes), que consta no
livro manuscrito de Assentos de Batizados da Freguezia de Nossa Senhora do Pilar [1742-
1749] e a menção de Millet de Saint-Adolphe em seu dicionário de 1845.

No livro de Assentos de Batizados pertencente a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de


São João Del Rei, em seu Tomo IV, na página 151 diz:

Joaquim - Aos doze dias do mez de novembro de mil seiscentos e quarenta


e seis annos, na Capella de São Sebastião do Rio Abaixo, o reverendo
Padre João Gonçalves Chaves capelão da dita capella baptizou e poz os
Santos Oleos a Joaquim filho legítimo de Domingos da Silva Santos e dona
Antônia da Encarnação Xavier, forão padrinhos Sebastião Ferreira Leytão, e
não teve madrinha. do que fiz este assento. O coadj.(tor) Jerônimo da
Fon(ca)Alz.(Grifo nosso)4

Millet de Saint-Adolphe (1845, p.631) no Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do


Império do Brasil, Tomo II, na página 631, Saint-Adolphe (1845) descreve:

São-Sebastião-Rio-Abaixo. Freguezia da Provincia de Minas-Geraes, no


districto da cidade de São-João-d’ElRei, sobre o rio das Mortes. Achando se
arruinada a igreja d’esta freguezia, a de N. S. do Rosário, que fica perto, faz
actualmente as vezes de parochia. Os moradores d’este termo são
mineiros, e por isso carecem do necessario; o contrario seria, se em vez de
tratarem de mineração se ocupassem a agricultar as terras.

A dita Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, onde ocorreu o batizado do Tiradentes, não
tem um remanescente nos dias de hoje, nem mesmo ruínas ou vestígios visíveis. Não há
registro de Capelas dedicada ao Santo hoje, e nem à época, nas proximidades do local de
nascimento do Alferes, a Fazenda do Pombal. Não foi possível observar em nenhum dos
mapas históricos da Comarca do rio das Mortes e das Vilas de São João e São José Del
Rei, que tivemos acessos pelos acervos digitais do Arquivo Público Mineiro-APM e da
Biblioteca Nacional Digital-BND (A pandemia Covid-19 nos impediu de realizar pesquisas
locais), algum Arraial, Capela ou Fazenda com o nome do santo na dita região.

4 A digitalização do Manuscrito encontra na Biblioteca Nacional Digital e pode ser acessado pelo link:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss83/mss83.pdf
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Em alguns mapas de data mais recente que a última referência encontrada em documentos
paroquiais da Capela de Santa Rita, nem mesmo a Capela de Santa Rita ou o Arraial de
Santa Rita do Rio Abaixo aparecem marcados no caminho entre a Vila de São João Del Rei
e a Capela De São Tiago. Sendo assim, não podemos precisar se as duas localidades
coexistiram conforme afirma Saint-Adolphe (1845) em seu dicionário, ou se uma foi
substituída pela outra. Pois tanto as descrições feitas pelos viajantes, quanto os mapas da
época, não tinham como ser precisos com todas as localidades, uma vez que ao percorrem
as inospitas região da época, podiam escolher caminhos diversos, por diferentes motivos,
como intempéries climáticas, tempo, cansaço, deixando alguns de passar ou visitar algum
lugarejo que outro em mesmo época visitou e realtou.

Alguns mapas também trazem duas outras localidades que são interessantes para as
conjecturas feitas por muitos historiadores no passado e para as narrativas locais, como
veremos adiante. Uma delas é a localidade de Santa Rita apontada em alguns mapas na
margem direita do Rio das Mortes, onde hoje fica a antiga Estação Ibitutinga da Estrada
Ferro Oeste de Minas - EFOM, próxima a brusca mudança de direção do rio que sofre de
Noroeste para Sudeste, daí essa região ser conhecida como Rio Abaixo, tanto à margem
direita como à margem esquerda. Tais expressões “Rio Abaixo” ou “Rio Acima” são comuns
quando os rios sofrem mudanças de direção e muitas localidades à época ganharam esse
sufixo em seus nomes, algumas trazendo esse topônimo até os dias de hoje. Outra é a
Fazenda Rio Abaixo, localizada na mesma região, um pouco mais a sudeste de Santa Rita,
na mesma margem, e ainda hoje existente. Mas não há registros de que existiu Capela
nesta localidade. Quanto a Estação, há uma oralidade contada pelo senhor Nelson, morador
da Estação e antigo trabalhador da EFOM bem interessante onde ele relata:

(...)aqui era chamado da Santa Rita, antes da chegada da Estação. E tinha algumas
poucas casas por ali, antes da construção da Estrada (referindo-se a rodovia BR-
292), aqui perto da Estação, ali atrás (apontado para a lateral onde hoje fica a BR)
tinha um galpão da Estação. Era um pequeno povoado. 5

Barreiros (1976, p.77), afirma com esquema desenhado sobre o rio das Mortes na prancha
nº17, que a região junto a brusca mudança de direção do rio, tanto à margem direita quanto
à margem esquerda, seria conhecida como Paragem do Rio Abaixo e que a Capela seria ali
à margem direita. Porém são conjecturas feita pelo autor a fim de afirmar que a naturalidade
do Tiradentes é a então Vila de São João Del Rei.

5 Relato anotado por Anakelly Santos em seu caderno de desenhos enquanto caminhava pela região e
encontrou fortuitamente com o senhor Nelson em frente ao edifício da Estação de Ibitutinga, em 2011.
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Assim como no mapa da Comarca do Rio das Mortes feito por José Joaquim da Rocha em
1777, as capelas apontadas na dita região do Rio Abaixo, as margens do rio das Mortes,
não há Capela dedicada a São Sebastião, e sim a outras santas e santos: São Gonçalo,
Conceição e Socorro.6 O mesmo mapa também não aponta as Fazendas do Pombal e Rio
Abaixo e nem o Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, que conforme citado anteriormente já
existia a essa época. As Fazendas do Rio Abaixo e do Pombal constam em outros mapas
da mesma época, e a última é possível ter a certeza de sua existência antes de 1724
segundo afirma Barreiros (1976) citando Guimarães (apud BARREIROS, 1976, p.80):

Em 1724, o capitão Francisco Viegas Barbosa (o construtor inicial da então


matriz do Pilar são-joanense) obteve licença para edificar a ermida de N. Sra.
Da Ajuda, no Pombal, ocasião em que declarou que aquele sítio pertencia a
São João Del Rei. Foi também o que afirmou o Padre Alexandre Marques do
Vale, vigário da vara, no termo da benção da ermida, a 15 de julho de 1729.

Como já ressaltamos e podemos perceber é preciso realizar análise comparativa dos


diversos documentos, manuscritos e cartográficos, da época para unir informações
necessárias que possam nos aproximar da real ocupação e formação territorial da região. O
que significa que o fato de um topônimo não figurar em certas cartografias da época não nos
dá a condição de dizer que ele não existiu naquele local.

Da Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, o único registro até então encontrado é o já
citado batizado do Tiradentes e do topônimo “São Sebastião” pouco se sabe além de
menções de documentos citados por Velloso (1919, p.36) em seu livro:

Quando Domingos da Silva [irmão mais velho de Tiradentes] se habilitou


para receber ordens sacras, foram ouvidas, em justificação processada
perante o vigário da vara da comarca, diversas testemunhas, entre as quais
Manoel da Costa e Antônio Pereira, que depuzeram se os habitantes
Domingos da Silva Xavier e seu irmão [Antônio] naturaes e moradores da
paragem de S. Sebastião. (...) Do irmão Antônio não se teve outra notícia
senão que foi padre e posteriormente agricultor. Foi também batizado em
Santa Rita [do Rio Abaixo] a 5 de abril de 1754. Habilitou-se com seu irmão
Domingos, de genere, em 1763.

Conjecturas de que a localização da Capela de São Sebastião do Rio Abaixo seria nas
proximidades da Fazenda Rio Abaixo, à margem esquerda do rio das Mortes são feitas não
somente por Barreiros (1976), mas também pelo historiador sanjoanense Fábio Nelson

6O Mapa se encontra no acervo da Biblioteca Nacional eseu fac-simile pode ser acessado através do link:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart530294/cart530294.html
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Guimarães em resposta a consulta de Barreiros (1976), conforme o mesmo descreve em
livro (Barreios, 1976, p.84):

É sem dúvida que o local Rio Abaixo criou-se, à margem esquerda do rio
das Mortes, muito antes da atual Santa Rita do Rio Abaixo ou Ritápolis. No
primeiro local teria existido a capela de São Sebastião do Rio Abaixo e
registrada em ruínas há mais de 150 anos (não encontramos comprovação
deste fato). Na cidade de Ritápolis existem a matriz de Santa Rita e a
capela do Rosário. E o povo, dificilmente, consentia na mudança dos
padroeiros dos templos. No entanto algumas pessoas daquela localidade
afirmam que a capela de São Sebastião teria se erguido ao lado de um
bambual, naquela sede, onde se encontraram ossos ou vestígios de
cemitério. Autores outros julgam que a capela de N. Sra. da Ajuda teve sua
invocação trocada para São Sebastião, o que nunca se verificou.

Neste trecho o historiador faz uma afirmação que é confirmada pelas documentações dos
arquivos paroquiais da época, onde raramente (nós não encontramos nenhuma em nossas
pesquisas) se encontra o registro de mudança de padroeiro em uma Capela. O que é
também confirmado pelos párocos atuais. E também relata uma narrativa oral que até os
dias de hoje é contada pelos moradores mais idosos de Ritápolis: que havia no Arraial uma
pequena e antiga Capela, demolida há muitos anos, e dedicada a São Sebastião.

Tal narrativa que remete a dita Capela também foi registrado por Frei Gotardo Boom no
“Livro de Tombo da Paróquia de Santa Rita - 1969-1990”, em 1970, quando o Frei reza
missa no suposto local apontado pela oralidade como sendo o local da antiga Capela de
São Sebastião e onde haviam sido encontrados ossos humanos àquela época ao
escavarem o terreno para abertura de rua em uma de suas extremidades, e também anos
antes pelo proprietário do local, indicando ali ter existido um cemitério. No verso da página
53 do livro supracitado, consta colada uma foto de um crucifíxo colocado num muro de
pedra em parte desabado na quina do terreno onde aponta as narrativas, outras duas fotos
ali já estiveram coladas, porém foram arrancadas, ficando o espaço vazio e a marca da cola,
e no fim da página 54 o Frei escreve:

Ofereci-lhe um retrato do lugar - S. Sebastião do Rio Abaixo onde Tiradentes


fora batizado - no retrato o Sr. Prefeito Sinval Amaral, o Vigario e o sr. José
Graciano da Rocha atual proprietário do terreno.7

7O livro de Tombo encontrava-se, na ocasião de nossas pesquisas em 2015, em um armário da secretaria da


Paróquia, em condições inadequadas de armazenamento e nos sendo permitida somente uma rápida consulta
por alguns minutos, tiramos fotos para registrar o que vemos.
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Figura 02. Fac-simile do verso da página 53 e da página 54 do Livro de Tombo 1969-1990 da
Paróquia de Santa Rita. Acervo particular das autoras.

A oralidade do achado fortuito de ossos humanos supracitado é ainda hoje contado por
Dona Maria Justina, filha do responsável pela primeira descoberta, o Sr. José Graciano da
Rocha, então proprietário do terreno conforme escreve Frei Gotardo em 1970. Quando
perguntada por nós sobre o fato, Maria Justina relata e escreve em um pedaço de papel o
que fala:

Um vez, o barranco, do fundo do quintal da nossa casa caiu. Meu pai, José
Graciano da Rocha, foi consertar o estrago e para surpresa, do meu pai,
minha mãe, tias, eu, meus irmãos e outras pessoas que no local estavam.
Dentro do local desabado tinha uma espécie de vácuo, tipo sepultura. Meu
pai puxando a terra, encontrou ossos algemados, ossos avulsos, cabelos. Ele
aterrou tudo dizendo: “É preciso guardar tudo isso, porque tem que respeitar,
não sei de que que é.” Tampou tudo com a mesma terra e construiu um muro
de pedra para proteger o terreno.

É importante ressaltar que a observação do fato relato pela senhora Maria Justina ocorreu
bem antes do registro feito pelo Frei Gotardo em 1970 quando a mesma já deveria ter
passado da adolescência (não sabemos a idade exata da senhora Justina, mas sabemos
que ela hoje tem mais de 65 anos), uma vez que Justina afirma que era, em suas palavras,
“criança bem pequena” quando presenciou o ocorrido, e que apesar de não saber precisar
sua idade à época, a lembrança nunca se apagou de sua memória.

Outro ritapolitano, Sebastião Higino de Souza (1927-2017), afirma ser no mesmo terreno
onde foram encontrados os ossos humanos, a localização da antiga Capela de São
Sebastião, conforme podemos ler em seu livro: “(..) diz que ele (o Tiradentes) foi batizado na
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capela de São Sebastião, que era localizada na Rua 21 de Abril, nº 254, em Ritápolis.”
(SOUZA & HARTUNG, 2012, p.14)

Uma outra narrativa contata pela população também é trazida por Souza & Hartung (2012),
com a hipótese de que o arraial antes de ser conhecido como Santa Rita do Rio Abaixo,
seria conhecido como São Sebastião do Rio Abaixo, e escrevem (SOUZA & HARTUNG,
2012, p.18):

O nome inicial de Ritápolis era São Sebastião do Rio Abaixo, por ser esse o
Santo Protetor do povoado. Um fazendeiro da família Ribeiro tinha hábito de
extrair areia no Rio das Mortes para suas construções. (...) Um dia (...)
encontrou no meio dessa areia um volume não identificado. (...) constatou ser
uma estátua de uma Santa. De início, pensou que fosse a imagem, de Nossa
Senhora, como o ocorrido em Aparecida, no estado de São Paulo. (...) Em
uma oportunidade o fazendeiro mostrou essa imagem ao padre local. Ao vê-
la, logo se certificou de que era a imagem de Santa Rita de Cássia. A mulher
desse fazendeiro sofria de uma doença grave incurável e, na presença da
imagem de Santa Rita de Cássia, fez pedidos para conseguir sua cura. (...) a
senhora ficou curada. (...) A imagem passou a ser venerada como milagrosa
e começaram as romarias. O fazendeiro ergueu uma pequena capela, onde
hoje funciona o santuário de Santa Rita de Cássia. Então, o padre,
democraticamente, promoveu uma votação para ver quem o povo queria, um
padroeiro ou uma padroeira. Venceu Santa Rita. As romarias iam
aumentando a cada ano que passava e a pequena capela sofreu algumas
expansões.

Essa hipótese hoje foi praticamente refutada pelo fato de termos referências da Capela de
Santa Rita, anteriores à única referência à capela de São Sebastião. E até os dias de hoje
nenhum outro indício, além oralidade da população, foi encontrado para comprovar essa
narrativa. Porém, a hipótese das duas capelas terem coexistido em algum momento da
história é aceitável, uma vez que a referência que temos da Capela de São Sebastião do
Rio Abaixo, é da mesma época de outras referências da Capela de Santa Rita.

Afinal existiu na atual rua 21 de Abril uma Capela? É possível que a atual Matriz de Santa
Rita tenha sido antes dedicada a São Sebastião? Em busca de respostas para essas duas
questões que tanto instigaram o imaginário da população intensificaram a cerca deste tema,
porém somente um documento foi encontra em um acervo particular de moradores vizinhos
da região apontada como local da antiga capela. Um contrato de compra e venda de um
terreno localizado no quarteirão imediatamente a oeste da localidade aponta onde se lê:
“terreno (...) sito no lugar denominado “Capela Velha”, desta vila”.

Diante da falta de documentação, membros do Instituto Histórico e Geográfico de Ritápolis,


solicitaram autorização à atual proprietária do referido terreno, a senhora Maria Justina, que
lhes concedeu permissão para escavar o local a procura de indícios do possível cemitério

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apontado pelas descobertas fortuitas dos ossos humanos por seu pai e mais tarde pelo
evento da abertura de rua, e da existência da velha capela.

Em maio de 2014 os membros do IHGR, liderados pela arquitetura e urbanista Anakelly S.


Santos, também membro e cofundadora da Instituição, vão ao local fazer uma vistoria
minuciosa do terreno e da edificação existente nele hoje a fim de tentar achar algum indício
ou vestígio visível que pudesse os levar a crer que ali antes fora Capela e em seu adro,
conforme se sabe das tradições católicas à época, seria então cemitério. Porém os
elementos observados e as análises feitas foram que parte do alicerce da casa pode ser do
final do seiscentos ou início dos setecentos por ser de pedra bruta e aparentar não ter
argamassa, diferente do restante que é de concreto; que havia um pequeno calçamento de
pedra em um vértice de entrada do terreno e na frente da casa; que o terreno tem
morfologia de largo e que de fato fora cortado em suas 4 faces para aberturas de rua; o que
não foi suficiente para afirmar nenhuma das narrativas.

Com isso não restou outra alternativa senão escavar o terreno. Cuidadosamente a arquiteta
e seus colegas demarcaram a área dividindo-a em quadrículas limitas por linhas com
dimensões de 2x2 metros, as numerou em uma planta da área, e iniciaram a escavação por
uma delas, escavando camadas de aproximadamente 10 a 20cm por vez, sucessivamente,
e nesta primeira quadricula escavada chegaram a profundidade de aproximadamente 45 a
50cm, encontrando apenas o que foi considerado entulhos e lixos, como cacos de vidro,
telhas, cerâmicas, pedaços de madeiras, tecidos e ossos, aparentemente bovinos. Na
continuidade, escavaram outras quadriculas, encontrando mais artefatos diversos, porém
mais significativos como um Cravo de ferro (objeto característico do século XVII e XVIII);
cacos de louça aparentemente portuguesas, pedaço de imagem sacra, crucifixo de metal, e
muitos pedaços de ossos, alguns claramente de animais, outros que podíamos fazer
conjecturas de serem de humanos. Mas como não havia no grupo nenhum arqueólogo, mais
uma vez nada foi possível afirmar.

No dia 07 de julho de 2014, já quase desistindo da empreitada de escavação, por não


encontrarem nada tão significativo, somente a Anakelly e um senhor, o coveiro da época,
contratado por ela, foram ao local para uma última tentativa de escavar uma das quadrilhas
mais ao centro do terreno e, nada sendo encontrado, dariam por encerrada as investigações
e tomaria como lenda as narrativas da existência de ossos humanos, cemitério e capela no
local. Porém se depararam à aproximadamente 1 metro de profundidade daquela quadricula
com um crânio humano, que pode ser identificado com certeza, pela existência de dentes.

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Figura 03. Fotos dos dentes retirados da escavação e arquivos pelo IHGR. Acervo do IHGR.

Diante da descoberta, conscientes de que haviam confirmado as narrativas que há tantos


anos foram contatas e também contestadas e cientes de que poderiam estar escrevendo um
novo capítulo da historiografia de Ritápolis e até mesmo da biografia do Tiradentes, os
membros do IHGR, não mais tocaram no local, fizeram na ocasião Boletim de Ocorrência
para terem o fato de alguma forma registrado e enviaram correspondência à Promotoria
Estadual de Patrimônio Cultural e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-
IPHAN, comunicando a descoberta e relatando dos os fatos, desde as narrativas contadas
pela oralidade da população e os registros documentais da pesquisa. A Promotoria do
Misnitério Público, através do Promotor de Justiça Marcos Paulo de Sousa Miranda,
respondeu ao IHGR comunicando que fariam juntamente com o IPHAN a verificação da
descoberta.

Em 14 de agosto de 2014, chega em Ritápolis uma comitiva composta pelos membros do


Ministério Público de Minas Gerais, o Promotor de Justiça Marcos Paulo de Sousa Miranda,
e a analista-historiadora Neise Mendes Duarte, membros do Laboratório de Arqueologia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais –
FAFICH-UFMG, o Professor Doutor Carlos Magno Guimarães e da pesquisadora Camila
Fernandes de Moraes, e os técnicos do IPHAN, o arqueólogo Alexandre Henrique Delforge
e o arquiteto Gustavo Neves de Souza.

Após a Vistoria realizada no local da descoberta pela supracitada comitiva, os arqueólogos


Alexandre e Carlos Magno, após vistoriarem o local como um todo e os achados
arqueológicos e constatarem ser uma descoberta arqueológica valiosa e uma localização de
grande potência histórico ainda ser mais explorado, recomendaram que o local onde parte
do crânio encontrado estava incrustado na terra fosse coberto por uma lona e tampado
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novamente com a terra dali retirada, para preservar os vestígios e solicitaram que o que foi
retirado fosse cuidadosamente armazenado para futuras análises, e assim foi feito pelos
membros do IHGR.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, emitiu Relatório de Vistoria


técnica em atendimento à solicitação do Ministério Público através do Ofício 911/2014, na
cidade de Ritápolis, no Parecer de nº GNS-003/CT/IPHAN-MG, de 18 de setembro de 2014,
assinado pelos técnicos Gustavo Neves de Souza especialista em Arqueologia e Alexandre
Henrique Delforge de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico membros da
Coordenação Técnica do IPHAN-MG, onde escrevem: “O Prof. Dr. Carlos Magno relatou a
possibilidade bastante concreta de que o local tenha mesmo sido pertencente à antiga
capela”. E relatam: “Encaminhamos para registro uma ficha do sítio provisoriamente
designado como Cemitério de São Sebastião (em função daquilo que pôde até o momento
ser averiguado) até que a questão da capela seja definitivamente esclarecida por pesquisas
arqueológicas”.

A Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico do Ministério Público do


Estado de Minas Gerais emitiu o Laudo Técnico nº03/2015, PAAF nº 0024.14.008749-5,
Notícia de Fato nº 0625.14.00321-5, assinado pela analista historiadora Neise Mendes
Duarte em 30 de janeiro de 2015, onde em suas conclusões escreve: “A relação de
Tiradentes com o município de Ritápolis, ao que tudo indica, não se encerra no episódio do
seu nascimento. Os vestígios arqueológicos encontrados recentemente pelos membros do
Instituto Histórico e Geográfico-IHGR, no terreno da rua 21 de abril, nº 254, podem estar
associados, segundo a tradição oral, a uma antiga capela que teria existido no local. Existe
a possibilidade de que este antigo templo seja a antiga capela de São Sebastião do Rio
Abaixo, onde o Alferes foi batizado (...)”.

Acreditamos poder afirmar, com o que foi pesquisado até o momento que a tradição oral
quanto a narrativa da existência do cemitério no local hoje identificado como rua 21 de abril
nº254 é verídica e comprovada com descoberta do crânio e dentes humanos pelo IHGR e
confirmada pelos órgãos federais IPHAN, MPMG e Fafich-UFMG, e que a existência de uma
Capela no local se faz obvia pela historiografia da tradição católica e organização espacial e
social setecentista das povoações coloniais onde os sepultamentos eram realizados nos
adros das capelas e dentro das mesmas.

Mas não satisfeitas com a falta de mais documentos que comprovem esses e outros fatos
contados pela tradição oral, e que nos deem mais detalhes quanto as origens e a
historiografia de Ritápolis, nossas pesquisam continuam com dissertação de Mestrado que
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encontra-se em andamento e novas buscas através de pesquisas dentro do IHGR,
aprofundando nas pesquisas em fontes primárias nos arquivos públicos e particulares.

Referências Bibliográficas

BARREIROS, Eduardo Canabrava. As vilas Del-rei e a cidadania de Tiradentes. Rio de Janeiro: J.


Olympio, 1976.

BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). A Inconfidência mineira: autos de devassa. Rio de Janeiro : A


Biblioteca, 1936. (IMP 17,3,15-21)

BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL. Assentos de batizados: Freg. de N. S. do Pilar]. São João del Rei,
MG: [s.n.], [1742-1749].

FONSCECA, Cláudia Damasceno. Arraias e Vilas del Rei: Espaço e Poder nas Minas Setecentistas. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011.

MARTINS, Helena Teixeira. Sede de fazendas mineiras. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 1998.

ROCHA, José Joaquim da. Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, 1995

SAINT-ADOLPHE, J.C.R. Millet de. Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil.
Tomo Segundo. Paris: Casa de J.P. Aillaud, editor 11, quai voltaire ,1845

SOUZA, Sebastião Higino; HARTUNG, Guilherme. Santa Rita do Rio Abaixo (Ritápolis):
Memórias, histórias, e causos. São João Del Rei: Imprimax Gráfica Del Rei Ltda.

TRINDADE, Dom Frei José da Santíssima. Visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima
Trindade (1821-1825). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais. Fundação João
Pinheiro; Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1998

VELOSO, Herculano. Ligeiras Memórias sobre a Vila de São José nos tempos coloniais.
Câmara Municipal de Tiradentes: São João Del Rei, 1919.

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EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS

UM OLHAR PARA AS HABITAÇÕES DE MADEIRA NA VILA


MARCONDES, EM PRESIDENTE PRUDENTE - SP

YANO, BRUNA B.R. (1); SILVA, RICARDO D. (2); HIRAO, HELIO. (3)

1. Universidade Estadual de Londrina. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Rodovia Celso Garcia Cid | PR 445 Km 380 | Campus Universitário
Cx. Postal 10.011 | CEP 86.057-970 | Londrina – PR
reitoria@uel.br

2. Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Av. Colombo, 5790 - Jd. Universitário
CEP 87020-900 - Maringá - PR
sec-asc@uem.br

3. Universidade Estadual Paulista. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Rua Roberto Simonsen, 305 - Centro Educacional - P. Prudente - SP
CEP 19060- 900
diretor.fct@unesp.br

RESUMO

O presente artigo faz parte da disciplina de doutorado cidade de madeira: tecnologia e estética do
programa associado de pós-graduação em arquitetura e urbanismo (PPU) da UEM/UEL, que registra
e analisa a ocupação da Vila Marcondes pelas habitações de madeira, relacionando as com a
formação e a paisagem histórica do município de presidente prudente. Pretende, assim, através de
um mapeamento e da produção de imagens, destacar a distribuição espacial dessas habitações a fim
de analisar sua permanência, modificações e estado atual. O estudo na Vila Marcondes, em especial
o olhar para as habitações de madeira, permitiu uma leitura mais sistemática e analítica sobre a
ocupação dessa área da cidade. A ideia é destacar a importância dessas habitações, pois estão
estritamente interligadas com a história da formação da cidade e de seu desenvolvimento, a fim de
identificar e classificar as habitações de madeira na paisagem urbana, que, mesmo com o passar do
tempo, têm resistido até os dias de hoje, cada uma delas com suas peculiaridades, sobretudo nos
primeiros 40 anos de ocupação urbana, obedecendo às condições favoráveis da farta disponibilidade
do material, e da simples e fácil apreensão e execução da sua técnica construtiva.
Palavras-chave: Arquitetura popular; Construções de madeira; Infraestrutura

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INTRODUÇÃO
Presidente Prudente está situada no extremo oeste do estado de São Paulo.
Fundada em 1917, constituiu-se município em 1921. Segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, possui 228 mil habitantes. Localiza-se a oeste da
capital do estado, distando desta, cerca de 558 km. A cidade é a Capital da Alta
Sorocabana, denominada assim para se referenciar às terras ao longo dos 200 últimos
quilômetros da Estrada de Ferro Sorocabana (FIORIN; HIRAO, 2015), e sede da 10a Região
Administrativa do Estado, definida como macrounidade territorial destinada a atender ao
trâmite administrativo decorrente das atividades desenvolvidas pelos órgãos e pelas
entidades da Administração Centralizada e Descentralizada do Estado, que integra as
regiões de governo de Adamantina, Dracena e Presidente Prudente.
Durante a produção cafeeira (décadas de 1920 e 1930), a extração madeireira foi
ponto relevante da economia regional nesse contexto, a Estrada de Ferro Sorocabana
proporcionou o escoamento da produção de madeira para a capital do Estado o. Em 1926
foram construídas casas de madeira para os operários dessa Ferrovia pela Companhia
Estrada de Ferro Sorocabana.
A ocupação pioneira teve compromissos com a utilização dos recursos materiais
existentes e a sua adequação às condições climáticas locais. Nesse sentido, destaca-se o
uso da madeira na construção, sobretudo nos primeiros 40 anos de ocupação urbana,
obedecendo às condições favoráveis de sua farta disponibilidade, e da simples e fácil
apreensão e execução da sua técnica construtiva.
A habitação de madeira faz parte da paisagem urbana local, desde o início de sua
ocupação, logo está inserida em um processo histórico com determinada técnica a ser
preservada, com valores, atributos e significados singulares para sua comunidade.
O presente artigo faz parte da disciplina de doutorado Cidade de Madeira:
tecnologia e estética do Programa Associado de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo (PPU) da UEM/UEL e analisa a ocupação da Vila Marcondes com as
habitações de madeira, relacionando-as com a formação e a paisagem histórica da cidade.
Pretende, dessa forma, através de um mapeamento e da produção de imagens, destacar a
distribuição espacial dessas habitações a fim de reconhecer e analisar a sua permanência
no espaço, suas modificações e seu estado atual.
O recorte deste estudo está voltado especificamente para essa tipologia
construtiva, pois a ocupação com essas casas de madeira está diretamente relacionada
com a forma com que ocorreu a abertura dos núcleos urbanos, atendendo os interesses
econômicos e políticos dos “coronéis” Manoel Goulart e José Soares Marcondes ( ). E,

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também, para complementar com análises e reflexões, objetivando situar esse sistema
construtivo no panorama da arquitetura popular brasileira.
Segundo Bittencourt (1988), a arquitetura de madeira é desconhecida no estado de
São Paulo e não se encontram cadastros sobre sistemas construtivos regionais. Em sua
dissertação de mestrado, a autora analisa o sistema construtivo em madeira e seu
desempenho durante 70 anos da história do município de Presidente Prudente. Com a
expansão urbana e as transformações e as dinâmicas que ocorreram na cidade, é
necessário que essa investigação prossiga para que os dados obtidos por Bittencourt
(1988) possam ser atualizados e a sua análise aprofundada, de maneira que as futuras
pesquisas sobre a cidade e seu contexto histórico contemplem o estudo voltado para as
habitações de madeira que compõem a paisagem urbana. Essa atualização torna-se
relevante para reforçar a importância que essas edificações têm como tipologia construtiva
original, enquanto sistema e material, dotadas de características próprias, as quais
reforçam o valor histórico da Vila Marcondes como um lugar de memória.

1 FORMAÇÃO DE PRESIDENTE PRUDENTE

A cidade de Presidente Prudente foi resultado da evolução de dois núcleos urbanos:


o primeiro, loteado pelo Coronel Francisco de Paula Goulart, em 1917, que pediu ao
engenheiro Dr. João Carlos Fairbanks que projetasse um núcleo urbano defronte à
estação, conhecida como Vila Goulart; o segundo, situado atrás da estação, teve como
empreendedor o Coronel José Soares Marcondes, em 1920.
A Vila Marcondes juntamente com a Vila Goulart é atravessada pela Estrada de
Ferro Sorocabana, um dos principais elementos da formação dos núcleos, responsável
pelo surgimento de áreas industriais (FIORIN; HIRAO, 2015).
Do lado mais fabril, a Vila Marcondes, possuía uma série de galpões industriais,
como as da Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, do Instituto Brasileiro do Café (IBC),
da Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (Sanbra) e das Bebidas Wilson, além de
residências de alvenaria e madeira mais singelas dos operários (HIRAO, 2016).
Na Vila Goulart, a porção leste, do lado mais urbanizado, que hoje corresponde ao
quadrilátero que identificamos como o Centro de Presidente Prudente, a presença do
empreendedor no loteamento, realizando as negociações e o fato de ter uma topografia era
menos acidentada favoreceram a sua ocupação com estabelecimentos comerciais,
serviços e moradias.

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Na década de 1920 o café se tornou o principal produto do município, juntamente
com a extração de madeira e a criação de gado, tendo o primeiro momento sido marcado
pelas construções pioneiras de madeira nas imediações da Estação Ferroviária (HIRAO et
al., 2011).

Esse ciclo econômico teve início antes de o traçado urbano ser


implantado, já que era necessário “abrir a mata” tanto em terras
rurais para posteriormente ocorrer o plantio do café quanto nas
áreas em que o proprietário desejava criar um loteamento privado,
seja um novo bairro ao redor da cidade ou um núcleo de um novo
povoado. Existiam algumas serrarias, inclusive esse tipo de serviço
com o objetivo de “transformar a matéria prima” era necessário
antes da formação da primeira vila (ABREU, 1972, p. 154). A
existência de elevada porcentagem de casas de madeira deveu-se
ainda ao fato de que as argilas para o fabrico dos tijolos e das
telhas eram raras devido a constituição do solo da região ser
arenosa.
A madeira foi um produto, “desaparecido que deixou marcas na paisagem natural”,
tendo sido a matéria-prima escoada para a capital pela Estrada de Ferro Sorocabana: “as
serrarias [...] transformavam os troncos de peroba, marfim, ipê, jatobá em tábuas e vigas” e
uma parte desse “produto”, como a peroba, era utilizada para a construção dos primeiros
edifícios urbanos e rurais (LEITE, 1972).
As construções das moradias em madeira eram pequenas e simples, tendo grandes
quintais que lembravam sítios limitados pela dimensão da data urbana, com pequenas
plantações e animais para subsistência (COSTA, 2019).

2 O ESPAÇO URBANO E AS HABITAÇÕES DE MADEIRA

Segundo Bittencourt (1988), em 1986 a cidade de Presidente Prudente possuía


cerca de 32% de suas edificações urbanas construídas predominantemente em madeira,
sendo 26% exclusivamente em madeira.
Como apontam Silva e Costa (2013), bairros conhecidos como além-linha
apresentam, em geral, casas que variam entre baixo e médio padrão construtivo, além de
os bairros próximos à área central, como Vila Marcondes, possuírem muitas casas antigas
de madeira.
Esse sistema foi muito difundido e utilizado em outras regiões do país onde havia
muita madeira nativa, como, por exemplo, peroba, ipê e jatobá, pois permite que as tábuas
tenham flexibilidade horizontal ou vertical, pregadas sobre uma estrutura com mata-juntas,
para eliminar o problema das frestas entre as tábuas, que geralmente são provenientes de

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serrarias com dimensão inferior a 1,50 m de comprimento, largura variável de 12 cm, 15
cm, 20 cm e 25 cm e espessura de 2,5 cm (METELLO, 2006).
Nesse tipo de construção, a estabilidade da edificação é garantida por uma
estrutura portante de madeira que geralmente está apoiada em uma fundação de
alvenaria. Basicamente, essa estrutura é formada pelos quadros inferiores, que são
interligados através dos esteios (pilares) à estrutura do telhado e às estruturas
complementares, tais como as vedações horizontais (assoalhos e forros) e verticais
(tábuas e mata-juntas) (SANTOS; COSTA, 2017).
Essa forma de construção só poderia ser desenvolvida em regiões onde havia
abundância de madeira (WEIMER, 2012). Weimer (2012) ressalta que essas construções
passaram por um longo processo de evolução que seguiu as estilísticas da arquitetura
erudita, como, por exemplo, a utilização de lambrequins e sinhaninhas, que davam um
acabamento nas bordas das tábuas com motivos variados. Esses detalhes poderiam estar
associados às diferentes gerações de construtores imigrantes.
A Vila Marcondes apresenta um tipo de edificação modesta, sem arrojo estrutural e
arquitetônico; no entanto, também é de interesse de preservação, de acordo com a
ampliação de seu conceito, ao adquirir atributos, valores e significância histórica e cultural
ao longo do tempo. A habitação de madeira faz parte da paisagem urbana e está inserida
em um processo histórico cultural com determinada tradição técnica a preservar. São obras
construídas de acordo com as condicionantes locais de disponibilidade de material e mão
de obra. De acordo com Hirao (2016), nas cidades médias, como Presidente Prudente, os
centros históricos passam por processos de abandono e deterioração devido a fatores
como a não adequação de seus espaços aos novos usos contemporâneos, o surgimento
de outros centros e acentuados processos de segmentação socioespacial.
O processo de transformação do espaço urbano através da expulsão para a
periferia urbana das camadas menos favorecidas economicamente da população, onde
carecem de benefícios públicos de infraestrutura o leva como no caso de Presidente
Prudente, também está estritamente ligado à habitação de madeira, pois, sendo a mais
desvalorizada, sofre rápido processo de deterioração, demolição ou descaracterização pela
substituição de materiais (BITTENCOURT, 1988).

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3 MÉTODO

O trabalho inicia-se embasado na pesquisa de Bittencourt (1988), que faz um


levantamento sobre as habitações de madeira na cidade de Presidente Prudente. Em
seguida, faz-se uma revisão bibliográfica sobre a cidade e o sistema construtivo em
madeira, em especial sobre a técnica de tábua e mata-junta. Posteriormente, realiza-se a
pesquisa de campo na Vila Marcondes e no entorno para um exercício de observação
dessas moradias e o mapeamento das tipologias; a documentação fotográfica e ilustrações
que são importantes ferramentas para a compreensão dos conteúdos analisados e a
interpretação dos dados.
Os mapas de ocupação pelas habitações de madeira foram encontrados
primeiramente na pesquisa de Bittencourt (1988), que levanta importantes acontecimentos
daquela época onde apresentam mapas da cidade de Presidente Prudente de 1987,
levantando as áreas residenciais, considerando números de domicílios e população por
setores urbanos. Desde o ano de 1924 a legislação urbana proibia a construção de madeira
no perímetro urbano, delimitando áreas equivalentes ao centro urbano atual.
Através do reconhecimento dos estudos da autora, o interesse volta-se para a cidade
33 anos mais tarde com vistas à atualização do cenário, apenas recortando um dos setores
levantados, a Vila Marcondes.
Ao ler a paisagem urbana em que se encontra a Vila Marcondes, é possível
identificar os principais elementos estruturantes que configuram a Vila e que necessitam ser
discutidos, como a presença da linha férrea, os galpões industriais de caráter histórico
cultural do início do século XX, o edifício tombado Matarazzo e o Centro Histórico. Para o
mapeamento das habitações, a pesquisa de campo foi realizada do sentido norte-sul, ou
seja, da linha férrea próximo ao Centro até o limite da Vila Marcondes com a Vila Furquim.

O mapa da cidade atual foi destacado pela área em estudo, identificado pela linha
férrea que divide a cidade. Essa linha foi o principal meio de transporte, tendo permitido a
composição do conjunto urbano, edificado a partir do eixo dos trilhos, como estações,
praças, edificações públicas e privadas, indústrias, que formaram um conjunto arquitetônico
e urbanístico significativo para as gerações (BARON, 2015). Ao lado tem-se o recorte
ampliado com as habitações de madeira em destaque, abrangendo as seguintes ruas: Rua
Marechal Floriano Peixoto, Rua Quintino Bocaiúva, Rua Benjamin Constant, Rua Baia, Rua
Sergipe, Rua Madalena Bacarini, Rua Pará, Rua Santa Catarina, Rua Paraná, Rua Dib
Buchalla, Rua Rio Grande do Sul e Rua Sargento Firmino Leão.

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4 RESULTADOS
Os mapas abaixo são resultado da análise sobre a cidade, do recorte do
objeto de estudo e de outros elementos físicos que se relacionam, como, por
exemplo, a linha férrea e o quadrilátero central (antiga Vila Goulart).

Figura 01 – Mapa da cidade de Presidente Prudente, em 2019

Fonte: Adaptado de Presidente Prudente (2020).


Para ilustrar o desenho das quadras com a subdivisão dos lotes, o recorte foi
ampliado e modificado para mostrar a distribuição espacial das habitações de madeira nas
quadras, uma vez que cada edificação não ocupa todo o lote destacado. O recorte também
aproxima artefatos importantes no contexto histórico, como os edifícios antigos e os galpões
tombados como patrimônio histórico. Como exemplo podemos citar o Centro Cultural
Matarazzo, situado em um prédio histórico na Rua Quintino Bocaiúva, na Vila Marcondes,
local que sediava as Indústrias Matarazzo.

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O Centro Cultural funciona no imóvel cujo tombamento do prédio e de todo o seu
entorno foi iniciado por vários segmentos sociais, encabeçados pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo
(CONDEPHAAT), que mobilizou toda a comunidade. O tombamento ocorreu em 1987 pelo
Decreto Executivo Municipal n.º 6.128.

Figura 02 – Mapa do caráter das edificações de madeira da Vila

Fonte: Elaborado pela autora (2020).

5 DISCUSSÕES

A Vila Marcondes está localizada na zona leste da cidade, carente de infraestrutura e


com topografia irregular, prejudica a mobilidade e a acessibilidade de seus moradores.
Historicamente, nesta área residem grande parcela de trabalhadores de baixa renda, com
habitações consideradas precárias, e caracterizada pela exclusão social, tendo em vista que
essa população construiu suas casas de madeiras ou mistas conforme a capacidade
econômica que tinha de adquirir os materiais, em terrenos acidentados (DIAS, 2012).

Essa topografia acidentada e vertentes muito declivosas, não favoreceu a expansão


urbana, uma vez que para a aquisição dos lotes, o processo era mais burocrático,
necessitando de registro em cartório (FUSHIMI, 2009).
Outra característica que pode ter contribuído para o desinteresse do mercado
imobiliário é o fato da Vila Marcondes se localizar de costas para a Estação Ferroviária, o

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que favoreceu a Vila Goulart, de frente à estação, com acesso direto à principal avenida da
cidade.
É possível observar que as quadras que margeiam a linha férrea possuem
edificações com caráter histórico, igualmente originado do espírito de uma época e dos
valores de uma sociedade (CASTELNOU NETO, 1992). As habitações de madeira vão
aparecendo nas quadras mais abaixo e se aglomeram mais no meio da Vila, enquanto a
extremidade do bairro próximo à igreja matriz, que se localiza em um ponto mais alto do
terreno e, por sua vez, está mais próxima ao Centro da cidade, tem quadras com
edificações de alvenaria originais e outras reformadas.
Dessa forma, podemos classificar a ocupação das habitações de madeira na malha
urbana especificamente na Vila Marcondes em
1) habitações que sofreram modificações através do tempo de acordo com
as necessidades do morador;
2) indução de aplicação de novos materiais construtivos lançados no
mercado;
3) habitação preservada e características originais realçadas; e

4) habitação depreciada.

Figura 03 – Classificação das habitações de madeira

Fonte: Acervo da autora (2019).


Podemos observar também, que as casas mais preservadas estão pintadas com
cores coloridas, enquanto outras mantêm a cor da madeira natural, que ao longo do tempo
vão apresentando uma cor mais acinzentada devido ao efeito da degradação da madeira.
Quando exposta ao meio exterior, ocorre a perda da coloração natural da madeira, em
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virtude do efeito direto da água ou de outra forma de essa atingir a madeira, ocorrendo
pouco a pouco a remoção da lignina (SANTOS; DUARTE, 2013).
Outra característica importante são as varandas que antecedem a entrada principal
da casa e que servem como passagem intermediária entre a casa e a rua, estabelecendo
relações de convívio entre os moradores. As varandas, que muitas vezes são cobertas por
telhas ainda de barro ou trocadas por telhas de amianto, possuem entre 1.50 m e 2.00 m de
largura.
Por não estarem em contato direto com o solo, as casas são elevadas do terreno e,
por isso, necessitam de escadas e rampas para oferecer acesso, tornando-se esses
elementos marcantes na composição da paisagem.
A ocupação das habitações de madeira no lote é de importante relevância, uma vez
que a divisão dos lotes sofreu modificações com os anos. Em vista disso, a ocupação de
algumas casas dentro do lote é bastante interessante, pois estas ocupam uma pequena
porção no lote e podem se dividir em duas alas, com a possibilidade de aberturas das
janelas para higienização, contendo um programa enxuto de compartimentos e no máximo
uma cobertura isolada ao lado ou ao fundo para o abrigo do carro – considerada um anexo,
pois não fazia parte do projeto original e possivelmente tenha sido uma ampliação.
Figura 04 – Ocupação no terreno

Fonte: Acervo da autora, 2019.

O estudo realizado por Dias (2012) mapeou imóveis considerados precários na


cidade de acordo com o cadastro municipal da cidade, sendo possível identificar no mapa
que as áreas que estão além da linha férrea concentram maior parte dessas edificações,
contrapondo o outro lado da linha, onde está o Centro da cidade antiga da Vila Goulart.

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As antigas casas de madeira, muitas vezes, são colocadas para locação, pois os
proprietários ficam aguardando a valorização do preço do solo urbano para futura
negociação. Por uma questão cultural, muitas pessoas preferem morar em casas de
alvenaria, porém o valor do aluguel dessas casas ainda está bem acima do que o das casas
de madeira.

6 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo na Vila Marcondes, em especial com o olhar para as habitações de
madeira, permitiu uma leitura aprofundada sobre sua ocupação e configuração. Cabe
observar com atenção a importância que elas possuem, pois estão estritamente interligadas
com a formação da cidade e seu desenvolvimento, porém não se verifica o seu
reconhecimento pela comunidade local. É preciso um olhar mais sensível para essa
realidade que está em constante transformação e que são registros materiais que
pertencem à memória de muitos prudentinos, podendo em um curto período de tempo ser
apagada.
A resistência dessas habitações em permanecer no bairro estimula a memória dos
moradores, valoriza a história da cidade e contribui para qualificar o conteúdo da paisagem
urbana devido, também, pelas suas características singulares de sistema construtivo de
suas construções, que muitas vezes é despercebido pelas pessoas em contraponto às de
alvenaria, as quais se repetem no cenário.
A pesquisa buscou identificar e classificar as habitações de madeira na paisagem
urbana, que, mesmo com o passar do tempo, têm resistido até os dias de hoje, cada uma
delas com suas peculiaridades.
No entanto, para compreender melhor o objeto de pesquisa, cabe avançar na
produção de informações sobre essa particularidade que consiste na arquitetura popular,
composta de habitações na referida região. A melhor organização dos dados se daria a
partir dos seguintes aspectos:
a) construções originais;
b) casas mistas (madeira e alvenaria);
c) classificação das tipologias construtivas;
d) detalhes construtivos; e
e) entrevistas com moradores.

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Os critérios elencados resultam de um aspecto que não foi devidamente atendido
pela presente pesquisa. Interessante seria se houvesse uma catalogação com o registro
dessas habitações não só deste bairro, mas dos que se enraízam a partir da Vila, por meio
de inventário desenvolvido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), que tem como objetivo identificar diversas manifestações culturais e bens de
interesse de preservação.
O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é uma metodologia de
pesquisa desenvolvida para produzir conhecimento sobre os domínios da vida social,
contemplando categorias em diferentes escalas, como edificações, imagens urbanas,
bairros e vilas (IPHAN, 2000). Assim como alguns edifícios históricos que se tornaram
patrimônios, as casas de madeira também têm papel fundamental no contexto urbano de
evolução da cidade.

REFERÊNCIAS

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ABREU, D. S. Formação Histórica de uma Cidade Pioneira Paulista: Presidente


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em Arquitetura e Urbanismo) – Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
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FIORIN, E. Território híbrido: a fronteira da linha férrea de Presidente Prudente-SP.


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FUSHIMI, M. Mapeamento geomorfológico do município de Presidente Prudente-SP.
Monografia (Bacharelado em Ciências e Tecnologia) – Faculdade de Ciências e
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GOULART. Bandeirante do século XX: fundação de Presidente Prudente narrada


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Hirao, H. Cenário e Atmosfera das Vilas Goulart e Marcondes: A paisagem de Presidente


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HIRAO, H. et al. O caráter de três casas modernistas na Av. Washington Luiz em


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Interdisciplinaridade e experiências em documentação e preservação do patrimônio
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WEIMER, G. Arquitetura popular brasileira. 2. ed. São Paulo: WMF Martins


Fontes, 2012. 333 p.

ZANI, A. C. Arquitetura em madeira. Londrina: EDUEL, 2013. E-book.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

UM OLHAR PARA AS HABITAÇÕES DE MADEIRA NA VILA MARCONDES,


EM PRESIDENTE PRUDENTE

Bruna Bessa Rocha Yano (bruna.bessayano@uel.br)

Ricardo Dias Silva (rdsilva@uem.br)

Hélio Hirao (helio.hirao@unesp.br)

O presente artigo faz parte da disciplina de doutorado Cidade de Madeira:


tecnologia e estética do Programa Associado de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo (PPU) da UEM/UEL, que registra e analisa a
ocupação da Vila Marcondes pelas habitações de madeira, relacionando as
com a formação e a paisagem histórica do município de Presidente Prudente.
Pretende, assim, através de um mapeamento e da produção de imagens,
destacar a distribuição espacial dessas habitações a fim de analisar sua
permanência, modificações e estado atual. O estudo na Vila Marcondes, em
especial o olhar para as habitações de madeira, permitiu uma leitura mais
sistemática e analítica sobre a ocupação dessa área da cidade.
A ideia é destacar a importância dessas habitações, pois estão estritamente
interligadas com a história da formação da cidade e de seu desenvolvimento, a
fim de identificar e classificar as habitações de madeira na paisagem urbana,
que, mesmo com o passar do tempo, têm resistido até os dias de hoje, cada
uma delas com suas peculiaridades, sobretudo nos primeiros 40 anos de
ocupação urbana, obedecendo às condições favoráveis da farta disponibilidade
do material, e da simples e fácil apreensão e execução da sua técnica
construtiva.

O recorte deste estudo está voltado especificamente para a tipologia


construtiva tábua e mata junta que está diretamente relacionada com a forma
com que ocorreu a abertura dos núcleos urbanos. E, também, para
complementar com análises e reflexões, objetivando situar esse sistema
construtivo no panorama da arquitetura popular brasileira, classificando-as na
malha urbana especificamente na Vila Marcondes em: 1) habitações que
sofreram modificações através do tempo de acordo com as necessidades do
morador; 2) indução de aplicação de novos materiais construtivos lançados no
mercado; 3) habitação preservada e características originais realçadas; e 4)
habitação depreciada. Essa tipologia faz parte da paisagem urbana local,
desde o início de sua ocupação, logo está inserida em um processo histórico
com determinada técnica a ser preservada, com valores, atributos e
significados singulares para sua comunidade.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

MAPEANDO MEMÓRIAS NOS CAMINHOS DO CENTRO HISTÓRICO DE


SANTA MARIA

Anelis Rolão Flôres (anelis.flores@gmail.com)

Bibiana Torres Moreira (bibianatmoreira@hotmail.com)

Clarissa De Oliveira Pereira (clarissapereira@ufn.edu.br)

Francisco Queruz (francisco@ufn.edu.br)

Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados obtidos pelo grupo de
pesquisa e extensão “Mapeando Memórias”, que foi constituído a partir das
discussões geradas como consequência da aprovação da nova legislação de
uso e ocupação do solo urbano de Santa Maria, Rio Grande do Sul, ocorrida
em meados de 2018. Na ocasião a proteção do patrimônio arquitetônico,
garantida anteriormente pela configuração da Zona 2 - Centro Histórico, foi
substituída pela pressão da especulação imobiliária, ocasionando a sua
desproteção. A avaliação prévia do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico
e Cultural de Santa Maria (COMPHIC-SM) para a permissão de demolição dos
edifícios não tombados da área foi retirada e tal alteração acabou por
desprotegê-la, colocando em risco diversos remanescentes arquitetônicos.
Como reação, o COMPHIC-SM acionou o Ministério Público Estadual, sensível
ao problema, e que mediou a relação com o poder executivo municipal. Em
consequência, foi emitido o Decreto provisório com as cento e trinta e cinco
edificações a serem mantidas e se fez necessária a união de forças, entre as
universidades e o Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN), para
garantir o reconhecimento e a preservação do patrimônio arquitetônico por
meio da documentação necessária para a efetivação dos tombamentos. A
partir deste momento, além das medidas de ordem técnica, foi necessária a
organização de ações de conscientização e de educação patrimonial como
alternativa para a salvaguarda do patrimônio, gerando aproximação não
apenas com os proprietários dos edifícios tombados, como com a sociedade
que desconhece este conjunto. Uma destas primeiras ações foi a estruturação
dos roteiros que serviram, inicialmente, de base a para elaboração do “Giro
Histórico”, passeio realizado com acadêmicos, do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Franciscana, e comunidade pelo Centro Histórico,
em dezembro de 2019. A partir destes roteiros o grupo de extensão
“Mapeando Memórias” potencializou e organizou seus resultados na
elaboração de um Projeto Interpretativo que possibilitará autonomia aos
visitantes para percorrerem os caminhos históricos, além de criar uma cultura
de preservação, tão necessária na cidade. Contudo, entende-se que o objeto
deste projeto tem a vocação de estreitar essa história, proporcionando a
valorização da sua memória, efetiva e afetiva, a partir dos remanescentes
arquitetônicos e será capaz de impactar futuras gerações. Afinal, para
compreender a história precisamos percorrer os caminhos de vários tempos,
uma cronologia heterogênea que não almeja a síntese e sim compreender a
complexidade do espaço, por meio dela, conseguiremos manter os símbolos
que representam Santa Maria e ajudaram a construir seu espaço urbano, ao
invés de apoiar a salvaguarda apenas na elaboração de decretos e leis.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

REGISTRO DOCUMENTAL, ORALIDADE E MEMÓRIA TERRITORIAL:


NARRATIVAS DA HISTORIOGRAFIA DE RITÁPOLIS - MG

Anakelly Silva Santos (anakelly@ufsj.edu.br)

Adriana Gomes Do Nascimento (adrianan@ufsj.edu.br)

Este artigo apresenta um registro dos processos de estudos e pesquisas que


vêm sendo desenvolvidos para resgatar e registrar as origens históricas da
cidade de Ritápolis. O município de Ritápolis, localizado na região dos Campos
das Vertentes no estado de Minas Gerais, que até sua emancipação em 1962
foi distrito de São João Del Rei, era denominado originalmente como Santa
Rita do Rio Abaixo, no Brasil colônia. Inserido em região de extração do ouro,
hoje configura-se nos arredores da denominada “Estrada Real”. Consta em
documentação histórica disponível em acervos e arquivos públicos que a
localidade de Santa Rita do Rio Abaixo, como arraial, já existia no século XVIII,
e que a Fazenda denominada Pombal, onde Tiradentes, nos Autos da
Devassa, declara ter nascido, pertencia ao território de Santa Rita. Dentro da
historiografia urbana ou dos processos de formação da rede urbana
setecentista pouco se encontra ou se sabe quanto às origens de Santa Rita do
Rio Abaixo, uma vez que não existe publicação editorial e nem acadêmico-
científica específica sobre o tema, ou mesmo sobre a localidade. Nas
pesquisas documentais sobre informações a respeito das origens e memória
de Ritápolis há também inquietações que buscam comprovar histórias narradas
pela população. Umas das narrativas orais remete a uma capela antiga que
existiu no arraial e que seria dedicada a São Sebastião. Em documento,
consta no registro de batizado do Tiradentes que este fato teria ocorrido em
uma capela dedicada ao santo. No entanto, não se sabe ou se tem registro
sobre sua localização exata. Foram iniciadas em 2013 pesquisas documentais
e de campo, com práticas investigativas e experimentais a fim de comprovar a
existência de uma capela na localidade apontada pela população. Ainda que
haja Conselho Municipal de Preservação de Patrimônio no município, é em
2013 que nasce o grupo fundador do Instituto Histórico e Geográfico (IHGR) de
Ritápolis. É do IHGR a descoberta de vestígios da suposta capela de S.
Sebastião, sendo confirmada e respaldada com suporte e vistoria técnica
realizada por equipe interdisciplinar formada por historiadora e procurador
integrantes do Ministério Público Estadual, técnico e arqueólogo do Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e arqueólogo especialista em
arqueologia do Brasil colônia da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Além deste resultado, há outras investigações e aprofundamentos,
algumas finalizadas e outras sendo realizadas e em andamento sobre a
formação urbana de Ritápolis, como trabalhos finais de graduação e pesquisas
de mestrado junto à Universidade Federal de S. João del-Rei (UFSJ).
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

MODELAGEM 3D COMO FERRAMENTA PARA PRESERVAÇÃO DO


PATRIMÔNIO CULTURAL CONSTRUÍDO: DESAFIOS PARA
DISSEMINAÇÃO DAS TECNOLOGIAS

Mariana De Souza Rolim (msrolim@outlook.com)

Felipe Corres Melachos (felipe.melachos@anhembi.br)

Atualmente, as tecnologias de escaneamento e fotogrametria são cada vez


mais utilizadas associadas a ações de preservação do patrimônio cultural
construído. No caso de obras de restauro, é possível recriar elementos
decorativos com impressão 3D, em um processo que, muitas vezes, é mais
rápido e mais seguro para o elemento original. No entanto, tal tecnologia ainda
é pouco utilizada no Brasil, para ações de preservação para além de
intervenções diretas de conservação, ainda que elas sejam poderosas
ferramentas de documentação. E consequentemente, de preservação.

O presente artigo pretende apresentar um projeto que vem sendo desenvolvido


dentro da Universidade como alternativa para contribuir para a disseminação
de tais tecnologias. Dentro de um projeto de extensão, alunos do curso de
Arquitetura e urbanismo estão criando modelos digitais de elementos
arquitetônicos de edificações históricas. Tais modelos serão impressos em
impressoras 3D e utilizados em ações educativas com público com deficiência
visual. Dessa forma, os alunos trabalham em dois momentos. No primeiro,
capacitação para uso de tecnologias de escaneamento 3d, ferramentas de
design digital e prototipagem, incluindo as especificidades relacionadas ao
patrimônio (de questões técnicas como refletância de superfícies a questões
teórico-conceituais, como retoques ou “correções” nos modelos digitais).
Posteriormente, em ações práticas, colocando o conhecimento em prática tanto
na produção dos modelos quanto em ações de educação patrimonial,
estimulando uma cultura de aproximação da população da sua história.

O resultado do projeto será a produção de um banco de dados de modelos 3D,


assim como um acervo de seus protótipos correspondentes, com acesso para
consulta pública. Espera-se com o projeto que os alunos da Universidade
tenham uma vivência do trabalho interdisciplinar, buscando soluções em
conjunto para um problema real. É esperado também que tal banco possa
funcionar como fonte de pesquisa primária para diversas pesquisas, como uma
ferramenta de preservação que possa ser integrada a outras políticas de
proteção do patrimônio.
EIXO TEMÁTICO 4
MAPEANDO MEMÓRIAS NOS CAMINHOS DO CENTRO HISTÓRICO
DE SANTA MARIA

FLÔRES, ANELIS R. (1); MOREIRA, BIBIANA T. (2); OLIVEIRA, CLARISSA O.


(3); QUERUZ, FRANCISCO (4).

1. Universidade Franciscana. Curso de Arquitetura e Urbanismo


anelis.flores@gmail.com; anelis@ufn.edu.br

2. Universidade Franciscana. Curso de Arquitetura e Urbanismo


bibianatmoreira@hotmail.com

3. Universidade Franciscana. Curso de Arquitetura e Urbanismo


clarissapereira@ufn.edu.br

4. Universidade Franciscana. Curso de Arquitetura e Urbanismo


fqueruz@gmail.com; francisco@ufn.edu.br

RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados obtidos pelo grupo de pesquisa e extensão
“Mapeando Memórias”, que foi constituído como consequência da aprovação da nova legislação de
uso e ocupação do solo urbano de Santa Maria, Rio Grande do Sul, ocorrida em meados de 2018. Na
ocasião, a proteção do patrimônio arquitetônico, garantida anteriormente pela configuração da Zona 2
- Centro Histórico, foi substituída pela pressão da especulação imobiliária, ocasionando a sua
desproteção. A avaliação prévia do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de Santa
Maria (COMPHIC-SM) para a permissão de demolição dos edifícios não tombados da área foi retirada
e tal alteração acabou por desprotegê-la, colocando em risco diversos remanescentes. Como reação,
o COMPHIC-SM acionou o Ministério Público Estadual, sensível ao problema, e que mediou a relação
com o poder executivo municipal. Em consequência, foi emitido o Decreto provisório com as 135
edificações a serem mantidas e se fez necessária a união de forças, entre as universidades e o Instituto
de Planejamento de Santa Maria (IPLAN), para garantir o reconhecimento e a preservação do
patrimônio arquitetônico por meio da documentação necessária para os tombamentos. A partir deste
momento, além das medidas de ordem técnica, foi necessária a organização de ações de educação
patrimonial, como alternativas para a salvaguarda do patrimônio, gerando aproximação não apenas
com os proprietários dos edifícios tombados, como com a sociedade que desconhece este conjunto.
Uma destas primeiras ações foi a estruturação dos roteiros que serviram de base para elaboração do
“Giro Histórico”, passeio realizado com acadêmicos da Universidade Franciscana e comunidade, pelo
Centro Histórico, em dezembro de 2019. A partir destes roteiros, o “Mapeando Memórias” potencializou
e organizou seus resultados na elaboração de um Projeto Interpretativo que possibilitará autonomia
aos visitantes, sejam eles moradores ou turistas. Contudo, entende-se que o objeto deste projeto tem
a vocação de estreitar essa história, proporcionando a valorização da sua memória, a partir das
edificações, e será capaz de impactar futuras gerações. Afinal, para compreender a história precisamos
percorrer as sobrevivências, uma cronologia heterogênea que não almeja a síntese e sim a
complexidade do espaço. Por meio dela, conseguiremos manter os símbolos ajudaram a construir seu
espaço urbano, ao invés de apoiar a salvaguarda apenas na elaboração de decretos e leis.

Palavras-chave: Patrimônio arquitetônico; Projeto interpretativo; Educação patrimonial.

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Introdução
Desde 2018, com a retirada da proteção da Zona 2, denominada Centro Histórico, os
remanescentes arquitetônicos ficaram desprotegidos e a situação garantida, anteriormente,
foi substituída pela pressão do desmonte promovido pela especulação imobiliária. Na ocasião,
a necessidade de avaliação pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de
Santa Maria (COMPHIC-SM) para a demolição de edifícios não tombados nesta área foi
retirada e tal alteração acabou por desprotegê-la, colocando em risco diversos bens
relevantes para a história local.

Diante desse cenário, este trabalho tem por finalidade apresentar o Projeto Interpretativo,
assim como a análise dos conceitos e metodologias utilizados na sua elaboração pelo grupo
de extensão “Mapeando Memórias”, do curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade
Franciscana.

A necessidade da conscientização e da educação patrimonial como alternativa para a


salvaguarda do patrimônio arquitetônico tornou-se premente, além das medidas de ordem
técnica, a divulgação e construção do conhecimento patrimonial geraram várias ações de
aproximação não apenas com os proprietários dos edifícios tombados, como com a sociedade
que desconhece este conjunto. Uma destas primeiras ações foi a estruturação dos roteiros
que serviram, inicialmente, de base a para elaboração do “Giro Histórico”, passeio realizado
com acadêmicos do curso e comunidade pelos remanescentes arquitetônicos, em dezembro
de 2019.

Os roteiros arquitetônicos totalizam 35 edificações e foram divididos conforme a análise de


suas características e períodos históricos, denominados: Roteiro eclético, Roteiro Art Déco e
Roteiro Modernista. As edificações foram dispostas conforme o percurso e não
cronologicamente, privilegiando a Avenida Rio Branco com início na Praça Saldanha Marinho
e fim na Gare da Estação Férrea. Assim, os roteiros podem ser realizados em um turno e
partindo de um local mais alto, de forma predominantemente linear.

Com base nestes roteiros o grupo de extensão “Mapeando Memórias” potencializou e


organizou seus resultados na elaboração de um Projeto Interpretativo que possibilitará, no
momento da sua implantação, autonomia aos visitantes, sejam eles moradores ou turistas,
além de criar uma cultura de preservação, tão necessária na cidade.

1- Centro histórico de Santa Maria

O município de Santa Maria formou-se a partir do final do século XVIII, ainda no momento de
discussão e consolidação de limites entre as então colonizadoras europeias. A região em que
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o sítio urbano está localizado tangencia a linha limitadora idealizada pelo Tratado de Santo
Ildefonso, então em vigor. Desde aquele momento, em que ocorreu a instalação de um
acampamento militar, o que se reconhece até hoje como a área central da cidade permanece
a mesma. Assim, para este estudo, convencionou-se chamar esta área de Centro Histórico,
mesmo que ela tenha nuances um pouco distintas ao longo do tempo, e é nela em que se
concentra o trabalho exposto a seguir.

A conformação inicial da área central, portanto, começa a ser construída ainda no momento
da chegada da comissão demarcatória, a partir de 1797, quando é construída a capela e
conformada a praça, além das próprias instalações dos militares, na rua do Acampamento.
Nos anos seguintes, haveria a desmobilização da comissão, mas com a consolidação da
comunidade que havia surgido ao seu redor, composta por moradores de vilarejos próximos,
como Rio Pardo, parentescos dos militares, índios provindos das missões jesuíticas já
desconstituídas e imigrantes. Esse foi o cenário que caracterizou Santa Maria no século XIX,
uma Vila que recebe populações de várias origens, mas de crescimento tímido. No ano de
1861, o agrimensor Otto Brinckmann elaborou um mapa da estrutura de vias a partir da praça,
com o crescimento para oeste, no caminho do antigo posto da guarda portuguesa, que
basicamente demarca o núcleo inicial da cidade.

Na segunda metade do século XIX, contudo, haveria uma mudança no ritmo da cidade: a
criação de uma rede de ferrovias, já presentes no centro do país, chegaria à Província de São
Pedro do Rio Grande, unindo leste a oeste, e, também, depois ao norte e mais ao sul, e teria
como centro Santa Maria. A partir de então, a inauguração do chamado ciclo ferroviário da
cidade traria serviços, conexões e população, gerando o maior crescimento que a cidade
conheceu. Ainda, a partir desses fluxos, haveria um alongamento do chamado centro, através
de um boulevard, antiga Avenida Progresso, atual Avenida Rio Branco, até a estação férrea.

O século XX mostrou momentos bem distintos para a cidade. Se até os anos 1960 a ferrovia
era tida como um transporte relevante para o país, a partir de então inicia o seu ciclo
descendente, com redução de investimentos e incentivos. Em contraponto, ainda na primeira
metade do século, houve um incremento bastante significativo de aporte dos setores militares
em Santa Maria, inicialmente com o exército, mas depois também através da aeronáutica.
Coaduna com essas iniciativas o surgimento de um núcleo voltado à educação, especialmente
voltado ao ensino superior. Assim, poderia-se dizer que houve uma mudança de protagonistas
econômicos, do ferroviário para as forças armadas e a educação. Na virada para o século XXI,
o cenário que pode ser percebido na área do chamado Centro Histórico é de uma
consolidação de serviços e circulação de público, porém com grande crescimento no sentido
leste - oeste nos extremos urbanos, devido a instalação do campus da Universidade Federal
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de Santa Maria (UFSM) e da base aérea (leste) e, ainda, pela presença de bairros
habitacionais e industrial (a oeste). Também é percebido crescimento a Sul, em razão da
conexão com Pelotas e Porto Alegre, com uso residencial, especialmente.

Figura 1: Mapa de Santa Maria em 2009, com indicação do polígono do mapa de 1861, em que se pode
perceber a expansão da cidade nos sentidos leste e oeste, além do crescimento a sul.

Fonte: PMSM, 2009, alterado.

Compreendido como a área central da cidade se portou ao longo dos séculos XVIII a XX, e
que pouquíssimos bens haviam sido reconhecidos em leis/decretos pela comunidade até
então, cabe indicar que em 2005, por meio das leis complementares 32, 33 e 34/2005, foi
atualizado o plano diretor do município e criada a chamada Zona 2, ou Zona do Centro
Histórico, que definiu uma poligonal na região central e que contempla parte do tecido mais
antigo da cidade, algumas ruas, como as atuais Dr. Bozzano, Venâncio Aires e Coronel
Niederauer não foram contempladas na sua totalidade (figura 1). Segundo essa parte da
legislação, as interferências em edificações preexistentes deveriam ser avaliadas pela
autarquia municipal, a fim de avaliar se interferências (alterações ou demolições) poderiam
ou não ser feitas. Durante a vigência deste plano, até o ano de 2018, muitos bens com valor
patrimonial para a cidade tiveram sua permanência garantida. Por outro lado, os setores
ligados à especulação imobiliária da cidade, preocupados com as incertezas que as análises
sobre esses bens produziam, pressionaram os poderes executivo e legislativo do município,
o que fez com que o novo plano diretor retirasse a necessidade de análises específicas para
aquela zona.

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Coetânea a essa discussão na casa legislativa, o COMPHIC-SM, que não teve respaldo a sua
argumentação, buscou o Ministério Público Estadual e os veículos de imprensa, para garantir
que a nova legislação entrasse em vigor sem a garantia de análise do valor dos bens
edificados em épocas pregressas. Assim, mediações foram feitas, foi criado um coletivo para
amplificar a voz de setores pouco ouvidos, e foi garantido, com o apoio final do poder
executivo, que um grande tombamento por decreto fosse realizado, listando 135 bens que
apresentavam risco iminente de demolição.

Assim, no mesmo momento em que o novo plano diretor municipal entrou em vigência (2018),
um decreto municipal gerou proteção emergencial sobre esses bens, permitindo que um
grande e longo processo de intimações e justificativas específicas fosse iniciado. O conselho
municipal de patrimônio, assim, acionou diversas entidades que pudessem auxiliar nas
análises específicas das edificações, e que todos os responsáveis pelos mesmos fossem
informados e tivessem um trâmite adequado de seus processos de tombamento.

Enquanto instituição participante do COMPHIC-SM e do grupo de trabalho responsável pelas


análises dos bens de interesse de preservação, a Universidade Franciscana (UFN), por meio
do seu curso de Arquitetura e Urbanismo, compreendeu que eram necessárias ações
complementares de apoio para o reconhecimento, pela comunidade, dos valores presentes
no conjunto de edificações na região do Centro Histórico. É nesse contexto que surge o grupo
Mapeando Memórias.

2- Mapeando Memórias

As discussões sobre as arquiteturas de contextos históricos ferroviários estão presentes


desde os primeiros anos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana,
por meio de disciplinas como o Ateliê de Projetos Integrados III: Intervenções em
Preexistências, e programas complementares. Em 2019 formou-se um grupo multidisciplinar
composto por membros da Prefeitura Municipal, Sebrae, Câmara de Comércio e Indústria,
Associações, Instituições e empresas locais junto a Universidade Franciscana, para debater
ações de revitalização e preservação da área fixada para o Centro Histórico de Santa Maria.
Estes diálogos foram fundamentais para reiterar o papel das universidades no processo de
transformação das cidades.

Com base nestas premissas, em agosto de 2020, formou-se um coletivo de voluntários


acadêmicos, o “Mapeando Memórias”, que reuniu alunos, professores, egressos e
interessados pela salvaguarda patrimonial que contempla os entornos da Estação Ferroviária
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de Santa Maria, Avenida Rio Branco e Praça Saldanha Marinho. Estes limites imprecisos,
foram delineados pelo mapeamento de três expressões arquitetônicas presentes neste
contexto que definem um importante capítulo da história da arquitetura santa-mariense.

O coletivo organizou grupos de trabalho para a pesquisa e extensão com o propósito de


selecionar edificações que bem representassem exemplares do Ecletismo, Art Déco e
Movimento Moderno. Este reconhecimento contempla não apenas os valores arquitetônicos,
mas também as memórias e vivências deste contexto por meio de relatos e pesquisa
bibliográfica.

O mapeamento destes exemplares, revelaram um crescimento urbano com distintas


centralidades, auxiliando no desenvolvimento de um projeto interpretativo para o Centro
Histórico e o resgate de iniciativas desenvolvidas dentro do âmbito acadêmico como o “Giro
Histórico”.

Figura 2: Logomarca elaborada pelo curso de Design para o Centro Histórico e o seu slogan "Onde a
cidade vive, a história renasce", 2019.

Fonte: Acervo dos autores.

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3- O Giro histórico

O "Giro histórico" surgiu como uma atividade extensionista dentro da disciplina de Ateliê de
Projetos Integrados III, no segundo semestre de 2019. Logo na organização do roteiro, da
programação e material de apoio, já podíamos perceber o impacto que o percorrer estes
caminhos da área central teria sobre a formação dos acadêmicos e dos demais convidados.

Foram organizados três roteiros pelos remanescentes arquitetônicos, contemplando 35


edificações, que foram divididos conforme a análise de suas características e períodos
históricos, denominados: Roteiro eclético, Roteiro Art Déco e Roteiro Modernista. As
edificações foram dispostas em um passeio seguindo o fluxo da Avenida Rio Branco com
início na Praça Saldanha Marinho e fim na Gare da Estação Férrea.

Para tanto, foi elaborado um folder que foi distribuído no primeiro “Giro Histórico” (figura 3).
Na ocasião, devido às atividades propostas e o tempo disponível, o roteiro final não incluiu
todas as edificações, concentrando suas ações na Avenida Rio Branco.

Figura 3: Verso do Folder com os roteiros do 1º Giro Histórico elaborado em conjunto com os cursos
da Universidade Franciscana de Design, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, 2019.

Fonte: Acervo dos autores.

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Após a formação do grupo "Mapeando Memórias" e com o desenvolver do semestre, em plena
pandemia de Covid-19, que não perdia força na curva de aumento de casos, o grupo optou
por permanecer com os encontros virtuais. Porém, neste contexto de pandemia uma dúvida
permanecia: Será que este pequeno roteiro realmente expressa o conjunto Art Déco de Santa
Maria?

Finalmente, no dia 13 de janeiro de 2021, o grupo de acadêmicos percorreu na Avenida Rio


Branco o roteiro das treze edificações Art Déco, com o objetivo de fotografar os detalhes e
verificar o tempo para a sua execução. A partir desta caminhada foi deduzido que o percurso
com os três roteiros pode ser realizado em um turno e o percurso de apenas um estilo
arquitetônico pode ser realizado na metade do turno, facilitando assim as visitas rápidas e
instigando o retorno para os demais roteiros.

Na ocasião da visita, também foram registrados os detalhes das edificações, assim permitindo
a construção de um quadro de referência-collage que serviu de base para a elaboração de
um "atlas” de memórias arquitetônicas, um pequeno registro de elementos decorativos das
fachadas que circulam na formação da imagem deste conjunto.

Este material faz parte das fases que antecederam a elaboração do Projeto Interpretativo, das
suas peças físicas e da sua finalização gráfica, e certamente será retomado em outras etapas
do projeto especificadas no seu detalhamento.

4- Projeto Interpretativo: os princípios e sua aplicação.

O projeto interpretativo, segundo Murta (2002), deve buscar o equilíbrio entre a preservação
e a hospitalidade para proporcionar ao máximo a experiência da visita, pois não há
preservação sem público, iniciamos as reflexões sobre a estrutura básica do projeto que foi
desenvolvido. Ele configura-se muito mais que um projeto de sinalização, composto por
placas, totens e materiais auxiliares, pois com base nele conseguimos efetuar passeios
culturais acrescidos de informações aliadas à educação patrimonial. Os roteiros do
interpretativo são realizados pelo visitante sem a presença de um guia e sua elaboração
consiste em seguir os seis princípios, conforme Albano e Murta (2002):

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(...) (i) sempre focalizar os sentidos do visitante, de forma a estabelecer a
conscientização pessoal sobre determinadas características do ambiente; (ii)
revelar sentidos com base na informação e não apenas informar; (iii) utilizar
muitas artes visuais e de animação, seja o material apresentado científico,
histórico ou arquitetônico; (iv) não apenas instruir, mas provocar, estimulando
a curiosidade do visitante, encorajando a exploração mais aprofundada do
que está sendo interpretado; (v) apresentar a história completa, em vez de
parte desta; dirigir-se à pessoa inteira; (vi) ser acessível a um público o mais
amplo possível, levando em consideração necessidades especiais (TILDEN
apud ALBANO; MURTA, 2002, p. 18).

No projeto interpretativo, a integridade do lugar e seus valores deverão ser mantidos dentro
de uma estrutura comercial, para tanto ela precisará ser sustentável economicamente e
socialmente, assim como deverá ser capaz de compartilhar as opções já existentes de
entretenimento e lazer do local.

Logo, envolver a comunidade local no planejamento interpretativo, possibilitando à população


participar e usufruir de seus resultados é uma etapa fundamental deste processo. Dessa
maneira, a interpretação pode se tornar um poderoso aliado do desenvolvimento local
sustentável, pois

(...) uma comunidade que não conhece a si mesma dificilmente poderá


comunicar a importância de seu patrimônio, seja na interação com os
visitantes, seja na sensibilização das operadoras. (...) A prática interpretativa
deve levar os moradores a (re)descobrir novas formas de olhar e apreciar seu
lugar, de formas a desenvolver entre eles atitudes preservacionistas.
Finalmente, deve despertar novas vocações e possibilitar oportunidades de
trabalho e renda ligados ao turismo (ALBANO; MURTA, 2002, p.11).

Neste sentido, a seleção da memória e a sua preservação ultrapassam o limite do edificado e


se aproximam das questões referentes à memória cultural, aos espaços de recordação que
possuem um poder de vínculo com a comunidade. Ao admitirmos a ligação, muitas vezes
indissociável, entre memória e espaço precisamos refletir, também, sobre o esquecimento e
o poder que tem o arquiteto sobre ele, sobre a edificação que será objeto do projeto. Assim,
aproximamos as questões referentes à preservação do patrimônio edificado ao pensamento
de Assmann:

Por um lado, espaços de recordação surgem por meio de uma iluminação


parcial do passado, do modo como um indivíduo ou um grupo precisam dele
para a construção de sentido, para a fundação de sua identidade, para a
orientação de sua vida, para a motivação de suas ações. (...) O que se
seleciona para a recordação sempre está delineado por contornos do
esquecimento. O recordar que enfoca e concentra implica esquecimento
(ASSMANN, 2011, p.437).

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Com base neste estudo iniciou a pesquisa pelos projetos similares nacionais e internacionais.
Os nacionais permitiram o estudo das aplicações em áreas tombadas pelo IPHAN que
seguem as orientações de alguns manuais, porém na sua totalidade além dos totens são
aplicadas placas de identificação dos roteiros nas fachadas das edificações tombadas. Já os
estudos internacionais permitiram a exploração de roteiros que utilizam placas de identificação
no piso, que após avaliação do grupo seriam a melhor maneira de não causar interferência
nas fachadas dos percursos.

Nos estudos de caso internacionais, destacaram-se: A Rota do Modernismo (ES), O Jubileu


de Prata (UK) e A trilha da Liberdade (USA). Todos possuem a marcação no piso por meio
de pequenas peças rompendo com o padrão existente. Na Trilha da Liberdade podemos
observar a inclusão de um aplicativo acessado pelo smathphone, demonstrando a
possibilidade de adaptação e potencialização destas rotas por meio de novas tecnologias.

Ao final da pesquisa foi possível definir as diretrizes do projeto e a validação dos roteiros
escolhidos.

4.1- Mapeando Memórias: o projeto interpretativo no Centro Histórico de Santa


Maria.
Contar a história da cidade é trazer à tona memórias, afetos, pessoas, experiências, é falar
do seu patrimônio histórico-cultural. Essa memória é viva não só nas lembranças, mas está
expressa nos prédios históricos. Como forma de preservar estas lembranças em Santa Maria,
foi elaborado o Projeto Interpretativo Mapeando Memórias, constituído por um roteiro, que
dividido em três percursos, elenca 35 edificações que pertencem ao Ecletismo, Art Déco e ao
Movimento Moderno.

Baseado nos seis princípios propostos por Albano e Murta (2002), o projeto Mapeando
Memórias visa focalizar a experiência do visitante nos três percursos, bem como valorar e
potencializar o patrimônio arquitetônico local, por meio de estratégias interpretativas, que
buscam o envolvimento da comunidade e da política municipal, iniciando um movimento de
educação patrimonial direto com a população. Desta forma, de maneira ampla e instigando a
curiosidade os roteiros serão compostos por um totem, sinalização no piso e QRcode,
permitindo a exploração da área de forma autônoma. Portanto, o projeto interpretativo
elaborado possibilitará, no momento da sua implantação, autonomia aos visitantes, sejam eles
moradores ou turistas, além de criar uma cultura de preservação, tão necessária na cidade.
Afinal, entende-se que o objeto deste projeto tem a vocação de estreitar essa história,

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proporcionando a valorização da sua memória, efetiva e afetiva, a partir dos remanescentes
arquitetônicos, impactando futuras gerações. A este respeito, Belo (2018), afirma que:

A partir da valorização do bem patrimonial com o apoio e a sensibilização da


população local e dos turistas/visitantes, cria-se uma barreira de proteção que
vai contribuir diretamente na geração do respeito e do apreço por aquilo que
não é apenas uma mera obra, mas sim parte da história de um povo. O
patrimônio cultural passa a ser visto como uma memória coletiva construída
com o objetivo de ser repassada às gerações futuras (BELO, 2018, p. 5).

4.2- Mapeando Memórias: os roteiros


Para conhecer a nossa história, o Roteiro Mapeando Memórias dividiu-se em três roteiros que
elencam edificações pertencentes ao Ecletismo, Art Déco e ao Movimento Moderno, estilos
que representam as camadas da nossa história. Na primeira camada, constata-se que desde
o momento da implantação da ferrovia até meados da década de 1930, o município
caracterizava-se por uma arquitetura de feições ecléticas, aliada ao crescimento da
importância da cidade (MARCHIORI; NOAL FILHO, 1997). Após 1930, identificou-se o
surgimento da segunda camada através da transformação na cidade com o desenvolvimento
do Art Déco, que culminou em um conjunto de diversas edificações, não apenas na área
central, e a modernização urbana de espaços públicos. Por fim, a partir da década de 1950,
surgiram edificações de caráter modernista em menor número, e somente na década de 1960,
determinado por Foletto (2008) de modernismo funcionalista, o desenvolvimento do uso do
concreto armado vinculado à instalação da Faculdade de Engenharia e a formação de
engenheiros pela UFSM possibilitou a preponderância da simplicidade e linhas retas
abandonando a decoração supérflua, finalmente sobressaindo, suplantando suas
características quando comparado ao Art Déco.

Sintetizando estas informações, o Roteiro Mapeando Memórias dividiu-se em três roteiros,


elegendo edificações conforme seu período histórico e características arquitetônicas,
dispondo-as conforme o percurso, e não cronologicamente.

O roteiro Eclético, caracterizado pela simetria e grandiosidade, possui 16 edificações:


Palacete Astrogildo de Azevedo (1913); Clube Caixeiral Santamariense (1926); Banco
Nacional do Comércio (atual Caixa Econômica Federal) (1917); Sociedade União dos
Caixeiros Viajantes (SUCV) (1926); Residência Mariano da Rocha (1893); Catedral
Metropolitana de Santa Maria (1909); Palacete Fortunato Loureiro (1907); Escola de Artes e
Ofícios Hugo Taylor (Carrefour) (1929); Hotel Glória (Prédio 8 UFN) (1920); Residência
Valentin Fernandes (1930); Gare (Antiga Estação Ferroviária) (1899); Vila Belga (1907);
Colégio Manoel Ribas (1930); Residência Família Cechella (década de 1930); Residência
Família Medeiros (década de 1930) e Casa de Aldorindo Fernandes (1912).
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O roteiro Art Déco, marcado pelo uso de linhas retas, figuras geométricas e ornamentos,
possui o total de 13 edificações, sendo elas: Palácio da Justiça (1944); Edifício Cauduro
(antigo Hotel Jantzen)(1941); Edifício Mauá (1950); Edifício Francismari (1953); Residência
Carmem Bicca (1938); Edifício Emérita (1950); Edifício Ibirapuitan (década de 1950); Edifício
Santa Maria (1967); Edifício Dr. Eduardo de Moraes (década de 1950); Edifício de Raimundo
Cauduro (1961); Edifício Correio do Povo (década de 1960); Edifício Difusão Eletrônica
(década de 1960) e Edifício Mabi (1957).

Por fim, o roteiro Modernista é identificado pelo uso de formas geométricas definidas, falta de
ornamentação, uso do vidro, do paisagismo, de azulejos decorados, de murais e esculturas
nas fachadas. 6 edificações pertencem a este percurso, são elas: Edifício Taperinha (1959);
Residência Dátero Maciel (1936); Prédio Central dos Correios e Telégrafos (1953); Galeria do
Comércio (década de 1950); Cacism (década de 1970) e Antiga Reitoria da UFSM (1960).

4.3- Mapeando Memórias: meios de interpretação


O Roteiro Mapeando Memórias e seus três percursos serão apresentados à comunidade por
meio de um totem que será inserido na Praça Saldanha Marinho, marco inicial dos percursos.
Nele consta o mapa ilustrativo apresentando os pontos de parada dos percursos, bem como
um QRcode que direcionará ao banco de dados das edificações. Para não agredir a paisagem
do Centro Histórico, foram escolhidos materiais presentes no local e de pouco contraste, como
o Basalto natural fixado em uma estrutura metálica e a placa acrílica com o mapa impresso.

Para o piso, optou-se pelo uso de ladrilhos hidráulicos compostos por seis módulos nas cores
cinza e preto. Instalados nas calçadas das edificações, os ladrilhos servirão como um “tapete”
de boas-vindas ao visitante que irá apreciar a fachada e conhecer um pouco mais da história
daquela edificação, além de indicar o estilo arquitetônico no qual a edificação pertence.

Os QRcodes, ainda em construção, serão instalados de forma discreta e sem prejudicar a


fachada das edificações, permitindo que o visitante possa explorar os percursos de forma
autônoma. Cada edificação possuirá seu próprio QRcode, que direcionará o visitante à uma
página na internet onde ele encontrará as seguintes informações referentes à edificação,
imagens antigas e atuais, complementadas por textos descritivos e depoimentos dos
moradores disponibilizados por meio de texto e áudio, tornando o percurso ainda mais
inclusivo.

Sua implantação ainda necessita de um trâmite interno na Prefeitura Municipal, mas já se


configura como uma proposta eficaz para a construção da aproximação da sociedade com
sua história. Uma proposta de baixo valor econômico quando comparada ao impacto positivo
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que propiciará no decorrer do processo, ainda o projeto poderá ser ampliado para outras áreas
e outros conjuntos patrimoniais, pois nas pesquisas realizadas foram encontradas outras
centralidades remanescentes com potencialidades para a elaboração de outros roteiros,
algumas localizadas próximas e outras afastadas da área central.

Antes da implantação, a comunidade será incluída no processo na construção das memórias


e com sua participação nos “Giros Históricos”, e por consulta pública. Estas ações auxiliarão
não apenas o engajamento com a proposta, como ainda futuras ações que estão sendo
desenvolvidas para a área em outras parcerias da prefeitura.

Portanto, entende-se que o objeto deste projeto tem a vocação de estreitar essa história,
proporcionando a valorização da sua memória, efetiva e afetiva, a partir dos remanescentes
arquitetônicos e será capaz de impactar futuras gerações.

Figura 4: Perspectivas das peças do Projeto Interpretativo composto por Totem (à esquerda) e
"tapetes" formados pelos ladrilhos hidráulicos (à direita), 2021.

Fonte: Acervo dos autores.

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5- Considerações finais

Após a desproteção da Zona 2, Centro Histórico, se fez necessária a criação de alternativas


para estimular a salvaguarda das edificações remanescentes. Por meio da atividade
extensionista da disciplina de Ateliê de Projetos Integrados e da formação do grupo de
extensão Mapeando Memórias foi possível a elaboração do Projeto Interpretativo que servirá
de ferramenta de educação patrimonial.

Já no primeiro “Giro Histórico” podemos observar a potencialidade dos percursos como


eventos motivadores e de troca de experiências entre os acadêmicos e comunidade,
possibilitando a construção do pertencimento e resgate das histórias pessoais, ou seja, uma
atividade que supera a esfera histórica e alcança a memória coletiva. Experiência que projeta
o patrimônio ferroviário e suas transformações urbanas, afinal este foi o primeiro grande ciclo
econômico com intensa repercussão na evolução da cidade.

Neste contexto, o projeto interpretativo utilizou os “Giros Históricos” como base para a
consolidação dos seus roteiros, assim como a análise da metodologia dos seis princípios
(MURTA; ALBANO, 2002) e os estudos de caso que permitiram seu delineamento final. A
proposta concluída consiste em um conjunto formado pelo totem e por suas placas de
identificação de piso que permitem uma solução econômica sem agredir as edificações e suas
visuais.

Somado ao projeto interpretativo, a educação patrimonial permitirá reforçar esta união e


propiciará, ainda, a continuidade da preservação por meio do sentimento de pertencimento,
em um momento em que as questões relativas à valoração do tombamento ainda estão
distantes dos interesses da sociedade. Tornando possível a implantação efetiva e,
consequentemente, evitando a rejeição na futura ocasião da sua inserção e manutenção.

Afinal, para compreender a história precisamos percorrer as sobrevivências de vários tempos,


uma cronologia heterogênea que não almeja a síntese e sim compreender a complexidade do
espaço, por meio dela, conseguiremos manter os símbolos que representam Santa Maria e
ajudaram a construir seu espaço urbano, ao invés de apoiar a salvaguarda apenas na
elaboração de decretos e leis.

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Referências Bibliográficas
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BELO, L. V. Tecnologia e Cultura: a interpretação do patrimônio cultural de Irati/PR por meio


de recursos tecnológicos. Fórum Internacional de Turismo do Iguassu. Foz do Iguaçu, 2018.

BELTRÃO, Romeu. Cronologia Histórica de Santa Maria e do Extinto Município de São


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FOLETTO, Vani (org.). Apontamentos sobre a história da arquitetura de Santa Maria.


Santa Maria: Pallotti, 2008.

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2 ed. Santa Maria: Ed.; da UFSM, 2008.

MURTA, Stela M.; ALBANO, Celina. Interpretar o patrimônio: em exercício do olhar. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, Território Brasilis, 2002.

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A SERRA DA CALÇADA COMO MARCO HISTÓRICO
SIGNIFICATIVO DA GRANDE BH (MG): recortes espaciais e
medidas protetivas de salvaguarda do patrimônio cultural e
ecológico frente à construção do Rodoanel
ANDRADE, Vagner Luciano de (1);

1. Rede Ação Ambiental, Programa Agente Ambientais em Ação.


Rua Vinte e Seis, 85, Zona Rural – Bela Vista (CEP 32.421-020)
Ibirité - MG. E-mail: reacao@yahoo.com
RESUMO

A biodiversidade, assim como a geomorfologia, são extremamente impactados pela


urbanização. Assim a requalificação ambiental, pressupõe elencar a paisagem, em
especial os geossistemas, como elementos a serem resguardados da ação
humana A Serra da Calçada, trata-se de um espaço com potencialidades
interdisciplinares para o estudo do meio (sítio-homem-paisagem). A partir de
múltiplas memórias coletivas, percebem-se narrativas ecológicas que atestam e
legitimam a eleição da paisagem geológica, enquanto elemento do patrimônio
cultural local. A partir dos acervos naturais ameaçados, o presente trabalho registra
e divulga alguns aspectos paisagísticos do meio ambiente no entorno da Serra.
Esta elevação é entendida pelas comunidades adjacentes como um dos marcos
histórico-culturais significativos da Grande BH (MG) e em decorrência da
especulação imobiliária e da expansão minerária, seus recortes espaciais
encontram-se ameaçados conclamando a coletividade para a tomada emergencial
de medidas protetivas com vistas à salvaguarda do patrimônio ecológico. Assim
comunidades adjacentes se mobilizam contra a construção do destrutivo e
inaceitável rodoanel, também chamado de rodominério, cuja alça sul afetará
diretamente esta área.

Palavras chave: Mineração, Impactos, Patrimônio, Paisagem, Urbanização.

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
1. Introdução

Baseado numa velha retórica que afirma que o Anel Rodoviário Celso Mello
Azevedo, em Belo Horizonte, encontra-se saturado e sobrecarregado, o governo
estadual de Minas Gerais celebrou um convênio com a Vale para receber valores
elevados inerentes à compensação ambiental pela tragédia de Brumadinho
ocorrida em 25 de janeiro de 2019. Após discussões polêmicas envolvendo o
Legislativo Mineiro e com ampla mobilização popular, os acordos milionários foram
firmados e vertem para várias ações, dentre elas a construção de um Rodoanel.
Esse Rodoanel, já renomeado de Rodominério, por sua vez trará grandes impactos
sociais e ambientais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte e tem sido
motivo de discussão e resistência por parte das comunidades direta e indiretamente
afetadas, como Piedade (Figura 01). O termo Paraopeba além de nomear
preteritamente a serra, também emprestava seu topônimo à vila de Piedade. A
AMDA - Associação de Defesa do Meio Ambiente (2021), organização não
governamental criada em 18 de agosto de 1978, argumenta que:
A construção do Rodoanel Metropolitano de BH volta à tona, com o
governo de Minas anunciando que será custeado com recursos da
indenização pleiteada à Vale em função do desastre da mina do Córrego
do Feijão. A empresa patrocinou os estudos preliminares do mesmo. O
traçado da Alça Sul disponibilizado no site da Secretaria de Infraestrutura,
se mantido, causará impactos ambientais inaceitáveis.
Pela proposta apresentada, o segmento sul da nova rodovia inicia-se na
BR-381, em Betim, e tangencia os limites do Parque Estadual da Serra do
Rola Moça, cortando importantes áreas naturais da Vale e de terceiros,
algumas já declaradas como Reservas Particulares de Patrimônio Natural.
Estas áreas, situadas ao longo do alinhamento das serras do Rola Moça
e dos Três Irmãos, além de funcionarem como significativo corredor de
ambientes naturais, protegem o manancial de água do Rio Paraopeba,
considerado o segundo mais importante de toda a RMBH.

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Figura 03 - Matriz de Nossa Senhora da Piedade, Distrito de Piedade do Paraopeba
Fonte: https://www.folhadebrumadinho.com.br/nossa-linda-brumadinho/

Para dimensionar o projeto entende-se o mesmo a partir de duas


perspectivas: uma Alça Norte, saindo da BR-381, que liga Belo Horizonte a São
Paulo cortando os municípios de Contagem, Ribeirão das Neves, São José da
Lapa, Vespasiano e Santa Luzia chegando a BR-381 na altura do bairro Bom
Destino, sentido Vitória. Por onde passará a Alça Norte, há na área de expansão
urbana com intensa fragmentação de áreas de cerrado preservado, sendo que nem
uma unidade de conservação foi pensada para esta região, como contrapartida ou
compensação ambiental pelo danos ocasionados. Para a AMDA (2021):
É de conhecimento público o gigantesco potencial de danos
ambientais causados por rodovias. Começam durante a construção, com
a remoção da vegetação natural, barulho de máquinas que apavoram a
fauna, movimentação de terra que em boa parte é carreada para cursos
d’água e lixo. Mas, o pior acontece quando são abertas ao tráfego.
No caso do Rodoanel Sul, a Serra da Calçada e o Parque
Estadual da Serra do Rola Moça funcionam atualmente como limitadores
à ocupação humana. O traçado proposto abrirá as portas para que isso
aconteça, ampliando a derrubada da Mata Atlântica, aumentando os
riscos de incêndios, presença de lixo e o flagelo ambiental do
atropelamento de animais silvestres, considerado hoje como uma das
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maiores causas de extermínio da fauna nas regiões brasileiras mais
densamente ocupadas.
Não se discute aqui a importância do Rodoanel, cuja necessidade
é inquestionável, já que o atual foi engolido pela expansão urbana
desordenada, permitida pelo poder público. Mas também inquestionável é
a necessidade de proteção dos ambientes naturais e do patrimônio
histórico-cultural que o traçado proposto atinge. Há alternativas de muito
menor impacto e custo, que não podem ser ignoradas. Conciliar os dois
aspectos é dever do governo. O Rodoanel é necessário. Mas não mais
que os serviços ambientais, sociais, culturais e econômicos prestados
pela natureza.

Uma das necessidades seria a ampliação do Parque Estadual Serra do


Sobrado, em São José da Lapa, para terras de Ribeirão das Neves e Pedro
Leopoldo, bem como a ampliação dos outros parques estaduais do vetor norte
metropolitano. A Alça Sul também é bastante polêmica e sairá da BR 381, também
no trecho Belo Horizonte/São Paulo, a partir da Refinaria Gabriel Passos, cortando
o município de Ibirité, sentido BR 040 (Rio de Janeiro). A organização não
governamental (2021) defende que:
Caminhando em direção à BR-040, saída para o Rio de Janeiro,
a rodovia atravessará, nas imediações de Casa Branca/Brumadinho,
esplêndidos remanescentes de Mata Atlântica, como os da Fazenda
Jangada, da Vale. Seguindo em direção à Serra da Calçada, a rodovia
cortará seu trecho mais importante pelos aspectos geomorfológico e de
biodiversidade – a Tutaméia, onde grandes e antigos remanescentes de
Mata Atlântica, com árvores colossais, Cerrados e várias tipologias
campestres, incluindo os raríssimos campos ferruginosos, graminosos e
quartzíticos, marcam a diversidade da paisagem.
Parte desta área encontra-se protegida pelo Monumento Natural
da Serra da Calçada, que abriga relíquias históricas, como o Forte de
Brumadinho, cuja implantação remonta ao ciclo do ouro, e várias trilhas
pavimentadas com pedras. Elas eram usadas no século XVIII para
transporte de alimentos entre a localidade de Piedade do Paraopeba e os
centros mineradores de Ouro Preto, Congonhas e Mariana. O local fica
apenas a 25 km de Belo Horizonte e tornou-se ponto de atração turística
para caminhantes e ciclistas.
Apesar de tão próximos à capital, os ambientes naturais neste
trecho da serra e no vale do Paraopeba, em Brumadinho, abrigam animais
ícones de nossa fauna, como a onça-parda, lobo-guará e diversas outras
espécies ameaçadas de extinção, ocorrências que indicam o alto nível de
conservação dos mesmos. Curiosamente, o traçado proposto parece
basear-se no estranho princípio de “áreas despovoadas”, como se
animais, rios e florestas não “povoassem” a região.

Em áreas de remanescentes de vegetação nativa estão previstos a


construção de três túneis que cortarão a serra do Rola Moça e a Serra da Calçada.
O Parque Estadual do Forte Paraopeba, entre as serras da Calçada e Ouro Fino é
uma compensação ambiental mínima para a irreversibilidade dos danos projetados.
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2. Área de estudo

Como no entorno insere-se a mineração, discute-se em tempos atuais a


construção de um eixo rodoviário que passará pela serra da Calçada, que segundo
o site do IBRAM - Instituto Brasileiro de Mineração (2021):
Governo de Estado não tem recursos para transformar a área da Serra da
Calçada, a 25 quilômetros de Belo Horizonte, entre os municípios de Nova
Lima, Itabirito e Brumadinho, na Região Metropolitana, em um parque
estadual. A informação foi dada ontem pelo subsecretário de Gestão
Ambiental, Ilmar Santos, um dos convidados para a terceira e última
audiência pública realizada pela Comissão Especial das Serras da
Calçada e da Moeda, realizada na tarde de ontem na Assembleia
Legislativa. Segundo ele, a desapropriação do terreno, que pertence a
uma mineradora, seria muito cara, e, além disso, a empresa já tem
interesse em criar uma reserva de patrimônio natural. A informação
desagradou os integrantes da Arca Amaserra, que reúne ambientalistas e
moradores da região da Serra da Calçada que querem a criação do
parque para sua preservação. A presidente da entidade, Jeanine
Baraillon, disse que o ideal seria a total preservação da área, já que teme
que nem a proposta da empresa seja respeitada. Ela apresentou vídeos
para mostrar a beleza da área de 1,1 mil hectares e os buracos abertos
pela mineradora para avaliar o potencial extrativo da região, trabalho que
foi impedido de ter continuidade pelo Ministério Público. O Instituto
Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha)
tombou provisoriamente a área.

A localidade de Piedade do Paraopeba, município de Brumadinho, terceira


povoação mais remota de Minas Gerais fundada pelo bandeirante paulista Fernão
Dias Paes Lemes em 1694. Ferreira (2005, p. 34) assegura que:
Fernão Dias Pais era um sertanista experiente e recebeu, em 21
de setembro de 1664, uma Carta Régia do Rei de Portugal, D. Afonso VI,
recomendando-lhe empenho na busca das minas de esmeraldas. Em
1672 Fernão Dias foi nomeado “Governador das minas de prata e
esmeraldas” com plenos poderes para governar o sertão. A formação da
bandeira tinha uma estrutura militar. Na frente viria uma vanguarda
chefiada por Matias Cardoso de Almeida, um experiente sertanista
paulista. O objetivo dessa entrada era plantar roças que seriam o sustento
da bandeira. A primeira bandeira de Matias Cardoso de Almeida partiu em
1673 e possuía 125 homens, sendo que 120 eram escravos índios. Os
índios Mapaxós e Cataguás tentaram resistir, mas foram vencidos pelos
bandeirantes. Muitas terras de minas possuem o nome de “Conquista”
devido às duras lutas para vencer os índios. A segunda bandeira partiu
em 1674, comandada por Bartolomeu da Cunha Gago, com 31 homens.
A terceira partiu em 21 de julho de 1674, chefiada por Fernão Dias Pais,
com 1241 homens, sendo apenas 40 brancos. Alcançando a Serra do
Espinhaço, três caminhos se revelaram para os bandeirantes: à esquerda,
o Vale do Rio Pará; ao centro, o Vale do Paraopeba, e, à direita, o Vale

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do Rio das Velhas. A bandeira seguiu pelo Vale do Paraopeba,
penetrando, depois, no Vale do Rio das Velhas.

Anteriormente denominada de Serra do Paraopeba, nesta área (Figura 02)


insere-se o Forte do Paraopeba, uma fortificação do século XVIII, destinada à
mineração aurífera com emprego de negros escravizados. De acordo com Tofani e
Tofani (2019, p. 08-09):
A descoberta da jazida de ouro de morro que ensejaria a existência do
complexo de exploração aurífera do Forte de Brumadinho e contribuiria,
em alguma medida, para a existência da vizinha vila de Piedade do
Paraopeba deve ter se dado no bojo da exploração de jazidas secundárias
de ouro de aluvião que esquadrinhou o rio Paraopeba no final do século
XVII. Esse movimento eventualmente avançou sobre as contíguas bacias
de dois afluentes orientais de seu curso médio – os ribeirões Piedade e
Casa Branca –, alcançou os córregos Carrapato e Pau-branco (na bacia
do Piedade), os córregos Fundo, Senzala, Bernardino, Retiro das Pedras
e Morro Velho e o ribeirão Catarina (na bacia do Casa Branca) e, por fim,
chegou às suas nascentes nos altos da Serra da Moeda. Então, em um
momento que talvez jamais se saiba com precisão, alguém descobriu –
onde o divisor de águas entre o Bernardino e o Senzala cruza a linha de
contato entre os afloramentos quartzíticos e os morros filíticos – a rica
jazida aurífera primária cuja extração motivaria o que pode ter sido um dos
primeiros, maiores e mais importantes empreendimentos auríferos
estabelecidos pelos portugueses na Serra da Moeda ou, talvez mesmo,
no que foi a capitania de São Paulo e Minas de Ouro (1709-1720) e,
depois, a capitania de Minas Gerais (1720-1821).

Figura 02 - Área elencada para Estudos Interdisciplinares


Fonte; https://www.cedefes.org.br/comissao-de-meio-ambiente-vai-decidir-se-mananciais-de-
fechos-devem-servir-a-populacao-de-bh-ou-a-mineracao/

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3. Metodologia

Novamente, pois, o traçado rodoviário, bem como a construção dos


respectivos túneis e dos trechos rodoviários ocasionarão a descaracterização de
uma região de imenso valor cultural ecológico. Escritos do Projeto Manuelzão
(2020) declaram que:
Sobre o Rodoanel: As entidades e movimentos ambientais que assinam a
representação apontam que, em sua alça Sul, o projeto acarretará a
destruição de patrimônios históricos, sítios arqueológicos e nascentes,
supressão de vegetação, perda de biodiversidade, obstáculos à atividade
turística, dentre outros. Isso porque o traçado sul interceptaria a unidade
de conservação de proteção integral Monumento Natural da Serra da
Calçada, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e grande área de
Mata Atlântica, Cerrado e campos rupestres ferruginosos. As áreas de
preservação nos limites de Brumadinho e Nova Lima abrigam enorme
biodiversidade, mananciais indispensáveis para o abastecimento de Casa
Branca e Ibirité e várias propriedades rurais e condomínios

É preocupante a remoção da vegetação, além de uma série de impactos


significativos. Aragão e Melo (2019), são convincentes em suas argumentações:
Além de sua beleza cênica formada pela conversa peculiar de dois
biomas, o chamado campo rupestre ferruginoso de topo de morro junto ao
cerrado, a região da Calçada foi palco de um complexo de exploração de
ouro no século XVIII. A Mineração de morro, com a chamada técnica de
talho aberto era comum à época, onde na Serra se encontram ainda hoje
ruínas edificadas que faziam parte da dinâmica que fez do Brasil, ator de
destaque internacional com a riqueza das Gerais. A região foi, sem dúvida,
testemunha das primeiras ocupações de Minas, incentivando seus
primeiros povoamentos e núcleos urbanos, além de registros
arqueológicos. Devido à mão de obra escrava utilizada para a extração de
ouro e para a construção desse complexo, a região também é permeada
de um apelo imaterial devido à alma NEGRA que foi primordial naquele
lugar. Em resumo, uma excepcional sobreposição de valores naturais e
culturais.

Para se dimensionar a Serra da Calçada como marco histórico-cultural


significativo da Grande BH (MG) é preciso a continuidade da mobilização que já se
encontra consolidada contra o rodoanel metropolitano (Figura 3). Sena; Lobo;
Ruchkys (2020).
Destarte, no contexto do processo de desenvolvimento do Brasil colonial
e imperial, a paisagem teve forte influência da ação minerária no período
conhecido como Ciclo do Ouro, deixando vestígios relevantes para se
compreender a história do país. Este período histórico teve papel
preponderante na produção do patrimônio geocultural, ou geológico e
mineiro, de Minas Gerais, deixando traços de um momento em que a
geodiversidade ocupou significativa função para o desenvolvimento

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econômico regional e nacional. A exploração do ouro, que se iniciou ao
fim do século XVII e alcançou seu apogeu de produção em meados do
século XVIII, se espalhou por várias localidades do estado e foi seguida
de uma vertiginosa queda na produção no início do século XIX. Os
vestígios da mineração de metais preciosos e da metalurgia, construções
rudimentares e coloniais são elementos geoculturais que carregam partes
relevantes da história de Minas Gerais, e integram significativamente a
paisagem do Quadrilátero Ferrífero, importante pólo minerário nacional.

Figura 3 - Rodoanel
Fonte:
https://www2.bdmg.mg.gov.br/CessaoOnerosa/Consulta%20P%C3%BAblica%20Rodoanel%20Metropolitano
%20-
%202021/Cadernos%20de%20Engenharia/Geotecnia/estudo%20geotecnico/SUL/ESTUDOS%20GEOTECNI
COS%20AL%C3%87A%20SUL%20COM%20SONDAGENS.pdf

Utiliza-se a denominação de Forte do Paraopeba, e não Forte de


Brumadinho, pelo fato de que na época de edificação da construção da fortificação,
a municipalidade constituída apenas no início do século XX, não existisse, e por
isso, provavelmente não o nomeasse, de fato. No âmbito estadual, a Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (2011) detalhou que:
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Délio Malheiros acrescenta que a discussão deve ganhar um contorno
maior, ampliando-se os debates para os problemas dos corredores
ecológicos do vetor sul da Região Metropolitana, “para que a
biodiversidade ecológica das unidades de conservação ambiental ali
existente possa ser preservada". O deputado é autor do Projeto de Lei
(PL) 1.810/11, que integra a Serra da Calçada ao Parque Estadual da
Serra do Rola Moça. O projeto tramitou na legislatura passada com o nº
1.304 e foi arquivado devido ao fim da legislatura. Ele está em análise na
Comissão de Constituição e Justiça.

Bem, o Tombamento Municipal do Forte ocorreu com o advento do Decreto


Municipal n.º 014, de 2009. A Prefeitura Municipal de Nova Lima, através do
Decreto nº 5.320, de 05 de junho de 2013.
O Prefeito do Município de Nova Lima, Estado de Minas Gerais, no uso
de suas atribuições constitucionais e legais, especialmente quanto ao
disposto no inciso VIII, do artigo 87, da Lei orgânica, concomitantemente
ao estatuído na Lei no. Municipal no 1.727, de 07 de novembro de 2002,
na Lei no. Municipal no 2007, de 28 de Agosto de 2007 e no artigo 12, da
Lei no. Federal no 9.985, de 18 de Julho de 2000; DECRETA:
Art. 1o- Fica declarado MONUMENTO NATURAL A SERRA DA
CALCADA, Unidade de Proteção Integral, de uso indireto, delimitado no
anexo do presente Decreto.
Art. 2º- O Monumento Natural a que se refere este Decreto tem como
objetivo básico preservar os sítios naturais raros, singulares e de grande
beleza cênica e, por objetivos específicos, a salvaguarda da
biodiversidade, dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, dos
sítios de valor arqueológico, paleontológico, espeleológico, ecológico,
histórico, cientifico, cultural e dos valores turísticos regionais.
1o O Monumento Natural Municipal e constituído por áreas particulares,
sendo possível compatibilizar os seus objetivos com a utilização da terra
e dos recursos naturais do local pelos proprietários, havendo plena
aquiescência as condições propostas pelo órgão responsável pela
administração da unidade.
2o A visitação pública está sujeita as normas e restrições estabelecidas no
Plano de Manejo da unidade, as normas estabelecidas pelo órgão
responsável por sua administração, e aquelas previstas em regulamento.
Art. 3o- O Monumento Natural Serra da Calcada será administrado pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Nova Lima, SEMAM, que terá
o prazo de 1 (um) ano para providenciar a elaboração e aprovação do
respectivo plano de manejo.
Parágrafo único. Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as
atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de
proteção integral devem se limitar aquelas destinadas a garantir a
integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger.
Art. 4o- O órgão municipal de meio ambiente expedira atos normativos
complementares necessários ao cumprimento deste Decreto. Art. 5o- Este
Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
ROBERTO MESSIAS FRANCO, SECRETARIO MUNICIPAL DE MEIO
AMBIENTE; CASSIO MAGNANI JUNIOR, PREFEITO MUNICIPAL

E acerca do forte (Figura 4), Tofani e Tofani (2019, p. 08-09) descrevem que:

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Em que pese as dificuldades colocadas à compreensão desse complexo
pela inexistência de fontes documentais versando sobre ele antes de
meados do século XX, as características espaciais e construtivas de seus
remanescentes, as dimensões naturais do espaço onde estão inseridos e
o que se sabe da história regional, nacional e lusófona possibilitam
produzir diversas inferências, hipóteses e questões. Nesse sentido, pode-
se afirmar inicialmente que a exploração da jazida aurífera primária lá
evidenciada consistiu em um empreendimento invulgar, que exigiu
vultosos investimentos em tecnologia minerária e força de trabalho
escrava, ao contrário da exploração de jazidas secundárias de ouro
aluvional, sabidamente mais simples, menos dispendiosa e, portanto,
mais acessível à maioria dos mineradores portugueses e luso-brasileiros
de então. Isso fica evidente pelas grandes dimensões e pela sofisticação
construtiva de algumas estruturas que foram produzidas nesse complexo
e, em particular, a que seria conhecida, a partir de um momento
indeterminado, como Forte de Brumadinho.

Figura 4
Fonte: https://www.chicotrekking.com.br/2013/03/forte-de-piedade-em-brumadinho-beleza-e.html

Áreas naturais muito preservadas, a exemplo do Parque Estadual do Rola


Moça, inserido desde 27 de setembro de 1994 estão ameaçadas, conforme detalha
a ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (2020).

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O Projeto de Lei (PL) 1.891/11, do deputado André Quintão (PT), que
dispõe sobre a proteção ambiental das Serras da Moeda e da Calçada,
está pronto para discussão e votação em 1º turno no Plenário da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Nesta terça-feira
(24/6/14), a proposição recebeu parecer favorável da Comissão de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O relator, deputado Célio
Moreira (PSDB), apresentou o substitutivo nº 1, que integra a Serra da
Calçada ao Parque Estadual da Serra do Rola Moça e cria o monumento
natural Mãe d'Água, na Serra da Moeda. De acordo com esse novo texto,
uma área de 2.175 hectares da Serra da Calçada passa a integrar o
Parque do Rola Moça. Para concretizar esse objetivo, ficam declarados
de utilidade pública, para desapropriação, os terrenos e benfeitorias
localizados nessa área. Essa desapropriação é de responsabilidade do
Instituto Estadual de Florestas (IEF), que deverá realizar um estudo
cartográfico para identificar esses imóveis.

4. Resultados e discussões

O Distrito de Piedade do Paraopeba está situado ao Sul da capital mineira,


no flanco da histórica Serra da Calçada, na municipalidade de Brumadinho. O site
do Condomínio Retiro das Pedras (2020) relata que:
Sua paisagem cultural é constituída pela memória histórica da mineração
dos séculos XVIII e XIX, registrada pelas edificações e estruturas de
mineração. Encontram-se na Serra, caminhos pavimentados em ruínas e
um dos remanescentes é a fábrica de São Caetano da Moeda Velha e
complexo minerário do “Forte de Brumadinho”. O tombamento estadual
do Conjunto foi efetuado em 2008. O processo de tombamento do
Conjunto Paisagístico da Serra da Calçada apresenta a análise das
características paisagísticas e culturais em sua expressão mais ampla e
abrangente, comungando com as teorias contemporâneas para a
proteção a bens de interesse de preservação. Os aspectos do conjunto
preservados são o somatório dos valores que a compõem: a memória
arqueológica impregnada na formação rochosa, a bacia hidrográfica em
sua totalidade, a formação geológica, a inserção antrópica ao longo dos
anos, a motivação histórica e paisagística, testemunho da ocupação
mineira e a beleza cênica da paisagem natural, entre outros.

Estando cerca de 35 quilômetros de Belo Horizonte, o acesso é pela BR-


040, sentido Moeda. Da Sede de Brumadinho, o distrito localiza-se cerca de 20
quilômetros e o acesso é por estradas municipais, uma via Melo Franco e outra por
Córrego do Feijão. Ferreira (2005, p. 42) aponta que:
Brumadinho é um município muito extenso e possui uma taxa pequena de
rodovias pavimentadas e a barreira das serras da Moeda e do Rola-Moça
dificultam o acesso, configurando um empecilho ao crescimento do
município. As serras definem as divisas do município. A cidade tem uma
grande oferta de lotes de 1.000 m2 para condomínios, mas possui pouca
porcentagem de ocupação, gerando ônus para o município e problemas
para os empreendedores. A situação mais crítica ocorre em Casa Branca,
com uma oferta de mais de 6.000 lotes com ocupação de apenas 10%. O
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crescimento urbano da sede é aceitável, sendo regulado pelo Rio
Paraopeba, a ferrovia e a topografia da região. A cidade apresenta uma
vocação para os condomínios horizontais, em proliferação, devido aos
seus mananciais, as encostas da suas serras, pela sua vegetação
preservada, pelo seu clima ameno com “brumas” e pela cordialidade de
seu povo. Os exemplos são o Retiro das Pedras, primeiro condomínio de
Minas Gerais, criado em 1972, o Retiro do Chalé, a Aldeia das Cachoeiras,
as Quintas de Casa Branca, todos próximos ao Alphaville Lagoa dos
Ingleses. A topografia suave na região de Palhano, Piedade do Paraopeba
e Casa Branca, com articulação feita pela BR-040 sul, sentido Belo
Horizonte – Rio de Janeiro, apresenta-se como um potencial para a
ocupação. No entanto o acesso ainda é precário, sinuoso e perigoso, com
rampas de alta declividade, tangentes curtas e curvas de raio pequeno.

Em meados da década de 1990, tentou sua emancipação de Brumadinho,


porém sem êxito. Naquela época, os povoados de Casa Branca e Córrego do
Feijão, então integrantes do distrito foram transferidos pera a sede municipal, por
causa de grandes empreendimentos econômicos minerários.
Córrego do Feijão é muito pequeno. São apenas algumas
dezenas de famílias distribuídas por meia dúzia de ruas. Para se chegar
lá, vindo de Belo Horizonte, é preciso atravessar o maciço de montanhas
do Parque Estadual da Serra do Rola Moça até o distrito de Casa Branca,
que tem bom comércio e vários condomínios de sítios. Dali são mais onze
quilômetros por estrada de terra até o povoado. A estrada se transforma
em rua principal de Córrego do Feijão e é possível atravessar o vilarejo a
pé em quinze minutos. Ali todas as famílias dependem, direta ou
indiretamente, da mineração de ferro feita na montanha que lhes rodeia e
lhes fecha o horizonte. Nesta manhã do dia seguinte da tragédia, os
números que dimensionarão o desastre ainda são imprecisos. Até a
liberação da primeira lista de resgatados, no início da noite de ontem, com
183 pessoas, falava-se da possibilidade de morte de algo entre 250 e 300
pessoas. Mas só na lista de ‘empregados não contactados’, divulgada
Vale nesta manhã, estão 413 pessoas. Hoje, torcemos para que os mortos
sejam contados as dezenas, mas poderão ser centenas. Mas, mesmo sem
a precisão da contagem dos mortos, já é certo que o rompimento da
barragem do Córrego do Feijão se trata da maior tragédia humana
provocada pela mineração no país, muito maior do que a ocorrida em
Mariana, há três anos, quando morreram 19 pessoas.

Todo o ano a localidade prepara-se para a Festa da Laranja, o Congado e o


Jubileu. Sobre o entorno destaca-se a Mãe d’Água, conforme descrição do Jornal
Hoje em Dias (2013):
Decreto assinado pelo prefeito de Brumadinho, Antônio Brandão, ampliou
a área de proteção integral chamada de Mãe D’água, na Serra da Moeda,
e inviabilizou investimentos milionários que mineradora Ferrous faria na
mina Serrinha, agora em área sob proteção ambiental. O Decreto
059/2013 tem força de lei e amplia o Monumento Natural Municipal da
Mãe D’Água, que vai atingir quase 500 hectares. A decisão também
garantirá a preservação de pelo menos 31 nascentes, que foram
mapeadas pelo governo local, entre elas a Mãe D’Água, responsável pelo

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abastecimento de grande parte de Brumadinho e que ainda contribui para
a recarga hídrica do rio Paraopeba. A Ferrous adquiriu a mina Serrinha
em 2007. Ela existe desde a década de 1960, quando foi explorada pela
Mineração Vista Alegre, que faliu. A área foi abandonada e depois
comprada pela Companhia de Mineração Tocantins, em 1984. O ativo
chegou a ficar 14 anos abandonado, o que gerou um passivo ambiental
assumido pela Ferrous, que investiu na recuperação da área visando a
exploração mineral. O objetivo da companhia é produzir 10 milhões de
toneladas de minério de ferro anuais na mina. Conforme informações da
mineradora, seriam gerados mil empregos diretos no empreendimento.

A área total do distrito é de 98,89 km² e sua população total (2010) era de
3.468 habitantes, o que resulta numa densidade de 35,07 hab./km². Pela época da
chegada dos bandeirantes, pelos idos de 1674, que a Vila de Piedade do
Paraopeba é mais remota que Mariana, Ouro Preto, Sabará e outras cidades de
Minas Gerais. Fora a terceira erguida pela bandeira de Fernão Dias, após este
fundar Ibituruna e Santana do Paraopeba (Belo Vale).
A bandeira de Fernão Dias fundou vários povoados: Ibituruna,
Paraopeba, Sumidouro do Rio das Velhas, Roça Grande, Itacambira,
Itamarandiba, Esmeraldas, Mato das Pedrarias e Serro Frio . Há
divergências quanto à fundação de povoados pela bandeira de Fernão
Dias Pais. O povoado de Paraopeba, segundo alguns autores, seria o
atual Sant’Ana do Paraopeba, hoje um povoado do município de Belo
Vale. Piedade do Paraopeba (atual distrito de Brumadinho), outro povoado
fundando pela bandeira, teve por objetivo ser ponto de abastecimento da
mais importante bandeira da História de Minas Gerais.
(...)
Além de Piedade do Paraopeba, São José do Paraopeba e
Brumado do Paraopeba foram inicialmente núcleos de abastecimento da
bandeira, pousos de repouso de tropa e lugar de levantamento dos
mantimentos.

Há uma igreja matriz pré-barroca, do período missionário-jesuítico,


estabelecida em 1713. A devoção a Nossa Senhora da Piedade, remonta à
religiosidade em Portugal e foi adquirida às décadas iniciais do século XVIII. A
imagem autêntica que ocupa o altar mor foi esculpida em madeira em 1731 e
chegou ao antigo distrito em uma liteira, ocupando espaço de honra na modesta
capelinha que se modificaria mais tardiamente numa das majestosas edificações
religiosas da arquitetura colonial mineira.
Piedade do Paraopeba parece ter sido um centro maior de
mineradores, devido a suntuosidade de sua igreja, com um altar muito
bem trabalhado em madeira. A igreja é do primeiro período arquitetônico:
o missionário-jesuítico e rivaliza em importância com as principais igrejas
do Estado. A igreja possui uma inscrição em seu altar lateral, datada de
1713. Os remanescentes da bandeira de Fernão Dias descobriram as

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primeiras manifestações de ouro na terra mineira, no final do século XVII,
em Ouro Preto e, a partir daí, iniciou-se uma onda migratória para a região
das minas. O problema da subsistência se apresentou e a solução
encontrada foi a dispersão dos povoadores, disseminando suas
descobertas. Assim, o Vale do Paraopeba foi definitivamente ocupado. O
nome “Paraopeba” possui várias explicações. A mais aceitável coincide
com explicações lingüísticas, “rio de água rasa”.

Ao se elencar a Serra da Calçada como marco histórico-cultural significativo


de Brumadinho (Tabela 1) e da Grande BH MG (Figura 04) Aragão e Franco (2019)
defendem que:
O SÍTIO DA CALÇADA FOI PENSADO como um TODO, SENDO inserido
também ESTAÇÕES MIRANTE, trilha, teleférico e ponte visando
acessibilidade e uma fruição da rica paisagem. O CENTRO
INTERPRETATIVO SERRA DA CALÇADA é um equipamento que surge
com a tentativa de atuar como agente de Educação Patrimonial através
da interpretação dos valores envolvidos na Serra, através de suas galerias
mirantes. Implantado no centro do sítio, no topo de morro com vista para
o complexo formado pelas ruínas, o Centro busca ainda incentivar a
pesquisa devido a multidisciplinaridade CARACTERÍSTICA na região,
além de incentivar o lazer e a cultura com um anfiteatro-arquibancada em
estilo grego que se volta para o passado resignificando todo um presente.
Apresenta-se ainda como um apoio para os praticantes de caminhadas e
ciclistas que hoje são parte significativa da apropriação do lugar. Como
uma tentativa de interpretar, reconhecer, relacionar o sítio-homem-
paisagem como um todo, o CENTRO como um suporte de pesquisa e
memória, PROPÕE resgatar e preservar os elementos ali envolvidos,
sejam naturais, paleontológicos, etnográficos, históricos, arquitetônicos,
entre outros ainda abertos em sua incompletude.

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Figura 04 - Forte do Paraopeba, município de Brumadinho
Fonte: http://iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens-
tombados/details/1/128/bens-tombados-conjunto-hist%C3%B3rico-e-paisag%C3%ADstico-da-
serra-da-cal%C3%A7ada
TABELA 1
Bens do conjunto cultural e ecológico da região da Serra da Calçada
Patrimônio Localização TF TE TM
Cachoeira da Ostra Casa Branca
Cachoeira da Pedra Furada Casa Branca
Cachoeira do Anão Jangada
Cachoeira do Carrapato Piedade do Paraopeba
Cachoeira do Marques Piedade do Paraopeba
Cachoeira do Poço Encantado Serra da Calçada
Cachoeira Sazonal Serra da Calçada
Capela do Rosário Piedade do Paraopeba X X
Capela São Sebastião Casa Branca
Casario de Piedade Piedade do Paraopeba X
Corrego da Areia Piedade do Paraopeba
Córrego Ferreira Piedade do Paraopeba
Estrada Calçada Serra da Calçada X X
Fazenda Gorduras Piedade do Paraopeba X
Fazenda Sampaio Piedade do Paraopeba X
Forte do Paraopeba Serra da Calçada X X
Gruta da Santinha Serra da Calçada
Mãe d´Agua Serra da Calçada X
Matriz da Piedade Piedade do Paraopeba X X
Povoado de Campinho Piedade do Paraopeba
Povoado de Palhano Piedade do Paraopeba
Povoado de Suzana Piedade do Paraopeba
Serra da Calçada Serra da Calçada X
Serra do Ouro Fino Casa Branca
Serra do Rola Moça Casa Branca
Templo Budista Casa Branca
Topo do Mundo Serra da Calçada
Via das Dores Piedade do Paraopeba
TF(Tombamento Federal); TE (Tombamento Estadual); TM (Tombamento Municipal).
Fonte: elaborado pelos autores (2021)

Por fim, há uma urgência explicita, conforme descreve a Reportagem do


Jornal O Tempo (2007) oficializando que:
Treze anos depois de inaugurado, o Parque Estadual do Rola Moça,
terceira maior unidade de conservação em região urbana do país, com
3.941 ha, terá um plano de manejo para nortear os trabalhos de
gerenciamento e preservação da área. O documento, elaborado com o
apoio técnico da Fundação Biodiversitas, foi aprovado na última terça-feira
pelo conselho consultivo da reserva. Dentre as principais diretrizes, está
a inclusão de 1.600 ha da serra da Calçada como faixa de amortecimento
do parque. Localizada a cerca de 20 km de Belo Horizonte, na divisa dos
municípios de Nova Lima e Brumadinho, próximo ao trevo de acesso a
Ouro Preto na BR-040, a serra da Calçada sofre constante ameaça de
mineradoras. A atividade humana em áreas de amortecimento de reservas
florestais, entretanto, se torna mais restrita, possível apenas com a
anuência das autoridades governamentais. Para entrar em vigor, o plano
de manejo do Rola Moça precisa da aprovação do conselho deliberativo
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do Instituto Estadual de Florestas (IEF). A expectativa é que ela se
concretize ainda nesta semana. O órgão realizou uma análise preliminar
e sugeriu à Biodiversitas alterações mínimas. Além da serra da Calçada,
outros resquícios de vegetação nativa no entorno do Rola Moça também
foram incluídos no plano de manejo como zona de amortecimento. Eles
são importantes à manutenção da biodiversidade da reserva, pois evitam
o confinamento das espécies em uma única área, possibilitando a troca
genética entre populações de plantas e animais.

No Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada situada na porção


sul da Grande Belo Horizonte, o Governo do Estado de Minas Gerais (2020, p. 127)
atesta que:
Os gradientes de altitude, microclimas e solos diferentes são propícios à
presença de fitofisionomias variadas com destaque para campos
rupestres ferruginosos e quartzíticos. No plano de manejo, é observado
que nas áreas mais baixas e ao longo de cursos d’água, os
remanescentes de Floresta Estacional Semidecidual predominam, ao
passo que nas encostas e topos de morros, são mais frequentes campos
sujos, campos limpos e campos rupestres (ferruginosos ou quartzíticos).
Áreas de transição entre florestas e campos em geral apresentam uma
elevada riqueza de espécies.
A Serra da Calçada é um lugar visitado por turistas pelas riquezas naturais
e o patrimônio histórico presentes. Apesar disso, o parque não conta com
uma infraestrutura implantada para apoio à visitação, salvo algumas
estradas de acesso.
O Monumento Natural é de grande importância pelos elementos
paisagísticos, físicos, bióticos e históricos que abriga (SETE, 2016):
• • "Patrimônio paisagístico: relevo de destaque e pontos de mirantes
privilegiados; beleza cênica associada principalmente ao relevo e à
cobertura vegetal; disjunção da malha urbana e favorecimento de
corredores ecológicos.
• • Aspectos físicos: importância como área de recarga de aquíferos.
• • Aspectos bióticos: representatividade em relação ao ecossistema
de campo rupestre sobre canga; biota diversificada incluindo espécies
endêmicas do Quadrilátero Ferrífero.
• • Patrimônio histórico: a Serra da Calçada, patrimônio cultural do
estado de Minas Gerais, integra a memória histórica da mineração dos
séculos XVIII e XIX, atividade fundamental para a ocupação do território
mineiro. O Forte de Brumadinho, a Calçada dos Escravos e os Muros de
Pedras, localizados no entorno do MONA, são resquícios dessa memória."

5. Considerações Finais

A região metropolitana de BH, será extremamente impactada coma


construção do rodoanel, sendo que em toda sua extensão, seja norte ou sul,
medida compensatória deverão ser tomadas. Trata-se de projeto de grande porte
e elevado impacto com descaracterização da paisagem e interferência direta nos

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meios biótico, abiótico e antrópico. Conjuntos de excepcional valor cultural e
ecológico estão ameaçados e precisam de medidas de salvaguarda nos níveis
federal, estadual e municipal. O arraial de Piedade do Paraopeba, e as ruínas do
forte do Paraopeba na porção da Serra da Calçada, são elementos ameaçados
pelo rodoanel. Com sítio localizado próximo à Piedade do Paraopeba forma um
corredor socioambiental com a Serra da Moeda que por sua vez, é um recorte
ameaçado principalmente pela mineração.
Mineração essa que inviabilizou ações de proteção ambiental na área
denominada Mãe D’Água, entre as serras da Calçada e Moeda. Estas regiões
serranas se estendem por extensos quilômetros no chamado Quadrilátero
Ferrífero, cuja tradição de mineração é um conflito latente, a exemplo das recentes
tragédias de Brumadinho e Mariana. A região, localizada entre os municípios de
Brumadinho e Nova Lima, faz parte da Estrada Real, equacionando múltiplos
potenciais para diferentes modalidades de turismo. Como diriam Aragão e Franco
(2019, está paisagem sendo detentora de patrimônio cultural com tamanho valor
para Minas Gerais e para o Brasil, deve ser considerada paisagem cultural e
respectivamente protegida por toda sua rica complexidade envolvida.
Não ao Rodominério, é o grito dessa inigualável região. Alternativas devem
ser discutidas como a possibilidade de construção do mesmo sem afetar a região
estudada. O traçado ferroviário Olhos D’Água-Ibirité pode ser uma alternativa,
passando lateralmente ao ramal, encurtando o caminho e causando menos
impactos às paisagens e comunidades. Esse trecho inclusive dispensaria
construção de túneis, o que certamente tornaria a obra mais barata e sustentável.

Referências

AMDA - ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE. O Rodoanel de BH é


necessário mas há alternativas de menor impacto e custo do que a proposta do governo.
Disponível em <https://www.amda.org.br/index.php/comunicacao/noticias/6137-o-rodoanel-de-bh-
e-necessario-mas-ha-alternativas-de-menor-impacto-e-custo-do-que-a-proposta-do-governo>
Acesso em 25. Jan. 2020

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Comissão de Meio Ambiente da


Serra_ da Calçada. Disponível em
<https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2011/12/02_comissao_meio_ambiente_ser
ra_calcada.html> Acesso em 25. Jan. 2020

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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. RELATÓRIO FINAL COMISSÃO
ESPECIAL DAS SERRAS DA CALÇADA E DA MOEDA (Redação aprovada pelo Plenário nos
termos do § 3º do art. 111, combinado com o parágrafo único do art. 114, do Regimento Interno).
Belo Horizonte, 2009. 87 p.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITARIA E AMBIENTAL. Parque do Rola Moça


pode incorporar área da serra da Calçada. Disponível em <http://www.abes-
mg.org.br/visualizacao-de-clipping/ler/5053/parque-do-rola-moca-pode-incorporar-area-da-serra-
da-calcada> Acesso em 25. Jan. 2020

ARAGÃO, Félix; FRANCO, Lizandro Melo. Centro interpretativo de sítio na serra da Calçada,
Belo Horizonte, MG. In: Centro Universitário Izabela Hendrix. Disponível em
<http://izabelahendrix.edu.br/arquitetura-e-urbanismo/tfg/centro-interpretativo-de-sitio-serra-da-
calcada-belo-horizonte-mg-felix-aragao-orientador-lizandro-melo-franco/> Acesso em 25. Jan. 2020

CONDOMÍNIO RETIRO DA SERRA. Serra da Calçada. Disponível em


<https://retirodaspedras.com.br/serras/> Acesso em 25. Jan. 2020

FERREIRA, Paulo Rogério de Paiva. Caracterização do potencial turístico do distrito de


Piedade do Paraopeba, Município de Brumadinho-MG: Utilizando o geoprocessamento para
implantação de pousadas (Monografia de Especialização em Geoprocessamento) Universidade
Federal de Minas Gerais. Instituto de Geociência. Departamento de Cartografia. 2005. Disponível
em <http://www.csr.ufmg.br/geoprocessamento/publicacoes/paulorogerio.pdf> Acesso em 25. Jan.
2020

FUNDAÇÃO BIODIVERSITAS. Plano de manejo do Parque Estadual da Serra do Rola Moça.


Disponível em <http://www.biodiversitas.org.br/planosdemanejo/pesrm/regiao28.htm> Acesso em
25. Jan. 2020

GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Estudos de Impacto e Licenciamento Ambiental


- Rodoanel Metropolitano: Anexo 13 - Diretrizes Ambientais. Belo Horizonte, 2020. 432 p.

IBRAM - INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO. Serra da Calçada pode virar reserva.


Disponível em <http://www.ibram.org.br/150/15001002.asp?ttCD_CHAVE=69938> Acesso em 25.
Jan. 2020

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS. Bens


Tombados: Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada. Disponível em
<http://iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens-
tombados/details/1/128/bens-tombados-conjunto-hist%C3%B3rico-e-paisag%C3%ADstico-da-
serra-da-cal%C3%A7ada> Acesso em 25. Jan. 2020

JORNAL ESTADO DE MINAS. Centenas de pessoas se reúnem em ato para recuperar a serra
da Calçada. Disponível em
<https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/09/01/interna_gerais,985319/centenas-de-
pessoas-se-reunem-em-ato-para-recuperar-a-serra-da-calcada.shtml> Acesso em 25. Jan. 2020

MARTENS, Leda Afonso. Flores da Serra da Calçada. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2008. 478
p.

JORNAL HOJE EM DIA. Trilhas com veículos automotores são-proibidas na serra da Calçada.
Disponível em <https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/trilhas-com-ve%C3%ADculos-
automotores-s%C3%A3o-proibidas-na-serra-da-cal%C3%A7ada-1.298529> Acesso em 25. Jan.
2020

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JORNAL HOJE EM DIA. Nova área protegida inviabiliza mineração na Serra da Moeda (2013).
Disponível em <https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/nova-%C3%A1rea-protegida-inviabiliza-
minera%C3%A7%C3%A3o-na-serra-da-moeda-1.113228> Acesso em 25. Jan. 2020

JORNAL O TEMPO. Plano de manejo do Rola Moça inclui serra da Calçada. Disponível em
<https://www.otempo.com.br/cidades/plano-de-manejo-do-rola-moca-inclui-serra-da-calcada-
1.308108> Acesso em 25. Jan. 2020

MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS. Trilhas com veículos automotores são vedadas na
serra da Calçada. Disponível em <https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/trilhas-com-
veiculos-automotores-sao-vedadas-na-serra-da-calcada.htm> Acesso em 25. Jan. 2020

PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA LIMA. Paisagens da Serra da Calçada. Disponível em


<http://www.novalima.mg.gov.br/turismo/trades/serra-da-calcada> Acesso em 25. Jan. 2020

PROJETO MANUELZÃO. Trajeto do Rodoanel proposto pelo governo de Minas passa por cima
de patrimônio ambiental e histórico-cultural. Disponível em <https://manuelzao.ufmg.br/trajeto-
do-rodoanel-proposto-pelo-governo-de-minas-passa-por-cima-de-patrimonio-ambiental-e-historico-
cultural/ Acesso em 25. Jan. 2020

SENA, Ítalo Sousa de. LOBO, Carlos Fernando Ferreira. RUCHKYS, Úrsula. POTENCIAL
GEOTURÍSTICO DO PATRIMÔNIO GEOCULTURAL DA SERRA DA CALÇADA,
QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS, BRASIL. Disponível em
<http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal15/Geografiasocioeconomica/Geografiaturi
stica/67.pdf> Acesso em 25. Jan. 2020

SITE MINAS GERAIS. Atrações em Brumadinho: serra da Calçada. Disponível em


<http://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/brumadinho/serra-da-calcada> Acesso em 25. Jan.
2020

SITE SENAC-MG. Área de Proteção Ambiental Estadual - APA-Sul/RMBH: Serra da Calçada.


Disponível em <
<http://www.descubraminas.com.br/Turismo/DestinoAtrativoDetalhe.aspx?cod_destino=170&cod_
atrativo=4070> Acesso em 25. Jan. 2020

VIANA, Pedro Lage. LOMBARDI, Júlio Antônio. Florística e caracterização dos campos
rupestres sobre canga na Serra da Calçada, Minas Gerais, Brasil. In: Rodriguésia, vol. 58 no.1
Rio de Janeiro Jan./Mar. 2007. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/2175-7860200758112>
Acesso em 25. Jan. 2020
https://www.amda.org.b r/in dex.php /co municacao/not icias/6137-o-rodoan el-d e-bh-e-n ecessar io-mas-h a-alt ern ativas-de-m enor- imp acto- e-cu sto-do-que- a-propo sta-do-govern o https://www.amd a.org .br/ind ex.php/comun icacao /noticias/6137-o-rodo anel-d e-bh-e-n ecessario- mas-ha- alternativ as-d e-m enor-impacto-e- custo-do-qu e-a-pro post a-do-governo https: //www.amda.org.br/in dex.php /co municacao/not icias/6137-o-rodoanel-d e-bh-e-n ecessar io-m as-h a-alt ern ativas-de-m enor- imp acto- e-cu sto-do-que- a-propost a-do-governo

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EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

FORMAÇÃO E MEMÓRIA: Estudo de caso sobre a disciplina de


prática de projeto em preexistências em arquitetura e urbanismo

RODRIGUES, ALÍCIA A. (1); FLÔRES, ANELIS R. (2); QUERUZ, FRANCISCO (3),


PEREIRA, CLARISSA DE O (4)

1. Universidade Franciscana. Acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo


aliciaarodrigues@outlook.com

2. Universidade Franciscana. Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo


anelis@ufn.edu.br

3. Universidade Franciscana. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo


francisco@ufn.edu.br

4. Universidade Franciscana.Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo


clarissapereira@ufn.edu.br

RESUMO
As cidades vivem se refazendo, renovando e, quando competentes, cuidando dos testemunhos
representativos da cultura que seus antepassados produziram, garantindo um espelho do passado e
o rumo para um futuro mais consciente. As estruturas que devem reconhecer os testemunhos do
passado, contudo, são diversas, e muitas vezes estão difusas e desorganizadas. Dessa forma, até
que a opinião pública tenha consciência, os bens se perdem, as histórias são apagadas, e o presente
se transforma em algo homogêneo, pasteurizado. Pensar que a estrutura de governo, na escala que
for, mas neste caso focalizada na esfera municipal, será capaz de reconhecer e garantir a
preservação é um equívoco de partida. São necessárias outras estruturas, oriundas da sociedade,
que consigam reconhecer valores e dar voz a esses segmentos menos organizados. Partindo dessa
premissa, o objetivo deste trabalho é fazer o relato da ação do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Franciscana, especificamente por meio da disciplina extensionista de Ateliê de Projetos
Integrados III: intervenções em preexistências, em catalogar bens de valor para a sociedade, mas que
se encontram em estado de desvalorização ou ruína. De forma mais específica, a proposta aqui é
exibir o trabalho desenvolvido na edição de 2020 da disciplina, que atuou para levantar um conjunto
de edifícios, conhecidos como Armazéns do Km 2, oriundos do ciclo ferroviário pelo qual a cidade de
Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, passou e que ajudaram a consolidar o maior ciclo de
crescimento urbano local. Para tanto, a disciplina de prática de projeto em arquitetura, urbanismo e
paisagismo que trata de preexistências optou por trabalhar em armazéns que antigamente eram
utilizados como depósitos pela Rede Ferroviária Federal S.A., e que se encontram, hoje, dentro da
malha urbana do município. A metodologia abordada foi de uma pesquisa qualitativa e levantamento
cadastral do edifício e do seu entorno, em escalas micro, meso e macro, para então desenvolvimento
da prática projetiva, por parte dos acadêmicos. Ao final do processo, os resultados obtidos permitiram
agrupar os dados históricos, iconográficos e gráficos da edificação e entorno, levantar a história oral
do bem através de moradores do entorno que haviam vivenciado o período de uso pleno do edifício,
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além é claro do objetivo acadêmico de pôr os alunos em contato com essa realidade, percebendo as
nuances específicas deste tipo de prática projetiva. Ainda, e ao final da cadeira, foi possível
encaminhar o material de levantamento desenvolvido para o poder municipal, como forma de
catalogação do bem, além da realização de uma conferência por vídeo com pessoas de relevância no
cenário nacional, mas que possuem relação com a cidade. Pretendeu-se, assim, mostrar a
capacidade das instituições de ensino de atuar ativamente como agentes de apoio à preservação
patrimonial.

Palavras-chave: patrimônio ferroviário; preservação; extensão.

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Introdução

As cidades vivem se refazendo, renovando e, quando competentes, cuidando dos


testemunhos representativos da cultura que seus antepassados produziram, garantindo um
espelho do passado e o rumo para um futuro mais consciente. As estruturas que devem
reconhecer os testemunhos do passado, contudo, são diversas, e muitas vezes estão
difusas e desorganizadas. Dessa forma, até que a opinião pública tenha consciência, os
bens se perdem, as histórias são apagadas, e o presente se transforma em algo
homogêneo, pasteurizado. Pensar que a estrutura de governo, na escala que for, mas neste
caso focalizada na esfera municipal, será capaz de reconhecer e garantir a preservação é
um equívoco de partida. São necessárias outras estruturas, oriundas da sociedade, que
consigam reconhecer valores e dar voz a esses segmentos menos organizados.

A Universidade Franciscana é uma instituição comunitária que possui longa tradição em


reconhecimento de valores culturais da cidade, e que através de diversos cursos, projetos e
ações, tem buscado amparar o município e garantir que a memória seja transmitida as
gerações vindouras. Os cursos de História, Turismo e Arquitetura e Urbanismo tem auxiliado
e formado profissionais que compreendem e fomentam tais ações.

Partindo dessa premissa, o objetivo deste trabalho é fazer o relato da ação do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana, especificamente por meio da
disciplina extensionista de Ateliê de Projetos Integrados III: intervenções em preexistências,
em catalogar bens de valor para a sociedade, mas que se encontram em estado de
desvalorização ou ruína. De forma mais específica, a proposta aqui é exibir o trabalho
desenvolvido na edição de 2020 da disciplina, que atuou para levantar um conjunto de
edifícios, conhecidos como Armazéns do Km 2, oriundos do ciclo ferroviário pelo qual a
cidade de Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, passou e que ajudaram a
consolidar o maior ciclo de crescimento urbano local.

A disciplina de prática de projeto em arquitetura, urbanismo e paisagismo que trata de


preexistências optou por trabalhar em armazéns que antigamente eram utilizados como
depósitos e parada pela Rede Ferroviária Federal S.A. e que foram descontinuados, quando
o traçado urbano da linha que rumava a Uruguaiana foi alterado. Hoje, tais depósitos se
encontram dentro da malha urbana do município, e já tiveram parte da área parcelados. A
metodologia abordada foi de uma pesquisa qualitativa e levantamento cadastral do edifício e
do seu entorno, em escalas micro, meso e macro, para então desenvolvimento da prática
projetiva, por parte dos acadêmicos. Estas análises de contexto e levantamento de dados

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06 a 08 de outubro de 2021
tem se mostrado bastante relevantes, e compõem o material que é compartilhado com o
poder público, atingindo assim o objetivo extensionista.

Assim, para compreensão do material exposto a seguir, optou -se por fazer uma abordagem
inicial sobre como os processos de preservação chegaram a atualidade, em Santa Maria,
para depois então mostrar o papel da instituição e do curso de arquitetura e urbanismo da
UFN nesse contexto, para finalmente analisar o que foi produzido na edição de 2020 da
disciplina e a sua relevância para o apoio a preservação municipal.

1 A preservação em Santa Maria / RS

O povoado que deu origem a Santa Maria teve a sua origem no final do século XVIII, quando
o grupo português da comissão demarcatória de terras, atrelada ao Tratado de Santo
Ildefonso, se instalou no espaço que hoje é a praça central do núcleo urbano. De
crescimento inicial tímido, o núcleo passou a dar espaço para grupos de imigrantes
europeus, no século XIX, que fomentaram o desenvolvimento da malha urbana, e também a
passagem dos caminhos de ferro, que como um facilitador de tráfego e um atrator de público
e recursos, consolidou a cidade no início do século XX. Sucederam-se ainda duas outras
ondas de crescimento da malha urbana: a gerada pelas instalações militares na cidade e a
produzida pela expansão da rede de ensino, em especial superior, que até hoje moldam as
características de desenvolvimento local.

Apesar de mais de dois séculos de construção e evolução urbana, não é possível mais
encontrar exemplares que remontem a todos esses períodos. Situação comum em muitos
municípios brasileiros, o desenvolvimento econômico que ocorre às custas de perdas de
referenciais representativos à comunidade local também faz parte da realidade de Santa
Maria. Os centros urbanos são palco de lutas constantes de atores que visam o lucro, e a
renovação de setores auxiliam e revigoram a “vida”, contudo devem garantir também
respeito pelas camadas pregressas, pela vida já vivida nesses espaços.

A legislação brasileira de preservação patrimonial, como se sabe, tem seu ato inicial com a
publicação do Decreto Lei nº 25/1937, na mesma década em que foi publicada uma das
principais recomendações do século XX sobre essa mesma temática, a Carta de Atenas, em
1931. Internacionalmente, percebe-se, a partir de então, um grande esforço e evolução na
discussão sobre o tema. Todavia, o serviço de proteção a bens na esfera municipal irá criar
dispositivos de aporte ao tema apenas em 1982, com a criação de legislação específica para
permitir o tombamento e proteção de bens, com a Lei Municipal 2.255/1982. Posteriormente,
foram feitas novas legislações em 1996 (lei municipal 3.999) e em 2021 (lei municipal

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6.561), que trouxeram atualizações nas visões sobre proteção ao patrimônio cultural. De
forma prática, contudo, nas décadas de 1970 e 1980 poucos são os casos efetivos de
reconhecimento de valor para determinados bens na cidade1, e os mesmos apenas
declaram os bens em questão como patrimônio do município, não atrelam o reconhecimento
à sua proteção. A partir da década de 1990 e 2000 esse cenário se altera, com o
reconhecimento progressivo de bens e com a instituição de uma proteção por zona na
cidade, que estabelecia consultas prévias para imóveis que pudessem ensejar interesse de
proteção. Desta forma, Santa Maria chega até 2018 com menos de duas dezenas de
processos de tombamento efetivos, que protegem apenas uma pequena parte das
representações culturais municipais. A partir de 2018, com a proposta de uma nova
alteração no Plano Diretor municipal e a desproteção prévia da chamada zona do centro
histórico, são realizados 135 pedidos de tombamento de edificações, via decreto, e que até
hoje seguem em curso. Por outro lado, essas proteções referem-se quase que
exclusivamente a edifícios do município, o que mostra a falta de cuidado também com
objetos móveis (estatutárias, pinturas) e com toda a ordem de bens imateriais (costumes,
festividades e atividades do saber fazer). Cabe lembrar que o aumento de bens
reconhecidos e tombados, nas últimas décadas, é resultado do surgimento do Conselho de
Patrimônio Histórico e Cultural de Santa Maria (COMPHIC-SM), instituído pela lei municipal
de 1996, que tem atuado como captador de demandas e interesses difusos da sociedade.

As estruturas municipais, como pode-se compreender pelo indicado acima, são frágeis em
atender demandas relacionadas à preservação patrimonial. O próprio COMPHIC-SM, orgão
responsável por viabilizar essas demandas, não possui quadro fixo de funcionários, possui
caráter consultivo e depende da cedência de tempo dos seus componentes. Essa falta de
aporte ao atendimento de demandas da preservação municipal torna relevante o papel de
entidades parceiras, em especial instituições de ensino e de representações de classes. A
proposta neste momento é tratar do papel da Universidade Franciscana -UFN - em especial
do seu curso de Arquitetura e Urbanismo, como entidade parceira no reconhecimento de
testemunhos da cultura local.

2 A Universidade Franciscana e o auxílio à proteção patrimonial


O envolvimento da Universidade Franciscana com a preservação do patrimônio remonta
ações integradas entre diversos cursos, porém as primeiras atuações começaram nos

1
Em 1972, pela Lei Municipal 1578, o prédio da então sub prefeitura de Itaara é reconhecido como patrimônio
histórico do município, o que voltará a acontecer em 1977, com o antigo Banco do Comércio (Lei Municipal
1578/1977), em 1984, com o Monumento ao Imigrante, no então Distrito de Silveira Martins (Lei Municipal
2638/1984) e em 1988, com a Vila Belga (Lei Municipal 2983/1988).
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cursos de Turismo, História e Arquitetura e Urbanismo. A partir do ano de 2005, projetos
liderados pela prefeitura municipal, embasados na época na recente constituição da Zona 2
- Centro Histórico, obtiveram apoio dos cursos, tanto com a elaboração de comissões
interdisciplinares, como ainda com a atuação de professores nas secretarias municipais.
Destaca-se, neste período, a criação do Escritório da Cidade, atual IPLAN - Instituto de
Planejamento de Santa Maria, ao qual estavam atreladas as aprovações dos projetos
arquitetônicos da área central, conseguindo gerir o centro histórico nas pautas relativas à
preservação das edificações históricas remanescentes.

As aprovações no Escritório da Cidade contavam, desde o princípio, com a


representatividade do ensino superior, sendo que os acadêmicos que ali atuavam sempre
tiveram poder de manifestação nas manutenções e demolições do Centro Histórico, assim
como nos novos empreendimentos e suas medidas mitigatórias, muitas delas em favor do
patrimônio local.

Além disso, dentro da academia, iniciaram grupos de pesquisa e extensão, e ainda


disciplinas que focaram na salvaguarda do patrimônio local, contribuindo desta forma para a
construção de uma visão preservacionista, não apenas física como ainda relativa à memória
social destes locais. Dentro das áreas de interesse, o estudo do patrimônio ferroviário
sobressaiu-se devido a herança do desenvolvimento econômico deixado pela extinta Rede
Ferroviária Federal (RFFSA) expressa em um conjunto arquitetônico heterogêneo, não
apenas na sua arquitetura, como também nos seus usos.

Ainda, neste período, o curso de Turismo auxiliou a elaboração do projeto do Trem Turístico
no âmbito municipal que veio impactar as ações federais com a criação, em 2010, de um
programa de incentivo para Projetos Turísticos e Culturais de Cunho Ferroviário no Brasil2.

Dentro deste contexto, em 2006, o curso de Arquitetura e Urbanismo iniciou o trabalho mais
efetivo com essas edificações de interesse patrimonial na elaboração da disciplina de Ateliê
de Projetos Integrados III: Intervenções em pré-existências. Integrando as escalas
arquitetônica, paisagística e urbanística, conseguiu elaborar o mapeamento de diversas
edificações relacionadas ao ciclo ferroviário.

2
Projeto desenvolvido em 2010 pelo Ministério do Turimos baseado nas discussões iniciadas em
Santa Maria, "resultado das discussões do Grupo de Trabalho de Turismo Ferroviário, instituído pela
Portaria no 18 do Ministério do Turismo, de 25 de fevereiro de 2010, publicada no DOU em 1o de
março de 2010, integrado pelo Ministério do Turismo, Ministério dos Transportes, Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Agência Nacional de Transportes Terrestres –
ANTT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, Inventariança da Extinta
Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, Secretaria do Patrimônio da União – SPU, entre outros"
(BRASIL, 2010, p.7).
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Na primeira edição da disciplina de Ateliê III, a edificação escolhida foi o Açougue, Fábrica
de Gelo e Sabão e Torrefação de Café, imóvel que pertenceu à Viação Férrea e tinha como
finalidade proporcionar apoio à comunidade ferroviária. Porém, foi em 2012 que as estações
de trem passaram a protagonizar os estudos do Ateliê III, e desde então onze estações de
diferentes tipologias e graus de importância foram estudadas e seu material analisado,
compilado, para assim propor novos usos em projetos nas três escalas. Foram elas: Estação
Colônia - Bairro Camobi em Santa Maria (2012), Estação Val de Serra (2013), Estação
Pinhal - Itaara (2013), Estação Arroio do Só (2014), Estação São Pedro (2015), Estação
Dilermando de Aguiar (2016), Estação Estiva - Restinga Seca (2017), Estação Jacuí -
Restinga Seca (2017), Estação de Mata (2018), Estação de Santa Maria (2019) e Estação e
Armazéns do Km2, em Santa Maria (2020).

Convém ressaltar, que desde o momento da sua proposição, a disciplina teve como foco a
educação patrimonial e seu impacto na sociedade, porém adquiriu, em 2019, o caráter
extensionista de forma mais sistemática, por meio da curricularização da extensão3.

A partir da curricularização a disciplina passou a integrar o Ateliê Itinerante, que se configura


como um subprojeto de ensino-extensão dentro do Projeto Integrador de Extensão
denominado Identidade e Inovação Social da Universidade Franciscana, que abrange
diversas disciplinas e busca auxiliar na formação profissional aliada a responsabilidade
social dos acadêmicos. Portanto, o Ateliê de Projetos Integrados III faz parte deste ateliê
âncora e se organiza de forma a interagir com a comunidade nas questões referentes à
temática da preservação do patrimônio e sua respectiva educação patrimonial.

3 Ateliê III – 2020: intervenção nos depósitos do Km2, em Santa


Maria/RS

Na edição de 2020, a disciplina de Ateliê de Projetos Integrados III optou por trabalhar com
os Armazéns do Km 2, na cidade de Santa Maria. A cidade, de extrema importância na
história ferroviária do estado, foi escolhida para ser o ponto central entre o traçado Porto
Alegre-Uruguaiana, e por sua localização estratégica no Rio Grande do Sul, logo tornou-se o
epicentro ferroviário no estado, sendo ponto de partida e parada de outros percursos que, ao

3
Embora a extensão universitária estivesse prevista desde o Decreto nº 19.851, de 11/4/1931, que
estabeleceu as bases do sistema universitário brasileiro, é a partir da Resolução do MEC - CNE/CES
7/2018 que ela se torna obrigatória nos currículos dos cursos de graduação por meio das disciplinas
extensionistas. Tal exigência trouxe novos questionamentos e novas possibilidades ao ensino
superior, fomentando a discussão sobre como essa prática seria inserida teórica e
metodologicamente nos cursos de graduação.
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longo dos anos, foram se desenhando no estado. A mancha ferroviária, composta pelos
armazéns do Km 2, Estação Ferroviária (Km 0) e Oficinas do Km 3, são testemunhos da
importância de Santa Maria na implantação e desenvolvimento das estradas de ferro no
estado, durante meados do século XIX e início do século XX, este último sendo o apogeu
das estradas de ferro na região. A chegada da ferrovia em Santa Maria contribuiu não só
para o desenvolvimento do estado, como também o da própria cidade: se antes a cidade se
resumia a rua do Acampamento e a praça Saldanha Marinho, a presença da estação
ferroviária fez com que a cidade crescesse de forma exponencial, tornando-se não só o
epicentro ferroviário no interior, como também uma referência em cultura, modernização e
urbanização.

A temática ferroviária, já comum a disciplina, tem por objetivo o resgate histórico, oral e
iconográfico da arquitetura ferroviária, assim como o levantamento da própria edificação
existente. Os armazéns do Km 2 encontram-se desativados desde a década de 50, e só em
1999 a edificação recebeu um novo uso: foi cedida para projetos de cunho social, abrigando
hoje a Arsele (Associação de Reciclagem Seletivo Esperança). A última reforma feita nos
antigos armazéns data de 2005, em parceria com a Universidade Franciscana, quando
modificou-se o layout interno para melhor acomodação da associação no local, bem como
para o desenvolvimento de atividades relacionadas à informática e recreação infantil.

Os levantamentos realizados pela turma foram dificultados pelo contexto pandêmico e o


isolamento social no momento em que realizou-se a disciplina. Para ser realizado de
maneira eficiente, porém segura, a coleta dos dados aconteceu em pequenos grupos, que
trabalharam de forma virtual, estudando não só a edificação em si, mas o seu entorno
imediato, para entender não só o contexto histórico como também o contexto atual onde se
encontra. Observou-se que a região possui uso majoritariamente residencial, com
edificações de um a dois pavimentos, e alguns pontos de comércio local. Destaca-se no
bairro a existência de duas escolas públicas enquanto equipamento urbano e também a
existência do moinho Santa Maria, que atua no local desde 1950 e é ponto nodal na cidade.
Quanto ao tecido urbano, observa-se a existência de duas vias arteriais que conectam a
edificação ao centro da cidade, por onde passa o transporte público que atende a região.

Enquanto exercício projetual, a proposta da disciplina foi a utilização da preexistência como


biblioteca pública municipal, com salas de estudo, cafeteria e espaço de auditório, visando
que este espaço fosse aberto ao público e com isso, houvesse uma manutenção constante
da edificação, sem que esta se perdesse. Além dos itens programáticos relacionados ao
equipamento público, era de suma importância que a história do lugar permanecesse viva

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através de um memorial no local e da própria edificação. A temática patrimonial enquanto
exercício projetual na Arquitetura e Urbanismo mostra-se extremamente relevante,
principalmente no que diz respeito a exemplares arquitetônicos que contam a história de um
lugar, pois ao projetar algo novo respeitando o antigo, o acadêmico desenvolve a
sensibilidade projetiva necessária ao profissional da área.

4 Resultados
Relatos como este, revelam as contribuições do âmbito acadêmico para a preservação e
desenvolvimento de contextos históricos consolidados por meio da pesquisa e extensão. As
discussões dentro da sala de aula são fundamentais para a formação do senso crítico
quando o assunto é a intervenção em bens culturais.

O exercício sobre os Armazéns do Km2 trouxe novas experiências relacionadas a


metodologias de trabalho, consoantes com as restrições do contexto acadêmico de 2020.

Um dos propósitos da disciplina de Ateliê de Projetos Integrados III – Intervenções em


Preexistências, é a estruturação de um levantamento íntegro nas distintas escalas de projeto
já mencionadas. Desta forma, é fundamental a formação de grupos de trabalho para integrar
e compatibilizar as informações coletadas para a primeira fase do exercício. Para esta
edição, foi necessária uma adaptação devido aos protocolos de segurança relacionados à
crise sanitária. Estas limitações, em um primeiro momento, refletiram na reestruturação dos
editais de levantamento e projeto. Recursos como a maquete física, tão fundamental para a
documentação e ferramenta de projeto, foram descartadas, assim como qualquer outra
manualidade realizada pelo grande grupo.

O uso das ferramentas digitais, tiveram maior protagonismo tanto nos levantamentos como
nos processos compositivos. As discussões de grupos, tão necessárias nas distintas escalas
de projetos, foram mantidas de forma remota e por meio de ferramentas de comunicação
interativas.

Além das adaptações mencionadas, a organização desta edição buscou alguns benefícios
do modelo remoto com o propósito de compensar as fragilidades da não presencialidade.
Sem dúvida, o modo remoto facilitou a conexão com escritórios e coletivos de arquitetura,
além de profissionais de áreas distintas, de renome regional, nacional e internacional. Por
meio de um evento organizado pelos laboratórios da Arquitetura e Urbanismo UFN (ADP,
APP e Laboratório de Conforto), foi possível aproximar outros contextos a este Ateliê de
Projetos em que a presença e o lugar tanto significam.

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O evento Arq (in) Casa promoveu 26 videoconferências durante o ano de 2020, sendo 8
destas com temas direcionados para o Ateliê III, para o complemento desta área de
conhecimento (figura 08).

Convém citar a participação de representantes de escritórios de arquitetura regionais como


a Perene Cultural de Pelotas e Kiefer Arquitetos de Porto Alegre que contribuíram com as
suas vivências e práticas profissionais sobre intervenções em preexistências:

Como produto da extensão, o propósito destes exercícios é o repasse da atualização de


levantamentos cadastrais para o poder público. Como conclusão, além da entrega dos
materiais físicos, outras iniciativas relacionadas a educação patrimonial, também foram
desígnios das últimas edições deste Ateliê.

A dificuldade de interação e de uma maior discussão pelo distanciamento social, foram


superadas por um novo olhar sobre a extensão. O levantamento cadastral não foi
atualizado, mas o diagnóstico urbanístico a partir de base de dados e as pesquisas em
material de acervos digitais possibilitou a organização de um material conciso. Mesmo com
o distanciamento os acadêmicos produziram um cenário com memórias orais, registros de
evolução urbana e todo o material gráfico necessário para a elaboração do projeto.

O encerramento desta edição, concluiu com diálogos sobre o Patrimônio Ferroviário com o
professor Dr. Andrey Rosenthal Schlee da FAU-UnB e o jornalista e repórter da TV Globo,
Marcelo Canellas, que abordaram reflexões gerais sobre os valores históricos, econômicos,
ambientais que envolvem a memória através da arquitetura desde pontos de vistas
complementares. O debate teve o formato de Live, para ter um maior alcance além do
âmbito acadêmico.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Casa Civil (Subchefia para Assuntos Jurídicos). Decreto-Lei nº 25, de 30 de


novembro de 1937 . Dispõe sobre a organização a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Rio de Janeiro, 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto-lei/del0025.htm. Acesso em: 12 set. 2021.

BRASIL. Ministério do Turismo. Guia de orientação para proposição de projetos de trens


turísticos e culturais. 2010. Disponível em:
http://antigo.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publica
coes/cartilha-final-b.pdf. Acesso em: 18 set. 2021.

FORTES, Ariosto Borges. Viação Férrea no RS – Suas estações e paradas. Porto Alegre:
1962.
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MELLO, Luiz Fernando da Silva. O pensamento utópico e a produção do espaço social:
a cooperativa de consumo dos empregados da viação férrea do Rio Grande do Sul. 2010.
Tese (Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, 2010.

SANTA MARIA. Lei Municipal 2.255, de 25 de maio de 1982. Dispõe sobre a proteção do
patrimônio histórico e cultural do município de Santa Maria. Santa Maria, 1982. Disponível
em: https://www.camara-sm.rs.gov.br/proposicoes/pesquisa/0/1/0/3712. Acesso em: 12 set.
2021.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A SERRA DA CALÇADA COMO MARCO HISTÓRICO SIGNIFICATIVO DA


GRANDE BH (MG): RECORTES ESPACIAIS E MEDIDAS PROTETIVAS DE
SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL E ECOLÓGICO FRENTE À
CONSTRUÇÃO DO RODOANEL

Olga Bhering Sanches (letras1989@yahoo.com.br)

Vagner Luciano De Andrade (trezeagosto@yahoo.com.br)

A Serra da Calçada, trata-se de um espaço com potencialidades


interdisciplinares para o estudo do meio (sítio-homem-paisagem). A partir de
múltiplas memórias coletivas, percebem-se narrativas ecológicas que atestam
e legitimam a eleição da paisagem geológica, enquanto elemento do patrimônio
cultural local. A partir dos acervos naturais ameaçados, o presente trabalho
registra e divulga alguns aspectos paisagísticos do meio ambiente no entorno
da Serra. Esta elevação é entendida pelas comunidades adjacentes como um
dos marcos histórico-culturais significativos da Grande BH (MG) e em
decorrência da especulação imobiliária e da expansão minerária, seus recortes
espaciais encontram-se ameaçados conclamando a coletividade para a tomada
emergencial de medidas protetivas com vistas à salvaguarda do patrimônio
ecológico. Assim comunidades adjacentes se mobilizam contra a construção do
destrutivo e inaceitável rodoanel, também chamado de rodominério, cuja alça
sul afetará diretamente esta área. a
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

FORMAÇÃO E MEMÓRIA: ESTUDO DE CASO SOBRE A DISCIPLINA DE


PRÁTICA DE PROJETO EM PREEXISTÊNCIAS EM ARQUITETURA E
URBANISMO

Alícia Antunes Rodrigues (aliciaarodrigues@outlook.com)

Francisco Queruz (francisco@ufn.edu.br)

Clarissa De Oliveira Pereira (clarissadop@gmail.com)

Rafael Pires Portella (portellarafael85@gmail.com)

Anelis Rolão Flôres (anelis.flores@gmail.com)

As cidades vivem se refazendo, renovando e, quando competentes, cuidando


dos testemunhos representativos da cultura que seus antepassados
produziram, garantindo um espelho do passado e o rumo para um futuro mais
consciente. As estruturas que devem reconhecer os testemunhos do passado,
contudo, são diversas, e muitas vezes estão difusas e desorganizadas. Dessa
forma, até que os olhos sejam abertos, os bens se perdem, as histórias são
apagadas, e o presente se transforma em algo homogêneo, pasteurizado.
Pensar que a estrutura de governo, na escala que for, mas neste caso
focalizada na esfera municipal, será capaz de reconhecer e garantir a
preservação é um equívoco de partida. São necessárias outras estruturas,
oriundas da sociedade, que consigam reconhecer valores e dar voz a esses
segmentos menos organizados. Partindo dessa premissa, o objetivo deste
trabalho é fazer o relato da ação do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Franciscana, especificamente através da disciplina extensionista
de Ateliê de Projetos Integrados III: intervenções em preexistências, em
catalogar bens de valor para a sociedade, mas que se encontram em estado de
desvalorização ou ruína. De forma mais específica, a proposta aqui é exibir o
trabalho desenvolvido na edição de 2020 da disciplina, que atuou para levantar
um conjunto de edifícios, conhecidos como Armazéns do Km 2, oriundos do
ciclo ferroviário pelo qual a cidade de Santa Maria, no centro do Rio Grande do
Sul, passou e que ajudaram a consolidar o maior ciclo de crescimento urbano
local. Para tanto, a disciplina de prática de projeto em arquitetura, urbanismo e
paisagismo que trata de preexistências optou por trabalhar em armazéns que
antigamente eram utilizados como depósitos pela Rede Ferroviária Federal
S.A., e que se encontram, hoje, dentro da malha urbana do município. A
metodologia abordada foi de uma pesquisa qualitativa e levantamento cadastral
do edifício e do seu entorno, em escalas micro, meso e macro, para então
desenvolvimento da prática projetiva, por parte dos acadêmicos. Ao final do
processo, os resultados obtidos permitiram agrupar os dados históricos,
iconográficos e gráficos da edificação e entorno, levantar a história oral do bem
através de moradores do entorno que haviam vivenciado o período de uso
pleno do edifício, além é claro do objetivo acadêmico de pôr os alunos em
contato com essa realidade, percebendo as nuances específicas deste tipo de
prática projetiva. Ainda, e ao final da cadeira, foi possível encaminhar o
material de levantamento desenvolvido para o poder municipal, como forma de
catalogação do bem, além da realização de uma conferência por vídeo com
pessoas de relevância no cenário nacional, mas que possuem relação com a
cidade. Pretendeu-se, assim, mostrar a capacidade das instituições de ensino
de atuar ativamente como agentes de apoio a preservação patrimonial.
EIXO 1 - PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS – ARQUIVOS E
ACERVOS: DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO
DOCUMENTO COMO PATRIMÔNIO: importância da
conservação e divulgação de acervos e coleções de
Instituições Federais de Ensino Superior

LIMA CARLOS, CLAUDIO A. S. (1)

1. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Departamento de Arquitetura e


Urbanismo (DAU)
Rodovia BR 465 km 7 – Cidade Universitária – Seropédica/RJ
claudio.limacarlos@gmail.com

RESUMO
O artigo traz elementos que contribuem para reforçar a importância da conservação e
divulgação de acervos e coleções de Instituições Federais de Ensino Superior. São descritas
as iniciativas até agora empreendidas pelo Núcleo de Articulação de Acervos e Coleções
(NAAC), criado no âmbito administrativo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), em 2020, voltado à divulgação extensionista dos espaços de acervos e coleções
institucionais relacionados as suas diversas áreas do conhecimento. São destacadas as
últimas ações do Laboratório de Conservação de Documentos (LabDOC), integrante do NAAC,
responsável pela conservação, restauração e catalogação do acervo de desenhos
arquitetônicos relacionados à construção do Campus Seropédica (1938-1948) que comprova a
participação de diversos arquitetos e empresas de relevo nacional no período, como por
exemplo, a empresa de Mário Whately, o engenheiro-arquiteto João Moreia Maciel, o arquiteto
e artista plástico Eugênio de Proença Sigaud, o arquiteto Ângelo Murgel etc. Tem-se como um
dos objetivos principais, após a catalogação e conservação preventiva do acervo de centenas
de originais desenhados à grafite sobre papel manteiga e vegetal, inseri-los como bens móveis
no tombamento estadual do campus, efetivado em 2001. Parte dos acervos digitalizados se
encontram em processo de disponibilização em rede, por meio da plataforma Omeka.

Palavras-chave: Acervos; documentação arquitetônica; patrimônio cultural.

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Introdução

O presente artigo tem por objetivo principal trazer elementos que possam contribuir
para a percepção da importância da conservação e divulgação de acervos e coleções
de Instituições Federais de Ensino Superior (IES). Utilizam-se como estudo de caso, o
processo de criação e as ações do Núcleo de Articulação de Acervos e Coleções
(NAAC), no âmbito administrativo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), em 2020, e do Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos
(LabDOC/UFRRJ), criado em 2013.

Cabe destacar que em função da sua importância cultural, o conjunto arquitetônico-


paisagístico do campus da UFRRJ foi protegido provisoriamente, em 1998, pelo
instituto do tombamento estadual, para, em 2001, ser definitivamente protegido. A
iniciativa de proteção foi proposta pela UFRRJ ao Instituto Estadual de Patrimônio
Cultural (INEPAC), que a encaminhou ao Conselho Estadual de Tombamento (CET),
primeiramente para os painéis de azulejos elaborados pela artista plástica portuguesa
Maria Helena Vieira da Silva, localizados no antigo refeitório (atual sala de estudos) do
campus Seropédica, a convite do Reitor Heitor Vinícius da Silveira Grillo (1902-1971),
marido da escritora e poetisa Cecília Meirelles (1901-1964). Cabe destacar que a obra
é a única produzida pela artista plástica no Brasil. Após visita de técnicos do INEPAC,
o tombamento foi estendido ao campus Seropédica, na área que guarda sua ocupação
original, que inclui seu parque paisagístico, além de pavilhões e edificações em estilo
neocolonial, nele situados. A constatação originou o tombamento pela esfera
administrativa estadual dos painéis de azulejos de Vieira da Silva juntamente com o
conjunto arquitetônico-paisagístico do campus Seropédica.

O NAAC foi criado, no âmbito administrativo da UFRRJ, em 28/09/2020, como um


órgão voltado à divulgação extensionista dos espaços de acervos e coleções da IES,
relacionados às suas diversas áreas do conhecimento. A ação se deu por decisão do
Conselho Universitário da UFRRJ (CONSUNI/UFRRJ), por intermédio da Deliberação
Nº 158/2020, após reuniões e debates realizados ao longo do ano de 2019, com os
curadores de acervos e coleções da IES, coordenados pela professora Gabriela Rizo,
da UFRRJ. A reunião dessas curadorias em um único núcleo foi entendida como ação
primordial para o desenvolvimento de políticas internas mais consistentes no tocante à
preservação e divulgação de acervos institucionais. 1

1-https://portal.ufrrj.br/nucleo-de-articulacao-de-acervos-e-colecoes-da-ufrrj-ajuda-na-preservacao-do-

patrimonio-institucional/
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O NAAC vinculou-se à Pró-reitoria de Extensão (Proext), tendo por finalidade,
conforme já dito, contribuir para a divulgação extensionista dos espaços de acervos e
coleções institucionais da UFRRJ, classificados em quatro categorias: coleções de
acervos históricos; coleções vivas e científicas; centros de documentação e áreas
protegidas tombadas da UFRRJ, abertas à visitação pública (1998-2001).

O texto do parágrafo único do segundo artigo do Regimento do NAAC, com relação


aos espaços, acervos e coleções da IES, destaca que:

Estes espaços, acessíveis ao público, conservam, investigam, comunicam, interpretam


e expõem, para fins educativos, científicos e culturais, conjuntos e coleções de valor
histórico, artístico, científico, patrimonial, ambiental e tecnológico. (REGIMENTO DO
NAAC, ANEXO DELIBERAÇÃO 158/2020)

A iniciativa de criar uma coordenação única de acervos e coleções considerou a


existência de acervos e coleções vivas e científicas, no âmbito dos tradicionais
institutos de Biologia, Química, Agronomia, Veterinária e Geologia da UFRRJ,
acumulados ao longo dos 111 anos de existência da IES.2 Pode-se destacar, dentre
outros, o exemplo da Coleção de entomologia do professor Ângelo Moreira da Costa
Lima, sob tutela do Instituto de Biologia.3 No entanto, o acervo de projetos
arquitetônicos, desenhos e aquarelas relacionados à história da construção do campus
Seropédica da UFRRJ gerou, recentemente, no campo administrativo, inéditas e
igualmente importantes demandas por iniciativas de conservação, digitalização e
divulgação. Essas ações conduziram à criação do Laboratório de Conservação e
Restauração de Documentos (LabDOC/UFRRJ), em 2013, com auxílio financeiro da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ), ligado, inicialmente, ao
Centro de Memória do Campus Seropédica.

A criação do LabDOC se deu em consequência às pesquisas desenvolvidas pelo autor


do presente artigo, desde 2007, que levaram à descoberta do rico acervo de projetos
arquitetônicos, complementares, de detalhamento de interiores, aquarelas e croquis,
relacionados à construção do campus Seropédica que se encontrava em precárias
condições de armazenamento e por isso, sob risco iminente de perda. A coleção de
desenhos remete a um universo inexplorado de diversos estudos de possibilidades de
soluções arquitetônicas executadas e não executadas, realizados por profissionais e
empresas de destaque da arquitetura nacional do período 1930-1950, tais como, o

2 Deliberação Nº 158/2020, Art. 5°. São espaços integrantes do NAAC: I – Coleções Vivas Jardim
Botânico - II - Museu de Zoologia - III - Acervos de Memória da UFRRJ - VI- Museu de Solos - V - Museu
Tokarnia VI – Herbário - VII -Coleção Geológica - VII - Coleção de Equipamentos Científicos da Química
VIII – Xiloteca
3 Ver http://www.ufrrj.br/institutos/ib/ento/entocol.htm .

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engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, o arquiteto, engenheiro e artista plástico
Eugênio de Proença Sigaud (E. P. Sigaud), o arquiteto Ângelo Murgel, o paisagista
Reynaldo Dierberger etc. Dentre as empresas, destacam- se a Mário Whately & Cia,
responsável por vários projetos, incluindo o do Pavilhão Central (P1); e a Laubish-
Hirth, uma das mais importantes fábricas de móveis do Brasil, no período 1920-1950,
responsável por projetos de interiores no Pavilhão Central.

Em 2019, o LabDOC foi institucionalizado, junto à Proext, durante as referidas


reuniões e debates que originaram o NAAC, o que reforçou a necessidade da sua
criação. O LabDOC transformou-se num repositório de informações sobre a memória
arquitetônica e paisagística do campus, bem como estabeleceu possibilidades da
prática, aprendizagem da conservação, restauração de documentos e estudos sobre o
estilo neocolonial, predominante nas edificações originais do campus. Essas
possibilidades auxiliam sobremaneira no ensino e na pesquisa desenvolvida nos
cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Belas Artes. O LabDOC conta em sua equipe
com professores dos Departamentos de Arquitetura e Urbanismo (DAU/UFRRJ) e de
Belas Artes (DART/UFRRJ) que desenvolvem pesquisas embasadas nas informações
contidas no acervo sob sua responsabilidade.

Em face do exposto, o artigo se estrutura em três partes, sendo a primeira destinada à


exposição de referências teóricas que apontam para a importância da documentação
arquitetônica como um dos elementos fundamentais para a preservação da memória
projetual e do momento cultural relacionados ao período de construção das
edificações protegidas. Ela também se constitui como uma das fontes de informações
necessárias para a elaboração de projetos de conservação e análises historiográficas
da arquitetura. Na segunda etapa, algumas considerações sobre o acervo do LabDOC
e a importância da sua conservação, restauração e divulgação. Na terceira etapa, são
abordadas as últimas ações de divulgação dos acervos empreendidas pelo NAAC,
especialmente do LabDOC, além de projeções futuras.

O projeto arquitetônico como fonte de informação

Leon Battista Alberti, em seu tratado sobre arquitetura – De Re Aedificatoria ([1452]


2012, p. 35) inicia sua exposição sobre a arte de construir, destacando a importância
do desenho para a arquitetura afirmando que a “(...) arte da construção no seu
conjunto se compõe do desenho e da sua realização.” Destaca que a função do
desenho é estabelecer a distribuição harmoniosa e apropriada de suas partes de
“modo que a conformação inteira do edifício e sua configuração descansem já no

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próprio desenho.” Estabeleceu seis partes obrigatórias da arte da construção: o meio
ambiente (características globais de todo o terreno), a área (porção certa e delimitada
que está contida no meio ambiente, o terreno), o muro (toda estrutura que se ergue do
terreno até o alto a fim de sustentar o peso do telhado), a cobertura (a parte mais
elevada e afastada que contém a chuva, incluindo sua estrutura), o acesso (abertura,
tudo aquilo que proporciona a entrada e a saída de homens e objetos). Segundo
Alberti, o desenho contém todas as informações decorrentes das percepções do
projetista que as materializa em escala reduzida.

Em face das observações de Alberti, entende-se que a conservação do patrimônio


cultural arquitetônico passa obrigatoriamente pelo conhecimento e pela salvaguarda
da sua memória documental. A identificação, a catalogação, a análise, a divulgação e
a produção de documentação relacionada aos bens culturais tornam-se ações
fundamentais para uma melhor compreensão de sua importância e trajetória histórica.

Trata-se da conservação de um dos pontos que compõem o extenso mosaico de


referências materiais que contribuem sobremaneira para a construção e a manutenção
da memória coletiva de grupos humanos. Além da própria edificação, este mosaico é
composto por relatos, lembranças e, sobretudo, pela documentação escrita e
iconográfica, tais como, desenhos, projetos, imagens, textos etc. Todos eles são
importantes devido a sua capacidade de reproduzir parte do que foi vivenciado no
passado.

No caso da arquitetura, os projetos arquitetônicos, complementares, detalhes,


perspectivas, dentre outros, são testemunhos importantes que revelam as intenções
originais dos projetistas, mesmo que não realizadas. Segundo o Dicionário Houaiss
(2001), projetar possui diversos significados, desde atirar, arremessar à distância, até
fazer um projeto, planejar, ver a frente. O termo relaciona-se com algo que lançamos
ou vislumbramos a frente. No caso do projeto arquitetônico, há uma nítida revelação
de uma intenção presente que se opõe a uma realidade pré-existente, que permite
visualizar previamente e em escala reduzida, o edifício que se pretende construir. “Não
se projeta nunca para, mas sempre contra alguém ou alguma coisa”. (ARGAN, 2000,
p.53) A “coisa” pode ser percebida como sendo, desde uma área vazia até contextos
socioculturais, nos quais o arquiteto, busca interferir com seu projeto, corroborando ou
contrapondo tendências consolidadas. Desta forma, a metodologia e a técnica do
projetista são rigorosas porque ideologicamente são intencionadas. Argan (2000, p.53)
destaca que a “ideologia não é uma abstrata imagem de um futuro-catarse, é a

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imagem do mundo que tentamos construir lutando: planejando não se planeja a vitória,
mas o comportamento que nos propomos manter na luta.”

Sendo assim, a análise dos projetos arquitetônicos originais de uma edificação nos
fornece uma concreta possibilidade de percepção do que foi idealizado no passado,
em termos ideológicos e estéticos e, por comparação, identificar o que realmente foi
realizado, executado, de que forma ocorreu e ocorrem as apropriações dos seus
espaços. Essa percepção pode fornecer dados e referências importantes que
conduzem à identificação de mudanças de contextos socioeconômicos, bem como
dados necessários às avaliações críticas inerentes às necessárias intervenções de
conservação, restauração e atualização. Por outro lado, o tratamento formal
originalmente proposto pelo(s) autor(es) do projeto, que foi traduzido numa
determinada linguagem estilística (escala, ritmo, relação entre cheios e vazios,
modinatura, articulação dos espaços etc.), torna-se mais um importante elemento que
possibilita essa reconstrução e análise. O estilo é capaz de, por intermédio do modo
de representação, exprimir o modo de percepção, de pensamento e valores de uma
determinada classe social ligada a uma determinada época. (BOURDIEU, 2007,
p.283)

A construção do campus da UFFRJ e o contexto sociocultural do país

O plano para construir aquela que seria “a primeira cidade universitária brasileira fora
da concentração urbana das grandes cidades”, tomou forma em 1938, quando Getúlio
Dorneles Vargas era Presidente do Brasil. A iniciativa partiu do Ministro da Agricultura
Fernando de Souza Costa que, através de uma exposição de motivos, solicitou, em
agosto de 1938, autorização do Presidente para iniciar construções de um novo
campus para a Escola Nacional de Agronomia, nas terras do que era então a Fazenda
Nacional de Santa Cruz. O projeto dos edifícios teria sido aprovado por Vargas ainda
em outubro de 1938, tendo a construção do campus se iniciado no ano seguinte. Em
1941, várias edificações já estavam concluídas, mas foi somente em 1948 que o
campus, como um todo, teve sua ocupação efetivada. (RUMBELAPAGER, 2005)

Os pavilhões do campus foram construídos em estilo neocolonial, implantados


espaçadamente e integrados por extenso jardim de paisagismo inglês, projetado por
Reynaldo Dierberger. A intenção era criar uma paisagem que remetesse ao ambiente
rural, propício ao desenvolvimento do ensino e da pesquisa das ciências agrárias e da
terra, atividades tradicionais e diretamente relacionadas à história do país. Sendo
assim, o ensino da tradição da atividade agrária brasileira uniu-se ao estilo neocolonial

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que, por sua vez, buscava como essência o resgate das tradições compositivas
amadurecidas no período colonial, especialmente, no século XVIII. O “ambiente rural”
foi associado diretamente às atividades educacionais e, por conseguinte, à imagem do
estilo neocolonial. O projeto do campus da UFRRJ na região escolhida - às margens
da antiga Rodovia Rio-São Paulo, na Baixada Fluminense – representou também um
ato que buscou se contrapor, conforme já destacado no texto, à realidade social e
espacial predominante no lugar, considerado “inabitável, triste, úmido, onde a pobreza
e a miséria eram concorrentes”. Tentou-se na época, com o projeto do campus,
oferecer novas perspectivas de transformação, por meio da educação, da população
local carente e vítima da malária recorrente no lugar. (RUMBELAPAGER, 2005, p.95)

Sob esse contexto cultural, a arquitetura do campus foi pensada com uma grande
escala e imponentes pavilhões principais articulados em um partido em cruz latina que
opõe o Pavilhão Central ao prédio da Pesagro; e os pavilhões dos Institutos de
Química e de Biologia. Sua arquitetura reproduz elementos arquitetônicos e
ornamentais, de exemplares construídos no período colonial brasileiro, oriundos das
arquiteturas religiosa barroca (frontões caprichosos, escadarias de múltiplos lances),
civil urbana (sobrevergas em arco abatido) e rural (varandas sustentadas por colunas
toscanas). A arquitetura dos Institutos e do Pavilhão Central apresentam seus espaços
articulados a partir de um pátio central, elemento que remete aos claustros dos
conventos jesuíticos brasileiros.

Por outro lado, cabe destacar que, em 1938, o neocolonial já sofria severas críticas e
questionamentos de muitos dos seus antigos seguidores que, influenciados pela
arquitetura moderna, já o consideravam ultrapassado e esteticamente equivalente ao
estilo beaux-arts, considerado o principal oponente da nova estética modernista
baseada nas questões sociais, nas possibilidades da industrialização que viabilizava a
exposição dos novos componentes técnicos e funcionais. Se por um lado, o estilo
neocolonial havia surgido como de vanguarda, por se opor ao excesso de influências
da arquitetura europeia, por outro, foi gradativamente se transformando em uma
espécie de resistência conservadora, em face das radicais transformações propostas
pelo modernismo. (KESSEL, 1999, p.67) Observa-se que a construção de um centro
de excelência relacionado ao ensino das ciências agrárias e da terra em estilo
neocolonial, no final da década de 1930, materializou a “resistência” destacada por
Kessel (1999), indo ao encontro do ideário estético de uma elite agrária brasileira
conservadora.

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Nesse período, a autenticidade do estilo neocolonial já estava sendo posta em dúvida
por diversos arquitetos, dentre eles, Lúcio Costa. Profundo estudioso da arquitetura
brasileira e entusiasta, inicialmente, do estilo neocolonial, Costa, após contatos com o
pensamento de Le Corbusier, em visitas realizadas ao Brasil, especialmente nos anos
de 1929 e 1936, se transformou em crítico do estilo neocolonial e fervoroso defensor
da arquitetura moderna. O prédio da Escola Normal (atual Instituto de Educação
Superior do Rio de Janeiro – ISERJ), projetado por J. Cortez e A. Bruhns, em 1928,
transformou-se em paradigma do estilo neocolonial no Rio de Janeiro, inspirando mais
de dez anos depois, o projeto do Pavilhão Central do campus da UFRRJ. Lúcio Costa,
em 1930, sobre o prédio da Escola Normal, o equiparou a “um bicho empalhado” que
parece que “vive, mas não vive; morde, mas não morde”. Concluiu que as pedras
novas talhadas em novas construções são falsos testemunhos”. (XAVIER, 1987, p. 49)
Mais tarde, o arquiteto coordenou o projeto do Ministério da Educação e Saúde (MES),
construído de 1936 a 1945, que se transformou em marco da arquitetura moderna
brasileira.

Figura 1 - Projeto vencedor do concurso para a Escola Normal do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca – Rio de
Janeiro, de autoria de José Cortez e Ângelo Bruhns. Fonte: PINHEIRO, 2014, p. 269; e Fachada do P1, campus
Seropédica da UFRRJ. Fonte: http://r1.ufrrj.br/opaa/pt/, acessado em 22/08/2016. Fonte: http://r1.ufrrj.br/opaa/pt/,
acessado em 22/08/2016.

Sobre memória e documento

O conceito de memória se destaca como referência crucial para os seres humanos.


Para Le Goff (2003, p. 419), a memória possui a “propriedade de conservar certas
informações” que nos remetem “em primeiro lugar a um conjunto de funções
psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações
passadas, ou que ele representa como passadas”. Já Maurice Halbwachs não
considera a memória apenas como um atributo da condição humana, tampouco como
algo que é construído a partir do seu vínculo com o passado, mas sim como resultado
de “representações coletivas construídas no presente” que têm como função manter a
sociedade coerente e unida. Para Halbwachs a memória tem apenas um adjetivo:
coletiva (SANTOS, 2003, p.21). Le Goff (2003, p. 525) observa que a memória coletiva

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possui a sua forma científica, a história, que se aplica em dois tipos de materiais: os
documentos e os monumentos.

O termo latino documentun deriva de docere, “ensinar” e assume o significado de


“papel justificativo” – domínio policial – e, a partir da virada do século XIX para o XX,
para a corrente positivista, de “fundamento do fato histórico”, “prova histórica”. (LE
GOFF, 2003, p. 526). Ocorre que, em 1929, segundo Le Goff (2003, p. 530), os
fundadores da revista Annales d´Histoire Économique et Sociale e pioneiros de uma
nova análise da história, ampliaram a noção e o sentido de documento que passou a
abranger aqueles escritos, ilustrados, transmitidos pelo som, imagens, desenhos ou
qualquer outra maneira. Estes vinculam a sua existência, a da própria história, ou seja,
“não há história sem documentos” (LE GOFF, 2003, p.531).

Em função disso, a identificação, a catalogação, a análise e a divulgação de


documentação escrita e iconográfica relacionada à arquitetura tornam-se ações
fundamentais para uma melhor compreensão de sua importância e trajetória. Trata-se
da conservação de um dos pontos que compõem o extenso mosaico de referências
materiais que contribuem para a construção e a manutenção da memória coletiva de
grupos humanos, tendo em vista que as arquiteturas, especialmente as de uso
público, são o lócus de convivência e vivências coletivas.

No caso específico das públicas, os arquivos assumem grande importância no


processo de preservação das respectivas memórias, representando verdadeiros
repositórios que testemunham fatos vividos no passado. Os conjuntos de documentos
neles guardados, inequivocamente, são fruto de acumulação proveniente de
atividades dessas entidades ocorridas em diversas épocas e sob diferentes contextos
culturais e políticos. Após terem cumprido a sua função original (instrumentos de
trabalho), transformam-se em evidências do passado, guardando a memória de fatos e
intenções concretizadas ou não (ANGELO, 2009, p.92). Especialmente no tocante aos
projetos de arquitetura, essas evidências do passado ficam claras nas intenções de
construção de espaços e determinação da configuração estética das edificações.

Sobre o acervo da UFRRJ

O acervo de desenhos arquitetônicos relacionados à construção do campus


Seropédica é volumoso e bastante variado, em termos de informações, técnicas de
desenho e suportes. Em relação às informações, observa-se uma grande quantidade
de projetos arquitetônicos, detalhes de ornamentos, de interiores, croquis, além de

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projetos complementares de instalações prediais e estruturais. Percebe-se um grande
apuro compositivo que permite constatar os ambiciosos objetivos da gestão Vargas no
intuito de criar um centro acadêmico de excelência nas ciências agrárias, capaz de
proporcionar autonomia aos produtores brasileiros do setor. O nível dos detalhes
arquitetônicos e do mobiliário especialmente projetado para os interiores transmite
requinte e apuro formal ao conjunto.

O exame do acervo de desenhos arquitetônicos possibilita verificar a participação de


profissionais e empresas de relevo no cenário nacional, na construção do campus da
UFRRJ, dentre os quais, Eugênio de Proença Sigaud (arquiteto, engenheiro, artista
plástico modernista), o arquiteto Ângelo Murgel, o engenheiro-arquiteto João Moreira
Maciel, o paisagista Reynaldo Dierberger e a empresa Mário Whately e Cia.

Com relação a Eugênio de Proença Sigaud (E. P. Sigaud), verifica-se a sua efetiva
participação na projetação do Pavilhão Central, por intermédio de estudos de
fachadas, detalhes de interiores e ornamentos. São pranchas que exibem um grande
domínio e apuro da técnica da representação gráfica de arquitetura, tendo como
suportes o papel manteiga e o vegetal, trabalhados em grafite, nanquim e, mais
raramente, em técnica mista (nanquim, grafite e carvão). Observa-se, no entanto, que
muitos deles não foram executados integralmente, constituindo um rico conjunto de
possibilidades de composição de fachadas de pavilhões (especialmente do Pavilhão
Central), pórticos, edificações etc. Ele nos permite comparar criticamente, às soluções
executadas, com as não executadas e as apropriações contemporâneas.

Importante observar que a carreira de E. P. Sigaud como artista plástico revela sua
adesão plena ao movimento de pintura moderna brasileira. Seu nome, em 1935,
aparece associado ao Grupo Portinari, agremiação informal que se reuniu em torno de
Candido Portinari, tendo como uma de suas principais linhas de atuação a pintura
mural. Foi um dos artistas brasileiros selecionados para a 1ª Bienal Internacional de
São Paulo, no Pavilhão do Trianon e recebeu, provavelmente de Quirino Campofiorito,
a alcunha de “pintor dos operários”, devido ao fato de enfocar, com frequência, a
atuação dos operários, especialmente os da construção civil, onde atuava diretamente
como arquiteto e construtor. Em função desses aspectos, destacou-se politicamente
pelo seu posicionamento de esquerda. (LIMA CARLOS, 2019, p.6)

No entanto, a produção de E. P. Sigaud, como arquiteto, materializou bem a crise


estética ocorrida na primeira metade do século XX no Brasil, incorporando as
contradições e contrastes desse momento, conforme anteriormente abordado. Ela se

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inicia em 1927, quando Sigaud retornou à Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) com
a pretensão de tornar-se arquiteto. Alcançou seu objetivo com muito sacrifício
financeiro, em 1932, sobrevivendo da venda de seus quadros ou fazendo decorações.
Com modesto escritório, projetou croquis de fachadas, plantas baixas, projetos
completos de prédios e casas residenciais, casas de campo e de clubes. Em termos
estilísticos, sua trajetória como arquiteto foi errática, apresentando projetos em
diversos estilos históricos europeus, neocolonial, Art Déco, além do moderno. (LIMA
CARLOS, 2019, p.6) As atividades de “projector e construtor” exercidas por meio da
sua empresa Sigaud & Cia, oferecia serviços de “Projecto a livre escolha e gosto do
interessado”, garantindo construções “com solidez, conforto e economia”.
(MENEGUELLO, 2014, p.40) Em entrevista concedida à Revista Artes, em 1947,
Sigaud respondeu à pergunta “se vivia apenas de arte”, da seguinte forma: “Bem
gostaria. Sou, porém arquiteto também [...]. Na qualidade de arquiteto e construtor,
encontro os motivos para os meus quadros. O trabalho de construção civil é o assunto
costumeiro”. (MENEGUELLO, 2014, p. 29)

A produção do arquiteto Ângelo Murgel também não se identifica com a arquitetura


moderna, situando-se entre o movimento neocolonial, a Art Déco e algumas
influências da primeira fase da carreira de Frank Lloyd Wright. O professor Sílvio Colin
(2010) ex-aluno de Murgel na FAU-UFRJ, observa, em relação a um projeto de
residência na Rua Almirante Alexandrino, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro,
que:

Não existem traços das práticas já então consagradas dos adeptos do Movimento
Moderno. Podemos ver, entretanto, uma certa influência wrighteana. Embora em um
terreno acidentado, o projeto tem muito das plantas das Prairie Houses, como o
crescimento orgânico. Os detalhes decorativos são mais ligados ao vernacular carioca
dos anos 1930 e 40. Curioso notar que, apesar do tamanho, a casa tem apenas um
dormitório. (COLIN, S. Um projeto de Ângelo Murgel, 2010, disponível em
https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/07/13/um-projeto-de-angelo-murgel/ acesso em
27/09/2021)

O projeto do prédio do Instituto da Escola Agrotécnica Idelfonso Simões Lopes da


UFRRJ, é o único, até o momento, identificado como de sua autoria, no campus.
Trata-se de uma edificação com partido pavilhonar, com claras influências da
arquitetura tradicional brasileira evidenciada na utilização de arcadas, beirais e
esquadrias em madeira do tipo guilhotina. (Figura 2)

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Figuras 2. Fachada principal da Escola Agrotécnica Idelfonso Simões Lopes e Carimbo do projeto da Escola assinado
por Ângelo Murgel. Fonte: acervo LabDOC/UFRRJ.

Assim como E. P. Sigaud, a produção arquitetônica da empresa de Mário Whately


também se caracterizou pela multiplicidade de estilos, dentre eles o neocolonial e o Art
Déco, como a construção do Instituto Biológico de São Paulo (IB). A construção do
prédio se deu no período 1928-1930, a pedido do mesmo Fernando de Souza Costa,
mentor do campus da UFRRJ, na ocasião, Secretário do Estado de São Paulo dos
Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. (VITIELLO et al., 2016, p.3) (Figura 3)

Figura 3. Primeiros estudos realizados para o prédio do IB. Fonte: (N. Vitiello et al., 2016, p.3)

Recentemente, foi localizado o projeto do prédio do Instituto Federal de Ecologia


Agrícola (IFEA), atualmente ocupado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do
Estado do Rio de Janeiro (Pesagro), o que possibilitou identificar a autoria do
engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, em 1938. No mesmo ano, o projeto foi
aprovado pelo Ministro da Agricultura Fernando de Souza Costa. O documento
encontra-se de posse da administração da Pesagro que considera a possibilidade de
cessão para o acervo do LabDOC/UFRRJ. (Figura 4)

João Moreira Maciel, era gaúcho, de Santana do Livramento, e estudou na Escola


Politécnica de São Paulo, na qual se graduou, em 1895, como engenheiro-geógrafo e,

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em 1899, como engenheiro-arquiteto. Foi diretor de obras da Intendência Municipal,
ajudando a traçar o futuro da cidade de Porto Alegre coordenando seu Plano de
Melhoramentos e Embelezamento, elaborado em 1914, atuando na Comissão de
gestão do Plano até 1920. Em 28/04/1921 foi nomeado como engenheiro da Divisão
de Obras do Ministério da Agricultura, falecendo em 28/04/1944, quando ocupava o
cargo de diretor da Divisão de Obras. (ABREU FILHO, S. B., 2006, p. 42)

Figura 4. Projeto arquitetônico do primeiro pavimento e de instalações elétricas do prédio da Pesagro (IFEA)
contendo as assinaturas de Fernando de Souza Costa e de João Moreira Maciel e modelagem 3D produzida por
Isadora Cristina Cardoso Macedo, bolsista PIBIC/CNPQ do curso de Arquitetura e urbanismo da UFRRJ. Fonte:
Pesagro, 2021 e Projeto de Iniciação Científica Paisagismo do Campus UFRRJ: a reconstrução do projeto de
Reynaldo Dierberger (LIMA CARLOS, Claudio; ARAUJO, Ana P. e MARY, Wellington, 2019-2022)

Pesquisas realizadas a partir da documentação do LabDOC


A exploração do acervo de desenhos arquitetônicos sob guarda do LabDOC
possibilitou a realização de pesquisas coordenadas pelo autor do presente artigo e
desenvolvidas por estudantes do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ, desde
2009 (CAU/UFRRJ).

A primeira, intitulada “Conhecendo o Campus Seropédica por intermédio do seu


patrimônio documental” (2009-2011), visou identificar, analisar o estado de
conservação do acervo, bem como catalogar os desenhos arquitetônicos relacionados

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à construção do campus. Para tal, foi criado um modelo de ficha específico que
continha dados referentes ao suporte, técnica de desenho utilizada, dimensões da
prancha, danos existentes e foto do original identificado. A pesquisa possibilitou
constatar o extremo valor do acervo para a memória da IES e o seu precário estado de
conservação. Em 2012, foi desenvolvida a pesquisa intitulada “Campus da UFRRJ: da
idealização à realização” que buscou identificar as soluções arquitetônicas projetadas
e não realizadas no campus. As atividades de pesquisa realizadas mostraram de
forma inequívoca, o valor do acervo, bem como a necessidade de criação de uma
unidade especialmente voltada aos fins de sua catalogação, conservação, restauração
e divulgação, o que ocorreu em 2013, com auxílio financeiro da FAPERJ que viabilizou
a criação do LabDOC.

Em 2019, foi iniciada a pesquisa de Iniciação Científica intitulada “Paisagismo do


Campus UFRRJ: a reconstrução do projeto de Reynaldo Dierberger” coordenada pelo
autor do presente artigo e pelos professores do CAU/UFRRJ, Ana Paula R. de Araújo
e Wellignton Mary. A inciativa visa recompor as ideias originais do paisagista Reynaldo
Dierberger para o campus que não foram integralmente executadas. A atividade será
concluída em 2022, tendo como um de seus produtos, a modelagem 3D da área do
campus que recebeu o projeto paisagístico de Dierberger.

Últimas ações desenvolvidas pelo NAAC e LabDOC


O NAAC vem estabelecendo, desde 2020, uma rotina de reuniões com os curadores
dos acervos e coleções e atualmente, estão sendo realizados esforços de publicação
online de informações sobre os acervos da UFRRJ, na plataforma Omekas.

A utilização da plataforma implicará na criação de uma página para cada acervo, que
terá a sua própria identidade visual (logomarca). A criação dessas identidades visuais
está sendo desenvolvida pela Comissão de Identidade Visual da UFRRJ, órgão que,
desde 2018, se dedica à expansão e adaptação da identidade visual da instituição.

Já foram criadas a identidade visual da Proext, do Museu de anatomia patológica


animal Carlos Tokarnia, dentre outros, e estão em curso a criação de outros acervos,
incluindo o LabDOC. A plataforma Omekas, brevemente, receberá textos descritivos e
imagens digitalizadas de componentes do acervo do LabDOC, que se tornarão
acessíveis por pesquisadores internos e externos. A intenção é otimizar a divulgação
pública da trajetória, objetivos do Laboratório, bem como a descrição geral do tipo de
acervo sob sua guarda, por intermédio da disponibilização de cerca de dez
exemplares de desenhos arquitetônicos digitalizados e já devidamente catalogados,
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dentre os muitos existentes. Busca-se assim, divulgar interna e externamente o rico
acervo de projetos arquitetônicos que guarda parte importante da história do estilo
neocolonial no Brasil.

Considerações Finais

As breves considerações aqui expostas acerca da importância da preservação,


catalogação e divulgação de acervos de IES revela que muito ainda há de ser
realizado, mas no tocante à UFRRJ, os primeiros passos foram dados. A criação do
NAAC já permite a percepção da riqueza dos acervos existentes, a partir da reunião
em um núcleo único de articulação, bem como seu conhecimento interno, por parte
dos docentes da UFRRJ. Intenciona-se, em breve, criar roteiros de visitação externa
franqueada ao público em geral, aos museus e acervos vinculados ao NAAC. Espera-
se contar com a participação de docentes e discentes do campus nessas atividades
que contribuirão significativamente para a divulgação e a inserção da IES nas
comunidades locais e externas, especialmente as situadas na Baixada Fluminense.

Com relação à exploração das informações contidas nos projetos arquitetônicos afetos
ao LabDOC, cabe destacar as importantes descobertas que ligam a iniciativa de
construção do campus a um ambiente político autoritário e conservador que
materializou uma crise estética caracterizada, dentre outros, pela oposição das
arquiteturas neocolonial e moderna. A primeira, tida inicialmente como um movimento
de vanguarda, foi gradativamente se transformando em símbolo do conservadorismo,
alinhando-se ao ideário ruralista, materializado nas intenções de construção da
arquitetura do campus da UFRRJ. O recorte temporal estabelecido pela construção do
campus, 1938-1948, não deixa dúvidas sobre o caráter tardio da preferência de grupos
da elite brasileira pela evocação de formas identificadas com o período colonial. Essa
é, sem dúvida, um dos principais motivos pelos quais o campus é um precioso
testemunho da história da nossa arquitetura, sendo por isso, merecedor da proteção
legal existente que deve abranger a documentação que lhe deu origem. Em função
disso, pretende-se, em breve, inserir o conjunto de projetos arquitetônicos
relacionados à sua construção no tombamento estadual existente, como bens móveis,
destacando que a documentação deve ser considerada patrimônio cultural.

Referências Bibliográficas
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para Porto Alegre, Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
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7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

O PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE 1939: sobre o


modernismo e o espírito de brasilidade

MARQUETTE, Weslei(1); MANENTI, Leandro(2)

1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
wesleimarquette@gmail.com

2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
leandro.manenti@ufrgs.br

RESUMO

O trabalho apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa ‘Arquiteturas Escritas: investigações


acerca dos princípios e procedimentos de projeto a partir de textos de autores arquitetos’, que tem
por objetivo ampliar o entendimento a respeito dos preceitos teóricos apresentados por autores
arquitetos. Nesta fase recente, o projeto tem se dedicado à discussão da obra teórica de Lúcio Costa
e, mais especificamente, ao conceito de brasilidade, tema recorrente em textos de autores modernos
brasileiros. A partir da leitura e interpretação desses textos, busca-se a análise de obras como forma
de elucidar e validar os entendimentos teóricos, chegando-se, assim, a exemplares significativos,
como é o caso desenvolvido aqui neste trabalho: o Pavilhão Brasileiro, projetado pelos arquitetos
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, para a Feira Mundial de Nova Iorque de 1939, buscando, a partir
dele, a compreensão dos atributos que o conferem um ‘Espírito de Brasilidade’, tema aparentemente
abstrato, mas que é escrutinado no trabalho. O desenvolvimento da pesquisa passa pela
apresentação do contexto em que o Pavilhão Brasileiro e a Feira Mundial de Nova Iorque se inserem,
os eventos que condicionaram a sua concepção, o comparativo com Pavilhões dos outros países e
outras obras modernas relevantes anteriores a ele, e, sobretudo, compreendendo o Pavilhão
Brasileiro como um projeto moderno e, eminentemente, brasileiro. A metodologia empregada
compreende a seleção e análise de informações textuais e gráficas, amparando-se em textos de
pesquisadores da arquitetura moderna brasileira, no levantamento de eventos que a precedem, de
momentos históricos que condicionam a Feira Mundial, da própria Feira e do Pavilhão, buscando-se
entender a estrutura formal e elementos que o compõem; a metodologia também abrange a análise
de fotografias do evento e de outros momentos históricos relativos, além do estudo de plantas, cortes,
fotografias e vídeos do Pavilhão Brasileiro, o qual é desenvolvido inclusive por modelagem virtual a
fim de obter o melhor entendimento possível acerca da obra e de visualizá-la espacialmente com
novas imagens restituídas de seu interior e exterior. Por meio desse processo, espera-se encontrar
resultados diferentes daqueles expressos pelas plantas divulgadas dos pavimentos, os quais muitas
vezes não condizem com a proposta dos arquitetos responsáveis pelo Pavilhão devido à rapidez em
que o Pavilhão foi projetado e executado. A partir desta análise, ao final, foi possível verificar como o
conceito de "espírito de brasilidade", teorizado por Mário de Andrade anos antes, foi desenvolvido
nesta obra exemplar, contribuindo assim para um ideal de arquitetura essencialmente brasileira.

Palavras-Chave: Pavilhão Brasileiro de 1939; Arquitetura Moderna; Brasilidade; Lúcio Costa

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Introdução

Perante às inúmeras questões envolvendo a arquitetura moderna brasileira, constata-se a


necessidade de uma articulação entre teoria e prática a fim de justificar determinada
elaboração compositiva e sobretudo de entender as características intrínsecas à arquitetura
nacional. Esse projeto de pesquisa busca compreender esses conceitos, mais
especificamente a respeito do entendimento de “espírito de brasilidade”, termo que permeia
o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira e que se insere nas obras teóricas de
Lúcio Costa.

O termo “espírito de brasilidade” surge em 1925, em uma entrevista dada ao Jornal do


Commercio de Recife por Oswald de Andrade; de acordo com o escritor, a arquitetura e a
arte deveriam buscar a renovação de suas produções através da observação e estudo das
tradições nacionais (GALVÉZ, 2012. p.82). O momento brasileiro se caracterizaria pela
inserção do debate cultural no contemporâneo, sem deixar de lado o componente tradicional
- diferentemente do desenvolvimento do modernismo na Europa, alegadamente fundado na
negação ao passado e na revolução cultural. O Modernismo brasileiro, atrelado ao espírito
de brasilidade, afasta-se logo de início do estilo neocolonial, que embora utilize elementos
tradicionais, flertava, na visão de Mário de Andrade, com o regionalismo e, portanto, com o
anti-universalismo. O conceito começa a ganhar força com o decorrer da década de 30 e
com o início da Nova República, liderada por Getúlio Vargas, que revoga o decreto de
Epitácio Pessoa de 1922 que determinava ser obrigatório o estilo neocolonial na concepção
de prédios realizados para representar o país no exterior, abrindo novas oportunidades para
o modernismo no país (CAVALCANTI, 2006, p.95). O objetivo consistia na busca por uma
nova representação dentro e fora do país, na construção de uma imagem nacional e na
ideia de arquitetura como política cultural, iniciativa que abrangia os interesses da
vanguarda artística e arquitetônica moderna.

Em sua obra, Lúcio Costa menciona uma etapa de transição, momento em que a arquitetura
passaria por uma revolução identitária e consoante com as transformações tecnológicas,
porém não submissa ao literalismo formal estrangeiro (como o neoclássico), negando toda
arquitetura que reflete “essa completa falta de rumo, de raízes”. Sobre esse período, Lúcio
comenta:

Estamos vivendo, precisamente, um desses períodos de transição, cuja importância,


porém, ultrapassa - pelas possibilidades de ordem social que encerra - todos aqueles
que o precederam. As transformações se processam tão profundas e radicais que a
própria aventura humanística do Renascimento, sem embargo do seu extraordinário
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alcance, talvez venha a parecer à posteridade, diante delas, um simples jogo de
intelectuais requintados (COSTA, 1995, p.108).

O processo de formação de uma arquitetura brasileira própria, amparada pelo surgimento da


ossatura independente (o “segredo de toda nova arquitetura”), é amplamente abordada por
Lúcio, e seria nesse âmbito em que o espírito de brasilidade é contemplado; um termo
oriundo das artes e inicialmente pouco desenvolvido na arquitetura (que ainda se associava
ao neocolonial e ao historicismo), porém que, devido ao seu conteúdo revolucionário
começa a ser investigado pelo interesse da renovação da composição formal da arquitetura
nacional.

É na discussão da obra teórica de Lúcio Costa e de outros autores arquitetos que esse
conceito começa a ganhar um caráter mais sólido, principalmente através da proposta da
análise do Pavilhão Brasileiro de 1939, edifício contextualizado na Feira Mundial de Nova
Iorque e que reúne diversos princípios que descrevem o “espírito de brasilidade”. Além do
fato do Pavilhão, aliado ao MESP, ser âncora para a mostra de arquitetura brasileira no
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque em 1942 e, portanto, ser um edifício que fortaleceu
o modernismo nacional, de precedentes internacionais, porém articulado à tradição, a
proposta do concurso do pavilhão consistia na melhor oportunidade de representação do
conceito de “espírito de brasilidade”, e sua importância reside nesse fato na medida em que
a ideia se envolve com o nascimento genuíno da arquitetura brasileira moderna.

A respeito da metodologia, o desenvolvimento da pesquisa se deu por meio dos


instrumentos específicos da arquitetura, como a seleção e análise de informações textuais e
gráficas de pesquisadores da arquitetura moderna brasileira, o levantamento de eventos que
a precedem, de momentos históricos que condicionaram a Feira Mundial, da própria Feira e
do Pavilhão, e no estudo de plantas, cortes, fotografias e vídeos do Pavilhão Brasileiro,
assim como a reconstituição gráfica, buscando por esses meios compreender os aspectos
formais do Pavilhão e a sua importância para a história da arquitetura brasileira.

O Processo Projetual do Pavilhão e a sua inserção na Feira Mundial de 1939

Para a participação brasileira na Feira Mundial de Nova Iorque, estabeleceu-se no Brasil um


concurso que exigia, por meio do edital, um pavilhão moderno que melhor representasse a
tradução formal do conceito de “espírito de brasilidade” para o âmbito arquitetônico. Embora
nenhum projeto tenha sido considerado ideal pelo júri do concurso, o primeiro colocado foi
Lúcio Costa, cuja concepção melhor expressava o tema proposto, além do uso adequado e
discreto dos elementos da técnica moderna de construir e a fácil comunicação da rua com o
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pátio, enquanto o projeto que conquistou o segundo lugar foi o de Oscar Niemeyer (COMAS,
2010, p.64). Contudo, apesar da colocação vencedora de Lúcio, o arquiteto abdica de seu
projeto para trabalhar em conjunto de Niemeyer sobre a sua composição, resultando uma
proposta compositiva mais satisfatória em comparação aos dois projetos individuais.

O projeto apresentado por Lúcio Costa consiste em três elementos principais: o pavilhão, de
projeção retangular vazado por um pátio interno; o pórtico, de planta triangular isósceles; e
um auditório trapezoidal. O pórtico apoia seu lado desigual sobre o pavilhão, enquanto o
vértice dos dois lados iguais se alça sobre um mastro frontal, indicando certa imponência
militarista, de forma que a laje ficasse inclinada. Esse pórtico antecede um grande vestíbulo
de pé-direito duplo, que por sua vez se articula com a galeria configurada em "U" sobre
pilotis, cujas extremidades permitiriam o acesso e saída dos visitantes por meio de
escadarias. Na base do "U”, a galeria se comunica com o auditório de maneira justaposta, a
qual seria flanqueada por rampas de acesso assimétricas que aproveitam os fundos do
terreno. Sob o vão central, próximo ao jardim, localiza-se o restaurante, junto aos pilotis que
sustentam a galeria. Nota-se que o projeto de Lúcio Costa se destaca então por um ritmo
triplo, ou seja, é composto por três partes que se comunicam: na frente sul suas portas de
vidro são flanqueadas por quebra-sóis fixos, nas fachadas laterais as paredes do auditório e
do vestíbulo flanqueiam as da galeria, igualmente opacas, enquanto na fachada norte o
auditório e as extremidades da galeria são permeáveis visualmente. A oposição à
ortogonalidade total do edifício ocorre com a implantação de um espelho d’água amebóide
no pátio, enquanto a longitudinalidade do edifício é equilibrada com as colunas colossais,
resultado do afastamento das lajes (COMAS, 2010, p.64). Tratava-se de um projeto
contrastante entre ritmo compositivo e maleabilidade vegetal, cuja brasilidade poderia ser
atribuída à abertura de sua planta térrea, animada pelo espelho d’água, que evoca a
nacionalidade através da vegetação e pelos painéis treliçados que servem de quebra sol
entre as colunas do piso da galeria, remetendo aos muxarabis brasileiros e atribuindo ares
coloniais ao edifício moderno. Contudo, nota-se que o pátio interno ganha um caráter
intimista, como um claustro, efeito esse que se intensifica com a presença de um mural logo
ao se entrar no hall do edifício, o qual bloqueia a permeabilidade visual para o jardim. Nesse
sentido, Lúcio Costa, apesar de já ter tido contato com Le Corbusier para o projeto do
MESP, parece seguir rigorosamente as necessidades do programa e o melhor
aproveitamento do terreno, sem permitir maior maleabilidade do edifício, insistindo em uma
forma rígida e fechada que não difere muito do seu projeto inicial para o Ministério da
Educação e Saúde, apelidado de "múmia" por seu caráter rígido.

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O segundo projeto que merece destaque é o de Oscar Niemeyer, um arquiteto pouco
experiente na época, embora tivesse participado do projeto para o MESP; sua concepção se
desenvolve em "L", revelando, diferentemente de Lúcio Costa, o pátio interno para o Rio
Flushing na fachada norte e para o Pavilhão Francês ao lado leste, que ajudam a delimitar o
pátio evitando o seu enclausuramento. O largo de entrada se localiza em frente à avenida e
é flanqueado por dois volumes opacos; o primeiro é a galeria, volume maior que se
desenvolve ao longo da rua transversal à avenida, contando com térreo, mezanino e
passeio coberto ao longo do pátio, limitado por colunata de altura dupla, elemento também
presente no projeto de Lúcio Costa. A fachada sul é definida por um sistema tríplice, com o
meio vazado e recuado dos dois outros opacos que o flanqueiam, sendo totalmente
permeável de modo que se permitisse visualizar o jardim desde o exterior - diferentemente
do projeto de Costa. O vão também seria coberto por uma abóbada achatada, a qual
dispensou o uso de outras proteções solares na fachada norte (COMAS, 2010, p.66). O
restaurante poderia ser acessado desde o exterior do edifício por uma escadaria que o
conecta ao auditório por meio de uma passarela; sob o restaurante, sustentado por pilotis,
há um bar que se conecta ao pátio. A fachada oeste, a de maior comprimento, era
completamente opaca do térreo à cobertura, fato esse que pesava o volume - e que talvez
tenha indicado certo afastamento em relação ao desejado espírito de brasilidade. O
auditório, à frente do volume principal, era igualmente curvo e alinhado com a fachada leste,
de modo que, em uma vista frontal, os dois volumes compõem uma identidade única. Além
disso, o uso de painéis de vidro, que acabaram sendo utilizados no projeto final, permitem
melhor relação entre interior e exterior, diferentemente da concepção intimista de Costa.
Entretanto, de acordo com o júri, o projeto contou com poucos elementos reconhecíveis
para construir a imagem do Brasil. Nota-se, contudo, que o partido constituído de forma
aberta guarda, em sua conformação, um componente social importante: um edifício
expositivo não deveria encerrar-se em si mesmo, timidamente, mas deveria, acima de tudo,
oferecer-se em planos abertos ao público, através de transparências de circulação. Não foi à
toa, então, que Lucio Costa abdicou de seu projeto em prol de um trabalho em conjunto com
Niemeyer.

Com a concessão do júri, Lúcio passa a trabalhar junto de Niemeyer sobre o seu partido
arquitetônico. Com a chegada dos arquitetos à cidade de Nova Iorque em abril de 1938,
ambos se organizaram para projetar, em seus escritórios, de maneira ágil a fim de
apresentar o Pavilhão em maio de 1939 e para acompanhar a obra - como requerido no
edital. A partir do desenvolvimento in loco, o projeto começa a passar por várias
modificações. O terreno destinado ao pavilhão se localizava em uma esquina, posição

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vizinha ao Pavilhão Francês, que, na primeira visita dos arquitetos ao terreno, já estava
sendo construído; ao observar a composição pesada e maciça do edifício, os arquitetos
decidem que o bloco principal do Pavilhão Brasileiro se situaria o mais afastado possível do
vizinho gaulês, colando-o na fronteira do terreno, onde a rua sinuosa delimitava os pavilhões
nacionais do setor das grandes empresas - sendo, assim, um lugar vantajoso. A partir da
aproximação da Galeria com a rua transversal à avenida, os arquitetos replicam a
sinuosidade do projeto de Niemeyer para o bloco maior, suspendendo-o, no entanto, por
pilotis; decidiram, também, que seria inútil competir em escala com o pavilhão vizinho e
consolidam a proposta de um edifício leve, qualidade adquirida a partir da fusão de ideias de
ambos os projetos.

A partir dessas considerações, o projeto passou por duas etapas iniciais de


desenvolvimento: a primeira, mais esquemática, apresentava um jardim animado somente
pelo espelho d’água, não contendo outras atividades, enquanto no interior do Pavilhão
paredes amebóides configuravam a ala menor sob o auditório; a seguir, em uma segunda
proposta mais avançada, o edifício apresentava uma planta baixa melhor detalhada e
agregava um orquidário, um ofidiário e um poço no jardim - elementos que foram
posteriormente vetados e que concederam espaço para um aviário, realojado da fachada
principal de última hora para dar espaço para um diorama. Contudo, a segunda proposta
não representa o resultado final: a agilidade projetual não acompanhou a representação
gráfica, e, portanto, detalhes construtivos não foram bem representados, restando na
publicação do catálogo da exposição a melhor representação gráfica existente do projeto
final.

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Figura 01 - Quadro comparativo das plantas do Térreo e do Segundo Pavimento dos projetos
individuais de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e do projeto em conjunto dos arquitetos – Fonte: dos
autores

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Figura 02 - Fachada Principal do Pavilhão Brasileiro - Fonte: <https://www.archdaily.com.br/br/
615845/classicos-da-arquitetura-pavilhao-de-nova-york-1939-lucio-costa-e-oscar-niemeyer>. Acesso
em: 27 set. 2021.

O Pavilhão Brasileiro de 1939

Apesar de Lúcio ter abdicado de seu projeto para trabalhar sobre a concepção de Niemeyer,
não se estabeleceu uma condição de subordinação de Lúcio ao colega arquiteto, mesmo
que este orientasse predominantemente o processo projetual do Pavilhão; suas qualidades
formais e interpretativas se complementaram, tanto que a proposta final resultou
qualitativamente melhor em relação aos projetos individuais de cada um. O projeto, então,
mescla o programa em “L” de Niemeyer - que contou com galerias de exposição, auditório,
bar-restaurante com pista de dança e palco para música ao vivo, café e escritórios para o
comissário geral e equipe – com a porosidade marcante e o contraste entre horizontalidade
e verticalidade - propostas de Lúcio Costa. Outra ideia de Lúcio mantida foram as colunas
colossais que se evidenciam no recuo da laje, a qual se desloca na ordem de 2 metros na
fachada oeste da galeria e se mantém em balanço, permitindo que na fachada leste, em
frente ao pátio, as colunas possam ser visualizadas por meio do avanço pelos pavimentos,
enquanto nas fachadas Norte e Sul, a laje avança 30 centímetros.

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O partido em "L" abriga, no lado maior, a galeria com aproximados setenta metros
estruturados em quatorze intercolúnios transversais, dos quais os cinco primeiros se
prolongam para configurar o lado menor, com pilotis que permitem o acesso ao pátio e à
área expositiva junto à divisa (COMAS, 2010, p.67). No pavimento superior, o lado maior
possui a fachada opaca para oeste e envidraçada para o pátio interno, abrigando ainda um
mezanino expositivo, enquanto o lado menor acolhe uma rampa - também proposta por
Lúcio - que parte da esquina do terreno até o vão entre o auditório e a galeria no segundo
pavimento, gerando uma trajetória diagonal em planta que se conecta com a esplanada por
uma extremidade em curva; o lado menor também acolhe um auditório, cujo eixo
longitudinal acompanha a avenida e cuja parede curva ao fundo serve como área de
serviço, enquanto a parede oposta a esta define o palco. Um quebra sol metálico protege os
escritórios localizados na fachada sul da ala maior, fixo e alveolar como previsto
originalmente por Lúcio, fazendo referência aos muxarabis; além disso, um pequeno espaço
dedicado ao aviário, que posteriormente seria reposicionado no pátio, é implantado,
substituindo a auditório do projeto original de Niemeyer.

A porosidade de Lúcio Costa se manifesta no vão gerado na fachada sul entre a galeria e o
auditório e na transição do largo de entrada ao pátio ajardinado, evidenciando certa
liberdade em relação à arquitetura Le Corbusier, como aponta Comas, afinal nunca houve
precedentes nas obras do arquiteto suíço para um térreo marcado por pilotis no qual
paredes, que definem o bar-café e o restaurante, interpenetram o arranjo ordenado dos
mesmos; é, contudo, na arquitetura de Mies que podemos encontrar pilares que se
relacionam com outros elementos, referência perceptível no interior da Villa Tugendhat
(COMAS, 2002, p.173). Sob a ala maior, o restaurante se localiza na esquina do terreno e a
cafeteria fica junto da esquina mais próxima ao rio, sendo interligados por uma passagem
que também contempla o bar. O restaurante é definido por uma parede cega semicircular
que bloqueia visualmente o restaurante do exterior do Pavilhão, mas que permite
permeabilidade visual total para o pátio ajardinado. As paredes da cozinha escondem os
pilares encapados na fachada oeste, criando no térreo uma face praticamente opaca que
diminui levemente a sensação do balanço da estrutura. Ambos restaurante e bar-café são
marcados, além das paredes com revestimento em imbuia, por um forro rebaixado
amebóide com uma conexão com a laje definida por uma iluminação fluorescente. No térreo,
a disposição do balcão de recepção define, junto ao bar-café, uma entrada diagonal, pela
qual se pode observar um mapa comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos em um
painel de vidro. Nota-se que há, nesse projeto, uma tensão entre rota diagonal - pelo térreo

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e pela rampa - e visão frontal que se afasta do edifício, indicando a fluidez que configura o
projeto.

Para a realização do detalhamento do projeto executivo, Lúcio propõe a contratação de um


escritório americano; não atendido, o arquiteto retorna ao Brasil no fim de agosto de 1938
por problemas familiares, ficando Niemeyer em Nova Iorque. Frente à pressão dos
ministérios de expor produtos tediosos no pavilhão, Lúcio e Niemeyer convencem Armando
Vidal, que assume o cargo de Comissário Geral e define as diretrizes para exposição no
interior do Pavilhão, de contratar Paul Lester Wiener para projetar o interior do edifício
(COMAS, 2010, p.72); sendo excelente arquiteto e cunhado do Secretário da Fazenda
Morgenthau Jr, teria autoridade para escapar das pressões ministeriais e liberdade para
escolher no Brasil o que expor. Também foi contratado o paisagista Thomas Price e o
detalhamento do Pavilhão foi encarregado à firma Hegemann-Harris. A engenharia
modificou em alguns aspectos o projeto, aumentando o número de vãos transversais e o
tamanho do mezanino; outros aspectos independentes à estrutura foram modificados,
resultando em alguns aspectos do programa já apresentado, como o realojamento do aviário
no pátio em última hora, sendo substituído por um espaço dedicado ao diorama, a
substituição do poço pelo painel de vidro que marca um mapa comparativo das dimensões
entre Brasil e Estados Unidos na entrada do térreo, a inclusão de um orquidário e um
ofidiário - posteriormente vetados, na praça - o aumento da cafeteria, a criação de um
fechamento lateral na praça definido por mastros (COMAS, 2002, p.179). A respeito da
engenharia, o Pavilhão é definido por uma estrutura metálica, composta por pilares de aço
que sustentam as vigas ocultas de mesmo material, que viriam a sustentar as lajes
construídas com entrepisos de madeira. Os pilares com seção transversal em "I" passam
por um capeamento que arredonda as suas bordas, como na Villa Tugendhat. Em alguns
momentos, canos hidráulicos acompanham paralelamente os pilares revestidos,
descendendo desde os reservatórios posicionados sobre a laje superior da Galeria de
maneira aparente. As esquadrias do edifício aparentam ser do tipo guilhotina, embora não
seja possível saber precisamente o tipo de articulação característico delas.

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Figura 03 - Vista do Jardim e do bloco maior do Pavilhão; no térreo, o restaurante, e no segundo
pavimento e mezanino a galeria expositiva. Fonte:<https://www.archdaily.com.br/br/615845/classicos-
daarquitetura-pavilhao-de-nova-york-1939-lucio-costa-e-oscar-niemeyer>. Acesso em: 27 set. 2021.

Ao comparar as propostas individuais de ambos arquitetos para a realização do concurso


com o resultado final, pode-se perceber que o Pavilhão Brasileiro herdou certas
características das concepções anteriores, dentre elas destaca-se: a presença de um
elemento principal na esplanada, representado na concepção final pela laje curva que parte
da cobertura e se desenvolve ao longo do auditório por meio de um torção (que caso não
fosse implementada, resultaria em um vão entre as estruturas), sinal referente à
necessidade de implementação de um elemento marcante na fachada principal, tal qual a
laje triangular e imponente de Lúcio Costa e a abóbada arrojadamente fina de Oscar
Niemeyer; os pilotis, de influência corbusiana e traduzidos por Lúcio Costa, que permitem
maior fluidez e liberdade para o transeunte; a proteção solar, de composição formal
semelhante ao muxarabi, que se distancia dos brises soleil do MESP - provável herança do
estilo neocolonial, agregado pelo novo espírito moderno de Lúcio Costa; o auditório visível
desde a fachada norte, que, ao se analisar o projeto original de Niemeyer, ascende do térreo

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para o segundo pavimento, no pórtico, enquanto o diorama é posicionado no seu antigo
local; e a adoção do programa em "L", que ganha maior sinuosidade ao se adaptar à
curvatura do terreno, perdendo a rigidez opaca da primeira concepção de Niemeyer ao
aderir aos pilotis de Lúcio. Em Brazil Builds e a Bossa Barroca, Carlos Eduardo Comas
comenta: “O Pavilhão Brasileiro [...] é elogiado pela ausência de retórica pomposa e clareza
de expressão estilística, ligada às ideias de Le Corbusier” (2017, p.1); percebe-se, portanto,
que muito da expressividade e organicidade do projeto resulta do trabalho conjunto dos
arquitetos, das influências tradicionais e internacionais, da experiência antropofágica que
guiou os arquitetos ao projeto final.

Imagem 04 - Reconstituição por modelagem gráfica do Pavilhão Brasileiro – Fonte: dos autores

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Comparando o Pavilhão Brasileiro com a Villa Savoye (1927) de Le Corbusier, nota-se
claramente a influência do arquiteto suíço para os arquitetos brasileiros com o emprego das
“lições corbusianas”, o vocabulário básico de Le Corbusier: a leveza da construção elevada,
os pilotis como elementos que permitem acesso interpenetrado aos volumes e as
superfícies trabalhadas de maneira plástica e não mais atreladas às estruturas. Entretanto, é
por meio da relação espacial que se pode identificar certo grau de independência do edifício
em relação à teoria corbusiana, por meio da superação da linha rígida e geométrica, da
flexibilidade de volumes os quais diluem a constância dos pilotis, da indiscrição de espaço
externo e interno, da prioridade do sensual sobre o racional, da proteção da insolação por
elementos fixos, do plástico sobre o funcional, da rampa que acompanha a fluidez do
edifício e do uso da curva como elemento expressivo. A referência ao moderno não se
restringe somente a Le Corbusier: os pilares do pavilhão relatam não somente a adoção da
curva pela estrutura vertical, mas também alude à arquitetura moderna, mais
especificamente a de Mies van der Rohe (aos pilares da Villa Tugendhat e do Pavilhão
Barcelona), ideia que se relaciona com a concepção dos pilares colossais e que revela o
interesse de, ao mesmo tempo que a linguagem moderna é empregada, contemplar a
arquitetura clássica e acadêmica, homenageando arquitetos como Michelangelo e Perret. A
referência a Mies se repete ao alocar paredes entre os pilotis, situação também presente na
Villa Tugendhat, embora a alusão ao arquiteto alemão também não seja absoluta, conclusão
evidente na ruptura da ortogonalidade a partir da curvatura geral do programa arquitetônico.
Além disso, a desconexão da materialidade com o caráter orgânico do Pavilhão é outro valor
a ser mencionado: diferentemente de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, Frank Lloyd Wright
dependia dos materiais para insinuar naturalidade em suas obras, com paredes de pedra
bruta, granitos, madeiras diversas - características marcantes na Casa Kaufmann/Casa da
Cascata; o Pavilhão, contudo, se destaca pela sua simplicidade, enquanto o aço e reboco
são mais que suficientes para demonstrar que a arquitetura pode simplesmente ser mais
fluida e orgânica com materiais básicos. Todos esses elementos fornecem uma leitura
alternativa dos princípios de Le Corbusier, antecipando tendências futuras com a liberdade
de sua rampa. Segundo Lauro Cavalcanti, o estabelecimento de uma linguagem brasileira
própria, independente e autônoma da matriz europeia, começa neste projeto (2006, p.100).

Conclusão

A partir desse desenvolvimento, pode-se apontar que o projeto do Pavilhão faz uma releitura
das ideias da primeira geração modernista, ou seja, dos princípios corbusianos por meio da
aliança da formação dos arquitetos na Beaux-arts com esse anseio de ser moderno, e,
sobretudo, desperta vários elementos que sintetizam o “Espírito de Brasilidade”; a simples
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implementação da proteção solar similar ao muxarabi brasileiro não seria suficiente para
alcançar esse conceito, atando o pavilhão ao neocolonial que se conclui como arquitetura
ornamentativa. O Pavilhão Brasileiro, ao longo de toda sua longitudinalidade, aproveita a
profundidade do terreno para adotar a curva sutil como elemento marcante, a qual
acompanha formalmente a galeria expositiva, o auditório, o jardim, o restaurante, o bar-café
e as exposições; a utilização da natureza típica e tropical exerce um papel igualmente
fundamental como fator integrante do projeto, ressaltando o caráter nacional do edifício e se
agregando à organicidade plástica do mesmo.

O Pavilhão, que se propõe a receber e acolher os transeuntes, em momento algum é servil


aos preceitos corbusianos (mesmo devido ao apreço que os arquitetos brasileiros têm pelo
arquiteto suíço), pelo contrário, expressa os elementos que o definem e condiciona-os à
forma de projetar brasileira de maneira antropofágica. As características intrínsecas de sua
arquitetura revelam a importância da assimilação da tradição à técnica construtiva e
projetual moderna, diferentemente da abdicação histórica apontada como característica do
modernismo europeu.

É pelo uso de pilotis que o pavilhão se torna permeável e aberto, abraçando o jardim e se
espalhando com o mobiliário do restaurante. Após a elevação do volume, o impacto visual
da entrada para a esplanada é outro fator marcante do edifício, sendo definido pela rampa
curva finalizada sob uma laje igualmente curva, que agrega o auditório e ressalta a
capacidade técnica e construtiva da obra. Entretanto, as referências dos arquitetos
brasileiros não são limitadas à Le Corbusier e partem para aludir a princípios arquitetônicos
de Mies van der Rohe, por meio do revestimento dos pilotis e da interpenetração de paredes
entre os mesmos, e de arquitetos pré-modernos, como Perret ou até mesmo Michelangelo,
por meio dos pilares colossais adotados como solução visual para o recuo da Galeria para o
lado oeste. É sobretudo na comunicação do presente com o passado que é possível
compreender melhor o comportamento antropofágico de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer que
os guia para um edifício singular, dotado de pura originalidade.

Muitas dessas características foram possíveis devido à efemeridade do edifício, ao seu


caráter expositivo; de acordo com Lúcio, “um pavilhão de exposições deve apresentar
características de construção provisória e não simular artificiosamente obra de caráter
permanente” (1995, p.192). Soluções formais que talvez não seriam possíveis em outros
programas, ou em outros edifícios de caráter permanente, foram expressados na elaboração
do projeto para o Pavilhão de 1937, obra que denota, em um curto período de tempo desde

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o projeto do MESP, a potencialidade formal do espírito de brasilidade; pode-se visualizar
nesse projeto o comentário que Lúcio faz a respeito da renovação da arquitetura:

A nova técnica, no entanto, conferiu a esse jogo imprevista liberdade, permitindo à


arquitetura uma intensidade de expressão até então ignorada: a linha melódica das
janelas corridas, a cadência uniforme dos pequenos vãos isolados, a densidade dos
espaços fechados, a leveza dos panos de vidro, tudo deliberadamente excluindo
qualquer ideia de esforço, que todo se concentra, em intervalos iguais, nos pontos de
apoio; solto no espaço, o edifício readquiriu, graças à nitidez das suas linhas e à
limpidez dos seus volumes de pura geometria, aquela disciplina e “retenue” próprias
da grande arquitetura; conseguindo mesmo um valor plástico nunca dantes
alcançado e que o aproxima - apesar do seu ponto de partida rigorosamente utilitário
- da arte pura (COSTA, 1995, p.113).

As características intrínsecas de sua arquitetura revelam a importância da assimilação da


tradição à técnica construtiva e projetual moderna. A pertinência do conceito de “espírito de
brasilidade” é ressaltada por Cavalcanti, que compara as soluções formais do MESP e do
Pavilhão: o primeiro se destaca pela sucesso na implementação do modernismo em
edifícios de maior escala, monumentais, e sobretudo pelo sua aplicabilidade conveniente em
regiões não europeias (CAVALCANTI, 2006, p.80); já o segundo atua de maneira mais
fluida e mais independente dos preceitos corbusianos, devido ao caráter expositivo e
efêmero do edifício e à experiência obtida por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer com o MESP e
com outros arquitetos em Nova Iorque, como Alvar Aalto, Sven Markelius e Wallace
Harrison, que contribuíram para a ampliação do repertório dos arquitetos brasileiros.
Posteriormente, devido a essas experiências e contribuições na Feira Mundial de 1939,
sobretudo devido ao espírito de brasilidade antropofágico, Oscar Niemeyer passa a projetar
com uma linguagem própria e independente (CAVALCANTI, 2006, p.101).

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Bibliografia

CAVALCANTI, Lauro. Moderno e Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

COMAS, Carlos Eduardo. Precisões Brasileiras. Tese (Doutorado em Arquitetura).


Universidade de Paris. Paris, 2002. Disponível em:
<https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10898/000350315.pdf?sequence=1&isAllowed
=y>. Acesso em: 27/09/2021

_______. A feira mundial de Nova York de 1939: O Pavilhão Brasileiro. Porto Alegre,
Arqtexto, 2010. Disponível em:
<https://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/pdfs_revista_16/03_CEC.pdf>. Acesso
em: 27/09/2021

_______. Brazil Builds e a Bossa Barroca. Disponível em: https://docomomo.org.br/wp-


content/uploads/2016/01/Carlos-Eduardo-Comas.pdf, 2017. Acesso em: 02/08/2021.

COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

GALVÉZ, Marcia. F. R. Dois pavilhões em Exposições Internacionais do século XX -


ideias de uma arquitetura brasileira. Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro,
2012.

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Modalidade: Artigo Completo

Área Temática: A preservação dos acervos

Da arquitetura ao acervo: história da preservação do acervo documental da antiga sede


administrativa da C.E.V.F.R.G.S

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo relatar os meios através dos quais o acervo móvel e documental da
antiga Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul está sendo tratado para
compor uma exposição dentro do prédio da sede Administrativa. Trata-se de um relato de experiência
para que este acervo não se perca e esteja o mais disponível possível à população. Quando a sede
administrativa da Cooperativa foi a leilão e vendida, foi entregue junto um grande acervo mobiliário e
documental, que estava em precário estado de conservação. As peças estão sendo restauradas e
catalogadas. Dentre elas, encontram-se diversos móveis confeccionados pelos alunos da escola Hugo
Taylor, plantas e fachadas que contam parte da história dos imóveis da Cooperativa. A maneira de expor
estes bens será integrada à própria arquitetura da edificação, com uso de QR codes para mais
informações.

Palavras-Chave: Acervo, Patrimônio Ferroviário, Cooperativa.

ABSTRACT

This paper aims to report the means that the mobile and documental collection of the former
Cooperative of Employees of the Railroad in Rio Grande do Sul is being treated to compose an exhibition
inside the building of the Administrative Headquarters. This is an experience report so that this
collection is not lost and is as available to the population as possible. When the administrative
headquarters of the Cooperative was auctioned, it was sold and a large collection of furniture and
documents, which were in a precarious state of conservation, was handed over. The pieces are being
restored and cataloged. Among them, there are several furniture made by the students of the Hugo
Taylor school, plans and facades that tell part of the history of the Cooperative's properties. The way to
display these goods will be throughout the building, using QRcodes for more information.

Keywords: Collection, Railway Heritage, Cooperative.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo mostrar como o acervo da antiga sede
administrativa da Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul na cidade de Santa Maria – RS será tratado para continuar fazendo

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parte da edificação. O município de Santa Maria - RS tem seu desenvolvimento ligado à
instalação e crescimento da malha ferroviária, pela sua localização estratégica tornou-
se um importante entroncamento ferroviário, o que ocasionou o desenvolvimento da
região próxima da estação ferroviária, desde comércio, hotéis, tudo era voltado ao
atendimento da ferrovia. Nesse contexto, também nasceu a Vila Belga, vila ferroviária
localizada nas imediações da Gare, e ali em meio às casas da Vila, foi implantada a
C.E.V.F.R.G.S. Esta cooperativa tinha por objetivo atender os funcionários e seus
familiares nas compras de primeira necessidade, sendo ampliada para a atuação em
saúde, instituições educacionais como a escola de Artes e Ofícios Hugo Taylor (para os
filhos dos ferroviários) e a Escola Santa Terezinha (para meninas). Além disso, tinha
produção completa de produtos alimentícios, lenha e tudo mais que as famílias
precisassem. Chegou a ser no seu auge a maior cooperativa da América Latina, se
expandindo para vários municípios, todos atingidos pela linha férrea. Com o passar dos
anos, a perda da importância da ferrovia para o transporte rodoviário culminou em
meados dos anos 1990 na privatização da malha ferroviária., passou a região a viver
um período de abandono e descaso, que foram sucedidos por ações de proteção com
o tombamento municipal e estadual. Mas a condição econômica da Cooperativa ainda
estava complicada, sendo que diversas dívidas foram sendo somadas, o que levou a
execuções judiciais. A edificação possuía um grande acervo documental e de mobiliário
que foi adquirido junto com a edificação e que será incorporado ao local, após
catalogação.

DO AUGE A DECADÊNCIA
Fundada no ano de 1913, a Cooperativa iniciou sua jornada de apoio aos
funcionários da ferrovia, que diante do aumento do número de usuários promoveu seu
crescimento e a construção de diversas edificações, todas circundando as linhas do
trem. A primeira sede da Cooperativa foi comprada da ECONOMAT, um antigo
armazém já presente na Vila Belga. Ao seu lado, foi edificada a primeira sede
administrativa da Cooperativa, separada apenas pela rua que dava acesso da Vila Belga
diretamente ao largo da estação ferroviária por volta do ano de 1915. Com a expansão
do número de usuários, no ano de 1932, a primeira sede foi demolida, dando lugar a

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nova, que ocupou o local de passagem que ligava a Vila Belga e a Estação. A nova sede
ampliou o espaço de venda já disponível no armazém, e concentrando no seu
pavimento superior um espaço para as atividades administrativas da Cooperativa. O
edifício ficou pronto no ano de 1933, e era o prédio principal da Cooperativa dos
Funcionários da Viação Férrea, com função comercial e administrativa da instituição.
Sendo assim, foi um dos maiores símbolos da prosperidade e grandiosidade da
Cooperativa de Consumo, que foi a maior Cooperativa de Consumo da América Latina.
No ano de 1962 atingiu o número máximo de associados 19.065 (MELLO, 2010),
com sedes em diversas localidades do estado do RS. Além disso, as iniciativas da
CCEVFRGS foram sensíveis também à área da saúde com a criação de um centro de
assistência hospitalar, a Casa de Saúde ALCANTARA, 2015), existindo, ainda, a
preocupação com o estudo e formação dos filhos dos ferroviários, com a Escola de
Artes e Ofícios Feminina e na Avenida Rio Branco se localizava a Escola de Artes e
Ofícios Masculina (MELLO, 2010). A Vila Belga, a Estação Ferroviária e o largo da
estação formam um conjunto chamado Mancha Ferroviária. Se considerarmos que
cada associado era arrimo de família, chegamos quase que a totalidade de 100 mil
pessoas que consumiam, estudavam, eram atendidos pelos serviços da Cooperativa.
Talvez por isso, Mello (2010) destaca que
mesmo com seu declínio, a CCEVFRGS permanece no imaginário
social como uma instituição exemplar acerca das potencialidades
associativas de classes profissionais ou grupos com interesses
convergentes” MELLO (2010, p. 173)

Figura 1 -A primeira sede administrativa da C.E.V.F.R.G.S, que deu lugar ao prédio atual da figura 2.
Fonte: Relatório exercício 1920.

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Figura 2 - Nova edificação da Cooperativa.
Fonte: Relatório exercício 1932.

A EDIFICAÇÃO
A edificação está localizada na Vila Belga, e se destaca por possuir dois
pavimentos. Sua fachada sul, localizada na Rua Manuel Ribas, foi tombada no ano de
1998 pelo município, e no ano 2000 pelo Instituto do patrimônio gaúcho. O
tombamento engloba uma porta de ferro, onze janelas de madeira de duas folhas com
bandeira, soco, frisos, pilastras, peitoril. No primeiro pavimento está situada a porta e
cinco janelas, todas com grades de ferro e no segundo pavimento seis janelas. Telhado
com dois volumes aparentes na fachada principal, que possui clara influência do Art
Déco, refletindo a modernidade do momento de sua construção. A fachada oposta
não é tombada, e faz frente com o largo da GARE. Possui três pavimentos, contendo
vinte e quatro janelas, sendo seis delas localizadas no andar inferior com grades e as
demais com básculas em vidro. A parede é rebocada e está coberta por vegetação tipo
“falsa vinha”.

Figura 3 e 4 – Edificação da Sede Administrativa no ano de 2018, após o leilão do local, fachada principal
e fundos para a Gare.
Fonte: a autora 2018.

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Estima-se que o projeto da edificação seja de autoria do arquiteto austríaco
Carlos Pungartnik, que exerceu o cargo de Arquiteto Construtor na C.E.V.F.R.G.S. a
partir de 1929 (WEIMER, 2004). Este profissional, recém-chegado da Europa, trouxe
consigo os preceitos do Art Decó e o uso de técnicas construtivas inovadoras como as
vigas utilizando laje de concreto, e nos cofres. Considerando o que consta no livro
Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul 1892-1945 do autor Günter Weimer,

PUNGARTNIK, Carlos: Nasceu [...] em Pfarrdorf, Áustria. Residiu em


Santa Maria, na travessa Duque de Caxias,5 [...]. Exerceu o cargo de
arquiteto- construtor na Cooperativa dos Empregados da Viação
Férrea do Rio Grande do Sul a partir de dezembro de 1929. Trabalhou
como projetista construtor, instalador sanitário e fiscal de edifícios na
referida cooperativa (CREA n. 881). Provavelmente foi professor da
Escola Hugo Taylor (WEIMER, 2004, p. 141).

Apesar de não haver registro formal de que a Edificação tenha sido projetada
por ele, apenas foi encontrada entre a documentação uma planta datada de 1940
(figura 3), momento em que foi realizada a escavação e ampliação do porão, esta sim
assinada pelo arquiteto como “Auxiliar Técnico”. Isso ocorria pois o registro das
atividades profissionais foi regulamentado apenas em 7 de dezembro de 1977 com a
Lei nº 6.496, que instituiu a obrigatoriedade de que os profissionais da engenharia e
agronomia, e arquitetura, efetuassem junto ao Crea a Anotação de Responsabilidade
Técnica – ART, documento formal de fé pública que indica à sociedade os responsáveis
pelos produtos e serviços de engenharia e agronomia.

Figura 3: Detalhe da Planta em que constam os 3 pavimentos mostrando a data de 19 de dezembro de


1940 e assinatura do Sr Carlos Pungartnik.
Fonte: Planta Baixa original dos Documentos da CEVFRGS (1940).

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A Edificação possui área total de 1483,15 m², divididos em três pavimentos, dois
com acesso pela Vila Belga, e um com acesso pelo Largo da Gare. As estruturas das
fundações e de vedamento que são portantes não apresentam alterações estruturais.
As paredes são construídas em alvenaria de tijolo maciço de uma e meia vez. Há
pilares em concreto que sustentam a parte central da edificação. Os ferros utilizados
nestes pilares são descritos como Monier, um dos precursores do concreto armado,
demonstrando que a técnica utilizada já era moderna na época.
Com a privatização da malha ferroviária em meados dos anos 1990, a
Cooperativa que já vinha sofrendo com a diminuição do número de cooperativados,
acabou por encerrar as atividades. Então do auge vivido, passou a região a viver um
período de abandono e descaso, que foram sucedidos por ações de proteção com o
tombamento municipal e estadual. Mas a condição econômica da Cooperativa ainda
estava complicada, sendo que diversas dívidas foram sendo somadas, o que levou a
execuções judiciais. Quando a sede administrativa da Cooperativa foi a leilão, foi
vendida e foram entregues junto um grande acervo mobiliário e documental, que
representam uma parte da história do município, e que precisam ser preservados.

Uma edificação e um acervo

Neste momento está em curso um amplo debate na comunidade museológica


mundial acerca de uma definição de museu que seja mais adequada aos sentidos e
significados da sua inserção contemporânea da sociedade. Por certo que, a vertente
institucionalizada da ação museal não perde lugar na atualidade, porém, é preciso
evidenciar que a potência do fenômeno museológico vai muito além disso.
Museus como performance, como efemeridade, como fluxo, como rede; são
muitos os formatos que assume, considerando sua relação com o meio/território e os
atores – pessoas ou objetos – implicados. Independente de qual seja, segundo a
própria legislação brasileira,

existe uma série de pressupostos formais para que um museu de desenvolva, sendo o
Plano Museológico o principal instrumento para a tal (IBRAM, 2016). É através do

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planejamento institucional que é possível definir prioridades, indicar os caminhos,
desenvolver ações e avaliar o cumprimento dos objetivos.
No contexto da realidade ora discutida, o fato de existir um acervo no local, dá
a ideia de que se desenvolva ali um museu. Esta era uma das ideias dos últimos
dirigentes da Cooperativa, que já vinham juntando peças para formar um acervo,
porém, com organização e conservação não adequadas. A edificação estava com sérios
danos em seu telhado, que estava parcialmente faltante, o que ocasionou uma série
de danos à documentação e ao acervo, além de aumentar as patologias da própria
edificação. Neste acervo estavam fichas de cada um dos cooperativados ao longo dos
anos de funcionamento, o que os tornava documentos oficiais para consulta em
processos trabalhistas, e por isso mereciam maior atenção e estarem disponíveis para
consulta ao público. Por isso, foram doados ao Arquivo Histórico Municipal de Santa
Maria- RS. Os demais documentos foram armazenados e acondicionados no local, e
farão parte do acervo. Muita coisa foi perdida, infelizmente, não havia mais
recuperação, pela ação da água e intempéries.

Figura 5 e 6: Detalhe de como parte do acervo documental estava armazenada, na esquerda as fichas de
cooperativados, e na direita balanços e dados fiscais.
Fonte: a autora, 2018.

Mas um museu nos moldes em que tradicionalmente se compreende, com


acervos físicos em exposição, demandaria um grande espaço do local, que foi
comprado pela iniciativa privada com fins de uso comercial do local. Porém, é preciso
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destacar, isso só seria um problema real se partíssemos dessa premissa defasada de
que um museu é apenas um museu quando ocupa espaço físico, salvaguardando e
expondo objetos materiais. Portanto, justamente considerando que o potencial da
musealidade não se restringe a amarras circunscritas a uma determinada área geo e
funcionalmente localizada, surgiu a ideia de que o acervo fosse catalogado e
distribuído ao longo da edificação, e que estes bens sejam incorporados ao novo uso
do local (restaurantes e coworking) formando um acervo expositivo ao mesmo tempo
que o local tem outro uso.
Segundo Varine (2012) o patrimônio é o DNA do território e da comunidade, é
o conjunto de características da comunidade e seus membros atuais, é um reflexo da
evolução que a comunidade vem sofrendo e é também a sua identidade, é natural que
possamos também criar novas formas de expor e guardar acervos.
Através da Lei Ordinária do Município de Santa Maria Nº 4506/2002, foi
considerada “Patrimônio Histórico e Cultural do Município” os bens móveis, imóveis e
documentos pertencentes a Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea. Os bens e
documentos objetos desta Lei são a fachada da Casa de Saúde e os catalogados pela
Comissão paritária composta pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea,
Secretaria de Município da Cultura e Associação dos Amigos da Rede Ferroviária.
Apesar de não ter sido concluído o processo de catalogação, isso demonstra o quanto
este acervo é importante para a comunidade.

A Catalogação: um novo uso e um museu fluído

O acervo é composto por livros, documentos, fitas, discos, maquinário,


carimbos, catálogos, documentos e plantas de arquitetura. Estes elementos são o que
Paes (1997) denominou de arquivos especiais, que compreende

aquele que tem sob sua guarda documentos de formas físicas diversas –
fotografias, discos, fitas, clichês, microformas, slides, disquetes, CDROM – e
que, por essa razão merecem tratamento especial não apenas no que se
refere ao seu armazenamento, como também ao registro, acondicionamento,
controle, conservação, etc. (PAES, 1997, p. 22).

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O Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (ARQUIVO NACIONAL,
2005, p. 75), acrescenta que o “acesso depende, na maioria das vezes, de
intermediação tecnológica”. Luts e Somavilla (2016, p. 860-861),

definem que os documentos arquivísticos podem possuir diversos


formatos e podem estar contidos em diversos suportes. [...] são
classificados, segundo a natureza dos documentos que contém, como
arquivos especializados, [...] já que plantas e projetos de Engenharia
e Arquitetura possuem características de forma e suporte específicas
que requerem tratamento, acondicionamento e condições de acesso
e uso também específicos.

Os layouts internos dos pavimentos da edificação foram praticamente


inalterados, sendo acrescidos elementos de acessibilidade, tentando manter o máximo
de elementos originais do local. O andar superior, possui muitas divisórias, e ali que se
localizará grande parte do acervo documental e de mobiliário, principalmente em
áreas comuns. Para isso, as peças do acervo estão sendo restauradas e catalogadas.
Dentre elas, encontram-se diversos móveis confeccionados pelos alunos da escola
Hugo Taylor, plantas e fachadas que contam parte da história dos imóveis da
Cooperativa, fotos e documentos.

Figura 7 e 8: Alguns exemplares do acervo do mobiliário, de quadros dos ex-presidentes da Cooperativa


e na direita um quadro pintado por Eduardo Trevisan para o cinquentenário da C.E.V.F.R.G.S. em 1963
Fonte: a autora, 2018.

O acervo está sendo digitalizado, catalogado, registrando-se os tipos de reparos


que precisam ser feitos, para então serem acondicionados até a exposição. A maneira
de expor estes bens será ao longo da edificação, com uso de QRcodes para mais
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informações. Esse QRcodes direcionarão o usuário através de uma foto com a câmera
do Celular para o site www.coop2036.com.br, onde estarão as informações de cada
um dos objetos expostos. Assim uma exposição será formada ao longo dos trajetos
circulatórios da edificação que abrigará um centro gastronômico e um coworking, e
poderá ser visitado por mais pessoas.

O QR code (Quick Response Code ou traduzindo código de resposta rápida) é


um tipo de simbologia desenvolvida pela empresa Denso Wave em 1994, como um
tipo de código de barras que pode armazenar uma quantidade de informações
(QRcode.com, 2012). Seu uso pode solucionar problemas de falta de informações e
contribuir para um melhor aproveitamento das visitas aos museus. Embora seja um
tipo de tecnologia que exija o desenvolvimento e instalação de aplicativos no aparelho
celular do usuário (aplicativo QR code), ela favorece demasiadamente a interatividade
entre usuário e os objetos, deixando a exposição livre de grandes textos e placas o que
mantem o foco na obra de arte. Para seu funcionamento o usuário acessará as
informações por meio de um celular ou tablet, que possua uma câmera e um leitor
desse código previamente instalado, que redirecionará para uma página web com
informações sobre a obra, vídeos (máximo 3 minutos), imagens ou textos curtos (até
250 palavras) sobre as obras.

Figura 9 e 10: Imagem criada em computador de uma máquina de escrever que compõe o acervo,
simulando como ficará exposto o elemento na parece. No lado direito o QRcode correspondente, que
redireciona para o site onde estão as informações.
Fonte: a autora, 2021.

Discussão

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
O processo de inserir peças que compõe um acervo ao longo de uma edificação
que não tem a função específica de ser um museu, não é uma ideia inovadora, pois
vemos isso acontecer em diversos locais, onde objetos dados como antigos, raros ou
não usuais são utilizados para decorar ambientes de restaurantes, cafés, etc. O grande
diferencial aqui é que este acervo está catalogado em um local virtual, promovendo
assim uma visita informativa além de uma visita virtual ao acervo também.
A visitação virtual veio de uma forma avassaladora durante a Pandemia de
Covid-19, no ano de 2020 e 2021, antes muito menos explorada: a possibilidade de
visitação virtual de acervos por pessoas que não teria condições de visitá-los. Uma vez
que a internet abriu possibilidades para resolver alguns pontos como a distância
geográfica, foi preciso uma nova dinâmica e organização do acervo, dispondo-o de
uma maneira a despertar o interessante e a curiosidade do visitante. Em uma
exposição virtual é possível que seja fornecida informações em diferentes níveis, uma
vez que pode haver um texto curto, e uma aba onde o visitante pode trazer saber mais
sobre aquele assunto. Além disso, o formato virtual permite o uso de ferramentas de
realidade aumentada, além de recursos museográficos que não são possíveis de serem
utilizados em uma exposição física. Segundo Marilúcia Bottallo

[...] as renovadas exigências contemporâneas, [...] a necessidade de


coletar, organizar, disponibilizar e recuperar informações de forma
sistematizada a cada dia demonstram que essa fórmula não é mais
suficiente para atender à complexidade das novas funções que
assumiram. Além disso, distintas formas de organização de dados e
acervos, bem como uma rica variedade de fontes com potencial para
gerar informações e conhecimento, acabaram desencadeando a
constituição de uma série de estruturas organizacionais diferentes
das tradicionais e que exigem, por parte dos documentalistas, maior
flexibilidade e abertura para considerar outros sistemas de gestão
(BOTTALLO, 2011, p.147).

As novas possibilidades não diminuem a importância de um acervo físico


tradicional, pois a simples presença dos objetos já desperta sentimentos diferentes.
Portanto a associação de duas maneiras de expor, uma virtual associada com a física
pode repercutir positivamente, ainda mais em uma sociedade cada vez mais ligada as
tecnologias. É cada vez mais comum encontrar exposições em bibliotecas que
apresentam ao público parcelas de seu acervo como volumes raros e que, em geral, já
possuem fac-símiles, sobretudo quando se trata de obras muito antigas com volumes
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grandes, pesados, de difícil manuseio e/ou que são alvo de cuidados especiais de
conservação, fazendo com que tais publicações, como livros por exemplo, ao invés de
serem descartadas, passem a ser usadas de forma diferente do que seria o uso para a
leitura (BOTTALLO, 2011).

Desse modo, o uso de tecnologias associados ao acervo físico só vem a trazer


ganhos para o usuário que pode ter diferentes tipos de experiências, só visual
presencial, visual com informações presencial, virtual só visual e virtual com
informações. Essas experiências podem ter diferentes resultados em diferentes
momentos, uma vez que a visita nunca será a mesma para dois usuários no mesmo
dia, como aconteceria no caso de uma visita guiada, ou mesmo para o mesmo usuário,
uma vez que em dias diferentes os itens que ele mesmo pesquisará serão outros.

Preservar, expor, ou qualquer outra ação no esopo do horizonte da técnica


museológica, não é simplesmente guardar ou mostrar coisas, conforme nos chama
atenção Lemos (2006, p. 28). Adquirir, documentar, preservar, expor, em uma
perspectiva museal é antes de mais nada um ato de comunicação. Assim, devemos dar
uma atenção às relações existentes entre o meio ambiente, o saber fazer, e toda gama
possível de relações envolvendo o processo de (re)significações que faz de uma
simples coisa um artefato museal, um objeto musealizado, cumprindo funções info-
comunicacionais imersivas, tanto quanto possível.
É preciso ler os objetos, assim como fazemos a leitura de palavras, e se
pudermos fazer a relação entre objetos diferentes, a reflexão fica com mais carga de
conhecimento histórico. O objeto não deve ser mais colocado no museu com data e
fato, mas como um elemento que causa uma reflexão sobre o tipo de vida que se tinha
em comparação com o mundo atual, ou uma análise do tipo de sociedade à qual
pertencia este objeto. Através disso podemos então ter a relação entre objeto e
problema, fazendo com que a história deixe de ser uma sucessão de eventos e seja
uma condição de pensamento dobre a diversidade do mundo real. Isso faz com que a
visita não seja mais um ato mecânico, sem nenhum tipo de reflexão, tornando-se o
museu um simples fornecedor de dados (RAMOS, 2004).
Ao pensarmos que estes objetos eram em sua maioria pertencentes a uma
dinâmica de trabalho, e que hoje não tem mais uso estabelecido na nossa sociedade, a

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visualização das mudanças ocorridas na sociedade pelo uso de novos objetos que
cumprem as mesmas funções é de fundamental importância. Assim, a tecnologia
cumpre um papel importante para fazer este paralelo entre realidades diferentes,
associada sempre ao objeto físico, que pode ser o causador da curiosidade.

O uso da edificação não fica atrelado a um único uso, podendo ser museu
concomitante com outro uso comercial, o que proporciona um dinamismo e um acesso
a diferentes públicos, inclusive um público que talvez não visitaria o acervo se este
fosse exclusivamente um museu. Desse modo, consideramos que este tipo de
exposição museológica é fluída, deixando as pessoas mais livres para o tipo de
experiência que querem ter.

Figura 11: Imagem criada em computador da parte interna do local (hall de entrada) onde pode-se
observar o busto de Manoel Ribas fazendo parte do acervo.
Fonte: a autora, 2021.

Considerações Parciais

O uso de QR codes ou de outros artifícios digitais tem grandes possiblidades de


utilização na atualidade. O uso concomitante, numa exposição museológica, em
conjunto com outros recursos, amplia o interesse e o alcance do acervo, uma vez que
as pessoas serão levadas ao espaço e poderão aproveitar o local de diferentes
maneiras. Ainda é preciso implantar o sistema completo e averiguar se as expectativas
serão alcançadas, sugerindo um novo estudo para avaliar estes impactos e se os
objetivos foram alcançados.

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REFERÊNCIAS

ALCÂNTARA, Marina de. Patrimônio Edificado pela CCEVFRGS: identificação de


unidades em Santa Maria –RS. Dissertação de Mestrado. UFSM. Santa Maria-RS, 2015.

BOTTALLO, Marilúcia. A informação no museu. In: I Seminário Serviços de Informação


em Museus,2011.

LEMOS, Carlos. O que é patrimônio? São Paulo, Brasiliense, 2006. 115 p.


LUTZ, C. C.; SOMAVILLA, Raone. Tratamento documental em arquivo especializado:
projetos de Arquitetura e engenharia da Universidade Federal De Santa Catarina.
Revista Analisando em Ciência da Informação, v. 4, p. 857-872, 2016.

MELLO, Luiz F. S. O pensamento utópico e a produção do espaço social. A Cooperativa


de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Tese de
Doutorado. Porto Alegre: PROPUR – UFRGS, 2010.

PAES, Marilena Leite. Arquivo Teoria e Prática. 3 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: FGV,
1997. 225 p.

RAMOS, Francisco Lopes. A danação do objeto. O museu no ensino de História.


Chapecó: Argos, 2004.

VARINE, Hugues de. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento


local. Porto Alegre: Medianiz, 256 p. 2012.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE 1939: SOBRE O


MODERNISMO E O ESPÍRITO DE BRASILIDADE

Weslei Marquette (wesleimarquette@gmail.com)

Leandro Manenti (leandro.manenti@ufrgs.br)

O trabalho apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa ‘Arquiteturas


Escritas: investigações acerca dos princípios e procedimentos de projeto a
partir de textos de autores arquitetos’, que tem por objetivo ampliar o
entendimento a respeito dos preceitos teóricos apresentados por autores
arquitetos. Nesta fase recente, o projeto tem se dedicado à discussão da obra
teórica de Lúcio Costa e, mais especificamente, ao conceito de brasilidade,
tema recorrente em textos de autores modernos brasileiros. A partir da leitura e
interpretação desses textos, busca-se a análise de obras como forma de
elucidar e validar os entendimentos teóricos, chegando-se, assim, a
exemplares significativos, como é o caso desenvolvido aqui neste trabalho: o
Pavilhão Brasileiro, projetado pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer,
para a Feira Mundial de Nova Iorque de 1939, buscando, a partir dele, a
compreensão dos atributos que o conferem um ‘Espírito de Brasilidade’, tema
aparentemente abstrato, mas que é escrutinado no trabalho. O
desenvolvimento da pesquisa passa pela apresentação do contexto em que o
Pavilhão Brasileiro e a Feira Mundial de Nova Iorque se inserem, os eventos
que condicionaram a sua concepção, o comparativo com Pavilhões dos outros
países e outras obras modernas relevantes anteriores a ele, e, sobretudo,
compreendendo o Pavilhão Brasileiro como um projeto moderno e,
eminentemente, brasileiro. A metodologia empregada compreende a seleção e
análise de informações textuais e gráficas, amparando-se em textos de
pesquisadores da arquitetura moderna brasileira, no levantamento de eventos
que a precedem, de momentos históricos que condicionam a Feira Mundial, da
própria Feira e do Pavilhão, buscando-se entender a estrutura formal e
elementos que o compõem; a metodologia também abrange a análise de
fotografias do evento e de outros momentos históricos relativos, além do
estudo de plantas, cortes, fotografias e vídeos do Pavilhão Brasileiro, o qual é
desenvolvido inclusive por modelagem virtual a fim de obter o melhor
entendimento possível acerca da obra e de visualizá-la espacialmente com
novas imagens restituídas de seu interior e exterior. Por meio desse processo,
espera-se encontrar resultados diferentes daqueles expressos pelas plantas
divulgadas dos pavimentos, os quais muitas vezes não condizem com a
proposta dos arquitetos responsáveis pelo Pavilhão devido à rapidez em que o
Pavilhão foi projetado e executado. A partir desta análise, ao final, foi possível
verificar como o conceito de "espírito de brasilidade", teorizado por Mário de
Andrade anos antes, foi desenvolvido nesta obra exemplar, contribuindo assim
para um ideal de arquitetura essencialmente brasileira.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

INSERÇÕES ESTRUTURAIS CONTEMPORÂNEAS E A GESTÃO DE


INFORMAÇÕES COM HBIM

Carlos Alberto Andrade Bomfim (carlaobomfim@gmail.com)

Dentre os desafios que a engenharia estrutural enfrenta, um dos maiores


relaciona-se à concepção de sistemas estruturais seguros e economicamente
viáveis para estabilizar grandes vãos provenientes dos projetos arquitetônicos.
Com o auxílio de ferramentas da informática, a engenharia aprimorou os
métodos de cálculo, possibilitando soluções diversas, adequadas às formas e
funções da arquitetura. Na concepção de novos edifícios, a aplicação de
conhecimento das tecnologias construtivas atuais é parte inerente ao projeto de
arquitetura e de engenharia. As dificuldades encontradas na engenharia
estrutural estão na elaboração de sistemas estruturais que possam se
comunicar com edifícios pré-existentes, de caráter estrutural empírico e de
valor histórico. A preservação de tais edifícios requer estudo para inserções
estruturais onde os sistemas antigos possam se comunicar com os sistemas
novos. Para tais situações podem surgir soluções simples, baseadas nas
técnicas construtivas primitivas ou estruturas caras e monumentais, aplicando
tecnologia, materiais, modelos de análise e técnicas de execução atuais. É fato
que o uso ao qual será destinado o edifício surge como elemento
preponderante para a definição do sistema estrutural, muitas vezes com
informações concentradas em um mapa de danos.

No caso das edificações históricas, se feito criteriosamente, um mapa de


danos, resulta em um importante documento ilustrado na medida em que pode
agrupar grande número de informações relativas a quantidade, qualidade e
intensidade das avarias dos materiais e estruturas das diversas interseções
contemporâneas.

Dentre as atividades inerentes ao campo de Restauro, a documentação


arquitetônica ganha destaque por compreender o processo sistemático de
aquisição, tratamento, indexação, armazenamento, recuperação, divulgação e
disponibilização de dados e informações gráficas e não gráficas tanto sobre as
edificações quanto os sítios urbanos. Tal conjunto de dados serve para os mais
variados usos, colaborando na preservação da memória arquitetônica através
de um trabalho integrado, colaborativo, onde o processo de projeto adequa-se
a uma abordagem metodológica executada por etapas, e deve ser realizada
por equipe multidisciplinar.

Com o advento de novas tecnologias, o uso do Heritage ou Historical Building


Information Modeling: o HBIM - Modelagem de Informações Prediais Históricas,
permite um compartilhamento e gestão do estado de conservação ao longo do
ciclo de vida além de permitir uma elaboração, catalogação e consulta de
fichas de degradação necessárias para a identificação, simulação,
monitoramento e análises diagnósticas de patologias de forma sistematizada
através de softwares.

Esse artigo se propõe a registrar os diversos softwares e suas principais


características no registro das inserções estruturais contemporâneas e as
possibilidades de compartilhamento de dados, planejamento de intervenções
de manutenção, promoção e utilização do ativo com tecnologias avançadas.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

DOCUMENTO COMO PATRIMÔNIO

Claudio Antonio Santos Lima Carlos (claudio.limacarlos@gmail.com)

O presente artigo pretende descrever as iniciativas até agora empreendidas


pelo Núcleo de Articulação de Acervos e Coleções (NAAC), criado no âmbito
administrativo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em
2020, voltado à conservação, catalogação e divulgação dos acervos e coleções
relacionados às diversas áreas do conhecimento da IES. Destacam-se as
últimas ações do Laboratório de Conservação de Documentos (LabDOC),
integrante do NAAC, responsável pela conservação, catalogação do acervo de
desenhos arquitetônicos relacionados à construção do Campus Seropédica
(1938-1948) que comprova a participação de diversos arquitetos e empresas
de relevo no período, como por exemplo, a empresa de Mário Whately, o
engenheiro-arquiteto João Moreia Maciel, o arquiteto e artista plástico Eugênio
de Proença Sigaud, o arquiteto Ângelo Murgel etc. Tem-se como um dos
objetivos principais, após a catalogação e conservação preventiva do acervo de
mais de 800 originais desenhados à grafite sobre papel manteiga e vegetal,
inseri-los como bens móveis no tombamento em nível estadual do campus,
efetivado em 2001. Parte dos acervos digitalizados já está sendo inserido para
acesso em rede na plataforma Omeka.

A conservação do patrimônio cultural arquitetônico passa obrigatoriamente pelo


conhecimento e pela salvaguarda da sua memória documental. A identificação,
a catalogação, a análise e a divulgação de documentação escrita e
iconográfica a ele relacionada tornam-se ações fundamentais para uma melhor
compreensão de sua importância e trajetória histórica. Trata-se da conservação
de um dos pontos que compõem o extenso mosaico de referências materiais
que contribuem sobremaneira para a construção e a manutenção da memória
coletiva de grupos humanos. Além da própria edificação, este mosaico é
composto por relatos, lembranças e, sobretudo, documentação escrita e
iconográfica, tais como, desenhos, projetos, imagens, textos etc. Os objetos, as
memórias e os documentos são importantes devido a sua capacidade de
reproduzir parte do que foi vivenciado no passado. No caso da arquitetura,
projetos, detalhes e perspectivas são testemunhos importantes que revelam as
intenções originais dos projetistas, mesmo que não realizadas.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

DA ARQUITETURA AO ACERVO: HISTÓRIA DA PRESERVAÇÃO DO


ACERVO DOCUMENTAL DA ANTIGA SEDE ADMINISTRATIVA DA
C.E.V.F.R.G.S.

Cristiane Leticia Oppermann Thies (cristianeot@gmail.com)

Daniel Mauricio Viana De Souza (danielmvsouza@gmail.com)

Este trabalho tem por objetivo relatar os meios que o acervo móvel e
documental da antiga Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul está sendo tratado para compor uma exposição dentro do
prédio da sede Administrativa. Trata-se de um relato de experiência para que
este acervo não se perca e esteja o mais disponível possível a população. O
município de Santa Maria - RS tem seu desenvolvimento ligado a instalação e
crescimento da malha ferroviária, pela sua localização estratégica tornou-se um
importante entroncamento ferroviário, o que ocasionou o desenvolvimento e
com isso a região próxima da estação ferroviária se desenvolveu muito, desde
comércio, hotéis, tudo era voltado ao atendimento da ferrovia. Nesse contexto,
também nasceu a Vila Belga, vila ferroviária localizada nas imediações da
Gare, e ali em meio as casas da Vila, foi implantada a C.E.V.F.R.G.S. Esta
cooperativa tinha por objetivo atender os funcionários e seus familiares nas
compras de primeira necessidade, sendo ampliada para a atuação em saúde,
instituições educacionais como a escola de Artes e Ofícios Hugo Taylor (para
os filhos dos ferroviários) e a Escola Santa Terezinha (para meninas). Além
disso, tinha produção completa de produtos alimentícios, lenha e tudo mais que
as famílias precisassem. Chegou a ser no seu auge a ser a maior cooperativa
da América Latina, se expandindo para vários municípios, todos atingidos pela
linha férrea. Com o passar dos anos, e a perda da importância da ferrovia para
o transporte rodoviário culminou em meados dos anos 1990 na privatização da
malha ferroviária. Então do auge vivido, passou a região a viver um período de
abandono e descaso, que foram sucedidos por ações de proteção com o
tombamento municipal e estadual. Mas a condição econômica da Cooperativa
ainda estava complicada, sendo que diversas dívidas foram sendo somadas, o
que levou a execuções judiciais. Quando a sede administrativa da Cooperativa
foi a leilão, foi vendida e foram entregues junto um grande acervo mobiliário e
documental, que estava em precário estado de conservação. As peças estão
sendo restauradas e catalogadas. Dentre elas, encontram-se diversos móveis
confeccionados pelos alunos da escola Hugo Taylor, plantas e fachadas que
contam parte da história dos imóveis da Cooperativa. A maneira de expor estes
bens será ao longo da edificação, com uso de QRcodes para mais
informações. Assim uma exposição será formada ao longo dos trajetos
circulatórios da edificação que abrigará um centro gastronômico e um
coworking, e poderá ser visitado por mais pessoas.
A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E ACERVOS

A MUSEOLOGIA VIRTUAL NA CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO MODERNO DE PORTO ALEGRE

HERRERA DE LA TORRE, JORGE (1); CANEZ, ANNA PAULA (2)

1. UFRGS, Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura - PROPAR


Rua Sarmento Leite, 320, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, CEP. 90050-170
jorgehdlt@gmail.com

2. UFRGS, Programa de Pós-graduação em Museologia e Patrimônio - PPGMUSPA


Rua Ramiro Barcelos 2705, Santana, Porto Alegre, CEP. 90035-007
annapaulacanez@yahoo.com.br

RESUMO
Os museus tradicionalmente têm sido considerados como instituições de conservação, comunicação,
pesquisa e exposição do patrimônio material, porém, a partir da década de 1990, as amplas
possibilidades de conteúdo multimídia e hipermídia no sistema World Wide Web propiciaram a
modificação do conceito até sua virtualização. O surgimento dos museus virtuais, como suportes tanto
complementares como suplementares dos museus físicos, diversificou as opções de conservação e
divulgação do patrimônio, principalmente o imaterial, como é o caso dos projetos de arquitetura e
urbanismo. Nesse contexto, e como parte de uma dissertação de mestrado em andamento, propôs-se
a estruturação de um museu virtual de edifícios modernos na cidade de Porto Alegre (MUVIPOA), cujo
objetivo é criar uma plataforma acessível que mostre a informação documental, testemunhal,
planimétrica e tridimensional dos projetos. Por este motivo, faz parte essencial da pesquisa realizar
uma revisão teórica e tipológica dos conceitos que abrangem à museologia virtual para compreender a
importância desta para a difusão patrimonial, e identificar a variedade de acervos de arquitetura e
urbanismo que irão servir como fontes primárias para o museu em desenvolvimento. A partir da
pesquisa, pretende-se definir o papel do museu virtual como acervo local de arquitetura, a tipologia a
ser utilizada, as vantagens sob os museus físicos, assim como as possibilidades de difusão patrimonial.
Por outo lado, a identificação dos acervos existentes permitirá reconhecer o tipo de documentos
disponíveis nestes e sua pertinência como fontes de informação para a pesquisa.

Palavras-chave: Museu virtual; acervos; Porto Alegre; patrimônio moderno.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
A Museologia Virtual na Conservação do Patrimônio Arquitetônico
Moderno de Porto Alegre

Considerações iniciais

Em Porto Alegre, os primeiros sinais de modernidade foram percebidos no início dos anos
trinta, em casas como as do Manlio Agrifóglio e Osvaldo Coufal. Já na década dos quarenta,
arquitetos da jovem Escola Carioca conceberiam alguns projetos para a cidade, os quais não
seriam executados devido à resistência de grupos locais conservadores (LUCCAS, 2006).
Estas obras teriam antecipado a prática de uma arquitetura moderna local, estimulando a
utilização de elementos importantes presentes naquelas propostas como a eliminação da
ornamentação, brise-soleil, configuração tripartite, estrutura independente, e nova
materialidade a partir do concreto armado. Estas tendências propiciaram a projeção e
construção de um rico conjunto de obras modernistas que, apesar de não terem atingido o
mesmo nível de popularidade, são comparáveis em qualidade construtiva e compositiva com
aquelas realizadas em outras localidades do Brasil. Este acervo arquitetônico consta de
alguns autores locais e estrangeiros como Fernando Corona, Edgar Graeff, Demétrio Ribeiro,
Emil Bered, Carlos Alberto de Holanda, Carlos Fayet e Carlos Araújo. Se bem a popularidade
não é estritamente um fator que define o valor de um bem, certamente o patrimônio cultural
segue um processo de valorização que começa pelo reconhecimento, documentação e
análise do objeto para sua posterior divulgação com fins interpretativos (GUGLIELMINO,
2007).

Atualmente, Porto Alegre possui uma quantidade significativa de arquivos e acervos para
consulta pública de documentos relacionados à arquitetura moderna, sendo o principal destes
o Arquivo Público Municipal que reúne microfilmes e cópias de boa parte dos projetos da
capital gaúcha. Nestes acervos, os protagonistas são os documentos materiais onde são
representados os projetos arquitetônicos, implicando a conservação preventiva de planos,
livros ou fotografias que contêm intrinsecamente valores simbólicos, artísticos e históricos,
que devem evitar manuseio. Ademais da conservação material, os processos burocráticos, as
longas distâncias entre acervos, as restrições de horários, ou apenas o desconhecimento,
podem representar limitações para a difusão do patrimônio.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Nesse contexto, e como parte de uma pesquisa de mestrado em andamento, está sendo
desenvolvida uma plataforma que pretende revalorizar o patrimônio arquitetônico moderno de
Porto Alegre através da documentação digital e arquitetura virtual, considerando tanto
edifícios construídos como aqueles descaracterizados, destruídos ou não executados. Como
parte essencial do desenvolvimento desta plataforma, faz-se necessária uma revisão teórica
dos conceitos abrangidos pela disciplina da museologia virtual, com o objetivo de
compreender a importância dela para a difusão patrimonial, assim como identificar um
panorama geral da variedade de acervos de arquitetura moderna na cidade que servirão como
fontes de informação para o museu em construção. A partir da pesquisa se espera que seja
definido o papel do Museu Virtual de Patrimônio Moderno de Porto Alegre (MUVIPOA) como
acervo geral e local de arquitetura; a tipologia de museu virtual a ser utilizada; as
possibilidades e limitantes; o reconhecimento dos tipos de documentos disponíveis nas fontes
de informação; e as experiências dos autores na pesquisa e produção de acervos locais.

Do museu físico ao museu virtual

O uso de tecnologias digitais nos museus se remonta às décadas dos setenta e oitenta,
quando sistemas digitais para catalogação nos museus foram distribuídos, para
gradativamente converter-se em parte integral do funcionamento dos museus. No começo da
década dos noventa, os museus usaram como recurso de venda CD-ROMs que mostravam
informação destacada, e às vezes complementar, dos objetos da coleção, incluindo vídeos ou
imagens que inclusive incorporavam comentários dos artistas e curadores, representando
uma primeira expansão das fronteiras físicas dos museus (POVROZNIK, 2020). Porém, o uso
deste tipo de sistemas, ou qualquer outra tecnologia digital multimídia1 nos museus, não
representa necessariamente a virtualização destes espaços. Esta discussão foi abordada em
conferências como a Electronic Visualisation and the Arts em 1990, Internacional Conference
on Hypermidia and Interactivity in Museums realizado em Pittsburgh em 1991, e Museums
and the Web em 1997, (SCHWEIBENZ, 2019) formando importantes precedentes para a
inserção dos museus na internet.

Os museus na internet, a partir de 1993, mostravam informações sobre suas sedes, ao mesmo
tempo que surgiam sites realizados por entusiastas, o que ilustrou um primeiro problema: a
legitimidade dos museus,(SCHWEIBENZ, 2019) iniciando o debate sobre a definição do

1O conceito de multimídia pode ser definido como a combinação, controlada por computador, de pelo
menos um tipo de média estática, como textos, fotografias ou gráficos, com pelo menos um tipo de
média dinâmica, como vídeo, áudio e animação. (Chapman & Chapman, 2000)
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
museu virtual. A evolução da museologia virtual tem acompanhado a própria evolução da
multimídia e hipermídia na internet, diversificando-se de tal maneira que as possibilidades
expositivas na web são amplas, mas classificáveis. Maria Piacente no artigo Museums and
the World Wide Web de 1996 já classifica os museus virtuais em folhetos eletrônicos, museus
no mundo virtual e os museus verdadeiramente interativos. Os primeiros funcionam como
sites que publicam informações referentes ao museu físico; os segundos apresentam
informações mais detalhadas sobre o acervo e, inclusive, chegam a oferecer visitas virtuais e
objetos digitalizados ou virtualizados; e os terceiros fazem uso de tecnologias digitais
interativas sem ter correspondência no mundo físico (PIACENTE apud TEATHER, 1996). Esta
classificação, embora seja uma referência importante no campo da museologia virtual, tem
sido atualizada ao adaptar-se às novas oportunidades que o mundo digital e da internet
oferecem, as quais, consequentemente, têm feito da definição do museu virtual um conceito
em constante evolução.

Caracterização dos museus virtuais

Os museus têm sido tradicionalmente definidos como instituições que “conservam,


investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa,
educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico,
científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento” (BRASIL, 2009). A evolução do conceito de museu tem
sido adaptado à nova realidade, conciliando os objetivos institucionais com diversas formas
expográficas e de difusão, podendo então definir aos museus virtuais como:

O resultado da conjunção do conceito tradicional de museu com a tecnologia


multimídia e a comunicação da internet (...), o museu virtual desmaterializa o
objeto, provendo muita mais informação sobre o mesmo: a imagem em todas
as suas manifestações e o conhecimento intrínseco e extrínseco do objeto,
fazendo possível uma visita remota (DJINDJIAN, 2007, p. 9).

Categorizar este tipo de museus não é uma tarefa simples, as amplas possibilidades que
envolvem à criação destas plataformas impedem tipologias estáticas. Entretanto, têm sido
definidas alguns elementos inerentes dos museus virtuais que permitem uma classificação a
partir do tipo de conteúdo; as tecnologias interativas; existência temporal; tipo de
comunicação; nível de imersão; formato de distribuição; escopo; e sustentabilidade (V-MUST
NETWORK, 2013).

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Segundo a Virtual Museum Transnational Network (2013), o conteúdo corresponde à essência
dos objetos a serem exibidos. As tecnologias interativas podem variar entre interações com
dispositivos, interações naturais, as baseadas em gesticulações, ou o museu pode não
requerer nenhuma interação. Já a existência temporal se resume em museus periódicos,
temporários e permanentes. Por sua parte, o tipo de comunicação varia entre museus
descritivos, museus narrativos e museus baseados na dramatização. Para a classificação do
nível de imersão existem duas possibilidades: museus com imersões virtuais e museus sem
imersões virtuais, isto pode representar a existência de um espaço tridimensional simulando
um museu real. Somando às classificações, o formato de distribuição são essencialmente
dois: os museus distribuídos, em forma de aplicativos, interface online ou distribuídos de
maneira offline ou mediante CDs; já os segundos são os museus sem distribuição, que são
aqueles instalados no sítio ou que representam um software portável. Por sua vez, o escopo
dependerá dos objetivos e atividades do museu: educativo, recreativo ou de pesquisa. Por
último, a sustentabilidade se refere à falta de políticas para reuso, portabilidade, manutenção,
descarte e troca dos objetos do museu, conseguindo identificar três níveis de museus:
sustentáveis, parcialmente sustentáveis, e não sustentáveis.

Ademais das classificações, vale ressaltar a importância de diferenciar os conceitos de


arquivo e museu para poder definir o papel da plataforma em desenvolvimento, esta
diferenciação surge de questionamentos prévios na pesquisa devido à falta de referências de
plataformas semelhantes. Segundo a Lei 8. 159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre
as políticas de arquivos públicos e privados e dá outras providências, os arquivos são:

O conjunto de documentos recebidos e acumulados por órgãos públicos,


instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência de
exercício de atividades especificas, bem como por uma pessoa física, qualquer
que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos (BRASIL,
1991).

A partir desta definição, se interpreta que se bem os documentos que formarão o acervo do
museu poderiam ser administrados mediante um arquivo, os objetivos da plataforma vão
além. Por uma parte, um arquivo acumularia e administraria o conjunto de elementos
multimídia, enquanto um museu tem uma intenção educativa, expositiva e interpretativa. A
essas diferenças se adiciona a ideia de musealização, definida como:

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Um conjunto de processos seletivos de caráter infocomunicacional baseados
na agregação de valores a coisas de diferentes naturezas às quais é atribuída
a função de documento, e que por esse motivo tornam-se objeto de
preservação e divulgação. Tais processos, que têm no museu seu caso
privilegiado, exprimem na prática a possibilidade de constituição de uma
síntese a partir da seleção, ordenação e classificação de elementos que,
reunidos em um sistema coerente, representarão uma realidade
necessariamente maior e mais complexa (LOUREIRO, 2011, p. 2-3).

Dessa forma, é imprescindível compreender que os documentos espalhados nos acervos de


Porto Alegre, que guardam fotografias, esquemas ou plantas arquitetônicas, servirão como
matéria prima para a plataforma desenvolvida, não sendo em todos os casos necessária a
digitalização do original, mas sim uma reinterpretação virtual onde o alvo é capturar a essência
da arquitetura: o projeto arquitetônico. Os projetos deverão cumprir com algumas condições
para serem musealizados, que Maria Lucia de Niemeyer (2019) resume em
representatividade; testemunhalidade, significando que o objeto seja informante de alguma
coisa ou de alguém; e documentalidade, que representa que o objeto seja capaz de ensinar
ou de fazer saber. Este novo acervo virtual deverá passar por um processo de musealização
para que, além dos objetivos de gestão e acumulação documental que os arquivos têm, possa
transformar-se conceitualmente em um museu.

MUVIPOA: plataforma para a conservação do patrimônio moderno

O MUVIPOA, foi idealizado como uma estratégia de documentação e divulgação de projetos


modernos em Porto Alegre, permitindo sua inserção na internet como uma interface de livre e
fácil acesso com possibilidades de ter um acervo expansível através das contribuições de
pesquisadores, estudantes e usuários. Por uma parte, considerando as limitações
tecnológicas e orçamentarias que podem dificultar a construção desta plataforma, algumas
ferramentas como a simulação virtual de um espaço físico foram descartadas, refletindo na
escolha de ferramentas cuja curva de aprendizagem seja baixa e que possam facilitar a gestão
do museu.

Até este momento da pesquisa, têm-se avançado na construção de um plano museológico


baseado na Lei n° 11.904 que institui o Estatuto de Museus e dá outras providências (BRASIL,
2009), que é organizado nas seguintes partes: caracterização, descrição, atuação,
planejamento conceitual, diagnóstico, programação e aspectos técnicos. O museu tem como
missão preservar, comunicar e divulgar o patrimônio moderno de Porto Alegre, através da
exposição de informação e recursos digitais, visando a democratização à informação de
maneira remota, estimulando a valorização da herança do movimento moderno que em muito
contribuiu para a estruturação urbana. Por sua parte, a visão é se tornar uma estrutura de
referência para a criação de outras plataformas de documentação digital arquitetônica, além
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de se constituir como uma base de informação generalizada para pesquisa, estudo e
apreciação de obras do período moderno em Porto Alegre. Dado esse panorama geral, o
elemento principal do plano museológico é constituído pela programação, correspondendo às
“áreas de trabalho e funções do museu, definidas com o objetivo de facilitar a análise, a
construção de projetos e a organização de atividades (IBRAM, 2018)”. Os nove programas
são o programa de gestão institucional; programa de acervos; programa de exposições;
programa educativo e cultural; programa de pesquisa; programa de curadorias virtuais;
programa de financiamento e fomento; programa de comunicação; e programa de
acessibilidade W3C.

Este plano museológico deu como resultado uma estrutura conceitual que divide à plataforma
em área educativa; comunicação; perguntas frequentes; acervo virtual; sistema de recepção
de aportes; conteúdo de pesquisa; vínculos a outros acervos; mapa de localização do
patrimônio; área de exposições; e autores. Esta estrutura define o funcionamento do
MUVIPOA, mas não o programa de necessidades da interface. Por tal motivo, a partir da
revisão teórica das categorias de museus virtuais, se escolheram as mais adequadas para
desenvolver formalmente a plataforma.

O acervo do museu, após ser musealizado – selecionado, ordenado e classificado –, se


converterá em um sistema coerente organizado em salas expositivas que mostrarão cada
projeto arquitetônico, definindo assim a primeira classificação do museu: conteúdo
relacionado à arquitetura moderna. A segunda classificação, sobre as tecnologias interativas,
se encaixa na de um museu sem interação virtual. Enquanto à classificação da existência
temporal, trata-se de um museu permanente. O tipo de comunicação é a de um museu
descritivo, caracterizando aos objetos em uma senda “livre” sem sequência cronológica, onde
os visitantes possam escolher onde entrar. Já o nível de imersão é parcial, pois a interface
geral não considera a possibilidade imersiva – pois não existe simulação de um museu
tridimensional –, mas se pretende incorporar uma ferramenta de imersão virtual para cada
projeto. Por sua vez, o formato de distribuição é através de interface online, considerando a
possibilidade de criar um aplicativo posteriormente. O MUVIPOA, com escopo educativo e de
pesquisa, propõe-se como um museu sustentável com uma política de descarte e atualização
de conteúdo, assim como liberdade de portabilidade, permitindo aos usuários fazer download
de modelos tridimensionais e vetoriais que sejam parte do acervo institucional.

O museu pretende servir como uma fonte de divulgação patrimonial fazendo acessível o
conhecimento à sociedade através de uma fácil interpretação (SÁNCHEZ e ROQUE, 2011).
Também, a digitalização e virtualização dos documentos funcionam como réplicas que ajudam

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na conservação preventiva de documentos originais, evitando manuseio (ESCRIVA e
MADRID, 2010). Dessa maneira, o MUVIPOA não apenas poderá ser uma plataforma que
agrupa diversos documentos de projetos modernos originalmente espalhados, mas também
servirá como ferramenta complementar dos arquivos, acervos e museus que alimentam seu
acervo virtual.

Os acervos de Porto Alegre

Como parte essencial do artigo, esta secção apresenta uma visão geral dos acervos de
arquitetura moderna na cidade, a literatura de referência, e outras fontes de informação onde
os pesquisadores e interessados podem consultar. Representa primordialmente uma lista que
servirá como referência para que o acervo do MUVIPOA possa ser acrescentado pelos
próprios usuários. Da mesma maneira serão mencionados os tipos de documentos que
podem ser encontrados nestas fontes. Têm se identificado:

Acervos

Inicialmente se identificaram acervos que merecem destaque por representarem conjuntos


documentais da história modernista de Porto Alegre. Em primeiro lugar, se reconhece o valor
dos Acervos da construtora Azevedo Moura e Gertum e do fotografo João Fonseca da Silva,
que são frutos do trabalho realizado no Laboratório de História e Teoria da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Ritter dos Reis, que vem sistematizando-os
desde 1998 para armazenamento e disponibilização dos originais dos acervos (CANEZ,
CAIXETA, et al., 2004). Como parte dos trabalhos do mesmo laboratório, se organizam
manuais técnicos nomeados “Cadernos para Construção de Estabelecimentos Escolares”
como parte do acervo de arquiteto Charles René Hugaud.

Por sua parte, a UFRGS tem contribuído à conservação da memória arquitetônica de Porto
Alegre, resguardando e disponibilizando, através do Núcleo de Pesquisa em História, o acervo
do engenheiro Edmundo Gardolinski, responsável pela construção do Conjunto Habitacional
Passo d’Areia – também conhecido como Vila do IAPI – em 1940. Também tem realizado
pesquisas que deram como resultado o Acervo FAM – Fayet, Araújo & Moojen – (MARQUES,
2020); o Acervo de Arquitetura de Concursos no Rio Grande do Sul, disponibilizando pranchas
de forma online <https://www.ufrgs.br/arqconcursosrs/acervo/>; e mais recentemente, com o
objetivo de disponibilizar material básico de consulta, o Acervo de Arquitetura Moderna e
Contemporânea Brasileira no Sul <https://www.ufrgs.br/arqmodcontbrsul/>.

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O Espaço de Documentação e Memória Cultural – Delfos – da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS) conserva os acervos dos arquitetos Theo Wiederspahn e
Vitorino Zani, que apesar de serem mais reconhecidos pela sua produção eclética, realizaram
projetos com linguagens protoracionalistas e art déco que representam uma interessante fonte
de informação para pesquisas sobre os primórdios da arquitetura moderna porto-alegrense.

Algumas outras instituições têm realizado independentemente, ou em parcerias com


universidades, projetos de documentação e conservação de acervos de arquitetura
relacionados à produção moderna em Porto Alegre. Tal é o caso do Instituto de Arquitetos do
Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS) que, em coordenação com a UFRGS, tem trabalhado
nos acervos do Centro de Memória do IAB-RS, contando com a BiCAER – Biblioteca
Especializada e Comunitária Arquiteta Enilda Ribeiro –, composta por obras especializadas
em arquitetura, urbanismo, planejamento urbano, design, arte e literatura; o Acervo de
periódicos de arquitetura na Hemeroteca; assim como o Arquivo Histórico Demétrio Ribeiro,
cujo objetivo é disponibilizar à comunidade os arquivos que registram a história do exercício
e do ensino da profissão no estado (IAB-RS, 2020). Soma-se ao IAB-RS, a iniciativa do
Memorial do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU-RS), projeto dividido em
arquivo, museu e biblioteca, onde podem ser consultadas “fotos, plantas e projetos de
arquitetos e urbanistas pioneiros no Estado” (CAU-RS, 2017). Vale destacar também projetos
de documentação e pesquisa em andamento como o trabalho de inventariação da produção
arquitetônica de Emil Bered (UFRGS) e da produção hospitalar de Irineu Breitman (IPH
Arquiteto Jarbas Karman) < https://www.iph.org.br/acervo/projetos-breitman>.

Arquivos

O principal deles, o Arquivo Municipal da Prefeitura de Porto Alegre, administrado pela Equipe
de Protocolo e Arquivo da Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio, tem como
objetivo a documentação de processos de aprovação de projetos de obras de 1892 a 1971,
em sua maioria privadas, tendo um acervo importante de plantas arquitetônicas, cuja busca é
realizada a partir do endereço. Como se trata de um número importante de documentos, a
busca pode ser auxiliada com o livro do Arquiteto Günter Weimer “Levantamento de Projetos
Arquitetônicos de Porto Alegre entre 1892 e 1957” (1998), que lista as principais obras
construídas nesse período. A pesquisa do arquiteto foi realizada nos microfilmes do arquivo e
nele constam os números dos projetos, nome da obra, nome do projetista, linguagem
arquitetônica, nome do construtor e endereço. Por sua parte, a Secretaria de Obras do Estado
do Rio Grande do Sul guarda projetos referentes à construção de obra pública a nível estadual

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na cidade, com o acesso mais restrito e menos democrático do que o Prefeitura de Porto
Alegre.

Por sua vez, o Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, tem sob sua guarda
informação documental sobre a Exposição do Centenário da Farroupilha, realizado no atual
Parque Farroupilha, e onde foram construídos pavilhões protoracionalistas que formariam as
bases do projeto moderno na cidade (ESKINAZI, 2003). São parte do acervo as plantas do
Pavilhão da Indústria Estrangeira, o Pavilhão da Indústria do Rio Grande do Sul e o Pavilhão
de Minas Gerais, assim como documentos sobre o Pavilhão da Agricultura, o Pavilhão de São
Paulo, e o Pavilhão de Pará.

Outro arquivo importante é o Arquivo Histórico do Instituto de Artes (AHIA/UFRGS),


guardando documentos de arquitetos como Fernando Corona, autor do projeto do Instituto de
Belas Artes; Ernani Dias Corrêa, autor do projeto da Escola de Arte Dramática e Dança; e Luis
Fernando Corona, quem projetaria a Colônia de Férias “Francis Pelichek” retratada em
recortes do jornal Correio do Povo. Ademais de plantas arquitetônicas, perspectivas e
imagens das maquetes dos edifícios, o AHIA/UFRGS tem em seu acervo a produção artística
de docentes do antigo Instituto de Belas Artes da Universidade de Porto Alegre.

Bibliografia especializada

Vale destacar quatro livros que são referência na documentação arquitetônica moderna da
capital gaúcha: o primeiro deles foi o livro “Arquitetura Moderna em Porto Alegre” de Alberto
Xavier e Ivan Mizoguchi, que reúne os trabalhos de arquitetos que “trouxeram uma
significativa contribuição ao pensamento moderno da arquitetura de Porto Alegre,
especialmente a partir de 1935” (XAVIER e MIZOGUCHI, 1987, p. 9); posteriormente foi
realizado o “Inventário da Arquitetura Moderna em Porto Alegre – 1945/65” (2013), escrito por
Carlos Eduardo Comas e Hélio Piñón, incluindo edifícios residenciais, comerciais e
institucionais e priorizando os que foram construídos antes da interferência do Plano Diretor
de 1959-61 (MOREIRA e BORTOLI, 2019); o terceiro foi a “Guia de Arquitetura Moderna de
Porto Alegre” (2010), escrito por Guilherme Essvein de Almeida e editado pela PUC-RS, que
mostra as informações principais e plantas arquitetônicas de 31 obras modernistas; o último
deles foi a “Guia de Arquitetura de Porto Alegre” (2016) de autoria dos arquitetos Rodrigo
Poltosi e Vlademir Roman, que embora não contemple unicamente obras modernistas, é uma
referência para o reconhecimento deste período na cidade, ademais, serviu como ponto de
partida para a criação do site Guia Arqpoa <https://arqpoa.com.br/>, que trata-se de um
mapeamento que “reúne textos, fotografias e informações sobre 100 obras arquitetônicas,
urbanísticas, paisagísticas, históricas e culturais da cidade” (ARCHDAILY BRASIL, 2021).
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Bibliotecas

Destaca a Biblioteca de Arquitetura da UFRGS, onde pode ser encontrada a coleção Porto
Alegre, com livros como “Ambiente e lugar no urbano a grande Porto Alegre”, de Dirce
Suertegaray, Luiz Basso e Roberto Verdum; “Arquitetura Modernista em Porto Alegre”, de
Günter Weimer; “DEMHAB. Com ou sem tijolos, a história das políticas habitacionais em Porto
Alegre” de Naida D’Ávila; “Porto Alegre urbanização e modernidade. A construção social do
espaço urbano” de Charles Monteiro; “Porto Alegre: história e vida da cidade” de Francisco
Riopardense de Macedo; ou “Porto Alegre: guia histórico” de Sérgio da Costa Franco. Além
da coleção especializada, contam com outros livros que podem ser verificados no sistema
Sabi+.

Da mesma maneira, a Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, tem no seu catálogo
livros como “Estudos urbanos: Porto Alegre e seu Planejamento” de Wrana M. Panizzi e João
F. Rovatti; “Porto Alegre e sua evolução urbana” de Célia Ferraz de Souza e Dóris Maria
Müller; e “Acervos Azevedo Moura Gertum e João Alberto: imagem e construção da
modernidade em Porto Alegre”, de diversos autores, entre eles Anna Paula Canez.

Fototeca Sioma Breitman

Como parte do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, na Fototeca Sioma Breitman consta
um valioso acervo fotográfico sobre edifícios protoracionalistas e modernistas, onde destacam
obras como o Aeroporto Salgado Filho, projetado pelo arquiteto Nelson Souza, o Auditório
Araújo Vianna, os pavilhões da Exposição Farroupilha, as Fábricas e edifício Renner, o
Hospital de Clínicas, o Mercado Livre, entre outros.

Experiências prévias

Dentre as experiências de organização e disponibilização da documentação da arquitetura


moderna de Porto Alegre, precede e auxilia na formulação do proposto, especialmente o
trabalho realizado junto aos documentos contidos nos acervos da construtora Azevedo Moura
& Gertum e do fotógrafo João Alberto. Doados ao UniRitter, registram importantes
manifestações da modernidade, principalmente no Rio Grande do Sul, entre as décadas de
1920 e 1980. Ao longo de cinco décadas, João Alberto documentou grande parte da produção
de renomados arquitetos gaúchos, tais como Carlos Alberto de Holanda Mendonça, Ari Mazini
Canarin, Irineu Breittman, Edgar Albuquerque Graeff, Claudio Luiz Araújo e Carlos
Maximiliano Fayet, entre outros.

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Em trabalho conjunto com arquitetos, João Alberto busca determinados pontos
de vista e certos efeitos de luz para captar a imagem desejada. Suas
fotografias, assim como toda a cultura visual de sua época, foram influenciadas
pelo neorrealismo italiano. Elas são um poderoso instrumento no sentido de
interpretar o objeto retratado, pois vibram no mesmo diapasão das intenções
nele contidas. Fundada em 1924, pelos engenheiros Fernando de Azevedo
Moura e Oscar Mostardeiro Gertum, a construtora AMG foi a responsável pela
execução de reconhecidas obras de Porto Alegre, algumas delas hoje
identificadas como patrimônio arquitetônico da cidade: o Hipódromo do Cristal,
os edifícios Guaspari, Imperial, Jaguaribe, Esplanada e Sulacap. Na
construtora AMG trabalharam, em determinados períodos, Fernando Corona e
Egon Weindorfer. Outros, como Cláudio Araújo e Arnaldo Gladosch tiveram
seus projetos executadas por ela. Além de conter um vasto registro gráfico,
este acervo contém também o registro fotográfico de execução de muitas
obras. Imagens de diferentes momentos, nas quais se procura exaltar a técnica
e o sentido da construção no projeto, tão caros para a modernidade (CANEZ
et al., 2003).

Em publicação posterior (CANEZ et al., 2004) os pesquisadores envolvidos no trabalho, a


partir de exemplos selecionados, demonstraram o quanto estes acervos se completam e são
capazes de ilustrar, na passagem do tempo, as transformações pelas quais passou a
arquitetura moderna em Porto Alegre. A ingenuidade, em ambos os casos, inexiste. Ler nas
entrelinhas é um exercício que revela, aos poucos, o sentido daquele moderno, sentido que
se faz claro na medida da elaboração de uma investigação criteriosa. Considerando o trabalho
desenvolvido no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura do UniRitter, particularmente
aquele junto aos acervos "Acervo Azevedo Moura & Gertum" e "João Alberto", cabe justificar
que o processo de conhecimento dos acervos constituídos de fotografias e plantas utilizados
como estudo de caso e seu conteúdo, impulsionado pelas pesquisas correlatas, permite o
reconhecimento de uma boa parcela da nossa arquitetura moderna realizada no Rio Grande
do Sul e contribui para a inserção de nossa arquitetura no panorama moderno reconhecido.

Considerações finais

Ao longo do caminho percorrido na realização da dissertação, algumas experiências têm


contribuído para reconhecer limites e possibilidades para a construção do Museu Virtual de
Patrimônio Moderno de Porto Alegre. A proposta inicial, de estruturar um museu composto
apenas por patrimônio irreal, se transformou em uma ideia mais abrangente, que
considerasse todo o patrimônio moderno da cidade e que pudesse ser construído pelos
próprios visitantes. Com o início da pandemia, que modificou drasticamente as dinâmicas
sociais, a acessibilidade às fontes documentais se viu afetada, reforçando a necessidade de
criar uma plataforma que facilitasse a democratização da informação arquitetônica.

Embora o acesso à documentação tenha sido uma limitante, principalmente nas instituições
estaduais, houve uma grande disposição de contribuir à pesquisa por parte dos arquivos

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públicos do município, assim como uma quantidade razoável de informação bibliográfica,
apesar das lacunas de informação a preencher. Parte importante da pesquisa, foi identificar
que o desconhecimento do patrimônio é proporcional à desvalorização, portanto, a intenção
não é apenas a documentação e exposição arquitetônica, mas que a partir da democratização
da informação, seja possível regatar a memória do patrimônio moderno, mudando a
percepção social do mesmo, mediante um processo de assimilação e acomodação de
informação.

O MUVIPOA, como um espaço virtual que reunirá diversos documentos de arquitetura


moderna da cidade, provenientes de acervos, arquivos, memoriais ou pesquisas, pretende
funcionar como um acervo regional único e independente, mas atuando como uma ferramenta
complementar dos já existentes e em cooperação com estes. Por um lado, existem limitantes
tecnológicas e orçamentárias que ainda precisam ser resolvidas e, por outro lado, as áreas
de oportunidade que a internet oferece possibilitam certas liberdades criativas que fazem da
plataforma um espaço experimental em formação. Reivindicar a arquitetura moderna de Porto
Alegre não é tarefa fácil, mas fazê-lo, revaloriza não apenas os projetos, mas também os
atores, pesquisadores, arquivos, bibliotecas, estudantes e escritores envolvidos. Ainda há um
longo caminho a percorrer.

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EIXO TEMÁTICO 3

PROJETOS DE EXTENSÃO FAU/UFJF: Encaminhamento para


elaboração de projeto básico de restauração arquitetônica da Igreja
de Nossa Senhora do Livramento, Distrito de Sarandira, Juiz de
Fora/MG

JACQUES, FABIANA (1); COSTA, LAYSE (2); PEREIRA, TAMARA (3)

1. Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


Rua José Lourenço Kelmer, s/n – Campus Universitário/UFJF – Bairro São Pedro – CEP: 36036-900
– Juiz de Fora – MG
fabiana.jacques@arquitetura.ufjf.br

2. Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


Rua José Lourenço Kelmer, s/n – Campus Universitário/UFJF – Bairro São Pedro – CEP: 36036-900
– Juiz de Fora – MG
layse.costa@arquitetura.ufjf.br

3. Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


Rua José Lourenço Kelmer, s/n – Campus Universitário/UFJF – Bairro São Pedro – CEP: 36036-900
– Juiz de Fora – MG
tamara.nunes@arquitetura.ufjf.br

RESUMO
Em se tratando de patrimônio cultural edificado faz-se necessário à conservação, não somente de
sua aparência, mas também, a manutenção da integridade de seus elementos constituintes como um
produto único da tecnologia específica de seu tempo de produção. Dessa forma, deve-se aprofundar
no conhecimento desses elementos que constituem as edificações, sobretudo as de interesse de
preservação para sobrepor as aparências. Este artigo trata de projetos de extensão firmados entre a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora e a Arquidiocese de
Juiz de Fora desenvolvidos nos anos de 2014, 2015 e 2016, visando os encaminhamentos para
elaboração de projeto básico de restauração arquitetônica da Igreja de Nossa senhora do Livramento
situada no distrito de Sarandira em Juiz de Fora/MG. Tais projetos tiveram diversos desdobramentos
até o ano de 2021. Tal bem, datado da década de 1840, é de importância histórica reconhecida pela
comunidade e pelo município através de tombamento realizado em 2004 com o decreto de número
8437 de 28/12/2004. A situação encontrada no edifício foi de ruim estado de conservação o que
exigiu da equipe (docente e discentes bolsistas e voluntários dos cursos de arquitetura e urbanismo e
de ciências sociais) análises sobre seus usos, técnicas e materiais utilizados em sua composição,
tendo atenção as características que o tornam singular. Através do estudo com registro das
condições de época e atuais, os projetos de extensão visaram o favorecimento da retomada do uso
religioso da edificação e o prolongamento do seu tempo de vida, seja através da sua recuperação
física, seja através da sua recuperação enquanto elemento estruturador do espaço e da comunidade.

Palavras-chave: Projeto de Extensão, Restauração, Igreja, Sarandira, Juiz de Fora / MG.

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Introdução

Nos anos de 2014 e 2015 foram firmados entre a pró-reitora de Extensão da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Arquidiocese de Juiz de Fora, cinco projetos de
extensão. As propostas desses projetos referiram-se aos encaminhamentos para
elaboração de projeto básico de restauração arquitetônica e reabilitação da Igreja de Nossa
Senhora do Livramento, situada no distrito de Sarandira no município de Juiz de Fora,
estado de Minas Gerais, sendo exemplar de importância histórica reconhecida pela
comunidade e pelo município através de tombamento realizado em 2004 com o decreto de
número 8437 de 28/12/2004. Segundo o decreto estão tombados, as fachadas, sua
volumetria e seu interior, composto pelo altar-mor, altares colaterais e laterais, as galerias e
a pintura sobre o arco cruzeiro.

A situação encontrada no edifício na ocasião foi de ruim estado de conservação. Tal


situação exigiu rigorosas análises de equipe técnica (docente e discentes bolsistas e
voluntários dos cursos de arquitetura e urbanismo e de ciências sociais) sobre as melhores
soluções a serem adotadas visando a preservação do monumento.

Isso tornou a definição sobre a linha de atuação da intervenção detalhada, visto que a sua
recuperação visava não só um restabelecimento da sua integridade física e simbólica, mas
também a possibilidade de resgatar a sua relevância histórica.

Teve-se atenção para que as características que o tornam tão singular não se perdessem
devido à ação dos agentes de degradação. Por isso, todas as pesquisas históricas,
levantamentos, análises, mapeamento de danos, diagnósticos e intervenções propostas
foram pensadas de forma a dirimir estes agentes e garantir uma longa vida útil da edificação
sem que, para isso, se descaracterizasse o bem. Foi necessário também, a identificação
dos diversos processos e ações que foram sendo realizadas ao longo do tempo na
edificação, como ampliações, uso de materiais e técnicas construtivas variadas e diversas
repinturas.

Foi com o intuito de recuperar a “vida” que ali ainda se potencializa que foram propostos os
projetos de extensão, no intuito de se aprofundar nas análises visando eliminar e/ou diminuir
as causas de degradação, recuperar os elementos e sistemas construtivos existentes e
preparar o edifício para receber novamente seu uso religioso de acordo com seu caráter e
sua estrutura.

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Os cinco projetos de extensão trataram dos seguintes temas:

• A realização de pesquisa de identificação e conhecimento histórico de forma textual,


iconográfica e fotográfica do edifício e do entorno da Igreja de Nossa Senhora do
Livramento. A pesquisa histórica compôs também a contextualização da vizinhança,
do distrito de Sarandira, parte da zona rural, buscando sua relação para com a
cidade de Juiz de Fora visando identificar e organizar material de referência com o
reconhecimento da importância desse bem tombado (anos de 2014 e 2015).

• A elaboração de cadastro arquitetônico completo da Igreja de Nossa Senhora do


Livramento, em levantamento e análises sobre as técnicas e materiais utilizados em
sua composição tendo máxima atenção as características que o tornam singular
(anos de 2014 e 2015).

• A elaboração de diagnóstico do estado de conservação da Igreja de Nossa Senhora


do Livramento com os estudos dos fatores, causas e danos realizados com
aprofundamento (anos de 2014 e 2015).

• A elaboração de projeto básico para restauração e reabilitação da Igreja de Nossa


Senhora do Livramento visando a recuperação das condições que permitissem a
retomada de seu uso religioso adequado para as celebrações (anos de 2014 e
2015).

• A gestão para compatibilização dos projetos complementares ao projeto de


restauração arquitetônica e reabilitação da Igreja de Nossa Senhora do Livramento
(anos de 2015 e 2016).

Tais projetos de extensão tiveram diversos desdobramentos até o ano de 2021 com a
elaboração dos projetos de restauração e reabilitação da edificação e de seus bens
integrados e projetos complementares incluindo o estrutural, desenvolvidos de forma
gratuita por diversos profissionais externos a UFJF.

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Igreja de Nossa Senhora do Livramento, Distrito de Sarandira, Juiz
de Fora/MG

A construção da Igreja de Nossa Senhora do Livramento fez parte de uma promessa


religiosa de um proprietário de terras da região. A edificação foi erguida pela população e
representa um símbolo de religiosidade em Sarandira.

Segundo Fernando Brandão do jornal O Sul de Minas, a revolução de 1842 foi a primeira
revolução armada de cunho partidário. Nesse período, o Brasil era dividido entre dois
partidos, Liberal e Conservador. Com a dissolução da Câmara dos Deputados, ocorrida no
mesmo ano da revolta, os Liberais perderam força no poder. Sendo assim, o partido, do qual
Minas Gerais era parte integrante, se rebelou por julgar inconstitucional a dissolução
promovida pelo poder Moderador. Relata-se que, para lutar na revolução de 1842, muitos
jovens habitantes do local se juntaram aos revoltosos.

José de Souza, proprietário dos terrenos onde se acha o povoado, fez o


voto de os doar a N. S. do Livramento, para seu patrimônio e erecção de
seu oraculo, si todos quantos haviam d’ali partido para a guerra tivessem a
felicidade de voltar a seus lares. (ESTEVES,1915, p. 471)

Com o término da revolução, José de Souza cumpriu o que havia prometido, doando cerca
de 20 alqueires de terra (hoje), terras estas onde foram edificadas as construções da cidade
sem que houvesse nenhuma necessidade de seus proprietários pagarem aforamentos.
Além das terras, acresceu-se ao patrimônio dez apólices de um conto de réis cada, doadas
pelo coronel Francisco Mariano Halfeld.

O terreno, nas adjacências da matriz, era de grande importância para os meios agrícolas,
pois possuía solo fértil e próspero, permitindo que fossem plantados inúmeros exemplares
botânicos, incluindo o café. Uma próspera comunidade se desenvolveu em uma freguesia
do município de Juiz de Fora, utilizando-se de sua devoção para agradecer sua providência.

A localidade teve por vinte e dois anos seguidos um grande vigário, Padre João de Castro,
que veio a falecer em 26 de maio de 1903, em Barbacena. Além de suas funções na igreja,
dirigiu um estabelecimento de educação, se dedicava aos trabalhos agrícolas e exercia
atividades políticas do distrito de Sarandira (ESTEVES, 1915).

Os moradores também se recordam do Padre Eurico, que promoveu diversas reformas na


igreja, como relatou Pedro Sebastião da Conceição, que participou das reformas como
servente de pedreiro. Foram feitas ampliações na igreja e nos muros do cemitério, assim
como reparos na parte interna e externa da edificação.
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Entre os anos de 1996 e 2004 a igreja esteve sob os cuidados do Padre Elpídio. Neste
período foi realizada uma intervenção na parte elétrica, com a mudança da fiação; houve
também uma intervenção na parte hidráulica, com a troca de uma caixa d’água pequena por
uma caixa maior. No telhado foram trocadas mais de seis mil telhas e encontradas 38 tipos
diferentes de telhas francesas utilizadas na época. O forro também foi removido.

Segundo Pedro Sebastião da Conceição, que diz ter participado de uma reforma realizada
na igreja, uma parede lateral estava cedendo e foi preciso cortá-la na parte inferior para
fazer os reparos. Durante esta mesma reforma, Pedro se lembra que o padre disse não
poder continuar a obra devido à falta de verba. Diante do fato a população se dispôs a
ajudar financeiramente e alguns, como ele, a trabalhar na obra. Segundo o livro de Tombo,
em 1937 inaugurou-se uma reforma em que também houve participação popular:

Devido aos incansáveis esforços e a conhecida bôa vontade do Sr. José


Brega que tomou a incumbência de dirigir os trabalhos de reparação da
igreja matriz de N. Senhora do Livramento de Sarandy e também devido à
bôa vontade e generosidade do pôvo da parochia, a 1 de Novembro de
1937, com grande pompa, realizou-se inauguração da igreja reformada
interior e exteriormente. (LIVRO DE TOMBO, 1937 a 1962)

A população também recorda, nostálgica, as festas e celebrações realizadas em


Sarandira, como a festa de Nossa Senhora do Livramento, relatada por Geny Santana,
nascida e criada no local, como uma grande festa, que chegou a durar 5 dias, e trazia a
população de diversos locais para a festividade. Geny recorda-se que próximo à igreja havia
uma residência com dois salões que serviam como cozinha para as ocasiões festivas, onde
a própria moradora colaborou fazendo os assados que eram vendidos na festa.
O processo de tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Livramento foi organizado pela
SPM (Sociedade Pró Melhoramentos) de Sarandira, documento que foi enviado à Juracyr
Schaffer (diretor da Demlurb – Departamento Municipal de Limpeza Urbana) em 20 de junho
de 2003, junto de outros itens solicitados pela comunidade.
14° - Solicitamos o tombamento pelo Patrimônio Histórico de Juiz de Fora, a
Igreja de Nossa Senhora do Livramento e mais 3 (três) casarões de nosso
Distrito. (Prefeitura de Juiz de Fora, 2003).

Em 28 de dezembro de 2004 conferiu-se o tombamento da igreja de Nossa Senhora do


Livramento.

No final de 2011 as paredes da igreja estavam se curvando e os vidros se quebrando. Em


visitas realizadas nos dias 23 de fevereiro, 01 e 02 de março de 2012, por membros da
DIPAC (Divisão de Patrimônio Cultural) à Igreja de Nossa Senhora do Livramento, foram
constatados problemas estruturais e danos causados pela ação de insetos xilófagos (cupins

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e brocas), ação das intempéries e falta de manutenção periódica e preventiva da edificação,
além de interferência de pessoas sem o devido conhecimento. Foi realizado um
levantamento dos problemas e as recomendações técnicas para resguardar o bem.

Atualmente o distrito de Sarandira conta com apenas três estabelecimentos comerciais, que
são bares mistos, vendendo todo tipo de mercadoria, e apenas um deles fornece refeições.
A realidade do local hoje é muito diferente do passado, como cita Julio Cezar Vanni em seu
livro.

Conhecemos Sarandira nas décadas de 1939 e 1940. A localidade contava


com dois armazéns de secos e molhados, farmácia, padaria, açougue,
marcenaria, armarinho, olaria, um alfaiate, um ferreiro, correio, padre
residente e até um cinema. As festas de Nossa Senhora do Livramento
eram anuais e atraiam milhares de peregrinos e visitantes de Juiz de Fora e
da periferia. (VANNI, 2013, p.125.)

Fachada principal da Igreja de Nossa Senhora do Livramento. Fonte: Do autor, ano de 2015.

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Vista interna para a capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Livramento. Fonte: Do autor, ano de
2015.

Prancha do projeto de básico de restauração, contendo corte longitudinal. Fonte: Layse Costa e
Tamara Pereira, ano de 2020.

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A Igreja de Nossa Senhora do Livramento está localizada na porção mais elevada da Praça
Vista Alegre, sendo constituída por canteiros geométricos preenchidos por gramíneas,
arbustos e árvores, delimitados por passagens cimentadas que se entrecruzam em diagonal
a partir do acesso principal, que conduz ao portão de acesso frontal ao adro da igreja.

A Igreja de Nossa Senhora do Livramento é formada por três volumes: torre sineira, nave e
capela-mor. A fachada norte (frontal) apresenta eixo vertical simétrico.

Justificativa, fundamentação teórica e metodologia

Com a execução dos projetos esperávamos:

• Oferecer oportunidade para que a população da região pudesse voltar a utilizar e


assim reconhecer este patrimônio histórico e cultural de importância municipal.

• Divulgar o patrimônio rural histórico e cultural juiz-forano.

• Ampliar os estudos sobre metodologia para gestão e compatibilização de projetos


complementares de intervenções em patrimônio cultural no âmbito da universidade.

• Ampliar os estudos sobre Patrimônio Cultural material e imaterial, restauração,


conservação, técnicas e materiais no âmbito da Universidade.

• Fortalecer as pesquisas e os estudo no âmbito da Universidade sobre arquitetura


religiosa juiz-forana, no que diz respeito as questões simbólicas, técnicas e
materiais.

As crescentes indagações sobre critérios que envolvem as pesquisas, levantamentos e


projetos de restauro vêm, ao longo dos anos, suscitando discussões acaloradas a respeito
da intervenção restaurativa.

Para responder aos questionamentos e embasar a linha teórico-metodológica que foi


adotada, utilizou-se vasta bibliografia de consulta, na qual se destacam os documentos
nacionais e internacionais de conservação e restauro. Partiu-se principalmente, de
definições adotadas na Carta de Veneza de 1964 e discutidas mais pormenorizadamente
em documentos posteriores, como a Carta do Restauro, de 1972, as Normas de Quito, de
1967, a Carta de Burra, de 1980, o oriundo da Conferência de Nara, de 1994, a Carta de
Brasília, de 1995 e a Declaração de Sofia, de 1996.
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Além da bibliografia, questões fundamentais de ordem prática também foram levadas em
consideração:

• a primeira refere-se à necessidade de se preservar e/ou retomar elementos que


ressaltem, no edifício, as características que o tornam tão singular e incorporem
definitivamente aquelas que a ele foram acrescidas ao longo dos anos e que não
afetam a sua integridade física, a visibilidade da sua volumetria e não prejudicam a
leitura daquela feição;

• a segunda, diz respeito às necessidades de uso do edifício e do seu entorno, que


envolvem a equação de todos os entes que, direta ou indiretamente, estão de
alguma forma ligados ao monumento. E seu uso possa ser restabelecido,
devolvendo a comunidade sua Igreja e suas celebrações;

• a terceira refere-se ao caráter da própria intervenção, a ser vista como a reunião de


ações de conservação, de restauração e de reabilitação.

• e, por fim, independentemente de qualquer técnica que venha a ser utilizada nas
intervenções ao patrimônio cultural edificado, a autenticidade é a base da doutrina
moderna da restauração, sendo palavra-chave dos documentos (convenções e
cartas internacionais) relativos à salvaguarda do patrimônio cultural.

Para bem tratar um bem cultural de interesse de preservação deve-se bem conhecê-lo. De
acordo, com o Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural do
Programa Monumenta/ IPHAN (2005), levando-se em consideração o respeito máximo à
pré-existência, o conhecimento aprofundado do bem deve ser trabalhado através das
pesquisas realizadas sob o ponto de vista histórico, estéticos, arquitetônico, estrutural e
artístico, da caracterização do bem e seu entorno, além de seus usuários.

Para a Pesquisa Histórica deve-se organizar as informações pesquisadas por meio de


fontes arquivísticas, bibliográfica e orais, entre outras. Sendo subdividida em pesquisa
Histórica da cidade de Juiz de Fora, distrito de Sarandira e do bem, com sua localização no
espaço e no tempo.

O cadastro diz respeito ao Levantamento Físico que compreende “a leitura e conhecimento


da forma da edificação, obtidos por meio de vistorias e levantamentos”, sendo
representados graficamente e por fotografias e também a “análise tipológica, identificação
de materiais e sistema construtivo, atividade consolida criticamente o conjunto das

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informações obtidas” trazendo análises pormenorizadas da tipologia arquitetônica, dos
materiais empregados, do sistema construtivo da edificação e do contexto no qual está
inserida.

É necessário, também, os estudos dos fatores, causas e os danos (patologia) sejam


realizados com aprofundamento em bem de interesse de preservação com a elaboração do
mapeamento de danos que “objetiva a representação gráfica do levantamento de todos os
danos existentes e identificados na edificação, relacionando-os aos seus agentes e causas”
e “análises do estado de conservação dos materiais e do sistema estrutural, com a
identificação dos agentes de degradação e caracterização dos danos”.

Desta proposta consta a apresentação das soluções para a diminuição e/ou eliminação das
causas das deteriorações e apresentação da proposta de adequação de uso ao edifício
tombado. Particularmente, em caso de restauro, as terapias devem, como regra geral, ser
minimamente invasivas (princípio da intervenção mínima).

A gestão para compatibilização dos projetos complementares se torna fundamental, para


convergência de decisões e restrições tecnológicas, de forma a antecipar os processos que
se seguirão na execução dos mesmos.

A etapa prática onde será aplicado o conhecimento adquirido com:

• Acompanhamento e interação entre os diversos profissionais desde as primeiras


etapas do processo de projeto, visando a viabilização das soluções;

• Compatibilização propriamente dita com a sobreposição dos projetos


complementares e o projeto de restauração arquitetônica para verificação de
incongruências entre eles visando saná-las.

Equipe

A coordenação dos cinco projetos de extensão ficou a cargo da Professora Fabiana Mendes
Tavares Jacques do Departamento de Projeto, História e Teoria em Arquitetura e Urbanismo
da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Foram solicitadas a Universidade Federal de Juiz de Fora cinco bolsistas, um para cada
projeto apresentado. A justificativa para as bolsas foram, que tendo em vista a amplitude
que envolveriam a execução do desses projetos de extensão, foram elencados bolsistas não
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só do Curso de Arquitetura e Urbanismo, mas também do Instituto de Ciências Humanas –
Curso de História, visando o pleno atendimento aos objetivos pretendidos.

As bolsas foram divididas de acordo com o Curso a que se referiam o número e suas
atividades, como especificado a seguir.

- 4 bolsas de Arquitetura e Urbanismo: para as ações de pesquisa, levantamento,


sistematização das questões arquitetônicas, estéticas, materiais e técnicas produzindo
material textual, fotográfico e gráfico em cadernos e plantas técnicas exigidas pela
metodologia a ser aplicada. Tal produção técnica deveria também atender o
aprofundamento exigido para aprovação de tal projeto nos órgãos competentes, por se tratar
de bem tombado.

Tal quantidade de bolsas se justificou tanto pelo trabalho em campo de levantamento


arquitetônico como também para produção dos mapeamentos de danos e dos desenhos
técnicos de projeto, com a elaboração em programas gráficos das plantas baixas, cortes,
fachadas, plantas de cobertura, situação, implantação, esquadrias, móveis e integrados e
detalhamentos, além dos memoriais e todos os cadernos de texto.

- 1 bolsa de História: para pesquisa, levantamento, sistematização de material bibliográfico e


textual, iconográfico e fotográfico para elaboração dos textos para composição de histórico
consistente que serviria de base para o projeto básico para dar subsídios as tomadas de
decisão.

Tal bolsa se justificou pela especificidade do trabalho técnico histórico a ser desenvolvido, já
que os estudos que antecedem a etapa de intervenção devem ser feitos de modo exaustivo,
para que as ações propostas não sejam desnecessárias e até equivocadas. Segundo Silvia
Puccioni (s/d), “estudar o máximo para intervir o mínimo, com eficiência”.

Nesse sentido, uma equipe mínima para atender tão grande demanda e multiplicar
conhecimento no âmbito da universidade e na comunidade.

Vários estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo se interessaram pelos projetos na


ocasião de seus lançamentos, mas nenhum do curso de História. Assim sendo, abriu-se,
após consulta a Pró-Reitora de Extensão novo edital para seleção de bolsista do Curso de
Arquitetura e Urbanismo com perfil indicado para o projeto.

Dessa forma, foram selecionados 5 estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo para


ocuparem as vagas. No entanto, ao longo do desenvolvimento das atividades do ano de
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2014 ao ano de 2016, alguns voluntários foram integrados a equipe incluindo um da pós-
graduação em História e outra do Curso de Ciências Sociais.

A equipe formada contou no total com 14 discentes a saber:

• Arquitetura e Urbanismo bolsistas – Tales Pravato, Gabriela Moreira, Mariana


Rossin, Francisco Herculano Júnior e Ludmila Albuquerque.

• Arquitetura e Urbanismo voluntários – Ramiro Liquer, Joanna Benicá, Layse Costa,


Carolina Rezende, Danilo Carvalho, Rodrigo Spinelli e Filipe Paiva.

• Pós-graduação em História voluntário – Maciel Fonseca.

• Cursos de Ciências Sociais voluntária – Luana Telles.

Parte da equipe de bolsistas. Da direita para esquerda Gabriela Moreira, Francisco Herculano Júnior,
Mariana Rossin e Tales Pravato. Fonte: Mariana Rossin, ano de 2015.

Mas para a total efetivação de um Projeto de restauração para a Igreja de Nossa Senhora
do Livramento, eram necessárias a produção de todos os projetos complementares, que os
projetos de extensão executados não contemplavam, pois eram necessárias na equipe
outros profissionais como:

• Profissional de engenharia para elaboração de projeto estrutural.

• Profissional de engenharia para elaboração de projetos complementares (elétrico,


hidrossanitário, SPDA, combate a incêndio).

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• Conservador-restaurador para elaboração de projeto de restauração dos bens
móveis e integrados.

Para atender a essas demandas, diversos profissionais e empresas desde 2017 a 2021,
ofereceram gratuitamente a Arquidiocese de Juiz de Fora e a Paróquia de Nossa Senhora
do Livramento, serviços e projetos.

• Levantamento topográfico – NC TOPOGRAFIA.

• Complementação e atualização da identificação e conhecimento do bem e


diagnóstico – Arquiteto Paulo Gawryszewski.

• Projeto de restauração estrutural – Engenheiro Antônio Francisco de Souza Cardoso


(especialista em madeira).

• Projeto elétrico, SPDA e hidrossanitário – TECAD Projetos, soluções inteligentes.

• Projeto de combate a incêndio – Engenheiros sem Fronteiras.

• Projeto de restauração dos bens móveis e integrados – Técnica em Conservação e


Restauro de Bens Móveis Letícia Campos Filgueiras.

De forma contratada para atualização, complementação e finalização do Projeto básico de


restauração arquitetônica – Arquitetas e urbanistas Layse Costa e Tamara Pereira.

Complementou-se dessa forma uma equipe multidisciplinar que buscou, sempre com o
máximo respeito e empenho, entender as necessidades da edificação e os anseios da
população, conformando um projeto acessível, viável e em comum acordo com a
comunidade.

Relação Ensino/Pesquisa/Extensão

A relação ensino, pesquisa e extensão configura o tripé da universidade brasileira e assim


sendo, deve ser tratada de forma indissociável tanto para geração de conhecimento quanto
na formação dos discentes.

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A relação entre o ensino, pesquisa e extensão amplia o processo pedagógico, pois
discentes e docentes constituem-se parceiros na aprendizagem, assim como os diversos
profissionais externos a UFJF.

Como caminho para a integração entre a universidade e a sociedade, a extensão é


instrumento para a ligação entre teoria e prática.

Para os projetos apresentados articulou-se o tripé de forma efetiva somando-se:

• O ensino das disciplinas ministradas no curso de arquitetura e urbanismo sobretudo


na disciplina de Projeto em Patrimônio Cultural (ministrada pela professora Fabiana
Mendes Tavares Jacques), momento em que o aluno aplica os conceitos e
fundamentação teórica de projetos de conservação, restauração e reabilitação e o
conhecimento e reconhecimento da necessidade de elaboração de projetos
complementares ao projeto de restauração arquitetônica;

• A pesquisa dentro da metodologia proposta de forma a garantir subsídios


demonstrado para a colocação em prática da gestão e compatibilização dos projetos
complementares ao projeto de restauração arquitetônica.

A extensão possibilita a interface entre a academia e a sociedade, com vistas a


disponibilizar as pesquisas e projetos de um bem tombado reconhecido de importância para
a comunidade de Sarandira e de Juiz de Fora.

Buscou-se com a relação entre ensino, pesquisa e extensão, de forma articulada visando a
ampliação e detalhamento de processos de ensino e aprendizagem colaborando
efetivamente para a formação profissional de discentes, docente e profissionais externos a
UFJF, formando profissionais e cidadãos.

Conclusão

Os cinco projetos de extensão produziram como os seguintes resultados, de acordo com o


Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural do Programa
Monumenta/ IPHAN (2005).

1) Relatório constituindo-se como um trabalho sólido, carregado não só de dados históricos,


mas também de cultura e aprendizado. Dessa forma a pesquisa histórica resultou no
relatório contendo:
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• “Descrição sumária do contexto histórico no qual a edificação foi construída”;

• Descrição sumária do histórico da região e distrito onde se encontra a edificação;

• Descrição do histórico “do bem com data e informação sobre o período da


construção e das intervenções posteriores, e identificação dos usos até os dias
atuais”;

• “Cronologia Construtiva da Edificação”;

• Reprodução de documentação iconográfica e fotográfica.

2) Caderno técnico gráfico que “compreende as atividades de conhecimento da forma da


edificação, obtidos por meio de vistorias e levantamentos”, representações gráficas e
fotográficas. Tal caderno técnico compreende:

• Levantamento Cadastral – “representação gráfica das características físicas e


geométricas da edificação” com planta de situação, plantas baixas, planta de
cobertura, cortes, fachadas e detalhes;

• Documentação Fotográfica - complementando a compreensão da edificação e


registro do seu estado atual (anterior a execução de intervenção). Apresentada em
fichas individuais, abrangendo fotos externas do entorno, fachadas, cobertura,
detalhes e fotos internas de visão geral, de pôr menores e detalhes;

• Análise tipológica com identificação de materiais e sistema construtivo.

3) Mapeamento de danos, com objetivo de representar graficamente “todos os danos


existentes e identificados na edificação, relacionando-os aos seus agentes e causas”. “São
considerados danos todos os tipos de lesões e perdas materiais e estruturais, tais como:
fissuras, degradações por umidade e ataque de xilófagos, abatimentos, deformações,
destacamento de argamassas, corrosão e outros”.

4) Caderno de diagnóstico com levantamento das degradações da edificação, “avaliação do


estado de conservação dos materiais”, identificando os agentes degradadores tais como
agentes externos – “fenômenos físicos, químicos, biológicos e humanos; agentes inerentes
à edificação – decorrentes do projeto e da sua execução; e os decorrentes do uso e da
manutenção”.

5) Projeto básico de intervenção:


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• Caderno técnico de projeto, com memorial descritivo contendo todas as ações
projetuais a serem detalhadas visando a execução. Apresenta as “justificativas
conceituais, das soluções técnicas adotadas, dos usos definidos e das
especificações de materiais”.

• Material técnico gráfico, consistindo na representação gráfica da proposta em plantas


técnicas exigidas pela metodologia aplicada – planta de situação, plantas baixas,
planta de cobertura, cortes, fachadas e detalhes gerais.

De acordo com o panorama do projeto, assim como a forma como ele foi estruturado, pode-
se concluir que, após três anos de trabalho, apesar de alguns obstáculos que eventualmente
foram encontrados pelo caminho, o saldo final foi positivo, incluindo os demais anos que se
seguiram com intensos trabalhos sendo finalizados. As obras de restauração começarão a
qualquer momento, ainda em 2021 ou em 2022.

Agradecimentos

Agradecemos a pró-reitora de Extensão da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)


pelo apoio e a possibilidade de executar os cincos projetos de extensão apresentados neste
artigo.

Referências Bibliográficas

IPHAN, Programa Monumenta. Manual de elaboração de projetos de preservação do


patrimônio cultural. Brasília: Ministério da Cultura, Instituto do Programa Monumenta,
2005.

ESTEVES, Albino. NEUMMAN, Sérgio (org.). Álbum do Município de Juiz de Fora.


Funalfa. 3ª edição. 2008.

LIVRO DE TOMBO, 1937 a 1962.

PREFEITURA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA. Processo de Tombamento nº 3103 de


2003. Dispõe sobre o Tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Livramento. Distrito de
Sarandira. MG. Histórico de Sarandira.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
PREFEITURA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA. Decreto nº 8.437 de 28 de dezembro de
2004. Dispõe sobre o Tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Livramento. Distrito de
Sarandira. MG. Histórico de Sarandira.

PUCCIONI, Silvia. Restauração estrutural de edifícios de valor cultural. s/l., s/d.

VANNI, Julio Cezar. Sertões do Rio Cágado: origem de povoados, vilas e cidades que
integram a bacia hidrográfica do Rio Cágado. 2.Ed. Niterói: Comunitá, 2013.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ENCAMINHAMENTO PARA ELABORAÇÃO DE PROJETO BÁSICO DE


RESTAURAÇÃO ARQUITETÔNICA DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO
LIVRAMENTO, DISTRITO DE SARANDIRA, JUIZ DE FORA/MG

Fabiana Mendes Tavares Jacques (fabimtm@gmail.com)

Em se tratando de patrimônio cultural edificado faz-se necessário à


conservação, não somente de sua aparência, mas também, a manutenção da
integridade de seus elementos constituintes como um produto único da
tecnologia específica de seu tempo de produção. Dessa forma, deve-se
aprofundar no conhecimento desses elementos que constituem as edificações,
sobretudo as de interesse de preservação para sobrepor as aparências. Este
artigo trata de projetos de extensão firmados entre a Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora e a Arquidiocese de Juiz
de Fora desenvolvidos nos anos de 2014, 2015 e 2016, visando os
encaminhamentos para elaboração de projeto básico de restauração
arquitetônica da Igreja de Nossa senhora do Livramento situada no distrito de
Sarandira em Juiz de Fora/MG. Tais projetos tiveram diversos desdobramentos
até o ano de 2021. Tal bem, datado da década de 1840, é de importância
histórica reconhecida pela comunidade e pelo município através de
tombamento realizado em 2004 com o decreto de número 8437 de 28/12/2004.
A situação encontrada no edifício foi de ruim estado de conservação o que
exigiu da equipe (docente e discentes bolsistas e voluntários dos cursos de
arquitetura e urbanismo e de ciências sociais) análises sobre seus usos,
técnicas e materiais utilizados em sua composição, tendo atenção as
características que o tornam singular. Através do estudo com registro das
condições de época e atuais, os projetos de extensão visaram o favorecimento
da retomada do uso religioso da edificação e o prolongamento do seu tempo de
vida, seja através da sua recuperação física, seja através da sua recuperação
enquanto elemento estruturador do espaço e da comunidade.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

ACESSIBILIDADE: DIREITO PATRIMÔNIO DE TODOS

Igor Cavalcanti Brant (igorcavalcantibrant@yahoo.com.br)

A acessibilidade é essencialmente cultural. E relaciona-se diretamente com a


saúde do indivíduo. O ambiente construído é sustentável a partir do espaço
urbano e da cidade universalmente acessível. Independentemente de sexo,
idade, raça, etnia, todo ser humano tem o direito de ir e vir, de acordo com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. O viver a cidade e o edifício como
um prolongamento do corpo humano é o conceito fundamental da
acessibilidade. O indivíduo pode adquirir baseado no desempenho corporal,
limitações físicas em qualquer fase da vida. Seja pela idade, influenciado pelo
ambiente, ou na infância, seja por deformidade na gestação ou nos primeiros
meses de vida. Muitos conseguem adaptar às suas necessidades físicas,
desde criança até à terceira idade, dentro do contexto em que vivem: nas
cidades grandes, regiões metropolitanas e edifícios nela inseridos. A evolução
do acesso à educação, o respeito às diferenças sociais, o surgimento da era
digital, o avanço tecnológico, cientifico e médico muito se aperfeiçoou,
auxiliando à vida destas pessoas com limitações físicas. Bem como o aumento
da expectativa de vida, sendo que a população brasileira está envelhecendo a
cada ano que passa. Neste cenário surgiu a necessidade de se tornar
acessível o espaço construído. As inovações na arquitetura e na construção
civil, o acesso ao ambiente edificado tem avançado desde então. Muitas
construções atuais atentam para este objetivo que, além de promoverem à
saúde, ajudam na causa dos problemas de saúde, como internações médicas,
superlotando hospitais em todo mundo. A acessibilidade universal previne e
minimiza tais imprevistos. E as construções mais antigas, parte da história e
cultura de um período marcante e localizado no contexto urbano e social? E
que são alvos da preservação cultural e de tombamento? Como torná-los
acessíveis? Como eles ficam? Semelhantemente, os indivíduos necessitam de
manutenção rotineira em seus corpos, as construções precisam de adaptações
visando ao bem comum. Acessibilidade está relacionado à cultura e à saúde
publica. E ser ACESSÍVEL é ser SUSTENTÁVEL. A presente pesquisa visa
abordar a NBR 9050 de acessibilidade no contexto da saúde publica e cultural.
Procurando solucionar de uma maneira simples a acessibilidade de um dos
maiores patrimônios, o mais confortável, aconchegante e pessoal espaço
construído que há no país e no mundo: a moradia do indivíduo como cidadão e
trabalhador, desde o passeio público até o interior da residência. Isto com base
nas legislações relacionadas. Visando proporcionar uma melhor qualidade de
vida ao residente, tenha ele ou não limitações físicas, oferecendo à sociedade
uma conscientização de um ambiente sustentável. Do particular para o público;
de dentro para fora.

A partir da experiência do pesquisador percebeu-se a necessidade de torna-se


acessível a sua residência. Será útil à toda população brasileira, inclusive às
edificações tombadas e de interesse histórico.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

A MUSEOLOGIA VIRTUAL NA CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO MODERNO DE PORTO ALEGRE

Jorge Herrera De La Torre (jorgehdlt@gmail.com)

Anna Paula Moura Canez (annapaulacanez@yahoo.com.br)

Os museus tradicionalmente têm sido considerados como instituições de


conservação, comunicação, pesquisa e exposição do patrimônio material,
porém, a partir da década de 1990, as amplas possibilidades de conteúdo
multimídia e hipermídia no sistema World Wide Web propiciaram a modificação
do conceito até sua virtualização. O surgimento dos museus virtuais, como
suportes tanto complementares como suplementares dos museus físicos,
diversificou as opções de conservação e divulgação do patrimônio,
principalmente o imaterial, como é o caso dos projetos de arquitetura e
urbanismo. Nesse contexto, e como parte de uma dissertação de mestrado em
andamento, propôs-se a estruturação de um museu virtual de edifícios
modernos na cidade de Porto Alegre (MUVIPOA), cujo objetivo é criar uma
plataforma acessível que mostre a informação documental, testemunhal,
planimétrica e tridimensional dos projetos. Por este motivo, faz parte essencial
da pesquisa realizar uma revisão teórica e tipológica dos conceitos que
abrangem à museologia virtual para compreender a importância desta para a
difusão patrimonial, e identificar a variedade de acervos de arquitetura e
urbanismo que irão servir como fontes primárias para o museu em
desenvolvimento. A partir da pesquisa, pretende-se definir o papel do museu
virtual como acervo local de arquitetura, a tipologia a ser utilizada, as
vantagens sob os museus físicos, assim como as possibilidades de difusão
patrimonial. Por outo lado, a identificação dos acervos existentes permitirá
reconhecer o tipo de documentos disponíveis nestes e sua pertinência como
fontes de informação para a pesquisa.
Resumo:
A acessibilidade relaciona-se diretamente à cultura e saúde do indivíduo. O ambiente
construído é sustentável a partir do edifício e cidade universalmente acessível.
Independentemente de sexo, idade, raça, etnia, todo ser humano tem o direito de ir e vir,
de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O viver a cidade e o
edifício como um prolongamento do corpo humano é a base da acessibilidade. O ser
humano tem, pode ou provavelmente terá, de acordo com seu desempenho corporal,
limitações físicas em qualquer fase da vida. Muitas construções atuais atentam para este
objetivo que, além de promoverem à saúde, minimizam a causa dos problemas de saúde,
que superlotam os hospitais em todo mundo. A acessibilidade e o desenho universal
previnem tais imprevistos. Assim como os indivíduos necessitam de manutenção em
seus corpos, as construções precisam de adaptações visando ao social. E ser
ACESSÍVEL é ser SUSTENTÁVEL. A pesquisa visa abordar a acessibilidade no
contexto histórico da saúde e cultura. Procurando solucionar de forma simples a
acessibilidade de um dos maiores patrimônios, o mais confortável, aconchegante e
pessoal espaço construído que há no mundo: a moradia do indivíduo desde o passeio
público até o interior da residência. Visando proporcionar uma melhor qualidade de
vida ao residente, tenha ele ou não limitações físicas, oferecendo à sociedade a
consciência de um ambiente sustentável. Do particular para o público; de dentro para
fora.
Palavras-chave: Acessibilidade-Patrimônio-Direito

Abstract:
Accessibility is directly related to the individual's culture and health. The built
environment is sustainable from the universally accessible building and city. Regardless
of sex, age, race, ethnicity, every human being has the right to come and go, in
accordance with the Universal Declaration of Human Rights. Living the city and the
building as an extension of the human body is the basis of accessibility. The human
being has, can or probably will have, according to his body performance, physical
limitations at any stage of life. Many current constructions pay attention to this
objective, which, in addition to promoting health, minimizing the cause of health
problems, overcrowding hospitals worldwide. Accessibility and universal design
prevent such unforeseen events. Just as individuals need maintenance of their bodies,
buildings need adaptations aimed at the social. And to be ACCESSIBLE is to be
SUSTAINABLE. The research aims to address accessibility in the historical context of
public health and culture. Seeking to solve in a simple way the accessibility of one of
the greatest heritage sites, the most comfortable, cozy and personal built space in the
world: the individual's home from the public walk to the interior of the residence.
Aiming to provide a better quality of life to the resident, whether or not he has physical
limitations, offering society awareness of a sustainable environment. From the private to
the public; inside out.
Keyword: Accessibility-Heritage-Law
ACESSIBILIDADE: DIREITO E PATRIMÔNIO DE TODOS

1 - Introdução – Humanidade x Ambiente:

O conceito de humanidade se refere a um todo da espécie humana, o conjunto formado


por ''nós'' seres humanos. Mas não é só isso, humanidade também se refere a atos
humanos de compaixão e solidariedade, atos em que nós somos capazes de ajudar o
próximo. Humanidade é quando nos importamos com os outros, além de nós mesmos.
Humanidade é o que nos caracteriza, é o que nos fortalece, é o que somos. Não permita
que a política nos despoje, não deixemos que o poder nos ordene, não deixemos que as
crenças nos afaste, não deixemos que as diferenças nos impeçam de sermos o que
somos: Humanos*.
* Como adjetivo esta palavra deriva do latim homo sapiens (homem sábio) e que
caracteriza todos os indivíduos da espécie dos homens, sem distinção de gênero (sexo,
cor, origem). espécie dominante no planeta Terra. E como substantivo masculino que
define tanto o homem, quanto a mulher da espécie humana.
Pode-se compreender, então a palavra “HUMANIDADE” como “SER HUMANO”: Ser
Humano => verbo “SER” + adjetivo e substantivo “HUMANO”.
=> Eu “SOU”*: Domínio e exploração de tudo que há na terra, embaixo e a cima dela,
criatividade nas coisas, elementos e utensílios para uso pessoal e coletivo a partir do
ambiente natural. A essência, potencial rico, inestimado e incomensurável do poder de
criação e invenção.

=> HUMANO**: húmus, pó, terra, barro, é onde nossa habitação se origina como
corpo, e onde temos os cinco sentidos físicos e apresentamos movimentos, emoções
sentimentos e possuímos limitações ao longo da vida.

Deste potencial criativo nasce o “Komos”, que é a organização, conveniência e


humanização do universo. Surge daí a necessidade do habitat, que é a base existencial, a
nossa necessidade espacial e temporal. A relação do homem com o meio ambiente
desde o mais primitivo modo da existência se dá de duas formas distintas:

Fonte : * Êxodo 3:14; **Gênesis 3, 19; Eclesiastes 3, 20


- A relação do homem com o meio ambiente dito natural (ênfase ecológica);

- E a relação do homem com o ambiente dito construído (ênfase arquitetônico-


urbanístico).

- A partir desta relação que é introduzida no contexto global o conceito de


“desenvolvimento sustentável”, expandindo de um conceito ecológico para o mais
holístico, que compreende o meio ambiente natural, o meio ambiente construído, a
sociedade, cultura, economia, e principalmente a inseparável e rica relação, entre eles.

É na década de 60 e 70 do séc. XX que esta relação com o meio ambiente é revista com
os movimentos de arquitetura e urbanismo comprometidos em reverter a baixa
qualidade ambiental dos muitos grandes centros urbanos e priorizar alternativas ao
modernismo.

É nítido que o estabelecimento de qualidade ambiental a nível global depende


basicamente do estabelecimento da qualidade ambiental a nível local. “Pense
globalmente, haja localmente”.

A liberdade e a felicidade individual, bem como o direito à vida passa a ser


fundamentada em doutrinas como “necessidades universais”, mas baseados no
compromisso da vida como um valor concreto, formadas a partir da diversidade de cada
lugar. Incluindo a nossa habitação, nossa cidade, nosso planeta, nosso mundo, nossa
Terra. E também o direito de ir e vir.

2 - Um Breve Histórico: Acessibilidade x Patrimônio Cultural Edificado:

A partir do Renascimento Italiano (século XV e XVI), com a valorização e a idolatria ao


passado, e simultaneamente coisas e instrumentos do passado cujo significativo valor
histórico e cultural era possuídos de interesse público e merecedores dos cuidados pelo
Estado, inicia-se a idéia da concepção do “home padrão” (Figura 01). Revela a
importância e o avanço da medicina, e dos estudos e pesquisas, científicos com
cadáveres no período em questão, bem como o culto e super valorização ao corpo
humano e à beleza física. E é o das grandes descobertas na ciência e no universo. Nasce
também a valorização da beleza e da arte.
Figura 01 – Homem padrão: Circunferência perfeição

Há ainda a apreciação dos monumentos, sim pelo seu valor artístico e valor histórico e
não mais pelas memórias da grandeza e do poderio que tinha no Antigo Império
Romano, na Idade Média.

É na Revolução Industrial e na Revolução Francesa que, mediante às marcantes


transformações sociais e espaciais, materiais e mentais que as questões de conservação
ganharia real atenção pelo Estado das potenciais européias.

Em 1794, o político Henri Jean – Baptiste Grégoire é um dos principais personagens da


Revolução Francesa produziu e publicou a principal obra de denúncia, intitulada
Relatório sobre a destruição causada pelo Vandalismo e os meios para reprimi-lo, que
dizia: “Os bárbaros e os escravos detestam os monumentos das artes; e os homens
livres os amam e os conservam”. Liberdade, arte, amor, conservação estão inseridos na
acessibilidade e na diversidade.

Infelizes Sois vós a que não sabeis para que serve a arte. Violet Leduc, grande arquiteto
e estudioso medieval e responsável pela restauração de dezenas dos mais relevantes
bens culturais do patrimônio edificado francês, muito severamente danificados pela
Revolução Francesa, afirmou: “Restaurar um edifício não é mantê-lo, refazê-lo ou
repará-lo. É restabelecê-lo em um estado completo que pode jamais ter existido em um
dado momento”. Restabelecimento necessita de restauração, conservação e
reabilitação.
O historiador da arte Alois Riegl contribuiu à compreensão e conservação do
patrimônio cultural ao esclarecer que todo monumento é em essência um objeto social.
Preconizava ainda que era necessário considerar que o valor do bem estar físico das
pessoas é superior, sem duvida nenhuma, às necessidades ideais do culto da
antiguidade. Conservava ainda que o valor de novidade é de fato o adversário mais
temível do valor de antiguidade. Toda preservação deve incluir, à conservação do bem,
e a preservação e uso sustentável, incluindo a acessibilidade no ambiente construído.

Deve exigir a salvaguarda (preservação) da integridade e autenticidade do bem contra


fenômenos naturais potencialmente lesivos e de forma sustentável a destinação (uso
sustentável) deste bem que possibilite contribuir para o desenvolvimento social,
especificamente à comunidade a qual ele está diretamente associado.

Preservação é dar ênfase no futuro. O patrimônio cultural edificado existe


principalmente para o social, que deve contemplá-lo, admirá-lo, servindo-o, usufruindo-
o. O primeiro deve dar preeminência, adiantamento, preferência e preceder para o maior
número possível de pessoas, visando atingir o seu objetivo primordial: o social.

O patrimônio cultural edificado exige proporcionar acesso qualificado por parte da


sociedade, principalmente o acesso concreto, permitindo a vivência em todas as suas
dimensões públicas e sociais. Só conservamos aquilo que nos é significativo e para ser
significativo deve ser compreendido e se possível vivenciado.

O patrimônio cultural edificado exige também atitudes e processos de conservação


interdisciplinares, englobando toda forma social e individual de cada cidadão. E existe
principalmente para o social, abrangendo, servindo, protegendo, habitando, fazendo
permanecer, etc o maior número possível de pessoas visando ao apefeiçoamento da
sociedade.

A interdisciplinaridade exige que as disciplinas envolvidas compartilhem e possibilite a


integração da geração, desenvolvimento e transmissão e aplicação de conhecimentos,
competências e habilidades. Assim como o envolvimento dos vários agentes são
necessários para a transformação e a manutenção do Patrimônio Cultural Edificado, o
social também necessita dos diversos atores para proporcionar a saúde ideal a todos,
bem como a conservação, manutenção, restauração e a reabilitação corpo físico.
Visando oferecer ao ser humano acesso universal ao Patrimônio Cultural - na dimensão
vertical, e também na horizontal.
A conservação do patrimônio cultural edificado está nas relações sujeito – objeto
específicos e nas relações com à sociedade e a história. E nestas relações está incluído a
acessibilidade que é uma forma de ser sustentável.

3 - A Acessibilidade x Desenho Universal:

3.1 - Conceito:

Acessibilidade é um substantivo feminino. Origina na palavra em Latim accessus, que


significa “aproximação, chegada”. Essa palavra em Latim vem de accedere, formada
por AD -, que significa “a” ou “em” e cedere, que significa “ir, mover-se”.

- Tanto a própria palavra “acesso” e “acessível” possuem a mesma origem etimológica.

- Acessibilidade é a qualidade do que é acessível, aquilo que é atingível, que tem acesso
fácil. A acessibilidade, embora muito comumente abordada em relação às pessoas
portadoras de deficiência ou aquelas com mobilidade reduzida, o termo pode abranger
todas as parcelas de indivíduos da sociedade.

Ser acessível é contribuir para o desenvolvimento social em geral, em específico, da


comunidade de qualquer parte do mundo, independente de raça, idade, sexo, etnia, cor,
etc; que nasceu, cresceu na origem e evolução da humanidade: todos nós seres
humanos. O acesso é o desenho universal, que é desenhar pensando em ser acessível em
todo e qualquer espaço inserido ou não na cidade do mundo globalizado
contemporâneo.

A acessibilidade inclui dentro do conceito da ética, que é a parte da filosofia


responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, orientam ou
disciplinam o comportamento humano refletindo-se a respeito da essência das normas
valores prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social.

A sustentabilidade deve ser mantida como um horizonte, deve nos pautar e deve ser
buscado incessantemente. É criar um “kosmos” ao “mundus”. E criarmos um lugar no
tempo e no espaço onde possamos concretizar e vivenciar na matéria as nossas verdades
onde possamos estabelecer base existencial e habitar.

A acessibilidade é um item primordial da sustentabilidade. É um elemento vertical e um


elemento horizontal e base existencial para a sociedade.

3.2 - Norma x Legislação:


A norma técnica NBR 9050 / 2015 da ABNT fixa padrões e critérios que visam
propiciar às pessoas portadoras de deficiência condições adequadas e seguras de
acessibilidade autônoma a edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos. Tal
norma é considerada como o único instrumento atual e confiável indicador dos critérios
mínimos de conforto ambiental e de qualidade para o uso de ambientes acessíveis. A
NBR 9050/2015 tem sido a responsável a complementar legislação municipal que
regulam as atividades construtivas, visando buscar uma padronização da atividade de
planejamento, de execução e de gerenciamento do espaço edificado quer seja ele
público ou privado.

Na Lei Federal 10.098 estabelece que cada imóvel deve ser considerado como um caso
específico de intervenção, onde o grau de acessibilidade a ser alcançado decorrerá da
avaliação do bem cultural, com base em levantamento histórico, físico, iconográfico e
documental, de modo a evitar o comprometimento do valor testemunhal e da
integridade estrutural do imóvel; na impossibilidade de implantação das melhores
condições de acessibilidade em ambientes construídos ou naturais, deve ser adotada,
no mínimo, solução para acesso ao imóvel.

Deve-se em qualquer obra reforma, início de construção, ou uma que vise garantir as
características arquitetônicas do imóvel estudar todas as possíveis formas de adaptação
do edifício que atendem às normas de acessibilidade.

Uma obra onde se prevê a acessibilidade antes da execução do projeto é 1% da obra.


Quando é depois da obra pronta, o custo para torná-la acessível aumenta cerca de 14%.

3.3 - O espaço construído do “Habitat”:

A arquitetura doméstica, proprietário, habitat, objeto social, bem estar físico, conclui-se
que a moradia, o espaço onde vivemos parte significativa da existência humana é o
nosso maior Patrimônio Cultural Edificado que há em toda face da Terra. E surgiu
desde a origem da humanidade: o desejo de moradia, a busca da essência de
pertencimento e apropriação do espaço, desde o homem mais primitivo.

A acessibilidade universal visa não retirar ou prejudicar o princípio da distinguibilidade


do bem e muito menos falsificar o seu estado de conservação. Deve ostentar a marca de
seu tempo: princípio da distinguibilidade imaterial, restabelecendo um diálogo entre o
presente e o passado (dialogismo), possibilitando acesso universal a todo ser humano. E
ser coadjuvante em relação ao protagonismo desempenhado pelo bem.

As pessoas suportam níveis baixos de conforto (com limitação física temporária ou


permanente) até a idade adulta. Porém, quando envelhecem passam a não suportá-lo
mais ou apresentar dificuldade notória fisicamente.

• Acessibilidade => Acesso + idade. A idade do indivíduo é inversamente


proporcional à facilidade de acesso em todos os espaços

• Acessibilidade => Acesso + habilidade: A facilidade de acesso de um certo

espaço irá determinar o nível de habilidade de qualquer pessoa, especialmente aquelas


com alguma limitação física.

• Acessibilidade => Acesso + Sensíbilidade: Conhecimento técnico,

prioridades aos procedimentos, sensibilidade, bom senso, vontade política e dedicação.

3.4 - Alguns Exemplos Práticos e Vivenciados: Acessíveis e não Acessíveis.

Foto 01 – Vencer desníveis Foto 02 – Escada com cadeira no corrimão.

Fonte: Flávio Carsalade - 2015


Foto 03 – Escadas e Rampas Foto 04 – Piso (e mapa) tátil de alerta e direcional.

Fonte: Flávio Carsalade - 2015

Fotos 05 e 06 – Corrimão tátil e vaso sanitário escamoteável

Fonte: Flávio Carsalade - 2015

Fotos 07 e 08 - Trafick-calm feito com pedras de rua no nível do passeio

Fonte: Silvana S. Cambiaghi – 2011

Fotos 09 e 10 – Textura no piso – Faixa de pedestres em nível do passeio.


Fonte: Silvana S. Cambiaghi - 2011

Fotos 11 e 12 – Travessia em Trafic Calm – Rebaixamento do meio fio.

Fonte: Silvana S. Cambiaghi - 2011

Fotos 13 e 14 – Passeio Marítimo e banho de mar.

Fonte: Turismo adaptado - 2011

Fotos 15 e 16 – Salto em alturas e banho em quedas d’água naturais


Fonte: Turismo adaptado - 2011

Fotos 17, 18 e 19 – Exposição em alto relevo a partir de uma superfície plana (quadro).

Fonte: Turismo adaptado - 2011

Fotos 20 e 21 – Instalações sanitárias acessível. Braile em bebidas.

Fonte: Turismo adaptado - 2011

Fotos 22 e 23 – Visita em parques naturais e tradução em libras por guias e monitores

Fonte: Turismo adaptado – 2011


Fotos 24 e 25 – Rota de fuga e saída e acesso lateral à edificação estilo clássico.
Monumentos, museus e demais edificações.

Fonte: Flávio Carsalade - 2015

Fotos 26 e 27 – Entrada da edificação em nível e em rampa. Maquete Tátil

Fonte: Flávio Carsalade - 2015

Fotos 28 e 29 - Mapa tátil. Acesso rampado.

Fonte: Flávio Carsalade – 2015


Fotos 30 e 31 – Acesso rampado a grande e extenso desnível e a restaurante.

Fonte: Silvana S. Cambiaghi - 2011

Fotos 32, 33 e 34 - Desníveis das pedras soltas em calçada portuguesa.

Fonte: Arquivo pessoal – Arquiteto Igor C Brant - 2014

Fotos 35 e 36 – Desníveis das pedras soltas em calçada portuguesa.

Fonte: Arquivo pessoal – Arquiteto Igor C Brant - 2014

4) Lições do Patrimônio Cultural Edificado

4.1 - 1º Lição: Não há patrimônio material sem um conteúdo imaterial. (acessibilidade)

4.2 - 2º Lição: O acesso e a preservação não se refere ao passado, uma época antiga,
mas se refere ao presente, ao homem presente. (diversidade)
4.3 - 3º Lição: Não há como desvincular a preservação dos outros setores da realidade.
Nada é estático, tudo é dinâmico, tudo muda na vida. A consciência dos processos
de mudança é fundamental para a lida com o patrimônio e acessibilidade.
(autenticidade e integridade)

4.4 - 4º Lição: O desenho universal e patrimônio deve estar “dentro da vida”.


(universalidade)

5) Situação global contemporânea:

A acessibilidade tem sua origem desde o surgimento da humanidade. E através do


potencial criativo e do ser humano, pode se ter um ambiente íntegro e autêntico, sem
interferir na estrutura do Bem Cultural Edificado. E ao mesmo tempo ser sustentável
visando o bem comum social.

Diante do apresentado no presente artigo, nota-se que a casa, a moradia, a residência, a


cidade e o ambiente construído de alcance pessoal e imediato em geral é o local mais
aconchegante mais confortável mais particular e próprio que há em toda face da terra.
Depende do olhar de cada um individualmente e coletivamente.

• Colo => cultus e culturus / colo=> cultivar, habitar

• Cultura é o nosso fundamento ontológico por excelência;

• Interdependência e indissociabilidade entre cultura e produção do espaço e


reprodução social => diversidade;

• Colo=> desnaturalização de reconstruir no espaço “esquecido”, perdido.


(Gênesis 3, 17, 19) => ”no suor do teu rosto comerás o pão até voltares ao solo, pois
dele fostes tirado”. Solo => base existencial deve ser colonizado.

• Todas as coisas que há no mundo, inclusive o “humano”, provém do solo, do pó,


da terra, do humus. Para sociedade, do universo. Nossa casa, casa das musas (museu),
nossa terra.

• Universo, mundo, terra, pó, húmus; e diversidade social e espacial

• UNIVERSO E DIVERSIDADE <=> UNIVERSIDADE

• EU “SOU” => SER HUMUS => HUMANO


1) Conclusão:

A acessibilidade é um direito universal, pessoal e inalienável, conforme descrito abaixo:

Art. 5º, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo


qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dela sair com seus bens.

Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas (ONU) em 10/12/48. E descrito na Constituição Federal de 1988.

Deve-se começar dentro da própria cidade, nossa casa, nosso lar, nossa moradia, nossa
musa (museu). O qual é um direito de todos os cidadãos brasileiros e do mundo inteiro.

6) Bibliografia:

(1) https://www20.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/corresponde
ntes/2016/04/05/noticiajornaldoleitorcorrespondente,3598466/conceito-de-
humanidade-colegio-maximus.shtml

(2) https://www.dicionarioinformal.com.br/humano/

(3) Guimarães, Marcelo Pinto – Mestre e especialista em acessibilidade - Professor


da EAUFMG - criador do CVI (Centro de Vida Independente);

(4) www.turismoadaptado.wordpress.com;

(5) https://www.significadosbr.com.br/acessibilidade;

(6) Carsalade, Flávio – Acessibilidade e Patrimônio – EA UFMG, 2011;

(7) Acessibilidade nos Edifícios Públicos Culturais da Região Central de Belo


Horizonte – Pesquisa de iniciação Cientifica – Brant, Igor Cavalcanti - 2003;

(8) Ricardo – Turismo adaptado – Seminário CREA - MG – 2011;

(9) TOFANI, Frederico de Paula. Restauração, Reabilitação e Requalificação do


Patrimônio Cultural Edificado: Teoria e Práticas Contemporâneas. Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2019, 645 p. (Material
didático da Pós Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável);

(10) TOFANI, 1998 - A Crise Ambiental enquanto Crise do Sentido de Habitar;

(11) Cambiaghi , Silvana Serafino - Seminário CREA – MG 2011.


EIXO 2
COMPUTAÇÃO GRÁFICA NA PESQUISA HISTORIOGRÁFICA:
A Igreja Matriz Do Pilar Em São João Del Rei

Salles, Luiza. (1); Brasileiro, Vanessa. (2); Dangelo, André (3)

1. Escola de Arquitetura da UFMG.


Rua Rio de Janeiro, 2040/101, Belo Horizonte
Luizasallesaraujo@gmail.com

2. Escola de Arquitetura da UFMG. Departamento de Análise Crítica e Histórica da Arquitetura e do


Urbanismo
vbbrasileiro@gmail.com

3. Escola de Arquitetura da UFMG. Departamento de Análise Crítica e Histórica da Arquitetura e do


Urbanismo
andregddangelo@gmail.com

RESUMO
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar em São João del Rei apresenta duas principais fases de
construção: a primeira, a partir de 1721, quando teve início a construção, e uma segunda fase, a partir
de 1820, quando a igreja foi expandida. Conforma-se, portanto, como uma igreja híbrida, com influência
de pelo menos três estilos arquitetônicos: barroco, rococó e neoclassicismo, e possui alguns pontos
críticos devido à construção de uma estrutura sobre outra preexistente. No entanto, os documentos
históricos são escassos e neste projeto recorremos às tecnologias de escaneamento a laser e
fotogrametria a fim de buscar informações históricas diante do alto nível de detalhe propiciado por essas
tecnologias. Considerando o objetivo da pesquisa em simular no ambiente digital as diferentes fases
de construção da igreja, foi desenvolvido um modelo 3D baseado em superfícies e linhas passíveis de
serem editadas e redesenhadas. Assim, a partir da nuvem de pontos – que indica a condição atual do
edifício - procurou-se experimentar diversos aplicativos e softwares que permitisse editar o modelo
resultante, construindo uma possível imagem original do bem. Este artigo se propõe a detalhar este
processo, evidenciando as particularidades exigidas pela coleta de informações históricas, de modo a
que possam servir de base para projetos de restauro e estudos historiográficos. Embora essas
tecnologias sejam frequentemente utilizadas em diversos países, no Brasil, é ainda pouco aplicada e
limitada. A pesquisa faz parte das comemorações dos 300 anos de construção da Matriz, que integrará
um livro a ser distribuído na cidade em versões impressa e digital.

Palavras-chave: Computação gráfica; Laser Scanner; Fotogrametria; Patrimônio histórico-cultural;


Matriz do Pilar de São João del Rei.

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Introdução

A Matriz do Pilar, como é comumente chamada, passou por várias mudanças ao longo
dos séculos e a edificação que se vê na paisagem são-joanense hoje é bastante diferente do
que já foi em outros períodos, pois essas mudanças corresponderam à atuação de diferentes
artistas e à incorporação de estilos ao edifício. Esse estudo também faz parte das
comemorações de aniversário da Matriz, que em 2021 completa 300 anos.

No decorrer dos estudos, tornou-se notória a falta de informações sobre o edifício, mesmo
tendo sido consultados os arquivos das irmandades, eclesiástico, municipal e federal. Face a
essa carência de informações documentais, compreender as transformações em um edifício
tão híbrido tornou-se um impasse. Não foi possível traçar uma linha do tempo que mostrasse
com exatidão a evolução construtiva e compositiva da igreja desde sua construção no século
XVIII.

Nesse momento, a partir de alguns contatos do professor André Dangelo, tivemos a


oportunidade de realizar um escaneamento a laser e um voo de drone na igreja, a fim de fazer
uma reconstrução digital em 3D do edifício, com extrema fidelidade e precisão. Com o modelo
digital pronto, começamos a avaliar se esse modelo poderia nos ajudar na pesquisa
historiográfica, carente de dados, como apontado anteriormente.

Este artigo se propõe a investigar essa situação, instigado pelos seguintes


questionamentos: quais seriam essas lacunas existentes na documentação e quanto isso
pode influenciar o projeto? Diante de um cenário atual no qual os avanços tecnológicos dos
aparelhos de medição a laser e da fotogrametria aérea trazem soluções para diferentes
campos de trabalho, seria possível utilizar ferramentas e softwares contemporâneos como
base para a elaboração de uma historiografia 'invertida', que a partir de um levantamento da
igreja em estudo pudesse recuar no tempo, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre
o objeto histórico? Sabemos que o uso do laser scanner é bastante difundido na Europa para
o levantamento de ambientes, cidades e edifícios como base para uma intervenção
consciente de conservação ou restauração – situação ainda pouco difundida no Brasil. O que
é necessário para ampliar esse uso? Quais as vantagens?

São João del Rei e a complexidade da Matriz do Pilar

São João del Rei é uma cidade cuja fundação remonta ao princípio do século
XVIII, originada nos movimentos de exploração do território em busca de metais
preciosos promovidos por grupos vindos da Capitania de São Paulo. Os bandeirantes

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instituíram na região de São João del Rei um ponto de atravessamento do rio existente
no local, chamado Rio das Mortes, com o objetivo de adentrar ainda mais no território até
então inexplorado pelos brancos, no interior do Brasil, na busca pelo ouro. O novo
assentamento ali surgido – o Arraial Novo do Rio das Mortes, como era conhecido no início
do século XVIII – logo se desenvolveu em um núcleo urbano maior e mais povoado devido à
sua localização estratégica em relação a outros pontos de exploração na região e à sede do
governo geral na colônia à época, o Rio de Janeiro, o que permitiu à localidade se converter
em um centro comercial importante.

A ocupação do território de São João del Rei seguiu o modelo caracterizado por Sylvio de
Vasconcellos (1977) em seu estudo sobre as cidades mineiras do século XVIII. No caso de
São João del Rei, a condição topográfica imposta pelo vale do córrego do Lenheiro deu lugar
a um desenvolvimento longitudinal do sistema: a meia encosta, a antiga estrada de ligação
– denominada por Vasconcellos (1977) via-tronco – organiza a morfologia urbana da
construção monumental, edifícios e casas simples. De oeste a leste, as igrejas de Santo
Antônio, do Rosário e das Carmelitas lembram as antigas vilas; na metade, encontramos a
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, símbolo da condição econômica do Arraial, que
recebeu o título de vila em 1713.

A Matriz do Pilar, construída em 1721 ao centro da via-tronco, entre as igrejas do Rosário


e do Carmo, ganha significativa relevância na paisagem, constituindo, para além da
centralidade religiosa naturalmente exercida como sede da
paróquia, uma centralidade na urbis. (Fig. 1)

Fig.1: Paisagem de São João del Rei com a Matriz do Pilar ao centro, final do século XIX.

Fonte: Acervo Andre Bello

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A matriz tem a planta ainda bastante simples, com nave única e corredores laterais
divididos entre si por robustas paredes de taipa, sobre as quais se situam os altares
secundários, construídos no final do século XVIII. Os dois corredores adjacentes à nave,
bastante largos, fazem a ligação entre as torres sineiras, a sacristia (à direita) e a capela
dedicada aos SS. Sacramento (à esquerda), e desde o início do século XIX também às
tribunas. A nave termina com a capela-mor que recebe o altar finamente decorado dedicado
à padroeira no ponto de convergência da perspectiva interna do templo e da iluminação
natural. No segundo nível, temos ainda o coro alto, cujo acesso se faz pela torre lateral direita,
e as referidas tribunas, que se abrem com generosas janelas-sacadas para a nave.

O interior da igreja ostenta uma refinada ornamentação em madeira, com talha e


elementos dourados, presentes não só nas paredes do altar-mor, mas também nas paredes
laterais e no arco do cruzeiro. Essa decoração revela uma linguagem típica do Barroco, neste
período denominado Joanino em homenagem a D. João V de Portugal. Importado da Europa
por meio de artistas que vieram trabalhar no Brasil, o Barroco se afirmou no território de Minas
Gerais como o estilo predominante da arquitetura religiosa do na primeira metade do século
XVIII, trazendo diversos símbolos e alegorias às composições.

A Igreja Matriz do Pilar, ao longo dos séculos, passou por algumas reformas e renovações
promovidas pelas irmandades. Dentre essas mudanças, ainda na metade do século XVIII,
destaca-se a renovação da capela-mor entre 1755 e 1758, resultando na capela que se vê
atualmente. Apesar dessa mudança ainda nos primeiros anos da construção, a capela-mor, e
alguns altares laterais – juntamente com a organização geral da planta – compõem as partes
mais antigas do templo, em estilo Joanino. Ainda nesse período, conforme uma descrição de
1750, a fachada apresentava duas torres sineiras com coroa piramidal e havia um crucifixo
de pedra no adro (Viegas, 2005, p. 35). Provavelmente possuía as cores típicas do Barroco,
vermelho escuro e azul, como ainda pode ser vislumbrado em outras igrejas da região do
mesmo período.

De 1780 a 1800, a igreja passou por novas obras de modernização, adquirindo


presumivelmente um aspecto rococó: foi realizada a decoração em talha de madeira de dois
altares, e no forro, também em madeira, foi feita uma pintura em têmpera de falsa arquitetura
com as imagens dos santos mais comuns na devoção de Minas Gerais, enquanto na parte
central a Nossa Senhora do Pilar foi representada dentro de uma concha. Em 1817, o viajante
inglês John Luccock escreveu: “O teto desta igreja foi recentemente pintado às custas de um
comerciante. As tintas são fantásticas, mas não combinam entre si e são compostas
principalmente de vermelho, amarelo e azul”. (Luccock, 1975, p. 302)

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Em 1820, houve a mais significativa modificação: a igreja foi alongada em cerca de um
metro, como pode ser identificado nas pinturas do forro, o coro foi construído, as torres foram
reposicionadas, as tribunas concluídas e o adro foi redesenhado. Nesse período, os ideais
neoclássicos já se encontravam difundidos no Brasil, fruto da vinda de artistas e arquitetos
franceses para organizar a Real Academia de Belas Artes, no Rio de Janeiro, a partir de 1816.
Esses ideais deram origem a uma arquitetura religiosa definida pela geometrização e
estruturas mais pesadas e monumentais. As novas torres sineiras receberam uma coroação
composta por cúpulas bulbosas; um relógio foi inserido sob a janela da torre sineira direita, e
uma réplica falsa na torre esquerda. As modificações efetuadas passaram a compor a fachada
que hoje se pode ver: cinco portas e cinco janelas distribuídas simetricamente em uma
composição formada por uma ordem de pilastras gigantescas que articula a fachada em três
seções, das quais a central é coroada por um frontão triangular. Percebe-se, assim, o desejo
da comunidade local e, sobretudo, das irmandades ainda presentes na Matriz do Pilar, em
manter o templo atualizado em relação aos modelos estéticos vigentes na Europa,
caracterizando o hibridismo estilístico da edificação.

Diante do exposto, pode-se afirmar que existem três fases de construção da igreja, a
primeira no início do século XVIII, quando ela foi de fato construída; a segunda nos últimos
vinte e cinco anos daquele século, quando o teto e outros ornamentos recebem características
em estilo Rococó; e a última, no século XIX, quando a nave foi alongada, as tribunas
concluídas, novas torres sineiras construídas e a fachada desenhada em estilo neoclássico.
Em suma, durante cerca de um século e meio a igreja do Pilar sofreu várias alterações, quase
a ponto de se tornar um canteiro de obras contínuo, e isso reforça a sua complexidade
histórica, construtiva e compositiva. (Fig. 2)

Fig.2: Capela mor, forro e fachada da Matriz do Pilar em São João del Rei.

Fonte: Elaborado pelos autores.

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Restauros e problemática documental

Os primeiros restauros realizados na Matriz se limitaram a reparos em partes do edifício


que se encontravam em grave estado de degradação. As primeiras intervenções feitas datam
de 1940 e foram citadas em documentos oficiais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN); porém, esses documentos não detalham os trabalhos feitos e, por isso,
presume-se que tenham sido realizadas pequenas intervenções de conservação e segurança
no edifício. Entre os anos de 1946 e 1947, o IPHAN realizou um projeto de restauração mais
complexo, que envolveu a cobertura, os forros e a decoração pictórica. Os diversos
documentos existentes – relatos e fotografias – indicam deteriorações que não haviam sido
sanadas em 1940, como a cobertura que na água esquerda apresentava sérios problemas de
rebaixamento, exigindo a substituição das partes do madeiramento e das telhas, bem como a
recomposição das fissuras devido à sobrecarga que causou afundamento nas paredes de
suporte do telhado. A substituição das escoras e correntes permitiu a fixação das partes do
forro que se desprenderam, contribuindo para o restauro da pintura. Outro trabalho realizado
foi a retirada da camada de tinta que cobria a cantaria da fachada, permitindo, assim, a
recomposição da linguagem neoclássica de forma mais característica, além da substituição
da pintura das fachadas, feita em tinta a óleo colorida, por um método mais adequado para a
conservação do material original.

Entre os anos de 1986 e 1988 a igreja recebeu um outro conjunto de intervenções que
envolveram a consolidação estrutural, particularmente da torre sineira direita e do adro, e o
restauro das obras de arte e da talha. Os relatórios (IPHAN, 1986) indicam danos em algumas
paredes de taipa devido a uma infiltração oriunda da fundação, provável causa do
desabamento do adro em julho de 1988, durante as obras, e das fissuras na fachada. Nesse
restauro o telhado foi totalmente refeito e houve a substituição de partes degradadas e
restauro de alguns elementos em madeira. O teto também apresentava sérias deteriorações,
como perda de parte da pintura, manchas de umidade e oxidação das cores, que foram
sanadas pela equipe supervisionada pelo IPHAN.

Em 2014, foi lançado um edital federal para execução de obras de conservação e


restauração em cidades históricas brasileiras – PAC Cidades Históricas. Esse edital
contemplou a Igreja Matriz do Pilar em São João del Rei e possibilitou a elaboração de um
novo projeto de restauração, ainda não executado. O escritório de arquitetura que venceu a
licitação realizou a investigação histórica, levantamentos gráficos e fotográficos, de forma a
determinar as condições de conservação do edifício e, consequentemente, conceber as
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intervenções estruturais e arquitetônicas mais adequadas. Esse projeto encontra-se
disponível para consulta no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) no site do IPHAN, nos
formatos PDF e .dwg.

Infelizmente, o IPHAN promoveu esses projetos de restauração sem ter um conhecimento


aprofundado do edifício religioso nem um estudo crítico sobre sua construção, capazes de
definir um caminho cognitivo que possa sugerir soluções adequadas e compatíveis com a
estrutura existente (IPHAN, 1946; 1986). Além disso, apesar da aparente completude das
fases do projeto, não há documentação dos problemas de conservação da igreja e todos
esses restauros foram realizados usando uma documentação exígua e pouco informativa
sobre os problemas progressivos da igreja. O principal documento, em 300 anos de
história, que comprova algumas teorias sobre o processo de construção da Matriz é a
descrição de 1750, feita pelo sargento-mor José Alvares de Oliveira em seu diário de viagem
pela região. Ademais, contamos com alguns documentos antigos da Diocese, como livros de
visitas, fragmentos de atas de reuniões das irmandades, livros de despesas e documentos
oficiais de deliberações municipais – tendo em vista a união do Estado e da Igreja durante o
período colonial brasileiro –, além de algumas gravuras a partir do final do século XIX. Mesmo
assim, não é possível afirmar datas, nomes e nem exatamente o que foi alterado em cada
uma das renovações e modificações feitas no interior do templo. É interessante ressaltar que
para realizar obras dessa importância, em uma igreja matriz, era comum a contratação de
artistas e arquitetos experientes, visto a relevância da obra. Todas essas mudanças buscaram
sempre trazer à tona a monumentalidade do templo. Ainda assim, os
documentos mais informativos são recentes, a partir de 1937, quando houve
a fundação do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual IPHAN.

Outra maneira de se buscar documentos e referências históricas utilizada nessa pesquisa


foi o estudo e análise de outras igrejas construídas no mesmo período e na mesma região. Há
registros de artistas e arquitetos que trabalharam em diversas cidades próximas umas às
outras, e tendo em vista a existência dessa circulação em um contexto regional, a Igreja
Matriz de Santo Antônio em Tiradentes, erguida aproximadamente a partir de 1710, foi
também uma fonte valiosa de investigação, sobretudo sobre a composição do antigo forro
que a Matriz do Pilar teria tido até sua alteração no final do século XVIII. Outra edificação
análoga que amparou essa pesquisa foi a Matriz de Santo Amaro do Brumal, a qual consiste
em um exemplar muito bem conservado da arquitetura das matrizes mineiras construídas
entre 1720 e 1750.

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A partir dessas comparações estilísticas, foi desenvolvido um primeiro modelo 3D de como
teria sido o exterior da Matriz em sua primeira fase de construção. O modelo nos permitiu
experimentar as prováveis pigmentações da fachada, sua composição estilística e
ornamental, além da escadaria e a sua implantação em relação à via. Esse modelo foi feito
utilizando o software Autocad como base e o Sketchup para a modelagem, que depois foi
renderizada no Lumion. A partir dele, foi possível inseri-lo no contexto urbano de São Joao
del Rei e levantar hipóteses de como a cidade teria sido no século XVIII.

Entretanto, principalmente no interior do templo, aconteceram diversas mudanças nas


talhas, forro e altares sobre as quais a documentação é mínima. A documentação dos
acontecimentos do passado é importante não só para estudos sobre história, mas também,
nesse contexto, para embasar a elaboração de projetos de restauro que estejam de acordo
com a realidade daquele bem. Para a execução de um restauro criterioso, é necessário
identificar as fases de construção da igreja e reconhecer o monumento nas suas
características singulares. Ter conhecimento sobre datas de modificações e os artistas que
trabalharam na construção do edifício auxiliam os restauradores a tomar decisões mais
assertivas, uma vez que podem estudar outras obras desses artistas do mesmo período. Além
disso, ter conhecimento de quando foram executadas alterações na estrutura do edifício e
saber qual foi o sistema construtivo e os materiais utilizados permite a elaboração de soluções
específicas para o bem.

Diante dessa lacuna na pesquisa historiográfica, a computação gráfica se mostrou uma


opção para reconstruir essa história por meio da modelagem 3D.

Uso do laser scanner e drone no patrimônio brasileiro

O laser scanner e o drone são instrumentos tecnológicos de leitura digital que geram
dados de extrema precisão que podem - e devem - ser utilizados como documentação,
investigação e divulgação de bens histórico-culturais. No Brasil, para a realização de
levantamentos digitais, costuma-se contratar uma empresa terceirizada especializada apenas
na operação dos equipamentos que normalmente atuam nas áreas de mineração, construção
civil e topografia. Isso acontece principalmente porque são equipamentos caros e
requerem conhecimento técnico para serem usados, transportados e para fazer a leitura dos
dados em computador - além de precisarem de uma manutenção periódica.

Um levantamento de tal tipo, realizado em intervalos de tempo regulares, permite


acompanhar se há algum movimento na estrutura do bem, por exemplo, e apresenta-se como
uma alternativa de manutenção que não traz danos à edificação uma vez que se não se trata

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de um método invasivo. Dessa forma, a computação gráfica aplicada à preservação do
patrimônio cultural, busca garantir que esse patrimônio seja de fato salvaguardado e
atravesse gerações. No entanto, vale lembrar que ainda é raro esse uso na gestão do
patrimônio histórico-cultural brasileiro e há pouca oferta de empresas especializadas no
levantamento digital do patrimônio brasileiro. Além disso, podemos afirmar que existem
diversas limitações para difundir esse uso no Brasil, desde limitações orçamentárias dos
órgãos de preservação nacional e estadual – respectivamente IPHAN e Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) –, a limitações técnicas,
mercadológicas e à desinformação. Sem orçamento que permita a aquisição de
equipamentos e softwares, ou mesmo a contratação de empresas para a execução de
levantamentos com o uso das tecnologias do escaneamento a laser e da fotogrametria, os
órgãos de preservação carecem de informações precisas e atualizadas dos bens culturais que
deveriam preservar. De certo modo, retrata-se com esta informação a condição de
desprestígio ao qual o patrimônio cultural brasileiro é frequentemente submetido.

Um dos casos pioneiros de escaneamento de bens culturais é o realizado na Pizza


dei Miracoli, em Pisa, promovido pela Universidade de Florença e pela Universidade de
Ferrara em 2002 (Pancani, 2016). Essa primeira experiência em Pisa permitiu compreender
o avanço que essa tecnologia trouxe em relação aos métodos tradicionais de medição, como
as trenas manuais e mesmo a laser, principalmente quando se trata de edificações históricas,
as quais comumente apresentam muitos detalhes, superfícies irregulares, altos pés-
direitos, conformando vários desafios para a medição manual.

No caso da pesquisa apresentada neste artigo uma empresa de engenharia foi


contratada, com sede em Belo Horizonte, e o levantamento da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Pilar foi realizado durante uma tarde, em setembro de 2020, utilizando o laser
scanner e o drone. Por se tratar de um campo ainda não explorado por essa empresa, seu
representante mostrou-se interessado com essa oportunidade e nos apresentou esse cenário
da utilização de laser scanner e drone no mercado brasileiro.

Estudo de caso na Matriz do Pilar em São João del Rei

O laser scanner é um instrumento que faz medição e digitalização de alta precisão, por
meio de disparos de laser que varrem todos os pontos de uma superfície, ambiente ou objeto.
Esse levantamento é processado por um software no computador e o resultado disso é um
modelo digital em 3D, composto por centenas de milhares de pontos, comumente conhecido

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como “nuvem de pontos”. Já o drone, apesar de funcionar de maneira parecida, realiza o
levantamento a partir das fotos que uma câmera embutida no equipamento dispara. Essa
câmera faz diversas fotos em diferentes ângulos a fim de coletar informação em toda a
superfície, e gera também uma “nuvem de pontos” em 3D.

O modelo 3D desenvolvido a partir dos dados gerados pelo laser scanner e pelas fotos
do drone pode ser seccionado, redesenhado, e explodido de modo a fazer composições de
como a igreja teria sido em determinado período de sua história, baseado em estudos. Dessa
forma, chegamos ao pressuposto de que essa nova documentação gerada poderia subsidiar
a pesquisa historiográfica. Assim, o modelo ajudaria a “voltar no tempo”, possibilitando a
simulação de hipóteses baseadas em pesquisas, e a busca, no próprio modelo, por indicações
que podem orientar pesquisas sobre o percurso histórico do edifício e da sua ornamentação.

Os dados gerados pelo laser scanner foram processados pelo software Recap, da
Autodesk. O Recap é um software de processamento e visualização de nuvem de pontos, e,
portanto, é possível visualizar a nuvem de pontos com as cores reais, assim como em uma
escala de cores em relação à altura dos pontos, e, ainda, visualizar as fotos em 360° que
foram tiradas pelo laser scanner no momento do escaneamento. Ao navegar nesse modelo,
é possível aproximar em áreas de difícil acesso, isolar pontos, observar detalhes, além de
fazer medições com precisão de milímetros. Na nuvem de pontos foi possível identificar
algumas características como a forma abobadada dos forros da nave e da capela mor e a
diferença de nível entre a entrada principal e o fundo da nave, imperceptível ao caminhar
dentro da igreja. Ainda assim, enfrentamos algumas limitações da tecnologia, por exemplo em
alguns locais em que havia lâmpadas, percebe-se que o laser tem dificuldade de fazer a leitura
e, como resultado, traz um emaranhado de pontos brancos. Nessa etapa importamos o
arquivo para o Autocad, dentro do arquivo criado pelo escritório que fez o levantamento da
Matriz para o projeto do PAC de 2014. Ao comparar a nuvem de pontos com a planta, percebe-
se que há uma diferença considerável entre os dois levantamentos, feitos com diferentes
métodos. Na planta baixa desenhada pelo escritório, a Matriz aparece mais comprida do que
realmente é, tendo em vista a precisão da nuvem de pontos, que não se encaixa dentro da
planta baixa. Para fins de comparação, o processo de documentação da Matriz do Pilar feito
pelo escritório vencedor da licitação em 2014 levou 75 dias corridos, segundo informação do
arquiteto responsável, e os métodos utilizados foram medições com trenas manuais e trenas
a laser, além de desenhos à mão livre e registros fotográficos auxiliares para a medição e
execução das peças gráficas em software CAD. Apesar de terem alcançado um resultado
satisfatório para a execução de um projeto de restauro, abrangendo também os elementos
decorativos, essas soluções operativas do levantamento são extremamente limitadas,
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demoradas e pouco precisas quando utilizadas no contexto de levantamento de edificação
histórica.

Em relação aos dados gerados pelas fotos do drone, foi utilizado o software Metashape.
O software levou 27 horas e 37 minutos para processar os dados e, conforme a lógica da
fotogrametria, transformou as fotos tiradas pelo drone em uma nuvem de pontos 3D
georreferenciada, com precisão de centímetros, a qual deu origem a outros produtos: o
modelo 3D (mesh model), o ortomosaico e o mapa de elevação. (Fig. 3) O modelo gerado
pode ser exportado em diversos formatos de arquivo 3D, possibilitando um intercâmbio entre
softwares bastante abrangente. Ao analisar a nuvem de pontos é importante lembrar a lógica
de funcionamento do drone pois ela justifica a ausência de pontos em alguns locais. Por
exemplo, a parede logo embaixo das cimalhas e as janelas laterais não foram bem capturadas
pelo drone, uma vez que ele estava voando por cima da igreja e a partir de seu ponto de vista
o telhado ocultava essa parte da edificação.

Fig.3: Modelo 3D externo da matriz, feito a partir das fotos tiradas pelo drone.

Fonte: elaborado pelos autores.

A partir disso, a próxima etapa, chamada de scan-to-model, consistiu em transformar a


nuvem de pontos em um modelo de superfícies. Para isso utilizamos o software Pointfuse,
que faz a triangulação dos pontos da nuvem de pontos, gerando, assim, um modelo
com superfícies, ou mesh model. Apesar de o Metashape também fazer o mesh model a partir
da nuvem de pontos, escolhemos testar outro software que pudesse fazer o modelo com maior
definição, pois o mesh model feito com as fotos do drone no Metashape gerou uma
triangulação que simplificou bastante os pontos – o que não foi um problema para o modelo
externo, mas não é o resultado que gostaríamos para o interior ornamentado. Portanto, para

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prosseguir com o scan-to-model, modelo com superfícies gerado pelo Pointfuse foi exportado
em .dwg, foi importado para o software Revit, da Autodesk, como uma família. Assim, foi
possível editar as superfícies e modelá-las de acordo com o período que buscamos
representar no modelo.

O Revit é um software de modelagem que opera na lógica da Modelagem da Informação


da Construção (Buildign Information Modeling – BIM) e essa é uma abordagem pertinente a
ser utilizada na representação de edificações históricas uma vez que oferece não só a
possibilidade de modelagem, mas é também uma plataforma inteligente e multidisciplinar na
qual é possível inserir e gerar diversas informações sobre o modelo de forma
automática. Assim como o Revit, o Pointfuse também é um software de BIM, pois possui um
sistema que detecta na nuvem de pontos, de forma automática, portas, janelas e paredes e
as transforma em família. No entanto, esse sistema não funcionou na nuvem de pontos da
Matriz, provavelmente devido à sua ornamentação, o que dificulta a leitura por um programa
de computador desenvolvido para a arquitetura contemporânea.

Após modelar alguns componentes da igreja na fase scan-to-model, sentimos a


necessidade de juntar as duas nuvens de pontos, a fim de se ter um único modelo completo
e estudá-lo também como um volume único. Os softwares utilizados para esse fim foram o
CloudCompare e Reality Capture.

O CloudCompare, software livre, oferece diversos recursos para o processamento de


nuvem de pontos, como comparar nuvens de pontos em uma mesma área de trabalho, uni-
las, gerar mapa dos pontos em escala de cores, detecção de faces planas, entre outros. Com
ele foi possível importar as duas nuvens de pontos e movê-las a fim de encaixá-las no local
exato de convergência. Além disso, foi feito também a união de duas nuvens de pontos
seccionadas de dois altares diferentes, a fim de se estudar como seria a composição
mesclando duas partes diferentes da talha. (Fig. 4)

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Fig.4: Simulação da provável composição de todos os altares na primeira fase de construção da matriz.

Fonte: elaborado pelos autores.

Já o Reality Capture é um software de processamento de nuvem de pontos que oferece


recursos bastante parecidos com o Metashape e Pointfuse, pois processa a nuvem de pontos
criando um mesh model com cores e texturas. Entretanto, apresenta alguns diferenciais úteis
no estudo do patrimônio ao oferecer diversos modos de tela para compor a interface do
programa. Dessa forma, é possível navegar pelo modelo e, ao mesmo tempo, analisar quais
foram as fotos que geraram o modelo naquele ponto: em alguns locais o laser não consegue
escanear toda a superfície e a foto pode ajudar a compreender o elemento. Além disso, é
possível selecionar “pontos de controle” que permitem a inserção de novos elementos nessa
nuvem de pontos, desde que possuam pontos em comum com os “pontos de controle”. Por
exemplo, se em algum outro trabalho, outro elemento da Matriz de São João del Rei for
escaneado, como um altar em específico, será possível inseri-lo na nuvem de pontos já
existente, desde que o novo elemento tenha pontos em comum com a nuvem de pontos da
nave – o que possivelmente terá visto que a nave central foi inteira escaneada.

Por fim, para prosseguir com o estudo historiográfico da Matriz do Pilar em São João del
Rei, mesclamos as tecnologias de escaneamento e fotogrametria com outras técnicas de
computação gráfica, como o modelo feito no SketchUp e fotomontagens. Dessa forma, foi
possível simular diferentes teorias sobre o complexo processo construtivo da matriz.

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Ainda sobre o processo de scan-to-model, deve-se ressaltar que a triangulação feita nos
pelos softwares nos mesh models, por mais que seja o resultado mais próximo da realidade
que essa tecnologia produz, ainda não consegue representar com exatidão as superfícies
curvas, muito presentes na talha dos altares da Matriz. Diante disso, é importante frisar que
cada objeto a ser estudado pode trazer resultados melhores ou piores dependendo do método
utilizado e, portanto, para cada caso deve ser feito um trabalho específico no levantamento.

Compreende-se aqui que esse processamento de dados utiliza uma tecnologia


extremamente avançada e que ainda está se desenvolvendo. O exemplo pioneiro citado do
escaneamento feito da Piazza dei Miracoli em Pisa é mais uma prova disso: em 2002 foi feito
o levantamento e os pesquisadores demoraram 15 dias para escanear o batistério, e em 2012
o mesmo trabalho foi refeito em apenas um dia. Na segunda experiência foi possível gerar
uma nuvem de pontos muito mais completa e detalhada que a da primeira vez.

Além disso, é importante compreender as diferenças entre o levantamento de um edifício


histórico e um edifício contemporâneo. Nos nossos estudos, percebemos que é raro a
repetição de elementos na ornamentação e essa situação acarreta um processo de
levantamento mais cuidadoso e lento, no qual cada elemento é único. Por isso, ao aplicar-se
a lógica BIM ao patrimônio histórico, foi criado o termo Historic Building Information Modeling
(HBIM). O HBIM, diferente do BIM, busca representar essas particularidades de uma
arquitetura ainda não industrializada, modelando cada elemento, diferente da lógica
mercadológica atual, na qual o BIM é amplamente utilizado.

Demais potencialidades

O escaneamento da Matriz com instrumentos de extrema precisão criou uma possibilidade


de documentação do edifício rápida e prática. No entanto, é preciso reconhecer a realidade
que o patrimônio histórico-cultural não costuma ser prioridade nos governos brasileiros, e
isso ainda conforma um dos principais desafios para o uso da tecnologia para esse fim. Ainda
assim, órgãos governamentais como o IEPHA/MG e IPHAN podem estabelecer diretrizes para
esse processo, mesmo que ele não seja realizado partindo de uma
iniciativa integralmente institucional; ao contrário, é salutar e desejável a cooperação entre
autarquias públicas, instituições de ensino superior e iniciativa privada como meio para suprir
as carências de cada uma das partes, respectivamente a financeira, a de equipamentos e a
de investigação científica, a fim de buscar a salvaguarda do patrimônio histórico-cultural
brasileiro.

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Além disso, durante este processo de estudo do bem, é interessante parametrizar o
modelo gerado na lógica HBIM e reunir todas as informações sobre a edificação,
desde documentos históricos relevantes sobre a construção a dados sobre as obras de
restauro já executadas, danos existentes e qualquer informação que vise a manutenção e
gerenciamento da edificação. Atualmente,

A abordagem BIM atualmente está voltada em


representar a condição as-designed (projetada) de
uma edificação, pouco ainda tem sido investido na
representação de sua condição as-is (atual). Os
edifícios históricos possuem necessidades
excepcionais de manutenção, conservação e
restauração, e poderiam ser beneficiados com a
aplicação das novas TICs neste processo. (DEZEN-
KEMPTER et al., 2015).

Deste modo, o HBIM permite abrir uma outra frente de informações precisas sobre bens
culturais, contribuindo para a sua conservação. Há que se destacar que a tecnologia também
permite que os dados gerados sejam armazenados em computador e isso garante que eles
se perpetuem no tempo e sejam consultados sempre que necessário. Se associados a
pesquisas em universidades públicas, poderão vir a constituir importante acervo sobre o
patrimônio cultural brasileiro, a ser disponibilizado em parceria com os órgãos de preservação
por meio de bancos de dados abertos à comunidade.

Além disso, os modelos 3D digitais podem proporcionar também outras experiências com
o patrimônio histórico-cultural, como a visita virtual a museus. Durante a pandemia, diversos
museus utilizaram esses recursos para possibilitar a visitação a partir de casa, e muitas peças
de exposição foram escaneadas – o que contribui também para a sua documentação e
inventariamento. Não apenas a visitação a distância pode resultar do escaneamento de um
acervo museológico, há também a possibilidade, ao utilizar os equipamentos e softwares
apropriados, de se fazer a impressão 3D do objeto escaneado. Essa aplicação pode ser
bastante útil no caso de restauro da peça, ao permitir que ela seja replicada.

Para muitos casos, a nuvem de pontos é um resultado suficiente, e as etapas posteriores,


apresentadas neste artigo, podem ser dispensadas. Por exemplo, o Museu Egípcio de Turim
escaneou todo o seu acervo, em parceria com o Ministério dos Bens Culturais e do Turismo
da Itália. A reconstrução em 3D dos artefatos egípcios foi feita com os dados obtidos pelo
laser scanner em uma câmara e permite, inclusive, visualizar através dos sarcófagos. Com
esse acervo digitalizado, foi organizada uma exposição virtual que ficou disponível
gratuitamente por quase um ano.
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Outro caso em que a computação gráfica é utilizada dentro da arquitetura é no
levantamento de núcleos urbanos a fim de se estudar o impacto da expansão urbana na
paisagem. Para o uso em uma escala maior como essa, utiliza-se o drone.

Por mais que a nuvem de pontos entregue uma precisão milimétrica, os softwares de
processamento de dados apresentam algumas limitações quando usados em nuvem de
pontos de edificações históricas bastante ornamentadas. Essas limitações são evidenciadas
quando se faz a modelagem, pois perde-se parte dessa precisão ao simplificar algumas
curvas e frestas. Para estudos esquemáticos, isso não é um problema. No entanto, para
estudos historiográficos, nos quais se procura conjecturar o passado, e, nesse caso, fazer um
caminho “de trás para frente” para estudar a evolução construtiva e compositiva dessa
arquitetura religiosa durante os séculos, é importante a representação mais real possível. Por
isso, é fundamental também um levantamento fotográfico de alta qualidade. Por exemplo, há
estudos em que se busca o elemento de origem de algum símbolo que foi se transformando
ao longo dos anos, dependendo do lugar e do artista. O levantamento digital dessas peças
permite ao pesquisador enxergar detalhes e simular diferentes teorias, auxiliando-o a
compreender essa evolução e a buscar os pontos de convergência na história que mostram
quando e porque determinado símbolo foi modificado.

Conclui-se, ainda assim, que a computação gráfica enriquece a pesquisa historiográfica e


proporciona ao historiador uma forma rápida e confiável de se estudar o objeto, ainda com as
limitações de modelagem apresentadas.

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Referências Bibliográficas

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multi-sensores. 2019. 116f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) –Faculdade de
Tecnologia, Universidade Estadual de Campinas, Limeira, 2019.

DEZEN-KEMPTER, E.; SOIBELMAN, L.; CHEN, M.; MÜLLER, A.V. Escaneamento 3D a


laser, fotogrametria e modelagem da informação da construção para gestão e operação de
edificações históricas. Gestão e Tecnologia de Projetos, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 113-124 ,
jul./dez. 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.11606/gtp.v10i2.102710> [Acesso em 27
de Agosto de 2021].

FONSECA, C.D. Arraiais e vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas [online]. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011. Humanitas series, 731 p. ISBN: 978-85-423-0307-0.
Disponível em: <https://doi.org/10.7476/9788542303070.> [Acesso em 25 de Agosto de 2021]

GROETELAARS, N. J. Criação de modelos BIM a partir de “nuvens de pontos”: estudo de


métodos e técnicas para documentação arquitetônica. 2015. 372f. Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo) -Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2015.

IPHAN. 1946. Documentos de obra Matriz de Nossa Senhora do Pilar em são João del Rei.
Arquivo da Regional do IPHAN em Minas Gerais, não publicado.

____. 1986. Documentos de obra Matriz de Nossa Senhora do Pilar em são João del Rei.
Arquivo da Regional do IPHAN em Minas Gerais, não publicado.

LIMA, Sérgio Fagundes de Souza. Arquitetura São-joanense do Século XVIII ao XX. In.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, São João del-Rei, v. VIII,
1995.

LUCCOCK, J. 1975. Notas sobre o Rio de Janeiro e as partes meridionais do Brasil. Edusp/
Itatiaia, São Paulo/Belo Horizonte.

OLIVEIRA, J. A. História do distrito do Rio das Mortes, sua descrição, descobrimentos de


minas, casos acontecidos entre paulistas e emboabas e criação de suas vilas. in Taunay,
Auguste (a cura di). Relatos sertanistas, coletâneas. Belo Horizonte, Itatiaia, 1981, pp. 121-
130.

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PANCANI, Giovanni. Piazza dei Miracoli a Pisa: Il Battistero. Metodologie di rappresentazione
e documentazione digitale 3D. Firenze, Edifir Edizione Firenze, 2016.

PEDROSA, A. A produção da talha joanina na Capitania de Minas Gerais – retábulos,


entalhadores e oficinas. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2019.

SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos. A matriz de Santo Antônio em Tiradentes. Brasília,
Iphan / Programa Monumenta, 2010.

VIEGAS, Augusto. Pequena Apostila em Forma de Efemérides sobre a Catedral Basílica de


Nossa Senhora do Pilar de São João del Rei. São João del Rei, texto não publicado, 2005.

VASCONCELLOS, Sylvio. Vila Rica: Formação e Desenvolvimento – Residências. São Paulo,


Perspectiva, 1977.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A ARQUITETURA E SEUS PAPÉIS COMO DOCUMENTO: ANÁLISE DA


ESTÉTICA NEOCOLONIAL PRESENTE NA ESCOLA BARÃO DO RIO
BRANCO, EM MACAPÁ-AP

Ananda Brito Bastos (nanda.nanb.b@gmail.com)

Paula Nery Flores (paula.nery@itec.ufpa.br)

Felipe Moreira Azevedo (arqlipe.moreira@gmail.com)

Os anos iniciais do Território Federal do Amapá (TFA), sob a administração de


Janary Gentil Nunes (1943-1956), foram marcados pela construção de diversos
prédios institucionais, alguns ainda presentes, que visavam a qualidade de vida
dos amapaenses, sobretudo, em Macapá. Deste período, a principal fonte
documental é o Relatório de Atividades do Governo do Território Federal do
Amapá (1946). Assim, a partir deste contexto, o artigo aborda o caso da Escola
Estadual Barão do Rio Branco, reconhecida como uma das primeiras
instituições de ensino implementadas em Macapá durante o TFA, e a qual
passou por uma recente reforma que modificou parte de seus elementos
Neocoloniais. Objetivando analisar os aspectos que contribuem para o
reconhecimento do edifício escolar como fonte para a documentação da
história social e arquitetônica desta cidade. Partindo de uma metodologia quali-
quantitativa, por meio de referências bibliográficas, estudo e levantamento
documental da estética Neocolonial no contexto “janarista”, atentando ao objeto
de estudo; a coleta de dados a partir de entrevistas; e visitas a campo com
registros fotográficos. Como resultado, buscou-se enfatizar como as
intervenções arquitetônicas, ao desconsiderarem a arquitetura, como
documento, podem colaborar para a descaracterização de elementos e, por
consequência, a perda de informações sobre a construção material e social da
paisagem urbana. Discutindo, dentro do contexto macapaense, a relevância de
preservação da edificação escolar como documento, devido aos múltiplos
valores históricos, sociais e estéticos nela presentes.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

COMPUTAÇÃO GRÁFICA NA PESQUISA HISTORIOGRÁFICA: A IGREJA


MATRIZ DE SÃO JOÃO DEL REI

Luiza Salles Araujo (luizasallesaraujo@gmail.com)

Vanessa Brasileiro (vbbrasileiro@gmail.com)

André Guilherme Dornelles Dangelo (andregddangelo@gmail.com)

A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar em São João del Rei apresenta duas
principais fases de construção: a primeira, a partir de 1721, quando teve início
a construção, e uma segunda fase, a partir de 1820, quando a igreja foi
expandida. Conforma-se, portanto, como uma igreja híbrida, com influência de
pelo menos três estilos arquitetônicos: barroco, rococó e neoclassicismo, e
possui alguns pontos críticos devido à construção de uma estrutura sobre outra
preexistente. No entanto, os documentos históricos são escassos e neste
projeto recorremos às tecnologias de escaneamento a laser e fotogrametria a
fim de buscar informações históricas diante do alto nível de detalhe propiciado
por essas tecnologias.

Considerando o objetivo da pesquisa em simular no ambiente digital as


diferentes fases de construção da igreja, foi desenvolvido um modelo 3D
baseado em superfícies e linhas passíveis de serem editadas e redesenhadas.
Assim, a partir da nuvem de pontos – que indica a condição atual do edifício -
procurou-se experimentar diversos aplicativos e softwares que permitisse editar
o modelo resultante, construindo uma possível imagem original do bem.

Este artigo se propõe a detalhar este processo, evidenciando as


particularidades exigidas pela coleta de informações históricas, de modo a que
possam servir de base para projetos de restauro e estudos historiográficos.
Embora essas tecnologias sejam frequentemente utilizadas em diversos
países, no Brasil, é ainda pouco aplicada e limitada. A pesquisa faz parte das
comemorações dos 300 anos de construção da Matriz, que integrará um livro a
ser distribuído na cidade em versões impressa e digital.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

AS PRIMEIRAS REVISTAS ESPECIALIZADAS E O CAMPO DE ATUAÇÃO


DO ARQUITETO NA DÉCADA DE 1920: DA DISPUTA POR ESPAÇO À
REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL.

Ana Amélia De Paula Moura Ribeiro (anadepaulamoura@hotmail.com)

As revistas representam épocas, ou seja, só funcionam em perfeita sintonia


com seu tempo. Scalzo (2016, p. 16) afirma que é possível compreender muito
da história e da cultura de um país conhecendo suas revistas, nelas estão os
hábitos, as modas, os personagens de cada período, os assuntos que
mobilizavam as pessoas, etc. No Brasil, assuntos mais específicos, como a
arquitetura, começam a ganhar destaque nas publicações periódicas a partir do
final do século XIX, sendo que em 1886 registramos uma publicação dedicada
à “Arquitectura, Engenharia, Hygiene e Pratica das Contruções”, idealizada
pelo engenheiro Ernesto da Cunha de Araújo Viana, personagem importante no
desenvolvimento da arquitetura tradicionalista brasileira (estilo colonial),
denominada Revista dos Constructores – Jornal Illustrado.
Para além de tal empreendimento, as próximas publicações comerciais
voltadas à arquitetura e construção identificadas no Rio de Janeiro foram a
Architectura no Brasil: Engenharia e Construção (1921-29) e A Casa: Revista
de engenharia, architectura e arte decorativa (1923-52). Diante do exposto
cabe uma reflexão: o assunto é arquitetura mas recorrentemente a
“engenharia” e a “construcção” são evocadas nos títulos e nos conteúdos
veiculados... Ora, considerando-se o recorte temporal proposto, torna-se
pertinente levantar alguns aspectos acerca da formação do profissional
arquiteto nesse momento histórico e, principalmente, da constituição de seu
campo de atuação, para que tais especificidades possam ser compreendidas.

Nesse sentido, o presente artigo busca elucidar as tensões e argumentos que


giravam em torno da legitimação da atuação de profissionais diplomados em
detrimento dos “práticos”. Ademais procuraremos demonstrar de que maneira o
universo da formação especializada no campo da arquitetura e construção se
dava no Brasil, antes do marco regulador das profissões de arquiteto e
engenheiro, que se dá a partir de 1930 com a criação do sistema
CREA/CONFEA.

Em termos formais o artigo se estrutura a partir de três eixos: primeiro, são


apresentadas as especificidades do campo das revistas especializadas no
Brasil até a década de 1930, com ênfase para aquelas voltadas à arquitetura.
Em seguida busca-se caracterizar a formação de arquiteto e engenheiro no
país durante a Primeira República, tendo em vista a falta de regulamentação
das profissões e poucos cursos em funcionamento. Em seguida, as revistas
Architectura no Brasil e A Casa são examinadas e a partir delas busca-se
destacar artigos e reportagens a partir dos quais é possível perceber a maneira
como os profissionais procuram se estabelecer perante seus pares e a
sociedade em geral. A partir daí torna-se possível reconstituir esse cenário de
disputa e busca por uma legitimação que longe de ser pacífica, tornou-se a
maior bandeira dos profissionais da área durante a década de 1920.
EIXO TEMÁTICO 3: ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
A ARQUITETURA E SEUS PAPÉIS COMO DOCUMENTO: Análise da
estética neocolonial presente na Escola Barão do Rio Branco, em
Macapá-AP

BASTOS, ANANDA B. (1); NERY, PAULA F. (2); AZEVEDO, FELIPE M. (3)

1.Universidade Federal do Amapá. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional


CEP: 68903-419
anandabritobastos.arq@gmail.com

2. Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


CEP: 66075-110
paula.nery@itec.ufpa.br

3. Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


CEP: 66075-110
arqlipe.moreira@gmail.com

RESUMO
Os anos iniciais do Território Federal do Amapá (TFA), sob a administração de Janary Gentil Nunes
(1943-1956), foram marcados pela construção de diversos prédios institucionais, alguns ainda
presentes, que visavam a qualidade de vida dos amapaenses, sobretudo, em Macapá. Deste período,
a principal fonte documental é o Relatório de Atividades do Governo do Território Federal do Amapá
(1946). Assim, a partir deste contexto, o artigo aborda o caso da Escola Estadual Barão do Rio Branco,
reconhecida como uma das primeiras instituições de ensino implementadas em Macapá durante o TFA,
e a qual passou por uma recente reforma que modificou parte de seus elementos Neocoloniais.
Objetivando analisar os aspectos que contribuem para o reconhecimento do edifício escolar como fonte
para a documentação da história social e arquitetônica desta cidade. Partindo de uma metodologia
quali-quantitativa, por meio de referências bibliográficas, estudo e levantamento documental da estética
Neocolonial no contexto “janarista”, atentando ao objeto de estudo; a coleta de dados a partir de
entrevistas; e visitas a campo com registros fotográficos. Como resultado, buscou-se enfatizar como as
intervenções arquitetônicas, ao desconsiderar a arquitetura como documento, podem colaborar para a
descaracterização de elementos e, por consequência, a perda de informações sobre a construção
material e social da paisagem urbana. Discutindo, dentro do contexto macapaense, a relevância de
preservação da edificação escolar como documento, devido aos múltiplos valores históricos, sociais e
estéticos nela presentes.
Palavras-chave: Arquitetura como documento; Arquitetura Neocolonial; Escola Estadual Barão do
Rio Branco.

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INTRODUÇÃO
O conjunto arquitetônico do período “janarista” (1943-1956), cuja a estética
predominante era Neocolonial, ainda se faz presente na paisagem urbana macapaense.
Dentre estas edificações, destaca-se a Escola Estadual Barão do Rio Branco, antigo Grupo
Escolar de Macapá, construída entre os anos de 1944 e 1945 e inaugurada em 1946 (NUNES,
1946). Este edifício apresenta-se como um dos principais marcos históricos da cidade de
Macapá e do Estado do Amapá, por materializar a proposta do governo de Janary Nunes em
estimular, na população macapaense, novos valores socioculturais, através tanto da
reestruturação das políticas de ensino quanto da implementação de novos padrões estéticos
na arquitetura.

A relevância histórica desta edificação e a ocasião de sua recente reforma, que


modificou parte de seus elementos Neocoloniais, instigaram a elaboração da presente
pesquisa, cujo objetivo principal fora analisar os aspectos que contribuem para o
reconhecimento deste prédio como fonte essencial para a documentação da história social e
arquitetônica da cidade de Macapá. Atentando, especificamente em: buscar discutir a
perspectiva do edifício como documento; analisar a trajetória da estética Neocolonial do objeto
de estudo; e pontuar de que modo a reforma realizada recentemente afetou a história social
e arquitetônica do edifício escolar.

A metodologia utilizada na sistematização do artigo é qualitativa e quantitativa,


realizado por meio de referências bibliográficas acerca da documentação no campo da
arquitetura, considerando o edifício como fonte documental; introdução da estética
Neocolonial no contexto “janarista” e obras que abordam a Escola Barão como objeto de
estudo. A coleta de dados foi feita a partir de entrevistas com envolvidos na história da escola,
visitas a campo com registros fotográficos, além da análise estético-compositiva da arquitetura
entre o seu período de fundação e o processo pós-reforma.

O presente artigo dividiu-se em quatro partes: inicialmente, apresenta-se conceitos


pertinentes para o tema e a abordagem da obra arquitetônica como fonte documental;
posteriormente, aborda-se as formas de leituras dos objetos arquitetônicos, destacando
aspectos temporais e espaciais; na terceira, comenta-se sobre o contexto histórico da
implementação do Território Federal do Amapá, e as manifestações do Neocolonial
macapaense; e por fim, discute-se sobre o reconhecimento da referida obra como fonte
documental para a História Social e da Arquitetura em Macapá, citando os impactos da
reforma para o prédio.

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O PAPEL DA ARQUITETURA COMO FONTE DOCUMENTAL
Partindo-se da premissa que, assim como os documentos escritos, as obras
arquitetônicas também possuem informações essenciais para compreender a construção
material e social da paisagem urbana onde as obras estão inseridas, comentar, brevemente,
sobre o significado de documento e sua função como fonte histórica, torna-se necessária para
explicar a relevância da abordagem dos edifícios como fonte documental, não apenas para a
História da Arquitetura, mas também para a História Social.

Nesse intuito, as invenções da escrita e do papel, possibilitaram o surgimento dos


documentos, os quais segundo Le Goff (1996, p.535), representam um tipo material de
perpetuação da memória coletiva, juntamente com os monumentos, que são “herança do
passado”. Com base em Le Goff (1996) e Karnal e Tatsch (2012), pode-se inferir que o
documento depende da escolha de historiadores/ pesquisadores para a construção das bases
do julgamento histórico, já que para escolher quais documentos históricos são relevantes,
seleciona-se quais memórias coletivas devem ser preservadas ou esquecidas.

Os séculos XIX e XX foram determinantes para a ampliação do campo da História,


após historiadores começarem a questionar as limitações temáticas da História Tradicional e
das noções de documento e fonte documental. Dentre esses novos campos de estudo, surgia
a História Social, a qual tem por objeto de pesquisa a sociedade como um todo, o que
contrariava a História Tradicional, atenta, principalmente, em personagens individuais para
compreender a história política e militar das sociedades (LE GOFF, 1996).

Karnal e Tatsch (2012, p.15) mencionam que a variedade de subcampos, derivados


da História Social, possuem objetos de estudo tão igualmente variados, que estes “dialogam
mais com os campos da Antropologia e da Sociologia do que da História tradicional”. O que,
por consequência, causou o alargamento do conceito e abrangência do que se entendia por
documento, restrito aos textos escritos. Ou seja, na medida que pesquisadores investigavam
novas temáticas que pouco ou nunca eram abordadas pela História Tradicional, surgiam
novos campos de pesquisa histórica e percebia-se a importância de reconhecer a legitimidade
de outras fontes materiais como documentos históricos, a exemplo de fotografias, áudios,
vídeos, etc.

Quando surge o interesse em investigar os fenômenos culturais ao longo do tempo,


historiadores também tornam as manifestações artísticas objetos de pesquisa, o que incluiu a
arquitetura. Baseado em Malard (2006) pode-se interpretar que a História da Arquitetura, é o
campo que tem como objetos de estudo os edifícios e espaços criados ou modificados pela
humanidade, ao longo do tempo, como forma de apropriação do ambiente natural para

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finalidades culturais, buscando a partir deles, desenvolver uma visão mais ampla sobre os
contextos políticos, econômicos e sociais das diversas culturas.

Mas antes mesmo do estabelecimento de um campo de estudo, já existiam acervos


referentes à produção arquitetônica desde o período pré-clássico. Em sua origem, os
documentos de arquitetura referiam-se principalmente aos registros iconográficos utilizados
para inventariar as características físicas de terrenos e prédios. Atualmente, entende-se que
o conjunto de documentos gráficos e textuais formam o chamado projeto arquitetônico, que
para a História da Arquitetura, apresenta-se como a principal fonte para diversas pesquisas,
sobretudo quando o objeto de estudo se trata de uma edificação destruída ou em ruínas.

Para além da perspectiva do projeto arquitetônico como fonte documental, é preciso


ressaltar o entendimento da obra arquitetônica em si como documento histórico que permite
uma nova gama de análises, abordagens e métodos para o campo da História da Arquitetura
(MORALES, 2016). Contemporaneamente, entende-se que o documento histórico é “qualquer
fonte sobre o passado, conservado por acidente ou deliberadamente, analisado a partir do
presente e estabelecendo diálogos entre a subjetividade atual e subjetividade pretérita”
(KARNAL; TATSCH, 2012, p.24).

Para Waisman (2013, p.14-15), quando a obra arquitetônica é objeto específico da


pesquisa historiográfica, entende-se que esta pode ser considerada um monumento, “mas
poderá ser usada como documento por um historiador da cultura, que necessita obter dela os
dados necessários para a compreensão da unidade histórica da qual se trata”. No caso desta
pesquisa, propõem-se investigar sob quais aspectos o prédio da Escola Estadual Barão do
Rio Branco pode ser utilizado como fonte documental para a construção da história da cidade
de Macapá, no estado do Amapá. O que também contribui para o aprofundamento
historiográfico de cidades da região Amazônica.

Waisman (2013, p. 11-12), também, ressalta que uma particularidade principal do


campo da Arquitetura encontra-se justamente no tipo de temporalidade de seus objetos de
estudo, já que “embora pertença a outro tempo e lugar, é em si mesma, o testemunho histórico
principal e imprescindível, o que reúne em si os dados mais significativos para o seu
conhecimento”. Em outras palavras, a obra arquitetônica pode ser analisada a partir de sua
extensão material e permanência temporal, a qual abrangeria o período entre sua criação até
o momento em que despertaria a atenção do historiador.

Logo, a obra arquitetônica, quando ainda presente em sua forma física, pode ser
considerada tanto objeto de estudo como fonte documental, já que possibilita complementar
as informações de outras fontes, como o projeto arquitetônico, além de expressar
materialmente aspectos histórico-culturais de determinados contextos sociais. Ao considerar
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a obra arquitetônica como fonte documental, amplia-se as interpretações sobre o objeto
arquitetônico, permitindo aos pesquisadores realizar variadas leituras/ interpretações e
recortes temporais sobre os objetos de estudo.

AS DIVERSAS LEITURAS DA OBRA ARQUITETÔNICA


Para Silva (1994, p. 122), ao ter em mente a condição de fenômeno cultural complexo,
a obra arquitetônica “suscita diferentes abordagens analíticas, dependendo do aspecto
considerado”. Partindo das observações de Malard (2006) e Waisman (2013), as principais
maneiras de “ler” as obras arquitetônicas estão geralmente associadas ao estudo e
interpretação do espaço físico e/ou da temporalidade da arquitetura.

Braudel (1965, p.262) ao abordar a relação entre os campos da História e das Ciências
Sociais, propôs a ideia de “tempo da história”, cujo foco histórico seria nos grupos sociais, e
não mais em sujeitos específicos. Para ele os acontecimentos da história social estariam
divididos em três durações de causa/efeito: curta, média e longa (Quadro 1).

Quadro 1 – Classificação de Braudel (1965) do “tempo da história”.

DURAÇÃ DESCRIÇÃO EXEMPLO


O

Acontecimentos em determinado período


Tempo do Cronista, Acidentes,
CURTA de curta duração entre horas a poucos
incêndios, catástrofe ferroviária.
dias.

Acontecimentos em período de tempo entre


MÉDIA Mudanças políticas, ciclo, interciclo.
ciclos, anos.

Acontecimentos em período de longos


anos, décadas, séculos, de relações
LONGA Clima geográfico, sistema econômico.
estruturais fixas entre realidades e massas
sociais.

Fonte: BRAUDEL, 1965.

Waisman (2013) comenta que a classificação proposta por Braudel também pode ser
aplicada ao campo da arquitetura e urbanismo como um instrumento de reflexão, visto que
uma obra arquitetônica, a qual poderia ser a princípio entendida como um acontecimento de
curta duração, pode provocar eventos de duração média ou longa. Por exemplo, quando uma
edificação é planejada e construída, esta é compreendida como um acontecimento de curta
duração, pois só afeta seu contexto em um período relativamente pequeno de tempo. Porém,

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quando esta mesma edificação é vista como precursora de um estilo ou tipologia ou, até
mesmo, da produção de algum profissional de renome, esta edificação pode ser considerada
um acontecimento de média ou longa duração, dependendo do grau de influência/efeito que
a mesma pode ter em outros eventos históricos.

Portanto, conforme Waisman (2013, p.72) aponta, o fato de as obras arquitetônicas


apresentarem, simultaneamente, as condições de objeto histórico e matéria presente,
permitem uma “dupla leitura” dos fatos arquitetônicos, sob o ponto de vista das durações
históricas: “a leitura conjuntural e a leitura ampliada no tempo”. Ou seja, ao analisar uma obra
arquitetônica a partir da perspectiva temporal, principalmente daquelas significativas para a
História da Arquitetura, pode-se fazer uma leitura conjectural, cujo foco é delimitado por certo
período da obra, e/ou uma leitura ampliada, a qual parte de uma visão mais abrangente do
fato arquitetônico, considerando vários momentos da história da edificação.

Para Malard (2006) as percepções de tempo e espaço em arquitetura estão


diretamente conectadas às vivências de cada sujeito, visto que a capacidade de valorizar
certos lugares ou arquiteturas, dependeria mais da tradição cultural, do que necessariamente
do passado histórico, que é mais suscetível ao esquecimento. Complementarmente, Waisman
(2013) alude que, tal qual a história, as obras arquitetônicas também estão sujeitas ao
contínuo processo de revisões e esquecimentos, dependendo de alguma conjuntura para
determinar sua valorização ou não.

Malard (2006) menciona que, ao longo do tempo, diversas culturas foram organizando
seu espaço físico de acordo com as necessidades coletivas e individuais, buscando reforçar
ou contrariar as tradições culturais e estruturas sociais a partir das características que
compõem a arquitetura. Já Silva (1994) comenta que a materialidade da obra arquitetônica
constitui um elemento essencial para a sua análise, pois é a partir dela que podem ser feitos
outros recortes de pesquisa, abordando o edifício segundo sua morfologia, funcionalidade,
materiais construtivos, e filiação estilística.

Devido seu caráter de fenômeno sociocultural, a ciência que estuda a arquitetura tende
por construir conceitos gerais que “caracterizam e organizam o particular dentro do geral, mas
não determinam” (WAISMAN, 2013, p. 100). Desse modo surgem vários conceitos para
identificar os diversos atributos presentes nas obras arquitetônicas, como: estilo, tipo,
tipologia, estrutura e linguagem. Morales (2016) cita que as analogias entre elementos
arquitetônicos e a linguagem escrita foram recorrentes para a História da Arquitetura, cujo
arquiteto era visto como escritor e o edifício como texto. Porém, estas associações foram
reproduzidas à exaustão durante a década de 60, do século XX, após a introdução de novas
metodologias linguísticas e do pensamento estruturalista.
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Para além das interpretações já estabelecidas pela historiografia da arquitetura, é
preciso ressaltar também as novas leituras do objeto arquitetônico, as quais consideram sua
validade enquanto documento histórico. Na interpretação de Morales (2016, p.19), por
exemplo, é inegável o caráter “multifacetado e complexo” das obras arquitetônicas, cuja
materialidade e significados estão suscetíveis a passar por múltiplas intervenções. Mas
também é preciso considerar tanto os momentos de transposição de significado quanto
abordar a materialidade da obra arquitetônica a partir de sua cadeia comportamental,
considerando não apenas o processo de criação e uso do edifício, mas seu eventual
descarte/destruição ou possível reuso (MORALES, 2016).

No caso da Escola Barão do Rio Branco, entende-se que, dentro do contexto


macapaense, o edifício escolar demonstra ser um componente indispensável para a formação
histórica amapaense, tanto no âmbito social como arquitetônico. Logo, pode-se indicar que a
construção da Escola foi um acontecimento de longa duração, visto que este se apresenta
como um testemunho material do período que o Amapá era Território Federal -TFA, cuja
influência sociocultural repercute até o presente.

Através da perspectiva do espaço físico, devido sua função educativa, os diversos


ambientes dentro e nas adjacências da Escola ainda marcam a memória coletiva de alunos e
funcionários, e colaboram para a formação acadêmica de várias figuras ilustres desta
sociedade. No âmbito arquitetônico, introduziu a estética Neocolonial, também seguida pelos
prédios anexos construídos posteriormente, a qual foi uma das marcas do primeiro
governador do TFA, Janary Nunes e simboliza o primeiro período modernista na cidade de
Macapá (CANTUÁRIA et al., 2014).

Assim, entende-se a arquitetura como fenômeno cultural sendo um produto


manifestado através do espaço e tempo, o qual reproduz aspectos de seu contexto social. A
análise a partir do aspecto temporal da obra, ainda materializada no espaço físico, permite
tanto uma leitura mais focalizada quanto ampla. O que por sua vez, deve considerar os
atributos espaciais e materiais inerentes ao objeto arquitetônico, que pressupõem-se ter
envolvido diversos atores e processos para sua realização e permanência.

OS TRAÇOS NEOCOLONIAIS DO PERÍODO JANARISTA


Desde o início de sua colonização pelos portugueses e até as primeiras décadas do
período Republicano, a região que atualmente forma o estado do Amapá era entendida como
parte periférica do território paraense. Essa condição de periferia era potencializada pela
dificuldade de acesso terrestre àquela região, cuja principal consequência do isolamento era
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a “ausência de ações consistentes para o desenvolvimento social, econômico e cultural da
população amapaense” (LUNA, 2020; DIAS, 2011, p.23).

Esse descaso com a região do Amapá, impulsionava as aspirações populares por


autonomia política e territorial em relação ao Estado do Pará (LUNA, 2020). Além disso, como
apontado por Dias (2011), o cenário político-econômico nacional e internacional, durante os
primeiros anos do século XX, e as características fronteiriças do Amapá, foram outras
condições que favoreceram o desmembramento.

Com a instauração do Decreto-lei n° 5.812/1943, foi criado, juntamente com outros


cinco Territórios Federais, o Território Federal do Amapá, cujo primeiro governador foi o
Capitão Janary Gentil Nunes, que administrou a região entre os anos de 1944 e 1955 e tinha
por missão tornar a região produtiva aos interesses nacionais (DIAS, 2011; LUNA, 2020).
Assim, Janary e sua equipe de governo elaboraram o Relatório das Atividades do Território
Federal do Amapá (1946), o qual descrevia a situação que se encontrava o mesmo e
estabelecia metas de governo, visando o desenvolvimento econômico e a modernização
sociocultural do TFA, focando principalmente na cidade de Macapá, município escolhido como
sua capital (LUNA, 2020; TOSTES, WEISER, 2018).

Se antes do desmembramento, o Estado do Pará exercia controle na região do Amapá.


A partir da criação do TFA essa influência política e cultural foi compartilhada com a então
Capital Federal, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Waisman (2013, p.94) ao abordar a
relação entre centro/periferia, ressalta a ideia de dependência que cerca os dois termos, no
qual “os modelos fornecidos pelo centro constituirão a base de todo o desenvolvimento
periférico e, no caso em que esses modelos não possam ser reproduzidos, será conservada,
ao menos, a imagem desse modelo central”.

É importante lembrar que, desde o início do século XX, além de centro político, a
cidade do Rio de Janeiro também era um dos principais núcleos do pensamento moderno no
Brasil. Tendo em vista que uma das tarefas do governador do Território era estimular valores
culturais modernos na população, pode-se entender a origem da influência da cultura carioca
no projeto de governo de Janary. Algo que se manifestou, sobretudo, no planejamento urbano
de Macapá e nos padrões estéticos utilizados para os prédios construídos pelo governo na
região.

Segundo Tostes e Weiser (2018), durante o período janarista, Macapá foi o ponto
central das obras do governo do TFA para a estruturação urbana, substituindo as feições de
cidade colonial para adotar os mesmos parâmetros de cidades modernas. Conforme
Cantuária et. al (2014), o modernismo macapaense manifestou-se mais tardiamente em

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relação a outras capitais, uma vez que as estéticas adotadas pelo governo janarista, o Art
Decó e o Neocolonial, surgiram no cenário nacional entre 1920 e 1930.

No Brasil, o Neocolonial foi promovido pelo médico pernambucano José Marianno


Filho e o engenheiro português Ricardo Severo, no início do século XX, como proposta para
“uma arquitetura que concebesse o passado colonial brasileiro como a fonte de uma tradição
histórica e artística nacional” (NATAL, 2009, p.2). A linguagem arquitetônica que exaltava o
pensamento nacionalista, a partir do favorecimento da memória e estética do período colonial
brasileiro, fazia parte do movimento de oposição ao ecletismo na arquitetura, o qual se
baseava em linguagens arquitetônicas estrangeiras.

A arquitetura Neocolonial se inspirava nos traços arquitetônicos de edifícios coloniais


brasileiros, embora não representasse fielmente essa arquitetura, visto que misturava
elementos tanto do passado português quanto do brasileiro, a exemplo do barroco
(AZEVEDO, 2015; NATAL, 2009). Além disso, a difusão da linguagem pelo Brasil possibilitou
o surgimento de diversas variações Neocoloniais, os quais se faziam presentes em prédios
institucionais e civis. Baseado nas pesquisas de Natal (2009) e Azevedo (2015), percebe-se
que mesmo em edificações Neocoloniais produzidas em diferentes regiões brasileiras, há
recorrência de alguns elementos arquitetônicos, como: volumetria recortada; grandes beirais;
telhados de várias águas, estruturas de madeira e telhas capa-canal; revestimento das
paredes externas utilizando texturas e cores claras; elementos ornamentais como pináculos,
frontões, azulejos; e o uso de vãos grandes e arqueados.

Segundo o inventário da Superintendência do Instituto de Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional no Amapá – IPHAN/AP (2009), Macapá possui expressivo acervo de
edificações na linguagem Neocolonial, prédios institucionais e civis, localizados nos primeiros
núcleos urbanos. Ainda marcam a paisagem os prédios Neocoloniais institucionais, do
governo de Janary Nunes, destacando-se: a Escola Barão do Rio Branco (Grupo Escolar de
Macapá); Escola Santina Rioli (Escola Doméstica); Escola Antônio Cordeiro Pontes (Ginásio
de Macapá); Residência Oficial do Governador e o Mercado Central (Mapa 1).

Observa-se que as edificações macapaenses apresentam traços mais simplificados


da linguagem Neocolonial, visto que por serem obras públicas, estas destacavam a
“funcionalidade e a racionalidade do caráter econômico” do período janarista (TOSTES;
WEISER, 2018, p.38). De acordo com Cantuária et. al (2014) e Tostes e Weiser (2018), o
Neocolonial macapaense é marcado pelo uso de: volumetrias simétricas e horizontais;
elementos decorativos simplificados; frontões; telhado cerâmico aparente; beirais largos; e
destaque para as linhas retas e vãos arqueados bem visíveis.

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Mapa 1 – Prédios institucionais Neocoloniais em Macapá/AP.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Para a elaboração da presente pesquisa, é pertinente aprofundar a análise estética da


arquitetura da Escola Barão do Rio Branco, cujo prédio principal foi pioneiro no uso da
linguagem Neocolonial, além de ser a primeira escola construída nos anos iniciais do período
janarista. Segundo consta no Relatório do governador Janary Nunes (1946), a situação
precária do ensino amapaense também era decorrente da ausência de estrutura física
adequada para atender tanto alunos quanto professores. Além de marco para o ensino
macapaense, o edifício também é reconhecido por introduzir o Neocolonial no contexto social.

O PRÉDIO DA ESCOLA BARÃO COMO FONTE DOCUMENTAL


De acordo com Dias (2011), um dos pilares do governo de Janary era a educação, e
prioritariamente o ensino primário, visto que Nunes (1946) acreditava que o desenvolvimento
da região dependia da qualificação das novas gerações. Para reestruturar o ensino
amapaense, o governador do TFA guiou-se inicialmente pelo programa de ensino da Capital
Federal, e para atender às novas necessidades do ensino público, iniciou-se a construção de
vários prédios escolares no Território Federal do Amapá (NUNES, 1946).

Esse foi o contexto que antecedeu a construção da Escola Barão, inicialmente Grupo
Escolar de Macapá, construída entre 1944 e 1945, e inaugurada em 20 de abril de 1946. De

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acordo com Nunes (1946), o planejamento e execução das obras (Figura 1) faziam parte dos
trabalhos realizados pelo Departamento de Viação e Obras Públicas do Território, quando
durante a direção do arquiteto José Vitor Contreiras.

Figura 1 – (A) Fachada principal; (B) Plantas-baixas térreo e superior; (C e D) Obras de


execução do Grupo Escolar de Macapá.

Fonte: NUNES, 1946, p.41, 42 e 47.

O Grupo Escolar de Macapá foi edificado em terreno próximo à Praça Barão do Rio
Branco, criada ainda no começo do povoamento de Macapá, e iniciou as obras de
estruturação urbana da cidade. Contemporaneamente, localiza-se na Avenida FAB, entre as
ruas São José e Cândido Mendes, no bairro Central. Com base em Nunes (1946), nota-se
que a proposta era sanar as necessidades básicas da educação e ter capacidade de receber
grande quantidade de alunos, em tempo integral, considerando o extenso programa
arquitetônico que o prédio apresentava para a época.

Nunes (1946) descreve a obra como:

Prédio com orientação sul, em estilo colonial, situado à Praça Barão do Rio
Branco, (...), com dois pavimentos, com as seguintes depêndencias: um hall
de entrada, doze salas de aula (...), duas de 6,60 x 9,70, uma sala de diretoria
(...), uma sala de conferências com palco e cabine cinematógrafica, (...).
Possui ampla varanda em frente e duas laterais. As salas são servidas por
um corredor central (...). A construção é de alvenaria de tijolos de concreto,
(...), no andar térreo, e de alvenaria de tijolos furados (...), no primeiro andar,
com lajes de piso e de fôrro de concreto armado e cobertura de telhas tipo
“Marselha” (NUNES, 1946, p. 99).

A linguagem Neocolonial manifestada na Escola destacava-se pelo uso de


composição simétrica, elementos decorativos simplificados e boleados, telhado aparente com
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várias águas, vãos arqueados e pintura externa na cor branco. No prédio principal, a simetria
é perceptível na estrutura do seu pórtico central, com arco pleno de pé direito duplo, adição
de janelas basculantes com sete vidraças finas nas laterais. O arco divide então as duas
partes da edificação, centralizadas, com aparição de quatro janelas basculantes largas de
cinco vidraças de cada lado superior, enquanto ao andar inferior se reservam um conjunto de
três arcos plenos para cada lado do central, em que funciona de modo a expor a passarela
que recua a edificação a partir da fachada até o encontro das salas.

Cardoso (2016) menciona que nos anos seguintes, mesmo após o fim do governo de
Janary Nunes, o prédio da escola foi se ampliando e modificando para atender às novas
necessidades. Com base nas pesquisas de Pacheco (2018), identifica-se que a Escola
passou por ampliações entre as décadas de 50 e 90, do século XX (Figura 2), modificando o
aspecto inicial com a adição de novos blocos, sendo todas construções térreas. Atualmente,
a unidade escolar está dividida em cinco blocos, composto pelo prédio principal e quatro
blocos anexos, além do refeitório e quadra poliesportiva.

Figura 2 – Períodos de ampliação da Escola.

Fonte: PACHECO, 2018, p. 45. Adaptado pelos autores, 2021.

Conforme Pacheco (2018), os primeiros blocos anexos (A e B), construídos na década


de 50, do século XX, ainda faziam parte do planejamento de Janary Nunes. O primeiro
construído (B) foi locado à direita do bloco principal, e sediava o setor administrativo do TFA.
Enquanto, o anexo à esquerda (A), funcionava o Jardim de Infância. Ambas mantiveram a
linguagem Neocolonial presente no prédio principal (Figura 3), pois apresentavam nas suas
fachadas aberturas arqueadas, elementos vazados e telhados aparentes, sendo a única
diferença no uso das aberturas arqueadas, no Bloco B como entrada e no Bloco A como janela
com elementos vazados.

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Figura 3 – Prédio principal e blocos anexos da Escola.

Fonte: Acervo Digital - IBGE. Ano: s/d.

Pacheco (2018, p.48) ainda aponta que os Blocos C e D, construídos nos anos de
1960, também seguiram no padrão estético Neocolonial, com “utilização de arcos plenos,
pilares com ornatos boleados que estão localizados nas fachadas”. As pesquisas de Cardoso
(2016) e Pacheco (2018) corroboram para o aprofundamento analítico da composição estética
da Escola, já que se percebe que todos os blocos anexos, construídos ao longo do período
do Território Federal do Amapá, seguiram os mesmos elementos Neocoloniais do prédio
principal, mantendo a unidade arquitetônica. Diferentemente das demais ampliações
executadas nos anos de 1994 (PACHECO, 2018).

Tanto Cardoso (2016) quanto Pacheco (2018), apresentam como o descaso com a
manutenção predial foi danoso para a Escola. Problemas na infraestrutura colocavam a
comunidade escolar em risco, o que acarretou na interdição do complexo e, consequente,
transferência de alunos e funcionários para outro prédio. Contudo, a arquitetura da Escola
Barão permaneceu em desuso e, praticamente, abandonada, entre os anos de 2013 e 2018,
estando suscetível a ação de vândalos e deterioração material.

Após um longo período de espera, e vários protestos da população macapaense, as


obras de reforma foram iniciadas em janeiro de 2019 e finalizadas no final de 2020, sendo sua
reabertura no dia 03 de setembro de 2021. De acordo com o Portal do Governo do Amapá
(2020), o objetivo das obras de reforma era reverter o estado de deterioração, bem como
ampliar e adaptar suas instalações para as novas necessidades, buscando manter o traço
arquitetônico Neocolonial. Algo que aqui questiona-se, em virtude das inúmeras alterações
perceptíveis na referida obra, após a reforma.

Para construção da presente pesquisa, foram realizados encontros com quatro


membros da comunidade escolar, no dia 09 de setembro de 2021. Todas as pessoas
entrevistadas fazem parte de diferentes setores do corpo de funcionários da Escola Barão, as
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quais foram indagadas tanto sobre suas relações com a história desta como suas opiniões
sobre o aspecto final da reforma. As respostas obtidas reforçaram a ideia de relevância
histórica da Escola e apresentam variadas visões sobre os resultados da reforma, embora
todos concordem que a intervenção foi fundamental para garantir a permanência do prédio.

Conforme descrito em meios midiáticos oficiais (PORTAL DO GOVERNO, 2020), a


intervenção descrita ora como reforma ora como restauro, tinha como ponto central conservar
os traços arquitetônicos primários, visto que o inventário do IPHAN (2009) já havia
reconhecido sua importância estética. Na perspectiva técnica, a controvérsia da Escola do
Barão envolve desde a confusão no uso de termos para definir que tipo de intervenção foi
realizada até na escolha de modificar elementos arquitetônicos e materiais construtivos,
fatores que afetam a percepção da linguagem Neocolonial da unidade escolar (Figura 4).

Figura 4 – Prédio da Escola Barão do Rio Branco após a reforma.

Fonte: Acervo dos Autores. Ano: set. 2021.

Em visitas, in loco, após a reabertura, as modificações externas são as que mais se


diferenciam das características primárias, por exemplo, as esquadrias em madeira e vidro,
com a presença de unidades de brise móveis, foram substituídas por outras de alumínio e
vidro, do tipo basculante. Outra alteração visível foi a retirada dos arcos nos Blocos A e B, os
quais foram fechados e substituídos por janelas de alumínio e vidro. Além disso, a inclusão
de três elementos em áreas próximas - um letreiro no arco de entrada, uma escultura com o
nome da instituição, e uma placa com a identidade visual estabelecida para a escola na
fachada do prédio principal -, impactam na visualidade externa.

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As funcionárias entrevistadas demonstraram ser favoráveis as modificações externas,
ressaltando os ambientes de convivência e lazer mais espaçosos para as atividades com os
alunos. Observa-se a modificação de ambientes internos, como a ampliação de salas de aula,
atualização das instalações prediais, e a introdução de componentes que visam a segurança,
como o sistema de proteção contra incêndio, e o conforto dos usuários, a exemplo de
elementos acessíveis como rampas, pisos táteis, corrimões e sinalizações na edificação.
Estas adições foram bem vistas pela comunidade da escola e foram, inegavelmente,
necessárias para um ambiente escolar inclusivo.

Destaca-se que, houve alterações na linguagem arquitetônica, mas a intervenção


evidencia a trajetória da edificação através de outros elementos, como a adição de painéis de
fotos ou infográficos, que ilustram a história resumida da Escola em uma linha do tempo. Os
painéis, presentes tanto em ambientes externos como internos, apresentam diferentes
momentos da edificação e revelam mais sobre alguns elementos arquitetônicos que foram
retirados ao longo do tempo, como um caramanchão a frente da edificação ou a vista de
elementos vazados nos arcos dos anexos laterais, retirados por essa intervenção.

No geral, as opiniões acerca da reforma são variadas, mas amplamente positivas.


Todas as entrevistas mencionaram as modificações que foram realizadas, porém, isso não
interferiu na percepção individual delas sobre a linguagem arquitetônica, em relação como
era. Além disso, durante as entrevistas, é mencionada a grande relação afetiva que as
pessoas têm com o conjunto, nas memórias que foram proporcionadas por anos de uso dos
espaços, o que ressalta a importância da Escola como fonte histórica e digna de preservação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As edificações projetadas no período de Janary Nunes (1946), indicam o início do
desenvolvimento do que se torna a então cidade de Macapá, enquanto a arquitetura conta
sua história, e conforme as estruturas se reestruturam, esta vai se perdendo e se modificando
com o tempo. No caso da Escola Estadual Barão do Rio Branco, se tem a clara constituição
da valorização através da memória, seja de ex-alunos, funcionários e demais usuários, que
recordam, com afetividade, de espaços e eventos em seus anos vividos na mesma.

Azevedo (2020), menciona o papel da construção da memória afetiva na preservação


do bem arquitetônico, porque através dela pode-se contar a história social e valorizar as obras
edificadas, porém, o mesmo confirma o fato de que as memórias não são eternas, e passíveis
de alterações, o que remete a necessidade da manutenção de objetos palpáveis que

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amparem na não perda dessa memória, e no repasse desta história ao longo do tempo, para
que não se perca ou caia no esquecimento.

Analisando o caso da Escola do Barão, e sendo necessária para sua continuidade de


uso, a intervenção ainda apresenta questionamentos acerca de sua prática, pela alteração
das características e consequente perda de traços simbólicos históricos. A autenticidade da
obra originária se perde, principalmente com uma ação de “reforma” que possa confundir o
observador que não possui conhecimentos técnicos, de que a atual edificação não se trata do
modelo primário.

Por fim, objetivar o edifício como documento, é resguardar seu papel como
fundamental para a construção do histórico da cidade, o que não impede as melhorias
necessárias em uma obra de interesse, desde de que haja um trabalho arquitetônico
cuidadoso para a manutenção da sua memória física e arquitetônica. Do contrário, a
descaracterização auxiliará no processo de perda da memória, social e estética, da cidade de
Macapá. E que precisa ser preservada para as gerações presentes e futuras.

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EIXO TEMÁTICO 3

AS PRIMEIRAS REVISTAS ESPECIALIZADAS E O CAMPO DE


ATUAÇÃO DO ARQUITETO NA DÉCADA DE 1920: DA DISPUTA
POR ESPAÇO À REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

RIBEIRO, Ana Amélia de Paula Moura. (1)

1. Universidade Federal de Goiás, FAV - Faculdade de Artes Visuais


Avenida Esperança s/n, Câmpus Samambaia. CEP 74690-900, Goiânia - Goiás - Brasil.
ana.amelia@ufg.br

RESUMO
No Brasil, assuntos mais específicos, como a arquitetura, começam a ganhar destaque nas
publicações periódicas a partir do final do século XIX. Contudo, é a partir dos anos 1920 que
identificamos um incremento nas publicações especializadas, no Rio de Janeiro, então capital federal,
surgiram algumas das mais emblemáticas: Architectura no Brasil: Engenharia e Construção (1921-29)
e A Casa: Revista de engenharia, architectura e arte decorativa (1923-52). O assunto era a
arquitetura, mas recorrentemente a “engenharia” e a “construcção” são evocadas nos títulos e nos
conteúdos veiculados. Torna-se pertinente, portanto, levantarmos alguns aspectos acerca da
formação do profissional arquiteto nesse momento histórico e, principalmente, da constituição de seu
campo de atuação, para que tais especificidades possam ser adequadamente compreendidas. Nesse
sentido, o presente artigo busca elucidar as tensões e argumentos que giravam em torno da
legitimação da atuação de profissionais diplomados em detrimento dos “práticos”. Ademais,
procuraremos demonstrar de que maneira o universo da formação especializada no campo da
arquitetura e construção se dava no Brasil, antes do marco regulador das profissões de arquiteto e
engenheiro, que se dá a partir de 1930 com a criação do sistema CREA/CONFEA.

Palavras-chave: Revistas de arquitetura, formação do arquiteto antes de 1930, regulamentação da


profissão de arquiteto no Brasil.

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Arquitetura à vista: surgem as primeiras publicações especializadas

De acordo com Martins (2000, p. 26), a revista no início da República assumiu um


importante papel: o de veicular a imagem de um novo Brasil. Ganhou destaque em
decorrência da pouca oferta de livros e em função de características que acabaram
tornando-as superiores aos jornais no que diz respeito principalmente ao apelo visual.
Enquanto o jornal nasce com a marca da política, da notícia de última hora, do engajamento,
a revista, em contrapartida, se desenvolve alheia a esse tom noticioso.

Desde cedo é possível perceber que sua vocação está atrelada essencialmente à
veiculação de conteúdo educativo e ao entretenimento. Segundo Scalzo (2016, p. 13), a
revista “possui menos informação no sentido clássico (as ‘notícias quentes’) e mais
informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática)”.
Desse modo, a revista caminhou para a periodização semanal, quinzenal, mensal, trimestral
ou semestral e, por vezes, anual (MARTINS, 2000, p. 40).

As revistas são planejadas para durarem mais que os jornais, o tamanho e a melhor
qualidade do papel permite que permaneçam um bom tempo nos ambientes residenciais ou
de trabalho antes de serem descartadas, tornando-se, para muitos, itens colecionáveis. A
revista possibilita ainda um tipo de “leitura fragmentada, não contínua, e por vezes seletiva”
(ROCHA, 1985, p. 33 apud MARTINS, 2000, p. 45). Tal característica permite contrapô-la ao
livro, que geralmente prescinde de uma leitura sequencial e, por suas características
materiais, tende a durar ainda mais.

Por outro lado, Marília Scalzo (2016, p. 16) afirma que a revista é um tipo de publicação cujo
alcance é relativamente limitado, “comunicação de massa, mas não muito”, visto que
quando atinge públicos enormes e difíceis de distinguir, começa a correr perigo1. Nesse
sentido, podemos apontar outra grande particularidade que é a segmentação por assunto e
tipo de público. A tendência que se observa é de que a consciência do grupo ao qual se
destina faz com que a linguagem, publicidade e toda sua estrutura formal seja direcionada
para se atrair e fidelizá-lo, ou seja, como a própria autora afirma, “quem define o que é uma
revista, antes de tudo, é o seu leitor”. Tal aspecto pode ser identificado nas revistas através

1Nesse ponto a autora cita o caso da revista americana Life: nascida nos anos 1930, ao atingir a marca de oito
milhões de exemplares semanais (anos 2000) acaba sendo fechada, tendo em vista o elevado custo da
publicação e das despesas de envio (a maior parte dos exemplares eram vendidos mediante assinaturas), o que
aos poucos inviabilizou a publicidade (o custo do anúncio em suas páginas era quase o mesmo da televisão) e,
consequentemente, a própria saúde financeira da revista.
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de sessões que dão voz aos leitores, onde solicitações, ponderações, elogios, dúvidas,
enfim, uma série de questões costumam ser publicadas e, quando pertinente, atendidas.

Outra característica importante a ser considerada, diz respeito ao fato de que as revistas
representam épocas, ou seja, só funcionam em perfeita sintonia com seu tempo. Scalzo
(2016, p. 16) afirma que é possível compreender muito da história e da cultura de um país
conhecendo suas revistas, nelas estão os hábitos, as modas, os personagens de cada
período, os assuntos que mobilizavam as pessoas, etc. Martins (2000, p. 21) reforça ainda,
que tal gênero destaca-se por apresentar um “registro múltiplo: do textual ao iconográfico,
do extratextual – reclame ou propaganda – à segmentação”, e isso favorece enormemente a
reconstituição de cenários do passado, visto que os diferentes recursos informativos, podem
orientar de modo mais abrangente a contextualização dos fatos históricos.

Num primeiro momento ganharam destaque as revistas literárias e aquelas que pretendiam
oferecer panoramas variados, conforme os magazines europeus (MIRA, 2013, p.15). Aos
poucos, órgãos de classe e instituições de ensino também investem na produção de revistas
com o intuito de difundir seus ideais e sua produção intelectual. Em linhas gerais, as revistas
dessa fase de consolidação e popularização do impresso, eram ilustradas2, e isso é um
importante fator a ser considerado.

Outro aspecto que não pode ser desconsiderado é o fato de que no Brasil teremos a
constituição inicial de dois parques editoriais: o primeiro no Rio de Janeiro, devido ao fato de
concentrar desde o Império, os órgãos de governo e a elite letrada. E o segundo em São
Paulo, que em razão do êxito alcançado com a economia cafeeira, incremento da atividade
industrial e consequente aparecimento de uma camada burguesa culta, também oferece os
meios necessários para a propagação da imprensa. Nunca se pode perder de vista o fato de
que até os anos 1920, o índice de analfabetismo no Brasil girava em torno de alarmantes
80% (COSTA, 2012, P. 78), nessas duas capitais, o cenário era ligeiramente melhor e por
essa razão acabaram concentrando as principais publicações periódicas da Primeira
República.

Os assuntos mais específicos, como a própria arquitetura, começam a ganhar destaque a


partir do final do século XIX, sendo que em 1886 registramos uma publicação dedicada à
“Arquitectura, Engenharia, Hygiene e Pratica das Contruções”, idealizada pelo engenheiro

2Vale lembrar que desde o Segundo Reinado haviam periódicos ilustrados, dedicados inicialmente ao gênero
satírico e de forte conteúdo político, que obtiveram grande sucesso entre os leitores brasileiros e provocaram o
hábito do consumo de imagens (ROMANCINI e LAGO, 2007, p. 59).
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Ernesto da Cunha de Araújo Viana3,
personagem importante no desenvolvimento
da arquitetura tradicionalista brasileira (estilo
colonial), denominada Revista dos
Constructores – Jornal Illustrado (Figura 01).
Tal publicação teve uma vida curta (1886-89),
entretanto, trouxe um panorama até então
pouco explorado pelos periódicos, que era o
da arquitetura e da construção de edifícios.
Em seu primeiro volume, publicado em
fevereiro de 1886, Araújo Viana afirma que a
revista que se iniciava certamente não era o
único jornal técnico publicado no Rio de
Janeiro4, haja vista a Revista de Engenharia e
a Revista das Estradas de Ferro, porém,
afirma que ela se diferirá das demais pois
“será um jornal de architectura, de engenharia
Figura 01: Primeiro número da Revista dos no que for do dominio da arte de construir, e
Constructores do ano de 1889, mês de janeiro.
de hygiene da construção”.
Neste exemplar, a capa apresenta um
monumento arquitetônico brasileiro do período
colonial – a Sé Episcopal de Salvador. De fato, nota-se a partir de uma análise da
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.as publicação, que temas como estilos
px?bib=227110&pasta=ano%20188&pesq=. arquitetônicos são recorrentes, além de
Acesso em 12/11/2018.
também identificarmos uma constante
publicação de edifícios exemplares realizados em diversas partes do mundo, bem como de
construções brasileiras, tanto do período colonial, quanto recém-inauguradas ou fase de
construção. É importante destacar que, para viabilizar financeiramente tal empreendimento,
Araújo Vianna contou com o patrocínio de D. Pedro II. De acordo com suas próprias

3Ernesto da Cunha de Araújo Vianna, nasceu em 1852 no Rio de Janeiro. Cursou a escola Politécnica e depois
de graduado direcionou suas atividades para a história da arte e da arquitetura, tornando-se membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e professor da Academia Imperial de Belas Artes, que após a reforma
republicana de 1890, passa a se chamar Escola Nacional de Belas Artes. Também deu aulas de História da Arte
Nacional na Escola Normal da Prefeitura. Na virada do século, após encerrar as atividades de sua revista de
construção, passa a se dedicar de modo mais enfático à difusão de ensaios que versavam principalmente sobre
as características da arte e arquitetura coloniais brasileiras.

4Cabe citar a existência de duas publicações de órgãos de classe contemporâneas à Revista dos Constructores,
a primeira é a Revista do Instituto Polytechnico Brasileiro (fundado em 1862), editada entre 1868-1906 não
tendo, porém, uma periodização mensal, variando entre uma (anuário) a três edições por ano. Todas as edições
encontram-se disponíveis em formato digital na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=334774&PagFis=3. Acesso em 28/11/2018. A segunda, é
a Revista do Club de Engenharia, publicada a partir de 1887 (SIMONINI, 2017, p. 145).
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palavras: “Sua majestade mandava pela tesouraria particular de sua Imperial Casa,
diretamente à tipografia, sem eu saber, os recursos para serem pagas as despesas de
impressão. (...) Sua Majestade, portanto, interessava-se também pela architectura. ”
(VIANNA, 1916, p. 589 apud SOUZA, 2017, sp.).

Para além de tal impresso, as próximas publicações comerciais voltadas à arquitetura e


construção identificadas no Rio de Janeiro foram a Architectura no Brasil: Engenharia e
Construção (1921-29) e A Casa: Revista de engenharia, architectura e arte decorativa
(1923-52). O veículo de divulgação da Escola Nacional de Belas Artes, a mais antiga voltada
à formação de arquitetos no país, só será fundado em 1934 (AMORA, 2009, sp.). Em São
Paulo, a Revista Politécnica é lançada pelo Grêmio Politécnico em 1904 e continua sendo
impressa até hoje (FICHER, 2004, p. 30), a primeira revista de cunho comercial voltada à
engenharia e construções é de 1911 e se chamava Revista de Engenharia. Em seguida, a
Escola de Engenharia Mackenzie lança a Revista de Engenharia Mackenzie (1915)
(MARTINS, 2011, p. 26), já na década seguinte surgem mais dois títulos (ACROPOLE, nº
295-6, 1963): A construcção em São Paulo (1923-26) e a Architectura e Construcções
(1929-1932).

Diante do exposto cabe uma reflexão: o assunto é arquitetura mas recorrentemente a


“engenharia” e a “construcção” são evocadas nos títulos e nos conteúdos veiculados... Ora,
considerando-se o recorte temporal proposto, torna-se pertinente levantar alguns aspectos
acerca da formação do profissional arquiteto nesse momento histórico e, principalmente, da
constituição de seu campo5 de atuação, para que tais especificidades possam ser
adequadamente compreendidas.

Atuação de arquitetos e engenheiros no Brasil até a década de 1930: a


(in)existência de um campo

Sylvia Ficher (2004) apresenta um panorama bastante completo sobre o ensino, formação e
atuação profissional de arquitetos na cidade de São Paulo, a partir do curso de Engenheiro-
arquiteto da Escola Politécnica (1894-1954). Em seu livro, a autora assinala que durante as
últimas décadas do século XIX, assistiu-se à institucionalização do ensino e à ampliação das
possibilidades de atuação dos profissionais da engenharia (incluída a arquitetura enquanto
uma especialidade) no contexto paulista, o que decorre principalmente da expansão da

5Entendido aqui sob a perspectiva bourdiana, como um conjunto de instituições sociais, indivíduos e discursos
que se suportam mutuamente. No caso da arquitetura pode ser definido “por arquitetos, críticos, professores de
arquitetura, construtores, todo tipo de clientes, a parcela do Estado envolvida com a construção, instituições
financeiras e mais o discurso arquitetônico e as exigências legais quanto a edificações” (STEVENS, 2003, p. 91).
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malha ferroviária e do investimento em obras de saneamento e melhoramentos urbanos.
Neste momento, como consequência do pensamento republicano, as municipalidades são
organizadas e aos poucos são criados órgãos de regulação e gestão das obras públicas.

No que diz respeito à formação do arquiteto em si, Ficher (2004, p. 26) aponta que, ao
contrário do que ocorrera no Rio de Janeiro, em São Paulo a formação destes profissionais
não nasceu das Belas Artes, e sim como um braço da Engenharia. Em 1894, após alguns
ajustes, ficou definido que o aluno ingressante na Escola Politécnica poderia, ao final dos
estudos, qualificar-se como Engenheiro Civil, Industrial, Agrônomo ou Arquiteto, de modo
que até 1917 era “praticamente impossível distinguir engenheiros civis e arquitetos, uma vez
diplomados” (FICHER, 2004, p. 29). No Rio de Janeiro, por existir uma organização de
classe melhor aparelhada, especialmente no caso dos engenheiros civis, e também pelo
fato de que os arquitetos eram formados na Escola de Belas Artes – muito embora a
titulação obtida pelo concluinte era “engenheiro-architecto”, assim como ocorria em São
Paulo –, uma distinção um pouco mais clara era perceptível, porém, pode-se dizer que os
arquitetos constituíam um grupo mais desarticulado.

O curso de engenharia civil do Rio nasce em 1874 no seio da recém-formada Escola


Polytechnica, fruto de uma reestruturação no ensino da Escola Central (1858), sucessora da
Real Academia da Artilharia, Fortificação e Desenho (1792). Tal reforma propiciou que a
formação dos engenheiros se desvinculasse do conteúdo militar: a partir de tal ponto,
somente civis passam a ser aceitos e a escola que era subordinada ao Ministério do
Exército, passa a compor o Ministério do Império. O Clube de Engenharia6 rapidamente se
consolida (1880) afetando a atuação e defesa de um espaço no mercado de trabalho para
os engenheiros diplomados.

A formação de arquitetos no cenário carioca remete, por sua vez, à Academia fundada
durante o reinado de D. João VI, com a participação de artistas franceses, com destaque
para o arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850). Tal escola, persistiu durante todo
período imperial como Academia Imperial de Belas Artes e, segundo Uzeda (2010, sp.),
“assistiu o comprometimento ideológico e econômico que mantinha com o Império
transformar-se de bônus em ônus pesado demais para ser carregado em tempos
republicanos”. É importante notar que desde a formação da Escola Polytechnica (1874), o

6O Clube de Engenharia funda em 1887 sua revista oficial, a Escola Polytechnica do Rio, por sua vez, só articula
uma publicação para divulgar sua produção na década seguinte, em 1896. Os engenheiros que atuavam no
Distrito Federal buscavam através de tal representação, levantar questões referentes à necessidade de
planejamento urbano e construção de obras de infraestrutura, encabeçam uma campanha em prol da realização
de um plano de remodelação e melhoramentos para o Rio de Janeiro e acabam conquistando um importante
lugar nas decisões sobre os rumos da cidade.
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curso de Arquitetura começou a perder alunos, o que se agravou nos primeiros anos
republicanos. Uzeda (2010) afirma ainda, que uma mudança começa a ser sentida com a
realização das intervenções propostas pelo prefeito Pereira Passos, mais especificamente
com a construção da Avenida Central (1903-1906), pois é a partir desse ponto, que a
cadeira de Arquitetura apresenta sinais de reação, passando de “0” alunos matriculados em
1901 para “7” em 1910.

Muito embora os profissionais oriundos da ENBA tenham obtido notoriedade com seus
projetos para a Avenida Central, o cenário carioca também era marcado pela “confusa
superposição de atribuições entre arquitetos, engenheiros e construtores” (UZEDA, 2010,
sp.). Os engenheiros gozavam de mais prestigio junto ao regime republicano e por essa
razão eram maioria no júri do Concurso, além de também participarem através da
submissão de projetos. Assim como ocorria em São Paulo, os engenheiros (civis) que se
dedicavam à arquitetura recorriam aos mesmos cânones acadêmicos sob os quais eram
formados os arquitetos, gerando uma produção de bases historicistas, com preocupações
estilísticas e decorativas.

A representação dos arquitetos no contexto carioca só se estabelece efetivamente anos


depois, quando às vésperas da Exposição do Centenário da Independência é fundado o
Instituto Brasileiro de Arquitetos7. Durante a elaboração da Exposição do Centenário,
percebe-se que uma divisão “natural” das atribuições profissionais foi evidenciada: os
engenheiros foram os responsáveis pelas obras de infraestrutura urbana, o desmonte do
morro e urbanização (arruamento, drenagem, etc.) da área gerada; aos arquitetos coube a
missão de projetar as edificações, tanto as novas, quanto aquelas que seriam reformuladas
para atender às demandas então impostas.

A gradativa ampliação da quantidade de diplomados nas duas grandes cidades, provoca


uma reação cada vez mais acalorada por parte desses profissionais, a fim de garantirem
alguns privilégios no que diz respeito à regulamentação e fiscalização do exercício
profissional. Cabe ressaltar que a atuação de um grande número de profissionais sem
formação acadêmica era uma realidade difícil de ser superada, até mesmo pelo fato de que
muitos estrangeiros formados em liceus de artes e ofícios (formação de nível técnico)
exerciam atividades de projetistas no país.

7 O Instituto Brasileiro de Arquitetos (IBA) criado em 1921, teve como função inicial “assegurar a lisura do
concurso de fachadas promovido pela prefeitura” para as edificações que comporiam a Exposição do Centenário
da Independência (SILVA, 2003, p. 52). Logo em 1922, organizou-se uma dissidência que formou a Sociedade
Central de Arquitetos (FICHER, 2055, p. 181). Em 1924 as duas instituições se unificam e dão origem ao Instituto
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Architectura no Brasil e A Casa: janelas
através das quais vislumbramos as
disputas

A revista Architectura no Brasil (Figura 02), em


seu número inaugural (outubro de 1921),
apresenta um artigo intitulado “O Architecto no
Brasil”, escrito por Gastão Bahiana, professor da
ENBA e presidente do recém-criado Instituto
Brasileiro de Arquitetos, em que chama atenção
para a necessidade de que fossem
implementadas medidas capazes de assegurar o
reconhecimento do arquiteto enquanto
profissional habilitado para tratar das questões
que envolvem o aspecto artístico das
construções, em suas palavras:

Figura 02: Capa do primeiro número da


revista Architectura no Brasil, Rio de
Janeiro, Anno I, n. 1, out. 1921. Disponível
em: A quasi totalidade das edificações são entregues ao
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
mestre de obra, hoje melhor denominado
aspx?bib=308250&pesq=. Acesso em
12/11/2018. “constructor”; algumas de maior importancia,
motivaram a intervenção de profissionaes
diplomados, geralmente engenheiros civis; e somente em se tratando de
sumptuosas decorações, recorrem-se aos artistas, quasi sempre escultores de
ornatos: mas o mesmo titulo de architecto serviu para designar o construtor, o
engenheiro ou o artista, com absoluta incompreensão do significado dessa
palavra.

(...)

Creio ter deixado patente a diferenciação dessas três entidades que se


completam sem se confundirem, sem se hostilizarem: o constructor, o
engenheiro, o architecto.

Central de Arquitetos, que em 1936 assume o nome que conserva até hoje, o de Instituto de Arquitetos do Brasil
(IAB).
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A nossa cultura artistica já comporta para este ultimo o reconhecimento para seus
direitos: como o médico é chamado a tratar dos doentes, o advogado a resolver
questões de direito, e o engenheiro os problemas de sua especialidade,
reconheça-se ao architecto o privilegio adquirido em longos anos de
meditação e estudo, de ser ouvido sempre que estiver em jogo os preceitos
da “arte do Bello na construção”. (Grifo nosso. BAHIANA, Gastão. O
Architecto no Brasil. ARCHITECTURA NO BRASIL. Rio de Janeiro, ANNO. I, N.
1, p. 3-4, out. 1921)

Cabe ressaltar que, embora Bahiana tenha afirmado que a diferenciação entre o construtor,
o engenheiro e o arquiteto tivessem sido esclarecidas, o que de fato aparece é uma
imprecisão nas competências de engenheiros e arquitetos, tendo, por outro lado, uma
enorme clareza na exposição das limitações dos construtores. Nesse sentido, podemos
identificar que na edição de novembro de 1925, a revista Architectura no Brasil apresenta
outro artigo que deixa evidente tanto a dificuldade de se reconhecer as atribuições dos
diferentes profissionais envolvidos no campo da construção civil, quanto a insatisfação dos
arquitetos em relação a tal quadro:

O REGULAMENTO das construções estabelece o registro de tres classes de


profissionaes, aos quaes, conforme sua categoria, confere o privilegio de assumir
a responsabilidade total ou parcial das construcções nas diversas zonas desta
Capital. Como “Architectos-Construtores” são registrados os profissionaes
“diplomados” (engenheiros-civis e engenheiros-architectos) que pretendam
exercer integralmente a sua profissão. Como “Architectos” são registrados os
profissionaes que, embora diplomados, só queiram assumir a
responsabilidade da elaboração dos projectos: assim o simples “Architecto”
não tem capacidade legal para “construir”, mesmo nas zonas suburbanas, e seus
projectos, para serem recebidos pela Prefeitura devem levar a assinatura de outro
profissional em gozo desse direito.

Na terceira classe ficam registrados os “Constructores” que, praticamente, são


profissionaes não diplomados, cuja acção se limita à execução de obras
projectadas mas, não necessariamente dirigidas pelos Architectos ou pelos
Architectos-construtores.

(...)

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A lei parece, enfim, emprestar à denominação simples de “Architecto” um sentido
de algum modo pejorativo, já que reserva ao “Architecto-Constructor” o gozo pleno
dos direitos profissionaes.

Assim, apparece o “Architecto” “tout court” como um mero rabiscador de projetos,


sem autoridade para dirigir-lhes a execução.

Entretanto, a qualificação de “constructor” applicada a um Architecto, resulta


n´uma impressão de cultura artistica menos completa, de orientação profissional
menos elevada, e deveria portanto corresponder antes a uma restricção do que a
uma ampliação de direitos. (Grifo nosso. ARCHITECTURA NO BRASIL. Rio de
Janeiro, ANNO. III, Vol. 5, N. 25, p. 2-4, nov. 1925)

No mesmo texto, o autor, que não é identificado, diz que a confusão colocada pelo
“Regulamento” se deve ao fato de que à palavra “Architecto” eram recorrentemente
atribuídos sentidos errôneos. Desse modo, propõe uma caracterização do que, segundo ele,
se deveria “entender modernamente por ‘Architecto’”:

Tem inegavelmente direito “exclusive a este titulo todos os indivíduos,


“diplomados ou não” que tenham competencia para executar os seguintes
trabalhos, em vista da construcção de qualquer edificio:

1.º - Determinação da melhor distribuição que satisfaça á finalidade requerida.

2.º - Calculo das dimensões necessarias á estabilidade e segurança.

3.º - Determinação das condições de habitabilidade e hygiene.

4.º - Orçamento do custo provavel para salvaguarda dos interesses do


proprietario.

5.º - Fixação das proporções, geradoras da beleza e harmonia internas e externas.

6.º - Determinação das decorações que acentuam e caracterizam o ideal artistico.

7.º - Verificação, no decurso da obra, da fiel observancia, pelos seus executores,


de todas as condições estabelecidas nos artigos anteriores, e precisadas nos
“detalhes” constructivos ou decorativos. (Grifo nosso. ARCHITECTURA NO
BRASIL. Rio de Janeiro, ANNO. III, Vol. 5, N. 25, p. 2-4, nov. 1925)

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A reserva de privilégios aos “diplomados”
aparece na sequência; embora não negasse
aos práticos o direito de exercício
profissional, a ideia de que uma distinção
legal deveria existir é evidente. No
supracitado artigo, a solução proposta é de
que houvesse uma diferenciação entre o
valor das taxas de licenças: considerando-se
que o profissional diplomado dedicara anos
e consideráveis recursos financeiros à sua
formação, era justo que para ele tais taxas
fossem mais baratas se comparadas
àquelas cobradas dos não diplomados.

A revista A Casa em alguns números


também aborda tais aspectos: o n. 19, nov.
1925 (Figura 03), traz um artigo intitulado
“Vae ser regulamentada, no Estado do Rio,
Figura 03: Revista A Casa, n. 19, nov. 1925, p. a profissão de engenheiro, architecto e
25. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.asp agrimensor”, onde o autor (não identificado)
x?bib=690422&pagfis=653. Acesso em chama atenção para o fato de que acabara
30/09/2021.
de ser votado pelo legislativo um projeto que
regulamentaria a profissão de engenheiro nas suas diversas especialidades. O texto chama
atenção para a importância da referida lei, comparando a necessidade da regulação do
exercício profissional do engenheiro à de médicos e advogados, ironizando principalmente o
reconhecimento de algumas atribuições aos não diplomados:

Não se comprehende porque há de ser concedido ao mestre de obra boçal,


aquillo que é prohibido ao curandeiro e ao rabula. O “gamela” deve sofrer o
mesmo que estes dois últimos supportam quando querem praticar as profissões,
que só se adquirem com segurança, segundo os cursos completos das faculdades
superiores. (Grifo nosso. A CASA. Rio de Janeiro, n. 19, p. 25-26, nov. 1925)

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No artigo intitulado “Os Aleijões”, n. 28, ago. 1926, o autor (não identificado) faz referência
ao já ventilado “Regulamento das Construcções” e chama atenção para o fato de que,
apesar das regras sobre a elaboração dos projetos serem rígidas e incidirem diretamente na
atuação dos arquitetos, a mesma rigidez não era observada na fiscalização das obras. O
artigo condena a atuação dos construtores que, muitas vezes, sacrificavam os projetos em
detrimento de facilidades na execução, o que alterava a imagem pensada pelo arquiteto e
gerava os chamados “aleijões”, construções onde o projeto não corresponde à forma final,
acarretando consequentemente, uma perda das qualidades artísticas das obras.

No n. 30, out. 1926, o artigo “Os maos projetos” reforça o fato de que muitas construções
ainda eram fruto de projetos elaborados pelos proprietários e construtores, desconsiderando
desse modo a atuação do arquiteto, que seria o profissional mais adequado para tratar
desse assunto. O texto reconhece que a atuação dos profissionais não diplomados era
preferida por questões de custo e também pela falta de conhecimento do verdadeiro papel e
competência do arquiteto: “Só quem conhece e pode projetar com segurança é o architecto,
do mesmo modo como só o que póde curar é o médico. E por que se ha de procurar o
médico quando se está doente e não se procura o architecto quando se quer um projeto?”
(A CASA. Rio de Janeiro, n. 30, p. 9-10, out. 1926).

Tal aspecto é levantado em um texto de autoria do renomado urbanista francês Alfred


Agache, publicado no n. 41, set. 1927. O artigo intitulado “A profissão do architecto e sua
funcção na sociedade” procurou levantar as características que diferenciariam as profissões
de arquiteto e engenheiro, chamando atenção para a falta de prestígio que os arquitetos
gozavam no Brasil e alertando para a importância que tais profissionais deveriam assumir
na construção das cidades:

Confesso, como arquiteto que sou, conhecendo a maneira pela qual nossa
profissão é reconhecida e admirada na Europa, que fiquei estupefacto e até
penalizado, vendo que aqui no Rio não se faz a mínima idéia da funcção completa
e definida de que o arquitecto goza em todo o mundo.

(...)

O architecto está definido no Diccionario da Academia Francêza nos seguintes


termos:

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“O artista que compõe os edifícios, determinando-lhes as proporções, as
distribuições, as decorações e os faz executar sob sua direcção com orçamentos
especificados”.

(...)

O architecto deve portanto compor, dirigir, fiscalizar e administrar. Estes dois


ultimos postos, fiscalização e administração, não são menos importantes e o
cliente bem orientado, que entregar ao architecto experiente, a defesa de seus
interesses, encontrará nelle não somente um conselheiro competente como a mais
efficaz fiscalização.

Os regulamentos profissionaes que nos guiam na França nos obrigam a separar


os onorarios do architecto do preço da construção e talvez seja essa a razão das
difficuldades que embaraçam o cliente mal informado no Brasil.

Aquelle que constroe por conta propria, acredita que uma construcção se obtem
do mesmo modo que uma roupa ou um par de sapatos e desde que possua um
desenho, quasi sempre illusorio, e um preço englobado, imagina ingenuamente
que terá com a obra terminada a construcção que desejava.

Em realidade elle não sabe o que contracta, não foi orientado e ignora se o valor
real da construcção corresponde ao desembolso que faz. Aqui no Rio, acrescenta,
tive oportunidade de encontrar exemplos frizantes dessas casas feitas sem arte,
seguindo normas rotineiras que se abeiram de épocas remotas e que, afinal,
custaram vultuosas quantias.

(...)

O papel do verdadeiro architecto deve começar, já, no Brasil. É preciso,


entretanto, reconhecer-se sua funcção social e tenho a convicção de que, se
assim procederem estarão de parabens os proprietários e a colectividade.

(AGACHE, Alfred. A profissão do architecto e sua funcção na sociedade. A


CASA. Rio de Janeiro, n. 41, p. 5-6, set. 1927).

Do mesmo modo, no n. 68, dez. 1929, o arquiteto J. Cordeiro de Azeredo, no artigo


intitulado “Por que se necessita do architecto?”, ressalta a importância da contratação do
arquiteto, mesmo para a projetação e coordenação das obras de pequenas residências,
devido à sua capacidade de equalizar as “qualidades artistica e economica”. Continua

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também alertando sobre o perigo de entregar todas as etapas da obra ao “constructor”,
segundo Azeredo, este deveria se limitar a acatar as determinações do projeto elaborado
pelo arquiteto.

A edição n. 74, jun. 1930, por sua vez, chama atenção para o assunto da regulação do
exercício profissional, assinalando que em São Paulo e Pernambuco os esforços dos
engenheiros civis já haviam surtido efeito. No caso do estado do Rio de Janeiro, afirma que
o Governo de Feliciano Sodré, conseguiu também estabelecer critérios para a
regulamentação profissional da engenharia (civil). Entretanto, o texto reforça a urgência de
que uma lei de abrangência federal fosse aprovada e ressalta que o “Instituto Central dos
Architectos” estava se organizando para levar ao “Congresso Nacional, um projecto de
Regulamentação para o engenheiro-architecto”:

A “Revista” frisando esse magno problema da classe dos engenheiros, chama a


attenção de todos os leitores para a necessidade de se congregar esforços, no
sentido da obtenção de leis geraes, no Congresso Nacional, em favor do thema de
tornar no Brasil, a profissão exclusivamente para o profissional, a engenharia para
o engenheiro (A CASA. Rio de Janeiro, n. 74, jun. 1930, p.11).

Apesar de tais iniciativas, a disputa de campo entre diplomados e práticos permanecia


acirrada, no texto “O regulamento e o problema da construcção” a legislação (Regulamento
das Construcções) em voga no Rio de Janeiro é alvo de críticas, especialmente no que toca
a possibilidade de construir casas geminadas, além disso, o autor – arquiteto J. Cordeiro de
Azeredo – segue alertando para a precariedade da fiscalização das obras e ainda chama
atenção para a limitação dos construtores, reforçando de tal modo, a pertinência da
contratação de um arquiteto diplomado:

Por que não confiar ao architecto não só o projecto como a direção ou fiscalisação
de sua casa? É um engano pensar como muita gente que ao concluir a primeira
casa, julga ter adquirido conhecimentos bastantes para, sem o concurso do
architecto e do constructor, sozinha, dirigir uma construcção. É uma experiencia
essa que a muitos tem custado caro. (AZEREDO, J. Cordeiro de. O regulamento e
o problema da construção. A CASA. Rio de Janeiro, n. 75, p. 18-19, jul. 1930).

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Após a Revolução de 1930, as mudanças nas esferas política e administrativa acabam
interferindo no campo da construção civil, os Ministérios da Educação e do Trabalho são
criados e com eles uma série de (re)estruturações começam a ser empreendidas. Tanto que
em 1933 há a promulgação da lei que regulou até 20108 a profissão de arquiteto e
engenheiro e criou o sistema CREA/CONFEA, que passou a fiscalizar a atuação dos
profissionais da área. Ficher (2004, p. 188) afirma que tal legislação representou a vitória do
corporativismo, “restringindo o exercício da profissão aos portadores de diploma” e gerando
sérias limitações até mesmo para os profissionais não diplomados que já possuíam licenças
emitidas pelos estados, ou que já ocupavam cargos técnicos em serviços públicos.
Entretanto, no que diz respeito à definição das especializações profissionais, a lei não era
conclusiva:

Por fim, ao tratar das especializações profissionais, a norma deixa indefinida a


diferenciação, de competência entre engenheiros civis e arquitetos. Pelos art. 28 e
30, eram comuns às duas especializações “o estudo, projeto, direção, fiscalização,
e construção de edifícios, com todas as suas obras complementares” e “o projeto,
direção e fiscalização dos serviços de urbanismo”, ficando adstritas ao arquiteto
somente “as obras que tenham caráter essencialmente artístico ou monumental”,
“as obras de arquitetura paisagística” e “as obras de grande decoração
arquitetônica”. (FICHER, 2004, p. 189).

Considerações finais

A prática profissional atrelada à obtenção do diploma acaba interferindo nas instituições de


ensino e, consequentemente nas atividades exercidas pelos profissionais. A divisão de
atribuições, que já vinha ocorrendo “naturalmente” como no – já mostrado – caso da
Exposição do Centenário, torna-se mais evidente, resultando, a médio prazo na definição de

8Em 2010 os arquitetos se desvincularam do sistema CREA/CONFEA, a aprovação da Lei nº 12.378 de 31 de


dezembro de 2010, levou à criação do CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo, tal medida foi justificada,
dentre outros fatores, pela baixa representatividade numérica dos arquitetos em relação aos engenheiros no
antigo sistema, o que perpetuava o sombreamento de atribuições profissionais estabelecido em 1933, com o
marco regulatório das referidas profissões. A Resolução CAU nº 51 de 12 de julho de 2012, dispõe sobre as
áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas e as áreas de atuação compartilhadas com outras
profissões regulamentadas, resguarda ao profissional formado em arquitetura a elaboração de projeto
arquitetônico, independentemente de escala, mas reconhece a sobreposição de competências com outras áreas
de formação.
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principalmente “duas parcelas independentes, uma afeita a projetos e outra, a construções”
(FICHER, 2004, p. 239). No ensino institucional tal impacto também começa a ser sentido,
especialmente após a instauração do Estado Novo (1937). Com o acirramento das
iniciativas para promoção da industrialização e modernização das esferas produtivas no
país, e consequente incremento na urbanização, começa a crescer o déficit de profissionais
especializados, com formação superior e técnica, fomentando assim, o surgimento de novos
cursos superiores e promovendo a reestruturação de antigos9.

O breve relato apresentado deixa claro que apesar das divergências, sobreposições de
atribuições e disputas por espaço, o campo de atuação de arquitetos e engenheiros sofrerá
maiores alterações somente a partir dos anos 1930. De modo que os anos 1920 serão
marcados pelas iniciativas que buscavam promover a figura do arquiteto, principalmente
frente aos profissionais não diplomados: nos conteúdos veiculados pelas revistas
investigadas, a distinção de papéis entre engenheiros civis e engenheiros arquitetos não era
uma questão que parecia incomodar. Naqueles anos, primeiramente importava aos
profissionais obter vantagens e privilégios para o exercício dos diplomados; o
estabelecimento de competências e distinções específicas às categorias podiam ser
deixadas para depois.

Referências Bibliográficas

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Janeiro: O Construtor, 1923-1952. Números: 01-79.

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periódicos representativos dos campos e acadêmico e profissional da arquitetura e
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em: http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/041-1.pdf. Acesso em 21/11/2018.

ARCHITECTURA NO BRASIL: ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO. Rio de Janeiro:


Cooperação de Arquitetos e Constructores do Rio de Janeiro, 1921-1926. Volume I, N. 2 –
6; Volume II, N. 7 e 8 – 9 e 10; Volume IV, N. 21 – 24; Volume V N. 25 – 27, 29.

9 Informação obtida em: http://www.confea.org.br/media/LivroHistoriadaLegislacao-80%20anos.pdf. Acesso em


05/04/2019.

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COSTA, Carlos. A Revista no Brasil do Século XIX: A história da formação das
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FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo:
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In: MESQUITA, Marieta Dá (Org.). Revistas de arquitetura: Arquivo(s) da Modernidade.
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SCALZO, Marília. Jornalismo de Revista. São Paulo: Contexto, 2003.

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processo de modernização do centro da cidade do Rio de Janeiro no início do século
XX. In: Revista 19&20, Vol. V, N. 1,2010. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/arte
decorativa/ad_huzeda.htm. Acesso 27/03/2019.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE "CIDADE IMPERIAL" E SEUS


REFLEXOS NO ESPAÇO URBANO DE PETRÓPOLIS/RJ

Nathalia Coelho Sozzi De Moraes (nathalia.moraes@fau.ufrj.br)

Petrópolis é um município serrano do estado do Rio de Janeiro, reconhecido


como uma cidade histórica por possuir um conjunto expressivo de elementos
arquitetônicos desde o período do Império, muitos dos quais se encontram
preservados até os dias atuais. Esta condição pode ser observada
principalmente no Centro Histórico, que também é o centro comercial, onde se
desenvolvem as principais atividades administrativas, de lazer, turismo e
cultura.

O local é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


(IPHAN) como Conjunto Urbano-Paisagístico desde 1980, enquanto extensão
do tombamento original de 1964, que considerava apenas os elementos
culturais do eixo da Avenida Köeler. Como paisagem cultural, este núcleo
urbano vem sendo ressignificado sem perder a força de sua imagem.
Em função de uma imagem construída socialmente, algumas cidades
desenvolvem “escolhas espaciais” enquanto seus habitantes constroem
narrativas onde almejam se encaixar em termos sociais e culturais,
promovendo o reconhecimento de si mesmos dentro de um contexto temporal,
social e cultural.

As representações sociais construídas sobre os lugares não se encontram


apenas em textos historiográficos, mas também em diferentes formas de
narrativa e documentos, como nos edifícios arquitetônicos. A análise destas
representações construídas sobre o cenário e os personagens centrais da
história de Petrópolis nos faz refletir a respeito deste contexto cultural da
cidade.

A imagem de Cidade Imperial que busca envolver Petrópolis em uma aura de


nobreza possui reflexos tanto em seu espaço construído quanto na visão de
mundo de seus habitantes. Os aspectos dessa construção são enaltecidos pelo
seu patrimônio cultural edificado, com grandes casarões e palacetes, tornando-
se um espaço para encontros políticos, artísticos e sociais, produzindo um
espaço urbano bem singular em comparação com aquele encontrado em
outras cidades da região.

O objetivo deste trabalho é compreender os significados da “Cidade Imperial”


no imaginário da população e apresentar seus reflexos desde sua fundação até
os dias atuais. É notável que as políticas de gestão do patrimônio cultural em
Petrópolis estabelecem esta narrativa afirmando tal identidade para o controle
interno e comunicação externa, voltadas ao turismo.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

ROTUNDAS FERROVIÁRIAS - O CASO DO CONJUNTO DA ROTUNDA DO


COMPLEXO FERROVIÁRIO DE CAMPO GRANDE/MS

João Henrique Dos Santos (joaohenrique.santos@gmail.com)

O trabalho em questão tem por objetivo traçar um panorama das rotundas


ferroviárias no Brasil, bem como contextualizar e a avaliar a atual situação do
conjunto da rotunda pertencente ao Complexo Ferroviário de Campo
Grande/MS, monumento de grande relevância, seja enquanto marco na
paisagem urbana da cidade ou como patrimônio cultural reconhecido pelas três
esferas de poder, Federal, Estadual e Municipal. As oficinas e locais para
guarda das locomotivas, as rotundas, representam o zelo e a necessidade de
se conservar os equipamentos que correm pelos trilhos, fazendo com que
melhorem o desempenho dos deslocamentos e atinja êxito na prestação do
serviço a qual ela se presta, o transporte. Sobre as rotundas no Brasil, poucas
são as informações disponíveis, para este artigo foram consultados
majoritariamente duas plataformas específicas sobre o tema, a publicação de
Sérgio Santos Morais “Reconstrução da rotunda de São João del’ Rei” do ano
de 1987 e a plataforma digital http://www.estacoesferroviarias.com.br/ do
pesquisador Ralph Mennucci Giesbrecht. O conjunto da Rotunda, prédio
localizado na esplanada do Complexo Ferroviário Histórico e Urbanístico da
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) em Campo Grande/MS é vestígio
da arqueologia industrial ferroviária, memória cultural de um sistema de
trabalho do final da primeira metade do século XX. As estruturas que compõem
o conjunto da rotunda estão abandonados desde 2004, quando ocorre
definitivamente a interrupção de trânsito de trens de carga em decorrência da
construção de um contorno ferroviário transferindo a passagem de trens para
fora da esplanada ferroviária e da área urbana da cidade. Diante dos fatos
mencionados, tem-se que o velho ditado “casa vazia, ruína anuncia” se
concretize e no caso do conjunto da rotunda, o abandono e a falta de uso
interferem na paisagem do conjunto a ser preservado, quanto na possibilidade
da própria existência do bem. O uso contemporâneo e adequado ao bem é a
forma mais eficaz de se preservar o monumento, fazendo com que os
remanescentes do passado se tornem palco da vida moderna, valorizando a
história social, a história do trabalho e de fazeres específicos do universo
ferroviário, transformando-os em marcos referenciais para a identidade e para
a memória da cidade.
EIXO TEMÁTICO 4

ROTUNDAS FERROVIÁRIAS - O caso do conjunto da rotunda do


Complexo Ferroviário de Campo Grande/MS.

SANTOS, JOÃO HENRIQUE DOS. (1)

1. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPG-AU) da


Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA).

E-mail: joaohenrique.santos@gmail.com

RESUMO

O trabalho em questão tem por objetivo traçar um panorama das rotundas ferroviárias no Brasil, bem
como contextualizar e a avaliar a atual situação do conjunto da rotunda pertencente ao Complexo
Ferroviário de Campo Grande/MS, monumento de grande relevância, seja enquanto marco na
paisagem urbana da cidade ou como patrimônio cultural reconhecido pelas três esferas de poder,
Federal, Estadual e Municipal. As oficinas e locais para guarda das locomotivas, as rotundas,
representam o zelo e a necessidade de se conservar os equipamentos que correm pelos trilhos,
fazendo com que melhorem o desempenho dos deslocamentos e atinja êxito na prestação do serviço
a qual ela se presta, o transporte. Sobre as rotundas no Brasil, poucas são as informações
disponíveis, para este artigo foram consultados majoritariamente duas plataformas específicas sobre
o tema, a publicação de Sérgio Santos Morais “Reconstrução da rotunda de São João del‟ Rei” do
ano de 1987 e a plataforma digital http://www.estacoesferroviarias.com.br/ do pesquisador Ralph
Mennucci Giesbrecht. O conjunto da Rotunda, prédio localizado na esplanada do Complexo
Ferroviário Histórico e Urbanístico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) em Campo
Grande/MS é vestígio da arqueologia industrial ferroviária, memória cultural de um sistema de
trabalho do final da primeira metade do século XX. As estruturas que compõem o conjunto da rotunda
estão abandonados desde 2004, quando ocorre definitivamente a interrupção de trânsito de trens de
carga em decorrência da construção de um contorno ferroviário transferindo a passagem de trens
para fora da esplanada ferroviária e da área urbana da cidade. Diante dos fatos mencionados, tem-se
que o velho ditado “casa vazia, ruína anuncia” se concretize e no caso do conjunto da rotunda, o
abandono e a falta de uso interferem na paisagem do conjunto a ser preservado, quanto na
possibilidade da própria existência do bem. O uso contemporâneo e adequado ao bem é a forma
mais eficaz de se preservar o monumento, fazendo com que os remanescentes do passado se
tornem palco da vida moderna, valorizando a história social, a história do trabalho e de fazeres
específicos do universo ferroviário, transformando-os em marcos referenciais para a identidade e para
a memória da cidade.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural; Patrimônio Ferroviário; Oficinas; Rotundas;

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Rotundas e oficinas ferroviárias

O recorte do trabalho foi definido a partir do esquecimento das estruturas ferroviárias de


manutenção, cuja finalidade era considerada de menor relevância, pois estavam
diretamente vinculadas ao trabalho, não reconhecendo a importância dos serviços ali
realizados nas locomotivas e de outros equipamentos fundamentais para o sucesso de um
complexo ferroviário.

O transporte sobre trilhos necessita de um conjunto de equipamentos e edifícios específicos


para o seu bom funcionamento, dentro desse sistema, edificações que merecem destaque
são as destinadas à manutenção e “garagem” das locomotivas. Segundo MOREIRA (2007)
esses espaços podem ser classificados em duas categorias:

Tiveram destaque entre estes equipamentos, tanto pelas soluções


arquitetônicas quanto pelas diversas linguagens empregadas, os depósitos
de locomotivas. Estes depósitos se distinguiam em depósito para os vagões
e aqueles para locomotivas. Os primeiros consistiam em simples hangares,
que continham, algumas vezes, oficinas para pequenos reparos de peças e
pintura. Já, os depósitos de locomotivas podiam ser “depósitos poligonais”
ou rotundas, depósitos em forma de “ferradura”, semi-rotundas, depósitos
retangulares com grandes giradores no lado externo, e depósitos
retangulares com carros de manobras para as locomotivas
(PERDONNET,1856). (Moreira, 2007, p. 78)

No estudo da arquitetura, rotunda, normalmente é caracterizada por construções circulares


(MORAIS, 1987). Para o estudo da arquitetura ferroviária, adota-se neste trabalho, duas
definições para Rotunda, apropriando-se das definições apresentadas por Sérgio Santos
Morais no livro “Reconstrução da rotunda de São João del‟ Rei”, a primeira é do Dicionário
da Língua Portuguesa – Antenor Nascentes, V. 4, pág. 114, onde descreve que rotunda é:

Edifício de planta circular, terminado por cobertura ou por uma cúpula,


construção geralmente semicircular, da qual saem trilhos, que irradiam em
torno de uma placa gigante, construção essa que serve de depósito a
locomotivas. (Morais, 1987, p. 07)

Outra definição apresentada pelo autor é da Terminologia Pan-americana de Estrada de


Ferro, definida por Augusto Paranhos Fontenelle, como “Depósito ou abrigo de locomotivas
com linhas ou desvios irradiados no centro do girador dotado de pequenas bancadas para
ligeiros trabalhos de manutenção” (Fontenelle Apud Morais, 1987, p. 07).

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O uso das rotundas no sistema ferroviário foi bastante difundido, principalmente nos
complexos que estão situados no fim de linha ou nos entroncamentos ferroviários. A forma
circular ou semi-circular eram adotados pela racionalização dos espaços, pois se utilizava
um girador para manobras ao centro da edificação, ou na parte externa, que conduzia as
locomotivas pelas “linhas” para a realização dos reparos ou para a guarda em boxes
independentes. Para MOREIRA, para alguns casos de rotundas ferroviárias:

(...) sua disposição por boxes permitia uma maior flexibilidade construtiva
podendo ser edificada por módulos, com a simples adição de boxes. Muitas
estações empregaram inicialmente o depósito semi-circular ou em ferradura
que, posteriormente, foram ampliados ganhando a conformação de
depósitos poligonais ou de rotundas. Nos depósitos poligonais, o número de
linhas era definido de acordo com o diâmetro do girador. Os pequenos
depósitos comportavam em média 12 linhas, das quais uma ficava
reservada para a retirada das máquinas. Já em depósitos de maiores
dimensões, o número de linhas podia alcançar 16, entre as quais duas eram
reservadas para a retirada das locomotivas, geralmente localizadas em
lados opostos. Encontravam-se, ainda, valas de inspeção, instalações de
água, bancadas, plataformas, etc. A construção de fossos de manutenção
abaixo de algumas linhas era recomendada para a realização de pequenos
reparos nas locomotivas. Em finais do século XIX, os depósitos poligonais já
alcançavam as dimensões necessárias para comportar números superiores
a 50 locomotivas distribuídas em torno de 36 vias. (Moreira, 2007, p. 79)

Para MORAIS, as oficinas destinadas à manutenção ferroviária são classificadas:

de acordo com a distribuição das linhas de serviço, das características


próprias das suas construções, e dos objetivos a que se propõem (oficina de
reparação, oficina de manutenção etc.). Classificam-se em oficinas
longitudinais, transversais e radiais. Na primeira categoria, estão
englobadas as oficinas que possuem acesso ferroviário por ambas as
extremidades e suas linhas são dispostas longitudinalmente. As oficinas
transversais são utilizadas em locais onde, somente é possível, o acesso
por uma de suas extremidades. A distribuição das locomotivas no seu
interior é feita por intermédio de um carretão que se desloca
transversalmente às linhas. São conhecidas também como “oficina de topo”.
As oficinas radiais, denominadas rotundas, são projetadas quando se tem
pouca disponibilidade de área no terreno e acesso através de uma única
linha. Possuem forma circular, tendo ao centro um dispositivo chamado de
girador de onde irradiam linhas, como se fossem raios do círculo. A
construção tanto pode tomar a forma de um círculo completo, conhecida
como rotunda fechada, quanto à de um segmento de círculo, chamada de
rotunda aberta. Geralmente às paredes externas não são construídas na
realidade em forma circular, mas de forma poligonal. (Morais, 1987, p.09)

As rotundas são edifícios que estão diretamente relacionados às estruturas sociais de


trabalho, é o ambiente específico restrito aos trabalhadores ferroviários e exerciam
importante papel dentro dessas estruturas industriais. Se na concepção capitalista, o

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produto que o sistema industrial ferroviário vende é o transporte, esse produto deverá
atender de modo satisfatório os anseios do seu consumidor. Para tanto, as oficinas e locais
para guarda das locomotivas representam o zelo e a necessidade de se conservar os
equipamentos que correm pelos trilhos, fazendo com que melhorem o desempenho dos
deslocamentos e atinja êxito na prestação do serviço a qual ela se presta.

As rotundas de manutenção do Brasil

As primeiras rotundas ferroviárias construídas no Brasil são datadas da segunda metade do


século XIX, destaque para a rotunda de São João del Rey e de Ribeirão Vermelho, século
XIX. Segundo FINGER, no Brasil “uma das rotundas mais antigas é a Conjunto das Oficinas
de São Diogo, no centro do Rio de Janeiro, construída pela Estrada de Ferro D. Pedro II
(depois Central do Brasil) na década de 1860” (Finger, 2013, p. 363).

Sobre as rotundas no Brasil, poucas são as informações disponíveis. Para este trabalho
foram consultadas diversas publicações, porém, majoritariamente, duas plataformas
específicas sobre o tema auxiliaram na identificação das rotundas brasileiras.

A primeira se restringiu à publicação de Sérgio Santos Morais “Reconstrução da rotunda de


São João del‟ Rei”. Essa publicação foi à única encontrada que trata exclusivamente de
rotundas. O livro foi publicado em 1987 e se apresenta, praticamente, como um relatório das
obras realizadas na rotunda do Complexo ferroviário de São João del‟Rei, bem protegido
pela tombamento realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
na categoria de conjunto arquitetônico em 1985.

O trabalho se apresenta de suma importância sob dois aspectos, uma contribuição


historiográfica desse tipo de construção no universo ferroviário e a difusão de informações
sobre a preservação, restauração e de metodologias de intervenção no patrimônio cultural,
especificamente em edificações de cunho industrial ferroviário.

Excluídas as ferrovias particulares e estatais, o autor aponta que em 1987, no âmbito da


Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), “foram construídas cerca de vinte e quatro 24
rotundas, muitas delas já não existem mais, das existentes, quatro se encontram
desativadas e 10 ainda estão em funcionamento com sua finalidade original.” (Morais, 1987,
p.13). O estudo realizado na época, por mais que não abrangesse a totalidade das rotundas

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ferroviárias brasileiras, tornou-se uma valiosa contribuição na análise daquele recorte de
estudo.

Quadro das Rotundas no Brasil – RFFSA (1987)

Localização Estado Superintendência Existentes Demolidas


Regional da RFFSA

Desat. Em Func.

Natal RN Recife SR-1 - - X

Natal RN Recife SR-1 - - X

Natal RN Recife SR-1 - X -

Recife PE Recife SR-1 - - X

Fortaleza CE Recife SR-1 - - X

São Luís MA Recife SR-1 - - X

Rosário MA Recife SR-1 - - X

S. João Del Rei MG Belo Horizonte SR-2 X - -

Ribeirão MG Belo Horizonte SR-2 X - -


Vermelho

Sete Lagoas MG Belo Horizonte SR-2 - - X

Cruzeiro SP Belo Horizonte SR-2 X - -

Barra do Piraí RJ Juiz de Fora SR-3 - X -

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Porto Novo do RJ (MG) Juiz de Fora SR-3 - X -
Cunha (Além
Paraíba)

Três Rios RJ Juiz de Fora SR-3 - X -

Rio de Janeiro RJ Juiz de Fora SR-3 - - X

Bauru SP São Paulo SR-4 - X -

Três Lagoas MS São Paulo SR-4 - X -

Lins SP São Paulo SR-4 - - X

Campo Grande MS São Paulo SR-4 - X -

Curitiba PR Curitiba SR-5 - - X

Cruz Alta RS Porto Alegre SR-6 - X -

Salvador BA Salvador SR-7 X - -

Alagoinhas BA Salvador SR-7 - X -

Aracaju SE Salvador SR-7 X - -

Tabela 01 - Rotundas pertencentes à RFFSA em 1987. Fonte: MORAIS (1987), adaptado pelo autor.

Outra plataforma utilizada neste trabalho para a identificação das rotundas no Brasil é o site
http://www.estacoesferroviarias.com.br/ do pesquisador Ralph Mennucci Giesbrecht. Esta
plataforma digital é um dos mais completos bancos de dados sobre as estações ferroviárias
do Brasil. O autor desenvolve pesquisas no campo do patrimônio ferroviário desde 1996 e
segundo ele:

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Este site procura mostrar a história, as fotografias e as histórias de cada
estação ferroviária dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa
Catarina, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O site nunca
estará completo, pois as informações vêm a toda hora. Várias pessoas
colaboraram enviando material, e são citadas nas páginas. Afinal, são mais
de 3 mil estações catalogadas (...) O site é uma homenagem a todos esses
prédios pequenos ou grandes que por pelo menos algum tempo tiveram
seus momentos de glória. É também uma forma de se preservar pela
fotografia e pelas narrativas a história de um meio de transporte que já foi
quase monopolístico e que até hoje causa tanta alegria às pessoas que
ainda se lembram do tempo dos trens que não voltam mais. As estações
aqui listadas são normalmente as que foram, em algum tempo, listadas nas
relações oficiais das ferrovias do Estado, grandes e pequenas. Portanto,
pequenas paradas podem não aparecer relacionadas, embora haja também
aquelas que, por um motivo ou por outro, foram localizadas e catalogadas.
Estações há muito desaparecidas aparecem também. As diferentes versões
de estações com o mesmo nome, em linhas diferentes, aparecem como
„velha‟ ou „nova‟. Basicamente, estão listadas as estações de todos os
Estados brasileiros, de todas as ferrovias existentes ou que já existiram
(Giesbrecht – Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/.
Acesso em: 15 set. 2021.)

O autor também enfatiza as edificações denominadas por rotundas e desenvolve um índice


especifico para esta tipologia arquitetônica, edifícios que se destacam nos conjuntos
arquitetônicos ferroviários, sejam por suas dimensões ou pelas funções que desempenham
na engrenagem industrial.

Estão listadas trinta e sete rotundas ferroviárias espalhadas pelo Brasil1, sendo que o autor
da página acrescenta informações referentes a vinte e nove destes edifícios, assim como a
situação atual das edificações, que variam desde equipamentos que já foram totalmente
demolidos, aos que se encontram com o seus usos primitivos (oficinas) e as que receberam
projetos de intervenção para o uso como museus, por exemplo.

1
Rotundas listadas na plataforma digital: Campinas (Mogiana)/SP; Campinas (Paulista)/SP; Bauru/SP; Ribeirão
Preto/SP; Rio Claro/SP; Araraquara/SP; Lins/SP; Casa Branca/SP; São José do Rio Preto/SP; Catanduva/SP;
Cruzeiro/SP; Porto Novo do Cunha/MG; Ribeirão Vermelho/MG; São João del Rey/MG; Sete Lagoas/MG;
Uberaba/MG; São Diogo/RJ; Caju/RJ; Barra do Piraí/RJ; Três Rios/RJ; Cruz Alta/RS; Curitiba/PR; Edgar
Werneck/PE; Fortaleza/CE; Alvaro Wayne//CE; Salvador/BA; Alagoinhas/BA; São Luiz/MA; Rosário/MA; Natal
E.F. Sampaio Corrêa/RN; Natal E.F. Natal a Nova Cruz/RN; Aracaju/SE; Campo Grande/MS; Ponta Porã/MS;
Três Lagoas/MS; Porto Velho/RO e Marituba/PA. (Giesbrecht/SD. Disponível em:
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rotundas/indice.htm. Acesso em: 28 set. 2021.

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Situação atual das rotundas identificadas

Uso
Primitivo Usos
Abandonadas Demolidas Desconhecido Descaracterizada
Diversos
(Oficina)

06 12 01 01 04 05

Tabela 02 – Situação atual das rotundas identificadas. Fonte: Giesbrecht/SD. Disponível em:
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rotundas/indice.htm. Acesso em: 28 set. 2021.

Das rotundas levantadas no site, doze já foram demolidas o que é considerado um número
muito alto, pois representa 41,37% do total das rotundas identificadas e esse número pode
vir a aumentar com o abando e processo de degradação de outras seis, como é o caso da
rotunda de Campo Grande/MS, o que representa 20,68% do total desses imóveis, que
geralmente ocupam grandes áreas em regiões valorizadas nas cidades e sofrem todo o tipo
de pressão do mercado imobiliário.

Quatro rotundas mantêm seu uso ferroviário inicial, representando 13,79 % do total, e
guarda no seu uso atual, o sistema de trabalho ferroviário e suas características peculiares.

Algumas rotundas foram restauradas ou reformadas e passaram a ocupar diferentes usos,


três são ocupadas com equipamentos culturais, a rotunda de São João del‟ Rei em Minas
Gerais, que desde sua reconstrução em 1987 abriga o museu ferroviário, a rotunda de Porto
Velho, em Rondônia, da famosa antiga estrada Madeira-Mamoré e a rotunda da cidade de
Cruzeiro, no interior de São Paulo.

Desse rol de rotundas pesquisadas, três delas são tombadas pelo Iphan na modalidade de
conjunto, nenhuma individualmente, são elas a do “Complexo Ferroviário de São João del‟
Rei a Tiradentes” em Minas Gerais, Processo 1.185-T-85; a do “Complexo Ferroviário da
Antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – EFNOB, em Campo Grande”, Processo nº
1.536-T-06; e a rotunda do “Pátio ferroviário da estrada de ferro Madeira-Mamoré, bens
móveis e imóveis” em Porto Velho/RO, Processo nº 1.220-T-87. (Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-12-
%20CONTROLE%20BENS%20TOMBADOS.xlsx. Acesso em: 28 set. 2021.).

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Quanto às rotundas elencadas na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário do Iphan, que são
os bens declarados com valor histórico, artístico e cultural nos termos da Lei nº 11.483/07 e
da Portaria IPHAN nº 407/2010, que tratam da preservação da memória ferroviária nacional,
foram identificadas as rotundas de Natal/RN denominada como Antiga Rotunda, inscrita no
dia 03/10/2014, a de Aracajú/SE denominada como Rotunda, inscrita no dia 19/01/2010 e a
de Cruzeiro/SP, denominada como Rotunda, inscrita no dia 30/10/2007.

A lista apresenta um bem em Alfredo Chaves/ES denominado Girador (rotunda), porém,


certamente se trata do equipamento mecânico necessário para o giro, porém sem
edificações circunvizinhas ao equipamento.

Cumpre ressaltar que a última inscrição de bens ferroviários nesta lista foi no ano de 2015, o
que pode demonstrar pouco uso da medida de acautelamento deste recente rol patrimonial.
(Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-25-
Lista_do_Patrimonio_Cultural_Ferroviario.xlsx. Acesso em: 28 set. 2021.)

Outras rotundas foram tombadas em nível estadual e/ou municipal, porém, a proteção não
impediu o abandono e estado de arruinamento de exemplares como a de Ribeirão
Vermelho/MG, edificação de grande valor arquitetônico e histórico para o setor ferroviário
nacional.

Conjunto da rotunda de Campo Grande/MS

O conjunto da rotunda, prédios localizados na esplanada do Complexo Ferroviário Histórico


e Urbanístico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) em Campo Grande/MS, faz
parte da memória cultural de um sistema de trabalho relacionada à dinâmica das ferrovias e
foi edificado na primeira metade do século XX, sendo um dos destaques do conjunto
histórico da cidade.

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Figura 01 – Complexo Ferroviário de Campo Grande/MS. Fonte: Google Earth adaptado pelo autor
em 2021.

Os imóveis integram o conjunto valorado culturalmente nas três esferas de poder, Federal
(2009), Estadual (1997) e Municipal (1996), tendo por motivação, a organização social e
espacial da ferrovia e o modo de vida dos seus trabalhadores, que traz consigo uma relação
intrínseca com a modernidade industrial brasileira, fato de real importância na formação do
país e ponto de partida para a preservação do Patrimônio Cultural remanescente do “apito
do trem”.

Sua construção foi financiada pelo Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da
Defesa Nacional, programa criado por Getúlio Vargas no regime do Estado Novo em 1939.
A obra foi iniciada em 1941 e finalizada em 1943 e sua importância para o desenvolvimento
do sistema ferroviário na cidade está evidenciada no Relatório Anual da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil de 1941 (R. 41):

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Dentre as obras cuja construção foi iniciada em 1941 nessa esplanada,
merece especial menção a rotunda, que uma vez concluída, virá trazer
grande melhoramento aos nossos serviços de tração. Para cobertura da
referida rotunda adotamos estrutura de concreto armado empregando
pórticos com 24m de vão, afim de eliminar a linha de colunas internas, para
facilidade do serviço que ali devam ser executados. A rotunda deverá ser
concluída em 1942, estando orçada em 540:931$500, sem incluir o
assentamento do respectivo girador de locomotivas e linhas (R. 41, p. 31)

Sobre a finalização das obras da rotunda, aponta o relatório da NOB de 1943:

Em novembro ficou terminada a construção da rotunda de Campo Grande,


tendo sido entregue à tração o edifício com todas as instalações, como
sejam instalação elétrica, sanitária, captação de águas pluviais, etc. Ficou
concluído o assentamento do girador de locomotivas e o fechamento da
rotunda com gradil de ferro. Foi construído mais um desvio de acesso à
rotunda e aterrado grande parte do páteo (sic) da mesma. Foram
assentadas todas as linhas sobre as valas construídas e instalada a caldeira
destinada à lavagem de locomotivas e limpeza de caixas de fumaça (R. 43,
p. 44)

O conjunto em questão é formado pela Rotunda/Oficina, uma construção em maior escala,


que era capaz de dar manutenção simultaneamente em treze Locomotivas, o Girador ao
centro e um prédio com planta em curva, em menor escala e localizado a frente da rotunda,
local de lavagem das locomotivas e vagões.

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ROTUNDA/OFICINA

GIRADOR/MAQUINÁRIO

LAVAGEM

Figura 02 – Conjunto da Rotunda de Campo Grande/MS. Fonte: SISGRAN adaptado pelo autor.

No caso de Campo Grande a rotunda é conhecida como um conjunto de edifícios em forma


de curva implantados em um círculo, podendo ser considerada uma rotunda aberta ou
oficina radial, a peculiaridade do conjunto em si está no prédio da lavagem posicionado a
frente do prédio de manutenção, trazendo outros usos ao conjunto além da própria
manutenção das locomotivas.

O uso do conjunto da rotunda em Campo Grande foi de grande expectativa para a NOB,
pois serviria como um ponto de manutenção no meio do percurso da estrada de ferro, dando
mais agilidade aos serviços de tração, manutenção, guarda e lavagem de locomotivas e
vagões.

No complexo ferroviário de Campo Grande, além do conjunto da rotunda, foram instaladas


outras oficinas destinadas à manutenção e abrigos de carros, formando um grande
complexo de estruturas destinadas a melhoria dos serviços ferroviários na região, MOREIRA
(2007) expõe sobre essas características:

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Outras edificações de relevância que compunham as estações ou
complexos ferroviários foram os ateliers ou oficinas. Eram distinguidas em
oficinas de grandes ou pequenos reparos. Segundo Perdonnet (1856),
mesmo nas linhas de grande movimento, existia apenas uma única oficina
de grandes reparos. Construídas em vastos terrenos, essas oficinas
abrigavam inúmeros serviços constituindo-se em verdadeiras fábricas de
construção e reparo de locomotivas, normalmente, situadas em pontos no
meio ou nas extremidades das ferrovias. Já as oficinas de pequenos
reparos, em maior número, situavam-se ao longo dos trajetos ferroviários, e
atendiam ao fornecimento e troca de peças, pequenos concertos e reparos
de revestimentos. (Moreira, 2007, p. 80)

As estruturas que compõem o conjunto da rotunda foram utilizadas para fins ferroviários até
meados de 2004, quando ocorre definitivamente a interrupção de trânsito de trens de carga
pela esplanada ferroviária da área urbana da cidade, sendo transferido o seu percurso para
o contorno ferroviário.

Características arquitetônicas

As características arquitetônicas do conjunto da rotunda de manutenção do Complexo


Ferroviário se destacam frente ao restante das construções da esplanada por conta da sua
monumentalidade. O uso de planta livre, sem apoios intermediários formando grandes vãos
livres, a repetição de aberturas para fins de facilitar a ventilação e iluminação, pés-direitos
altos, uso de tijolos aparentes nas superfícies externas que tira partido enquanto expressão
estética e o grande apelo “utilitário” tornam este equipamento um típico exemplar da
arquitetura industrial ferroviária.

Figura 03 – Rotunda de Campo Grande/MS. Fonte: O autor, 2021.

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Quando analisado a planta primitiva do conjunto da rotunda é possível identificar nos
espaços propostos, o caráter estritamente utilitário. O prédio foi idealizado e implantado para
cumprir uma função específica, dar suporte ao sistema de transporte ferroviário executando
os serviços de manutenção, limpeza e guarda de locomotivas. Os edifícios que cumprem um
papel específico dentro da lógica funcional ferroviária são construídos com bastante rigor,
devendo ser dotados de maior solidez por conta dos impactos que o dia a dia exerce na
edificação.

No caso do prédio de manutenção, sua planta apresenta um grande vão livre de 24m sem
nenhum apoio intermediário, de modo a facilitar os serviços a serem executados em suas
dependências. A disposição do girador ao centro das duas edificações propositalmente,
possibilitando a distribuição das locomotivas nas respectivas linhas e fossos de
manutenção. O espaçamento entre os pilares na parte interior do semi-círculo é de 3,50m. O
rigor na construção dessas edificações eram condições para o seu bom funcionamento, um
erro na elaboração projetual poderia pôr em risco a funcionalidade do prédio, a ponto de
impedir ou estrangular a entrada da locomotiva nas suas áreas internas.

O interior dos prédios é marcado, além da planta livre já evidenciada, pelo pé direito
bastante generoso. No caso do prédio da manutenção o ponto mais alto da cumeeira
alcança mais de 12m, possibilitando maior conforto térmico para a edificação, além de
contar com muitas aberturas, sejam elas na colunata livre de vedação da parte interior do
semi-círculo ou nos vãos de passagem da parte externa do semi-círculo, e ainda os diversos
vãos nas alvenarias que são fechados com um tipo de estrutura de engradamento de
concreto, permitindo a entrada de luz e ventilação natural.

Ao longo dos anos algumas modificações na espacialidade do conjunto foram realizadas,


seja pela supressão de fossos de inspeção, inserção e/ou demolição de salas e a
intervenção mais prejudicial à leitura do conjunto foi a descaracterização de um dos frontões
do prédio da rotunda com o fechamento de vãos e o acréscimo de um anexo contíguo a
edificação.

A expressão estética do conjunto da rotunda está no uso intencional dos tijolos vermelhos
aparentes nas superfícies externas, está nessa imagem, sua unidade figurativa. Ao perceber
o prédio enquanto objeto artístico, o que se revela antes de qualquer outro detalhe
construtivo, antes mesmo de sua imponência, são suas paredes de tijolos aparentes, ponto
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positivo na questão estética e um problema quando analisado as debilidades do material e
os danos que ele está sofrendo ao longo dos anos.

O apelo com a textura, com a cor e com material do tijolo em si, foi um recurso bastante
utilizado nas arquiteturas de caráter industrial com influência direta da Inglaterra. Os tijolos
quando associados às estruturas de concreto armado, quase sempre sóbrias e pesadas,
que é o caso da rotunda, realçam as mesmas e formam um contraste que valoriza o todo.

Outro ponto que se destaca esteticamente são os seus frontões que atingem mais de 12m e
se tornam um marco referencial na paisagem urbana da cidade. São ornamentados com
molduras em argamassa marcando as estruturas de concreto armado. No alto dos frontões
estão dispostas as insígnias NOB (Noroeste do Brasil) com o uso de argamassa. Os
frontões também são caracterizados pela simetria dos planos e pela repetição dos seus
vãos. Ainda compõem sua unidade estética, os grandes panos da cobertura curva, em duas
águas, que são avistados a longa distância e se destacam na paisagem.

Cumpre ressaltar a referência de Adler Homero Fonseca de Castro (2006), historiador do


Iphan que analisou o processo de tombamento do Complexo Ferroviário, sobre o juízo de
valor artístico do conjunto analisado:

(...) construções de caráter eminentemente utilitário, entre as quais se


destaca a meia rotunda, que tem na opinião do abaixo assinado certa
beleza prática, mas que ainda assim não pode deixar de ser visto como um
prédio cujas formas são condicionadas por sua função e não por quaisquer
considerações de caráter estético, o que é evidente pela falta de
decorações da mesma, a não ser pelo brasão da Noroeste do Brasil.
(Processo nº 1536-T-06, p. 245)

O juízo de valor apresentado acima e exposto pelo técnico do Iphan se fez no contexto da
solicitação da Superintendência do Iphan/MS, para que o Complexo Ferroviário fosse
inscrito no Livro Tombo das Belas Artes. A justificativa do historiador foi que não seria
acatada essa solicitação visto que o conjunto não apresentava uma unidade estética, pois
apenas alguns edifícios se revelavam com esse caráter.

Ao elencar a rotunda como um dos edifícios do conjunto que apresenta “certa beleza
prática”, o técnico admite que mesmo um prédio idealizado de forma utilitária, sem
preocupação intencional de se apresentar com um rigor estético, transpassa naturalmente
sua expressão estética e artística, pois sua unidade figurativa, enquanto obra de arte não

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está na falta de ornamentação, ainda que essa justificativa não determine o poder estético
de uma obra, e sim no conjunto de elementos visuais e sensoriais presentes na edificação,
que em consonância com sua paisagem faz do conjunto da rotunda um elemento artístico
com um forte apelo estético.

Materiais empregados e sistemas construtivos

O edifício em questão possui seus materiais e sistemas construtivos perceptíveis ao olhar, o


sistema porticado em concreto armado é uma das características mais fortes da edificação,
ao ponto de ser reforçada com molduras de argamassa nos frontões. As superfícies
externas das vedações em tijolos cerâmicos, propositalmente, até mesmo por uma questão
de economia ou por um senso estético, estão aparentes. A percepção visual da estrutura e
materialidade do edifício é essencial para a sua compreensão, visto que foi identificada
apenas uma planta do edifício, sem informações específicas quanto ao projeto, orçamento e
materiais empregados na rotunda de Campo Grande.

Porém, devido à falta de informações especificas para o estudo do edifício de Campo


Grande foi apropriado por analogia, o projeto para uma rotunda em Três Lagoas, cidade
localizada em Mato Grosso do Sul, divisa com o estado de São Paulo, que serviria para
depósito de locomotivas, projeto este datado da década de 1950. O projeto é bastante
completo e contém informações importantes para conhecer como este tipo de oficina, meia
rotunda, eram concebidas na mesma época da construção da rotunda de Campo Grande.

Os materiais predominantes identificados nas edificações que formam o conjunto da rotunda


de Campo Grande/MS são: concreto armado nas estruturas de pilares, nas vigas e terças da
cobertura; tijolos cerâmicos maciços nas alvenarias de vedação das fachadas e algumas
alvenarias internas; tijolos cerâmicos furados nos fechamentos dos vãos e em algumas
paredes em decorrência de ações mais contemporâneas; cobertura com telhas cerâmicas
do tipo francesas; uso de madeira nos caibros e ripamento da cobertura e resquícios de
vidro em alguns vãos de janelas.

Os sistemas construtivos podem ser analisados de forma conjunta entre os prédios que
formam o conjunto da rotunda - prédio de manutenção e lavagem - visto que possuem as
mesmas características. Quanto aos sistemas construtivos, podem ser divididos em
fundações, sistema estrutural, vedações, cobertura, pisos e vãos.

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Quanto às fundações dos prédios de manutenção e lavagem não foi possível realizar uma
prospecção para averiguar o seu tipo, porém ao cruzar os dados obtidos por meio da
percepção visual, pelo projeto de uma rotunda similar e por se tratar de uma estrutura
porticada de concreto armado muito próximo aos sistemas utilizados contemporaneamente,
acredita-se que sua fundação seja composta por estacas de concreto e sapatas trapezoidais
isoladas de concreto armado de 1x1m, posicionadas em cada ponto de descarga onde os
pilares serão engastados, sendo que os pilares seriam travados por cintas de alicerce,
oferecendo maior estabilidade a estrutura como um todo.

Os sistemas estruturais dos prédios são definidos por pórticos de concreto armado, formado
por pilares, vigas e terças, estrutura independente em concreto aparente, que conforme
fotos antigas foram executados in loco com fôrmas de madeira moldando, simultaneamente,
os elementos que compõem os pórticos.

Figura 04 – Espaço interno da Rotunda de Campo Grande/MS. Fonte: O autor, 2021.

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Os pilares possuem seções que variam de quadradas a retangulares, com dimensões em
média de 0,30x0,30m e 0.35x0,40m e são espaçados entre eles na parte interna do semi-
círculo em média de 3,50m de distância e se abre em “leque” de forma equidistante, o que
se remete a uma “colunata”, artifício bastante utilizado nas rotundas, sendo que a estrutura
de pórticos em concreto armado vence vãos que superam em mais de 24m no prédio de
manutenção, sem nenhum apoio intermediário.

O conjunto da rotunda do Complexo Ferroviário de Campo Grande figura entre os primeiros


prédios de Campo Grande a utilizarem o concreto armado em suas estruturas e de forma
tão monumental.

As alvenarias são de vedação independente e não possui função nem vínculo estrutural. As
paredes externas que formam a caixa da edificação são em média 0,30m e seu aparelho
intercala entre uma fiada assentada em comprido ou largo e a outra fiada assentada em
perpiano, sendo classificado em estilo Flamengo, subgrupo Losango.

Já as superfícies internas das alvenarias são lisas e argamassadas com acabamento em


pintura. Há ainda, o uso de tijolos cerâmicos para algumas alvenarias internas que cumprem
a função de compartimentar espaços após o início do seu uso.

As vedações independentes, em tijolos cerâmicos maciços à vista na face externa é um


marco estético das construções do Complexo Ferroviário. No caso do conjunto da rotunda,
tal artifício, marca a leitura da estrutura de concreto armado aparente e os elementos
estruturais definem a forma geral das edificações.

A estrutura da cobertura é composta por vigas e terças em concreto armado e caibros e


ripamento em madeira, a espessura do caibro não é o usual, pois apresenta a dimensão de
0,06x0,12m, a hipótese é que foi utilizado uma bitola maior por conta do tamanho dos panos
de telhado. A cobertura é em duas águas e em leque, seu recobrimento é em telhas
cerâmicas do tipo francesas.

A utilização da estrutura porticada de concreto como estrutura da cobertura é um dos pontos


positivos e que favoreceu para que o edifício mantivesse seus panos de telhados sem danos
graves aparentes.

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O conjunto da rotunda é marcado praticamente pela inexistência de revestimento de pisos.
Em sua maioria o piso é em brita intercalado com piso cimentado em alguns pontos. Foi
possível notar em alguns ambientes a presença de revestimento cerâmico.

Sobre os vãos é possível dividi-los em dois grupos: passagem, pois não há portas na
edificação e vãos de janelas. Sobre os vãos de passagem da fachada sul do prédio de
manutenção, provavelmente nunca receberam vedação entre os pilares, pois eram
destinados a entrada e saída das locomotivas, além de outros vãos de passagem existentes
na fachada norte, proporcionando o efeito de ventilação cruzada e a grande incidência de
luz natural.

Já os vãos de janela em sua maioria são fechados por uma estrutura de engradamento de
concreto armado, algo similar ao cobogó, que estão presentes nos frontões e em outras
faces dos edifícios, tanto no prédio de manutenção como no prédio de lavagem. Ao analisar
fotos antigas é possível perceber que em alguns pontos, a vedação dessa estrutura
engradada de concreto era com a utilização de vidro liso comum.

Ressaltos em ornamentos de argamassas nas paredes externas fazem molduras nos vãos,
demarcando-os frente aos tijolos aparentes, recurso bastante utilizado nesse tipo de
construção, compondo esteticamente as fachadas.

Conclusões

Do auge do transporte ferroviário até o seu declínio e abando, e do abandono até os dias
atuais, muitas transformações ocorreram na área da antiga esplanada ferroviária de Campo
Grande/MS.

A paisagem ferroviária e o descampado da esplanada onde o conjunto da rotunda está


inserido contribuem para reforçar a identidade do bem e potencializa sua leitura na
paisagem, porém, a proximidade de algumas edificações espúrias, como é o caso de duas
residências contíguas ao prédio e a implantação da arquitetura da Feira Central na antiga
esplanada, que não fazem parte do conjunto ferroviário, perturbam a leitura dos edifícios,
elementos soltos, intercalantes e de destaque.

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As medidas de acautelamento, como os tombamentos e a inclusão do conjunto ferroviário
na Zona Especial de Interesse Cultural (ZEIC) do Plano Diretor da cidade, não foram
suficientes para impedir a piora do estado de conservação do conjunto da rotunda de
Campo Grande, principalmente após a desativação das atividades ferroviárias e seu
posterior abandono pela municipalidade, atual proprietária dos edifícios.

As ações de conservação, restauração e valorização das áreas de prestígio social do


Complexo Ferroviário da cidade, estação, armazém, casa do engenheiro chefe e até mesmo
a Feira Central, objeto estranho ao contexto ferroviário, demonstram a prioridade e interesse
por esses setores.

Já os setores do trabalho em si, que são os locais das oficinas e do conjunto da rotunda,
engrenagens importantes do sistema ferroviário, permanecem abandonados e esquecidos
pelo poder público e pela sociedade, mesmo com tantas propostas já realizadas para a área
ano após ano. Os edifícios se encontram atualmente num processo de invisibilidade na
malha urbana da cidade, pois mesmo com suas proporções monumentais e de destaque,
foram “apequenados” por muros, gradis, construções irregulares e o principal, pela falta de
um uso efetivo, fator que contribui significativamente para a progressiva deterioração
material da edificação, e consequentemente degradação socioespacial da região como um
todo.

Bibliografia

FINGER, Anna Eliza. Um Século de Estrada de Ferro no Brasil - entre 1852 – 1957. 2013.
Tese (Doutorado em Arquitetura) - Universidade de Brasília, Brasília.

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www.estacoesferroviarias.com.br. Acesso em: 28 set. 2021.

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- Lista de Bens Tombados. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-12-
%20CONTROLE%20BENS%20TOMBADOS.xlsx. Acesso em: 28 set. 2021

- Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário

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Lista_do_Patrimonio_Cultural_Ferroviario.xlsx

MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro:
RFFSA, 1987.

MOREIRA, Daniele Couto. Arquitetura Ferroviária e Industrial: o caso das cidades de São
João del‟ Rei e Juiz de Fora (1875 -1930). 2007. (Dissertação Mestrado em Arquitetura) –
Universidade de São Paulo, São Carlos.

RELATÓRIO DA DIRECTORIA DA COMPANHIA E. F. NOROESTE DO BRASIL – Anos de


1941 e 1943 (R.41 e R43).

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EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE “CIDADE IMPERIAL” E SEUS


REFLEXOS NO ESPAÇO URBANO DE PETRÓPOLIS/RJ

MORAES, NATHALIA C. S. de (1)

1. Universidade Federal do Rio Janeiro. Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio


Av. Pedro Calmon, 550/sl. 433 — Prédio da Reitoria, Ilha do Fundão — Rio de Janeiro — RJ
nathalia.moraes@fau.ufrj.br

RESUMO
Petrópolis, conhecida como “Cidade Imperial”, se destaca pelo seu patrimônio cultural com diversos
exemplares arquitetônicos de diferentes períodos históricos, muitos dos quais se encontram
preservados até os dias atuais. Como paisagem cultural, o núcleo urbano do município vem sendo
ressignificado sem perder a força de sua imagem. Entretanto, em função de uma imagem construída
socialmente, seus habitantes constroem narrativas onde almejam se encaixar em termos sociais e
culturais, enaltecendo e envolvendo Petrópolis em uma aura de nobreza. Estas representações
sociais construídas sobre os lugares não se encontram apenas em textos historiográficos, mas
também em diferentes formas de narrativa e documentos, como nos edifícios arquitetônicos e no
espaço urbano. A análise destas representações sobre o cenário e os personagens centrais da
história de Petrópolis nos faz refletir a respeito deste contexto cultural da cidade. O objetivo deste
trabalho é compreender os significados da “Cidade Imperial” e apresentar seus reflexos no espaço
urbano desde sua fundação até os dias atuais. É notável que as políticas de gestão do patrimônio
cultural em Petrópolis estabelecem esta narrativa afirmando tal identidade para o controle interno e
comunicação externa, voltadas ao turismo. Não obstante, a importância da história da cidade de
Petrópolis e o uso de sua arquitetura pela população local e por turistas mostra que sua imagem
“imperial” não se trata de algo ligado somente ao comércio e exploração turística, mas sim ao valor
dado a essa cidade e suas tradições enquanto um valor simbólico, que se percebe nas subjetividades
e no reconhecimento do patrimônio material e imaterial.

Palavras-chave: Imagem da cidade; Cidade Imperial; Paisagem urbana; Petrópolis / RJ.

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INTRODUÇÃO
Petrópolis é um município serrano do estado do Rio de Janeiro, reconhecido como uma
cidade histórica por possuir um conjunto expressivo de elementos arquitetônicos, edificados
desde o período do Império, e muitos dos quais se encontram preservados até os dias
atuais.

Esta condição pode ser observada principalmente na área reconhecida como Centro
Histórico, que também é o centro comercial, onde se desenvolvem as principais atividades
administrativas, de lazer, turismo e cultura, com repertório arquitetônico, urbanístico e
paisagístico de diferentes períodos históricos. O local é tombado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como Conjunto Urbano-Paisagístico desde 1980,
enquanto extensão do tombamento original de 1964, que considerava apenas os elementos
culturais do eixo da Avenida Köeler.

O trabalho realizado buscou estudar a paisagem cultural deste núcleo urbano, caracterizada
pelo local de clima frio e paisagem natural abundante, em que sua própria história e seu
patrimônio cultural têm sido elementos continuamente ressignificados, sem perder a força de
sua imagem. A associação à ocupação inicial do território pela Família Imperial se apresenta
como um tema que é um dos principais elementos de atração turística, e como turismo
sempre teve forte presença como atividade econômica local, acaba exercendo grande
impacto na vida dos moradores e visitantes, assim como traz reflexos no espaço urbano.

Para a observação do tema proposto, foram feitas pesquisas documental e bibliográfica


sobre Petrópolis, delimitando o estudo nos temas do território e da imagem da cidade,
investigando sobre as origens, tombamento do patrimônio e paisagem cultural atual. Para
tal, foram investigadas teses e livros, assim como instituições de pesquisa e arquivos
petropolitanos. Foi realizado também levantamento em campo em que foram observados
traços físicos dos lugares, além da utilização de mapas, plantas e registros fotográficos que
buscam observar o contexto cultural do local.

Dessa maneira, com o estudo da história do município, a observação de suas arquiteturas,


de suas diferentes dinâmicas urbanas, suas legislações e atrações, buscou-se entender os
processos que levaram a cidade de Petrópolis ao que é presentemente. Os resultados
encontrados apontam que a construção da imagem e suas implicações na paisagem tem se
mostrado como um diferencial dentre as diversas possibilidades relacionadas às atividades
desenvolvidas na cidade.

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O PROJETO DA CIDADE DE PETRÓPOLIS

A história do núcleo urbano original da cidade de Petrópolis está intimamente relacionada à


Família Imperial. A antiga Fazenda do Córrego Seco foi uma propriedade adquirida por D.
Pedro I em 1830, que reconhecia na região de clima mais ameno o potencial para construir
seu palácio de veraneio. Todavia, os planos foram postergados até que seu filho, D. Pedro II
assumisse o trono, indo além dos planos originais e construindo não só o Palácio do
Imperador, mas planejando todo o povoado que viria a se estabelecer ao redor, a Colônia
Imperial.

Em 1843, D. Pedro II arrenda suas terras ao alemão e engenheiro militar Major Júlio
Frederico Köeler, que se torna o primeiro Superintendente da Fazenda Imperial. Com o
documento intitulado “Recomendações”, Köeler estabelece uma série de diretrizes para a
ocupação do território, respeitando a rede hidrográfica composta pelo Rio Palatino, Rio
Quitandinha e Rio Piabanha, e a topografia existente, implantando as vias nos vales para
evitar o corte dos morros.

As características da urbanização propostas no plano Köeler fizeram de Petrópolis única em


vários sentidos: o tamanho dos lotes estreitos e profundos, a disposição das construções
nos terrenos e, principalmente, por serem as testadas principais dos lotes voltadas para um
rio, o qual não poderia ser usado como esgoto — uso comum da rede fluvial à época. Este
conjunto de recomendações visava ao melhor aproveitamento do solo, preservando a
natureza local e garantindo melhor qualidade de vida (GUERRA; GONÇALVES & LOPES,
2007).

A primeira planta da cidade (figura 1) é datada de 1846 e contém a área urbana de


Petrópolis e seu entorno, dividido em quarteirões destinados à ocupação pelos colonos.
Uma segunda planta, também de 1846, detalha em uma escala maior o projeto da Vila
Imperial, onde se encontra o projeto do Palácio Imperial e das principais vias, Rua do
Imperador, Rua da Imperatriz e Rua D. Afonso, atual Avenida Köeler.

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Figura 1 - Planta cartográfica da Imperial Colônia de Petrópolis com destaque para área da Vila
Imperial. Fonte: Ibram / Museu Imperial, modificado por Nathalia Moraes (2021)

Como a cidade foi idealizada para ser construída por trabalhadores livres, o processo de
imigração de europeus foi incentivado. A colonização germânica foi a mais expressiva,
seguida pela italiana, portuguesa, francesa e inglesa. Esta conformação imprimiu diferentes
especificidades nos espaços físicos da cidade e trouxe, através de bens materiais e
imateriais, diferentes manifestações culturais, atividades e serviços predominantes, festas,
valores, hábitos e tradições.

Já na Vila Imperial, os lotes foram divididos em classes, hierarquizados de forma que o valor
do solo aumentava quanto mais perto fosse do Palácio Imperial, e teriam sido doados a um
grupo de indivíduos escolhido pelo próprio Imperador, amigos e figuras influentes da época,
que construíram um conjunto relevante de edificações. O processo de ocupação nesta
região privilegiou as atividades residenciais e comerciais. A Rua do Imperador se tornou o
polo comercial da cidade, com diversas instalações visando à prestação de serviços que
atendessem às necessidades da corte imperial, que ocupava a Rua da Imperatriz e as
adjacências (TORRE, 2014).

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Em 1889, mesmo com o receio da cidade perder prestígio com a proclamação da República,
Petrópolis manteve o estatuto de “cidade de veraneio”, frequentada por políticos, diplomatas
e pela elite burguesa ligada à economia do café. Assim, para além da vocação econômica
industrial que se sobressaiu nos primeiros anos, Petrópolis sempre foi referenciada como a
cidade que se desenvolveu a partir do fluxo de viajantes desde a época do Império, em que
o modelo de passar temporadas na cidade contribuiu para formação do turismo que se
instalou na cidade (ANGELO, 2014).

Legislação urbana e processos de tombamento

A Lei Municipal nº 7.167 de 28/03/2014, que revê e atualiza o Plano Diretor de Petrópolis,
instituído pela Lei nº 6.321 de dezembro de 2005, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento sustentável do Município (PMP, 2014). Seus dispositivos devem ser
interpretados observando particularidades do Plano Köeler e suas recomendações, em
especial quanto à divisão geográfica da cidade, a função social da propriedade e o respeito
à ecologia. Segundo o artigo 5º, o planejamento municipal tem garantida sua implementação
e aplicabilidade através do principal instrumento legal, a Lei de Uso, Parcelamento e da
Ocupação do Solo (LUPOS).

A LUPOS assegura a plena realização das funções mediante a diferentes fatores como
adequada distribuição espacial da população, das atividades socioeconômicas e dos
equipamentos urbanos, e proteção, preservação e recuperação do meio ambiente e do
patrimônio histórico, artístico, cultural, natural e paisagístico (PMP, 1998). A Lei define
também os índices urbanísticos de controle dos usos e densidade de ocupação do solo.
Segundo o artigo 11, a zona urbana da cidade de Petrópolis é subdivida em: I – setor
residencial (SRE); II – setor de atividades urbano (SAU); III – setor de uso diversificado
(SUD); IV – setor histórico (SEH); e V – setor de interesse à proteção (SIP).

A área da antiga Vila Imperial é correspondente hoje ao Centro Histórico de Petrópolis, em


que predomina o Setor Histórico (SEH), que contém os imóveis, logradouros, sítios, praças,
elementos e monumentos tombados, em conjunto ou isoladamente, pela União, Estado e/ou
Município.

A primeira solicitação de tombamento na cidade foi feita pelo presidente do Instituto


Histórico de Petrópolis (IHP), em 1962, de modo a evitar a demolição de um palacete
eclético construído ainda na época do Império, na Avenida Köeler — o atual Palacete Sergio
Fadel, que tornou-se sede administrativa da prefeitura municipal — para construção de um
conjunto de blocos de apartamento. O argumento da solicitação consistia em que as novas
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construções ameaçariam a harmonia da paisagem local. Assim, foi solicitado o tombamento
de todo o eixo da Av. Köeler, desde a Catedral até a Universidade Católica.

Em resposta, o IPHAN se colocou contra o tombamento das edificações isoladas, com a


negativa de atribuição de valor artístico e/ou histórico às edificações, em sua maioria
ecléticas, mas recomendara o tombamento urbano-paisagístico, justamente para preservar
a paisagem, visto que se entendeu que o código de obras da cidade de Petrópolis não
garantia a sua manutenção (MAURICIO, 2016).

O “Conjunto Urbano-Paisagístico da Avenida Köeler”, foi inscrito no Livro do Tombo


Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1964. Segundo Torre (2014), o sentido do
tombamento “urbanístico” pretendia preservar as características morfológicas do plano da
Vila Imperial, enquanto o sentido de “paisagístico” atribuía valor histórico e cultural para a
paisagem natural, a arborização da via e os projetos dos jardins residenciais.

Nos anos seguintes, foram solicitadas pela população através de um órgão local as
expansões da área tombada de modo a evitar que o entorno da Avenida Köeler fosse
prejudicado pelo crescimento e especulação imobiliária. Foram estudadas pelo IPHAN as
residências de personagens importantes, que não apenas eram revestidos de valor de
testemunho histórico, mas mantinham, também, o equilíbrio da paisagem. Em 1980, foi
decidida a inscrição da extensão do tombamento do Conjunto da Köeler para toda a área
reconhecida como Centro Histórico (MAURICIO, 2016).

Também houve mobilização popular para serem realizados estudos para o reconhecimento
e proteção de diversos bens em Petrópolis que não eram tombados pela instância federal ou
municipal. Coordenado pelo órgão de planejamento metropolitano do Estado, o Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) produziu um trabalho técnico de elaboração de
um inventário dos bens arquitetônicos e de proteção ao patrimônio ambiental urbano de
Petrópolis. O tombamento definitivo efetivado pelo Estado foi no ano de 1998 e possui uma
maior extensão e diversidade de ambientes, envolvendo as edificações que conservassem
elementos característicos da vida dos imigrantes e os conjuntos fabris, contabilizando
dezoito conjuntos localizados no primeiro distrito. O conjunto é caracterizado por seus
ambientes natural e construído, nos quais se destacam as edificações datadas das
primeiras décadas do século XX (INEPAC, 1998).

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CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA CIDADE

O processo de construção de uma imagem específica em cidades brasileiras que se


tornaram centros de atração turística, com suas imagens ligadas à tematização vinculada à
própria história, passa por diversos elementos e práticas, mas em que se destaca
especialmente a relação com o espaço construído e como as pessoas se relacionam com
ele, seus usos e sua construção simbólica (FAGERLANDE, 2015).

A ideia de “imagem da cidade” mostra como, através de um estudo mais aprofundado da


história de cada lugar, pode-se chegar ao entendimento do processo de construção de sua
imagem. Sabemos que o espaço construído é um reflexo da sociedade, mas é, também, em
via de mão dupla, um formador ativo da identidade humana, como diz Weisman (1992).
Segundo a autora, o espaço construído é uma linguagem social e dinâmica que tende a
refletir as condições de poder de certos grupos em detrimento de outros. Assim, o processo
de identificação aos espaços constrói narrativas que vão sendo assimiladas pela população
enquanto [re]escreve sua história e molda, em seus habitantes, as formas de reconhecem-
se a si mesmos.

Segundo Daniel Gevehr (2014), as representações sociais construídas sobre os lugares não
se encontram apenas em textos historiográficos, mas também em diferentes formas de
narrativa, como os diversos discursos, os textos literários, as pinturas, os museus, as
narrativas cinematográficas, entre outras.

Em função de uma imagem construída socialmente, algumas cidades desenvolvem


“escolhas espaciais” enquanto seus habitantes constroem narrativas onde almejam se
encaixar em termos sociais e culturais, promovendo o reconhecimento de si mesmos dentro
de um contexto temporal, social e cultural. A arquitetura se mostra no contexto cultural da
cidade como um importante documento para análise destas representações construídas
sobre o cenário e os personagens centrais da história, nos fazendo refletir a respeito do
contexto em que cada narrativa se insere, e principalmente, sobre os propósitos que levam
a contar a história dessa ou daquela perspectiva.

Não se pode apreender em sua totalidade o universo infinito de símbolos que envolve a
cidade, pois cada um de nós estabelece relações próprias com o lugar, descreve com ele
uma trajetória sempre singular. O que se pode compreender são representações individuais
e coletivas baseadas em conteúdos simbólicos gerais.

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De acordo com Pollak (1992), as edificações participam da construção da identidade dos
indivíduos e dos grupos sociais no momento em que a memória é acionada – seja para
garantir orientação espacial, fazer referência a outros lugares visitados ou simplesmente
para reavivar lembranças de fatos pessoais ou provenientes da história pública que
ocorreram naquele espaço garantindo a sensação de pertencimento a uma cultura e a um
tempo histórico. Neste sentido, as edificações, assim como outras produções humanas, se
tornam elementos simbólicos e sua preservação na cidade enquanto representação da
sociedade pode estar vinculada a processos de inclusão ou exclusão social.

Para além dos significados e valores atribuídos ao patrimônio cultural, é necessário também
compreender a relação entre o turismo e a cidade, em que esta atividade pode ser
transformadora e estabelecer relação positiva ou negativa com as sociedades locais. No
debate sobre a relação entre cultura e turismo, de um lado considera-se que a defesa do
patrimônio deve ser feita primeira e diretamente com a comunidade à qual ele está ligado,
enquanto de outro, vê-se na atividade turística, de forma controlada, uma oportunidade para
preservar e conservar o patrimônio, tanto pela justificativa de uso, quanto pelo lucro que
traz.

Ao falar sobre o turismo e a cidade, Urry (2001) aponta definições sobre a maneira como a
imagem e o turismo vem se tornando atividades próximas, e como os lugares ligados à esta
atividade se tornaram lugares de consumo e o próprio turismo se tornou uma mercadoria,
constituindo-se em objeto de consumo em grande escala.

Segundo Choay (2011), uma das problemáticas contemporâneas acerca do patrimônio


cultural consiste em um processo de mercantilização do patrimônio edificado, em que o
turismo contemporâneo e seu potencial transformador das cidades pode apropriar-se do
passado, recriar memórias, construir novos cenários a serem consumidos por turistas. Para
combater este problema, a autora afirma ser necessária uma abordagem educacional e de
formação, através da aquisição de saber e exploração multissensorial do espaço construído,
contando com a participação coletiva e local na produção de um patrimônio vivo
fortalecendo todas as identidades regionais.

Em muitas cidades acabam sendo construídos cenários para o turismo, como uma maneira
de representar na arquitetura diferentes temas, em que cidades turísticas são mais
valorizadas quando associadas a paisagens e situações geográficas naturais específicas, e
assim, esse processo atende às demandas atuais, com reflexos na urbanização e
configuração da paisagem urbana:

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No Brasil, este processo de construção de imagem ligado à arquitetura que busca
uma imagem europeizante e de países frios está relacionado não somente à
tradição cultural destes lugares, mas a uma ideia de montanha, clima frio, segurança
e conforto que os países europeus transmitem. (FAGERLANDE, 2015, p.49)

É necessária a compreensão que o estabelecimento deste cenário faz parte de uma cultura
do turismo, entre os quais estão os cenários ligados à paisagem europeia. Esse critério é
encontrado em outras cidades que também se fortalecem pelo passado de ocupação por
colônias estrangeiras e pela paisagem natural dos lugares onde isso acontece, em geral,
nas regiões serranas, como nas cidades de Gramado, Penedo e até Petrópolis
(FAGERLANDE, 2015).

Imagem da “Cidade Imperial”

A sociedade petropolitana relaciona intrinsecamente sua identidade com a Família Imperial,


que contribuiu para que a cidade de Petrópolis iniciasse seu desenvolvimento e rapidamente
alcançasse importância política, econômica e cultural. Desde meados do século XIX,
observa-se que parte das narrativas construídas sobre o passado procurou reduzir no
imaginário das pessoas uma cidade vista por meio desse prisma que a envolve em uma
aura de nobreza e solidifica certas imagens sobre esse passado idealizado. Essa visão que
prioriza certos personagens centrais e os coloca em um patamar diferente, colabora para
uma visão distorcida da realidade e muito contribui para a difusão de um conhecimento
parcial e acrítico da realidade.

Uma tendência a partir dos anos 1970, segundo Fagerlande (2015), aponta um processo
ocorrido globalmente, em que instituições governamentais locais e moradores passaram a
mobilizar esforços para atrair turistas para suas cidades, combinando transformações nas
estruturas urbanas e arquitetônicas que ressignificaram e revalorizaram suas próprias
histórias e tradições locais.

Paralelamente ao processo de tombamento de parte do município pelo IPHAN, em 1978


surge um projeto de lei com o intuito de atribuir à Petrópolis o título de “Monumento
Nacional”. A proposta apresentava como justificativa a aceleração de um progresso visto
como negativo, pois a construção de prédios modernos prejudicava a imagem de valor
histórico, artístico e natural. O IPHAN ao analisar a cidade de Petrópolis, emitindo seu
parecer sobre as regiões da cidade que deveriam ser tombadas e a validade do projeto de
lei, recomendou “a troca do título de ‘Monumento Nacional’ para ‘Cidade Imperial’, por ser
mais adequado à dinâmica do Município” (MAURÍCIO, 2016, p.200).

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Desde suas origens, Petrópolis vem utilizando seus elementos culturais e história local para
criar suas imagens que, correspondendo a uma expectativa turística, possibilita manter
economicamente e preservar o patrimônio arquitetônico, urbano e natural.

RESULTADO NA PAISAGEM PETROPOLITANA


Sabe-se que as relações emocionais das/nas cidades são constituídas por meio da
percepção ambiental, em que o ser humano tem apreensão do espaço de forma
multissensorial que desperta memórias e afetos. Segundo Kanashiro (2003), o senso de
lugar e das relações do ser humano com o seu meio delineiam a riqueza de sensações nas
cidades.

Um dos caminhos para entender os diversos significados encontrados em uma cidade passa
pela relação com o turismo, relação esta que vem sendo influenciada cada vez mais sobre
como essa atividade turística se baseia na visualidade e na imagem. Urry (2001) considera
o olhar do turista como formador de toda estrutura ligada à atividade turística e tem uma
especial preocupação com a cidade e a maneira como ela é percebida, inicialmente através
da visualidade, mas também através de outros sentidos.

Os aspectos da “Cidade Imperial” são enaltecidos pelo seu patrimônio cultural edificado
(figura 2), com grandes casarões e palacetes, tornando-se um espaço para encontros
políticos, artísticos e sociais, produzindo um espaço urbano bem singular em comparação
com aquele encontrado em outras cidades da região. Muitas destas edificações originais
foram preservadas e encontram-se em bom estado de conservação, transmitindo a
concepção de autenticidade.

Figura 2 – (a) Vista da Praça da Liberdade para a Catedral São Pedro de Alcântara pelo eixo da
Avenida Köeler. (b) Obelisco e edifícios da Rua do Imperador. (c) Museu Imperial localizado na Rua
da Imperatriz. Fonte: Acervo pessoal (2020).
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A autenticidade do núcleo urbano histórico de Petrópolis é um grande diferencial de
valorização da paisagem, pois, diferentemente de muitas cidades que tiveram a
necessidade de desenvolver suas imagens como cidade de fundação europeia de maneira
mais intensa para ser utilizado como diferencial turístico, por aqui não se encontra este tipo
de “arquitetura cenarizada” (FAGERLANDE, 2015), mesmo que haja propensão pela
tematização “imperial”.

Entretanto, a imagem de Cidade Imperial que busca envolver Petrópolis em uma aura de
nobreza apresenta reflexos tanto em seu espaço construído quanto na visão de mundo de
seus habitantes. É notável que as políticas de gestão do patrimônio cultural em Petrópolis
buscam estabelecer esta narrativa afirmando tal identidade para o controle interno e
comunicação externa, voltadas principalmente ao turismo.

Assim, observamos o processo cada vez mais frequente na cidade que diz respeito à
mudança de uso residencial das edificações para outros usos como museus, restaurantes,
pousadas e outras instituições de uso público, em que a manutenção da arquitetura de
antigos casarões representantes da nobreza e das elites, em sua maioria de estilo
neoclássico e eclético classicizante, procuraram preservar ao máximo as formas e
estruturas originais.

Ao mesmo tempo, podemos observar que o mesmo respeito à materialidade, técnicas


construtivas e bens culturais integrados não é dado a arquiteturas de outros períodos
históricos e estilos arquitetônicos, como aos sobrados coloniais e art-deco, por exemplo.
Nestes exemplares, muitas vezes vemos processos de descaracterização da arquitetura
tipológica, sujidade, instalações elétricas inadequadas que podem até ocasionar acidentes
maiores, como resultado da falta de uma fiscalização e educação patrimonial mais
abrangente e democrática.

Um processo menos frequente, mas que não passa despercebido, é a cenarização como
estratégia de construção de imagem em situações com origens e inserções distintas.
Assim, surgem elementos arquitetônicos que fazem alusões à imagem imperial, seja pelo
nome dos estabelecimentos, seja pela representação arquitetônica neoclássica, mas que
não apresentam valor histórico (figura 3).

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Figura 3 – (a) Pórtico de acesso à cidade. Fonte: Nathalia Moraes (2020). (b) Hostel Vin Imperial.
Fonte: Booking.com (2021)

Outras consequências trazidas na paisagem de Petrópolis dizem respeito às políticas de


proteção do patrimônio que envolve apenas edificações do Centro Histórico, em um
processo que ignora a importância dos bairros característicos da imigração dos diversos
colonos europeus. As relações culturais de costumes e tradições foram demarcando áreas e
formando outras comuns que se definiam por meio das necessidades de sobrevivência:

A transmissão de tradições, de hábitos e valores entre as gerações de pessoas que


habitam o lugar interage com as práticas de sobrevivência econômica, social e
cultural, à medida que constrói sua realidade com base em um universo de
representações. A própria denominação de ruas, lojas e demais representações
temporais são elos de formação simbólica, mesmo após a Proclamação da
República e o exílio da família imperial (ANGELO, 2014, p.268).

Ao pensar na construção destes espaços geograficamente edificados, tem-se a distribuição


em bairros, onde as concentrações dos grupos foram sendo organizados dentro de uma
dinâmica espacial e cultural específica. Assim, dos/aos imigrantes foram atribuídos sentidos
que estão intrinsecamente ligados às festas culturais que, de certa forma, enfatizam as
diferenças culturais dos grupos de imigrantes e são mais um fator de atração turística.

Quanto à herança germânica, a mais expressiva na cidade, para além da descaracterização


urbana dos quarteirões e dos poucos elementos arquitetônicos originais restantes, a forte
presença de descendentes e a manutenção de algumas tradições e costumes,
principalmente à culinária e indústria cervejeira, levou à cidade de Petrópolis a estimular
também esta temática em associação ao turismo. Alguns elementos passaram a ser
cenarizados, como a arquitetura de estilo normando, à exemplo do Palácio Quitandinha.

Entretanto, a maior representação desta cultura diz respeito à criação do festival étnico e
cultural intitulado “Bauenfest”, ou Festa do Colono Alemão, que ocorre desde 1989 e
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considerada a segunda maior festa do tema no Brasil. Sua origem remonta ainda o início do
século XX, em que descendentes dos colonos organizavam quermesses com música,
danças e pratos tradicionais. Atualmente a realização da festa é nos arredores do Palácio de
Cristal, e movimenta milhares de turistas e milhões de reais, em que se destaca a
apresentação de grupos de danças folclóricas e a culinária alemã (figura 4).

Figura 4 – (a) Palácio de Cristal em dia de Bauernfest. (b) Hotel Quitandinha em dia de Natal Imperial.
Fonte: Sou Petrópolis (2019)

Obviamente nem todos os grupos foram privilegiados neste processo. Além da cultura
germânica, a cultura italiana também criou laços típicos das regiões que vieram com as
partes da cidade onde se estabeleceram. Com o fracasso da colônia agrícola, teve início o
processo de industrialização de Petrópolis, que se tornou um centro de atração de
investimentos em companhias têxteis. Apesar de possuir um valoroso acervo da arquitetura
industrial, as edificações vêm sendo deixadas à sua própria sorte, transformando-se em
ruínas, estacionamentos ou fomentando ações e ocupações irregulares. Mesmo assim, por
conta da tradição turística das festas étnicas, em setembro celebra-se a Festa da Itália
intitulada “Serra Serata”, em homenagem aos imigrantes e descendentes de colonos
italianos, em que ocorre shows musicais, danças, exposição de fotos e vendas de comidas
típicas.

A partir da análise sobre alguns aspectos da paisagem e do patrimônio material e imaterial


encontrados na cidade, o resultado desta pesquisa aponta para a conhecimento e
reconhecimento não só da identidade imperial, mas de outras identidades encontradas no
espaço urbano como determinantes do turismo cultural e sua preservação como aspectos
de representação da cultura petropolitana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção da imagem e suas implicações na paisagem tem se mostrado como um


diferencial dentre as diversas possibilidades relacionadas às atividades desenvolvidas em
uma cidade, em que o turismo vem se destacando como fator de ressignificação do espaço.
Trata-se de uma maneira de estabelecer um interesse que seja, ao mesmo tempo, ligado às
culturas locais e à competitividade econômica da cidade.

Vivemos em uma sociedade cada vez mais crítica e exigente quanto à contemporização do
seu patrimônio e quanto aos novos conhecimentos, necessidades e tecnologias, de forma
respeitosa à autenticidade, percepção e materialidade. Para além de contemplar o quão se
torna importante os espaços históricos como este centro urbano, esta pesquisa aprecia de
forma indescritível a estética de tais objetos, observa e discute sua essência, analisa o
impacto social dentro e fora destes edifícios e o que faz com que sejam de grande
complexidade de entendimento.

A importância da história da cidade de Petrópolis foi transposta para a imagem “imperial”


que se buscou dar-lhe, sem comprometer a autenticidade de suas edificações no meio
urbano histórico. O uso dessa arquitetura pela população local e por turistas, e sua
apropriação como algo de valor, relacionada à sua história, mostra que não se trata de algo
ligado somente ao comércio. O valor dado a essa cidade e suas tradições também se junta
a um valor simbólico, que se percebe e se reconhece no patrimônio imaterial.

O potencial risco negativo à materialização da imagem da “Cidade Imperial” compreende


como o processo de identificação se liga estreitamente às relações de poder, em que
acabamos por excluir grupos e indivíduos do acesso aos bens sociais e simbólicos. Avalia-
se que é necessário que o espaço cultural de Petrópolis suscite reflexões sobre questões
ligadas à sociedade, promovendo o desenvolvimento humano, e sobretudo, contribuindo
com a formação de subjetividades capazes de pensar Petrópolis, no presente e no futuro,
valorizando sua história.

Assim, fica cada vez mais claro que a participação popular de diversos setores dessas
comunidades em estabelecer critérios adequados com relação à arquitetura, urbanismo, uso
das tradições e de como os eventos interferem na vida das cidades e de seus moradores. A
necessidade de entender cada vez mais a própria história pode ser um dos fatores que
ajudem nesse processo, pois a partir do conhecimento do passado e do estímulo à
valorização de suas raízes as populações podem melhor decidir os caminhos que querem
para suas vidas.
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Uma das medidas que poderiam ser tomadas para a maior compreensão deste espaço é a
implantação e planejamento do turismo cultural sustentável, através de uma abordagem de
educação patrimonial, com a criação de diferentes roteiros temáticos que abarcariam todas
as potencialidades da região, incluindo: identificação de pontos turísticos e equipamentos
urbanos, sensibilização das comunidades locais, documentação histórica, inventário do
patrimônio, organização dos empreendedores, planejamento de atividades dinamizadoras e
elaboração de material de divulgação.

Ao construir imagens ligadas às tradições, mas sustentadas pelas atividades comerciais,


não se deve esquecer das ligações com a cultura local, estimulando atividades que, mesmo
não sendo comerciais, necessitam permanecer como exemplos dessa cultura e fazendo
com que os envolvidos nas atividades mais ligadas ao mercado entendam que o diferencial
de Petrópolis se caracteriza por suas diversas culturas locais. A cidade é Imperial, mas é
viva na contemporaneidade, suscitando o estimulo ao olhar mais diverso neste espaço
urbano.

REFERÊNCIAS

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relações com a história do turismo e da cidade. In: Rosa dos Ventos, v.6 n.2, abril-junho,
2014, pp. 263-279. Universidade de Caxias do Sul: Caxias do Sul, Brasil.

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Traço, 2011.

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cenarização em colônias estrangeiras no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2015.

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modernidade: questões para o ensino de história. In: Revista Brasileira de Educação, v.21,
n.67, p.18: Taquara, 2016.

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da Ocupação desordenada e movimentos de massa no município de Petrópolis, nas últimas
décadas. In: Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 8, n.1, p.35-43, 2007.

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tombados no primeiro distrito de Petrópolis: Conjunto urbano-paisagístico da rua do
Imperador e adjacências. Disponível em:
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06 a 08 de outubro de 2021
<http://www.inepac.rj.gov.br/index.php/bens_tombados/detalhar/202>. Acesso em: 29 de
setembro de 2021.

IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Petrópolis


(RJ). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/382/>. Acesso em: 29 de
setembro de 2021.

KANASHIRO, M. A cidade e os sentidos: sentir a cidade. In: Desenvolvimento e Meio


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MAURICIO, M. M. Teoria e prática da compatibilidade de usos do patrimônio: a realidade de


Petrópolis, RJ. In: Museologia e Patrimônio – Revista Eletrônica do Programa de Pós-
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Disponível em <https://www.petropolis.rj.gov.br/sma/legislacao/lei_5393.php>. Acesso em:
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EIXO TEMÁTICO 4 – A via crítica do patrimônio: trajetórias e
perspectivas - Patrimônio e valores: a perspectiva crítica; A trajetória
das políticas de preservação: entre o lembrar e o esquecer; Atores e
agentes do patrimônio e sua ação ao longo do tempo; Arquivos e
historiografia da arquitetura: a constituição do corpus patrimonial; A
emergência da cidade como objeto de preservação; Intervenções sobre
o patrimônio protegido: métodos e perspectivas.

A PAISAGEM EMINENTE DO LARGO DA ENCRUZILHADA


LOBO, Eduarda Barbosa Tenório. (1)

1. Universidade Católica de Pernambuco. UNICAP ICAM-TECH. Rua do Príncipe, 526,


CEP: 50050-900 - Boa Vista - Recife, PE, Brasil. Bloco D. 1° andar.
eduardabtlobo@gmail.com

RESUMO

Entender a cidade como um organismo vivo, é compreender que ela está em constante
transformação, firmando as marcas das ações humanas. A qual expressa através de bens materiais e
imateriais, a identidade cultural de uma sociedade em um determinado espaço. No entanto, a falta de
planejamento para essas mudanças pode proporcionar uma possível degradação ou mal uso desse
patrimônio, permitindo perda de elementos que agregam valor, significado e/ou identidade a esse
lugar. Nesse contexto, a pesquisa se situa no Largo da Encruzilhada, no bairro da Encruzilhada, na
cidade do Recife-PE. Esta área é uma zona de centro secundário, com forte influência econômica na
cidade por suas atividades comerciais. Ela é composta por diversos exemplares arquitetônicos, que
marcam distintos períodos da ocupação territorial recifense, assim como é privilegiada pelo seu eixo
viário, que a liga tanto ao centro principal, como também a Olinda.
Esse estudo tem o intuito de desenvolver um plano de massa que vise a renovação urbana
da área do entorno do Mercado da Encruzilhada de modo que contribua para o seu desenvolvimento
urbano, social e econômico ao mesmo tempo que promova uma arquitetura de qualidade e preserve
a sua identidade. Desse modo, ele consiste na análise de todo o conjunto urbano (interface
arquitetônica, relação com o indivíduo, relação espaço construído e entorno), por meio das
metodologias de Metamorfose Arquitetônica de ANDRADE (2006) e Arquitetura Urbana de DUARTE
(2014), para a compreensão dos elementos que podem carregar seu valor.
Como resultado, obteve-se um diagnóstico da área de estudo de modo que se possa
compreender as suas características específicas e identificar as suas qualidades espaciais com
ênfase na visão da arquitetura integrada com o espaço urbano. Em sequência, há a elaboração do
plano de massa, que segue diretrizes projetuais alinhadas as características e necessidades
identificadas através das visitas de campo, da análise da área e de uma pesquisa qualitativa com
usuários do local. Este plano se deu, em vazios urbanos identificados em função da morfologia, da
implantação no lote e usos, onde os mesmos não representaria os aspectos a serem conservados.
Em suma, o plano urbano proposto surge com o intuito de resultar positivamente no uso e
ocupação do solo introduzindo uma boa arquitetura urbana na área, contribuindo para a vivacidade
do Largo da Encruzilhada e sua importante função econômica e histórica na cidade do Recife.
Manifesta-se também, como uma forma de evidenciar o mesmo e a relevância de sua paisagem
urbana construída, material e imaterialmente.
Palavras-chave: Largo da Encruzilhada, Paisagem Cultural Urbana, Renovação Urbana, Arquitetura
Urbana.
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Cidades são espaços de herança de povos e de culturas anteriores, são referência
de acontecimentos passados, expressos em suas paisagens, fomentando seu patrimônio
histórico. “São bens materiais, imateriais, naturais, ou paisagens, de significância cultural,
religiosa, artística ou estética que possuem um valor inestimável para uma determinada
sociedade de uma região, país, ou a nível mundial” (MELO, 2017, p. 19). Sendo assim, é de
extrema relevância definir maneiras de manter este patrimônio, e preservar a sua
identidade, de forma contemporânea, para que se garanta às futuras gerações o
conhecimento deste legado.

Houveram diversas discussões referentes à preservação do patrimônio histórico,


iniciada com Viollet le Duc e Ruskin, no século XIX. Assim como também, há as
manifestações e declarações das Cartas Patrimoniais, que de certa maneira difundiram a
visão dos pensadores precedentes. São documentos relevantes, que possuem o intuito de
orientar a preservação desses bens, onde a noção de patrimônio foi ampliada a cada nova
publicação, passando da leitura do monumento isolado para uma visão mais ampla, a priori
as modestas edificações de valor cultural, depois o entorno imediato e os conjuntos
urbanos, chegando-se na categoria de paisagens como bens culturais.

Partindo da ampliação da visão do objeto do edifício isolado para um conjunto


edificado, o local para a experimentação deste trabalho situa-se no Largo da Encruzilhada,
no bairro da Encruzilhada, na cidade do Recife-PE. De maneira que será estudado o
conjunto urbano formado no entorno do Mercado da Encruzilhada, sobre o qual será feito
um plano de massa visando respeitar as características daquela paisagem como um todo.
Além do mais, trata-se de uma área situada dentro de uma das Zonas de Centro Secundário
da Cidade (RECIFE, 2018). Possuindo assim o objetivo de desenvolver um plano de massa
que vise a renovação urbana da área do entorno do Mercado da Encruzilhada de forma a
contribuir para o seu desenvolvimento urbano, social e econômico a um mesmo tempo que
promova uma arquitetura de qualidade e preserve a sua identidade de lugar.

Figura 01: Mapa de localização da área de estudo.


Fonte: A autora, 2020.

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Em vista disso, entende-se processo de Reabilitação Urbana como um possível
elemento de valorização de áreas urbanas, de forma que fortaleça a preservação da
identidade daquele determinado lugar, visando a permanência do seu significado, sendo um
dos aspectos positivos desta estratégia urbana. Compreendendo que sua representação
material é o que determina a identidade cultural presente no patrimônio edificado, respeitá-
la, assegura a preservação do valor patrimonial existente (VIEIRA, 2008 apud SILVA, 2018).
Desse modo, o conceito de reabilitação urbana é definido no art. 1º da Carta de Lisboa,
(1995), como:

“uma estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade


existente através de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as
potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a
qualidade de vida das populações residentes; isso exige o
melhoramento das condições físicas do parque construído pela sua
reabilitação e instalação de equipamentos, infraestruturas, espaços
públicos, mantendo a identidade e as características da área da
cidade a que dizem respeito” (Carta de Lisboa, 1995).

Esse método possibilita diversas ações urbanas que visam a valorização das
potencialidades do local, como também a melhoria diante as necessidades para a sociedade
que ali habita, tendo em vista a preservação de sua identidade. A forma como a ação será
conduzida, por um desenho, uma intenção arquitetônica, tem-se o papel fundamental na
qualificação do espaço trabalhado. Porém compreender que este procedimento realizado de
maneira mal planejada, sem diretrizes adequadas, tem-se como consequência a
descaracterização da área, e muitas vezes de relevância histórica.

A legislação urbanística, ou lei de uso e ocupação do solo, por sua vez, desenha ou
promove uma cidade sem intenções arquitetônicas objetivas, ou seja, os parâmetros
urbanos, por si só, não são instrumentos que garantam qualidade ao espaço urbano. Em
paralelo, a pressão imobiliária muitas vezes resulta em objetos arquitetônicos destoantes ao
local, provocando efeito negativo ao seu entorno, alterando a configuração dessa paisagem
e prejudicando sua identidade. Dentro desta circunstância, a conservação urbana é
essencial para salvaguardar áreas que apresentam caráter de proteção.

A preservação da identidade passa pela adoção de critérios norteadores alinhados


com o conjunto preexistente para os possíveis novos desenhos ou projetos urbanos. A
verticalização sem critérios definidos é um parâmetro que ameaça a preservação de
determinadas identidades urbanas no nosso ambiente urbano, principalmente pela pressão
do mercado imobiliário sobre essas áreas. Um exemplo é, os edifícios das Torres Gêmeas,

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composto pelos edifícios Píer Maurício de Nassau e Píer
Duarte Coelho, localizados no Cais de Santa Rita, no
bairro de São José. O projeto das Torres Gêmeas (figura
02), finalizado em 2009 possui duas torres com 40
pavimentos cada, onde suas características
arquitetônicas, referindo-se a escala e a relação público
e privado, possuem nenhuma integração ao sítio ao
Figura 02: “Torres Gêmeas” e seu entorno.
qual foi inserido. Fonte: Ponto Crítico, disponível em:
<http://pontocritico.org/wp-
content/uploads/2020/06/torres-recife.png>
Este elemento que, além de divergir
morfologicamente com o contexto inserido, interfere e compromete a autenticidade e a
integridade dos bens patrimoniais, não somente em um único objeto, mas em todo o
conjunto histórico ali presente. Alguns exemplos marcantes desse conjunto histó são os
templos religiosos, como: a Igreja de São José, a Igreja de São José do Ribamar, assim
como o Forte das Cinco Pontes, presentes desde séculos anteriores. Paisagens estas,
elencadas à condição de sítio histórico urbano por volta da década de 1970, devido ao
número de igrejas do século XVIII e sua ambiência urbana setecentista (LOUREIRO E
AMORIM, 2006, pg. 02).

É indispensável o acompanhamento das alterações urbanas de interesse histórico,


quando se visa a preservação desses sítios, de forma que se possa garantir uma interação
positiva do novo com o antigo, sem que se perca a autenticidade e a integridade do local. O
trecho a seguir afirma este pensamento:

“O patrimônio cultural e natural faz parte dos bens inestimáveis e


insubstituíveis não só de cada nação, mas de toda a humanidade como um
todo. A perda, por degradação ou desaparecimento, de qualquer desses
recursos eminentemente preciosos constitui um empobrecimento do
patrimônio de todos os povos do mundo” (UNESCO, 2017. Cap. I, B4, pg 1).

Em contrapartida, um excelente exemplo de


uma grande requalificação urbana é a cidade de
Medellín, a qual visa como um de seus pilares
políticos de transformação: a transparência total nas
decisões, a participação da sociedade, a prioridade à
cultura e educação. Ela consiste numa
transformação urbana de caráter mais social, pelos
Figura 03: Sistema de escadas rolantes em
desafios de marginalização, narcotráfico, crise social Medellín, Colômbia.
Fonte: The River Revista.

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e política. No entanto, por meio de intervenções arquitetônicas e urbanísticas, reverteu esse
quadro, sendo hoje um exemplo mundial.

As medidas consistiram basicamente no melhoramento e ampliação do transporte


público, na acessibilidade, tanto em calçadas como nas ciclovias, saneamento básico, e
elaboração, ajustes e aplicação do Plano de Ordenamento Territorial com participação de
diversos profissionais e da sociedade civil.

Essa transformação se torna um bom exemplo para este documento, porque além de
superar suas questões sociais, também alinharam a aplicação das suas estratégias às
características urbanas da cidade, atendendo também as suas adversidades espaciais, sem
destoar a paisagem urbana e natural ali presente. Percebendo-se o elemento novo, porém
ele não agride o contexto ao qual foi inserido.

De volta à capital pernambucana, o Recife foi fundado em 1537, sendo o Bairro do


Recife a área mais antiga a ser ocupada na cidade. A mesma, junto aos bairros de Santo
Antônio e São José, possui grande importância atual para a cidade, tanto pela sua história,
cultura e acervo arquitetônico, como também economicamente falando, pois esses três
bairros formam o Centro Principal da cidade, também conhecido como Centro Continental.

"A hierarquia das centralidades articula o espaço urbano com


descentralização de equipamentos e atividades deslocadas do centro
tradicional para novas aglomerações. A expressão máxima desse processo
em um território está no centro principal, no entanto, com certas condições,
podem surgir centralidades em vários outros pontos do espaço urbano, tendo
como fator primordial para sua durabilidade a acessibilidade oferecida"
(Projeto Centralidades, 2018, pg 10).

Posto isto, há outros centros econômicos que atendem à população recifense, como
Casa Amarela, Encruzilhada, Água Fria, Afogados e Areias. São chamados de centros
secundários, sendo “áreas, potenciais ou consolidadas, vinculadas aos centros principais,
que concentram atividades múltiplas, classificadas de acordo com a sua configuração
espacial e que têm um raio de influência em relação a um conjunto de bairros” (RECIFE,
2018). Há ainda Boa Viagem e Imbiribeira que são considerados como Centro Principal 2,
pelo atual Plano Diretor (2008). São nessas áreas de centralidade que existem “relações
socioespaciais'' que atuam na constituição do centro, está associada ao processo de
estruturação e de reestruturação, de mudanças constantes na estrutura. A centralidade
pode ser redefinida na constituição de outras formas espaciais, em novas áreas de
centralidade urbana” (CAVALCANTE & BEZERRA, 2009, p. 221).

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Largos são espaços públicos definidos a partir de um equipamento, geralmente
comercial, cuja finalidade é de valorizar ou complementar alguma edificação como mercado
público (SÁ CARNEIRO e MESQUITA, 2000). A área do Largo da Encruzilhada, no bairro da
Encruzilhada, no Recife (PE), é um centro secundário, de centralidade urbana importante
para a cidade. É uma área conectada com o centro continental pelas vias da Av. João de
Barros e da Av. Norte. Apresenta morfologia consolidada, comércio e serviço diversificados,
atendendo não apenas ao próprio bairro, mas também aos bairros vizinhos.

Sua ocupação iniciou-se no século XVIII, ganhando importância urbana no século


seguinte com a construção da linha férrea que ligava o centro do Recife à cidades vizinhas,
como Olinda e Limoeiro. Há edifícios que evidenciam momentos distintos da ocupação da
área como: os sobrados, o Mercado da Encruzilhada (1950) – hoje um Imóvel Especial de
Preservação (IEP) – e edificações que compõe um conjunto urbano decorrente do Plano
Urbano de 1953, elaborado pelo Arquiteto e Urbanista Acácio Gil Borsoi, e reforçado pela
Lei N° 7427 em 1961.

As interfaces urbanas que contornam o largo, integrado ao espaço aberto e o seu


Mercado, compõem uma paisagem expressiva, composta por elementos materiais e
imateriais significativos. Caracteriza-se pela existência de uma pequena variação de
gabarito, de um a quatro pavimentos compostos por volumes de geometria regular
implantados no paramento da via. Há também o conjunto urbano dos anos 1950 que
incorporaram ideais do urbanismo moderno como galeria e uso misto.

Visto que o Largo consiste numa morfologia específica, de baixo gabarito e uma
geometria mais regular, há uma preocupação com essa paisagem e com seu entorno, e sua
possível descaracterização. Percebe-se ao fundo desses conjuntos, novas edificações
destoantes à escala e ao caráter protorracionalista presente.

Figura 04: Contexto urbano do Largo da Encruzilhada com vista para a Av. João de Barros.
Foto: Autora, 2018.

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Na área em estudo, o Largo da Encruzilhada é perceptível na composição da sua
paisagem, um elemento símbolo isolado, o Mercado da Encruzilhada, um conjunto
remanescente de sobrados e outras edificações oriundas dos planos de quadras. Além
dessas, edificações que abrigam usos institucionais como as agências do bancos Itaú e
Bradesco.

O local teve uma importância urbana no século XIX após a construção das linhas
férreas que passavam por ali ligando Recife à Olinda, e Recife aos povoados mais
próximos, o de Apipucos, Dois Irmãos, Casa Amarela e Várzea (HALLEY, 2013). Foi esse
cruzamento que deu origem ao nome da Estação Encruzilhada. Esta paisagem, não possui
elementos naturais, pois está em uma área predominantemente urbana e bem consolidada.
O Largo da Encruzilhada é resultado de diversos segmentos históricos, com uma cultura
muito viva e forte, que transpassa dos elementos materiais aos imateriais, quem vem do
início da apropriação dessa área.

Figura 05: Mapa com elementos da paisagem.


Fonte: A autora, 2020

O largo é um centro comercial e de serviço diversificado, que se encontra em uma


localização favorável, entre o cruzamento da Avenida Norte, Avenida Beberibe e Estrada de
Belém, e é cercado por bairros de renda média e alta, ampliando o alcance territorial para o
comércio e serviço oferecido na área. A avenida João de Barros compõe o eixo estruturador
da Encruzilhada desde a segunda metade do século XIX, fomentando a importante ligação
Beberibe e Olinda, Avenida Beberibe e Estrada de Belém, respectivamente.

Desse modo a área, além de bem localizada, é atendida por eixos cruciais e de alta
importância do eixo viário recifense. Vias que interligam o largo ao centro continental e a

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outros bairros relevantes, fator que auxilia e amplia o alcance territorial para o comércio e
serviço oferecido na área. Atualmente, a Avenida Norte e a Avenida Beberibe são
consideradas como via arterial principal, pelo seu fluxo e capacidade de interligar diversos
bairros. A avenida João de Barros e Estrada do Belém são vias arteriais secundárias, com
fluxo e acessos relevantes também. As demais possuem relevância mais local ao bairro,
com baixo a moderado fluxo que servem para mover o tráfego das ruas locais para as vias
arteriais ou principais.

Figura 06: Mapa de Hierarquia


Viária.
Fonte: A autora, 2020

Tendo em mente que, a atual lei de uso e ocupação (2008) permite tipologias como
estas, frutos de coeficientes que visam apenas e exclusivamente o máximo aproveitamento
econômico possível, desconsiderando muitas vezes, a qualidade arquitetônica e urbana
produzida. Dessa maneira, o presente trabalho pretende analisar o impacto que esta
legislação traria a paisagem em estudo, buscando propor um produto que atenda de forma
qualitativa ao meio inserido, respeitando todo seu caráter histórico, arquitetônico e urbano.

Assim, atualmente as legislações urbanas que regem as novas e as antigas


construções da cidade do Recife são, o Plano Diretor, Lei nº 17.511/2008, e a Lei de Uso e
Ocupação do Solo (LUOS), Lei Nº 16.176/96. O Plano Diretor tem o intuito de garantir
melhores condições de vida, desenvolvimento no município e benefício para população
através da iniciativa pública e privada. Esta lei divide o Recife em duas macrozonas,

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Macrozona de Ambiente Natural (MAN) e Macrozona de Ambiente Construído (MAC), a qual
se subdivide em zonas, setores e imóveis com características diversas.

Pelo Plano Diretor, o bairro da Encruzilhada se concentra na Zona de Ambiente


Construído de Ocupação Moderada (ZAC Moderada), a qual é “[...] caracterizada por
ocupação diversificada e facilidade de acessos, objetivando moderar a ocupação, com
potencialidade para novos padrões de adensamento, observando-se a capacidade das
infraestruturas locais e compreendendo frações territoriais” (Lei Nº 17.511/2008, art. 96, §
III). A LUOS, a normativa a qual estabelece os parâmetros urbanos para algumas zonas
específicas, delimitar um recorte concentrando nas quadras ao redor do Largo da
Encruzilhada, onde identifica como Zona de Diretrizes Específicas (ZDE), a qual caracteriza
as áreas que requerem tratamento especial na definição de parâmetros reguladores de uso
e ocupação do solo. Dentro desta zona, este recorte é considerado como Zona Especial de
Centro, mas especificamente como Zona de Centro Secundário (ZECS).

As Zonas Especiais de Centro “são áreas caracterizadas pela alta intensidade de uso
e ocupação do solo, com morfologias consolidadas que se distinguem das áreas
circunvizinhas onde se concentram atividades urbanas diversificadas, notadamente as de
comércio e serviços e, ainda, áreas de entorno de estações de metrô existentes e previstas”
(Lei Nº 16.176/96, art. 23). No entanto, as ZECS estão inseridas na ZAC, sendo assim
predominam-se as diretrizes estabelecidas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, onde até
mesmo o Plano Diretor afirma isto em seu art. 230. Desse modo, 20% é destinado ao solo
natural, com coeficiente de construção igual a 5,5, com recuos frontais podendo ser nulos.

Nas imagens abaixo, foi realizada uma simulação em alguns lotes nas interfaces da
Avenida João de Barros e da Rua Dr. José Maria (ver imagem 07) seguindo as normativas
atuais. Nota-se a total dissonância entre esses novos componentes e o conjunto
preexistente, tanto em relação à forma e as reentrâncias, como às proporções e a escala.

Figura 07: Simulação da atual legislação na interface da Avenida João de Barros e da Rua Dr,
José Maria.
Fonte: A autora, 2020

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Posto isto, buscou-se relacionar aos atributos da UNESCO com os elementos da
forma de Andrade Júnior (2006) e os de Duarte (2014). Por se tratarem de elementos
fortemente relacionados à forma urbana, Silva & Lima (2020) propõe compreender em quais
elementos urbanos esses atributos se expressam. Para isso toma-se a classificação de
Lamas: solo, edifício, lote, quarteirão, fachada, logradouro, traçado/rua, praça, monumento,
árvore e vegetação, mobiliário urbano.

O diagrama abaixo apresenta a relação entre esses quatro grupos e seus


respectivos atributos. Colocou em centro os elementos estabelecidos pela Unesco (2019),
relacionando-os com os outros a partir dele. Dessa forma, para este trabalho decidiu-se
integrar, e chegar aos atributos que serão usados para a requalificação urbana a ser
proposta no Largo da Encruzilhada, com base naquelas que mais tem força na área e que
se repete em cada metodologia, entendendo assim como elementos importantes de
preservação.

Figura 08: Articulação dos atributos extraídos em Lamas (2000), UNESCO (2019), ANDRADE (2006) e DUARTE
(2014).
Fonte: A autora, 2021.

Desse modo, identificou-se que alguns atributos estão fortemente relacionados à


paisagem e, portanto, são de fundamental importância para serem considerados no
processo de requalificação urbana. São eles: localização, ou seja, visando respeitar a
predominância da implantação das edificações, a proximidade entre edifícios e com a rua, o
traçado urbano, o espaço público do largo, percebendo a tradição desses elementos por
alguns deles estarem presente na área há séculos; volumetria, quer dizer a forma, massa,
permeabilidade física e visual e variedade de formas do conjunto; escala, isto é a
proporção entre edifício x entorno e edifício x escala humana; e o espírito de lugar, assim
como a viabilidade urbana da proposta.

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Figura 09: Atributos da paisagem para
requalificação urbana.
Fonte: A autora, 2021.

Dessa maneira, o diagnóstico da área foi realizado diante estes atributos. Concluindo
que a ocupação no lote é diversificada, até mesmo na mesma quadra, possuindo lotes ora
estreitos e mais aglomerados entre si, com zero ou muito pouca abertura. Em sua maioria
compridos devido a morfotipologia que comportam, ora mais largos e com maior presença
de recuos em seu interior. Assim como também há edificações menores e mais soltas no
lotes que as demais quadras, com uma maior presença de recuos frontais. É perceptível que
a maior parte dos lotes com recuo frontal nulo se concentra nos eixos viários de maior fluxo
e de caráter mais comercial, no caso a Av. Norte, a Av. João de Barros e a Av. Beberibe.
Dessa maneira, se estabelecem com edifícios colados no parâmetro frontal e nos laterais do
lote, possuindo alta relação de proximidade com as edificações vizinhas e com a rua.

No entanto, considerando a totalidade do sítio em análise, em sua maioria, os lotes


apresentam recuos, ora frontais ora laterais, ou até mesmo, totalmente soltos no lote,
proporcionando uma área com maiores vazios, principalmente em seu interior. Esta
distância entre os edifícios promove permeabilidade, tanto física como visual entre eles. Já
em relação a rua, há uma certa diversificação, pois por mais que existam os recuos frontais,
a relação edifício x rua varia e depende muito de como cada interface é tratada.

Por ser uma área de predominância de uso habitacional uni e multifamiliar, serviço e
comércio, essa relação é alta e predominante no local, mas há lotes que possuem paredões
impermeáveis visualmente, impossibilitando um contato maior por quem passa pela área
pública. Assim como também as bordas das quadras que se localizam na Av. João de
Barros, Av. Beberibe e Estrada de Belém, há a predominância dos usos de comércio e
serviço. Já as bordas voltadas para o Mercado são exclusivamente comerciais, já sua parte

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posterior são residenciais. A partir disto, percebe-se que no sítio, todas suas
particularidades de uso propiciam uma boa dinâmica urbana.

Figura 10: Mapa de cheios e vazios. Figura 11: Mapa de uso.


Fonte: A autora, 2021. Fonte: A autora, 2021.

A volumetria de um edifício é um aspecto importante para a aparência final do


projeto, de forma que ocasiona harmonia ou não, com as edificações circunvizinhas. E
considerando um conjunto edificado, possuir uma variação entre a forma desses volumes
pode gerar uma boa relação entre o projeto e o entorno preexistente, além de, por meio do
escalonamento e suas proporções, haver um melhoramento do conforto ambiental a ser
concedido pela obra. Com o intuito de propor um objeto harmonioso com o sítio, busca-se
através da análise de sua tipologia, entender a sua forma.

Sendo assim, há a percepção da predominância da tipologia de casas na área,


compondo a maioria das formas nas quadras. As habitações térreas são referentes também
ao tipo de casa porta e janela, assim foram consideradas como “casas térreas” por estarem
em sua grande maioria descaracterizadas demais, sem os principais elementos que as
caracterizam. Essa descaracterização se deu pela atribuição do uso comercial, que altera as
aberturas, o revestimento, as remodelações e o remembramento de lotes.

As demais casas são bem diversificadas, algumas de caráter eclético, outras com
fachadas mais largas e/ou totalmente soltas no lote. Há o conjunto da Vila do Moinho Recife,
que possui elementos arquitetônicos bem parecidos. Referente aos edifícios, nota que as
tipologias são variadas, não existindo padrões específicos no local. Há um destaque em
edifícios isolado no lote, presença de edifícios pódio. Na quadra do Mercado da

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Encruzilhada, as interfaces que se voltam para o Largo da Encruzilhada, encontram-se em
destaque os edifícios galerias sobre pilotis e edifícios no parâmetro do lote.

A ideia de gabarito e proporção não é sinônima, porém ambas funcionam em


paralelo. E como se tem a visão de intervir nesta área de forma que respeite as dimensões
gerais da preexistência atual, e principalmente após a análise dos parâmetros legislativos, a
importância de identificar as escalas existentes através do mapa de gabarito é reconhecida.
E assim também é possível compreender a relação das proporções desse conjunto
edificado tanto entre si, como com a escala humana.

Percebe-se nitidamente a baixa escala da área, tendo predominância de edificações


térreas, sendo elas 61,28% do total. Em seguida, há 25,06% de edifícios com dois
pavimentos. Nota-se também, que as alturas e a relação com a escala humana estão
diretamente relacionadas ao tipo arquitetônico, pois estes últimos percentuais representam
os elementos do tipo casa, enquanto os outros se dividem em menor número entre edifícios
sobre pilotis, caixão e pódio.

As edificações sobre pilotis ficam, em sua maioria, em torno de quatro pavimentos, o


que não destoa tanto com seus arredores, além de possuírem galerias em seu térreo,
permitindo uma estreita relação com a escala do pedestre. Em contrapartida, mesmo que
em um menor quantitativo, os edifícios pódio interfere drasticamente com a escala e a
proporção do entorno, indo de 9 a 40 pavimentos em uma área de baixíssima escala.

Figura 12: Mapa de tipologia. Figura 13: Mapa de gabarito.


Fonte: A autora, 2021. Fonte: A autora, 2021.

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Após a análise, identificou as edificações a serem conservadas, requalificadas e
renovadas com base nos parâmetros de morfologia, implantação, uso, estado de
conservação e relação com alguns dos eixos viários. No mapa abaixo esses edifícios estão
apontados, e ao observar o que foi analisado anteriormente e quais as quadras tendem a
sua preservação quase como um todo, identifica-se quais são mais propensas a uma
renovação. Dessa maneira, decidiu-se intervir nas quadras ao sul do Mercado da
Encruzilhada (figura 14), por apresentar uma maior área propícia ao processo de renovação.

Figura 14: Mapa de


preservação com
demarcação da área de
intervenção.
Fonte: A autora, 2021.

Em seguida, através de cortes esquemáticos de controle de altura com pontos de


visadas específicos, tendo como elementos principais o Mercado da Encruzilhada e o
conjunto de casarios da Av. João de Barros em relação com a área de intervenção. As
linhas de visões foram até pontos do interior da quadra, em seguida, com os valores
encontrados se baseou pelos pontos mais sensíveis de visualização entre o Mercado e o
local escolhido para a proposta, sendo esses resultados preferíveis para serem os limiares
fixos. Desse modo, sete limiares foram definidos, os quais variam entre três e dez
pavimentos. As localidades as quais os pontos de visadas não foram alcançados, o limiar foi

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baseado pela altura média das edificações mantidas de determinado eixo, isto acontece
principalmente nas interfaces de quadra voltadas para a Av. Norte.

Figura 15: Mapa de


limiar da área de
intervenção.
Fonte: A autora, 2021.

Além do estudo de limiares, com a intenção de propor edificações com escala


diversificada, respeitando os limiares definidos diante a observação dos pontos de visada,
optou-se também por manter o ritmo em relação as larguras através da proporção das
edificações existentes, como evidenciado na figura abaixo. Pois alguns lotes possuem
larguras maiores em relação às edificações preexistentes a serem conservadas.

Logo após a demonstração do estudo do ritmo das edificações existentes com as


edificações a serem propostas, seguirá a apresentação do projeto do plano de massa. Com
volumetria e zoneamento proposto, assim como planta baixa de ambas as quadras e skyline
demonstrando a relação da proposta com o Mercado e os casarios da Av. João de Barros.

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Figura 16: Ritmo das interfaces das quadras do Largo da Encruzilhada.
Fonte: A autora, 2021.

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Figura 17: Plano de Massa e Zoneamento Proposto.
Fonte: A autora, 2021.

Figura 18: Planta baixa.


Fonte: A autora, 2021.

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Figura 19: Relação Mercado com a fachada voltada para a Rua Dr. José Maria.
Fonte: A autora, 2021.

Figura 20: Relação Mercado com a fachada voltada para a Av. João de Barros.
Fonte: A autora, 2021.

Perspectivas

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REFERÊNCIAS

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1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana Lisboa, 1995. Carta de Lisboa sobre a


Reabilitação Urbana Integrada.

ANDRADE JÚNIOR, Nivaldo Vieira de. Metamorfose Arquitetônica: intervenções


projetuais contemporâneas sobre o patrimônio edificado. 2006. Dissertação (mestrado) -
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.

CAVALCANTE, C. V.; BEZERRA, M. D. C. L. O Plano Diretor e os Elementos


Formadores de novas centralidades intraurbanas. Ci & Tróp, v. 33, n. 2, p. 219-241,
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CURY, Isabelle. Cartas Patrimoniais. IPHAN, Rio de Janeiro, 3.ed. 2004.

DE GRACIA, Francisco. Construir en lo construido: la arquitectura como modificación.


Editorial Nerea, 1992.

DUARTE, Clarissa; et al. ARQUITETURA URBANA E QUALIDADE DE VIDA: Conceito e


metodologia projetual para empreendimentos imobiliários sustentáveis. Recife: Universidade
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FIGUEIREDO, V. G. B. O patrimônio e as paisagens: novos conceitos para velhas


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10.11606/issn.2359-5361.v0i32p83-118. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/paam/article/view/88124. Acesso em: 3 out. 2020.

GHIONE, Roberto. Transformação social e urbanística de Medellín. 166.07 Medellín


Colômbia, ano 14, maio 2014. Disponível em:
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março de 2021.

IPHAN, 2007. Carta de Bagé ou Carta da Paisagem Cultural.

MELO, Amanda Rodrigues Fernandes L. De & CAMARA, Andréa do Nascimento Dornelas.


A INFLUÊNCIA DAS NORMATIVAS URBANAS NA PAISAGEM DO SUB-CENTRO
COMERCIAL DO BAIRRO DA ENCRUZILHADA.

MELO, Milena Torres de. Paisagem Urgente: um estudo sobre conservação e integridade
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Pernambuco, UNICAP, 2017.

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______. ______. Instituto da Cidade Pelópidas Silveira. Projeto Centralidades T1 -


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______. ______. Instituto da Cidade Pelópidas Silveira. Projeto Centralidades T2 -


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______. ______. Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife Lei nº 16.176/96.
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UNESCO, 1995. Recomendação Europa. Disponível em: . Acesso em: 28 de setembro de


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of the World Heritage Convention. Paris, 2019. Disponível em:
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VAINSENCHER, Semira Adler. Encruzilhada (Bairro, Recife). Pesquisa Escolar Online,


Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: 09 de set. 2018.

ZANCHETI, Sílvio Mendes, et al. Da autenticidade nas cartas patrimoniais ao


reconhecimento das suas dimensões na cidade. CECI–Textos para Discussão–Série 3,
2008.

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RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.

TRAJETÓRIA DE REGISTRO E DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO NO CENTRO DE PRESERVAÇÃO CULTURAL DA USP:
DO CÂNONE ARQUITETÔNICO AO RECONHECIMENTO DAS
ESPECIFICIDADES DO PATRIMÔNIO CULTURAL UNIVERSITÁRIO

Gabriel De Andrade Fernandes (gaf.arq@usp.br)

Pretendemos com este trabalho apresentar e discutir a trajetória de


documentação do patrimônio arquitetônico realizada no Centro de Preservação
Cultural da USP (CPC–USP). O CPC, órgão ligado à Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão Universitária (PRCEU), desenvolve desde os anos 1990 atividades
de coleta, registro, sistematização e documentação de informações
relacionadas aos bens culturais presentes na universidade. Destaque-se, em
particular, a constituição de sistemas de informação, na forma de bases de
dados digitais, voltados à preservação de informações relacionadas sobretudo
aos bens tombados presentes no território da universidade — que atualmente
somam cerca de duas dezenas de edifícios, sítios, monumentos, acervos, entre
outras tipologias. Estas iniciativas alimentam e contribuem com ações de
preservação desse rol patrimonializado, bem como de valorização e
extroversão desse patrimônio — na forma de publicações, ação educativa,
divulgação em redes sociais, etc. Contudo, em que pese a estabilidade
institucional do CPC, que já acumula uma experiência de três décadas de
atuação, problemas diversos são verificados ao se lançar um olhar mais detido
a respeito dessas iniciativas: notam-se, por exemplo, sinais de descontinuidade
de programas, projetos e ações, seja por mudanças administrativas, seja pela
variação dos profissionais envolvidos. Além disso, o conjunto de informações
privilegiados nos vários processos de documentação — dos metadados
escolhidos para o registro das informações aos diversos tipos de representação
dos edifícios adotados — pode ser questionado à luz de transformações
teóricas e metodológicas recentes no campo do patrimônio cultural, como
aquelas relacionadas às formas de inventariação (agora cada vez mais
enriquecidas pela incorporação de métodos oriundos da etnografia, da
educação e da cartografia social, por exemplo, bem como de processos
“participativos”) e à própria conceituação do quê o como objetos, práticas e
lugares deveriam ser salvaguardados. Nesse sentido, apresentamos neste
trabalho a trajetória das ações de documentação no interior da instituição, as
bases de dados utilizadas, os procedimentos adotados e os problemas de
interrupção e descontinuidade, bem como apresentamos comentários críticos
às escolhas realizadas ao longo dessa trajetória, seus limites e desafios.
Concluímos o artigo com apontamentos para a retomada dessas iniciativas
agora numa perspectiva atualizada, incorporando o desafio de registrar e
documentar obras arquitetônicas num contexto patrimonial universitário a partir
de olhares como o do “discurso autorizado do patrimônio” e das contribuições
para o patrimônio material oriundas das ações de inventariação de referências
culturais.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

OS DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA DA ARQUITETURA E A BIOGRAFIA:


REFLEXÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Caio Cesar Da Silva Pires (ccsp93@usp.br)

Nos últimos tempos, a historiografia tem intensificado o diálogo com o gênero


biográfico. A partir desta aproximação, o debate em torno das biografias
históricas vem contribuindo para o surgimento de novas perspectivas no âmbito
da história da arquitetura. Podemos observar estas transformações no
crescimento de estudos que investigam as trajetórias de arquitetos. Diante
desse novo cenário, torna-se pertinente refletir sobre as particularidades
teóricas e metodológicas que permeiam o estudo histórico-biográfico de
profissionais que atuaram em áreas ligadas à arquitetura e ao urbanismo. Este
artigo tem como objetivo discutir as possibilidades e limitações de pesquisas a
respeito de trajetórias profissionais de arquitetos. Assim, pretende-se mapear e
elucidar os principais desafios que os pesquisadores poderão encontrar ao
dedicar-se a esta temática. A partir dos comentários de diferentes autores,
propõe-se um panorama geral acerca da biografia enquanto um problema
historiográfico. Para tanto, o artigo está dividido em duas partes. Em um
primeiro momento, será abordada, de forma breve, a constituição da
abordagem biográfica na historiografia, destacando as recentes contribuições
de pesquisadores brasileiros para a história da arquitetura. Na segunda parte, o
artigo apresentará as principais questões que norteiam as discussões
historiográficas que tomam como eixo de pesquisa a biografia no campo da
história da arquitetura. Espera-se, com estas ponderações, contribuir para os
debates teóricos e metodológicos relativos a este tópico.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

O USO DO (H)BIM PARA INTERVENÇÕES SUSTENTÁVEIS NO


PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDIFICADO

Mayara Lúcia Campos Ferreira (mayara.luciacf@gmail.com)

Rogério Henrique Frazão Lima (rlimaarq@gmail.com)

A crescente implementação da metodologia BIM nos processos da construção


civil vem abrindo espaço para discussão sobre as oportunidades e desafios
desta aplicação nos mais variados setores da indústria, tal como o setor da
gestão e manutenção de edifícios históricos. Em paralelo, cresce o
entendimento de que precisamos repensar como nossas ações podem
impactar a sociedade futura, fazendo com que a busca pela garantia da
sustentabilidade seja uma demanda forte, inclusive cobrada cada vez mais pela
sociedade. Considerando os impactos ambientais, sociais e econômicos que a
indústria da construção civil gera no mundo, o presente trabalho busca
entender de que forma é possível atrelar preceitos do design sustentável com
aplicação da metodologia BIM para formulação de intervenções em edifícios
históricos. E com isto, atender às demandas emergentes do mercado da
construção na modernização de processos e garantia de desenvolvimento
sustentável, voltadas a um setor de igual importância: o do patrimônio histórico
edificado. Para tal, foi feito uma revisão bibliográfica, através da busca de
palavras-chaves que permeiam os conceitos de HBIM, sustentabilidade e
patrimônio histórico edificado, para melhor entendimento do que vem sendo
feito no mercado e de quais as possíveis futuras ações de conexão e
discussões. Os resultados obtidos demonstram o potencial positivo de
integração tanto entre BIM e sustentabilidade, como BIM e patrimônio histórico,
oportunizando uma discussão mais profunda sobre como extrair o máximo da
integração destes três conceitos. União que apesar de complexa e de
aparentar certo distanciamento entre disciplinas, encaminha-se cada vez mais
para fazer parte de um futuro comum.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

A PAISAGEM EMINENTE DO LARGO DA ENCRUZILHADA

Eduarda Barbosa Tenório Lobo (eduardabtlobo@gmail.com)

Entender a cidade como um organismo vivo, é compreender que ela está em


constante transformação, firmando as marcas das ações humanas. A qual
expressa através de bens materiais e imateriais, a identidade cultural de uma
sociedade em um determinado espaço. No entanto, a falta de planejamento
para essas mudanças pode proporcionar uma possível degradação ou mal uso
desse patrimônio, permitindo perda de elementos que agregam valor,
significado e/ou identidade a esse lugar.

Nesse contexto, a pesquisa se situa no Largo da Encruzilhada, no bairro da


Encruzilhada, na cidade do Recife-PE. Esta área é uma zona de centro
secundário, com forte influência econômica na cidade por suas atividades
comerciais. Ela é composta por diversos exemplares arquitetônicos, que
marcam distintos períodos da ocupação territorial recifense, assim como é
privilegiada pelo seu eixo viário, que a liga tanto ao centro principal, como
também a Olinda.

Esse estudo tem o intuito de desenvolver um plano de massa que vise a


renovação urbana da área do entorno do Mercado da Encruzilhada de modo
que contribua para o seu desenvolvimento urbano, social e econômico ao
mesmo tempo que promova uma arquitetura de qualidade e preserve a sua
identidade.

Desse modo, ele consiste na análise de todo o conjunto urbano (interface


arquitetônica, relação com o indivíduo, relação espaço construído e entorno),
por meio das metodologias de Metamorfose Arquitetônica de ANDRADE (2006)
e Arquitetura Urbana de DUARTE (2014), para a compreensão dos elementos
que podem carregar seu valor.

Como resultado, obteve-se um diagnóstico da área de estudo de modo que se


possa compreender as suas características específicas e identificar as suas
qualidades espaciais com ênfase na visão da arquitetura integrada com o
espaço urbano. Em sequência, há a elaboração do plano de massa, que segue
diretrizes projetuais alinhadas as características e necessidades identificadas
através das visitas de campo, da análise da área e de uma pesquisa qualitativa
com usuários do local. Este plano se deu, em vazios urbanos identificados em
função da morfologia, da implantação no lote e usos, onde os mesmos não
representaria os aspectos a serem conservados.

Em suma, o plano urbano proposto surge com o intuito de resultar


positivamente no uso e ocupação do solo introduzindo uma boa arquitetura
urbana na área, contribuindo para a vivacidade do Largo da Encruzilhada e sua
importante função econômica e histórica na cidade do Recife. Manifesta-se
também, como uma forma de evidenciar o mesmo e a relevância de sua
paisagem urbana construída, material e imaterialmente.
EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION
MODELING (BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA;
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES;
FERRAMENTAS DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA
DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA, CIDADE E PAISAGEM;
INVENTÁRIOS.

O USO DO (H)BIM PARA INTERVENÇÕES SUSTENTÁVEIS NO


PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDIFICADO

FERREIRA, MAYARA L. C. (1); LIMA, ROGÉRIO H. F. (2)

1. Universidade Estadual do Maranhão. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.


Cidade Universitária Paulo VI, s/n – Tirirical, CEP 65055-970, São Luís, Maranhão, Brasil.
E-mail: mayara.luciacf@gmail.com

2. Universidade Estadual do Maranhão. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.


Cidade Universitária Paulo VI, s/n – Tirirical, CEP 65055-970, São Luís, Maranhão, Brasil.
E-mail: rlimaarq@gmail.com

RESUMO
A crescente implementação da metodologia BIM nos processos da construção civil vem abrindo
espaço para discussão sobre as oportunidades e desafios desta aplicação nos mais variados setores
da indústria, tal como o setor da gestão e manutenção de edifícios históricos. Em paralelo, cresce o
entendimento de que precisamos repensar como nossas ações podem impactar a sociedade futura,
fazendo com que a busca pela garantia da sustentabilidade seja uma demanda forte, inclusive
cobrada cada vez mais pela sociedade. Considerando os impactos ambientais, sociais e econômicos
que a indústria da construção civil gera no mundo, o presente trabalho busca entender de que forma
é possível atrelar preceitos do design sustentável com aplicação da metodologia BIM para formulação
de intervenções em edifícios históricos. E com isto, atender às demandas emergentes do mercado da
construção na modernização de processos e garantia de desenvolvimento sustentável, voltadas a um
setor de igual importância: o do patrimônio histórico edificado. Para tal, foi feito uma revisão
bibliográfica, através da busca de palavras-chaves que permeiam os conceitos de HBIM,
sustentabilidade e patrimônio histórico edificado, para melhor entendimento do que vem sendo feito
no mercado e de quais as possíveis futuras ações de conexão e discussões. Os resultados obtidos
demonstram o potencial positivo de integração tanto entre BIM e sustentabilidade, como BIM e
patrimônio histórico, oportunizando uma discussão mais profunda sobre como extrair o máximo da
integração destes três conceitos. União que apesar de complexa e de aparentar certo distanciamento
entre disciplinas, encaminha-se cada vez mais para fazer parte de um futuro comum.

Palavras-chave: HBIM; Sustentabilidade; Patrimônio histórico edificado; Retrofit; Reforma


sustentável;

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Introdução

No âmbito da indústria da Arquitetura, Engenharia, Construção e Operação (AECO)


demandas globais e avanços tecnológicos tem trazido à tona conceitos relacionados à
promoção da sustentabilidade e também a necessidade de reformulação de ponta a ponta
do processo construtivo, que passa por uma transição da era CAD (Computer Aided Design)
para adoção da metodologia BIM (Building Information Modeling). Urge, então, a
necessidade de estudar a aplicabilidade de tais parâmetros em um setor da AECO, o da
preservação, gestão e manutenção do patrimônio arquitetônico construído, aqui
representado por edifícios históricos. Este artigo busca, portanto, (1) compreender de que
forma é possível correlacionar a aplicação da metodologia BIM para facilitação de
intervenções sustentáveis em edifícios históricos, e também (2) compreender os benefícios
e desafios da integração destes três principais temas, com entendimento dos conceitos que
os permeiam, como HBIM (Heritage/Historic Building Information Modelling), green BIM e o
contexto de intervenções sustentáveis com propósito de preservação do patrimônio histórico
edificado. Para tal, foi feita pesquisa do tipo exploratória com intuito de levantar e analisar
dados de pesquisas bibliográficas sobre estes tópicos, além de observar os resultados de
aplicações de estudos de caso, em contexto nacional e internacional. A pesquisa foi feita
com base na busca de artigos, anais de congresso, dissertações de mestrado e teses de
doutorado em sites de open access de revistas científicas e periódicos como Science Direct,
MDPI, Portal Capes e Plataforma SciELO. Para busca foram utilizados as palavras-chave
“BIM”, “sustentabilidade”, “intervenção”, “patrimônio histórico”, “HBIM”, “heritage building
intervention”, “sustainable retrofits”, “historic buildings” e combinações destes termos.

O percurso da pesquisa seguiu em um primeiro momento com entendimento dos três


principais tópicos do estudo: BIM e sustentabilidade; BIM aplicado a edificações históricas,
ou, HBIM; e sustentabilidade no patrimônio histórico edificado. Posteriormente, foram
discutidas as possibilidades de integração destes conceitos e como os mesmos vêm sendo
abordados na construção civil. A principal limitação da pesquisa deu-se na busca sobre a
utilização da metodologia BIM voltada para intervenção em edifícios históricos que
enfatizassem especificamente estratégias sustentáveis de âmbito social, sendo mais
frequentemente abordado o foco no aspecto da sustentabilidade ambiental, como, por
exemplo, o manejo do consumo energético.

BIM, sustentabilidade e edifícios históricos

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A metodologia BIM traz inúmeros benefícios à construção civil pela possibilidade de
abranger desde a etapa de concepção, edificação, operação, manutenção e até mesmo
demolição de edifícios (ver Figura 1), facilitando a extração de uma gama de desenhos
técnicos passíveis de interação e, principalmente, contendo informações relevantes às mais
variadas disciplinas necessárias dentro do ciclo de vida de um edifício. Como consequência
de tantos benefícios, a aplicação desta metodologia vem crescendo exponencialmente nos
últimos anos na indústria da AECO, inclusive com adesões nas últimas décadas por parte
do poder público de países como Reino Unido, Coreia do Sul, Austrália e mais recentemente
Brasil.

Figura 1 - Ciclo de vida da construção, abrangido pela metodologia BIM. Fonte: Blog CRASA. (2020)

A capacidade de agregar diferentes tipos de informação em um único modelo se dá devido a


possibilidade de simulação fidedigna à construção, com elementos que não são mais
entendidos como simples geometrias representativas, mas sim, como elementos
construtivos, cuja modelagem reúne informações desde características de composição, até
a trabalhabilidade de materiais e comportamentos daquele elemento. Além deste ganho,
softwares BIM permitem também uma comunicação mais integrada entre disciplinas,
possibilitando que esse modelo seja acessado a partir de várias interfaces, “graças a uma
estrutura de dados comum chamada Industry Foundation Classes (IFC)” (LÓPEZ et al.,
2018, p. 2, tradução nossa) , o que além de gerar maior assertividade nos projetos e agilizar
os processos da indústria da construção, faz da metodologia BIM um atraente facilitador do

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design sustentável, tornando possível a interoperabilidade entre softwares para análises de
eficiência energética mais específicas.

Green BIM

A combinação do BIM com preceitos da sustentabilidade gerou o termo green BIM, que
segundo definição da McGraw-Hill Construction (apud. WONG e ZHOU, 2015, p. 157,
tradução nossa) é “o uso de ferramentas BIM para alcançar objetivos de sustentabilidade
e/ou melhoria do desempenho da construção de um projeto”. Wong e Zhoug (2015) citam
ainda que aplicação do green BIM não deve limitar-se aos períodos de concepção e
construção, mas a toda vida útil do edifício, considerando fases de uso e pós-uso,
principalmente porque em seus estudos, notaram a tendência para maior consumo de
energia na fase de operação do edifício. No entanto, em uma revisão de literatura
abrangendo publicações do período de 2004 a 2014 (WONG e ZHOU, 2015), percebe-se
que o BIM tem sido aplicado em grande maioria para projeto de novas edificações,
colocando em segundo plano sua aplicação específica nas fases de manutenção, operação
e demolição de edifícios existentes. Um exemplo de ferramenta empregada em projetos que
busca compreender os impactos ambientais de uma construção, é a Avaliação do Ciclo de
Vida, ou, ACV. Usada globalmente para avaliar ou prever o desempenho sustentável de
uma edificação, a ACV possibilita avaliar impactos de consumo de energia e liberação de
CO² do berço ao túmulo (PIVA, 2019, grifo nosso) de materiais, ou seja, reúne um conjunto
de dados que compreende desde a extração de matérias-primas até o momento de descarte
dos resíduos de demolição de uma construção. Atrelando essa ferramenta à metodologia
BIM, vale a pena retomar aqui a supracitada capacidade de softwares BIM de atuarem como
facilitadores ao acesso organizado a informações, já que os dados necessários para
elaboração de uma ACV podem perfeitamente serem atrelados aos materiais e elementos
parametrizados utilizados nestes softwares, possibilitando aos projetistas e construtores
análises precisas de alternativas de intervenção em cada fase do ciclo de vida da edificação.
Além de reduzir a possibilidade de equívocos, desperdício de materiais e melhorar as
tomadas de decisão, há um ganho de velocidade no processo de análise, que seria ainda
mais extenso se estas informações estivessem dissociadas do projeto na etapa de
planejamento. É notório que a carta na manga de plataformas BIM é a informação atrelada
ao modelo, por este motivo é essencial que haja por parte dos projetistas um domínio sobre
a modelagem e cautela no momento de alimentá-la com informações, ao ponto de que caso
seja mal suprida, haverá comprometimento tanto em análises como nos desenhos técnicos
extraídos desta modelagem. É neste momento, em específico, que facilmente se diferencia
uma modelagem BIM de uma modelagem tridimensional. No mais, é importante notar que
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escolher ferramentas BIM não vai garantir necessariamente um projeto sustentável, mas sim
facilitar as decisões e análises projetuais que, aí sim, devem ser norteadas por diretivas
sustentáveis.

Sustentabilidade na manutenção e reforma de edifícios históricos

Com crescentes tendências de retrofits na construção civil (CONEJOS et. al., 2011;
LACERDA et. al., 2019.), é importante voltar o olhar para o campo pouco explorado das
intervenções sustentáveis em edifícios já construídos, com atenção diferenciada para
edificações de caráter histórico, cujas reformas e manutenções apresentam mais exigências
para garantir a máxima preservação de suas características originais. Tratar de intervenções
em edifícios históricos é sempre um assunto delicado, dado o conglomerado de valores
tangíveis e intangíveis que tais edifícios carregam em suas paredes. Não à toa, países
estabeleceram junto a seus órgãos reguladores estratégias e leis para direcionar e limitar as
possíveis modificações nestes espaços, visando sempre que possível a conservação de
suas características originais e valores patrimoniais e, paralelamente, o prolongamento da
vida útil do edifício, de forma que um objetivo não necessariamente negligencie o outro.
Para tanto, intervenções bem planejadas são essenciais para garantir a manutenção e
modificações que se fizerem necessárias para que a comunidade futura e atual continue
com acesso seguro à riqueza patrimonial.

Na busca de diretrizes adequadas para tais ações, ao longo do tempo, conferências e


reuniões foram feitas globalmente para discussão sobre as abordagens mais apropriadas
para intervenções em monumentos. No último século, com o fortalecimento de um senso de
urgência da manutenção do ambiente construído e natural, documentos guias e cartas
patrimoniais começam a relacionar estratégias de conservação do patrimônio à conceitos de
sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, como ocorreu, por exemplo, na Carta de
Cracóvia em 2000 (PEREIRA, 2018, p. 4), assim como diretrizes sustentáveis, certificações
ambientais e scores relacionados à eficiência energética, começam timidamente a
considerar contextos de retrofits e manutenção do patrimônio construído (LACERDA, 2019).
Tais correlações abordam a melhoria do desempenho operacional, além de preservação
física e também aspectos culturais, históricos, artísticos, dentre outros, mas partem sempre
dos três pilares bases do desenvolvimento sustentável, que são o desenvolvimento
econômico, o desenvolvimento social e a proteção ambiental.

Como resultado desta demanda, surge um novo conceito de reutilização adaptável ou


adaptativa, que propõe uma mudança de função do uso do edifício, reorganização funcional

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de espaços internos, com modificações controladas que permitam uma melhor integração
das novas técnicas construtivas e tecnologias com os materiais e características existentes
no edifício (GILIOLI, 2017; PEREIRA, 2018), respeitando preceitos de reversibilidade e
compatibilidade, além de proporcionar à comunidade local participação ativa com o novo
uso, com retorno de benefícios econômicos (BAGGIO et. al., 2016 apud LACERDA et. al.,
2019, p. 3). Todos estes fatores contribuem para melhora do potencial sustentável da
edificação e evitam o processo de museificação ao definir um uso condizente com o
entorno, conjunto arquitetônico e realidade social em que o edifício está inserido. Gilioli
(2017) explica ainda que a ideia de reutilização e definição de novos usos para intervenção
em monumentos não é novidade, mas pontua a importante diferença de que antes estas
mudanças eram feitas de forma arbitrária, visando atender basicamente questões
econômicas e funcionais. Os autores Fournier e Zimnicki (2004) elaboraram uma serie de
orientações com intuito de maximizar a reutilização adaptável de edifícios históricos,
seguindo diretrizes de sustentabilidade e preservação patrimonial (CONEJOS et. al., 2011;
GILIOLI, 2017; PEREIRA, 2018), porém, ainda há uma vasta lacuna no mercado referente a
checklists, diretrizes e certificações específicas que norteiem estes tipos de intervenções,
ficando as decisões a critério do restaurador e a depender também das necessidades e
situação da edificação. No entanto, é oportuno citar o início de movimentações neste
sentido, com o grande passo da criação da certificação Green Building Concil Historic
Building, ou GBC Edifícios Históricos, em 2014, desenvolvida pela GBC Itália e GBC
Estados Unidos, cujo objetivo é atrelar os critérios de sustentabilidade da certificação LEED
ao processo de conservação patrimonial (BOARIN et. al. 2014 apud LACERDA et. al., 2019,
p. 7). A certificação considera os aspectos já conhecidos do LEED, como fatores
energéticos, materiais e recursos, qualidade do ambiente interno e externo, mas com
diferenças essenciais como análise de degradação, intervenção mínima e fatores tangíveis,
relacionados às características técnicas do edifício e intangíveis, relacionados às
consequências sociais (BOARIN, 2016, apud LACERDA et. al. 2019, p. 9). Apesar da
inegável complexidade e risco deste tipo de intervenção, respeitar as limitações da
edificação e realinhar a busca pela conservação aos três pilares do desenvolvimento
sustentável, já indica uma rota para tomada de decisão alinhada com as tendências globais.

HBIM e a inserção do fator sustentabilidade

Considerando-se que países estão aderindo ou programando-se para aderir ao uso


obrigatório da metodologia BIM em novas obras públicas, é possível imaginar que, em
breve, tal exigência seja voltada também para o mercado da manutenção e intervenção de
edifícios históricos. Hammond et al. (2014) elenca alguns benefícios no mercado das
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reformas sustentáveis, citando a menor necessidade de investimento de recursos, visto que
há uma estrutura preexistente, a diminuição do consumo energético a longo prazo e
consequentemente redução dos custos de operação, além da valorização do edifício da
perspectiva socioambiental, fator relevante para concessão de benefícios públicos e
interesse de investidores.

Porém, cabe aqui ressaltar as diferentes oportunidades e limitações quando estas reformas
estão voltadas a edifícios históricos, foco desta pesquisa. Com maiores exigências
demandadas por órgãos reguladores, além de diferentes níveis de estado de conservação
que exigem cuidados diferenciados, uma reforma em edifício histórico pode apresentar um
escopo bem limitado e específico, o que pode acarretar em maior custo com mão de obra
especializada ou mesmo a impossibilidade de uma reforma inteiramente sustentável.
Entretanto, ainda que a aplicação de estratégias completamente sustentáveis não seja
possível, percebe-se um retorno positivo do ponto de vista ambiental e econômico em
adaptações pontuais que reduzam o consumo de energia ao longo do restante do ciclo de
vida do edifício (HAMMOND et al., 2014), ou mesmo com a organização de uma futura
manutenção mais intensa. Quando se compara intervenções sustentáveis ao processo de
demolição e reconstrução Pereira (2018, p. 9) explica que:

Na maioria dos casos, os benefícios obtidos a partir da conservação da


estrutura original do edifício histórico irão superar quaisquer vantagens
ambientais advindas da demolição e reconstrução de novos edifícios,
projetados com estratégias para a conservação de energia e diminuição das
emissões de carbono: o consumo de energia das novas construções pode
exceder o necessário para apenas manter o edifício histórico existente,
obviamente desde que este último tenha como premissa básica o uso
sustentável de acordo com as características e necessidades peculiares da
sociedade local onde se encontra inserido.

Portanto, ainda que limitada, é válida a abordagem sustentável nos variados tipos de
intervenção permitidos em edifícios históricos, frisando-se o objetivo de conservação e
interesse socioambiental. Pereira (2018) enfatiza ainda a importância da seleção de
ferramentas que melhor possam simular as intervenções, sendo essenciais para acertada
tomada de decisão. Neste ponto, retomamos o papel da aplicação da metodologia BIM no
contexto do patrimônio histórico edificado, também conhecida como HBIM – Heritage
Building Information Modeling ou Historic Building Information Modeling, que trata da
aplicação de ferramentas BIM para documentação, gestão, estudos e simulações voltados
para conservação de patrimônio tangível. Assim como no uso generalista da metodologia
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BIM, um dos ganhos mais atraentes que o HBIM traz para a indústria do restauro e
conservação é a possibilidade de melhorar a comunicação entre os principais setores deste
ramo, cujos processos envolvem ainda mais atores e dados do que os de uma construção
nova.

Ao adicionar o fator sustentabilidade neste meio, propõe-se uma ferramenta oportuna de


integração, que segundo Bertolin et al. (2018) atualmente não existe, entre especialistas de
áreas distantes – como eficiência energética e restauro – com um propósito comum de
formular diretrizes sustentáveis que garantam a máxima eficiência e conservação dos
valores patrimoniais. Em sua tese, Tolentino (2018) elenca algumas aplicações do HBIM
levantadas em pesquisas e estudos de caso, citando dentre elas: a possibilidade de
variados tipos de levantamentos cadastrais, com uso de tecnologias como varredura a laser,
fotogrametria, nuvem de pontos, dentre outros formatos que fazem interface com softwares
BIM; a facilidade de consulta de informações precisas e extração de documentos técnicos
relacionados à modelagem da estrutura do edifício; simulações de desempenho para
previsão de futuras manutenções e definição de tomadas de decisão em intervenções; a
possível conexão com sistemas de monitoramento para atualização do modelo; e a
possibilidade de integrar ao modelo informações relacionadas a aspectos intangíveis do
edifício, como dados históricos, culturais, artísticos e sociais, possibilitando interação de
clientes internos e externos através de links, imagens, narrativas e sons.

Em paralelo, outro ponto a ser levantado na aplicação de retrofits sustentáveis com uso da
metodologia BIM, é a necessidade de elaboração de leis e normas técnicas que promovam
padronização e melhor uso desta metodologia para edifícios históricos. No entanto, apesar
de alguns países estarem avançando a passos largos na normatização e até mesmo na
obrigatoriedade do uso do BIM tanto em obras privadas como especialmente em obras
públicas, ainda há uma lacuna nas legislações voltadas à aplicação do BIM para gestão do
patrimônio histórico, sendo citado frequentemente somente para gestão de edifícios
existentes, de forma generalista.

Resultados e discussões

A revisão de literatura, quando analisada da perspectiva cronológica, demonstra um


palpável crescimento no interesse pelo uso da metodologia BIM tanto em conjunto com
preceitos do design sustentável, como também na sua aplicação voltada à manutenção de
edifícios históricos. No entanto, ainda há carência de literatura que discuta a aplicação
simultânea destas três abordagens, principalmente se considerarmos o imenso mercado do

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retrofit patrimonial, sendo que a maior parte da produção bibliográfica encontrada foi
produzida fora do contexto brasileiro, que apresenta ainda mais limitações em relação a
literaturas voltadas a aplicações práticas e estudos de caso, mantendo-se mais no campo
teórico.

Notou-se também uma tendência nos artigos sobre construção sustentável a focarem em
projetos de edifícios novos com aplicações de certificações ambientais, como LEED,
BREEAM, CESBA e afins, considerando majoritariamente aspectos econômicos e
ambientais em suas discussões. No geral, o fator social do design sustentável foi discutido
em segundo plano, com poucas abordagens voltadas ao planejamento participativo, ao fator
cultural local e a impactos sociais na vizinhança. No entanto, nos artigos que tratavam de
sustentabilidade atrelada à conservação patrimonial, a preocupação com o aspecto social
ficou mais evidente, com relato de benefícios, como: a definição de um uso para a
edificação histórica compatível com as necessidades e expectativas locais; o aumento do
bem-estar dos usuários da edificação e, portanto, o incentivo à visitação e uso destas; o
aumento da educação patrimonial e valorização por parte da sociedade, que agora possui
novas ferramentas interativas para acesso à informação sobre atributos históricos,
construtivos e culturais, como por exemplo, acesso a realidade aumentada, realidade virtual,
recursos audiovisuais atrelados à representação de elementos construtivos, além de
possíveis gamificações; e o aquecimento da economia local com a retomada do setor
privado à sítios históricos, atraídos por incentivos públicos para o uso sustentável da
edificação histórica.

A revisão de literatura levanta também os desafios na combinação do BIM com o fator


sustentabilidade e edifícios históricos, sendo relevante a busca de um equilíbrio – ou
mesmo métricas para definição deste (BERTOLIN et al., 2018) – para que a aplicação de
novas tecnologias em edifícios históricos seja saudável, e não acabe por descaracterizar a
edificação apenas para atingir ideais de sustentabilidade (PEREIRA, 2018).Quanto ao uso
do BIM, uma grande dificuldade refere-se à modelagem dos edifícios e suas particularidades
históricas, como geometrias irregulares, gárgulas e adornos, objetos cujos modelos ainda
não constam em bibliotecas e por tratarem-se de formas geométricas não convencionais,
requerem um tempo maior de modelagem (LÓPEZ, et al., 2018). Desafios que devem ser
amenizados futuramente com a evolução das tecnologias, a flexibilização do acesso às
ferramentas de levantamento anteriormente citadas, que hoje requerem investimentos de
alto custo, mas, principalmente com a criação de ferramentas BIM voltadas especificamente
para manejo do patrimônio histórico.

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Em todos os artigos encontrados, é uníssono o benefício da aplicação da metodologia BIM
no gerenciamento de edificações históricas, sendo estas as dificuldades mais citadas: a
questão da complexidade na etapa de modelagem dos edifícios, apesar do uso de novas
tecnologias de levantamento garantirem mais agilidade e precisão nesta etapa; a formulação
de métodos para atualização periódica do modelo para acompanhamento real da situação
do edifício; falta de biblioteca específica para este tipo de projeto, devido às particularidades
das construções; além da falta de uma ferramenta própria para modelagem HBIM. Já os
limitadores citados para intervenções em edifícios históricos através do BIM, são em sua
maioria relacionados a limitações de softwares de análises de eficiência que façam interface
com plataformas BIM que atendam a retrofits, apesar do crescimento deste mercado nas
últimas décadas. Outra dificuldade apontada foi relacionada à ausência de documentação
relativa a materiais e técnicas construtivas utilizados em parte das edificações históricas,
que ajudam a embasar a modelagem destes edifícios e, portanto, interferem no resultado de
análises. Na falta destes dados, são geralmente usadas documentações de edificações com
características similares, para complemento de informação.

Conclusão

Os achados na pesquisa demonstram que a metodologia BIM atua como um facilitador na


aplicação de estratégias sustentáveis no ramo construtivo, não por oferecer técnicas
projetuais sustentáveis diferentes do que já existia no mercado, mas por facilitar a aplicação
destas técnicas e ter a possibilidade da quase imediata análise destas escolhas de projeto.
Além disto, esse processo é mais acurado por oferecer a integração de diferentes
disciplinas, com ferramentas adequadas para cada etapa do ciclo de vida da edificação, o
que garante ao projetista ainda mais suporte projetual na busca pela extensão da vida útil do
edifício.

Quanto à aplicação do BIM em edifícios históricos, há ainda certa dificuldade na transição


para essa metodologia dado o caráter complexo da modelagem geométrica e também da
extensa modelagem da informação necessária para estes projetos, mostrando-se
necessária a criação de ferramentas voltadas especificamente para o HBIM. Tais
ferramentas, proporcionarão tanto um melhor auxílio no fluxo da modelagem, como a
expansão da capacidade de agregar informações de elementos construídos e vinculá-las às
técnicas construtivas e aspectos culturais inerentes ao edifício, possibilitando, assim, atingir
um alto nível de maturidade BIM, que raramente é possível hoje devido a limitações de
ferramentas. É importante citar, que tais ferramentas devem objetivar também atender às
demandas de documentação e normatização por parte de entidades regulatórias, e
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proporcionarem eficiente gestão patrimonial, frisando que a gestão de um edifício histórico
requer outras variáveis quando comparada à gestão de edifícios novos. Isto poderá
acarretar numa reformulação do processo de projetos para intervenção em edifícios
históricos, assim como a metodologia BIM vem mudando os fluxos de projetos de novas
edificações.

Referências

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EIXO TEMÁTICO 3 - BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA HISTÓRIA
DA ARQUITETURA

OS DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA DA ARQUITETURA E A


BIOGRAFIA: reflexões teóricas e metodológicas1

PIRES, Caio Cesar da Silva.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP)


Departamento de História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo
E-mail: ccsp93@usp.br

RESUMO
Nos últimos tempos, a historiografia tem intensificado o diálogo com o gênero biográfico. A partir desta
aproximação, o debate em torno das biografias históricas vem contribuindo para o surgimento de novas
perspectivas no âmbito da história da arquitetura. Podemos observar estas transformações no
crescimento de estudos que investigam as trajetórias de arquitetos. Diante desse novo cenário, torna-
se pertinente refletir sobre as particularidades teóricas e metodológicas que permeiam o estudo
histórico-biográfico de profissionais que atuaram em áreas ligadas à arquitetura e ao urbanismo. Este
artigo tem como objetivo discutir as possibilidades e limitações de pesquisas a respeito das trajetórias
profissionais de arquitetos. Assim, pretende-se mapear e elucidar os principais desafios que os
pesquisadores poderão encontrar ao dedicar-se a esta temática. A partir dos comentários de diferentes
autores, propõe-se um panorama geral acerca da biografia enquanto um problema historiográfico. Para
tanto, o artigo está dividido em duas partes. Em um primeiro momento, será abordada, de forma breve,
a constituição da abordagem biográfica na historiografia, destacando as recentes contribuições de
pesquisadores brasileiros para a história da arquitetura. Na segunda parte, o artigo apresentará as
principais questões que norteiam as discussões historiográficas que tomam como eixo de pesquisa a
biografia no campo da história da arquitetura. Espera-se, com estas ponderações, contribuir para os
debates teóricos e metodológicos relativos a este tópico.
Palavras-chave: Biografia, Historiografia, História da Arquitetura, Metodologia.

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Introdução

Embora tenha retornado ao debate historiográfico nas últimas décadas, ainda existe,
por parte dos historiadores, uma grande desconfiança em relação às biografias históricas.
Afinal, quais seriam suas possibilidades? A iniciativa de produzir a história de uma vida não
seria apenas um empreendimento “ilusório” (Bourdieu,1996)? Mesmo sendo criticada sob os
mais diversos aspectos, a biografia continua instigando reflexões importantes no campo
historiográfico. Sua popularidade, como apontado por François Dosse (2009), remonta à
Antiguidade Clássica, passando pelas hagiografias da Idade Média, e, até os dias de hoje,
continua atraindo a atenção do público em geral e dos pesquisadores. Mas quais seriam os
parâmetros das biografias históricas atuais? E quais perspectivas a biografia pode trazer para
a história da arquitetura?

A partir destas questões, o presente artigo pretende refletir sobre os desafios atuais
em torno da escrita e pesquisa biográfica no campo da história da arquitetura. A proposta,
assim, é analisar a biografia enquanto problema historiográfico, através do diálogo com
diferentes autores que tratam desta temática. Para isto, serão reconstituídas algumas das
mudanças da escrita biográfica ao longo do tempo, destacando sua relação com a história,
das suas origens até o início do século XX. Em seguida, serão indicadas as mais recentes
discussões sobre a biografia na área da história da arquitetura em âmbito nacional. Por fim,
serão apresentadas algumas reflexões sobre as relações do gênero biográfico com a história
da arquitetura.

As transformações do gênero biográfico ao longo do tempo

Na Antiguidade Clássica, as obras biográficas buscavam extrair lições morais das


vidas narradas (Plutarco, 2019). Nas Vidas Paralelas, Plutarco apresenta as qualidades e os
vícios das personagens ao mesmo tempo em que também as situa em seu contexto histórico
(Silva, 2017, p. 258). No entanto, apesar desta preocupação em reconstituir a sociedade da
qual o biografado pertencia, Plutarco entendia que a escrita biográfica era distinta da histórica.
Logo no início de Vida de Alexandre, o biógrafo grego afirma que “[…] não é História o que
me proponho escrever, mas sim Biografia” (Plutarco, 2019, p. 51). Isto sugere, a meu ver, que
as biografias produzidas na Antiguidade não tinham os mesmos objetivos dos trabalhos
historiográficos deste período (Dosse, 2009, p. 127). A finalidade da biografia, assim, não era
narrar fidedignamente os grandes eventos do passado, como postulavam os historiadores

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antigos, mas construir modelos éticos através do relato de uma vida, vista pelo biógrafo como
digna de ser lembrada (Dosse, 2009, p. 137).

Com este propósito, Plutarco reivindicava, segundo Jacques Revel (2005, p. 238), “o
direito de estilizar a realidade da experiência vivida para lhe permitir trazer testemunhos de
valor e amplitudes gerais”. E graças a esta intenção de produzir ensinamentos de alcance
universal, a biografia tornou-se um gênero popular e longevo pois, até o final do século XVIII,
os eventos do passado eram tomados como referência moral para o presente, isto é, a história
era concebida como uma magistra vitae (Dosse, 2009, p. 127). Pode-se afirmar, portanto, que
tanto a biografia quanto a história eram entendidas enquanto meios de transmissão de valores
às futuras gerações. Deste modo, apesar de terem ênfases e procedimentos distintos, a
história e a biografia acabavam por ter uma relação muito próxima, uma vez que ambos
possuíam este compromisso pedagógico (Lévillain, 2003, p. 145-150).

De acordo com Dosse, o sentido moralizante das biografias de Plutarco permaneceu


como uma principal referência para as hagiografias medievais e até mesmo para as biografias
produzidas no início do século XVIII. O que não quer dizer que o gênero se manteve
inalterado; ao contrário disso, podemos constatar o surgimento de novas possibilidades na
escrita biográfica ao longo dos anos, pois, como bem apontado por Dosse (2020, p. 7), “[…]
o gênero biográfico encarnou diferentes requisitos conforme os momentos históricos".
Observa-se, por exemplo, que a partir do Renascimento as biografias deixaram de apenas
focar em exemplos heroicos para também narrar a vida de “pessoas comuns”, como no caso
da obra de Giorgio Vasari (1550), que tratava da vida dos principais artistas renascentistas da
Itália.

Podemos observar outras mudanças nos paradigmas do gênero biográfico a partir do


século XIX. Neste período, não se procurava mais nas vidas biografadas apenas modelos
morais, mas também características capazes de sintetizar o coletivo da qual o biografado fazia
parte. Assim, o foco destas biografias não seria mais o indivíduo propriamente dito, mas a
época ou a nação que se personificariam na personagem biografada (Dosse, 2009, p. 180).
Este modelo de biografia liga-se ao processo de consolidação dos Estados-nacionais
europeus, onde as figuras da história da nação eram evocadas enquanto símbolos das
qualidades do povo. Portanto, nota-se que, mais uma vez, a história e a biografia
aproximaram-se nesta época onde as identidades nacionais eram construídas e promovidas
em toda a Europa. O caso francês, descrito por Dosse (2009, p. 180), ajuda-nos a
compreender os traços da biografia desse momento:

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O verdadeiro herói é coletivo, é a França, que não aparece como
entidade abstrata; ela se encarna em personagens sucessivos para
lhe dar um rosto, uma voz. A França é, pois, a França antes de nascer
como Estado-nação. […] O corpo do herói presta à encarnação da
ideia de nação, e a herança deixada por Vencingerótix será
sucessivamente retomada por Clóvis, Carlos Martel, Carlos Magno
são Luís, Joana D’Arc, Du Guesclin, Bayard, Henrique IV e os outros,
cujos traços manifestam menos virtudes pessoas que o “indefectível
querer-ser da França”.

Observa-se, com base neste trecho, que as figuras biografadas eram entendidas como
uma “encarnação do espírito geral” francês (Dosse, 2009, p. 178), ou seja, eram
compreendidas enquanto verdadeiros símbolos patrióticos. Sendo assim, estas biografias
eram mobilizadas enquanto um instrumento de enaltecimento da nação. Portanto, da mesma
forma que o modelo biográfico da Antiguidade, estas obras biográficas também procuravam
transmitir valores através do relato de “vidas heroicas”. No entanto, no caso das biografias
produzidas nesta época, o intuito era, em parte, a legitimação dos discursos ligados à
construção das identidades nacionais.

Ao final do século XIX, os historiadores deixaram de pensar a história enquanto uma


magistra vitae. Na verdade, o novo regime de historicidade propunha justamente o contrário
do anterior (Revel, 2005, p. 240), isto é, enquanto antes voltava-se para o passado em busca
de modelos, a partir deste momento, um futuro idealizado passa a determinar as ações a
serem tomadas no presente (Schmidt, 2011, p. 190). Com base nesta concepção de história,
os historiadores aproximaram-se das ciências sociais e de seus “paradigmas englobantes”
(Revel, 2005, p. 236), como o marxismo e o positivismo. A esfera individual, assim, acabou
perdendo importância no campo historiográfico. Segundo Sabina Loriga, por conta disto:

[…] os indivíduos não são pensados como seres particulares, dotados


de um caráter singular, distinto, nem mesmo como seres capazes de
agir sobre o curso da história, mas como exemplares equivalentes
entre si, submissos apenas à dominação do grupo (classe, nação, etc.)
(SOUZA; LOPES, 2012, p. 29).

A maior parte dos historiadores do século XIX, por estar interessada nos grandes
eventos do passado, considerava a biografia um subgênero, que, no máximo, seria útil na
educação das crianças (Dosse, 2009, p. 173). Na passagem do século XIX para o XX, os
historiadores se afastariam ainda mais da biografia, pois a história passou a ser entendida
como uma ciência, enquanto a biografia continuou a ser vista como um gênero inferior. Em
1929, com a fundação da revista Annales, por Marc Bloch e Lucien Lefbvre, as investigações
voltadas às grandes conjunturas econômico-sociais passam a ocupar o centro do debate
historiográfico (Lévillain, 2003, p. 159-160) Assim, por algumas décadas, a biografia seria

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menosprezada entre os historiadores. De acordo com Dosse, do final do século XIX ao XX, “a
biografia se torna o local de refúgio da historieta, do relato puramente anedótico, sem outra
ambição que encantar e distrair” (Dosse, 2009, p. 18).

O debate na historiografia brasileira: a biografia como uma nova


possibilidade para a história da arquitetura e da cidade

Com a crise dos modelos interpretativos marxista e estruturalista na década de 1980,


os historiadores voltaram sua atenção novamente ao indivíduo e, assim, a biografia foi aos
poucos retornando ao campo historiográfico (Lévillain, 2003, p. 162-164). Esta reaproximação
trouxe novas reflexões sobre as possibilidades e limitações da biografia e também da sua
relação com a história.

Antes de tudo, é preciso enfatizar que delimitar as características do gênero biográfico


não é uma tarefa fácil. Seu entrelaçamento com outras disciplinas (como a literatura e o
jornalismo) torna a biografia um gênero híbrido, ou, nas palavras de Dosse, um “gênero
impuro” (Dosse, 2009, p. 55-122). E no caso da biografia na história da arquitetura não é
diferente; como ressalta Le Goff (2009, p. 21), a “biografia histórica é uma das formas mais
difíceis de se produzir história”2.

É interessante observar ainda que o interesse pela biografia entre os pesquisadores


da história da arquitetura cresceu consideravelmente nos últimos anos. Ao tratar dessa
temática, não posso deixar de indicar alguns estudos que, a meu ver, trouxeram novas
perspectivas para esta área. Para não me alongar muito, mencionarei apenas alguns
trabalhos que abordam a trajetória de profissionais ligados à arquitetura e o urbanismo em
São Paulo — pois é a bibliografia que tenho mais familiaridade. Dentro deste recorte, temos,
por exemplo, a biografia do arquiteto Ramos de Azevedo, composta por Carlos Lemos (1993),
que continua sendo a maior referência sobre este arquiteto paulista. Outro estudo biográfico
importante encontra-se no trabalho de Sylvia Ficher (2005) sobre a evolução do ensino e da
profissão de arquiteto em São Paulo. Não posso deixar de também apontar a tese de Cristina
de Campos (2007) sobre o engenheiro Paula Souza e de sua relação com o desenvolvimento
da infraestrutura urbana de São Paulo. Por último, destaco o livro organizado por José Geraldo
Simões Junior e Heliana Angotti-Salgueiro (2020) sobre a carreira do urbanista Anhaia Mello.

2Tradução livre do autor. No original: “Thus I became convinced of this intimidating truth: historical biography is one
of the most difficult ways to produce history.”
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Em abril de 2013, foi organizado o I Seminário Trajetórias (Biografias?) Profissionais:
Urbanistas e Urbanismo no Brasil — Documentação e Narrativas Históricas, por iniciativa do
Grupo de Pesquisa em História do Urbanismo e da Cidade (GPHUC-UnB/CNPq), da Rede-
Grupo de Urbanismo no Brasil (USP-CNPq) e do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a
Cidade (CIEC-UNICAMP). Este evento, sem dúvidas, representa um marco importante para
o campo da história da arquitetura. A partir dos debates entre os pesquisadores que se
envolveram no evento, foi publicado o livro Urbanistas e Urbanismo no Brasil: Entre Trajetórias
e Biografias, organizado por Rodrigo de Faria, Josianne Cerasoli e Flaviana Lira (2014).
Explorando diferentes aspectos teóricos e metodológicos relativos à pesquisa de biografias
de profissionais ligados ao campo do urbanismo, este trabalho pode ajudar-nos a refletir sobre
o debate historiográfico que vem se desenvolvendo atualmente sobre o tema.

Partindo das discussões presentes neste livro, percebe-se a importância da


interdisciplinaridade e do diálogo entre os pesquisadores. Mesmo com diferentes recortes,
aproximações e questões, cada pesquisador pode contribuir para o debate, ampliando, assim,
as possibilidades de enfoque no campo da história da arquitetura. Ao estabelecermos espaços
de troca, como no caso deste 7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação, as
reflexões a respeito da biografia amadurecem. Isto posto, pretendo, nas próximas linhas, dar
minha contribuição para o debate torno da biografia na história da arquitetura.

A relação entre a história da arquitetura e a biografia: desafios


contemporâneos

A relação entre o sujeito biografado e seu contexto histórico poderá se apresentar


como uma questão desafiadora ao pesquisador que inicia sua biografia histórica. Afinal, como
trabalhar, simultaneamente, a experiência individual e o coletivo na escrita biográfica? Como
relacionar a trajetória de um arquiteto, engenheiro ou urbanista com a sociedade ao seu
redor? Segundo Loriga, uma possibilidade seria encarar as fronteiras entre os indivíduos e as
estruturas coletivas de forma menos rígida (Loriga, 2009, p. 219). Susan Magarey (2008)
também parte desta premissa e entende que o indivíduo e a sociedade estão entrelaçados e,
por esta razão, estas duas dimensões devem ser tratadas de forma balanceada na escrita
biográfica. De fato, o biografado está inserido em uma rede de relações sociais com normas
e práticas que, sem dúvida, determinam aspectos fundamentais da sua vida. No caso dos
arquitetos e urbanistas, isto não é diferente. Estes profissionais, assim como outros sujeitos
históricos, também possuem vínculos profissionais e institucionais que, de algum modo,
repercutem em suas obras — sejam elas arquitetônicas ou teóricas. Mas isto não quer dizer

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que o indivíduo não tenha liberdade de escolha. Como afirma Giovanni Levi (1996, p. 179-
180), “[…] nenhum sistema normativo é suficientemente estruturado para eliminar qualquer
possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou de interpretação das regras, de
negociação”. É importante, entretanto, que o historiador tenha em mente que esta margem de
liberdade não é absoluta, mas delimitada pelas possibilidades do próprio tempo e espaço da
qual o biografado pertence (Levi, 1996, p. 179).

Ao partirmos desta perspectiva, a própria a concepção de “contexto” também se


modifica. Como apontado por Benito Schmidt (2011, p. 196), algumas biografias históricas
tendem a construir a sociedade em torno da personagem como um “pano de fundo”, isto é,
como um “cenário” coerente e imóvel que precede o indivíduo. Levando isto em conta,
Schmidt propõe — seguindo a sugestão de Gilberto Velho — que o contexto seja entendido
“[…] não como uma configuração fixa e pré-moldada, mas como um “campo de
possibilidades”, espaço para formulação e implementação de projetos individuais e coletivos”
(Schmidt, 2011, p. 196). Com este novo caráter dinâmico do contexto, a relação entre o
biografado e seu meio social também se transforma, uma vez que este “campo de
possibilidades” permeia a trajetória do indivíduo do mesmo modo que o indivíduo também age
neste espaço (Magarey, 2008, p. 10-13).

Além do mais, a partir desta abordagem sobre a relação do sujeito biografado com seu
contexto, evita-se o que Charles Firth denomina de “paradoxo do sanduíche” (Loriga, 1998,
p. 247-248). Neste caso de narrativa biográfica, a vida do biografado e a sociedade à sua
volta são apresentadas de forma alternada e com pouca ou nenhuma conexão; em outros
termos: ora se escreve sobre o contexto, ora se aborda a vida pessoal, depois volta-se para
o contexto e assim por diante. Esse tipo de organização da narrativa pode, segundo Vavy
Borges (2011, p. 223), tornar o estudo biográfico uma espécie de curriculum vitae “recheado”
com fatias de contexto, o que acaba por simplificar a relação entre o indivíduo e seu meio
social.

Outro ponto teórico-metodológico importante refere-se as fontes e suas possibilidades.


Le Goff (2003, p. 496-497) alerta que, ao lidarmos com documentos históricos, não devemos
entendê-los como uma espécie de reflexo “neutro” do passado, mas sim como um
testemunho. Assim, o historiador deve, através de uma crítica interna, desconstruir os
discursos que permeiam suas fontes e, também, analisar as condições de sua produção (Le
Goff, 2003, p. 495). E no caso dos documentos biográficos de profissionais ligados à
arquitetura? O historiador que trabalha com este tipo de documentação deve ter em mente
que, muitas vezes, estes resultaram de um esforço consciente — ou inconsciente — de

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construir e perpetuar uma imagem do biografado (Le Goff, 2003, p. 497). Pode-se mencionar,
por exemplo, o caso de autobiografias de arquitetos ou ainda artigos nos quais estes
profissionais relatam sua trajetória profissional ou sua rotina em uma obra específica. Por
mais “objetivos” que estes documentos pareçam, deve-se ter em mente que eles são apenas
um testemunho, ou seja, são somente uma interpretação sobre determinada circunstância.
Portanto, é preciso estar atento às intenções presentes nas entrelinhas destes documentos
para, segundo Le Goff (2003, p. 497), “[…] não fazer papel de ingênuo” e ser levado pelo
conteúdo mais superficial dos documentos.

Da mesma maneira, o historiador deve estar ciente das limitações de suas fontes. Por
mais detalhados e volumosos que sejam os documentos que remetem à trajetória profissional
do arquiteto, estes não são capazes de reconstituir todas as nuances da sua existência; em
outras palavras, sempre existirão lacunas (Le Goff, 2009, p. 23). O historiador precisa, assim,
compreender que os documentos são sempre fragmentos que se referem à existência do
biografado. Como salienta Lewis Mumford (1934), não se deve confundir os vestígios de um
percurso biográfico com a própria vida do biografado. Por esta razão, Schmidt (2014, p. 139)
ressalta que, apesar do compromisso do historiador com a veracidade, não existem biografias
históricas “verdadeiras” ou “definitivas”, mas, ao contrário, são todas provisórias. Diante desta
situação incômoda, como aquele que se dedica a pesquisa biográfica deve agir? A sugestão
de Mumford (1934, p. 2-3) pode nos ajudar a refletir sobre esta questão:

O biógrafo deve compor a vida estudada com o que ele possui, assim
como um arqueólogo deve reconstituir um templo ou uma estátua a
partir dos fragmentos que o tempo e os homens deixaram; mas o
destino muitas vezes, ironicamente, deixa-lhe uma perna bem
preservada e um torso desmembrado, enquanto a cabeça, que
forneceria a principal pista para o corpo, está faltando. Portanto, além
da seleção intencional exercida pelo próprio sujeito e pelo biógrafo ao
usar os materiais que sobraram, existe uma seleção puramente
externa dominada pelo acaso, que atravessa as evidências de forma
arbitrária. Para corrigir tais distorções, o biógrafo deve ser um
anatomista do caráter: ele deve ser capaz de restaurar o nariz perdido
no gesso, mesmo se ele não encontrar o mármore original. Não será
o órgão autêntico; mas vai ajudar a cimentar os elementos do rosto.
Para fazer essas restaurações, o biógrafo deve ser um historiador e
também um estudante do individual; ele deve saber, em um
determinado momento, em um determinado habitat, qual seria a cor e
a forma de uma parte perdida. Se não tiver pistas, o bom biógrafo, ao
deixar estes detalhes de fora, pelo menos chamará a atenção para sua
ausência.3

3 Tradução livre do autor. No original:” The biographer must compose his life of what he has, just as the
archaeologist must restore his temple or his statue with such fragments as thieving time and careless men have
left him; but fate often ironically leaves him a well-preserved leg and a dismembered torso, while the head, which
would supply the main clue to the body, is missing. Hence, in addition to the purposive selection exercised by the
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A partir dos comentários de Mumford, pode-se afirmar que a investigação biográfica
demanda grande sensibilidade do pesquisador. Em minhas investigações pude observar que,
na prática, por mais simples e lineares que as trajetórias dos arquitetos e urbanistas pareçam
em um primeiro momento, elas são, na verdade, muito complexas. Assim, seria impossível
que as fontes abarcassem todos elementos biográficos destes sujeitos. Embora seja
fundamental que o historiador selecione e analise criticamente suas fontes, ele deve também
se preocupar com os “espaços vazios” na documentação (BORGES, 2011, p. 221). Para
Mumford (1934), “o bom biógrafo” não se esquiva dessas lacunas, mas as incorpora em seu
trabalho, seja para deduzir alguma hipótese ou, ainda, para evidenciar os próprios limites
encontrados por ele na pesquisa.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1986) foi responsável pelas mais duras críticas
à biografia histórica nos últimos anos. Para ele, a tentativa de biografar uma vida como um
percurso seria uma “ilusão retórica” (Bourdieu, 1996, p. 185). Segundo Bourdieu (1996), os
biógrafos costumam atribuir um sentido à vida narrada, buscando extrair dela relações de
causa e efeito que dariam a esta existência uma certa coerência e finalidade. Esta linearidade
coerente, segundo Bourdieu (1996), ignoraria o caráter descontínuo, fragmentado e, muitas
vezes, contraditório dos indivíduos. Bourdieu, diante disso, propõe que os acontecimentos
biográficos sejam compreendidos enquanto “[…] colocações e deslocamentos no espaço
social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da
distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado”
(Bourdieu, 1986, p. 190).

Mas, afinal, seriam as pesquisas biográficas atuais desenvolvidas do modo como


sugere o sociólogo francês? Parece-me que, como indicado por Levi (1996, p. 180), alguns
estudos biográficos ainda pressupõem “[…] que todos os indivíduos têm as mesmas
disposições cognitivas, obedecem aos mesmos mecanismos de decisão e agem em função
de um cálculo, socialmente normal e uniforme, de lucros e perdas”. Mas esta não é a regra.
Atualmente, uma parte considerável dos historiadores que lidam com o tema da biografia toma
como premissa que os indivíduos apresentam múltiplas facetas e não agem de acordo com
esquemas fixos e predeterminados, embora estes aspectos fragmentados e variados possam,
como apontado por Loriga (2011, p. 225-226), gerar uma sensação de vertigem no

subject himself and by the biographer in making use of such materials as are left, there exists a purely external
selection dominated by chance, which cuts across the evidence in an arbitrary fashion. To correct for such
distortions the biographer must be an anatomist of character: he must be able to restore the missing nose in plaster,
even if he does not find the original marble. It will not be the authentic organ; but it will help cement the face together.
To make such restorations the biographer must be a historian as well as a student of the individual; he must know,
at a given moment, in a given habitat, what would be the probable color and shape of a missing part. If he have no
clues, the good biographer, when he leaves such a detail out, will at least call attention to its absence.”
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pesquisador. A própria complexidade da identidade e suas ambiguidades se tornaram um dos
problemas centrais para os historiadores que lidam com a questão biográfica. E, como vimos
anteriormente, esta questão já vem sendo debatida no contexto nacional até mesmo na área
da história da arquitetura e urbanismo. Sendo assim, como ressalta Dosse (2009, p. 405), “a
identidade biográfica já não é considerada como congelada à maneira de uma estátua, mas
sempre às voltas com as mutações”. Diante disso, surgem duas questões: de que maneira o
historiador deve abordar a biografia profissional dos arquitetos? E como ele pode torná-la
inteligível aos leitores?

Um caminho possível seria apoiar-se nas reflexões de Paul Ricœur (1991) em torno
do conceito de identidade narrativa. Partindo da premissa de que somente por meio do
processo narrativo podemos determinar a identidade do sujeito, Ricœur (1997, p. 212) propõe
que consideremos o problema da identidade pessoal a partir da tensão entre os conceitos de
identidade-idem e identidade-ipse. De acordo com Ricœur (1997), o conceito identidade-idem
remete ao núcleo identitário imutável do sujeito e às disposições fixas nas quais distinguimos
um indivíduo do outro. De outro modo: o conceito identidade-idem caracteriza aquilo que se
mantém inalterado na identidade do indivíduo, “à maneira de suas impressões digitais”, como
sugere Dosse (2009, p. 342). Já a noção de identidade-ipse refere-se a dimensão mutável do
indivíduo e de suas ações, no tempo, que podem ser reconstituídas por meio da mediação
narrativa (Oliveira, 2018, p. 59-72). Assim, a identidade-ipse, como indica Ricœur (1997, p.
212), “[…] pode incluir a mudança, a mutabilidade, na coesão de uma vida.” Considero que,
através da articulação destas duas categorias de identidade propostas por Ricœur (1997), o
historiador pode analisar a complexidade da biografia do arquiteto de modo coerente. Assim,
a partir da identidade narrativa, pode-se refletir simultaneamente sobre aquilo que permanece
e o que se modifica na trajetória biografada.

Deve-se destacar, além disso, que os historiadores não refletem sobre as


temporalidades que envolvem uma vida a partir de uma única perspectiva. Muitas biografias
históricas produzidas atualmente não trabalham apenas com trajetórias lineares, mas também
com movimentos não lineares. Como destaca Borges (2011), uma parte considerável das
biografias históricas atuais adotam um determinado recorte temático, ao invés de tentarem
reconstituir a sequência dos eventos da vida do biografado (Borges, 2011, p. 225). No caso
de trajetórias de profissionais ligados à arquitetura, esta abordagem parece-me o melhor
caminho. Outros pesquisadores preferem o que Borges (2011) chama de “método
progressivo-regressivo”, onde por meio da alternação da narração (flashbacks), o biógrafo
apresenta as diferentes temporalidades da vida analisada.

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De acordo com Loriga, o texto de Bourdieu também sugere que existe apenas uma
forma de escrita biográfica (Souza; Lopes, 2012, p. 31-32), na qual a vida do sujeito biografado
é narrada em ordem cronológica, do nascimento à morte. Na realidade, ao longo das últimas
décadas, os historiadores desenvolveram diferentes abordagens biográficas. Como indicado
por Levi (1996), as novas experiências biográficas na historiografia vão desde a prosopografia
(Stone, 2011), onde a vida biografada serve como meio para se analisar os comportamentos
característicos de um determinado grupo, até o caso do que o autor chama de biografia e
casos extremos, em que a personagem é biografada justamente por ter tido comportamentos
atípicos em relação ao seu contexto (Levi, 2011, p. 174-178).

Ao discorrer sobre os desafios em torno da pesquisa e escrita biográfica, não se pode


deixar de comentar sobre a relação entre o biógrafo/pesquisador e o biografado/objeto de
pesquisa — no nosso caso, historiador e arquiteto. A meu ver, esta questão seria uma das
mais complicadas no exercício biográfico, pois, como destacam Alexandre de Sá Avelar e
Schmidt (2018, p. 11), “a biografia é lugar de investimentos não apenas intelectuais, mas
afetivos, políticos e memoriais”. Nas biografias produzidas na área da história da arquitetura,
observa-se que, muitas vezes, os pesquisadores admiram, em algum grau, as obras
(arquitetônicas ou teóricas) do arquiteto biografado. Assim, levando em consideração a
subjetividade do próprio pesquisador, como podemos refletir a trajetória do biografado de
forma objetiva? Parece-me que, primeiramente, o historiador deve partir do pressuposto de
que, como o biografado, ele não é “um observador imparcial” (Borges, 2011, p. 218). Na
verdade, o historiador deve reconhecer que também pertence a um ambiente político, cultural
e econômico e que as dinâmicas do seu contexto histórico também permeiam sua atividade
enquanto pesquisador (Ricœur, 1994). Como sugere Borges (2011, p. 218), um caminho
possível para o historiador seria “não se esconder” ao longo da sua análise, mas integrar e
explicitar as questões que atravessaram o desenvolvimento da sua investigação ao longo do
texto. Dito de outro modo, o pesquisador pode apresentar quais impressões, desafios e
estratégias o acompanharam na elaboração da sua pesquisa.

Do mesmo modo, também é fundamental que o historiador mantenha sempre uma


distância do biografado. A empatia ou a repulsa podem atrapalhar seu trabalho. Acredito que
não cabe ao pesquisador emitir apreciações ou reprovações sobre as ações do arquiteto
analisado, mas sim compreender, com base na documentação, sua trajetória e obras (Borges,
2004). Dessa maneira, a objetividade na biografia histórica não é resultado de uma suposta
“neutralidade”, mas, como indica Schmidt, é a consequência de um problema histórico bem
formulado e de procedimentos investigativos que propiciem a análise crítica das fontes
(Schmidt, 2011, p. 195).
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Por fim, o historiador também deve ter uma conduta ética ao abordar os
acontecimentos da vida de um indivíduo. Questões mais delicadas relacionadas à vida íntima
do biografado podem ser tratadas, mas desde que sejam apresentadas com respeito e sem
sensacionalismo. Na história da arquitetura isto ocorre com menos frequência, mas vale a
pena reforçar que, como enfatiza Schimdt (2014, p. 139), o objetivo da pesquisa biográfica
não é desvendar segredos, mas “explicar historicamente os percursos de seus biografados.”
Creio que os aspectos mais delicados da trajetória do biografado devem ser abordados se
ajudarem a responder as perguntas levantadas na pesquisa; caso contrário, devem ser
deixados de lado pelo pesquisador, pois em nada contribuem para sua investigação.

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Considerações finais

Diante do que foi exposto, pode-se fazer algumas observações a respeito do tema
analisado. Em primeiro lugar, nota-se que a escrita biográfica sofreu diversas transformações
ao longo do tempo. Pode-se afirmar, assim, que as biografias e Plutarco não foram escritas
da mesma forma e nem com as mesmas intenções das biografias do início do século XIX,
assim como estas não foram concebidas com os mesmos pressupostos das biografias atuais.
Busquei evidenciar ainda que a relação entre o gênero biográfico e a história também oscilou:
ora estiveram próximas, ora encontravam-se afastadas. A partir do que foi apresentado,
procurei destacar que esta tensão entre os gêneros ocorreu, sobretudo, por conta das
rupturas dos paradigmas na historiografia. Deste modo, tanto os questionamentos quanto as
aproximações que os historiadores fizeram ao gênero biográfico se deram em função não só
do modo como eles compreendiam a biografia, mas também foram baseados na maneira
como eles concebiam seu próprio ofício.

Ao discorrer sobre os desafios e debates atuais na escrita e pesquisa biográfica no


campo da história da arquitetura, minha intenção foi apresentar uma visão panorâmica das
suas limitações, incertezas e possibilidades, tanto em âmbito nacional quanto internacional.
Gostaria de enfatizar que meu objetivo foi refletir sobre estes desafios e, portanto, não tentei
estipular regras de como se deve (ou não) escrever uma biografia na área da história da
arquitetura. Assim, não busquei apresentar neste artigo respostas definitivas, mas sim
algumas alternativas que acabei encontrando em minhas próprias incursões pelo tema. Com
este trabalho, espero ter contribuído de alguma forma para os debates teóricos e
metodológicos sobre esta temática ou, pelo menos, ter instigado o leitor a conhecer melhor
as particularidades da biografia na área da história da arquitetura.

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EIXO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A PESQUISA NA
ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO

UM PERCURSO DE MODERNIDADE NA AVENIDA BORGES DE


MEDEIROS

TAVARES, ÂNGELO G. O. (1); VASCONCELOS, MARIANA F. (2); LIMA, RAQUEL


R. (3); SCHÜSSLER, WALQUÍRIA B. (4).

1. PUCRS. Curso de Arquitetura e Urbanismo - Escola Politécnica.


Endereço Postal: Av. Ipiranga, 6681. Prédio 30 - Sala 212C - Partenon, Porto Alegre - RS, 90619-900
E-mail: angelo.tavares@edu.pucrs.br

2. PUCRS. Curso de Arquitetura e Urbanismo - Escola Politécnica.


Endereço Postal: Av. Ipiranga, 6681. Prédio 30 - Sala 212C - Partenon, Porto Alegre - RS, 90619-900
E-mail: mariana.v@edu.pucrs.br

3. PUCRS. Curso de Arquitetura e Urbanismo - Escola Politécnica.


Endereço Postal: Av. Ipiranga, 6681. Prédio 30 - Sala 212C - Partenon, Porto Alegre - RS, 90619-900
E-mail: raquel.lima@pucrs.br

4. PUCRS. Curso de Arquitetura e Urbanismo - Escola Politécnica.


Endereço Postal: Av. Ipiranga, 6681. Prédio 30 - Sala 212C - Partenon, Porto Alegre - RS, 90619-900
E-mail: walquiria.schussler@edu.pucrs.br

RESUMO
O presente artigo tem o objetivo de apresentar um percurso de modernidade da Radial Avenida
Borges de Medeiros, em Porto Alegre-RS, demonstrando, por meio de alguns exemplares, a
importância da documentação de projetos arquitetônicos e como estes registram as modificações nos
modos de morar e viver de seus habitantes. Chamada de cânion urbano, a Radial Avenida Borges de
Medeiros, que liga o Centro Histórico à Zona Sul da cidade, ficou conhecida pela grande diferença de
níveis em sua topografia e por suas construções em altura, reflexos da modernização da capital.
Finalizada em 1935, durante a gestão do Prefeito Alberto Bins, a avenida possui quatro importantes
pontos nodais: a Ponte de Pedra, o Viaduto Otávio Rocha, o Paço Municipal, localizado no Largo
Glênio Peres, e a Esquina Democrática, tombada em 1997. Em um percurso que tem como ponto de
partida o Largo Glênio Peres, edifícios e espaços adjacentes conformam conjuntos de registros, como
na esquina democrática, onde o Edifício Sul América configura esse importante espaço na capital,
sendo procedido no trajeto pelos edifícios Continente e Amazônia, relacionando habitação e
comércio. Adiante no percurso, no Viaduto Otávio Rocha, há cinco exemplares modernistas, sendo
eles: São Salvador, Everest, Santa Generosa, Duque de Caxias e Duquesa. Finalizando o percurso
próximo a Ponte de Pedra, onde a modernidade trouxe imponentes construções em altura com
térreos mistos junto a espaços culturais, como o Edifício General Osório e Caixeiros Viajantes, além
de se mesclarem ao percurso edifícios Art Decò. Dessa forma, é possível documentar relevante parte
da evolução urbana e arquitetônica da cidade, principalmente aquela ocorrida na década de 1950,
período em que o Movimento Moderno iniciava sua passagem pela capital gaúcha. A pesquisa é
desenvolvida através da seleção de exemplares de edifícios de habitação coletiva de cunho
modernista do período de 1940 a 1960, feita por meio de visita in loco e publicações. Após a seleção,
requisitam-se os projetos originais no Arquivos Municipal, para que se iniciem os redesenhos em
softwares de arquitetura. Com os redesenhos produzidos, é criada uma tabela de comparações de
mudanças advindas do Movimento Moderno. Morar no centro da cidade oferecia importância à classe
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média, fato que se somou ao desejo de morar nas alturas e ao incentivo pela densificação, resultando
na construção de habitações coletivas, que, pelo Decreto 245/1940, deveriam ter mais de seis
pavimentos. Assim, Porto Alegre se modernizava seguindo padrões de cidades referências como o
eixo Rio-São Paulo, e cidades internacionais como Nova Iorque, Chicago, Buenos Aires e
Montevidéu. Utilizando o percurso de modernidade da Radial Avenida Borges de Medeiros,
apresentado a partir de fotografias, textos e registros originais das edificações de caráter habitacional
do período entre 1940-1960, documenta-se o importante desenvolvimento de uma sociedade que
vivenciava o processo de modernização.

Palavras-chave: Arquitetura Moderna, Porto Alegre, Avenida Borges de Medeiros.

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1. BREVE HISTÓRIA DE PORTO ALEGRE
A cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, teve sua formação
iniciada em 1680. Antes dessa época, a região da península e todo trecho de orla que hoje a
cidade possui, era habitada por diversos grupos indígenas. Apenas em 1732 é concedida
uma sesmaria a Jerônimo de Ornelas, que recebe em 1752 um núcleo inicial de
aproximadamente mil açorianos em suas terras.

Porto Alegre começa a ter seu traçado configurado a partir de 1772, início da segunda fase
de desenvolvimento da cidade, “dentro dos princípios tradicionais da cidade brasileira,
conhecida como cidade em acrópole” (SOUZA, 2010, p. 32). A base governamental, que
desde a expulsão pelos espanhóis do governo português de Rio Grande, em 1763, ficava na
cidade de Viamão, passou para Porto Alegre em 1773, uma vez que a Freguesia da Nossa
Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre possuía posicionamento geográfico estratégico
à beira do Guaíba. Com os prédios governamentais realocados primeiramente para o lado
noroeste da península, iniciam-se as obras de melhoramentos, como o remembramento de
lotes para possibilitar que se erguessem construções maiores em pontos específicos da
cidade.

A terceira fase da cidade diz respeito à vinda dos imigrantes e a Revolução Farroupilha.
Após a eliminação da muralha construída no período da Guerra dos Farrapos, a cidade se
expandiu em leque a partir de cinco caminhos estruturadores que partiam da ponta da
península, chamadas radias, que caracterizam a cidade até hoje. São elas: Avenida Borges
de Medeiros, Avenida João Pessoa, Avenida Osvaldo Aranha, Avenida Independência e
Avenida Voluntários da Pátria. No final do século XIX e início do século XX, Porto Alegre
chega a sua quarta a fase, a da industrialização, advinda da Revolução Industrial, um
período em que a Arquitetura e o Urbanismo buscavam a Ciência e a técnica para legitimar
a experimentação nas fábricas, no período que coincidiu com a Primeira Guerra Mundial. O
processo de industrialização, o entre guerras e a escassez de materiais para ornamentar
trouxeram consigo o repensar da cidade, o que levou aos primeiros planos de
melhoramentos da capital e à modernização da Arquitetura, que, segundo o Arquiteto e
Professor Günter Weimer em “Levantamento de projetos arquitetônicos. Porto Alegre: 1892
à 1957”, num primeiro momento, era uma Arquitetura mais historicista que racional.

O início do século XX trouxe consigo o aumento da altura das edificações, que ganhou força
com as tecnologias, o crescimento da cidade e com a consolidação do Movimento Moderno
na década de 1930, tendo Nova Iorque, Chicago, Buenos Aires, Montevidéu e o eixo Rio-
São Paulo, no Brasil, como influenciadores da sociedade gaúcha. A verticalização
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expressava desenvolvimento, que, com a popularização do Movimento Moderno, tornou-se
muito utilizada em edifícios de habitação coletiva, unindo dois importantes marcos de
modernidade em relação à arquitetura e ao comportamento social. Essa metropolização da
capital dos gaúchos, trouxe para a classe média, novos modos de morar para atender as
expectativas, verticalizando a península e originando o cânion urbano, conhecido como
Avenida Borges de Medeiros.

A verticalização de todo Centro da cidade de Porto Alegre integrou um projeto de


transformações viárias, higiênicas e estéticas, que valorizaram o solo, possibilitando o
surgimento dos arranha céus, que geraram o adensamento da região e foram um marco
simbólico de novos tempos. Além da legislação, que ao longo do tempo foi determinando a
questão das alturas na região central, chegando a estipular, a partir de 1940, o mínimo de
seis pavimentos, o êxodo rural no Estado trouxe a necessidade de mais moradia para a
Capital, intensificando o processo de crescimento vertical das construções na área central,
que já não possuía muitos meios de se expandir horizontalmente. A década de 1950
apresentou crescimento demográfico de 4,9% a.a., econômico, tecnológico e de ordem
social, além da construção dos edifícios mais altos da cidade, sendo o maior deles o Edifício
Santa Cruz, com trinta e dois pavimentos, evidenciando a característica do modernismo e a
influência da Escola Carioca.

A influência da Arquitetura da Escola Carioca em projetos arquitetônicos no Estado,


absorveu adaptações por conta das condicionantes histórico-regionais e climáticas. Essa
Arquitetura também chamou a atenção das construtoras, que reforçavam a ligação entre
essas construções e o progresso que boa parte da sociedade almejava. Esses edifícios,
quando de habitação coletiva e sendo bem localizados, ou seja, sobre os lotes centrais,
atraíram a classe média que se modernizava. Aos poucos, edificações com distribuições
internas mais tradicionais, à moda francesa, foram dando lugar a apartamentos que ligados
ao american-way-of-life dos cinemas e retomando os térreos comerciais, além da adição de
garagens e elevadores aos edifícios.

2. O PLANEJAMENTO DA CIDADE ATÉ O MODERNISMO

O início da formação do traçado da cidade, em 1772, teve como responsável o engenheiro


militar Alexandre Montanha, que fixou “o local da praça principal e o traçado de ruas da
península, definindo uma série de vias longitudinais cortadas por outras transversais”
(PEREIRA, DIEFENBACH E CALOVI, 2006, p.7) para ligar os trapiches ao topo da cidade já
ocupada. É o início da configuração anterior aos aterros, que cria a Rua da Praia paralela às

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margens e o Largo da Quitanda (hoje a Praça da Alfândega) para promoção do comércio,
bem como é traçada a rua da Igreja (atual Rua Duque de Caxias). Na Duque, também é
conformado por Montanha, um espaço cívico com templo, sede da província e da fazenda
portuguesa (hoje Praça Marechal Deodoro ou Praça da Matriz), espaços que remetem a
“ágora” e “acrópole” gregas, como afirmam os autores Cláudio Calovi Pereira, Samantha
Diefenbach e Ricardo Calovi, assim como Célia Ferraz de Souza.

Após esse período de formação, muitas das mudanças na capital advieram por conta da
esfera estatal, sendo o processo de modernização da Cidade no âmbito municipal, pensado
apenas durante a gestão do intendente José Montaury (1897-1924), com a organização da
Comissão de Melhoramentos e Embelezamentos. A Comissão produziu inicialmente três
projetos: Ato Municipal Nº 96, de 11 de junho de 1913, que criava o Regulamento Geral das
Construções, que além dos desenhos mínimos para aprovação de projetos, definia
alinhamentos, recuos, alturas em relação à rua, ocupação, elementos de drenagem e
zoneamentos; O Plano Geral de Melhoramentos, ou Plano Maciel, em referência ao
arquiteto responsável, João Moreira Maciel, que estipulou a abertura da Radial Avenida
Borges de Medeiros, seus marcos, traçado viário, largura dos passeios e da via (um total de
vinte e quatro metros), faixas de arborização, automóveis e bondes, além das grandes
perspectivas pelo deslocamento do eixo original da via; e o levantamento topográfico da
cidade, publicado em 1916 com a finalidade para elaborar uma nova planta de Porto Alegre.
O Plano Geral de Melhoramentos tinha como referência as reformas de Haussmann e sua
principal intenção era ligar o atual Centro Histórico até os limites do Primeiro Distrito,
alargando as vias para possibilitar o aumento da altura das construções, sua importância é
perceptível quando se nota que ele se manteve vinte e três anos como norteador dos
trabalhos de cunho urbano desenvolvidos na cidade.

A necessidade de um plano para regulamentar o futuro de Porto Alegre tornou a entrar em


discussão no final da década de 1930, primeiro com o estudo dos engenheiros municipais
Edvaldo Pereira Paiva e Ubatuba de Faria, em 1935, e depois com o Plano Gladosch, de
1939 a 1943. O estudo de Paiva e Faria, intitulado "As Linhas Gerais do Plano Diretor -
Contribuição ao Estudo de Urbanização de Porto Alegre", seguia as ideias de Maciel e
criava o sistema de radiais e perimetrais, partindo de uma análise completa da cidade,
abordando aspectos sociais, econômicos e administrativos. Como o Intendente José
Loureiro da Silva “não se contentava com uma solução “interna” para o plano, a cargo dos
técnicos municipais, preferindo uma solução de maior impacto, visibilidade e credibilidade
pública” (ABREU FILHO, 2006, p. 58), foi contratado o Engenheiro-Arquiteto Arnaldo
Gladosch, com base em seu trabalho no Rio de Janeiro com o Arquiteto francês Alfred
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Agache. Gladosch dividiu seus estudos em quatro partes e buscou que a densidade
residencial dos bairros fosse condizente “com o investimento público em infraestrutura
urbana realizado no local” (NASCIMENTO, 2016, p. 114), isso se traduzia em edificações de
até quatro pavimentos nos bairros e com altura no Centro e nas avenidas principais com
características a partir do projeto para o Edifício Sulacap (1938-49) e Edifício União (1943),
Gladosch estabeleceu ainda estudos para concluir a Radial Avenida Borges de Medeiros.

O Plano Gladosch não foi desenvolvido como Plano Diretor, pois houve a necessidade de se
reconduzir a atenção para “as obras de recuperação da cidade depois da grande enchente
de 1941, e para sua proteção contra futuras repetições da tragédia” (ABREU FILHO, 2006,
p. 64), além do próprio Gladosch ter voltado sua atenção para projetos próprios e da saída
do Intendente José Loureiro da Silva. Ao final da gestão, em 1943, todo trabalho
desenvolvido no âmbito urbano ficou registrado no livro “Um Plano de Urbanização”,
desenvolvido em conjunto com o engenheiro municipal Edvaldo Pereira Paiva, que
afirmaram em seu prefácio que a obra “sintetiza e explica o Plano Diretor de Porto Alegre,
não apenas nos seus princípios básicos de caráter doutrinário” (PAIVA E SILVA, 1943, p.
15). O relatório é dividido em nove partes, iniciando um breve histórico da evolução da
Capital, as reformas urbanas, o Anteprojeto de Gladosch e outros seis capítulos que
abordam como tornar o Plano realidade, demonstrando ainda, que sua fundamentação
mesclava ideias positivistas com o início do urbanismo modernista.

Após uma primeira tentativa modernista, a Carta de Atenas foi o ideário principal para o
desenvolvimento do Anteprojeto de planificação de Porto Alegre, de 1951, desenvolvido pelo
engenheiro Edvaldo Pereira Paiva e pelo arquiteto Demétrio Ribeiro, levando a utilização
das funções da cidade de Le Corbusier: habitação, circulação, trabalho e recreação, sendo
utilizada nas etapas posteriores. Com o desejo de verticalização cada vez mais em
evidência na cidade, é aprovada a Lei Nº 986 de 1952, que mesmo sem caráter de Plano
Diretor, dispôs de intervenções importantes para a morfologia urbana da cidade, pois,
apesar de aparentemente diminuir os limites de altura, permitiu um novo dispositivo, o
escalonamento, que levou a alturas além do permitido sem ele, o que se observa de forma
clara no Edifício Santa Cruz (1958), do Arquiteto Carlos Alberto de Holanda Mendonça. O
Artigo 2º da Lei 986, no parágrafo 3, libera para as Avenidas Salgado Filho e Borges de
Medeiros o caráter de ruas corredor, uma vez que esta Lei permite a construção no
alinhamento até 70 metros de altura.

A efervescência demográfica assistida nesse momento preocupou os legisladores por


questões de salubridade, levando a Lei dos Loteamentos em 1954, predecessora do Plano

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Diretor de 1959, que passava a exigir para os novos bairros a criação de recuos e
afastamentos entre edificações. O primeiro Plano de caráter formal da capital é aprovado no
dia 30 de dezembro de 1959, seguindo os preceitos modernistas, como o zoneamento, e
introduzindo o instrumento do Índice de Aproveitamento. Sob a Lei Nº 2046/1959, aplica
sobre a Radial Avenida Borges de Medeiros o uso misto, índices de ocupação equivalentes
a 75% e 100% com os recuos necessários, mantém a possibilidade de construir 70 metros
no alinhamento e torna obrigatório a construção de estacionamentos internos em edifícios
residenciais de habitação coletiva maiores que doze metros de testada, proibindo edifícios
garagem. O Plano teve a redação alterada em 1961, recebendo extensões pela cidade até
1975, que tornaram o uso do solo mais restritivo e que teve “redução de praticamente 50%
da potencialidade dos terrenos, em comparação à década anterior, quando se verificavam
índices muitas vezes superiores a 20 vezes a metragem do lote” (PETERSEN, 2018, p.54) ,
mas sem interromper a verticalização que ocorria no Centro, embora que, a partir dessa
data, retirava a característica de corredor, ou cânion urbano, como na parte norte da Radial
Avenida Borges de Medeiros.

3. A RADIAL AVENIDA BORGES DE MEDEIROS:


CARACTERIZAÇÃO E CATALOGAÇÃO

A topografia da acrópole é cortada pela Avenida Borges de Medeiros, uma das radiais
urbanas que partem do centro em direção à zona sul da cidade. O caminho, já traçado no
Plano de 1914, passou a fazer parte do cotidiano dos portoalegrenses em 1925, após a Rua
General Paranhos, que subia até a Rua Duque de Caxias, ser reformulada para vencer o
grande desnível em que se encontrava, proporcionado um melhor fluxo para os veículos e
resultando na construção do Viaduto Otávio Rocha. A ligação com o Paço Municipal foi
finalizada em 1940, coincidindo com a leis para incentivar as construções em altura na
Avenida. Pela sua importância dentro do planejamento urbano da cidade, a Radial Avenida
Borges de Medeiros tornou-se um dos símbolos do modernismo e da verticalização de Porto
Alegre, representando em diversos momentos o progresso da capital, sendo assim um
registro histórico percorrível. Caracterizada pela verticalidade e alinhamentos contínuos, a
Radial é referida como um cânion urbano pela volumetria semelhante aos dos cânions
naturais.

A Radial Avenida Borges de Medeiros, como um marco da modernização da cidade de


Porto Alegre, possui muitos edifícios exemplares do movimento de modernização da
arquitetura municipal. Para o avanço da pesquisa sobre o desenvolvimento dos novos
modos de morar no município de Porto Alegre, foi produzida uma catalogação de edifícios
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da modernidade na Radial Avenida Borges de Medeiros, como objeto de pesquisa. Para a
catalogação dos edifícios a serem trabalhados no presente artigo, utilizou-se o livro de
Günter Weimer, Levantamento de Projetos em Porto Alegre – 1892 a 1957.

LINGUAGEM/RESP.
FILME OBRA/PROJETISTA ENDEREÇO
TÉCNICO

FILME 205 - 1949/50


33502/49 Ed. Sulamérica Borges esq.
Cia. Construtora Nacional
Roberto Campelo Andradas
FILME 253 – 1952/3
Modernista
52737 Cine Teatro Continente Borges
Azevedo, Bastian & Castilhos
FILME 275 – 1953/54
Ed. Amazonas (22 pisos) Modernista Borges J. 644
01630
COPEPSA Globo
FILME 351 – 1957
43991 Ed. Santa Generosa (22 pisos) Modernista Duque de Caxias esq. Borges
Azevedo Moura & Gertum
FILME 289 – 1954
Ed. S. Salvador Objetividade
33954 Borges esq. Duque
CREA 7124
FILME 259 – 1953
Modernista
18093 Ed. Everest Borges esq. Duque de Caxias
CREA 6839
FILME 213 - 1951
modernista Duque de Caxias esq.
14033 Ed. Américo Calau
Américo Callau Borges
FILME 346 – 1957
2082 Ed. Duquesa Modernista Borges
Pereira Valandro J. J. Valandro
FILME 303 – 1955
Ed. Gen. Osório (25 pisos) Modernista Borges a 16m da Cel.
27029
Carlos A. H. Mendonça Azevedo, Bastian & Castilhos Genuíno
FILME 181 - 1950
modernista - neoclássico
14636 Ed. Aptos. Caixeiros Viajantes Borges esq. Perimetral (atual)
Construtora Nacional

TABELA 1: Edifícios de apartamentos na Radial Avenida Borges de Medeiros, Porto Alegre/RS.


Fonte: WEIMER, 1998. Edição: Ângelo Tavares.

A partir dos dados levantados na publicação do livro, foi definido o período utilizado para o
desenvolvimento da pesquisa. Com o período definido, iniciou-se a seleção de edifícios que
se enquadravam no âmbito da pesquisa, ou seja, edifícios de habitação coletiva. De posse
da seleção primária dos edifícios selecionados, conforme Tabela 1, realizou-se uma visita in
loco para demarcar os edifícios no mapa da Avenida. Após a catalogação in loco dos
edifícios, iniciou-se a busca pelos projetos originais dos selecionados no Arquivo Municipal,
possibilitando realizar os redesenhos em softwares de arquitetura para analisar os edifícios
através das plantas baixas e fachadas, além da sua relação com o percurso da Avenida,
resultando em uma tabela comparativa das mudanças advindas do Movimento Moderno.

4. UM PERCURSO DE MODERNIDADE

A Avenida Borges de Medeiros, finalizada em 1935, no mesmo período em que a arquitetura


moderna chegava à capital, acabou tornando-se símbolo de uma avenida moderna,
importante para as mudanças na cidade. Durante o percurso é possível localizar exemplares
Art Decò, o que documenta e possibilita vivenciar como o desenvolvimento da Avenida
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Borges de Medeiros ocorreu. Por se tratar de uma avenida consolidada em um período de
transição de estilo arquitetônico, em sua extensão existe uma mescla de períodos. Um estilo
arquitetônico que se evidencia com certa importância é o Art Decò, que está inserido ao
tecido urbano juntamente com edifícios modernistas. A implantação dos edifícios
verticalizados foi fortemente marcada por edifícios habitacionais que, em alguns casos,
possuem mais de vinte pavimentos, tornando-se uma das primeiras grandes avenidas a
receberem os famosos arranha céus.

Imagem 1: Pontos nodais (esquerda) e edifícios do percurso (direita). Edição: Walquíria Brauwers
Schüssler.

O percurso do presente artigo na Avenida Borges de Medeiros deu-se através da Tabela 1,


criada pelo grupo de pesquisa com base no livro do Professor Arquiteto Günter Weimer,
‘‘Levantamento de projetos arquitetônicos’’ (1998), visando demonstrar a importância da
documentação de projetos arquitetônicos e como estas construções permitem vivenciar as
modificações registram os modos de morar de seus habitantes. Após visitas in loco do
grupo, foram selecionados os exemplares que podem ser visualizados na Imagem 1, com as
características modernas ao longo da Avenida, pensando na marcação dos quatros pontos
nodais identificados (Imagem 1), sendo possível documentar parte relevante da evolução
urbana e arquitetônica de Porto Alegre. O percurso fundamenta-se no reconhecimento da
morfologia da cidade, suas imagens e usos, utilizando-se das semelhanças dos exemplares
de habitação coletiva construídas entre os anos 1940 e 1950, quando arquitetura moderna
se encontrava em desenvolvimento, sendo esses marcos apresentados a partir de

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fotografias, textos e registros originais, documentando o considerável desenvolvimento da
sociedade portoalegrense que vivenciava o processo de modernização.

4.1. ESTRUTURAÇÃO EM PONTOS NODAIS

A Radial Avenida Borges de Medeiros, após sua remodelação, que teve início com o Plano
de Melhoramento de 1914 e foi finalizada para o Centenário Farroupilha em 1935, possui
pontos de importância ao longo do seu percurso. Produzindo uma análise sobre a extensão
da Avenida no Perímetro do Centro Histórico de Porto Alegre, percebe-se a existência de
quatro pontos de destaque, pontos nodais. Pontos Nodais são ser explicados como “focos
estratégicos nos quais o observador pode entrar; são, tipicamente, conexões de vias ou
concentrações de alguma característica”, explicação traduzida por Jefferson Luiz Camargo,
sobre Lynch (1997, p. 81 e 82). Tendo em vista a conceituação de pontos nodais, pode-se
selecionar os quatro pontos nodais da Avenida Borges de Medeiros: Paço Municipal,
Esquina democrática, Viaduto Otávio Rocha e Largo dos Açorianos, marcos construídos ou
consolidados de importantes períodos da cidade. Os quatro pontos, imagem 2, são
tombados pelo município de Porto Alegre e serão apresentados neste artigo conforme o
percurso criado.

Imagem 2: 1- Paço Municipal; 2 - Esquina Democrática; 3 - Viaduto Otávio Rocha; 4 - Ponte de


Pedra. Edição: Ângelo Tavares.

O Paço Municipal, um espaço construído e ponto de partida do presente percurso pela


extensão da Avenida pelo Centro histórico. O antigo edifício sede da Prefeitura Municipal de

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Porto Alegre, juntamente com a Praça Montevidéu e sua Fonte d’água foram um conjunto
construído, sendo o primeiro ponto nodal encontrado na Avenida. O Paço Municipal, foi o
primeiro edifício de sede própria do Governo Municipal de Porto Alegre. A sua construção é
resultado do interesse do governo de embelezar o município, trazendo características de
modernização. A execução de seu projeto iniciou em 1898, no governo do então Prefeito
José Montaury. O projeto executado é de João Antônio Luiz Carrara Colfosco, Arquiteto
veneziano, que teve seu projeto escolhido por Júlio de Castilhos, então Governador do
Estado. As obras do edifício duraram três anos e a sede foi inaugurada em 1901, primeiro
ano do século XX. Hoje, o Paço Municipal, primeiro ponto nodal apresentado, se mescla
com o Largo Glênio Peres, gerando assim, uma intensa movimentação de pedestres.

A Esquina Democrática, o segundo ponto nodal da Avenida, fica localizada no cruzamento


da Avenida Borges de Medeiros com a Rua dos Andradas. É um ponto nodal não
construído, mas constituído pela volumetria dos edifícios das esquinas, sendo um espaço
simbólico caracterizado pela busca da democracia. Neste local é que se iniciam a maior
parte dos protestos e encontros para debate sobre democracia no município de Porto
Alegre, esses atos ocorrem desde o século XIX, assim, constituindo esse espaço como um
ponto nodal. Hoje, por conta da pavimentação para um calçadão, a Esquina Democrática
está inserida no meio urbano e tem uma grande vitalidade durante os dias de semana,
sendo o ponto nodal com maior movimentação de pedestres da Avenida Borges de
Medeiros.

O Viaduto Otávio Rocha, é resultado dos planos de higienização da cidade, que foram
transcritos pelo Plano de Melhoramento de 1914. Nessa remodelação urbana, a então rua
General Paranhos passa pelo processo de melhoramento, resultando na Avenida Borges de
Medeiros. Com a remodelação da rua, houve um rebaixamento no nível da nova Avenida, o
que ocasiono uma diferença de nível entre a remodelação com a Rua Duque de Caxias.
Para resolver o desnível criando, foi projetado o Viaduto Otávio Rocha, que soluciona a
diferença de nível no cruzamento das vias. As obras do Viaduto iniciaram em 1928 e foram
finalizadas em 1932, três anos após a finalização da remodelação da Avenida. O Viaduto,
terceiro ponto nodal do percurso, além de fazer parte do cruzamento entre a Avenida Borges
de Medeiros com a Rua Duque de Caxias, é um ponto de referência arquitetônica e
patrimonial.

No Largo dos Açorianos, espaço urbano que homenageia os sessenta casais que em 1752
desembarcaram e se instalaram em Porto Alegre (SPALDING, 1953, p. 1), está localizada a
Ponte de Pedra. No último ponto nodal e ponto final do percurso, está localizado um marco

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do século XIX, a Ponte de Pedra, que fazia a ligação entre o Centro Histórico com a Zona
Sul, transpondo o Arroio Dilúvio. Um século após sua construção, nas obras de
melhoramento do município, o percurso original do Arroio Dilúvio é alterado, assim
inutilizando a Ponte de Pedra. Resultante dessa inutilização do espaço urbano, em 1974, é
inaugurado o Largo do Açorianos, que traz um novo sentido a este espaço urbano. Nos dias
atuais, a Ponte de Pedra aparece com um novo significado, de monumento, dividindo
espaço com o Monumento dos Açorianos. O último ponto nodal do percurso é caracterizado
pelo cruzamento da Avenida Borges de Medeiros com a Avenida Loureiro da Silva, com um
grande fluxo de veículos durante as semanas e um grande fluxo de pedestres nos finais de
semana, resultante dos espaços de convivência do Largo.

4.2. EDIFÍCIOS MODERNISTAS DE HABITAÇÃO COLETIVA

Começando o percurso na Avenida Borges de Medeiros, saindo do Paço Municipal e


finalizando no Largo dos Açorianos, pode-se encontrar dez edifícios modernos, imagem 3,
caracterizando o trajeto. Logo no início do percurso encontra-se o Edifício Sul América.
Localizado em uma das esquinas mais importantes para a cidade, a esquina democrática, o
edifício chama atenção por seus dois volumes. Construído entre 1938 e 1940, a edificação
na paisagem urbana respeita as alturas dos edifícios vizinhos, sendo eles o Edifício Vera
Cruz e o Edifício Floriano Nunes Dias. O prédio tem função comercial na esquina, onde está
localizado o volume mais baixo e mais no meio da quadra, o residencial com seu volume
mais alto. O arquiteto que desenhou o projeto do edifício, Arnaldo Gladosch, pensou nas
marquises para cobrir a passagem do pedestre que passam pelas lojas, localizadas no
térreo da edificação.

Olhando a partir do Edifício Sul América em direção ao Viaduto Otávio Rocha, distando duas
quadras, destaca-se um conjunto de dois edifícios considerados arranha céus em Porto
Alegre, são eles o Edifício e Cinema Continente, que em seu térreo abrigava o Cine Teatro
Continente, e o Edifício Amazonas, que no nível da rua abrigava o Banco da Amazônia
segundo a planta original de 1954. Ambos os edifícios possuem características
semelhantes, além da altura, ambos são edificações de uso misto, com a entrada
residencial nos cantos da construção, deixando amplo espaço para o acesso aos serviços.
Ainda é preciso citar que o conjunto possui pilares monumentais marcados no pavimento
térreo, aludindo aos pilotis modernos. O volume de ambos é prismático, tendo as fachadas
compostas por sacadas, que criam interessantes cheios e vazios simétricos até o
fechamento de algumas nos últimos anos. O Edifício Continente, do Arquiteto Carlos de
Holanda Mendonça, com seus vinte e três pavimentos, pode ser considerado um sucessor

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em altura do Edifício do Capitólio, no Rio de Janeiro, pela combinação de habitação coletiva
e lazer das salas de cinema com altura. O Edifício Continente é mais largo e possui acesso
mais franco para o pedestre por ter sido concebido como um cinema, enquanto o Edifício
Amazônia, da COPEPSA e Construtora Globo, possui vinte e dois pavimentos e é mais
estreito, ainda assim, ambos têm a questão da dinamicidade das pessoas e da fachada
Moderna como norteadores.

O Edifício Santa Generosa, que conforma a fachada da frente do Edifício Duque de Caxias,
é um dos exemplares de maior altura da Radial Avenida Borges de Medeiros. O Edifício
possui um térreo livre, com a presença de pilotis, mas sem dar acesso ao público. Na sua
fachada voltada para o viaduto, ele possui algumas lojas, dentre elas a que sedia,
atualmente, o Justo, um dos bares que movimenta o viaduto.

O Edifício San Salvador, uma das quatro esquinas do viaduto, é o exemplar do período que
menos possui características modernas, pertencente ao período de transição para o
moderno. Suas características modernas aparecem em sua planta e definição de uso, uso
habitacional.

O Edifício Everest, o único duas quatro esquinas do Viaduto Otávio Rocha que é misto. O
Edifício é misto entre residencial e de serviço, sendo a parte de serviço utilizada para hotel.
A composição volumétrica do edifício preenche as fachadas voltadas para a rua, dando
maior imponência a volumetria quando adicionado a sua grande altura.

No meio do percurso da Avenida Borges de Medeiros, localiza-se o Viaduto Otávio Rocha


que tem suas esquinas conformadas por edifícios do período moderno, dentre eles está o
Edifício Duque de Caxias, um edifício composto por um volume prismático com subtrações,
que traz movimento para a sua fachada. Seu térreo possui uma loja disposta para a Rua
Duque de Caxias, que proporciona um movimento para a fachada e deixando o térreo mais
ativo.

Ainda no viaduto Otavio Rocha, aparece na paisagem o Edifício Duquesa de uso


habitacional. Finalizado em 1957, a construção localiza-se em uma das escadarias do
Viaduto, com recuo frontal de um volume e caracterizado por escalonamento na sua
fachada principal. O seu diferencial é dado por seus dois acessos, uma pela parte superior
do viaduto e o outro pela parte inferior, se tornando o único edifício no Viaduto a ter essa
facilidade.

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Desde o topo do Viaduto e suas escadarias, na direção ao Largo dos Açorianos, destaca-se
uma fachada cega de um edifício em altura, a construção em questão é o Edifício General
Osório, que conforma o Cânion Urbano da radial Avenida Borges de Medeiros com seus
vinte e cinco pavimentos. O projeto do Arquiteto Carlos Alberto de Holanda Mendonça para
o Grêmio Beneficente dos Oficiais do Exército, ergue-se sobre a estrutura independente
monumental evidenciada pelas colunas de seção oval e pé direito duplo. As sacadas e suas
empenas cegas são um respiro visual dentro do conjunto, principalmente quando visto do
Viaduto Otávio Rocha e do Largo dos Açorianos, assim como o recorte no térreo, que
evidencia as colunas e são um convite para os pedestres.

Finalizando o percurso pela Avenida Borges de Medeiros, próximo ao Largo dos Açorianos,
é visto o Edifício Caixeiros Viajantes, atualmente denominado Edifício União dos Viajantes.
A edificação de habitação coletiva composta de um volume só, tem uma divisão tripartida
com base, corpo e coroamento. A fachada principal, apresenta sincronia nas esquadrias,
onde todas as aberturas possuem uma espécie de moldura, e as sacadas, recuadas,
harmonizam-se com os volumes.

Imagem 3: 1- Edifício Sul América; 2 – Edifício Continente; 3 – Edifício Amazônia; 4 – Edifício Santa
Generosa; 5 – Edifício San Salvador; 6 – Edifício Everest; 7 – Edifício Duque de Caxias; 8 Edifício

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Santa Generosa; 9 – Edifício General Osório; 10 – Edifício União dos Viajantes. Fonte: Ângelo
Tavares. Edição: Ângelo Tavares.

4.3. PERCORRENDO A BORGES NOS DIAS ATUAIS

As cidades vivem em constante remodelação e a cidade de Porto Alegre não é diferente.


Depois de perceber a importância da Avenida Borges de Medeiros na história da cidade,
percebe-se o quanto a necessidade de sua valorização. As sociabilidades trazidas pela
Arquitetura Moderna no Centro Histórico foram deixadas de lado, verificando-se um
movimento mais disperso ou então em apenas horários comerciais no bairro. Porém, novas
iniciativas são pensadas para trazer novamente a efervescência dos locais em horários
diferentes para a Avenida. O exemplo do ponto focal - o Viaduto Otavio Rocha -, com a
reunião de serviços, é promissor. A proximidade de três bares - Pub Armazém Porto Alegre,
Tutti Giorni e Restaurante Justo -, tem trazido movimento à noite para a área, ativando os
térreos dos edifícios. Outra ação é a previsão de um importante projeto urbano na Avenida
Borges de Medeiros, com a criação do um Projeto Centro+, que consiste em uma
revitalização no centro histórico da capital. Pretende-se realizar na Avenida Borges de
Medeiros a substituição do pavimento da via, reforma completa dos passeios, qualificação
do canteiro central e da Esquina Democrática, segundo o Jornal GauchaZH. As obras
tiveram início no mês de setembro de 2021, com o trabalho de limpeza e manutenção do
Viaduto Otavio Rocha. Segundo o Secretário Municipal de Planejamento e assuntos
estratégicos e coordenador do Centro+, Cezar Schurmer, a iniciativa não apenas representa
a revitalização da estrutura projetada, mas uma ação para retornar a autoestima do bairro
através de uma requalificação de um espaço público de grande relevância para a população
e a cidade de Porto Alegre, que atualmente se encontra em estado de degradação. A
revitalização nessa área é de extrema importância para manter uma memória constante da
cidade em um dos bairros onde se tem um acervo de arquitetura exemplar e com grandes
potenciais de atração turística.

5. CONDERAÇÕES FINAIS

A Radial Avenida Borges de Medeiros é caracterizada por diversos edifícios pertencentes ao


período da Arquitetura Moderna. O percurso formado por essas edificações documenta de
forma tangível e vívida as transformações pelas quais a cidade de Porto Alegre vivenciou,
sobretudo, aquelas que se alinham com aspectos nacionais, como os do Eixo Rio-São Paulo
para o Estado. Nas primeiras décadas do século XX a cidade de Porto Alegre passa por um
aquecimento imobiliário incentivado por políticas públicas, que buscavam através de

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transformações higienistas uma modernização urbana. Nesse período o movimento
moderno se disseminava, possibilitando assim a construção de edifícios com características
modernas que auxiliam no registro do desenvolvimento urbano.

Percorrendo o trecho que vai do Paço Municipal até o Largo dos Açorianos, é possível
entender o porquê dos diversos registros escritos sobre a Avenida. É perceptível a
sobreposição de períodos arquitetônicos se mesclando aos incentivos da legislação, pois ao
longo do percurso notam-se características modernas, sobretudo, a verticalização.
Chegando no Largo dos Açorianos, ponto final do percurso proposto, a Avenida configura-se
como um espaço que representa a sua temporalidade, tendo como exemplar modernista de
maior caracterização, o Edifício General Osório.

Tendo a possibilidade de visualizar a documentação, sejam os projetos, sejam os prédios


construídos, é possível analisar de perto detalhes que passariam despercebidos em uma
leitura. Pode-se observar o contraponto entre as plantas originais registradas em filmes do
Arquivo Municipal e o observado durante uma caminhada na Radial, uma vez que o
pedestre pode perceber além do que está desenhado em um registro que não permite
vivenciar o construído. As edificações permitem que aquilo que foi projetado seja sentido e
imaginado pela observação das fachadas e volumetrias distribuídas no percurso. Assim,
utilizando o percurso de modernidade da Radial Avenida Borges de Medeiros, documenta-
se o importante desenvolvimento de uma sociedade que, por meio da Avenida e das
edificações de caráter habitacional do período entre 1940-1960, vivenciava o processo de
modernização.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Tombamentos: Esquina Democrática. 25


Mai. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Tombamentos: Paço Municipal. 25 Mai.


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Acesso em: 27 set. 2021.

Imagem 2: 2 - Esquina Democrática. Fonte: Mário Quintana /JC. Disponível em < Jornal do
Comércio - Calorão lota as praias e esvazia Porto Alegre (jornaldocomercio.com)>. Acesso
em: 29 set. 2021.

Imagem 2: 3 - Viaduto Otávio Rocha. Fonte: Glauccio Dutra. Disponível em


<https://twitter.com/glaucciodutra>. Acesso em: 29 set. 2021.

Imagem 2: 4 - Ponte de Pedra. Fonte: Luiza Castro/Sul21. Disponível em


<https://www.sul21.com.br/cidades/2019/08/quatro-anos-depois-de-esvaziado-largo-dos-
acorianos-e-entregue-a-populacao-de-porto-alegre/>. Acesso em: 27 set. 2021.

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EIXO TEMÁTICO 4

DIRETRIZES OPERACIONAIS E DEIXAS OFERECIDAS PELO


CORPUS TEÓRICO CONSOLIDADO.

BEDOLINI, ALESSANDRA CASTELO BRANCO.

FIAM-FAAM Centro Universitário


albedolini@gmail.com

RESUMO
As intervenções de reforma, mais comunmente chamadas de retrofit no léxico do mercado imobiliário,
tiveram nos últimos anos uma difusão significativa entre os edifícios residenciais das áreas centrais
das cidades brasileiras. Esta tendência, por um lado, pode ser avaliada positivamente, pois revitalizar
um imóvel subutilizado significa reafirmar sua utilidade e frear sua degradação, além de constituir
uma válida reivindicação de cunho político e social. Por outro lado, porém, à frente dos resultados,
torna-se a cada vez mais necessário entender de que maneira estas práticas vêm sendo concebidas
e atuadas, ou seja, a partir de quais ferramentas teóricas e metodológicas elas são desenvolvidas e
efetivadas. Do ponto de vista específico do campo disciplinar da preservação, a observação e a
análise dos processos ocorridos (ora a demolição sistemática do patrimônio, ora o aporte de
intervenções de “restauro” não suportadas por sólidas diretrizes metodológicas e embasadas em
procedimentos eminentemente substitutivos da materialidade original) acabam suscitando uma série
de interrogativos. Porque se é verdade que, na ótica da transmissão de um bem patrimonial para a
posteridade, preservar é certamente melhor do que demolir, igualmente verídico é o fato que reformar
um imóvel alterando sua materialidade original (não simplesmente de forma pontual, como é
inevitável em qualquer intervenção de restauro que se baseia em escolhas ponderadas, mas de
maneira sistemática e sem questionamentos, como é o caso da maioria dos retrofits) significa
desnaturá-lo de maneira irreversível. Qual seria, afinal, a relação intercorrente entre o patrimônio
construído e a matéria que o constitui? Em que maneira a matéria construída faz com que um edifício
se torne documento? E enfim, qual a importância que, na atuação de uma intervenção de restauro,
deve ser atribuída à vertente material? A decisão de repercorrer, nesta sede, algumas das mais
consolidadas contribuições teóricas formuladas a partir do século XIX - século ao longo do qual, de
acordo com Kühl, “a restauração constrói seus instrumentos” - dentro do campo disciplinar do
restauro recorre da urgência de embasar, da maneira o mais fundamentada possível, algumas
reflexões sobre as ações da preservação atuadas em dia de hoje e, mais especificamente, as que
dizem respeito às intervenções de restauro entendidas em sua acepção mais prática. Principal
objetivo deste artigo será, portanto, verificar se e de qual maneira a relação intercorrente entre
restauro e materialidade tem sido levantada e discutida no corpus teórico inerente à restauração, por
quais autores, em quais documentos e com quais rebatimentos práticos.

Palavras-chave: materialidade; restauro (teoria); restauro (prática).

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Introdução

As intervenções de reforma, mais comunmente chamadas de retrofit no léxico do mercado


imobiliário, tiveram nos últimos anos uma difusão significativa entre os edifícios residenciais
das áreas centrais das cidades brasileiras. Esta tendência, por um lado, pode ser avaliada
positivamente, pois revitalizar um imóvel subutilizado significa reafirmar sua utilidade e frear
sua degradação, além de constituir uma válida reivindicação de cunho político e social. Por
outro lado, porém, à frente dos resultados, torna-se a cada vez mais necessário entender de
que maneira estas práticas vêm sendo concebidas e atuadas, ou seja, a partir de quais
ferramentas teóricas e metodológicas elas são desenvolvidas e efetivadas.

Do ponto de vista específico do campo disciplinar da preservação, a observação e a análise


dos processos ocorridos (ora a demolição sistemática do patrimônio, ora o aporte de
intervenções de “restauro” não suportadas por sólidas diretrizes metodológicas e
embasadas em procedimentos eminentemente substitutivos da materialidade original)
acabam suscitando uma série de interrogativos. Porque se é verdade que, na ótica da
transmissão de um bem patrimonial para a posteridade, preservar é certamente melhor do
que demolir, igualmente verídico é o fato que reformar um imóvel alterando sua
materialidade original (não simplesmente de forma pontual, como é inevitável em qualquer
intervenção de restauro que se baseia em escolhas ponderadas, mas de maneira
sistemática e sem questionamentos, como é o caso da maioria dos retrofit) significa
desnaturá-lo de maneira irreversível.

Qual seria, afinal, a relação intercorrente entre o patrimônio construído e a matéria que o
constitui? E qual a importância que, na atuação de uma intervenção de restauro, deve ser
atribuída à vertente material?

A decisão de repercorrer, nesta sede, algumas das mais consolidadas contribuições teóricas
formuladas a partir do século XIX - século ao longo do qual, de acordo com Kühl (in
SALCEDO e BENINCASA (org.) 2017:97), “a restauração constrói seus instrumentos” -
dentro do campo disciplinar do restauro recorre da urgência de embasar, da maneira o mais
fundamentada possível, algumas reflexões sobre as ações da preservação atuadas em dia
de hoje e, mais especificamente, as que dizem respeito às intervenções de restauro
entendidas em sua acepção mais prática.

Principal objetivo deste artigo será, portanto, verificar se e de qual maneira a relação
intercorrente entre restauro e materialidade tem sido levantada e discutida no corpus teórico

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inerente à restauração, por quais autores e com quais rebatimentos práticos. Para tentar
responder a esta questão, investigar-se-ão algumas contribuições inseridas nos escritos dos
autores que Torsello, em seu ensaio Che cos’è il restauro?, denomina “pais fundadores”:
Viollet-le-Duc, Ruskin, Boito, Riegl, Dvořák e Giovannoni. Em seguida, serão apresentadas
considerações decorrentes de aportes sucessivos, como os de Brandi, e o rebatimento das
mesmas reflexões nas argumentações de “militantes” contemporâneos (sempre segundo a
“catalogação” de Torsello), como o suíço Graf e o italiano Carbonara.

Para complementar e corroborar os resultados destas contribuições, comentar-se-ão


também algumas diretrizes presentes em documentos de alcance internacional: como a
Carta de Atenas do Restauro (1931), a Carta de Veneza (1964) e a Carta do ICOMOS de
2003, focada nos Princípios para a Análise, Conservação e Restauro estrutural do
Patrimônio Arquitetônico.

Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc

Os teorizadores do século XIX tinham plena consciência do papel que eles mesmos
detinham perante a produção arquitetônica do passado, e das responsabilidades
decorrentes desta - cada vez mais clara - tomada de consciência. “O nosso tempo, e
somente o nosso tempo [...] tomou, em face do passado, uma atitude inusitada”, afirmava
Viollet-le-Duc (2007: 32), que não perdia oportunidade para reiterar a diferença entre as
atitudes do passado e “os novos rumos”, que ele mesmo contribuíra a estabelecer: “os
trabalhos de restauração [...], do ponto de vista sério, prático, pertencem ao nosso tempo
[...]” (Ibid.: 58). Analisando os primeiros passos deste trabalho pioneiro, não é difícil imaginar
o porte das dificuldades e dos desafios de se atuar em um capo disciplinar praticamente
novo, embasado em um corpus teórico em fase de formação e ainda eminentemente
experimental do ponto de vista prático.

Principal expoente da corrente denominada restauro estilístico, Viollet-le-Duc foi o autor de


numerosos textos, ensaios e artigos, entre os quais consta o celebre verbete Restauração
incluído no Dictionnaire Raisonné de l’Architecture Française du XV° au XVI° siecle (1584-
1868). A preocupação voltada às instâncias construtiva, técnica e material do patrimônio
construído emerge de maneira muito significativa em seus escritos. Esta sua sensibilidade
decorre, com toda probabilidade, do fato de Viollet-le-Duc não ter sido, ao longo de sua
carreira, apenas um teorizador, mas também deriva de sua presença constante nos
canteiros de obra, como arquiteto responsável, em ocasião de numerosas intervenções de
restauro, principalmente em território francês, tendo assim tido que lidar constantemente

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com desafios ligados a este tipo de questão.

No entendimento do mestre francês, o foco do restauro conecta-se estritamente com um


saber fazer, uma habilidade prática que envolveria tanto conceitos metodológicos quanto
competências de cunho prático. Esta postura, ademais, é revelada nas entrelinhas de uma
de suas frases mais conhecidas, divulgadas e comentadas: “Restaurar um edifício não é
mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter
existido nunca em um dado momento” (Ibid.: 29). O ritmo da sentença realça a palavra
restabelecer, que remete, por um lado, à postura interpretativa adotada por Viollet-le-Duc
em seus trabalhos – a prática da reconstrução estilística - e, por outro, a uma clara idéia de
reconstituição física. Consistência física não traduzida numa idéia de “autenticidade”
material, conceito ainda pouco explorado na época, mas entendida como suporte à noção
de “cumprimento”, a condição de completude derivada da correta aplicação dos princípios
universais e atemporais (e, portanto, identificáveis e reproduzíveis) adotados pelos antigos
construtores.

Outra questão relacionada ao tema da materialidade e na qual Viollet-le-Duc insiste bastante


é a da durabilidade da obra: o principal objetivo de uma intervenção de restauro, ele afirma,
deve ser a possibilidade de uma longa fruição da obra restaurada no futuro. Consideram-se,
portanto, as potencialidades materiais, técnicas e construtivas do patrimônio construído em
função deste aspecto, e mais de uma vez o autor recomenda que, nas intervenções de
restauro, seja substituída “toda parte retirada somente por materiais melhores e por meios
mais eficazes ou mais perfeitos” (Ibid.: 54). A matéria e os recursos técnicos, tanto os
originais quanto os novos, devem ser atentamente avaliados pelo arquiteto responsável da
obra, e devem ser utilizados a fim de propiciar, antes de tudo, a longevidade da obra.

Por isso, o conhecimento aprofundado das características e das dinâmicas, materiais e


mecânicas, de cada edifício é absolutamente imprescindível na atuação do restaurador que
visa um correto desenvolvimento dos trabalhos: tudo “deve ser estudado e bem conhecido
antes de se empreender um tratamento regular” (Ibid.55). A totalidade de dados a serem
levantados em fase preliminar, antes de prover a intervenção propriamente dita, deve
necessariamente contemplar aspectos como “a natureza dos materiais, a qualidade das
argamassas” e outras características físicas (Ibid.: 55), além do comportamento estrutural do
edifício em exame.

A construção de conhecimento reivindicada como necessária por Viollet-le-Duc nas obras de


restauro das arquiteturas antigas, claramente, refere-se ao domínio sobre técnicas
construtivas e materiais de tipo tradicional, utilizados e produzidos em uma época em que a
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industrialização ainda estava movendo seus primeiros passos. Como arquiteto operante,
todavia, o mestre francês tinha plena consciência de que os processos produtivos
encontravam-se em um momento de mudanças drásticas, em que o saber fazer arquitetura
progredia de maneira acelerada apropriando-se, necessariamente, dos novos recursos
decorrentes da industrialização.

Como apontado por diversos historiadores da arquitetura, o pensamento de Viollet-le-Duc


revela uma atitude voltada ao racionalismo. No que diz respeito à prática projetual ele
exortava, em seus escritos, à criação de formas o mais possível honestas para com o
programa de necessidades do edifício e aos meios de construção contemporâneos.

E por mais que, nas intervenções práticas, Viollet-le-Duc tenha atuado de maneira nem
sempre condizente com suas reivindicações, entendemos que, de um ponto de vista
metodológico, a compreensão aprofundada e pormenorizada dos materiais e das técnicas
construtivas que ele defendia e que, de acordo com o exemplo por ele traçado, era
desenvolvida pelo arquiteto em decorrência de sua presença constante no canteiro de obra,
poderá constituir a chave para conseguir realizar, de maneira oportuna e competente,
intervenções voltadas ao restauro de edifícios não apenas antigos, mas também modernos
ou contemporâneos.

John Ruskin

As teorizações do inglês John Ruskin foram formuladas quase concomitantemente às de


Viollet-le-Duc; às temáticas relacionadas com a conservação e a restauração das obras
arquitetônicas, Ruskin dedica A Lâmpada da Memória, um dos capítulos que compõem o
ensaio The Seven Lamps of Architecture (1849). Nele, o autor parte do pressuposto que a
arquitetura há de ser considerada um elemento fundamental em quaisquer dinâmicas de
rememoração: “Nós podemos viver sem ela [a arquitetura], e orar sem ela, mas não
podemos rememorar sem ela” (RUSKIN, 2008: 54).

A Lâmpada da Memória apresenta argumentações bastante esclarecedoras e explícitas no


que diz respeito à investigação da materialidade do patrimônio arquitetônico. No texto, a
instância material de uma obra é apresentada como um importantíssimo vetor para a
transmissão da memória, sendo-lhe atribuído o status de portadora de valores morais: “os
homens dirão ao contemplar a obra e a matéria trabalhada, «Vejam! Nossos pais fizeram
isso por nós»” (Ibid.: 68).

Ademais, no pensamento ruskiniano estabelece-se uma relação direta entre determinados


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materiais e as características formais de algumas linguagens arquitetônicas criadas em
épocas passadas (este conceito é explicitado no ponto XVII de A Lâmpada da Memória).
Por exemplo, Ruskin associa materiais mais dúcteis e sujeitos ao desgaste (como os tijolos,
os arenitos e as pedras calcárias) à identidade do gótico francês, enquanto atribui ao gótico
italiano - e a outros estilos portadores de uma linguagem formal caracterizada por linhas
mais puras e definidas -, materiais mais resistentes e menos deterioráveis, como os
granitos, as pedras serpentinas e os mármores (que ele descreve através do adjetivo
“cristalinos”). Observa-se assim que existe uma importante correspondência entre matéria e
estilo, e que esta correspondência deverá ser necessariamente levada em conta na
realização de intervenções práticas: “não pode haver dúvida de que a natureza dos
materiais disponíveis tenha influenciado a formação de ambos os estilos; e ela deveria
determinar com mais autoridade ainda nossa escolha entre ambos” (Ibid.: 79).

De acordo com o pensamento reivindicado pelo movimento Arts & Crafts inglês do qual
Ruskin era expoente, os materiais seriam capazes de carregar e transmitir qualidades
morais. No pensamento deles, estas qualidades não eram porém associadas aos materiais
de matriz industrial, mas apenas àqueles de cunho tradicional. Em relação à “materialidade
industrial” com tanto êxito experimentada pelos engenheiros seus contemporâneos, devem,
com efeito, ser levadas na devida consideração as limitações apontadas por Ruskin em
relação ao uso dos recursos construtivos novos como, por exemplo, as estruturas metálicas.
Na análise de Santos (1956), as restrições apontadas pelo crítico britânico em relação a
este tipo de recurso construtivo “se revestem da maior significação histórica, porque
traduzem o sentimento então dominante entre os mais eminentes estetas, com repercussão
nos responsáveis pelo ensino da arquitetura”.

Ruskin se dizia disposto a aceitar o emprego dos elementos metálicos como auxílios
(“grampos e gatos”) à arquitetura de pedra, e quando o uso deste material era inevitável, ele
recomendava que com ele se fizesse “tudo o que possa ser feito com uma boa argamassa e
uma boa alvenaria” (RUSKIN apud SANTOS 1956:16).

Do ponto de vista da materialidade, portanto, concluímos que Ruskin atribuía à matéria a


maior importância sem, porém, reconhecer a mesma relevância aos produtos da
industrialização.

Camillo Boito

Entre a posição de Viollet-le-Duc, caracterizada por uma postura prática e operativa, e a de


Ruskin, teórica e focada na conservação, surgiu, nas décadas finais do século XIX, uma
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posição conhecida como intermediária, da qual o italiano Camillo Boito, autor de numerosos
ensaios – entre os quais, a breve obra Os Restauradores (1884) –, foi o primeiro teorizador.
Executor prático e, ao mesmo tempo, ativo na Academia, Boito embasava suas reflexões
partindo do pressuposto que “para bem restaurar é necessário amar e entender o
monumento” (BOITO, 2002: 31). Ele tinha plena consciência dos desafios existentes no
campo disciplinar do restauro, principalmente no campo específico do restauro arquitetônico:
“em nenhum campo é tão difícil operar e tão fácil refletir quanto naquilo que se refere à
restauração dos monumentos arquitetônicos” (Ibid.: 53).

Em suas intervenções práticas, Boito nem sempre manteve uma postura coerente com as
suas teorias; todavia, ele declarava-se alinhado à corrente de cunho conservativo, não
perdendo oportunidade para alertar os leitores dos riscos decorrentes das restaurações
mais radicais: “Mas uma coisa é conservar, outra é restaurar, ou melhor, com muita
frequência, uma é o contrário da outra” (Ibid.: 37). Tal elucidação, bastante ruskiniana
apesar de Boito não admitir claramente sua filiação ao pensamento do mestre inglês, põe
em evidência a existência de uma diferença substancial entre as duas práticas, a da
conservação e a do restauro; uma divergência que ainda pode ser considerada basilar nas
teorizações mais atuais.

Em Os Restauradores, Boito não disserta explicitamente sobre a conservação dos materiais,


e menos ainda oferece orientações práticas voltadas ao tratamento dos mesmos. Formula,
todavia, algumas considerações acerca das relações intercorrentes entre a matéria original
e os elementos novos que, eventualmente, serão integrados às obras restauradas,
cunhando aquele importantíssimo conceito que constitui a base do critério de
distinguibilidade: “é necessário que os completamentos, se indispensáveis, e as adições, se
não podem ser evitadas, demonstrem não ser obras antigas, mas obras de hoje” (Ibid.:61).
No contexto em que Boito encontrou-se atuante este critério não representava, de fato,
novidade alguma, embora o pensamento ligado à escola violletiana prevalecesse no
panorama internacional da época – e, curiosamente, estivesse reconhecível em algumas
realizações guiadas pelo próprio Boito. A este respeito, Grassi (1959: 125 apud
CARBONARA 1997:206) escreveu que, apesar dele demonstrar uma inegável consciência
crítica e uma indiscutível independência intelectual, “all’atto pratico, il linguaggio figurativo da
lui [Boito] adottato non arrivò ad un’effettiva liberazione dall’equivoco dell’interpretazione
stilistica”. Uma consideração análoga foi também apresentada por Bellini (in GRIMOLDI
(org.) 1991:159): “[...] è stata più volte segnalata la distinzione che Boito propone
esplicitamente, in taluni scritti, sintetizzabile nella frase ‘è meglio conservare che restaurare’,
ma anche le contraddizioni che emergono dall’esame della sua operatività pratica”.
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Já nas primeiras décadas do século XIX, porém, algumas restaurações de grande
repercussão haviam sido realizadas a partir de concepções metodológicas embasadas no
critério de distinguibilidade. Alguns modelos significativos desta postura haviam sido, por
exemplo, as intervenções realizadas em 1806 e 1823 no Coliseu em Roma, confiadas,
respectivamente, aos arquitetos Raffaele Stern e Giuseppe Valadier (Figuras 01 e 02), ou as
intervenções aportadas no Arco de Tito, também em Roma, efetuadas entre 1817 e 1824
sob a supervisão de ambos os arquitetos. Mais de cem anos depois, na década de 1930,
Giovannoni – outro teorizador que reivindicará com força a necessidade de se trabalhar de
acordo com o critério de distinguibilidade – recordará estas realizações romanas, quais
experiências “vivas, úteis” e ainda profundamente atuais (KÜHL (org.) 2013:187-188).

Boito volta a falar da questão da distinguibilidade na obra Questioni (BOITO 1893 apud
CARBONARA 1997: 208). Nela, o autor elenca oito diretrizes visando a diferenciação entre
a substância original e as adições, apontando explicitamente para a necessidade de
diferenciar os materiais (Ponto II), conceito já exposto também no Congresso de
Engenheiros e Arquitetos Italianos de 1883. A matéria, em suma, configurar-se-ia como um
dos elementos determinantes para garantir a distinguibilidade entre as diversas partes, entre
original e adicionado, entre antigo e novo.

Figura 01. Coliseu, Roma. A intervenção de Stern (1806) garantiu a consolidação do anel externo
através da construção de um esporão maciço de tijolos, facilmente distinguível do material lapídeo
original. (FONTE: A. Bedolini 2016)

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Figura 02. Coliseu, Roma. A intervenção de Valadier (1823) propiciou a consolidação da extremidade
oposta do anel perimetral através da construção de um sistema de arcos decrescentes, adotando
materiais distintos dos originais e elementos arquitetônicos e decorativos simplificados. (FONTE: A.
Bedolini 2016)

Conforme já mencionado, o critério de distinguibilidade será retomado algumas décadas


depois por Giovannoni e reaparecerá também no Ponto VI das Conclusões da Carta de
Restauração de Atenas (1931), que recomenda: “os materiais novos necessários a esse
trabalho deverão ser sempre reconhecíveis”. O legado de Boito e dos demais adeptos à
posição “intermediária” revelou-se determinante na redação deste documento que, como
sabemos, teve repercussão de alcance internacional. De acordo com a leitura de Carbonara
(1997: 241), e por admissão dos Países signatários, a Carta de Atenas (1931), baseada
explicitamente em alguns dos conceitos oriundos da teoria intermediária “determinò un
metodo generale unificato per il restauro, innegabilmente di matrice italiana”.

Escola de Viena

A contribuição da Áustria, oferecida pela chamada Escola de Viena e por seus expoentes no
campo da preservação Alois Riegl e Max Dvořák revelou-se, também, extremamente
relevante na fundamentação, tanto teórica quanto metodológica, da temática em pauta.

As reflexões de Riegl, autor de O culto moderno dos monumentos (1903), levam a um


entendimento e a uma valorização ainda mais profundos do dado material dos artefatos
antigos, dos quais também faz parte o patrimônio construído. De acordo com a análise de
Pretelli (1996), além de elaborar considerações no que diz respeito aos valores histórico e
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estilístico, tanto em O Culto – redigido com a finalidade de confeccionar um corpus
legislativo voltado à preservação dos monumentos –, quanto em Altorientalische Teppische
(1892) o autor austríaco aborda explicitamente questões ligadas à natureza técnica e
material dos artefatos. Baseando-se nas pesquisas desenvolvidas junto ao Museu
Austríaco, junto ao qual trabalhara durante mais de uma década, e partindo do pressuposto
que monumento é documento.

Ou seja, ele “analizza a fondo le numerose tecniche di realizzazione rapportandole ai


rispettivi contesti produttivi”, resultando assim clara a relevância atribuída “al ‘reperto’, al
materiale, anche il più umile” (Ibid.: 222-223). Scarrocchia (1986: 45 apud PRETELLI, 1996:
223) definiu esta metodologia de estudo, embasada na análise minuciosa da matéria, como
trattazione scientifica. Ademais, a atenção dedicada por Riegl à pluralidade de aspectos que
determinam a identidade de uma obra deriva da importância que ele atribui às relações
intercorrentes entre a obra e o contexto em que ela é produzida. A obra se torna
“espressione dell’intero complesso delle connotazioni culturali” (PRETELLI 1996: 224) que a
geraram, e o Kunstwollen “non sarebbe nient’altro che una capacità volontaria-involontaria,
propria dell’artefice, di porre la propria opera in relazione con la dimensione sociale e
culturale in cui egli si trova ad agire” (Ibid.: 224). Os materiais e as técnicas construtivas
contribuem, assim, à construção desta inter-relação, e configuram-se como aspectos
estritamente relacionados ao valor memorial da obra – não apenas da obra em si, mas de
todo o contexto no qual a obra fora concebida.

Analogamente, em diversos passos do Catecismo da preservação de monumentos (1916)


de Dvořák aparecem significativos acenos à vertente técnico-material dos artefatos antigos.
Inicialmente, no capítulo Falsas restaurações, o autor denuncia os êxitos desastrosos
acarretados por intervenções embasadas em substituições tout court – postura que como
vimos, apesar da aparente discrepância cronológica, ainda continua sendo bastante
praticada na atualidade. Procedimentos deste tipo, como já havia levantado Ruskin em A
lâmpada da memória [“como pode a nova obra ser melhor do que a antiga?” (RUSKIN,
2008: 80)], deverão sempre ter sua qualidade e sua legitimidade questionadas, pois “uma
imitação não substitui o original. Nos monumentos artísticos esse princípio não se aplica
apenas à estrutura da construção, mas também ao que diz respeito à sua execução”
(DVOŘÁK 2008: 96).

A mensagem parece clara: a substituição integral dos materiais e das componentes edilícias
originais acabará suprimindo todos aqueles valores testemunhais, culturais e espirituais dos
quais, de acordo com a leitura de Riegl e Dvořák, as obras arquitetônicas do passado (mais

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ou menos recente) seriam portadoras. Este efeito é claramente evidente em todos aqueles
monumentos recém restaurados que, apesar de sua idade efetiva que, em alguns casos,
pode remontar a muitos séculos, aparentam ter sido construídos há pouquíssimo tempo.

Dvořák fornece também algumas indicações práticas de manuseio dos materiais no Capítulo
Alguns Conselhos, que encerra o Catecismo. Nessas recomendações continuam válidos
diversos conceitos afirmados nas teorizações anteriores como, por exemplo, os critérios de
distinguibilidade e de mínima intervenção, e a exortação a antepor sempre a conservação
aos procedimentos de restauração mais consistentes: “os melhoramentos devem sempre
ser realizados de maneira que não perturbem, mas respeitem, o antigo caráter da
construção, seus materiais e sua forma” (Ibid.: 111). Em caso de intervenções voltadas à
recuperação dos pisos e das coberturas de edifícios de grande porte, por exemplo, Dvořák
recomenda que os trabalhos sejam executados sempre com o auxilio de um especialista,
empregando os mesmos materiais utilizados anteriormente e evitando o mais possível os
materiais modernos, que ele considera “substitutos baratos” (Ibid.: 113). Pode ser
interessante observar, neste aspecto, uma contra-tendência em relação às prescrições da
Carta de Atenas que, algumas décadas depois, incentivará a utilização de materiais e
técnicas construtivas modernas nas intervenções de restauro.

Gustavo Giovannoni

Nas primeiras décadas do século XX outro teorizador italiano, o arquiteto - engenheiro


Gustavo Giovannoni, retoma, aprofundando-os, alguns dos conceitos anteriormente
formulados por Boito. Em primeiro lugar Giovannoni, que também se apresentava como um
expoente da posição intermediária, reitera a necessidade de preferir a conservação à
restauração propriamente dita, privilegiando as práticas da consolidação, a serem sempre
realizadas de acordo com o critério da mínima intervenção.

Em segunda instância, Giovannoni reafirma a importância de se trabalhar respeitando o


critério de distinguibilidade: “... utilização, para tratar as lacunas e completar as linhas, de
materiais novos, mas desprovidos o quanto possível de ornamentos e conforme às
características de conjunto de construção; [...] indicação dos acréscimos seja pelo emprego
de materiais diferentes...” (KÜHL (org.) 2013: 185), em oposição às intervenções praticadas
pelos seguidores do restauro estilístico, os quais “vorrebbero che la struttura rifatta [...] si
componga di materiali analoghi, messi in opera con processi simili...” (GENOVESE 1979
apud CARBONARA 1997: 244). O critério de distinguibilidade reaparece novamente no
Ponto VIII da Carta Italiana del Restauro (1931) [“in ogni caso debbano siffatte aggiunte

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essere accuratamente ed evidentemente designate o con lo impiego di materiale diverso dal
primitivo...” (CARBONARA 1997: 246)] e, como apontado anteriormente, é inserido nas
disposições finais da Carta de Restauração de Atenas, redigida no mesmo ano. A Carta de
Atenas, ademais, aprofunda-se bastante no que diz respeito à vertente material: em seu
Ponto IV, por exemplo, afirma-se que tanto os materiais quanto as técnicas construtivas
modernas (com menção explícita do cimento armado) poderão ser utilizados para a
consolidação das obras arquitetônicas que o requeiram. Ao mesmo tempo, todavia,
recomenda-se também que “estes meios de reforço devem ser dissimulados” para que a
aparência e a identidade dos edifícios restaurados não resultem desnaturadas.

No que concerne a utilização de técnicas e materiais “não tradicionais” na restauração de


edifícios antigos, Carbonara observou que Giovannoni demonstrou-se sempre bastante
cauteloso, tendo entendido que a relação entre velho e novo envolveria níveis de percepção
e de compreensão muitas vezes incompatíveis. É possível observar esta mesma cautela
nos enunciados da Carta de Veneza (1964), na qual recomenda-se que a eficácia das
técnicas modernas a serem utilizadas para consolidação deveria ser demonstrada por dados
científicos e comprovada pela experiência em longo prazo (Art. 10°).

Cesare Brandi

Cesare Brandi, autor da obra Teoria da Restauração (1963) foi expoente da corrente italiana
denominada restauro crítico. À questão da matéria, considerada o único e verdadeiro objeto
da restauração – ou seja, a única instância sobre a qual o restaurador tem a possibilidade
de intervir concretamente: “Si restaura solo la materia dell’opera d’arte” -, Brandi dedicou o
capítulo A Matéria da Obra de Arte.

No pensamento brandiano, o meio físico de uma obra representa o suporte que propiciará a
transmissão da imagem. Tratando-se de uma instância palpável e trabalhável, portanto, é à
matéria que as intervenções de restauro serão destinadas sem, todavia, esquecer que o
porte desta operação alcançará, além da mera consistência física, uma significância cultural
ainda mais abrangente, assim enunciada por Brandi em sua definição do que significa
restaurar: “a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de
arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à
sua transmissão para o futuro” (BRANDI 2004:30 Grifo Nosso). Portanto, “os meios físicos,
de que a imagem necessita para se manifestar” representam “um meio e não um fim”
(BRANDI 2004: 35). Em outras palavras, a primeira aproximação à instância material de
uma obra deve ser feita levando em conta sua função fenomenológica (“aquilo que serve à

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epifania da imagem), e “só em um segundo momento, quando se chegar à intervenção
prática do restauro, que se fará necessário também um conhecimento científico da matéria
na sua constituição física” (Ibid.: 36).

Esta impostação metodológica não significa que Brandi estivesse estabelecendo uma
hierarquia entre imagem e matéria: pelo contrário, o meio físico há de ser considerado
portador de um leque de funções e de significados que transcendem sua instância de mero
suporte. O prevalecimento de um aspecto em detrimento do outro haveria de ser levado em
consideração, portanto, somente quando não houver alternativa.

Na exposição das contribuições de Dvořák, já foi pontuada a questão dos riscos decorrentes
daqueles restauros em que a substituição indiscriminada dos elementos originais leva a uma
alteração na percepção da valência histórica (e, consequentemente, do reconhecimento de
seu valor histórico) das obras que, vez por outra, aparentam ter sido realizadas em tempos
recentes. Trata-se do mesmo efeito que pode ocorrer quando, intervindo na obra, se retira a
pátina, conceito muito trabalhado por Brandi e sucessivamente definido por Carbonara
(2006: 13), como o “lento depósito sobre os estratos de acabamento das antigas
superfícies”. Um elemento, portanto, que não pode ser eliminado num excesso de
leviandade porque, além de constituir um sinal da instância histórica da obra, tem também a
capacidade de aportar um expressivo enriquecimento estético: “ela [a pátina] merece
respeito, a começar do ponto de vista histórico, como ‘particular ofuscamento que a
novidade da matéria recebe através do tempo’, portanto como ‘testemunho do tempo
transcorrido’” (BRANDI apud CARBONARA 2006 (II): 13). Entende-se, assim, que todas as
intervenções de restauro embasadas no critério da substituição, tendem a neutralizar a
capacidade dos materiais e dos elementos construtivos originais de garantir a significância
histórica e estética dos bens restaurados.

Sempre de acordo com a leitura de Carbonara (2006 (II):16), nas teorizações brandianas é
possível encontrar “esclarecedoras considerações sobre a arquitetura” e, no caso específico
das temáticas investigadas nesta pesquisa, oferecer válidas orientações metodológicas no
que diz respeito ao restauro das edificações modernas. Nesta ótica, em qualquer
intervenção, é sempre recomendável lembrar que o principal objetivo do restauro é a
formulação de soluções que atendam, antes de tudo, “à instância conservativa e à
transmissão dos valores em sua plena autenticidade” (SALVO 2006:81): valores capazes de
narrar à posteridade a história não apenas do objeto transmitido ao futuro, mas também de
todo o contexto técnico, econômico e social que o produziu.

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Cartas, Declarações e Documentos

O tema investigado é também alvo das orientações de alguns documentos redigidos em


ocasião de encontros e conferências especificamente voltadas à temática do restauro e que,
nesta sede, foram selecionados dentro do amplo conjunto de Cartas e Declarações em
virtude de sua afinidade com o objeto desta pesquisa.

No Artigo I da Carta de Atenas (1931), recomenda-se “[...] abandonar as reconstruções


integrais, evitando assim os seus riscos, pela adoção de uma manutenção regular e
permanente, apropriada para assegurar a conservação dos edifícios”. Esta orientação,
pertinente a respeito de edifícios remetentes a qualquer época, parece especialmente
importante quando o assunto em pauta é a arquitetura moderna – cujos exemplares,
conforme será melhor aprofundado mais adiante, frequentemente têm o reconhecimento de
seu valor vinculado ao seu estado de conservação e que, geralmente, são sujeitos a
intervenções de restauração extremamente invasivas a fim de amenizar os efeitos da
passagem do tempo, e que poderiam ser evitadas com a implementação de práticas de
manutenção programada. Outro ponto enfatizado no mesmo artigo da Carta relaciona-se
com a oportunidade de manter “uma utilização dos monumentos, que assegure a
continuidade de sua vida”. Trata-se de mais uma diretriz aplicável ao patrimônio construído
como um todo, há longo tempo proposta (conforme analisado, Viollet-le-Duc exortava à
utilização dos edifícios para garantir sua longevidade) e que, no caso das obras modernas,
quase sempre caracterizadas por uma estrita conexão entre configuração espacial e função,
pode acarretar desafios específicos.

Em relação à vertente material, os subscritores da Carta de Atenas ainda manifestam uma


fé inabalável nos materiais modernos, a serem utilizados sem hesitação na consolidação
dos edifícios antigos esclarecendo, porém, que eventuais reforços deverão ser devidamente
dissimulados. Ponha-se ênfase naquele ainda já que, dentro de poucas décadas, alguns
daqueles materiais tão louvados na década de Trinta (cuja análise será alvo da Terceira
Parte desta Tese), demonstrar-se-iam extremamente frágeis e igualmente necessitados de
reforços.

Uma consciência maior a respeito desta questão manifesta-se nos parágrafos da Carta de
Veneza (1964). De acordo com este documento, redigido em seguida ao II Congresso
Internacional de arquitetos e técnicos dos monumentos históricos, o principal objetivo da
prática de conservação e restauro é a transmissão das obras “na plenitude de sua
autenticidade”. Para que isso seja possível, recomenda-se a manutenção permanente dos

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edifícios, podendo-se recorrer à restauração apenas em casos excepcionais. “A
conservação e a restauração dos monumentos visam a salvaguardar tanto a obra de arte
quanto o testemunho histórico” (Art. 3°; Grifo Nosso): portanto, justamente para privilegiar o
caráter de autenticidade da obra, “A restauração [...] tem por objetivo conservar e revelar os
valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material
original e aos documentos autênticos” (Art. 9°; Grifo Nosso).

A Carta de Veneza pronuncia-se também em relação à questão da ampliação do conceito


de patrimônio, esclarecendo logo em seu primeiro Artigo que “A noção de monumento
histórico [...] estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que
tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural” (Grifo Nosso); orientação, esta,
bastante apropriada no que diz respeito ao patrimônio construído da modernidade que,
como já observamos, conta com um considerável número de obras catalogáveis como
“arquiteturas menores”.

Cabe, por fim, analisar algumas contribuições mais recentes oferecidas pelo ICOMOS que,
de acordo com Kühl (in SALCEDO e BENINCASA (org.) 2017:93) “é órgão assessor e
consultor da Unesco,, inclusive para o Patrimônio Mundial, cuja convenção é assinada pelo
Brasil” exercendo, portanto, um significativo papel de guia no que concerne as ações de
preservação realizadas em nosso País.

Escolheu-se, a este propósito, trazer as orientações pontuadas na Carta de Princípios para


a Análise, Conservação e Restauro Estrutural do Patrimônio Arquitetônico, redigida
em 2003 em ocasião da 14ª Assembleia Geral do ICOMOS em Victoria Falls, Zimbabwe. O
texto desta Carta foca-se principalmente na conservação dos elementos estruturais dos
edifícios, mas os cuidados destinados às componentes estruturais devem ser entendidos de
maneira mais abrangente: “no Patrimônio Arquitetônico, o restauro da estrutura não é um
objetivo em si próprio, mas apenas um meio para um objetivo, que é o edifício como um
todo” (§ 1.5). Nesta ótica, a conservação da materialidade original do patrimônio construído
deve ser o mais possível preservada em quanto portadora de valores memoriais. Muito
interessante, também, a segunda parte do parágrafo, na qual alerta-se a respeito da
importunidade daquelas intervenções que, mantendo inalterado o invólucro dos edifícios,
revolucionam drasticamente suas ‘entranhas’, resultando em práticas catalogáveis como
epidérmicas, superficiais e ‘fachadistas’. Assim, em fase de investigação e diagnóstico, a
serem realizadas antes (mas também durante) da intervenção de restauro, uma atenção
especial há de ser outorgada às instâncias materiais que constituem o edifício e às técnicas
que as produziram (§ 2.3).

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Todas as operações de levantamento e diagnóstico deverão ser finalizadas, através de
abordagens multidisciplinares, ao conhecimento, à avaliação e à compreensão dos danos
estruturais e da degradação material, com o objetivo de determinar as ‘medidas curativas’
mais adequadas – entre as quais, analogamente às orientações contidas nos documentos
analisados anteriormente, “a melhor terapia é a manutenção preventiva” (§ 3.2). Nos casos
em que intervenções mais consistentes tornem-se necessárias, elas deverão ser
direcionadas por projetos elaborados ad hoc, ponderando a possibilidade de utilizar técnicas
cuidadosamente escolhidas entre “tradicionais” e “inovadoras”, sempre levando em conta os
critérios de menor intervenção, distinguibilidade, compatibilidade e reversibilidade.

As orientações finais da Carta dizem respeito à importância da documentação e registro das


operações realizadas e do sucessivo monitoramento das estruturas que foram objeto de
intervenção.

Considerações finais

De maneira geral, considera-se oportuno chamar a atenção quanto ao perigo representado


por “intervenções sobre o construído” (de reuso, repristinação, restyling, reforma, retrofit,
reprodução, requalificação, recuperação, reciclagem, refazimento) que operam através da
substituição indiscriminada dos elementos construtivos originais e que sendo, portanto,
alheias à prática da conservação, podem acarretar perdas irreversíveis.

A arquitetura é a manifestação artística mais sujeita às imposições da utilidade e da


praticidade; por isso, qualquer intervenção deparar-se-á com a escolha de diretrizes muitas
vezes excludentes. Desta maneira, os interrogativos acerca de como proceder serão
inevitáveis: é melhor optar pela repristinação ou pela conservação (mesmo que esta
acarrete algumas inovações?). É mais oportuno refuncionalizar ou museificar? E ainda: as
marcas da passagem do tempo devem ser mantidas, ou é preferível voltar às formas
originais?

Portoghesi (apud ROSSI e TURI in BEDIN e PIRAZZOLI (org) 1999) afirma que a
conservação integral de um edifício não pode impossibilitar seu funcionamento,
cristalizando-o e impedindo-o de continuar “vivo”: afinal a arquitetura, por sua própria
definição, não pode ser destinada apenas à mera contemplação. Já no século XIX, Viollet-
le-Duc afirmava que o uso de um edifício representava uma garantia para sua
sobrevivência, e este conceito continua sendo reiterado nas argumentações mais recentes.

Reapresenta-se, assim, o tema do reuso, questão constante não apenas nas teorizações de

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Viollet-le-Duc, Boito, Giovannoni e muitos de seus sucessores, mas também remarcada pelo
Artigo 5º da Carta de Veneza (1964) - segundo a qual, porém, a utilidade não deve ser
buscada custe o que custar.

Contudo, por outro lado, as transformações e as alterações que o edifício precisa incorporar
para adequar-se à contemporaneidade ou aos novos usos apresentam desafios conceituais
e práticos que requerem uma abordagem sensível e cuidadosa por parte dos teóricos e dos
profissionais da restauração. Estas considerações aplicam-se não apenas aos casos de
reforma tout-court dos edifícios, como as práticas de retrofit ou restyling, mas envolvem
também os procedimentos de manutenção ordinária de edifícios habitados e em pleno
funcionamento. As exigências contemporâneas (legislativas, ou ligadas ao conforto) impõem
transformações cuja rapidez atropela o processo de assimilação e compreensão – das
instâncias tanto historiográficas quanto, eventualmente, artísticas - dos edifícios em exame.
Isto não significa, porém, que toda modificação tenha de ser impedida a priori; isto, pelo
contrário, poderá ser feito se, como propunham Gazzola e Pane (1971), a função estiver
compatível com as características (também espaciais) do objeto de intervenção.
Analogamente, em sua análise, Salvo (2012) afirma que as modificações e as alterações do
patrimônio arquitetônico, executadas visando uma maior compatibilidade entre o imóvel e as
exigências contemporâneas, não devem ser necessariamente contidas ou impedidas, mas
sim orientadas e direcionadas, para evitar que se verifiquem procedimentos inapropriados
como, por exemplo, os refazimentos arbitrários e integrais – prática extremante difusa e,
infelizmente, irreversível.

Além disso, nem sempre a substituição de determinados elementos construtivos, operada


visando o melhoramento do desempenho técnico (termo-acústico, por exemplo) do edifício é
garantia de resultados positivos. A respeito disso, Salvo (2012) relata o caso da Villa
Olímpica de Roma, em que a reposição, nos anos 90, dos caixilhos originais da década de
60, proporcionara graves desequilíbrios termo-higrométricos, com um drástico pioramento
das condições de calor e de umidade.

Perante a execução difusa e sistemática de procedimentos radicais, baseados na


substituição massiva das componentes construtivas originais, surge com urgência a
necessidade de definir estratégias aptas a orientar as intervenções no patrimônio
construído, de restauro como de manutenção.

Estas não podem resumir-se apenas na reformulação da configuração arquitetônica


existente, entendida como uma rearticulação das plantas e uma “maquiagem” das fachadas.
Pelo contrário, devem necessariamente aprofundar-se na análise dos aspectos que
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constituem a instância física da obra arquitetônica restaurada: os elementos materiais e
construtivos próprios dos objetos de intervenção: “o problema da conservação, reparação e
substituição nos faz deparar com o fato que o processo de fabricação do objeto está
estritamente ligado aos materiais, que constituem sua especificidade e autenticidade”
(GRAF 2012:82).

Qualquer operação de adequação e de modernização, até mesmo mínima, será por um lado
desejável em quanto propícia à continuidade de utilização (e, portanto, de vida) do edifício;
por outro lado, porém, acarretará alterações na instância física (material, construtiva) do
objeto da intervenção. Do ponto de vista operacional, portanto, o profissional envolvido com
a salvaguarda dos monumentos, antes de elaborar o projeto de restauro propriamente dito,
deverá adotar alguns procedimentos próprios do trabalho historiográfico, voltados ao
conhecimento e ao entendimento o mais possível aprofundado dos aspectos materiais (os
que, de acordo com a leitura de Brandi, serão de fato restaurados) da obra objeto de
intervenção. De acordo com Aggarbati (apud BEDIN in BEDIN e PIRAZZOLI (org.) 1999:30),
“l’analisi e la documentazione di tutto il settore deve essere preventiva ad ogni decisione di
tipo procedurale, per superare lo spontaneismo degli interventi”.

Em suma: se, com o auxilio das ferramentas próprias do campo disciplinar, conseguirmos
reconhecer que a salvaguarda da materialidade é uma questão primordial e que sua
importância, intrínseca em sua carga testemunhal, precisa ser equiparada (quando não,
anteposta) à preservação da imagem (não à “unidade visual” reivindicada por Brandi, mas à
imagem imutável ao longo do tempo, tantas vezes almejada nas intervenções de restauro),
entenderemos que as intervenções mais pertinentes não serão aquelas voltadas à
repristinação, mas aquelas que, através de um conhecimento aprofundado da obra em
exame, explorarão as potencialidades da pesquisa experimental. Um caminho, sem dúvida,
mais demorado e mais árduo que, porém, poderá revelar recursos capazes de “consolidare
la materia senza abdicare dalla sua autenticità storica” (CASSANI in BORIANI 2003:29).

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Ravenna: Essegi, 1999

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ESTRUTURAL DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO (ICOMOS) disponível em:
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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

DIRETRIZES OPERACIONAIS E DEIXAS OFERECIDAS PELO CORPUS


TEÓRICO CONSOLIDADO.

Alessandra Cb Bedolini (albedolini@gmail.com)

As intervenções de reforma, mais comunmente chamadas de retrofit no léxico


do mercado imobiliário, tiveram nos últimos anos uma difusão significativa entre
os edifícios residenciais das áreas centrais das cidades brasileiras. Esta
tendência, por um lado, pode ser avaliada positivamente, pois revitalizar um
imóvel subutilizado significa reafirmar sua utilidade e frear sua degradação,
além de constituir uma válida reivindicação de cunho político e social. Por outro
lado, porém, à frente dos resultados, torna-se a cada vez mais necessário
entender de que maneira estas práticas vêm sendo concebidas e atuadas, ou
seja, a partir de quais ferramentas teóricas e metodológicas elas são
desenvolvidas e efetivadas.

Do ponto de vista específico do campo disciplinar da preservação, a


observação e a análise dos processos ocorridos (ora a demolição sistemática
do patrimônio, ora o aporte de intervenções de “restauro” não suportadas por
sólidas diretrizes metodológicas e embasadas em procedimentos
eminentemente substitutivos da materialidade original) acabam suscitando uma
série de interrogativos. Porque se é verdade que, na ótica da transmissão de
um bem patrimonial para a posteridade, preservar é certamente melhor do que
demolir, igualmente verídico é o fato que reformar um imóvel alterando sua
materialidade original (não simplesmente de forma pontual, como é inevitável
em qualquer intervenção de restauro que se baseia em escolhas ponderadas,
mas de maneira sistemática e sem questionamentos, como é o caso da maioria
dos retrofit) significa desnaturá-lo de maneira irreversível.

Qual seria, afinal, a relação intercorrente entre o patrimônio construído e a


matéria que o constitui? Em que maneira a matéria construída faz com que um
edifício se torne documento? E enfim, qual a importância que, na atuação de
uma intervenção de restauro, deve ser atribuída à vertente material?

A decisão de repercorrer, nesta sede, algumas das mais consolidadas


contribuições teóricas formuladas a partir do século XIX - século ao longo do
qual, de acordo com Kühl, “a restauração constrói seus instrumentos” - dentro
do campo disciplinar do restauro recorre da urgência de embasar, da maneira o
mais fundamentada possível, algumas reflexões sobre as ações da
preservação atuadas em dia de hoje e, mais especificamente, as que dizem
respeito às intervenções de restauro entendidas em sua acepção mais prática.

Principal objetivo deste artigo será, portanto, verificar se e de qual maneira a


relação intercorrente entre restauro e materialidade tem sido levantada e
discutida no corpus teórico inerente à restauração, por quais autores, em quais
documentos e com quais rebatimentos práticos.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

UM PERCURSO DE MODERNIDADE NA AVENIDA BORGES DE MEDEIROS

Ângelo Guilherme O. Tavares (angelo.tavares@edu.pucrs.br)

Mariana Freitas De Vasconcelos (mariana.v@edu.pucrs.br)

Raquel Rodrigues Lima (raquel.lima@pucrs.br)

Walquíria Brauwers Schüssler (wbs_schussler@hotmail.com)

O presente artigo tem o objetivo de apresentar um percurso de modernidade da


Radial Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre-RS, demonstrando, por
meio de alguns exemplares, a importância da documentação de projetos
arquitetônicos e como estes registram as modificações nos modos de morar e
viver de seus habitantes. Chamada de cânion urbano, esta Radial, que liga o
Centro Histórico à Zona Sul da cidade, ficou conhecida pela grande diferença
de níveis em sua topografia e suas construções em altura, reflexos da
modernização da capital. Finalizada em 1935, durante a gestão Alberto Bins, a
avenida possui quatro importantes pontos nodais: a Ponte de Pedra, o Viaduto
Otávio Rocha, o Paço Municipal, localizado no Largo Glênio Peres, e a Esquina
Democrática, tombada em 1997. Partindo do Largo Glênio Peres, edifícios e
espaços adjacentes conformam conjuntos de registros, como na esquina
democrática, onde o Edifício Sul América configura esse importante espaço na
capital, sendo procedido no trajeto pelos edifícios Continente e Amazônia,
relacionando habitação e comércio. Adiante no percurso, no Viaduto Otávio
Rocha, há cinco exemplares modernistas, sendo eles: São Salvador, Everest,
Santa Generosa, Duque de Caxias e Duquesa. Finalizando o percurso próximo
a Ponte de Pedra, onde a modernidade trouxe imponentes construções em
altura com térreos mistos junto a espaços culturais, como o Edifício General
Osório e Caixeiros Viajantes, além de se mesclarem ao percurso edifícios
ArtDecò. Dessa forma, é possível documentar relevante parte da evolução
urbana e arquitetônica da cidade, principalmente aquela ocorrida na década de
1950, quando o Movimento Moderno iniciava sua passagem pela capital
gaúcha. A análise do percurso fundamenta-se no reconhecimento da
morfologia da cidade, suas imagens e seus usos, sendo desenvolvida através
da seleção de exemplares de edifícios de habitação coletiva de cunho
modernista do período de 1940 a 1960, feita por meio de visita in loco e
publicações. Após a seleção, requisitam-se os projetos originais no Arquivos
Municipal, para que se iniciem os redesenhos em softwares de arquitetura.
Com os redesenhos produzidos, é criada uma tabela comparativa das
mudanças advindas do Movimento Moderno. Morar no centro da cidade
oferecia importância à classe média, fato que se somou ao desejo de morar
nas alturas e ao incentivo pela densificação, resultando na construção de
habitações coletivas, que, pelo Decreto 245/1940, deveriam ter mais de seis
pavimentos. Assim, Porto Alegre se modernizava seguindo padrões de cidades
referência como o eixo Rio-São Paulo, e cidades internacionais como Nova
Iorque, Chicago, Buenos Aires e Montevidéu. Utilizando o percurso de
modernidade da Radial Avenida Borges de Medeiros, apresentado a partir de
fotografias, textos e registros originais das edificações de caráter habitacional
do período entre 1940-1960, documenta-se o importante desenvolvimento de
uma sociedade que vivenciava o processo de modernização.
EIXO TEMÁTICO 3

A COOPERATIVA DE CAMURUPIM EM PROPRIÁ, SERGIPE: O


projeto de Lina Bo Bardi como documento histórico

VASCONCELOS, LARISSA. (1); FREITAS, PEDRO MURILO GONÇALVES DE. (2)

1. Universidade Federal de Sergipe. Curso de Arquitetura e Urbanismo


Praça Samuel de Oliveira, 1 - Centro, Laranjeiras - SE, 04917-000.
larissavascon.arq@gmail.com

2. Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Praça Samuel de Oliveira, 1 - Centro, Laranjeiras - SE, 04917-000.
pedromurilo@academico.ufs.br

RESUMO
As pesquisas sobre Lina Bo Bardi no Brasil têm frequentemente demonstrado amplo interesse sobre a
arquiteta, seu modo de pensar e projetar. Investigando os traços de seu raciocínio crítico, de franca
expressão arquitetônica integrada ao território brasileiro, são valorizados seus métodos e qualificada
sua obra construída enquanto demonstração da sua sensibilidade vinculada à “existência” para a
elaboração de critérios projetuais. No entanto, enquanto “documentos”, produtos de pesquisas
exploratórias da arquiteta sobre a cultura arquitetônica popular brasileira também exercem necessária
via de mão dupla e se tornam úteis para a construção de dados históricos que contemplem a
explicitação de narrativas pouco descritas sobre esta mesma cultura entre os anos 60 e 70. Com base
nessas premissas, discutidas neste trabalho, este artigo apresenta resultados parciais do projeto em
andamento “Era pra ser Camurupim: Lina Bo Bardi e a arquitetura popular em Sergipe”, com o objetivo
de dar a conhecer dados objetivos sobre a paisagem e os modos de vida da população sergipana que
fizeram parte da investigação projetual da arquiteta para o projeto da Cooperativa de Camurupim, em
Propriá, Sergipe. Realizado em 1975, seu material gráfico e documental está disponível online no
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Entendendo o projeto como fonte de informação sobre a cultura
nordestina nos anos 70, apresenta-se parte da transcrição e interpretação destes documentos a um
público mais amplo de arquitetos, mas também historiadores, geógrafos e outros pesquisadores
interessados que possam usufruir das informações neles existentes a fim de colaborar para a
investigação da presença em Sergipe de anseios populares por uma cultura habitacional contra-
hegemônica.

Palavras-chave: Arquitetura popular. Lina Bo Bardi. Nordeste. Decolonialidade. Camurupim.

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Introdução
“Nada de romântico nestas soluções, nada de se inspirar nas ocas e favelas,
ou na poesia da simplicidade camponesa (...), mas uma procura direta de
elementos formados por uma experiência (...)” (BARDI,1967, p.49)

É consenso afirmar que a construção teórica e prática da arquitetura moderna brasileira foi
resultado de uma “precoce consagração” dos discursos simbólicos de uma primeira geração
de arquitetos que visou defender uma nova forma de projetar a arquitetura no século XX. De
acordo com Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (2011, p.26), a chamada “escola
carioca”, “que precipuamente estabeleceu a autoridade de uma determinada doutrina
projetual moderna, de corte corbusiano”, determinou influência marcante na percepção da
arquitetura popular elaborada em território nacional.

Desta geração, Lucio Costa notabilizou-se no início dos anos 1930 por romper com as
tendências estilísticas neocoloniais em voga no início do século XX, teorizando a arquitetura
moderna como sucessora efetiva das práticas vernaculares luso-brasileiras (COSTA, 1937).
Para tanto, construindo um ideário entre “tradição” e “modernidade”, o arquiteto deu atenção
a valores estéticos e tecnológicos do saber popular em várias regiões do país, oferecendo
uma visão unitária e hegemônica da arquitetura brasileira que em pouco tempo passou a
caracterizar os modos de reconhecer o “patrimônio” do Brasil.

Apesar da validade da iniciativa para a época, que inclusive salvou muitos monumentos
antigos do seu arruinamento completo, a defesa do estudo de técnicas construtivas regionais
e a valorização da arquitetura vernacular para o movimento moderno teve como consequência
a pouca, ou quase nenhuma crítica aos efeitos sociais das relações coloniais consolidadas
(MALDONADO-TORRES, 2016). Pelo contrário, o “patrimônio nacional” baseado na
arquitetura civil com referências na cultura portuguesa e na divisão entre “erudita” e “popular”,
simplificou os meios de reconhecer a identidade brasileira enquanto resultado da colonização,
naturalizando processos de opressão em função das reinterpretações locais da cultura
europeia e homogeneizando saberes tradicionais já existentes antes mesmo da invasão
europeia da América.

Um processo de revisão tem sido proposto mais recentemente. Para o arquiteto Günter
Weimer (2012), a arquitetura popular brasileira ainda é considerada um exotismo e, por isso,
de certo modo, tem sido colocada distante da produção arquitetônica corrente. A diferenciação
entre a arquitetura popular, baseada por vezes na construção sem acadêmicos e aquilo que
se entende por arquitetura erudita, baseada na produção resultante da educação “formal”,

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frequentemente submete a cultura construtiva brasileira a uma condição emergencial, abrindo
pouco espaço para a investigação das reais condições das pessoas que a constroem, suas
origens, valores e saberes. Por isso, Weimer defende que é necessário, no século XXI, a
reafirmação de uma arquitetura popular enquanto prática social e histórica, afastando-a dos
conceitos hegemônicos de vanguarda que, segundo o autor, apenas a utilizaram como
instrumento para solucionar os embates formais do movimento moderno.

Esta visão não é nova e, já nos anos 1960 e 1970, haviam se aproximado deste debate
conceitos que buscaram posturas anti-hegemônicas como o chamado “regionalismo crítico”.
De acordo com Kenneth Frampton (2008, p. 381 et seg.),

o termo regionalismo crítico não pretende denotar o vernáculo do modo como


este foi, outrora, produzido espontaneamente pela interação combinada de
clima, cultura, mito e artesanato, mas antes pretende identificar ‘escolas’
regionais recentes, cujo objetivo principal tem sido refletir os limitados
elementos constitutivos nos quais se basearam e servir deles.

No Brasil, o regionalismo crítico sustentou uma nova geração de arquitetos que buscou
incorporar o debate sobre o desenvolvimento nacional e apresentar uma produção contra-
hegemônica do espaço, que, em seu discurso, repropôs gradualmente as questões acerca da
arquitetura popular. O uso da madeira por Severiano Porto no Amazonas (FAVILLA, 2003) ou
as práticas de autogestão da construção por Acácio Gil Borsói em Pernambuco (SOUZA,
2008) são alguns dos exemplos do papel das experiências locais como fundamentais para a
integração de saberes considerados mais autênticos e coerentes para a produção
arquitetônica moderna. Assim, o regionalismo crítico expressou, na arquitetura, uma tensão
cultural, sobretudo entre as posturas regionais e internacionais em vários campos artísticos,
mas que, entre nós, também refletiu sobre os valores impostos pelo “erudito” à cultura
“popular”.

Alinhadas a esses temas, as pesquisas sobre Lina Bo Bardi no Brasil têm frequentemente
demonstrado amplo interesse sobre a arquiteta nessa chave, qualificando seu modo de
pensar e projetar. Investigando os traços de seu raciocínio crítico, de franca expressão
arquitetônica integrada ao território brasileiro, são valorizados seus métodos e qualificada sua
obra construída enquanto demonstração da sua sensibilidade vinculada à “existência” para a
elaboração de critérios projetuais (ROSSETTI, 2003). No entanto, em que pese o valor
arquitetônico desses projetos, enquanto “documentos”, produtos de pesquisas exploratórias
da arquiteta sobre a cultura popular brasileira também exercem necessária via de mão dupla

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e se tornam úteis para a construção de dados históricos que contemplem a explicitação de
narrativas pouco descritas sobre esta mesma cultura entre os anos 60 e 70.

Com base nessas premissas, este artigo apresenta resultados parciais do projeto em
andamento “Era pra ser Camurupim: Lina Bo Bardi e a arquitetura popular em Sergipe” 1,
vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe,
com o objetivo de dar a conhecer dados objetivos sobre a paisagem e os modos de vida da
população sergipana que fizeram parte da investigação projetual da arquiteta para o projeto
da Cooperativa de Camurupim, em Propriá, norte do Estado. Realizado em 1975, seu material
gráfico e documental está disponível no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.

Entendendo o projeto como fonte de informação sobre a cultura nordestina nos anos 1970,
apresenta-se método de transcrição e interpretação destes documentos a um público mais
amplo de arquitetos, mas também historiadores, geógrafos e outros pesquisadores
interessados que possam usufruir das informações neles existentes a fim de colaborar para a
investigação da presença em Sergipe de anseios populares por uma cultura habitacional
contra-hegemônica.

A Cooperativa de Camurupim em Propriá, Sergipe: a luta pela terra


às margens do Rio São Francisco

A Cooperativa de Camurupim é mais do que um projeto de habitação coletiva de Lina Bo Bardi


no Nordeste. Para além disso, trata-se de uma importante referência histórica sobre a luta
pela terra às margens do Rio São Francisco entre os anos 1960 e 1970.

É preciso lembrar que o processo de modernização da agricultura realizado pelo Estado


brasileiro nos anos 1970 foi determinante para a emergência de movimentos sociais com o
objetivo de denunciar a necessidade de serem oferecidas melhores condições de acesso à
propriedade rural. Foram as organizações religiosas em formato de cooperativas ou
associações comunitárias as responsáveis pela construção progressiva de interesses
populares comuns.

1
Projeto externo n. PEF10865-2020, coordenado pelo Prof. Dr. Pedro Murilo Gonçalves de Freitas e
participação da graduanda em Arquitetura e Urbanismo Larissa Vasconcelos no Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. Duração: 01/09/2020 a 31/08/2021.
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De acordo com o historiador Eliano Sérgio Azevedo Lopes, foram poucas as cooperativas
atuantes nesse período que se opuseram às chamadas “cooperativas de colonização”,
aspecto dado à ocupação do território rural com objetivos econômicos ligados às oligarquias
locais. Como notória exceção na cidade de Propriá, a Cooperativa de Camurupim (1975-1977)
foi idealizada a fim de resistir a esse processo, tendo como suporte uma forte conciliação
entre a Igreja Católica e os trabalhadores do norte de Sergipe que acreditavam no ideário de
liberdade sobre a terra (LOPES, 2016). No entanto, em virtude de diversas causas, tratou-se
de experiência de curta duração e cujos traços são difíceis de serem recuperados. Nas
palavras da arquiteta Ana Carolina Bierrenbach (2008):

Ao contrário do que sucede com a história dos vencedores, sobre a qual


existem fortes vestígios da existência dos acontecimentos, com a história dos
perdedores tais rastros são muito fracos. É necessária atenção para que seja
possível perceber as suas existências, que praticamente não se manifestam
em documentos oficiais, mas se expõem principalmente através de outras
fontes de informação, que por sua fragilidade tendem a desaparecer.

Assim, enquanto especulam-se as referências sobre a importância da Cooperativa de


Camurupim, muitos historiadores têm buscado traçar os indícios desses movimentos com
grande interesse a partir do registro de ex-integrantes ainda vivos. Seu objetivo é recuperar a
memória coletiva de grupos que ainda ocupam essas regiões e oferecer, através do exame
desses depoimentos, como certa luta pela terra permanece com outros sentidos no século
XXI.

Em entrevista no formato de vídeo publicado recentemente no Youtube pela Diocese de


Propriá, Paulo Vieira Gomes, camponês de 84 anos, recupera a importância da Cooperativa
no contexto rural brasileiro e relata como a ideia de uma ocupação alternativa do território
acabou desaparecendo pelas vicissitudes de sua própria inserção posterior nas bases
verticais de ocupação predatória e especulatória do interior do Brasil. Ele narra:

“[...] Cada um foi vendendo o seu lote e a Cooperativa foi caindo e caindo [...]
E hoje pode-se dizer, quase o que tá acontecendo como era antes: na mão
de poucos. Porque tem muita gente que não precisava ser dono de um palmo
de terra da Cooperativa, hoje tem cinco, seis lotes. E nós hoje vê a
Cooperativa afundada e acabada.” (GOMES, 2018)

Assim, enquanto alternativa e forma de resistência, relatos, entrevistas, declarações de vida


são os objetos prioritários para a consolidação das narrativas dispersas. No entanto, é preciso
ressaltar e combinar a importância da fortuna do “método” de Lina Bo Bardi, que postulou uma
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percepção da realidade “pré-existente” quando foi chamada para projetar um núcleo urbano
pela CODEVASF. Traços imaginários e assertivas dos estudos arquitetônicos são fontes
preciosas de contribuição à história recente do estado de Sergipe. Como documento histórico,
assim, o projeto de Lina Bo Bardi para a Cooperativa de Camurupim requer o cuidado também
de quem lê uma história oral permeada pela linguagem projetual.

Por essa razão, parece-nos que o projeto ainda carece de ser lido em suas minúcias a partir
das anotações da autora, recuperando-o das análises que apenas atentam para a estrita
valorização do método e da “figura” da Lina Bo Bardi para a historiografia da arquitetura.
Compreendemos que dados coletados pela arquiteta precisam ser melhor dispostos a outros
campos de interesse no movimento, interdisciplinarmente.

Lina e Camurupim: interpretações projetuais sobre o modo de vida


da população nordestina

A partir dessas premissas, é preciso considerar como o projeto foi elaborado, compreender
sua linguagem, para então delimitar outros fatores que denotam sua importância.

É bastante relatado por vários autores já o quanto a presença de Lina Bo Bardi no Nordeste
brasileiro, mais especificamente na Bahia, sinalizou uma preocupação em distinguir a
arquitetura corrente do ideário folclórico e exótico que havia sido criado em torno do saber
popular. Em Sergipe, na breve passagem da arquiteta pelo Vale do Rio São Francisco em
1975, essa valorização tinha duplo papel: ao mesmo tempo que se dava destaque à produção
manufatureira regional, possibilitava-se a discussão sobre sua inclusão política de certas
comunidades tradicionais, o que, no campo da arquitetura, também permitia a disseminação
de conceitos de autonomia e autogestão.

Nesse sentido, é possível considerar que Lina era adepta a uma postura alternativa às
políticas de ocupação do campo opressoras, confluindo as chamadas “preexistências” –
especialmente físicas, sociais e ambientais, etc. –, na concepção de um projeto que utilizava
o que o território oferecia e que servisse de fato às pessoas.

Prática notável pelos documentos do projeto disponíveis no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, a


atuação da arquiteta na Cooperativa de Camurupim envolve uma ampla pesquisa do local,
com estudos de análise do território feitos com grande minúcia e adoção de instrumentos de
percepção ambiental. Em termos meramente formais, o lote parece ser o principal elemento

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de investigação, que a arquiteta considera mais “natural” (VAINER e FERRAZ (Org.), 1996,
p.181), com ampla semelhança com as propostas para Conjunto de Itamambuca, em
Ubatuba, São Paulo, concebido anos antes, em 1965.

De fato, vivências da arquiteta nos anos 60, podem explicar o interesse pela orientação em
malha de lotes circulares que, no projeto em Ubatuba, ordena caminhos sinuosos à margem
de um centro cívico em uma ilha fluvial, enquanto que, em Camurupim, o mesmo lote é
combinado para a consolidação de uma aglomeração progressivamente orientada em
acrópole (Figura 1).

Figura 1: Acima, estudos para o Conjunto de Itamambuca. Fonte: VAINER e FERRAZ (Org.), 1996,
p.180 et. seg.; abaixo, planta de estudo para a implantação da Cooperativa de Camurupim. Fonte:
VAINER e FERRAZ (Org.), 1996, p.203.

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Se, de um lado, parecem óbvias as modificações endereçadas à regularização do lote
idealizado ao vale do São Francisco, com particular aclive que definia o estudo de
implantação, caberia perguntar, na ausência de informações justificadas sobre esses projetos,
os quais, ambos, não foram executados, qual a influência da população sergipana nesta nova
configuração? No contexto desejado de interpretação de narrativas oprimidas, podem as
pesquisas em arquitetura e urbanismo sobre a arquiteta reposicionar o problema quanto uma
possível intenção projetual, em seu provável rearranjo para o sítio de Propriá, e dar voz aos
eventuais ribeirinhos que aceitaram ou refutaram essas propostas no complexo processo
político que foi a Cooperativa sergipana? Como podemos, assim, mesmo formalmente,
desvelar processos, conciliar dados não descritos e oferece-los a uma melhor interpretação
dos agentes da Cooperativa em si? Trata-se de breve exemplo, aparentemente banal, mas
que nos permite salientar o quanto as informações sobre o projeto ainda podem ser
instrumento de pesquisa mais aprofundada.

A leitura dos documentos: considerações metodológicas

Tendo em vista a concepção da ideia do projeto durante a pandemia de COVID-19, é preciso


considerar algumas características referentes ao método de coleta de dados e interpretação
dos documentos do projeto devido às exigências pelo distanciamento social. A leitura do
projeto de Lina Bo Bardi para a Cooperativa de Camurupim teve como base dois meios
principais de pesquisa, sendo eles: as fontes disponibilizadas pelo Instituto Lina Bo e P. M.
Bardi em formato virtual, considerando as fichas, imagens e documentos disponíveis no site
do instituto, e as demais fontes integradas pelo livro “Lina Bo Bardi” (VAINER e FERRAZ
(Org.), 1996), com alguns documentos tratados para a publicação, entre observações acerca
do local, desenhos iniciais da Cooperativa, entrevistas da autora com a população e outras
referências. Buscou-se coletar e analisar cerca de 120 desenhos e manuscritos – muitos deles
combinados –, sendo estes plantas, perspectivas, cortes e detalhamentos construtivos e
paisagísticos desenvolvidos pela arquiteta.

Notou-se a necessidade de estabelecer, como prioridade, uma verificação ordenada. A partir


de uma primeira observação dos documentos, é notável como estes apresentam-se sem
cronologia precisa ou sem clareza de um percurso projetual direto – aspecto evidenciado
também entre os vários trabalhos que já estudaram o projeto como derivado do vínculo com
a CODEVASF e as viagens para o local (BIERRENBACH, 2008); além disso, uma visita ao
instituto em fevereiro de 2021 foi realizada para a verificação de documentos ilegíveis pela

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versão digital. Assim, como estratégia para uma leitura concisa, projetaram-se fichas de
interpretação e revisão paleográfica (Figura 2) com o intuito de ordenar a narrativa visual dos
documentos, permitindo inferir sobre as informações disponíveis, como e onde encontrá-las a
partir de descritores.

FIGURA 2: Á esquerda, roteiro de pesquisa de campo feito por Lina Bo Bardi. Fonte: Instituto Lina
Bo e P. M. Bardi, Acervo “Desenhos”, n. 090ARQd0016, 1975; à direita, transcrição paleográfica.
Leitura: Larissa Vasconcelos, 2021.

Era pra ser Camurupim: algumas contribuições

Com a adoção desta metodologia, pôde-se chegar a breves resultados iniciais para obtermos
as primeiras orientações de resposta às perguntas formuladas. A complexidade e a
dificuldade de compreensão do material e do seu próprio conteúdo, questão advinda da

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investigação da forma mentis de Lina Bo Bardi, era esperada. No entanto, seria somente
através da atenção aos documentos primários, com informações colocadas “às margens” que
se poderia ampliar a interpretação da formalização imediata do projeto. Por isso, reformulou-
se a atenção para se obter maiores cuidados operativos, sobretudo nas práticas de
paleografia e redesenho.

De modo geral, foi possível notar o interesse de Lina ao projetar o Complexo Rural Urbano
para a Cooperativa de Camurupim a favor de sistematizar a locação apropriada e prioritária
de equipamentos públicos para a população que residia na região, aspecto pouco citado nas
análises que demarcam a qualificação apenas da “casa típica” como eixo central de pesquisa
projetual. Parece evidente notar este percurso, já que, aspectos da luta pela terra no período
sugeriam que a Cooperativa estivesse interessada prioritariamente na conquista de
equipamentos essenciais à comunidade. Isto claramente direciona a atividade da arquiteta
mais ao planejamento do espaço público que fosse adequado à população, composta
basicamente por agricultores (Figura 3). Por tal motivo, os levantamentos ambientais
realizados pela arquiteta sugerem um vínculo primário aos camponeses e o interesse comum
de qualificação de formas de vida e trabalho.

FIGURA 3: Á esquerda, esquema do complexo urbano-rural. Fonte: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,


Acervo “Desenhos”, n. 090ARQd0018, 1975; À direita, transcrição paleográfica. Leitura: Larissa
Vasconcelos, 2021.

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Assim, às margens do Rio São Francisco, começa-se a ser imaginado um novo ideário social
em forma de desenhos, rabiscos e observações. É possível perceber que foram levantadas
as áreas com solo aproveitável para plantio, quais os espaços comunitários e de lazer eram
necessários e qual seria a quantidade de famílias que já residiam e que iriam residir naquele
lugar, entre outros fatores. Lina totalizou como sendo 2.000.000 m² a área essencial para
comportar toda a comunidade e os devidos equipamentos, o que ilustra a amplitude do projeto
e a evidente demanda coletiva, até hoje destacada nos estudos memoriais recentes. O
complexo foi dimensionado para possuir um total de 780 lotes agrícolas, sendo 600 com 3000
m² de área e 180 com 1500m². A morfologia, aparentemente derivada do projeto para
Itamambuca, como vimos, parece ter sido um fator de orientação prioritário a favor do respeito
à paisagem.

Assim, se o terreno acidentado parece ter provocado a concepção circular para a Complexo,
em que nas cotas mais altas destacou o espaço comunitário e público e, em níveis mais
baixos, idealizou os espaços familiares e privados, em suas anotações também é possível
verificar a percepção da precariedade das residências já existentes, as quais a arquiteta faz
saber comportar uma quantidade elevada de membros familiares em um espaço mínimo. É
por esse sentido que o centro residencial idealizado define-se a partir de questionário feito à
população (Figura 2, exposta anteriormente), com amplo interesse na atuação horizontal, ou
seja, em que a arquiteta atua como “assessora técnica”.

Abrangendo 180 famílias (considerando uma família de 4 a 5 pessoas), não se sabendo ao


certo quantas dessas foram entrevistadas, resultaram-se em três modelos de moradia típica
e duas unidades de trabalho para cada família, ou seja, duas “unidades” agrícolas em cada
lote. Entre as dúvidas verificadas na leitura dos documentos, não se sabe ao certo o que a
arquiteta entendia como área rural e área urbana, pois neles menciona dimensões como 200
m² para uma unidade que nomeia de “casas tipo rural”, mas dimensiona uma área de 0,5
hectare (5.000 m²), como área para cada casa unifamiliar. Em leituras ainda a compreender
melhor, supõe-se que a arquiteta tenha considerado toda esta área como sendo igual à área
construída somada à área indicada para plantio.

Por outro lado, enquanto a integração com o entorno e a configuração organizacional das
residências podem ser lidas como fruto de projetos de residência anteriormente realizados, a
exemplo da Casa Circular, projeto de 1962, especula-se pouco como a atividade de
“assistência técnica” orientou o programa habitacional. A partir de supostamente um
“levantamento” (Figura 4, à esquerda), em um breve documento, Lina parece mapear a casa
tradicional da população, sugerindo um sistema fundamental baseado também na tipologia

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em alpendre, muito característico no interior sergipano (Figura 4, à direita). Portanto,
novamente caberia questionar em que medida o famoso desenho da residência típica do
projeto (VAINER e FERRAZ (Org.), 1996, p.209), recebe influências do desejo da população
em termos formais? É possível, assim, conceber a produção de Lina estritamente baseada
numa correlação formal de projetos realizados (sugerindo uma integração do projeto à uma
cronologia criativa) ou podemos inferir na construção de algum tipo de autoria coletiva?
Tratam-se de questões ainda a serem discutidas em conjunto com outros documentos
primários e outras fontes interdisciplinares, confirmando a necessidade de novos estudos que
valorizem as propostas para a cooperativa integrada ao movimento social em detrimento do
estudo de aspectos meramente estéticos, em alinhamento ao que já visivelmente concebia a
arquiteta.

FIGURA 4: Á esquerda, “plantas de casas/tipologia de casas”. Fonte: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,


Acervo “Desenhos”, n. 090ARQd0020-03/04, 1975; à direita, “perspectivas externas, perspectivas da
varanda”. Fonte: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, Acervo “Desenhos”, n. 090ARQd0043, 1975.

À guisa de conclusão

Nossa proposta de estudo tem conseguido construir mais perguntas que respostas sobre o
projeto. É possível perceber que, se a realização projetual de Lina Bo Bardi afirma-se em
adaptação ao pré-existente, fazendo com que aconteça uma atuação horizontal no espaço, é
esta condição que permite o questionamento especular do projeto como “documento” ou seja,

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como fonte de informação histórica. Ou seja, se a atuação de Lina sensivelmente procura
viabilizar a autonomia daquela população, seu projeto não apenas constitui fase importante
da história da arquitetura brasileira, mas também oferece voz hoje aos sujeitos ocultos em
narrar suas próprias vivências, costumes e culturas. Assim, o projeto não realizado de Lina
Bo Bardi merece ser visto como um meio de registro efetivo da realidade construtiva no interior
do país.

Ora, mesmo que neste caso estejamos diante de uma narrativa regional incorporada à luta de
movimentos sociais no campo, também é possível afirmar, por extensão, o potencial da
Arquitetura como campo de conhecimento histórico. E é este, talvez, o principal valor ainda a
descobrir e preservar sobre os documentos do movimento moderno, que, em sua história
recente, ainda oferece ao olhar atento outras narrativas “marginais”. Por isso, sua valorização
depende de leituras que ofereçam bases de integração entre outros campos de estudo, a fim,
justamente, de ser ponderado dentro de um campo mais amplo e assim assumir uma postura
efetivamente decolonial. É o que desejamos construir para as próximas fases deste trabalho.

Agradecimentos

Ao Instituto Lina Bo e P. M. Bardi pelo acesso e preservação do acervo consultado.

Referências

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interlocuções e possíveis reflexos na Bahia. Cadernos do PPG-AU/FAUFBA, Salvador, v. 9, 2013.

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BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950. São Paulo:
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BIERRENBACH, Ana Carolina. Os rastros da ausência: o projeto de Lina Bo Bardi para a Cooperativa
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<https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.101/101>. Acesso em 12 set. 2021.

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FAVILLA, O regionalismo crítico e a arquitetura brasileira contemporânea: o caso de Severiano


Porto. 2003. 148f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes da UNICAMP. Universidade
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GOMES, Paulo Vieira. Entrevista concedida ao padre Isaías Carlos Nascimento Filho, Diocese de
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VAINER, André; FERRAZ, Marcelo Carvalho; SUZUKI, Marcelo (Orgs.). Lina Bo Bardi. São Paulo:
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FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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Arquitextos, São Paulo, ano 03, n 032.06, Vitruvius, jan. 2003. Disponível em:
<https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.032/717>. Acesso em 12 set. 2021.

SOUZA, Diego Beja Inglez de. Reconstruindo Cajueiro Seco: arquitetura, política social e cultura
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- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, São Paulo.

WEIMER, Günter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A COOPERATIVA DE CAMURUPIM EM PROPRIÁ, SERGIPE: O PROJETO


DE LINA BO BARDI COMO DOCUMENTO HISTÓRICO

Larissa Vasconcelos Oliveira Santos (larissavascon.arq@gmail.com)

Pedro Murilo Gonçalves De Freitas (pmugf.arq@gmail.com)

As pesquisas sobre Lina Bo Bardi no Brasil têm frequentemente demonstrado


amplo interesse sobre a arquiteta, seu modo de pensar e projetar. Investigando
os traços de seu raciocínio crítico, de franca expressão arquitetônica integrada
ao território brasileiro, são valorizados seus métodos e qualificada sua obra
construída enquanto demonstração da sua sensibilidade vinculada à
“existência” para a elaboração de critérios projetuais. No entanto, enquanto
“documentos”, produtos de pesquisas exploratórias da arquiteta sobre a cultura
arquitetônica popular brasileira também exercem necessária via de mão dupla
e se tornam úteis para a construção de dados históricos que contemplem a
explicitação de narrativas pouco descritas sobre esta mesma cultura entre os
anos 60 e 70. Com base nessas premissas, discutidas neste trabalho, este
artigo apresenta resultados parciais do projeto em andamento “Era pra ser
Camurupim: Lina Bo Bardi e a arquitetura popular em Sergipe”, com o objetivo
de dar a conhecer dados objetivos sobre a paisagem e os modos de vida da
população sergipana que fizeram parte da investigação projetual da arquiteta
para o projeto da Cooperativa de Camurupim, em Propriá, Sergipe. Realizado
em 1975, seu material gráfico e documental está disponível online no Instituto
Lina Bo e P. M. Bardi. Entendendo o projeto como fonte de informação sobre a
cultura nordestina nos anos 70, apresenta-se parte da transcrição e
interpretação destes documentos a um público mais amplo de arquitetos, mas
também historiadores, geógrafos e outros pesquisadores interessados que
possam usufruir das informações neles existentes a fim de colaborar para a
investigação da presença em Sergipe de anseios populares por uma cultura
habitacional contra-hegemônica.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O PATRIMÔNIO ENQUANTO ELEMENTO CHAVE DA PAISAGEM :


CENÁRIOS HISTÓRICOS E PERSPECTIVAS URBANÍSTICAS NA REGIÃO
DA SERRA DAS FAROFAS, IGARAPÉ/SÃO JOAQUIM DE BICAS (MG)

Charles De Oliveira Fonseca (serradatapera@yahoo.com.br)

Vagner Luciano De Andrade (trezeagosto@yahoo.com.br)

A Serra das Farofas, São Joaquim de Bicas (MG) apresenta especificidades no


que se refere à temática das dinâmicas de vertente, com processos erosivos
ameaçando seus fragmentados acervos naturais, representando a ausência de
cuidados da prática minerária para com o meio ambiente, para com as
comunidades urbanas limítrofes às áreas de exploração. A remoção da
cobertura vegetal e intensificação da erosão é apenas a base de problemas
mais complexos de desconstrução de memórias coletivas, de narrativas
ecológicas, do patrimônio cultural. Em meio a este cenário degradante, por sua
vez, proliferam-se os loteamentos clandestinos, que devastam mais ainda o
meio natural. Os moradores destes espaços carecem de regularização
fundiária, de projetos arquitetônicos salubres, de água potável, de energia
elétrica, de iluminação pública e de saneamento básico. Assim, o presente
texto destina-se a apresentar, a partir da serra, o patrimônio geológico
enquanto elemento chave da paisagem natural e sua devastação. Tendo como
recorte espacial, o distrito de (Farofas) empreende-se estudos que
dimensionam os cenários históricos e perspectivas educativas da mineração na
região desvelando seu perfil de máximo impacto sobre o meio. A urbanização e
a minerações impõe severos conflitos ao patrimônio geológico e a
biodiversidade, sendo emergencial estudos de requalificação ambiental para a
compreensão das dinâmicas de vertente, da hidrogeomorfologia e da
pedogeomorfologia. Esta região ao pés da serra conhecida como Nossa
Senhora da Paz, carece de medidas educativas que inibam as práticas ilegais
de parcelamento do solo, que descumprem a legislação e trazem impactos,
muitas vezes, irreversíveis. O trabalho fundamentou-se basicamente numa
revisão bibliográficas dos estudos já realizados na área em questão, com
ênfase na apropriação do espaços e suas mazelas.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

DOCUMENTAÇÂO QUE FUNDAMENTA OS ATRIBUTOS DE VALORES

Margit Arnold Fensterseifer (mafenste@ucs.br)

O objetivo desta pesquisa está na importância de levantamentos documentais


nas edificações históricas a preservar, pois estes dados irão fundamentar a
correta descrição dos atributos de valores. O conjunto de informações é
arrolado a partir de bibliografia existente, história oral e levantamentos técnicos
da edificação preenchendo assim de modo adequado as tabelas de valores
patrimoniais que constam em grande parte das fichas de inventário adotadas
pelos municípios. A partir desta valoração os conselhos municipais de
preservação de edificações históricas avaliam se é interessante preservar ou
não estes bens. Por isso, um preenchimento superficial desconhecendo a
documentação inerente pode acarretar na perda deste imóvel no espaço
urbano e consequente perda de uma possível identidade da comunidade a qual
este pertence. A fim de entender melhor estes atributos são, de forma
resumida, apresentadas as três metodologias de valoração: do autor Alois
Riegl, historiador de arte vienense, que em 1902 reorganizou a legislação de
conservação dos monumentos austríacos, descrevendo de forma pioneira os
primeiros indicativos de valoração, do autor J.N.B de Curtis, arquiteto
pesquisador que estabeleceu uma hierarquia de valores do patrimônio, e mais
recente da professora e Arquiteta portuguesa especializada em patrimônio
histórico Helena Barranha. que atualiza estes parâmetros facilitando
didaticamente sua aplicação. Após esta explanação teórica, são listadas as
maiores dificuldades que os pesquisadores encontram em tabular informações
somente assinalando as qualidades encontradas e de como o sistema atual
adotado suprime informações relevantes no processo inicial de inventário e
preservação. De forma conclusiva são indicadas algumas ações para a
melhoria do processo.
EIXO TEMÁTICO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA ARQUITETURA E URBANISMO.

DOCUMENTAÇÃO QUE FUNDAMENTA OS ATRIBUTOS DE


VALORES

FENSTERSEIFER, MARGIT A.

Universidade de Caxias do Sul. Coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo


Alameda João Dal Sasso, 800 - Universitário, Bento Gonçalves
mafenste@ucs.br

RESUMO
O objetivo desta pesquisa está na importância de levantamentos documentais nas edificações
históricas a preservar, pois estes dados irão fundamentar a correta descrição dos atributos de
valores. O conjunto de informações é arrolado a partir de bibliografia existente, história oral e
levantamentos técnicos da edificação preenchendo assim, de modo adequado, as tabelas de valores
patrimoniais que constam em grande parte das fichas de inventário adotadas pelos municípios. A
partir desta valoração, os conselhos municipais de preservação de edificações históricas avaliam se é
interessante preservar ou não estes bens. Por isso, um preenchimento superficial desconhecendo a
documentação inerente pode acarretar na perda deste imóvel no espaço urbano e consequente perda
de uma possível identidade da comunidade a qual este pertence. A fim de entender melhor estes
atributos são, de forma resumida, apresentadas as três metodologias de valoração: a do autor Alois
Riegl, historiador de arte vienense, que em 1902 reorganizou a legislação de conservação dos
monumentos austríacos, a do autor J.N.B de Curtis, arquiteto pesquisador que de forma precursora
estabeleceu uma hierarquia de valores do patrimônio e mais recente, a professora e arquiteta
portuguesa especializada em patrimônio histórico, Helena Barranha. que atualiza estes parâmetros
facilitando didaticamente sua aplicação. Após esta explanação teórica, são listadas as maiores
dificuldades que os pesquisadores encontram em tabular informações somente assinalando as
qualidades encontradas e de como o sistema atualmente adotado suprime informações relevantes no
processo inicial de inventário e preservação.

Palavras-chave: Levantamento Técnico; Atributos de valores.

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Os atributos de valores são tabulados para que os conselhos de patrimônio históricos
municipais e as comunidades possam avaliar, de modo criterioso, as edificações e sítios
históricos a preservar. Para que estas informações sejam preenchidas, é necessário um
levantamento documental consistente e a partir deste, poder avaliar com coerência a fim de
evitar as demolições, valorizando a história e o patrimônio imaterial presente na
materialidade.

Os autores mais utilizados para conceituar os valores são Alois Riegl (2016) que
redigiu caracteres iniciais de avaliação. Na sequência o autor Júlio Curtis (2003)
acrescentou modalidades que, atualmente, são as mais utilizadas nas ponderações.
Recentemente a professora Helena Barranha (2016) incluiu novas particularidades que
também determinam estes juízos. Serão pautadas as diferenças encontradas nos principais
conceitos. Em primeiro lugar para RIEGL (2016) os valores são divididos em memória e
atualidade. Inserido em memória estão os não intencionais (antiguidade e histórico) e o
intencional, quando um monumento é construído para perpetuar um momento ou em
personagem histórico. Já os de atualidade são divididos em valor de uso e valor de arte,
sendo que este pode ser subdividido em novidade e relativo a arte em si. Para CURTIS
(2003) assim como para BARRANHA (2016), os valores são atribuídos a edificações
“(estruturas físicas) núcleos urbanos (conjuntos de edificações) e paisagens as quais
determinado indivíduo, comunidade ou organização reconhece, num dado momento
histórico, interesse cultural e o civilizacional”, (BARRANHA, 2016, p.35) independente da
natureza dos valores que lhes são atribuídos.

A fim de aprofundar os conceitos, foi realizada uma análise crítica da tabela de


valoração que tem sido disponibilizada, com frequência, como modelo em inventários na
região de imigração italiana. O exemplo que servirá de base para a análise em questão, é
um documento resultante da pesquisa realizada pelo projeto Laços Patrimoniais do Museu
do Imigrante da cidade de Bento Gonçalves. Este projeto tem como objetivo inventariar
sítios e edificações históricas, que ainda não fazem parte do acervo municipal. A tabela da
edificação é alusiva à escola David Canabarro na comunidade de São Miguel, pertencente
ao município de Bento Gonçalves, RS. Os dados foram coletados durante o ano de 2020
pela acadêmica de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Carina
De Cesaro, que inclusive é moradora desta localidade. Esta fonte documental encontra-se
disponível no arquivo municipal e que na crítica deste artigo, entende-se que oculta muitas
informações para futuras pesquisas do acervo.

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Faz-se importante informar aqui uma história simplificada da escola. A primeira
construção escolar construída neste espaço era de madeira e era coberta por “scandoles”
(pequenas tábuas de madeira sobrepostas e pregadas umas às outras) e tinha como base
de ensino a língua italiana. A segunda a ser construída, também em madeira, foi
denominada Escola Municipal de Bento Gonçalves. Por fim foi edificada a atual, sendo de
alvenaria, chamada de Escola David Canabarro (CAPRARA; LUCHESE, 2001). Antes da
avaliação de valores, o inventário apresenta os itens de iconografia que representam
graficamente o imóvel, tanto em desenhos técnicos, como em fotografias do estado atual do
imóvel.

Para obter informações maiores, DE CESARO (2020) também procedeu a


entrevistas orais, pesquisas bibliográficas em literatura de historiadores locais e captou fotos
externas e internas de várias edificações que compõem todo o sítio histórico de São Miguel,
que pertence ao distrito de São Pedro, próximo aos Caminhos de Pedra, rota turística já
consolidada na cidade de Bento. A fim de compreender melhor as relações desta edificação,
principalmente da escola que não é mais utilizada, é interessante conhecer aspectos gerais
do local.

O distrito de São Pedro é composto por outras comunidades e que tem como
atividade econômica principal a agricultura, com predominância dos parreirais, no entanto
possui uma diversidade de outros afazeres que remontam do início da ocupação local, a
chegada dos imigrantes italianos na região no final do século XIX. O fato de estar próximo a
estradas de ligação com outras cidades foi o propulsor de atividades comerciais como
moinhos, pousadas de acolhimento aos viajantes e oferta de serviços, tais como: ferreiros,
carpinteiros, olarias e fábricas de ataúdes. Fazem parte do conjunto de edificações
residências e galpões agrícolas, um cemitério centenário, uma capela, um santuário e várias
moradias de madeira do início da imigração, ainda muito bem conservadas pelos
descendentes. Na paisagem rural ainda estão presentes as araucárias (árvore nativa do Sul
do país) e que foi utilizada em grande escala na construção das primeiras casas. Todas
estas informações auxiliaram na elaboração da ficha de inventário, que inclui a atribuição de
valor de todas as edificações significativas levantadas. No entanto, o material que fica
arquivado para o domínio público na prefeitura de Bento Gonçalves é somente o inventário.

Na atribuição de valores do projeto do museu do imigrante, um trabalho participativo,


foram compiladas as informações obtidas de valoração, a fim de padronizar todos os outros
inventários decorrentes dele. As tabelas apresentadas são compostas de itens assinaláveis,
no entanto, quando os valores desta tabela são marcados não é possível compreender

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todos os conceitos e características a ela associados. Por isso, partindo destes itens serão
detalhados os conceitos baseados nos três autores em que se baseiam os aspectos
selecionados: RIEGL (2016), CURTIS (2003) e BARRANHA (2016), assim como as
características da edificação ocultas nesta representação simplificada.

A imagem a seguir é parte do inventário, composto ainda por situação e localização


da edificação, breve histórico do contexto local, fotos atuais e históricas e iconografia. Esta
foi selecionada por ser foco desta análise de compilação de dados:

Figura 1 - Parte do Inventário da Escola David Canabarro. Comunidade de São Miguel - BG

Fonte: DE CESARO, 2020, p. 56.

O primeiro item é o Valor Cultural incluindo o Historiográfico, Bibliográfico e


Antiguidade. O patrimônio cultural, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) pode ser exemplificado como: “um conjunto de bens móveis e imóveis
existentes no País e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico” (IPHAN). O Valor Cultural para BARRANHA (2016),
compreende os conjuntos de características que são transmitidas pelo passado as
comunidades atuais, neste estão inclusas em especial as edificações públicas que
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representam e ainda hoje demonstram significados. Este é o caso da escola que auxiliou a
educação de vários moradores no século passado, mas que na atualidade está abandonada
e com riscos de degradação. Para RIEGL (2016) e BARRANHA (2016) o valor histórico
determina se a obra é um testemunho de época e que conserva em sua materialidade, os
saberes utilizados neste período. Para CURTIS (2003) é denominado de valor tradicional ou
evocativo, sendo referente a memória coletiva que este imóvel ou sítio histórico lembra.

A avaliação de antiguidade tem conceitos diferenciados para RIEGL (2016) e


CURTIS (2003). Para o primeiro autor, o padrão de antiguidade está ligado ao aspecto não
atual, portanto, não contemporâneo do objeto analisado, e que traz consigo as marcas
provocadas pelo tempo, nestas estão incluídas principalmente as ruínas. Já para o segundo
autor, é somente as construções realizadas até os anos de 1930, já que neste ano se
estabelecem os padrões de modernidade advindos da semana de arte moderna de 1922.
Portanto, este valor dúbio entre os dois autores precisa ser melhor esclarecido. A escola é
datada 1947 pela análise de CURTIS (2003) não seria considerada patrimônio, no entanto
passados mais de 60 anos desta construção, poderia ter a avaliação de antiguidade e
segundo RIEGL (2016), a edificação já traz marcas do tempo e de degradação decorrente
do abandono de uso do espaço. Este item não foi assinalado na tabela, até por ter conceitos
desencontrados. Abaixo, duas imagens que mostram como se encontra a edificação nos
dias atuais:

Figura 2 - Fachada Oeste e Sul

Fonte: DE CESARO, 2020

O valor bibliográfico não é mencionado diretamente por estes autores, mas faz parte
das diretrizes do IPHAN e indica se o bem já está registrado em algum livro tombo, que não
seria o caso desta edificação, pois ela não é tombada, porém recentemente foi inventariada

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a nível municipal. Por estes itens, relativos ao primeiro indicador que é valor cultural com
suas subdivisões, já é possível entender que simplesmente assinalar não específica as
características anteriormente citadas e que os dados ficam ocultos. Conclui-se também que
o valor de antiguidade talvez não se encaixe no título de valor cultural, já que, atualmente
uma edificação pode ter importância histórica e possuir apenas 10 anos de existência por
sua relevância em representar uma memória coletiva local.

O segundo critério é o Valor Cultural Identitário, conforme BARRANHA (2016) é


relativo a uma referência coletiva com valores significativos para a comunidade e que
possuem interesse de preservação histórica. Pode ser subdivido em caráter afetivo, quando
está diretamente ligado ao consciente coletivo e caráter locacional, quando se torna um
ponto de referência. No caso em análise, esta escola que era de ensino fundamental serviu
de espaço de aprendizado para a maioria dos moradores locais e seria interessante em uma
futura entrevista oral conhecer as ligações emotivas com a edificação. Quanto ao
referencial, a escola está localizada em um campo aberto às margens da principal via de
acesso a comunidade de São Miguel. RIEGL (2016) e CURTIS (2003) não incluem estes
parâmetros em suas teorias. Neste item poderia se acrescentar o valor de comemoração de
RIEGL (2016), pois quando a comunidade da época materializa um monumento (seja uma
escultura, uma capela, um símbolo) é porque tem o desejo de perpetuar uma memória
afetiva. A arquitetura vernacular pode ser inserida neste contexto identitário, pois expressa
aspectos diferenciados de uma comunidade que também se apropria de materiais regionais
para a construção de suas edificações. (BARRANHA, 2016)

Em terceiro lugar o Valor Paisagístico e de Paisagem Cultural é apresentado por


CURTIS (2003) com duas subdivisões de valor: ambiental e natural. O ambiental refere-se a
inclusão da edificação na paisagem local e que, se esta for suprimida irá alterar o perfil do
aglomerado urbano. Este valor se mescla com o locacional, pois na paisagem da
comunidade esta edificação é evidente e se conecta com o entorno de forma harmônica. O
natural é relativo as paisagens no entorno da edificação, nos visuais que se ampliam e que
tem um caráter de paisagem, bem como cultural, devido às colinas cobertas de centenários
parreirais. Para BARRANHA (2016) a paisagem expressa as relações do indivíduo com seu
território, que é geograficamente definido. As composições geradas com o homem versus
natureza é que diferenciam um sítio histórico de outro, então se definem como paisagem
cultural, que é um item não expresso na tabulação a ser analisada.

Em quarto lugar o Valor Morfológico arquitetônico pode ser igualado aos citados por
RIEGL (2016) como valor da atualidade subdividido em novidade ou valor de arte relativo. É

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possível determinar se é um ícone artístico ou caracteriza um estilo arquitetônico definido,
utilizado na época da construção. CURTIS descreve que possui este valor as edificações
que apresentam “qualidades diferenciadas em suas frontarias” (2003, p.334). Para
BARRANHA (2016) o valor arquitetônico não está somente na aparência, mas, na
composição de seus elementos como um produto único e que revela a sua época de
construção, o que poderia ser designado de valor técnico-construtivo. Na sequência,
também pelo mesmo autor, o arquitetônico está ligado ao fator de integridade. Este aspecto
é avaliado conforme a presença de todos os materiais que coexistem na obra expressando
e caracterizando uma tipologia arquitetônica.

Na observação da escola pode se perceber que existe uma composição simétrica de


elementos característica do ano (1947) em que foi construída, não é um ícone artístico, mas
poderia ser comparada a outras construídas na mesma época e que existem em outras
localidades do estado do Rio Grande do Sul. Esta recorrência regional ou raridade formal é
conceituada por CURTIS como “A edificação que foi produzida por uma manifestação de
cultura regional ou qualificada por formas plásticas de interesse visual, porém de ocorrência
rara.” (2003, p. 334). No entanto, as similaridades não determinam raridades formais, mas
podem haver recorrências, edificações com projetos, composição visual e estilos
padronizados que somente se diferenciam pelo entorno imediato e pela implantação no
terreno. Como subdivisão deste a raridade funcional é caracterizada por CURTIS (2003)
como sendo um imóvel que já não pode mais ser útil e que não consegue devido a suas
propriedades abrigar novos usos. Como exemplo, seriam os antigos moinhos para moagem
de trigo e milho, que com seus equipamentos ultrapassados e inadequados aos padrões
exigidos pela higiene, são impedidos de exercer suas atividades e acabam no máximo
servindo de museus.

Em quinto lugar o Valor de Raridade Formal, que tem as subdivisões de tradicional


evocativo (nesta crítica já incluso no valor histórico, portanto não estaria incluso nesta
modalidade), uso peculiar (também pode remeter a raridade funcional, também incluso em
outro parâmetro), acessibilidade com vistas a reciclagem (pode ser incluída em uma nova
modalidade que descreve a situação geral patológica do imóvel) e compatibilidade com a
estrutura urbana, segundo CURTIS, a edificação que “não colide com as diretrizes da
estrutura urbana, será mais valorizada” (2003, p. 335). No caso da escola, a edificação não
impede, por exemplo, um alargamento de via, pois as edificações lindeiras estão distantes
da via principal. Em alguns casos, as edificações trazem impasses urbanos, mas cabe aos
urbanistas estudar estratégias que conservem edificações históricas nos espaços densos
dos aglomerados urbanos.
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Antes de descrever o sexto aspecto, sobre o caráter legal, torna-se interessante
estudar os fatores de risco, que poderá incluir a situação geral da materialidade da
edificação no momento da pesquisa, assim como avaliar o nível de preservação em que
está se encontra, incluindo suas patologias e possibilidades de reciclagem.

O valor de risco ainda pode ser entendido como um acontecimento negativo sobre a
edificação e estes podem ser condicionados por forças físicas, criminosas, fogo, pestes e na
grande maioria com a água (a maior parte dos patrimônios é deteriorada pelas infiltrações,
seja por danos nos telhados, ou por capilaridade nas fundações). Também fazem parte dos
riscos ao patrimônio a incidência constante ou ausência (lado sul das edificações) de luz
solar. Podem também ocorrer eventos raros como vendavais, chuvas de pedra e alta
umidade do ar. Eventos comuns são relativos a patologias inerentes às instalações elétricas
e hidráulicas, com frequência sem manutenção e os processos cumulativos de riscos que
procedem da falta de conservação e cuidados com o patrimônio. (GONÇALVES; ROSADO
2015, apud DE CESARO, 2020). Atualmente, as edificações históricas presentes em
espaços urbanos correm riscos de desaparecimento (CURTIS, 2003) devido a especulação
imobiliária que ignora a memória coletiva em prol da pujança econômica.

CURTIS descreve em específico “Valor de acessibilidade com vistas à reciclagem”


(2003, p. 334) que demonstra o quanto este imóvel pode se integrar no contexto urbano, sua
capacidade de integração com a comunidade. Descreve que tem valor de conservação a
edificação que “Dispensa qualquer tipo de obra ou reparo de caráter urgente” (CURTIS,
2003, p.334). De modo contrário, também para o autor está o valor de risco ou
desaparecimento, “é considerado nesta situação aquele imóvel que se localiza em zona
onde permita substituí-lo por área construída e também se o mesmo se encontra depredado
ou carente de conservação” (CURTIS, 2003, p.334). Aqui entram os níveis de conservação
que avaliam o quanto é preciso intervir para reabilitar e restaurar a edificação, quanto mais
baixo o número, menor o índice de intervenções. BARRANHA lista várias ações que podem
ser enumeradas na documentação como estado de “conservação e manutenção, indicação
prévia de consolidação e estabilização, possibilidades de reabilitação, renovação e
revitalização (incluindo sugestões de novos usos compatíveis com o cotidiano atual),
viabilidades de restauro, reconstrução ou anastilose” (2016, p.76-90). No caso da escola, o
ideal é que juntamente com esta tabulação fossem anexadas fichas prévias de patologias
observadas na época do levantamento documental, pois corrobora a escolha do nível
necessário (na figura 1, observam-se alguns itens de degradação nas alvenarias). Da
mesma forma como os outros itens e de modo mais complexo (documentação adequada),
indicar (em fotos ilustrativas) o estado de conservação do imóvel.
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Retornando ao sexto item que é o Valor de Proteção Legal, ou salvaguarda,
conforme caracteriza BARRANHA (2016), é o início do processo de preservação, pois esta
parte do empenho coletivo em proteger os patrimônios materiais e imateriais intrínsecos a
memória e identidade local. A proteção legal tem quatro níveis de abrangência iniciando
pelo poder municipal, estadual, nacional e internacional através do aval da UNESCO (United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). No entanto, para que este
processo seja possível, são necessários inventários com documentação coerente e
autêntica, que servirá como fundamento para os procedimentos de elaboração das leis de
salvaguarda. No caso da escola este inventário já está inserido no arquivo municipal e a
edificação já é considerada inventariada, portanto, protegida parcialmente e requer a
aprovação dos setores responsáveis para qualquer intervenção que ali for pretendida.

A palavra autenticidade encerra esta explanação geral da tabulação de valores.


BARRANHA cita o significado de autêntico elaborado pelo ICOMOS (Conselho Internacional
dos Monumentos e Sítios) “Autêntico é o que é verdadeiro, o que é dado como certo, sobre
o qual não há dúvidas” (2016, p.47). Este conceito acentua a ideia de que mesmo as
entrevistas orais e a documentação que foi necessária para descrever a escola precisam ser
verdadeiras e, portanto, assinadas pelos pesquisadores e entrevistados. Embora se saiba
que a história pode ser a cada dia questionada, quando se encontra uma nova fonte de
informações. Salienta-se a importâncias das atuais redes de comunicação para auxiliar na
composição de dados a serem levantados e posteriormente documentados.

A fim de propor um novo modelo de apresentação da documentação de atributos de


valores, este artigo selecionará um novo agrupamento de características. No entanto, estas
devem ser descritas o mais próximo da autenticidade pelo pesquisador para que não haja
dúvidas nas futuras averiguações do material, seja para conhecimento histórico ou para
intervenções arquitetônicas nos imóveis. Os dados serão preenchidos com base em fontes
bibliográficas referentes ao imóvel ou conjunto histórico, ou jardim histórico, fotos atuais e
históricas (apropriando-se de interpretação de imagens), correspondências e documentos
legais como escrituras e testamentos, iconografia histórica se houver (projetos
arquitetônicos existentes) e entrevistas orais com moradores elaborada e trabalhada em
metodologia específica.

O critério desta seleção é baseado na análise anterior e leva em consideração os


aspectos históricos e afetivos, incluindo a imaterialidade, morfologia, aspectos referentes à
conservação e preservação com fins de restauro. Por isso, faz se importante trabalhar uma
divisão mais coerente onde aspectos imateriais sejam separados dos materiais, assim como

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as relações significativas com o entorno. A proposta exclui opções de assinalar e tem
preferência a que as respostas sejam descritas de forma objetiva facilitando a compreensão
do material documental a ser gerado. No entanto, as palavras chaves secundárias estarão
presentes orientando o processo de preenchimento. Com este intuito é apresentada a tabela
a seguir:

Tabela 1 – Proposta para atribuição de valores

Valor Subdivisão Por que?


1) Valor Cultural - Imaterial a) Histórico, tradicional e evocativo:
b) Identitário, memória coletiva:
c) Bibliográfico:
d) Afetivo:
e) Locacional:
2) Valor Ambiental - a) Ambiental:
Paisagístico Urbano b) Natural:
c) Tipo de implantação no local:
d) Aspectos Geográficos:
e) Relações com entorno:
f) Compatibilidade com a estrutura urbana:
3) Valor Morfológico - a) Estilo ou Artístico:
Material b) Técnicas construtivas:
c) Recorrência Regional:
d) Raridade formal:
e) Composição de elementos
arquitetônicos:
f) Recorrência Regional (exemplos):
g) Raridade formal:
h) Raridade funcional:
4) Valor de Conservação a) Integralidade:
b) Fatores de Risco:
c) Patologias (anexo com mapeamento
destas):
d) Nível de conservação de 1 (pouca
intervenção) a 4 (muita intervenção):
e) Possibilidade de reciclagem e
adaptação ao uso atual:
f) Necessidade de consolidação e
viabilidades de restauro:
5) Valor Legal a) Municipal (especificar se inventariado ou
tombado, anexando documentação):
b) Estadual (também especificar):
c) Nacional (também especificar):
e) Mundial:
Fonte: A autora, 2021

CONCLUSÕES

Os itens acima listados e conclusivos a este artigo necessitam ser experimentados


para que possam comprovar a sua eficácia. Para tanto serão utilizadas pesquisas com
alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul – Campus
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Universitário da Região dos Vinhedos. Durante o preenchimento serão acompanhados, de
modo a que se perceba as dificuldades e facilidades encontradas no método. O projeto
“Laços Patrimoniais” do museu de Bento Gonçalves também dará continuidade aos
trabalhos de inventário de outros sítios históricos da cidade de Bento Gonçalves. Para tanto,
a disponibilidade desta proposta de valoração poderá aprofundar os levantamentos
documentais e técnicos para as próximas etapas de pesquisa. Na primeira fase do projeto,
também foram levantados dados sobre a Linha Eulália e Linha Paulina que pertencem ao
distrito de Faria Lemos e o distrito de Tuiuti, respectivamente, bem como dos bairros
urbanos de São Roque e Cidade Alta. Além dos inventários, (chamados de colaborativos,
pois tem a participação das comunidades na história e na memória coletiva), o projeto tem
como objetivo a educação patrimonial a nível de ensino médio e fundamental.

É importante também ressaltar que a forma organizada e descritiva dos atributos de


valores, ajuda os membros dos Conselhos de preservação municipais a tomarem decisões
assertivas para manter ou permitir a demolição edificações históricas. Portanto, se estes
dados estiverem mais detalhados e claros torna-se mais fácil o entendimento do valor real
de cada imóvel ou sítio histórico.

No entanto, é preciso orientar os pesquisadores e estagiários a buscarem fontes de


documentação coerentes e confiáveis, assim como a realizarem entrevistas orais que
também auxiliem na preservação do patrimônio estudado. Já que os dados são essenciais
para proceder a um inventário que informe, e não apenas sinalize características sem o
aprofundamento necessário, tendo em vista que o modo que a representação usual perde
características e diferenciais dos nossos patrimônios a serem preservados. Os arquitetos e
urbanistas em trabalho multidisciplinar com historiadores, sociólogos e comunidade podem
gerenciar de forma representativa e coerente os dados levantados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRANHA, Helena (org.). Património Cultural: conceitos e critérios fundamentais.


Portugal, Lisboa: IST Press e ICOMOS - Portugal, 2016.

CAPRARA, Bernardete S.; LUCHESE, Terciane Ângela. Bento Gonçalves: história e


memória: distrito de São Pedro. Bento Gonçalves, RS: Fundação Casa das Artes, 2001.

CURTIS, Júlio Nicolau Barros de. Vivências com a arquitetura tradicional do Brasil.
Porto Alegre: Ritter dos Reis, 2003.

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DE CESARO, Carina. Levantamento do Patrimônio Cultural pelo projeto Laços
Patrimoniais na comunidade de São Miguel Bento Gonçalves. 2020. Relatório de
estágio obrigatório – Campus Universitário da Região dos Vinhedos, Universidade de Caxias
do Sul, Caxias do Sul.

IPHAN, Bens Tombados. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126.>


Acesso em: 20 de out. de 2020.

RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos e outros ensaios estéticos. 2 ed. São
Paulo: Grupo Almedina, 2016.

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O PATRIMÔNIO NATURAL ENQUANTO ELEMENTO CHAVE DA
PAISAGEM: cenários históricos e perspectivas urbanísticas na
região minerária da Serra das Farofas, Igarapé/São Joaquim de
Bicas (MG)
ANDRADE, Vagner Luciano de (1);

1. Rede Ação Ambiental, Programa Agente Ambientais em Ação.


Rua Vinte e Seis, 85, Zona Rural – Bela Vista (CEP 32.421-020)
Ibirité - MG. E-mail: reacao@yahoo.com
RESUMO
A Serra das Farofas, São Joaquim de Bicas (MG) apresenta especificidades no que
se refere à temática das dinâmicas de vertente, com processos erosivos
ameaçando seus fragmentados acervos naturais, representando a ausência de
cuidados da prática minerária para com o meio ambiente, para com as
comunidades urbanas limítrofes às áreas de exploração. A remoção da cobertura
vegetal e intensificação da erosão é apenas a base de problemas mais complexos
de desconstrução de memórias coletivas, de narrativas ecológicas, do patrimônio
cultural. Em meio a este cenário degradante, por sua vez, proliferam-se os
loteamentos clandestinos, que devastam mais ainda o meio natural. Os moradores
destes espaços carecem de regularização fundiária, de projetos arquitetônicos
salubres, de água potável, de energia elétrica, de iluminação pública e de
saneamento básico. Assim, o presente texto destina-se a apresentar, a partir da
serra, o patrimônio geológico enquanto elemento chave da paisagem natural e sua
devastação. Tendo como recorte espacial, o distrito de (Farofas) empreende-se
estudos que dimensionam os cenários históricos e perspectivas educativas da
mineração na região desvelando seu perfil de máximo impacto sobre o meio. A
urbanização e a minerações impõe severos conflitos ao patrimônio geológico e a
biodiversidade, sendo emergencial estudos de requalificação ambiental para a
compreensão das dinâmicas de vertente, da hidrogeomorfologia e da
pedogeomorfologia. Esta região ao pés da serra conhecida como Nossa Senhora
da Paz, carece de medidas educativas que inibam as práticas ilegais de
parcelamento do solo, que descumprem a legislação e trazem impactos, muitas
vezes, irreversíveis. O trabalho fundamentou-se basicamente numa revisão
bibliográficas dos estudos já realizados na área em questão, com ênfase na
apropriação do espaços e suas mazelas.

Palavras chave: Mineração, Impactos, Patrimônio, Paisagem, Urbanização.

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
INTRODUÇÃO

Em 1880, o povoado São Joaquim de Bicas ganhou um Cartório de


Registros e elevou sua condição a Distrito de Pará de Minas. Nesse momento, o
arcebispo de Mariana, instituiu a paróquia de São Joaquim, outorgando mais
autonomia religiosa à localidade e seu entorno. O cartório, no entanto, acabou
sendo realocado para o Barreiro (atual Igarapé) por divergências políticas. Para
impedir qualquer tipo de protesto, a mudança ocorreu ao anoitecer. Isso fez com
que São Joaquim de Bicas fosse rebaixada à qualidade de povoação, contudo
ainda era a sede da paróquia vinculada à São Joaquim e Sant’Ana. Em 1928, a
EFCB - Estrada de Ferro Central do Brasil, construiu às margens do Rio Paraopeba,
a estação Fecho do Funil (Quadro I). Sua origem se deve, à existência de riquezas
minerais, conforme descreve o Portal Metropolitano da RMBH (2021, p. 143):
O trecho do vetor oeste da RMBH onde se localiza São Joaquim de Bicas
é marcado pela existência de jazidas de 10 substâncias principais: ferro,
minério de ferro, filito, areia, minério de ouro, ouro, água mineral, granito,
quartzito e argila. Conforme verificado na figura a seguir, a partir dos
polígonos cadastrados no DNPM percebe-se uma concentração de
jazidas de minério de ferro nas porções central e sul, permeadas por
jazidas de filitos e quartzitos. Mais ao norte, na divisa entre Betim e São
Joaquim de Bicas, é notada a presença de ouro, minério de ouro e areias,
situadas nas proximidades da calha do Rio Paraopeba. É importante
destacar que, nesses polígonos delimitados pelo DNPM, constam todos
os regimes previstos no Regulamento do Código da Mineração
(autorização, concessão, licenciamento, matrícula e monopólio), bem
como as atividades de pesquisa e lavra (BRASIL, 1968). Isso implica que
tais polígonos não são constituídos, exclusivamente, por áreas de
extração de minérios, mas sim por delimitações ligadas às diferentes
etapas que compõem a produção minerária.

Quadro I - Diretrizes Urbanísticas do município de São Joaquim de Bicas


Nome Potencial Cultural – Principais Elementos: Bens Materiais,
Diretrizes Específicas Imateriais, Naturais e Arqueológicos,
protegidos ou passíveis de proteção através
de inventário, registro, tombamento ou
outras formas de acautelamento
ZDE – TVA Patrimônio material, paisagem Bens materiais: − Capela de Santana Capela
– CULT – urbana e natural, ambiência, Inventário − Conjunto da Estação Ferroviária -
Fecho do recursos hídricos, implantação Tombamento Municipal − Edificação -
Funi de estruturas de suporte ao Residência Edificação - R. Antônio Souza
lazer e turismo. Área para Nosqueses − Edificação -Comércio - R. Antônio
requalificação urbanística. Souza Nosqueses, s/n° - Inventário − Residência
Requalificação artística e Edificação - R. Antônio Souza Nosqueses, 80 -
arquitetônica e realização de Inventário − Ponte Pênsil – Inventário Bens
obras de engenharia de bens naturais: − Conjunto Natural e Paisagístico -
culturais, quando necessário.

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Revitalização do Conjunto Serra da Farofa − Rio Paraopeba – margens e
Urbano da Estação Ferroviária. corpo hídrico.
Fonte:
https://www.saojoaquimdebicas.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/8__PLANO_DIRETOR_LEI_COMPL
EMENTAR_N59_20_12_2019?cdLocal=2&arquivo=%7BB6C73ACC-42A5-45EA-DDC1-
126B1D2AA6A7%7D.pdf

A igreja de madeira acabou por se tornar pequena diante do crescente


aumento de devotados. A edificação de uma nova precisava da bênção da pedra
fundamental por uma autoridade eclesiástica. A mobilização do povoado,
concretizou várias peregrinações até a Diocese, em Mariana, com intuito de solicitar
ao bispo, fato que produziu frutos e a bênção foi outorgada. Outras comunidades
nas adjacências tinham a vontade de erguer uma igreja que fosse sede de uma
paróquia, em especial a Comunidade do Barreiro. A partir desta época, a localidade
se consolida, tendo como eixo principal modos produtivos agrosilvipastoris. A
Agência Metropolitana (2021, p. 59) aponta que:
A inserção da produção agrícola na mancha urbana do município de São
Joaquim de Bicas e ao longo dos cursos d'água é notória, e atualmente
identifica-se impactos negativos devido a produção ser principalmente
convencional com uso intensivo e inadequado de agrotóxicos. Para além,
foi apontado no município conflitos com a mineração na porção sul, devido
ao risco da qualidade dos recursos hídricos. Em contraposição se destaca
no município projetos e entidades que atuam em prol do desenvolvimento
ambiental local, sendo alguns deles: projeto de recuperação e
manutenção dos cursos d’água, Centro de Reciclagem e a experiência de
manejo dos resíduos sólidos e práticas de compostagem; Centro de
Referência Ambiental e Cultural João Amazonas com produção de mudas
e ações sustentáveis; Barracão do Produtor, e seu potencial para a
distribuição local da produção. Por fim, aponta-se a necessidade de
reflexão sobre os impactos dos limites da zona rural e urbana nas
unidades agrícolas próximas e inseridas no perímetro urbano, além de ser
importante o incentivo a transição agroecológica das unidades produtivas,
principalmente daquelas localizadas no entorno dos cursos d'água e
próximas ou inseridas na mancha urbana.

Os habitantes levantaram a nova igreja, cravando a pedra fundamental


debaixo do altar e repararam a velha capela de madeira, mas a praça somente
recebeu bancos e jardins em 1966. Durante a técnica de mineração rudimentar no
leito do Rio Paraopeba, os cascalhos eram lavados com jatos de água em locais
denominados e conhecidos como bicas. Esse episódio acabou por transformar a
denominação do povoado para São Joaquim de Bicas (Figura 1), como conservado
presentemente. Os eixos integradores que determinam políticas públicas no
Município são:

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
I - Acessibilidade, que diz respeito à ampliação das condições e
meios de acesso a uma variedade de serviços, equipamentos e às
centralidades em prol de melhorias em vários aspectos, que vão desde
deslocamentos no território municipal e metropolitano até a
disponibilidade das tecnologias da informação, incluindo a moradia digna
e serviços de saúde e assistência social;
II - Seguridade, que compreende melhorias na segurança pública,
na gestão de riscos ambientais e de mudanças climáticas, na promoção
da segurança alimentar e nutricional e apoio à transição agroecológica, na
formação e qualificação profissional e no apoio à produção em pequena
escala;
III - Sustentabilidade, que diz respeito ao desenvolvimento
sustentável como um todo, abrangendo, a proteção e recuperação de
recursos hídricos, a gestão de resíduos sólidos, a universalização do
saneamento básico, a recuperação dos territórios minerários e das áreas
de interesse para a conservação ambiental e a compensação e valoração
de serviços ambientais, buscando o equilíbrio entre conservação,
desenvolvimento econômico e social; IV - Urbanidade, que consiste na
democratização dos espaços públicos, na gestão da paisagem e
valorização da diversidade cultural, na gestão territorial da educação e
cultura, na promoção de atividades culturais e criativas e no financiamento
da cultura.

Figura 1 - Vista de São Joaquim de Bicas, com Serra das Farofas ao fundo
Fonte: https://valedoparaopeba.com.br/sao-joaquim-de-bicas-completa-25-anos-de-
emancipacao/

Neste período, logo após perder o cartório de registros para o Barreiro


(Igarapé) e ser rebaixado à qualidade de povoado em 1931, que a agropecuária e
a mineração passam a dominar a paisagem local, na Serra da Bucaina ou Serra
das Farofas (Quadro II), tanto na vertente de Brumadinho, como na vertente de
Bicas. Murta Filho (2018, p. 77-78) descreve que:
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a linha da Serra das Farofas volta-se para Sudoeste, expondo seus
flancos para Sudeste (Brumadinho) e para Noroeste (São Joaquim de
Bicas), agrupavam-se as seguintes jazidas (BRUMADINHO, 2003):
a) Jazida do Saraiva: situada no flanco noroeste da serra, hoje território
do município de São Joaquim de Bicas. Concessão e explotação iniciais
da Empresa Minas de Ferro S/A, fundada pelo Coronel Souza Aguiar.
b) Jazida de Souza Noschese: situada no flanco sudeste da Serra, hoje
território do Município de Brumadinho. Inicialmente concessão da
Sociedade Anônima Comércio e Indústria Souza Noschese, possuidora
de uma gleba com área de 80 (oitenta) alqueires que se estendia desde a
crist da Serra das Farofas até o Rio Paraopeba e em seu interior se
localizava a jazida. A empresa pretendia implantar um alto forno na região,
havendo construído as primeiras casas na Estação de Souza Noschese,
que na realidade era uma “parada de trens” (inaugurada em 1952).
Desistiu, porém, do intento após a Revolução de 1932, passando então a
extrair pequenas quantidades de canga, que eram remetidas a São Paulo
e utilizadas em uma fundição do Grupo.
c) Jazida do Candu: também no flanco sudeste da Serra das Farofas,
contígua à jazida de Souza Noschese (atualmente Município de
Brumadinho), em terrenos de Josias Nogueira Machado. A sua explotação
coube, inicialmente, a Horácio Azevedo Gontijo, transferindo-se, a partir
de 1942, à Mineração Geral do Brasil (Grupo Jaffer). Esta empresa alugou
da Comércio e Indústria Souza Noschese as casas construídas junto à
Estação e ampliou a plataforma ferroviária de embarque de minérios.
Também edificou uma série de moradias para operários, inclusive no
interior da Gleba Candu, local que passou a ser conhecido por
Acampamento da Geral.
d) Jazida do Inhotim: situada na vertente sudeste da Serra das Farofas
(Município de Brumadinho), mas já na vertente do córrego Inhotim,
enquanto que as duas anteriores pertenciam à Bacia do córrego hoje
conhecido por “Córrego Esperança”. Constituía concessão de José
Pacífico Homem, sócio-fundador da Companhia de Mineração Minas do
Paraopeba S/A (MIPASA). Pacífico construiu, na localidade de Inhotim,
um ramal ferroviário com 1,0 km de extensão, de onde embarcava o
minério extraído.

Quadro II - Diretrizes Urbanísticas de São Joaquim de Bicas


Nome Potencial Cultural – Principais Elementos: Bens Materiais,
Diretrizes Específicas Imateriais, Naturais e Arqueológicos,
protegidos ou passíveis de proteção através
de inventário, registro, tombamento ou
outras formas de acautelamento
ZDE – TVA Patrimônio material, paisagem Bens materiais: − Igreja de Nossa Senhora da
– CULT – urbana e natural, ambiência, Paz - Inventário − Capela Nossa Senhora da Paz
Nossa instalação de equipamentos Capela - Inventário − Escola Municipal de Nossa
Senhora da culturais e espaços de fruição Senhora da Paz - Inventário − Residência à P.
Paz - da cultura. Implantação de Joaquim Saraiva 160 - Inventário − Cruzeiro -
Farofas estruturas de suporte ao lazer e Praça São Lourenço – Monumento - Inventário −
turismo. Área para Cruzeiro - Praça Antônio Pio – Monumento -
requalificação urbanística. Inventário − Chácara Amoreira - Rua Principal,
Requalificação artística e 581 - Inventário − Residência - Rua Divino, 20
arquitetônica e realização de Inventário − Igreja São Bento - Rua Principal
obras de engenharia de bens Inventário − Residência- Rua Principal, 66
culturais ou de estruturas que Inventário − Cruzeiro- Rua Principal
dão suporte às atividades Inventário − Outras edificações de valor
culturais quando necessário. histórico-cultural Bens imateriais: − Folia de Reis
Inventário − Festa Nossa Senhora da Paz
Capela – Inventário Bens naturais: − Conjunto

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Natural e Paisagístico Conjunto Natural - Serra
da Farofa Saberes e ofícios: − Culinária – feitura
da Farofa
Fonte:
https://www.saojoaquimdebicas.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/8__PLANO_DIRETOR_LEI_COMPL
EMENTAR_N59_20_12_2019?cdLocal=2&arquivo=%7BB6C73ACC-42A5-45EA-DDC1-
126B1D2AA6A7%7D.pdf

ÁREA DE ESTUDO

São Joaquim de Bicas voltou a ser elevada com um novo cartório em 1953
e os dois distritos passaram a pertencer a Mateus Leme, e não mais a Pará de
Minas. Com a instituição do município de Igarapé em 1962, implantado em março
de 1963, São Joaquim de Bicas passa a agregar-se ao território da nova
municipalidade até sua efetiva emancipação em meados da década de 1990. A
Agência Metropolitana (2021, p. 57) acrescenta que:
A análise também revelou uma expressiva dinâmica de crescimento
informal, a fragmentação da ocupação e a presença extensiva de vazios
internos ao perímetro urbano, bem como a ausência de uma política de
regularização fundiária no município, além de problemas na qualidade e
inserção urbana das unidades habitacionais de interesse social
produzidas recentemente. As tipologias populares de uso e ocupação do
solo identificadas no município representam grande parte de sua mancha
urbana e os problemas no acesso à infraestrutura urbana se mostraram
significativos com focos de precariedade dispersos por todo o território
municipal (apontando para a necessidade de revisão das áreas
demarcadas como AEIS à luz das ocupações frágeis mapeadas).

Em 1995, São Joaquim de Bicas passa a ser oficialmente um município


brasileiro, pertencente ao estado de Minas Gerais. Quando ao povoamento da
região iniciou-se após a data em que foi erguida uma capelinha, na qual colocaram
sobre o altar, uma imagem de São Joaquim. A imagem, e a vegetação, definiram o
primeiro nome dado à região, São Joaquim do Campo Verde. Para a Agência
Metropolitana (2021, p. 54):
São Joaquim de Bicas possui uma população de 29.674 habitantes,
segundo estimativas do IBGE para o ano de 2016, sendo que o município
é predominantemente urbano (72,8%). São Joaquim de Bicas vem
experimentando um contínuo processo de crescimento demográfico
acima da média metropolitana. Ainda que o município tenha apresentado
melhorias significativas nos indicadores sociais e de desenvolvimento
humano, em 2010, ainda havia 33% da população em situação de
vulnerabilidade à pobreza, com um rendimento

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Atualmente sua população estimada de 25.619 habitantes, sendo pertence
à Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apresenta várias jazidas de minérios de
ferro estão em operação e descaracterizam continuamente as paisagens naturais
e culturais adjacentes. A municipalidade se estrutura em dois distritos, Nossa
Senhora da Paz (Figura 2), conhecida popularmente como Farofas e a Sede
Municipal. O Plano Metropolitano da RMBH (2021, p 133) afirma que:
Dentre os produtos comercializados, chuchu, tomate, abobrinha e
banana se destacaram como os principais produtos, considerando a
quantidade dos produtos fornecidos pelo município à CEASAMINAS/BH.
O município é destaque no fornecimento de taioba, couve, mostarda e
maria-nica, no qual é responsável por uma grande parcela de
comercialização para a Central, em relação a todos os outros
fornecedores do estado e do país. Segundo dados da Safra Agrícola
Municipal de 2015, disponibilizados pela Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural do Estado Minas Gerais - Emater/MG, o município de
São Joaquim de Bicas produziu Milho, Banana, Pepino, Abóbora, Brócolis,
Cebolinha, Salsa, Agrião, Mostarda, Acelga, Abobrinha, Repolho,
Almeirão, Quiabo, Alface, Mandioca Mesa, Tomate Mesa, Couve-de-folha
e Chuchu, totalizando 164,50 hectares de área produtiva25. A produção
estimada foi de 7.035,50 toneladas, sendo que 4.557,60 toneladas advêm
de agricultores familiares, correspondendo a 64,78% da produção.

Figura 2 - Paisagem do Distrito de Nossa Senhora da Paz, aos pés da Serra das Farofas

Fonte: https://www.minasgerais.com.br/pt/destinos/sao-joaquim-de-bicas

A área de estudos compreende a Serra da Bucaina ou Serra das Farofas,


entre as localidades de Fecho do Funil, Inhotim, Nossa Senhora da Paz e Sousa
Noschese. O perímetro da serra encontra-se entre o Rio Paraopeba e a Rodovia
Fernão Dias / BR-381. A Serra da Bucaina ou Serra das Farofas, inserida aos
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fundos de Inhotim na divisa de Brumadinho com Igarapé e São Joaquim de Bicas
(Quadro III), por sua vez apresenta tradicionalmente, os mesmos cenários
degradantes do passado, impostos aos recortes espaciais do Quadrilátero Ferrífero
(Figura 3). Machado (2012, p. 41) relembra que:
Enfocada sob o ângulo da Geografia, a paisagem constitui tema central
para compreender os diferentes aspectos da organização espacial: os
aspectos físicos formam os quadros naturais aos quais os grupos
humanos imprimem transformações maiores ou menores, segundo o grau
de tecnologia alcançada e os valores atribuídos a eles. As paisagens
geográficas, tanto as naturais, como as humanizadas, diversificam e
homogeneízam a superfície terrestre, surgindo assim, os mais variados
tipos.

Figura 3 - Mapa do Quadrilátero Ferrífero onde observa-se ao oeste, a área estudada

Fonte: http://recursomineralmg.codemge.com.br/substancias-minerais/ferro/#o-
quadril%C3%A1tero-ferr%C3%ADfero

Quadro III - Diretrizes Urbanísticas de São Joaquim de Bicas


Nome Potencial Cultural – Principais Elementos: Bens Materiais,
Diretrizes Específicas Imateriais, Naturais e Arqueológicos,
protegidos ou passíveis de proteção através
de inventário, registro, tombamento ou
outras formas de acautelamento
ZDE – Paisagem natural, Bens naturais: − Conjunto natural e
TVA – ambiência, recursos paisagístico da Serra da Farofa - inserido na
CULT – hídricos, implantação de Serra da Farofa, que por sua vez faz parte
Serra da equipamentos de suporte ao da Área de Proteção Ambiental da Serra da
Farofa lazer e turismo. Farofa – APA Serra da Farofa. Serra da
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Desenvolvimento de farofa - constituída apenas por rochas do
circuitos turísticos. Supergrupo Minas que ocorre sobre o
Perímetro prioritário para Supergrupo Rio das Velhas em nítido
preservação ambiental e da contato discordante e representado pelos
paisagem natural e Grupos Itabira, Piracicaba e SabaráD -
desenvolvimento do apresenta a sequência estratigráfica
turismo. Definição de invertida, mostrando os xistos e filitos do
perímetro de proteção de Grupo SabaráD, recobertas pelos filitos e
acordo com a delimitação da quartzitos do Grupo Piracicaba - região onde
ZDE-TVA-CULT ou há o predomínio da Mata Atlântica,
legalmente instituída complexo de ecossistemas de grande
previamente. importância biológica que atualmente é
extremamente heterogêneo em sua
distribuição e devido ao intenso
desmatamento, dificulta a definição clara
dos limites biogeográficos das
fitofisionomias nas regiões de contato com
outros biomas como o Cerrado e Caatinga.
Fonte:
https://www.saojoaquimdebicas.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/8__PLANO_DIRETOR_LEI_COMPL
EMENTAR_N59_20_12_2019?cdLocal=2&arquivo=%7BB6C73ACC-42A5-45EA-DDC1-
126B1D2AA6A7%7D.pdf

A população gira em torno de 25.619 habitantes (IBGE, 2010) distribuídas


numa área de 71,557 km2. A altitude é 755 metros e a municipalidade encontra-se
entre a latitude 20:02:575 e a longitude 44:18:26w. O clima é o tropical de altitude,
o relevo montanhoso e o bioma caracteriza-se pela transição entre mata atlântica
e cerrado. A cidade São Joaquim de Bicas se desdobra em mais de 50 Bairros,
entre regularizados e clandestinos (em regularização): Alvorada Industrial, Avente,
Bandeirantes, Belo Vale, Bicas Velhas, Boa Esperança, Campina Verde, Campo
Belo, Campos do Além, Campos São Joaquim, Canadá, Centro, Chácaras do Baú,
Distrito Industrial, Estância do Paraopeba, Estância Serra Verde, Farofão, Farofas,
Fazenda da Mata, Fecho do Funil, Flor de Minas, Granja Fernão Dias, Grota,
Guarani, Itatiaia, Jardim Vila Rica, Maracanã Comercial, Maracanã Industrial,
Marquês Industrial, Monte Alegre, Nazaré, Nossa Senhora da Paz, Padre Vitor,
Pedra Branca, Pescadores, Planalto, Pousada das Rosas, Pouso Alegre,
Primavera, Progresso, Recanto das Flores, Recanto do Sol, Recreio do Lago,
Residencial Casa Grande, Retiro da Mata, Retiro do Moinho, Santa Rita, São José,
Tereza Cristina, Tiradentes, Tupanuara, Vale do Sol, Vila Rica, Vila Verde e Zona
Rural. Além disso, o município abriga uma terra indígena e um acampamento do
MST.

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Art 8º. A Trama Verde e Azul é um projeto de estruturação do território
correspondente à integração dos elementos naturais, urbanos e rurais, em
todo o território municipal e da RMBH e que relaciona as dimensões
estruturantes e os eixos integradores para o cumprimento das funções
sociais da cidade e função social da propriedade.
Art 9º. São diretrizes para as políticas e ações da Trama Verde e Azul:
I - Promover a proteção e recuperação dos cursos d'águas, das áreas de
preservação permanente e das áreas livres com cobertura vegetal nativa
ou cultivadas;
II - Proteger a produção agrícola, em especial aquela realizada em
pequena escala ou oriunda de agricultura familiar;
III - Fomentar a produção agroecológica e os processos de transição dos
modelos agrícolas convencionais para bases agroecológicas;
IV - Proteger e valorizar o patrimônio cultural, natural, arqueológico,
paisagístico e as áreas de manifestações e presença de bens culturais;
V - Viabilizar usos recreativos diversificados no território municipal,
valorizando seus atributos ambientais;
VI - Promover a criação de circuitos de mobilidade ativa;
VII - Estimular o turismo ecológico, rural e cultural;
VIII - Minimizar os riscos ambientais;
IX - Viabilizar o acesso livre da população às áreas de interesse ambiental
e social do município como os rios, suas margens, mirantes, lagoas entre
outras.
Art. 10º. Para o desenvolvimento da Trama Verde e Azul e demais
políticas, diretrizes e programas previstos nesta Lei, considera-se:
I - Agricultura Familiar: a produção realizada por agricultores familiares,
de acordo com a definição da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de
2006 – Política Nacional de Agricultura Familiar;
II - Agricultura Urbana: a produção, a transformação e a prestação de
serviços agrícolas em área urbana;
III - Agroecologia: um conjunto de princípios que guiam a atividade
agropecuária rumo à construção de sistemas agroalimentares saudáveis
e sustentáveis, incorporando a produção, distribuição e consumo de
produtos agrícolas e pecuários, e todas as dimensões a eles relacionadas
- social, ambiental e econômico, de acordo com a definição do Decreto
Federal nº 7.794, de 20 de agosto de 2012, sendo seus princípios:
a) Integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da
biodiversidade e dos demais recursos naturais;
b) Desenvolvimento sustentável;
c) Manejos e práticas ecologicamente sustentáveis;
d) Uso de tecnologias ambientalmente seguras, de acordo com os
princípios, as diretrizes e as normas da agroecologia e da agricultura
orgânica;
e) Participação e protagonismo social;
f) Preservação ecológica com inclusão social;
g) Soberania e segurança alimentar e nutricional;
h) Equidade socioeconômica, étnica e de gênero;
i) Diversidade agrícola, biológica, territorial, paisagística e cultural;
j) Reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais;
k) Promoção da agrobiodiversidade;
IV - Transição Agroecológica: o processo gradual e orientado, de mudança
de práticas e de manejo de ecossistemas convencionais, por meio da
transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos
recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem
princípios da Agroecologia, de acordo com a definição do Decreto Federal
nº 7.794, de 20 de agosto de 2012;
V - Sistema Participativo de Garantia: as certificações locais compostas
pelo conjunto de fornecedores ou colaboradores e por um organismo

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
participativo de avaliação conforme o princípios desta Lei e do Decreto
Federal nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007.

METODOLOGIA

Esta pesquisa centra-se entre vários eixos e suas influências positivas e


negativas sobre os meios culturais e ecológicos do entorno, como afirma Rodrigues
(2018, p. 08) acerca das Normas Regulamentadoras da Mineração (20,21) / 2001
A Portaria n° 237, de 18 de outubro de 2001, publicada pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral – DNPM, aprovou um conjunto de 22
normas que tratam de assuntos referentes à mineração, meio ambiente e
segurança do trabalho, denominadas Normas Regulamentadoras de
Mineração – NRM. O descumprimento dessas normas implica em sanções
previstas no Código de Mineração, seu regulamento e legislações
correlatas. As questões ambientais, mais especificamente, são
contempladas nas normas 20 e 21. A NRM 20 define os procedimentos
que devem ser adotados pelo empreendedor para os casos de
fechamento de mina, suspensão e retomada das operações mineiras.
Estas operações não podem ser efetivadas sem a prévia comunicação e
autorização do DNPM. A NRM 21 define os procedimentos aplicáveis para
os casos de reabilitação de áreas pesquisadas, mineradas e impactadas.
Segundo a norma, os projetos de reabilitação devem ser submetidos à
avaliação do DNPM.

Com foco nos processos de encosta, esse artigo parte das interações
pedogeomorfológicas e hidrogeomorfológicas na interpretação e compreensão da
dinâmica de vertentes. Incluem-se os estudos de formas e processos em escalas
de detalhe, além da investigação de processos erosivos (superficiais e
subsuperficiais), movimentos de massa, arenização. Conforme descreve
Mineração Morro do Ipê (sem data, p. 23), que opera na área:
ÁREAS DE INFLUÊNCIA DO MEIO BIÓTICO
A área de influência direta do meio biótico considera as sub-bacia do
córrego grande em sua zona de cabeceira da margem esquerda, assim
como a zona de cabeceiras do córrego Quéias. O divisor topográfico da
serra das farofas também delimita ao norte as porções da sub-bacia do
córrego do Rego, córrego Igarapé, córrego Olaria, córrego Açoita Cavalo
e córrego Farofas. A área de influência indireta do meio biótico, além das
zonas de cabeiras já descritas para a área de influência direta, também
abrange a bacia completa do córrego Igarapé, além da sub-bacia do
córrego Vila Rica, Açoita Cavalo juntamente com a bacia do córrego
Farofas até o encontro com o rio Paraoapeba.
ÁREAS DE INFLUÊNCIA DO MEIO SOCIOECONÔMICO
A Área Diretamente Afetada (ADA) do meio socioeconômico corresponde
a mesma área apresentada para o meio físico inserindo as porções de
terras das propriedades rurais que sofrerão intervenções diretas
decorrentes da implantação e/ou expansão das estruturas operacionais e
de apoio do empreendimento. As propriedades consideradas (números de
matricula, proprietário e a situação) estão apresentadas na tabela a seguir.

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
A Área de Influência Direta (AID) é a área geográfica de entorno ao
empreendimento. Esta área é passível de ser diretamente afetada por
impactos significativos (positivos e negativos) decorrentes da implantação
e operação do empreendimento. Para o meio socioeconômico do Projeto
Morro do Ipê 6Mta, a AID corresponde as áreas onde os impactos tendem
ser mais intensos e significativos se comparados aos da AII, sendo
formado pelos territórios de Brumadinho, Igarapé e São Joaquim de Bicas
integrantes do Plano Diretor do Complexo Minerário Morro do Ipê. Área
de Influência Indireta (AII) é a área geográfica passível de ser afetada
pelos impactos (positivos e negativos) decorrentes do processo de
implantação e operação do empreendimento, porém os impactos
previstos tendem ser menos significativos nessa área. Para o meio
socioeconômico do Projeto Morro do Ipê 6Mta, a AII contempla os
territórios dos municípios de Betim e Sarzedo, abrangidos pelos acessos
externos preexistentes que fazem a conexão respectivamente com os
Terminais Ferroviários de Carga Serra Azul e de Sarzedo, por onde a
produção mineral será escoada.

Assim, compreendendo o patrimônio geológico, enquanto elemento chave


de preservação da paisagem natural, este trabalho busca apresentar uma revisão
bibliográfica que contextualize os cenários históricos e as perspectivas educativas
na região da Serra da Bucaina ou Serra das Farofas, entre Igarapé e São Joaquim
de Bicas (MG) construindo novas discussões interdisciplinares em Ecologia,
Geografia e História. Pfaltzgraff, Carvalho e Ramos (2010, p. 11):
O planeta Terra se comporta como um sistema vivo, por meio de um
conjunto de grandes engrenagens que se movimenta, que se modifica,
acolhe e sustenta uma imensidade de seres vivos em sua superfície. A
sua “vida” se expressa pelo movimento do planeta no entorno do Sol e de
seu eixo de rotação e no movimento interno por meio das correntes de
convecção que se desenvolvem abaixo da crosta terrestre. Em
decorrência, tem-se, em superfície, a deriva dos continentes, vulcões e
terremotos, além do movimento dos ventos e diversos agentes climáticos
que atuam na modelagem das paisagens. Embora seja o sustentáculo
para o desenvolvimento da vida na superfície terrestre, o substrato tem
recebido menos atenção e estudo que os seres que se assentam sobre
ele. Partindo dessa afirmação, são mais antigos e conhecidos o termo e o
conceito de biodiversidade que os referentes a geodiversidade.
O termo “geodiversidade” foi empregado pela primeira vez em 1993, na
Conferência de Malvern (Reino Unido) sobre “Conservação Geológica e
Paisagística”. Inicialmente, o vocábulo foi aplicado para gestão de áreas
de proteção ambiental, como contraponto a “biodiversidade”, já que havia
necessidade de um termo que englobasse os elementos não-bióticos do
meio natural

A geodiversidade é um instrumento de extrema relevância para o


planejamento, gestão e ordenação territorial; para a prevenção de desastres
naturais; para a promoção da saúde; para a conservação do meio ambiente; para
o entendimento da evolução da terra e da vida; para se analisar relações com as
mudanças climáticas; para o levantamento geológico e pesquisa mineral; para
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avaliar a disponibilidade e adequada utilização dos recursos hídricos; para fomentar
a agricultura e a pecuária; para projetar obras de engenharia; para consolidar
políticas públicas, para ampliar a cultura e a educação e por fim, incrementar a
geoconservação e o geoturismo (Figura 4).

Figura 4 - Aspectos da aplicação da Geodiversidade

Fonte: Pfaltzgraff, Carvalho e Ramos (2010, p 12)

Através desses conteúdos, consolidam-se meios de apropriação de


diferentes paisagens e patrimônios que passam a ser apropriados
pedagogicamente com vistas à reflexões sobre o modelo socioeconômico vigente,
seus, riscos, impactos e passivos no âmbitos da comunidades mineradas. Segundo
relatos da Mineração Morro do Ipê (sem data, p. 33):
Os estudos realizados indicaram que há relação entre a rocha identificada
e os tipos de relevo e solos. Por isso esses temas foram abordados em
conjunto. O Projeto Mineração Morro do Ipê 6 MTPA encontra-se inserido
no domínio do Quadrilátero Ferrífero, que é composto por um conjunto de
rochas resistentes, rodeadas por áreas mais baixas, formadas em rochas
menos resistentes. No Quadrilátero Ferrífero há várias serras com
depósitos de minério de ferro e de outros metais com valor econômico. As
serras formam a figura aproximada de um quadrilátero, com cerca de
7.000 km2 e altitudes que variam dos 800 aos 2000 metros. O Projeto está
situado na Serra do Curral, localmente conhecida como Serra das Farofas.
As rochas que predominam na área de estudo são xistos, filitos, quartzitos,
itabiritos, dolomitos e metaconglomerados. Estas rochas ocorrem
agrupadas em unidades geológicas com origem e idades semelhantes,

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dessa forma, o mapa abaixo ilustra o predomínio das litologias no interior
destes grupos. Na área temos o Supergrupo, que contém Grupos, que,
por sua vez, contêm Formações, quando não há uma hierarquia
relacionada são definidos os complexos.

MTPA é a abreviatura de milhões de toneladas por ano. Os principais


problemas além da mineração, são a agropecuária e a urbanização, ambas, sem
controle e com impactos ambientais significativos. A partir daí foram se ampliando
os bairros: Açoita Cavalo, Bairro Nazaré, Bairro Tupanuara, Bicas Velha, Flor de
Minas, Monte Alegre, Nossa Senhora da Paz, Pedra Branca e Tereza Cristina. A
paisagem então se alterna, entre bairros residenciais, cultivos agrícolas, vales de
córregos, serras mineradas, remanescentes florestais e loteamentos clandestinos.
Conforme declara Murta Filho (2018, p. 163):
A questão do passivo ambiental não é nova no Brasil, mas, sem sombra
de dúvida, ganhou muita importância nos últimos 20 anos. No final dos
anos 90 e começo dos anos 2000, foram divulgados na mídia alguns
casos sobre passivo ambiental que tiveram repercussão nacional e
colocaram a questão definitivamente na pauta de empresários,
ambientalistas, autoridades e comunidades de uma maneira geral.
Prevenir o passivo ambiental significava incorporar, na prática, a questão
ambiental no dia a dia da empresa. A implementação de qualquer
atividade mineradora provoca, com maior ou menor intensidade,
transformações à dinâmica espacial e alterações na paisagem. A
mineração, e todas as atividades a ela relacionadas, envolvem fatores que
causam impactos ambientais e esses impactos, aliados ao abandono, se
tornam muitas vezes irreversíveis.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O município se destaca por uma penitenciária composta por dois sistema


prisionais, um acampamento de sem-terra (Pátria Livre e Zequinha) e uma terra
indígena com 20 famílias indígenas do povo Pataxó e Pataxó Ha-hã-hãe ocupando
a Mata do Japonês, todos localizados na calha do Rio Paraopeba. A Agência
Metropolitana (2021, p. 62) descreve que:
No que tange às áreas de interesse de preservação do patrimônio cultural
e natural, foram delimitadas as regiões do conjunto arquitetônico e
paisagístico da Igreja da Matriz, Praça da Matriz e entorno localizado no
bairro de Bicas Velha, uma das primeiras áreas povoadas do município;
do conjunto arquitetônico e paisagístico da Estação Ferroviária de Fecho
do Funil e entorno, também com importância histórica na formação urbana
do município ao qual se incorpora outros bens culturais isolados como a
Capela de Nossa Senhora de Santana e a Ponte Pênsil, localizadas nas
imediações do povoado de Fecho do Funil e às margens do Rio
Paraopeba; do conjunto natural e paisagístico da Serra da Farofa
integrante da Área de Proteção Ambiental da Serra da Farofa – APA Serra
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da Farofa com suas qualidades ambientais e paisagísticas; do núcleo
urbano do povoado de Nossa Senhora da Paz – Farofa com a presença
de monumentos, edificações, praças e celebrações; e, por fim, de uma
área degradada pela a atividade minerária localizada na estrada para
Brumadinho onde se recomenda a requalificação ambiental visando a
reconversão do território para uso cultural e de lazer.

O vizinho munícipio de Brumadinho mostrou ao mundo em 2019 do que a


mineração é capaz. Quem vista atualmente o renomado Museu de Arte
Contemporânea e Jardim Botânico do Inhotim, localizado entre o Rio Paraopeba e
a Serra da Bucaina ou Serra das Farofas, em Brumadinho não imagina que ele é
parcialmente fruto da recuperação ambiental de antigas jazidas minerárias. A
Revista National Geography Brasil (2021) constata que:
Maior museu a céu aberto do mundo e motor do turismo em
Brumadinho, o Inhotim se dispôs a trabalhar no reflorestamento das áreas
impactadas pela tragédia. Segundo Lucas Sigefredo, diretor do jardim
botânico do instituto, a proposta tem apoio de órgãos oficiais e o Inhotim
aguarda uma posição sobre o financiamento das atividades.
O Inhotim está situado em um terreno de 133 hectares, cuja
biodiversidade fora degradada pela mineração e por fazendas, mas foi
restaurada nos anos 1980. Hoje, conta com cerca de 5 mil espécies de
plantas em um jardim botânico que harmoniza com galerias e obras de
arte contemporânea de grandes artistas, como Hélio Oiticica. A
propriedade de Bernardo de Paz Mello também abrange uma Reserva
Particular de Patrimônio Natural (RPPN) de 250 hectares, “que é a grande
matriz de sementes para os trabalhos feitos no laboratório”, diz Sigefredo.
Esta RPPN é composta por centenas de plantas nativas da zona de
transição dos biomas Mata Atlântica e Cerrado.
De 2012 a dezembro de 2017, o Inhotim desenvolveu um projeto
de sequestro de carbono da atmosfera a partir da recuperação de áreas
impactadas pela mineração e do desenvolvimento comunitário. A
pesquisa foi financiada pelo Fundo Nacional sobre Mudança do Clima,
ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
“Esse projeto nos possibilitou a criação de um laboratório de
reprodução vegetal, com uma estrutura de altíssimo nível de microscopia,
produção e beneficiamento de sementes, de câmaras de crescimento e
germinação. E constituímos um estudo impressionante da chamada
fitossociologia e do levantamento florístico da RPPN”, observa Sigefredo.
Os estudos na RPPN deram origem a um banco de sementes com
potencial para a recuperação de outras áreas degradadas. Tamboril, pau-
de-óleo (ou copaíba), guapuruvu, macaúba e quaresmeira são algumas
das espécies nativas da região impactada pela tragédia da Vale e que
constam no acervo do Inhotim.

A ampliação do Instituto Inhotim gerou a desaparição da povoação de


Inhotim, uma comunidade formada, até 2005, por cerca de 300 pessoas, cujas
casas e terras foram adquiridas pelo empresário Bernardo de Paz Mello. Além da
reabilitação ecológica das áreas afetadas pela extração mineral, fez-se necessário

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a criação de mais unidades de conservação, públicas e privadas conforme atestam
escritos de Mineração Morro do Ipê (sem data, p. 51):
Foram identificadas quatro unidades de conservação na região do Projeto
Morro do Ipê e três Unidades de Proteção Especial.
As Unidades de Conservação são: APA Serra das Farofas, APA Igarapé,
APA Paz de Inhotim e RPPN Inhotim. As Unidades de Proteção Especial
são: APE Rio Manso e APE Serra Azul. Unidades de Conservação e
Áreas de Proteção Especial são áreas protegidas por lei e possuem várias
regras para a utilização de seu território. Estas unidades são importantes
pois têm a função de tentar conciliar o desenvolvimento econômico com a
proteção da natureza. Nessas áreas, muitas vezes é possível encontrar
uma maior diversidade biológica.

Um documento geológico americano divulgado em 1968 chama essa


mesma área minerária (Figura 5) pela designação de Inhotim, em menção a uma
povoação existente na localidade que, assim como os povoados de Fecho do Funil,
Souza Noschese e Tijuco, são registrados como “comunidades minerárias”. Em
Inhotim e Souza Noschese haviam pequenas paradas ferroviárias de carga de
minério, conforme narrativa de Faria (2016, p. 49-50):
Uma importante consequência da expansão do Instituto Inhotim e das
aquisições fundiárias, ainda pouco conhecida, foi o desvanecimento do
povoado de Inhotim, chamado por ex-moradores de comunidade do
Inhotim ou comunidade rural do Inhotim (OLIVEIRA, 2010 1 ). Esse
povoado, localizado na zona rural do distrito de Conceição de Itaguá, a
três quilômetros da sede municipal, teria sido fundado em 1870 por
escravos libertos e comerciantes de animais e servia como local de apoio
para viajantes (FARIA, 2012, p. 136 2) e, entre 1995 e 2005, contava com
aproximadamente 70 casas e cerca de 300 moradores. A sede da fazenda
Nhotim/Inhotim, apresentada no Subcapítulo 1.2, fazia parte desse
povoado e se destacava pelo porte e padrão construtivo em relação às
demais residências. Uma pesquisa mais antiga, realizada no princípio da
década de 1980, aponta que esse povoado tinha aproximadamente 20
casas e as principais atividades econômicas exercidas por seus
moradores eram a agropecuária e a extração mineral (JARDIM & JARDIM,
1982, p. 823). De acordo com levantamento feito em 2003 em Brumadinho
para uma pesquisa da UFMG, no povoado de Inhotim havia 60 residências
(50 residências permanentes, sete de fim de semana e três desocupadas)
e seus habitantes se ocupavam principalmente da prestação de serviços
(PEREIRA; MUNGAI; RODRIGUES; 2004, p. 3654).

1 OLIVEIRA, Valdir de Castro. Réquiem para o Inhotim. São Paulo: All Print Editora, 2010.
2 FARIA, Diomira Maria Cicci Pinto. Análises de la capacidad del turismo en el desarrollo
económico regional: el caso de Inhotim y Brumadinho. 2012. 362p. Tese de doutorado –
Universidad de Alicante, Departamento de Análisis Económico Aplicado / Universidade Federal de
Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Alicante / Belo Horizonte,
2012.
3 JARDIM, Décio Lima & JARDIM, Márcio Cunha. Histórias e Riquezas do Município de

Brumadinho. Brumadinho: Prefeitura Municipal de Brumadinho, 1982.


4 PEREIRA, D. B.; MUNGAI, M. F.; RODRIGUES, É. R. Representações dissonantes de uma

natureza "conservada". Londrina, Anais do Simpósio Nacional sobre Geografia, Percepção e


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Figura 5 - Mineração na Serra da Bucaina ou Serra das Farofas e destacando-se no vale, o
Instituto Inhotim

Fonte: https://imagesvisions.blogspot.com/2019/01/a-mineracao-em-inhotim.html

A Parada de Inhotim, estabelecida em 1934, correspondia a um fragmento


ferroviário de um quilômetro de extensão edificado por José Pacífico Homem para
atender a Mina Nhotim. Este espaço museológico de reconhecimento internacional
é exemplo de que arte e ecologia dialogam continuamente na construção de novos
marcos e ideias societários. Faria (2016, p. 30-31), disserta que:
De acordo com um relatório de 1912, a empresa inglesa Bracuhy Falls
Company, por intermédio da brasileira Companhia Metallurgica, figurava

Cognição do Meio Ambiente. Departamento de Geociências. Laboratório de Pesquisas Urbanas e


Regionais, p. 01-18,2005

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como proprietária da jazida de Inhotim, além de outras jazidas também
situadas no Quadrilátero Ferrífero nos municípios de Congonhas e Ouro
Preto (BARROS, 2011, p. 545). Um relatório divulgado no Diário Oficial da
União (DOU) de 1962 (...) traz detalhes sobre a Mina Nhotim, uma jazida
de hematita compacta de pequena extensão, registrada oficialmente em
1937, localizada na Fazenda Nhotim, no município de Brumadinho, em
uma área hoje ocupada pelo Instituto Inhotim. A formação ferrífera da Mina
Nhotim ou Inhotim encontrava-se nas cristas do alinhamento serrano que
conforma a porção noroeste do Quadrilátero Ferrífero, um prolongamento
da serra do Curral chamado localmente de Serra das Farofas, em vertente
da margem esquerda do rio Paraopeba, próxima ao Fecho do Funil. Um
relatório geológico americano publicado em 1968 (SIMMONS, 1968 6 )
chama essa mesma mina pelo nome de Inhotim, em referência a um
povoado existente no local que, assim como os povoados de Tijuco,
Souza Noschese e Fecho do Funil, são apontados como “comunidades
minerárias”. Em Inhotim e Souza Noschese havia pequenas paradas
ferroviárias de carregamento de minério. A Parada de Inhotim, inaugurada
em 1934 (JARDIM & JARDIM, 1982, p. 82), correspondia a um trecho
ferroviário de um quilômetro de extensão construído por José Pacífico
Homem para atender a Mina Nhotim (FARIA, 2012, p. 134).

Novas formas econômicas pautadas na educação e no turismo fomentam a


conservação dos atributos geológicos para sua didatização no âmbito de formação
dos discentes da educação básica. Inhotim é exemplo internacionalmente
consagrado disso. Segundo observações de Machado (2012, p. 42):
De acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa
(HOLANDA FERREIRA, 1986, p. 12477), paisagem é o espaço de terreno
que se abrange em um lance de vista. A paisagem é, então, o aspecto
visível do espaço e é sempre definida de onde é observada, de onde está
o observador. Portanto, como condição para sua existência, ela envolve
uma atividade de quem a observa. Isto significa que a paisagem é o
cenário de nossas experiências cotidianas, uma vez que nos encontramos
envolvidos pela paisagem, fazemos parte dela.

A mineração na Serra da Bucaina ou Serra das Farofas se amplia conforme


detalhamentos disponíveis no quadro IV. Preservar o patrimônio geológico e
promover sua apropriação pedagógica é premissa de um futuro mais equânime,
que rompa com cenários como aqueles deixados pela mineradora Vale em Bento

5 BARROS, Gustavo de. O problema siderúrgico nacional na Primeira República. 2011. Tese
(Doutorado) – Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Economia, São Paulo,
2011.
6SIMMONS, George C. Geological Survey Professional Paper 341-G. Geology and Iron Deposits

of the Western Serra do Curral, Minas Gerais, Brazil. Prepared in cooperation with the
Departamento Nacional da Produção Mineral of Brazil under the auspices of the Agency for
International Development of the United States Department of State. United States Government
Printing Office, Washington: 1968.
7 FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1986.
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Rodrigues (2015) e Córrego do Feijão (2019). Pfaltzgraff, Carvalho e Ramos (2010,
p. 12):
O conhecimento da geodiversidade nos leva a identificar, de maneira mais
segura, as aptidões e restrições de uso do meio físico de uma área, bem
como os impactos advindos de seu uso inadequado. Além disso, ampliam-
se as possibilidades de melhor conhecer os recursos minerais, os riscos
geológicos e as paisagens naturais inerentes a uma determinada região
composta por tipos específicos de rochas, relevo, solos e clima. Dessa
forma, obtém-se um diagnóstico do meio físico e de sua capacidade de
suporte para subsidiar atividades produtivas sustentáveis

Quadro IV - Relação das propriedades minerárias na Serra da Bucaina ou Serra das


Farofas
Matric Nome Status Proprietário Área
ula hectares
22.910 Conjunto Serra das Contrato de Companhia de Mineração 134,16
Farofas Gleba B arrendamento para Serra da Farofa – CEFAR
Morro do Ipê
22.911 Conjunto Serra das Contrato de Companhia de Mineração 375,06
Farofas Gleba A arrendamento para Serra da Farofa – CEFAR
Morro do Ipê
4.289 Fazenda Laranjeira Propriedade Morro do Mineração Morro do Ipê 226,21
Ipê S.A.
8.920 Grota Moinho dos Propriedade indiviso Mineração Morro do Ipê 33,67
Messias (em condomínio) S.A.
Terceiros 29,28
Fonte: Morro do Ipê (s/d, p. 87)

Para tanto é preciso, entender paisagens degradadas e recuperadas para


se contextualizar didaticamente, a interferência humana no espaço com avanços e
retrocessos. As etapas de degradação (Figura 5) e reabilitação são
questionamentos pertinentes aos cenários minerários, conforme declara Rodrigues
(2018, p. 22):
Planejamento: Caracterização ambiental prévia da área; Instrumentos de
gestão PRAD e PAFEM; Cercamento e sinalização do empreendimento;
Proteção de fragmentos de vegetação remanescente, APP e RL; Estradas
de terra; Seleção de locais e construção de estruturas operacionais;
Supressão de vegetação; Remoção e armazenamento de topsoil.
Operação: Controles durante extração do mineral; Disposição adequada
de estéril e rejeito da mineração; Gerenciamento de resíduos sólidos e
efluentes; Controle de erosão e disciplinamento de drenagem;
Paralisação temporária; Recuperação simultânea à lavra. Fechamento:
Descomissionamento; Isolamento e sinalização da área; Recomposição
topográfica do terreno; Disciplinamento das águas pluviais;
Descompactação do solo; Correção de fertilidade; Construção de aceiros;
Recuperação de ravinas e voçorocas; Revegetação.

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Figura 05 - Mineração na Serra da Bucaina ou Serra das Farofas
Fonte: https://www.mineracaomorrodoipe.com.br/media/1157/rima-web.pdf

Assim, fundamentado em premissas sustentáveis, a mineração precisa se


alinhar verdadeiramente às demandas societárias do tempo presente. Neste
contexto, o patrimônio geológico se destaca enquanto elemento chave da
exponencial paisagem natural com cenários históricos e perspectivas educativas
na paisagem. Machado (2012, p. 42) pontua que:
A paisagem muda à medida que nos locomovemos nela. Através de seus
componentes físicos e humanos, a paisagem oferece informações ao
observador que as recebe por meio dos deslocamentos que realiza e de
seus órgãos sensoriais (visão, audição, olfato, tato, paladar). Essas
informações são captadas, organizadas ativamente e trabalhadas no
cérebro que lhes atribui significados diversos. Embora tenhamos todos os
órgãos receptores sensoriais, recebemos as informações principalmente
através da visão, auxiliada, é claro, pelos outros sentidos.

A região da Serra da Bucaina ou Serra das Farofas, localizada no distrito de


Nossa Senhora da Paz, em São Joaquim de Bicas (MG) destaca-se pelas
alterações nas vertentes da serra ocasionada por modelos minerários predatórios,
remoção da vegetação e processos erosivos nas vertentes. O Sistema Mineiro de
Inovação - SIMI (2016) registra que:
A degradação do meio ambiente de forma contínua e acelerada, como
observada em todo planeta, têm colocado em risco as conquistas do
homem com relação à saúde humana, como por exemplo, o aumento da
expectativa de vida. O alerta foi divulgado pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
em setembro de 2015. Preocupados com os efeitos da degradação
ambiental, em especial a provocada pela mineração, tão recorrente em
Minas Gerais, um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) criou o Projeto Vetiver com o objetivo de recuperar

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o solo degradado pela extração mineral. O projeto quer utilizar a Vetiver,
planta que já é cultivada em mais de 100 países no controle de erosão e
estabilização de massas. Iniciado em 2013, o projeto começou uma
análise da gramínea em solo estéril e com rejeito de minério de ferro,
como barragens. A planta possui como característica crescimento de
parte aérea e radicular notável.
Um dos principais pontos positivos para a utilização da Vetiver em solos
degradados, além das características já citadas, é o custo bem inferior aos
sistemas de engenharia tradicional, destaca o engenheiro de minas e
membro do projeto, Igor de Abreu. Atualmente, o grupo de pesquisa está
expandido o projeto e já estabeleceu contato com o fundador da Rede
Mundial do Vetiver (The Vetiver Network International), Paul Truong, para
melhoria dos conhecimentos aplicados.

As deformações na paisagem local advindas da irresponsabilidade minerária


deixam marcas consideráveis nos marcos culturais e ecológicos adjacentes à
prática mineradora arbitrária. O passado evidencia a falta de responsabilidade no
manejo do patrimônio cultural e ecológico da serra. As atividades atualmente
vertem para uma adequação às normas legais e técnicas. Para Machado (2012, p.
42):
Os acontecimentos que nos chegam diretamente, por meio dos sentidos,
ocupam apenas uma parte do nosso repertório de conhecimentos. A outra
parte é ocupada pelas informações adquiridas de maneira indireta,
transmitidas por pessoas, escola, livros, meios de comunicação, palavras
escritas e verbais. A experiência, então, pode ser direta e indireta.
Experienciar significa aprender:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se analisa a degradação ambiental provocada pela mineração no


limite entre os municípios de Brumadinho, Igarapé e São Joaquim de Bicas é
inevitável não pensar no empate entre partes distintas que se chocam: a
sustentabilidade e a sustentabilidade do projeto societário vigente. Quadros de
degradação são irreversível principalmente para a paisagem local, enfatizando as
a Serra da Bucaina ou Serra das Farofas que preteritamente costumavam ser
marcos referenciais dos moradores adjacentes, assim como era para o
desbravamento brasileiro feito pelos bandeirantes. Quando verificamos recortes
espaciais do Quadrilátero Ferrífero, verifica-se a mesma situação, onde as serras
são apropriadas pelas mineradoras provocando intenso processo de degradação
ambiental descaracterização da paisagem, algo precisa ser feito, no sentido, de se
reverter essa insustentabilidade na área.

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Infelizmente o paradigma minerário insiste em persistir em seu padrão
degradador para com meio ambiente, sem garantias para as comunidades
adjacentes. Esse estudo concluiu que as áreas inseridas na Serra da Bucaina ou
Serra da Farofa devem formar um corredor de conectividade biológica entre os
mananciais do Rio Manso e Serra Azul, com o intuito de se preservar a
biodiversidade e a geodiversidade. Assim trata-se novamente de discutir a
emergência de criação e implantação de unidade de conservação, da categoria de
proteção integral, para que estas áreas possam ser preservadas da expansão da
mineração, da agropecuária e da urbanização. Como recortes especiais únicos que
possam ser apropriadas pelas comunidades, preservando-as para as futuras
gerações, bem como favorecendo cenários e espaços para processos educativos
da pós-modernidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HORIZONTE: o Instituto Inhotim (Brumadinho-MG) e o fetichismo da natureza (Dissertação de
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https://www.mineracaomorrodoipe.com.br/media/1157/rima-web.pdf.>Acesso em: 28 jan. 2020.
REDE BBC – AGÊNCIA BRASIL. Tragédia com barragem da Vale em Brumadinho pode ser a pior
no mundo em 3 décadas. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
47034499.>Acesso em: 28 jan. 2020.

NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. Inhotim: recuperação ambiental no Vale do Paraopeba,


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ambiente/2019/05/inhotim-recuperacao-ambiental-vale-brumadinho-paraopeba>Acesso em: 28 jan.
2020

PLANO METROPOLITANO RMBH. Revisão do Plano Diretor de São Joaquim de Bicas:


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http://www.rmbh.org.br/arquivos_biblioteca/PDRMBH_PRD04_SAO_JOAQUIM_DE_BICAS_PM.p
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PFALTZGRAFF, Pedro Augusto dos Santos; CARVALHO, Luiz Moacyr de. RAMOS, Maria Angélica
Barreto. In: MACHADO, Marcely Ferreira; SILVA, Sandra Fernandes da. Geodiversidade,
Aplicações e Referências Geodiversidade do estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: CPRM,
2010. 131 p.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOAQUIM DE BICAS. Lei Complementar n.º 59 de 20 de


Dezembro de 2019: Dispõe sobre o Plano Diretor do Município de São Joaquim de Bicas e dá
outras providências. Disponível
em:.https://www.saojoaquimdebicas.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/8__PLANO_DIRETOR_LEI_CO
MPLEMENTAR_N59_20_12_2019?cdLocal=2&arquivo=%7BB6C73ACC-42A5-45EA-DDC1-
126B1D2AA6A7%7D.pdf > Acesso em 28. Jan. 2020

RODRIGUES, Valeria Pires. ELABORAÇÃO DE CARTILHA PARA RECUPERAÇÃO DE ÁREAS


MINERADAS. In: Fundação Estadual de Meio Ambiente. Disponível em:
http://www.feam.br/images/stories/2018/PESQUISA_DESENVOLVIMENTO/produtos_termos_coo
peracao/Bolsista_-_Valeria_Pires_Rodrigues_-_DGQA-GESAD_-
_ELABORA%C3%87%C3%83O_DE_CARTILHA_PARA_RECUPERA%C3%87%C3%83O_DE_%
C3%81REAS_MINERADAS.pdf.>Acesso em: 28 jan. 2020

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
SANTOS, J. P. dos; COTA, G. E. M.; LIMOEIRO, B. F.; PEDRAS, K. C.; COSTA, A. M. da; VIANA,
J. H. M. Susceptibilidade à erosão no Rio Gualaxo do Norte-MG. In: Empresa Brasileira de
Agropecuária. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-
/publicacao/1089314/susceptibilidade-a-erosao-no-rio-gualaxo-do-norte-mg.>Acesso em: 28 jan.
2020.

SANTOS, Jorge Antônio Gonzaga. Recuperação e reabilitação de áreas degradadas pela


mineração. Cruz das Almas, BA: UFRB, 2017. 44p.; il.

SEPE, Josiê. BATISTA, Nemésio Neves Salvador. IMPACTOS DA MINERAÇÃO E CONFLITOS


PELO USO DA ÁGUA COM AS ATIVIDADES AGRÍCOLAS DE PEQUENO PORTE. In:
Universidade de Araraquara. Disponível em:
https://www.uniara.com.br/legado/nupedor/nupedor_2018/5/6_Josie_Sepe.pdf.>Acesso em: 28 jan.
2020.

SILVA, Rayane Dias da. et. al. TÉCNICAS DE CONTROLE DE EROSÃO EM ÁREAS DE
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https://editorarealize.com.br/revistas/conadis/trabalhos/TRABALHO_EV116_MD1_SA18_ID989_2
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SILVA, Valtercides Cavalcante. ESTIMATIVA DA EROSÃO ATUAL DA BACIA DO RIO


PARACATU (MG / GO / DF). In: Revista Pesquisa Agropecuária Tropical, 34 (3): 147-159, 2004 –
147

SIMMONS, George C. Geological Survey Professional Paper 341-G. Geology and Iron Deposits
of the Western Serra do Curral, Minas Gerais, Brazil. Prepared in cooperation with the
Departamento Nacional da Produção Mineral of Brazil under the auspices of the Agency for
International Development of the United States Department of State. United States Government
Printing Office, Washington: 1968.

SISTEMA MINEIRO DE INOVAÇÃO – SIMI. Pesquisadores da UEMG desenvolvem projeto para


a recuperação de áreas degradadas pela mineração. Disponível em:
http://www.simi.org.br/noticia/Pesquisadores-da-UEMG-desenvolvem-projeto-para-a-recuperacao-
de-areas-degradadas-pela-mineracao.>Acesso em: 28 jan. 2020.

SITE JUSBRASIL. Mineração clandestina. Disponível em <https://amp-


mg.jusbrasil.com.br/noticias/100557077/mineracao-clandestina.>Acesso em: 28 jan. 2020.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Consulta Informativa - Impacto ambiental relevante na


bacia do rio Doce: Erosão, o inimigo silencioso do rio Doce. In: Atlas das Águas. Disponível
em:
http://www.atlasdasaguas.ufv.br/doce/impacto_ambiental_relevante_na_bacia_do_rio_doce_em_
minas_gerais.html.>Acesso em: 28 jan. 2020.

VERVLOET, R.J.H.M.; CAMPOS, F.L.M. CARTOGRAFIA GEOMORFOLÓGICA DO CRIME – A


DESTRUIÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL GEOMORFOLÓGICO NA REGIÃO DE BENTO
RODRIGUES PELO COMPLEXO DE EXPLORAÇÃO POLIMINERAL DA SAMARCO/VALE/BHP
E O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO SOBRE O RIO DOCE. In: Anais do XII
SINAGEO - Simpósio Nacional de Geomorfologia - UGB - União da Geomorfologia Brasileira,
Crato/CE, 2018. Disponível em: https://www.sinageo.org.br/2018/trabalhos/5/5-34-1916.html>.
Acesso em 28. Jan. 2020

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PASSEIO PÚBLICO DE FORTALEZA: UM PALIMPSESTO DA PAISAGEM


URBANA

Paulo Henrique Abreu Sá Júnior (p.henrique.junior@hotmail.com)

Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos (anaceciliavas@unifor.com.br)

O Passeio Público de Fortaleza é um dos espaços públicos mais antigos da


capital cearense. Adjacente ao marco zero da cidade, seu território pode ser
identificado já nos primeiros registros cartográficos produzidos, foi palco de
acontecimentos históricos de repercussão nacional e sua consolidação
paisagística foi reflexo da ascensão econômica e epicentro do convívio social
fortalezense no século XIX. Em 1965 o último plano remanescente deste
espaço foi tombado em esfera federal no livro Arquitetônico, Etnográfico e
Paisagístico do IPHAN, em 1993 novamente tombado em esfera municipal e
atualmente é a praça urbana que detém o maior número de espécies imunes
ao corte. Apesar da preocupação em garantir a permanência legal da praça, a
carência na produção de estudos e documentação a respeito deste patrimônio
histórico é persistente. Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo
apresentar a sua formação histórico-cultural e analisar a última intervenção
realizada no Passeio Público no ano de 2020, à luz das recomendações das
cartas patrimoniais de Florença e de Juiz de Fora. É possível constatar que tal
intervenção, além das atividades reproduzidas no seu entorno afetaram, ou
ainda ameaçam, princípios básicos da preservação de jardins históricos. Por
fim, defende-se a necessidade de preservar o seu valor paisagístico e de
conservar os elementos que são responsáveis pela sua distinção histórica,
potencialidades que caracterizam o espaço como marco cultural no contexto
urbano contemporâneo de uma cidade em assíduo processo de reificação.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PLANO, PROJETO E REGULARIZAÇÃO DOS EDIFÍCIOS CENTRAIS DE


CARAÍBA-BA

Rogério Penna Quintanilha (arq.rogerio@gmail.com)

Francisco Marsicano Guedes (fmguedes@prima.arq.br)

Caraíba, ou Núcleo do Pilar, atualmente distrito de Jaguarari-BA é uma cidade


nova de mineração projetada pelo escritório de Joaquim Guedes entre o final
dos anos 1970 e o início dos anos 1980 por encomenda da Mineração Caraíba,
subsidiária da Cia. Vale do Rio Doce como apoio à exploração da mina de
cobre de mesmo nome localizada no sertão da Bahia. COnforme o plano, as
casas de diferentes padrões e tamanhos foram distribuídas entre as famílias de
trabalhadores mas é comum neste tipo de projeto uma grande quantidade de
trabalhadores solteiros, normalmente homens jovens e de pouca instrução
vistos como um “problema” a ser resolvido para a tranqulidade das famílias. Em
muitos casos, os alojamentos dos solteiros formam um bairro a parte, isolado,
distante principalmente das casas de engenheiros e gerentes, Contrariando a
norma, Joaquim Guedes reserva para eles o centro da cidade, projetando cinco
edifícios no perímetro da grande praça principal. Os edifícios também possuem
arquitetura característica, modernista sobre pilotis, em contraste com as casas
de inspiração sertaneja. Os andares superiores foram divididos entre
alojamentos, quartos com banheiro compartilhado e apartamentos. O térreo foi
destinado a receber comércio e serviços como agência dos correios, telefonia e
outros, ocupando parcialmente o solo mas preservando espaços livres para
passagem sob o edifício.

Caraíba permaneceu inicialmente como uma cidade fechada, isto é, com


controle de acesso e propriedade da companhia mineradora, o que fez com
que, durante mais de uma década, a cidade praticamente não se
transformasse. Com a privatização da Cia. Vale do Rio Doce, Caraíba abriu-se.
As casas foram vendidas aos trabalhadores quase totalmente em troca de
dívidas trabalhistas e outros bens como terrenos vazios foram transferidos para
uma Empresa de Participação Comunitária - EPC. O processo de privatização,
entretanto, não aconteceu sem impasses, ora sobrepondo as atuações da Cia.
mineradora, da EPC e da prefeitura de Jaguarari, ora deixando espaços
cinzentos de responsabilidade entre esses entes. Sem clareza sobre a posse e
responsabilidade sobre os edifícios centrais, os edifícios foram ocupados pelos
habitantes mais pobres da cidade e passaram por muitas transformações e
reformas internas. O térreo foi totalmente ocupado por comércio, impedindo a
passagem e favorecendo a ocupação irregular de terrenos adjacentes.

Diante da situação, a Mineração Caraíba contratou o escritório Prima


Arquitetura para a realização de um cadastro completo da situação atual dos
edifícios para fins de regularização, fechando o conjunto de documentos -
croquis iniciais, projetos originais e regularização - que contam a história
desses edifícios únicos e simbólicos tanto para a cidade quanto para a obra de
Joaquim Guedes.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

PASSEIO PÚBLICO DE FORTALEZA: Um palimpsesto da paisagem


urbana.

ABREU SÁ JÚNIOR, PAULO HENRIQUE (1); VASCONCELOS, ANA CECÍLIA


SERPA BRAGA (2)

1. Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura e Urbanismo


Av. Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz, Fortaleza - CE, 60811-905
juniorvasques@edu.unifor.br

2. Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura e Urbanismo


Av. Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz, Fortaleza - CE, 60811-905
anaceciliavas@unifor.br

RESUMO
O Passeio Público de Fortaleza é um dos espaços públicos mais antigos da capital cearense.
Adjacente ao marco zero da cidade, seu território pode ser identificado já nos primeiros registros
cartográficos produzidos, foi palco de acontecimentos históricos de repercussão nacional e sua
consolidação paisagística foi reflexo da ascensão econômica e epicentro do convívio social
fortalezense no século XIX. Em 1965 o último plano remanescente deste espaço foi tombado em
esfera federal no livro Arquitetônico, Etnográfico e Paisagístico do IPHAN, em 1993 novamente
tombado em esfera municipal e atualmente é a praça urbana que detém o maior número de espécies
imunes ao corte. Apesar da preocupação em garantir a permanência legal da praça, a carência na
produção de estudos e documentação a respeito deste patrimônio histórico é persistente. Sendo
assim, o presente artigo tem como objetivo apresentar a sua formação histórico-cultural e analisar a
última intervenção realizada no Passeio Público no ano de 2020, à luz das recomendações das cartas
patrimoniais de Florença e de Juiz de Fora. É possível constatar que tal intervenção, além das
atividades reproduzidas no seu entorno afetaram, ou ainda ameaçam, princípios básicos da
preservação de jardins históricos. Por fim, defende-se a necessidade de preservar o seu valor
paisagístico e de conservar os elementos que são responsáveis pela sua distinção histórica,
potencialidades que caracterizam o espaço como marco cultural no contexto urbano contemporâneo
de uma cidade em assíduo processo de reificação.

Palavras-chave: Jardim Histórico, Patrimônio, Documentação.

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06 a 08 de outubro de 2021
A cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, possui pouco menos de 300 anos de
história desde sua elevação à condição de vila em 13 de abril de 1726. A então Vila de
Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção nem sempre teve o destaque de uma capital.
Nascida às margens do Riacho Pajeú, manteve-se por muito tempo também em outra
margem, a do sistema econômico da capitania, principalmente por sua distância dos
principais eixos de circulação de mercadoria e produção: as bacias hidrográficas do Acaraú
e Jaguaribe, que dinamizavam o sistema pecuário, trazendo ao topo da hierarquia outras
vilas setessentistas como Aracati, Crato, Icó e Sobral (ANDRADE, 2012).

Apesar de não despertar grande interesse do Reino durante todo o século XVIII, ao decorrer
do tempo, os longos e frequentes períodos de estiagem típicos da região nordeste,
revelaram-se inimigos do sistema consolidado e, com o declínio da pecuária e as novas
dinâmicas vigentes no Brasil Império, propulsionado pela Guerra de Secessão dos Estados
Unidos da América (1861-1865) que gerou a paralização do fornecimento de algodão para
Europa, Fortaleza se mostrou uma importante alternativa econômica e destacou-se, na
segunda metade do século XIX, como capital do estado do Ceará graças a produção
algodoeira que abriu-lhe as portas para comércio exterior dinamizando a capacidade
aquisitiva da sociedade local (ANDRADE, 2012).

Em conseguinte ao novo contexto econômico, o pequeno aglomerado urbano de ainda


muitos traços rurais que foi a cidade de Fortaleza de Nova Bragança até mais da metade do
século XIX, pode desfrutar de um processo de modernização urbana que se preocupava
para além da infraestrutura e expansão da cidade, mas também com o aformoseamento dos
seus espaços públicos de convívio social.

“O progresso material cearense atingia níveis bastante elevados em


consequência da Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Durante o
conflito, por falta do produto americano, o preço do algodão cearense
exportado para a Inglaterra alcançou preços nunca imaginados,
provocando uma euforia geral, logo acompanhada de ingênuas
demonstrações de comportamento perdulário, esvaziando no
nascedouro um processo de acumulação de riquezas que poderia ter
se consolidado naquela ocasião. Essas considerações explicam as
visíveis mudanças ocorridas na cidade, comprovadas por qualquer
tipo de análise comparativa que se faça entre as plantas de 1859 e
1875.” (CASTRO, 1994, p.63).

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06 a 08 de outubro de 2021
O PASSEIO PÚBLICO DE FORTALEZA

ORIGENS HISTÓRICAS

O território que compreende o atual Passeio Público de Fortaleza é um espaço tangente à


Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, marco zero da cidade e fronteiriço ao mar. A
localização de um lugar sob este título na cidade já é especulada, desde as primeiras
ilustrações cartográficas conhecidas. De acordo com Castro (2009, p.53), a primeira
representação pictórica real da vila, o Plano aproximado da Enseada da Villa de N. S. da
Assumpção, elaborado em 1810 pelo capitão de fragata Francisco Giraldes a pedido do 4º
governador da Capitania Luiz Barba Alardo de Meneses, já contempla nas imediações do
Morro do Gravatá, a indicação de um “passeio público”, como mostrado por Castro (2009,
p.54):

Giraldes vislumbrou a possibilidade de implantação de uma via


paralela à praia (talvez já prevista), em cotas altas, transformando-a
em um “passeio público”. ´[...] designando um caminho reto, dito
Gravatá ou Passeio Público, o qual, iniciado junto do quartel da
Fortaleza, seguia para oeste, até o pé do morro do Gravatá, também
conhecido por Croatá, numa época que a vista do mar se
apresentava totalmente desimpedida.

Apesar deste espaço ainda não ser a proposta de um jardim de frequência pública tal como
os que vinham surgindo nesse período pela colônia, coincidentemente (ou não) esse espaço
foi também o escolhido, quatro décadas depois, para a implantação do que viria a ser o
Passeio Público de Fortaleza.

Em 1825 as terras onde um dia seriam o Passeio estavam sob cuidados do Cel. José Felix
de Azevedo e Sá que nesse período, retomando as supostas ideias de Giraldes na década
anterior, ordenou sob ofício ao capitão-engenheiro João Bloem, iniciar as obras de um
Passeio Público no local, “Contudo, não seria um jardim no sentido literal da palavra, mas
um “passeio”, isto é, uma avenida, longa e reta” (CASTRO, 2009, p.54). Esse passeio,
denominado Rua Nova da Fortaleza (1828), hoje nomeado Rua Dr. João Moreira, se fez
tangente ao espaço que futuramente compreenderia ao jardim.

Nessa mesma época, os logradouros que foram ocupados pelo Passeio Público paisagístico
ainda não passavam de um vasto areal em rampa, que descia desde essa rua até a praia e
que se manteve inóspito e íntegro durante longo tempo pois era ocupado pelo Paiol da

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Pólvora, local de execuções onde no mesmo período (1825), houve o fuzilamento dos
líderes cearenses da Confederação do Equador (motivo pelo qual hoje o local é conhecido
como Praça dos Mártires), executados por pelotão comandado pelo próprio capitão Bloem,
sob as vistas coniventes de Azevedo e Sá (CASTRO, 2009,p.67).

De acordo com Liberal de Castro (2009), o Paiol da Pólvora já teria sua localização criticada
por Barba Alardo desde seu governo (1808-1811) e existe a hipótese de os planos de
Azevedo Sá para o “Passeio Público” em questão não serem meramente uma via, mas
também o anseio de se restaurar paisagisticamente parte do terreno rampeado. Entretanto,
no contexto de uma Fortaleza do início do século XIX, um espaço como um passeio público
nesse período, constituiria uma questão alheia às preocupações dos habitantes que de
acordo com João Brígido (1919) possuíam uma lista de hábitos e tradições ainda muito
próxima das práticas correntes do período colonial.

Somente após a explosão econômica da segunda metade do século XIX, a preocupação


paisagística no Centro de Fortaleza se acentua e, em 1864, se dão início as obras de
implantação do Passeio Público como espaço de convívio social urbano. Segundo Castro
(2009) as obras correram com tamanho vagar que o projeto inicial foi modificado e acrescido
resultando num espaço em três patamares que se estendia da cidade alta até a beira-mar.

O Passeio Público foi também reflexo da ascensão econômica de uma capital emergente, o
fator de sua execução, adicionado à sua potencialidade de posicionamento em relação a
orla marítima, representou para Fortaleza oitocentista o seu novo posicionamento de
destaque na economia e sua relevância para o Império.

“No transcorrer do século XIX, a fim de atender aos anseios de uma


sociedade burguesa em ascensão e em busca de inclusão cultural,
multiplicaram-se os processos de reprodução de obras de arte,
assestando novos objetivos e recorrendo a novas técnicas.
Reproduções de obras de arte consagradas conquistaram espaços
públicos e privados, com o intuito de os nobilitar. Foi este o caso do
Passeio Público fortalezense, palco elegante montado para fruição de
novos modos de afirmação cultural.” (CASTRO, 2009 p.92).

Tal lugar ainda representa, dentro do contexto histórico regional, o fausto de uma cidade
que passou a dispor de espaço privilegiado como poucos a nível nacional, fazendo notória a
qualidade de vida urbana do fortalezense através da paisagem.

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SÉCULO XX E O DECLÍNIO DO PASSEIO PÚBLICO

A chegada do século XX trouxe consigo novos hábitos, novos lugares, novas formas de
entretenimento e uma nova geração ávida de novidades. É importante ressaltar que o
processo de expansão de Fortaleza, ao longo dos anos, se deu cada vez mais rumo ao
interior, de costas para o litoral, também nesse sentido se seguiram os investimentos
públicos e os novos pontos de aglomeração social. A Praça do Ferreira, por exemplo, ainda
popularmente considerada o “coração da cidade”, no início do século já fazia sucesso no
meio urbano por ser símbolo da modernidade, além da nova arquitetura, este espaço
concentrava clubes, cabarés, vitrines, cinemas, cafés e era ponto de passagem de todas as
linhas de bonde elétrico (CASTRO, 2009, p.102). Já na primeira década desse século
podemos perceber indícios do abandono do Passeio estampado no jornal “A República” de
circulação da época:

As novas avenidas das praças do Ferreira e Marquez do Herval, e,


principalmente, os cinemas, foram, a meu ver, a causa de decadência
do jardim, que ficou equiparado ao Parque da Liberdade, também de
saudosa memória. / Nossas patrícias deixaram-se tomar por amores
novos, abandonando, sem remorsos, o melhor ponto de reunião que
possuímos.1 (CAMARA, 1910)

Em meados da década de 30, uma intervenção paisagística no espaço resultou na remoção


do gradil que circundava o 1º plano, provavelmente tornaram-se incabíveis pela razão de no
novo contexto urbano, tão longe da realidade da diminuta Fortaleza ruralizada de meados
século XIX, já não haver animais soltos pelas ruas. Uma fotografia desse período (figura 2)
pode nos revelar, além do Passeio Público sem seu gradil original, um espaço amplamente
devastado ao contrário dos registros fotográficos de tempos anteriores que mostram um
Passeio densamente arborizado, como
mostra a figura 1.

Figura 1: Vista interna do Passeio Público em


1908. Fonte: CASTRO, 2009

1 Trecho retirado do jornal A República de 21/07/1910. In CASTRO, José Liberal de. Op. cit., p. 102

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Figura 2: Vista aérea do Passeio Público em 1939. Fonte: CASTRO, 2009

O desprezo social e a descaracterização paisagística do Passeio propiciaram a cessão de


suas partes para outros usos e funções. Apesar de o 1º plano permanecer em voga durante
todo o século XIX, já se é possível coletar relatos do descaso com os dois planos inferiores
ainda dentro deste mesmo século. De acordo com Gustavo Barroso, em sua obra “Coração
de menino” a qual ele retrata Fortaleza até meados 1898, a visão apresentada dos 2º e 3º
planos já é deplorável (BARROSO, 1939, p.223 apud CASTRO, 2009, p.105).

Agora o Terceiro Plano está completamente abandonado. O Segundo


também. Somente abre ao público o Primeiro, onde as bandas
militares vêm tocar às quintas e domingos. Fecharam os dois por
causa da Escola Militar. Não havia guarda que quisesse dar serviço lá
embaixo, depois que os cadetes chefiados por um tal Racha ou
Rache, ali mataram as emas, os veadinhos e o Pindoba2, coitado, que
não fazia mal a ninguém. No Segundo, o mato invade tudo e o
cassino cai aos pedaços. No Terceiro, o aluvião do riacho vai
lentamente tomando o lago, as pontes tombam e o vento leva o zinco
dos zimbórios orientais dos quiosques.

2 Segundo relatos de memorialistas como João Nogueira e o próprio Gustavo Barroso, Pindoba seria um
morador de rua, figura simbólica do folclore popular fortalezense no final do século XIX.

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Na primeira década do século XX, 1912 mais especificamente, o 3º plano do Passeio foi
ocupado pela firma inglesa Ceará Tramway Light & Power para construção de sua usina
elétrica; o lago romântico alimentado pelas águas do Pajeú deu lugar as caldeiras e a alta
chaminé alimentadas pelo fogo da empresa. Liberal de Castro, embasado em depoimento
de Gustavo Barroso sobre a descaracterização do 3º plano do Passeio, aponta-nos uma
visão de um local “completamente abandonado” e uma “situação irreversível” (2009 p.105),
na tentativa de justificar a doação deste plano às atividades privativas da Ceará Light,
entretanto, analisando relato o qual o historiador se embasa, podemos extrair uma realidade
diferente:

“O lago do Terceiro Plano é uma verdadeira piscina que oferece três


vantagens: nadar, pescar e pegar passarinhos. Nada-se em traje de
Adão, deixando a roupa escondida nas canaranas das beiras.
Pescam-se com um lacinho de palha de coqueiro os camarões
canelas e os pitus que moram nas locas sombrias. Pegam-se os
passarinhos com visgo de maçaranduba ou de jaqueira.” (BARROSO
apud CASTRO, 2009 p.105).

Gustavo Barroso em seu depoimento, de maneira amplamente contraditória à justificativa de


Liberal de Castro, nos aponta um espaço munido de muitas atividades e atratividades
sociais. É inegável e lamentável a descaracterização deste plano, entretanto, justificar a
doação desse espaço histórico de convivência pública a atividades privativas por meras
questões de ressignificância funcional, fato que soa de maneira comprometedora a tantos
outros espaços públicos históricos que se encontram em condições semelhantes. A questão
é que o tempo é um fator incessável, com ele sempre há de vir mudanças nas gerações,
nos costumes, nas atividades etc. Se afirmarmos que o 3º plano do Passeio Público de
Fortaleza encontrava-se “completamente abandonado”, isso provavelmente concerne
apenas a gestão pública pois, pelo que nos traz Gustavo Barroso, o espaço apenas passou
por uma ressignificação de público-alvo e de atividades, que deveriam ter sido devidamente
assistidas e não sucumbidas pela governança municipal.

Quanto ao 2º plano, segundo Liberal Castro (2009, p.106), depois da ruína e demolição do
antigo cassino outrora existente aí, e o fechamento do 3º plano que ligava o espaço à beira-
mar, atribuiu-se também novas funções a este local. Durante os anos de 1908 e 1909 foi
utilizado como stand de tiro pelos sócios da Fênix Caixeiral (extinta associação de
empresários e comerciantes de prestígio social), além de campo de futebol de uso popular.

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As novas funções de viés atlético foram tão bem arraigadas ao espaço que este acabou
sendo transformado em 1913 em campo oficial do Fortaleza Football Club. Por fim, em 1963
o local foi cedido pela Prefeitura ao Exército para acolher obras de emergência, apesar de
atualmente estar ocupado por alojamentos e outras edificações que obstruem a vista do
primeiro plano ao mar. Atualmente o que resta desse complexo em três patamares que
outrora formou o Passeio Público de Fortaleza é o 1º plano, esta praça resiste longe e
obstruída do mar o qual um dia já esteve tão próxima, graças a aterros feitos por
particulares em benefícios próprios e edificações que surgiram em seus planos cedidos.

A CORRIDA PELO TOMBAMENTO DA PRAÇA

Apesar de a história do Passeio Público estar consideravelmente ligada à Fortaleza de N.


Sra. da Assunção e ao seu Quartel, e com estes formar um valioso conjunto histórico,
arquitetônico e paisagístico; o tombamento destes objetos se deu em uma distância de 43
anos. O principal motivo, segundo o professor e historiador Liberal de Castro, responsável
pela solicitação de tombamento do Passeio junto ao IPHAN, seria o crítico estado de
ameaça o qual se encontrava a praça.

Como já mencionado anteriormente, o logradouro desde o início do século XX, com o


surgimento de novidades e a ascensão da Praça do Ferreira como o “coração da cidade”,
estava sofrendo um brusco processo de descaracterização do seu conjunto paisagístico,
estatuário e infraestrutural, além do desmembramento dos seus limites físicos em doações a
instituições privativas. Depois da doação do 2º plano para o Exército em 1963 e a precária
situação física do 1º plano nesta época, viu-se a necessidade de acelerar o processo de
tombamento do Passeio a fim de garantir sua sobrevivência, com isso, no ano de 1964,
abre-se o processo de tombamento do sítio que teve finalmente teve sua inscrição
concedida no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico a 13 de abril de 1965
sob nº 38. O Quartel, “em vista da atenção permanentemente dispensada pelas autoridades
militares à integridade física do monumento” (CASTRO, 2009 p.42), não sofria ameaças à
sua composição e por isso teve seu processo de tombamento protelado, sendo feito
somente no ano de 2008, a pedido da 10ª Região Militar, muito mais por honraria do que por
necessidade de preservação (Ibid., p. 42).

Após o tombamento federal, o Passeio passou por uma intervenção de recuperação e


adaptação física de suas estruturas executada pelo IPHAN nos anos de 1986 e 1987. No
ano de 1993 teve deferido também, seu tombamento em esfera municipal o que implicou em
nova intervenção de recuperação física de seus elementos simbólicos em 1994.

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CENÁRIO ATUAL

Como já citado anteriormente, o jardim urbano que um dia já fora composto de 3 amplos
planos, findando-se ao nível do mar, ornados com peças de arte encomendadas do
estrangeiro e a seguir dos modelos suntuosos de jardins europeus românticos, ao longo dos
anos, mesmo com toda a relevância simbólica, paisagística e urbana, caiu nas armadilhas
do descaso público e sofreu um brusco processo de desintegração e desmembramento por
parte da própria gestão municipal. Apesar das intervenções de recuperação pós-
tombamento e outras mais datadas dos anos de 2007 (requalificação do espaço), 2010
(implantação de sistema de Wi-Fi público e imunização de 10 exemplares vegetais ao corte)
e 2020 (divulgada como “Obras de restauro do Passeio Público”), pode-se dizer que os
danos causados ao patrimônio continuam irreparados.

Atualmente, no que diz respeito seu entorno, apesar de haver grandes potencialidades de
dinamização do espaço, como acesso a transporte público, grande fluxo de pedestres, a
proximidade de pontos turísticos e outros equipamentos históricos e culturais da cidade,
além de estar localizado dentro do polígono demarcado como ZEPH (Zona Especial de
Preservação do Patrimônio Paisagístico, Histórico, Cultural e Arqueológico) pela Lei de Uso
e Ocupação do Solo vigente, ainda sim esse patrimônio sofre com a hostilidade urbana. A
10ª região militar construiu no antigo espaço do segundo plano do Passeio alojamentos que,
além de interferirem na visão privilegiada do mar, destoam a visual criando antagonização
da paisagem.

Em ambas as laterais da praça, existem importantes edifícios históricos, entretanto, inexiste


uma relação proveitosa com esses espaços, a Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção,
por exemplo, mesmo lindeira aparenta ser inacessível, por seus acessos sempre fechados
para o lado da praça e pela rua entre os dois ter sido privatizada, permanecendo quase
sempre vazia. Por sua outra lateral, onde encontra-se a Santa Casa de Misericórdia em seu
edifício histórico de estilo neoclássico, resultado de uma reforma do projetista e construtor
italiano Paschoal Fiorillo (CASTRO, 2009, p.98), estacionamentos comprometem a
qualidade visual das relações com o espaço verde. Ao Sul, ao longo da Rua Dr. João
Moreira, pode-se perceber que aquém da presença do Museu do Ceará e do SEBRAE, dois
outros edifícios históricos em bom estado de conservação, há predominância de edificações,
também exemplares históricos, gravemente deterioradas pela presença dos usos atuais.

No dia 31 de outubro de 2020, o Passeio Público de Fortaleza teve sua reabertura total ao
público após a última intervenção paisagística promovida pela Prefeitura. Foram executadas

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obras de reestruturação das composições vegetais e reformas nos pisos, estatuária,
chafarizes e demais mobiliários existentes. Com isso, atualmente o espaço encontra-se em
boas condições estéticas e ecológicas, no que se pode citar a remoção de espécies exóticas
invasoras que existiam ali. Entretanto, levando em consideração a inserção de novas
espécies vegetais, as modificações de pisos e caminhos e a pintura da estatuária e de
outros elementos históricos, surge o questionamento: O Passeio Público de Fortaleza,
tombado pelo IPHAN como patrimônio nacional, recebeu a devida intervenção cujo espaço
com seu caráter histórico demanda?

AS CARTAS PATRIMONIAIS E O PASSEIO

Dentro do contexto da importância da salvaguarda de patrimônios históricos surge a


inerência de estudo das cartas patrimoniais. Estas cartas são documentos de caráter
indicativo ou prescritivo formulados como fundamentação básica para atuação de
profissionais da área da preservação. “As cartas são documentos concisos e sintetizam os
pontos a respeito dos quais foi possível obter consenso, oferecendo indicações de caráter
geral” (KÜHL, 2010 p.289). Esse tipo de instrumento de preservação vem sendo cada vez
mais citado como fundamentação para intervenções de cunho preservativo em todo o
mundo, a Carta de Veneza, por exemplo, atualmente apresenta-se como documento-base
do ICOMOS, organização oficialmente considerada pela UNESCO como órgão consultor e
colaborador.

Como afirma a pesquisadora Ana Rita Sá Carneiro et al. (2012, p. 33, tradução dos autores)
“Tratando-se assim da inclusão de seres vivos na sua composição, a conservação de um
jardim agrega a complexidade da vida.” Sendo assim, é possível concluir que lidar com
jardins históricos é sinônimo de lidar com um patrimônio orgânico composto por seres vivos
que dependem de especificidades além daquelas empregadas em um monumento de pedra
e cal para se manterem conservados. Com base nisso é que se faz necessária a análise das
Cartas de Florença e de Juiz de Fora nesta pesquisa, por serem específicas ao tema jardins
históricos, sendo ainda a Carta de Juiz de Fora ainda mais representativa por referenciar-se
ao cenário brasileiro.

Nesse contexto, o primeiro questionamento que surge é: Poderia o Passeio Público de


Fortaleza ser considerado um jardim histórico? A praça é um sítio de composição
arquitetônica e vegetal de interesse público no qual o principal material é o elemento vegetal
em seu volume e organicidade e consequentemente transformações cíclicas perenizadas no
espaço, além de se tratar de uma paisagem evocadora de um fato memorável (fuzilamento
dos mártires da Confederação do Equador), sendo assim, podemos considerá-la um jardim
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histórico por estar em conjuntura aos artigos 1º, 2º e 8º da Carta de Florença que discorrem
sobre definições e objetivos desse tipo de espaço.

Outro importante ponto para o tema é a discussão sobre autenticidade e integridade, os dois
conceitos, apesar de pouco citados na Carta de Florença, são fatores determinantes tanto
para a qualificação de um patrimônio histórico quanto como principais norteadores para
intervenções de cunho geral nesses espaços. A relevância desses conceitos pode ser
comprovada pelo documento produzido a partir da Conferência de Nara em 1994, na qual o
principal objetivo é a discussão sobre autenticidade em relação a convenção do Patrimônio
Mundial. Para esclarecer os conceitos, os pesquisadores Ana Rita Sá Carneiro et al. nos
sintetizam o tema da seguinte forma:

[...] a autenticidade [...] refere-se à confirmação da permanência das


características originais: materiais de construção, traçado, mobiliário,
tipo de vegetação, artefatos; e a integridade significa inteireza,
condição de não ter nenhuma parte faltando; combinação dos
elementos como um conjunto articulado. (CARNEIRO et al. 2012,
p.37, tradução dos autores)

Na Carta de Florença, em seu artigo 9º, podemos encontrar a seguinte afirmativa: “A


“autenticidade” diz respeito tanto ao desenho e ao volume de partes quanto ao seu décor ou
à escolha de vegetais ou de minerais que os constituem.”. Levando em consideração o
presente artigo, as afirmativas de autenticidade e integridade da Carta de Juiz de Fora e as
definições trazidas pelos pesquisadores acima, ao citar o caso do Passeio Público de
Fortaleza, de fato pode-se afirmar que é um espaço de integridade perdida quanto ao todo
outrora existente, entretanto, ao se tratar do plano remanescente atualmente conhecido
como Praça dos Mártires, sob pesquisas históricas, análises do espaço até a data da última
intervenção (2020) e investigações das obras de consolidação, restauro e adaptação pós-
tombamento do IPHAN em 1986-1987, podemos encontrar características capazes de
comprovar a existência da integridade do plano paisagístico, principalmente pela
recomposição de sua massa vegetal, e a originalidade de muitos elementos remanescentes
no espaço como a estatuária, os elementos de água, arquitetura e o representativo Baobá
plantado ainda em meados do século XIX.

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A INTERVENÇÃO 2020

Frente ao seu 55º aniversário de tombamento, no ano de 2020 o Passeio Público recebeu
intervenções de “reforma e restauro dos elementos artísticos” (assim nomeadas pela
Prefeitura Municipal) que serão analisadas sob a luz das Cartas anteriormente citadas.

Figura 3: Síntese de intervenções propostas no Passeio Público de Fortaleza no ano de 2020.


Fonte: Produzido pelo autor sobre base do material de projeto da equipe técnica responsável
pelas obras na praça.

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No que diz respeito aos pisos como construção de meio-fio, alteração de formas de canteiro,
recuperação, preenchimento e substituição, as obras foram fiéis as proposições do projeto
com apenas uma ressalva: A remoção de caminhos internos aos canteiros que levavam o
transeunte à proximidade com os bustos de políticos encontrados em alguns desses jardins.
Não se sabe ao certo se essa ação seria algo já previsto em projeto ou uma decisão de
obra, mas apesar de não estar exposta no material projetual, já podemos perceber nele,
propostas de remanejamento de algumas estátuas para locais mais próximos às alamedas
estruturantes do espaço.

Ao contrário da estatuária alegórica trazida da Europa no século XIX, os bustos de políticos


e os fluxos internos que levavam a eles, não foram elementos do projeto original do Passeio,
mas sim frutos de implantações posteriores de cunho esporádico executadas pelos órgãos
públicos. Nesse sentido a remoção dos fluxos internos poderia ser considerada uma ação
de restituição sob os conceitos da Carta de Juiz de Fora se houvessem sido apresentados
estudos rigorosos sobre a temporalidade dos elementos, mesmo assim, para a fundamentá-
la, a remoção dos bustos de políticos precisaria ter sido também executada, pois o ato de
conservar essa camada histórica do jardim (bustos) sem considerar os elementos que
viabilizam sua contemplação (fluxos internos) não pode ser justificada como um ato de
restituição tampouco de preservação, senão como uma medida infundada que prejudica
ambos os princípios e principalmente o que defende o artigo 16 da Carta de Florença:

Artigo 16 – A intervenção de restauração deve respeitar a evolução


do respectivo jardim. Em princípio, ela não deveria privilegiar uma
época à custa de outra, salvo se a degradação ou o definhamento de
certas partes puderem, excepcionalmente, dar ensejo a uma
reconstituição fundada sobre vestígios ou sobre uma documentação
irrecusável. Poderão ser, mais particularmente, objeto de uma
reconstituição eventual as partes do jardim mais próximas do edifício,
a fim de fazer ressaltar sua coerência.

Quanto à reestruturação dos elementos vegetais, a partir de um inventário, foram feitas


remoções de espécies exóticas invasoras de caráter não histórico que estavam se
consolidando no local, principalmente a Azadirachta indica (Nim Indiano), além das várias
espécies arbustivas implantadas em intervenções posteriores, que se desenvolveram sem
uma rotina de acompanhamento tornando-se barreiras visuais internas no espaço.

Tais medidas podem ser fundamentadas como ações de manutenção do bem sob os
princípios da Carta de Juiz de Fora, entretanto, é importante ressaltar que a consolidação

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das novas forrações implantadas nesta última intervenção (apresentadas na figura 3), não
saiu como planejado e já pouco tempo depois da reinauguração do espaço, pode-se
perceber nos jardins muito mais áreas descampadas em terra nua do que coberturas
vegetais. Não se pode afirmar ao certo se foram escolhas errôneas de espécies
incompatíveis às condições de muito sombreamento, graças às densas copas de árvore
sobre os canteiros, se foi a falta de mão de obra especializada ou de cuidados de rotina
programada com as forrações recém implantadas. O que é irrefutável ao caso é que tal
comportamento também fere os princípios de manutenção do bem e principalmente ao que
recomenda o artigo 12 da Carta de Florença:

Artigo 12 – A escolha das espécies de árvores, arbustos, de plantas


ou de flores a serem substituídas periodicamente deve-se efetuar
com observância dos usos estabelecidos e reconhecidos para as
diferentes zonas botânicas e culturais, em uma vontade de
permanente conservação e pesquisa de espécies de origem.

Ainda sobre o que concerne às ações de cunho vegetativo, nesta intervenção foi criado em
um dos canteiros do Passeio uma espécie de memorial aos mártires da Confederação do
Equador composto por totens explicativos (apontados pelo número 14 na figura 3) e cinco
exemplares de Carnaúba. A intenção seria a atribuição de um certo simbolismo ao local em
função do monumento em homenagem aos mártires fuzilados no local, mas, apesar de
atuarem como memorial a um fato histórico importante e a heróis locais, a intervenção pode
ser vista como um atentado a preservação do patrimônio dentro dos parâmetros dispostos
na Carta de Florença, que aponta tal ação como fator de degradação de jardins históricos:

Cessão de áreas do jardim histórico para usos e instalações alheios a


suas funções originais, tais como bancas de jornal, caixas eletrônicos,
monumentos estranhos à história do sítio, plantios comemorativos de
espécies vegetais em locais não previstos no projeto original, marcos
e esculturas homenageando políticos e religiões.

No que tange aos elementos de “pedra e cal” do espaço como a estatuária, os chafarizes e
lago, o mobiliário em geral, as estruturas de fechamento, coreto e bangalô; passaram por
intervenções de restauro, segundo divulgado pela Prefeitura, e atualmente encontram-se em
bom estado de conservação. Todavia, não se pode afirmar com clareza se foram ações que
seguiram os princípios de restauro da Carta de Veneza, como recomenda que o faça a
Carta de Florença em seu artigo 13, pois não foram encontrados nos materiais projetuais
disponibilizados pela empresa responsável pela intervenção, nenhum estudo, projeto ou
quaisquer indícios de procedimentos de restauro crítico no memorial descritivo apresentado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Graças ao reconhecimento de seu valor marcado por seu simbolismo eternizado por
escritores, memorialistas e historiadores e por seus remanescentes artísticos, arquitetônicos
e ambientais, o Passeio Público de Fortaleza foi tombado em duas esferas. Desde 1986 os
órgãos públicos realizaram quatro intervenções na busca de recuperar um patrimônio
paisagístico que se mantem em média 11 anos, entre suas intervenções, desassistido.

A partir das proposições levantadas anteriormente podemos constatar que a última reforma,
executada em 2020 na Praça dos Mártires, apesar de trazer aspectos positivos para o
espaço, ainda não apresentou a devida segmentação das recomendações de restauração,
manutenção e preservação das Cartas de Florença e de Juiz de Fora, as quais deveriam
guiar quaisquer intervenções, mesmo que mínimas, em um jardim histórico de tamanho
respaldo patrimonial. Além disso o mar, o Forte, o vegetal, o ecletismo dos edifícios
remanescentes, o uso e ocupação do solo, os parâmetros urbanos, a apropriação social,
são todos fatores que não podem ser ignorados quando o assunto é a preservação deste
espaço e, enquanto o façam, toda intervenção executada não passará de meros paliativos.

Para efetividade na preservação do espaço deve-se considerar como ponto principal, a


urgência em os órgãos gestores entenderem este espaço como elemento indissolúvel à
identidade cearense, seu local de destaque em âmbito nacional e reconhecerem que as
intervenções realizadas aí exijam medidas que até agora jamais foram tomadas. É preciso
de maiores investimentos ao que concerne ao campo técnico para melhor utilizar-se das
proposições das cartas patrimoniais que tangem o tema, é preciso formar equipes
multidisciplinares e promover a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico em prol da
salvaguarda do sítio, é preciso levar em considerações fatores externos, além dos internos
pois, apesar de podermos apontar fortes potencialidades e características singulares que
detém o Passeio Público fortalezense sua perenidade encontra-se sempre ameaçada
enquanto sua preservação como patrimônio não estiver garantida.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, MARGARIDA J. F. DE SALLES. Fortaleza em perspectiva histórica: poder público e


iniciativa privada na apropriação e produção material da cidade (1810-1933).2012. 290f. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo – USP, São Paulo.

BRÍGIDO, João. A Fortaleza de 1810. Revista do Instituto do Ceará. 1919.

CARNEIRO, Ana Rita Sá; DA SILVA, Joelmir Marques; VERAS, Lúcia Maria de Siqueira e SILVA,
Aline de Figuerôa. The complexity of historic Garden life conservation. Measuring heritage
conservation performance, p. 33-41. Rome: ICCROM, 2012. Disponível em: http://www.ceci-
br.org/ceci/br/publicacoes/livros.html Acesso em: 02 set 2021.

CARTA DE FLORENÇA. Disponível em: <(Microsoft Word - CP2 - Carta de Floren\347a 1981.doc)
(iphan.gov.br)> Acesso em: 25 set 2021.

Acesso em: 18 nov 2020.

CARTA DE JUIZ DE FORA. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20dos%20Jardins%20Historicos.pdf
Acesso em: 25 set 2021.

CARTA DE VENEZA. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=236


Acesso em: 25 set 2021.

CASTRO, José Liberal de. Contribuição de Adolfo Herbster à forma urbana da cidade da Fortaleza.
In: Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: tomo CVIII, 1994, p.43-90.

CASTRO, José Liberal de. Passeio Público: espaços, estatuária e lazer. In: Separata da Revista do
Instituto do Ceará, Fortaleza: tomo 123, 2009.

KUHL, Beatriz Mugayar. Notas sobre a Carta de Veneza. An. mus. paul., São Paulo, v. 18, n. 2, p.
287- 320, Dec. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
47142010000200008&lng=en&nrm=iso Acesso em: 20 set 2021.

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EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO:
a pesquisa na área da História da Arquitetura e do Urbanismo

ENTRELINHAS IMPRESSAS:
Amazônia de Sergio Bernardes em magazines e jornais

CHAVES, CELMA (1);


NASCIMENTO, CLAUDIA HELENA CAMPOS (2)

1. Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo –


PPGAU/ITEC/UFPA.
Endereço Postal: Av. Conselheiro Furtado, 1934, apto. 1602. Nazaré. Belém/PA. CEP 66040-100
E-mail: celma_chaves@hotmail.com

2. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo – DAU/CCT/UFRR.


Endereço Postal: Avenida Ene Garcêz, 2413, bloco V – DAU/CCT. Bairro Aeroporto. Boa Vista/RR.
CEP 69240-000.
E-mail: claudia.nascmento@ufrr.br

RESUMO
O presente ensaio busca apresentar achados preliminares sobre o registro da atuação do arquiteto
Sergio Bernardes (Rio de Janeiro/RJ, 1919-2002) em revistas especializadas em arquitetura e
urbanismo, jornais e magazines, contemporâneos às suas obras, com especial interesse aos projetos
pouco conhecidos e, especialmente, os desenvolvidos na região amazônica. A necessidade de
identificar, a partir de fontes diversas, as contribuições de Sergio Bernardes na Amazônia se faz pela
ausência de informações e dados na bibliografia e principais fontes que têm como foco a arquitetura
moderna brasileira. Desta forma, o procedimento metodológico parte da prospecção em publicações
correntes à época – com destaque ao Jornal do Commércio (AM) e Revista Manchete (RJ) – pela
proximidade com a região e com o arquiteto, respectivamente. A facilidade de acesso a essas fontes,
através da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, favoreceu a pesquisa no tempo de pandemia. A
estrutura do artigo apresenta breve biografia e o discurso sobre a perspectiva da arquitetura moderna
brasileira, a partir de uma das fontes comumente utilizadas, o livro Arquitetura Contemporânea
Brasileira, de Yves Bruand (1926-2011), para compor os cenários do recorte temporal, isso é, até a
década de 1970. Sobre as revistas, magazines e jornais, foram acrescidas notas explicativas sobre o
escopo editorial específico dessas publicações. Por fim, ao identificarmos a partir desse pequeno
estudo que compõe parte da pesquisa documental de projeto de tese em Arquitetura e Urbanismo do
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará, projetos e edifícios que não constam
nas referências primevas da produção de Bernardes, apontamos para a riqueza dos veículos de
comunicação impressa na definição de um direcionamento investigativo. Os elementos indiciais
encontrados levantados nas fontes até o momento - como a autoria de dois edifícios em Belém/PA -
nos permitem identificar achados e ausências e apontam para a necessidade de pesquisas mais
aprofundadas, ampliando as abordagens necessárias para o registro da contribuição de Bernardes
para o desenvolvimento da região norte, a partir de sua práxis projetual e das discussões do
Laboratório de Investigações Conceituais (LIC) pertencente ao seu escritório de arquitetura.

Palavras-chave: Sergio Bernardes; Amazônia; Décadas de 1950-1970; Revistas de Arquitetura;


Periódicos: revistas e jornais.

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INTRODUÇÃO
Não podemos medir as tendências da história com
o metro do nosso destino pessoal (Leon Trotsky)

Sergio Wladimir Bernardes (Rio de Janeiro, 1919-2002) foi um dos arquitetos mais
relevantes da segunda geração modernista brasileira, posteriormente denominada Escola
Carioca. Em seu tempo, entre discussões sobre a validade ou não de se configurar uma
arquitetura nacional, com embates entre historicistas e futuristas, Bernardes exercitou a
liberdade de dialogar com todos os que pudessem somar ao seu ideário. Podemos antecipar
às conclusões desse texto que a presença dele nas páginas impressas dos meios de
comunicação – jornais e magazines – possuem densidades diferenciais ao longo das
décadas. Contudo o Damnatio memoriæ1, a que foi submetido Bernardes pelos críticos de
seu tempo merece de uma revisão, diante de suas contribuições, ainda válidas.

Como método para o presente trabalho, inicia-se o levantamento2 de ocorrências em


revistas de Arquitetura e em magazines, além da busca de matérias no Jornal do
Commércio(AM), a partir da base digital da Biblioteca Nacional. Como fundamento para a
condução teórica partiremos do texto de Luca (2008) sobre a importância das fontes
impressas, como periódicos, para a pesquisa histórica e Jacques Le Goff (1990), sobre o
tratamento que devemos dar aos documentos em uma pesquisa.

Em contraponto ao argumento construído traremos o mais emblemático dos


historiadores da arquitetura moderna brasileira, Yves Bruand3 (2012), que foi arauto e
cronista da produção da década de 1960, moldando ícones desse momento. O livro
“Arquitetura Contemporânea do Brasil” vai se constituir como um referendo à linguagem que
se consolida com a construção de Brasília e seus palácios4.

1 Termo forjado no Direito romano, “danação da memória”, a busca pelo apagamento de uma memória, como
ação oficial deliberada de condenação à destruição das referências de sua existência. Prática comum no Império
Romano que, em sentido contrário, levava à deificação dos imperadores.
2 Esse ensaio é parte de pesquisa de doutoramento e busca identificar a contribuição de arquitetos modernistas
– especialmente Sergio Bernardes – entre as décadas de 1960 a 1980, na região amazônica.
3 Seu livro registra a arquitetura brasileira no século XX até o ano de 1969. Quando retorna à França em 1971,
apresenta seu trabalho na Université de Paris IV, publicado em português apenas em 1981. Até então, sobre
Arquitetura Moderna Brasileira, a referência era o livro de Henrique Mindlin (1956), publicado em inglês sob o
título “Modern Architecture in Brazil” por Reihold Publishing Corporation, e o catálogo da exposição “Brazil Builds:
architecture new and old. 1652-1942” ocorrida no MOMA (Nova York, 1943). O panorama da historiografia da
arquitetura moderna brasileira possui, direta ou indiretamente, o protagonismo de Lucio Costa e uma linhagem
lecorbusiana. ”São textos distintos, como distintos são os seus autores – em formato, objetivos, influência e
amplitude – e vão participar desse processo de formação e consolidação de uma versão historiográfica canônica
da arquitetura moderna brasileira, que pode ser identificado, a partir de uma visão retrospectiva, percorrendo
todas as etapas do modelo de interpretação historiográfica” (TINEM, 2006, grifo nosso).
4 Nessa época, Bruno Zevi (Roma, 1918-2000) e outros críticos se reunirão no Congresso Internacional dos
Críticos de Arte, ocorrido entre as cidades de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, em 1959.
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Como objetivo visamos apresentar discursos silenciados que surgem nos impressos,
digamos populares, em detrimento da imagem que se constituiu em torno de Sergio
Bernardes. Nesse caminho, prospectaremos algumas obras e projetos publicados nesses
meios, visando ampliar a perspectiva de sua contribuição na Amazônia.

PERSPECTIVAS DE MODERNIDADE

É tarefa do arquiteto traduzir, no espaço e no tempo, o equilíbrio buscado,


sem o qual a evolução é massacre de indivíduos, esmagamento da
humanidade, degradação e destruição da natureza pelo sacrifício do
universal aos interesses particulares (Sergio Bernardes)

Descrevem a pessoa de Sergio Bernardes em poucas palavras: o bon vivant e o


utópico, em cada uma de suas fases da vida. Sobre esses pontos de vista existem muitas
linhas, que reafirmam essas personas. É necessário começar a revelar algo não-dito sobre
esse arquiteto, embora alguns lugares-comuns tenham que ser reafirmados, para situar o
contraponto.

Filho do jornalista Wladimir Bernardes, aos treze anos abre uma oficina de maquetes
e inicia experimentações, que percorreram da carpintaria e marcenaria aos motores de
automóveis. Com quinze anos já havia projetado uma residência para um amigo dos pais.
No ano de sua graduação em Arquitetura, em 1948, seu projeto para o Country Club de
Petrópolis foi publicado em número especial da revista L’Architecture d’Aujourd’hui,
dedicado à nova arquitetura brasileira (BERNARDES ARQUITETURA, s/d).

Assim, quando o historiador e paleógrafo Yves Bruand vem ao Brasil empreender


pesquisa para sua tese no final da década de 1960, Sergio Bernardes já havia percorrido
longo percurso no seu processo projetual e possuía sólida reputação. Contudo o autor
escreve sobre Bernardes com o título “A casa de Sergio Bernardes e as raras tentativas [de]
entrevistas a partir de 19605” (BRUAND, 2012, p. 289), passando a impressão de que o
arquiteto tenha se tornado taciturno e avesso a entrevistas.

Quando Sergio Bernardes, que tinha quarenta anos na época, pensou, em


1960, em instalar seu escritório de arquitetura e sua casa numa ponta
rochosa da Avenida Niemeyer, em plena costa selvagem da metrópole
carioca, sua reputação já estava solidamente estabelecida por causa das
várias casas que construiu no Rio e em Petrópolis (BRUAND, p. 289, grifo
nosso)

5 Em 1968, Sergio Bernardes está em Nova York (BERNARDES, 2014).


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A simplória definição de arquiteto de casas parece não ter suporte em suas fontes. O
autor construirá o texto da pesquisa em revistas, que não são poucas no período de sua
coleta, tanto nacionais quanto estrangeiras, para apoiar o discurso sobre a produção de
Sergio Bernardes (Tabela 1). Também, pode-se afirmar, não são as únicas revistas que
tratam da obra do arquiteto no período.

Tabela 1: Registros de obras de Sergio Bernardes em revistas, segundo Yves Bruand.


REVISTA OCORRÊNCIA OBSERVAÇÕES

Acrópole 1956 a 1963 Editada entre 1938/1971

Habitat 1952 a 1956 Editada entre 1951/1965.


Criada por Lina Bo e Pietro Maria Bardi
Módulo 1955 e 1965 Editada entre 1955/1965. Registro de Bernardes na edição
inaugural, essa revista foi fundada por Oscar Niemeyer
Arquitetura e Engenharia 1954 a 1958 Compunham o Conselho Diretor Affonso Reidy, Sylvio
Vasconcelos, Álvaro Vital Brasil, entre outros
Arquitetura e Decoração 1954 e 1955 Editada a partir de 1953

Brasil-Arquitetura 1953 e 1954 Editada entre 1953/1957


Contemporânea
Architecture D’Ajourd’Hui 1952 Duas edições em 1952

Aujour D’Hui edição nº 1 Editada a partir de 1955

Architectural Review 1953 e 1954 Editada a partir de 1896

Architectural Forum6 vol. 114, 1961 Editada entre 1892/1974


Zodiac7 ---

Por seu turno, Henrique Minldlin (1999)8 já havia antecipado algumas dessas
residências, como a casa de Jadir de Souza (1951), casas de campo de Guilherme Brandi
(1952) e a icônica residência de Lota de Macedo Soares (1953). Bruand reafirma Bernardes
como arquiteto de casas e ignora em sua produção algumas obras relevantes, como o
Sanatório de Curicica/RJ (1952), o projeto urbanístico da Cidade Jardim Eldorado, em
Contagem/MG9 (1954), os pavilhões de Volta Redonda, em São Paulo (1954), o de São

6 “The Architectural Forum began in 1892 as The Brickbuilder. (Volumes under that name are listed separately.) It
was renamed The Architectural Forum in 1917 with Volume 26, continuing the Brickbuilder's volume numbering.
The first copyright-renewed issue is April 1932 (v. 56 no. 4). The first copyright-renewed contribution is from
November 1932. It ceased publication in 1974 ” (OCKERBLOOM, s/d), se caracterizando como a mais antiga
revista de Arquitetura, entre as citadas, porém, não a mais longeva.
7 “Zodiac: Rivista Internazionale dell’architettura contemporanea”, não foi possível encontrar outros dados
referentes a esta publicação.
8 Na nota do autor, ele destaca que o livro foi concebido “como um suplemento ao livro Brazil Builds (...) decidiu-
se mais tarde incluir aqui alguns dos exemplos mais importantes ali mostrados anteriormente” (MINDLIN, 1999,
p. 21).
9 Bairro construído para a Companhia Importação, Exportação e Vendas S.A (COMPAX), localizado no
município de Contagem/MG, à época, Belo Horizonte. Em 1912, sob o mesmo parâmetro concebido por
Ebenezer Howard, foi implantado em São Paulo a empresa "City of São Paulo Improvements and Freehold Land
Company Limited", responsável pela urbanização de importantes bairros paulistanos, como Jardim América,
Anhangabau, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Bela Aliança, Lapa, Pirituba e City Butantã. Alguns destes, inclusive,
foram projetados pelos urbanistas ingleses Barry Parker e Raymond Unwin (Fonte:
https://saopauloantiga.com.br). No Rio de Janeiro, em 1930, Alfred Agache propôs que fossem construídas duas
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Cristóvão (1957) e Pavilhão Brasileiro da Feira Internacional de Bruxelas (1958), registradas
em suas fontes, como parte do seu processo10. Na clara opção discursiva, percebemos que
a desatenção a Bernardes é reveladora, em um rasgo de sinceridade que surge na escrita
de Bruand.

claro que realizamos essa seleção com a máxima objetividade, mas seria
presunçoso admiti-Ia como inteiramente justificável num futuro mais ou
menos remoto, pois temos consciência de que os conceitos por nós
emitidos estão muito influenciados por nossas preferências pessoais
(BRUAND, 2012, p. 8).

Outras posições são bem definidas para o historiador, como sua perspectiva sobre
“moderno”, que levará à escolha de “contemporâneo” para sua publicação.

Não aceitamos o termo "arquitetura moderna", empregado por numerosos


autores para designar a arquitetura contemporânea ou, melhor, um certo
tipo de arquitetura contemporânea: aquela que procura expressar-se numa
linguagem nova, tanto em termos técnicos, quanto em termos estéticos. A
oposição entre uma "arquitetura moderna" e uma" arquitetura tradicional" é
perigosa, visto que o limite entre ambas pode variar de acordo com o ponto
de vista da pessoa que emprega tais termos; contudo o adjetivo
"moderno" não é de modo algum conveniente, pois contém apenas uma
noção de tempo aplicável ao conjunto da produção de uma época e não
unicamente a uma de suas partes; substituir sua acepção cronológica
por um elemento de valor é um contrassenso, hoje infelizmente muito
comum. Entretanto, já que o termo "arquitetura moderna" tem sido
frequentemente empregado nos debates teóricos entre arquitetos ou em
palestras por eles feitas, não foi eliminado totalmente; pode ser encontrado
ocasionalmente em nosso texto com o significado que lhe foi atribuído por
aqueles que o usam, mas sempre entre aspas, a fim de ressaltar as
restrições que fazemos a esse respeito (BRUAND, 2012, p. 13, grifos
nossos).

Soma-se ao contexto de indefinições conceituais a posição, por exemplo, de Lucio


Costa, que não se admitia como “moderno”, preferindo o termo “futurista” como mais
adequado. Assim, quando Bruand grafa “moderno” em relação à obra de Bernardes, é
claramente demeritório. A exemplo, quanto ao uso da taipa: “hoje em dia pode ser
encontrado em certas construções baixas, não tendo Sergio Bernardes hesitado em dar-lhe

cidades-jardim, uma na Ilha do Governador e outra em Paquetá. Nas conferências que fez no Rio, em 1927,
discorreu sobre o modelo.
10 A exemplo do Tropical Hotel Tambaú, João Pessoa/PB, em fase de finalização à época.
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uma versão moderna, em algumas das residências que projetou” (BRUAND, 2012, p. 13), e
prossegue afirmando que a “falta de preconceitos teóricos e de uma linha bem definida, fruto
de uma abertura de espírito e uma disponibilidade tão completas que às vezes beiravam a
utopia e a dispersão” (IDEM, ibidem, p. 289). A insubordinação a um padrão, a
experimentação, que foram elementos caros para Sergio Bernardes, eram vistos de forma
frágil pelo historiador, independentemente do alcance do resultado, e sempre utilizando
como parâmetro comparativo a arquitetura paradigmática positivista. Bruand segue sobre
Bernardes:

o estilo desses trabalhos era bastante heterogêneo: a frequente retomada


das formas inventadas por Niemeyer estava lado a lado com pesquisas de
geometria pura mais pessoais, sem que se pudesse notar uma evolução
cronológica precisa. A preferência absoluta manifestada pelas técnicas
modernas não levava a nenhuma especialização e o arquiteto passava, sem
constrangimento, do concreto armado, aos vários tipos de estrutura
metálica, numa série de tentativas bastante ecléticas; os materiais
tradicionais surgiram frequentemente, junto com materiais mais recentes,
como meio de acabamento e estes ou aqueles, conforme o caso, eram
deixados aparentes, no estado bruto, ou eram disfarçados com
revestimentos. Assim, os traços comuns ao conjunto resumiam-se numa
nítida paixão pelas experiências de todo tipo e uma vontade marcante de
fazer uma construção econômica (BRUAND, 2012, p. 289).

Verificamos nos subtextos desse autor certo desconforto confesso, expresso em


suas escolhas. Remetendo a Jacques Le Goff, somos alertados da vulnerabilidade na
crença sobre a verdade inequívoca dos documentos, o que caracteriza Bruand.

Quer se trate de documentos conscientes ou inconscientes (traços deixados


pelos homens sem a mínima intenção de legar um testemunho à
posteridade), as condições de produção do documento devem ser
minuciosamente estudadas. As estruturas do poder de uma sociedade
compreendem o poder das categorias sociais e dos grupos dominantes ao
deixarem, voluntariamente ou não, testemunhos suscetíveis de orientar
a história num ou noutro sentido; o poder sobre a memória futura, o
poder de perpetuação deve ser reconhecido e desmontado pelo historiador.
Nenhum documento é inocente. Deve ser analisado. Todo o documento é
um monumento que deve ser desestruturado, desmontado. O historiador
não deve ser apenas capaz de discernir o que é "falso", avaliar a
credibilidade do documento, mas também saber desmistificá-lo. Os
documentos só passam a ser fontes históricas depois de estarem

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sujeitos a tratamentos destinados a transformar a sua função de
mentira em confissão de verdade. (LE GOFF, 1990, p. 110, grifos nossos)

A pesquisa empreendida pelo historiador francês, apoiando-se em registros revistas


especializadas diante da falta de uma historiografia consolidada, é extremamente relevante
pois dá início ao método aplicado na Ecole des Annales11 nesse contexto. Contudo o autor,
nessa empreitada, desconsiderou a possibilidade de fontes mais acessíveis à época: jornais
e revistas em circulação diária ou semanários, também de acordo com a tradição francesa.

Na década de 1970, ainda era relativamente pequeno o número de


trabalhos que e valia de jornais e revistas como fonte para o conhecimento
da história do Brasil. A introdução e difusão da imprensa no país e o
itinerário de jornais e jornalistas já contava com bibliografia significativa,
além de amiudarem-se as edições fac-similes e catálogos, dando conta de
diários e revistas que haviam circulado em diferentes partes do território
nacional (LUCA, 2008, p. 111).

Buscando a percepção da obra de Sergio Bernardes nesse contexto, o arquiteto


aponta para experimentações num campo ampliado, sem se preocupar com a adequação à
qualquer concepção de moderno, estabelecendo diálogos com produções e arquitetos
diversos, além dos brasileiros12, como Richard Buckminster Fuller (1895-1988), o
Archigram13 ou os metabolistas japoneses14, na ponta de lança da crítica da modernidade no
pós-guerras. Os hiatos deixados nos trechos em que Bruand trata sobre Bernardes, assim
como a construção discursiva foram motes importantes para o cruzamento e
reconhecimento de outras fontes, igualmente postas sob suspeição, por método.

11 A Escola dos Annales surge a partir do período entre-guerras e se propunha à produção de uma historiografia
não positivista, registrada nos escritos dos Annales d'histoire économique et sociale. Marcam as três gerações
da Escola dos Annales a inserção dos processos de longa duração e o estudo das mentalidades; a geração
intermediária vai se destacar pela compreensão do tempo como um agente intrínseco da História, não dela
dependente: a História como filha do seu tempo; a terceira geração, a partir do fim da década de 1960, também
conhecida como Nova História, possui como ícones Jacques Le Goff e Pierre Nora, estabelecendo fortes nexos
com outros campos do conhecimento.
12 Oscar Niemeyer, em 1983, reafirma essa relação entre os arquitetos modernos brasileiros no seguinte trecho:
“Era um ponto de reunião e a ele compareciam constantemente o Joaquim Cardoso, Vinícius de Moraes, Luiz
Jardim e outros. Tínhamos o escritório ao lado do Sergio Bernardes e com ele, Helio Uchoa, Reidy, José Reis,
Jorge Moreira, Walter Lopes, Galdino Duprat, com Di Cavalcanti, repartíamos como irmãos nossas alegrias e
tristezas. Mas o problema da arquitetura sempre nos empolgava. Era a nossa pequena cruzada de arquitetos. ”,
Revista Manchete, edição 1629, 1983, p. 46.
13 Archigram, grupo de arquitetos ingleses formado por Peter Cook, Ron Herron, Warren Chalk, Dennis
Crompton, David Greene e Mike Webb.
14 Em 1960 é criado o Grupo Metabolistas, com Kisho Kurokawa, Kiyonori Kikutake, Fumihiko Maki, Masato
Otaka entre outros. Rubem Braga, comentando sobre a Bienal de São Paulo de 1957 aponta: “Assistindo, outro
dia, à projeção de fotografias coloridas de um grande arquiteto japonês que nos visitou, Sergio Bernardes
comentou baixinho, a certa altura: ‘Ih, esse cara aí vai dar muita cria no Brasil...’” (BRAGA, Rubem. A pintura
começa aos 60 e outras reflexões entre goteiras. In Revista Manchete, ed. 286, p. 56, 1957).
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DOCUMENTOS E NOTÍCIAS

A obra de Sergio Bernardes carrega os sonhos e a leveza da infância:


um arquiteto, filósofo e humanista (Pedro Bloch, 1999)

Para além dos discursos teóricos e a produção de bases conceituais, Sergio


Bernardes apostou a sua vida no seu fazer. Escreveu em 196815 carta definitiva que aponta
seus caminhos e inquietudes:

Pretendo dedicar minha vida, à minha obra, pela minha terra, pela minha
gente! A escala do que pretendo fazer é muito grande, o que torna
meus problemas muito pequenos. Representei muitos anos, no mesmo
teatro a mesma peça com os mesmos cenários, com o mesmo público, com
os mesmos artistas, com a mesma estrela. Estou farto de representar. Serei
autenticamente eu e minha sensibilidade. Nego que o passado participe do
presente. Rompo num estado de absoluta coerência comigo mesmo, com a
instituição do casamento. Ninguém é imprescindível a ninguém, só a si
mesmo. (BERNARDES, 2014)
Figura 1: Edição Especial “Rio do Futuro”, 1965

Fonte: Revista Manchete.


Atento a questões abrangentes, Bernardes desenvolve o projeto Rio do Futuro
(MANCHETE, 1965), que terá edição especial da Revista Manchete (Figura 1). Este

15 Carta de despedida para sua ex-esposa, enviada de Nova York, datada de 2 de novembro de 1968, lida no
filme “Bernardes” (2014), de onde foi transcrito o trecho.
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semanário carioca o insere, já em 195216, como um grande arquiteto brasileiro, ao lado de
Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Irmãos Roberto, Álvaro Vital Brasil, Jorge Moreira, Alcides
Rocha Miranda e Aldary Toledo. No artigo intitulado “Brasil potência arquitetônica” há um
trecho atribuído a Sergio Bernardes:

havendo liberdade de forma e de estilo, todos os detalhes de valor da


arquitetura antiga podem ser aproveitados nas construções modernas,
naturalmente dentro de uma técnica e uma estética determinada. O
emprego de tais detalhes, contudo, não significa inspiração nem tendência
saudosista, mas uma contribuição do que era belo e necessário à função de
uma residência. E que não poderá ser ultrapassado jamais (MANCHETE,
1952).

Nas várias edições desta revista é possível coletar grande número de projetos, no
mesmo período da pesquisa de Bruand, como aeroportos17, edifícios residenciais18 e
conjuntos residenciais19, galerias de arte20, clubes21, planos industriais22, conjunto hoteleiro23
e de turismo entre outros e tantos já citados anteriormente, ampliando a abrangência de sua
atuação.

Também é possível identificar pontos de vista de cronistas que constroem como


imagem de um “duelo novaiorquista pela casa mais moderna e mais bonita – Sergio
Bernardes versus Lucio Costa – esboça-se, prometendo reduzir a uma simples escaramuça
financeira o campeonato arquitetônico da Samambaia, de Correias e adjacências serranas”
(PONGETTI, in MANCHETE, 1954, p.3). O que existe, de fato, é uma comparação – bem
distante de competição – entre eles. Sobre as residências de Niemeyer e Bernardes, tidas

16 Semanário criado por Adolpho Bloch, editado entre 1952 e 2000.


17 Na Revista Manchete (edição 660, 1964, p. 115) há o registro de que “em 1960, o ex-Presidente Juscelino
Kubitschek enviou ao Congresso mensagem solicitando a abertura de crédito especial de Cr$ 2 bilhões para
construção de um moderno aeroporto em Brasília, projetado por Sergio Bernardes. Somente agora a mensagem
chegou às mãos do Deputado Arnaldo Nogueira, relator, que se dirigiu ao ministro da Aeronáutica, Brigadeiro
Nelson Vanderlei, sugerindo que ele solicite o aumento daquela verba já que hoje insuficiente para custear a
obra”.
18 Murtinho Nobre (Copacabana/RJ, 1954).
19 Revista Manchete, edição 573, de 1963, apresenta dois edifícios residenciais de pequeno porte, além da casa
de Sergio Bernardes, da avenida Niemeyer, denominados “conjuntos residenciais” em grande matéria assinada
por Ricardo Menescal sob o título “O Brasil cresce moderno”.
20 Petite Galéry (1960), em Ipanema, Rio de Janeiro/RJ (Revista Manchete, edição 446, 1960, p. 9), foi um
espaço cultural importante, tendo filial em São Paulo/SP inaugurada um ano depois (Revista Manchete, edição
504, 1961, p. 52).
21 Bandeirantes Praia Clube (1962), recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro/RJ. (Revista Manchete, edição
537, 1962, p. 34-36), Clube de Regatas Jaó (IDEM, edição 776, 1967)
22 Cidade Industrial da White Martin, no Nordeste (Revista Manchete, edição 732, 1966, p. 108), Companhia
Baiana de Cervejas (IDEM, edição 770, 1967, p. 110), Centro Industrial de Aratu (IDEM, edição 778, 1967, p.
100)
23 Conjunto Hoteleiro Alpha, Guarapari/ES (1967)
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como “autênticas obras de arte”, tem-se como registro que “o papa da arquitetura moderna,
Le Corbusier, declarou que a casa construída por seu colega brasileiro Sergio Bernardes era
‘digna de um livro’. Mas seu arquiteto e morador desejava, antes de tudo, que ela fosse
digna do próprio Sergio Bernardes” (MANCHETE, 1965, p. 56). Entre os principais nomes da
arquitetura brasileira, os temas prementes da temática produziam diálogo produtivo,
colaborativo ou mesmo elogioso.
Brasília é uma das primeiras cidades que representam uma tese
verdadeiramente humana e numa escala mal-entendida, muitas vezes, mas
necessária, dentro de uma cidade administrativa: a noção das distâncias pra
que não se tenha a monotonia do ‘perto’. É uma cidade em que ainda não
entrou o feio, o mau-gosto. Ela é a marca do Brasil, que se formou
conhecido pela audácia de mudar a Capital. (BERNARDES, in MANCHETE,
1963, p. 24)

As questões urbanas da pauta de Sergio Bernardes não foram tratadas na


perspectiva progressista, nem como espaço de negação ou concorrência, visto que sua
perspectiva, sob o prisma de Yves Bruand, seria organicista. Na verdade, Bernardes dialoga
com a tecnotopia, claramente traduzido em seu Rio do Futuro, mas também possui um
ponto de vista humanista, que se apresenta na sua relação com a favela do Vidigal, vizinha
da sua ovacionada residência. Não sendo uníssono com a postura técnica da época, de
remoções e construção de conjuntos, antecipa a ideia de requalificação de favelas.

Propôs também o arquiteto Sergio Bernardes que geólogos, engenheiros de


mecânica de solo e engenheiros estruturais estudem aquelas áreas,
projetando pequenas obras que, pelo desvio das águas pluviais, façam a
defesa dos pontos mais vulneráveis da área estudada, justificando: Dizem
que as obras de segurança e desvio de águas custam fortunas
monumentais, não é verdade, Na favela do Vidigal, onde passei a maior
parte do meu tempo naqueles dias do temporal, um grupo de pessoas, com
a minha ajuda e a do meu filho, construiu valas que serviram de desvios
para os cursos d’água em prazo relativamente curto e sem o emprego de
nenhum dinheiro. Estas obras de emergência determinam um excelente
índice de segurança para as habitações dessa favela e, até agora, não
houve nenhum desabamento ali (BERNARDES, in MANCHETE, 1966, p.
32).

O perfil editorial da Revista Manchete expressa mudanças importantes em meados


da década de 1960: a profusão de projetos apoiados em financiamentos e programas de
incentivo fiscal (SUDENE, BNH e outros), cadernos especiais com narrativa
desenvolvimentista – onde a arquitetura moderna assume ainda maior protagonismo e o
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início da atenção à produção dos arquitetos paulistanos. O nome de Sergio Bernardes é
associado à imagem qualitativa de projetos e obras, com expressões com o aposto “projeto
de Sergio Bernardes24” ou “amigo de Sergio Bernardes”25.

SOBRE IMAGENS DA AMAZÔNIA

Utopia é pensar que tal plano será realizado amanhã ou daqui a um século.
Realismo é saber que pode ser feito (Sergio Bernardes, 1965)

É preciso avançar para além do recorte temporal de Bruand para que possamos
identificar a presença de Bernardes na região Norte. Nesse período já vislumbramos obras
dele em Goiás, Bahia e Paraíba, sob o aporte financeiro das Superintendências de
Desenvolvimento (SUDECO e SUDENE), isso é, com efetivo vínculo com a política federal
de ocupação do Brasil Profundo. Cabe registro de que, em meados da década de 1970,
Sergio Bernardes constituirá o Laboratório de Investigações Conceituais/LIC, onde várias
temáticas desenvolvimentistas serão pautadas e desenvolvidas.

Por conseguinte, nessa época, a Manchete foi importante meio de difusão da


imagem de uma Amazônia a ser explorada “em meio aos verdes desertos” (MANCHETE,
1966, edição 764). O diário amazônico Jornal do Commércio também foi importante difusor
dos projetos do período desenvolvimentista26, no qual Sergio Bernardes e outros arquitetos27
irão propagar suas obras.

Nesse sentido, as revistas e jornais apontam a atualidade das ocorrências, o que


revela obras em construção, assim como edifícios que não foram construídos (mas tratados
como propaganda) especialmente, mas não exclusivamente, na Amazônia. “Daí o amplo rol
de prescrições que convidavam à prudência e faziam com que alguns só se dispusessem a
correr tantos riscos quando premidos pela falta absoluta de fontes” (LUCA, 2008, p. 116). O
papel dos periódicos como testemunhas das transformações das cidades, no nosso caso,
da Região Amazônica, defendido por Luca (2008) tem sido fundamental nestas
prospecções. Em poucos impressos foram revelados achados, que se somam às fontes
documentais, como Muriel (1980) e Bernardes (2017), através dos quais identificamos

24 Se utiliza desse expediente o Touring Clube do Brasil, a Companhia Industrial de Filmes (DUFIL).
25 Jacques Martins, diretor-geral da Air France para a América do Sul, primeiro francês a receber a Ordem do
Rio Branco, em 1967, possui esse atributo em matéria da Manchete, entre outros.
26 Para exemplo, o Jornal do Commércio fixa como manchete principal da edição 20029, de 18 de fevereiro de
1969, “Determinação do Governo é de ocupar a Amazônia a todo custo”.
27 Destacamos entre esses Severiano Mário Vieira Porto e seu escritório com Mário Emílio Ribeiro, com sedes
em Manaus e Rio de Janeiro.
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projetos e/ou obras na região norte, nas cidades de Belém/PA, Manaus/AM, Boa Vista/RR e
Caracaraí/RR (Tabela 2), a partir do final da década de 1960.

Tabela 2: Registros de obras de Sergio Bernardes na Região Norte.


ESTADO REGISTRO ANO
AMAZONAS Hotel Tropical de Manaus 1968

Rótula dos Tarumãs 1974

Projeto de ocupação da Amazônia na região dos igarapés s/d


PARÁ Companhia de Telefones do Município de Belém – COTEMBEL 1968

Terminal rodoviário de cargas da região metropolitana de Belém 1981


RORAIMA Centro Cívico de Caracaraí 1976

Mercado Municipal de Caracaraí 1976

Estação rodoviária de Caracaraí 1976

Prefeitura Municipal de Boa Vista 1976

Praça Cívica de Boa Vista 1976


Fontes: MURIEL (1980) e BERNARDES (2017).

O Hotel Tropical de Manaus (Figura 2) era um, dentre vários hotéis que constituiriam
a rede denominada Tropical, que possuía a Viação Aérea Riograndense (VARIG) como
principal acionista, que inicia com a implantação do Hotel Tambaú em João Pessoa/PB28
(1962-1971). Entre 1969 e 1971, destacamos as matérias do Jornal do Commércio:
Hotel na selva amazônica tem seguro financiamento
Ao retornar de Nova Iorque, o arquiteto Sergio Bernardes anunciou que o
seu revolucionário projeto de construção de um hotel em plena selva
amazônica, a 7 quilômetros de Manaus, já tem financiamento no valor de
US$ 15 milhões, devendo ficar pronto dentro de 27 meses. (...)
Segundo o arquiteto, o ‘Hotel de Manaus’ pertence a um consórcio brasileiro
lid[e]rado pela Varig, sendo o primeiro no mundo a não ter janelas, nem
equipamento de ar condicionado, com seus 432 quartos situados acima das
copas das árvores, numa altura de 150 metros.
O prédio ficará coberto por duas campânulas de vidro (uma de cristal
térmico, outra de vidro temperado) com um diâmetro de 300 metros. A luz
do sol é filtrada através dos vidros, deixando passar apenas os raios
infravermelhos, enquanto o calor será anulado pela reflexão de modo a
permitir a temperatura ambiente em torno de 20 graus. A refrigeração será

28 Sobre os outros hotéis da rede, tem-se que “o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002) responsável
por vários projetos, como o Tropical Hotel de Recife (1968-não construído), o Tropical Hotel Tambaú (1962) e o
Tropical Hotel de Manaus (1963-primeira proposta, 1970-segunda proposta).”; “A princípio, a Companhia passou
a arrendar hotéis já construídos, como foi o caso do Hotel da Bahia, em Salvador e o Hotel Internacional dos
Reis Magos em Natal, ambos com feições notadamente modernistas e projetados por arquitetos de formação
moderna.” (PAIVA, R. ; DE PAULA, P. ; MACIEL, V. 2016, p. 1 e 4, respectivamente).

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garantida com o aproveitamento das águas dos igarapés (média de 12
graus), num original processo de circulação de ar. O financiamento foi
obtido junto ao ‘Development Financial Corporation’, a juros baixos. (Jornal
do Commércio, 1969, edição 20009)
Figura 2: Maquete do Hotel Tropical de Manaus, primeira versão (1963) e segunda versão (1970).

Fonte: Projeto Memória – Bernardes Arquitetura.

Paris vê o Hotel Tropical


(...) Sergio Bernardes tratou em Paris do projeto já aprovado para a
construção de um grande hotel em Manaus – Hotel Tropical – localizado na
Ponta Negra. O seu orçamento está previsto em 300.000 dólares. Sua área
será de 70.000 metros quadrados e terá 432 quartos.
O arquiteto participou de várias reuniões sobre os pontos básicos do projeto
e ainda vai acertar com a VARIG, que detém 60% das ações, os últimos
detalhes do empreendimento. (Jornal do Commércio, 1971, edição 20669)

O colunista social Ibrahim Sued registra, entre amenidades: “Por falar no arquiteto
Bernardes, ele fez uma conferência para colegas franceses e os deixou deslumbrados. Foi
sobre seu projeto de um hotel na selva amazônica. O projeto é ousadíssimo e os franceses
ficaram de boca aberta” (MANCHETE, 1971, p. 108). Nesse retorno ao Rio de Janeiro, após
o afastamento voluntário da família, traz na bagagem o esforço de Bernardes em viabilizar,
através de sua rede de conhecimentos, a implantação da referida rede de hotéis.

Sobre o projeto em Caracaraí, como dito anteriormente, não existem, até o


momento, dados documentais que confirmem a autoria. Contudo, vários elementos
técnicos, construtivos e projetuais remetem a Bernardes, como o uso de cobertura

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auto-portante, introdução da água como elemento da arquitetura e a modulação de
sua planta circular (Figura 3).
Figura 3: Prefeitura de Caracaraí/RR, projeto e execução do fim da década de 1970.

Fonte: Portal Roraima 1.

Retornando a folhear o Jornal do Commércio, uma nota, datada de 1969 chama a


atenção:

Vinte e três pavimentos, fachada em concreto e vidro ‘ray-ban’, assim é o


prédio, em fase final de construção, que o Banco da Amazônia ergue na
cidade de Belém, para servir à agência central. O projeto e autoria da
equipe do arquiteto Sergio Bernardes. Na cobertura haverá um heliporto,
disporá de subestação elétrica própria e um sistema de resfriamento indireto
total. Outro aperfeiçoamento a ser empregado é a situação da caixa-forte,
em tal disposição que permitirá a entrada do próprio carro blindado
(JORNAL DO COMMÉRCIO, edição 20006, 1969, p. 8, grifo nosso)

Esse edifício, inexistente nas referências documentais, surge como um enigma, visto
que a descrição de seus atributos e o registro taxativo de autoria indicam serem claramente
confiáveis29 e, verificado, numa visita breve in loco a existência dos itens listados na nota do
Jornal do Commércio, como o heliporto, algo improvável para as demandas de um projeto
na década de 1970 em Belém. Ademais, importante apontar, o Banco da Amazônia se

29 Para tanto já se iniciaram contatos com as instâncias referentes no Banco da Amazônia, em Belém/PA.
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constitui em uma instância de fomento e se insere como agente financiador das políticas
públicas para a região, desde os anos 194030, como instância de incentivo a um novo
capítulo da economia gomífera e na consolidação do papel de agente financeiro do Fundo
de Investimento da Amazônia (FINAM), administrado pela Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).

Figura 4: Edifício-sede do Banco da Amazônia, Belém/PA, década de 1970.

Fonte: Biblioteca Digital do IBGE

Portanto, além dos elementos de caráter revolucionário para a época, listados


anteriormente e diante da biografia profissional de Sergio Bernardes, não seria
incongruência considerar a autoria o Edifício-Sede do Banco da Amazônia (Figura 4), em
Belém como sua. Acreditamos que identificaremos outros registros como obras construídas,
na medida em que debruçarmos sobre outras fontes31 como o NPD-UFRJ e as relacionadas
aos respectivos órgãos locais.

30 Trata do período da promoção de imigração nordestina, dos ditos Soldados da Borracha, em plena 2ª Guerra
Mundial, no cômputo dos Acordos de Washington. Criado pelo Decreto-Lei nº 4.451, de 9 de julho de 1942 com o
nome de Banco de Crédito da Borracha, passando a se chamar Banco de Crédito da Amazônia S.A, em 1950;
Banco da Amazônia, em 1966 e recuperando o uso da sigla BASA a partir de 2019. Dados disponíveis em
https://www.bancoamazonia.com.br.
31Inclusive documentais, do acervo de Sergio Bernardes, sob a guarda do Núcleo de Pesquisa e Documentação
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NPD-FAU-UFRJ), tão logo
o arquivo esteja acessível, visto ter, o NPD, sofrido consequências de um sinistro de incêndio ocorrido em 20 de
abril de 2021. A jornalista Kykah Bernardes (2018) escreveu sobre o acervo de Bernardes no NPD-UFRJ.
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ENTRE LINHAS E TRAÇOS
É necessária atenção às linhas dos projetos e escritas nesse período, cientes que
muito há por descobrir. A contribuição de Sergio Bernardes foi além do que a arquitetura
que ele projetou, mas foi traçada a partir de mais de quarenta anos de estudos para a
proposição de nova divisão político-administrativa, baseada na hidrografia, a partir dos quais
planejou um novo modelo de desenvolvimento e preservação (BECKHEUSER, 2020),
denominado Modelo Hidráulico/Projeto Brasil, desenvolvido no LIC.

No campo da arquitetura, entre os trabalhos de Bernardes conhecidos na região


temos o Hotel Tropical de Manaus (com vasta documentação, embora não edificado) e o
Centro Cívico de Caracaraí/RR (sem comprovação documental). Em Belém, tem-se o
registro documental do edifício da COTEMBEL (ainda não identificado) e, soma-se a
esse, o edifício-sede do Banco da Amazônia. A dificuldade metodológica da
pesquisa se estabelece pela imprecisão quanto aos registros de projetos não
edificados e de obras sem documentos que deem aval à autoria.
A necessidade de contrapor evidências a documentos é fundamental, contudo
os impressos apontam para trilhas de descobertas importantes, diante da dificuldade
de acesso ao pesquisador da região às fontes documentais.

É inegável que estamos tateando o reconhecimento da contribuição do gênio de


Sergio Bernardes na Região Norte, contudo o presente artigo já apresenta dados inéditos e
fornece subsídios importantes para aprofundamento e pesquisas futuras.

REFERÊNCIAS
ARQUITETURA E ENGENHARIA. Rio de Janeiro. Nº 31, 1954.
BECKHEUSER, João Pedro. Sergio Bernardes: sob o signo da aventura do humanismo. São Paulo:
Revista Projeto, 2 de abril de 2020. Disponível em https://revistaprojeto.com.br/acervo/sergio-
bernardes-sob-o-signo-da-aventura-e-do-humanismo-por-joao-pedro-backheuser/ Acesso jul 2021.
BERNARDES ARQUITETURA. Projeto Memória: Sergio Bernardes. (site). Disponível em
https://www.bernardesarq.com.br/projeto-memoria/ Acesso ago 2021.
BERNARDES, Kykah. Memória da arquitetura moderna brasileira. Sobre a conservação dos
acervos de Sergio Bernardes e outros arquitetos cariocas. Drops, São Paulo, ano 19, n. 132.02,
Vitruvius, set. 2018 Disponível em https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.132/7102.Acesso
jul 2021.
BERNARDES, Kykah. Sergio Bernardes-pesquisa sobre projetos em Roraima (mensagem
pessoal). Mensagem recebida por claudia.nascimento@ufrr.br em 18 set. 2017.
BERNARDES, Kykah; CAVALCANTI, Lauro(orgs). Sérgio Bernardes. Rio de Janeiro: Artviva Editora,
2010.

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BERNARDES. Thiago Bernardes (argumento); Direção Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros
(direção). Rio de Janeiro: Rinoceronte Produções, 2014. 92 min., som, formato digital.
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2012.
JORNAL DO COMMÉRCIO. Manaus/AM. 1960-1980. Disponível em
http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital. Acesso jul 2021.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
LUCA, Tania Regina de. História dos,nos e por meio dos periódicos. In PINSKY, Carla
Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008, v. 1, p. 111-153.
MANCHETE. Rio de Janeiro,1952-1971. Disponível em http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital.
Acesso jul 2021.
MANCHETE. Rio de Janeiro:Bloch Editores, 17 abr 1965. Número Especial: Rio do Futuro, nº 678.
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.
MURIEL, Emanuel. Contemporary Architects. London: The MacMillian Press Ltd, 1980.
OCKERBLOOM, John Mark. The Architectural Forum. s/d. Disponível em
https://onlinebooks.library.upenn.edu/webbin/serial?id=architecturalforum Acesso ago 2021.
PAIVA, R. ; DE PAULA, P. ; MACIEL, V. Tropical Hotel de Manaus(1963)de Sérgio Bernardes:
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Anais...Recife: DOCOMOMO_BR, 2016. p. 1-12.
PONGETTI, Henrique. Contra Cabo Frio, in REVISTA MANCHETE, edição 140, 1954, p. 3.
TINEM, Nelci. Arquitetura Moderna Brasileira: a imagem como texto. Arquitextos, São Paulo, ano
06, n. 072.02, Vitruvius, maio 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.072/352>.
USP. Índice de Arquitetura Brasileira 1950/70. São Paulo: FAU-USP/Biblioteca, 1974: 671 p.
Disponível em https://bibfauusp.files.wordpress.com/2014/07/c3adndice-de-arquitetura-brasileira-
1950-1970.pdf Acesso ago 2021.

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EIXO TEMÁTICO 3

Patrimônio em ruínas e comércio em ascensão: o Centro Histórico


de Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil.

RIBEIRO, HÉVILA R. C. (1)


1. PPGAU - UFPB
Juazeiro do Norte, Ceará
hevilacr@hotmail.com

RESUMO
O município de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, é reconhecido atualmente pela pluralidade de
seu pólo universitário, comercial, e principalmente, pela identidade religiosa, expressiva
nacionalmente. Sua história gesta o reconhecido Padre Cícero Romão Batista, efetivo como figura
relevante em gestão política, instrução vocacional e personalidade religiosa. Entretanto, o acelerado
crescimento urbano e econômico impulsionados pelo turismo religioso e pelo comércio, permitiu o
desvanecimento de trechos históricos por edificações sem valor patrimonial ou arquitetônico, dando
lugar a segmentos em ascensão, como estabelecimentos comerciais ou estacionamentos. Diante
desta problemática, este trabalho tem como objetivo identificar as diferentes linguagens arquitetônicas
encontradas na área correspondente ao núcleo histórico do município na primeira década do século
XX, os usos atuais dessas edificações e a relação destes com a manutenção dos elementos
estilísticos. Para tal, foi realizada uma pesquisa documental, juntamente com levantamento de
informações in loco, tendo como produto mapas temáticos georreferenciados e o Inventário de
Identificação de Patrimônio Edilício da área em estudo. A pesquisa demonstrou que a área em
análise tornou-se essencialmente não-residencial, tendo o setor comercial como principal agente da
descaracterização ou modificação das edificações históricas. Juazeiro do Norte não soube preservar
seu acervo original, adaptando-o a novos usos, descaracterizando ou até mesmo demolindo sua
história edificada, sob o discurso da chegada do “progresso”, o que pode ter contribuído para que
muitos vestígios e traços da construção local fossem apagados, dificultando o entendimento do
processo de urbanização e das atividades sociais e culturais que ocorreram na cidade ao longo do
tempo.
Palavras-chave: Patrimônio arquitetônico, centro histórico, Juazeiro do Norte, preservação.

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INTRODUÇÃO
A arquitetura é o único meio que dispomos para conservar vivo um laço com o passado, ao
qual devemos nossa identidade (CHOAY, 2017). Assim, podemos entender que as
edificações são carregadas de significados e valores potencializados pela cultura, permitindo
fazer uma leitura não verbal dos processos econômicos e sociais que formaram o espaço
urbano (ALVES, 2016).

O centro está associado à origem do núcleo urbano de uma cidade, não necessariamente
correspondendo ao seu centro, entendendo este como ponto de convergência onde as
atividades urbanas se produzem em maior intensidade (GURGEL, 2008). Portanto, o Centro
Histórico pode ser entendido como um lugar onde se encontram todos os vestígios iniciais
da história local, possuindo papel essencial quanto à identidade de seus cidadãos e
visitantes (VARGAS; CASTILHO, 2015). Entretanto, estudos observam que os centros
históricos vêm se tornando apenas uma pequena parte da cidade, visto que, a
transformação de uso na área central, na maioria das vezes tornando-se estritamente
comercial, somando-se a especulação imobiliária e ao desejo de modernização; provoca a
adaptação das tipologias edificadas existentes para atender as necessidades da atual
função, o que pode ocasionar a sua descaracterização (FERNANDES, 2004).

Diante disso, buscou-se caracterizar a área que corresponde ao núcleo histórico de Juazeiro
do Norte na primeira década do século XX, através da identificação dos usos atuais das
edificações, das diferentes linguagens arquitetônicas e por fim correlacionar a relação
destes fatores com a manutenção dos elementos estilísticos. Vale ressaltar que este artigo,
sintetiza achados da análise que dá sustentação ao trabalho de graduação da autora, o qual
objetivava analisar a formação e transformações na paisagem urbana do município em
questão (RIBEIRO, 2019).

RETROSPECTIVA URBANA - CENTRO HISTÓRICO DE JUAZEIRO


DO NORTE

Juazeiro do Norte1 tem sua origem no início do século XIX, a partir do ano de 1827, com a
construção da capela de Nossa Senhora das Dores, atualmente conhecida como Igreja
Matriz de Nossa Senhora das Dores (PEREIRA, 2014).

1
A cidade passou a se chamar Juazeiro do Norte a partir de 1943 em virtude do parecer de 14-06-1946 do
Conselho Nacional de Geografia” (IBGE) para que não se confundisse com a cidade de Juazeiro da Bahia. Antes
disso pode-se encontrar vários tipos de grafias, como Joaseiro, Juazeiro, Joazeiro, Juàzeiro etc.
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No dia 1º de março de 1889 ocorre o chamado “milagre da hóstia”, na capela de Nossa
Senhora das Dores no povoado, protagonizado pela beata Maria de Araújo e pelo Padre
Cícero Romão, no qual a hóstia entregue a beata teria se transformado no sangue de Cristo.
Este evento é caracterizado como principal fator de mudança para a localidade, pois após se
espalharem as notícias sobre o “milagre” um grande contingente de pessoas dos mais
diversos lugares do país começou a visitar o vilarejo por acreditar que o local seria uma terra
santa (DELLA CAVA, 2014).

As intensas migrações provocaram um salto demográfico em poucos anos, Della Cava


(2014) afirma que entre os anos de 1890 e 1898 ultrapassa 5 mil habitantes, chegando a 15
mil em 1909. A configuração inicial do povoado, foi sofrendo suas primeiras alterações,
expandindo-se na direção sul com uma malha regular em grelha com quadras retangulares
em dimensões variadas (JUAZEIRO DO NORTE, 2000).

A atividade econômica principal de Joaseiro provinha da fabricação de artigos domésticos


com matéria-prima local (louças de barro, chapéus, panelas, entre outros. Em 1909 a maior
parte dos artesãos já havia instalado suas oficinas próximas à capela, para ficar mais perto
do público em geral (DELLA CAVA, 2014). O comércio religioso cresceu vigorosamente, o
que permitiu que o núcleo central do vilarejo fosse se consolidando com equipamentos e
serviços diferenciados, localizados principalmente nas redondezas da atual Praça Padre
Cícero (CEARÁ, 2000).

Nos quinze anos após ao conhecido “milagre da hóstia”, com a economia já estava
consolidada, ocorre o movimento de autonomia do município em relação a cidade do Crato,
tornando-se independente em 1911 e tendo como primeiro prefeito o Padre Cícero, que já
havia sido afastado da vida eclesiástica (DELLA CAVA, 2014). Na década de 1920, Juazeiro
do Norte passa a ser a principal liderança política da região do Cariri e possuir notoriedade
nacional, o que resultou na chegada do ramal da Estrada de Ferro da Rede de Viação
Cearense em 1926. A via férrea foi responsável por um novo traçado urbano e por uma nova
expansão, desde sua inauguração; devido a concentração em suas proximidades de
estabelecimentos comerciais, atacadistas e varejistas transformou-se em uma área
adensada (JUAZEIRO DO NORTE, 2000); até então, a atividade comercial concentrava-se
nas imediações da atual Praça Padre Cícero (PEREIRA, 2014).

A década de 1930, marca a saída da cena econômica e política das duas principais figuras
da política local: Padre Cícero e Floro Bartolomeu; o primeiro morreu em 1934 com 90 anos
de idade, e o segundo em 1926 (DELLA CAVA, 2014). Após a morte de Cícero, as romarias

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cresceram com uma rapidez considerável gerando uma peregrinação intensa aos locais
relacionados com sua vida e morte (JUAZEIRO DO NORTE, 2000).

Entre as décadas de 1930 e 1950, o município passou por aceleradas transformações,


visando a modernização do seu centro urbano. Foram realizadas obras de ampliação e
melhoramento do calçamento, além da construção de edificações e marcos que fazem parte
da imagem do centro histórico, como a Escola Normal Rural (1934) e a Coluna da Hora2 da
Praça Padre Cícero. Através da análise de fotografias antigas, pode-se perceber que as
construções dessa época seguiam as tendências do estilo Art Decó, que havia surgido no
Brasil no final da década de 1930 até meados da década de 1940, correspondendo a um
período de transição entre o ecletismo e o modernismo (ALBERNAZ; LIMA, 1998).

A cidade continuava se expandindo de forma rápida, com a criação de novos bairros e


espaços públicos, seguindo uma malha urbana em “formato de xadrez” nos sentidos leste e
oeste (DINIS, 1935). Com a pesquisa, pode-se perceber que entre 1910-1920 a malha
urbana tentou seguir o mesmo padrão do núcleo original (1872 e início do século XX),
enquanto a malha formada entre 1920 e 1940 encontra-se mais irregular; este fato pode ser
atribuído ao rápido aumento demográfico decorrente da chegada de migrantes de baixo
poder aquisitivo que acabavam ocupando as áreas periféricas do município visto o alto valor
do solo urbano do centro (RIBEIRO, 2019).

Na década de 1960, a história política do município é marcada pelo início da hegemonia


política dos Irmãos Bezerra na cidade e posteriormente sobre o estado. Foi nesse período
que o município deu início à “modernidade”, com o calçamento de vias públicas, redes de
distribuição de energia e de água, além da construção de novas praças e escolas
(PEREIRA, 2014). Percebe-se também a mudança no gabarito das edificações da cidade,
com a construção de edificações com três e quatro pavimentos (WALKER, 2017). É neste
contexto em que surgem as primeiras edificações com filiação modernista, como exemplo a
sede da prefeitura de Juazeiro do Norte, inaugurada em 1965 (RIBEIRO; COUTINHO,
2019).

Entre as décadas de 1970 e 1980, ocorreu o boom populacional. No censo de 1970, a


cidade contabilizava uma taxa de urbanização de 83,86% (CEARÁ, 1980). Boa parte da
movimentação dava-se principalmente no centro, tanto por ser a área onde se encontravam
os locais sagrados, quanto pela forte presença do comércio, como consequência desse

2
Relógio oferecido e produzido pelo juazeirense Pelúsio Correia de Macedo, com projeto do arquiteto Agostinho
B. Odísio. O relógio que marca as horas, os dias da semana e as fases da lua, não se encontra mais em seu
estado original (WALKER, 2017).
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processo, ocorreu a migração das classes de maior poder aquisitivo para os loteamentos de
alto padrão, como o Lagoa Ville e Lagoa Seca, mais tarde transformados em bairros. Esse
movimento teve influência direta na venda dos antigos casarões existentes no centro e que
mais tarde dariam lugar a pontos comerciais, transformando totalmente o núcleo de
formação do município (OLIVEIRA, 2014). As décadas de 1980 e 1990 mostram-se como as
de maior mudança na morfologia do centro histórico, principalmente nas áreas próximas à
Praça Padre Cícero, devido às obras de abertura e alargamento de ruas, para possibilitar
uma maior circulação e mobilidade (PEREIRA, 2014).

No ano de 2000 Juazeiro do Norte apresentava uma taxa de urbanização de 95,33%


(IPECE, 2006), é nesse período em que é elaborado o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano (PDDU) do município (JUAZEIRO DO NORTE, 2000). Para estruturar este
documento foi produzido o Relatório de Questões/ Módulo Conceito (RQ), que consiste em
um diagnóstico dos problemas e questões relevantes da cidade, com base em
levantamentos realizados em campo, pesquisas bibliográficas e depoimentos de moradores
(JUAZEIRO DO NORTE, 2000).

Em relação ao patrimônio arquitetônico local, o RQ já evidenciava que o município não


soube preservar seu acervo original, adaptando-o a novos usos e consequentemente
descaracterizando ou até mesmo demolindo as edificações históricas. Poucas são
edificações encontradas que retratam o passado, sobretudo a época na qual viveu o Padre
Cícero, além disso, a paisagem urbana já perdeu a harmonia da escala e tipologia uniformes
(JUAZEIRO DO NORTE, 2000). Vale ressaltar que nos últimos anos também pode-se
observar uma nova tendência, a destruição ou descaracterização de edificações históricas
para dar lugar a estacionamentos, visto que o centro comercial não possui estrutura urbana
adequada para o intenso tráfego de veículos particulares (RIBEIRO, 2019).

O centro histórico possui a peculiaridade de ser um sítio sagrado onde se encontram os


principais monumentos religiosos alusivos ao Padre Cícero, o que contribui ainda mais para
fortalecer a imagem dessa área e sua dinâmica comercial (JUAZEIRO DO NORTE, 2000).
Entretanto, até mesmo os espaços sagrados passaram por transformações, visto que sob o
discurso de modernização a Igreja também promoveu reformas em suas edificações, não
tão acentuados quanto os causados pelo Estado e pelo comércio, mas que precisam ser
ressaltados (OLIVEIRA, 2014).

Em relação a qualidade do espaço urbano, pode-se perceber uma desregulamentação das


atividades comerciais prejudicando a imagem dessa área, sobretudo devido a poluição

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sonora e visual (JUAZEIRO DO NORTE, 2000). A situação ainda é mais caótica graças ao
intenso fluxo de veículos, a utilização da via como estacionamento e ausência ou
precariedade de mobiliários urbanos essenciais, como lixeiras. Outra problemática a ser
relatada é a forte presença de edificações ocupadas com comércios ou serviços que
funcionam apenas em horário comercial, o que contribui para que no período noturno e nos
dias não úteis a área apresente uma sensação de vazio e insegurança (RIBEIRO, 2019).

Percebendo a depreciação do espaço público da zona central e a modificação da imagem


simbólica, principalmente no que tange o turismo religioso; a administração municipal gestão
2017-2021, promoveu uma série de intervenções na área correspondente a praça Padre
Cícero sob o discurso de revitalizar e resgatar seus conceitos originais. Apesar do resultado
ser bem avaliado e ter visivelmente promovido uma melhor apropriação do espaço pela
população é necessário destacar que esse processo traz consigo uma realidade das
chamadas “revitalizações” no Brasil, cujo principal protagonista é o turismo, devido a
potencialidade econômica presente nos centros antigos. Assim, o patrimônio histórico passa
a ter uma dupla função: ao passo que ele promove os valores culturais da cidade, ele é
oferecido como um produto e passa a ser moldado para este fim (CHOAY, 2017).

METODOLOGIA

O Centro Histórico de Juazeiro do Norte, município localizado no Cariri Cearense, é definido


pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Para este trabalho, no entanto, foi
considerado como recorte geográfico e temporal, a área correspondente à expansão do
núcleo histórico do município na primeira década do século XX. Esse recorte foi selecionado
após a análise da evolução histórica, pois além de ser o núcleo original de formação, eram
nas imediações dos espaços sagrados (Igreja de Nossa Senhora das Dores e Capela do
Socorro) e da atual Praça Padre Cícero onde ocorriam os principais os eventos e atividades,
o que faz com que a área possua uma imagem simbólica e singular que deveria ser mantida
(RIBEIRO, 2019).

Os imóveis contidos no recorte foram identificados através de coleta de dados in loco,


realizada entre os meses de setembro e novembro de 2019, de forma a obter todas as
informações necessárias à leitura da situação funcional e de preservação das edificações.
Todos os imóveis da área em estudo foram fotografados e identificados através de fichas
técnicas, que no final compuseram o Inventário de Identificação do Patrimônio Edilício de
Juazeiro do Norte. Para a produção dos mapas temáticos, foram empregadas as técnicas de

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geoprocessamento, utilizando-se como ferramenta o software ArcMap, onde foram inseridos
todos os atributos necessários para leitura e compreensão das variáveis (RIBEIRO, 2019).

A fração urbana em estudo é composta por 895 lotes distribuídos em 23 quadras, das quais
duas são praças (praça Padre Cícero e a praça do Socorro). Os índices coletados sobre o
estado de preservação e conservação desses imóveis, demonstram que grande parcela das
edificações históricas já foi demolida ou descaracterizada, pois dos 895 lotes analisados
apenas em 259 imóveis foi possível identificar características estilísticas originais ou pouco
modificadas, estes foram classificados como Imóveis Recomendados a Conservação - IRC
(RIBEIRO, 2019).

A Figura 01 a seguir apresenta o mapa da área em estudo, referente ao núcleo histórico de


Juazeiro do Norte na primeira década do século XX e sua porção dentro da delimitação do
Centro Histórico definido pelo PDDU. Em vermelho os imóveis classificados como IRC e em
branco os imóveis considerados como descaracterizados (RIBEIRO, 2019).

Figura 1 - Mapa de distribuição dos imóveis recomendados a conservação e a representação


da área em estudo dentro do perímetro total do Centro Histórico

Fonte: RIBEIRO, 2019, p. 109.

Pode-se observar que a maioria dos imóveis se encontram dispersos, mas ainda é
possível identificar algumas zonas de concentração nas proximidades da Igreja Matriz
de Nossa Senhora das Dores e da Capela do Socorro. Na zona mais comercial (como

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será exposto adiante) são poucos os imóveis selecionados, tornando-se mais viável
apenas a proteção de bens isolados e não de conjuntos, o que pode dificultar uma ação
pública de investimento.

USO DO SOLO

Após entender e analisar as mudanças na estrutura urbana do núcleo histórico de Juazeiro


do Norte ao longo do tempo, pode-se perceber que a área de estudo delimitada era
inicialmente uma zona predominantemente residencial, mas gradativamente substituída pelo
uso comercial e de serviços (RIBEIRO, 2019). Assim, com o objetivo de analisar as relações
entre uso do solo e a preservação e conservação do patrimônio edificado, dividiu-se esta
categoria em: residencial unifamiliar, residencial multifamiliar, hotelaria (pousadas, ranchos e
hotéis), comercial, armazenagem, institucional, serviços, fechado/abandonado, lote vazio
(terreno), estacionamento e edificações de uso misto (quando possuem mais de um uso).

A Figura 2 a seguir apresenta os usos do pavimento térreo das edificações encontradas na


área de estudo:

Figura 2- Uso do pavimento térreo das edificações da área correspondente ao centro histórico
de Juazeiro do Norte na primeira década do século XX.

Fonte: RIBEIRO, 2019, p. 95.


Pode-se perceber que todas as quadras possuem variedade de usos, entretanto, é notável a
concentração do uso comercial e de serviços na direção sul, a maior parte destes imóveis

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funcionam apenas em horário comercial o que faz com que no período noturno estas áreas
passem a sensação de vazio e insegurança. As edificações destinadas a hospedagem
(hotelaria e comercial/hotelaria) encontram-se mais concentradas na porção norte do mapa,
nas proximidades da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores e da Praça Padre Cícero,
por permitirem uma maior proximidade entre os romeiros e os espaços sagrados.

As edificações de uso residencial encontram-se dispersas por todo o mapa, mas é possível
identificar que na porção leste há uma maior concentração deste uso. Tomando-se como
exemplo a rua São José, identifica-se que apesar da maior parte das edificações nessa via
serem de uso residencial, observa-se um crescente número de imóveis destinados a
serviços. Vale ressaltar que algumas quadras não possuem edificações de uso residencial,
mas ainda é possível detectar residências em vias em que prevalecem os comércios e
serviços, resistindo a esse processo de mudança de uso pelo qual o centro histórico do
município vem passando.

O gráfico a seguir apresenta as proporções do uso do solo no pavimento térreo:

Gráfico 01 - Uso do solo do pavimento térreo

Fonte: RIBEIRO, 2019, p. 96.


Tem-se destaque O uso comercial, encontrado na maioria dos imóveis (303 lotes, 33,89%).
Já o uso residencial unifamiliar representa 29% das edificações, totalizando 256 lotes. Estas
edificações possuem diversos padrões, os mais recorrentes são casas de “porta e janela” e

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“porta e portão”, sendo este último possivelmente uma consequência da adaptação de
antigas edificações ao uso do automóvel.

Vale ressaltar também as edificações destinadas a estacionamento, que representam 2%


(18 lotes). Esta categoria é marcada pela demolição ou descaracterização de antigas
edificações, para dar lugar aos veículos; estes imóveis geralmente possuem uma estrutura
típica de galpão ou apenas o terreno vazio com uma coberta de proteção. Através da análise
do Mapa de Uso do Solo (Figura 2), pode-se identificar que essa tipologia concentra-se
principalmente nas proximidades das quadras onde há maior número de comércio e de
serviços.

Em relação ao uso dos pavimentos superiores, identificou-se que a maior fração destina-se
ao ramo da hotelaria (63 lotes, 24%). É interessante destacar uma oscilação na ocupação
dos imóveis quando são analisados por pavimentos, visto que a medida que os andares
sobem percebe-se a subutilização destes, que acabam sendo empregados na
armazenagem de produtos (53 imóveis, 20% do total) ou até mesmo encontram-se
fechados/vazios (20 imóveis, 8%), a maioria dos quais se destinam ao uso comercial no
térreo enquanto os demais pavimentos muitas vezes são escondidos pelos anúncios
publicitários que acabam por agravar a poluição visual da área.

FILIAÇÃO ESTILÍSTICA

O critério de filiação estilística é utilizado em levantamentos extensivos quando não se é


possível investigar o conjunto caso a caso, como sua época de construção ou reforma
importante (TRIGUEIRO & CAVALCANTI, [s.d]). Assim, foram analisadas as fachadas de
cada IRC (259 lotes) de forma a identificá-la como representante de uma das fases dos
cenários construtivos no Brasil. Nesse estudo, a filiação estilística faz referência a produção
arquitetônica eclética, protomoderna/art-déco, modernista, híbrido (a ser especificado) e
recente/contemporâneo.

Vale salientar que para análise das características estilísticas foram considerados apenas os
imóveis classificados como IRC (259 edificações), pois são aqueles em que foi possível
identificar características estilísticas originais ou pouco modificadas que se enquadrassem
no recorte temporal do princípio do século XX a meados da década de 1980, de forma a
contemplar tanto as edificações com filiações estilísticas ecléticas quanto modernistas,
observadas na área em estudo (RIBEIRO, 2019).

A Figura 3 a seguir apresenta a distribuição espacial das edificações identificadas:

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Figura 3 – Filiação estilística

Fonte: RIBEIRO, 2019, p. 126.


O estilo eclético surge na Europa no final do século XVII e prevalece até o início do século
XX. No Brasil predomina desde meados do século XIX às primeiras décadas do século XX
(ALBERNAZ; LIMA, 1998). Foram catalogadas na área em estudo 37 imóveis (14%) com
filiações ecléticas (em vermelho), concentradas principalmente nas porções norte e nordeste
do mapa. Para esta classificação, foram consideradas as características do ecletismo
elencadas por TRIGUEIRO & CAVALCANTI (s.d):

• Construção recuada dos limites laterais, conservando-se frequentemente sobre o


alinhamento da rua; comumente o recuo era apenas de um dos lados, do outro
quando existia reduzia-se ao mínimo.

• Coberturas, em duas ou múltiplas águas, recobertas de telhas cerâmicas de "capa e


canal" ou planas;

• Elementos decorativos nas platibandas que podem ser recortadas em linhas retas,
curvas, sinuosas, escalonadas;

• As vergas podem ser retas, em arco pleno, em arco ogival, recortadas ou mistas;
molduras em reboco acompanham o contorno dos vãos;

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A Figura 4 a seguir apresenta exemplos das edificações encontradas e suas respectivas
filiações estilísticas.

Figura 4- Exemplo de edificações com filiações ecléticas (A), híbrido: colonial/eclético


(B), protomoderna (C), híbrido: colonial/protomoderno (D), moderno (E).

Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

Foi utilizada a classificação híbrido colonial/eclético, correspondente a edificações com


filiações coloniais que sofreram adaptações para a arquitetura eclética (GURGEL, 2008).
Define-se nesse estudo como colonial a edificação que apresenta características formais
legadas do período colonial mesmo construída em épocas posteriores a 1822; visto que
muitas cidades brasileiras esse tipo de arquitetura adquiriu status de vernácula (própria do
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lugar) por se mostrar adequado às condições ambientais e tecnológicas locais (TRIGUEIRO
& CAVALCANTI, [s.d]). Identificou-se 83 edificações (32%) com a classificação híbrida:
colonial/eclética, nota-se que essas edificações (em verde) encontram-se distribuídas
principalmente nas direções noroeste e nordeste, com uma maior concentração nas zonas
residenciais. Foram assim consideradas as edificações que tinham como características
exteriores dominantes, TRIGUEIRO & CAVALCANTI (s.d):

• Construção alinhada sobre a testada do lote; quase sempre sem recuo ou, às vezes,
com recuo lateral ou bilateral;

• Volumetria simples, podendo conter platibandas recortadas em linha reta;

• Nas fachadas principais, cheios predominam sobre vazios com vãos semelhantes e
dispostos a intervalos regulares;

• Vergas retas ou em arco abatido; molduras de pedra ou reboco acompanham,


geralmente, o contorno do vão;

O estilo protomodernista/art-déco surgiu na Europa na década de 1910, situando-se


cronologicamente entre o ecletismo e o modernismo. No Brasil, é difundido principalmente
na década de 1930 e mantém-se predominante até o final dos anos 1940 (ALBERNAZ;
LIMA, 1998). Foram identificadas na área de estudo 50 edificações (20%), na Figura 2
nota-se que que estes imóveis (em laranja) se encontram distribuídos por toda área, estando
também presentes na zona mais comercial. Quanto às características que podem ser
encontradas:

• Volumes compactos, onde há um forte relacionamento da rua com a edificação e


com ornamentação em molduras longitudinais retilíneas envolvendo portas e janelas
(ALBERNAZ; LIMA, 1998).

• Tripartição vertical das edificações em base, corpo e coroamento, tendo a coberta


escondidas por platibandas que arrematam o topo da edificação com o uso de
escalonamentos como frisos e ornamentos geometrizados (CONDE, 2000).

• Predominância dos cheios sobre vazios, podendo ser identificadas também a


presença de Varandas semi-embutidas (CONDE, 2000).

De forma a considerar também as possíveis atualizações estilísticas das edificações que


apresentam características formais legadas do período colonial, como foi explicado
anteriormente, e das edificações ecléticas aos elementos inseridos pelo protomodernismo,
utilizou-se a classificação híbrido: colonial/protomoderno. Como características

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predominantes considerou-se a implantação no lote e platibandas decoradas com frisos
retilíneos (GURGEL, 2008). Foram catalogados 42 imóveis, correspondendo a 16% do total;
observando a Figura 3, infere-se que as edificações desta categoria (em amarelo),
concentram- se na porção nordeste do mapa, zona mais residencial.

O modernismo surge na Europa no início do século XX e difunde-se no Brasil na década de


1930 (ALBERNAZ; LIMA, 1998), caracteriza-se por edificações ligadas a estética
racionalista, com volumes geometrizados e fachadas sem ornamentação (REIS FILHO,
2014). Foram identificados 47 imóveis (18% do total) com filiações modernistas.
Analisando-se o Mapa 10 pode-se perceber que estas edificações se concentram
principalmente na porção oeste do mapa, nas imediações da praça Padre Cícero. Suas
características mais frequentes são:

• Edifício com recuo frontal e frequentemente bilateral, volumes simples ou compostos. Nas
fachadas predominam os vazios sobre os cheios

• Telhado de telhas de “capa e canal” sobre estrutura de madeira ou telha canal sobreposta
sobre laje em concreto armado (AMORIM, 2001).

• Amplas aberturas nas fachadas, geralmente em faixas horizontais (ALBERNAZ; LIMA,


1998).

• Esquadrias nas suas diversas formas e materiais, com a presença de brise-soleil ou


elementos vazados como cobogós ou venezianas (AMORIM, 2001).

• Planos opacos recobertos com material cerâmico, azulejo ou pedra (AMORIM, 2001).

Com os dados levantados concluiu-se que a variedade de filiações estilísticas


identificadas na porção em estudo revela os processos de transformações da arquitetura
local, captando aspectos antes despercebidos no seu exame em singular e permitindo
assim uma maior percepção dos processos urbanos e culturais.

SÍNTESES

Nesta etapa do trabalho serão analisadas as relações entre o uso do solo e as filiações
estilísticas das edificações e sua correlação com o estado de preservação de seus
elementos.

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USO DO SOLO X FILIAÇÃO ESTILÍSTICA

A tabela a seguir apresenta os dados coletados em relação ao uso do solo e filiação


estilística:

Tabela 1 - Percentuais de uso do solo por filiação estilística

Eclético Híbrido: Protomoderno Híbrido: Modernista


colonial/ colonial/
eclético protomoderno

Comercial 16% 23% 38% 17% 34%

Fechado 11% 7% 8% 12% 15%

Hotelaria 8% 7% 8% 5% 7%

Institucional 22% 4% 2% 13%

Misto: 0 9% 2% 0 2%
comercial/hotelaria

Misto: residencial / 3% 0 4% 2% 4%
comercial ou
residencial/ serviços

Residencial 40% 53% 24% 60% 19%


unifamiliar

Residencial 0 0 0 0 2%
multifamiliar

Serviços 0 1% 12% 2% 4%

Total 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Elaborado pela autora, 2021.


Para os imóveis classificados como ecléticos, o uso residencial unifamiliar corresponde a
40% (15) das edificações. Entretanto, estes imóveis possuem o maior percentual de uso
institucional quando se comparado com as outras categorias, representando 22% (8), uma
vez que é a filiação predominante nas edificações ligadas à Igreja, como a capela do
Socorro e o complexo da igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores. É também a única
categoria que não apresenta edificações destinadas a serviços e ao uso misto:
residencial/comercial ou residencial/serviços.

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Os imóveis classificados como híbridos: colonial/eclético apresentam a maioria das
edificações destinadas ao uso residencial unifamiliar (44, 53%), configurando-o como a
filiação mais utilizada para esta atividade. Porém, também comparando com as demais
categorias, é a com maior número de imóveis utilizados para o comércio – comercial e
mistos a este – com 26 edificações, o que corresponderia a 31% do total; é também a única
categoria que não apresenta imóveis com o uso institucional.

Os imóveis com filiações protomodernistas, são em sua maioria destinados ao uso comercial
(19, 38%), seguido pelo uso residencial com 24% (12). Vale destacar que esta categoria é a
mais utilizada pelos usos ligados à hotelaria e aos serviços. Em contrapartida, a categoria
híbrido: colonial/protomoderno apresentou elevado percentual de edificações com uso
residencial.

ESTADO DE PRESERVAÇÃO X FILIAÇÃO ESTILÍSTICA

Para este estudo, a fim de identificar o estado de preservação dos elementos estilísticos,
foram considerados como:

i. Preservado: imóvel que apresenta características estilísticas preservadas em sua


fachada.

ii. Modificado: imóvel que apresenta alguma modificação em parte de suas


características originais, como a substituição de esquadrias.

Quanto a relação entre as filiações estilísticas e o estado de preservação das edificações, a


tabela a seguir apresenta os dados coletados:

Tabela 2 - Percentuais de filiação estilística e estado de preservação

Preservado %Preservado Modificado %Modificado

Eclético 13 20% 24 12%

Híbrido: colonial/ eclético 19 29% 64 33%

Protomoderno 10 15% 40 21%

Híbrido: colonial/ protomoderno 05 8% 37 19%

Modernista 18 28% 29 15%

Total 65 100% 194 100%

Fonte: RIBEIRO, 2019, p.138.

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Nos imóveis considerados como preservados, as edificações com filiações híbrido:
colonial/eclético (19, 29%) e modernista (18, 28%) apresentam o maior percentual de
preservação. Isto pode ser explicado através dos dados coletados pela comparação
filiação estilística e uso do solo, apresentados anteriormente, onde infere-se que os
imóveis híbridos: colonial/eclético apresentam o maior número de edificações
destinadas ao uso residencial unifamiliar (44, 53%); enquanto os imóveis modernistas
possuem uma boa quantidade de edifícios ligados ao uso residencial e institucional, que
mostraram-se menos prejudiciais a preservação do patrimônio edificado quando
comparado ao uso comercial (RIBEIRO, 2019).

Os imóveis modificados têm como maior percentual também as edificações de filiação


híbrido: colonial/ eclético (33%, 64 lotes), principalmente por ser a classificação
estilística com o maior número de imóveis recomendados a conservação (83 de 259
lotes, 32% do total) e ter a maior quantidade de edifícios comerciais- uso comercial e
mistos a este- quando se comparado às demais categorias. Entretanto, vale salientar o
percentual de edificações de filiação protomodernista que se encontram modificadas
(40, 21%), visto que na comparação filiação estilística e uso do solo, esta categoria
apresentou a maior parte de seus imóveis destinados ao uso comercial (19, 38%),
afirmando mais uma vez o quão prejudicial o comércio foi para a preservação do
patrimônio e da memória edificada do município (RIBEIRO, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo deste trabalho foi promover uma primeira discussão teórica acerca do
patrimônio urbano-arquitetônico do centro histórico de Juazeiro do Norte, de forma a
despertar o interesse para a importância de sua preservação.

As análises apresentadas ao longo do trabalho demonstram que a área corresponde ao


Centro Histórico de Juazeiro do Norte na primeira década do século XX tornou-se
essencialmente não-residencial, tendo o setor comercial como destaque.A observação mais
profunda das relações causa-e-efeito entre as mudanças de uso da área e a preservação do
seu acervo histórico constatou o modo como estas novas funções dialogam com o processo
de descaracterização e degradação do patrimônio edificado.O estudo correlacional aqui
apresentado apresenta-se também como um atestado da necessidade de se considerar a

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dinâmica entre as variáveis analisadas no planejamento urbano da cidade e nas futuras
propostas de valorização do Centro de Juazeiro do Norte.

REFERÊNCIAS

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ProEditores, 1998.

ALVES, Adriane Luiz. A descaracterização dos centros históricos segundo a percepção


do morador: o caso de Bagé - RS. 2016. 198 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2016.

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paradigmas e alguns paradoxos. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 012.03, Vitruvius, maio
2001. Disponível em:<https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.012/889>.
Acesso em out. de 2019.

CEARÁ. Pesquisa sobre as condições de vida da população de baixa renda das


cidades de Crato e Juazeiro do Norte-Ceará. Fortaleza, 1980.

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Vieira Machado. – 6 ed. – São Paulo: Estação da Liberdade: Ed. UNESP, 2017.

CONDE, Luiz Paulo. Guia de arquitetura Art Decó no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
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DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro/ Ralph Della Cava; tradução Maria Yedda
Linhares. – 3ª ed.- São Paulo; Companhia das Letras, 2014.

DINIS, Manoel. Mistérios do Joazeiro. Juazeiro do Norte, 1935.

FERNANDES, J. A. R. Reabilitação de centros históricos e reutilização da cidade: O


caso de Porto-Gaia/ 1-13 – Departamento de geografia. Ano/2004.

JUAZEIRO DO NORTE. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do município de


Juazeiro do Norte: Legislação básica. 2000. 42 p.

______. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do município de Juazeiro do Norte:


Relatório de questões/ módulo conceito. 2000. 156 p.

GURGEL, Ana Paula Campos. Crato: formação e transformações morfológicas do seu


centro histórico. 2008. 213f. Trabalho Final de Graduação (Graduação em Arquitetura e
Urbanismo) – Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, 2008.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Editora
Perspectiva, 12ª ed. 2014.

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RIBEIRO, Hévila R. C. (2019) Crescimento x Esquecimento: estudo sobre a
descaracterização do centro histórico de Juazeiro do Norte – CE, Juazeiro do Norte,
Faculdade Paraíso do Ceará.

______. COUTINHO, Carolina Mapurunga Bezerra. TEM MODERNISMO NA TERRA DO


PADRE CÍCERO?. In: Anais do 3º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil. Anais...Belo
Horizonte (MG) Centro de Atividades Didáticas 2 - CAD2 | Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG | Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha - Belo Horizonte/MG, 2019.

PEREIRA, Cláudio Smalley Soares. Centro, centralidade e cidade média: o papel do


comércio e serviços na reestruturação da cidade de Juazeiro do Norte/CE. 328 f.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho FCT/UNESP, Presidente Prudente, 2014.

OLIVEIRA, Paulo Wendell Alves de. MEMÓRIA DA CIDADE: Transformações e


permanências na produção espacial do núcleo de formação histórico da cidade de Juazeiro
do Norte – CE. 2014. 241 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Geografia, Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.

Trigueiro, E., Cavalcanti, A. F. ([s.d]) Inventário de uma herança ameaçada: registro e


estudo de centros históricos do Seridó, Morfologia e Usos da Arquitetura (Base de
Pesquisa), Natal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

VARGAS, Heliana Comin; CASTILHO, Ana Luisa Howard de. Intervenções em centros
urbanos: objetivos, estratégias e resultados. In: VARGAS, Heliana Comin; CASTILHO, Ana
Luisa Howard de. Intervenções em centros urbanos: objetivos, estratégias e resultados. 3.
ed. Barueri- Sp: Manole Ltda, 2015. p. 1-60.

WALKER, Daniel. A praça Padre Cícero/ Daniel Walker. - Fortaleza: Expressão


Gráfica e Editora, 2017.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PATRIMÔNIO EM RUÍNAS E COMERCIO EM ASCENSÃO: O CENTRO


HISTÓRICO DE JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ, BRASIL.

Hévila Rayara Cruz Ribeiro (hevilacr@hotmail.com)

O município de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, é reconhecido


atualmente pela pluralidade de seu pólo universitário, comercial, e
principalmente, pela identidade religiosa, expressiva nacionalmente. Sua
história gesta o reconhecido Padre Cícero Romão Batista, efetivo como figura
relevante em gestão política, instrução vocacional e personalidade religiosa.
Entretanto, o acelerado crescimento urbano e econômico impulsionados pelo
turismo religioso e pelo comércio, permitiu o desvanecimento de trechos
históricos por edificações sem valor patrimonial ou arquitetônico, dando lugar a
segmentos em ascensão, como estabelecimentos comerciais ou
estacionamentos. Diante desta problemática, este trabalho tem como objetivo
identificar as diferentes linguagens arquitetônicas encontradas na área
correspondente ao núcleo histórico do município na primeira década do século
XX, os usos atuais dessas edificações e a relação destes com a manutenção
dos elementos estilísticos. Para tal, foi realizada uma pesquisa documental,
juntamente com levantamento de informações in loco, tendo como produto
mapas temáticos georreferenciados e o Inventário de Identificação de
Patrimônio Edilício da área em estudo. A pesquisa demonstrou que a área em
análise tornou-se essencialmente não-residencial, tendo o setor comercial
como principal agente da descaracterização ou modificação das edificações
históricas. Juazeiro do Norte não soube preservar seu acervo original,
adaptando-o a novos usos, descaracterizando ou até mesmo demolindo sua
história edificada, sob o discurso da chegada do “progresso”, o que pode ter
contribuído para que muitos vestígios e traços da construção local fossem
apagados, dificultando o entendimento do processo de urbanização e das
atividades sociais e culturais que acorreram na cidade ao longo do tempo.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

PROJETO PILOTO LADEIRA DA MISERICÓRDIA: SOLUÇÕES TÉCNICAS


E INOVADORAS INTEGRADAS AO PATRIMÔNIO EDIFICADO

Lilian Casemiro Matos (lilcasemiro@gmail.com)

Vanessa Maria Pereira (vanessamariapereira@gmail.com)

Nivaldo Vieira De Andrade Junior (nivandrade@gmail.com)

Projeto Piloto Ladeira da Misericórdia: soluções técnicas inovadoras integradas


ao patrimônio edificado

Resumo

A Ladeira da Misericórdia é uma das vias de conexão entre as chamadas


Cidade Alta e Cidade Baixa de Salvador. Solução urbana de origem lusitana
que configura o emblemático frontispício da cidade. A partir de meados do
século XX, o tecido urbano se expande em busca de novas áreas, mais
adequadas às novas demandas, em geral, das classes de maior poder
aquisitivo. A região da antiga cidade, então, sofre com processos de
esvaziamento e negligência do poder público, agravados pelo desinteresse do
mercado imobiliário. A Ladeira da Misericórdia, dada a sua localização sofre o
mesmo processo de abandono urbano e social.

Em 1985, Mário Kertész é eleito prefeito da capital baiana, tendo como uma de
suas propostas intervenções de restauro urbano e arquitetônico no Centro
Histórico e adjacências, com o objetivo de resgatar a habitabilidade da região.
A arquiteta Lina Bo Bardi é convidada, devido sua experiência na área do
restauro e outras intervenções já realizadas em Salvador, para o desenvolver
projetos de restauro em uma série de edificações, entre elas o conjunto da
Ladeira da Misericórdia que teria caráter de um projeto piloto, experimental,
para que fosse possível testar intervenções que, posteriormente, pudessem ser
aplicadas em conjuntos maiores.

Outra proposta da gestão de Mário Kertész era a fundação da Fábrica de


Equipamentos Comunitários, FAEC, tendo à frente o arquiteto carioca João
Filgueiras Lima, mais conhecido como Lelé. Um profissional já reconhecido
pelo domínio no desenvolvimento de projetos pré- fabricados em concreto e
argamassa armada em larga escala. Técnicas e materiais explorados com mais
expressividade a partir do modernismo e no período pós segunda guerra. Lelé
e sua equipe também são convocados para a desenvolver peças pré-moldadas
a fim de catalisar o processo construtivo no Centro Histórico, como por
exemplo, divisórias e paredes internas dos edifícios interpostas de acordo com
as demandas mais compatíveis aos novos usos e modos de vida. Deste modo,
Lina Bo Bardi e Lelé trabalham em conjuntos, em suas respectivas áreas,
lidando com o imenso desafio de restaurar edificações históricas, adaptando-as
ao cotidiano contemporâneo. O Projeto Piloto da Ladeira da Misericórdia
apresenta-se como um importante exemplo de busca de soluções técnicas
inovadoras integradas à sensibilidade ao intervir sobre o patrimônio construído,
visando qualificar os espaços arquitetônicos e urbanos.

O artigo tem por objetivo evidenciar o Projeto Piloto da Ladeira Misericórdia


como documento de uma proposta de intervenção no patrimônio edificado,
dado seu caráter experimental, destrinchando os desafios e resultados
impostos pelas soluções técnicas e arquitetônicas inovadoras. Ressaltando, a
relação entre Lina Bo Bardi e Lelé, e as contribuições decorrentes desta
conexão profissional.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ENTRELINHAS IMPRESSAS: AMAZÔNIA DE SERGIO BERNARDES EM


MAGAZINES E JORNAIS

Claudia Helena Campos Nascimento (crodianascimento@yahoo.com.br)

Celma Chaves Pont Vidal (celma_chaves@hotmail.com)

O presente ensaio busca apresentar achados preliminares sobre o registro da


atuação do arquiteto Sergio Bernardes (Rio de Janeiro/RJ, 1919-2002) em
revistas especializadas em arquitetura e urbanismo, jornais e magazines,
contemporâneos às suas obras, com especial interesse aos projetos pouco
conhecidos e, especialmente, os desenvolvidos na região amazônica. A
necessidade de identificar, a partir de fontes diversas, as contribuições de
Sergio Bernardes na Amazônia se faz pela ausência de informações e dados
na bibliografia e principais fontes que têm como foco a aquitetura moderna
brasileira. Desta forma, o procedimento metodológico parte da prospecção em
publicações correntes à época – com destaque ao Jornal do Comércio e
Revista Manchete – pela proximidade com a região e com o arquiteto,
respectivamente. A facilidade de acesso a essas fontes, através da
Hemeroteca da Biblioteca Nacional, favoreceu a pesquisa no tempo de
pandemia. A estrutura do artigo apresenta breve biografia e o discurso sobre a
perspectiva da arquitetura moderna brasileira, a partir de uma das fontes
comumente utilizadas, o livro Arquitetura Contemporânea Brasileira, de Yves
Bruand (1926-2011), para compor os cenários do recorte temporal, isso é, até a
década de 1970. Sobre as revistas, magazines e jornais, foram acrescidas
notas explicativas sobre o escopo editorial específico dessas publicações. Por
fim, ao identificarmos a partir desse pequeno estudo que compoe parte da
pesquisa documental de projeto de tese em Arquitetura e Urbanismo do
Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Pará, projetos e
edifícios que não constam nas referências primevas da produção de
Bernardes, apontamos para a riqueza dos veículos de comunicação impressa
na definição de um direcionamento investigativo. Os elementos indiciais
encontrados levantados nas fontes até o momento - como a autoria de dois
edifícios em Belém/PA - nos permitem identificar achados e ausências e
apontam para a necessidade de pesquisas mais aprofundadas, ampliando as
abordagens necessárias para o registro da contribuição de Bernardes para o
desenvolvimento da região norte, a partir de sua práxis projetual e das
discussões do Laboratório de Investigações Conceituais (LIC) pertencente ao
seu escritório de arquitetura.
EIXO TEMÁTICO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A PESQUISA
NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO
PLANO, PROJETO E REGULARIZAÇÃO DOS EDIFÍCIOS CENTRAIS
DE CARAÍBA - BA

QUINTANILHA, ROGÉRIO. (1); GUEDES, FRANCISCO. (2)

1. Bolsista de pós-doutorado FAPESP - FAUUSP


E-mail arq.rogerio@gmail.com

2. Arquiteto formado pela FAUUSP


E-mail
fmguedes@prima.arq.br

RESUMO
Este artigo parte do relato de um trabalho profissional executado pela empresa PRIMA Arquitetura, de
titularidade do arquiteto e urbanista Francisco Marsicano Guedes que, em 2019, contratado pela
Mineração Caraíba, realizou um levantamento da situação atual dos edifícios centrais do núcleo do
Pilar, distrito de Jaguarari, Bahia, a fim de sua regularização. De linguagem modernista com
apartamentos e alojamentos sobre pilotis parcialmente ocupado por comércio, esses 5 edifícios foram
projetados para receber os solteiros admitidos ao trabalho na mineração. Os edifícios mantiveram-se
preservados até 1994, quando a privatização da mineradora abriu a cidade para as propriedades
particulares e muitos edifícios, especialmente as casas mas também as escolas, clubes e os próprios
edifícios, sofreram alterações significativas. Neste último caso, os pilotis foram totalmente ocupado
por comércio e outras construções como garagens, depósitos, e até casas e apartamentos. Nos
andares superiores, as principais alterações levantadas dizem repeito à ocupação de espaços de
circulação comum. O artigo termina fazendo algumas considerações sobre o papel destes edifícios na
cidade e os movimentos por sua preservação.
Palavras-chave: cidades novas, caraíba, joaquim guedes

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INTRODUÇÃO

Quem chega a Caraíba pela primeira vez, ainda que não conheça a pequena cidade,
naturalmente chegará à praça Ariomar Rocha. É para lá que a maioria dos
automóveis e pessoas nas calçadas se encaminham, é lá que estão as luzes e o
movimento da pequena cidade de 10 mil habitantes. O acesso principal pela rodovia
BR-314 conduz o viajante à avenida Caraíba, a linha central entre as poucas
dezenas de ruas alinhadas quase exatamente nos eixos norte-sul e leste-oeste, em
uma malha retangular de quadras alongadas para que, pelo menos em projeto,
todas as casas se protejam da face leste abrindo suas fachadas ou para o norte, ou
para o sul. Como em um axis mundi das antigas colônias romanas, no encontro
desses eixos centrais está a praça central da cidade e ao seu redor um grande
número de lojas e serviços: bares, lojas de roupas, celulares, agência de correios,
loja de colchões, igreja evangélica e etc. ocupam o térreo de edifícios horizontais de
linguagem modernista: pilotis com pilares redondos e cobertos por pastilhas
sustentando três andares superiores que, mais avançados em relação às lojas que
ocupam o térreo, criam uma passagem aos pedestres protegida da chuva e
principalmente do sol do sertão. Nos andares superiores há habitações de tamanhos
variados que hoje são surpreendentemente ocupados, a despeito de sua localização
privilegiada, pela camada mais pobre da população. A grande presença de carros
estacionados, surpreendente para uma cidade de poucas quadras de lado, mostra
que o comércio é uma referência não só local, mas regional. O movimento comercial
é forte a ponto de esvaziar os pequenos comércios de vizinhança distribuídos em 6
pequenas praças distribuídas pelo núcleo, distantes poucas quadras entre si. A
distribuição das praças segue, de fato, a distribuição das escolas: os parques
infantis distribuídos, a praça, ou um conjunto de praças, centrais ligando a leste e a
oeste duas escolas de 1º grau e uma de 2º grau.
A arquitetura modernista dos edifícios chama a atenção mesmo se comparada às
demais construções da cidade. As casas primeiras, construídas pela companhia
mineradora, fazem uma releitura da tipologia sertaneja de paredes caiadas e janelas
diretamente para a rua, coladas nas divisas e formando grandes alinhamentos por
toda a extensão das quadras. Mas é uma releitura, de fato, o que se pode notar pela
platibanda que dispensou o beiral que tradicionalmente aparecia e exigiu a criação
de um detalha, uma calha impermeabilizada que quase nunca resiste ao sol do
sertão e acaba provocando infiltrações. Como a cidade é pequena e as casas de
tamanho e padrão diferentes estão misturadas em quase todas as ruas, o que conta
é o número de janelas de fachada: as casas de nível 2 possuem 4 janelas, são
casas de engenheiro. As casas de nível 5, as mais simples, possuem apenas uma.
Nas conversas ao redor da praça, quando se quer saber sobre o padrão de vida de
alguém não se pergunta em que bairro ou rua vive, mas quantas janelas existem na
casa.
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É verdade que muitas fachadas já estão alteradas a ponto de que não se podem
mais ver as janelas, muitas vezes cobertas por garagens gradeadas que avançam
sobre a calçada pública. Outras casas, construídas por particulares, já tem outra
arquitetura e destoam do contínuo de fachadas. Ainda assim, é a arquitetura dos
edifícios centrais, por sua forma, proporção e localização, que marca e domina a
paisagem.

Figura 1 - Planta geral de Caraíba com os edifícios centrais destacados em vermelho e a praça
Ariomar Rocha em amarelo. (Fonte: do autor).

Caraíba, ou Núcleo do Pilar como é conhecido, atualmente distrito de Jaguarari-BA é


uma cidade nova de mineração projetada pelo escritório de Joaquim Guedes entre o
final dos anos 1970 e o início dos anos 1980 por encomenda da Mineração Caraíba,
subsidiária da Cia. Vale do Rio Doce como apoio à exploração da mina de cobre de
mesmo nome localizada no sertão da Bahia. O escritório foi responsável pelo plano
do núcleo urbano e por todos os projetos arquitetônicos, desde clubes, escolas e
hospital, até as residências de diferentes tipos, projetadas para trabalhadores de
diferentes níveis desde a N1, a casa do gerente da companhia mineradora, até a N5,
casas para os trabalhadores de mais baixa formação. Além das casas, cuja
implantação e fachada fazem referência às casas tradicionais do sertão, Joaquim
Guedes também projeta apartamentos e alojamentos destinados aos funcionários
solteiros.
É comum que cidades novas de mineração como Caraíba atraiam um grande
número de trabalhadores homens, jovens, muitos de baixa formação, e solteiros. A
presença desse grande número de solteiros pode ser mal vista como um potencial
incômodo para as famílias, o que pode levar a uma segregação espacial como
acontece em Serra do Navio, por exemplo. A cidade, projetada por Oswaldo Bratke,
separa não apenas os homens solteiros das famílias, especialmente as de classe

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mais alta, como também das mulheres solteiras, que possuíam um alojamento
próprio e distante, distinção que não existe em Caraíba. É fato que nem todos os
solteiros seriam necessariamente alojados em apartamentos ou alojamentos e não
sabemos como a distribuição das habitações incorporou a questão de gênero nos
primeiros anos de funcionamento do núcleo, mas, de qualquer forma, Guedes toma
duas decisões importantes no desenho desse público: em primeiro lugar, trás os
solteiros para o centro da cidade, projetando 5 edifícios horizontais ao redor da
grande praça central, atualmente Ariomar Rocha. Depois, dá a esses edifícios uma
linguagem modernista, destacada em relação às casas inspiradas na arquitetura
sertaneja. Horizontais, os edifícios originalmente estavam construídos sobre pilotis e
o térreo era parcialmente ocupado por comércio que, recuado, formava como
loggias, passagens protegidas do sol para a circulação dos pedestres. Com o tempo,
o térreo foi totalmente ocupado por novos comércios, impossibilitando a travessia
sob os edifícios, mas o recuo das loggias foi preservado.
Durante a primeira década de existência, Caraíba foi uma cidade fechada, ou seja,
de controle da companhia mineradora que restringia tanto o acesso ao núcleo
quanto a propriedade dos imóveis, de modo que todas as habitações utilizadas pelos
moradores, incluindo os edifícios centrais, pertenciam à Mineração Caraíba que
também era responsável por sua manutenção. A companhia também dominava a
vida social da cidade, restringindo inclusive horários de circulação e atividades. Esse
controle, é claro, afetava as atividades dos solteiros que costumavam ir até a cidade
vizinha, Abóbora, para se divertir.
Quando a cia. Vale do Rio Doce foi privatizada, as casas foram transferidas para os
funcionários praticamente em troca de dívidas trabalhistas. Para gerir outra parte
das propriedades urbanas, como terrenos vazios, por exemplo, foi criada uma
empresa de participação comunitária, EPC, com representantes tanto da empresa
quanto dos moradores do núcleo. O processo de privatização, no entanto, foi
conturbado e deixou algumas questões, como a propriedade dos edifícios centrais,
em aberto.
Uma vez privatizada, a cidade passou por um grande processo de transformação de
sua arquitetura, reforma das casas e alterações que não eram permitidas enquanto
estavam sob o controle da empresa. Da mesma forma, os edifícios centrais foram
modificados em alguns pontos, desde a citada ocupação total do pilotis por comércio
não-previsto, pequenas reformas como troca de revestimento e construção de
coberturas, até outras maiores como a união de quartos que se transformaram em
apartamentos. Com a indefinição da propriedade dos apartamentos, os edifícios
foram ocupados por uma população bastante pobre, muitas vezes famílias, que se
misturaram a alguns remanescentes anteriores à privatização. Diante do quadro de
completa insegurança jurídica, a companhia mineradora contratou então o escritório
paulistano Prima Arquitetura, representado por Francisco Guedes, filho de Joaquim
Guedes para realizar um cadastramento da situação dos edifícios a fim de

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regularizar sua situação cadastral. Diante desse histórico, desenvolveremos neste
artigo questões relacionadas ao plano de Caraíba, ao projeto arquitetônico dos
edifícios, às transformações que se sucederam e ao trabalho de cadastro realizado.
Como fontes, além do trabalho realizado pelo Prima Arquitetura, citamos os projetos
originais dos edifícios mantidos no acervo de materiais iconográficos da biblioteca da
FAUUSP, em São Paulo, documentos do Fundo Joaquim Guedes, acervo da mesma
universidade, e visitas realizadas à cidade em diferentes oportunidades pelos
autores.

OS EDIFÍCIOS CENTRAIS NO PLANO DE CARAÍBA

Os edifícios centrais de Caraíba são uma grande referência urbana na cidade.


Nomeados por minérios iniciados por A, B, C, D e E, os edifícios Ágata, Berílio,
Cobre, Diamante e Drusa e Esmeralda possuem, como dito, características
arquitetônicas distintas não só das demais habitações como das cidades ao redor,
tornando-se rapidamente reconhecíveis aos moradores da região. É fato que outros
edifícios institucionais da cidade como as escolas, os clubes, o hotel, o hospital e
etc. também possuem uma linguagem modernista, diferente das casas inspiradas na
arquitetura sertaneja, mas nenhuma dessas estruturas é tão visível e marcante
quanto a dos edifícios centrais. Além da arquitetura, a localização dos edifícios ao
redor da praça central e o térreo comercial contribuem, sem dúvida, para o
fortalecimento desta imagem.
Cidades novas de companhia, as chamadas company towns, muitas vezes possuem
uma forte relação de centralidade com a companhia responsável por sua
construção. O ato de ocupar simbolicamente o centro do núcleo não é,
evidentemente, uma novidade, e as cidades brasileiras costumam crescer ao redor,
por exemplo, de uma catedral, representando o domínio da igreja sobre aquela
cidade no momento de sua fundação. Nas cidades de companhia, a própria fábrica
pode fazer esse papel centralizador como acontece, por exemplo, em Volta
Redonda, no Rio de Janeiro, que se organizou ao redor da Companhia Siderúrgica
Nacional. No caso de uma cidade de mineração, entretanto, isso é impossível pois a
mina, a mineração e a mineradora, apesar de grande ascendência sobre o cotidiano
da cidade são grandes demais e extremamente poluentes de modo que devem,
inclusive, estar a certa distância do núcleo urbano.
Essa distância, entretanto, faz surgir uma questão: o que pode ocupar o centro do
núcleo de uma cidade nova de mineração? É claro que, em fins do século XX, a
igreja também já não parece o edifício adequado e a escolha acaba recaindo muitas
vezes sobre funções cívicas, comerciais e educacionais. Em Serra do Navio, por
exemplo, cidade de mineração projetada por Oswaldo Bratke na Amapá, não há um
centro claramente identificado mas uma centralidade no conjunto formado pela
Praça Cívica, Centro Comercial e escola de 1° grau.
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Em Caraíba, a malha ortogonal demarca o centro mais claramente e a opção de
Guedes é a construção de uma grande praça, atualmente chamada Ariomar Rocha,
que inclusive parece um pouco grande demais para um núcleo de 10 mil habitantes,
mas que na realidade foi concebida como uma centralidade regional uma vez que o
comércio de Caraíba, e mesmo as escolas, clubes e hospital, atrairia e serviria a
uma população regional. Mais do que isso, podemos entender o centro de Caraíba
como um conjunto de praças atravessado pelos edifícios centrais sobre pilotis.
Como ocorre em outros edifícios modernistas, como o Palácio Gustavo Capanema
no Rio de Janeiro ou as superquadras de Brasília, a liberação do térreo buscava
preservar o fluxo e a unidade de um conjunto da qual os edifícios faziam parte
poderia se estender até as escolas, clubes e hotel, em uma imensa área central de
trânsito livre. Fariam parte do conjunto, em uma segunda etapa de construção, um
centro cultural com museu, teatro, auditório, ateliês, biblioteca e administração,
cinema, centro de treinamento e centro comunitário. Os projetos para essas
edificações foram feitos, mas os edifícios nunca foram construídos. Assim, esse
grande espaço cívico, cultural, educacional, comercial e urbano nunca se realizou.

Figura 2 - Fotografia, provavelmente da década de 80, em que se observam os pilotis dos edifícios
centrais. (Fonte: Camargo, 2000).

Em primeiro lugar, o paisagismo proposto para as praças nunca foi executado.


Durante décadas, os espaços das praças permaneceu de terra batida, sem
vegetação, equipamentos, e mesmo calçamento. Décadas depois, no início dos

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anos 2010, foi construída uma praça com vegetação, calçamento e equipamentos,
mas sem levar em consideração o projeto original. Além disso, após a privatização
da cidade, os pilotis foram completamente tomados por comércios, bloqueando a
passagem e a ligação entre uma praça e outra. Sem acesso, as praças nos fundos
de cada edifício perderam completamente a função e foram inclusive ocupadas junto
aos edifícios por depósitos, oficinas e outras construções. Finalmente, a área
restante foi parcelada e vendida pela EPC, Empresa de Participação Comunitária
criada como parte do acordo de privatização, responsável pela administração de
algumas propriedades na cidade. Atualmente, há uma série de construções no local.

Figura 3 - Praça Ariomar Rocha e edifíco cobre, ao fundo. (Fonte: do autor)

O PROJETO ARQUITETÔNICO DOS EDIFÍCIOS CENTRAIS

Como dito, os edifícios centrais de Caraíba possuem,com exceção do Drusa,


o térreo comercial, além das portarias de acesso aos andares superiores, e os
pavimentos superiores habitacionais, com apartamentos e alojamentos, parte
deles com banheiro compartilhado, assim distribuídos conforme o projeto:

Edifício Lojas Apartamentos Alojamentos

Ágata 13 32 16

Berílio 15 70 16

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Cobre 10 24 120

Diamante 12 34 22
Drusa 0 0 10

Esmeralda 9 8 102

Embora haja pequenas variações, os apartamentos e alojamentos possuem


aproximadamente de 12 a 15 metros de frente e 6 a 7 metros de
profundidade, totalizando de 75 a 110 m² de área. Os alojamentos com
banheiro compartilhado, normalmente 1 banheiro a cada 3 alojamentos,
possuem aproximadamente 38 m² cada. O edifício Esmeralda conta ainda
com um hotel com recepção e 20 quartos de 9,60 m². Construtivamente, as
estruturas foram executadas em concreto armado e chama a atenção os
pilares cilíndricos no térreo, revestidos de pastilhas foscas, e retangulares nos
pavimentos superiores, um capricho de desenho que sem dúvida reforça a
identidade arquitetônica da cidade. As lajes foram executadas em concreto
armado, os fechamentos em alvenaria e as coberturas em telhas onduladas
de fibrocimento. As paredes externas foram revestidas com pastilhas foscas.
As esquadrias foram executadas em madeira e nas salas e quartos dos
apartamentos e alojamentos são de abrir com venezianas externas, outro
elemento marcante visto nas fachadas.
Um outro ponto característico do projeto diz respeito ao alinhamento das
fachadas do comércio no térreo, recuado em relação aos apartamentos dos
pavimentos superiores criando assim uma passagem, uma loggia, protegida
do sol. Não é a primeira vez que Guedes se utiliza deste artifício para
enfrentar as altas temperaturas características do norte do Brasil. Em seu
plano não executado para Marabá, de 1973, propunha uma avenida central
com comércio e edifícios com um desenho semelhante, recuados no térreo, a
fim de criar um espaço protegido e facilitar o deslocamento de pedestres. Em
Caraíba, os pilares redondos revestidos reforçam essa proteção.
Para compreender a arquitetura dos edifícios centrais, é preciso entender que,
para Joaquim Guedes, Caraíba não seria apenas uma cidade de apoio à
mineração mas, de alguma forma, contribuiria para a difusão da modernidade
no sertão, seja no incremento da oferta de serviços, seja na difusão de uma
linguagem. Segundo GUEDES [1981, p.190]:

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Vislumbra-se uma necessária fase de formação que assimile o impacto
modernizador imposto pelas novas relações e novas regras, pelas sofisticadas
tecnologias de exploração industrial e de sobrevivência introduzidas, pela
elevação da renda.

Surgirão novos hábitos, novos comportamentos sociais e formas de apropriação


e uso dos espaços urbanos, privados ou públicos, sempre, contudo, revelando a
herança dos repertórios e vida anteriores.

Desta herança fazem parte a cultura e a tradição arquitetônica e das


paisagens urbanas e GUEDES [1981, p.191] procura, de alguma forma, uma
linguagem arquitetônica que construa – ou contribua para – a difusão
harmônica do novo desenho social que, de qualquer modo, gradual ou
instantaneamente, de forma pacífica ou conflituosa, deverá ser aceito pela
população.

Pretende-se alcançar uma visão plena e unitária da sociedade, da tecnologia, da


arquitetura e estrutura urbanas, na escala de Caraíba.

O conjunto da paisagem urbana transcreverá em linguagem adequada, coerente


e consistente, as soluções aos problemas de organização e construção dos
espaços e arquiteturas, conceitos, metodologias, técnicas e materiais utilizados.

Caminho cheio de percalços, economias e racionalidade não constituirão


desculpa por um resultado pobre, feio ou monótono.

Podemos pensar, evidentemente, que a difusão desta cultura arquitetônica


possui ares de colonização, uma vez que visa substituir uma arquitetura
tradicional sertaneja que possui muitas raízes na arquitetura africana, por
exemplo. Neste ponto, Guedes é estratégico ao utilizar-se de uma arquitetura
moderna para os edifícios públicos e nas residências misturar alguns
elementos modernos, como a laje inclinada, por exemplo, com outros
tradicionais. É curioso notar, entretanto, que nas residências, onde a
possibilidade de reforma é maior, alguns desses elementos não foram aceitos,
alterado a ponto de resgatar elementos da cultura tradicional. O exemplo mais
claro é o dos pátios internos de ventilação, chamados “áreas de sol” pelos
moradores, que foram em sua maioria cobertos e transformados em um
quarto extra, sem janelas, aos moldes da alcova tradicional sertaneja que
também não as possui. De qualquer forma, não é a arquitetura a única

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responsável por esse processo de aculturação e assimilação, mas,
ressalte-se, a própria forma de trabalho impingido por uma empresa
capitalista de grande porte.

TRANSFORMAÇÕES ENTRE 1994 E 2018

Como dito, Caraíba permaneceu uma cidade fechada entre 1982 e 1994,
quando a Mineração Caraíba foi privatizada. Neste primeiro período, a
manutenção das habitações era realizada pela própria companhia mineradora
que mantinha as edificações exatamente como originais. Os moradores
relatam que, “no tempo da companhia”, até as lâmpadas queimadas dentro
das casas eram trocadas pela empresa e fechaduras quebradas eram
substituídas por modelos idênticos. Qualquer alteração estrutural ou de
acabamentos era proibida e até as cores das paredes permanecia
obrigatoriamente a mesma.

Figura 4 - Térreo do edifício esmeralda totalmente ocupado por comércio. (Fonte: do autor)

É importante notar que Joaquim Guedes sempre foi contra este


“congelamento”. Ao contrário, defensor de início de uma cidade aberta
(GUEDES, 1982), ou seja, acessível a não empregados da mineração e
disponível ao crescimento e às transformações físicas e econômicas
necessárias, ao seu entender, à sua sobrevivência, Guedes chegou a facilitar
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essa transformação através, por exemplo, da manutenção de terrenos vagos
em meio ao lotes ocupados.
Quando houve a privatização da companhia mineradora, as casas foram
vendidas aos moradores praticamente em troca de dívidas trabalhistas.
Outros bens da cidade, como terrenos vagos, foram transferidos para uma
Empresa de Participação Comunitária, EPC, que tinha poder para
negociá-los. Neste momento, a liberação de certa energia transformadora
acumulada por uma década fez com que a cidade passasse a se modificar
rapidamente, desde reformas dentro das casas até a construção de novas
edificações variadas e, claro, alterações na arquitetura dos edifícios centrais
com pouco ou nenhum controle público. De fato, existe em Caraíba uma certa
sobreposição de direitos e deveres entre a prefeitura municipal de Jaguarari,
sede do município, a EPC e a própria companhia mineradora. Apesar disso, a
situação jurídica dos edifícios centrais não foi completamente resolvida. O
levantamento realizado pelo Prima Arquitetura em 2019 indicou que havia nos
edifícios unidades regularizadas, outras com regularização precária e outras
ainda completamente irregulares.
Imediatamente, chama a atenção a completa ocupação comercial do térreo,
impedindo a travessia sob os pilotis. Em todos os edifícios, a face voltada
para a avenida Caraíba foi ocupada prioritariamente por lojas e os fundos,
conforme o caso, receberam construção de funções variadas.O edifício Ágata,
por exemplo, foi ocupado no térreo por novas lojas, construídas nos espaços
restantes de ferente para a praça Ariomar Rocha, casas, garagens, banheiros,
depósitos e até um auditório. Curiosamente, não foi alterado nos andares
superiores.
No edifício Berilo, nenhuma loja resta como no projeto original. Todas foram
aumentadas e o térreo foi completamente ocupado, inclusive por casas. Nos
andares superiores, praticamente não houve adições, apenas com duas
varandas cobertas por telhas que não constavam no projeto original.
O edifício cobre teve todo o seu térreo ocupado por lojas voltadas para a
avenida Caraíba. Também foram construídas casas e quartos individuais
voltados para as ruas do Facheiro e Aroeira. Nos andares superiores, além de
cobertura a grande maioria dos alojamentos avançou por volta de 2,50m
sobre a circulação central no primeiro pavimento. Dois alojamentos fizeram o
mesmo no andar superior.
Os edifícios Diamante e Drusa foram igualmente ocupados no térreo, mas
pouco modificados nos andares superiores. Finalmente, o edifício Esmeralda
foi ocupado no térreo por lojas, depósitos, garagens, casas e quartos, e tem
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algumas modificações nos andares superiores como a cobertura de áreas
comuns e o avanço de alguns alojamentos sobre a circulação.
O levantamento dessas alterações não cobriu mudanças internas nos
apartamentos, embora é sabido que elas tenham ocorrido. Por exemplo,
alguns alojamentos foram unidos, apropriando-se ou não do banheiro
compartilhado.
Nota-se, por fim, que o edifício que mais sofreu alterações foi o Cobre, o que
coincide com o edifício com o maior número de alojamentos e que, recebe
hoje, a população mais pobre. É razoável imaginar que a pequena área dos
alojamentos e a falta de infraestrutura, como banheiro próprio, contribuiu tanto
para o impasse legal em que se encontram as unidades, muitas sem qualquer
título de propriedade e atualmente ocupadas, quanto para as alterações,
normalmente ampliações sobre a área comum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caraíba é uma cidade nova, que ainda não completou 40 anos, os 10


primeiros passados como uma cidade nova de companhia. É certo, no
entanto, que se trata de uma cidade com características próprias e distintas
na região: identidade forte, boa oferta de serviços e instalações e uma fonte
de renda significativa com a exploração do minério. No entanto, as rápidas
transformações pelas quais passa a cidade e caracteristicamente os edifícios
centrais, que estabeleceram-se de certa forma como símbolos do núcleo, já
preocupa alguns moradores por sua descaracterização, a ponto de haver
algum movimento, sem ainda com a força necessária, a fim de promover
algum tipo de tombamento ou proteção histórica dessas construções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMARGO, Mônica Junqueira de. Joaquim Guedes. São Paulo: Cosac &
Naif, 2000.

GUEDES, Joaquim e Associados (Bsp). Plano de desenvolvimento urbano de


Marabá. São Paulo, Serphau, 1973.

GUEDES, Joaquim e Associados Projetos originais da cidade nova de Caraíba.


s/ed. 1976-1982.

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GUEDES, Joaquim. Um projeto e seus caminhos. Tese de Livre Docência -
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo –
FAUUSP, São Paulo, julho de 1981.

PRIMA. Levantamento dos edifícios centrais de Caraíba. s/ed. 2019.

QUINTANILHA, Rogério. As cidades que criamos: a arquitetura de cidades


novas a partir da experiência da Caraíba de Joaquim Guedes. Tese de
doutorado. Universidade de São Paulo, 2016.

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EIXO TEMÁTICO 3
REALIDADE VIRTUAL COMO APLICAÇÃO NA ARQUITETURA DA
ROCINHA DO MUSEU GOELDI EM BELÉM/PA

ANDRADE, BRUNO DANIEL FERREIRA (1); NUNES, MÁRCIA CRISTINA RIBEIRO


GONÇALVES (2)

1. UNAMA. PPGCLC
bandrade@gmail.com

2. UNAMA. PPGCLC
marcianunes2011@gmail.com

RESUMO
O presente artigo integra os principais pontos da dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagem e Cultura (PPGCLC) vinculado à Universidade da
Amazônia (UNAMA) em Belém-PA. A Realidade Virtual possibilita uma experiência sensorial e
cognitiva bastante imersiva em diversas aplicações; na área da Arquitetura, esta pesquisa objetivou
delinear o desenvolvimento de um experimento em Realidade Virtual (RV) que funcionasse como
suporte e reconhecimento da Rocinha do Museu Emílio Goeldi, constituído como um espaço
simbólico e histórico da cidade que produz sentido. A metodologia utilizada foi a investigação
bibliográfica em documentos primários e secundários a respeito da rocinha do século XIX e do Museu
Emílio Goeldi no início do século XX. A construção do prédio histórico em 3D foi produzida por meio
da computação gráfica e mediante os resultados obtidos foi destacado a importância social e
científica que o experimento em RV pode ter para a comunidade em geral e para a instituição do
Museu Emílio Goeldi.

Palavras-chave: Realidade Virtual; Rocinhas; Museu Emilio Goeldi

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Este artigo é resultado de uma dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagem e Cultura (PPGCLC) vinculado à
Universidade da Amazônia (UNAMA) em Belém-PA. O objetivo do trabalho foi analisar por
meio da arquitetura virtual as mudanças ocorridas no cenário da Rocinha do Museu Emílio
Goeldi, avaliando as características desta tipologia na produção de sentidos.

A metodologia adotada nesta pesquisa lidou com vínculos operacionais que foram
traçados ao longo do tempo, mais do que as meras frequências ou incidências, portanto,
adotou-se o método múltiplo, desenvolvendo a pesquisa histórica sobre um estudo de caso
único e o experimento resultou em um conjunto de eventos contemporâneos. Sendo a
investigação desenvolvida por meio de revisão da literatura sobre a rocinha e sobre o museu
Emílio Goeldi, buscando resultados parciais na investigação.

Na pesquisa do estudo de caso específico foi realizado:

a) pesquisa documental para fornecer subsídios acerca da construção da


edificação quanto das transformações e eventuais intervenções pelas quais passou ao longo
do tempo;
b) pesquisa iconográfica baseada em fotos da época, mapas, plantas
arquitetônicas, postais, etc. que forneçam informações sobre o edifício e sobre as
modificações de projeto;
c) redesenho do projeto arquitetônico utilizando computação gráfica.

Quanto a Realidade Virtual (RV) cabe destacar que é uma tecnologia que
proporciona ao usuário a impressão de estar em um ambiente que fisicamente não existe.
Essa ambientação é possível via técnicas de modelagem 3D, em que os ambientes e os
objetos são desenhados digitalmente, utilizando programas computacionais específicos. A
“imersão” completa é permitida com a ajuda de aparatos digitais que simulam e estimulam
os principais sentidos humanos como: visão, tato, audição, olfato e paladar. O enfoque
deste trabalho foi no sentido dominante da visão, por intermédio de óculos de realidade
virtual ou Head Mounted Display (HMD) (KIRNER; SISCOUTTO, 2007).

As aplicações com RV são inúmeras e novas necessidades surgem a todo instante


em áreas de entretenimento, psicologia, aviação, jornalismo imersivo, etc. O que se
pretende no final deste estudo é o uso da RV na Arquitetura e Urbanismo, evidenciando
alternativas de representação e projetação.

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Na Belém do século XIX, era comum encontrar as célebres Rocinhas que eram
edificações residenciais localizadas nos subúrbios em terrenos extensos e rodeados de rica
área verde com árvores frutíferas e jardins, com criação de gado e de galinhas. A arquitetura
dessas vivendas rurais eram bastante sui generis, destacadas pelo posicionamento central
no lote e diferenciação das áreas de convívio social das áreas íntimas da família por
generosas varandas que geralmente abraçavam toda a casa (SANJAD, 2005).

Dessa maneira, considerou-se importante trazer à RV a Rocinha do Museu Emílio


Goeldi e sua tipologia arquitetônica, importância histórica e cultural, e as mudanças
estéticas e funcionais ocorridas entre a metade do século XIX e o início do século XX.
Também foi pesquisado a historiografia do Museu Emílio Goeldi – parque botânico e
zoológico e instituição científica importante na Amazônia.

A era digital trouxe consigo novas tecnologias de informação e comunicação


permitindo acesso imediato à informação, a investimentos e ao desenvolvimento em áreas
industriais de automação, comércio e novas formas de aprendizado na educação. O que
certamente influenciou o ambiente urbano contemporâneo estabelecendo uma nova
configuração social e espacial que tem repercussão na arquitetura e urbanismo e em suas
formas de projetar e construir novos edifícios e experiências urbanas.

Essa nova relação tecnológica com uma sociedade cada vez mais global traz à tona
a Arquitetura Virtual, cujo conceito está relacionado a fazer arquitetura no mundo virtual que
apenas existe nesse meio, não se restringindo a apenas imagens estáticas 3D de um
projeto arquitetônico.

Da arquitetura clássica à arquitetura virtual

Segundo Colin (2000), a arquitetura é um produto cultural, que se manifesta por meio
da história com informações importantes; assim, por intermédio da observação e da análise
da arquitetura de civilizações passadas é possível inferir sobre hábitos, conhecimento
técnico, ideologia, cultura, etc.

Um dos objetivos desta pesquisa foi analisar as mudanças ocorridas no cenário da


Rocinha do Museu Emílio Goeldi e para tal se fez necessário retomar a arquitetura daquela
época no século XIX e compreender os seguintes níveis que caracterizam o valor histórico
da arquitetura:

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[...] primeiramente, sendo um produto de determinada sociedade e,
como tal, um testemunho das práticas sociais e preferências
estéticas desta; a seguir, na medida em que o edifício ou sitio pode
assimilar um valor extra-arquitetônico, por ter sido cenário de
acontecimentos históricos marcantes; e, finalmente, quando o edifício
é construído especificamente com a finalidade de marcar feitos
históricos e políticos importantes, como no caso dos monumentos e
memoriais (COLIN, 2000, p. 85).

Como suporte à análise da arquitetura histórica da Rocinha, este trabalho trouxe a


arquitetura virtual com o objetivo de descrever as mudanças ocorridas no objeto construído.
A arquitetura passou por diversas evoluções na forma de ser concebida e antes que se
chegasse nos recursos tecnológicos atuais faz-se necessário falar sobre os métodos
analógicos de representação.

Condição analógica da Arquitetura

Procedimentos tradicionais de representação, que ainda são utilizados hoje em dia,


seguem noções clássicas de materialização e formação de ideias; a forma mais rudimentar
de representação é o desenho, que se adaptou ao longo do tempo conforme novas
tecnologias foram surgindo. É disciplina essencial na arquitetura, pois além de permitir
estudos formais e conceituais, possibilita a documentação do projeto final para posterior
execução (REBELO, 1999).

Nesse sentido, o desenho permite materializar imagens que residem apenas na


mente, alcançando a representação dos desejos humanos, assim, o limite da invenção
humana está nas possibilidades construtivas de sua época. Onde a principal forma de
desenho na arquitetura é o “croqui” ou esboço – uma representação formal e versátil que
carrega as impressões pessoais do arquiteto, racionalizando na forma de projeções
ortogonais, ortográficas ou perspectivas.

A maquete é outra forma analógica de representação da arquitetura; sua principal


utilidade reside na possibilidade de observar, estudar cada canto do modelo físico antes de
sua construção. Mesmo tendo materialidade, é considerado um recurso virtual no sentido
que proporciona uma melhor comunicação de aspectos do projeto, geralmente em uma
escala bem menor do que o real.

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Arquitetura Virtual

Em pouco mais de um século, a sociedade transitou de uma condição pré-industrial


ao ciberespaço globalizado; as ideias modernistas de Le Corbusier de compartimentação e
funcionalidade foram tomadas pela nova ordem pós-moderna com seus espaços
heterogêneos e destituídos de hierarquia, portanto, segundo Paula (2005, p. 54) “O espaço
contemporâneo é [...] um espaço centrado, virtual e múltiplo: um espaço dinâmico e
influenciado pelas NTIC”.

As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) tem relação com a


condição digital e propiciam a produção, a obtenção e propagação de informações
permitindo a sua devida comunicação entre as pessoas. A popularização da Internet foi o
fator responsável pelo seu desenvolvimento nas diversas áreas de atuação (DITTZ, 2004).

Nesses termos, a era digital influenciou o ambiente urbano contemporâneo impondo


uma nova configuração social e espacial que obviamente repercute na arquitetura e no
urbanismo e nas suas formas de conceber e de construir novos edifícios e experiências
urbanas. O desempenho do arquiteto segue essas mesmas lógicas estabelecidas por esse
novo espaço-tempo e retratam o modo de produção capitalista e a globalização mundial em
voga desde o final do século XX.

Atualmente, arquitetos podem desenhar de forma tridimensional, diminuindo a


necessidade de construir maquetes físicas, já que cada vez mais novas funcionalidades são
desenvolvidas em forma de programas que permitem além da modelagem 3D a
possibilidade de tirar fotografias realistas (render) com menos trabalho e mais rapidez.

Realidade Virtual

Ao longo do tempo, o ser humano procurou expressar a realidade ou a


imaginação recorrendo a desenhos primitivos, a figuras e a pinturas e ao cinema,
perpassando por jogos, teatro, ilusionismo, etc.

O advento do computador incrementou as possibilidades técnicas e convergiu essas


formas de expressão em multimídia envolvendo textos, imagens, sons, vídeos e animações,
que hoje em dia se transformaram em hipermídia com a rede de computadores mundial (a
internet), permitindo a navegação não linear e interativa por conteúdo multimídia
(KIRNER; SISCOUTTO, 2007).

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As tecnologias de representação deram grandes passos nos últimos 20 anos,
culminando nos dias atuais na RV por meio de aparelhos que permitem deslocar o usuário
para um outro ambiente produzido por computador e que possibilitam ao arquiteto visitar os
seus projetos em qualquer fase de desenvolvimento.

O conceito de RV pode ser evidenciado por meio do significado de realidade e de


virtual. Neste trabalho, o conceito de virtual é interpretado como algo que existe, mas não
tem materialidade, por outro lado a realidade tem relação com o que é vivenciado no
cotidiano; desse modo, a RV é vista como uma representação da realidade utilizando meios
digitais em que um ou mais sentidos humanos (visão, audição, tato, paladar e olfato) podem
ser estimulados e terem uma nova percepção do espaço em que estão introduzidos.

A quantidade de sentidos estimulados definirá o grau de imersão e a qualidade da


sensação vivenciada (CUNHA, 2017), todavia, o que faz uma simulação da realidade
receber o título de “realidade virtual’?

Respondendo a esse questionamento, Lévy (1996) explica que esse virtual não se
opõe ao real, e sim ao atual, pois a virtualidade se compõe a partir de um complexo
problemático de “tendências ou de forças que acompanham uma situação, um
acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de
resolução: a atualização” (LÉVY, 1996, p. 16), ou seja, a virtualidade se refere a uma
experiência vital do real, trata-se de virtude e potência.

Constata-se que a interface utiliza “alavancas” para impulsionar as


informações ofertadas, possibilitando uma modalidade nova de
leitura e escrita. A internet pode ser vista como uma ilustração, uma
vez que se encontra equipada com interfaces gráficas atraentes e
bem estruturadas, disponibilizando assim o acesso as informações
de forma mais didática (RODRIGUES; PORTO, 2013, p. 99).

E, como mídia, a RV é uma forma de comunicação com características técnicas


específicas e capaz de produzir estímulos sensoriais nos usuários, a partir dos mais
variados dispositivos de interface existentes, “[...] desde os sofisticados óculos de RV, luvas
de dados (datagloves), cubículos de projeção (CAVE) e até simples monitores de vídeo que

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proporcionam uma imersão parcial através de imagens 3D” (MELLO SOBRINHO;
HAGUENAUER, 2013, p. 296).

Uma das facetas mais interessantes da RV é as diversas possibilidades interativas e


multissensoriais que se apresentam. A interação homem-máquina no qual é o alicerce
dessa tecnologia permite que a mesma seja representada em diversas áreas, como por
exemplo: no entretenimento, nas ciências, nas artes, na arquitetura e engenharia, etc.
(CUNHA, 2017).

A Rocinhas do século XIX

As rocinhas do século XIX em Belém eram residências típicas da região amazônica


com uma arquitetura rural. O nome rocinha era utilizado apenas em Belém, pois no interior
do Pará qualquer propriedade rural era chamada de sítio. A diferença entre as rocinhas e os
sítios estava relacionado à localização e à setorização das casas; a parte externa das
residências da rocinha eram guarnecidas por varandas e se localizavam nas estradas,
diferente dos sítios que eram encontrados perto de corpos d’água nas margens de rios e
igarapés (SOARES, 2008).

Esta edificação não era uma moradia qualquer, tanto que nos seus arredores, eram
encontradas árvores frutíferas no terreno que circundava o local. A construção era bem
adaptada ao clima da região amazônica, que é úmido e de temperatura elevada, portanto
era uma residência que tinha um grande diferencial, atraindo os naturalistas que vinham de
outros países para observar e pesquisar a Amazônia (SOARES, 2008).

De acordo com Albuquerque (1989), ao longo dos anos as rocinhas evoluíram para
um estilo neoclássico, com algumas mudanças relacionadas ao material, ao uso do forro e à
ausência de varanda lateral. Com o desenvolvimento urbano da cidade, oportunizado pela
exploração da borracha, a busca pelo moderno é colocada em prática em novas moradias
como palacetes e casas assobradadas, causando o afastamento das construções da
rocinha para áreas mais distantes do núcleo central de Belém.

De acordo com Soares (1996), a Rocinha do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)
também é conhecida como a Rocinha do Coronel Bento José da Silva e foi construída no

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período de 1876 a 1879, localiza-se no Parque Zoobotânico da instituição na rua Magalhães
Barata. O governo do Estado do Pará adquiriu o terreno para as instalações iniciais do
MPEG em 1895, ocupava uma área de 1,45 hectare. Em seguida, já na Administração do
Museu, foram adquiridos outros terrenos adjacentes que completaram a área atual
(SOARES, 1996).

A rocinha de Arcipreste é uma das rocinhas dessa época que possuíam


características arquitetônicas e construtivas que mais se assemelham à rocinha do Coronel
Bento, como podem ser percebidas nas vistas da fachada (Figura 1).

Figura 1: Vista da Fachada rocinha de Arcipreste

Fonte: Soares, 1996, p. 52

Antes de prosseguir falando sobre a arquitetura da Rocinha atual, é importante


descrever brevemente a historiografia do MPEG.

O Museu Paraense Emílio Goeldi

No final do século XIX, o espaço urbano de Belém sofreu diversas transformações


pelo poder público com o intuito de se tornar uma cidade moderna, a “Paris na América”, por
meio de projetos de “aformoseamento e embelezamento da paisagem urbana financiado
pela Belém da borracha (1870-1910)” (SOARES, 2008, p. 47).

O núcleo embrionário do “Museu Paraense” surge em 1866, com a ajuda de uma


Associação Filomática (significa amiga ou amante da ciência), encabeçada por Domingos
Soares Ferreira Penna (1818-1888) e outros intelectuais interessados em instaurar um
museu de história natural, entretanto essa tentativa fracassou devido ao momento financeiro

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desfavorável na época como a falta de recursos para contratar pessoal e a ausência de local
próprio para instalações (COSTA, 2014).

Em 1891, com a instauração da República, ocorre a descentralização fiscal do


estado do Pará, permitindo que a região se tornasse beneficiária sobre as tarifas da
comercialização e exportação da borracha, dessa forma os planos de progresso e
modernização puderam ser mais amplamente empregados em Belém (SOARES, 2008).

Com auxílio de uma ideologia que valorizava o discurso científico e civilizatório, o


governador Lauro Sodré reativou a Associação Filomática e iniciou a reestruturação do
museu mudando o seu nome em 1894, para Museu Paraense de História Natural e
Etnografia. Contratou o zoólogo suíço Emíl August Göldi (ou Emílio Goeldi) que deixou o
seu cargo no Museu Nacional no Rio de Janeiro para iniciar suas atividades no novo projeto
científico no estado do Pará (COSTA, 2014).

A sede do museu continuava no antigo local e para que o projeto de reorganização


tivesse êxito em se tornasse uma instituição científica mais moderna era necessária uma
sede maior. Em 1895, o Museu adquire a Rocinha do Coronel Bento José da Silva Santos.

O Diretor Goeldi marcou sua gestão no Museu Paraense trazendo notoriedade para
a instituição com produções científicas, expedições amazônicas e inclusive teve papel
fundamental na disputa com a França em relação aos limites da Guiana Francesa e o
território do Amapá.

Por seus serviços prestados ao Museu e a questão territorial resolvida, Goeldi, foi
homenageado, em dezembro de 1900, pelo então governador Paes de Carvalho com a
alteração do nome de Museu Paraense para Museu Goeldi (COSTA, 2014).

A nova sede se tornou o prédio central da instituição abrigando exposições,


laboratórios e até mesmo serviu como residência oficial do Diretor e sua família.
Atualmente, o Museu Goeldi faz parte do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MTIC) e o prédio da Rocinha foi tombado pelo IPHAN em 19941 pela sua
importância cultural e, desde a concepção, sua missão foi, e continua sendo, valorizar,
pesquisar e promover conhecimento relacionado à Amazônia nos campos das Ciências
Naturais e Humanas, e seu acervo abriga itens variados nas áreas de:

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Botânica, Zoologia, Ciências Humanas, Ciências da Terra e Ecologia,
com peças e espécimes principalmente da Região Amazônica. As
mais importantes e completas são as coleções de Ornitologia e de
Etnografia, além do Herbário João Murça Pires. Há também uma
Biblioteca especializada com um acervo de obras raras e um Arquivo
documental (QUADROS, 2019, p. 69).

O Museu Emílio Goeldi teve um papel fundamental no projeto político republicano de


educação e popularidade tornando-se referência mundial e tendo adesão da população no
seu projeto institucional.

Arquitetura da Rocinha do Museu Emílio Goeldi

A rocinha do Museu Goeldi que será discutida é o edifício atual com 700 m² (Figura
2) que sofreu suas últimas reformas mais significativas na década de 1970, passando
depois por reparos e manutenção do prédio. Em 2003, uma restauração devolveu ao prédio
algumas características originais e intervenções internas foram executadas para permitir
instalações expositivas (SOARES, 2008).

Figura 2: Aspecto atual da Rocinha do Museu Goeldi

Fonte: Acervo pessoal.

O estilo dessa rocinha é influenciado pelo estilo neoclássico. A fachada apresenta


uma dessas características, com um frontão triangular ornamentado com estatuas de louças

1 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1217/. Acesso em: 15 de Agosto de 2021.

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representando as estações do ano. As escadarias da fachada são revestidas em pedra
“lioz”; esses estilos decorativos marcam a residência de forma luxuosa, bem diferente das
rocinhas antigas que tinham um estilo mais simples, rural e adaptadas ao clima tropical.

Quando o diretor Emílio Goeldi deixou essa rocinha, que servia de moradia para sua
família e foi para outro prédio, ela foi direcionada para fins científicos com adição de
gabinetes para a pesquisa, uma biblioteca e áreas para exposição da coleção científica do
Museu.

A planta baixa a seguir (Figura 3) demonstra a nova configuração do prédio que


começava a deixar de servir, em sua maior parte, como moradia e passava a se constituir
como um Museu; as três salas da ala direita do edifício foram designadas para exposições
do acervo arqueológico e as da ala esquerda ficaram determinadas como espaços para
áreas de botânica e entomologia, o restante das salas comportava as áreas de mineralogia,
zoologia e adornos.

Figura 3: Planta baixa do pavilhão central

Fonte: Soares (1996, p. 66).

Mudanças arquitetônicas da Rocinha

O prédio da Rocinha atual, denominado de Pavilhão Expositivo Domingos Soares


Ferreira Penna possui uma conformação simétrica que foi restaurada em meados da década
de 1970 quando o prédio passava por reformas. Nessa ocasião, foram retiradas a cobertura

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de vidro e venezianas no pórtico frontal, o anexo lateral e o lago artificial; esses elementos
ficavam localizados na área adjacente à escada de concreto nos fundos do prédio.

Cabe destacar que ocorreram grandes mudanças externas no prédio como o plantio
de diversas espécies de plantas da fauna amazônica; assim “novos terrenos e casas foram
sendo incorporados ao parque original, dando lugar a laboratórios, residências e, sobretudo,
gaiolas, jaulas e tanques, conforme a estética adotada por Goeldi e seus sucessores”
(SANJAD, 2008, p. 125).

Em 2003, o prédio passou por um processo de restauração e criação de espaços


expositivos no seu interior sendo reaberto ao público em 2005; tal abertura só foi possível
recorrendo a recursos provenientes da Lei Rouanet via convênio BNDES/Ministério da
Cultura/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (IPHAN)2 (SANJAD, 2008)

Em março de 2020, em decorrência da pandemia do COVID-19 (infecção respiratória


aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2), o pavilhão de exposições foi fechado para
visitações e as programações agendadas para o período foram canceladas (MUSEU, 2020).

Em janeiro de 2021, o prédio da rocinha sofreu um acidente grave ficando bastante


avariado em decorrência da queda de parte da árvore centenária Guajará com 42 metros de
altura; o acervo vivo mais antigo do Parque Zoobotânico3, a estrutura do prédio e sua
cobertura foram seriamente comprometidos.

Por ocasião do registro fotográfico, feito em 2020 pelo autor, já se podia perceber a
necessidade de reformas estruturais e estéticas no prédio. Considera-se que a árvore
centenária que caiu sobre o museu chamou atenção para a urgência em recuperar este
prédio importante não só para a história do Museu, mas também para que futuras gerações
possam conhecer e transitar dentro de uma história viva.

Como forma de reforçar a importância deste estudo, serão apresentadas brevemente


na seção seguinte algumas etapas realizadas para a criação em RV; essa aplicação se
voltou para preservar o patrimônio histórico principalmente no momento atual em que a
visita a este Prédio permitirá uma viagem no tempo.

2 Matéria do Portal do BNDES. Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/imprensa/


noticias/conteudo/20050310not04605. Acesso em: 27 de Março de 2021.

3 Disponível em: https://www.museu-goeldi.br/noticias/Guajara-centenario-parte-e-danifica-Rocinha-do-Goeldi.


Acesso em: 27 de Março de 2021.
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Experimento: Produção de sentidos da Rocinha

A visualização computadorizada tem sido amplamente utilizada em diversos setores


ligados a pesquisa e preservação do patrimônio cultural. Mostra-se necessário elaborar
fundamentos que garantam o rigor intelectual e técnico, buscando uma metodologia sólida e
confiável no emprego de visualização do patrimônio cultural.

A metodologia desenvolvida neste trabalho, denominada de redesenho em 3D da


rocinha, seguiu diversos procedimentos que são detalhados como “etapas”, baseado nas
recomendações da Carta de Londres (DENARD, 2009) que discorre sobre definições do que
é real e licença artística e em pesquisas que se debruçaram no “resgate” de patrimônio
histórico e cultural, como a reconstrução virtual do antigo passeio público de Mestre
Valentim no Rio de Janeiro (VILAS BOAS, 2000), reconstrução virtual da antiga Igreja Matriz
de Curitiba (KOZAN; KOZAN, 2006), reconstrução digital da Praça Dante Alighiere em
Caxias do Sul (ANTONIAZZI; CATTANI; PEDONE, 2009) e a reconstrução virtual de uma
parte do centro histórico da cidade de Belém no final do século XIX (GOMES; MACHADO;
XAVIER, 2018).

Faz-se necessário ressaltar que o objetivo deste experimento é atuar como uma
ferramenta de suporte e reconhecimento do patrimônio histórico constituído da cidade de
Belém e do Museu Emílio Goeldi, e não tem o objetivo de apresentar um modelo 3D fiel em
sua exatidão física e estética, fato que só poderia ser consumado por intermédio de
equipamentos de escaneamento 3D, o que iria além do escopo deste trabalho.

De posse desses materiais e delineamentos metodológicos, a confecção do


experimento se deu por meio de diversas etapas como, vetorização e preparação de
desenhos técnicos, análise de fontes iconográficas necessárias para modelagem 3D no
programa Autodesk 3dsmax, modelagem da Rocinha e seu entorno culminando na referida
maquete em 3D.

A etapa final nesse processo é a de renderização, que é um processo computacional


realizado pelo programa Lumion que processa diversos elementos como o modelo 3D,
texturas e materiais, iluminação e câmeras para gerar as imagens finais (figura 4) que
servem como material promocional.

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Figura 4: As imagens finais renderizadas no Lumion e editadas no Photoshop

Fonte: Elaborado pelo autor.

Outra série de imagens que também foram renderizadas por intermédio do mesmo
método computacional se chama Panoramas em 360º, no entanto a imagem que é gerada é
diferente e especifica para criar experiências em RV, portanto:

Imagens e vídeos 360° exigem que todos os ângulos de uma cena


estejam rodando ao mesmo tempo, para que se possa mover a
cabeça livremente e decidir para onde se quer olhar. (este processo)
é feito costurando-se diversos ângulos da câmera a partir de um
ponto de vista fixo (TUSTAIN, 2019, p. 44).

Panoramas em 360º podem ser visualizados por diversos equipamentos como óculos
de realidade virtual e qualquer smartphone. Ele também pode ser disponibilizado em outras
plataformas on-line como Facebook e YouTube, havendo ainda a possibilidade de ser
manipulado em navegadores WEB como Chrome ou Internet Explorer.

Para esta pesquisa, definiu-se que a aplicação seria executada pelo navegador de
internet do computador e em smartphones de qualquer marca, estes poderiam ser
acoplados em óculos estilo google cardboard para serem visualizados em RV.

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Para confeccionar a aplicação em RV por intermédio de navegadores WEB foi
necessário utilizar sites que forneçam este serviço, existem vários nacionais e
internacionais, alguns são de uso gratuito e outros deve-se pagar uma mensalidade ou
anuidade para utilizar. O autor testou alguns desses serviços e se contentou com as opções
e funções oferecidos pelo Kuula4. Este serviço permite importar os panoramas em formato
jpeg e por meio de ícones (hotspots) o usuário pode clicar com o mouse ou navegar entre os
diversos panoramas utilizando óculos de RV.

Produção de Sentidos na Rocinha

A interação do homem com o meio ambiente gera sensações diversas, permite


conhecer, sentir e fazer, ou seja, uma relação multissensorial; na arquitetura, esses sentidos
são a visão, tato, olfato e a audição, o significado construído por cada um deles invocam
recordações, principalmente as vivenciadas no passado (SILVA, 2011). De acordo com
Kanashiro (2003), esses sentidos humanos são receptores sensoriais de mensagens do
ambiente criando uma comunicação complexa entre os neurônios do cérebro, e que,
portanto, também associa um significado, que pode transmitir experiências emocionais.

Heidegger utiliza o termo “estar dentro do mundo” para explicar que a fenomenologia
permite que o “mundo” seja uma parte da existência humana, portanto este mundo sempre
será vivido, um mundo da vida (AMORIM, 2013). Essa existência humana na arquitetura é
evidenciada da seguinte forma:

A arquitetura, como todas as artes, está intrinsecamente envolvida


com questões de existência humana no espaço e no tempo uma vez
que ela expressa e relaciona a condição humana no mundo. [...] está
profundamente envolvida com as questões metafisicas da
individualidade e do mundo, interioridade e exterioridade, tempo e
duração, vida e morte (PALLASMAA, 2011, p. 16)

Ainda de acordo com Pallasma (2011),

4
Site oficial: https://kuula.com.

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Em experiências memoráveis de arquitetura, o espaço, a matéria e o
tempo fundem-se em uma dimensão única, na substancia básica da
vida, que penetra nas nossas consciências. Identificamo-nos com
esse espaço, esse lugar, esse momento, e essas dimensões tornam-
se ingredientes de nossa própria existência (PALLASMAA, 2011, p.
68).

Essa dimensão única varia entre cada indivíduo, o que é chamado de percepção,
isso significa que cada indivíduo faz uma leitura de mundo de acordo com estímulos
exteriores e filtros individuais evocando diferentes imagens de mundo “real”.

Os sentidos humanos, como a visão, audição, tato e olfato constroem significados no


mundo por intervenção do corpo inserido no ambiente, no espaço que se fundem em
memória, percepção e imaginação em constante inter-relação.

Fazendo uso desse argumento no contexto da RV, a memória de um lugar perdido


não pode ser reproduzida em um ambiente virtual, mesmo que esta ambientação seja
idêntica ao espaço original, mas é possível trabalhar uma nova experiência de memória que
remeta a imagem deste lugar, evidenciando as memórias vividas e livrando-as do
esquecimento. O ambiente virtual, nesse sentido, não é um lugar de memória, mas sim um
suporte, um artifício de rememoração do original, tal como uma fotografia (CAVALCANTI,
2019).

Considerações finais

O interesse pessoal sobre a RV com foco na arquitetura foi a grande motivação em


realizar este estudo; dessa forma, procurou-se desenvolver um estudo histórico e teórico
que resultasse em conhecimentos práticos em que o desfecho final pudesse alcançar um
resultado relevante e promissor.

Nos anos de 1990, a tecnologia à disposição das pessoas não conseguia alçar os
mesmos voos do campo das ideias, então houve um hiato de vários anos, até que, em 2010,
um jovem universitário do vale do silício desenvolveu uns óculos de RV que reacendeu o

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interesse e novos desdobramentos nos anos seguintes, atraindo grandes empresas de
tecnologia como Facebook, Google e Microsoft.

A sociedade atual convive com décadas de desenvolvimento tecnológicos,


solidificados por componentes eletrônicos cada vez menores que permitem uma interação
diária com uma gama de produtos, que estão cada vez mais diversos e inseridos dentro de
outros. Os óculos de RV ou headsets são uma consequência disso, o constante apetite por
smartphones mais poderosos e menores ensejou a construção de telas menores e com
maior resolução, aliados a lentes especializadas, surgiu os óculos de RV.

Assim, o desafio deste estudo foi fazer com que a experiência fosse tão envolvente
de forma a não dissociar o real do virtual. Nesse contexto, considerou-se importante trazer à
RV a Rocinha do Museu Emílio Goeldi e sua tipologia arquitetônica, importância histórica e
cultural e as mudanças estéticas e funcionais ocorridas entre a metade do século XIX e o
início do século XX. Também, a historiografia do Museu Emílio Goeldi, parque botânico e
zoológico foram o objeto deste trabalho.

No contexto deste estudo, foi discutido as formas de produção de sentido


promovidas por dois momentos temporais do prédio da Rocinha dentro de um contexto
arquitetônico e de rememoração de um edifício de importância histórica que precisa ser
preservado por intervenção de ações de manutenção e articulações que o promovam e
permitam que as pessoas conheçam sua história.

Portanto, destaca-se a importância social e científica que o experimento em RV pode


ter para a comunidade em geral e para a instituição do Museu Goeldi; dessa forma, este
experimento irá servir como recurso visual de visitação do prédio histórico, principalmente
onde, por conta de um acidente, parte da árvore centenária caiu sobre o prédio sendo
necessário paralisar as visitações ao entorno da edificação, reforçando a importância desta
aplicação, pois se estabelece com uma das poucas formas de conhecer e visitar este local
durante o período que permanecer fechada ao público.

Por fim, espera-se que este trabalho, com auxílio da revisão bibliográfica e do
experimento em RV, possa ter ampliado o conhecimento e percepção sensorial sobre um
prédio histórico construído no século XIX, que precisa ser preservado e continuamente
lembrado como patrimônio construído e cultural da cidade de Belém.

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Bibliografia

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EIXO TEMÁTICO 3

• ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA: DOCUMENTAÇÃO E


REGISTRO ENTRE A “MORADA DO SOL” E A “BOCA DO
SERTÃO”

RIBEIRO, EDUARDO B.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Departamento de História da


Arquitetura e Estética do Projeto
R. do Lago, 876 - Butantã, São Paulo - SP, 05508-080
eduardoribeiro5@usp.br

Agradecimento à Fapesp: processo de n° 2020/02418-6

RESUMO
Este artigo aborda parte do trabalho de mestrado que foi defendido na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, em 2020, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Beatriz Mugayar Kühl. O recorte
abordado aqui, apresenta umas das frentes desenvolvidas na pesquisa, que procurou realizar o
registro das estações ferroviárias pertencentes à antiga Estrada de Ferro Araraquara (EFA), no trecho
entre as cidades de Araraquara e São José do Rio Preto. O objetivo foi destacar edificações
pertencentes a uma empresa férrea paulista que, ao longo dos anos, diferentes de outras
companhias, pouco foi explorada pelo campo acadêmico. O material registrado foi diagramado em
quadros que, por meio de imagens e descrições, informam diversas questões a respeito de tais
edificações, abordando desde aspectos materiais até suas localizações nas malhas urbanas.
Posteriormente, foi possível traçar certos comparativos sobre esse conjunto, como aquele referente
ao material cerâmico encontrado nesse trecho, o qual é apresentado nesta reflexão.

Palavras-chave: Ferrovia, Patrimônio Ferroviário, Estações ferroviárias, Estrada de Ferro Araraquara

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Entre meados do século XIX e meados do século XX, a implantação e expansão de
ferroviais transformou o contexto de muitas localidades ao redor do mundo, de modo que
esse meio de transporte foi capaz de alterar, direta ou indiretamente, aspectos sociais,
econômicos, tecnológicos, culturais, ambientais, urbanísticos, entre outros. Assim, versar
sobre as estradas de ferro é se debruçar sobre um campo multidisciplinar amplo e bastante
diversificado.
Ao longo dos anos, muitos estudos se dedicaram a observar as ferrovias paulistas e
a relação que elas estabeleceram com o café, produto que, a partir da década de 1870-80,
pela perspectiva de Silva (1995), que discute a expansão cafeeira e as origens da indústria
no Brasil, passou a ocupar a posição de “centro motor” do desenvolvimento do capitalismo
brasileiro; tornando-se o responsável por impulsionar a instalação dos trilhos em boa parte
do território paulista. Em vista disso, Kühl (1998), ao discorrer sobre a arquitetura do ferro e
a arquitetura ferroviária em São Paulo, indica que o patrimônio ferroviário paulista é um
importante testemunho histórico do principal produto de exportação estadual, o café,
responsável, segundo a autora, pela geração da riqueza que impulsionou todo o
desenvolvimento posterior do estado.
Assim, no decorrer temporal, companhias ferroviárias como a Estrada de Ferro
Santos-Jundiaí (antiga São Paulo Railway), Companhia Paulista de Estradas de Ferro,
Estrada de Ferro Sorocabana, Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Estrada de
Ferro Noroeste do Brasil, talvez pela dimensão de suas extensões ou pelo expressivo
volume que movimentaram, foram discutidas por diferentes enfoques em importantes
trabalhos que se dedicaram a compreender esses objetos. Até mesmo pequenas empresas
ferroviárias do Estado de São Paulo, como a Estrada de Ferro do Dourado e a Companhia
Rio Claro de Estradas de Ferro, que a exemplo da EFA também operaram na região de
Araraquara, já foram investigadas.
Entretanto, a Araraquarense, companhia que se estendeu por mais de 400 km no
noroeste paulista até as margens do rio Paraná, divisa com o estado do Mato Grosso do
Sul, edificando um complexo ferroviário que influenciou diretamente a sociedade dessa
parcela estadual, manteve-se à margem do debate sobre o sistema ferroviário paulista,
apenas sendo pontuada por alguns trabalhos que abordaram o processo de expansão dos
trilhos ou outras empresas ferroviárias que se formaram nesse território, como podem
demonstrar alguns trabalhos apontados a seguir.
Adolpho Augusto Pinto, que em 1903 realizou um estudo pioneiro sobre a formação
da viação férrea no estado de São Paulo, no qual menciona processos legais e o
desenvolvimento de diversas ferrovias de grande e pequeno porte, com relação à EFA se
limitou a pontuar brevemente o decreto que permitiu a formação da empresa ou a

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importância da subvenção paga para o prolongamento de seu trecho em 1901 (PINTO,
1977). Talvez por isso, em 1977, a introdução da reedição do livro de Pinto, escrita por Célio
Debes, historiador da Academia Paulista, buscando tocar pontos pouco explorados na
versão anterior, apresentou alguns dados históricos referentes à EFA, desde o ano de sua
formação (1895) até sua incorporação à Ferrovia Paulista S/A (Fepasa), na década de 1970.
O Álbum de Araraquara de 1915, editado por João Silveira, e o de 1948, organizado
e editado por Nelson Martins de Almeida, que reúnem registros descritivos e fotográficos de
Araraquara nesses dois momentos distintos, trazem informações sucintas sobre a
Araraquarense, tais como o interesse dos fazendeiros dessa região por uma ferrovia que
diminuísse o custo dos transportes dos produtos em carros de boi ou alguns contratempos
enfrentados pela companhia durante o prolongamento de sua via.
Matos (1974), que elaborou um amplo estudo sobre a marcha do café e o
desenvolvimento da rede ferroviária no interior paulista, tecendo observações desde a
promulgação da primeira lei para construção de ferrovias, em 1835, até a decadência do
setor na década de 1940, mencionou alguns dados com relação à Araraquarense, como seu
ano de fundação, de inauguração do primeiro trecho (1901), de chegada a São José do Rio
Preto (1912), de encampação por parte do governo estadual (1919) e, por fim, de
avizinhamento às margens do rio Paraná (1952). Informações próximas às fornecidas por
Matos (1974) com relação à EFA também são apresentadas por Kühl (1998) em seu
trabalho sobre a arquitetura do ferro e a arquitetura ferroviária no estado de São Paulo, no
qual a autora, ao descrever um breve histórico do desenvolvimento da rede ferroviária
paulista, apresenta informações referentes à EFA.
Gerodetti e Cornejo (2003), ao tratarem do histórico paulista a partir de imagens de
antigos cartões postais, citam algumas empresas férreas que se desenvolveram no estado
de São Paulo e, entre elas, a Araraquarense, traçando uma descrição sucinta sobre o
processo de expansão dos trilhos da EFA.
Nunes (2005), ao produzir um estudo sobre a Douradense, companhia férrea
fundada em 1898, ofereceu, pontualmente, informações sobre o avanço da EFA desde a
inauguração de seu trecho inicial até a fundação de sua última estação, Presidente Vargas,
na divisa com o Mato Grosso do Sul.
Soukef Jr. (2006) estudou o processo de urbanização registrado em Bauru a partir da
implantação de três ferrovias.1 Quando menciona outras cidades do interior paulista, o autor
observa a presença da EFA em Araraquara e São José do Rio Preto, por meio de dados
que ilustram o desenvolvimento da empresa nessas duas localidades.

1 Paulista, Noroeste do Brasil e Sorocabana.


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A Araraquarense perdeu sua condição marginal tardiamente, a partir da década de
2010. O historiador André Luiz da Silva, acredita-se, foi o primeiro pesquisador a tomar a
empresa como objeto de estudo. Em um primeiro momento, focou na falência da
companhia, em 1914, e sua posterior aquisição por uma empresa inglesa, que institui na
direção do novo grupo o francês Paul Deleuze (SILVA, 2013). Posteriormente, investigou o
caso de um empréstimo realizado em 1911 a partir de um acordo entre a casa bancária
alemã L. Behrens & Söhne e a diretoria da Araraquarense (SILVA, 2018).
No entanto, nesse percurso temporal, nenhum estudo detalhou, baseado em fontes
documentais, os primeiros anos da empresa diante não apenas da perspectiva
administrativa e econômica, mas também das edificações construídas por essa companhia,
a exemplo das estações ferroviárias, materialidades edificadas que não apenas impactaram
diretamente as localidades em que se desenvolveram – favorecendo a formação ou
desenvolvimento de núcleos urbanos existentes –, como ainda hoje sobrevivem em muitas
centralidades como signos de um processo histórico e da própria empresa que as edificou.
Dessa forma, o estudo sobre EFA teve início em 2016 com a iniciação científica (IC)
Estações ferroviárias do interior paulista: de Engenheiro Schmitt a Cosmorama,2 que
realizou o registro de sete estações ferroviárias bem como casas de turma e armazéns
presentes em diferentes centralidades da região rio-pretense e pôde esclarecer pontos
importantes do panorama histórico regional e estadual relacionado a essas construções.
Com os resultados desse primeiro contato, entendeu-se a riqueza e a fragilidade do material
pesquisado, a maioria em condição ociosa, e a necessidade de se avançar na pesquisa.
Esse conjunto de referências materiais e simbólicas da Araraquarense, composto por
estações, casas de turma, armazéns, entre outros, apresentou as estações ferroviárias
como o componente na linha de frente da discussão, dadas suas áreas generosas (livres e
construídas) e suas localizações urbanísticas privilegiadas.
Foi assim que decidiu-se, então, tomar como objeto de estudo para o mestrado
apenas as estações ferroviárias, para se produzir um registro mais circunstanciado, bem
como abarcar um trecho maior para se alcançar de forma mais precisa e detalhada as
características tipológicas e construtivas desse conjunto sobre o qual raras e pontuais
informações existiam (mapas 1 e 2). Ou seja, o número de estações aumentou, mas o
estudo se limitou a apenas uma tipologia, para possibilitar uma comparação mais
aprofundada.

2 Esse trabalho ficou entre os cinco melhores avaliados pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (IAU/USP), em São Carlos, e foi indicado para a etapa internacional do Simpósio
Internacional de Iniciação Científica da USP (Siicusp) de 2016. Parte dos resultados dessa pesquisa podem ser
consultados no artigo “Comadres do noroeste paulista, das casas de turma às estações: as construções sem
destino”, publicado na edição de número 27 da Revista CPC (RIBEIRO, 2019).
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Mapa 1 – Trecho IC e trecho mestrado Mapa 2 – Trecho mestrado no estado

Fonte: adaptado de Google (2016). Fonte: adaptado de Google (2016).


Legenda:
Trecho IC (85 km)
Trecho mestrado (169 km)

Mas o estudo de mestrado, além da necessidade de registrar estações que não


estavam presentes em nenhum tipo de produção e diante da escassez de publicações sobre
a Araraquarense, apontava para uma outra necessidade importante: buscar fontes
documentais que pudessem esclarecer o processo de desenvolvimento dessa empresa
dentro do recorte temporal (1895-1912) e territorial (Araraquara-São José do Rio Preto)
adotado para o estudo. Assim, iniciou-se uma difícil busca pela documentação referente à
EFA, dado que muitas das fontes que foram acionadas apresentavam poucos ou quase
nenhum documento sobre a empresa – o que foi mais comum –, ou os documentos que
existiam estavam em condições desfavoráveis para a pesquisa, o que demonstrava a pouca
evidência dada à companhia ao longo dos anos.
Ao visitar as antigas estações pertencentes à EFA, pontos que no passado foram
uma importante referência local, foi possível encontrar exemplos positivos, de modo geral,
bastante pontuais. Algumas estações estavam próximas à condição de ruína, sem uso,
ocupadas por moradores sem-teto ou subutilizadas; outras estavam repletas de lixo ou
descaracterizadas a um ponto que se tornava difícil até mesmo de as reconhecer enquanto
antigas estações ferroviárias.
Dessa forma, após percorrer esse trajeto em torno da EFA, cruzando diferentes
edificações e documentos produzidos pela empresa, entende-se que tal empresa, tendo por
base seu potencial multidisciplinar para a pesquisa e a importância que representou para
uma significativa parcela do noroeste paulista, é um rico material, demandando estudos que
possam esclarecer esse objeto tão pouco explorado ao longo dos anos – e ainda hoje.
Assim, este artigo procura apresentar um recorte do conjunto das estações ferroviárias que
puderam ser registradas durante a pesquisa de mestrado. Importante mencionar, também,

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que a Araraquarense e alguns de seus complexos continuam sendo explorados por este
pesquisador em seu atual trabalho de doutorado.

O registro
A pesquisa de mestrado se estruturou a partir de duas frentes centradas no recorte
temporal de 1895 a 1912 e no recorte territorial de Araraquara a São José do Rio Preto. A
primeira dela focou nos relatórios anuais produzidos pela EFA entre 1897 e 19103, bem
como outros documentos auxiliares que esclarecem melhor certos detalhes mencionados
nesses textos, destacando, sobretudo, as estações ferroviárias edificadas no período, seus
projetos e ano de fundação. A segunda frente, a partir do registro feito in loco nesse mesmo
trecho (Araraquara - Rio Preto) e do levantamento aerofotogramétrico, buscou situar as
antigas estações ferroviárias da EFA na malha urbana das localidades em que elas estão
inseridas hoje, bem como observar seu estado material e o tipo de uso que recebem na
atualidade; objetivando compreender o percurso histórico realizado por esse objeto e a
condição contemporânea de elementos que testemunham essa trajetória.
Assim, 17 estações ferroviárias foram registradas em quadros individuais, que
contém informações referentes a cada edificação e sua referida localidade. Como não seria
possível apresentar neste artigo todos os quadros presentes no trabalho de mestrado,
selecionou-se aquele referente à estação de Cedral4 (quadro1) como forma de exemplificar
o registro realizado:

3 Esses relatórios trazem diversas informações operacionais, técnicas, financeiras, construtivas, entre outras,
sobre cada ano de funcionamento da EFA e eram apresentados em assembleias anuais aos acionistas da
empresa. Esses documentos não apenas foram observados de forma descritiva, com o auxílio de gráficos e
tabelas, como também avaliados criticamente, uma vez que nem sempre o sentimento que eles tentam indicar
nos textos era compatível com os dados presentes nos próprios registros.
4 Cedral possui dois estações ferroviárias. Uma mais antiga, na área central da cidade, que funciona hoje como

Câmara Municipal, e outra mais recente, que será apresentada no quadro a seguir.
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Quadro 1 – Estação ferroviária de Cedral, 2019

Inauguração da Uso Estado de


Localização
estação atual conservação

Sem
Cedral 1912 Mediano5
uso

População (IBGE)6 9.125 habitantes


Descrição
Edificação retangular térrea em alvenaria de tijolos, com entrada na parte central enfatizada pela
presença de pórtico, simétrica a partir do eixo central, com elementos ornamentais que sugerem uma
linguagem neocolonial simplificada, e é coberta por telhado quatro águas com telhas capa e canal,
com emblema da cerâmica Jarrais Filhos & Almeida (inscrição nas telhas).7 O abrigo da plataforma é
coberto com telhas de fibrocimento e sustentado por trilhos adaptados, nos quais se inscrevem o
emblema da Cockerill8 e “1904” ou “1908”. A edificação dista 700 m do centro da cidade, com acesso
fácil por via asfáltica, e apresenta um estado de conservação que, embora delicado, se comparado às
demais estações desse trecho, não indica complicações que interfiram na condição estrutural do
prédio, possuindo problemas como: pintura desgastada, pontos de infiltração, ausência de algumas
telhas na cobertura da plataforma, vidros quebrados, fechamento de alguns acessos com alvenaria e
mato alto em seu entorno. O interior apresenta forro em madeira e piso cerâmico (15 cm × 7,5 cm)
em bom estado, paredes com poucas fissuras pequenas e alguns danos no reboco. De mobiliário, há
apenas alguns objetos que provavelmente pertenceram a algum antigo morador, como camas de
madeira e colchão. O exterior apresenta uma situação material mais delicada, sobretudo com alguns
pontos de infiltração entre a cobertura da plataforma e a empena adjacente à construção, e uma
mureta lateral (à direita do acesso principal e próxima à plataforma) já bastante danificada. Parte da
plataforma tem o piso de terra batida e a outra parte de concreto. De mobiliário, há somente dois
bancos, um deles com base férrea. Dada a presença de tecidos em algumas janelas, vasos de
plantas e uma antena de TV, a edificação deve, de fato, ter sido utilizada como moradia em algum
momento.

5Essa classificação foi formulada com base na comparação material do próprio conjunto percorrido, para o qual
se determinou a seguinte escala: bom (edificação parece passar por manutenção com certa frequência e não
apresenta indicativos relevantes de danos em sua matéria), mediano (edificação necessita de reparos pontuais,
mas não apresenta danos aparentemente graves) e ruim (edificação apresenta estado delicado de conservação,
com danos numerosos e preocupantes, em alguns casos próxima à condição de ruína).
6 População estimada em 2019.
7 A inscrição relata também o local de produção das peças: “Leme – SP”.
8 Empresa inglesa de aço e ferro que se de destacou no cenário internacional nos séculos XIX e XX.
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Imagens
Fachada acesso principal

Interior

Exterior

Plataforma

Piso interno

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Telha

Mobiliário

Fonte: elaborado pelo autor.

A primeira estação foi fundada em Cedral no dia primeiro de março de 1912 e


ficava no local em que hoje funciona a Câmara Municipal da localidade. A
construção observada no quadro anterior, acredita-se, foi inaugurada no início da
década de 1950. Nesse período, durante o processo de alargamento da bitola da
EFA de 1 m para 1,6 m, em algumas localidades, a exemplo de Cedral, os trilhos
deixaram a região central dos municípios e foram realocados em áreas mais
periféricas. Esse dado é importante, pois o seu cruzamento com a imagem
aerofotogramétrica permite observar que tal localidade, fundada em 21 de junho de
1929, se desenvolveu no entorno da estação ferroviária que já existia ali,
diferentemente do que pode sugerir a imagem aérea atual, na qual a linha férrea não
cruza a parcela mais antiga da cidade e a estação se posiciona de forma mais
isolada. Inclusive, o antigo leito ferroviário – que se tornou a principal avenida do
município – ainda conserva algumas edificações desse período, como uma casa

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pertencente à ferrovia, que mantém o emblema da EFA e a data de sua construção:
23 de fevereiro de 1929, ou seja, anterior à fundação da cidade.
Ademais, estação de Cedral apresenta soluções arquitetônicas adaptadas
pela EFA para esse tipo de construção, como no caso dos trilhos ingleses que
sustentam o abrigo da plataforma, 9 bem como traz dados que seriam pouco
previsíveis de serem encontrados nesses espaços, como as informações conferidas
pelo mobiliário encontrado na plataforma da estação. Os bancos presentes nesse
espaço contêm, respectivamente, as seguintes inscrições: 1. “Casa Bueno, em Rio
Preto, séria e barateira, tem tudo pelos menores preços” e 2. “Lima, Nogueira & Cia,
comissários exportadores-Santos, representante em S. J. do Rio Preto: Luiz Duarte
Silva”. A primeira inscrição faz referência a um estabelecimento comercial popular
em Rio Preto em meados do século XX, e a segunda diz respeito a uma importante
empresa (ou uma das importantes empresas) que fazia a intermediação comercial
nesse trecho, comprando café com o produtor local ou representando-o
comercialmente no repasse para o comprador externo.
Em pesquisa no Diário Oficial da União, foi possível encontrar algumas
movimentações realizadas pela Lima, Nogueira & Cia, com sede em Santos. Na
página 42 da seção 1 do dia 17 de setembro de 1948, é possível observar que a
empresa exportou café para diferentes países, como Estados Unidos (30.000 kg),
Bélgica (15.000 kg), Holanda (30.000 kg) e Dinamarca (180.000 kg) – sempre com
volumes expressivos. Ademais, o nome mencionado como representante da
empresa em São José do Rio Preto, Luiz Duarte Silva, foi um agropecuarista que foi
presidente do Rio Preto Automóvel Clube de 1954 a 1967, uma agremiação que
reuniu a elite rio-pretense naquele período.
Após o registro das 17 estações ferroviárias e a elaboração de quadros
informativos referentes a cada uma delas é possível confrontá-las, por exemplo, a
partir de seus estilos, localizações (urbana ou rural), usos (ou não usos) e, até
mesmo, por meio de alguns materiais que foram empregados em suas construções.
Pensando que não seria possível discutir neste artigo todas essas categorias,
selecionou-me para ser apresentado aqui os materiais cerâmicos encontrados nesse
trecho. Assim, os tijolos podem ser observados no quadro a seguir:

9A utilização dos trilhos como elemento estrutural nas plataformas aparece em pelo menos mais duas estações
desse trecho de que se tem conhecimento: Ecatu e Cosmorama.
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Quadro 2 – Comparativo dos tijolos das estações da EFA

Fundação da
Localidade Tijolo
estação10

Araraquara 1898

Catiguá 1910

Matão 1899

Santa Ernestina 1901

Uchoa 1911

Fonte: elaborado pelo autor.

Os tijolos cerâmicos que puderam ser registrados apresentaram dimensões


aproximadas e a inscrição das olarias que provavelmente os produziram. Como se
pode ver pelo quadro anterior, as peças não possuem uma mesma origem. No
entanto, uma das olarias, Pasti, se repete em duas localidades: Catiguá e Uchoa, o
que pode indicar que elas tenham sido atendidas pela produção de uma mesma
olaria. O tijolo encontrado no prédio de Matão recebe a inscrição “OCP”, que seria
referente à Olaria Companhia Paulista, dado que algumas empresas férreas

10 Até o momento, não foi possível saber com exatidão a data das edificações atuais, por isso optou-se por
trabalhar com a dada de fundação delas, tal como informadas pelos documentos.
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possuíam olarias próprias ou encomendavam peças a olarias particulares com suas
inscrições. No caso de Matão, a edificação pode ter sido construída com tijolos
comprados da Companhia Paulista, uma vez que elas se comunicavam na cidade
vizinha de Araraquara, ou pode ter acontecido algum tipo de negociação com uma
olaria que produzia peças com o emblema dessa empresa.
Diante desse comparativo, procurou-se realizar um segundo confrontamento,
com as telhas, para se entender o tipo utilizado nessas construções e se seriam
produzidas pelos mesmos fabricantes dos tijolos. Assim, tais peças podem ser
observadas no quadro a seguir:

Quadro 3 – Comparativo das telhas das estações da EFA

Localidade Fundação da estação Telha Descrição

Telha de
Araraquara 1898 cerâmica do tipo
francesa

Telha de
Bueno de
1898 cerâmica do tipo
Andrada
francesa

Telha de
Catiguá 1910 cerâmica do tipo
francesa

Telha de
Cedral 1912 cerâmica do tipo
capa e canal

Telha de
Engenheiro
1912 cerâmica do tipo
Schmitt
capa e canal

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Telha de
São José do
1912 cerâmica do tipo
Rio Preto
francesa

Telha de
Santa
1901 cerâmica do tipo
Ernestina
francesa

Telha de
Uchoa 1911 cerâmica do tipo
francesa

Fonte: elaborado pelo autor.

O primeiro ponto que se pode identificar ao se comparar o quadro dos tijolos


com o das telhas é que nenhuma das olaria produtoras dos tijolos registrados são
produtoras das telhas, as quais passam por uma variação tipológica – ora são
francesas, ora são capa e canal. Além disso, as telhas apresentam na própria peça
uma inscrição que seria referente à localidade em que foram confeccionadas e
iniciais que relatam um outro ponto bastante interessante: o trecho férreo em que as
olarias se encontravam. No caso, os termos citados são “LP” e “CP”, referentes à
Companhia Paulista, e “CM”, referente à Companhia Mogiana. Em um primeiro
momento, se pensou que essas iniciais com o nome das olarias pudessem ser
relativas à companhia férrea que encomendou as peças, mas em contato com ex-
funcionários do transporte ferroviário e outros pesquisadores, eles relataram que
essa designação informa, na verdade, em que trecho férreo a olaria se encontrava.
Possivelmente porque o transporte dessas telhas, quando vendidas, seria facilitado
pela proximidade da olaria com a ferrovia. Ou seja, esse detalhe seria importante
como uma referência e mesmo no processo de comercialização das peças, o que
pode denotar, também, certa dificuldade em transportar esse material por caminhos
terrestres naquele contexto.
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Dessa forma, para facilitar a leitura do texto encontrado nas telhas, produziu-
se o Quadro 4, assinalando o trecho férreo a que as olarias11 estavam próximas:

Quadro 4 – Inscrições das telhas das estações da EFA


Localidade Inscrição na telha Trecho férreo próximo
Ind. F. Bianchini S/A
Bueno de Andrada CP – Companhia Paulista
Rio Claro CP
Birsoli & Cia Ltda
Catiguá CM – Companhia Mogiana
Tambaú CM F S Paulo
J. Arrais Filho & Almeida
Cedral CP – Companhia Paulista
Leme CP
Cerâmica Bianchini
Engenheiro Schmitt LP – Linha Paulista
Rio Claro LP
Cerâmica São Pedro
São José do Rio Preto CP – Companhia Paulista
Rio Claro CP
Irmãos Silva
Santa Ernestina Não menciona
Barra Bonita

Fonte: elaborado pelo autor.

Com base no quadro, observa-se que as telhas de algumas olarias se


repetem em determinadas edificações, como, por exemplo, em Engenheiro Schmitt e
Bueno de Andrada, com telhas que seriam produzidas pela Cerâmica Bianchini. No
entanto, é importante ressaltar que, em alguns casos, constatou-se que não existe
apenas uma olaria nas telhas dessas construções – naturalmente, porque algumas
peças foram trocadas ao longo dos anos, ou porque não tiveram uma única olaria
como fornecedora de telhas. Isso, portanto, não permite dizer quais seriam as peças
originais da construção, mas permite observar que as telhas das edificações
registradas não mencionam uma olaria local ou próxima ao trecho da EFA, de forma
que se acredita que, talvez, a produção cerâmica nessa região, no momento de
construção dos prédios atuais, ainda pudesse ser bastante rudimentar ou de
qualidade ruim. Essa observação se fundamenta, inclusive, nos próprios relatórios
produzidos pela Araraquarense e analisados na pesquisa, que em alguns momentos

11 Não foi possível encontrar informações mais detalhadas sobre as olarias mencionadas nas telhas.
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relatam a dificuldade de obter tijolos de qualidade para as obras tanto do primeiro
trecho até Taquaritinga como, também, do prolongamento até Rio Preto.
Por outro lado, com base nas localidades mencionadas nas telhas, algumas
regiões do interior do estado de São Paulo pareciam apresentar uma indústria
cerâmica mais consolidada nesse período, como é o caso de Rio Claro, que tem
telhas produzidas em seu município presente em três estações distintas do trecho da
EFA investigado.
Com o objetivo de confirmar que as olarias fabricantes das telhas estariam, de
fato, próximas às linhas férreas que elas mencionam nas peças, realizou-se uma
outra pesquisa a partir das cidades em que as telhas teriam sido produzidas para se
atestar essa informação (Quadro 5).

Quadro 5 – Localização das olarias fabricantes de telhas do trecho da EFA


Ano de fundação da
Localização das olarias Companhia férrea presente no município
estação local
Barra Bonita Estrada de Ferro Barra Bonita 1929
Leme Companhia Paulista 1877
Rio Claro Companhia Paulista 1876
Tambaú Companhia Mogiana 1887

Fonte: elaborado pelo autor.

A partir do quadro, pode-se confirmar que as olarias em que as telhas foram


produzidas estavam próximas das referidas linhas férreas que elas mencionam em
suas peças. As telhas de Santa Ernestina são as únicas que não fazem referência
ao trecho férreo do qual a olaria que produziu as peças estaria próxima; as telhas
dessa localidade são provenientes de Barra Bonita, onde passou a existir a Estrada
de Ferro Barra Bonita (EFBB) a partir de 1929.12 Ou seja, supõe-se, com base no
material averiguado na pesquisa, que as telhas encontradas em Santa Ernestina
tenham sido produzidas em um período anterior à presença da ferrovia e, portanto,
não mencionam a proximidade com alguma via férrea, uma informações que parece
ser presente nas telhas desse período.

12 Em 1951, a Companhia Paulista adquiriu a EFBB.


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Com relação às telhas que estão expostas no museu Francisco Aureliano de
Araújo, que funciona no prédio da antiga estação de Araraquara, que são indicadas
como referentes a essa edificação, há um detalhe que precisa ser observado:
segundo um quadro fixado na parede do museu, ele foi montado pela ABPF e
inaugurado em 1992. O quadro informa que, em decorrência do estado ruim em que
o telhado se encontrava, a ABPF, por meio de uma doação, trocou toda a telha de
cerâmica da construção por telha de cimento amianto. Além disso, o documento
esclarece também que os objetos presentes naquele espaço13 fazem parte não
apenas do acervo da EFA como também da Companhia Paulista. Posto isso, as
telhas expostas apresentam legendas que indicam que elas seriam originais da
estação de Araraquara.
Assim, segundo informação conferida pela ABPF, as telhas originais da
estação de Araraquara seriam francesas e teriam sido produzidas por dois
conhecidos estabelecimentos cerâmicos no contexto de final do século XIX e início
do século XX14. No entanto, imagens feitas pelo grupo coordenado pelo
Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho, em 1978, quando desenvolveu os relatórios
Planart,15 mostram que a edificação de Araraquara possuía, na verdade, telhas capa
e canal.
Dessa forma, com base na informação oferecida pela ABPF, acredita-se que
as telhas da estação de Araraquara, em algum momento, tenham sido totalmente
trocadas de telhas francesas para capa e canal e, posteriormente, na década de
1990, para telhas de cimento amianto. Ou, então, há um erro na legenda das peças
presentes no museu de Araraquara, as quais podem ter sido expostas sem a devida
atenção quanto a sua origem.
Com relação aos pisos internos, também foram comparados, no Quadro 6.

13No museu, encontram-se vestimentas de ex-funcionários, mobiliário, fotos antigas e alguns equipamentos de
uso ferroviário. Não há nenhuma documentação referente à EFA.
14 “Arnaud Etienne – St. Henri Marseille” e “Saccoman Freres – St. Henri Marseille”
15O relatório técnico para as obras de recuperação de estações ferroviárias no estado de São Paulo, realizado
em 1978 e coordenado pelo Prof. Nestor Goulart Reis Filho, apresenta um inventário pormenorizado de algumas
estações paulistas. Tal estudo foi apresentado à Fepasa pela Planart S/C – Planejamento e Arquitetura LTDA.
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Quadro 6 – Comparativo do revestimento de pisos internos

Fundação da
Localidade Piso interno Descrição
estação

Ladrilho hidráulico quadrado


Araraquara 1898
decorado

Bueno de Assoalho de madeira do


1898
Andrada tipo tábua corrida

Cândido Piso cerâmico quadriculado


1908
Rodrigues vermelho

Piso cerâmico quadrado


Catanduva 1910
vermelho decorado

Piso cerâmico retangular


Cedral 1912
(7,5 cm × 15 cm) vermelho

Fernando Piso cerâmico quadriculado


1909
Prestes vermelho16

16Pelo fundo da imagem é possível ver a cor original avermelhada, que fica encoberta pela sujeira de tom
escuro.
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São José do Piso cerâmico hexagonal
1912
Rio Preto vermelho

Ladrilho hidráulico quadrado


Uchoa 1911
decorado

Fonte: elaborado pelo autor.

Os pisos internos das edificações que puderam ser registradas parecem


revelar uma trajetória evolutiva nesse segmento. Assim, a partir das imagens do
Quadro 6 é possível observar, por exemplo, que as edificações mais antigas, como
Araraquara, Bueno de Andrada e Uchoa, ainda apresentam revestimentos que
indicam uma produção mais artesanal, em pequena escala, empregando ladrilhos
hidráulicos e madeira. Já as edificações que foram construídas em meados do
século XX – como se acredita terem sido as construções atuais de Cândido
Rodrigues, Catanduva, Cedral, Fernando Prestes e Rio Preto – se vinculam a um
produto de teor industrial, produzido em larga escala. Esse detalhe material está em
consonância com o próprio estilo empregado nas construções em que eles estão
presentes, posto que enquanto as primeiras edificações mencionadas fazem uso de
um vocabulário historicista, o segundo grupo adota, de modo marcante ou
simplificado, elementos art déco, linguagem que estava associada a signos dos
“tempos modernos”, como a máquina e a velocidade (PINHEIRO, 1997).

Conclusão

Ao percorrer as estações ferroviárias da EFA realizando o registro material


desses espaços, foi possível identificar, entre outras questões, detalhes construtivos
que evidenciam chaves de conexão entre os campos materiais e imateriais nessas

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áreas, de modo que tais edificações, portanto, não podem ser lidas apenas a partir
de sua arquitetura e de se histórico individual, mas tendo em vista as práticas sociais
e a amplitude do contexto sobre o qual ela se inseriram. Esse fato denota os fortes
vínculos que foram estabelecidos no estado de São Paulo entre o sistema
ferroviário, a produção cafeeira e o próprio processo de desenvolvimento urbano,
posto que foi a partir da instalação de complexos ferroviários que muitas localidades
paulistas se formaram ou se desenvolveram. Dessa forma, quando edificações
desse tipo atingem a condição de ruína, como, infelizmente, já acontece com
exemplares no trecho da EFA, perdem-se documentos fundamentais para o
entendimento da dimensão material, imaterial e histórica dessas áreas.
O percurso investigativo em torno da EFA tem demonstrado a riqueza do
acervo proveniente de tal companhia férrea e a necessidade de pesquisas que
possam, de alguma maneira, se dedicar a investigá-lo. Nesse patrimônio não estão
presentes apenas estações, mas uma multiplicidade de outros elementos e
tipologias que objetivavam o bom funcionamento do transporte ferroviário naquele
trecho e que provocaram, sobretudo a partir de sua dimensão de conjunto,
alterações significativas ao longo de sua operação.
Assim sendo, a pesquisa destacada nesta reflexão faz parte de um esforço,
em boa parte, pioneiro, que busca destacar a Estrada de Ferro Araraquara e
oferecer suporte a novos pesquisadores que diante de seus recortes e
especificidades possam elucidar diversas questões a serem devidamente
averiguadas a respeito de tal companhia ainda tão pouco explorada pelo campo
acadêmico.

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Referências

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nos cartões-postais e álbuns de lembranças. São Paulo: Solaris, 2003.

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PINTO, A. A. História da viação pública em São Paulo. 2. ed. São Paulo: Estado
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PLANART. Coordenação de Nestor Goulart Reis Filho. Relatório técnico para as


obras de recuperação da estação de Araraquara. São Paulo: Planart, 1978.

RIBEIRO, E. B. Comadres do noroeste paulista, das casas de turma às estações: as


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RIBEIRO, E. B. Estrada de Ferro Araraquara: da Morada do Sol à “Boca do Sertão”


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Arquitetura e do Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
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SILVEIRA, J. (Ed.). Álbum de Araraquara: 1915. Araraquara: Estado de São Paulo,


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SOUKEF JUNIOR, A. A ferrovia e a cidade: a experiência de Bauru. 2006. Tese


(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA: DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO


ENTRE A “MORADA DO SOL” E A BOCA DO SERTÃO

Eduardo Bacani Ribeiro (eduardoribeiro5@hotmail.com)

Esta proposta de apresentação aborda a Estrada de Ferro Araraquara (EFA),


ferrovia fundada em 1895 que se estendeu por mais de 400 km no noroeste
paulista. Ao longo dos anos, a EFA foi pouco explorada pelo campo
acadêmico, de modo esta reflexão toma por base a primeira pesquisa que,
apresentada em 2020, na FAU-USP, buscou, entre outras questões, realizar o
registro de parte significativa do patrimônio ferroviário da referida empresa.
Assim, por meio de material fotográfico feito in loco, percorreu-se 169 km, entre
as cidades de Araraquara e São José do Rio Preto, realizando o registro
contemporâneo de 17 estações ferroviárias da EFA, tendo por objetivo
compreender onde essas edificações se localizam (se área rural ou urbana),
determinadas especificidades estéticas, históricas e materiais, bem como o uso
que elas apresentam na atualidade. Como resultado, em termos estilísticos, foi
possível reconhecer semelhanças e dessemelhanças e, no sentido histórico,
alcançar o entendimento de que essas edificações são símbolos de um período
significativo no histórico estadual paulista, de modo que elas, muitas vezes,
foram propulsoras do desenvolvimento ou da formação das centralidades
urbanas onde se encontram. No entanto, esse reconhecimento mostra-se
incompatível com o estado crítico de conservação de muitas dessas
edificações, que somado à ausência de proteção e inserção em políticas
públicas que visem suas respectivas ressignificações, coloca em risco a
sobrevivência de um traço cultural significativo do noroeste paulista.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

REALIDADE VIRTUAL COMO APLICAÇÃO NA ARQUITETURA DA


ROCINHA DO MUSEU GOELDI EM BELÉM/PA

Bruno Daniel Ferreira De Andrade (bandrade@gmail.com)

Marcia Cristina Ribeiro Gonçalves Nunes (marcianunes2011@gmail.com)

O presente artigo integra os principais pontos da dissertação de Mestrado


apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagem e
Cultura (PPGCLC) vinculado à Universidade da Amazônia (UNAMA) em
Belém-PA. A Realidade Virtual possibilita uma experiência sensorial e cognitiva
bastante imersiva em diversas aplicações; na área da Arquitetura, esta
pesquisa objetivou delinear o desenvolvimento de um experimento em
Realidade Virtual (RV) que funcionasse como suporte e reconhecimento da
Rocinha do Museu Emílio Goeldi, constituído como um espaço simbólico e
histórico da cidade que produz sentido. A metodologia utilizada foi a
investigação bibliográfica em documentos primários e secundários a respeito
da rocinha do século XIX e do Museu Emílio Goeldi no início do século XX. A
construção do prédio histórico em 3D foi produzida por meio da computação
gráfica e mediante os resultados obtidos foi destacado a importância social e
científica que o experimento em RV pode ter para a comunidade em geral e
para a instituição do Museu Emílio Goeldi.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

A DOCUMENTAÇÃO DO ART DÉCO COMO EXPRESSÃO DA


MODERNIZAÇÃO NA ARQUITETURA ESCOLAR DO TERRITÓRIO
FEDERAL DO AMAPÁ

Ana Carolina Souza De Vasconcelos (carolinasouvas@gmail.com)

Jéssica Tamiozzo Schmidt (jessicatschmidt@gmail.com)

Vilma Paola Pinto De Almeida Bueno (paolaalmeida23@gmail.com)

Jacy Soares Correa Neto (neto.scorrea@gmail.com)

A história urbana do Estado do Amapá e, particularmente, da cidade de


Macapá, guarda relação direta com as transformações de modernização
ocorridas durante o período do Território Federal do Amapá (TFA). As ações
administrativas no TFA partiam da intervenção do Governo Federal, no qual se
destacava a produção de equipamentos públicos, tais como de arquitetura
escolar, que expressavam a modernização de Macapá a partir do emprego de
linguagens arquitetônicas da modernidade e do progresso nacional. Nessa
conjuntura, esta pesquisa buscou identificar elementos compositivos em um
edifício escolar de linguagem Art Déco em Macapá. Para tanto, o delineamento
metodológico foi a pesquisa de campo, em que o objeto empírico consistiu no
atual Centro de Estudos Supletivos Professor Paulo Melo. A coleta de dados se
deu por meio de visitas in loco, com registros fotográficos (fachadas e
interiores), levantamentos métricos, além de entrevistas abertas com
funcionários, coleta de documentos e fotografias do acervo da escola. A análise
dos dados baseou-se na construção da história de usos da edificação, além da
sobreposição das características arquitetônicas (antigas e atuais) e conflitos de
conservação. Como principais resultados, foram produzidos diagramas
semânticos que permitem a documentação e identificação de elementos da
tendência Art Déco na edificação de uso escolar. Observou-se que tal
composição arquitetônica engloba características genéricas, como fachadas
tripartidas (base, corpo e coroamento), uso de platibandas, marquises
enfatizando entradas, elementos ornamentais geométricos, etc. Entretanto,
constatou-se o uso de elementos de arquitetura moderna para adequá-la ao
clima tropical a fim de tornar o interior da edificação mais ventilado e
confortável, a saber: utilização de painéis de elementos vazados, brises de
soleil finitos, varandas, jardim, uso de meias paredes e salão permanentemente
aberto e flexível/adaptável à rotina diária. Dessa forma, compreende-se que a
relevância deste estudo se alicerça no reconhecimento e na documentação de
obras de valor historiográfico urbano e arquitetônico que marcam as
transformações socioeconômicas do Estado do Amapá e de sua produção
arquitetônica, evidenciando, portanto, a necessidade de conservação do
patrimônio edificado, de práticas projetuais e da memória coletiva.
Eixo 2 – Documentação e os desafios das novas tecnologias
RESGATE DOCUMENTAL DO PATRIMÔNIO MODERNO ATRAVÉS
DE FERRAMENTAS DIGITAIS: O Museu de Arte Moderna de Recife.
Acácio Gil Borsói.1955

AFONSO, ALCILIA.

UFCG. CAU.UAEC. CTRN.


Estrada de Aldeia.12948.Casa 1. Aldeia. Camaragibe.PE
E-mail: kakiafonso@hotmail.com

RESUMO
O artigo possui como tema, o resgate documental do patrimônio moderno através do uso de
ferramentas digitais, tomando como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto Acácio
Gil Borsói, que seria implantado no bairro de Santo Antônio, em Recife, em 1955: o Museu de Arte
moderna de Recife. O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical
produzida pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil/ Seção Pernambuco- , e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas de desenhos das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão de autoria do arquiteto e a fachada principal
com acesso à paisagem do rio Capibaribe. O objetivo do artigo é analisar arquitetonicamente a obra,
simulando virtualmente a sua construção através do uso da plataforma BIM, gerando um novo
material documental, baseado naqueles desenhos publicados no jornal dos anos 50. Justifica-se
apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz à tona, o diálogo
contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as novas tecnologias, que
podem e devem apoiar proposições na área do chamado” patrimônio inteligente”, tema que também
será abordado no artigo. A metodologia da pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) A de
reconstrução do objeto arquitetônico (Piñón, 2005), que através da coleta em fontes primárias e
secundárias redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas digitais, produzindo um
novo e rico material documental para possibilitar a análise do objeto; 2) A de análise das dimensões
arquitetônicas da obra (Afonso, 2019), abordando as questões normativas, históricas, espaciais (do
lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura, cobertura, peles, detalhes e
materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica) formal e de conservação. Através do
texto serão apresentados os resultados da pesquisa em andamento que vem sendo desenvolvida
pelo grupo de pesquisa arquitetura e lugar/ GRUPAL da UFCG/ Universidade Federal de Campina
Grande.

Palavras- chaves: documentação; patrimônio moderno; patrimônio arquitetônico; ferramentas


digitais.
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Introdução
O artigo possui como tema o resgate documental do patrimônio moderno através do uso de
ferramentas digitais, tomando como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto
Acácio Gil Borsói, que seria implantado no bairro de Santo Antônio, em Recife, em 1955: o
Museu de Arte moderna de Recife.

O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical produzida
pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Pernambuco, e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão, de autoria do arquiteto, e a
fachada principal com acesso à paisagem do rio Capibaribe.

O objetivo do artigo é analisar arquitetonicamente a obra, simulando virtualmente a sua


construção através do uso da plataforma BIM, gerando um novo material documental,
baseado naqueles desenhos publicados no jornal dos anos 50.

O uso das ferramentas digitais interagindo programas como Autocad, Revit e Adobe
Photoshop proporcionam uma realidade virtual que possibilitam uma compreensão e
apreensão do objeto arquitetônico, de forma crítica e construtiva, trabalhando com desenhos
bidimensionais e tridimensionais mais precisos, que fornecem as condições para a
reconstrução virtual do projeto, adotando materialidades presentes nas soluções
construtivas e tectônicas do arquiteto na década de 50, em Recife.

Justifica-se apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz
à tona, o diálogo contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as
novas tecnologias, que podem e devem apoiar proposições na área do resgate documental
através da utilização de ferramentas digitais.

A produção do arquiteto carioca radicado em Recife foi objeto de estudo de várias teses
doutorais (Afonso, 2006), mas de forma inédita, vem sendo enfocado em estudos realizados
pelo grupo de pesquisa Arquitetura e Lugar da UFCG, que desenvolve atualmente, entre
outras investigações- um trabalho de reconstrução virtual da obra do arquiteto, que tanto
influenciou profissionais no nordeste brasileiro.

Quanto à metodologia da pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) A de reconstrução do


objeto arquitetônico (Piñón, 2005), que através da coleta em fontes primárias e secundárias
redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas digitais, produzindo um novo
e rico material documental para possibilitar a análise do objeto; 2) A de análise das
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dimensões arquitetônicas da obra (Afonso, 2019), abordando as questões normativas,
históricas, espaciais (do lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura,
cobertura, peles, detalhes e materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica)
formal e de conservação.

No caso em pauta, serão tratadas apenas, as dimensões relacionadas ao projeto,


considerando que a obra como não foi construída, não teria sentido discutir questões
construtivas e de sua conservação física.

Quanto ao aporte teórico, sabe-se que documentar é um ato essencial para a preservação
(ICOMOS, 1996), uma vez que permite fazer com que se desenvolvam o crescimento e a
compreensão do patrimônio cultural, de seus valores e de sua evolução.

O referencial teórico para as discussões se basearam em textos e falas proferidos por


autores como Minto e Quintero (2020), Kemper et al. (2020) - entre outros, durante
webinars realizadas pelo Comitê Nacional de Documentação do Icomos Brasil/ IcomosDoc
que enfocaram questões pertinentes à importância da documentação no resgate patrimonial.

Constata-se que a documentação assegura a manutenção e a preservação das edificações


patrimoniais, fazendo com que sejam respeitados seus valores de autenticidade,
integridade, características físicas, assim como, seus materiais, modos de construir e
significado histórico e cultural. Nas discussões contemporâneas observa-se cada vez mais,
o uso das tecnologias digitais contribuindo no trabalho preservacionista, pois agilizou o
processo em todas suas etapas, trazendo cada vez mais precisão.

A geração de novos documentos gráficos suscita o interesse e a participação da população


na preservação, pois quando divulgados, contribuem na difusão das informações
registradas, assegurando uma melhor compreensão da obra, podendo contribuir na sua
gestão e um controle pertinente aos trabalhos ou intervenções nesse acervo.

O autor da obra

Como informação inicial, faz-se necessário tecer algumas observações referentes ao autor
da obra: o arquiteto Acácio Gil Borsói.

Borsói nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1924, no bairro do Engenho Velho, sendo o
caçula de uma família de três irmãos. Desde a adolescência, trabalhou com o pai, Antônio
Borsói, designer de móveis e autor de projetos de reforma e interiores, como a "Confeitaria
Colombo", o "Palácio da Guanabara", o "Cinema Iris", que despertou no adolescente, o
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interesse pelo ofício de projetar, experimentar e detalhar em madeira: “fazer, fazendo,
associado ao conhecimento foi apurando o domínio sobre a obra e a construção, a
aplicação de novos materiais e sistemas construtivos tão presentes na obra do arquiteto ”.
(BORSOI E WOLF, 1999, p. 36).

Hesitou em estudar arquitetura ou aviação, mas decidiu pela arquitetura, formando-se em


1949 pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro/ ENBA. Seus professores
possuíam uma linha mais tradicionalista, apesar da Escola ter passado por uma tentativa de
modernização em 1931, quando Lúcio Costa esteve como diretor. Borsói disse sobre essa
época: “Foi um momento conturbado, porque Le Corbusier foi mal compreendido e o
racionalismo era uma manifestação muito presente, que propunha uma oposição ao
academicismo, aos professores acadêmicos” (BORSOI, 2005,s/p).

Depois de graduado em 1949, trabalhou por dois anos no Serviço do Patrimônio Histórico
Nacional/ SPHAN, tendo como superiores Rodrigo de Melo Franco e Lúcio Costa,
experiência que lhe permitiu receber de forma direta a influência do pensamento de Costa
em temas como a preservação cultural e produção de uma arquitetura brasileira moderna,
que Borsói anos depois, aplicaria na sua prática projetual, realizando a união conceitual por
meio da adoção de uma linha racional voltada para o regional.

No final de 1951, após dois anos que se formara, e estava realizando alguns projetos
pequenos na cidade do Rio de Janeiro, resolveu aceitar o convite de seu ex-professor Lucas
Mayerhofer para ir trabalhar como professor na cidade de Recife, na disciplina de Pequenas
Composições do curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes.

Apaixonado pela arquitetura e pelo ofício, não se limitava às atividades de ensino, que
considerava circunstanciais, mas que duraram vinte e oito anos. Borsói dizia “Não sou
professor, sou um arquiteto brasileiro, do terceiro mundo, que vive o dia a dia, e, portanto,
para sobreviver, dependo do meu trabalho".(BORSOI. 2005. s/p)

Borsói sempre esteve atento à questão tecnológica relacionada ao trabalho dos arquitetos,
afirmando que os seus instrumentos de trabalho em relação ao desenvolvimento de
tecnologia eram a racionalização, a coordenação modular e o conhecimento dos processos
de construção, de maneira geral.

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Borsói veio trabalhar no Recife muito influenciado pela arquitetura produzida no Rio de
Janeiro, cidade onde viveu até então, e onde recebeu sua formação profissional, fato que
pode ser observado ao se analisar os seus projetos desenvolvidos na cidade. A princípio,
esses projetos denotam uma influência da obra de Oscar Niemeyer, Jorge Moreira e Reidy,
como Bruand escreveu sobre a arquitetura de Borsoi:

Sua arquitetura foi mais influenciada pela de Reidy e Niemeyer do que pela
de Lúcio Costa, mas ela se destaca pelo cuidado particular na escolha dos
materiais, onde um papel importante é atribuído ao uso de tijolos e madeira,
como complementos de estruturas de concreto armado e painéis de vidro.
(BRUAND.1981, p. 146)

Nos anos 50, ao atuar em Recife, projetou dezenas de residências unifamiliares que foram
os seus primeiros projetos na cidade, com destaque para as casas Lisanel de Melo Mota
(1953), Luciano Costa (1953), Casa do arquiteto (1954), complexo residencial do Banco
Hipotecário Lar Brasileiro (1954), conhecido por conjunto da Praça Fleming; Casas José
Almeida (1955), Francisco Claudino (1956), Dulce Mota (1958) e Anelise Poluzzi (1958),
entre outras (AFONSO, 2006).

Paralelamente ao trabalho realizado na cidade do Recife, Borsói realizava projetos em


outras cidades do Nordeste brasileiro, como a residência Cassiano Coutinho (1956),
Pompeu Maroja (1955/1957), Austregésilo Freitas (1958) e Joaquim Silva (1958)
construídas em João Pessoa; e a casa José Macedo (1957), em Fortaleza.

Na década de 1950, o arquiteto foi um dos pioneiros na cidade em projetos não somente de
edificações residenciais, mas também de edifícios multifamiliares (Edifício União, 1953), e
de uso misto, como os Califórnia (1953), Caetés (1955). Além de obras privadas, projetou
algumas edificações públicas no período em estudo, como o Hospital das Urgências (1951),
e o projeto para o Museu de Arte Moderna (1955) que não chegou a ser construído, e que
será aqui analisado.

Segundo Dantas (2006, p.7), “o mestre Acácio Gil Borsoi desenvolveu um repertorio único
próprio, cujos conceitos centrais baseiam-se na excelência técnica e na experimentação
forma l”. Em seus diversos trabalhos no nordeste e em demais regiões brasileiras, “levou ao
limite as possibilidades construtivas dos materiais locais, transformando o programa mais
simples da arquitetura em emocionantes realizações”, conforme escreveu o arquiteto e
professor Ney Dantas (2006, p.7).
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A documentação projetual
O acesso à documentação do projeto se deu de uma maneira espontânea, ao estar
coletando em 2003, o material para a minha tese doutoral (Afonso, 2006) que tratava sobre
a consolidação da arquitetura moderna me Recife durante os anos 50. Pesquisando nos
jornais da época, encontrei uma coluna dominical no jornal “A Folha da Manhã”, escrita por
Edison Lima, então presidente do IAB/PE, intitulada “Arquitetura” (figura 1) que divulgava
semanalmente e aos domingos, notícias sobre o cenário arquitetônico nacional e local.

Figura1: Coluna dominical Arquitetura. Fonte: Jornal Folha da Manhã.1955.

Nessa matéria de dezembro de 1955 foram publicados alguns esboços feitos pelo arquiteto
como uma perspectiva, as plantas baixas dos três níveis, a fachada principal, e uma
fotografia da maquete acompanhada de um pequeno texto que explicava o projeto:
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O trabalho que publicamos hoje é de autoria do arquiteto Acacio Borsói, e
destina-se ao museu de Arte Moderna do Recife. Trata-se de um amplo e
moderno edifício, dotado de três pavimentos, a ser construído às margens
do rio Capibaribe, em frente ao Grande Hotel. Neste edifício haverá, no
pavimento térreo, onde se encontram os pilotis, apenas um depósito,
recuperando-se a área, coberta para jardins e abrigo, de um modo em geral.
No primeiro pavimento, haverá uma ampla sala de exposições, um auditório
para 110 espectadores e dois sanitários. No segundo pavimento, uma sala
de exposições, outra de trabalhos, uma pequena sala de reuniões, uma
para reproduções, a secretaria, um gabinete sanitário e um depósito. Além
disso, um grande balcão, voltado para o rio Capibaribe” (Folha da Manhã,
1955).

O texto forneceu pistas sobre onde seria implantado o projeto, “ às margens do rio
Capibaribe” em frente ao Grande Hotel: atualizando a informação para os dias atuais, seria
no conhecido “Cais do Imperador”, defronte a um antigo e importante hotel da cidade, o
Grande Hotel- localizado no bairro de Santo Antônio. A partir dessa informação foi possível
se analisar o lugar da obra projetada, tratando da análise espacial externa ao objeto, e seu
entorno.

Observa-se nesse documento que o edifício teria três pavimentos, e o programa de


necessidades que estava ali exposto, alinhando com tais informações com as imagens
publicadas, forneceu dados para reconstruí-lo virtualmente na contemporaneidade, podendo
extrair desse projeto os resultados arquitetônicos que poderia ter sido alcançado, se
houvera sido edificado.

Além dessa pequena matéria jornalística, alguns autores pernambucanos fizeram referência
ao projeto, como Amorim (2003, p.68) que escreveu que “ muitos projetos institucionais
nunca deixaram o papel e alguns, provavelmente, configurariam objetos importantes na
paisagem da capital”. Logo em seguida, Amorim coloca que “o polêmico Museu de Arte
Moderna do Recife (1955), projetado por Borsói em aterro sobre o Rio Capibaribe, próximo à
Praça Dezessete, seria importante palco para realizações culturais”.

Nesse mesmo texto, Amorim explica que usar a área de terreno sobre o leito do rio
Capibaribe motivou seu questionamento e arquivamento, complementando que o desejo de
se projetar e construir um espaço apropriado para abrigar exposições artísticas recifenses
só foi possível através de outro projeto - o da Galeria de Arte do Recife – que foi construído
no mesmo bairro de Santo Antônio, contudo em outra região, na Rua do Sol.

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Como o Recife nesses anos, passava por enchentes constantes e rigorosas, a Galeria de
Arte acabou sendo destruída pelas águas impiedosas do rio Capibaribe.

Análise arquitetônica através da reconstrução virtual da obra

Através da pouca documentação coletada sobre o projeto nas fontes citadas anteriormente,
a pesquisa arquitetônica sobre a obra teve seu desenvolvimento com o desafio de
reconstrui-la virtualmente. Para tanto, utilizou-se um material já trabalhado por Afonso
(2006, pp. 642-647) que inseriu a obra em sua tese doutoral, analisando-a como produção
importante do arquiteto nos anos 50, redesenhando o material projetual em Autocad, e
construindo imagens tridimensionais do mesmo através do programa Skecthup, que
proporcionou uma melhor compreensão do edifício.

Em 2021, quinze anos após a pesquisa doutoral, tal estudo foi revisitado devido a um
projeto de um livro a ser produzido pelo grupo IFORM da ETSAB /Escola Técnica Superior
de Barcelona, que terá como título “ Arquitecturas no construídas” que está em fase de
elaboração, e que a autora desse artigo participará apresentando os resultados da
reconstrução virtual dessa obra.

Dessa maneira, atualmente, o grupo de pesquisa Arquitetura e Lugar/ Grupal UFCG,


coordenado pela autora desse artigo desenvolve juntamente com a aluna bolsista Thayane
Duarte, do curso de arquitetura e urbanismo da UFCG- o processo de redesenho do projeto
e sua reconstrução virtual, mas agora, utilizando a plataforma BIN, através de softwares
para a produção de uma nova documentação em prol do resgate do patrimônio arquitetônico
moderno.

As etapas do processo de reconstrução virtual se compõem dos seguintes passos: 1.


Inserção dos desenhos originais no Revit para auxiliar na modelagem principal; 2.
Modelagem do entorno num arquivo separado utilizando o Skecthup ; 3. Inserção de ambos
os arquivos no Lumion para configuração de materiais, iluminação e câmera, no processo
de renderização; 4. Após os “renders” prontos, são realizados alguns ajustes de sombra e
realce no Adobe Photoshop

A produção da documentação de redesenhos e da reconstrução virtual proporcionam uma


aproximação entre o investigador e o autor da obra, pois através dessa participação no
processo de construção virtual, há um entendimento dos princípios que nortearam o
desenvolvimento da proposta, tais como tramas ordenadoras, uso de modulação, atributos
como transparências espaciais, atenção ao detalhe, materiais com suas cores e texturas.

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O “mergulho” no universo da obra analisada possibilitará a compreensão de seus valores, e
de pontos de interesse a serem observados e retomados na contemporaneidade.

Assim, para a análise arquitetônica da obra foi adotada a metodologia usada por Afonso
(2019), conforme foi visto na introdução desse artigo- que trata sobre a análise das
dimensões, mas que devido à mesma não haver sido construída, serão consideradas
apenas àquelas voltadas para a discussão histórica, espacial, formal, funcional e tectônica.

Como trata-se de uma “arquitetura não construída”, a dimensão tectônica que se refere à
construção, simulará uma materialidade baseada em outras obras construídas pelo arquiteto
nos anos 50, usando seu vocabulário arquitetônico para compreender o que teria sido esse
projeto se houvera sido executado.

1. Dimensão histórica

Algumas questões foram levantadas sobre o projeto do Museu de Arte Moderna de Recife,
arquitetura não construída- após ter acesso às fontes documentais primárias. Quem havia
encomendado o projeto ao Borsoi? Por que tal projeto não foi construído? São as primeiras
indagações da pesquisa, que direcionou a leitura sobre as artes plásticas em Recife nos
anos 50.

Silva (2017) tratou em sua dissertação de mestrado sobre o campo artístico em


Pernambuco, no recorte temporal que abrange os anos de 1948 a 1959, podendo-se nesta
pesquisa observar o trabalho desenvolvido pela Sociedade de Artistas Modernos do Recife
(SAMR), e posteriormente pelo Ateliê Coletivo, que interferiram diretamente na produção do
projeto do Museu.

Importante colocar que a Sociedade de Arte Moderna do Recife, fundada em 1948, nasceu
de um encontro entre um jovem escultor, Abelardo da Hora, e um já renomado Hélio Feijó,
ambos artistas plásticos (o último também arquiteto).

Logo após a realização do IV Salão de Arte Moderna, em fins de 1949/1950,


Abelardo da Hora foi eleito presidente da associação, permanecendo à
frente da Sociedade por cerca de dez anos. A nova gestão priorizou a
criação de cursos, com o objetivo de “educar” os novos componentes da
sociedade. (http://obscurofichario.com.br/lugar/sociedade-de-arte-moderna-
do-recife/)

Silva (2017,p. 82) explica que “os anos de 1950 são significativos para pensar os caminhos
traçados por artistas - que em sua maioria eram jovens naqueles anos – para propor uma
representação de uma arte produzida em Pernambuco”.

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A fundação da SAMR representou, segundo Clarissa Diniz, a primeira
iniciativa organizada de legitimação de um campo profissional para a arte
em Pernambuco, por meio da institucionalização de uma classe
artística.(SILVA, 2017. p.84)

A SAMR era composta por intelectuais e artistas plásticos renomados, tanto na cidade de
Recife, quanto no país e no exterior, como por exemplo, Augusto Reinaldo, o qual
desenhara o emblema da sociedade; Lula Cardoso Ayres; Francisco Brennand; Reynaldo
Fonseca, o grande sociólogo Gilberto Freyre, entre tantos nomes de peso no cenário
regional e brasileiro.

A fundação da SAMR representou a primeira iniciativa organizada de legitimação de um


campo profissional para a arte em Pernambuco, por meio da institucionalização de uma
classe artística, conforme escreveu Silva (2017, p.84).

Sem adentrar na discussão do cenário artístico local, mas consciente do papel sociocultural
da classe frente aos políticos locais, sem dúvida, pode-se afirmar que pode ter havido uma
“pressão” da classe por um espaço digno para expor as artes plásticas recifense que se
sobressaía no cenário brasileiro por sua qualidade, seus representantes e sua produção
potente.

Dessa forma, trabalha-se com a hipótese que atendendo a uma demanda da classe artística
em busca de apoio político municipal, Acacio Gil Borsói, projetou o edifício para sediar o
Museu de Arte Moderna de Recife.

Outro ponto importante nessa discussão, é observar que a construção dos espaços museais
pode ser entendido como “resultante dos desdobramentos do que teria representado a
Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922, enquanto acontecimento”, conforme
colocou Sousa (2014) em sua dissertação de mestrado sobre o ateliê coletivo em espaços e
trajetórias.

Oficialmente, a SAMR reforçou o interesse de alguns artistas por processos


de criação mais próximos dos ritmos e dos acontecimentos da cidade. A
SAMR passa a ser definida, por alguns de seus fundadores, como um órgão
independente e de apoio aos artistas, em defesa da Arte Moderna como um
meio de narrar a realidade social e, também, de aproximação com as
camadas populares.(SOUSA, 2014, p.10)

Para se buscar uma compreensão da causa geradora do projeto do MAM do Recife, é


necessário saber também, que além do cenário local apoiado pela SAMR, em nível
nacional, estava em pauta a construção dos dois principais museus de arte moderna
brasileiros, o MASP/ Museu de Arte de São Paulo (1947) e MAM-SP/ Museu de Arte
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Moderna(1954). Certamente, essa efervescência cultural brasileira que ocorria no sudeste
brasileiro teria influenciado o meio artístico recifense.

O MASP/ Museu de Arte de São Paulo (1947), que anos depois de sua fundação foi
implantado na nova sede em projetada por Lina Bo Bardi (1958-68), e do MAM-SP/ Museu
de Arte Moderna de São Paulo, de autoria de Oscar Niemeyer(1954), dá-se no período em
que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos estreitam-se, conforme esclareceu
Lourenço (1999, p. 21): “Os museus e suas edificações são projetados enquanto espaço
para que o público brasileiro tivesse uma maior aproximação com os trabalhos dos artistas
do país, como também de obras até antes não vindas ao Brasil, por falta de espaços
museais adequados”.

Tal cenário incentivou a criação pelo Brasil de novos espaços para as obras artísticas
modernas, havendo um maior apoio em relação às atividades culturais, fazendo surgir uma
nova realidade, a qual será o despontar de galerias em grande parte dos estados brasileiros.

2. Dimensão espacial externa: O lugar.

Após essa breve explanação histórica sobre o que causou a elaboração do projeto do MAM
do Recife, será visto a seguir, a análise do lugar no qual seria implantado o projeto.

O projeto seria construído às margens do rio Capibaribe, na Avenida Matias de Barros,


defronte ao “Grande Hotel” no bairro de “Santo Antônio”, na ilha de Antônio Vaz, área
central de Recife. A proposta do arquiteto era terraplanar uma parte da margem do rio para
implantar o edifício composto de um só volume.

A proposta inspirou-se na localização simbólica às margens do rio, buscando estabelecer


uma franca relação entre interior e exterior devido ao potencial paisagístico do local ao qual
se destinava.

O bairro de Santo Antônio está implantado uma das ilhas que configuram a cidade de
Recife, ao lado do bairro de São José, e interligado via pontes com a Ilha do Recife.
Naquela época era uma área de efervescência sociocultural, de acordo com o projeto
“Obscuro Fichário” – composto por vários cinemas, como o Glória, Ideal, Trianon, Art
Palácio, Royal; Dois teatros (Santa Isabel e o Marrocos); um cineteatro (Moderno); uma
distribuidora de filmes nacionais (Urano); a sede da Rádio Tamandaré.

No setor hoteleiro era uma referência urbana, pois estavam ali implantados, sete hotéis de
grande e médio porte (Grande Hotel, e os hotéis Modelo, Universo, Avenida, Recife Hotel,
Universal, Glória, Nabuco), além de pensões.

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Como o Porto do Recife estava localizado na Ilha do Recife, interligado por pontes ao bairro
de Santo Antônio, este acabava servindo como apoio dotados de vários equipamentos
urbanos com diferentes usos, oferecendo serviços e conectando os passageiros e as cargas
do Porto, através da Estação Ferroviária ali implantada, ao resto do Estado de Pernambuco
e outros lugares.

Também no bairro de Santo Antônio estava presente a sede do Palácio do Governo, o


Palácio da Justiça, vários sindicatos e associações de classe, entre elas, a Sociedade de
Arte Moderna do Recife/ SAMR, que durante um período funcionou no Antigo Liceu de Artes
e Ofício que também estava localizado no bairro.

No local de sua implantação já existia a Praça Dezessete, uma das mais tradicionais da
cidade e que homenageia a Revolução de 1817, possuindo desde 1927, uma bela escultura
que se trata do “Monumento português à aviação”, em homenagem aos aviadores Gago
Coutinho e Sacadura Cabral, comemorativo à sua primeira travessia aérea do Atlântico Sul,
em 1922.

A Praça Dezessete está relacionada em seu entorno imediato- tanto à Igreja do Divino
Espírito Santo quanto ao Cais do Imperador e ao antigo Grande Hotel de 1938, hoje Fórum
Tomaz de Aquino. Em 1936, o paisagista Roberto Burle Marx desenvolveu um projeto para
ela e seu entorno, que foi reconhecido por Decreto Municipal nº 29.537, de 23 de março de
2016, como um dos 15 “Jardins Históricos de Burle Marx” da cidade do Recife.

Nesse trecho do rio havia também o conhecido Bar Flutuante que fez história na cidade, e
foi construído nos anos 1950, entre as pontes Maurício de Nassau e Buarque de Macedo
que interligam o bairro de Santo Antônio com a Ilha do Bairro do Recife. O local que se
assemelhava a uma balsa, foi fechado no final de 1959, pois seu uso começou a entrar num
processo de degradação.

Entretanto, a escolha de Borsói para implantar o projeto do Museu neste lugar foi bastante
criticada na época, conforme colocou Amorim (2003, p.68), pois a área estava sujeira às
enchentes constantes do rio, além de “ocupar” indevidamente a paisagem natural do
mangue. Inclusive, alega-se que esse foi um dos motivos do projeto não haver sido
construído.

Mas, particularmente, observou-se que a questão financeira também deve ter pesado nessa
decisão por parte da Prefeitura, pois em documentos sobre a SAMR (Sousa, 2014, p. 96),
sempre estava presente a falta de apoio financeiro da instituição para dar andamento aos
seus projetos e programas.

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Além disso, observou-se na pesquisa que no ano de 1955, houve várias mudanças de
prefeitos na cidade: José do Rego Maciel (21 de abril de 1953 a 31 de janeiro de 1955);
Djair Brindeiro (31 de janeiro de 1955 a 7 de abril de 1955); e finalmente, Pelópidas da
Silveira (7 de abril de 1955 a 1° de janeiro de 1960). O que se leva a crer que, talvez, não
fosse prioridade para a Prefeitura realizar a obra de cunho cultural, e a desculpa do Museu
ser construído em uma área de risco veio a calhar.

Prova disso, é que nos dias atuais, nessa mesma área, existe o conhecido Cais do
Imperador, que recebeu um tratamento paisagístico e arquitetônico para servir de apoio
turístico, dotado de um café e uma praça com mirante para contemplação da paisagem
ribeirinha. Um local com uma paisagem deslumbrante, de onde pode-se observar a
paisagem do rio, as pontes, com seu mangue, e o Bairro histórico do Recife com seu
conjunto arquitetônico.

Atualmente, no entorno do local, o edifício do Grande Hotel, em estilo Art Déco, que teve
grande importância no cenário local durante décadas, sedia o Fórum de justiça Thomaz de
Aquino, e a Praça Dezessete está semiabandonada, servindo de abrigo para moradores de
rua, apesar ter recebido constantemente intervenções para seu uso adequado.

Não há como, não imaginar, como seria bonito, se houvera sido construído, o Museu ali
implantado. E por isso, a reconstrução virtual está trabalhando com tal simulação para
idealizar o projeto nesse lugar, que possuiria uma excelente qualidade arquitetônica,
urbanística e paisagística.

3. Dimensão espacial interna e a dimensão funcional: As soluções em planta.

Analisando-se os redesenhos da obra, Borsoi utilizaria um platô de forma trapezoidal,


avançando 30m sobre o leito do rio, e implantaria um edifício laminar no eixo norte/ sul com
a fachada principal direcionada para o leste, e a posterior para o oeste.

Considerando os condicionantes climáticos como ventilação e insolação, Borsói


desenvolveu o projeto liberando a volumetria do solo, e deixando o acesso ao museu
realizado através de um pilotis vazado, possuindo apenas um volume curvo destinado a
abrigar um depósito, sendo as demais áreas ocupadas por uma praça coberta que
permitiria um diálogo da arquitetura com o lugar, através de um mirante com vistas para o
rio.

Quanto à solução do programa em planta, observa-se que o arquiteto adotou os princípios


da modernidade arquitetônica, como a planta livre, modulada, setorizada. As plantas baixas
do primeiro e do segundo pavimento seriam livres, com a estrutura independente,

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interligadas por uma escada de um lance. No primeiro pavimento teria um salão de
exposição, um auditório com pé-direito duplo, e um banheiro masculino e feminino (figura 2).

Figura 2: Redesenho do material projetual. Fonte: Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.

No segundo e último pavimento, que foi projetado como um mezanino, estaria outro espaço
destinado às exposições, ao setor administrativo com sala para diretoria, secretaria,
reuniões, depósito, reproduções, além de um balcão corrido que serviria de mirante com
vista para o rio. Observa-se ainda, que Borsoi criou uma circulação interna paralela à
fachada desse último pavimento, como maneira de proteger climaticamente o espaço da
incidência solar da fachada leste.

Dessa maneira, observa-se que o espaço interior seria totalmente transparente, integrado,
além da relação intensa entre interior/ exterior, devido à proposta das esquadrias da fachada
leste que seriam em painéis envidraçados, trabalhado com planos de madeira em persianas,
permitindo a integração com a vista do Río e da paisagem local.

4. Dimensão tectônica e formal

A estrutura da proposta seria sistemática, com uma modulação trabalhada no sentido


horizontal de 5.15m, e no sentido vertical de 2.70m, 6.80m e 3.80m, permitindo uma
estrutura independente, com planta livre e planos de fachadas liberados para um
tratamento detalhado com os painéis de esquadrias.

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O sistema construtivo da estrutura seria em concreto armado, com pilares do pavimento
térreo influenciados pela arquitetura de Niemeyer, adotando as formas em “I” com as
bordas abauladas (modulação frontal) e em “V” (modulação posterior). Nos demais níveis
superiores os pilares seriam em formato de “I” (figura 3).

Figura 3: Reconstrução virtual do projeto explicando a sua dimensão tectônica. Fonte: Montagem da
autora através das imagens geradas por Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.

A volumetria foi criada como um monobloco de forma trapezoidal apoiado em uma


estrutura composta de pilotis, ficando o edifício elevado do solo, passando uma sensação
de leveza, pois além de estar solta do solo, a contraposição entre as esquadrias das
fachadas Leste e Oeste, com as fachadas laterais cegas norte e sul, proporcionaria um
bom resultado plástico.

As esquadrias foram projetadas de forma sistemática e moduladas seguindo uma lógica


construtiva racionalista. Na fachada Leste e oeste seriam inclinadas e compostas por
módulos de painéis de vidro estruturados em madeira, contrapondo com planos de
persianas de madeira, propondo uma composição equilibrada e sóbria.

Como elemento especial teria um balcão corrido com vista para o rio Capibaribe que seria
protegido por um peitoril em uma peça única em madeira, possuindo como proteção
climática, brises horizontais, também projetados em madeira.

Naqueles anos, Borsoi usava muito a madeira, e possuía como hobby executar alguns
detalhes para pôr em prática nas suas obras. No projeto aqui analisado, observa-se o uso

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desse vocabulário material e construtivo do arquiteto, que estava presente em toda sua
produção dos anos 50, estudada por Afonso (2006) em sua tese doutoral.

Apesar de não ter sido construída, observa-se a clara intenção de relação com recursos
plásticos adotados pelos seguidores da escola carioca, principalmente, uma forte influência
do arquiteto Affonso Reidy em sua obra para o Colégio Brasil Paraguai (1952) presente no
texto sobre esse edifício construído na cidade universitária (Affonso Reidy, 2000, pp. 156-
161).

Como Borsoi trabalhou com Reidy no Rio de Janeiro antes de sua ida para o Recife,
observa-se uma influência forte de elementos empregados pelo mestre carioca na sua
produção, com pontos convergentes, tais como: o pavimento térreo tratado com pilotis e
praça coberta, com permeabilidade visual espacial entre interior /exterior, com vistas para o
rio e proporcionando uma ampla coberta para convivência dos usuários.(Affonso Reidy,
2000, p.156), além da forma trapezoidal do volume com empenas cegas e uma modulação
estrutural sistemática que também demonstra tais influências.

Conclusão

Como considerações finais, retoma-se aqui as colocações do arquiteto e professor catalão


Helio Piñón, que em um de seus livros que tratou do tema do projeto como (re) construção,
refletiu sobre tal processo, afirmando que esse se “baseia no reconhecimento e atenção
entre o material e os critérios de forma que o estruturam, a partir da consciência de sua
condição formadora, estruturante e ordenadora”. (PIÑÓN, 2005, p.21).

O professor complementa discorrendo sobre a importância da reconstrução virtual do


projeto, ao imergir no sistema da arquitetura do autor estudado e dos seus critérios
projetuais adotados para conhecê-la desde seu interior, imersão que exige, e desenvolve a
capacidade de reflexão visual e tende a estender os princípios básicos do projeto às
situações alternativas. Em uma entrevista concedida sobre o tema ele se posicionou da
seguinte forma:

(Re)construir –el paréntesis no es una impertinencia galicista, sino que trata


de hacer énfasis en lo que tiene en común con construir– es proceder a
montar de nuevo un edificio que previamente se ha diseccionado mediante
los programas de modelado virtual: sólo así se adquiere conciencia de los
criterios que han servido para construirlo –material y formalmente– en su
origen. (PIÑÓN In RECHES e DIARTE.2010. s/p)

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As colocações de Piñón demonstram e comprovam o papel fundamental da reconstrução
virtual na compreensão do projeto arquitetônico, enquanto ferramenta para a leitura e
análise da obra e de seu processo, além de contribuírem para a discussão do tema desse
artigo, que é o de resgate patrimonial do acervo moderno, como maneira de observar os
critérios e a qualidade dessa produção.

Através desse processo, pode-se constatar o quanto foi interessante e rica a simples
documentação jornalística dos anos 50, que proporcionou o desenvolvimento do projeto
que daria forma ao Museu de Arte Moderna do Recife e os seus valores arquitetônicos que
muito podem contribuir para o aprendizado de produção de uma boa arquitetura, através
dessa obra não construída do mestre Acacio Gil Borsoi.

Figura 4: Reconstrução virtual da obra. Fonte: Montagem da autora através das imagens geradas por
Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.

O trabalho de reconstrução da obra continua em trâmite (figura 4) e a cada passo, obtemos


mais informações resultantes da inserção da mesma na paisagem, e as contribuição que
esse projeto podem fornecer sobre outros aspectos relacionados ao patrimônio moderno e à
paisagem.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Referências Bibliográficas

AFONSO, A. La consolidación de la arquitectura moderna en Recife en los años 50.


Barcelona: tese doutoral apresentada para o departamento de projetos arquitetônicos da
ETSAB/ UPC. 2006.

AFONSO, Alcilia. Notas sobre métodos para a pesquisa arquitetônica patrimonial.


Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 4, n. 3, pp. 54-70, dez. 2019

Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editora Blau. Instituto Lina Bo Bardi. 2000.

AMORIM, Luís. Arquitetura. In ROSEMBERG, André. Pernambuco 5 décadas de Arte.


Recife: Quadro Publicidade e Design ltda. 2003.pp: 58-125

BORSOI, Marco Antônio e WOLF, José. Documento: Acácio Gil Borsoi. Revista
Arquitetura e Urbanismo, Nº84,pp. 35-41.1999.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo :Editora Perspectiva.


1981

Coluna Arquitetura. Jornal “A Folha da Manhã”. Dezembro de 1955. Recife: Arquivo


público estadual Jordão Emerenciano.

DANTAS, Ney. Apresentação. In BORSOI, Acácio. Arquitetura como manifesto.


Funcultura: Recife:2006.

Icomos. Principios para la creación de archivos documentales de monumentos,


conjuntos arquitectónicos y sitios históricos. 11a Asamblea General del ICOMOS. Sofía,
Bulgaria. 1996. Acesso em 28/08/2021.

KEMPER, Eloisa et al. Tecnologias digitais para documentação: do vernáculo ao


moderno. Webinar 2_ (23 / 09 / 2020). Org. Icomos Doc. Em rede: https://youtu.be/0aIdi-
042S0. Acesso em 26/08/2021.

LOURENÇO, Maria Cecília. Museus acolhem o Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999.

MINTO, Márcio e Quintero, Mário. Icomos. A importância da documentação como forma


de preservação do patrimônio cultural. Webinar 3_ (dia 8/10/2020): Em rede:
https://youtu.be/uaeyM_tRvKM. Acesso em 26/08/2021.

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06 a 08 de outubro de 2021
Obscuro Fichário. Cartografia do Bairro de Santo Antônio. Em rede:
http://obscurofichario.com.br/lugar/sociedade-de-arte-moderna-do-recife/. Acesso em 6 de
agosto de 2021.

PIÑÓN, Helio. El proyecto como (re) construcción. Barcelona: Edicions UPC. 2005

RECHES, Magdalena; DIARTE, Julio Cesar. Helio Piñon. Entrevista, São Paulo, año 11, n.
043.03, Vitruvius, sep. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.043/3494>.

SILVA, Josefa. Entre enquadramentos e rupturas: Um olhar sobre o Campo artístico


em Pernambuco (1948-1959). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco. Recife.2017

SOUSA, Laura. O atelier coletivo em espaços e trajetórias. Dissertação. (Mestrado em


História). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


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7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E
DOCUMENTAÇÃO

Edifício Anexo ao Casarão Tombado do MUSEU DA IMAGEM E DO


SOM DE BELO HORIZONTE - MIS / BH

CAVALCANTI BRANT, IGOR

1. Universidade Federal de Minas Gerais


Escola de Arquitetura da UFMG - Funcionários
Escola de Engenharia – Departamento de Materiais
Campus UFMG - Pampulha

2. Instituto Metodista Izabela Hendrix Departamento.


Departamento do curso de Arquitetura e Urbanismo
Rua da Bahia, 2020, Lourdes, BH.
igorcavalcantibrant@yahoo.com.br
igorcbrant@hotmail.com

Resumo

Belo Horizonte foi fundada dois anos após a invenção do cinema. Ao longo de sua história, a cidade
vem desempenhando um importante papel na área de produção, guarda e preservação de acervo
fílmico. Neste contexto, gestores públicos criam, em 1995, o Centro de Referência Audiovisual - CRAV.
A instituição tem como objetivo preservar e disponibilizar acervos fílmicos bem como incentivar a
produção audiovisual e cinematográfica da sociedade local, regional e também nacional. Atualmente, é
conhecido como Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte e ocupa um casarão tombado na
região central, correspondendo a um rico e democrático corredor cultural para a cidade.
Posteriormente, pretende-se construír um prédio anexo nos terrenos aos fundos do imóvel. O anexo, o
casarão e o entorno irão compor o conceito básico que integrará a coexistência do passado histórico
com a modernidade tecnológica, proposta pelas novas mídias. O projeto arquitetônico do prédio anexo
iniciou-se em uma pesquisa acadêmica, necessitando intervir o mínimo no imóvel tombado. Ganhou
corpo, conteúdo e qualidade, alcançando um significativo nível de excelência (ver apêndice - no final
desta publicação), com reconhecimento internacional. Possui inúmeros conceitos e particularidades,
devido à localização e os aspectos arquitetônicos, construtivos, estéticos e sustentáveis do
empreendimento..

Palavras-chave: sede e predio anexo do MIS BH

Belo Horizonte, 6 a 8 de outubro de 2021


O EDIFÍCIO ANEXO AO CASARÃO TOMBADO DO
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DE BELO HORIZONTE
MIS / BH

1) ANÁLISE DO CONTEXTO AUDIOVISUAL*:

Belo Horizonte foi inaugurada em 1897, dois anos após a invenção do cinema. Ao longo de
sua história vem desempenhando um papel importante na área de produção, guarda e
preservação de acervo fílmico, uma vez que serviu de cenário aos diversos movimentos
audiovisuais que contaram com as inovações de suportes tecnológicos, para o registro
documental e ficcional da cidade.

A escassez de investimentos, a desvalorização da indústria cinematográfica nacional e a


excessiva importação do audiovisual (principalmente o norte americano) nas últimas décadas,
tem despertado as diferentes esferas do governo a estimular o desenvolvimento da indústria
audiovisual nacional.

A capital mineira tem sido palco de inúmeros longas-metragens que vem alterando a rotina de
endereços tradicionais como, a Praça da Liberdade, o Parque Municipal, o Viaduto da
Lagoinha, prédios públicos e ruas de bairros como Lourdes, Santa Tereza, Cidade Jardim,
Santa Efigênia e Nova Suíça. Estes diversos cenários existentes em Belo Horizonte, além de
uma série de outros fatores, têm sido atrativos para a produção cinematográfica na cidade.

2) O MUSEU DA IMAGEM E DO SOM – MIS/ BH:

2.1) Introdução:

Dentro deste contexto, agentes e gestores públicos, por intermédio de várias iniciativas do
governo cria, em 1995, o Centro de Referência Audiovisual – CRAV. A instituição tem como
objetivo preservar e disponibilizar acervos fílmicos, bem como incentivar a produção
audiovisual e cinematográfica local, além de desenvolver políticas descentralizadas de
formação de recursos humanos e de novos públicos.

Nos últimos anos, a instituição municipal vem desenvolvendo um intenso trabalho voltado
para incentivar a doação, aquisição e produção de imagens em movimento, resultando num
dos mais importantes acervos do Estado. São imagens em variados suportes, retratando o
desenvolvimento da cidade, sua história e a construção de sua identidade.

Belo Horizonte, 6 a 8 de outubro de 2021


Essa iniciativa foi o primeiro passo dado para a implantação do Museu da Imagem e do Som –
MIS da capital mineira, que será discutido posteriormente.

3) A FASE ATUAL**:

3.1) O Casarão Tombado:


O MIS BH (Antigo CRAV) ocupa, atualmente, um casarão tombado, situado na Av. Álvares
Cabral, centro da cidade (Figuras 01 e 02). A edificação compõe o conceito básico que integra
a coexistência do passado com a modernidade tecnológica, proposta pelas novas mídias.

A edificação, de 1927, foi projetada pelo arquiteto mineiro Luis Signoreli, um dos fundadores
da Escola de Arquitetura da UFMG e o seu primeiro diretor. O imóvel é um belo exemplar da
arquitetura residencial que se fazia na década de 20 em Belo Horizonte.

3.2) O entorno:

Encontra-se na Avenida Álvares Cabral parte do conjunto tombado pelo Patrimônio Histórico e
Urbano de Belo Horizonte. Neste contexto, a sede da Mediateca integra ao traçado da cidade,
compondo um importante corredor cultural. Num raio de circunferência de 2 Km estão
concentrados: bibliotecas, centros culturais, museus, teatros, mercado central, palácio das
artes, parque municipal e outros relevantes patrimônios culturais. Representa uma
oportunidade ímpar para a revitalização de todo um conjunto urbano tombado da cidade.

A ocupação da Mediateca por uma edificação da década de 20 tem como principal objetivo
preservar esse patrimônio. E também aproximar e intercalar diferentes linguagens
interagindo-se com os demais centros de referências, históricos e culturais existentes nas
imediações, além de construir uma rica e democrática fruição cultural para a cidade.

A edificação, reformada pela prefeitura assegura o pleno funcionamento do espaço como


Museu de Imagem e do Som (Mediateca) de Belo Horizonte. É previsto, de acordo com leis
especificas, um momento posterior de extrema importância para a instituição e para a cidade.

4) A PRÓXIMA FASE DO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM - MIS / BH:

4.1) O Edifício Anexo:

**Dados fornecidos pelas Coordenações de Projetos e Pesquisa e de Acervo do CRAV e pela Gerência de
Patrimônio Histórico Urbano da Prefeitura de Belo Horizonte (Plano Museológico e de Ocupação da Mediateca de
Belo Horizonte).

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Será construído, posteriormente, no espaço dos fundos do terreno, um edifício anexo ao
casarão tombado.

Após a conclusão da obra, será transferido para o anexo, todas as instalações presentes no
casarão na primeira fase. Além disto, sediará salas para cursos e profissionalização,
biblioteca, café/bar, loja especializada, pátio para exposições e uma sala de projeção para
filmes. E, principalmente, salas de reserva técnica que vão armazenar todo acervo da
instituição, as quais serão climatizadas e precisarão de um tratamento arquitetônico especial.

Figura 01 - Fachada frontal do casarão.

Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor - CRAV

Figura 02 - Vista de cima do casarão

Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV

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A construção do anexo serve tanto para aumentar a área de trabalho da Mediateca, quanto
para solucionar o problema de guarda de acervo, que tende a crescer enormemente nos
próximos anos. Com a inauguração do anexo, o casarão será efetivamente utilizado, sendo
preservado como um museu destinado ao público e à realização de eventos.

4.2) O Projeto Arquitetônico:

Nos primeiros traços de estudo do projeto para o prédio anexo, procurou-se enfatizar três
elementos fundamentais para a implantação do empreendimento: o entorno, o casarão
tombado e o prédio anexo. Estes se relacionam entre si, formando um todo: a Mediateca.

Analisando os elementos supracitados, há detalhes que esclarecem ainda mais o processo de


elaboração do projeto, abaixo relacionados:

- Funcionalidade dos novos espaços criados, visando às necessidades da instituição;

- Ocupação de todo o casarão, evitando deixar espaços ociosos (tanto no porão como no
pavimento térreo) na edificação, como sendo o Museu da Imagem e do Som de Belo
Horizonte;

- Interferência mínima no imóvel tombado durante a construção do anexo como também no


funcionamento diário da instituição;

- Neutralidade, simplicidade e equilíbrio da imagem gerada pelo anexo na paisagem urbana


em relação ao casarão;

- Inserção do empreendimento no contexto imediato e proximidades, como área de grande


valor histórico, cultural e arquitetônico para a cidade de Belo Horizonte.

Sendo um projeto complexo, onde há intensa demanda tanto pública – envolve diversos tipos,
raças, etnias, classes e níveis sociais; como da própria instituição foi necessário elaborar
todos os modos para um melhor resultado final.

Em si tratando de um empreendimento publico no centro da cidade, a qual abriga um volume


expressivo de pessoas, procurou-se criar um fácil acesso do público ao prédio anexo (e
também ao casarão), sem as constrangedoras barreiras arquitetônicas que sempre excluem
uma considerável parcela da população.

Belo Horizonte, 6 a 8 de outubro de 2021


Figura 03 - Vista da fachada frontal – o casarão tombado e o anexo

Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV

No 1º pavimento do anexo (nível do porão do casarão), o acesso público é feito pelo ponto
mais baixo do terreno em relação à rua. Assim, este acesso forma uma extensão, um
prolongamento do passeio público, criando-se uma unidade visual entre ambos.

Esta continuidade do passeio permite o acesso ao anexo e também ao casarão por meio da
passagem exclusiva que une ambas edificações ao lado da área descoberta do bar/café,
obedecendo às normas do “desenho universal”.

A acessibilidade é uma questão puramente cultural, a qual é de responsabilidade dos


construtores, engenheiros, arquitetos e do governo municipal não torná-la excludente. Não é
apenas no âmbito federal e estadual, mas principalmente na esfera municipal que o direito ao
acesso universal deve ser implementado, levando-se em conta a fiscalização de obras e
reformas, a contratação de projetos, dentre outros.

É essencial o acesso universal às edificações cujo valor histórico, cultural e arquitetônico


merecem destaque. Dentro deste contexto, a Mediateca é uma referência em termos de
sociabilidade em Belo Horizonte.

Belo Horizonte, 6 a 8 de outubro de 2021


Ainda no pavimento térreo, é feito o acesso de veículos ao estacionamento subterrâneo, de
extrema necessidade na região. A entrada de funcionários é feita do lado oposto à entrada
principal, pela parte mais alta do terreno em relação ao nível da rua. Esta entrada dá acesso à
área de serviços da instituição (bem como a área de carga e descarga do museu, atendendo
ambas as construções).

Entrando pela parte pública está o foyer principal (Figura 04), que se separa da sala de
exibição por meio da circulação vertical (escadas e elevadores) e dos sanitários. Logo em
frente encontra-se a área para exposições temporárias a qual pode ser visto do foyer de
entrada como também do alpendre do casarão. A sala de exibição, inicialmente para 100
pessoas, tem acesso direto pela entrada de público como também pela de funcionários. Da
saída de emergência, entra-se na área de exposições temporárias. O duplo pé direito do foyer
de entrada com fachada de vidro é para preservar a visada do entorno para quem está na
varanda do casarão e na sacada do anexo (Figura 04). Ainda no térreo do anexo, há o setor
de serviços atrás do auditório.

No segundo pavimento do anexo (nível térreo do casarão), tem-se o café bar, também todo
revestido com vidro (com o mesmo objetivo de manter a visibilidade do entorno), o qual
prolonga-se numa área descoberta, até a varanda posterior da casa tombada (Figura 06 a 08).

Deste prolongamento entra-se no museu físico, que ocupa algumas salas do casarão. Ao lado
desta área descoberta, há a passagem que dá acesso exclusivo do anexo ao casarão 
casarão ao anexo, sendo separada do café por meio de muxarabis.

Uma das únicas intervenções no casarão foi transformar a janela lateral da casa em uma porta

de acesso ao anexo, bastando para isto apenas tirar o peitoril da janela. Preservou-se assim,

as características arquitetônicas da fachada posterior, a qual pode ser vista do hall de

escadas do anexo. No mesmo eixo desta entrada para o casarão pode-se acessar o alpendre

referido anteriormente.

No terceiro pavimento está a biblioteca especializada, a sala de bancos de dados para

consulta do acervo da instituição e a área de cursos e profissionalização. Esta última pode ser

destinada tanto para o aperfeiçoamento dos técnicos do MIS BH (Antigo CRAV), como

também para a formação de novos profissionais do audiovisual.

Belo Horizonte, 6 a 8 de outubro de 2021


Figura 04 - Vista do foyer principal do anexo. Sacada do 2º pavimento do anexo, no nível do térreo do

casarão. Executivo observando o alpendre do casarão.

.
Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV

No quarto pavimento encontra-se toda a parte administrativa do museu. Há ainda uma sala
para cada uma das coordenações de Acervo, Produção Técnica e de Projetos e Pesquisa.

No 3º e 4º pavimentos há aberturas circulares para o exterior, em virtude do conforto


ambiental exigido, com paredes revestidas internamente em painéis de gesso acartonado e
externamente em placas cimentícias. Estes materiais de revestimento são para oferecer um
conforto termo-acústico adequado às atividades ali desenvolvidas.

Do quinto ao sétimo pavimento encontram-se as áreas de acesso restrito que, por se tratar de
questão técnicas, é permitido somente profissional treinado e capacitado para as atividades
realizadas. Nestes pavimentos é onde funcionará o laboratório audiovisual, a estação de
trabalho, além do espaço destinado ao condicionamento do todo acervo físico.

Nestes pavimentos, não há aberturas para o exterior, em virtude das condições técnicas de
trabalho exigidas, que devem receber condições especiais de climatização. Do mesmo modo,
através dos revestimentos externo e interno utilizados (painéis de placa cimentícia e de gesso
acartonado, respectivamente) e por meio da climatização especial, consegue-se as condições
mínimas para a preservação e recuperação do acervo fílmico.

Visando à total ocupação do casarão, reservou-se alguns cômodos do térreo do imóvel para
relações extra-muros: um às reuniões externas e outro destina-se a Associação Amigos do

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MIS BH. Todas as demais salas destinam-se às exposições permanentes (museu físico) da
Mediateca.

4.3) A Estrutura Metálica do Anexo:

Visando não comprometer o imóvel tombado, o sistema industrializado (estrutura metálica


com revestimento em painéis pré-fabricados) é o mais adequado para o edifício anexo. E para
não impedir as atividades da instituição no casarão, este sistema torna a obra bem mais ágil.

Proporciona, ainda, maior limpeza, maior racionalização e redução do canteiro de obras, por
ter um acesso não muito fácil à via pública. A leveza da estrutura metálica (e dos painéis de
revestimento), permite ainda fundações mais baratas, menor secção dos pilares e menor
altura das vigas.

Partindo do conceito básico da instituição (um passado histórico com uma atualidade
tecnológica), o uso da estrutura metálica interna aparente serve como referência da
modernidade em relação ao casarão do início do século XX, construído em alvenaria de tijolo
maciço. Esta estrutura metálica poderia ser externa aparente. Porém, neste caso, o prédio
daria maior destaque na paisagem em relação ao casarão, o que não atenderia o 4º subitem
descrito no projeto arquitetônico citado anteriormente. Daí, surgiu a idéia da fachada em pele,
lisa, a ser discutida a seguir (Figura 05 e 06).

5) CONCLUSÃO:

O desenvolvimento do projeto foi marcado por uma intensa pesquisa das necessidades
exigidas pela instituição.

Graças a esta pesquisa inicial, obteve-se um anteprojeto arquitetônico funcional, capaz de


atender o casarão tombado (como um museu) e também ao prédio anexo. Assim, ambas as
edificações formam um organismo vivo que move todo um ser: a Mediateca de Belo
Horizonte.

Volumetricamente, obteve-se um diálogo entre o passado e o atual com uma linguagem


simples, sem muitos detalhes. Desta visão é que surgiu a idéia da fachada lisa, em pele.
Através de uma análise sucinta, pode-nos remeter a uma idéia da evolução do cinema, sendo
que os materiais e métodos construtivos nas fachadas fazem-nos raciocinar sobre a
funcionalidade do edifício. O uso do vidro na fachada nos primeiros pavimento, significa
transparência, a transparência, a imensidão da mente humana, que é capaz de criar do
inexistente algo real, algo visível; as pequenas aberturas na forma circular (3º e 4º

Belo Horizonte, 6 a 8 de outubro de 2021


pavimentos), representa o olho, a visão humana, capaz de perceber detalhes, armazenar na
memória, e transmiti-los através da comunicação; e a fachada lisa, em pele se traduz como
uma folha de papel (5º ao 7º pavimentos), ilustrando tudo aquilo que é transmitido da mente
humana para o papel que, através do movimento, originou o cinema.

Figuras 05 – Foto da maquete volumétrica.

Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV - Elaborada por Aquiles M. Lobo.

Figuras 06 – Foto da maquete volumétrica.

Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV - Elaborada por Aquiles M. Lobo.

A construção do anexo ao casarão tombado favorece a revitalização da região central de Belo


Horizonte dentro dos programas da prefeitura municipal da cidade. Isto graças aos eixos e
circulações de fácil acesso que foram criados, a preservação da paisagem urbana, tanto
interna como também externa e das características marcantes do imóvel tombado. Além disto,
o bar café do anexo poderá ser aberto ao público durante o período noturno, deixando o
empreendimento permanentemente vivo na capital mineira.

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E as alterações no casarão foram mínimas, tanto durante a construção do anexo como
também após a sua conclusão. Em virtude disto, o casarão passa a ser Museu da Imagem e
do Som, continuando como uma memória viva de um período marcante da história e da
arquitetura da cidade. E o prédio anexo, transmitindo uma linguagem única em relação ao
bem tombado, ilustra a modernidade, a atualidade, tempos em que a tecnologia avança sem
limites, valorizando o passado que permanece na memória dos muitos habitantes deste Belo
Horizonte.

Igor Cavalcanti Brant – Arquiteto e Urbanista

Belo Horizonte, setembro de 2021

Direitos autorais reservados publicados no DOU no dia 06 de fevereiro de 2008.

É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, para fins comerciais. A
violação dos direitos de autor (Lei n˚ 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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6) NOTAS:

(*) Publicação da revista Pensar BH - Ano I - n º 3 - Dezembro / 2002 – Elaborado por Neander de
Oliveira Cézar - Diretor do CRAV - Prefeitura de Belo Horizonte
(**) Dados fornecidos pelas Coordenações de Projetos e Pesquisa e de Acervo do CRAV e pela
Gerência de Patrimônio Histórico Urbano da Prefeitura de Belo Horizonte (Plano Museológico e de
Ocupação da Mediateca de Belo Horizonte).

7) REFERÊNCIAS (TIPOGRAFIA):

- Igor Cavalcanti Brant – Setembro 2005 – Plano Diretor – Centro de Referência Audiovisual de Belo
Horizonte - CRAV/BH;
- Neander Oliveira Cezar – Diretor do CRAV - Publicação da revista Pensar BH - Ano I - n º 3 -
Dezembro / Prefeitura de Belo Horizonte;
GEPHU - 2003 - Gerência de Patrimônio Histórico da Prefeitura de Belo Horizonte – Plano de
Ocupação da Mediateca de BH;
- Daniela Giovana - 2003 – Coordenadora de Acervo do CRAV – Centro de Referência Audiovisual de
Belo Horizonte – Plano Museológico de BH.

8) APÊNDICE:

Para maiores detalhes acessar:


- http://www.santander.com.br/document/gsb/institucional_sala_press_outubro07_020.pdf;

- Ou através das pranchas técnicas do Projeto Arquitetônico completo, do Plano Diretor do Centro de
Referência Audiovisual de Belo Horizonte. E do Plano de Negócios, elaborados pelo referido
profissional, para a implantação do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte. E a dissertação a
ser desenvolvida posteriormente, para a instituição nos próximos anos.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL: A CONSOLIDAÇÃO DE


UMA REDE NACIONAL DE PESQUISA E O TRABALHO DA ELABORAÇÃO
DE DOSSIÊS TEMÁTICOS.

Alcilia Afonso De Albuquerque E Melo (kakiafonso@hotmail.com)

O artigo que se pretende apresentar no evento possui como tema, a


documentação do patrimônio cultural brasileiro, que vem sendo consolidada
através do trabalho do comitê científico nacional do Icomos Brasil/Icomos Doc,
que entre suas distintas ações, vem atuando para a consolidação de uma
rede nacional de pesquisas que possui como objetivo, documentar o acervo
patrimonial do país, em suas mais distintas regiões geográficas. As ações de
conscientização e sensibilização vêm sendo realizadas através de diversas
maneiras, entre elas, a elaboração de dossiês temáticos, que são compostos
de artigos de especialistas que atuam na área, apresentando resultados dos
trabalhos desenvolvidos em projetos de pesquisas, ou em ações técnicas
desenvolvidas, não apenas pelos membros do Icomosdoc, mas também, de
outros profissionais e ativistas patrimoniais. Os dossiês temáticos estão sendo
publicados em periódicos vinculados aos programas de pós-graduação de
universidades brasileiras, que vêm apoiando a iniciativa e abrindo um canal
para publicação do material organizado pela coordenação do Icomosdoc em
parceria com os editores de cada revista. Justifica-se apresentar o tema nesse
evento, como maneira de socializar em nível ibero-americano, a importância
dos produtos e ações do comitê científico de documentação/Icomos Doc,
trazendo à tona, as discussões mais presentes nos artigos que compuseram
estes dossiês temáticos, observando-se as pautas atualizadas do discurso
teórico e prático- bem como, outros dados de interesse resultantes dessa
ação. Acredita-se que documentar é um dos primeiros passos para o processo
de preservação de nosso patrimônio cultural, seja ele, material ou imaterial, e
partindo-se dessa premissa, divulga-se o resultado dessa etapa nas ações do
Icomosdoc. Como metodologia da pesquisa que levantou dados sobre tais
dossiês, foi empregada a pesquisa bibliográfica realizada nos periódicos que já
publicaram tais artigos, como por exemplo, os das revistas Jatobá/UFG (12
artigos); Labor & Engenho/ UNICAMP ( 7 artigos num primeiro dossiê de 2020,
e 14 artigos no dossiê de 2021); Mnemosine/ UFCG (14 artigos) ; Ciência e
Tecnologia/ UFRR (13 artigos) ; Museion / Uni La Salle de Canoas/RS (14
artigos no primeiro dossiê). O aporte teórico da discussão sobre o papel da
documentação na preservação patrimonial se baseia nas cartas patrimoniais,
bem como, nas normas do Icomos e nas discussões mais recentes sobre o
papel das tecnologias digitais e analógicas na contemporaneidade, presentes
em publicações contidas nos anais do CIPA Heritage Documentation. Algumas
questões serão levantadas sobre os resultados desses dossiês, e serão
devidamente expostas no artigo.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O LADRILHO HIDRÁULICO NA ARQUITETURA DO CENTRO HISTÓRICO


DA CIDADE DA PARAHYBA: RETRAÇOS DE UM ORNAMENTO DE ÉPOCA

Henrique Claudino Palitot Moreira Nóbrega (claudino_h2333@hotmail.com)

Ivan Cavalcanti Filho (icavalcantifilho@yahoo.com.br)

O ladrilho hidráulico se destacou como um dos mais recorrentes revestimentos


de piso no mundo ocidental a partir da Revolução Industrial, dadas as suas
vantagens funcionais e estéticas. No Brasil, tal revestimento foi recorrente a
partir do final do século XIX, quando edificações tanto institucionais como
residenciais sob a influência do ecletismo francês ocuparam as superfícies
parietais dos novos eixos viários das grandes cidades do Sudeste do país. Na
primeira metade do século XX, a cidade da Parahyba, atual João Pessoa, foi
igualmente contemplada por edifícios com tal tipo de piso, sobretudo na área
que hoje corresponde ao seu Centro Histórico. Este elemento estrutural, e
ornamental, teve grande aceitação no período em questão, caindo em desuso
na segunda metade do século devido ao aparecimento de pisos mais
modernos e de fácil manutenção. Este trabalho apresenta os resultados de
uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC) em desenvolvimento no
Laboratório de Pesquisa Projeto e Memória (LPPM) do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da UFPB, tendo como objetivo precípuo registrar a
presença do ladrilho hidráulico em edificações do Centro Histórico da capital. A
pesquisa se justifica pela carência de estudos referentes ao objeto em tela, o
qual vem sendo suprimido dos edifícios onde foram aplicados, para dar lugar a
pisos modernos, face ao completo desconhecimento de seu valor histórico por
parte dos proprietários dos imóveis e da sociedade de um modo geral. O
ensaio foi desenvolvido a partir de uma cuidadosa revisão da literatura sobre
ecletismo e sobre ladrilhos, seguida da identificação in loco e registro
fotográfico dos imóveis que apresentam tal patrimônio como revestimento de
piso. Na sequência, os dados obtidos foram processados, e foram eleitos doze
imóveis devido ao seu diversificado repertório de ladrilhos, sendo o mesmo
analisado quanto às suas propriedades. O trabalho culmina com a elaboração
de um quadro resumo com as especificidades das peças no tocante à sua
natureza, aos tipos de desenhos, e sua dependência, ou não, de pares para
conformar diferentes estampas. Os resultados atestam a importância que têm
os ladrilhos como revestimento de piso nas edificações analisadas. Sua
identificação, registro e catalogação tornam-se, portanto tarefa imperiosa para
que tal legado seja reconhecido, cadastrado e tombado como patrimônio
histórico de peso.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.

EDIFÍCIO ANEXO DA SEDE DO IMÓVEL TOMBADO DO MUSEU DA


IMAGEM E SOM DE BELO HORIZONTE – MIS / BH

Igor Cavalcanti Brant (igorcavalcantibrant@yahoo.com.br)

Em 1995, gestores públicos criam o Centro de Referência Audiovisual - CRAV.


Nos seus 26 anos, a instituição vem desenvolvendo um papel importante na
preservação e disponibilização de acervos fílmicos. E no incentivo à produção
audiovisual e cinematográfico de Belo Horizonte. O CRAV, conhecido
atualmente como Museu da Imagem e Som, ocupa, desde 2008, um casarão
tombado no hiper-centro de extremo valor arquitetônico, histórico e cultural do
Estado de Minas Gerais. Estão inseridos num raio de aproximadamente 5 km
bibliotecas, museus, galerias de arte, teatros, cinemas, auditórios, parques e
praças, igrejas e outros edifícios que agregam cultura, história para o local.
Será construído um prédio anexo no terreno dos fundos, que possui mais que o
dobro da área do imóvel tombado. O edifício possui sistemas construtivos,
funcionais e estéticos próprios para interferir o mínimo no casarão. A execução
do prédio impactará significativamente o entorno imediato e limítrofes da
cidade. E atrairá recursos culturais, históricos, arquitetônicos – materiais e
imateriais e financeiros. O trabalho foi apresentado em fóruns, seminários,
congressos, colóquios, participando de prêmios internacionais. Apresentar-se-á
no 7o Seminário Ibero-Americano de Arquitetura e Documentação, em Belo
Horizonte o trabalho supracitado. Visando às próximas décadas de atuação do
Museu da Imagem e Som de BH.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO

O LADRILHO HIDRÁULICO NA ARQUITETURA DO CENTRO


HISTÓRICO DA CIDADE DA PARAHYBA: RETRAÇOS DE UM
ORNAMENTO DE ÉPOCA

(1) NÓBREGA, HENRIQUE CLAUDINO PALITOT MOREIRA; (2) CAVALCANTI


FILHO, IVAN

1. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Campus I - Cidade Universitária, 58051-900, João Pessoa – PB.
claudino_h2333@hotmail.com

2. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Campus I - Cidade Universitária, 58051-900, João Pessoa – PB.
icavalcantifilho@yahoo.com.br

RESUMO
O ladrilho hidráulico se destacou como um dos mais recorrentes revestimentos de piso no mundo
ocidental a partir da Revolução Industrial, dadas as suas vantagens funcionais e estéticas. No Brasil,
tal revestimento foi recorrente a partir do final do século XIX, quando edificações tanto institucionais
como residenciais sob a influência do ecletismo francês ocuparam as superfícies parietais dos novos
eixos viários das grandes cidades do Sudeste do país. Na primeira metade do século XX, a cidade da
Parahyba, atual João Pessoa, foi igualmente contemplada por edifícios com tal tipo de piso,
sobretudo na área que hoje corresponde ao seu Centro Histórico. Este elemento estrutural, e
ornamental, teve grande aceitação no período em questão, caindo em desuso na segunda metade do
século devido ao aparecimento de pisos mais modernos e de fácil manutenção. Este trabalho
apresenta os resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC) em desenvolvimento no
Laboratório de Pesquisa Projeto e Memória (LPPM) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
UFPB, tendo como objetivo precípuo registrar a presença do ladrilho hidráulico em edificações do
Centro Histórico da capital. A pesquisa se justifica pela carência de estudos referentes ao objeto em
tela, o qual vem sendo suprimido dos edifícios onde foram aplicados, para dar lugar a pisos
modernos, face ao completo desconhecimento de seu valor histórico por parte dos proprietários dos
imóveis e da sociedade de um modo geral. O ensaio foi desenvolvido a partir de uma cuidadosa
revisão da literatura sobre ecletismo e sobre ladrilhos, seguida da identificação in loco e registro
fotográfico dos imóveis que apresentam tal patrimônio como revestimento de piso. Na sequência, os
dados obtidos foram processados, e foram eleitos doze imóveis devido ao seu diversificado repertório
de ladrilhos, sendo o mesmo analisado quanto às suas propriedades. O trabalho culmina com a
elaboração de um quadro resumo com as especificidades das peças no tocante à sua natureza, aos
tipos de desenhos, e sua dependência, ou não, de pares para conformar diferentes estampas. Os
resultados atestam a importância que têm os ladrilhos como revestimento de piso nas edificações
analisadas. Sua identificação, registro e catalogação tornam-se, portanto tarefa imperiosa para que tal
legado seja reconhecido, cadastrado e tombado como patrimônio histórico de peso.

Palavras-chave: Ladrilho hidráulico, Centro Histórico, João Pessoa

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1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa trata do ladrilho hidráulico, objeto pouco estudado pela


academia que, por falta de conhecimento por parte da população, é frequentemente
confundido com o azulejo. Tomando como recorte espacial o Centro Histórico da Cidade de
João Pessoa, o tema é aqui estudado com intuito de valorizar este patrimônio, que está
diretamente relacionado à produção arquitetônica vigente na primeira metade do século XX,
fruto do ideário de progresso e desenvolvimento preconizado pela Revolução Industrial.

O ladrilho hidráulico é produzido a partir da utilização de “aglomerante hidráulico


(cimento Portland), pigmento e agregados” (CAMPOS, 2011, p.33). Com espessura que
varia entre 16mm e 20mm, cada peça, geralmente de 20cm x 20cm, compreende uma
camada superior, que fica à mostra e possui uma aparência de tapete; uma camada inferior,
que é assentada na superfície, e uma camada intermediária, que forma um recheio entre as
duas citadas. Suas estampas são feitas com a utilização de moldes que separam a
aplicação dos pigmentos durante o processo de fabricação. Essa parte da fabricação é feita
manualmente, peça por peça, o que torna o trabalho artesanal, resultante do afeto do
ladrilheiro por seu trabalho.

Considerando sua recorrente utilização na arquitetura, a afirmação de Gerspach


(1881, p. 9, tradução nossa) sobre mosaicos se aplica com propriedade aos ladrilhos
hidráulicos, quando ele assim se expressa:

“O mosaico ocupa uma posição muito distinta nas artes decorativas, isto é, nas obras
procedentes do desenho e cujos modelos são obras de artistas. Está intimamente ligado à
grande arte da arquitetura, sem a qual não pode existir.... “

Com efeito, ao discorrer sobre a história do ladrilho hidráulico desde seus


primórdios até chegar no Brasil, e à cidade da Parahyba, sempre considerando seus
respectivos contextos socioeconômicos, fica claro que sua presença tem relação tanto com
a evolução da indústria da construção civil, quanto das artes ornamentais.

Mesmo sendo fabricado em larga escala, e sua confecção estando muitas vezes
ligada à mera reprodução de catálogos de motivos, prática que muitos estudiosos
consideram gerar um esvaziamento da arte, seu valor histórico não fica comprometido, já
que os valores ascendentes de consumismo e do individualismo estão ali representados
(PAIM, 2000).

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Considerando o exposto, o objetivo deste trabalho é registrar a presença do ladrilho
hidráulico como revestimento de piso em edificações do Centro Histórico da cidade de João
Pessoa, estudando as estampas apresentadas nas peças, o potencial de composições por
elas formadas, bem como seu repertório cromático. O ensaio igualmente intenta levantar os
tipos de ladrilhos – padrão ou de borda – e classificá-los segundo os desenhos neles
apresentados – geométricos, orgânicos ou mistos. As linguagens arquitetônicas das
edificações onde as peças são encontradas também são abordadas a fim de destacar sua
aplicação generalizada nos pisos dos imóveis do final do século XIX até meados da centúria
seguinte, independentemente da escola formal à qual estavam relacionadas.

No tocante à metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa, a revisão


da literatura sobre o tema foi basilar, tanto aquela relativa à parte técnica do ladrilho, como
aos seus antecedentes históricos. Informações sobre a economia da Paraíba à época, bem
como sobre a expansão da capital também constaram da revisão, que foi seguida do
reconhecimento, mapeamento e registro fotográfico de edificações do Centro Histórico da
capital paraibana providas do aludido tipo de revestimento de piso. Uma vez catalogados, os
dados foram processados e organizados de modo a compor o presente ensaio, que culmina
com a produção de um quadro-resumo onde todos os ladrilhos estudados são listados e
quantificados de modo a ser conformado um panorama geral do repertório ainda disponível
no recorte espacial adotado.

Para melhor entender o referido patrimônio bem como registrar sua presença na
antiga cidade da Parahyba (atual João Pessoa), este trabalho está estruturado segundo tres
partes além da presente introdução. Primeiramente são apresentados os antecedentes
históricos gerais do ladrilho hidráulico desde a Antiguidade até a Revolução Industrial, por
serem basilares para o entendimento do artefato. Em seguida são tecidas considerações
sobre o produto em plagas brasileiras a fim de dar as bases para a seção seguinte, que trata
de sua introdução na capital paraibana, onde, apesar de serem identificadas a priori vinte e
duas edificações providas de ladrilhos, apenas oito são estudadas neste trabalho devido a
apresentarem um total de trinta e nove diferentes tipos do revestimento. O quadro resumo
acima citado é apresentado no final do ensaio, antecedendo as considerações finais.

2. O LADRILHO HIDRÁULICO: ANTECEDENTES

O surgimento dos ladrilhos hidráulicos se deveu à necessidade de criação de novos


materiais para ornamentação de pisos, quando o desenvolvimento tecnológico já permitia
seu processo de fabricação. Não obstante, sob um olhar mais abrangente no sentido

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cronológico, acredita-se que sua matriz remete tanto aos trabalhos em mosaico quanto às
técnicas de revestimento com cerâmica desenvolvidas na Antiguidade.

Segundo Furnival (1904), a cerâmica, por sua plasticidade mostrou-se um material


muito versátil para as civilizações do mundo antigo. Sua versatilidade permitia que fossem
feitos vasos e utensílios, elementos construtivos, e até peças com inscrições, como faziam
os babilônios e assírios, que escreviam na argila mole e a cozinhavam, fazendo assim
tábuas gráficas. A Babilônia é creditada como a primeira civilização a utilizar essa técnica,
quando tijolos esmaltados eram usados para representar figuras, animais e decorações.
Tijolos encontrados nas ruínas de Nimrud, por exemplo, reproduziam padrões decorativos
que seriam usados séculos depois, como guilhoches, palmetas, florais e pétalas.

O Egito também é considerado como o possível nascedouro dessa arte. Entretanto,


mesmo não sendo, sabe-se que a maneira que utilizavam essas técnicas era muito
avançada. Peça datada de aproximadamente 4770 AC possuindo uma superfície colorida
em turquesa vitrificada, e uma base de apoio para fixação comprova tal afirmação. Os
egípcios também sabiam trabalhar com texturas, criando superfícies convexas cuja
justaposição dava a ideia de movimento.

Outra técnica que teria inspirado os ladrilhos foi aquela dos mosaicos, onde eram
expressos mitos e feitos histórico que eternizaram os gregos e romanos. Especula-se que a
prática chegou a Roma através de Sula, no período da República, quando ele convocou
diversos artífices gregos para a realização desses trabalhos. Também se comenta que a
técnica ganhou popularidade no tempo de Plínio. Já os mosaicos historiados, que viriam a
ter forte influência na arte bizantina, eram muito utilizados nos prédios públicos, e os nobres
igualmente os empregavam para ornamentar suas moradias (ZOBI, 1853).

Igualmente determinante para a produção do mosaico foi a influência árabe, que se


fez presente no Oriente Médio, no Norte da África e na Península Ibérica do século VII até o
século XIV. Conforme afirma Gombrich (1950), o Islã, diferentemente do Cristianismo,
condenava a produção de imagens, o que sugeriu desenhos florais, geométricos e a própria
escrita árabe como motivos recorrentes, que vão ser reproduzidos nos ladrilhos a posteriori.

As evidências atestam que o ladrilho hidráulico também teria sido influenciado pelo
cosmatesco, um estilo geométrico de ornamentação de superfície produzido nos séculos XII
e XIII. A técnica teve tal denominação por estar associada ao trabalho dos arquitetos da
família Cosmati, palavra que advém do grego e significa “belo”. No entanto, também são
considerados artistas de outras famílias, que foram contemporâneos deles, e apresentaram
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trabalhos similares aos dos Cosmati, sendo que os elementos formais mais recorrentes nos
referidos mosaicos os guilhoches (PIRO, 2008).

É interessante destacar que a afirmação de Gombrich (1950), que arte pode ser
expressa mesmo quando limitada a padrões de formas geométricas e abstratas, como
aquelas feitas pelos mulçumanos, parece também se aplicar ao cosmatesco, quando Piro
(2008, p. 371-373, tradução nossa) assim se refere a um mosaico da Abadia de
Westminster: “Essa realidade tridimensional é o tetramorfo, que consiste nas quatro
criaturas híbridas, que representam os evangelistas ao redor do Paraíso ou a representação
simbólica de Cristo como um círculo”.

Após grande lacuna temporal, no final do século XVIII e início do século XIX, a fase
dos revivalismos arquitetônicos que, entre outras vertentes, favorecia o estudo das igrejas
medievais, propiciaria a retomada da produção de ladrilhos encáusticos, sobretudo para a
restauração dessas igrejas (DURBIN, 2005). Nesse período, os avanços da técnica avindos
da Revolução Industrial já ensejavam a fabricação do ladrilho com uso do cimento moderno,
material básico para sua produção segundo as novas demandas, quando a arquitetura
eclética o adota como solução de revestimento de pisos, e o conduz para outras plagas,
incluindo o Brasil.

3. O LADRILHO HIDRÁULICO NO BRASIL

O ladrilho hidráulico chegou ao Brasil imbuído desse contexto de ecletismo e


Revolução Industrial. Atrelado à arquitetura eclética, aportou no país no final do século XIX,
alcançando primeiro os locais que viviam ciclos econômicos favoráveis. O ecletismo estava
esteticamente relacionado com a utilização de um repertório historicista, sendo muito
comum a abundância de ornamentos, reflexo das facilidades de produção promovidas pela
Revolução Industrial.

Sobre o ecletismo no Brasil, mais especificamente em Recife, Silva (1987) exalta


que, à época de sua produção, a expressão ‘arquitetura eclética’ não era usada, mas sua
fábrica estava ligada à modernização. Assim, segundo o autor, o ecletismo significava
modernidade. No contexto brasileiro, se tratava da mudança de hábitos domésticos
influenciada pelo fim da escravidão até a mudança de regime político, de Império para
República. Nesses termos, representava simbolicamente a negação das tradições servis e
aristocráticas em direção ao progresso, se inspirando na Europa. Assim, a importação de
diversos produtos e bens de consumo passaria a consolidar a modernização do país (REIS
FILHO, 1978).
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O ladrilho hidráulico vai estar atrelado a essa modernização, que, assim como
outros materiais de acabamento, como vidros, ferragens e azulejos, eram importados. Os
ladrilhos, vinham de Portugal, da França e da Bélgica. Sua fabricação no país só teve início
no final do século XIX em São Paulo através de imigrantes, se difundindo ao nível nacional
na década de 1920. O material atingiu seu ápice em meados do século XX, entrando em
decadência na década de 1970, quando apareceu a cerâmica industrializada, mais barata e
com apelo de novidade (MACEDO, 2013; LEMOS, 1987; LAMAS et al., 2018).

O emprego de ladrilhos nos pisos das residências se dava principalmente nos


saguões, nos jardins, nas varandas, nas cozinhas, nas salas de almoço e nos banheiros, ou
seja “...onde não seria muito adequado um piso de madeira, utilizavam-se mosaicos
coloridos, formando desenhos ornamentais” (REIS FILHO, 1978, p. 158).

No Rio de Janeiro, desde a Missão Artística Francesa se empregava elementos


ornamentais policromáticos de caráter oriental, como azulejos e telhas esmaltadas, o que se
pode considerar como uma prática eclética (DEL BRENNA, 1987). Tal prática teria
continuidade no ecletismo propriamente dito, quando o uso de ladrilhos hidráulicos se tornou
recorrente na capital federal, até pela preocupação higienista da época, por este ser um tipo
de revestimento mais impermeável (LAMAS et al., 2018).

As vantagens oferecidas pelo ladrilho hidráulico no tocante à praticidade fez com


que seu uso se difundisse em todo o Brasil. Afinal era um revestimento de piso com todos
os atributos do discurso de higienismo e modernidade preconizados à época. Como nos
grandes centros urbanos brasileiros, na cidade da Parahyba, o ladrilho hidráulico teve
grande aceitação na primeira metade do século XX, correspondendo ao período de sua
expansão urbana, conforme é argumentado na seção que segue.

4. O LADRILHO HIDRÁULICO NA CIDADE DA PARAHYBA NA 1ª


METADE DO SÉCULO XX

Para entender a expansão da cidade da Paraíba, e com ela, a modernização da


arquitetura e seus materiais, é importante se reportar à sua economia, condicionante
fundamental para o desenvolvimento do estado, e da capital. No início do século XX o
estado já despontava entre os principais produtores de algodão do país; e de 1926 até o fim
da década, assumiria a primeira posição, sendo seus rendimentos desacelerados no
decênio seguinte, mas sempre mantendo a primazia como principal gerador da economia do
estado (GALIZZA, 1996).

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Esse momento desenvolvimentista atrairia pessoas do interior almejando melhores
condições de vida. As migrações ocorridas na Paraíba se distinguiam, no entanto, daquelas
de São Paulo, descritas por Lemos (1987), que contribuiriam para o desenvolvimento do
ecletismo. Em São Paulo esse fenômeno ocorria para substituir a mão-de-obra escrava, por
outra europeia, sobretudo italiana, mais qualificada, que auxiliaria na aplicação das novas
tecnologias alinhadas com a corrida pela modernização.

Ainda que não houvesse grande número de europeus com destino à Paraíba,
houve presença estrangeira, porém pontual, sobretudo para trabalhar em filiais de empresas
internacionais, ou profissionais graduados para oferecer serviços (GALIZZA, 1996; MARIZ,
1980). Alguns deles contribuiriam no campo da arquitetura, como Di Lascio e Giovani Gioia.

Nesse contexto, a cidade da Parahyba se expandiria. No início do século passado,


muitas melhorias urbanas foram introduzidas, como os serviços de saneamento e
embelezamento realizados nas gestões dos prefeitos Walfredo Leal (1905-1908), João
Machado (1908-1912) e Camilo de Holanda. Nessa época, a arquitetura eclética se
traduziria como modernização gerada pela prosperidade promovida pela cultura algodoeira
(MOURA FILHA e RODRIGUES, 2016).

O ladrilho hidráulico foi introduzido em edificações da capital exatamente nesse


período. Para melhor estudá-lo, foi adotado como recorte o centro histórico da cidade, por
representar o núcleo de maior importância da urbe à época. Nele foram identificados
edifícios tanto civis – institucionais e residenciais – como religiosos, providos de ladrilhos.

Para um melhor entendimento desta pesquisa, foi produzido um mapa onde estão
localizados os edifícios identificados com ladrilhos hidráulicos como revestimento de piso.
Os eixos viários onde os mesmos se encontram são destacados com cores, e indicados na
legenda (Figura 1). Foram identificados vinte e dois imóveis providos de ladrilhos, porém,
devido à grande variedade de peças por edificação, só são analisados oito edifícios, estando
os mesmos indicados através de números no mapa. É importante destacar que todos os
imóveis possuem mais de um tipo de ladrilho; um deles apresenta dez tipos diferentes.

O recorte espacial da pesquisa é delimitado, grosso modo, a oeste pela Rua Maciel
Pinheiro, norte pela Av. Dom Vital, leste pela Praça da Independência, e sul pela Rua José
Peregrino (Figura 1). Os ladrilhos são analisados a partir dos oito imóveis onde se
apresentam, sendo estes identificados de 4.01 a 4.08. A análise do ladrilho contempla seu
desenho (geométrico, orgânico ou misto), sua dependência (se precisam de outros para
formar desenhos), sua coloração e a natureza de sua superfície (liso ou em relevo).
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Figura 1. Mapa do recorte do Centro Histórico com localização dos imóveis estudados em seus
respectivos eixos viários

Fonte: PMJP. Edição Henrique Claudino

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4.1 Academia de Comércio Epitácio Pessoa

Localizado na esquina da Av. Almeida Barreto com a Av. Trincheiras, o prédio da


Academia de Comércio é um dos mais expressivos exemplares de arquitetura eclética da
cidade, apresentando variados elementos decorativos nas suas fachadas Norte e Oeste.

Foram identificados oito tipos de ladrilhos no prédio: cinco, tipo padrão, e três de
borda, os quais são aqui apresentados por peça e por agrupamento. Considerando os
desenhos dos mesmos, dois são autossuficientes, isto é, possuem figura completa que não
demanda outras peças para formar desenhos (L2 e L4). Três ladrilhos requerem outros para
formar desenhos completos (L1, L3 e L5), e três são de borda (LB1, LB2 e LB3). Sua
disposição no interior do edifício é adotada por ambiente (Figura 2).

O ladrilho L1 forma uma cruz com estrela de oito pontas no cruzeiro quando
agrupado em quatro, e quadrados de dois tamanhos diferentes entrelaçados como elos de
uma corrente, quando lidos a partir de dezesseis peças agrupadas superior e inferiormente.

O ladrilho L2 apresenta como desenho central, uma cruz grega com braços curtos.
As extremidades da peça são providas de folhas que, quando agrupados quatro ladrilhos,
formam uma espécie um quadrifólio. As cores exploradas são o grafite e o vinho.

O ladrilho L3, com desenho de difícil identificação – talvez a geometrização de


alguma forma da natureza, uma planta ou um inseto – consiste numa peça dependente, pois
só agrupada em quatro forma uma cruz, cujas pontas remetem a uma “pata de ganso”.

O ladrilho L4 apresenta estampa autossuficiente sugerindo uma roseta com pétalas


curtas e finas. Os contornos do octógono alcançam os limites da peça, e o desenho central
remete a um leme, onde cada eixo aponta para o centro de um dos lados. As extremidades
diagonais da peça são triângulos que, ao serem agrupados em quatro, formam quadrados.

Com desenho geométrico simples, o ladrilho L5 é autossuficiente; reveste as


galerias externas da edificação, partindo de uma matriz bipartida disposta na diagonal, onde
cada triângulo é apresentado numa cor – branca e vermelha. O agrupamento dos ladrilhos
forma quadrados justapostos diagonalmente nas duas cores citadas.

O ladrilho LB1 constitui peça de borda usada em composição com o L2. Apresenta
desenho orgânico que, quando agrupado com seus pares, forma, na junção com eles,
espécie de balaustres. Sua parte central exibe contornos organicos como recheio entre os
tais ‘balaustres’.
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Figura 2. Academia de Comércio, Imóvel nª 228 e Núcleo de Arte Contemporânea

Fonte: Acervo Henrique Nóbrega, 2021

O ladrilho LB2 constitui uma peça de borda usada em composição com o ladrilho
L3. Seu desenho se completa por agrupamento linear formando espécie de guilhoches.
Como já foi dito, remete à Babilônia (Fig. 2), mas também foi reproduzido na Grécia Antiga e
na Idade Média, particularmente no cosmatesco (PIRO, 2008).
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O ladrilho LB3 é usado com o L1, onde quadrados nas cores vinho, amarela e
verde dispostos na diagonal, e em fila, são limitados por faixas que dão o tom da borda.

4.2 Imóvel nº 228, Rua das Trincheiras

Com nítidas linhas ecléticas, destacando o Art Nouveau, a antiga residência


denuncia a morada de famílias abastadas, que elegiam a Rua das Trincheiras como local
para suas residências face ao status social conferido àquela área da cidade no início do
século XX. O imóvel tem três tipos de ladrilhos: dois tipo padrão e um de borda (Figura 2).

Os dois terraços laterais descobertos do imóvel apresentam o mesmo ladrilho (L6),


cujo desenho é misto – orgânico e geométrico – e dependente. Ao ser agrupado, forma o
desenho de flor de quatro pétalas inscrita em octógono, e uma estrela de oito pontas. As
cores aplicadas nos contornos são laranja e dourado em fundo branco. Nos limites do
espaço, é usado o ladrilho de borda LB4, que faz contorno curvilíneo, acompanhando a
forma do terraço junto ao balcão que o delimita. Seu motivo é orgânico, com guilhoches e
flor inscrita em circunferência (Fig. 2).

Área adicional do terraço norte apresenta outro tipo de ladrilho (L7), peça orgânica
autossuficiente com desenho de flor de cinco pétalas com detalhes laranja em fundo branco.

4.3 Núcleo de Arte Contemporânea

Situado na Rua das Trincheiras, nº 275, a antiga Casa dos Governadores, é um


exemplar de arquitetura eclética de uso residencial da primeira metade do século XX (Figura
2). Guarnecido de dois alpendres laterais, conformando tipologia de arquitetura residencial
com recuos do início do século XX, o imóvel apresenta dez tipos de ladrilhos: seis tipo
padrão (L8, L9, L10, L11, L12 e L13) e quatro de borda (LB5, LB6, LB7, LB8).

No recuo frontal do imóvel encontra-se o ladrilho L8, com desenho geométrico


autossuficiente, formado por uma circunferência na cor telha com um vazio central definido
por quadrado de lados curvos disposto na diagonal. A peça é assentada junto com o ladrilho
de borda LB6, formando desenho em onda grega.

No alpendre norte, é encontrado o ladrilho L9, com desenho misto, único a ser
utilizado de forma adjunta com peça complementar, que possui as bordas iguais, mas sem o
ornamento floral central. No contorno do espaço é utilizado o ladrilho de borda LB5,
composto por desenho floral central, faixas com gregas nas partes superior e inferior e
barras e círculos entre as flores.
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O ladrilho L10, orgânico e dependente, com desenho expresso nas cores verde-
escuro, dourado e vinho, forma diferentes padrões quando agrupado em quatro e dezesseis.

O ladrilho L11 é geométrico e autossuficiente; quando agrupado, forma um conjunto


de quadrados pretos dispostos na diagonal em fundo totalmente branco. Os ladrilhos L12 e
L13 possuem mesmo desenho – geométrico e autossuficiente – diferindo apenas nas cores.
Quando acoplados, formam malha ondulada: o primeiro com linhas de contorno brancas e
cheios verde-escuro e vinho; o segundo, com preenchimentos nas cores branca e vinho.

Os ladrilhos de borda LB7 e LB8 são muito parecidos, com motivos geométricos
semelhantes: quadrados alinhados dispostos na diagonal limitados superior e inferiormente
por faixas retilíneas. A diferença está nas cores utilizadas (alternadas entre preto e branco),
no tamanho dos quadrados e nas espessuras das faixas. São usados junto com o L11.

4.4 Igreja Nossa Senhora de Lourdes

A igreja situada na esquina da Rua das Trincheiras com a Avenida João Machado
tem data de construção incerta. Apresenta traços barrocos nas molduras das aberturas e no
frontão recortado com curvas e contracurvas de sua fachada oeste (Figura 3).

A igreja apresenta seis tipos de ladrilhos em seus espaços internos: três


convencionais, tipo padrão (L14, L15 e L16); e três de borda (LB9, LB10 e LB11). O ladrilho
L14, que reveste o piso da nave sul possui desenho misto – geométrico e orgânico. Apesar
de ser autossuficiente, ao ser agrupado em quatro, forma uma cruz central de braços iguais.
Já o ladrilho de borda LB11, possui desenho orgânico alusivo ao Art Nouveau.

O ladrilho L15 é encontrado na nave norte e possui estampa mista (geométrica e


floral) dependente. Ao ser agrupado forma um octógono com flor inscrita no centro,
emoldurado por quatro paralelogramos dispostos na diagonal, sendo os desenhos definidos
por contornos brancos.

Na nave principal e na capela Eucarística é utilizado o ladrilho L16. geométrico e


dependente, seu desenho exibe um losango central disposto na diagonal e quatro triângulos
no seu entorno. Ao ser agrupado, devido às cores adotadas, sugere paralelepípedos em
perspectiva.

O ladrilho de borda LB9 é utilizado na nave, enquanto que, na capela da Eucaristia,


o ladrilho de borda LB10 é empregado. Apesar de apresentarem motivos geométricos, o

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primeiro forma uma faixa de prismas, enquanto o segundo uma faixa de quadrados
dispostos na diagonal.

Figura 3. Igreja de Lourdes, Comando da PM, Associação Comercial, Hotel Globo, Igreja do Carmo

Fonte: Acervo Henrique Nóbrega, 2021

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4.5 Comando da Polícia Militar

Situado entre as praças Pedro Américo e Aristides Lobo, o edifício teve sua
construção iniciada em 1853 para servir como teatro, possuindo traços neoclássicos. Em
1929 passou por reforma que lhe conferiu estilemas neocoloniais (Figura 3).

O edifício apresenta dois tipos de ladrilhos: um padrão (L17) e outro de borda


(LB12). O ladrilho L17 é um tipo incomum, pois não tem a forma quadrada convencional
(20cm x 20cm), mas hexagonal. A peça é composta de três losangos cuja disposição e
cores remetem a uma montagem tridimensional com cubos nas cores branco, preto e bege.

O ladrilho de borda LB12 é usado em conjunto com o ladrilho L17 (Figura 3).
Apresenta desenho geométrico similar, onde a cor cinza pastel remete à sombra produzida
pela perspectiva da peça tridimensional, no caso, os cubos, que ligados linearmente fazem o
contorno dos ambientes.

4.6 Associação Comercial

Localizado na esquina da Rua Maciel Pinheiro com a Rua João Suassuna, o prédio
tem marcas indeléveis do ecletismo na arquitetura em vigor no início do século XX,
destacando-se os elementos clássicos na sua harmônica composição, como frontões,
cornijas e frisos gregos (Figura 3). O edifício, distribuído segundo vários cômodos,
apresenta três tipos de ladrilhos: dois do tipo padrão (L18 e L19), e um de borda (LB13).

O ladrilho L18, que reveste o piso de um ambiente do prédio onde funciona um


restaurante, apresenta estampa orgânica disposta na diagonal com desenho
aparententemente autossuficiente, mas quando agrupado em quatro, cria estampa
geométrica. As cores verde oliva e vermelho marcam a peça cujos contornos são brancos.

O ladrilho L19, apesar de apresentar estampa cuja porção central é autossuficiente,


forma novo desenho quando agrupado em quatro. A geometria da composição é traduzida
na dissolução dos quadrados por formas curvas que “mordem” seus ângulos retos. O belo
desenho é destacado pelos baixos relevos que perfazem a superfície texturizada do ladrilho.

O ladrilho de borda LB13, de conotação nitidamente geométrica, usado com o L19,


também apresenta textura em relevo. A tônica de seu desenho é a distribuição em faixas
retilíneas onde a central apresenta quadrados na diagonal dispostos em linha.

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4.7 Hotel Globo

Situado na Praça São Frei Pedro Gonçalves, na Cidade Baixa, o Hotel Globo é um
exemplar icônico de arquitetura eclética da capital paraibana. Disposto segundo dois blocos,
um térreo e um de dois pavimentos, o edifício detém elementos formais alusivos ao Art
Nouveau, ao clássico, e ao barroco (Figura 3). O bloco de dois pavimentos apresenta, no
salão do pavimento térreo, dois tipos de ladrilhos: um padrão (L20), e outro de borda (LB14).

O antigo restaurante do hotel apresenta ladrilho tipo padrão (L20) com desenho
geométrico na diagonal que, agrupado em quatro, forma quadrados com cruz no centro.

O ladrilho de borda LB14 é usado em conjunto com ladrilho L20. Apresenta um


quadrado central disposto na diagonal cuja composição linear com outras peças perfaz uma
linha de quadrados com pequenos triângulos intercalados junto às bordas superior e inferior.

4.8 Igreja de N. S. do Carmo

A Igreja de Nossa Senhora do Carmo é um expressivo exemplar de arquitetura


religiosa barroca do século XVIII (Figura 3). A presença de ladrilhos na nave da igreja data
do século passado, quando o piso original foi substituído pelo moderno tipo de revestimento.

Tal substituição de piso comprova a utilização do material em arquitetura anterior


ao século XX, face ao componente prático, de limpeza e higiene em voga na época da
modernização da capital. Seis tipos de ladrilhos são encontrados na igreja, todos com
desenho orgânico: três tipo padrão (L21, L22 e L23), e dois de borda (LB15 e LB16).

No primeiro nível da nave da igreja, entre a entrada e o segundo nível, se encontra


o ladrilho L21, orgânico e dependente, cuja composição em quatro remete ao desenho do
pavimento cosmatesco da Abadia de Westminster. O complemento de piso utilizado nas
bordas da nave, o ladrilho de borda LB15 se assemelha à peça usada no prédio do
Comando da Polícia Militar (LB12), diferindo quanto às cores adotadas.

Nos altares laterais há pequenas plataformas pavimentadas pelo ladrilho L22. As


cores desses ladrilhos são diferentes de todos os exemplares já relacionados – branco e
azul – formando um pequeno desenho quadrifólio. Apesar do mau estado de conservação,
crê-se que, quando colocados, deviam gerar um forte contraste com o pavimento geral da
igreja, mostrando que aquelas pequenas áreas deviam sugerir contrição aos fiéis.

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O presbitério acomoda o ladrilho L23. Orgânico e dependente, seu motivo é
bastante complexo, misturando desenhos com curvar abatidas alusivas a vegetais. As peças
de borda que arrematam os contornos de piso do ambiente (LB16) apresentam guilhoches,
a exemplo daquelas encontradas na Academia de Comércio – LB2 (Figura 3).

5. QUADRO RESUMO

Uma vez analisados os trinta e nove ladrilhos hidráulicos distribuídos em oito dos
vinte e dois imóveis identificados no recorte espacial adotado neste trabalho – vinte e tres
ladrilhos tipo padrão e dezesseis ladrilhos de borda – foi concebido um quadro resumo do
patrimônio levantado, onde são indicados o número total de ladrilhos analisados, seu tipo:
padrão ou de borda; seus motivos: orgânicos ou geométricos: e seu potencial de
composição: autossuficiente ou dependente (Figura 4).

Figura 4. Quadro resumo dos ladrilhos dos imóveis estudados

Ladrilho Desenho Autossuficiente Ladrilho Desenho


Imóvel
Padrão GeométricoOrgânico Misto Sim Não de BordaGeométricoOrgânico Misto
L1 X X
LB1 X
L2 X X
1. Academia de Comércio L3 X X LB2 X
L4 X X
LB3 X
L5 X X
L6 X X
2. R. Trincheiras, 228 LB4 X
L7 X X
L8 X X LB5 X
L9 X X
LB6 X
L10 X X
3. Núcleo de Arte
L11 X X LB7 X
L12 X X
LB8 X
L13 X X
L14 X X LB9 X
4. Igreja de Lourdes L15 X X LB10 X
L16 X X LB11 X
5. Comando da Polícia L17 X X LB12 X
L18 X X
6. Associação Comercial LB13 X
L19 X X
7. Hotel Globo L20 X X LB14 X
L21 X X LB15 X
8. Igreja do Carmo L22 X X
LB16 X
L23 X X
Total 13 5 5 9 14 Total 11 4 1
Resultados
Proporção 56% 22% 22% 39% 61% Proporção 69% 25% 6%

Fonte: Henrique Claudino, 2021

Conclui-se que quanto aos tipos de ladrilhos – padrão ou de borda – não houve
equivalência dos mesmos; os de tipo padrão somaram 23, correspondendo a 59% do total, e
os de borda, 16 peças, que correspondem a 41% do total estudado. Considerando primeiro
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o ladrilho tipo padrão, com relação à autossuficiência dos motivos, a predominância ocorreu
com peças de desenho incompleto, dependente de pares para formar estampas,
correspondendo a 61%; quanto às padronagens a maior recorrência foi do motivo
geométrico (56%) em detrimento daquele de motivo orgânico (22%) e misto (22%). Quanto
às estampas dos ladrilhos de borda, também ficou evidente a preferência pela estampa
geométrica (69%), seguida daquelas de raiz orgânica (25%), e da mista (6%).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados da presente pesquisa, algumas considerações podem ser


feitas para melhor assimilá-los. A primeira delas é a constatação inequívoca da presença
maciça do ladrilho hidráulico como revestimento de piso em edificações situadas no Centro
Histórico da capital paraibana, independentemente do uso das mesmas. Como solução ideal
para piso, conforme foi destacado nos antecedentes históricos apresentados neste trabalho,
o ladrilho hidráulico foi uma peça constante na arquitetura produzida na primeira metade do
século passado, representando expressivo indicador da modernização.

A segunda consideração, é que o ladrilho hidráulico foi utilizado em edificações de


diferentes linguagens arquitetônicas em vigor no recorte temporal aqui considerado. Além da
arquitetura eclética, edificações neocoloniais, Art Déco e até mesmo modernas fizeram uso
de tal tipo de revestimento. O piso teve tanta aceitação devido à praticidade no tocante ao
seu assentamento e sua manutenção, que até edifícios coloniais, como a Igreja de N. S. do
Carmo teve seu piso original, possivelmente em campas funerárias e/ou tijoleira, substituído
pelo ladrilho hidráulico em duas versões diferentes.

Outra consideração a ser feita é que o número de ladrilhos-padrão é superior à


quantidade de ladrilhos de borda. Isso se deve ao fato de muitos pisos não possuírem
contornos, o que sugere uma medida de economia, talvez devido a tais ladrilhos serem mais
dispendiosos por serem organizados em linha, demandando, portanto, um menor número de
peças para perfazer o contorno de piso do compartimento.

Enfim, além do número total de imóveis onde foram detectados ladrilhos hidráulicos
que não puderam ser aqui analisados por conta do grande volume de informações, várias
outras questões ainda permanecem irresolutas, a exemplo das fábricas de ladrilhos que
supriam as demandas da cidade, bem como as lojas que comercializavam o artefato à
época. Tal quadro sugere que a pesquisa apenas foi iniciada, devendo ter continuidade não
apenas para atender essas demandas pendentes, mas também para consolidar o
reconhecimento desse patrimônio artístico/arquitetônico cujos exemplares, por estarem
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sendo continuamente dilapidados, já se expressam como retraços de um revestimento de
piso preferido de uma época.

REFERÊNCIAS
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Belo Horizonte, 2011.
DEL BRENNA, Giovanna Rosso. Ecletismo no Rio de Janeiro. In: Fabris, Annateresa (org.),
Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987. p. 28-65.
DURBIN, L. Architectural Tiles: Conservation and Restoration - From the Medieval Period
to Twentieth Century. [S.l.]: Routledge, 2005.
FURNIVAL, W. J. Leadless decorative Tiles, Faience and Mosaic. Stanfordshire: s/a,
1904.
GALIZZA, D. S. Modernização sem desenvolvimento na Paraíba 1890-1930. João
Pessoa: Ideia, 1993
GERSPACH, E. La Mosaïque. Paris: A. Quantin, 1881.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16ª. ed. [S.l.]: LTC, 1950.
LAMAS, M. L.; LONGO, O. C.; SOUZA, V. C. D. A produção de ladrilho e o ofício de
ladrilhar: método de produção de ladrilhos do século XVIII aos nossos dias. Anais do
Museu Paulista: História e Cultura Material. São Paulo, SP: [s.n.]. 2018.
LEMOS, Carlos. Ecletismo em São Paulo. In: Fabris, Annateresa (org.). Ecletismo na
Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987. p. 68-104.
MACEDO, F. A geometria do ladrilho hidráulico. Goiânia: [s.n.], 2013.
MARIZ, Celso. Evolução Econômica da Paraíba. 2ª Ed., João Pessoa; A União, 1980.
MOURA FILHA, M. B.; CAVALCANTI FILHO, I.; COTRIM, M. (org.) Entre o rio e o mar:
arquitetura residencial na cidade de João Pessoa. João Pessoa: Editora da UFPB, 2016.
PIRO, T. D. Cosmati pavements: The art of geometry. In: REZA SARHANGI, C. S. Bridges
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REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo; Perspectiva,
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SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura eclética em Pernambuco. In: Fabris, Annateresa
(org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel, 1987. p. 178-207
ZOBI, A. Firenze, Notizie storiche sull'origine e progressi dei lavori di commesso in
pietre dure che si eseguiscono nell'I. e R. stabilimento di. 2ª. ed. Florença: Stamperia
granducale, 1853.

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EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

AS CORREDEIRAS DO BEM-QUERER DE CARACARAÍ: um


patrimônio a ser preservado

COSTA, GRACIETE G. DA. (1); TRIANI, ANGÉLICA P. (2); OLIVEIRA, DANIEL L.


(3); CHRIST, CAMILLA S. (4); VIEIRA, EMERSON R. DOS S.

1. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Av. Capitão Ene Garcez, 2413. Bairro Aeroporto - Boa Vista/RR - CEP: 69.304-000
graciete.costa@ufrr.br

2. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Av. Capitão Ene Garcez, 2413. Bairro Aeroporto - Boa Vista/RR - CEP: 69.304-000
angelicatriani@outlook.com

3. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Av. Capitão Ene Garcez, 2413. Bairro Aeroporto - Boa Vista/RR - CEP: 69.304-000
oliveira.dl@outlook.com

4. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Av. Capitão Ene Garcez, 2413. Bairro Aeroporto - Boa Vista/RR - CEP: 69.304-000
camilla_christ@hotmail.com

5. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo


Av. Capitão Ene Garcez, 2413. Bairro Aeroporto - Boa Vista/RR - CEP: 69.304-000
emerson_rsv@yahoo.com.br

RESUMO
As Corredeiras do Bem-Querer são quedas d’água, que serpenteiam grandes blocos rochosos
durante o verão roraimense, localizadas no município de Caracaraí, aproximadamente 120 km da
capital Boa Vista, no centro sul do Estado, à margem direita do Rio Branco. A paisagem deslumbrante
integra o Patrimônio Cultural Brasileiro, protegido pela Lei nº 3.924/61, em defesa de seus bens
arqueológicos como as pinturas rupestres e as peças cerâmicas encontradas na região. Além disso,
trata-se também de um patrimônio natural por suas características paisagísticas de valor relevante e
qualidades representativas. Todavia, em 2012 esse bem foi destombado diante dos interesses
políticos de construir uma hidrelétrica próxima a região. Esse fato imprime o iminente risco de:
destruição dos vestígios arqueológicos dos antigos povos que ali habitaram; ameaça a existência do
rico ecossistema local; perda do potencial do turismo ecológico em Caracaraí como fonte de renda
para a população. Em razão disso, este trabalho visa debater acerca da importância da preservação
desse bem natural e cultural para a conservação e documentação da história local. A discussão toma
como base a Recomendação de Paris de 1962 e a Carta Patrimonial de Lausanne de 1990, que
direcionam o assunto para a proteção da beleza e do caráter das paisagens e para a proteção e
gestão do patrimônio arqueológico. Assim, objetiva-se apresentar um viés crítico e embasado para
justificar a preservação das corredeiras e dos seus vestígios arqueológicos.

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Palavras-chave: Amazônia – Roraima; Corredeiras do Bem-Querer; Caracaraí; Patrimônio natural;
Patrimônio arqueológico.

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Introdução
Caracaraí é o maior munícipio do Estado de Roraima, situado no centro-sul à margem
direita do rio Branco. Seu nome faz alusão a um pequeno gavião que habita a região.
Ademais, é o terceiro mais populoso, com 21.564 habitantes, conforme estatísticas de 2018
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conhecido como cidade porto,
nasceu em local de embarque de gado para a capital amazonense, no qual os animais
desciam até a estrada onde se iniciam as Corredeiras do Bem-Querer. Localizadas a
aproximadamente 120 km da capital Boa Vista, as corredeiras possuem acesso pela BR 174
no sentido sul, para Manaus.

Cidades como Caracaraí, que nasceram às margens de rios, apropriam-se do meio natural
de maneira que provocam transformações na sua paisagem. Essas mudanças podem ser
caracterizadas pela inserção ou retirada de elementos em prol do desenvolvimento e
crescimento local. Tal situação não é diferente às margens das Corredeiras do Bem-Querer,
que sofrem com ações humanas que por vezes agridem os bens naturais do local.

Em razão da sua importância histórica e natural, por abrigar diversos vestígios


arqueológicos e deter uma paisagem exuberante, Bem-Querer foi tombada pela Emenda
Constitucional nº 021, de 06 de maio de 2008. Além disso, o bem é protegido pela Lei nº
3.924/61. Contudo, em 2012, esse patrimônio foi destombado em meio a decisões políticas,
que visavam facilitar a construção de uma hidrelétrica na região.

Sob enorme risco de destruição, esse sítio não só evidência a história do Estado, como
também compõe uma rica paisagem natural, de beleza exclusiva da região. Ademais, a
construção da hidrelétrica teria como resultado o alagamento de uma região muito maior do
que as corredeiras, podendo afetar, inclusive, a capital Boa Vista. Seria como a Balbina de
Roraima.

Diante disso, este trabalho visa apontar a importância da preservação das Corredeiras de
Bem-Querer para a conservação da história local e da paisagem natural. Para isso, se
baseia na Carta Patrimonial de Lausanne, de 1990, que dispõe acerca da proteção de bens
arqueológicos, e na Recomendação de Paris, de 1962, que aborda medidas de proteção
aos bens de paisagem natural.

Não obstante, o artigo critica os impactos que podem ser causados com a construção da
hidrelétrica, além de apresentar as alterações que o bem já enfrenta diante da ação
humana. Uma análise da ocupação do espaço é feita, com o intuito de promover uma

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reflexão acerca da melhor maneira que Bem-Querer pode ser desfrutada pela população
local sem gerar impactos negativos na existência desse bem.

História e atrativos naturais de Caracaraí

Uma das primeiras ocupações no Estado de Roraima se deu à margem esquerda do rio
Tacutu, em seu ponto de junção com o rio Uraricoera, onde foi estrategicamente construído
o Forte São Joaquim, no século XVIII, pelo Capitão Phelippe Frederico Sturm. Acreditava-se
que este ponto era um local apropriado para a vigilância e controle da região, o qual foi um
marco para o início da ocupação por estrangeiros onde hoje é o território de Roraima.

Outro importante rio que compõe a bacia hidrográfica do Estado é o Rio Branco. Este
também teve importante papel na ocupação do território, uma vez que funcionou como eixo
facilitador para o povoamento nas duas principais cidades, a capital Boa Vista e o município
de Caracaraí. Essa ocupação surgiu após uma estratégia da coroa portuguesa em povoar o
vale do rio Branco através de aldeamentos.

Todavia, essa política foi fracassada e assim surgiu um novo plano, que se configurou na
ocupação através da pecuária, onde Boa Vista tornou-se a principal fazenda à margem
direita do rio Branco e Caracaraí transformou-se em um local de descanso dos condutores
de gado. Nesse período, Caracaraí ainda era o antigo município de Moura, pertencente ao
Estado do Amazonas, de acordo com o Decreto – Lei Estadual nº 176, de 1º de dezembro
de 1938. Em 13 de setembro de 1943, pelo Decreto – Lei Federal nº 5812, Caracaraí
passou a fazer parte do Território Federal do Rio Branco (atual Estado de Roraima) e assim
permaneceu até o ano de 1955, quando foi desmembrado do município de Boa Vista pela
Lei Federal nº 2.495, de 27 de maio de 1955.

Após sua emancipação, Caracaraí inicia-se apenas como um local de embarque de gado
para a capital do Amazonas. Todavia, com a apropriação dessa área pelos portugueses
para o desenvolvimento de atividades pecuárias, a região sofreu diversas mudanças na
paisagem por meio da retirada da floresta e do frequente pisoteio do gado na área
desmatada.

Assim, a ocupação humana se intensifica na região e provoca alterações na dinâmica da


paisagem na sua estrutura e na sua função. A estrutura refere-se à relação espacial entre os
diversos componentes da paisagem, que foram alterados em decorrência do desmatamento
e pisoteio, que provocou a compactação do solo e a formação de trilhas. E a função refere-

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se a interação dos componentes da paisagem, que foram modificados para a execução de
novas atividades na região.

Diante dessas alterações e do desenvolvimento econômico do local, o município de


Caracaraí deixa de ser apenas um abrigo para gados e torna-se uma cidade-porto, que
abastecia a população roraimense com mercadorias vindas de Manaus-AM. Esse
crescimento provocou a necessidade de projeção e expansão da cidade, a qual teve seu
traçado urbano delineado para abrigar o povoamento que aumentava em decorrência da
intensificação das atividades comerciais na região.

A análise do traçado urbano de Caracaraí também apresenta um viés patrimonial, uma vez
que ainda hoje especula-se que a cidade tenha sido projetada pelo renomado arquiteto
Sérgio Bernardes. Nascido em 9 de abril de 1919, Sérgio Wladimir Bernardes graduou-se
em arquitetura em 1948, pela Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA) do Rio de Janeiro.
Ele é considerado um dos maiores arquitetos da segunda geração de modernistas cariocas
e durante esse período é importante considerar o andamento dos Planos
Desenvolvimentistas na Amazônia, que provocou a contratação, pelo Governo Federal, de
profissionais modernistas de todo o Brasil para atuarem na região norte do país.

A visão projetiva propagada por Bernardes é multidisciplinar, por definição.


Ela parte da premissa de uma equipe integrada, de saberes compartilhados,
de entrecruzamento e hibridização a serviço do objetivo global. Por se
pretenderem maiores do que a arquitetura ou o design, seus projetos
confundem os corporativismos de ambos os campos. O projetista como
polímata. (CARDOSO in BERNARDES; CAVALCANTI, 2010, p. 108).

Sabe-se que Sérgio Bernardes é autor do projeto da Prefeitura de Caracaraí, que apresenta
traçado decagonal em um lote octogonal. O edifício é uma construção modular de trapézios
que quando se unem formam um decágono com a parte central aberta para um grande
espelho d’água. De acordo com o projeto, esse espelho d’água deveria ser repleto de peixes
de espécies locais e promover um microclima interno para o edifício, a fim de proporcionar
melhor conforto ambiental. Todavia, atualmente o edifício apresenta apenas o espaço vazio
sem o espelho d’água para refrescar e aprimorar a estética da construção.

Implantada em um lote octogonal, a Prefeitura de Caracaraí é cercada por uma praça


chamada Centro Cívico, que dispõe de árvores, arbustos e flores que foram a paisagem
natural e equipada de bancos que permitem encontros e reuniões da população local. O
desenho geométrico do espaço é característico dos projetos de Sérgio Bernardes, que
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manifestava o princípio de construir sistemas abertos, em permanente crescimento e
ampliação, por meio da junção de poliedros que variam o número de faces a cada projeto,
que caracterizam os ideais globais do arquiteto em criar organismos vivos e em constante
desenvolvimento.

É diante dessa premissa que se supõe que o projeto da cidade de Caracaraí também tenha
sido feito pelas mãos de Sérgio Bernardes, uma vez que se pode observar o traçado de
quadras octogonais ao longo de todo o eixo principal da malha urbana. A semelhança de
projetos de Bernardes, como o “Rio do Futuro” e a Prefeitura de Caracaraí com o desenho
urbano do município marca uma forte suspeita de que ele seja o autor. Essa repetição da
forma poliédrica, desde a arquitetura à cidade como um todo, configura o princípio de
Bernardes que:

Partindo de uma bagagem de edifícios pensados como formas geométricas


– abstraídas no espaço, esculturais, monumentais – sua obra passa, na
fase dos macroprojetos, a fundamentar a ação de projetar em outros
valores: em sistema e não em estrutura. Ou melhor, em estrutura como
decorrência de sistema. Os princípios que atravessam seus projetos – tanto
de arquitetura quanto os não arquitetônicos – articulam a tensão entre
módulo individual e malha sistêmica. O grande mérito da ação projetiva de
Bernardes está no hábito de pensar os sistemas de forma metabólica, como
algo que tem seu equilíbrio na mudança e não na estabilidade. (CARDOSO
in BERNARDES; CAVAL-CANTI, 2010, p. 116-117).

A formação e a expansão da cidade de Caracaraí, planejada ou não por Sérgio Bernardes,


despertou o interesse de pessoas de todas as regiões para conhecer as riquezas naturais
que o município abriga. Com intensa atividade turística, Caracaraí apresenta atrativos como
o Parque Nacional do Viruá, o Parque Nacional Serra da Mocidade e as Corredeiras do
Bem-Querer.

O Parque Nacional do Viruá é marcado por um grande mosaico de campinaranas, que se


alternam em formações abertas e florestais, acentuado por enorme heterogeneidade
ambiental, que resulta em uma elevada biodiversidade que atrai estudos para esse tipo de
ecossistema. Localizado a 190 km de Boa Vista, sentido BR 174 Sul, o parque conta com
estrutura básica para receber pessoas de todas as faixas etárias e para diversas atividades,
como o camping por exemplo. Entre os atrativos estão a Passarela da Samaúma e o
Mirante da Serra, que permitem uma visão panorâmica da paisagem. A distância entre o
parque e a cidade de Caracaraí é de aproximadamente 50 km.

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O Parque Nacional Serra da Mocidade tem esse nome dado pelos pioneiros que
mencionavam as dificuldades para subir as montanhas da região, que alegavam que só
poderia ser realizado por quem estivesse no “vigor da mocidade”. É uma região de grande
diversidade biológica da Amazônia, caracterizada por uma zona de transição entre dois
biomas distintos. O parque tem como objetivo principal a preservação desse ecossistema
natural, possibilitar a realização de pesquisas científicas e promover o desenvolvimento de
atividades de educação e turismo ecológico.

Já as Corredeiras do Bem-Querer, tema central deste trabalho, foi um dia tão protegida
quanto o Viruá e a Serra da Mocidade, quando foi tombada pela Emenda Constitucional nº
021, de 06 de maio de 2008. Todavia, atualmente prevalece sobre a região interesses
políticos para a construção de uma hidrelétrica que provocará a perda dos bens
arqueológicos contidos no local e a destruição da paisagem e ecossistema natural. Diante
disso, o trabalho foca a partir de agora em abordar o patrimônio arqueológico e natural de
Caracaraí, delimitado pelas Corredeiras do Bem-Querer, a fim de apontar sua importância, o
risco que sofre e as medidas cabíveis para a proteção do mesmo.

A paisagem como bem patrimonial e seu risco de extinção

De acordo com RIBEIRO (2007), em 1937 foram criados quatro livros do tombo como
instrumento legal de tombamento para o Serviço do Patrimônio Histórico de Artístico
Nacional (SPHAN), sendo eles: o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo de Belas
Artes; o Livro do Tombo das Artes Aplicadas; e o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico. Este último demarcou a relevância que os bens de natureza paisagística e
arqueológica tiveram como patrimônio nacional.

As Corredeiras de Bem-Querer se enquadram nesse último caso, por seu teor arqueológico
e paisagístico. No local, é possível encontrar centenas de vestígios impressos nas rochas
banhadas pelo rio, marcadas por bacias de polimento que caracterizam depressões sobre a
rocha, realizadas pelo homem para elaborar instrumentos em pedra polida, bem como
peças cerâmicas e gravuras de pigmento avermelhado (Figura 1) (Figura 2).

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Figura 1 – Placa IPHAN em Bem Querer.

Fonte: Angélica Triani

Figura 2: Bacias de polimento e peças cerâmicas.

(b)

Fonte: Acervo do IPHAN, foto por Jaime de Santana.

(b)
“A julgar pela quantidade de vestígios existentes na beira d’água, estima-se que
deve ter sido um local de ocupação contínua e prolongada” (DIAS; CAMPOS, 2016). Tal
evidência possibilita um amplo leque de estudos sobre a civilização que habitou a região,
bem como seus costumes, crenças e cultura. É uma riqueza única para os registros

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históricos de Roraima, além do privilégio de poder encontrar tantos resquícios que, muitas
vezes, não são comuns em outras regiões.

Contudo, o local vem sofrendo com ações humanas que negligenciam o artigo 3º da Lei nº
3.924/61, uma vez que

Artigo 3º - São proibidos em todo território nacional o aproveitamento


econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas
arqueológicas ou pré-históricas [...], antes de serem devidamente
pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas.
(BRASÍLIA, 1961).

Isso porque o bem conta com a presença de um bar-restaurante cujos fregueses não tomam
os devidos cuidados com a região. Sob parecer técnico do IPHAN, foram constatadas áreas
de desmatamento, escavações e despejo de lixo que, além de prejudicarem a flora local,
removem, danificam ou destroem vestígios cerâmicos dos seus locais de origem (Figura 3).
Essa atividade configura-se como crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de
acordo com o disposto na legislação penal, segundo o artigo 5º da Lei nº 3.924/61.

Figura 3 – Impactos ambientais promovidos pela utilização irresponsável do espaço.

Fonte: Acervo do IPHAN, foto por Jaime de Santana.

Mesmo diante do risco de punição, a concretização da mesma é falha sobre os bens


naturais. Prova máxima é a intenção de construir uma hidrelétrica na região, que provocaria
o desaparecimento desse patrimônio tão rico e único. Todavia, a existência de uma
mobilização local denominada “Movimento Puraké” visa sensibilizar e incitar a população a
trabalhar pela proteção de Bem-Querer.

Segundo DIAS; CAMPOS (2016), o Movimento Puraké afirma que a construção do lago da
hidrelétrica alagaria uma região de aproximadamente 560 km², além de atingir cinco
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municípios circundantes: Iracema, Mucajaí, Boa Vista, Cantá e Bonfim. Não obstante,
resultaria no alagamento de um trecho da BR-174 e da estrada Perimetral Norte. O prejuízo
seria enorme em propriedades rurais às margens do rio e nas praias, além de prejudicar a
sobrevivência da fauna local e dizimar as evidências arqueológicas.

Roraima enfrenta uma crise energética e entende-se a necessidade de solucionar esse


problema. Contudo, existem outros meios menos agressivos e mais sustentáveis, como as
energias renováveis. Localizado na zona tropical do planeta, o estado apresenta grande
potencial para o desenvolvimento de usinas de energia solar, que complementariam as
termoelétricas já existentes.

A Recomendação de Paris de 1962 e sua relação com as


Corredeiras do Bem-Querer

A Carta de Recomendação de Paris de 1962 foi criada durante a Conferência Geral da


Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, reunida em Paris, de
9 à 12 de novembro de 1962, em sua décima segunda sessão. Nela são dispostas uma
série de considerações e recomendações em relação a preservação e salvaguarda dos
bens patrimoniais naturais.

A primeira consideração do documento é de que o homem submete as paisagens e os sítios


a atentados que empobrecem o patrimônio cultural, estético e até mesmo vital de regiões
inteiras. Esse ponto se correlaciona diretamente com a duas situações pela qual Bem-
Querer enfrenta e que foram apresentadas anteriormente: o desmatamento e o despejo de
lixo no local e o risco da construção de uma hidrelétrica na região.

Com análise sobre isso e diante de outras ideias apresentadas pela Recomendação de
Paris de 1962, como a de que a ação do homem não repercute apenas no valor estético,
cultural e vital da paisagem, mas também no interesse científico oferecido pela vida
selvagem, torna-se cabível a aplicação das diretrizes dispostas nesse documento para a
salvaguarda das Corredeiras do Bem-Querer.

Para isso, o documento assegura que

As medidas preventivas para a salvaguarda das paisagens e dos sítios


deveriam visar a protegê-los dos perigos que os ameaçam. Essas medidas
deveriam consistir essencialmente no controle dos trabalhos e atividades
susceptíveis de causar dano às paisagens e os sítios e, especialmente, de:

a) Construção de edifícios públicos e privados de qualquer natureza. Seus


projetos deveriam ser concebidos de modo a respeitar determinadas
exigências estéticas relativas ao próprio edifício e, evitando cair na

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imitação gratuita de certas formas tradicionais e pinturescas, deveriam
estar em harmonia com a ambiência que se deseja salvaguardar.

b) Construção de estradas.

c) Linhas de eletricidade de alta ou baixa tensão, instalações de produção


e de transporte de energia, aeródromos, estações de rádio, de
televisão, etc.

d) Construção de auto-serviços para distribuição dos combustíveis.

e) Cartazes publicitários e anúncios luminosos.

f) Desmatamento, incluindo destruição de árvores que contribuem para a


estética da paisagem, particularmente as que margeiam as vias de
comunicação ou as avenidas.

g) Poluição do ar e da água.

h) Exploração de minas e pedreiras e evacuação de seus resíduos.

i) Captação de nascentes, trabalhos de irrigação, barragens, canais,


aquedutos, regularização dos cursos de água, etc.

j) Campismo.

k) Depósitos de material e de matérias usadas, assim como detritos e


dejetos domésticos, comerciais ou industriais. (Recomendação de
Paris, 1962, p. 3)

Dentre as atividades susceptíveis de causar dano abordadas pela Carta, a de letra F e K


são as principais atuantes nas Corredeiras do Bem-Querer. Para combater isso, é
importante adotar as medidas de salvaguarda apontadas pelo documento, que são:

a) Controle geral por parte das autoridades competentes.

b) Inserção de restrições nos planos de urbanização e no planejamento em todos os


níveis: regionais, rurais ou urbanos.

c) Proteção legal por zonas, das paisagens extensas.

d) Proteção legal dos sítios isolados.

e) Criação da manutenção de reservas naturais e parques nacionais.

f) Aquisição de sítios pelas coletividades públicas.

Além do controle geral por parte das autoridades competentes, a opção de letra E é a mais
interessante para o caso de Bem-Querer. Assim como os outros atrativos naturais de
Caracaraí, como o Viruá e a Serra da Mocidade, Bem-Querer poderia ser transformado em

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um Parque Nacional que visasse o turismo ecológico de maneira segura e responsável, sem
degradar ou por em risco o bem natural. “Esses parques nacionais e reservas naturais
deveriam formar um conjunto de zonas experimentais destinadas também às pesquisas
sobre a formação e a restauração da paisagem e à proteção da natureza” (Recomendação
de Paris, 1962).

Outra medida muito relevante é a educação patrimonial, que “deveria ser empreendida
dentro e fora das escolas para despertar e desenvolver o respeito público pelas paisagens e
sítios e para tornar mais conhecidas as normas editadas para garantir sua salvaguarda”
(Recomendação de Paris, 1962). Assim, seria possível despertar na população um
sentimento de dever para com o bem, a fim de respeitá-lo e preservá-lo, além de considera-
lo importante agente cultural na formação do homem e sua identidade.

A Carta de Lausanne e sua relação com as Corredeiras do Bem-


Querer

A carta de Lausanne data de 1990 e é um documento responsável por abordar conceitos e


meios de proteção acerca do patrimônio arqueológico. Bem-Querer associa-se a essa carta
uma vez que apresenta bacias de polimento e resquícios cerâmicos que evidenciam
longínquas atividades humanas naquele território.

O patrimônio arqueológico constitui testemunho essencial sobre as


atividades humanas do passado. Sua proteção e gerenciamento são,
portanto, indispensáveis para permitir aos arqueólogos e outros cientistas
estudá-lo e interpretá-lo, em nome das gerações presentes e a vir, e para
seu usufruto (Carta de Lausanne, 1990).

Por esse motivo, é imprescindível a proteção dos bens arqueológicos de Bem-Querer, que
ainda precisam ser mais estudados e pesquisados para decifrar e registrar parte da história
do povoamento em Roraima. Essa história é conhecida desde meados do século XVIII, mas
faltam informações acerca de períodos anteriores a este, e são os vestígios encontrados em
Bem-Querer uma importante ferramenta para abrir caminho nessa investigação. “É
amplamente aceito que o conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades
humanas é de fundamental importância para a humanidade inteira, permitindo-lhe identificar
suas raízes culturais e sociais” (Carta de Lausanne, 1990).

Para isso, a proteção do patrimônio arqueológico deve ser fundada em uma análise
multidisciplinar, composta por uma equipe de especialistas com arquitetos, historiadores,
antropólogos, arqueólogos e outros profissionais de diferentes disciplinas. Políticas de

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conservação integrada devem ser criadas a fim de prever a criação de reservas
arqueológicas, o que pode ser feito em Bem-Querer.

Ao mesmo tempo que um espaço dessa paisagem de Caracaraí pode ser voltada para o
turismo ecológico, os locais onde houver vestígios arqueológicos podem ser resguardados
por meio de reservas para salvaguarda e estudo. Assim, podem ser feitos inventários que
registrem e documentem os bens encontrados na região, de maneira que:

A proteção do patrimônio arqueológico deve fundar-se no conhecimento, o


mais completo possível, de sua existência, extensão e natureza. Os
inventários gerais de potencial arqueológico constituem, assim,
instrumentos de trabalho essenciais para elaborar estratégias de proteção
ao patrimônio arqueológico. Por conseguinte, o inventário deve ser uma
obrigação fundamental na proteção e gestão do patrimônio arqueológico
(Carta de Lausanne, 1990)

Por fim, o sítio arqueológico de Bem-Querer também pode ser apresentado à população a
fim de despertar o interesse pela história dos seus antepassados e promover uma
consciência social a respeito da importância desse bem para a construção da identidade de
um povo, para que assim se compreenda a relevância de preservar e proteger esse
patrimônio. “A apresentação do patrimônio arqueológico ao grande público é um meio de
fazê-lo ascender ao conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades
modernas” (Carta de Lausanne, 1990).

As potencialidades de Bem-Querer

As Corredeiras de Bem-Querer representam beleza única de Roraima, com potencial para o


desenvolvimento de diversas atividades que, se realizadas de maneira consciente e
educativa, resultariam no aproveitamento e valorização da região. A mais importante delas é
o turismo arqueológico que, muito bem defendido por DIAS; CAMPOS (2016), afirma

Esse tipo de turismo permite ao turista um contato direto com vestígios


remanescentes de sociedades históricas e pré-históricas, agregando valor
cultural à população de maneira geral. Os monumentos arqueológicos são
testemunhos da vida passada de um povo. Em torno deles se formam
lendas e histórias que resistiram ao tempo contando a aventura do homem
na terra no decorrer de milhares de anos. Esses monumentos
desempenham um papel importante na reconstrução do passado dos povos
e das raças (SCATAMACCHIA apud DIAS; CAMPOS, 2016).

Essa atividade se caracteriza como a principal, pois, a partir dela, pode-se desenvolver uma
consciência cultural com a população local, bem como os visitantes de outras regiões, a fim
de repassar a história de seus antepassados e difundir a ciência de que esse bem precisa

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ser cuidado e preservado. A existência de estabelecimentos como o restaurante, por
exemplo, por si só não promove esse pensamento, além de contribuir para a utilização
irresponsável da área, provocando sua degradação e destruição dos vestígios.

Logo, com a aplicação do turismo arqueológico, demais exercícios podem ser desenvolvidos
na área, sob a observância de se manterem afastados dos locais que carregam evidências
históricas. Um deles é o turismo ecológico, uma vez que a região permite a prática de pesca
esportiva, caiaque, canoagem, banho ou simplesmente a contemplação da natureza (Figura
4).

Por fim e tão importante quanto as demais, a área apresenta grande potencial para o
desenvolvimento de pesquisas científicas que explorem as propriedades de sua rica fauna e
flora. A biodiversidade da região é de caráter único do estado de Roraima, e pode contribuir
no desenvolvimento de novos produtos e remédios que assistam as necessidades da
população em geral.

Figura 4 – Foto panorâmica das Corredeiras de Bem-Querer.

Fonte: Angélica Triani.

Considerações finais

A proteção das Corredeiras de Bem-Querer se faz imprescindível diante das políticas de


“modernização” promovidas no Estado, que, na verdade, escondem uma série de
problemáticas negativamente impactantes para o meio ambiente e para a vida social da
comunidade. A fim de defender seu bem patrimonial, sua história e sua sobrevivência, a
população necessita, com urgência, se pôr à defesa dessa área e assegurar sua
permanência.
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Ademais, o desenvolvimento das atividades turísticas em Bem-Querer pode ser um eficiente
recurso para promover a conservação e preservação da região, quando bem antecedidas de
uma boa política que normative os usos do espaço, de maneira que não prejudique a
natureza ou destrua seus vestígios históricos. A atuação do IPHAN, dos gestores, dos
órgãos de proteção ambiental e dos pesquisadores, junto à comunidade, se faz
imprescindível para esse processo. Como consequência, têm-se a geração de novos
empregos, a circulação monetária, a valorização do espaço, o resgate histórico da
população local e a sobrevivência desse bem natural e cultural, tão rico e exclusivo do
Estado.

Referências

BERNARDES, Kykah; CAVALCANTI, Lauro (Orgs). Sérgio Bernardes. Rio de Janeiro:


Artviva Editora, 2010.

BRASÍLIA. Lei nº 3.924 de julho de 1961. Disponível em:


<http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Lei_3924_de_26_de_julho_de_1961.pdf>.
Acesso em 12 jun. 2019.

DIAS, Ana Paula Reis Santos. Caracaraí-RR: O rio e a cidade – uma paisagem modificada.
2017. 81 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-graduação em
Geografia, Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, 2017.

DIAS, Mariana; CAMPOS, Raul Ivan R. de. O turismo arqueológico no estado de


Roraima – Brasil: perspectivas e possibilidades. Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n.
20 (junho 2016). Disponível em: <http://www.eumed.net/rev/turydes/20/roraima.html>.
Acesso em: 8 jul. 2019.

FAVRETO, Cristiane B. O cancelamento de bens tombados: um estudo sobre as


Corredeiras do Bem-Querer. In: XXVIII Simpósio Nacional de História. 2015, Florianópolis.
Disponível em:
<http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1433865132_ARQUIVO_Textocompleto
.pdf>. Acesso em 10 jun. 2019.

IBGE. Caracaraí. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/caracarai/panorama>.


Acesso em 03 ago. 2019.

IPHAN. Recomendação de Paris de 1962. Disponível em: <


http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20de%20Paris%20196
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IPHAN. Carta de Lausanne de 1990. Disponível em: <
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Lausanne%201990.pdf>
. Acesso em 22 set. 2021.

MANIFESTO PURAKÉ. Movimento Puraké. Roraima, 28 ago 2012. Disponível em:


<https://purake.milharal.org/2012/08/28/manifesto/#comment-8>. Acesso em

NASCIMENTO, Claudia H. C.; RAMALHO, Paulina O.; FURO, Arleisson F. P.; OLIVEIRA,
Leonardo R. Caracaraí e o olhar de Sergio Bernardes sobre Roraima. In: III Seminário de
Arquitetura Moderna da Amazônia, 2018, Belém.

RIBEIRO, Rafael W. Paisagem cultural de patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC,


2007.

RORAIMA. Superintendência do IPHAN em Roraima. Parecer técnico nº 23/2018/DIVTEC


IPHAN-RR/IPHAN-RR. Boa Vista, 20 abr. 2018.

SILVA, Leslie O. da A.; SIQUEIRA, Poliana P. COSTA, Graciete G. Sergio Bernardes em


Boa Vista. In: III Seminário de Arquitetura Moderna da Amazônia, 2018, Belém.

SOUZA, Graciléia Santana Olívio. A história da formação territorial de Caracaraí (1904 à


2013). 94 F TCC (Trabalho de conclusão de curso) UERR, Boa Vista, 2017.

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EIXO TEMÁTICO 3

O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO: o estudo da Igreja do Espírito


Santo do Cerrado e as bases para um adequado projeto de
segurança contra incêndio

CRISTALDO, PETER PEIXOTO (1); CUNHA, CLAUDIA DOS REIS E (2)

1. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


Campus Santa Mônica - Bloco 1I - Sala 234
Av. João Naves de Ávila, 2121 - Uberlândia, Minas Gerais
E-mail: petercristaldo@yahoo.com.br

2. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


Campus Santa Mônica - Bloco 1I - Sala 234
Av. João Naves de Ávila, 2121 - Uberlândia, Minas Gerais
E-mail: claudiareis@ufu.br
RESUMO

No ano em que Lina Bo Bardi recebe o Leão de Ouro Especial na 17ª Mostra Internacional de
Arquitetura da Bienal de Veneza, prêmio póstumo concedido pelo conjunto de sua obra, este artigo
propõe o estudo da Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia/MG, em seus aspectos
históricos, formais e simbólicos aliados à análise do estado de conservação e levantamento de risco a
incêndios, tema importante frente às recentes perdas do patrimônio cultural edificado brasileiro.
Entende-se que – como documento histórico e artístico – a própria edificação deve ser atenta e
pormenorizadamente analisada de modo a se garantir a adequada conservação e transmissão ao
futuro deste relevante bem cultural da cidade de Uberlândia. O significado e a singularidade que
representam a realização construtiva da igreja e a importância da atuação de Lina Bo Bardi no
cenário nacional no período de sua construção enumeram os critérios para seu tombamento,
decretado pelo IEPHA em 1997 após extensas articulações. Fundamental nas ações de tutela e
salvaguarda, a atual normativa de prevenção e combate a incêndios do Estado de Minas Gerais
adota critérios que muitas vezes não levam em conta a diversidade e a especificidade de cada
edifício, e por vezes tais parâmetros são conflitantes com proposições que visam sua preservação
enquanto documentos históricos e objetos arquitetônicos portadores de valor artístico. Dessa forma, o
que se pretende com este trabalho é contribuir com o amplo debate entre prevenir e preservar,
considerando os riscos e exposições ao fenômeno do fogo e, ao mesmo tempo, a adequada
conservação dos elementos que motivaram a preservação e acautelamento do bem cultural.
Considera-se que a compreensão do bem cultural, em sua realidade atual e em seu devir histórico,
como documento de si mesmo, deva ensejar uma atuação que ultrapasse a generalidade da
normativa e, dessa forma, contribua na elaboração de um projeto de segurança contra incêndio para
a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia/MG, pautado em princípios de intervenção que
respeitem a unidade construtiva e evolutiva do templo, garantindo a manutenção dos valores
históricos, artísticos, culturais e sociais materializados nas soluções projetuais simples e vernaculares
propostas por Lina.

Palavras-chave: Igreja do Espírito Santo do Cerrado; Lina Bo Bardi; segurança contra incêndios em
bens culturais; prevenção; preservação

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Introdução

Ao abordar o patrimônio arquitetônico moderno e sua exposição ao risco de incêndio,


observa-se que exemplares outrora pensados e estruturados no espírito de vanguarda do
século XX já não cumprem seu papel frente às atuais projeções em segurança, seja através
do lapso temporal entre sua concepção e as recentes publicações no campo normativo, seja
pela função primária pensada nesses edifícios à época de sua construção, alheia às novas
demandas de evacuação, prevenção de riscos e à incorporação de novos sistemas e
recursos de prevenção e combate ao fogo. Assim, observam-se hoje intervenções e
adaptações descaracterizantes na proposição de medidas de segurança nesses edifícios
por vezes sem o prévio estudo e integração do bem. Vale ressaltar que as adaptações
inerentes à mudança de uso e destinação originais, bem como ampliações, fomentam ainda
mais as variáveis de descaracterização neste âmbito.

Ainda na esfera da proteção contra incêndios têm-se a tensão entre preservar a integridade
construtiva desses exemplares e garantir índices mínimos de segurança com a incorporação
eficiente de equipamentos e sistemas preventivos. A título de exemplo, o incêndio que
atingiu o Museu de Arte Moderna no Rio em 1978 constituiu catástrofe sem precedentes1,
onde muito se perdeu do monumento e do seu acervo. Como caso isolado, amplifica a
discussão frente ao poder destrutivo de incêndios nessas edificações, por mais que sejam
edificadas em materiais retardantes ao fogo como o concreto armado. Por outro lado, a
negligência dessa abordagem pode dar espaço a fatores de degradação de proporções
ainda maiores.

Em contrapartida, o campo normativo de segurança contra incêndio em Minas Gerais não


contempla uma interpelação efetiva de conservação do patrimônio edificado, tão rico e
diverso no Estado. Nesse sentido o único caderno disponível para balisar intervenções de
prevenção e combate a incêndio em preexistências é a Instrução Técnica n.º 35, do Corpo
de Bombeiros Militar de Minas Gerais. A referida norma, que versa sobre a "Segurança
contra Incêndio em Edificações que compõem o Patrimônio Cultural" e enumera os atributos
mínimos necessários à obtenção do Auto de Vistoria nesses edifícios permeia um campo de
análise linear e genérico do ponto de vista metodológico, onde os fatores de segurança e a
exposição ao risco de incêndio tendem a unificar uma gama distinta de tipologias
arquitetônicas.

1
Investigações apontaram um curto-circuito como a origem mais provável do incêndio. Além da completa
destruição dos componentes modulares internos ao edifício, o fogo consumiu importantes obras de Matisse, Dalí,
Picasso, Miró, Klee, Magrite e Portinari, bem como oitenta telas do artista uruguaio Torres García - destruição
quase que integral da sua obra.
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Os pormenores construtivos e o distanciamento temporal de cada edifício histórico implicam
no desafio de propor diretrizes condizentes com sua historicidade e seus aspectos artísticos
e representativos, onde não se trata somente da integração de requisitos e medidas de
segurança que mitiguem os princípios de incêndio ou potencializem seu combate sob uma
ótica equitativa e análoga de proposições, como apontam as seções da citada Instrução
Técnica, mas que considerem as já citadas distinções e particularidades formais,
construtivas, de uso e ocupação. "Tais medidas podem não ser suficientes para garantir a
proteção da edificação que abriga o patrimônio, seja este histórico, artístico ou cultural, em
função de suas características muito específicas." (Ono, 2004, p. 3).

O enfoque na Igreja do Espírito Santo serve-nos como oportunidade para conceber soluções
menos prescritivas e mais assertivas de prevenção a incêndios e reforça a importância do
entendimento e abordagem desse exemplar como documento histórico a ser preservado,
com o objetivo de estruturar meios preventivos que possibilitem segurança ao patrimônio e à
vida sem descaracterizar sua unidade construtiva.

Através de um percurso analítico ora sensível, ora empírico, traçam-se os panoramas


histórico, formal e do estado de conservação da igreja, com breve análise das iniciativas que
possibilitaram sua construção, além do seu alcance cultural e abrangência social. Pretende-
se assim discorrer sobre seus aspectos estéticos e construtivos ao analisar a arquitetura do
conjunto edificado, através da implantação dos volumes, da escolha dos materiais e das
qualidades de projeto. Esses fatores incorporam ao conjunto os princípios fundamentais que
caracterizam, num recorte temporal, a fase da carreira de Lina que simboliza sua profunda
conexão com a memória cultural brasileira.

Elaborar este estudo analítico da igreja a partir dos eixos citados possibilita uma
compreensão mais profunda do objeto de pesquisa, necessária à integração projetual de
segurança contra incêndio. Entende-se que nesta acepção:

É necessário o entendimento das questões referentes à segurança contra


incêndio como uma abordagem de conservação do patrimônio histórico
edificado, uma vez que possibilita a garantia da longevidade destes bens
culturais por meio de intervenções conscientes e manutenção adequada
aliado ao conhecimento dos riscos de incêndio e formas de proteção, e visa
não somente a preservação do patrimônio em si, mas a continuidade de
diversas práticas sociais culturais e econômicas para as gerações futuras.
(Serpa, 2009, p. 2).

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O Projeto

Em 1976, o Frei Egídio Parisi pediu a Lina Bo Bardi um projeto para a construção da igreja
em Uberlândia. No primeiro contato entre o Frei franciscano da O.F.M2 e a arquiteta houve a
recusa de Lina. Segundo a arquiteta, sua iniciativa incorreria no risco de ser desfigurada
pela instituição religiosa. Lazzarin aponta em sua dissertação os relatos de Edmar de
Almeida a esse respeito, que elucidam um pouco mais o interesse do Frei italiano pelo
projeto e recusa inicial de Lina:

Segundo relatos de Edmar, o histórico profissional da arquiteta, conhecido


por Frei Egídio, o move em esforços para que ela fosse a autora daquela que
viria a ser uma grande realização social e cultural da igreja. Alguns fatores
são analisados hoje por Edmar como justificativa à recusa inicial de Lina ao
convite: A arquiteta possuía conhecimento histórico sobre a Igreja Católica -
foi criada próximo ao Vaticano - e posicionava-se criticamente a ela; nunca
havia construído um edifício religioso; manifestou temer a doação do projeto e
este não ser considerado em sua totalidade ou sofrer problemas de gestão.
(Lazzarin, 2015, p. 27-28).

Uma nova solicitação foi feita, dessa vez intermediada pelo artista plástico Edmar de
Almeida, sob a alegação de que o projeto teria um forte apelo popular e que através de
recursos de organizações católicas poderia ser realizado. A ideia foi acolhida e o projeto
arquitetônico da Igreja do Espírito Santo do Cerrado foi então desenvolvido por Lina com a
colaboração dos arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz. Os parâmetros são definidos a
partir "da ideia das primeiras igrejas do cristianismo, muitas delas de forma circular, onde a
celebração da missa era feita com o sacerdote de frente e não de costas para a
assembleia." (Almeida, 2015, p. 20). Sua definição arquitetônica é de um espaço simples,
implantada em terreno em desnível no bairro Jaraguá, de propriedade dos franciscanos.
Com aporte financeiro da organização católica alemã Adveniat e também por doações, foi
executada por equipe local desde as alvenarias até o arcabouço estrutural em madeira da
cobertura, com aroeiras extraídas do Sítio Santo Antônio e de florestas da cidade de
Canápolis. A comunidade exerceu papel preponderante neste processo através dos
mutirões e têm-se no projeto e na execução da igreja forte apelo popular, ato marcante na
carreira da arquiteta, que diante de uma concepção social e cultural, define:

A igreja foi construída por crianças, mulheres, pais de família, em pleno


cerrado. Construída com materiais muito pobres, coisas recebidas de
presente, em esmolas. É tudo dado. Mas não no sentido paternalista, mas
com astúcia, de como se pode chegar a coisas com meio muito simples. O
que houve de mais importante na construção da Igreja do Espírito Santo, foi a
possibilidade de um trabalho conjunto entre arquiteto e mão de obra. (Bardi,
1999).

2
Ordem dos Frades Menores, conhecida por Ordem Franciscana e fundada por São Francisco de Assis.
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Para Bardi a arquitetura deve destinar-se ao povo como instrumento fundamental de
aprimoramento projetual:

O reexame da história recente do país se impõe. O balanço da civilização


brasileira "popular" é necessário, mesmo se pobre à luz da alta cultura. Este
balanço não é o balanço do Folclore, sempre paternalisticamente amparado
pela cultura elevada, é o balanço "visto do outro lado", o balanço participante.
(Bardi, 2008, p. 210).

Lançando mão das potencialidades do terreno e seus declives, adaptou o partido da planta
para se adequar à topografia, onde cria quatro platôs com setorizações definidas: capela e
campanário, residência para três religiosas, salão de reuniões e campinho de futebol,
preocupando-se em implantar a capela e o campanário no platô mais alto. No programa de
necessidades observa-se o evidente aspecto social a partir de um conjunto edificado
destinado não somente ao culto religioso, mas à convivência, lazer e interação da
população. A implantação dos blocos nos platôs e as formas circulares dos edifícios
assemelham-se a uma engrenagem harmônica e funcional. As soluções construtivas
"aludem aos materiais da região, representando através da arquitetura, a cultura popular,
uma produção característica do lugar e do povo miscigenado do cerrado mineiro." (Silva e
Teixeira, 2014, p. 2).

Figura 1: Planta baixa da Igreja do Espírito Santo do Cerrado. Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e
P. M. Bardi.

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Figura 2: Maquete da capela e elevação do conjunto à Avenida dos Mognos. Fonte: Acervo
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.

Os materiais para a construção são os mais assimiláveis ao contexto local, com o que há
disponível na região do Triângulo Mineiro: Os tijolos maciços aparentes advindos das
cerâmicas de Monte Carmelo, as aroeiras do Sítio Santo Antônio e de Canápolis, as pedras
portuguesas do piso extraídas na região de Uberlândia e Araguari. São os materiais
escolhidos pela arquiteta e comunidade, integrados ao concreto aparente do arrimo e pórtico
de acesso à nave da capela.

Lina destaca o trabalho conjunto como o que há de mais importante na experiência projetual
e construtiva da Igreja do Espírito Santo. Longe do escritório, a produtiva proximidade com a
comunidade e equipe possibilitou o desabrochar de uma flor no cerrado3, ainda que a lacuna
das obras artísticas e integradas permaneça em aberto.

A Capela. Espaço simbólico de culto

O espaço destinado à capela foi concebido como ambiente unificado, com cobertura e
pilares de madeira aparentes. A volumetria circular proposta por Lina evidencia um conceito
metafórico, onde "o símbolo evidencia aqui seu alcance social e místico ao mesmo tempo."

3
A definição poética de Edmar de Almeida para a Igreja do Espírito Santo do Cerrado.
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(Chevalier e Gheerbrant, 1991, p. 250). O círculo como símbolo democrático, ecumênico,
universal. O altar é separado da área da sacristia por parede de alvenaria e o nível é mais
alto em relação ao piso da nave. No sentido oposto encontra-se a porta de entrada da
capela, em madeira treliçada, sob pórtico em concreto armado e alvenaria. A iluminação
natural do altar é possibilitada pelo triângulo demarcado em uma das águas do telhado, em
telhas de vidro, o qual concede um contraste com a penumbra da nave da igreja e promove
sua exaltação. "O triângulo simboliza a divindade, a harmonia e a proporção e pode ter sido
também uma alusão à representação da Santíssima Trindade." (Ibid, 1991, p. 903). O
telhado estrutura-se a partir de um hexágono regular, que distribui a sua carga no círculo
circunscrito pela parede de alvenaria.

No projeto inicial foram previstas aberturas ao longo da igreja com fechamento em


pequenos blocos de vidro coloridos, uma alusão lúdica aos óculos e seteiras das igrejas
mineiras, que não foram executados. Paradoxalmente Lina Bo Bardi transmite diferentes
sensações ao usuário da capela com recursos projetuais muito simples mas que
apresentam uma complexidade em sua composição.

A capela é o maior dos três volumes, com área útil de 289,5 metros quadrados, e possui um
raio interno de 9,6 metros. O pé direito varia de 4,3 metros no perímetro demarcado pela
alvenaria a 8,3 metros no ponto mais alto do telhado.

As celas. Da função original ao desconexo museu de arte sacra

Na residência das Irmãs Clarissas, os espaços foram projetados com as dimensões


mínimas necessárias para o desempenho das funções. Os ambientes denominados por Lina
como "celas" ou dormitório das religiosas são voltados para um pátio interno com raio de 3,2
metros, dotado de atmosfera introspectiva e isolado do meio externo. É possível que a
forma, dimensões e disposição dos ambientes esteja associada aos princípios de vida da
Ordem das Clarissas4.

Com a apropriação da igreja pelos padres seculares5, as visões de utilização do espaço não
encontram-se alinhadas aos conceitos da Ordem Franciscana e aos anseios pensados por
Lina e sua equipe para o local, com a inserção de artefatos e paramentos sacros do Santo
Ofício6 e alterações de uso e ocupação dos ambientes internos. Observação importante é
que um dos requisitos do aporte financeiro doado pela Fundação Adveniat era a utilização

4
Pertencente à Segunda Ordem Franciscana, é uma ordem religiosa católica feminina de caráter contemplativo
e adoção ao regime de clausura monástica.
5
A igreja foi doada à Cúria Arquidiocesana de Uberlândia em 1982.
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do espaço das celas como morada das irmãs, que exerceriam junto aos paroquianos
atividades de catequização. Entretanto, as celas são utilizadas hoje como um museu de arte
sacra desconexo, alheio aos princípios basilares da Igreja do Espírito Santo do Cerrado.

Intervenções realizadas pela Cúria Arquidiocesana de Uberlândia modificaram as


características dos ambientes internos, sobretudo nas alvenarias. Uma das alterações foi a
aplicação de reboco e pintura sobre os planos curvos de tijolo cerâmico, ocultando a
materialidade e verdade material pensadas por Lina.

O salão. Dos terreiros e ocas indígenas ao centro comunitário

Implantado na Avenida do Ipês, o salão exerce função primordial junto à comunidade, como
espaço de encontro, reuniões, oficinas e eventos. Passou por algumas alterações
construtivas, porém a função prevalece. Anteriormente vedado com paliçada a meia altura, a
intervenção foi caracterizada pela remoção desse elemento, substituído por fechamento em
madeiras de eucalipto.

O centro comunitário, assim definido por Lina, está implantado no terceiro platô, em cota
mais baixa em referência à capela, porém a ela conectado pelas circulações verticais no
afastamento frontal. Foi pensado como um espaço metafórico em alusão às ocas indígenas,
simbólico, com piso em chão batido, o contato com a terra, posteriormente revestido pelo
cimento queimado como elemento de piso, mesmo material de acabamento do quiosque.

A planta é livre, estruturada por oito pilares de madeira que compõem os vértices de um
octógono, cada face com dimensão média de 5,0 metros. A área construída é de 130,0
metros quadrados, com cobertura em telhas cerâmicas de capa e canal inseridas em oito
planos triangulares.

Uso, conservação e adaptações

Os desafios de conservação da igreja se alinham com as dificuldades relativas à


preservação de outros bens imóveis e estruturas arquitetônicas tutelados nas esferas
municipal e estadual. Frente à dinâmica de adaptações inerentes à ocupação do edifício
pelos padres seculares, observam-se ações por vezes conflitantes com os valores da igreja
como bem cultural. É salutar o reconhecimento simbólico e material da igreja e o respeito à
sua transmissão como ideia e construção de um importante marco cultural. Nela propor
qualquer intervenção sem antes avaliar de forma crítica sua materialidade e legado pode

6
Consagrada ao Espírito Santo, a igreja não deveria ter vestígios do "Santo Ofício", a exemplo da via-crúcis ou
imagens de Cristo crucificado.
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implicar em desnaturá-la do ponto de vista histórico e estético, ocasionando graves e
irreversíveis danos. São compreensíveis as possibilidades de adaptação e uso na transição
da Ordem Franciscana à Diocese de Uberlândia, porém é essencial o equilíbrio entre ações
que integrem conservação e adequação.

O mesmo raciocínio - equilíbrio entre ações que integrem conservação e adequação - deve
ser levado em conta quanto aos ajustes suscitados por exigências mais recentes, como
acessibilidade, conforto ambiental e segurança contra incêndio.

A fruição da Igreja do Espírito Santo compreende não só a manutenção de suas


características formais e estéticas, mas também dos elementos artísticos e integrados
pensados em conjunto no âmbito projetual7. O respeito aos ideais ordenados por Lina,
equipe e comunidade para a conclusão do seu interior é necessário, mesmo diante de um
histórico desfavorável quando tratamos da apropriação do patrimônio cultural edificado pelos
padres seculares, subjetivos e inflexíveis no seu campo de interesses8.

É necessário observar também a deterioração ocasionada pelo fator tempo na edificação,


seja pela ação de intempéries nos elementos construtivos, seja pelo próprio perecimento
determinado pelo passar dos anos. Nesse sentido, é fundamental a construção de
mecanismos de diagnóstico que que possibilitem o mapeamento de patologias para
determinar critérios claros de intervenção. Assim, o levantamento e avaliação do estado de
conservação da igreja constitui importante método.

As patologias podem também estar associadas à forma de apropriação dessas edificações.


Por vezes a destinação pensada no projeto inicial cedeu espaço para novas demandas e
usos, incorrendo em supressões e acréscimos discrepantes, de ordem estética, estrutural e
formal que, não fossem as determinações e diretrizes apontadas pelo IEPHA, já teriam
desfigurado por completo a integridade simbólica e formal da igreja. Aqui reside a
importância do processo de tombamento, pautado no respeito aos princípios projetuais, à
destinação funcional inicial e à importância histórica materializada pelo conjunto edificado.

7
O projeto de arte sacra para o interior da Igreja do Espírito Santo do Cerrado e os temas religiosos
desenvolvidos têm sido definidos por Edmar de Almeida desde 1982 até o presente. A definição dos temas
sacros e a criação dos desenhos tiveram a orientação do teólogo Padre Márcio Gonçalves e aprovação do Bispo
Dom Paulo Francisco. Lina delega a conclusão do interior da igreja ao amigo e artista plástico, como um trabalho
que viria a refletir sua maturação e evolução artística. Assim foram desenvolvidos os temas: O Batismo de Nosso
Senhor Jesus Cristo, A Anunciação à Virgem Maria e O Cântico Gregoriano Veni Creator Spiritus.
8
Caso recente e que suscita o debate foi a pintura dos arrimos em concreto da Igreja, numa tentativa errônea de
suprimir as manchas nesses elementos, mais expostos à umidade e intempéries. No ano de 2018 o pároco
responsável contrariou as diretrizes de intervenção definidas pelo IEPHA e optou pelas pinturas. A
reversibilidade é possível, porém onerosa e danosa a ponto de acelerar possíveis fragmentações das camadas
externas dessas estruturas. O enfrentamento a essa questão suscita um dos maiores desafios na ética de
conservação da igreja.

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A análise e avaliação do estado de conservação pautada na Deliberação Normativa nº.
01/20219 do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural - CONEP - é importante referencial
para a definição dos aspectos de estabilidade e manutenção dos materiais empregados na
igreja e seus desdobramentos no risco a incêndios.

Os elementos construtivos analisados no contexto de potencialização ou mitigação de riscos


foram a estrutura, a cobertura, as alvenarias, os vãos e vedações. Estão diretamente
relacionados ao controle e materiais de acabamento e revestimento, o CMAR, importante
meio preventivo referenciado pela Instrução Técnica n.º 38 do Corpo de Bombeiros Militar
de Minas Gerais. A análise dos elementos construtivos pelo viés do estado de conservação
nos permite identificar condições materiais que, na ocorrência de incêndio, restrinjam a
propagação de fogo e o desenvolvimento de fumaça. Assim, observam-se nos elementos
citados:

 Estrutura: Não foram identificados danos que comprometam a integridade construtiva


da igreja. Os pilares em aroeira encontram-se íntegros, bem como os pilares em
concreto que compõem o arcabouço estrutural do conjunto, as vigas do cintamento e
os arrimos que delimitam e estruturam os patamares de circulação vertical entre os
platôs.

 Cobertura: Na estrutura dos telhados avaliou-se o bom estado de conservação, com


ausência de danos referentes ao ataque de insetos xilofagos ou patologias que
evidenciem problemas estruturais, como peças de apoio seladas ou trincadas por
sobrecarga.

 Alvenarias: Evidenciam pequenos pontos de desintegração dos tijojos nas camadas


mais próximas ao piso, inerentes à exposição do material ao tempo. Devido a
intempéries, apresenta pontos de acúmulo de limo nos segmentos mais suscetíveis
ao contato com umidade e ao acúmulo de águas pluviais, nas linhas de
assentamento mais próximas do piso.

 Vãos e vedações: Nas portas e janelas constituídas em madeira não foram


identificados danos estruturais. Observam-se apenas desgastes exíguos na camada
de verniz, bem como em alguns peitoris de janelas. Nas ferragens que balizam as
circulações verticais verificaram-se pequenos pontos de corrosão que podem ser
corrigidos com calafetação, aplicação de fundo primer e posterior pintura. Na porta

9
Estabelece os conjuntos documentais expressos na Portaria de Orientações Técnicas e Metodológicas do
IEPHA e detalham os atributos dos conjuntos documentais inerentes aos bens tombados.
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de acesso à nave da capela houve o fechamento dos elementos treliçados por
módulos maciços.

Portanto a abordagem acerca dos processos de uso, apropriação e conservação da igreja


torna-se fundamental para sua fruição. Não bastam intervenções paliativas para correções
pontuais e não há espaço para análises sem profundidade nesse campo. A valorização e
respeito aos conceitos formais e funcionais pensados à época de sua construção e a
adoção de mecanismos de diagnóstico em consonância com o edifício são o primeiro passo
para que este seja preservado e transmitido às futuras gerações com segurança. E o projeto
no âmbito da prevenção a incêndios deve ser desenvolvido em atenção e respeito a esses
requisitos.

Segurança contra incêndio. Primeiros passos projetuais para a Igreja do


Espírito Santo do Cerrado

O caminho de análise desenvolvido no presente estudo já levanta algumas premissas, como


a composição material e construtiva do edifício, com ampla utilização da madeira como
elemento estrutural nos pilares e ossaturas da capela e centro comunitário, o fechamento
em eucalipto deste e a composição do piso em tábuas de ipê na antiga residência das Irmãs
Clarissas. Esse dado acende um alerta acerca da carga de incêndio10 no emprego da
madeira, material de elevado potencial calorífico11.

Em contrapartida, outro fator observado inerente à implantação do conjunto edificado no


terreno é a separação dos blocos por espessas paredes em alvenaria, com largura média de
30 centímetros, importante requisito de isolamento de risco e condição necessária à
compartimentação horizontal, bloqueio à propagação lateral de um possível incêndio.

Ainda que enuncie conclusões prévias para a intenção projetual de segurança contra
incêndio na igreja, o produto da análise desenvolvida já aponta para soluções preventivas
passivas, que englobam materiais e medidas que ajudem a aumentar na edificação o tempo
de resistência ao fogo e suas possíveis consequências e evitem que o incêndio se
propague, havendo assim tempo suficiente de evacuação do local pela população. Podem
ser implantadas em detrimento de medidas ativas, como a instalação de hidrantes ou

10
Carga de Incêndio é a soma das energias caloríficas possíveis de serem liberadas pela combustão completa
de todos os materiais combustíveis em um espaço, inclusive o revestimento das paredes, divisórias, pisos e
tetos, dividida pela área de piso do espaço considerado, medida em megajoule por metro quadrado (MJ/m²).
11
O potencial calorífico é definido como a quantidade de energia interna armazenada de uma determinada
substância. A medida dessa energia é feita a partir da combustão, ou queima, de determinado volume dessa
substância em pressão e temperatura constantes.
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sprinklers, a título de exemplo, que podem vir a descaracterizar a integridade estética e
construtiva do bem cultural.

Figura 3: Planta baixa: análise dos fatores de risco (em vermelho) e requisitos de segurança (em
azul) na planta da Igreja do Espírito Santo do Cerrado - Estudo prévio para o projeto de
segurança contra incêndio. Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, modificada pelos
autores (2021).

Os cálculos potenciais de risco de incêndio tomaram como base o "Anexo B" da Instrução
Técnica nº. 35 do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, que aborda a metodologia
de avaliação de risco no âmbito da segurança contra incêndio em edificações que compõem
o Patrimônio Cultural.

O enfoque da metodologia considera a obtenção ideal do coeficiente de segurança mínimo


na edificação, o qual deriva da razão entre o fator de segurança e o risco de incêndio, uma
operação aritmética. A memória de cálculo encontra-se tabulada no "Quadro 1". Nesse
contexto, os fatores de análise a serem considerados são as características construtivas, a
densidade da carga de incêndio, a posição da carga de incêndio, a distância da igreja ao
batalhão do Corpo de Bombeiros mais próximo e o acesso às fachadas para possível
combate e rescaldo do fogo. O coeficiente de segurança mínimo aceitável (min), que visa
balancear medidas facilitadoras e medidas inibidoras de um possível sinistro, é 1 ( = 1).

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Quadro 1: Tabulação dos dados obtidos no Memorial de Avaliação de Risco

MEMÓRIAL DE CÁLCULO DO RISCO - ANÁLISE GLOBAL DE RISCO DE INCÊNDIO


Edificação: Igreja do Espírito Santo do Cerrado - Area construída= 659,33m²
Exposição ao risco de incêndio (Fatores)
Características construtivas Tipo: Q f1 ═ 1,0
Densidade da carga de incêndio (MJ /m²) q ═ 200 f2 ═ 1,1
Altura do compartimento (m) H ═ Ed. térrea f3 ═ 1,0
Profundidade do piso de subsolo (m) S ═ N/C
Distância do CB (Km) 6 < D ≤ 11 f4 ═ 1,6
Condições de acesso Tipo: MUITO DIFICIL f5 ═ 1,9
Risco de Ativação (Fatores)
Natureza da Ocupação (F2) A1 ═ 1,12
Falhas Humanas A2 ═ 1,12
Qualidade das instalações elétricas e de gás A3 ═ 1,25
Risco Global de Incêndio E ═ f1. f2.f3.f4.f5 Valor obtido E: 3,34 R= E x A
E=1,0X1,1X1,0X1,6X1,9
R= 3,34 x 1,4
A ═ A1(A2 ou A3) Valor obtido A: 1,4 Valor obtido R: 4,67
A ═ 1,12 x 1,25
Fatores de Segurança
Fator Valor Calculado
Descrição
Encontrado Proposto
11A. Alarme de incêndio com acionamento manual S1 1,5 1,5
11B. Brigada de incêndio em plantão durante o funcionamento S7 6,0 6,0
11D. Resistência ao fogo ≥ 60 S15 2,0 2,0
11E. Iluminação de emergência S22 1,2 1,2
Fator de Segurança total S ═ S11A x S11B x S11D x S11E Valor 21,6
S ═ 1,5 x 6,0 x 2,0 x 1,2 obtido S:

Coeficiente de segurança Valor 4,62


21,6 / 4,67 obtido ɤ:
Fonte: "Anexo C" da Instrução Técnica n.º 35 do CBM-MG, modificada pelos autores (2021).

Nesse contexto, com a utilização de meios preventivos de mínimo impacto sobre os


aspectos estéticos da Igreja do Espírito Santo do Cerrado, como extintores e iluminação de
emergência, proteção ativa da brigada de incêndio e utilizando sua consolidação estrutural e
construtiva como barreiras à propagação do fogo, foram obtidos resultados até quatro vezes
maiores do que o estipulado em norma ( = 4,62).

Outrossim, é importante ressaltar a necessidade de um olhar mais sensível ao edifício. A


interpretação e utilização da norma para a definição projetual sem a integração de preceitos
metodológicos de intervenção que respeitem a unidade construtiva pode incorrer em
projetos de segurança contra incêndio danosos e descaracterizantes. Ademais, uma
interpretação isolada dos resultados pode demonstrar considerações precipitadas a respeito
dos riscos, que podem estar ocultados pelos dados empíricos. Diante da exposição aos
fatores de risco que envolvem a utilização de materiais como a madeira, por exemplo, e a
existência de instalações elétricas defasadas, pode-se delegar ao edifício maior
suscetibilidade ao incêndio. Nesse cenário é necessário antes conservar o bem sob uma

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ótica de diligência, com manutenções e inspeções regulares e treinamento paulatino dos
ocupantes como brigadistas. Estes devem ser plenos conhecedores do edifício. A
manutenção é a chave para a boa conservação do patrimônio cultural e quando tratamos da
exposição ao risco de incêndio torna-se também a chave para a prevenção.

Salienta-se que as definições normativas para o projeto de segurança contra incêndio em


edifícios históricos são importantes, ainda que prescritivas e desprovidas de maior
sensibilidade na esfera de intervenções. São necessárias considerando os já abordados
aspectos que tornam esses exemplares tão vulneráveis. Grande parte desse amplo acervo
não possui Auto de Vistoria, medidas de segurança básicas ou ações de revisão e
manutenção preventiva na infraestrutura. Os riscos se agravam quando uso e ocupação
envolvem espaços de reunião de público. Nesse sentido, o projeto de segurança contra
incêndio é ferramenta de fundamental importância, porém, ele não deve ser elaborado
tomando-se a norma de forma literal e acrítica, desconsiderando os complexos valores
culturais materializados e fruídos através da estrutura edificada.

Conclusão

A preservação do patrimônio edificado moderno é importante e necessária para a


construção e preservação da nossa história e identidade cultural. A proteção da Igreja do
Espírito Santo do Cerrado pauta-se, assim, na valorização do patrimônio triangulino como
importante marco histórico, o qual remete à presença franciscana em Uberlândia e sua
atitude precursora ao convidar Lina Bo Bardi para a idealização do projeto, o único da
arquiteta executado no interior do país.

As ações e esforços que fomentam essa preservação devem passar pelos preceitos de
prevenção, sobretudo a prevenção a incêndios, tendo em vista que nossa história recente
aponta para inúmeras e dolorosas perdas.

Entretanto, temos observado com pesar os suscetíveis descasos e negligências advindos do


governo federal, e do proposital desmantelamento dos órgãos de preservação, um ato
político, um retrocesso do país no tocante à conservação dos bens culturais. Retrocede em
muito as políticas de preservação que foram construídas com muito esforço ao longo de
anos, desde a constituição no IPHAN na década de 1930, naquela ocasião SPHAN, Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

No dia 29 de julho de 2021 um incêndio de grandes proporções acometeu a Cinemateca


Brasileira, em São Paulo - capítulo recente num rol amplo de monumentos do país que
sucumbiram ao fogo. Filmes, materiais impressos e documentos foram consumidos pelo
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fogo, bem como parte da estrutura do edifício. Seria proposital? Fato é que no caso da
Cinemateca já havia indícios da tragédia anunciada, tendo em vista a inexistência do Auto
de Vistoria do Corpo de Bombeiros para a segurança contra incêndio, ou mesmo processo
em andamento para sua obtenção. O Ministério Público Federal, inclusive, já alertava a
Secretaria Nacional de Cultura para o risco de incêndio.

Importante abordar esses fatos, pois influem e refletem diretamente nas políticas públicas de
outras esferas, como as estaduais e municipais, por exemplo. Ao lançar o foco na região do
Triângulo Mineiro, são notórias e perenes as perdas do patrimônio cultural edificado,
sobretudo no discurso de crescimento, desenvolvimento e pujança econômica na cidade de
Uberlândia, rebatido nas cidades pequenas pulverizadas no seu entorno. É nesse contexto
de desequilíbrio que se encontra inserida a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, apesar da
tutela do IEPHA e do trabalho de agentes que lutam por sua preservação. O risco de
incêndio existe, ainda que meios preventivos básicos estejam instalados.

Nesse quadro, é de considerável importância uma imersão sensitiva na igreja. A realização


deste estudo integra o esforço para a obtenção de definições de segurança palpáveis em
um edifício que se impõe como marco na arquitetura regional e de grande valor coletivo.
Acredita-se que a compreensão do bem cultural em sua realidade atual, evolução histórica e
como documento a ser transmitido às gerações futuras deva suscitar intervenções de
segurança contra incêndio que vão para além da generalidade normativa, promovendo
assim, como no campo do restauro, projetos ordenados em respeito à unidade construtiva
do templo, materializado pela atuação sublime de Lina Bo Bardi no Cerrado Mineiro.

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01/2021. Belo Horizonte, 2021.

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CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE MINAS GERAIS. Carga de incêndio nas edificações
e espaços destinados a uso coletivo. Instrução Técnica n.º 09. 2ª Edição. Aprovada pela
portaria nº. 61, de 28 de dezembro de 2020. Belo Horizonte, 2020.

_______. Controle e Materiais e Acabamento e Revestimento. Instrução Técnica n.º 38. 1ª


Edição. Alterada pela portaria n.º 61, de 28 de dezembro de 2020. Belo Horizonte, 2020.

_______. Segurança Contra Incêndio em Edificações que compõem o Patrimônio Cultural.


Instrução Técnica n.º 35. 2ª Edição. Alterada pela portaria nº. 65, de 17 de junho de 2021.
Belo Horizonte, 2021.

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INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS


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Acesso em: 10 jul. 2021.

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EIXO 3 - ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A PESQUISA NA
ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO

O PROCESSO DE PROJETO DA MAISON DU BRÉSIL:


Uma reflexão sobre brasilidade a partir do seu apagamento

DE AZEVEDO, América Alfonsin (1); MANENTI, Leandro (2)

1. UFRGS. Departamento de Arquitetura.


Avenida Sarmento Leite, 320.
americazevedo1@gmail.com
2. UFRGS. Departamento de Arquitetura.
Avenida Sarmento Leite, 320.
leandro.manenti@ufrgs.br

RESUMO
Este trabalho apresenta resultados parciais de estudos desenvolvidos junto ao projeto de pesquisa
“Arquiteturas Escritas: investigações acerca de princípios e procedimentos de projeto a partir de textos
de autores arquitetos”, que atualmente discute a obra teórica do arquiteto Lucio Costa. O recorte aqui
apresentado tem por objetivo compreender o conceito de “brasilidade” aplicado ao contexto da
arquitetura exposto nos textos de Lucio: seus escritos abordam de forma muito particular os aspectos
que dão aos edifícios modernos desenvolvidos no Brasil feições verdadeiramente brasileiras, fazendo
com que os mesmos possam ser entendidos como produções nativas apesar da internacionalização
inerente à arquitetura moderna. Após a análise textual, utiliza-se o recurso da análise projetual, com o
intuito de dar contornos mais bem definidos ao entendimento do arquiteto: a pesquisa toma como objeto
de estudo a Maison du Brésil, residência de estudantes brasileiros em Paris comissionada a Costa no
início dos anos 1950. A escolha deste exemplar se justifica pelo fato de que o mesmo teria perdido,
segundo Costa, seu “caráter brasileiro” ao longo das tratativas de execução – conduzidas, na França,
por Le Corbusier e seus colaboradores no Ateliê da rue de Sèvres. Assim, a análise do processo de
concepção deste edifício permite que se verifiquem as implicações concretas do atributo “brasilidade”
justamente na medida em que elas são removidas do projeto. A metodologia utilizada consiste,
portanto, na leitura e interpretação da produção teórica de Lucio Costa e de bibliografia secundária
sobre o assunto; na pesquisa e análise de desenhos produzidos ao longo do processo de projeto da
Maison du Brésil, com vistas a remontar a cronologia da composição; no exame da correspondência
trocada entre Lucio e Le Corbusier entre 1953 a 1959, buscando compreender os acontecimentos que
nortearam a tomada de decisões e os impactos de questões mal resolvidas na relação dos dois
arquitetos nos rumos do projeto. Os resultados obtidos reforçam o já consolidado entendimento de que,
para Costa, o sentido de “brasilidade” em arquitetura não se restringe simplesmente a aspectos
palpáveis, como o uso de materiais locais, por exemplo. O arquiteto aponta o termo “graça”, que à
primeira vista pode parecer bastante abstrato, como característica intrínseca ao espírito brasileiro, e o
associa à clareza e à simplicidade. A análise do projeto da Maison du Brésil sob a ótica dos argumentos
de Costa permite concluir que, em matéria de arquitetura, a “graça” pode ser identificada na presença
de formas que, apesar de não necessariamente ortogonais ou “puras”, possam ser facilmente
assimiladas. Ainda, pode-se conferir graça aos edifícios em que as possibilidades estruturais da técnica
moderna são utilizadas para além da rigidez e da regularidade, permitindo alguma liberdade criativa
que dê à composição maior fluidez.

Palavras-chave: Lucio Costa; Maison du Brésil; brasilidade

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Introdução:
Lucio Costa e a busca pela essência da arquitetura brasileira

Tido como um dos pioneiros porta-vozes e um dos mais significativos expoentes da


arquitetura moderna no Brasil, Lucio Costa possui uma obra textual que supera sua obra
construída em termos de consistência e magnitude. Ao longo de sua vida profissional, assumiu
um papel muito mais de intelectual do que propriamente de arquiteto (Telles, 2018, p. 619).
Em seus escritos, Lucio aborda de forma muito particular os aspectos que dão aos edifícios
modernos desenvolvidos no Brasil feições verdadeiramente brasileiras, fazendo com que os
mesmos possam ser entendidos como produções nativas, apesar da internacionalização
inerente à arquitetura moderna. Desta forma, expõe uma percepção de quais seriam os
elementos que viriam a conferir brasilidade a uma obra arquitetônica.

Nos primórdios de sua carreira, Lucio vincula-se à corrente do neo-colonial, mas logo
rompe com o estilo por entender que a brasilidade que se pretende extrair de obras projetadas
com esta abordagem parte da simples imitação de motivos decorativos do período colonial,
como se a ornamentação fosse a essência daquela arquitetura. Para Vasconcellos, o que
Costa buscava era a verdadeira essência:

Costa foi, historicamente, o primeiro dentre os arquitetos brasileiros a atribuir


importância aos aspectos funcionais da arquitetura colonial. [...] Voltou sua
atenção para a tipologia e a morfologia de suas edificações típicas, para a
tecnologia empregada na construção, para a funcionalidade e despojamento
de seus espaços e para a significação de suas geometrias simples e
rigorosas, tudo o que ele considerava como o espírito autêntico escondido
por trás da superfície, [...]. (Vasconcellos, 2005, p. 1)

Para Lucio Costa, a defesa dos cinco pontos de Le Corbusier para o estabelecimento
de uma “nova arquitetura” nunca significou uma ruptura com o passado ou com as “raízes” do
Brasil. Pelo contrário: em seus mais de trinta anos de atuação no Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN), Costa dedicou-se ao estudo dos bens
arquitetônicos brasileiros desde igrejas e grandes residências de elite até casas populares,
feitas de barro armado com madeira - segundo ele, técnica análoga ao concreto armado dos
edifícios modernos (Costa, 2018, p. 459). Ao estabelecer, ao lado de Rodrigo Mello Franco
de Andrade, as bases para a preservação do nosso patrimônio edificado, Lucio Costa reforçou
sua rejeição a academicismos e a imitações de estilos prontos em prol da busca por uma
modernidade atravessada pela verdadeira história nacional. Modernidade e conservação, à
primeira vista conceitos antagônicos, sempre andaram juntas no contexto do movimento
moderno brasileiro, tanto na arte quanto na arquitetura, conforme o próprio Lucio já
reconhecia:
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No Brasil, tanto em 1922 como em 36, os empenhados na renovação foram
os mesmos empenhados na 'preservação', [...]. Em 1922, Mário, Tarsila,
Oswald e cia., enquanto atualizavam internacionalmente a nossa defasada
cultura, também percorriam as cidades antigas de Minas e do norte, na busca
'antropofágica' das nossas raízes; em 1936, os arquitetos que lutaram pela
adequação arquitetônica às novas tecnologias construtivas foram os mesmos
que se empenharam com Rodrigo M. F. de Andrade no estudo e salvaguarda
do permanente testemunho do nosso passado autêntico. (Costa, 2018, p.
437)

Entender a ideia de brasilidade presente nos textos de Costa passa, necessariamente,


por perceber suas proposições dentro do cenário maior do movimento moderno no Brasil,
processo que se consolida e ganha força a partir da Semana de 22. O objetivo principal do
grupo que idealizou a Semana era promover a renovação da arte no Brasil “deglutindo”
criticamente referências importadas para a produção de uma cultura verdadeiramente local,
permeada por elementos de nosso passado colonial e dos povos originários. Esta dinâmica é
consolidada por Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropófago, de 1928. Lucio Costa
entende que, ao projetarem o edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública - MES, em
1936, ele e o restante da equipe de arquitetos utilizaram o vocabulário corbusiano não apenas
como caudatário ideológico, mas como forma de traduzir uma realização inédita, de
fundamento indiscutivelmente nativo (Costa, 2018, p. 382). A partir disso, pode-se claramente
entender o edifício do MES como um feito antropofágico em arquitetura.

Quando, depois de anos de estudo do repertório e dos ideais corbusianos, Costa é


convidado a projetar o Ministério, ele compreende que num país como o Brasil, em que a
arquitetura moderna ainda não era acessível ao gosto popular, seria necessário receber a
validação de Le Corbusier, o “mestre” europeu. No entanto, o convite ao arquiteto franco-suíço
para que atuasse como consultor do projeto nunca se deu em tom de subalternidade ou
submissão. Costa e sua equipe buscavam a aprovação de Le Corbusier não como inferiores,
mas como discípulos: “Respeitosamente, cheios de admiração - antropofagicamente - Costa
e os outros “comeram” ritualisticamente Le Corbusier e suas ideias. [...] Como iguais e como
vencedores, eles absorveram e adaptaram as qualidades de Corbù, misturando-as com as
suas” (Vasconcellos, 2005, p. 10). Ainda que a passagem de Le Corbusier pelo Brasil tenha
resultado em reviravoltas nos rumos do projeto, este não perdeu seu aspecto inconfundível
de obra nacional, aspecto este que foi justamente o que atraiu, à época, os olhos do mundo.

Em que parte, em que características do edifício do Ministério reside este caráter


brasileiro? Não são apenas os painéis de azulejos, trazidos pelos portugueses e tipicamente
utilizados no Brasil desde os tempos da colônia, ou os revestimentos em pedra gnaisse,
abundantemente encontrada nas proximidades do Rio de Janeiro, que concedem ao MES a
brasilidade que ele manifesta. Harris coloca que o que tornou o Ministério um edifício tão
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tipicamente brasileiro também não foi o seu contorno, dependente dos princípios de Le
Corbusier, mas a simplificação de suas doutrinas, com um toque mais livre e mais leve, apesar
de monumental (Harris, 1987, p. 174).

Além dos termos apontados por Harris como reflexos do caráter brasileiro –
“simplicidade”, “liberdade” e “leveza” –, Costa se utiliza de outros como “clareza”, “harmonia”
e, em especial, “graça”, para descrever a “personalidade nacional” expressa não apenas no
MES, mas em todas as obras dos arquitetos que protagonizaram o movimento moderno no
Brasil a partir de então. Esses atributos, que segundo Costa destacam essas obras em meio
à arquitetura moderna internacional, são significativamente abstratos, e é difícil, à primeira
vista, compreender suas implicações arquitetônicas. Desta forma, este trabalho tem como
objetivo dar contornos mais bem definidos ao conceito de brasilidade apresentado na obra de
Costa, que parte dessas noções não necessariamente palpáveis, concretas.

Com o intuito de elucidar o entendimento do arquiteto sobre este tema, utilizaremos o


recurso da análise projetual, adotando como objeto de estudo um projeto que, de acordo com
Costa, teria perdido, ao longo do processo de concepção e construção, seu caráter brasileiro:
a Casa do Brasil na Cidade Universitária de Paris. Desta forma, será possível compreender a
ideia de brasilidade justamente na sua ausência, a partir da análise da sequência de
acontecimentos que foram, aos poucos, apagando as marcas de nacionalidade do edifício.

A Maison du Brésil:
o anteprojeto de Costa e as revisões desenvolvidas no Ateliê da rue de Sèvres

Em 1952, o governo brasileiro comissiona o projeto de uma casa para estudantes


universitários brasileiros na Cidade Universitária Internacional de Paris a Lucio Costa. Desde
as primeiras tratativas, Costa antecipa junto às autoridades um arranjo para que o projeto
definitivo e todos os pormenores de construção sejam feitos por Le Corbusier e seus
colaboradores no Ateliê da rue de Sèvres. Com essa iniciativa, Costa pretende encerrar as
pendências e os mal-entendidos que permearam a questão da autoria do edifício do Ministério
da Educação e Saúde Pública - na ocasião, Le Corbusier exigia melhores condições de
pagamento por seu trabalho como consultor e, atento à repercussão internacional do edifício,
havia publicado em suas Obras Completas croqui baseado, provavelmente, em fotos da
maquete do projeto final da equipe brasileira, como se fosse de sua autoria. Apesar da boa
vontade de Costa, a Casa do Brasil também resultará em uma colaboração conflituosa,
desordenada, atravessada por ecos dos acontecimentos que conduziram o projeto carioca: “a
Casa do Brasil é portanto [...] a 'imagem espelhada' da encomenda do MEC, já que os papéis

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do idealizador e do realizador da obra definidos para este edifício serão invertidos” (Santos et
al., 1987, p. 245).

O terreno destinado à construção da Casa do Brasil é vizinho do Pavilhão Suíço,


residência estudantil projetada por Le Corbusier no início da década de 1930. Este Pavilhão,
apesar de cronologicamente próximo à Villa Savoye e demais realizações ditas “puristas” do
arquiteto franco-suíço, contém um aspecto premonitório da fase brutalista que caracterizaria
suas obras especialmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial: as condições do solo
exigiram pilotis mais largos, mais pesados, nos quais se manteve o concreto aparente. A
proximidade entre o Pavilhão Suíço e a Casa do Brasil possibilitaria, pela primeira vez, que a
arquitetura moderna brasileira, descendente da tradição corbusiana mas já independente da
mesma, se fizesse ver imediatamente diante da obra do mestre, evidenciando suas afinidades
e seus contrastes.

As diferenças já começam na orientação dos edifícios: até a década de 1950, a maioria


das residências da Cidade Universitária foi projetada com a maior dimensão voltada para a
direção norte/nordeste. No entanto, ao lançar seu partido, Lucio Costa opta por uma solução
diferente: “Só adotei a orientação do prédio depois de consultar vários estudantes moradores
nas outras casas e que foram unânimes: norte, nem se fala, sul é bom no inverno mas muito
quente no verão; oeste venta com chuva, sudeste ou leste-sul ideal. Orientei então os quartos
assim” (Costa apud Santos et al., 1987, p. 246).

O projeto de Costa prevê, distribuídas nos cinco pavimentos tipo, acomodações com
sanitários e duchas individuais para 103 estudantes, além de salas de estudo, cozinhas e
áreas de serviço. No térreo, a recepção, a circulação vertical, a administração, as
dependências do diretor da casa, uma biblioteca, uma lanchonete e uma sala de estar estão
contidos na projeção do edifício. Um volume trapezoidal abriga um ateliê e um volume
semicircular abriga um estúdio para músicos, ambos conectados ao edifício por uma marquise
curva. Na fachada oposta, uma sala de estudos avarandada também se comunica com o
restante do conjunto por meio de uma marquise.

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Figura 01: Plantas baixas dos pavimentos térreo e tipo do anteprojeto de Costa; perspectivas da
edificação. Fonte: Costa, 2018, p. 233-235. Alteradas pelos autores.

Este traçado mais livre, ondulante, de que Costa se utiliza ao projetar o pavimento
térreo guarda semelhanças com algumas das obras que alçaram a arquitetura moderna
brasileira a um grau de relevância internacional no final dos anos 1930 e no início dos anos
1940, como o Pavilhão Brasileiro na Feira de Nova Iorque e o Conjunto da Pampulha. Uma
vez que o térreo foi o aspecto do desenho de Costa mais desfigurado, posteriormente, pelo
Ateliê da rue de Sèvres, aqui começam a aparecer pistas importantes sobre o que viria ser a
“brasilidade” que, no entendimento de Costa, constava em seu projeto mas lhe foi retirada ao
longo do processo.

Lucio Costa envia o anteprojeto ao Ateliê e, em Paris, as tratativas ficam a cargo de


André Wogenscky, assistente de Le Corbusier. Em correspondência do dia 22 de maio de
1953, Wogenscky informa o arquiteto brasileiro a respeito das mudanças que o arquiteto-
chefe da Cidade Universitária havia apontado como essenciais no projeto, relativas à
alteração da orientação do prédio e a uma redução da área de terreno destinada à construção,
a fim de aumentar a densidade de estudantes por hectare. A isto, Costa responde: “você diz:
'a única questão importante é a do terreno e da orientação do prédio'. Ora, não se trata aqui
de uma questão, trata-se da questão, pois se mudarmos a orientação e a configuração do

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terreno, será necessário ipso-facto fazer um outro projeto”. Ainda na mesma carta, Costa é
inflexível: “a questão é portanto muito simples: construir o edifício tal qual foi concebido com
a orientação e as alas previstas, ou bem confiar a tarefa a outro arquiteto” (Costa apud Santos
et al., 1987, p. 246).

O projeto da Casa do Brasil que foi efetivamente executado orienta os dormitórios na


direção sudeste. O posicionamento de Costa foi, portanto, respeitado, e a orientação do
edifício não se modificou. Desta forma, este não pode ser considerado o motivo da realização
das alterações levadas a cabo pelo Ateliê da rue de Sèvres que culminariam na ausência do
nome de Costa nos créditos de autoria do projeto. Marcelo Puppi coloca a seguinte hipótese:

E se naquele momento Le Corbusier não pudesse ou não quisesse aceitar


certas premissas da concepção de Costa? De fato, a arquitetura de Costa
defende ainda a leveza e a esbeltez que caracterizavam a obra de Le
Corbusier nos anos 1930 [...]. Se as semelhanças de programa e situação
induzem a ler o projeto de Costa para a Casa do seu país como uma versão
brasileira do Pavilhão Suíço, é versão que ao mesmo tempo o valoriza e o
confronta, desprezando a quota de antecipação brutalista enquanto reitera a
síntese entre regularidade técnica e liberdade criativa. Da parte de Le
Corbusier, se certamente não era questão de renegar o Pavilhão Suíço,
também não era questão de reeditar sua elegância. Tudo se passa como se
só suas colunas escultóricas fizessem sentido para quem está agora
obcecado por massa e peso. (Puppi, 2008, p. 163)

A partir desta análise, fica claro que Le Corbusier, já plenamente inserido em sua fase
brutalista, não se identificava mais com as ideias que nortearam o projeto de Costa. No
entanto, os conflitos mal-resolvidos a respeito do Ministério e o ciúme que perpassa o orgulho
do arquiteto europeu em relação ao sucesso dos discípulos brasileiros também são peças
fundamentais no quebra-cabeça da desfiguração do projeto inicial. De acordo com Puppi, Le
Corbusier não desejava validar a contribuição brasileira à arquitetura moderna internacional,
mas também não se prontificou a desenvolver um projeto inteiramente novo para a Casa do
Brasil (Puppi, 2008, p. 164), de modo que não abandonou o desenho de Costa, mas
submeteu-o a correções e ajustes que o tornaram praticamente irreconhecível.

Em carta de 19 de março de 1954 endereçada a Costa relatando o desfecho favorável


das discussões a respeito da orientação do edifício, Wogenscky menciona por primeira vez
uma alteração proposta por Le Corbusier ao projeto original. O arquiteto franco-suíço sentira
falta da previsão de brise-soleils na fachada sudeste, e pedia então o aval do brasileiro para
acrescentá-los (Santos et al., 1987, p. 271). Ao que tudo indica, esta foi a primeira vez em
que Le Corbusier examinou a proposta de Costa. A resolução deste assunto permite que o
projeto avance para etapas mais concretas, e a iminência da assinatura do contrato de
execução - que seria, a princípio, firmado por Wogenscky - desperta o interesse de Le

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Corbusier a ponto de fazê-lo solicitar que o documento esteja em seu nome, e não mais no
do assistente.

O contrato fica pronto no início do mês de maio, mas Le Corbusier só o assina em


julho, poucos dias depois de o projeto sofrer uma série de alterações; a administração da
Cidade Universitária já havia aprovado a construção, de modo que as mudanças não possuem
qualquer justificativa técnica. Os desenhos modificados substituem os de Costa no contrato,
sem o conhecimento e a aprovação do brasileiro (Puppi, 2008, p. 184).

Além da inserção das sacadas brise-soleil semelhantes às da Unité d’Habitation nos


dormitórios, poucas alterações são feitas nos pavimentos tipo (a disposição das pequenas
janelas quadradas na fachada sudoeste, por exemplo, se torna mais irregular – esse
desalinhamento reforça o entendimento do edifício como uma massa construída, e não como
uma série de planos horizontais). No entanto, a remodelação do pavimento térreo é muito
significativa: toda a disposição volumétrica proposta por Costa é substituída por duas alas
trapezoidais, conectadas a uma sala central por dois corredores retangulares; sala de
estudos, ateliê e estúdios são substituídos por um auditório; as duas fileiras de finos pilotis de
Costa são reduzidas a uma única linha de grossos pilares que se faz presente em ambas as
extremidades do edifício, conferindo à composição uma simetria inexistente no projeto
original. Tais pilares remetem diretamente à configuração estrutural do Pavilhão Suíço, mas
naquele caso se justificavam pelas condições do solo, ao passo que o terreno em que seria
construída a Casa do Brasil não demandaria este tipo de solução.

Figura 02: Planta baixa térrea do anteprojeto de Costa; planta baixa térrea da primeira revisão de
projeto do Ateliê. Fontes: Costa, 2018, p. 233; Puppi, 2008, p. 193. Alteradas pelos autores.

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Ao que parece, “embora inexista registro que possa confirmar decisões dessa
natureza, o próprio projeto testemunha sua condição de obra realizada exclusivamente pelo
Atelier. Tudo indica, aliás, que Le Corbusier sequer chegou a examiná-lo. Não há nele a
unidade e a 'vontade arquitetônica' de suas obras” (Puppi, 2008, p. 185). As circunstâncias
sugerem que Le Corbusier não estava suficientemente interessado ou disposto a intervir
pessoalmente no projeto da Casa do Brasil, mas também não queria executar o risco original
de Costa. Desta forma, deu carta branca à sua equipe para que esta reformulasse o esquema.

Para Costa,

Embora esteja à frente do desenvolvimento nacional, ela [a arquitetura


moderna brasileira] se ajusta e integra facilmente ao meio, porque foi
conscientemente concebida com tal propósito, e assim consegue acrescentar
à austeridade de Gropius, à sábia ordenação plástica de Le Corbusier e à
elegância de Mies Van der Rohe, o que faltava ainda à arquitetura moderna,
a saber, a graça. (Costa, 1952, p. 260)

Esta primeira revisão projetual do Ateliê é endurecida, rígida, características que aqui
podem ser tomadas como o oposto de graça. Desta forma, a eliminação do movimento
orgânico das curvas e da sutileza dos pilares de Costa não extingue apenas o dinamismo e a
fluidez da proposta original, mas começa a apagar os traços de nacionalidade da obra. Nas
demais revisões que se seguiram, tais atributos não são recuperados. O projeto é enviado
para licenciamento ainda sem o conhecimento do arquiteto brasileiro a respeito das alterações
feitas. A administração pública faz ressalvas apenas quanto às fundações, que estariam muito
próximas de um aqueduto. O Ateliê faz novas investigações para sanar esta questão e, desta
forma, o projeto sofre uma segunda reformulação.

Novamente, o pavimento térreo é completamente modificado. A nova disposição é um


pouco menos rígida que a da primeira revisão: são retomados alguns elementos curvos, mas
a proposta segue distante da solução inicial de Costa. A projeção do edifício torna-se livre
com o deslocamento de toda a ocupação do térreo para a fachada noroeste. Desta forma, a
composição perde a simetria que havia adquirido. Os pilares, que na primeira revisão foram
dispostos em linha única, passam a configurar pórticos; nas duas extremidades, pilares-
parede ocupam praticamente toda a largura do edifício. No pavimento tipo, são feitos alguns
ajustes menores que perduram até o projeto final: os dormitórios são alargados para poderem
comportar duchas, e a adição de sacada no setor central da fachada noroeste implica no
reposicionamento da escada, que é retirada do centro do edifício e duplicada nas
extremidades.

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Figura 03: Plantas baixas térreas da primeira e da segunda revisão de projeto do Ateliê. Fonte: Puppi,
2008, p. 193-194. Alteradas pelos autores.

O projeto final

No final de 1955, Lucio Costa comparece no Ateliê, em Paris, para discutir o projeto
com Le Corbusier. Por quase dois anos, todas as informações acerca de alterações foram
omitidas ao brasileiro que, ao deparar-se com o projeto revisado, se vê na difícil posição de
tentar recuperar ao menos parte da essência de sua concepção original. Contudo, a estas
alturas o desenvolvimento do projeto encontra-se em estágio avançado, já em vias de ser
construído, de modo que há pouco espaço para redefinições mais significativas. Assim, as
discussões com a presença de Costa culminam em mais uma série de estudos e em uma
nova disposição do térreo, mas não são capazes de trazer de volta a leveza das primeiras
ideias do arquiteto brasileiro.

O projeto final do térreo da Casa do Brasil, desenvolvido em suas linhas gerais durante
a estadia de Costa em Paris, dá ao volume voltado para o interior da Cidade Universitária, na
fachada noroeste, uma forma mais simples, trapezoidal. O setor administrativo e os aposentos
do diretor são reorganizados em linha na fachada oposta, em um volume com cobertura
inclinada. Os dois blocos se conectam por meio de um pano de vidro curvo que atravessa os
pilotis. A solução estrutural implementada na segunda revisão projetual é mantida.

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Figura 04: Planta baixa térrea da segunda revisão de projeto do Ateliê; planta baixa térrea do projeto
final da Casa do Brasil. Fontes: Puppi, 2008, p.194; Santos et al., 1987, p.277. Alteradas pelos
autores.

Conclusões:
O “estado de graça” e o espírito brasileiro

Resignado, Lucio retorna ao Brasil e, em fevereiro de 1956, envia carta a Le Corbusier


com sugestões para os acabamentos e a materialidade do edifício. A mensagem, ainda que
cordial, contém uma reprovação velada aos rumos que o projeto havia tomado. Em dado
momento, Costa pontua:

Trata-se de uma casa feita para Paris, sem dúvida, mas destinada ao governo
brasileiro e a brasileiros e consequentemente não deve ser concebida nem
realizada de maneira a traduzir um espírito e uma intenção que se possa
considerar como anti-brasileiro ou anti-brasileira. Gostamos das soluções
claras e naturais, do que é simples e harmonioso, somos sensíveis à graça.
Não gostamos do que é brutal, rebarbativo, complicado. Os recortes, as
formas angulosas e agressivas nos desagradam. (Costa apud Santos et al.,
1987, p. 274)

Aqui, novamente, Costa aponta a graça como característica inerente ao espírito


brasileiro, e a associa à clareza e à simplicidade. “Graça” é um atributo que remete à
elegância, à leveza, à diversão que é mais bela do que cômica. Frequentemente associado a
manifestações artísticas, o termo pode soar pouco preciso em matéria de arquitetura, mas a
leitura e a análise dos argumentos de Costa permitem que o identifiquemos na presença de
formas que, apesar de não necessariamente ortogonais ou “puras”, possam ser facilmente
assimiladas. Ainda, pode-se conferir graça aos edifícios em que as possibilidades estruturais
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da técnica moderna são utilizadas para além da rigidez e da regularidade, permitindo alguma
liberdade criativa que dê à composição maior fluidez. Na Casa do Brasil, tais características
haviam sido exploradas ao máximo no térreo. Ao final de todas as tratativas, o desenho
recupera parte da dinamicidade das formas, mas torna-se intrincado e carece de legibilidade
– “perde a graça”.

Costa conclui sua carta em tom apaziguador, sugerindo que Le Corbusier


presenteasse o Brasil com um mural pintado por ele próprio na Casa do Brasil. Pouco mais
de 15 dias depois, Le Corbusier envia a Costa os desenhos do projeto finalizado em anexo a
uma resposta antipática, com doses de sarcasmo e de ressentimento. Faz pouco caso de
algumas sugestões do brasileiro, apontando que a concepção da Cidade Universitária, com
seus pavilhões nacionais, é uma “salada”, e que apesar das particularidades sensíveis de
cada país, as especificidades do clima de Paris é que devem guiar a construção de um edifício
no local. Com relação ao mural, é categórico: “O Brasil é pobre mas eu o sou ainda mais. Não
me comprometo por enquanto a fazê-lo gratuitamente. Não esqueça que não recebi nenhum
centavo pela construção do Ministério da Educação Nacional no Rio e isso durante um período
dramático de minha vida” (Le Corbusier apud Santos et al., 1987, p. 276).

Ao trazer à tona a questão do MES, Le Corbusier reforça a hipótese de que a inversão


de papéis que caracterizou o desenvolvimento da Casa do Brasil em relação ao projeto
carioca não é mera coincidência: as mágoas que o arquiteto franco-suíço guardou do
episódio, mesmo depois de passados 20 anos, influenciaram decisivamente os rumos do
projeto da residência estudantil. De qualquer forma, Lucio aprova o desenho enviado;
provavelmente considera a proposta final satisfatória, mas não se reconhece mais na mesma,
de modo que abre mão da autoria do projeto. Replica a correspondência esclarecendo a
questão do Ministério com franqueza:

O croqui que você publica habitualmente constitui um falso testemunho, como


já tive ocasião de lhe dizer, uma vez que foi realizado a posteriori, a partir das
fotografias do edifício pronto ou da maquete. E se hoje, quase vinte anos
depois, ainda confio ao seu ateliê o assunto da Casa do Brasil na Cidade
Universitária, é precisamente em vista desses antecedentes, e para que você
se considere, de uma vez por todas, compensado no que diz respeito a nós:
compensado do ponto de vista dos negócios, porque o que nós, arquitetos do
mundo inteiro, devemos a você, não tem preço. (Costa apud Santos et al.,
1987, 279)

Independentemente dos motivos que levaram Le Corbusier e seus colaboradores a


reformularem o anteprojeto de Costa, é importante salientar que, se é verdade que o caráter
brasileiro da proposta foi apagado, também é verdade que a simples introdução de
vocabulário brutalista à concepção não poderia, por si só, ter removido esse caráter. Costa,

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pessoalmente, não ficou satisfeito com a materialidade austera da Casa do Brasil, mas essa
materialidade não atesta, ou deixa de atestar, a nacionalidade brasileira. Mesmo porque,
pouco tempo depois, a Escola Paulista produziria edifícios que expressam a identidade
nacional aliando brutalismo e delicadeza. Reforça-se, assim, o argumento apresentado na
introdução deste artigo: a brasilidade está menos no campo visível e objetivo, e mais em um
gesto projetual concebido em “estado de graça”.

A partir do estudo desenvolvido, foi possível apreender as implicações arquitetônicas


concretas do atributo “graça” e suas relações diretas com a ideia de brasilidade postulada por
Lucio Costa – os elementos visualmente leves, os balanços, os volumes pequenos e os planos
horizontais em oposição a grandes massas, as linhas curvas, os contrastes de luz e sombra.
Tais estratégias “graciosas” atingiram seu ápice durante o movimento moderno, mas muitas
delas já distinguiam a arquitetura brasileira no cenário internacional desde muito antes: ao
apontar a obra de Niemeyer como revelação flagrante do gênio artístico nativo, Costa coloca-
o em pé de igualdade com Antônio Francisco Lisboa, o grande mestre do barroco brasileiro,
indicando que ambos souberam utilizar do repertório estrangeiro para a produção de algo
maior, novo e indiscutivelmente local (Costa, 2018, p. 169).

Referências bibliográficas

ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago. São Paulo: Penguin Companhia das Letras,
2017.

COSTA, Lucio. Imprévu et importance de la contribution des architectes brésiliens au


développement actuel de l’architecture contemporaine. L’Architecture d’Aujourd’hui, Paris,
v. 42-43, 1952.

COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Editora 34, 2018.

HARRIS, Elizabeth Davis. Le Corbusier: Riscos brasileiros. São Paulo: Nobel, 1987.

PUPPI, Marcelo. Espaços inacabados: Le Corbusier, Lucio Costa e a saga da Casa do Brasil.
Arqtexto, Porto Alegre, v. 12, 2008.

SANTOS, Cecília Rodrigues dos et al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela/Projeto,
1987.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
TELLES, Sophia da Silva. Ensaio sobre a utilidade lírica. In: COSTA, Lucio. Registro de
uma vivência. São Paulo: Editora 34, 2018.

VASCONCELLOS, Eduardo Mendes de. Le Corbusier e Lucio Costa, “le Maître” e o Mestre,
um intercâmbio de saberes. In: 6º seminário Docomomo Brasil, 2005, Niterói. Anais [...].
Niterói, 2005. Disponível em: https://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/Eduardo-
Vasconcellos.pdf. Acesso em: 15 jan. 2021.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O PROCESSO DE PROJETO DA MAISON DU BRÉSIL: UMA REFLEXÃO


SOBRE BRASILIDADE A PARTIR DO SEU APAGAMENTO

América Alfonsin De Azevedo (americazevedo@hotmail.com)

Leandro Manenti (leandro.manenti@ufrgs.br)

Este trabalho apresenta resultados parciais de estudos desenvolvidos junto ao


projeto de pesquisa “Arquiteturas Escritas: investigações acerca de princípios e
procedimentos de projeto a partir de textos de autores arquitetos”, que
atualmente discute a obra teórica do arquiteto Lucio Costa. O recorte aqui
apresentado tem por objetivo compreender o conceito de “brasilidade” aplicado
ao contexto da arquitetura exposto nos textos de Lucio: seus escritos abordam
de forma muito particular os aspectos que dão aos edifícios modernos
desenvolvidos no Brasil feições verdadeiramente brasileiras, fazendo com que
os mesmos possam ser entendidos como produções nativas apesar da
internacionalização inerente à arquitetura moderna.
Após a análise dos textos de Lucio Costa sobre o tema em questão, utiliza-se o
recurso da análise projetual, com o intuito de dar contornos mais bem definidos
ao entendimento do arquiteto: a pesquisa toma como objeto de estudo a
Maison du Brésil, residência de estudantes brasileiros em Paris comissionada a
Costa no início dos anos 1950. A escolha deste exemplar se justifica pelo fato
de que o mesmo teria perdido, segundo Costa, seu “caráter brasileiro” ao longo
das tratativas de execução – conduzidas, na França, por Le Corbusier e seus
colaboradores no Ateliê da rue de Sèvres. Assim, a análise do processo de
concepção deste edifício permite que se verifiquem as implicações concretas
do atributo “brasilidade” justamente na medida em que elas são removidas do
projeto.

A metodologia utilizada consiste, portanto, na leitura e interpretação da


produção teórica de Lucio Costa e de bibliografia secundária sobre o assunto;
na pesquisa e análise de desenhos produzidos ao longo do processo de projeto
da Maison du Brésil, com vistas a remontar a cronologia da composição; no
exame da correspondência trocada entre Lucio e Le Corbusier entre 1953 a
1959, buscando compreender os acontecimentos que nortearam a tomada de
decisões e os impactos de questões mal resolvidas na relação dos dois
arquitetos nos rumos do projeto.

Os resultados obtidos reforçam o já consolidado entendimento de que, para


Costa, o sentido de “brasilidade” em arquitetura não se restringe simplesmente
a aspectos palpáveis, como o uso de materiais locais, por exemplo. O arquiteto
aponta o termo “graça”, que à primeira vista pode parecer bastante abstrato,
como característica intrínseca ao espírito brasileiro, e o associa à clareza e à
simplicidade. A análise do projeto da Maison du Brésil sob a ótica dos
argumentos de Costa permite concluir que, em matéria de arquitetura, a “graça”
pode ser identificada na presença de formas que, apesar de não
necessariamente ortogonais ou “puras”, possam ser facilmente assimiladas.
Ainda, pode-se conferir graça aos edifícios em que as possibilidades estruturais
da técnica moderna são utilizadas para além da rigidez e da regularidade,
permitindo alguma liberdade criativa que dê à composição maior fluidez.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

AS CORREDEIRAS DO BEM-QUERER DE CARACARAÍ: UM PATRIMÔNIO


A SER PRESERVADO

Graciete Guerra Da Costa (graciete.costa@ufrr.br)

Angélica Pereira Triani (angelicatriani@outlook.com)

Camilla Sombra Christ (camilla_christ@hotmail.com)

Emerson Ricardo Dos Santos Vieira (emerson_rsv@yahoo.com.br)

Daniel Luiz Oliveira (oliveira.dl@outlook.com)

As Corredeiras do Bem-Querer são quedas d’água, que serpenteiam grandes


blocos rochosos durante o verão roraimense, localizadas no município de
Caracaraí, aproximadamente 120 km da capital Boa Vista, no centro sul do
Estado, à margem direita do Rio Branco. A paisagem deslumbrante integra o
Patrimônio Cultural Brasileiro, protegido pela Lei nº 3.924/61, em defesa de
seus bens arqueológicos como as pinturas rupestres e as peças cerâmicas
encontradas na região. Além disso, trata-se também de um patrimônio natural
por suas características paisagísticas de valor relevante e qualidades
representativas. Todavia, em 2012 esse bem foi destombado diante dos
interesses políticos de construir uma hidrelétrica próxima a região. Esse fato
imprime o iminente risco de: destruição dos vestígios arqueológicos dos antigos
povos que ali habitaram; ameaça a existência do rico ecossistema local; perda
do potencial do turismo ecológico em Caracaraí como fonte de renda para a
população. Em razão disso, este trabalho visa debater acerca da importância
da preservação desse bem natural e cultural para a conservação e
documentação da história local. A discussão toma como base a
Recomendação de Paris de 1962 e a Carta Patrimonial de Lausanne de 1990,
que direcionam o assunto para a proteção da beleza e do caráter das
paisagens e para a proteção e gestão do patrimônio arqueológico. Assim,
objetiva-se apresentar um viés crítico e embasado para justificar a preservação
das corredeiras e dos seus vestígios arqueológicos.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO: O ESTUDO DA IGREJA DO ESPÍRITO


SANTO DO CERRADO E AS BASES PARA UM ADEQUADO PROJETO DE
SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO

Peter Peixoto Cristaldo (petercristaldo@yahoo.com.br)

Claudia Dos Reis E Cunha (claudiareis@ufu.br)

No ano em que Lina Bo Bardi recebe o Leão de Ouro Especial na 17ª Mostra
Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, prêmio póstumo concedido
pelo conjunto de sua obra, este artigo propõe o estudo da Igreja do Espírito
Santo do Cerrado, em Uberlândia/MG, em seus aspectos históricos, formais e
simbólicos aliados à análise do estado de conservação e levantamento de risco
a incêndios, tema importante frente às recentes perdas do patrimônio cultural
edificado brasileiro. Entende-se que – como documento histórico e artístico – a
própria edificação deve ser atenta e pormenorizadamente analisada de modo a
se garantir a adequada conservação e transmissão ao futuro deste relevante
bem cultural da cidade de Uberlândia. O significado e a singularidade que
representam a realização construtiva da igreja e a importância da atuação de
Lina Bo Bardi no cenário nacional no período de sua construção enumeram os
critérios para seu tombamento, decretado pelo IEPHA em 1997 após extensas
articulações. Fundamental nas ações de tutela e salvaguarda, a atual
normativa de prevenção e combate a incêndios do Estado de Minas Gerais
adota critérios que muitas vezes não levam em conta a diversidade e a
especificidade de cada edifício, e por vezes tais parâmetros são conflitantes
com proposições que visam sua preservação enquanto documentos históricos
e objetos arquitetônicos portadores de valor artístico. Dessa forma, o que se
pretende com este trabalho é contribuir com o amplo debate entre prevenir e
preservar, considerando os riscos e exposições ao fenômeno do fogo e, ao
mesmo tempo, a adequada conservação dos elementos que motivaram a
preservação e acautelamento do bem cultural. Considera-se que a
compreensão do bem cultural, em sua realidade atual e em seu devir histórico,
como documento de si mesmo, deva ensejar uma atuação que ultrapasse a
generalidade da normativa e, dessa forma, contribua na elaboração de um
projeto de segurança contra incêndio para a Igreja do Espírito Santo do
Cerrado, em Uberlândia/MG, pautado em princípios de intervenção que
respeitem a unidade construtiva e evolutiva do templo, garantindo a
manutenção dos valores históricos, artísticos, culturais e sociais materializados
nas soluções projetuais simples e vernaculares propostas por Lina.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

NOVO USO PARA O PALACETE DA RUA TIRA-CHAPÉU

Wolney Unes (engenho21@gmail.com)

Jéssica Marques (jessicakmarques@hotmail.com)

Marcelo Sáfadi (marcelo@articum.com.br)

A edificação da Associação dos Empregados do Comércio da Bahia (AECB),


localizada na Rua Chile, é um marco entre os edifícios ecléticos construídos no
século XX e ainda existentes em Salvador. O edifício, atualmente conhecido
como Palacete Tira-Chapéu, foi nomeado patrimônio estadual pelo Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) em 2011 e é integrante da área
de proteção do conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro
Histórico de Salvador, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) desde 1984.
De orientação eclética, com projeto do arquiteto italiano Baptista Rossi o
edifício ficou abandonado e sem uso por mais de dez anos. Adquirido por um
grupo de investidores, em 2012, a partir de 2020, deu-se início a um processo
de restauração do edifício e o desafio é dotá-lo de uso compatível com sua
localização notável, com a monumentalidade do edifício de três pavimentos e
com sua riqueza estética. Cabe ressaltar que, apesar de tratar-se de obra do
início do séc. XX, o edifício de se funde visualmente ao conjunto do séc. 16,
como com o vizinho palácio Tomé de Souza (Bacher, 1986; Hale, 1994;
Bonduki, 2010).

O uso proposto foi fruto de vários meses de discussões entre os proprietários


do edifício, investidores e equipe dos órgãos de patrimônio, sempre mediadas
pela equipe de projetos, cujo desafio foi integrar e compatibilizar expectativa e
demanda dos diversos atores envolvidos. O resultado é um projeto de uso
que, mais que dar novo uso ao patrimônio arquitetônico, valoriza o edifício,
propõe um novo ponto focal da região da Rua Chile e tem mesmo o condão de
vir a modificar o uso do tecido urbano de seu entorno, dando nova vida à
região. Referências similares de uso, a partir de edifícios do mesmo período,
podem ser encontradas na fábrica Carpano (1898), adaptada por Ambrosini et
al. (2007) para sediar um centro cultural gastronômico em Turim, bem como
adaptação similar levada a cabo na Galeria Vítor Emanuel (Mengoni, 1877) de
Milão. No Brasil, merece menção a adaptação pioneira da antiga sede da Light
em S. Paulo (Preston e Curtis, 1925), levada a cabo em 1999 (Faggin, 2001).
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O DEBATE ITALIANO, NA DÉCADA DE 1950, SOBRE A RELAÇÃO DA


ARQUITETURA MODERNA COM A CIDADE ANTIGA

Rodrigo Espinha Baeta (rodrigobaeta@yahoo.com.br)

Juliana Cardoso Nery (jcnery19@yahoo.com.br)

Na segunda metade da década de 1950, um animado debate balançou o


cenário da crítica arquitetônica italiana, contenda amparada por três textos
publicados por Cesare Brandi – cujo juízo essencial partia da premissa que a
arquitetura do Movimento Moderno seria inconciliável com as cidades antigas.
Consequentemente, dever-se-ia, por princípio, proibir as novas construções
nos sítios históricos, relegando-as extra moenia – ou seja, para fora dos muros.

A tese defendida por Brandi tinha como fundamento a ideia de que, a partir do
Renascimento, e até o século XIX, haveria frequentemente uma correlação
harmônica e uma continuidade natural entre os objetos arquitetônicos
contemporâneos e o tecido urbano das cidades preexistentes. Isso porque, na
Renascença, o arquiteto passara a projetar motivado pelo método ideal da
perspectiva. Através da busca constante de reduzir o espaço visível ao plano
da pirâmide óptica, o projetista procuraria enquadrar, coerentemente, o novo
objeto arquitetônico às fugas perspectivas da cidade, corrigindo, inclusive, as
imprecisões e falhas da massa edificada. Assim, o novo edifício poderia se
acomodar ao encaminhamento oferecido pelas paredes de fachadas alinhadas
e contíguas, típicas dos núcleos anteriores ao século XX – ou então servir
como enquadramento de fugas perspectivas oriundas do tecido urbano
preexistente, estratégias alcançadas nos mais diversos níveis de
complexidade. Em outra direção, o arquiteto também poderia trazer
monumentos antigos a novos planos perspectivos, sempre no sentido de
transformar o espaço urbano em uma experiência artística contínua e unitária.

Contudo, a arquitetura moderna refutaria terminante o espaço perspectivo no


qual teria se fundado a arquitetura a partir do Renascimento. Os humanistas,
ao inserirem seus novos objetos arquitetônicos nos logradouros preexistente,
pensavam mais no vazio da praça, na calha da rua (como um corredor a céu
aberto), do que no cheio – representado pela massa construtiva a ser edificada.
Mas no contexto do Movimento Moderno o que passaria a contar seria o
volume autônomo e autossuficiente da nova construção, que se tornaria,
consequentemente, inconciliável com os confinados e densos cenários urbanos
pré-modernos, formados prioritariamente por uma edilícia gregária e
ininterrupta. Segundo o autor, “[...] a ruptura irremediável com a espacialidade
perspectiva, impetrada tanto pela arquitetura racional quanto pela orgânica,
tirou a possibilidade não só de qualquer conexão, mas também de qualquer
contiguidade com os edifícios preexistentes.”

As colocações do crítico italiano foram logo apoiadas por outros expertos nas
temáticas da arquitetura, do urbanismo e da preservação; mas as contestações
às suas polêmicas assertivas também foram imediatas e retumbantes, sendo
as mais embasadas devidas aos arquitetos Bruno Zevi e a Roberto Pane –
juízos que serão avaliados nesta comunicação.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.

OS DOCUMENTOS DA IGREJA E A PESQUISA DE ARQUITETURA: O


CASO DOS LIVROS TOMBOS PAROQUIAIS.

Renan Alex Treft (renan.treft@usp.br)

O presente artigo apresenta novas abordagens de pesquisa no campo da


arquitetura e do urbanismo a partir da utilização dos documentos produzidos
pela Igreja Católica, especialmente os livros tombos paroquiais escritos pelos
párocos. Os livros tombos são cadernos de anotações e registros históricos
produzidos pelos administradores das paróquias durante seu paroquiato. Tal
documento é comumente dispensado pela Chancelaria Diocesana quando se
dá a elevação de uma igreja ao status de paróquia, sendo sua primeira
inscrição, um levantamento histórico do referido templo até então, e a ata de
criação e instalação da instituição. As informações sucedentes são variadas e
não seguem uma regra estabelecida ou continuidade, podendo haver lacunas
ou um volume denso de informações em determinados períodos, a depender
do registrante. Em suma, os sacerdotes transcrevem nestes livros todo tipo de
dado que possa interessar à administração da cúria ou às gerações futuras,
sendo os registros de teores diversificados, perpassando, desde questões
pastorais e sociais da comunidade paroquial até questões financeiras,
administrativas e políticas, incluindo os processos construtivos dos edifícios
paroquiais. Deste modo, o trabalho visa evidenciar as múltiplas possibilidades
de pesquisa a partir do estudo destes documentos, cujos volumes encontram-
se dispostos nas cúrias diocesanas e apresentam um apurado contingente
informacional referentes aos mais variados campos do saber, incluindo o da
arquitetura e urbanismo, uma vez que, como apontado, os livros trazem
informações referentes as construções, reformas e transformações realizadas
no templo ao longo dos anos, quais foram seus agentes e suas condicionantes,
revelando-se material pertinente na construção da historiografia da arquitetura,
principalmente nos estudos da arquitetura religiosa. Além disso, o trabalho
busca apresentar novas alternativas de pesquisa nos acervos paroquiais e
diocesanos, pouco estudados, mas com volume expressivo de materiais e
documentos que corroboram para os assuntos pertinentes ao campo em
questão. O texto apresenta ainda casos de pesquisas em que a consulta aos
livros tombos foram basilares para a evolução dos trabalhos, a partir de
informações encontradas que direcionaram os trabalhos e agregaram
resultados importantes para a historiografia da arquitetura religiosa.
EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A
CONSTITUIÇÃO DO CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA
CIDADE COMO OBJETO DE PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES
SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO: MÉTODOS E
PERSPECTIVAS.

NOVO USO E REINTEGRAÇÃO COM A CIDADE NA RESTAURAÇÃO


DO PALACETE TIRA-CHAPÉU

UNES, WOLNEY (1); SÁFADI, MARCELO (2); MARQUES, JESSICA (3)

1. Universidade Federal de Goiás. Centro de Estudos Brasileiros


Rua 1, nº 7, apto 8, Setor Oeste, 74120-100, Goiânia-GO
engenho21@gmail.com

2. Articum. Depto. técnico


Rua Ipê , nº 15, Cond. Alto da Lapa, 72.980-000, Pirenópolis-GO
marcelo@articum.com.br

3. Elysium. Depto técnico


Av. Princesa Leopoldina, 238, apto. 701, Graça, Salvador-BA
jessicakmarques@hotmail.com

RESUMO
O edifício antiga sede da Associação dos Empregados do Comércio da Bahia (AECB), localizada na
Rua Chile, é um marco entre os edifícios ecléticos construídos no início do século XX e ainda
existentes em Salvador. O edifício, atualmente conhecido como Palacete Tira-Chapéu, foi nomeado
patrimônio estadual pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) em 2011 e é
integrante da área de proteção do conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro
Histórico de Salvador, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1984.
Cabe ressaltar que, apesar de tratar-se de obra do início do séc. XX, o edifício se funde visualmente
ao conjunto do séc. 16, como com o vizinho palácio Tomé de Souza (Bacher, 1986; Hale, 1994;
Bonduki, 2010). De fato, numa mesma quadra na Rua Chile identificam-se edifícios do séc. 16 até
meados do séc. 20, art déco, ecletismo, neoclássico ou barroco, entre vários outros.
Com projeto do arquiteto italiano Rossi Baptista, após a mudança da associação do local, o edifício
ficou abandonado e sem uso por mais de dez anos. Adquirido por um grupo de investidores em 2012,
a partir de 2020 foram iniciados estudos com vistas a restaurar e dar novo uso à edificação,
compatível com sua localização notável, com a monumentalidade do edifício de três pavimentos e
com sua riqueza estética, além da necessidade de sustentação econômico-financeira do
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06 a 08 de outubro de 2021
empreendimento. Em vista disso, a restauração de um edifício histórico é um desafio técnico,
financeiro e institucional e exige compromisso com a longevidade do investimento. Neste sentido se
torna imprescindível a definição dos usos e ocupações dentro de um cenário sócio-cultural e
econômico, e não apenas arquitetônico.
O uso proposto, em processo de implantação e que segue aqui descrito, foi fruto de vários meses de
discussões entre os proprietários do edifício, investidores e equipe dos órgãos de patrimônio, sempre
mediadas pela equipe de projetos, cujo desafio foi integrar e compatibilizar expectativa e demanda
dos diversos atores envolvidos. O resultado é um projeto de uso que, mais que dar novo uso ao
patrimônio arquitetônico, valoriza o edifício, propõe um novo ponto focal da região da Rua Chile e tem
mesmo o condão de vir a modificar o tecido urbano de seu entorno, dando nova vida à região.

Palavras-chave: Ecletismo; Salvador; restauração; centro cultural; intervenção

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06 a 08 de outubro de 2021
APRESENTAÇÃO

O palacete tem sua história e localização ligadas à dinâmica econômica da Bahia no século
XX, período de opulência do comércio da Rua Chile em Salvador. Como lembra Mílton
Santos (2008) “o comércio, os gabinetes médicos, os salões de beleza, outros serviços e
também o simples trottoir elegante dos fins de tarde na Rua Chile atraem uma multidão de
pessoas que se sucedem em um vaivém incessante” (Santos, 2008, p. 126). Nas décadas
de 20 a 50 a Rua Chile era o centro de elegância da capital baiana. Portanto, trabalhar neste
edifício é compreender não apenas seu espaço físico, em suas paredes em blocos de barro
e pedra, mas também sua significância e importância, assim como a ativação deste espaço.

O edifício foi encomendado pelo comendador Bernardo Martins Catharino ao arquiteto


italiano Rossi Baptista, com a intenção primordial de sediar a Associação dos Empregados
do Comércio da Bahia (AECB), ou seja, um edifício institucional, com espaços para serviços,
eventos, encontros e comércio. Dessa forma, o fluxo estabelecido por esta edificação, assim
como os usos ali existentes, exerciam intensa troca com a população da cidade de
Salvador. Dessa maneira, é importante que o novo plano de uso e ocupação deva assegurar
que o edifício se mantenha em funcionamento, exercendo seu caráter de polo atrativo que
outrora já foi estabelecido. Sendo esse um é um ato de respeito e esforço de preservação
ao seu legado histórico e sua relação com o entorno.

Partindo deste ponto, a inserção de novo uso no Palacete Tira Chapéu deve ser feita de
modo a respeitar todos os potenciais artísticos, arquitetônicos e sócio-culturais ainda
remanescentes, tanto do edifício quanto de seu entorno. Sob o ponto de vista do edifício, a
despeito das modernizações e processos ocorridos ao longo dos anos, principalmente nas
salas arrendadas do pavimento térreo, ainda é possível perceber suas características
arquitetônicas originais. O novo programa, no que tange à intervenção e proposta para a
edificação, compreende a potencialidade do edifício, em seu porte e valores arquitetônicos,
históricos e artísticos. Uma vez que a recuperação dos antigos hábitos já não é mais
pertinente, cabe também a renovação da ocupação deste espaço.

Sob o ponto de vista urbanístico, o entorno do edifício demanda uma atenção especial, haja
vista seu papel como área de transição entre a cidade medieval (o Pelourinho) e a cidade
comercial contemporânea (o binário Av. Sete de Setembro e Carlos Gomes). O desafio aqui
é reconstituir o continuum do tecido urbano, atualmente esfacelado e dividido entre os dois
polos: a região da Rua Chile foi esvaziada, e atualmente conta com dezenas de edifícios
desocupados. A criação dos eixos de ocupação para o norte, das áreas do Iguatemi e da
Av. Paralela, promoveu um desinteresse econômico da região a partir dos anos 1970 e de
maneira ainda mais acentuada nas primeiras décadas do séc. 21. Esse esvaziamento
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6 a 8 de outubro de 2021
acabou por contribuir para o congelamento tipológico de muitos edifícios, e com isso a
integridade física desse patrimônio, apesar dos comprometimentos estruturais e das
patologias decorrentes da falta de manutenção, acabou sendo conservada. Por conta disso,
foi resguardada certa integridade do conjunto, que começa a ser redescoberto em seu
potencial de ocupação. Exemplo mais recente disso são os dois grandes hotéis de luxo
recentemente restaurados e inaugurados, Fera Palace e Fasano, coincidentemente ambos
em edifícios art déco.

O início dos estudos por este grupo não poderia portanto furtar-se a esse papel e a esse
momento da região da Rua Chile, que entende ter o condão de reavivar a área em que está
inserido. Não custa lembrar que a Rua Chile, antiga Rua Direita, foi a primeira rua do Brasil
e durante uns bons anos a mais sofisticada rua da cidade de São Salvador.

A partir dessas constatações, e de vários meses de discussões entre os proprietários do


edifício, investidores e equipe dos órgãos de patrimônio, sempre mediadas pela equipe de
projetos, o uso proposto tem o desafio de integrar e compatibilizar expectativa e demanda
dos diversos atores envolvidos. Entre as primeiras constatações, estava o entendimento de
que, sob o ponto de vista do uso, a nova proposta deveria permitir acesso público, e, sob o
ponto de vista do edifício, a intervenção deveria partir das próprias divisões internas e
circulação original do edifício. Com isso, descartaram-se propostas que visavam a
demolição completa do interior, mantendo apenas volume e fachadas (as premissas da
proteção dos órgãos de patrimônio), bem como aquelas que visavam o uso como comércio
contemporâneo (a expectativa inicial dos empreendedores).

Em vista dos aspectos já discutidos, como a magnitude, localização e imponência do


edifício, foi identificado seu potencial como polo atrativo de públicos distintos: de moradores
do centro e visitantes de outros bairros, a turistas nacionais e estrangeiros, de temporada ou
de um só dia. Ora, o denominador comum entre públicos tão distintos encontra-se no
fortíssimo apelo das idiossincrasias culturais baianas, já cantadas e decantadas no país e
no exterior, em linguagens tão variadas como a arquitetura, a música, a gastronomia e as
artes. Como arquitetura e artes estão já naturalmente presentes no próprio edifício, a equipe
desafiou-se e a se concentrar também nos outros eixos culturais baianos ainda ausentes do
edifício.

Com isso, a partir da leitura do edifício, de seu entorno e da cultura da região, ficou clara e
evidente a proposta de novo uso como um centro gastronômico cultural. A ligação cultural e
afetiva entre nativos, visitantes e turistas e a culinária regional levou naturalmente à
concepção do Palacete Tira-Chapéu como núcleo de incentivo à cultura, à culinária e ao
turismo.
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06 a 08 de outubro de 2021
Finalmente, o uso controlado do espaço com o fino da cultura gastronômica baiana é não só
um ato de respeito e um esforço de preservação de um legado histórico, mas também de
fundamental importância para garantir a cadeia produtiva enquanto atividades de valor
econômico e turístico. Além dos ambientes do salão da plenária e biblioteca garantem
naturalmente o espaço para atividades de convívio entre gastronomia, artes plásticas e
performáticas.

HISTÓRICO: SALVADOR E O EDIFÍCIO

Salvador foi fundada em 1549, quando os portugueses criaram a primeira metrópole lusitana
no novo mundo. O traçado da cidade seguiu os métodos portugueses em terras europeias,
não só em relação aos edifícios, mas principalmente à sua localização e à maneira pela qual
se desenvolveu. Salvador foi edificada sobre uma escarpa alta, dominando larga extensão
de água e com traçado urbano adaptado à topografia, uma lógica adequação ao relevo
(Smith, 1955), o que implica adaptações que reduzem a dimensão dos quarteirões,
compondo formas trapezoidais. “Nesse ponto, ela é um bom exemplo do saber
renascentista: explorar ao máximo a geometria a partir da topografia.” (Coelho Filho, 2004).
O resultado é um conjunto íntegro, no qual cada parte tem função, relação e proporção em
relação a si e ao todo.

A cidade, dividida por uma falésia, tinha na parte baixa o seu porto e com ele o comércio ao
longo do cais, enquanto na parte alta funcionava a vida urbana, com os poderes
administrativos, religiosos e as habitações. Seguindo a tratadística renascentista das
cidades luso-brasileiras no século XVI (Coelho Filho, 2004), na cidade alta foram concebidas
duas praças: uma com representação religiosa e outra com representação administrativa. A
sede administrativa da cidade era representada pela Casa de Câmara e pela Casa dos
Governadores, edifícios de maior sofisticação do ponto de vista civil. E é partindo desta
localidade que surge aquela que seria considerada a primeira rua do Brasil, a Rua Direita
das Portas de São Bento, atual Rua Chile.

Esse logradouro, que concentrava o maior fluxo de civis e de mercadorias, ganhou logo
outro nome: Rua Direita dos Mercadores. A rua, que receberia ainda o nome de Rua do
Palácio, conserva seu traçado original: “até por volta de 1890, ruas e caminhos da Salvador
conservaram-se tal como Vilhena os descrevera no início do século” (Mattoso, 1992).

Já no século XX, a Rua Chile – a esta altura novo nome da antiga Rua Direita – seria alvo
de um grave acontecimento, o bombardeio de Salvador de 1912. Tropas federais
comandadas pelo general Sotero de Menezes abriram fogo contra a cidade na tarde de 10

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de janeiro. Este ato foi autorizado pelo então presidente da república, Hermes da Fonseca,
que apoiava a candidatura de J. J. Seabra ao governo do Estado da Bahia. O bombardeio, a
partir dos canhões dos Fortes São Marcelo, de São Pedro e Barbalho, romperam fogo
acertando as duas primeiras balas junto à base do Palácio do Governo que logo foi tomado
pelas chamas, assim como residências na Rua Chile. O conflito acabou por envolver polícia,
exército e a população numa praça de guerra, resultado do conflito entre oligarquias locais
numa disputa eleitoral. Ao fim, edificações importantes foram parcial ou inteiramente
destruídas, como o Palácio do Governo (atual Palácio Rio Branco), a Biblioteca Pública
(também na Praça Tomé de Souza), o Teatro São João, casas e lojas na Rua Chile.

Após tais perdas, a Rua Chile passa por readaptações e reconstruções, época de
introdução do art nouveau e de ecletismo (Reis Filho, 2014). A nova construção da AECB,
iniciada nesse momento, respeitaria o gabarito pré-estabelecido pelas edificações
adjacentes.

Após a vitória política de Seabra, a Rua Chile constitui-se em umas das áreas prioritárias do
urbanismo implantado pelo novo governo, que tinha como meta “substituir o velho pelo
novo, abrir avenidas largas, demolir prédios antigos, higienizar, tornar a cidade salubre, mais
bonita, desenvolver o comércio” (Oliveira, 2008, p. 97). Tais reformas trouxeram como
consequências o alargamento, pavimentação e alinhamento da Rua Chile “desapropriando-
se e demolindo-se todas as casas do quarteirão do lado da banda da terra e construindo-se
alguns poucos edifícios” (ibidem, p. 105).

A arquitetura eclética e a atuação dos arquitetos italianos em Salvador vêm sendo


estudados nos últimos anos por alguns pesquisadores, como Andrade Júnior (2007), que
destacou as primeiras décadas do séc. XX como momento de atuação os arquitetos e
engenheiros estrangeiros, especialmente italianos, que “vão se ocupar da construção dos
novos edifícios institucionais e da renovação dos antigos palácios e sobrados coloniais, ao
mesmo tempo em que erguem os palacetes da nova burguesia baiana” (Andrade Júnior,
2007).

Puppi (2009) aponta ainda diversos nomes de mestres italianos responsáveis pelo acervo
arquitetônico no estilo eclético que nos foi legado daquele período. Os edifícios art déco, ao
contrário, carecem ainda de pesquisas para identificação e registro.

Depois de edificados os primeiros novos edifícios, a Rua Chile se tornaria uma das áreas
com maior concentração de lojas, cinemas, casas de chá, livrarias e cafés, como o famoso
Café das Meninas que funcionava no mesmo edifício na Rua d’Ajuda, que recebeu durante
muitos anos jovens intelectuais, políticos e estudantes de Salvador.

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O OBJETO

O projeto do Palacete foi concebido pelo arquiteto italiano Rossi Baptista, responsável por
outras obras na capital baiana. O partido e as composições são típicos desse momento,
financiadas, principalmente, pela elite baiana que atravessavam um período de ascensão
econômica com a produção de fumo no Recôncavo, de cacau no sul da Bahia e com a
indústria têxtil nas proximidades de Salvador, na passagem do séc. XIX para o XX. Alguns
autores associam esse processo de substituição de partido arquitetônico à intenção de
distanciar-se do passado português e integrar-se às novas forças econômicas da Europa
ocidental:

a partir da década de 1910 (...) o eclético se torna a linguagem arquitetônica oficial


do poder público e do poder econômico, com as mais imponentes e significativas
construções de Salvador sendo objeto de reformas internas e externas, nas quais as
características ligadas ao passado colonial português eram suprimidas e substituídas
por uma ornamentação eclética com referências simultâneas às diversas vertentes
histórico-geográficas da arquitetura européia, como o barroco francês ou o
renascimento italiano (Andrade, 2007).

O Palacete Tira-Chapéu foi concebido para uso comercial e administrativo, ocupação que
começa a surgir em Salvador no início do século XX, com a crescente separação dos locais
de residência e trabalho (Reis Filho, 2014). O edifício, portanto, tem em seu programa de
necessidades original lojas para arrendamento no pavimento térreo, salas de escritório, sala
plenária e salão nobre e biblioteca no pavimento 1 e salas para serviços (como clínicas e
laboratórios) no pavimento 2.

A estrutura física do edifício, por sua vez, também exibe marcas do período em que foi
erguida, paredes estruturais de tijolos e pedras, vigas e pilares de metal e ainda lajes em
vigas de madeira com assoalho de tábuas. Essa mescla é típica do período transicional,
com técnicas dos antigos sobrados aliada a novas tecnologias (Reis Filho, 2014).

Suas fachadas são compostas por elementos marcantes do ecletismo, capitéis, frisos,
cornijas, volutas e até elementos figurativos como os atlantes na entrada principal. No centro
da fachada da Rua Tira-Chapéu há um arco e um pórtico que valorizam o eixo central do
edifício, estabelecido em sua planta em “L”, como evidenciado no desenho original de Rossi,
de 1916 (Senna, 2006). As fachadas seguem o princípio de composição clássica, simétricas
e moduladas e resolvem os ângulos nas esquinas como um marco visual, no momento em
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que adota um chanfro no plano da fachada voltado para a Praça Tomé de Souza e o coroa
com um torreão.

Figura 1: À esquerda, Rua Chile, década de 40, em vista tomada da Praça Tomé de Souza
com a fachada antes da incorporação do edifício lateral. À direita, mesmo ponto de vista em
2010, já com a incorporação do edifício lateral, ocorrida na década de 1950.

A partir de fotografias da época (figura 1), é possível notar que ao longo da Rua Chile, ao
lado do Palacete, em 1920 havia outros quatro edifícios que completavam o quarteirão
ainda. O edifício adjacente se mantém até a década de 40, ao passo que a partir da década
de 50 observa-se já a fachada unificada àquela do Palacete, com a incorporação do edifício.
A fachada resultante foi obtida a partir da repetição da modulação das esquadrias e da
união da platibanda na fachada. Entretanto, uma análise mais detalhada dos ornamentos
mostra uma fachada mais simples que a fachada principal de Rossi. Em imagem aérea atual
ainda é possível notar as diferenças entre as coberturas dos dois edifícios. A partir de
estudos e prospecções, foi evidenciado também o uso de outras técnicas e materiais para a
construção dos edifícios: o Palacete original é estruturado por paredes de pedra e tijolos
maciços, ao passo que a área incorporada tem vigas e pilares de concreto armado (figura
2).

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Figura 2: À esquerda, detalhe de encaixe entre parede estrutural de bloco e pedra com
madeiramento que estrutura o piso de madeira, do edifício de 1917. À direita em vista,
pilares e vigas de concreto do edifício e da área incorporada.

O ecletismo se caracteriza por reunir em um mesmo exemplar características inspiradas em


diferentes estilos arquitetônicos do passado. Assim, o projeto de Rossi apresenta adornos
de inspiração barroca e clássico. Na composição da sua fachada, por exemplo, há colunas
com fustes canelados e capitéis coríntios, além de atlantes nas colunas antropomorfas e
movimento ordenado das esquadrias da fachada. No interior do edifício as mesclas de
referências são evidenciadas em pilares, pisos, disposição e forma das escadas e ainda nos
elementos decorativos em estuque nos forros e coroamento das paredes.

PARTIDO

A partir da constatação da importância que o antigo AECB exerceu na cidade de Salvador, a


preservação da memória desse espaço se torna um dos pontos centrais do processo
projetual para o novo uso, associada à estabilidade de autonomia econômica e institucional,
aspirando a longevidade do investimento. A partir da restauração do edifício, devidamente
aprovada pelo Iphan e Ipac, o novo uso deve respeitar o edifício, mantendo as
características principais e a partir disso adequando-as ao novo uso de Mercado
Gastronômico e Cultural. Assim, o partido se pauta no edifício em si, entretanto, uma vez
posta a não pretensão de recuperação de antigos usos, a intervenção deve dar espaço às
novas dinâmicas e equipamentos, beneficiando o edifício.

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Em termos de recuperação e restauração, o projeto então visa intervenção nos ambientes
que ainda demonstram suas formas tipológicas preservadas, assim como adequação às
normas de restauro nos ambientes que possuem algum tipo de tombamento vigente.

Num primeiro momento, ainda na fase de projeto, a equipe, juntamente com o Iphan,
decidiu-se por eliminar todas as intervenções identificadas como espúrias. Foram
identificados pisos laminados vinílicos sobre piso de ladrilhos hidráulicos originais (figura 3),
pinturas em paredes (sobre pinturas ornamentais), bem como porções de reboco em fase de
desagregamento e paredes de alvenaria subdividindo lojas do térreo. Procedeu-se ainda à
decapagem de metais, ferragens e esquadrias, bem como de alvenarias. Após essa fase
inicial de limpeza, a equipe partiu para buscar identificar possibilidades de uso a partir das
características dos espaços.

Figura 3: Pisos laminados vinílicos, sobrepostos ao piso de ladrilhos hidráulicos original (à


direita, após a remoção do laminado)

A decisão, por assim dizer, mais drástica no corpo do edifício, foi a abertura de vãos e
passagens nas paredes no pavimento térreo, de forma a proporcionar integração e
circulação entre os vários espaços. Outra opção foi decapar totalmente algumas paredes de
alvenaria estrutural, que não possuíam pinturas artísticas, de modo a deixar expostos os
tijolos de barro e pedras. A mesma opção foi aplicada nas vigas de madeira de pisos, em
locais onde já não existia forro. A ambientação assim obtida – paredes de pedra sem reboco

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e teto com vigas de madeira expostas – proporciona ao visitante atmosfera de um tempo
passado, remetendo à dimensão histórica do edifício.

Figura 4: O Salão da Rua Chile, em seu estado atual e detalhe de maquete com proposta
de ocupação. Aos fundos, à esquerda, veem-se as aberturas nas paredes. Destacam-se os
pilares metálicos e o piso em mosaico originais.

Já novas intervenções devem marcar o tempo presente, demonstrado em materiais


estruturais ou de revestimento diferentes daqueles já presentes no palacete. A disposição
dos ambientes deve ser pensada de modo a facilitar o trânsito e a circulação, assim como
um ambiente de melhor permanência, possibilitando que, ao caminhar pelo térreo, o olhar
do visitante possa passear pelas aberturas – já existentes – para as Ruas Chile, Tira-

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Chapéu e D´Ajuda, que devem ser fechadas apenas com vidro ou material translúcido
similar.

Para além disso, ao buscar garantir a investidores e parceiros retorno econômico e


institucional, a expectativa é que o edifício se veja valorizado em uso adequado a suas
dimensões histórica e construtiva. De fato, a equipe acredita ser grande o potencial de uso e
ocupação do patrimônio edificado do país, agregando todo este acervo econômico e cultural
como indutor de desenvolvimento e distribuição de renda.

REFERÊNCIA CONCEITUAL

O aproveitamento de edificações antigas para novos usos contemporâneos é prática já


consolidada em várias cidades. No caso específico do uso definido para o palacete,
estudou-se o processo de conversão de edifícios comerciais ou institucionais, Em especial a
partir de edifícios do mesmo período, caso da fábrica Carpano (1898), adaptada por
Ambrosini et al. (2007) para sediar um centro cultural gastronômico em Turim, bem como
adaptação similar levada a cabo na Galeria Vittorio Emanuelle (Mengoni, 1877) de Milão. No
Brasil, merece menção a adaptação pioneira da antiga sede da Light em S. Paulo (Preston e
Curtis, 1925), levada a cabo em 1999 (Faggin, 2001).

Em termos de uso, uma referência importante foi o Mercado de San Miguel, em Madri.
Originalmente um mercado de pescado ao ar livre, no século XIX, passou por um período de
decadência e quase destruição, até ser adquirido por um grupo de investidores. O espaço
foi restaurado e remodelado e finalmente reaberto em 2009, com a proposta de oferecer os
melhores alimentos da cidade “prontos para comer ou levar''. Este novo uso conquistou não
apenas os moradores da cidade, mas visitantes de todo o mundo.

Mais de 100 anos se passaram desde que o Mercado de San Miguel foi inaugurado
como um mercado de alimentos. Hoje, este edifício histórico é um dos principais
mercados gastronômicos do mundo, pois permite aos seus visitantes um passeio
pela essência e pelos sabores de cada um dos cantos da Espanha.
(<https://mercadodesanmiguel.es/>)

A experiência bem sucedida que o novo uso atribuiu a este espaço, bem como as premissas
similares do histórico do edifício, mostraram-se portanto uma referência conceitual chave
para a proposta deste projeto.

PROGRAMA DE USO E NECESSIDADES

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O programa de necessidades foi elaborado a partir de estudos em duas frentes: uma
imanente ao próprio edifício; outra em análise do mercado e da cultura da cidade e da
região. A partir do entendimento ganho nessa etapa, definiu-se pelo uso como Mercado
Cultural com foco gastronômico. Como já dito, ficou claro que o fluxo de visitantes não se
limitará a apenas fornecedores, chefes e população locais, mas deverá atrair também a
população da cidade e turistas nacionais e estrangeiros.

O térreo pretende ser ocupado por três espaços: O Mercado, espaço para vendas de
alimentos prontos e para levar; o Espaço de Restaurantes, que pretende ter três operações
de excelência e ainda mesas para ocupação e consumo no local; e o Espaço de Operação
dos serviços ofertados, com cozinhas de operação, espaço de entrada e armazenamento de
alimentos e produtos, limpeza, e saída de resíduos sólidos.

O pavimento 1 deve possuir em seu escopo a reativação dos imponentes espaços da


edificação, reocupando a antiga biblioteca com seu uso original e agregando-a a um café. O
salão nobre será destinado a espaço de eventos e exposições, e um bistrô deve ocupar uma
das salas, assim como a administração, além de uma cozinha de operação. O Salão da
Plenária deve se manter em funcionamento, criando um espaço multiuso dedicado à
dinamização de ativos performáticos culturais da região. A expectativa é vir a tornar-se
referência em cultura, arte local e dinamização econômica do lugar.

Já o pavimento 2 tem a previsão de ocupação por dois restaurantes em formato tradicional,


de chefs renomados, além de cozinha experimental, para que o público possa viver a
experiência gastronômica dos dois lados do balcão: comensal e autor.

A circulação ocupou boa parte dos estudos, tanto horizontal como vertical. Uma importante
alteração na ocupação do edifício foi a integração dos ambientes do térreo pelo interior do
edifício: anteriormente, as salas eram separadas umas das outras, local para
estabelecimentos comerciais independentes, com acesso apenas pela rua. Ao passo que a
escada monumental da entrada principal deve manter seu papel como acesso mais
importante, o interior deve ser dotado de escada rolante, bem como de novo elevador
auxiliar, além da recuperação do antigo elevador.

RESTAURAÇÃO

A premissa básica do processo de restauração de um edifício de tal complexidade e


excepcionalidade no contexto de Salvador foi manter o máximo grau de preservação do
bem, sem alteração formal ou tipológica, apenas com a finalidade de consolidar e adaptar o
espaço. Assim, o tratamento e a atitude no momento da intervenção em estruturas,
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fechamentos, revestimentos e bens integrados buscaram a mínima intervenção, buscando-
se sempre que possível manter os elementos originais do edifício.

Com isso, as diretrizes balizadoras deste processo foram a recomposição de partes


fragmentadas, a reintegração de pequenas partes, a restauração de elementos
arquitetônicos e construtivos utilizando materiais e técnicas próprios da época, com
aproveitamento máximo do material original e remoção dos acréscimos espúrios que
dificultem a compreensão do edifício e dos bens integrados.

Figura 5: À esquerda, vitral, imagem interna a partir do pavimento 1. À direita,


grafismos em mosaico de pastilhas, com sua redução na margem inferior

Nesse processo, um dos principais desafios, além das fachadas principais, é o tratamento
das pinturas parietais, afrescos, adornos, marmorinos e pintura artística de forro. A
reintegração da pintura será feita utilizando tinta maimeri para restauro (ou similar),
utilizando a técnica de esgrafiato ou pontilhismo para que seja possível a reintegração
visual, ao mesmo tempo em que possibilita distinguir o que é novo do anterior. A
recomposição dos trechos comprometidos estará em obediência às características
existentes.

Convém ressaltar que a equipe, assim como técnicos do patrimônio, resistem a eventuais
impulsos corretivos, como o tratamento dos vidros pintados como vitral, a correção de
problemas de perspectiva ou mesmo a eliminação dos grafismos originais no pavimento 2,
que em sua leitura contemporânea poderiam rememorar a suástica nazista (figura 5),
inobstante a data de construção do edifício anteceder em pelo menos uma década aquele
uso.

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ADAPTAÇÃO

Diferentemente da restauração, a proposta de adaptação pretende viabilizar o novo uso.


Para tanto, fazem-se necessárias intervenções mais drásticas no edifício, como as novas
aberturas em paredes internas pré-existentes, a fim de estabelecer um fluxo interno na
edificação, uma vez que no térreo não há acesso entre lojas, como já dito. Novos fluxos de
acessos verticais também serão estabelecidos por novas escadas rolantes que devem dar
acesso do pavimento térreo ao segundo pavimento, além de novo elevador, ambos
implantados na parte mais recente do edifício, acréscimo feito na década de 1950, em
estrutura em concreto. Além disso, estruturas de cozinha e quiosques devem ser
executadas, utilizando-se de pilares e vigas metálicos, além de fechamento com paredes de
gesso, marcando as novas intervenções e deixando-as passíveis de reversibilidade.

Os revestimentos escolhidos pretendem dialogar com o prédio, uma vez que este já possui
diversos pontos artísticos relevantes, mas sempre sem a intenção de falsear sua inserção,
ou seja: preveem-se materiais que não se confundam com os originais. Com isso, a
proposta é de utilizar pisos de ladrilhos hidráulicos no térreo, com formato semelhante aos
originais mas com dimensões consideravelmente superiores, de maneira que seja
perceptível a nova intervenção; mesmo caso dos procedimentos para recuperação dos
lustres e luminárias faltantes, entre outros procedimentos.

CONCLUSÃO

O projeto pretende devolver à cidade de Salvador o palacete com seu novo uso, mas
também como testemunho das técnicas e materiais desse importante período histórico, de
crescimento e pujança econômica da cidade. Para isso, o caminho de recuperação do
projeto pretende preservar e consolidar as técnicas, materiais e estéticas ainda presentes no
edifício, além da tipologia arquitetônica e percepção dos seus espaços. No que diz respeito
ao novo uso de mercado gastronômico e cultural, pretende-se dotar a região de um
aglomerado potencializador da culinária, arte e economia locais, com atrativos que
pretendem ser referência na intervenção e gestão de edifícios tombados do Brasil.

A definição dos usos e ocupações do Palacete se deu com intuito de obter um edifício
difusor das criações baianas, a partir de sua história, adicionando novos usos e,
primordialmente, compatibilizando-os com os acervos arquitetônicos e artísticos já
existentes.

BIBLIOGRAFIA
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ANDRADE JÚNIOR, Nivaldo Vieira de. “A Influência Italiana na Modernidade Baiana: o
caráter público, urbano e monumental da arquitetura de Filinto Santoro”. 19&20, Rio de
Janeiro, v. I, n. 4, out. 2007.

BACHER, E. “Vergangenheit und Gegenwart am Denkmal.” In: BOGNER, D, MÜLLER, P. Alte


Bauten, neue Kunst. Viena: Bundesverlag, 1986

COELHO FILHO, Luiz Walter. A Fortaleza do Salvador na Baía de Todos os Santos.


Salvador: Ed. KBR, 2004

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia Século XIX Uma Província no Império. Rio de
Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1992.

OLIVEIRA, Nevalda Freitas. Rua Chile, caminho de sociabilidades, lugar de desejos,


expressão de conflitos: 1900-1940; Tese (Doutorado em História) PUC São Paulo.

PUPPI, Suely de Oliveira Figueirêdo. “A arquitetura monumental de Salvador no início do


século XX: Uma resposta local a um processo internacional”. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n.
4, out. 2009.

REIS FILHO, Nestor Goulart. O quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva.
2014.

SANTOS, Milton. O Centro da Cidade do Salvador: Estudo de Geografia Urbana. 2.

ed. São Paulo: Edusp; Salvador: Edufba, 2008.

SENNA, Francisco; AZEVEDO, Paulo David. De Villa Catharino a Museu Rodin Bahia: Um
Palacete Bahiano e sua História. Salvador: Solisluna Design. 2006.

SMITH, Robert. “Arquitetura Colonial. Robert Smith e o Brasil – Arquitetura e Urbanismo.” In:
As artes na Bahia. Salvador: Ed. Livraria Progresso, 1955.

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A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO: ENTRE O
LEMBRAR E O ESQUECER
POLÍTICAS PATRIMONIAIS E DE PRESERVAÇÃO: Chile

ALENCAR, JULIANA. (1); CORDEIRO, BEATRIZ. (2); GUIMARÃES, MARCELLO.


(3); MIRANDA, ANDREA. (4).

1. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes


Belo Horizonte/MG
jcbba2020@ufmg.br

2. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes


Belo Horizonte/MG
beacordeiro@ufmg.br

3. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes


Belo Horizonte/MG
marcellogus@ufmg.br

4. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes


Belo Horizonte/MG
arlm@ufmg.br

RESUMO
Tendo como base a disciplina de Patrimônio Cultural, que aborda conceitos como tradição,
modernidade, memória e preservação, além de instrumentos e políticas relacionados ao Patrimônio,
estudou-se esse contexto no Brasil e em outros países. A partir do referencial teórico escolhido, o
livro “Patrimônio Cultural – conceitos, políticas e instrumentos”, de Leonardo Castriota, identificou-se
uma lacuna sobre as políticas patrimoniais e de preservação para os países da América Latina e na
tentativa de analisar esse cenário, foi proposto então um trabalho empírico de pesquisa. Após a
escolha do Chile como tema e tendo o livro como marco teórico, utilizou-se da busca em sites oficiais
do Governo deste país, bem como de artigos acadêmicos sobre o assunto. O trabalho, do qual
resultou esse artigo, trata da diferença na categorização de bens culturais, os principais bens
materiais e imateriais do país, seu patrimônio mundial declarado pela UNESCO e seus museus
nacionais. Concluiu-se que o patrimônio no Chile tem um significado muito particular, ligado à sua
ocupação territorial e aos seus eventos naturais, o que se reflete na forma de entender, tratar e
preservar seu capital cultural.
Palavras-chave: patrimônio, patrimônio cultural, políticas patrimoniais Chile.

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1. INTRODUÇÃO
Esse artigo tem sua origem no trabalho final da disciplina de Patrimônio Cultural, que consta
do currículo obrigatório do Curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis,
da Universidade Federal de Minas Gerais. Responsável pela disciplina, o professor
Leonardo Barci Castriota propôs um trabalho empírico de pesquisa sobre o patrimônio
cultural de países da América Latina.

A proposta veio da percepção de uma lacuna na abordagem de instrumentos, políticas e


identidade relacionados ao patrimônio, quando se trata dos nossos vizinhos continentais.
Essa abordagem é feita na disciplina, para estudo de conceitos como tradição,
modernidade, memória e preservação no contexto do Brasil, dos Estados Unidos da
América e da Europa, lançando mão, como referencial teórico, do livro “Patrimônio Cultural –
conceitos, políticas e instrumentos”, do referido professor.

Tendo o Chile como país de escolha para a pesquisa e trabalho, o grupo passou à fase de
pesquisa bibliográfica, utilizando os sites oficiais do Governo do Chile como a principal fonte
de informações, além de artigos científicos, entre outros. Dentre os sites pesquisados estão
o do Ministério de las Culturas, las Artes y el Patrimonio; o do Servicio Nacional del
Patrimonio Cultural; do Consejo de Monumentos Nacionales de Chile; do Sistema de
Información para la Gestión del Patrimonio Cultural Inmaterial (SIGPA). O conteúdo
resultante da pesquisa bibliográfica serviu para a elaboração de um relatório, uma
apresentação oral e um podcast como trabalho da disciplina de Patrimônio Cultural.
O resultado final desse trabalho está descrito no texto deste artigo, que foi dividido em três
seções. Esta introdução, logo depois, a segunda seção, que trata da história do Chile e da
construção da sua identidade e políticas de patrimônio, assim como a organização
institucional relacionada ao patrimônio material, imaterial e o patrimônio mundial. Por fim, as
considerações finais, com as conclusões obtidas através da pesquisa.

2. HISTÓRIA DO CHILE E SEU PATRIMÔNIO

2.1. Identidade do Chile - uma construção histórica e geográfica

A República do Chile, país localizado no sudoeste da América do Sul, possui uma extensão
territorial peculiar cujo desenho geográfico determina um perfil climático também singular,
indo do deserto mais seco do mundo, ao norte, a um clima de montanhas, com neve,
geleiras e fiordes, mais ao sul.

A presença da Cordilheira dos Andes, resultado da colisão das placas tectônicas de Nazca e
Sul Americana, é um sinal da instabilidade geológica da região, propensa a terremotos que
foram muito marcantes na história do país. Essa mesma cordilheira é também uma das
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responsáveis pelo padrão de ocupação do território e da exploração de seus recursos
naturais, fatores tão determinantes para a configuração da identidade chilena.

Administrativamente, o país se divide em 16 regiões, 56 províncias e 346 comunas. Essa


estrutura, guarda certa semelhança com a divisão brasileira, podendo-se fazer uma
correspondência dos Estados brasileiros com as províncias chilenas, e dos municípios com
as comunas. Entretanto, a divisão político-administrativa vai apresentar diferenças na
hierarquização desses níveis. O Chile, por ser uma República Unificada ou Unitária,
apresenta a nomeação de seus representantes, para os níveis de regiões - intendentes - e
das províncias - governadores -, controlada pelo Governo central e feita pelo Presidente da
República. Apenas no nível das comunas, os representantes - alcades (ou prefeitos) e
conselheiros comunais - são eleitos por voto popular. É importante apresentar essas
características para que se possa compreender a divisão institucional relacionada ao
patrimônio cultural do país, diretamente relacionada a essa hierarquização.

A história do Chile, em geral, não é diferente da história dos outros países da América
Latina: trata-se de um território invadido e colonizado por europeus, no século XVI, após o
domínio e massacre de seus povos originários. A colonização de exploração perdura até a
independência, no início do século XIX, seguindo-se um tumultuado processo político, que,
entre regimes republicanos e a ditadura, chega à democracia estável atual.

De acordo com o material pesquisado, esses aspectos históricos e geográficos são


basilares para o reconhecimento dos elementos que determinaram a constituição do Chile
como uma nação. Como primeiro elemento, aponta-se a importância dos povos originários,
sobretudo os incas e os mapuches – aqueles, pelo desenvolvimento de sua civilização e
estes, pela notável tenacidade. O povo mapuche resistiu aos ataques dos incas, dos
espanhóis e dos próprios chilenos. Merece destaque também, o povo rapanui, que apesar
de circunscrito à remota ilha de Páscoa, contribuiu com seu nível de complexidade social.

Em segundo lugar, aparece a forte influência estrangeira na formação do país. A


colonização pelos espanhóis, o ideário europeu que moldou e orientou a elite chilena, além
da presença incisiva dos Estados Unidos na economia e na política do Chile, por meio da
operação das empresas exploradoras do salitre e do cobre, do liberalismo dos Chicago Boys
e da interferência nos governos que se sucederam na república.

Como último elemento, a geografia do espaço, marcada pelos extremos. O território chileno
se estende latitudinalmente por uma longa e estreita porção de terra, apresentando
paisagens demasiado díspares, como as áreas geladas da Terra do Fogo, ao sul, e o
deserto de Atacama, ao norte. A heterogeneidade trazida pelos 4300 km de extensão
latitudinal torna-se ainda mais marcada pelo estreito intervalo de terras, no sentido leste-
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oeste: em apenas 175 km, em média, as altitudes extremas dos Andes, de um lado, e a
planície litorânea de outro. Tal desafio geográfico exigiu dos habitantes dessas terras
criatividade e habilidade que produziu um significativo conjunto de tecnologias de ocupação
do espaço e que definiu o perfil de todas as sociedades que povoaram e povoam o Chile.

A influência desses três elementos marca e configura profundamente a identidade


sociocultural chilena, sendo claramente identificados na escolha e reconhecimento dos bens
culturais declarados como Patrimônio Cultural Nacional e como Patrimônio da Humanidade
pela UNESCO.

Tomando-se como exemplo a Rede Viária Inca de Qhapaq Nan, que liga os picos nevados à
costa litorânea, passando por desertos, vales e florestas: estrutura que encerra complexa
técnica de engenharia, revelando expressiva habilidade na ocupação de um espaço inóspito
e hostil, além de permitir o intercâmbio cultural e comercial entre várias comunidades
andinas. As técnicas de construção adaptadas ao relevo e ao ambiente também ditaram a
arquitetura das Igrejas de Chiloé, as construções do bairro histórico de Valparaíso -
assentadas entre a topografia plana do litoral e a topografia íngreme das colinas -, as
oficinas de salitre de Humberstone e Santa Laura - que ocuparam o deserto árido - e a
cidade mineira de Sewell - empreendimento que buscou uma solução funcional que
viabilizasse a exploração do cobre e aprimorasse o deslocamento dos mineiros pelo terreno.

As igrejas de madeira de Chiloé, erguidas segundo técnicas dos indígenas e dos jesuítas
espanhóis, são ainda exemplos da integração de conhecimentos entre os povos locais e os
estrangeiros. A cidade corporativa de Sewell é símbolo da presença estrangeira na
exploração do cobre e uniu a força de trabalho local com os recursos tecnológicos da
empresa norte-americana. O bairro portuário de Valparaíso, que teve contato e influências
estrangeiras de diversas procedências, num porto que fazia a integração entre o oceano
Pacífico e o que provinha do Atlântico e, por fim, as oficinas de Salitre, que envolveram mão
de obra de bolivianos, chilenos e peruanos.

Tais construções e engenhos não só demonstram a destreza humana na ocupação e uso da


terra, mas também resultam da mescla dos dois outros elementos acima destacados - a
importância dos povos originários, associada à forte influência estrangeira.

2.2. Identidade e Patrimônio

As iniciativas que envolvem a preservação dos bens que representam a memória,


identidade e cultura chilenas não vêm de longa data, e permanecem em discussão e
atualização. Acreditando que o processo de patrimonialização vem como consequência de
outro processo, o da construção de uma identidade nacional, importa registrar, mesmo que

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brevemente, como aconteceu essa construção nacional do Estado chileno.

Esse evento tem início a partir do movimento de Independência, alcançada em 1818,


baseado em uma ideologia nacionalista, inspirada nos movimentos europeus de
modernidade e progresso. Através dele, as elites chilenas rejeitam o opressivo passado
hispânico, mas também excluem os povos “primitivos e selvagens”. No bojo do ideário
iluminista, ao longo do século XIX, a criação de museus, da Biblioteca Nacional (1813) e a
realização de exposições nacionais e internacionais dão suporte à construção dessa
identidade nacional e territorial. Na segunda metade do século XIX, os historiadores passam
a reconhecer a herança espanhola e a importância do resgate das ‘relíquias do passado’
para a afirmação de uma nacionalidade.

Diante do exposto, é importante perceber que a noção inicial de patrimônio cultural no Chile
é uma realidade construída sob os auspícios do Estado e das elites, com inspirações
europeias, principalmente a francesa. Na Europa, a legislação acerca da preservação de
monumentos já vinha se estabelecendo e essa influência era evidente sobre as ideias de
conservação e preservação e sobre os conceitos e disposições legais que seriam replicados
em território chileno.

Um curto percurso histórico através dos principais eventos relacionados à construção do


patrimônio do Chile como tal, pode ilustrar esse caminho:

FIGURA I – Linha do Tempo: Construção do Patrimônio Chileno

Fonte: Elaboração própria, 2021.

Cabe ressaltar nesse percurso, a criação do Museu Histórico Nacional (1911) e do Conselho
de Monumentos Nacionais – CMN (1925), assinalando um reconhecimento inicial das
diversas identidades que formaram e conformaram o Chile, desde o pré-hispânico até a sua
configuração atual. O acervo naturalístico e arqueológico ofereceria uma imagem da riqueza
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do país, a ideia de nação e o que significa “ser chileno”. Num movimento de recuperar o
passado, como meio para criar uma identidade nacional comum, o reconhecimento das
raízes daria consistência e legitimidade à nação.

Simultaneamente à criação do CMN, surge a primeira legislação relacionada ao patrimônio


histórico do Chile, o Decreto Lei sobre Monumentos Nacionais, influenciada diretamente
pela Conferência Pan-americana, realizada em Santiago em 1923. Assim como nas outras
Conferências Americanas do início do século XX em várias cidades da América Latina, esta
aborda, dentre outros assuntos, questões sociais e culturais, seguindo um espírito de união
continental americana e já discutindo a criação de museus para a preservação de histórias e
memórias.

Outro evento a ser destacado é a criação, em 1929, da Direção de Bibliotecas, Arquivos e


Museus (DIBAM), organismo então subordinado ao Ministério da Educação, responsável
pelas instituições culturais e patrimoniais e cuja função era preservar as principais coleções
bibliográficas, culturais, artísticas e científicas do país. Sua importância é tal que só viria a
ser substituída em 2018, pelo Serviço Nacional do Patrimônio Cultural, quando da instituição
do Ministério da Cultura, Artes e Patrimônio.

Após um período de engessamento da legislação e de pouca evolução do campo


patrimonial, com a ratificação da Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural (1972), feita pelo Chile em 1980, o país se compromete a adotar
medidas legais, científicas, técnicas, administrativas e financeiras apropriadas para
identificação, proteção, conservação, reavaliação e reabilitação do seu patrimônio. É a
UNESCO, aliás, que vai subsidiar as leis relativas ao patrimônio no Chile, no decorrer dos
anos, e algumas críticas vão surgir quanto a pouca especificidade desta legislação.

Nos fins do século XX, o campo do patrimônio vai ter seu conceito ampliado, por exemplo,
com a incorporação do termo ‘paisagem’ às diretrizes da própria UNESCO, em 1988. Ao
conjunto de critérios balizadores para o reconhecimento de um bem patrimonial, antes
restrito aos estéticos e históricos, assomam-se as relações e obras conjuntas do homem e a
natureza, as tecnologias usadas para ocupar o espaço, as interações entre cultura e meio
natural que caracterizam termos como ‘paisagem cultural’, bens ambientais e patrimônio
ambiental urbano.

Nessa sequência, e como consequência desse processo, configuram-se conceitos e


diretrizes para o patrimônio imaterial, consolidados na Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO, de 2003, assinada pelo Chile em 2008. No início
dos anos 2000, vários sítios no Chile são declarados Patrimônio Mundial, considerando
essas interações entre o engenho humano e a ocupação do espaço e os conhecimentos
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comungados por povos autóctones e conquistadores/colonizadores.

A legislação, então, precisou ser revista, pois até então, não contemplava manifestações
imateriais e, portanto, não reconhecia oficialmente, nem protegia o Patrimônio Imaterial.
Apesar das reformulações do Decreto Lei de 1925, principalmente as realizadas em 1970 e
a atualização mais recente, de 2019, permanece a discussão relativa à regulamentação
adequada à preservação do patrimônio imaterial. A questão de se preservar sem “congelar”
ou “engessar” uma manifestação cultural, que é dinâmica por natureza e tem uma vitalidade
própria, é ponto chave nessa discussão.

A acentuada importância que o patrimônio passa a representar pode ser percebida na


recente implantação, em 2018, de um Ministério das Culturas, Artes e Patrimônio, com a
reformulação da estrutura institucional envolvida nesse processo. Desse movimento, surge o
Serviço Nacional do Patrimônio Cultural, setor encarregado de estabelecer políticas e
planos, na formulação e execução de programas relacionados ao folclore, culturas
tradicionais, herança indígena, patrimônio cultural tangível e imaterial, infraestrutura
patrimonial, participação cidadã em processos, memória e políticas públicas em torno do
patrimônio.

O mesmo movimento de reformulação institui o Sistema de Informação para Gestão


Patrimonial (SIGPA), plataforma base para a elaboração do Inventário do Patrimônio
Cultural Imaterial do Chile. Através dele, o Estado chileno dá cumprimento ao compromisso
assumido na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO,
quanto a registrar os acervos culturais tradicionais contidos no território nacional.

Paralelamente, outros órgãos foram criados pela sociedade civil, voltados ao patrimônio
cultural, como Amigos do Patrimônio Cultural do Chile e a Corporação Chilena do
Patrimônio Cultural, revelando uma tendência de participação da sociedade no
reconhecimento e proteção do patrimônio nacional. Tendência essa também observada na
atualização da Lei de Monumentos Nacionais, publicada em 2019 e que contou com
discussão pública envolvendo os órgãos federais, representantes de organizações civis,
especialistas, estudantes e acadêmicos. Uma versão ampliada desse instrumento foi
aprovada na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, em maio de 2021. Seus
aportes incluem a ampliação das categorias de proteção - bens móveis, paisagens e roteiros
culturais, sítios de memória, memoriais, patrimônio imaterial; procedimentos de participação
cidadã e equilíbrio entre representantes técnicos do setor público e sociedade civil nos
Conselhos Regional e Nacional; subsídios ao patrimônio material e imaterial; compromisso
com uma Lei de Patrimônio Cultural Indígena, com consulta prévia e legislação sobre
desenvolvimento de atividades comerciais que envolvem a cultura imaterial.
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2.3. Instituições Patrimoniais e sua Organização Interna

No que tange à estrutura governamental do Chile, como citado anteriormente, o poder se


mantém centralizado ao Estado, devido ao unitarismo. Assim, o mesmo padrão se mantém
nas instituições responsáveis pelo patrimônio do país, como é possível observar no
organograma abaixo, adaptado do site do Ministerio de las Culturas, las Artes y el
Patrimonio (2018):

FIGURA II – Organograma das Instituições Patrimoniais do Chile

Fonte: Elaboração própria, 2021.

Ainda que o Ministério da Cultura, Artes e Patrimônio utilize a definição de Patrimônio


Cultural da UNESCO, a categorização dos bens em contexto nacional é específica do país.
Assim como no Brasil são usados os Livros de Tombo, no Chile existem as categorias de
Monumentos Nacionais estabelecidas pelo Conselho de Monumentos Nacionais do Chile
(CMN), reunidos em um Catálogo de Monumentos (Consejo de Monumentos Nacionales,
2014). É importante salientar que neste tópico trataremos apenas do patrimônio material
reconhecido nacionalmente, o patrimônio imaterial e o mundial serão abordados a posteriori.

O Conselho de Monumentos Nacionais (CMN), nos dias atuais, é presidido pelo


Subsecretário do Patrimônio Cultural e classifica os patrimônios em cinco categorias,
estabelecidas desde a Lei de Monumentos Nacionais (CHILE, 1970), são elas:

● Monumentos Históricos
● Monumentos Públicos

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● Áreas Típicas
● Monumentos Arqueológicos
● Santuários da Natureza

O Ministério de Cultura, Artes e Patrimônio tem o objetivo de garantir a coordenação e


coerência das políticas, planos e programas de cunho cultural e patrimonial e sua
incorporação na ação do Estado (Ministerio de las Culturas, las Artes y el Patrimonio, 2018).
Juntamente ao Ministério, foram criados também a Subsecretaria de Cultura e Artes, a
Subsecretaria de Patrimônio Cultural, o Serviço Nacionalde Patrimônio Cultural (SNPC) e as
Secretarias Regionais. Segundo a Ley 21.045:

“O Ministério, na qualidade de órgão de governo, assegurará a


coordenação, consistência e coerência das políticas, planos e programas
em matéria cultural e patrimonial, e zelará pela sua incorporação de forma
transversal na ação do Estado.” (CHILE, 2017, § 1° artículo 2, tradução
livre)
De acordo com o site do Ministério das Culturas, Artes e do Patrimônio, a Subsecretaria de
Cultura e Artes, formada pelo Conselho Nacional do Livro e da Leitura, pelo Conselho de
Música Nacional e pelo Conselho de Arte e Indústria Audiovisual, é responsável pela direção
administrativa das Secretarias Regionais e pelo serviço interno do Ministério, propondo e
executando políticas relacionadas ao cumprimento das funções ministeriais estabelecidas
pela lei.

A Subsecretaria de Patrimônio Cultural e o Serviço Nacional de Patrimônio Cultural (SNPC)


são interligados. A Subsecretaria é encarregada da coordenação do SNPC e de propor
políticas patrimoniais ao Ministro, enquanto o Serviço Nacional é o órgão responsável pela
implementação dos planos, além de delegar funções às Diretorias Regionais, a partir da
necessidade de cada região.

Responsável também pelo reconhecimento e gestão dos museus nacionais e regionais, o


Serviço Nacional tem como objetivo principal a administração dos bens protegidos e
reconhecidos, além de garantir o acesso ao patrimônio de forma diversa, visando contribuir
para o conhecimento e qualidade de vida da população (Servicio Nacional del Patrimonio
Cultural, 2018).

Quando se comparam as políticas de decisão e preservação do patrimônio em diferentes


nações, percebe-se no Chile, assim como para o Brasil e a Europa, o papel decisivo,
fundamental e soberano do Estado. Ao contrário do acontece em países como os Estados
Unidos, em que a participação da sociedade civil está no centro das decisões sobre o que
preservar e como preservar. Entretanto, um aumento na participação popular tem sido
observado.

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De acordo com Valdebenito (2012, p.1), a mobilização da participação cidadã em
organizações patrimoniais leva a uma participação desses entes na gestão da cidade e a
uma mudança em sua relação com o governo. A inserção dessas organizações no cenário
da administração do patrimônio amplia o entendimento desses bens como um direito dos
cidadãos, que passam a atuar como os principais responsáveis pela preservação e gestão
de seu patrimônio, em lugar do Estado e mesmo da UNESCO. O patrimônio passa a ser
percebido pela própria comunidade como elemento central na sua estrutura de identificação
como grupo.

2.4. Patrimônio Nacional Material

Para ações decisórias sobre o reconhecimento e declaração de determinados elementos


como Patrimônio Nacional, o Conselho de Monumentos Nacionais conta com três
comissões: a Comissão do Patrimônio Histórico, que trata dos Monumentos Históricos e
Monumentos Públicos; a Comissão do Patrimônio Arquitetônico e Urbano, tratando dos bens
arquitetônicos dos Monumentos Históricos e Zonas Típicas e a Comissão do Patrimônio
Natural, que decide sobre os Santuários da Natureza (Consejo de Monumentos Nacionales,
2014). Segundo o CMN, as comissões são encarregadas da avaliação e reconhecimento,
pedidos de instalações, transferências, intervenções e restaurações dos bens discriminados
em suas respectivas categorias.

Os Monumentos Históricos se caracterizam como lugares, ruínas, construções e objetos, de


posse pública ou privada, que pelo seu caráter histórico ou artístico ou por sua antiguidade
tenham sido declarados por decreto supremo como tais. (Consejo de Monumentos
Nacionales, 2014, tradução nossa). Esses bens perfazem um total de 913 monumentos que
são declarados monumentos por “[...] decreto supremo do Ministério da Educação,
geralmente em resposta a uma solicitação de pessoas, comunidades ou organizações, com
a prévia anuência do CMN.” (Ibid.)

A categoria de Monumentos Públicos conta com 515 monumentos instalados em espaços


públicos - estátuas, colunas, fontes, placas ou inscrições - representando figuras (indivíduos
ou grupos) ou eventos de destaque na cultura e história nacionais.

“Para serem reconhecidos como Monumentos Nacionais, os Monumentos


Públicos não carecem de declaração expressa por decreto, são de
competência única da Lei n.º 17.288. [...] Atualmente, avança-se no
cadastro nacional da existência de diversos monumentos públicos.” (Ibid.)
As Zonas Típicas muitas vezes se constituem como uma unidade com o ambiente de um

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Monumento Histórico, tendo seu valor enraizado em “[...] determinadas populações ou
lugares, paisagens, modos de vida, etc., sendo de interesse público a sua manutenção no
meio urbano ou na paisagem de forma a preservar essas características ambientais.” (Ibid.)
Podem constituir uma cidade tradicional, um centro histórico, o ambiente de um Monumento
Histórico, área ou complexo.

Os Santuários Naturais são a categoria de proteção do patrimônio natural do Chile,


regulamentada pelo Ministério do Ambiente e o Conselho de Ministros da Sustentabilidade.
A Lei n.º 20.417 de 2010 e a alteração do artigo 31.º da Lei dos Monumentos Nacionais
(CHILE, 1970) são os instrumentos legais que servem de base para a criação de novas
unidades deconservação administradas pelo CMN.

O artigo 21º da Ley 17.288 considera como Monumentos Arqueológicos “os lugares, ruínas,
sítios e peças de confecção ou utilização do ser humano, existentes sobre ou sob a
superfície do território nacional.” (CHILE, 1970, Título V). Nessa categoria existe um total de
74 monumentos que pertencem ao Estado e não carecem de processo de declaração,
sendo divididos em dois grupos: o de bens arqueológicos e o de bens paleontológicos.

2.5. Patrimônio Nacional Imaterial

O site do Serviço Nacional do Patrimônio Cultural aponta a Subdireção do Patrimônio


Cultural Imaterial do Patrimônio Nacional como o setor encarregado de manter as diretrizes
da Convenção de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. O Comitê Consultivo do
Patrimônio Cultural Imaterial, setor da mesma subdireção, tem por objetivo orientar as
decisões sobre o reconhecimento, identificação, registro e gestão de elementos do
Patrimônio Cultural Imaterial. Para a gestão desse patrimonio, a instituição desenvolveu um
conjunto de ferramentas reunidas no Sistema de Informação para a Gestão do Patrimônio
Cultural Imaterial (SIGPA).

O Comitê Consultivo é nomeado pelo Ministro Presidente do Conselho de Cultura e Artes,


após ratificação do Conselho de Administração do Conselho Nacional e deverá ter a
participação do Ministro das Culturas, Artes e Patrimônio; de um representante de elemento
inscrito como “Tesouros Humanos Vivos” ou no Inventário do Patrimônio Cultural Imaterial;
de dois acadêmicos, pertencentes a diferentes Universidades, e que tenham ligação com o
Patrimônio Imaterial e, por fim, de três membros especialistas no assunto.

Para inscrever um bem ou manifestação cultural como Patrimônio Cultural Imaterial, o


proponente, que pode ser qualquer cidadão, solicita seu registro ao Sistema de Informação
para a Gestão do Patrimônio Cultural Imaterial (SIGPA), através de formulário próprio. O
formulário deve conter as informações relacionadas ao elemento ao qual se refere e à
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identificação de representantes comunitários associados (Sistema de Información para la
Gestión del Patrimonio Cultural Inmaterial, 2018).

O Chile, assim como o Brasil, conta com o Registro do Patrimônio Cultural Imaterial que
permite um relato das expressões patrimoniais existentes no território nacional e seus
respectivos representantes, classificados de acordo com as áreas da UNESCO, localização
territorial e progresso do elemento no Processo de Salvaguarda. Além disso, utiliza também
a ferramenta do Inventário, conforme indicado pela Convenção da UNESCO de 2003.

Além das cinco categorias de registro de patrimônio imaterial, que são as Artes Cênicas, o
Conhecimento e Usos Relacionados à Natureza e ao Universo, as Técnicas Artesanais
Tradicionais, as Tradições e Expressões Orais e os Usos Sociais, Rituais e Eventos
Festivos, o Chile identifica também, através do inventário, os Tesouros Humanos Vivos
(Servicio Nacional del Patrimonio Cultural, 2018).

2.6. Patrimônio Mundial

O processo de reconhecimento mundial dos patrimônios no Chile tem como princípio a


chamada Lista Indicativa, que é um repertório de bens que o próprio Estado membro
considera ter valor universal e apresenta para ratificação da UNESCO. Para ser submetido à
ratificação, o bem deve estar na Lista Indicativa (Consejo de Monumentos Nacionales,
2014).

Atualmente, o Chile conta com sete bens materiais reconhecidos mundialmente:

● O Parque Nacional Rapa Nui;


● As Igrejas de Chiloé;
● O bairro histórico de Valparaíso;
● A aldeia mineira Sewell;
● As Fábricas de Nitrato de Humberstone e Santa Laura;
● O sistema viário andino Qhapaq Ñan;
● As Múmias de Chinchorro, incluído na lista em julho de 2021;

Ainda em 2014, a UNESCO incluiu na lista representativa do patrimônio cultural imaterial da


humanidade os Bailes Chinos, prática religiosa musical que, há mais de 400 anos, funciona
como modelo de integração e coesão social, sendo a primeira expressão imaterial do Chile a
ser reconhecida mundialmente.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

"(...) não se pode também esquecer a dinâmica própria do patrimônio


cultural, que não pode ser percebido como uma coleção de objetos
afastados da vida, devendo ser visto como um suporte para um processo
contínuo de produção da própria vida. Trata-se de perceber o potencial
transformador de nosso patrimônio, que deverá ser continuamente relido e
utilizado de forma libertadora." (CASTRIOTA, 2009, p.87)
Considerando a cultura como um processo e o repertório patrimonial, uma construção, a
identidade nacional se configura um projeto, orientado na busca de marcadores que
conferem coesão à diversidade cultural de seu povo. Para a eleição desses marcadores
legítimos o Chile tem de reconhecer e valorizar as múltiplas expressões e manifestações
culturais, das tradições seculares à modernidade.

Ao observar que as discussões acerca das políticas patrimoniais e suas legislações ainda
estão em processo de maturação, e tendo em vista que, no Chile, as atribuições
administrativas são virtualmente centralizadas, supervisionadas por um órgão estatal em
Santiago, a descentralização da gestão dos serviços parece ser uma tendência adequada a
fim de dinamizar os processos burocráticos que envolvem as questões do patrimônio.
Assim, decisões de intervenção e restauração de bens, além de medidas de incentivo e
promoção de práticas culturais seriam facilitadas.

Quanto à característica geográfica do Chile, é notória a relação essencial entre o conjunto


patrimonial chileno e o espaço natural, tanto pela mirada positiva, que explicita a virtuose no
uso de tecnologias criativas na ocupação do território em suas edificações, quanto pelo
aspecto crítico, marcado pela recorrência de abalos sísmicos de larga escala na região.
Construções em terra crua (adobe), por exemplo, tradicionais em comunidades rurais
chilenas, foram bastante afetadas por terremotos e outros modos de construir vão sendo
avaliados.

Por outro lado, a conservação e reparação de danos devem resguardar métodos e materiais
que são originais e/ou tradicionais, de modo a não atentar contra a autenticidade histórica
dos bens. Sendo todo o patrimônio edificado suscetível a danos provocados por esses
eventos naturais e, portanto, situado em constante emergência, a promoção de políticas de
preservação é afetada e complicada.

De certo modo, essa ligação arriscada e por vezes perigosa com a natureza, forçosamente
confere identidade aos chilenos. Num território rico em diversidade de ambientes e pródigo
de belezas naturais, ao mesmo tempo capaz de provocar grandes perdas e danos, os
chilenos, independente de sua origem, cultura ou tradição, seja no meio rural ou urbano,

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pobre ou rico, têm de cuidar de seu patrimônio já construído e planejar o futuro, guiados por
esse desafio permanente. É uma sina que evoca o caráter guerreiro e tenaz dos mapuches.

O objetivo desse trabalho foi apresentar um breve panorama sobre o patrimônio cutural do
Chile e, a pretensão de esgotar o assunto seria como querer abarcar todos os aspectos
dessa cultura riquíssima, nessas poucas páginas. A percepção de uma constante
reavaliação sobre o tema pode ser corroborada pelas atualizações recorrentes no conteúdo
dos sites pesquisados, revelando que ainda há muito a ser aprofundado sobre o tema de
políticas de preservação do patrimônio cultural chileno. O contato com os órgãos
governamentais instituídos, universidades e os diversos setores ligados ao patrimônio, que
não foi possível no presente estudo, se faz necessário e determinante para a construção de
um olhar mais preciso e crítico acerca da matéria.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: Conceitos. Políticas,
Instrumentos,Annablume, São Paulo, 2009.

CONSEJO DE MONUMENTOS NACIONALES, CMN, 2014. Definicíon de Categorías


de Monumentos. Disponível em:
<https://www.monumentos.gob.cl/monumentos/definicion>.Acesso em: 21 de set. de2021.

CONVENÇÃO para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. UNESCO, 2003.


Disponível em: <https://ich.unesco.org/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf>. Acesso em 05
de agosto de 2021.

CONVENÇÃO para a Proteção Do Patrimônio Mundial, Cultural E Natural, 1972. In:


Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a
Cultura, Paris. Disponível em: < https://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso
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LEY 17.288, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile, 1970. Disponível em:
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MINISTERIO DE LAS CULTURAS, LAS ARTE Y EL PATRIMONIO, 2021. Organigrama.


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SERVICIO NACIONAL DEL PATRIMONIO CULTURAL, 2018. Subdirección Nacional de


Patrimonio Cultural Inmaterial. Disponível em: <https://www.patrimonioinmaterial.gob.cl/>.
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SISTEMA DE INFORMACIÓN PARA LA GESTIÓN DEL PATRIMONIO CULTURAL


INMATERIAL, 2018. Sobre el patrimonio cultural inmaterial. Disponível em:
<http://www.sigpa.cl/patrimonio-chile/>. Acesso em 04 de ago. de 2021.

VALDEBENITO, Rosa Maria Guerrero. 2012. Patrimonio cultural mundial, territorio y


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VISINTEINER, Lía Karmelic. Terremoto Chile 2010: Reconstrucción/restauración


patrimonial: proceso de validación de la tierra como material vigente. Balancede las
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EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS

O DEBATE ITALIANO, NA DÉCADA DE 1950, SOBRE A RELAÇÃO


DA ARQUITETURA MODERNA COM A CIDADE ANTIGA

BAETA, RODRIGO E. (1); NERY, JULIANA C. (2)

1. FAUFBA. PPG-AU UFBA. MP-CECRE UFBA


Rua Rosa dos Ventos, 39/1001, Bairro Horto Florestal, Salvador / BA, CEP: 40.286-040
rodrigobaeta@yahoo.com.br

2. FAUFBA. PPG-AU UFBA. MP-CECRE UFBA


Rua Rosa dos Ventos, 39/1001, Bairro Horto Florestal, Salvador / BA, CEP: 40.286-040
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RESUMO
Na segunda metade da década de 1950, um animado debate balançou o cenário da crítica
arquitetônica italiana, contenda amparada por três textos publicados por Cesare Brandi – cujo juízo
essencial partia da premissa que a arquitetura do Movimento Moderno seria inconciliável com as
cidades antigas. Consequentemente, dever-se-ia, por princípio, proibir as novas construções nos
sítios históricos, relegando-as extra moenia – ou seja, para fora dos muros. Para o crítico italiano, a
arquitetura moderna refutaria terminante o espaço perspectivo no qual teria se fundado a arquitetura
a partir do Renascimento. Os humanistas, ao inserirem seus novos objetos arquitetônicos nos
logradouros preexistente, pensavam mais no vazio da praça, na calha da rua (como um corredor a
céu aberto), do que no cheio – representado pela massa construtiva a ser edificada. Mas no contexto
do Movimento Moderno o que passaria a contar seria o volume autônomo e autossuficiente da nova
construção, que se tornaria, consequentemente, inconciliável com os confinados e densos cenários
urbanos pré-modernos, formados prioritariamente por uma edilícia gregária e ininterrupta. As
colocações de Brandi foram logo apoiadas por outros expertos nas temáticas da arquitetura, do
urbanismo e da preservação; mas as contestações às suas polêmicas assertivas também foram
imediatas e retumbantes, sendo as mais embasadas devidas aos arquitetos Bruno Zevi e Roberto
Pane – juízos que serão avaliados neste artigo.

Palavras-chave: Arquitetura Moderna; Centros Antigos; Arquitetura e Preexistância Urbana; Cesare


Brandi; Perspectiva.

7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação


06 a 08 de outubro de 2021
Uma das assertivas mais frequentes no campo da preservação do patrimônio edificado e
urbano de interesse cultural, especialmente no que tange à questão da inserção de objetos
arquitetônicos recentes em sítios históricos consolidados, é a premissa da incompatibilidade
que a arquitetura do Movimento Moderno possuiria em relação à paisagem urbana
preexistente; frente à unidade figurativa dos centros históricos pré-modernos; em sua
continuidade com a massa edificada antiga. Os edifícios resultantes de programas
arquitetônicos atrelados ao Movimento Moderno não seriam capazes de suscitar uma
convivência harmônica com a preexistência histórica devido, especialmente, ao princípio
basilar de ruptura com os padrões ancestrais de composição arquitetônica – sejam eles
estabelecidos pela arquitetura erudita (vinculados à então Cultura Acadêmica, ao
Historicismo, ao Ecletismo), sejam perpetuados pela edilícia popular (as construções
ordinárias que habitam prioritariamente os conjuntos urbanos consolidados). Pelo contrário,
a arquitetura moderna – notadamente aquela concebida segundo as matrizes racionalistas
e/ou funcionalistas – geraria ocasiões de graves fraturas que dilacerariam os núcleos
históricos.

Um dos maiores defensores da premissa que atestava que a arquitetura do Movimento


Moderno seria inconciliável com as cidades antigas foi o crítico de arte e teórico do restauro
Cesare Brandi. Em três textos publicados na segunda metade da década de 1950, o crítico
italiano sustentou ardorosamente que se deveria, por princípio, proibir as novas construções
nos sítios históricos, relegando-as extra moenia – ou seja, para fora dos muros: “Ou se criam
bairros completamente modernos e se respeitam os antigos, ou nossa civilização continuará a
se destruir, mesmo quando acreditar estar salvando alguns resíduos”. (BRANDI, 1956a, p.
252 – tradução nossa)

O juízo de Brandi promoveria um animado debate no cenário da crítica arquitetônica italiana,


discórdia conduzida através da reação imediata de arquitetos (como Bruno Zevi e Roberto
Pane) que atestariam como essencial a presença da edilícia moderna em cenários urbanos
consolidados; em centros históricos protegidos. As afirmações do teórico da restauração
italiano, bem como as suas mais solidas contestações, serão avaliadas a seguir1.

1
A polêmica foi inaugurada com a conferência Il vecchio e il nuovo nelle antiche città italiane, proferida por
Cesare Brandi em fevereiro de 1956 para l’Associazione culturale italiana di Torino. Em setembro do mesmo ano,
o artigo seria relançado por Bruno Zevi na Revista L’Architettura. Cronache e Storia com o título, Processo
all’architettura moderna (BRANDI, 1956b), com algumas alterações e ampliações, tendo conquistado grande
projeção e suscitando reações diversas de muitos críticos de arquitetura que discordavam do juízo de Brandi.
Esquentando ainda mais o debate, voltou à temática no livro, publicado ainda em 1956, Arcadio o della scultura.
Eliante o dell’architettura (BRANDI, 1956a). Conferir a cuidadosa análise das reações contemporâneas às
afirmativas de Brandi feita por Andrea Pane (2006) no artigo “L’inserzione del nuovo nel vecchio”. Brandi e il
dibattito sull’architettura moderna nei centri storici (1956-64).
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Cesare Brandi e o método ideal da perspectiva desenvolvido a
partir do Renascimento

A tese defendida por Brandi tinha como fundamento a ideia de que desde a Idade Média,
mas especialmente a partir do Renascimento, e até o século XIX (com certas ressalvas para
o Neoclassicismo e o Ecletismo), haveria frequentemente uma correlação harmônica e uma
continuidade natural entre os objetos arquitetônicos contemporâneos e o tecido urbano das
cidades preexistentes. Os monumentos concebidos e levantados pelos grandes mestres da
Renascença, do Maneirismo e do Barroco – mas também alguns edifícios setecentistas e
oitocentistas ligados ao Historicismo – não corromperiam a unidade morfológica e
paisagística das antigas cidades, para além de comumente valorizarem a qualidade artística
dos núcleos urbanos preexistentes.

Essa conquista, ensaiada na Idade Média, só é de fato efetivada no Renascimento, quando


o arquiteto passa a projetar motivado pelo método ideal da perspectiva. Através da busca
constante de reduzir o espaço visível ao plano da pirâmide óptica, o projetista procuraria
enquadrar, coerentemente, o novo objeto arquitetônico às fugas perspectivas da cidade,
corrigindo, inclusive, as imprecisões e falhas da massa edificada. Assim, o novo objeto
arquitetônico poderia se acomodar ao encaminhamento oferecido pelas paredes de
fachadas alinhadas e contíguas, típicas dos núcleos anteriores ao século XX – ou então
servir como enquadramento de fugas perspectivas oriundas do tecido urbano preexistente,
estratégias alcançadas nos mais diversos níveis de complexidade. Em outra direção, o
arquiteto também poderia trazer monumentos antigos a novos planos perspectivos, sempre
no sentido de transformar o espaço urbano em uma experiência artística contínua e unitária.
Brandi (1956a, p. 248-249 – tradução nossa) resumiria as suas hipóteses no texto Eliante o
dell’architettura:

É preciso ter em conta que as cidades europeias, mas especialmente


aquelas italianas, se desenvolveram a partir de dados arquitetônicos que
conformavam a temática espacial do exterior, cada uma com soluções
diversas, das quais nenhuma foi capaz de contradizer ou excluir
peremptoriamente à outra. Na verdade, quando se passou do Gótico ao
Renascimento, a nova sensibilização do plano na pirâmide óptica favoreceu
uma flexão unitária do espaço, o que permitiu tratar também a rua como
uma fachada, apenas para citar uma situação extrema. Essa flexão unitária
forneceu uma espécie de temperamento harmônico, um elo entre as várias
espacialidades arquitetônicas que haviam se sucedido na história,
permitindo uma execução perspectiva geral, mesmo para expressões
arquitetônicas preexistentes ou concorrentes.

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As soluções arquitetônicas revolucionárias elevadas pela cultura humanista a partir do
Quattrocento – as grandes criações do Renascimento, do Maneirismo e do Barroco –, com
sua proposta de ruptura com a tradição edilícia medieval e de revisão atualizada do legado
greco-romano, conseguiriam se acomodar e interagir em pleno equilíbrio com as cidades
medievais preexistentes. Para além disso, estas obras frequentemente considerariam o
acolhimento pormenorizado de elementos da linguagem arquitetônica do período
precedente – o que amenizaria o impacto das novas formas no tecido medieval, que no caso
italiano, nunca se desvincularam plenamente das soluções da antiga civilização romana.

A cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore de Brunelleschi em Florença

Assim, já no início do século XV, a cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore, em
Florença, projetada pelo arquiteto Filippo Brunelleschi para o concurso estabelecido em
1418 – a primeira estrutura arquitetônica monumental da Renascença –, promoveria a
interação com tecido urbano medieval por meio de uma complexa trama espacial que
elevava a meta da centralidade perspectiva humanista para todo o núcleo urbano
preexistente.

Um olhar mais apressado voltado à cúpula, que viria fechar o cruzeiro da igreja gótica
projetada por Arnolfo di Cambio em finais do século XIII, revela ao espectador uma forma
tão grandiosa que se torna desproporcional frente à dimensão, já enorme, da nave da igreja
e do campanário concebido por Giotto no século XIV. Com sua expansiva forma
centralizadora, a cúpula ignora a estrutura longitudinal da nave preexistente, bem como
suaviza o impulso vertical provocado pela torre ao superá-la significativamente em altura.
Segundo Giulio Carlo Argan (1993, p. 99):

Brunelleschi não parece ter se preocupado em demasia com terminar de


maneira harmoniosa, com uma cobertura adequada, a construção existente.
Preferiu sobrepor a ela sua grande máquina espacial, que visualizava ao
mesmo tempo uma nova concepção do espaço e uma nova tecnologia,
como se fosse uma demonstração gigante de uma nova ordem política,
cultural, social.

A monumental forma de ogiva inchada da calota alude a um organismo que desponta no


centro urbano de Florença flutuando por sobre a cidade, em equilíbrio com a paisagem
circundante, com as colinas que a cercam, com o horizonte, com o céu que se abre acima
(Figura 1).

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Figura 1: A Catedral de Santa Maria del Fiore e a cúpula projetada por Filippo Brunelleschi vistas a
partir da torre do Palazzo Vecchio de Florença.
Fonte: Wikimedia Commons. Giulio1996Cordignano, 2014. Licença: CC BY-SA 4.0.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Santa_Maria_del_Fiore_from_Palazzo_Vecchio.JPG

A convergência de seus imensos elementos estruturais – os espigões de pedra que


Acesso em: 20 de outubro de 2020.
sustentam o encerramento das calotas – ao ponto mais alto do edifício, sugere um
movimento rotatório em torno do próprio eixo, no ponto central marcado pela lanterna
clássica que coroa toda a composição (ARGAN, 1993, p. 100).

Adquirindo certa independência volumétrica e formal – ao colocar-se à frente e acima do


organismo plástico da nave e do campanário da catedral –, a cúpula acolhe direcionamentos
perspectivos voltados a toda cidade e a todo ambiente circundante, fazendo as visadas
convergirem, necessariamente, para as linhas de fuga simbólicas definidas pelos espigões
que apontam para a lanterna, que marca o fechamento do organismo inchado. Logo, a
cúpula monumental impõe para Florença uma estrutura que se torna o eixo mais importante
de toda a polis, trazendo para o espaço urbano o conceito de centralidade, um dos ideais
mais significativos da Renascença. Todas as outras estruturas viárias, edilícias ou naturais
da Florença quatrocentista passam à condição de submissão simbólica ao ponto médio da
urbis – organismos voltados para a cúpula, para suas linhas perspectivas que corriam para o
lanternim que coroava a composição.

Não obstante, Brunelleschi não ignorou a linguagem arquitetônica tradicional do românico e do


gótico florentino: o tratamento mural do tambor deriva diretamente da arquitetura religiosa

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medieval toscana; das paredes externas da nave; do campanário de Giotto. E mesmo a calota
da cúpula, ao invés de apresentar uma perfeita forma esférica – mais pertinente aos desígnios
clássicos –, acolhe um volume claramente ogival e uma projeção octogonal, mais pertinentes
à tradição gótica italiana. Desse modo, apesar de transfigurar completamente o ambiente
urbano ao torná-lo centralizado perspectivamente, a cúpula não causa ruptura com a edilícia
preexistente, emergindo naturalmente no cenário urbano renovado.

Projeto de Pietro da Cortona para a Igreja de Santa Maria dela Pace em Roma

São incontáveis as situações em que edifícios humanistas viriam a promover níveis


complexos de interação perspectiva com o ambiente circundante – emergindo em cenários
urbanos renovados, porém unitários e contínuos. No Barroco, estas táticas projetuais foram
notadamente perpetradas em prol da dramatização do ambiente urbano preexistente, como
se detecta claramente nas intervenções concebidas por Pietro da Cortona, entre 1656 e
1657, para a ampliação da Igreja quatrocentista de Santa Maria della Pace, em Roma, bem
como para a reestruturação de seu entorno imediato.

A inspiração que o artista barroco absorveu para fomentar a intervenção concebida em prol
da reconfiguração da diminuta igreja e da pracinha que se abria à sua frente está totalmente
de acordo com a natureza do teatro, expediente tão caro à época: o meio mais imediato
para conquistar as mentes e dirigir os indivíduos através do apelo à imaginação do
espectador – a manipulação do transeunte através daquela euforia ilusória que a
constituição dramática do espaço poderia produzir. Para isso, em nome da alteração celular
do pequeno setor urbano no qual se apresentava a igreja, Cortona preservaria o sinuoso e
apertado acesso pela Via di Parione e pela Via della Pace e só promoveria uma ampliação
do exíguo largo onde se dispunha o monumento, com a justificativa de permitir a manobra
das carruagens que acorriam à igreja (BLUNT, 2004, p. 124) – praça que viria a alcançar,
todavia, uma dimensão insignificante, com seu espaço geometricamente irregular contendo
não mais de 30 metros de largura, por cerca de uns 15 metros de comprimento longitudinal.

Esta mínima, mas significativa, modificação da morfologia preexistente, viabilizada através


de poucas e necessárias desapropriações, traz como o seu aspecto mais expressivo o fato
de o pintor-arquiteto ter ocultado as antigas fachadas irregulares dos edifícios
remanescentes, ou daqueles parcialmente demolidos, através da sobreposição de cenários
fixos, totalmente independentes, à frente das suas antigas estruturas – imponentes
frontarias palacianas que se revelariam como autênticas scaenae frons implantadas em
nome da monumentalização da praça. As mais impressionantes destas camuflagens teatrais
são as paredes radicalmente côncavas justapostas e contíguas à igreja: panos cenográficos
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que encerram a praça, ocultando as duas vielas que se lançam adjacentes à sua estrutura.
Não obstante, os sedutores e envolventes cenários que escondem a abertura das vielas não
impedem a passagem, já que Cortona as perfuraria com dois permeáveis portais, um a cada
lado, permitindo o cruzamento do transeunte para a área posterior que se espalhava,
confusamente, por detrás do templo (WITTKOWER, 1993, p. 241-242). Para além deste
fato, a êxedra sugere uma virtual projeção da fachada convexa desenhada por ele na
terminação da nova nave da igreja – aplicada à frente do movimentado e contraído anteparo
cenográfico côncavo – para o exíguo ambiente da praça, mais um mecanismo da persuasão
barroca conquistado através da oposição curvilínea entre envolventes estruturas côncavas e
expansivas formas convexas à frente.

Contudo, confirmando a assimilação do método perspectivo para conquista da interconexão


da nova forma arquitetônica com o tecido urbano preexistente, a concepção da igreja e da
praça renovada parte da interação com o tecido urbano medieval para que o conjunto se
tornasse um absorvente acontecimento dramático. Ao procurar a igreja – percorrendo as
tortuosas vias que se dirigem a ela –, o transeunte só pode vislumbrar fragmentos do
monumento por uma reduzida greta enquadrada pelas últimas edificações da Via della
Pace, uma nesga que vai se abrindo lentamente, desvelando, com a aproximação do
espectador, o espectro visual da praça e a exposição do monumento (Figura 2).

Figura 2: A praça cenográfica de Santa Maria della Pace, em uma gravura de Giuseppe Vasi, 1747.
Fonte: Coen (1996, p. 183).

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A trama cenográfica, contudo, só é denunciada, em toda a sua expressão pouco antes do
ingresso ao recinto, quando o espectador se coloca a menos de dez metros da igreja e
consegue vislumbrar, finalmente, todo o campo visual da praça. A esta distância
insignificante, a pequena fachada convexa avança poderosamente em direção ao passante
e se torna grandiosa em sua relação de contraste com a dramática êxedra côncava disposta
ao fundo – puro teatro.

Uma simples referência de escala pode justificar a impressão que atribui à Santa Maria della
Pace uma estatura colossal, apesar de sua pequena dimensão: a dez metros de distância, o
limitado espectro perspectivo do transeunte cria a sugestão de que qualquer edifício de
razoável tamanho é um grande monumento. Este sentimento estaria perdido se, por
ventura, o arquiteto escolhesse rasgar um amplo eixo perspectivo direcionado à fachada do
templo, assim como se houvesse proposto a abertura de uma grande praça para acolher o
monumento – o que demonstra que o acolhimento unitário dos dados perspectivos do
ambiente preexistente é muito mais complexo do que pode parecer a princípio.

Cesare Brandi e a relação da arquitetura moderna com a antiga

Se, segundo Brandi, o princípio da concepção unitária do espaço urbano conquistada a


partir do fundamento da perspectiva seria frequente e natural até o século XIX, o que
permitiria a inserção positiva e coerente de novos objetos arquitetônicos em contextos
urbanos antigos (como foi analisado em duas situações tão distintas, como a Cúpula da
Catedral de Florença e a Igreja de Santa Maria dela Pace, em Roma), isso não aconteceria
no contexto da arquitetura do Movimento Moderno. No artigo de 1956, Processo
all’architettura moderna, o crítico italiano afirmaria:

Nem Michelangelo, nem Bernini, nem Borromini, nem Juvarra nem Vanvitelli
deram as costas a Brunelleschi e ao Renascimento. Mas a arquitetura
moderna não faz sentido se você quiser lê-la no contexto da espacialidade
perspectiva: não faz sentido se você espera que ela crie ou ajude a criar
esse continuum homogêneo e isomórfico que é a própria base da
espacialidade perspectiva; não faz sentido se você espera que opere sobre
o espaço natural da maneira como a espacialidade perspectiva pretendia
agir, reduzindo-o ao desenho óptico de uma pirâmide com o vértice no
horizonte. Seja Cubismo, Abstracionismo ou Proto-Surrealismo, os dados
espaciais assumidos pelos arquitetos modernos têm em comum a recusa,
mesmo que não explícita, do plano da perspectiva, do alinhamento da
perspectiva e, em uma palavra, de um espaço, como é aquele da
perspectiva, que retorna continuamente à medida humana, continente e
conteúdo ao mesmo tempo, externo ao olho e interno à consciência.
(BRANDI, 1956b, p. 359 – tradução nossa)

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Figura 3: Centro histórico de Nápoles, com destaque para o edifício da Catolica Assicurazioni (ao
centro), arranha céu construído na década de 1950 – um dos exemplos negativos de inserção da
arquitetura moderna em contextos antigos.
Fonte: Google Maps, 2020.

Para Brandi, a arquitetura moderna, assim como a arte derivada dos principais movimentos
de vanguarda da primeira metade do século XX, refutaria terminante o espaço perspectivo
no qual teria se fundado a arquitetura do humanismo a partir do Renascimento, e que foi
basilar para promover a continuidade harmônica do cenário urbano ao interconectar o novo
com o antigo. Os humanistas, ao inserirem seus novos objetos arquitetônicos nos
logradouros preexistente, pensavam mais no vazio da praça, na calha da rua (como um
corredor a céu aberto), do que no cheio – representado pela massa construtiva a ser
edificada. Mas no contexto do Movimento Moderno o que passaria a contar seria o volume
autônomo e autossuficiente da nova construção, que se tornaria, consequentemente,
inconciliável com os confinados e densos cenários urbanos pré-modernos, formados
prioritariamente por uma edilícia gregária e ininterrupta (Figura 3).

Para além disso, a condenação dos sistemas compositivos ancestrais promovida pela
arquitetura moderna – em prol de uma total inovação construtiva, tecnologia, formal e de
linguagem arquitetônica – inviabilizaria aquela continuidade natural entre edifícios de
diversas épocas, quase obrigatória até início do século XX.

Insistindo mais ainda na tese, Brandi afirmaria que o acolhimento do plano da perspectiva pela
arquitetura moderna implodiria a sua própria essência – seria uma contradição insolúvel. Logo,
não haveria na arquitetura representante do Movimento Moderno – seja ela de linha
racionalista-funcionalista, seja de matriz orgânica – possibilidade de qualquer conexão com
cenários urbanos antigos, já que “[...] a ruptura irremediável com a espacialidade perspectiva,
impetrada tanto pela arquitetura racional quanto pela orgânica, tirou a possibilidade não só de

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qualquer conexão, mas também de qualquer contiguidade com os edifícios preexistentes.”
(BRANDI, 1956a, p. 250 – tradução nossa)

As reações da crítica arquitetônica italiana

As colocações do crítico italiano foram logo apoiadas por outros expertos nas temáticas da
arquitetura, do urbanismo e da preservação, como o jornalista Antonio Cederna, ou os
jovens arquitetos e historiadores romanos Leonardo Benevolo, Italo Insolera, Carlo
Melograni, Arnaldo Bruschi, Vittorio Franchetti e Mario Manieri Elia (PANE, 2006, p. 317);
mas as contestações às suas polêmicas assertivas também foram imediatas e retumbantes,
sendo as mais embasadas devidas aos arquitetos Bruno Zevi e a Roberto Pane.

O juízo de Bruno Zevi

Bruno Zevi, que havia publicado o texto de Brandi Processo all’architettura moderna no
número 11 da revista L’Architettura. Cronache e Storia em setembro de 1956, defenderia, no
editorial desse número, que o problema da inserção da arquitetura moderna em contextos
antigos não residiria na negação peremptória da espacialidade perspectiva pela parte da
arquitetura racional ou orgânica, mas na escolha do programa arquitetônico – processo
geralmente vinculado ao mal maior da especulação imobiliária. Assim, comentando os
exemplos medíocres de arquitetura moderna que Brandi cita, o arquiteto italiano rebateria:

Além da consideração de que as obras citadas por Brandi são feias e são
tudo, menos modernas, elas não causariam muito incômodo se não
ultrapassassem volumetricamente os prédios antigos adjacentes, ou seja,
se a especulação não tivesse conquistado o meio ambiente. A “ruptura”, a
destruição é efetivada na ocasião da elaboração do programa construtivo, e
nada tem a ver com a natureza da linguagem arquitetônica. [...] Não vamos
dizer que um arranha-céu de Mies no Grande Canal (em Veneza) quebraria
o continuum edilício da laguna: nós apenas argumentamos que o plano de
construir um arranha-céu está errado, mesmo que Mies fizesse uma obra-
prima. (ZEVI apud PANE, 2006, p. 315 – tradução nossa)

O juízo de Roberto Pane

Dando continuidade à linha de oposição ao discurso de Brandi apresentada por Zevi,


Roberto Pane elaboraria, ainda em 1956, a mais consistente das críticas, no texto Città
antiche ed edilizia nuova2 – quando também recusaria o argumento de que a falta de

2
O texto de Roberto Pane foi publicado pela primeira vez nas Atas do VI Congresso Nazionale di Urbanística,
que aconteceu em Torino em outubro de 1956. Aqui consideramos a tradução para o português elaborada pelo
Professor Nivaldo Andrade, que foi publicada no número 4 da Revista Thesis (PANE, 2017).
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continuidade perspectiva tornaria a arquitetura do Movimento Moderno incompatível com os
centros históricos. O historiador e arquiteto italiano defenderia que o problema não residiria
na questão da interconexão da arquitetura nova com a massa edificada preexistente, mas
no fato de que os núcleos urbanos consolidados deveriam ser compreendidos como uma
obra coletiva e única, a ser conservada como tal. Ao se inserir obras modernas em tecidos
edificados antigos – não por abjetas ambições especulativas, mas por necessidades
funcionais, aceitando a natural estratificação de diferentes épocas que toda a cidade
inevitavelmente acabaria acolhendo –, os arquitetos precisariam considerar o caráter
ambiental do contexto urbano a ser preservado:

Mas o que, na tese da intransigência, parece francamente absurdo, é


querer, como sinalizei, ignorar a evidente realidade histórica da
estratificação que se realizou no passado, configurando, com os seus
contrastes, o ambiente que desejamos salvar, e negar que, do mesmo
modo, possa e deva ocorrer também no presente. A inserção de formas
novas na cidade antiga não poderia deixar de ocorrer mesmo se as normas
de proteção e o mais rigoroso respeito fossem observados. Mas para que
isto aconteça da melhor maneira é necessário que o ambiente seja
percebido como uma obra coletiva a ser preservada enquanto tal; e,
portanto, não como integral conservação de uma soma de particularidades,
como se entende na conservação de uma edificação única, mas como
relação de massas e de espaços que permita a substituição de um edifício
antigo por um novo, desde que este esteja subordinado à relação
supracitada. (PANE, 2017, p. 284)

Pane seguiria contestando Brandi ao afirmar que as premissas defendidas pelo crítico
italiano estavam fundadas em um juízo equivocado que entendia a arquitetura
necessariamente como arte, enquanto o grosso da massa edificada que comporia um centro
histórico consolidado seria formado por uma edilícia que não poderia ser enquadrada nessa
categoria. Pane empregaria a expressão “poesia arquitetônica” para se referir aos objetos
arquitetônicos que, como grandes obras de arte, marcariam os poucos acontecimentos
especiais destacados nos assentamentos preexistentes. Estas obras singulares seriam
regidas por um sentido estético que, como a poesia, superaria toda e qualquer diretriz
funcional. Já para aquela edilícia que preencheria prioritariamente os tecidos urbanos
antigos, e que exprimiria de forma pertinente os valores coletivos e racionais da sociedade,
o autor cunharia a expressão “literatura construtiva”: “[...] é de se salientar, na primeira, a
faculdade poética no seu abandono ao universal, além de todo limite prático; na segunda, a
faculdade literária no propósito que lhe é próprio de não perder nunca de vista a razão que é
guia e sustentação à realização prática”. (PANE, 2017, p. 286)

Para além disso, o arquiteto insistiria no fato de que o que mais caracterizaria as cidades
antigas não seria a sua escassa “poesia arquitetônica” – os monumentos de excepcional
valor artístico. Em termos percentuais, o tecido urbano das cidades históricas seria muito
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mais povoado pela edilícia popular – a “literatura construtiva” –, formada pelas construções
civis e pelos edifícios ordinários que estabeleceriam o valor coletivo que indicaria as marcas
da civilização e, consequentemente, distinguiriam o ambiente urbano.

Logo, a inserção de edifícios modernos nos centros históricos não deveria pressupor a
inclusão de objetos arquitetônicos monumentais que corromperiam os valores ambientais do
tecido urbano – o que seria um problema, lembrando Bruno Zevi, de programa, e não de
linguagem ou de espaço perspectivo. Pelo contrário, a convivência positiva do novo com o
antigo apontaria para a construção de obras que preservassem o caráter coletivo da
paisagem citadina, referindo-se à continuidade da edilícia antiga ao respeitar os dados
ambientais vinculados à escala e ao volume da grande massa formada pela “literatura
construtiva”.

Conclusão – as obras de Oscar Niemeyer em centros antigos de


Minas Gerais

A apreciação desse debate travado no contexto italiano sobre a inclusão da arquitetura


moderna em cidades antigas, comandado pelo mais importante e influente teórico da
restauração na década de 1950, acaba promovendo alguns questionamentos basilares.
Pode-se dizer que a premissa, defendida por Cesare Brandi, da continuidade arquitetônica
entre o novo e o antigo, avalizada até o século XIX através da interlocução perspectiva, se
sustenta? Ela é sempre válida, inclusive para os conjuntos históricos brasileiros, por
exemplo? A tese da preponderância da “literatura construtiva” frente à “poesia arquitetônica”
na caraterização dos centros históricos, desenvolvida por Roberto Pane, procede? É uma
simples questão quantitativa, como parece afiançar o arquiteto italiano, ao afirmar que
existem muito mais construções ordinárias nos sítios urbanos do que objetos arquitetônicos-
artísticos? A “poesia arquitetônica” moderna, ou seja, a arquitetura excepcional e de cunho
monumental produzida no século XX, é, de fato, inconciliável com os núcleos históricos –
como parece atestar os dois críticos? Só a edilícia moderna menor, que respeite os dados
ambientais de volume e escala da massa edificada preexistente, é passível de uma positiva
inserção na cidade antiga – como afirmava Pane? A simples deferência à escala e à
volumetria da massa edificada preexistentes seria o suficiente para garantir uma relação
harmônica entre a edilícia nova e a antiga? Não é comprometedora a desconsideração das
questões relacionadas à linguagem e à composição arquitetônica na inclusão de edifícios
modernos?
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Quando Brandi fala da incompatibilidade fatal de um objeto arquitetônico moderno com as
preexistências antigas, ele se refere a edifícios excepcionais e singulares (obras de arte) de
uma vertente do Movimento Moderno que se desenvolveu na Europa e especificamente na
Itália, implantadas em sítios densamente construídos, com características bastante
específicas – hipótese que em algumas circunstâncias, ou até mesmo em muitas, poderia
ser aplicável à realidade brasileira.

Quando Pane discorre sobre a importância de se admitir a incorporação de obras modernas


nos centros históricos, não se refere à arquitetura excepcional (à “poesia arquitetônica”),
mas a edilícia comum (“literatura construtiva”) – entendendo o conjunto ordinário construído
nos centros históricos como mais importante que os próprios monumentos para o ambiente
coletivo da cidade preexistente. Esta edilícia moderna – ao manter certas características
ambientais das cidades antigas (especialmente escala e volume), mas exaltando a
linguagem própria de seu tempo – seria passível de convivência com os demais extratos
históricos construídos da cidade. Esse entendimento também poderia ser pertinente e
aplicável a muitos contextos brasileiros.

Contudo, ao se analisar a produção arquitetônica de Oscar Niemeyer imersa em conjuntos


históricos preservados, o juízo crítico da relação de continuidade e de adequação das obras
do mais célebre arquiteto brasileiro com as preexistências urbanas pode ser bem diverso da
premissa da incompatibilidade entre os organismos modernos e antigos – assim como da
premissa que apenas a edilícia comum pode ser capaz de habitar harmonicamente os
centros históricos, e não a “poesia arquitetônica”.

Particularmente, sua obra executada nas décadas de 1940 e 1950 no território das Minas
Gerais, mesmo ao não propor uma relação de subserviência em relação às preexistências
históricas, contribui firmemente para a exaltação das qualidades arquitetônicas e
paisagísticas de vários cenários urbanos. Em estruturas urbanas coloniais complexas e
dramáticas, como a revelada pelas eloquentes paisagens urbanas e naturais de Ouro Preto
ou de Diamantina; mas também em conjuntos urbanos monumentais, como a historicista
Praça da Liberdade em Belo Horizonte – a inserção dos edifícios modernos estabelece
relações arquitetônicas que superam a mera simbiose do novo em sua interconexão com o
tecido urbano antigo (de fato, difícil de conquistar com a arquitetura moderna); mas que
também não decretam o indesejável confronto e a trágica ruptura entre a arquitetura
moderna e a paisagem urbana preexistente.

Como ponto comum em intervenções de Oscar Niemeyer – como o Grande Hotel de Ouro
Preto, projetado ao final da década de 1930 e construído nos anos 1940; ou o Hotel Tijuco,
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a Escola Julia Kubitschek e o Clube Social, projetados e construídos na década de 1950 na
cidade de Diamantina; ou o Edifício Niemeyer, também projetado e construído na década de
1950 na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte (BAETA, NERY, 2016) –, pode-se destacar
o caráter de isolamento perseguido nas implantações dos 5 edifícios, concebidos como
monumentos arquitetônicos modernos (e não como literatura construtiva): sólidos;
espacialmente independentes; lançados autonomamente nos contextos urbanos e
paisagísticos consolidados das cidades de Ouro Preto, Diamantina e da Praça da Liberdade
em Belo Horizonte.

Também importante é a busca por uma sutil continuidade em relação à linguagem


compositiva da edilícia e da arquitetura antiga, o que serviu para atenuar os impactos das
obras modernas nos cenários urbano preexistentes – solução que Brandi declararia
frequente para os objetos arquitetônicos concebidos até o século XIX, levantados em sítios
históricos medievais ou posteriores, mas que afirmaria não ser praticada pela arquitetura do
Movimento Moderno. A consideração da linguagem compositiva precedente como artifício
que pode amenizar a transição entre o novo e o antigo demonstra que não bastaria apenas
o respeito à escala e ao volume para se conquistar uma presença positiva do moderno na
cidade histórica; pelo contrário, esse caminho não é suficiente e nem é definitivo,
contrariando as premissas de Roberto Pane (Figuras 4-5).

Figura 4: O Grande Hotel de Ouro Preto. À esquerda, a fachada lateral da Casa dos Contos. À
direita, o Chafariz dos Contos.
Fonte: Fotografia de Rodrigo Baeta, 2021.

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Figura 5: Acima: o Grande Hotel e a paisagem urbana de Ouro Preto. Ao meio: o Hotel Tijuco na Rua
Macau do Meio, em Diamantina. Abaixo: o Edifício Niemeyer e a Praça da Liberdade em BH.
Fonte: Fotografias de Rodrigo Baeta, 2017, 2020, 2014.
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Referências Bibliográficas:

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fonte,
1993. 280 p.

BAETA, Rodrigo Espinha; NERY, Juliana Cardoso. Interação, sobreposição e ruptura: Os


Edifícios Niemeyer e Rainha da Sucata e a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte.
Arquitextos. São Paulo, n. 195, 2016. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6172>. Acesso em 10 de
outubro de 2020.

BLUNT, Anthony. Alla scoperta di Roma barocca. Un’introduzione breve ma intensa ai


fasti dell’architettura e dell’arte del Seicento a Roma e ai suoi tre maggiori esponenti:
Bernini, Borromini, Pietro da Cortona. Roma: Newton & Comptom, 2004. 160 p.

BRANDI, Cesare. Arcadio o della scultura. Eliante o dell’architettura. Torino: Einaudi,


1956a. 255 p.

BRANDI, Cesare. Processo all’architettura moderna. L’Architettura Cronache e Storia.


Roma, n. 11, p. 356-360, set. 1956b.

COEN, Paolo. Le magnificenze di Roma nelle incisioni di Giuseppe Vasi. Roma: Newton
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PANE, Andrea. L’inserzione del nuovo nel vecchio. Brandi e il dibattito sull’architettura
moderna nei centri storici (1956-64). In: CANGELOSI, Antonella; VITALE, Maria Rosaria.
(Org.) Brandi e l’architettura. Catania: Icosaedro 4, 2006. p. 307-325.

PANE, Roberto. Cidades antigas, edilícia nova. Revista Thesis, v. 2, n.4, 2017, p. 309-332.
Disponível em: < http://anparq.web965.uni5.net/revista.php?num=4>. Acesso em: 23 de
outubro de 2020.

WITTKOWER, Rudoolf. Art and architecture in Italy: 1600 to 1750. New Haven-London:
Yale University Press, 1982.p. 533.

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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

O ECOMUSEU DA SERRA DE OURO PRETO (MG): PRESERVAÇÃO DO


PATRIMÔNIO CULTURAL E SUSTENTABILIDADE

Larissa Gonçalves Venâncio (larissag.venancio@gmail.com)

Leandro Benedini Brusadin (leandro@ufop.edu.br)

Lia Sipaúba Proença Brusadin (liabrusadin@gmail.com)

O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG) foi uma iniciativa da Nova


Museologia proposto e gerido pela comunidade local com a finalidade de trocar
informações entre museu e comunidade, além de musealizar a paisagem do
parque a partir dos seus processos históricos e da cultura material e imaterial
que envolve a localidade (MATTOS, 2007). O presente artigo busca entender
como as práticas museais do Ecomuseu da Serra de Ouro Preto têm o
potencial de preservar o patrimônio cultural de forma sustentável e por meio da
integração de diferentes pontos de vista. Nessa perspectiva, a metodologia
aplicada fundamentou-se na pesquisa bibliográfica e documental pertinente a
temática. Foi realizada uma análise sobre patrimônio cultural e suas definições,
enfatizando a importância da sua preservação para memória local e
identificando como a Nova Museologia e a sustentabilidade podem ser
importantes aliadas no processo da contiguidade de um ecomuseu.
Verificamos que, já na década de 70 foi discutido pela Mesa Redonda de
Santiago do Chile (UNESCO, 1972), a respeito do papel dos museus na
América Latina e sobre o caráter social da museologia em dissidência aos
museus de cunho tradicionalista. Com base nesse encontro, o conceito de
museu integral, em que o patrimônio, o território e a comunidade estão
intrinsecamente interligados (SCHEINER, 2012), e a isso podemos acrescentar
o tema da sustentabilidade, contribuem com que a população se torne
participativa no processo de gestão do patrimônio. Assim, os ecomuseus
promovem o desenvolvimento sustentável e a preservação do patrimônio
cultural por meio da própria comunidade. A Nova Museologia e suas práticas
de ecomuseus associadas à museologia de território e comunitária possibilitam
e devem ter o potencial de preservar as relações e memórias de sua
comunidade local e do patrimônio cultural. Dessa maneira, o ecomuseu
estabelece relações entre população local e patrimônio de forma sustentável,
pois a comunidade está totalmente inserida no processo participativo da co-
gestão patrimonial (VARINE, 2005). Concluímos que, no caso do Ecomuseu da
Serra de Ouro Preto, os vínculos entre patrimônio cultural e sustentabilidade
ocorrem de forma horizontal, havendo a participação ativa da população na
preservação e gestão do patrimônio cultural.

Referências:

MATTOS, Yara. Ecomuseu da Serra de Ouro Preto: arqueologia dos lugares e


não lugares de uma experiência comunitária. In: MATTOS, Y.; PRIOSTI, O.
Caminhos e percursos da Museologia Comunitária XII Atelier Internacional do
MINOM, Lisboa/Setúbal, 2007.

SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o Museu Integral: do conceito às


práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n.
1, p. 15-30, jan.-abr. 2012.

UNESCO. ICOM. Documento da Mesa Redonda de Santiago do Chile. Chile,


1972.

VARINE, Hugues de. O museu comunitário é herético? In: ABREMC –


Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários. 2005.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.

POLÍTICAS PATRIMONIAIS E DE PRESERVAÇÃO: CHILE

Beatriz Barradas Cordeiro (beacordeiro@ufmg.br)

Andrea Regina Lopes Miranda (arlm@ufmg.br)

Juliana Castelo Branco Brandao De Alencar (jcbba2020@ufmg.br)

Marcello Guimaraes Rodrigues Da Cunha (marcellogus@ufmg.br)

Tendo como base a disciplina de Patrimônio Cultural, que aborda conceitos


como tradição, modernidade, memória e preservação, além de instrumentos e
políticas relacionados ao Patrimônio, estudou-se esse contexto no Brasil e em
outros países. A partir do referencial teórico escolhido, o livro “Patrimônio
Cultural – conceitos, políticas e instrumentos”, de Leonardo Castriota,
identificou-se uma lacuna dessas informações para os países da América
Latina e na tentativa de analisar esse cenário, foi proposto então um trabalho
empírico de pesquisa. Após a escolha do Chile como tema e tendo o livro como
marco teórico, utilizou-se da busca em sites oficiais do Governo deste país,
bem como de artigos acadêmicos sobre o assunto. O trabalho, do qual resultou
esse artigo, trata da diferença na categorização de bens culturais, os principais
bens materiais e imateriais do país, seu patrimônio mundial declarado pela
UNESCO e seus museus nacionais. Concluiu-se que o patrimônio no Chile tem
um significado muito particular, ligado à sua ocupação territorial e aos seus
eventos naturais, o que se reflete na forma de entender, tratar e preservar seu
capital cultural.
EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO

O ECOMUSEU DA SERRA DE OURO PRETO (MG): preservação do


patrimônio cultural e sustentabilidade

VENÂNCIO, LARISSA G. (1); BRUSADIN, LEANDRO B. (2); BRUSADIN, LIA S. P.


(3)

1. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura.


Rua Paraíba, 697, Funcionários, Belo Horizonte - MG, Brasil. CEP: 30130-140
larissag.venancio@gmail.com

2. Universidade Federal de Ouro Preto. Departamento de Turismo


Campus Universitário, Morro do Cruzeiro, s/n, Ouro Preto, MG. CEP: 35400-000
leandro@ufop.edu.br

3. Universidade Santa Úrsula. Núcleo de Arte, Conservação e Restauro


Rua Fernando Ferrari, 75, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 22.231-040
liabrusadin@gmail.com

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo compreender como as práticas do Ecomuseu da Serra de Ouro
Preto (MG) têm o potencial de preservar o patrimônio cultural de forma sustentável. A partir de uma
investigação sobre patrimônio cultural e seus usos sociais, destaca-se a importancia da participação
popular no processo de preservação patrimonial, sendo as ações dos ecomuseus uma ferramenta
para o desenvolvimento sustentável. Desse modo, foi analisada a relação dos usos sociais do
patrimônio entre o comunidade, territorio e patrimonio no Ecomuseu da Serra de Ouro Preto. A
metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica nas áreas da nova museologia, ecomuseus,
patrimônio cultural e sustentabilidade. Portanto, os ecomuseus promovem o desenvolvimento
sustentável e a preservação do patrimônio cultural por meio da própria comunidade.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural; Sustentabilidade; Nova Museologia; Ecomuseu da Serra de


Ouro Preto (MG).

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Introdução:

O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG) é uma iniciativa da nova museologia proposto e
gerido pela comunidade local com a finalidade de trocar informações entre museu e
coletividade. Além disso, contribui para a musealização da paisagem do parque por meio da
correlação organizacional dos seus processos históricos e da cultura material e imaterial que
envolve a localidade (MATTOS, 2007). O presente artigo busca entender como as práticas
museais do Ecomuseu da Serra de Ouro Preto têm o potencial de preservar o patrimônio
cultural de forma sustentável e por meio da integração de diferentes pontos de vista. Nessa
perspectiva, a metodologia aplicada fundamentou-se na pesquisa bibliográfica nas áreas da
museologia, patrimônio e sustentabilidade e do Documento da Mesa de Santiago do Chile
(UNESCO, 1972), Carta de Cooperação de Milão (UNESCO, 2016), e o Documento da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Relatório de Brundtland
(ONU, 1987). Dessa forma, foi feita uma análise sobre patrimônio cultural e suas definições,
enfatizando a importância da sua preservação para memória local e identificando como a
nova museologia e a sustentabilidade podem ser importantes aliadas no processo da
contiguidade de um ecomuseu.

Na década de 70 foi discutido pela Mesa Redonda de Santiago do Chile (UNESCO, 1972), a
respeito do papel dos museus na América Latina e sobre o caráter social da museologia em
dissidência aos museus de cunho tradicionalista. Com base nesse encontro, surgiu o
conceito de museu integral, em que o patrimônio, o território e a comunidade estão
intrinsecamente interligados (SCHEINER, 2012). A partir dessa imbricação entre pessoas e
territorialidade podemos acrescentar o tema da sustentabilidade, contribuindo com que a
população se torne participativa no processo de gestão do patrimônio e de seus cuidados
ambientais. Assim, os ecomuseus promovem o desenvolvimento sustentável e a
preservação do patrimônio cultural por meio da própria comunidade.

A nova museologia e suas práticas de ecomuseus associadas à museologia de território e


comunitária possibilitam e intensificam o potencial de preservar as relações e memórias de
sua comunidade local e do patrimônio cultural. O ecomuseu estabelece relações entre
população local e patrimônio de forma sustentável, pois a comunidade está totalmente
inserida no processo participativo da co-gestão patrimonial (VARINE, 2005). Consideramos
que, no caso do Ecomuseu da Serra de Ouro Preto, os vínculos entre patrimônio cultural e
usos socais ocorrem de forma horizontal, havendo a participação ativa da população na
gestão do patrimônio cultural e sua preservação sustentável.

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O Patrimônio cultural e seus usos sociais

Os usos sociais do patrimônio cultural (Canclini 1999), se relaciona com o ecomuseus


devido aos usos atribuídos pela comunidade local ao bem patrimonial, que passa a se
identificar e apropriar do patrimônio cultural em seu cotidiano. Canclini (1999) afirma que o
patrimônio cultural é constituído por relações de contradição e desigualdades, e isso ocorre
desde o processo de formação do patrimônio, até o acesso do mesmo pela sociedade.
Resultando em uma participação desigual na apropriação dessa herança cultural, que se
refere e representa apenas uma classe social hegemônica. Desse modo, para haver a
democratização dos bens patrimoniais, é necessário a ressignificação do mesmo, a partir de
seus usos sociais e participação popular nas políticas patrimoniais.

Segundo Brusadin (2015), a ampliação do conceito de patrimônio é um reflexo das


mudanças da sociedade em si. O conceito de patrimônio tem, portanto, um caráter mutável
e em constante construção com a sociedade e as entidades e órgãos representativos do
patrimônio. Visto que, mesmo que não tenha sido construído pelo coletivo, é a sociedade
que a legítima e atribui poder simbólico ao patrimônio. O autor ainda indaga sobre o
processo de seleção/exclusão do patrimônio eleito a ser preservado, pois o mesmo foi
determinado a partir de uma perspectiva de certa parcela da sociedade, sendo essa, muitas
vezes uma perspectiva hegemônica do patrimônio cultural, conforme o refletido acima por
Canclini (1999).

Portanto, o conceito de patrimônio é temporal e flexível porque vive


em constante revisão, conforme a sociedade se reconstrói e aprofunda
contextos sociais, históricos e econômicos que ela mesma deseja preservar.
Além disso, este mesmo conceito depende das premissas e dos interesses
de entidades representativas do patrimônio. A atribuição do que é valioso
historicamente para determinada sociedade varia de acordo com o tempo e
da valorização cultural de cada uma. É preciso considerar também que o
que é digno de valor histórico, muitas vezes foi concebido para tal em um
processo anacrônico e imposto em determinada cultura social por um
processo lógico passado – futuro (BRUSADIN, 2015, p. 48).

Consequentemente, podemos entender o patrimônio como um conceito temporal e flexível,


imbuído de um poder simbólico que pode ser, ou não, legitimado pela sociedade
(BRUSADIN, 2015). Logo, há a presente e constante luta pela ressignificação desse
patrimônio a partir de seus usos sociais (CANCLINI, 1999). Isso se decorre, desde o acesso
e participação nas políticas de inventariação e tombamento, à gestão e manutenção desses
bens. Ao assumir esses conflitos e contradições do patrimônio cultural, ganha-se uma visão

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mais pluralista de suas relações e significados, e sobre como os diversos grupos sociais
atribuem diferentes usos sociais do patrimônio cultural.

Un patrimonio reformulado que considere sus usos sociales, no desde una


mera atitude defensiva, de simple rescate, sino con una visión más compleja
de cómo lá sociedad se apropia de su história, puede involucrar a nuenos
sectores. No tiene porqué reducirse a un asunto de los especialistas en el
pasado: interesa a los funcionarios y profesionales ocupados en construir el
presente a los indígenas, campesinos, migrantes y a todos los sectores
cuya identidad suele ser trastocada por los usos hegemónicos de la cultura.
En la medida en que nuestro estudio y promoción del patrimonio asuma los
conflitos que lo acompañan, puede contribuir al afianzamento de lá nación,
pero ya no como algo abstracto, sino como lo que une y cohensiona en un
proyecto histórico solidario a los grupos sociales preocupados por la forma
en que habitam su espaço y consquistan su calidad de vida 1 (CANCLINI,
1999, p. 33).

O conceito de uso social do patrimônio cultural se relaciona com as práticas ecomuseais no


que tange a participação comunitária nas políticas patrimoniais. Efetivando assim, um uso
social que é apropriado pela população local no processo de auto-gestão do patrimônio
cultural que o ecomuseu estabelece. Conforme Varine (2005), os ecomuseus e museus de
território se caracterizam por processos cooperativos de construção e gestão pela
comunidade em que está inserido, evidenciando sua população e território em consonância
com o patrimônio. Trazendo uma relação de pertencimento entre moradores e patrimônio
que é crucial para a preservação do patrimônio cultural.

O novo museu e mais ainda o museu comunitário na sua forma mais


inovadora, não segue um procedimento, mas, como já se viu, ele é um
processo. Seu objetivo não é a instituição nem uma inauguração; ele é a co-
construção, na comunidade e sobre seu território pelos membros da
comunidade e as pessoas mais ou menos qualificadas que os ajudam, de
um instrumento de desenvolvimento a partir de um patrimônio global
identificado por seus detentores (VARINE, 2005, p. 9).

De acordo com a Carta de Cooperação de Milão (2016) sobre o tema Ecomuseus e


paisagens culturais, os ecomuseus são processos participativos e de constante evolução,
juntamente com o conceito de nova museologia. Não sendo possível adotar uma única
definição, mas sim um conjunto de ideias que se ajustam com as necessidades das

1 Um patrimônio reformulado que considere seus usos sociais, não a partir de uma mera atitude defensiva, de
simples resgate, mas com uma visão mais complexa de como a sociedade se apropria de sua história, pode
envolver novos setores. Não tem que se reduzir a uma questão de especialistas no passado: é do interesse de
funcionários e profissionais engajados na construção do presente para indígenas, camponeses, migrantes e
todos os setores, cuja identidade costuma ser perturbada pelos usos hegemônicos da cultura. Na medida em
que o nosso estudo e promoção do patrimônio assuma os conflitos que o acompanham, pode contribuir para a
consolidação da nação, mas não como algo abstrato, mas como aquilo que une em um projeto histórico solidário
dos grupos sociais preocupados com a maneira que habitam seu espaço e alcançam sua qualidade de vida
(tradução livre).
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iniciativas e atores locais em preservar seu patrimônio vivo: “Os ecomuseus se consideram
eles mesmos como processos participativos que reconhecem, gerem e protegem o
patrimônio local a fim de favorecer o desenvolvimento social, ambiental, e econômico de
maneira sustentável” (ICOM, 2016, p. 19).

A Carta de Cooperação de Milão (UNESCO, 2016) considera que as iniciativas de


ecomuseus buscam promover o desenvolvimento sustentável e preservação do patrimônio
local, ao tornar a comunidade protagonista desse processo participativo. O uso social do
patrimônio cultural proporciona a sua manutenção e preservação pela própria comunidade,
que passa a valorar o bem patrimonial (seja material ou imaterial) a partir das relações de
identidade e memória.

O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG):

O Ecomuseu da Serra (Figura 1), localizado na cidade de Ouro Preto em Minas Gerais, é
uma iniciativa oriunda da nova museologia de criação e gestão de um museu comunitário,
que se iniciou no ano de 2005. O projeto do ecomuseu foi concebido, de forma conjunta pelo
consultor internacional Hugues de Varine, pela museóloga e professora do departamento de
Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto Yara Mattos e pela coordenadora
comunitária Vanilda Costa de Paula Alves e os demais atores sociais presentes no território.

Figura 1: Vista Ecomuseu da Serra de Ouro Preto

Fonte: Autoria própria, 2017.

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O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto tem como objetivo musealizar2 o patrimônio cultural
que envolvem o território que compreende os bairros São Sebastião, São João, Queimada e
Santana. Em relação ao processo histórico do Morro da Queimada, as ruínas que se
encontram no parque arqueológico são registros históricos do antigo arraial minerador do
século XVII, que foi principal fonte da mineração aurífera da antiga Vila Rica, atual Ouro
Preto. Portanto, o Ecomuseu da Serra, procura abordar temas relacionados à história,
arqueologia, ecologia e a comunidade, promovendo um caráter de educação patrimonial
(ARCURI, 2016).

O Parque Arqueológico do Morro da Queimada e toda paisagem cultural dos Bairros São
Sebastião, São João e Santana, juntamente com Espaço Cultural Flores, Cores e Sabores,
popularmente conhecido como Bar da Nida (Figura 2) integram o Ecomuseu da Serra de
Ouro Preto. Sendo o Bar da Nida um importante espaço de socialização, festividades,
oficinas e reuniões da comunidade. O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto se caracteriza a
partir desses espaços, memórias e sociabilidade da comunidade em que está inserido.

Figura 2: Bar da Nida

Fonte: Autoria própria, 2021.

Logo, o Ecomuseu da Serra pode ser compreendido como um espaço participativo e de


constante construção, envolvendo líderes comunitários e moradores. Podemos perceber
também a caracterização pela luta pela preservação de seu patrimônio cultural e ambiental,

2 Tornar objeto ou lugar parte de um museu.


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suas memórias e suas relações sociais. Segundo Varine (2005) o museu comunitário se
difere dos museus tradicionais, se caracterizando por um processo coletivo de co-
construção e co-gestão:

O museu comunitário, ou o ecomuseu, ou o museu de território procede de


outra forma: para ser representativo, sem, entretanto, repousar sobre uma
coleção, ele deve emanar do território e de sua população. Seu trabalho se
faz em pleno dia, associando a cada instante tal e tal elemento do
patrimônio, tal e tal habitante ou grupo de habitantes: é o que chamo de
processo ecomuseal, que é essencialmente cooperativo. A composição do
público, das exposições, importa pouco, pois a atividade pública do museu
corresponde à totalidade e à globalidade do seu processo. Poderá haver
públicos identificáveis, grupos escolares ou turistas por exemplo, mas eles
serão apenas um produto derivado da atividade principal, pois tal museu
não tem visitantes, mas habitantes (VARINE, 2005, p. 4).

O conceito de espaço se relaciona com os ecomuseus no que tange a relação de


interdependência entre patrimônio, comunidade e espaço onde estão inseridos e acontecem
as ações dos ecomuseus. “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2006, p. 39).
Portanto, no âmbito patrimonial, podemos entender a indissociabilidade também presente na
relação entre o patrimônio cultural e os atores sociais do espaço. Além disso, em consoante
com Santos (2006), a configuração territorial e a relação social também possuem uma
relação de constante interdependência.

Os ecomuseus, conforme a Carta de Cooperação de Milão (2016), podem ser


compreendidos como desenvolvimento local sustentável a partir da consonância entre
patrimônio, território e comunidade. Nesse sentido, o conceito de ecomuseu se estabelece
como um agente ativo desses três elementos. Por conseguinte, os ecomuseus têm o papel
de desenvolver práticas afim de promover o crescimento cultural das comunidades locais, a
partir de sua participação ativa e envolvimento com o patrimônio e território (UNESCO,
2016).

Usos sociais como uma alternativa de preservação sustentável

O conceito de sustentabilidade surge na assembleia geral da Organização das Nações


Unidas (ONU) em 1987 com a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CMMAD). A comissão se manifestou em resposta aos avanços de uma sociedade em que
o crescimento econômico de forma desenfreada teve como consequência diversos impactos

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socioambientais e desigualdades, em nome do desenvolvimento capitalista. A
sustentabilidade tem como pressuposto o princípio de desenvolvimento sustentável de
forma a respeitar equidade social, ambiental e econômica, para que não haja o esgotamento
dos recursos para as gerações futuras, além da cooperação internacional para a garantia
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e do Nosso Futuro em Comum do
Relatório de Brundtland (ONU, 1987).

Para Veiga (2005), o desenvolvimento sustentável assume um sentido mais amplo do que
apenas o crescimento econômico de uma nação ou dados do PIB (Produto Interno Bruto), e
sim ligado ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que permeia questões como a
qualidade de vida, acesso a bens de necessidade e serviços. Ao considerar as pessoas
como agentes do desenvolvimento, ou ainda, o empoderamento das comunidades locais em
prol do seu desenvolvimento sustentável, transforma-se o processo de participação
democrática na tomada de decisões, que por exemplo, pode ser utilizado nas questões
patrimoniais.

Na verdade, o objetivo básico do desenvolvimento é alargar as liberdades


humanas. O processo de desenvolvimento pode expandir as capacidades
humanas, expandindo as escolhas que as pessoas têm para viver vidas
plenas e criativas. E as pessoas são tanto beneficiárias desse
desenvolvimento, como agentes do progresso e da mudança que
provocam. Este processo deve beneficiar todos os indivíduos
eqüitativamente e basear-se na participação de cada um deles. Esta é a
abordagem do desenvolvimento que tem sido defendida por todos os
Relatórios sobre o Desenvolvimento Humano, desde o primeiro,
em 1990 (VEIGA, 2005, p. 8).

Froner (2017), reflete acerca das três décadas do debate em torno da sustentabilidade, a
partir dos documentos e relatórios das organizações internacionais. A autora indaga como
seria possível gerenciar esse desenvolvimento sustentável a partir dos usos, manutenção e
preservação do patrimônio cultural, seguindo as diretrizes internacionais e respeitando a
autonomia e empoderamento das comunidades locais.

Consequently, the notion of cultural heritage in the contemporary world,


aside from the objects’ historical, aesthetic, or recollection significance, is
based on political criteria and the recognition of identity, community action,
social function, heritage education, visibility, and access. Within the
expanded field of memory in current society, the role of heritage is not to

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present a peek into a frozen past, but to enhance the temporal experience
and stand out in the tissue of cultural values 3 (FRONER, 2017, p. 14).

A noção de patrimônio cultural, atualmente, está fundamentada na ação comunitária, função


social e educação patrimonial (FRONER, 2017). O reconhecimento e identificação que a
comunidade confere ao bem patrimonial é determinante para sua preservação e
desenvolvimento sustentável, além de relevante para o empoderamento desses atores
sociais.

Segundo Tofani e Brusadin (2019), a conservação dos bens culturais e naturais vai para
além da salvaguarda de suas características físicas e simbólicas, é necessário considerar a
importância de se preservar as relações sociais das comunidades em que estão associados
tais bens. Para a preservação e uso sustentável do patrimônio cultural necessita-se do
efetivo engajamento e participação da comunidade envolvida para o conhecimento,
manutenção e cautela do bem patrimonial.

A sustentabilidade da relação entre salvaguarda e destinação de um bem


patrimonial – ou, em termos mais específicos, a preservação e uso
sustentável desse bem – consiste na melhor garantia de que ele será
sempre entendido como de grande relevância e permanentemente
conservado pela respectiva sociedade, pois ocupa um lugar de destaque
não apenas na sua história e memória, mas também na consumação de sua
existência no tempo presente e nos seus principais projetos para o porvir
(TOFANI; BRUSADIN, 2020, p. 11).

No que tange o patrimônio imaterial, o envolvimento da comunidade local é ainda mais


crucial para sua preservação, as relações simbólicas e afetivas são determinantes para a
manutenção do modo de fazer, por exemplo, que envolvem a dinâmica de alguns
patrimônios imateriais. Portanto, podemos evidenciar o papel do uso e apropriação do
patrimônio pela comunidade para a preservação sustentável do mesmo. Ao entender a
importância dos usos, atribuídos pela população, na preservação e valorização dos bens
patrimoniais, e os desusos como esquecimento e perda de atribuição de sentido pela
comunidade (MUNAIER; MUNAIER, 2015).

Os usos e desusos influenciam na conservação dos bens culturais. Sem


uso o bem tende a perder a ligação com a comunidade e a cair em
esquecimento. A preservação só faz sentido se priorizar o acesso da
população ao bem. Através do uso, o homem habita e se apropria do bem

3 Consequentemente, a noção de patrimônio cultural no mundo contemporâneo, além do significado histórico,


estético ou de reminiscência dos objetos, é baseada em critérios políticos e no reconhecimento da identidade,
ação comunitária, função social, educação patrimonial, visibilidade e acesso. No campo expandido da memória
na sociedade atual, o papel do patrimônio não é apresentar um vislumbre de um passado congelado, mas
realçar a experiência temporal e se destacar no tecido dos valores culturais (tradução livre).
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06 a 08 de outubro de 2021
cultural. Se cada lugar tem a sua memória, logo ela se configura como um
caminho para a valorização e conservação dos bens culturais, ou seja, a
memória é um dos quesitos para atribuir sentido ao patrimônio. A relação do
patrimônio com a sociedade interfere na sua conservação (MUNAIER;
MUNAIER, 2015, p. 84).

O ecomuseu da Serra de Ouro Preto estabelece relações de uso e apropriação do


patrimônio pela a comunidade em sua rotina cotidiana a partir de oficinas, festividades,
religiosidades e encontros no espaço. Ao proporcionar uma gestão participativa do
ecomuseu, percebe-se a atuação e engajamento dos diversos atores sociais pertencentes
ao território, que atuam em prol da preservação do patrimônio cultural em seu entorno.
Tornando a relação patrimonial sustentável pela própria comunidade, e também
proporcionando o desenvolvimento local a partir de suas ações.

Considerações finais:

Diante da discussão apresentada, podemos perceber a necessidade evidente da


participação horizontal da população nas políticas patrimoniais a partir de seus usos sociais.
Tais práticas influem diretamente na identificação e apropriação por uma maior parcela da
sociedade. Essa democratização do acesso e participação efetiva nas políticas patrimoniais,
ocasionam uma maior atuação dos diferentes atores sociais, acarretando um empenho
coletivo na preservação do patrimônio cultural. Além disso, uma participação mais ativa da
comunidade proporciona um equilíbrio entre as relações de preservação, sustentabilidade e
desenvolvimento da comunidade local.

A relevância e contiguidade Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG) é consequência da


preservação do seu patrimônio por meio da auto-gestão da comunidade em que se
encontra. Ao se instituir um ecomuseu cujas atribuições e usos sociais ao patrimônio são
fundamentadas em relações de gestão participativas, são estabelecidas relações sociais
afetivas com a comunidade que se identifica e preserva o patrimônio cultural que faz parte
do cotidiano dos moradores. Isso faz com que a relação patrimonial seja sustentável pela
autonomia e empoderamento dos atores locais a partir do reconhecimento que a
comunidade confere ao patrimônio, o que acaba sendo determinante para sua preservação
e sustentabilidade, por meio de metodologias participativas de auto-gestão.

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AGENTES DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL E
NATURAL EM BRUMADINHO - MG: uma análise das ações
educativas e mobilizadoras dos bombeiros nas áreas de saúde,
segurança e sustentabilidade

ANDRADE, Vagner Luciano de (1);

1. Rede Ação Ambiental, Programa Agente Ambientais em Ação.


Rua Vinte e Seis, 85, Zona Rural – Bela Vista (CEP 32.421-020)
Ibirité - MG. E-mail: reacao@yahoo.com

RESUMO

O patrimônio cultural e natural como objeto de preservação se consolidou com


o modelo denominado Iluminismo, importante movimento do século XVIII. A
arquitetura, os arquivos e a historiografia, enquanto constituição do corpus
patrimonial originaram-se a partir da modernidade, sendo gerados no
capitalismo. Nessa sociedade de caráter antropocêntrico, a despreocupação
com a destruição econômica do patrimônio revelaria uma ameaça a qualidade
de vida e, com a perspectiva crítica de valores ambientais e sociais.
Posteriormente, a emergência de atores e agentes do patrimônio teceram sua
ação ao longo do tempo, dentre eles, os bombeiros. Esses profissionais, cujos
métodos e perspectivas sempre são relacionados à saúde, e aos espaços da
cidade, prestam enormes benefícios e intervenções no patrimônio legalmente
protegido. Sobretudo, em questão de incêndios em regiões ecológicas ou
atrativos culturais. Além das queimadas em parques florestais, museus,
casarões, igrejas são exemplo da atuação efetiva destes sujeitos. Assim,
metodologicamente o presente trabalho analisa a partir de uma revisão
bibliográfica, das ações educativas e mobilizadoras dos bombeiros, civil e
militar nas áreas de saúde, segurança e sustentabilidade, através das fontes
disponibilizadas. Os subsídios teóricos constituíram-se preliminarmente de
pesquisas obtidas mediante consulta às seguintes fontes documentais acerca
da salvaguarda do patrimônio cultural e natural do município de Brumadinho,
recorte espacial adotado após a tragédia de 2019: dados da Superintendência
Regional do IPHAN-MG; dados da Gerência de Identificação e Pesquisa -
Diretoria de Proteção e Memória IEPHA/MG; dados da Casa de Cultura da
Prefeitura, responsável pelo patrimônio histórico e cultural; dados do ICMS
Cultural; listagem de bens protegidos até o ano de 2017/exercício 2018;
pesquisas diversas na internet.

Palavras-chave: Patrimônio; Bombeiros; Cultura; Ecologia; Salvaguarda.

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, várias são as correntes que discutem


teoricamente o que é qualidade de vida e quais são os elementos principais
que efetivam e/ou contribuem para sua manutenção e equilíbrio. Qualidade de
vida passa a ser discutida e reelaborada a partir da perspectiva teórica que a
aborda e a analisa, buscando reestruturações, readequações, releituras e
novas respostas a velhos dilemas. Assim daria para se escrever livros e livros
com incomensuráveis páginas dissertando sobre o assunto, ou ainda promover
inúmeros debates, seminários, conferências, e eventos que discutissem
amplamente a questão, apresentando resultados aplicáveis e efetivos. Porém
nunca se chegaria a um produto acabado sobre o tema, devido à sua
complexidade e extensão. Ações expressivas têm sido formatadas, e uma
delas se aproxima muito desta discussão: o Projeto Manuelzão, concebido no
âmbito do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais é um exemplo notório. O
Projeto orientado sobre a égide: saúde, ambiente e cidadania têm evidenciado
consideráveis conquistas educativas e mobilizatórias objetivando a qualidade
de vida de toda a população da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, desde
sua fundação em 1997.
Pensar numa nova sociedade saudável, segura e sustentável exige
conceber novos padrões políticos, culturais, econômicos, sociais, educacionais,
que modifiquem os padrões até então vigentes. Assim preparar indivíduos para
esta nova concepção de sociedade, exige um amplo processo de educação e
mobilização que extrapola as possibilidades historicamente estruturadas no
atual modelo de sociedade existente. Assim o presente trabalho apresenta uma
breve discussão teórica a partir do ideal básico da qualidade de vida como
direito inquestionável de cada ser humano, de viver numa sociedade saudável,
segura e sustentável. Neste contexto, as áreas de saúde, segurança e
sustentabilidade se entrelaçam mutuamente estabelecendo amplas discussões,
relações e conexões, como exemplo recente, a tragédia em Brumadinho. Em
documento publicado em 2019, a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de
Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico descreveu que:

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Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Em 25 de janeiro de 2018, por volta das 13:00 horas, a barragem 1
de rejeitos de minério de ferro da Mina do Feijão da Vale rompeu,
deixando um rastro de destruição na cidade de Brumadinho - MG,
especialmente na localidade de Córrego do Feijão, Vila Ferteco e
bairro Parque da Cachoeira. Além das mortes de funcionários da Vale
e de empresas terceirizadas, moradores e visitantes de Brumadinho,
o tsunami de lama soterrou casas, pousadas e sítios, atingiu o rio
Paraopeba (um dos afluentes do rio São Francisco), e ainda causa
danos ambientais graves.

Além do professor, principal protagonista deste processo, é


indispensável que cada profissional, independente de sua formação específica,
seja orientado a compreender esta relação intrínseca evidenciando suas
contribuições para a harmonização da mesma. Neste contexto, de uma nova
ordem social, evidencia-se o potencial educativo e mobilizatório a partir da
realidade teórica e vivência profissional dos bombeiros. O bombeiro, em sua
essência, é antes de tudo um educador e mobilizador da sociedade
contemporânea. Além dos atos heroicos associados a estes grandiosos
sujeitos, destaca-se em tempos recentes sua atuação após a Tragédia de
Brumadinho, que destruiu patrimônios (Figura 01) e ceifou centena de vidas.
Sobre a importância da área destruída, a Nota Técnica n º 19/2019, expedida
pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio
Cultural e Turístico afirmou que:
A área começou a ser ocupada ainda no ciclo do ouro, quando foram
encontradas lavras de ouro na região próxima conhecida como Casa
Branca. Por volta do ano 1759. Plácido Ferreira recebeu como carte
de sesmaria a fazenda Ponte Grande, mais tarde conhecida como
Ponte Alta. Esta Fazenda cresceu em importância após ser vendida,
em 1761, ao Contratador de Ouro Preto, João de Souza. Com a
falência do contratador e de seus sócios a propriedade foi a leilão, em
1778 e foi arrematada por José Ignácio de Alvarenga Peixoto,
juntamente com a fazenda vizinha de São José do Bom Retiro. Com a
inconfidência mineira a fazenda foi confiscada pelo sogro de
Alvarenga Peixoto, ficando sob a guarda de Bárbara Heliodora
Guilhermina da Silveira, de 1786 a 1815. Em 1815 passou a seus
irmãos e depois a seus herdeiros.
Provavelmente surgiu de uma destas propriedades divididas da
Fazenda São José do Bom Retiro e Ponte Alta. O Povoado de
Córrego do Feijão se originou ainda no início do século XX. A
formação do povoado só foi possível porque uma companhia alemã
de exploração de minério se instalou no local, motivo pelo qual a
região também é conhecida como Córrego dos Alemães.
A área possui estruturas arquitetônicas predominantemente com um
pavimento, apresentando tipologia colonial mineira, eclética,
protomoderna e moderna. Destacam-se dentre as construções locais
as sedes de fazenda e outros casarios remanescentes do período
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colonial e imperial. Dentre estas construções estão as ruínas da
fazenda Ponte Alta.
Potenciais bens móveis podem existir no setor. (grifos nossos)
A área possui importância ambiental. A região de Córrego do Feijão
apresenta uma das visadas mais belas do município sobre o vale do
Ribeirão Casa Branca e a serra dos Três Irmãos.
A Serra dos Três Irmãos está muito degradada pela mineração, mas
ainda é um marco referencial importante na região. Os acervos
arquitetônicos coloniais ameaçados são as prioridades para
levantamento neste setor, bem como os sítios paisagísticos.

Figura 01 - Fazenda colonial destruído pelo lamaçal de rejeitos, em Córrego do Feijão

Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico


Nota Técnica n º 19/2019

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Os bombeiros são profissionais extremamente relevantes, tecnicamente


treinados e equipados para apagar ou minimizar incêndios, resgatar pessoas
em situação de risco ou perigo, salvaguardar bens materiais e fornecer
assistência em desastres naturais e/ou ocasionados pelo homem, como em
Brumadinho e Mariana. Os bombeiros, como ocorrem no caso da grande
maioria dos estados brasileiros e em muitos países europeus e americanos
podem ser militares, ou então civis e voluntários. Apesar de terem sido
inicialmente constituídos com a função de combate a incêndios, as funções dos
bombeiros alargaram-se para quase todas as áreas da proteção civil,
ampliando suas ações que passaram a ter um caráter cada vez mais cultural e
socioambiental, e, portanto, essencialmente educativo e mobilizatório. Na
sociedade vigente, com atuação direta e/ou indireta em áreas urbanas, rurais e
florestais, o corpo de bombeiros, por sua vez desenvolve sérias e expressivas

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ações vinculadas à saúde, segurança e sustentabilidade, dentre as quais se
destacam: ações educativas de intervenção, reflexão e conscientização quanto
a situações de risco e/ou perigo; captura e devido direcionamento de animais
silvestres e/ou domésticos que ofereçam ou corram riscos; combate a
incêndios florestais, industriais e urbanos; corte de árvores em risco iminente
de queda; desencarceramento em acidentes rodoviários e ferroviários;
intervenção em incidentes com redes de gás e petróleo; intervenção em
incidentes elétricos, hidráulicos e materiais tóxicos e/ou perigosos; mobilização
de espaços e públicos específicos no que se refere às medidas e técnicas de
saúde e segurança; prevenção contra incêndio, pânico e demais situações de
perigo; resgate de corpos ou bens submersos; resgate de pessoas em risco
iminente de vida, através de salvamento aquático(Figura 02) e/ou emergência
médica pré-hospitalar.

Figura 02 - Cachoeira de Córrego do Feijão

Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e


Turístico Nota Técnica n º 19/2019

A atuação dos bombeiros militares no mundo e no território brasileiro é de


suma importância. O bombeiro militar é certamente um dos profissionais mais
admirados popularmente no contexto contemporâneo, por suas ações estarem
direta e indiretamente ligadas a atos de bravura e heroísmo. Para se tornar um
bombeiro militar é preciso prestar concurso público e passar por um curso
básico de formação com inúmeras disciplinas de saúde, segurança e
sustentabilidade. Área de formação científica mais próxima da atuação e o
bacharelado/licenciatura em Ciências Biológicas. O Sistema de Defesa
Nacional (Aeronáutica, Exército e Marinha) de um país, pode dispor de Corpos

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de Bombeiros especificamente estruturados para combate a incêndios e
operações de socorro através da ação de grupos de elite tecnicamente
capacitados para as intervenções de proteção, cujas equipes atuam
rapidamente em áreas ameaçadas de catástrofe, transportadas por veículos
(Quadro I), realizando uma primeira intervenção até à chegada de reforços.
Segundo dados oficiais, no Brasil existem mais de 5.500 municípios e, destes,
menos de 350 possuem bombeiros militares. Assim como em Minas Gerais, na
maioria dos estados do Brasil, o Corpo de Bombeiros Militar é autônomo. No
caso dos mineiros, a grandiosa tragédia de Brumadinho, Coordenadoria das
Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico Nota
Técnica n º 19/2019, trouxe mais demandas de cunho biopsicossocial (Figura
03):
Entre tantas histórias de mortes e perdas de todos os tipos, as
consequências psicológicas da tragédia causada pelo rompimento da
barragem da Vale em Brumadinho tendem a se tornar cada vez mais
evidentes e podem aparecer meses após o ocorrido. Segundo um
dos membros da Comissão de Emergências e Desastres do Conselho
Regional de Psicologia de Minas (CRP-MG), o psicólogo Marcelo
Arinos Drummond, são três os grupos de afetados: os que perderam
tudo, os que acharam os corpos de parentes e aqueles para os quais
a busca nunca terá um fim. Todos sujeitos a consequências como
depressão, abuso de substâncias químicas e até mesmo suicídio.
[...] Os sobreviventes que perderam casas e objetos pessoais
também precisam de ajuda. Além de bens materiais, as vítimas ainda
têm a perda afetiva
[...] conforme a coordenadora, reação após tragédias como o
rompimento da barragem podem aparecer até seis meses depois do
ocorrido.

Figura 03 - Parentes da vítimas manifestam em frente à entrada da cidade

Fonte: https://www.terrasemmales.com.br/25-de-fevereiro-30o-dia-do-crime-da-vale-em-
brumadinho-mg/
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No estado do Rio de Janeiro, o Corpo de Bombeiros Militar por sua vez,
está vinculado e subordinado à Secretaria Estadual de Defesa Civil. Somente
nos estados da Bahia, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul estão
vinculados administrativamente ao Comando da Polícia Militar e à Secretaria
Estadual de Segurança Pública. Por sua relevante contribuição à ordem social,
este profissional encontra-se conectado a diversas áreas de ação do poder
público: segurança pública, saúde coletiva, meio ambiente, patrimônio cultural,
defesa civil, dentre outras inúmeras. A bravura e o heroísmo popularmente
atribuídos se devem a sua inquestionável atuação junto à sociedade. Sua
diretriz principal é salvaguardar a vida, incluindo além da vida humana à
proteção à biodiversidade, bem como a proteção de todos contra situações de
risco e perigo, incluindo-se os bens patrimoniais, dentre os quais, os de valor
cultural e ecológico.

Quadro I – Veículos indispensáveis à ação de um Bombeiro Militar


Veículos terrestres Veículos aquáticos Veículos aéreos
Veículos de socorro e combate a incêndios, Botes de Helicópteros de
veículo-tanque de grande capacidade; veículos reconhecimento e avaliação e
com equipamento técnico de apoio; veículos de transporte, botes de coordenação,
apoio alimentar; veículos de apoio a socorro e resgate, aerotanques,
mergulhadores; veículos com escada giratória; lanchas de aviões de
veículos com plataforma giratória; veículos de transporte geral, reconhecimento
socorro e assistência, veículos de proteção motos de e coordenação.
multiriscos, veículos de comando táctico, veículos reconhecimento e
de comando e comunicações, veículos de gestão salvamento aquático.
estratégica e operações, veículos de transporte de
pessoal, veículos para operações específicas,
ambulâncias de socorro e assistência médica a
doentes, inclusive em casos de cuidados
intensivos.
Fonte: CBMMG (2021)

Dentre as figuras que ganharam notoriedade em Brumadinho (Figura


04), contam-se as imagens do bombeiros enlameados. Equivocadamente a
maioria da população acredita que todo bombeiro é militar, um funcionário
ligado a alguma esfera do poder público: municipal, estadual ou federal. Neste
contexto, ainda desconhecem a existência do bombeiro civil, voluntário ou
contratado, que pode ser empregado em brigadas de incêndio de empresas
e/ou instituições, participando especificamente no atendimento público em
situações de perigo e/ou riscos e atuando diretamente em questões inerentes à

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saúde, segurança e sustentabilidade. No Brasil, muitas vezes, a solução têm
sido principalmente os bombeiros civis, que atuam como voluntários
em Organizações Não-Governamentais.
Brigadas de incêndio são formadas e treinadas em diferentes contextos
sociais: comunidades, empresas, instituições e unidades de conservação
ambiental (florestas, parques e reservas). Na região sul do país, no estado
do Paraná, por exemplo, existe nos municípios que possuem um índice menor
de ocorrências, o Projeto Bombeiro Comunitário, resultado de parceria, onde a
esfera estadual fornece viaturas, o financiamento para a construção dos Postos
de Bombeiros e coloca à disposição um Bombeiro Militar (Sargento), que será
o responsável pelo treinamento do efetivo, realização de vistorias técnicas e
organização geral do Posto; e as prefeituras municipais colocam à disposição
funcionários municipais denominados Agentes de Defesa Civil, e desta forma
através desta parceria é garantido o atendimento básico à população local.
O recorte espacial escolhida para esta pesquisa é Brumadinho distante
51 km até a capital, limitando-se Ibirité, Sarzedo, Mário Campos, São Joaquim
de Bicas, Igarapé, Itatiaiuçu, Rio Manso, Bonfim, Belo Vale, Moeda, Itabirito,
Nova Lima e Belo Horizonte. Fundado em 17 de dezembro de 1938 compõe-se
oficialmente de 05 Distritos, distribuídos numa área total de 639,434 km². A
população total (estatísticas IBGE/2018[) é de 39 520 habitantes, a densidade
de 61,8 hab./km². O clima tropical (Aw). O IDH (PNUD/2010) é de 0,747 (alto),
o PIB (IBGE/2016) está em R$ 1.538 748,47 mil e o PIB per capita (IBGE/2016)
em torno de R$ 40.099,77. As principais atividades econômicas são a
mineração, o comércio e os serviços. A agricultura existe, porém sem impactos
na economia local, bem como o turismo, principal vocação da municipalidade.
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais (2021) atesta que:
O número de atrações culturais e turísticas de Minas Gerais revela a
dimensão da responsabilidade do Poder Público e da própria
sociedade com a conservação de patrimônio. No país, o Estado tem a
maior quantidade de bens culturais protegidos e de cidades turísticas
reconhecidas pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur). Quatro
de seus sítios históricos são considerados pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como
Patrimônio Cultural da Humanidade: a cidade de Ouro Preto; o
Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas; o Centro
Histórico de Diamantina e o Conjunto Arquitetônico Moderno da
Pampulha, em Belo Horizonte. Em cada Município do Estado, um
promotor de Justiça atua como curador dos interesses difusos, sendo,
portanto, responsável pela tutela do patrimônio cultural e natural e
dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
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paisagístico. O trabalho do Ministério Público nessa área é bem
amplo, podendo a instituição atuar tanto de forma preventiva, quanto
punitiva.
Figura 04 - Relação da lama de rejeitos em comparação aos patrimônios do município

Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico


Nota Técnica n º 19/2019

No caso de Minas Gerais, o Corpo de Bombeiros Militares (CBMMG)


atua em diferentes ações de proteção pública voltadas à promoção da
qualidade de vida dedicando-se à concepção, planejamento e implantação de
atividades preventivas e de resposta a sinistros, garantindo a proteção à vida,
ao patrimônio e ao meio ambiente, contribuindo efetivamente com a
transformação do Estado mineiro. O CBMMG fundado em agosto de 1911,
tecnicamente coordena e executa ações de defesa civil; perícias, prevenção e
combate a incêndios; salvamento e estabelecimento de normas relativas à
segurança das pessoas e de seus bens contra qualquer tipo de catástrofe
natural ou antrópica. Norteiam, numa perspectiva de educação e mobilização,
as diretrizes de ação do CBMMG (2021:
Prestação dos serviços de prevenção contra sinistro, proteção,
socorro e salvamentos, sempre atendendo de forma eficiente e ágil,
os cidadãos em todo o território mineiro, atuando de forma integrada
com os órgãos do Sistema de Defesa Social e sociedade, visando à
melhoria da qualidade de vida e o exercício pleno da cidadania.
(CBMMG, 2021)
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Uma vez que acidentes lamentavelmente acontecem com todos, sem
distinções, a dica é sempre ficar atento no dia-a-dia e em caso de emergência
ligar para o telefone 193, solicitando maiores informações ou orientações sobre
acidentes de trânsito e atropelamentos, acidentes em trilhas de ecoturismo,
afogamentos em cursos d’água ou balneários (Figura 05), choque ou
descargas elétricas, fogos de artifício, incêndios, perigo de animais silvestres
ou domésticos (incluindo acidentes com peçonhentos), perigos da época de
soltura das pipas (cortes em decorrência uso do cerol e da linha chilena),
período de chuvas (desabamentos, deslizamentos, enchentes, doenças de
veiculação hídrica), uso adequado do extintor, urgência e emergência (crises,
facadas, intoxicações, partos, problemas de saúde, quedas, tentativas de
suicídio, tiroteiros), utilização do botijão de gás, etc...

Figura 05 - Mapeamento da mancha de rejeitos de Brumadinho

Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico


Nota Técnica n º 19/2019

As ações dos bombeiros se destacam sobretudo, nas áreas de saúde,


segurança e sustentabilidade. Na área de segurança, por exemplo, destaca-se

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o repasse educativo de dicas importantes para que o cidadão aprenda a
detectar e prevenir acidentes, bem como agir em situações de riscos, perigo ou
insegurança. Na área da saúde, além do suporte na área de primeiros
socorros, há relevantes conexões relacionadas ao atendimento pré-hospitalar,
bem como ações relacionadas à prática de esportes diversos como atletismo e
natação (Figura 06). O site da CBMMG disponibiliza algumas expressivas dicas
evidenciando o potencial educativo e mobilizatório da corporação e dos
agentes a ela vinculados.

Figura 06 - Cachoeira da Jangada, Ribeirão Casa Branca

Fonte:

Adaptado às diversas fontes de riscos e conflitos, o CBMMG destaca ações


e dicas de saúde e segurança, sendo as mais disponibilizadas: acidentes de
acidentes de incêndios, acidentes de afogamento, acidentes de botijão de gás,
acidentes de choque elétrico, acidentes de ecoturismo, acidentes de em
balneários, acidentes de fogos de artifício, acidentes de período de chuvas,
acidentes de trânsito, acidentes do cerol/linha chilena, acidentes do dia-a-dia,
uso do extintor. O profissional bombeiro, independente de sua condição de
militar ou civil, servidor público ou contratado, pode desenvolver relevantes
ações educativas e mobilizadoras nas áreas de saúde, segurança e
sustentabilidade. Para Silva (2018, p. 118):
Ações locais, como a inclusão das informações nos registros do
imóvel tombado e das adjacências, facilitariam o monitoramento de
possíveis modificações ou, mesmo de abandono do imóvel, como se
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percebe nos dias atuais, levando-o a uma condição tal de
deterioração que por muitas vezes, não haverá outra solução que não
seja sua demolição. Declarar e demarcar no Plano Diretor municipal a
área do bem tombado, bem como sua região de visibilidade, e limitar
as construções seriam ações importantes para evitar a especulação
imobiliária. Contudo, a avaliação das informações obtidas nos sítios
do Iphan, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, do Portal
Transparência do Governo Federal e do governo de Minas Gerais,
demonstra que, infelizmente, as autoridades ainda não estão
suficientemente sensibilizadas com a causa do patrimônio cultural.

Em termo de agentes educacionais, tanto os bombeiros voluntários e os


bombeiros profissionais civis, exercem um papel de destaque na sociedade.
Este potencial educativo e mobilizatório do bombeiro nas áreas de saúde,
segurança e sustentabilidade, pode inclusive se multiplicar através da ação de
milhares de bombeiros civis que podem atuar na formação e orientação de
diretrizes básicas de qualidade de vida. No Brasil, o bombeiro civil existe como
profissional nos grandes centros urbanos desde os anos 1960 e como
voluntário desde 1835. Para ser bombeiro civil ou voluntário, o interessado
precisa procurar um Corpo de Bombeiros Voluntários e submeter-se a um
treinamento básico para exercer algumas atividades. Após o rompimento da
Barragem da Vale, em Córrego do Feijão (Figura 07), inúmeros bombeiros civis
e militares foram realocados e atuaram de forma conjunta, na localização dos
corpos soterrados.

Figura 07 - Pontilhão da linha férrea arrancado pela enxurrada de lama que tomou o córrego
em direção ao Rio Paraopeba

Fonte:
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2021/01/25/interna_gerais,1231966/brumadinho-2-
anos-veja-como-estao-os-marcos-da-tragedia.shtml

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Após ser aprovado em um curso básico de formação, o voluntário
poderá realizar cursos mais avançados e crescer dentro da instituição. Existem
várias escolas e instituições em todo pais, mas ainda não existe
regulamentação, lamentavelmente dando margem a ocorrência de ilegalidades.
Os Corpos de Bombeiros Voluntários estão espalhados por praticamente todas
as regiões do mundo, sendo responsáveis pela grande maioria das operações
de socorro, emergência e urgência, em virtude do reduzido número de Corpos
Profissionais existentes. Na grande maioria dos casos, os Corpos de
Bombeiros Voluntários dependem de associações organizacionais de âmbito
local, como organizações não-governamentais, por exemplo. As grandes
empresas industriais, portuárias, aeroportuárias e florestais geralmente têm
corpos privativos de bombeiros, vocacionados para a atuação especializada no
seu ramo de atividade. Já os Bombeiro Militares (Figura 08) são admitidos, via
concurso público e oficialmente treinado pela Corporação estadual responsável
pela gestão técnica, operacional e humana destes profissionais

Figura 08 - Bombeiros Militares de Minas Gerais durante ações em Bruamdinho

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/349803096056297071/

O ano de 1999 jamais será esquecido em Mariana, quando a Igreja


Nossa Senhora do Carmo, na Praça Minas Gerais foi parcialmente destruída
pelo fogo. Era Dezembro de 2014, quando um casarão colonial foi consumido
pelo fogo, na Praça Tiradentes, em Ouro Preto (MG). Foi em Dezembro de

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2015, que Museu da Língua Portuguesa (SP) sofreu grandes danos
decorrentes de um incêndio. Em 2015, uma barragem minerária estourou em
Bento Rodrigues, Mariana, levando um turbilhão de rejeitos pela calha do Rio
Doce até o mar no Espirito Santo. A tragédia minerária se repetiria em 2019, no
Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde quase trezentas pessoas morreram.
Ainda em Janeiro de 2019, o Museu da Quinta da Boa Vista (RJ), ardeu em
chamas com perdas significativas. Em Junho de 2020, foi a vez do Museu de
História Natural da UFMG, em Belo Horizonte, onde também em Outubro de
2020, o fogo consumiria grande parte da vegetação nativa do Parque Florestal
Ursulina de Andrade Melo. Entre chamas e chamados, em 2020, o Cerrado, a
Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e o Pantanal Mato Grossense foram
assustadoramente queimados, chocando a todos. Na Grande BH, o Parque
Estadual do Rola Moça, reduto de importantes mananciais, também sofre
anualmente com as queimadas, desde sua criação em 24 de setembro de
1994. Na rota de destruição patrimonial pelo fogo juntou-se à esse protocolo de
dilapidação, em Julho de 2021, a Cinemateca.

Figura 09 - Território municipal de Brumadinho com hipercentro da tragédia em amarelo

Fonte:
https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/relat%c3%b3rio_Brumadinho_impacto_sa%c
3%bade_01_fev_b.pdf

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ESTUDO DE CASO SOBRE PATRIMÔNIOS: A Tragédia de Brumadinho
(2019) e seus desdobramentos diretos e indiretos na municipalidade
(Aranha, Brumado Novo, Brumado Velho, Casa Branca, Córrego do
Feijão, Piedade, São José)

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),


Aranha é um distrito de Brumadinho, com uma população no ano de 2010 de 1.
959 habitantes, sendo 972 homens e 987 mulheres, tendo um total de 986
domicílios particulares. Inicialmente denominado Jesus Maria José do Aranha
foi criado pelo decreto estadual nº 148, de 17 de dezembro de 1938,
juntamente à emancipação da cidade. O Decreto federal nº 5.421, de 30 de
Março de 1940, desapropriou o manancial situado no km 567, Distrito de Jesus
Maria José do Aranha, necessário ao abastecimento das locomotivas e
dependências da Estação de Melo Franco, da Estrada de Ferro Central do
Brasil. O distrito subdivide-se em Alberto Flores, Aranha, Melo Franco e Toca
(Quadro II). A localidade teve seus meios de ligação (estradas de terra, pontes,
ou rodovias municipais asfaltadas, comprometidos pelo rompimento da
barragem. Em Aranha ficava o antigo manancial de abastecimento público de
Brumadinho extinto pelo Governo Federal.
O Presidente da República, nos termos do regulamento aprovado
pelo decreto n. 4.956, de 9 de setembro de 1903, art. 590, § 2º, n. II,
do Código Civil, e art. 122, n. 14, da Constituição,
Decreta:
Artigo único. Afim de permitir o abastecimento das locomotivas e
dependências da Estação de Melo Franco, Estado de Minas Gerais,
da Estrada de Ferro Central do Brasil, fica desapropriado o manancial
de Brumadinho (Minas Gerais), representado na planta n. 1, de 14 de
março de 1939, bem como a respectiva faixa de terreno necessária à
rede adutora, correndo a despesa pela Verba 3ª - Obras
Desapropriações e Aquisições de Imóveis - Consignação 2,
subconsignação 4-05, letra A, do orçamento vigente do Ministério da
Viação e Obras Públicas.
Rio de Janeiro, 30 de março de 1940, 119º da Independência e 52º
da República.
GETULIO VARGAS, João de Mendonça Lima.

Quadro II - Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de Aranha


Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Cachaça artesanal (saberes e ofícios) Área Rural (Diversos) Possivelmente atingida
Produção cachaça
Cachoeira Toca de Baixo Aranha / Rio Paraopeba Não atingida
Cachoeira Toca de cima Aranha / Rio Paraopeba Não atingida
Corporação Musical Banda de São Aranha / Melo Franco É necessário averiguar
José

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Festa da Jabuticaba Aranha Sem informações
Festa da mexerica Pocã Aranha / Melo Franco Sem informações
Guarda de Moçambique de Aranha Aranha Sem informações
Guarda de Moçambique do Aranha Aranha Aparentemente não
(Celebrações) prejudicado.
Igreja matriz de Melo Franco Aranha / Melo Franco Não atingida
Ponte de arame Aranha / Melo Franco Não atingida
Pontilhão linha férrea sobre Rio Alberto Flores Não atingida
Paraopeba
Ruínas senzala Casa Sra Noca Aranha Não atingida
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
Nota Técnica N º 19/2019

A localidade de Casa Branca (Quadro III), um bairro rural, pertence ao


distrito-sede do município de Brumadinho. No último censo demográfico, foram
contados 1961 residentes no povoado. Localiza-se no vale encachoeirado do
ribeirão Casa Branca, que tem suas nascentes nas serras da Calçada e do
Rola-Moça, a 25 quilômetros da sede municipal e a 40 quilômetros do centro
de Belo Horizonte. Mesmo localizada tão próxima à capital, a região se
conserva muito bem resguardada, a exemplo do Parque Estadual do Rola
Moça, implantado em 1994. Hoje, todo o entorno, passa por transformações,
mas ainda guarda áreas de mata atlântica e se organiza para receber turistas,
mostrando sua história, cultura e as belezas e riquezas naturais. A região é
formada pelos bairros: Aldeia Cachoeira das Pedras, Catarina, Córrego Fundo,
Eco Casa Branca, Estância da Cachoeira, Gran Royalle, Jangada, Jardim Casa
Branca, Parque das Andorinhas, Quintas de Casa Branca, Rola Moça, Serra
das Andorinhas e Ville Casa Branca. A localidade teve seus meios de ligação
(estradas de terra, pontes, ou rodovias municipais asfaltadas, comprometidos
pelo rompimento da barragem.

Quadro III - Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de Casa Branca


Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Bacia do Rio Catarina Casa Branca Não atingida
Cachoeira da Jangada Casa Branca Não atingida
Cachoeira do Condomínio da Aldeia Casa Branca Não atingida
Feira de artesanato Casa Branca Sem informações
Folia de São Sebastião Casa Branca A apurar
Manancial Catarina (protegido pela Casa Branca Sem informações
Legislação Urbanística) Parque Rola

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Moça
Serra do Rola Moça Casa Branca Não atingida
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
Nota Técnica N º 19/2019

Brumado Velho, hoje Conceição de Itaguá (Quadro IV) é um distrito de


Brumadinho. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), sua população no ano de 2010 era de 6.650 habitantes, sendo 3.309
homens e 3.341 mulheres, possuindo um total de 2.444 domicílios particulares.
Está situado na extremidade oeste do município e foi criado pela lei estadual nº
1039, de 12 de dezembro de 1953. O distrito é cortado em sua área rural pela
Linha do Paraopeba da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, atualmente
concedida à MRS Logística. A localidade não teve seus meios de ligação
(estradas de terra, pontes, ou rodovias municipais asfaltadas, comprometidos
pelo rompimento da barragem.

Quadro iV- Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de Brumado Velho


Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Alambique Sitio Quinta do Moinho Conceição de Itaguá Sem informações
Barragem Rio Manso Conceição do Itaguá Não atingida
Casa José Bernardes Dias 1932 Conceição do Itaguá Não atingida
Corporação Musical Nossa Senhora Conceição do Itaguá Aparentemente não
da Conceição (Formas de Expressão) prejudicado.
Fazenda Senhor José Amaral / Olhos Conceição do Itaguá Não atingida
d'água
Festa de Nossa Senhora da Conceição do Itaguá Sem informações
Conceição
Folia de Reis Conceição do Itaguá Conceição do Itaguá Sem informações
Fonte Hidromineral Suia Ingá Conceição do Itaguá Não atingida
Forte do Brumado Conceição do Itaguá Não atingida
Guarda de Moçambique de Conceição Conceição do Itaguá Sem informações
do Itaguá
Guarda de Moçambique do Brumado Conceição do Itaguá Necessário averiguar
Núcleo Histórico Brumado Velho Conceição do Itaguá Não atingida
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
Nota Técnica N º 19/2019

A localidade de Córrego do Feijão (Quadro V) é um bairro rural pertence


ao distrito-sede do município de Brumadinho. No último censo demográfico,
foram calculados 415 moradores no bairro. Divide-se em Córrego do Feijão,

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Parque da Cachoeira, Sousa Noschese, Tejuco e Vila FERTECO. Foi
oficializado como bairro em 2004, no entanto suas origens remontam às
décadas anteriores. Algumas de suas casas conservavam a arquitetura da
época. No passado, segundo relatos de residentes seu nome se deve a um
caminhão carregado de feijão que caiu sobre o principal curso hídrico local. O
rompimento da barragem de Brumadinho foi um desastre ambiental ocorrido no
início da tarde do dia 25 de janeiro de 2019. Rompeu-se uma barragem de
rejeitos de mineração controlada pela Vale S.A., construída no ribeirão Ferro-
Carvão, na localidade. O acidente assemelha-se ao desastre do rompimento de
barragem em Mariana, também controlada pela Vale.

Quadro V- Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de Córrego do Feijão


Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Casa Alvarenga Peixoto (Lei Córrego do Feijão Sem informações
Orgânica)
Casa de Hospedes Complexo da Vale Córrego do Feijão Possivelmente
atingido
CEAM - Centro de Educação Córrego do Feijão Possivelmente
Ambiental atingido
Complexo da FERTECO (Vale) Córrego do Feijão Sem informações
Engenheirinha Coelho / Fazenda Córrego do Feijão Sem informações
Engenho
Estação Ferroviária Souza Noschese Conceição do Itaguá Não atingida
Festa de Nossa Senhora das Mercês Córrego do Feijão Sem informações
Tejuco
Gruta Fecho do Funil (patrimônio Serra do Funil A verificar
arqueológico)
Igreja Nossa Senhora das Mercês Córrego do Feijão Não atingida
Tejuco
Santuário Monte Cristo / Córrego do Monte Cristo Não atingido
Barro
Sitio Arqueológico “Aqueduto Córrego Córrego do Feijão Sem informações
do Feijão”
Sítio Arqueológico “Fazenda Recanto” Córrego do Feijão Sem informações
Sitio Arqueológico “Sítio dos Berros” Córrego do Feijão Sem informações
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
Nota Técnica N º 19/2019

O Distrito de Piedade do Paraopeba (Quadro VI) está localizado ao sopé


da histórica Serra da Moeda, no município de Brumadinho. Distando cerca de
35 quilômetros da capital, e da Sede municipal, cerca de 20 quilômetros. A

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chegada dos bandeirantes, pelos idos de 1674, faz com que a Vila de Piedade
do Paraopeba seja mais velha que Mariana, Ouro Preto, Sabará e todas as
outras cidades coloniais de Minas Gerais e que possui uma igreja pré-barroca,
do período missionário – jesuítico, consagrada em 1713. A religiosidade por
Nossa Senhora da Piedade remonta às primeiras décadas do século XVIII. A
imagem original que ocupa o altar mor da atual Matriz, entalhada em madeira,
foi adquirida em Portugal em 1731. Chegou ao arraial em uma liteira e ocupou
seu lugar de honra na modesta capelinha que se transformaria mais tarde
numa das grandiosas edificações religiosas da arquitetura colonial mineira, das
primeiras décadas do século XVIII. A localidade teve seus meios de ligação
(estradas de terra, pontes, ou rodovias municipais asfaltadas, comprometidos
pelo rompimento da barragem.

Quadro VI- Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de Piedade


Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Acervo arquitetônico de Piedade do Piedade do Paraopeba Não atingido
Paraopeba (2008) rua do Rosário
Alambique do Endio Sitio Morro do Piedade do Paraopeba Sem informações
Meio Grota Grande
Alambique Fazenda Areão Piedade do Paraopeba Sem informações
Alambique Fazenda Quintilhiano Piedade / Palhano Sem informações
Alambique Sitio dos Moinhos Piedade do Paraopeba Sem informações
Arquivo do Cartório Piedade do Paraopeba Não atingida
Bens móveis e integrados da Praça Piedade do Paraopeba Não atingido
Igreja Nossa Senhora Piedade
Cachaça Puro Sabor de Minas Piedade / Suzana Sem informações
Cachaça Zelia e Gabriela Piedade / Suzana Sem informações
Capela do Rosário Piedade do Paraopeba Não atingida
Cerâmica artística (saberes e ofícios) Piedade de Paraopeba Não prejudicado
Povoado de Palhano
Clube do Voo Livre Topo do Mundo Piedade do Paraopeba Não atingido
Serra da Moeda
Conjunto Histórico e Paisagístico da Piedade do Paraopeba Sem informações
Serra da Calçada
Corporação Musical Santo Antônio Piedade / Suzana Aparentemente não
(Formas de Expressão) prejudicado.
Fazenda Gorduras Piedade do Paraopeba Não atingido
Fazenda Joaquim Maia (2000), margem Piedade do Paraopeba Não atingido
da estrada de Aranha
Festa da Laranja Piedade do Paraopeba Sem informações
Festa de Nossa Senhora da Piedade Piedade do Paraopeba Sem informações
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Festa de Nossa Senhora do Rosário Piedade do Paraopeba Sem informações
Festa do Milho Zona Rural Piedade / Suzana Sem informações
Forte de Brumadinho (Ruínas) - Piedade / Forte de Não atingido
Tombado e inventariado Brumadinho
Guarda de Moçambique de Córrego Piedade do Paraopeba Sem informações
Ferreira - Piedade do Paraopeba
Guarda de Moçambique de Nossa Piedade do Paraopeba Necessário averiguar
Senhora do Rosário de Piedade do
Paraopeba
Guarda de Moçambique de Piedade do Piedade do Paraopeba Sem informações
Paraopeba
Guarda de Moçambique do Córrego Piedade / Córrego Ferreira É necessário
Ferreira averiguar
Igreja do Rosário de Piedade do Piedade do Paraopeba Não atingida
Paraopeba
Igreja Nossa Senhora do Rosário Piedade do Paraopeba Não atingido
Jubileu de Nossa Senhora da Piedade Piedade do Paraopeba Aparentemente não
(Celebrações) Praça da Matriz prejudicado.
Matriz Nossa Senhora da Piedade Piedade do Paraopeba Não atingido
Também protegido por inventário
Muro de pedras adro da Capela do Piedade do Paraopeba Não atingida
Rosário
Núcleo Histórico de Casa Branca Piedade do Paraopeba Não atingida
Via das 7 Dores de Nossa Senhora Piedade do Paraopeba Sem informações
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
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São José do Paraopeba (Quadro VII) é um distrito de Brumadinho, no


estado de Minas Gerais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), sua população no ano de 2010 era de 1.342 habitantes,
sendo 707 homens e 635 mulheres, possuindo um total de 668 domicílios
particulares. Foi criado pelo decreto estadual nº 148, de 17 de dezembro de
1938, juntamente à emancipação da cidade. Divide-se em Casinhas, Marinhos,
Martins, São José, Sapé. A localidade teve seus meios de ligação (estradas de
terra, pontes, ou rodovias municipais asfaltadas, comprometidos pelo
rompimento da barragem.

Quadro VII- Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de São José


Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Alambique Martins São José do Paraopeba Sem informações
Alambique Senhor Jair Sitio Lajinha São José do Paraopeba Sem informações
Alambique Sitio Sossego Casinhas Sem informações

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Capela São Vicente de Paula São José / Sapé Não atingido
Casario São José do Paraopeba Não atingido
Estação Ferroviária de Marinhos São José / Marinhos Não atingido
Fazenda Três Barras, margem estrada São José do Paraopeba Não atingido
Ribeirão a Martins
Festa de São José do Paraopeba São José do Paraopeba Sem informações
Guarda de Congado de Sapé / São José / Sapé / Marinhos Sem informações
Marinhos
Guarda de Congo e Moçambique do São José / Sapé Aparentemente não
Sapé (Celebrações) Distritos São José, prejudicado.
Sapé, Rodrigues e Marinhos
Guarda de Moçambique de Marinho São José / Marinhos Sem informações
Igreja de Casinhas São José do Paraopeba Não atingida
Igreja de Maçangano São José do Paraopeba Não atingida
Igreja do Rosário São José do Paraopeba Não atingido
Igreja Matriz de São José e cemitério São José do Paraopeba Não atingido
Quitanda da senhora de Sapé São José / Sape Sem informações
Sede da Fazenda dos Martins São José do Paraopeba Não atingido
Sitio Histórico Quilombo do Sapé São José / Sapé Não atingido
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
Nota Técnica N º 19/2019

A Estação Ferroviária de Brumadinho é o grande monumento da segunda fase


da história da cidade (Quadro VIII). Implantada em 1917, a edificação da
estação, assim como da linha férrea, permitiu a vinda de muitos operários,
dando assim origem às primeiras residências e povoações de Brumadinho
Novo. Na época, a área onde se acha hoje a sede municipal o pertencia ao
município de Bonfim. Somente em 1938, o arraial determinado a partir da
constituição da ferrovia se emancipou. A estação pode ser avaliada um rico,
belo e importante exemplar da arquitetura do século XX, e é um símbolo que
marca o pioneirismo e o desenvolvimento da urbe. Considerada um dos
Centros Culturais, presentemente o prédio abriga diferentes acervos
permanentes e temporários reminiscentes da história e da cultura do município.
Além disso, protege o Arquivo Público Municipal permitindo a prática de
consultas e pesquisas. A localidade teve seus meios de ligação (estradas de
terra, pontes, ou rodovias municipais asfaltadas, comprometidos pelo
rompimento da barragem.

Quadro VIII- Mapeamento da situação do Patrimônio Cultural e Turístico de Sede Brumadinho


(Brumado Novo)
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Denominação Endereço Situação 25/01/2019
Acervo arquitetônico Distrito Sede Sede Não atingido
(2009)
Vários bens
Aniversário de emancipação política do Sede Sem informações
município
Arquivo Jornal Circuito Sede Não atingida
Bens móveis Igreja Sede Não atingido
Biblioteca Pública de Brumadinho - Sede Não atingida
arquivo
Capela Praça Central Sem localização descrita Não atingido
Carnaval Sede Sem informações
Casa de Cultura Carmita Passos Sede - Centro Não atingido
Casario entorno Estação Ferroviária Sede Não atingida
Brumadinho
Centro de Lideres Sede Não atingida
Corporação Musical Banda de São Sede Necessário averiguar
Sebastião
Corporação Musical Banda Santa Sede - Centro Aparentemente não
Efigênia (Formas de Expressão) prejudicado.
Estação Ferroviária de Brumadinho Sede Não atingido
Exposição Agropecuária Sede Sem informações
Fazenda Antônio Duduca Sede Não atingido
Feira de artesanato Sede Sem informações
Festa de São Sebastião Sede Sem informações
Festas Juninas / distritos e povoados Sede Sem informações
Festival de dança Sede Sem informações
Folia de Reis Sede Sem informações
Folia de Reis de Nossa Senhora Sede Sem informações
Aparecida
Folia de Reis de São Sebastião Sede Sem informações
Folia de Reis Irmandade de Nossa Sem localização descrita A apurar
Senhora Aparecida
Folia de São Sebastião de Brumadinho Sede A apurar
Ginásio São Sebastião (2000) Sede - Centro Não atingido
Grêmio Recreativo Arraial do Buscapé Sede Necessário averiguar
Grupo de canto e dança Negro por Sede Necessário averiguar
Negro
Grupo teatral Art Brum Sede Sem informações
Grupo teatral Gema Sede Sem informações
Guarda de Moçambique de Santa Sede Sem informações
Izabel - COHAB
Guarda de Moçambique do Bairro Sede - Bairro Santa Efigênia Sem informações
Santa Efigênia
Heraldica - Brasão Sede Não atingida
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Igreja Matriz de São Sebastião Sede Não atingido
João da Viola - Violeiro, Mestre e Sem localização descrita A apurar
Praticante
Museu de Arte Contemporânea Inhotim Sede / Fazenda Inhotim Não atingido
Paisagem da Ponte do Lavrado - Sede Sem informações
encontro das águas do Ribeirão Águas
Claras com Rio Paraopeba
Paisagem da Ponte do Lavrado - Sede - Centro Possivelmente
encontro das águas do Ribeirão Águas atingido
Claras com Rio Paraopeba
Paisagem da ponte sobre o rio Sede Sem informações
Paraopeba
Paisagem da ponte sobre o rio Sede - Centro Possivelmente
Paraopeba atingido
Pedreira Sede Não atingida
Sede Campestre Veredas Clube Sede / José Henriques Não atingida
Residência Rua Dr. Victor Freitas 105 Sede - Centro Não atingido
Roda de Capoeira e/ou Ofício de Sem localização descrita Necessário averiguar
Mestre da Capoeira
Sede Fazenda Jota Sede - Bairro de Lourdes Não atingido
Serra da Bocaina Sede Inhotim Não atingida
Sindicato Rural Sede - Centro Não atingido
Fonte: Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico
Nota Técnica N º 19/2019

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consequentemente, o homem é um ser, que ao se apropriar do espaço


para sobreviver, modificou a trajetória das políticas de preservação do meio
ambiente, resultando na maioria das vezes, em inúmeros impactos.
Historicamente, entre o lembrar o esquecer, a vida humana passou
gradativamente a ser mais valorizada do que a dos demais seres vivos, bem
como desvalorizados os demais elementos abióticos do meio natural. Com
isso, espaços naturais foram drasticamente reduzidos pela ação antrópica,
espécies animais e vegetais foram extintas, rios e mares contaminados. Além
de um rompimento e um distanciamento cada vez maior do ser humano em
relação ao meio ambiente, evidenciou-se uma conturbada relação entre
homem e natureza, afetando a qualidade de vida e a saúde humana.
O projeto humano guiado pela razão que, compreendendo e dominando
a natureza, permitiria ao ser humano atingir a plenitude e a felicidade. Assim,
os obstáculos e/ou fenômenos naturais que impedissem, atrapalhassem ou
atrasassem à realização dos interesses humanos poderiam ser dominados
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
através da ciência, da técnica e do intelecto. Brumadinho registro, juntamente
com Mariana, o poder do capitalismo urbano-industrial neoliberal, sem
escrúpulos e limites. Que a sociedade entenda o recado que foi transmitido por
esta triste tragédia. Que os afetados, direta e indiretamente são contemplados.
E que valores como arte, atividade física, bem-estar, ciência, corporeidade,
criatividade, cultivo nutricional, cultura e contextos culturais, comunicação,
desenvolvimento, diversidade, educação, enfrentamento, entretenimento,
espiritualidade, estratégias, evolução, gastronomia, gestão, história de vida,
imagem pessoal, inteligência emocional, integralidade do cuidado;
interdisciplinaridade, investimentos futuros, lazer, meio ambiente, narrativas,
novos cenários mundiais, nutrição, organização pessoal, perspectivas de vida,
planejamento de vida, plano da vida social, psicologia, qualidade de vida,
relações humanas e sociais, saúde, saúde pública, sociedade, tecnologias,
turismo, redirecionem a construção de novas possibilidades para o povo
brumadinhense.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACADEMIA DE BOMBEIROS MILITAR DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE MINAS
GERAIS. CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS 2020: Cartilha aos Familiares. Disponível: em
<https://www.bombeiros.mg.gov.br/storage/files/307/Cartilha%2003%20-%20familiares_c.pdf>
Acesso em 22. Jul. 2021

AGÊNCIA BRASIL. Últimas notícias Mina Córrego do Feijão. Disponível: em


<https://agenciabrasil.ebc.com.br/tags/mina-corrego-do-feijao> Acesso em 15. Jul. 2021

ANDRADE, Vagner Luciano de; COSTA, Priscila Abreu; Costa, Patrícia Abreu. O PATRIMÔNIO
HISTÓRICO E AMBIENTAL COMO MECANISMO DE SUPERAÇÃO DA TRAGÉDIA EM
BRUMADINHO: Possibilidades de Vivências Pedagógicas em Paisagens Urbano-rurais no
vale do Médio Paraopeba, MG. In: Revista Asa-Palavra/Faculdade ASA de Brumadinho. Ano XVIII,
v. I. n. 34 jan/jul 2021: Faculdade ASA, 2021. Disponível: em
<https://asapalavra.faculdadeasa.com.br/wp-content/uploads/2021/07/asa-palavra_34.pdf/> Acesso
em 01. Jul. 2021

ASSEMBLEIA DO RIO GRANDE DO SUL. A importância e a responsabilidade de nossos


bombeiros. Disponível: em <https://al-rs.jusbrasil.com.br/noticias/100599304/a-importancia-e-a-
responsabilidade-de-nossos-
bombeiros#:~:text=Atuando%20muitas%20vezes%20em%20controle,as%20suas%20atribui%C3%A
7%C3%B5es%20e%20responsabilidades.> Acesso em 15. Jul. 2021

ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA DO TRABALHO. Um ano do rompimento da Barragem


da Mina de Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais. Disponível: em
<https://apmtsp.org.br/um-ano-do-rompimento-da-barragem-da-mina-de-corrego-do-feijao-em-
brumadinho-minas-gerais/> Acesso em 08. Jul. 2021
BRASIL DE FATO. Vazamento de lama volta a atormentar famílias do Córrego do feijão em
Brumadinho. Disponível: em <https://www.brasildefato.com.br/2021/02/21/vazamento-de-lama-
volta-a-atormentar-familias-do-corrego-do-feijao-em-brumadinho> Acesso em 22. Jul. 2021

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
CAPITANEO, Daiane; RIBEIRO, Kamila ; SILVA, Juliano Corrêa da. O PAPEL IDEALIZADO DO
BOMBEIRO: E O SER HUMANO POR TRÁS DA FARDA? In: Vittalle, Rio Grande, 24(1): 53-68,
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SANTOS, Leonardo Menezes dos. IMPORTÂNCIA DAS OFICINAS DE TREINAMENTO PARA OS


MILITARES DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR AMBIENTE. In: Gestão e Desenvolvimento: v.
12 n. 1 (2019) / Dossiês - II Seminário do MPSPDHC. Disponível: em
<https://periodicos.uerr.edu.br/index.php/ambiente/article/view/200> Acesso em 01. Jul. 2021

CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DA PARAÍBA. Estudo sobre a necessidade do centro de


treinamento operacional para o CBMPB. Disponível: em <https://bombeiros.pb.gov.br/wp-
content/uploads/2020/06/CFO-2017-TEN-BRUNA-THA%C3%8DS-ESTUDO-SOBRE-A-
NECESSIDADE-DO-CENTRO-DE-TREINAMENTO-OPERACIONAL-E-DE-SA%C3%9ADE-PARA-
O-CBMPB.pdf> Acesso em 15. Jul. 2021

CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Informações Institucionais.


Disponível: em <www.bombeiros.mg.gov.br> Acesso em 22. Jul. 2021

CORREIO BRAZILIENSE. Só cinco cidades históricas de Minas têm bombeiros. Disponível: em


<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2010/08/17/interna-brasil,208201/so-cinco-
cidades-historicas-de-minas-tem-bombeiros.shtml> Acesso em 29. Jul. 2021

DEUTSCHE WELLE. Dois anos após tragédia, Brumadinho ainda busca vítimas. Disponível: em
<https://www.dw.com/pt-br/dois-anos-ap%C3%B3s-trag%C3%A9dia-brumadinho-ainda-busca-
v%C3%ADtimas/a-56332603/> Acesso em 15. Jul. 2021

FERREIRA, Paulo Rogério de Paiva. Caracterização do potencial turístico do distrito de


Piedade do Paraopeba, Município de Brumadinho-MG. Utilizando o geoprocessamento para
implantação de pousadas. Monografia (Especialização). Universidade Federal de Minas Gerais.
Instituto de Geociência. Departamento Cartografia, 2005. Disponível: em
<http://www.csr.ufmg.br/geoprocessamento/publicacoes/paulorogerio.pdf> Acesso em 15. Jul. 2021

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Nota técnica de Avaliação dos impactos sobre a saúde do
desastre da mineração da Vale (Brumadinho, MG) no dia 01/fev/2019. Observatório de Clima e
Saúde, Laboratório de Informação em Saúde, Instituto de Comunicação e Informação Científica e
Tecnológica em Saúde. Disponível: em
<https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/relat%c3%b3rio_Brumadinho_impacto_sa%c3%
bade_01_fev_b.pdf> Acesso em 15. Jul. 2021

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Pesquisa analisa saúde dos bombeiros no rompimento da


barragem de córrego do Feijão - Brumadinho/MG. Disponível: em
<http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/51635/> Acesso em 08. Jul. 2021

GLOBO MINAS. Barragem da Vale se rompe em Brumadinho, MG: Mar de lama avançou sobre
área administrativa da empresa e casas na área rural da cidade. Disponível: em
<https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/01/25/bombeiros-e-defesa-civil-sao-
mobilizados-para-chamada-de-rompimento-de-barragem-em-brumadinho-na-grande-bh.ghtml>
Acesso em 22. Jul. 2021

GLOBO MINAS. Fotos mostram como era a mina em Córrego do Feijão, em Brumadinho, em
2008. Disponível: em <https://g1.globo.com/politica/blog/julia-duailibi/post/2019/02/01/fotos-
mostram-como-era-a-mina- Disponível: em <corrego-do-feijao-em-brumadinho-em-2008.ghtml>
Acesso em 08. Jul. 2021

GOVERNO DE SERGIPE- SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA. Bombeiro


Militar e Bombeiro Civil: Entenda as diferenças entre as duas categorias. Disponível: em
<https://www.ssp.se.gov.br/Noticias/Detalhes?idNoticia=8898> Acesso em 08. Jul. 2021

GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Medidas de reparação: Documento final.


Disponível: em <https://www.mg.gov.br/sites/default/files/geral/4-2-21-medidasdereparacao-
final.pdf> Acesso em 29. Jul. 2021

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
JORNAL O TEMPO. Tragédia de Brumadinho ainda gera impacto a tradições locais. Disponível:
em <https://www.otempo.com.br/cidades/tragedia-de-brumadinho-ainda-gera-impacto-a-tradicoes-
locais-1.2512152> Acesso em 01. Jul. 2021

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Coordenadoria das Promotorias de


Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico: Nota Técnica 019/2019. Disponível: em
<https://www.mpmg.mp.br/areas-de-atuacao/defesa-do-cidadao/patrimonio-historico-e-
cultural/apresentacao/> Acesso em 15. Jul. 2021

REDE CIDADÃ. Brumadinho: acolhendo as histórias e cuidando das pessoas. Disponível: em


<https://www.redecidada.org.br/brumadinho-acolhendo-as-historias-e-cuidando-das-pessoas//>
Acesso em 01. Jul. 2021

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Decreto Federal nº 5.421, de 30 de março de 1940.


Disponível: em <https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto:1940-03-30;5421> Acesso
em 29. Jul. 2021

ROCHA, Maria Isabel Antunes; HUNZICKER, Adriane Cristina de Melo; FANTINE, Lúcia Maria.
BRUMADINHO: O rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão e os desafios para
a educação. In: Ciência e Cultura. vol.72, no.2 São Paulo abr./jun. 2020. Disponível: em
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252020000200007&lng=pt&nrm=iso/> Acesso em 01. Jul. 2021

SIAM - SISTEMA INTEGRADO DE INFORMAÇÃO AMBIENTAL. Relatório de Licenciamento de


Impactos Ambiental da Mina de Córrego do Feijão. Disponível: em
<http://www.siam.mg.gov.br/siam/lc/2015/0024520040502015/4938442017.pdf> Acesso em 22. Jul.
2021

SILVA, João Pereira da. Risco de incêndio em patrimônio cultural: a importância das ações de
manutenção preventiva (Dissertação Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneas),
Universidade FUMEC, Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, Belo Horizonte, 2018.
173 f.

SITE ASTER. A importância do bombeiro civil no seu quadro de funcionários. Disponível: em


<https://www.aster.com.br/blog/condominios/a-importancia-do-bombeiro-civil-no-seu-quadro-de-
funcionarios/#:~:text=A%20fun%C3%A7%C3%A3o%20do%20bombeiro%20civil,primeiros%20socor
ros%20sempre%20que%20necess%C3%A1rio. > Acesso em 08. Jul. 2021

SITE CNN. Brumadinho: tragédia faz 2 anos sem barragens desativadas e com disputa
jurídica. Disponível: em <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brumadinho-tragedia-faz-2-anos-
sem-barragens-desativadas-e-com-disputa-juridica/> Acesso em 01. Jul. 2021

TERRA SEM MALES. 25 de fevereiro: 30º dia do crime da Vale em Brumadinho (MG).
Disponível: em <https://www.terrasemmales.com.br/25-de-fevereiro-30o-dia-do-crime-da-vale-em-
brumadinho-mg/> Acesso em 29. Jul. 2021

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Projeto Brumadinho - Subprojeto 03:


Caracterização e Avaliação da População Atingida Pelo Rompimento da Barragem da Mina do
Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais. Disponível: em
<http://www.projetobrumadinho.ufmg.br/subprojetos/socioeconomico/subprojeto-03/> Acesso em 22.
Jul. 2021

VALE MINERAÇÃO. Fundação Renova: ações em Brumadinho. Disponível: em


<http://www.vale.com/esg/pt/Paginas/Brumadinho.aspx/> Acesso em 29. Jul. 2021

7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
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EIXO‌‌TEMÁTICO‌‌3 ‌ ‌
OS‌‌ELEMENTOS‌‌DE‌‌MODERNIZAÇÃO‌‌E‌‌URBANIZAÇÃO‌‌DE‌‌  
MARIANA‌‌NA‌‌PRIMEIRA‌‌REPÚBLICA‌‌(1889-1930):‌‌uma‌‌análise‌‌por‌‌  
meio‌‌das‌‌Atas‌‌da‌‌Câmara‌‌Municipal‌‌de‌‌Mariana‌‌-‌‌Minas‌‌Gerais.‌  ‌

NUNES,‌C
‌ ARLA‌A
‌ .‌(‌ 1);‌C
‌ RUZ,‌F
‌ LÁVIA.‌C
‌ .‌F
‌ ‌.‌(2)‌  ‌
 ‌
1.‌‌Universidade‌‌Federal‌‌de‌‌Ouro‌‌Preto‌‌(UFOP)‌‌Departamento‌‌de‌‌História.‌‌    ‌
Rua‌‌Elias‌‌Gamalier,‌‌n‌‌60°,‌‌centro,‌‌Cep‌‌35908-000.‌‌Bom‌‌Jesus‌‌do‌‌Amparo‌‌(MG)‌  ‌
carlaaparecidanuness@gmail.com‌  ‌
 ‌
2.‌‌Universidade‌‌Federal‌‌de‌‌Ouro‌‌Preto‌‌(UFOP).‌‌Departamento‌‌de‌‌História‌‌    ‌
Rua‌‌57,‌‌quadra‌‌247,‌‌lote‌‌6,‌‌esquina‌‌com‌‌a‌‌avenida‌‌2‌‌(Jardel‌‌Filho)‌‌s/n,‌‌Cep‌‌24934-190.‌‌
 
Itaipuaçu/Maricá‌‌(RJ)‌  ‌
fidellisflavia@gmail.com‌  ‌
 ‌

RESUMO‌  ‌
 ‌
Este‌  ‌artigo‌  ‌apresenta‌  ‌uma‌  ‌síntese‌  ‌do‌  ‌processo‌  ‌de‌  ‌modernização‌  ‌e ‌ ‌urbanização‌  ‌do‌  ‌município‌  ‌de‌‌  
Mariana-MG,‌  ‌nos‌  ‌limiares‌  ‌da‌  ‌Primeira‌  ‌República.‌  ‌As‌  ‌fontes‌  ‌analisadas‌  ‌são‌  ‌as‌  ‌atas‌  ‌das‌  ‌reuniões‌‌  
camarárias‌  ‌que‌  ‌abordam‌  ‌todo‌  ‌o ‌ ‌período‌  ‌em‌  ‌questão‌  ‌e ‌ ‌encontram-se‌  ‌conservadas‌  ‌no‌  ‌Arquivo‌‌  
Histórico‌‌   da‌‌  Câmara‌‌   Municipal‌‌   de‌‌  Mariana.‌‌   Esses‌‌   documentos‌‌   são‌‌   suporte‌‌   para‌‌   desvendar‌‌   a ‌‌trama‌‌  
de‌  ‌modernização‌  ‌da‌  ‌infraestrutura‌  ‌da‌  ‌cidade,‌  ‌permitindo‌  ‌verificar‌  ‌as‌  ‌demandas‌  ‌e ‌ ‌as‌  ‌disputas‌  ‌em‌‌  
torno‌‌  do‌‌   tecido‌‌   urbano,‌‌   no‌‌   âmbito‌‌   público‌‌   e ‌‌privado.‌‌   Nas‌‌   atas,‌‌   estão‌‌   presentificados‌‌   os‌‌   anseios‌‌  das‌‌  
elites‌‌  locais,‌‌   permeados‌‌   pela‌‌   nostalgia‌‌   do‌‌   passado‌‌   colonial.‌‌  Embora‌‌  Mariana‌‌  estivesse‌‌  no‌‌  interior‌‌  de‌‌  
Minas‌‌   Gerais‌‌   não‌‌   deixou‌‌   de‌‌   passar‌‌   por‌‌   transformações‌‌   urbanas,‌‌   ainda‌‌   que‌‌  amiúde,‌‌   evidenciando‌‌   a ‌‌
singularidade‌‌   deste‌‌   lócus‌‌   tradicional‌‌   que‌‌   não‌‌   deixou‌‌   de‌‌  ser‌‌   instigado‌‌  pelo‌‌  turbilhão‌‌  da‌‌  modernidade.‌‌  
As‌  ‌permanências‌  ‌do‌  ‌convencional‌  ‌não‌  ‌deixaram‌  ‌de‌  ‌se‌  ‌chocar‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌modernidade‌  ‌e ‌ ‌nem‌  ‌de‌  ‌se‌‌  
arranjarem‌  ‌como‌  ‌possível.‌  ‌A‌‌   convivência‌‌   destas‌‌   formas‌‌   que‌‌   se‌‌  expressam‌‌   na‌‌  paisagem‌‌   cultural‌‌   da‌‌ 
cidade‌‌   apontam‌‌   para‌‌   a ‌‌heterogeneidade‌‌   do‌‌   espaço‌‌   urbano.‌‌   Pode-se‌‌   averiguar,‌‌   por‌‌   meio‌‌   das‌‌   fontes‌‌  
oficiais,‌  ‌que‌  ‌há‌  ‌preocupações‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌melhoramento‌  ‌da‌  ‌infraestrutura‌  ‌pública,‌  ‌partindo‌  ‌de‌  ‌ideais‌‌  
progressistas‌‌   das‌‌   elites‌‌   republicanas,‌‌   mas‌‌   ainda‌‌   sim,‌‌   no‌‌  legislativo‌‌  municipal‌‌  prevaleciam‌‌  as‌‌  marcas‌‌  
do‌  ‌passado‌  ‌colonial.‌  ‌As‌  ‌visões‌  ‌de‌  ‌cidades‌  ‌modernas‌  ‌brasileiras‌  ‌do‌  ‌século‌  ‌XIX‌  ‌e ‌ ‌XX‌  ‌no‌  ‌interior‌‌  
respaldam-se‌  ‌nas‌  ‌mudanças‌  ‌implementadas‌  ‌nas‌  ‌grandes‌  ‌cidades‌  ‌inspirando-as‌  ‌a ‌ ‌sintetizar‌  ‌à ‌ ‌sua‌‌  
maneira‌‌   as‌‌  aspirações‌‌   de‌‌   seu‌‌   tempo.‌‌   Nesta‌‌   ocasião,‌‌   a ‌‌cidade‌‌   recebe‌‌   o ‌‌novo‌‌   estímulo‌‌  arquitetônico‌‌  
do‌  ‌ecletismo‌  ‌e ‌ ‌suas‌  ‌vertentes,‌  ‌sendo‌  ‌empregados‌  ‌por‌  ‌moradores‌  ‌abastados‌  ‌que‌‌   contavam‌‌   com‌‌   a ‌‌
legitimação‌  ‌dos‌  ‌agentes‌  ‌políticos,‌  ‌os‌  ‌quais‌  ‌aspiravam‌  ‌modernizar‌  ‌a ‌ ‌malha‌  ‌urbana.‌  ‌Verifica-se‌  ‌o ‌‌
rompimento‌‌   com‌‌   o ‌‌conjunto‌‌  colonial,‌‌  dado‌‌  que‌‌  o ‌‌período‌‌  inaugurou‌‌  uma‌‌  cisão‌‌  no‌‌  tecido‌‌  urbano‌‌  entre‌‌  
o‌  ‌espaço‌  ‌de‌  ‌traçado‌  ‌colonial‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌construção‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌ambiente‌  ‌moderno.‌‌   Portanto,‌‌   a ‌‌empreitada‌‌   de‌‌ 
compreensão‌  ‌do‌  ‌universo‌  ‌de‌  ‌transformações‌  ‌que‌  ‌permeiam‌  ‌o ‌ ‌ambiente‌  ‌urbano‌  ‌é ‌ ‌transdisciplinar,‌‌  
visto‌  ‌que‌  ‌apenas‌  ‌o ‌ ‌campo‌  ‌da‌  ‌História‌  ‌se‌  ‌apresenta‌  ‌como‌‌   uma‌‌   especialidade‌‌   por‌‌   demais‌‌   sintética,‌‌  
especialmente,‌‌   no‌‌   que‌‌   se‌‌   refere‌‌  a ‌‌produções‌‌  historiográficas‌‌  tangentes‌‌  à ‌‌urbanização‌‌  de‌‌  Mariana‌‌  no‌‌ 
período‌‌   investigado,‌‌   conferindo‌‌   o ‌‌caráter‌‌   inovador‌‌  desta‌‌  pesquisa.‌‌  Conseguinte,‌‌  o ‌‌campo‌‌  da‌‌  História‌‌  
da‌  ‌Arquitetura‌  ‌e ‌ ‌Urbanismo‌  ‌fornece‌  ‌uma‌  ‌carga‌  ‌referencial‌  ‌que‌  ‌contribui‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌investigação‌  ‌e ‌ ‌a ‌‌
maturação‌  ‌de‌  ‌questões‌  ‌envolvidas,‌  ‌já‌  ‌que‌  ‌por‌  ‌meio‌  ‌dos‌  ‌marcos‌  ‌conceituais‌  ‌e ‌ ‌dos‌  ‌elementos‌‌  
espaciais‌‌   que‌‌   este‌‌   domínio‌‌   explora,‌‌   é ‌‌possível‌‌   compreender‌‌   fenômenos‌‌   históricos‌‌   da‌‌  urbanização‌‌  e ‌‌

7º‌‌Seminário‌‌Ibero-Americano‌‌Arquitetura‌‌e‌‌Documentação‌  ‌
06‌‌a‌‌08‌‌de‌‌outubro‌‌de‌‌2021‌  ‌
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seus‌  ‌impactos‌  ‌econômico-sociais‌  ‌na‌  ‌cidade.‌  ‌Esse‌  ‌trabalho‌  ‌pode‌  ‌contribuir‌  ‌para‌  ‌os‌  ‌interesses‌  ‌da‌‌
 
memória‌  ‌e ‌ ‌da‌  ‌identidade‌  ‌coletiva,‌  ‌em‌  ‌virtude‌  ‌de‌  ‌acessar‌  ‌um‌  ‌recorte‌‌
  que‌‌
  contempla‌‌
  regiões‌‌
  pouco‌‌ 
abordadas‌‌em‌‌outras‌‌produções‌‌historiográficas.‌  ‌
 ‌
Palavras-chave:‌M
‌ ariana,‌‌Primeira‌‌República,‌‌Modernização.‌  ‌
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7º‌‌Seminário‌‌Ibero-Americano‌‌Arquitetura‌‌e‌‌Documentação‌  ‌
06‌‌a‌‌08‌‌de‌‌outubro‌‌de‌‌2021‌  ‌
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O‌  ‌município‌  ‌de‌  ‌Mariana‌  ‌no‌  ‌raiar‌  ‌do‌  ‌século‌  ‌XX,‌  ‌apesar‌  ‌de‌  ‌apegado‌  ‌a ‌ ‌sua‌  ‌face‌‌
 
colonial,‌  ‌experimentava‌  ‌visões‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌nova‌  ‌sociedade‌  ‌e ‌ ‌trataria‌  ‌de‌  ‌manifestar‌  ‌as‌‌
 
novidades‌  ‌do‌  ‌tempo‌  ‌a ‌ ‌partir‌  ‌da‌‌
  modernização‌‌
  de‌‌
  alguns‌‌
  dos‌‌
  seus‌‌
  equipamentos‌‌
  públicos,‌‌
 
então‌  ‌mais‌  ‌refinados,‌  ‌no‌  ‌auge‌  ‌da‌  ‌Belle‌  ‌Époque‌. ‌ ‌Para‌  ‌acompanhar‌  ‌o ‌ ‌fluxo‌  ‌da‌  ‌“Era‌  ‌da‌‌
 
modernidade”,‌  ‌a ‌ ‌sociedade‌  ‌marianense‌  ‌transformou‌  ‌sua‌  ‌experiência‌  ‌material‌  ‌e ‌ ‌social,‌  ‌se‌‌
 
adequando‌  ‌à ‌ ‌intensidade‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌impunha.‌  ‌De‌  ‌todo‌  ‌caso,‌  ‌ainda‌  ‌resguardou‌  ‌sua‌  ‌face‌‌
 
tradicional,‌  ‌evidenciando‌  ‌o ‌ ‌cenário‌  ‌heterogêneo‌  ‌que‌  ‌despontava‌  ‌em‌  ‌suas‌  ‌urbes‌. ‌‌
(HOBSBAWM,‌‌E.‌‌1995).‌  ‌
A‌  ‌monotonia‌  ‌do‌  ‌interior‌  ‌mineiro‌  ‌abriu-se‌  ‌para‌  ‌novas‌  ‌tecnologias‌  ‌e ‌ ‌passou‌  ‌a ‌‌
expressar‌  ‌uma‌  ‌relação‌  ‌inédita‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌tempo‌  ‌e ‌ ‌com‌  ‌o ‌ ‌espaço,‌  ‌agora‌  ‌em‌  ‌aceleração.‌  ‌A ‌‌
paisagem‌  ‌cultural,‌  ‌visual,‌  ‌sonora‌  ‌e ‌ ‌espacial‌  ‌estava‌  ‌em‌  ‌ebulição.‌  ‌O ‌ ‌relógio‌  ‌na‌  ‌torre‌  ‌da‌ 
Estação‌  ‌Ferroviária‌  ‌anunciava‌  ‌a ‌ ‌nova‌  ‌forma‌  ‌desta‌  ‌sociedade‌  ‌interiorana‌  ‌de‌  ‌apreender‌  ‌a ‌‌
atualidade,‌  ‌deixando‌  ‌de‌  ‌lado‌  ‌a ‌ ‌marcação‌  ‌de‌  ‌tempo‌  ‌feita‌  ‌pelos‌  ‌badalos‌  ‌de‌  ‌sinos.‌‌
 
(SEVCENKO,‌‌N.‌‌2006).‌  ‌
Nesse‌  ‌movimento,‌  ‌a ‌ ‌singularidade‌  ‌experimentada‌  ‌no‌  ‌corpo‌  ‌social‌  ‌e ‌ ‌espacial‌‌
 
derivada‌  ‌da‌  ‌implantação‌  ‌da‌  ‌Estação‌  ‌Ferroviária‌  ‌em‌  ‌Mariana‌  ‌será‌  ‌o ‌‌ponto‌‌
  nevrálgico‌‌
  para‌‌
 
evidenciar‌  ‌as‌  ‌aspirações‌  ‌e ‌ ‌estranhamentos‌  ‌daquela‌  ‌sociedade‌  ‌frente‌  ‌a ‌ ‌modernização‌  ‌do‌‌
 
município.‌  ‌Este‌  ‌equipamento‌  ‌urbano‌  ‌trouxe‌  ‌renovação‌  ‌das‌  ‌experiências‌  ‌e ‌ ‌abriu‌‌
 
expectativas‌  ‌na‌  ‌cidade,‌  ‌mesmo‌  ‌sendo‌  ‌um‌  ‌aparato‌  ‌pertencente‌  ‌à ‌ ‌modernidade‌  ‌tardia.‌  ‌A ‌‌
inauguração‌‌
  deste‌‌
  espaço‌‌
  foi‌‌
 objeto‌‌
 de‌‌
 muita‌‌
 ansiedade‌‌
 entre‌‌
 políticos‌‌
 em‌‌
 todas‌‌
 as‌‌
 escalas‌‌
 
de‌  ‌poder,‌  ‌revelando-se‌  ‌como‌  ‌um‌  ‌ícone‌  ‌de‌  ‌excentricidade‌  ‌à ‌ ‌população.‌  ‌Para‌  ‌Anna‌  ‌Eliza‌‌
 
Finger,‌‌
  as‌‌
  ferrovias‌‌
  já‌‌
  estavam‌‌
  no‌‌
 estado‌‌
 de‌‌
 acomodação‌‌
 na‌‌
 Europa‌‌
 e ‌‌nos‌‌
 Estados‌‌
 Unidos,‌‌
 
mas:‌  ‌
“No‌‌
  Brasil‌‌
  foi‌‌
  implantada‌‌   em‌‌
  um‌‌
  cenário‌‌
  totalmente‌‌
  diferente,‌‌  e ‌‌serviu‌‌
 para‌‌
 
propósitos‌  ‌bem‌  ‌também‌  ‌distintos,‌  ‌relacionando-se,‌  ‌em‌  ‌um‌  ‌primeiro‌‌  
momento,‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌transporte‌  ‌da‌  ‌produção‌  ‌agrícola‌  ‌para‌  ‌exportação‌  ‌como‌‌ 
matéria‌  ‌prima‌  ‌para‌  ‌industrialização‌  ‌européia,‌  ‌depois‌  ‌a ‌ ‌necessidade‌  ‌de‌‌  
articulação‌  ‌territorial,‌  ‌e ‌ ‌apenas‌  ‌tardiamente‌  ‌industrialização”.‌  ‌(FINGER,‌‌  
A.2013.‌‌p.38).‌  ‌
Mariana‌‌
  foi‌‌
  incorporando‌‌
  a ‌‌passos‌‌
 lentos‌‌
 as‌‌
 transformações‌‌
 do‌‌
 século‌‌
 e ‌‌se‌‌
 tornando‌‌
 
paulatinamente‌‌
  uma‌‌
  ‌urbes‌‌
  republicana.‌‌
  A ‌‌ordenação‌‌
  social‌‌
  estava‌‌
  cada‌‌
  vez‌‌
 mais‌‌
 abaladas‌‌
 
com‌  ‌a ‌ ‌liberdade‌  ‌experimentada‌  ‌por‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌cidadãos,‌  ‌mesmo‌  ‌se‌  ‌tratando‌  ‌de‌  ‌uma‌‌
 
sociedade‌‌largamente‌‌hierárquica‌‌e‌‌com‌‌feridas‌‌da‌‌escravidão‌‌ainda‌‌em‌‌aberto.‌‌
   ‌
No‌  ‌que‌  ‌tange‌  ‌a ‌ ‌economia‌  ‌local,‌  ‌a ‌ ‌cidade‌  ‌passava‌  ‌por‌  ‌um‌  ‌processo‌  ‌de‌‌
 
transformação,‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌acesso,‌  ‌antes‌  ‌restrito‌  ‌às‌  ‌trocas‌  ‌em‌  ‌nível‌  ‌regional,‌  ‌passou‌  ‌a ‌ ‌se‌‌
 
estender‌  ‌pelas‌  ‌linhas‌  ‌férreas,‌  ‌permitindo‌  ‌que‌  ‌os‌  ‌cidadãos‌  ‌consumissem‌  ‌novos‌  ‌itens‌  ‌e ‌‌
desejassem‌‌
  tantos‌‌
  outros.‌‌
  Os‌‌
  veículos‌‌
  automotores,‌‌
  embora‌‌
  poucos,‌‌
  circulavam‌‌
 pelas‌‌
 ruas‌‌
 

7º‌‌Seminário‌‌Ibero-Americano‌‌Arquitetura‌‌e‌‌Documentação‌  ‌
06‌‌a‌‌08‌‌de‌‌outubro‌‌de‌‌2021‌  ‌
 ‌
 ‌

pacatas‌‌
  e ‌‌desfilavam‌‌
  à ‌‌modernidade‌‌
 aos‌‌
 olhos‌‌
 da‌‌
 população.‌‌
 A ‌‌cidade‌‌
 moderna‌‌
 imaginada,‌‌
 
ao‌  ‌menos‌  ‌em‌  ‌sua‌  ‌acepção‌  ‌mais‌  ‌corriqueira,‌  ‌ganhava‌  ‌seu‌  ‌tônus‌  ‌neste‌  ‌ambiente‌  ‌de‌‌
 
heranças‌  ‌tradicionais.‌  ‌Em‌  ‌suma,‌  ‌a ‌ ‌vida‌  ‌pública‌  ‌e ‌ ‌privada‌  ‌passaram‌  ‌a ‌ ‌se‌  ‌manifestar‌  ‌de‌‌
 
forma‌  ‌mais‌  ‌dinâmica‌  ‌e ‌ ‌arrojada,‌  ‌para‌  ‌a ‌ ‌felicidade‌  ‌de‌  ‌uns‌  ‌e ‌ ‌desencanto‌  ‌de‌  ‌outros‌  ‌que‌‌
 
acreditavam‌‌estar‌‌perdendo‌‌a‌‌aura‌‌romântica‌‌da‌‌cidade‌‌colonial.‌‌
   ‌
Entender‌  ‌os‌  ‌desdobramentos‌  ‌das‌  ‌transformações‌  ‌do‌  ‌espaço‌  ‌urbano‌  ‌destaca-se‌‌
 
como‌  ‌uma‌‌
  tarefa‌‌
  delicada.‌‌
  Para‌‌
  isso‌‌
  se‌‌
  fará‌‌
  o ‌‌uso‌‌
  de‌‌
  domínios‌‌
  transdisciplinares,‌‌
  a ‌‌fim‌‌
  de‌‌
 
compreender‌  ‌o ‌ ‌objeto‌  ‌com‌  ‌maior‌  ‌profundidade.‌  ‌O ‌ ‌emprego‌  ‌disciplinar‌  ‌da‌  ‌História‌  ‌será‌‌
 
aliado‌  ‌de‌  ‌peso‌  ‌do‌  ‌campo‌  ‌Arquitetura‌‌
  no‌‌
  Brasil‌‌
  Repúblicano‌‌
  e ‌‌juntos‌‌
  exercerão‌‌
  a ‌‌tarefa‌‌
  de‌‌
 
assimilar‌  ‌transfigurações‌  ‌de‌  ‌cunho‌  ‌social‌  ‌às‌  ‌mudanças‌  ‌no‌  ‌universo‌  ‌material‌  ‌da‌  ‌cidade.‌‌
  A ‌‌
historiografia‌  ‌arquitetônica‌  ‌permite‌  ‌explorar‌  ‌as‌  ‌transformações‌  ‌dos‌‌
  fenômenos‌‌
  históricos‌‌
  e ‌‌
marcos‌  ‌conceituais‌  ‌do‌  ‌espaço,‌  ‌em‌  ‌compasso‌  ‌com‌  ‌repercussões‌  ‌socioeconômicas‌  ‌e ‌‌
culturais.‌  ‌A ‌ ‌criação‌  ‌de‌  ‌novos‌  ‌símbolos‌  ‌materiais‌  ‌passam‌  ‌por‌  ‌arranjos‌  ‌determinados‌  ‌no‌‌
 
interior‌  ‌das‌  ‌relações‌  ‌humanas‌  ‌e ‌ ‌por‌‌
  este‌‌
  motivo‌‌
  o ‌‌domínio‌‌
  da‌‌
  História‌‌
  Social‌‌
  será‌‌
  recurso‌‌
 
ímpar‌  ‌empregado‌  ‌para‌  ‌avaliar‌  ‌as‌  ‌intenções‌  ‌dos‌  ‌sujeitos‌  ‌envolvidos‌  ‌na‌  ‌experiência‌‌
 
modernizante.‌   ‌ ‌
O‌  ‌saber‌  ‌arquitetônico‌  ‌possibilita‌  ‌a ‌ ‌apreensão‌  ‌do‌  ‌cenário‌  ‌republicano‌  ‌no‌‌
  interior‌‌
  da‌‌
 
província‌  ‌de‌  ‌Minas‌  ‌Gerais,‌  ‌a ‌ ‌qual‌  ‌estava‌  ‌manifestando‌  ‌uma‌  ‌nova‌  ‌tipologia:‌  ‌o ‌ ‌ecletismo‌‌
  e ‌‌
suas‌  ‌vertentes.‌  ‌Parte‌  ‌dos‌  ‌políticos‌  ‌de‌  ‌Mariana‌  ‌se‌  ‌inspiravam‌  ‌na‌  ‌cidade‌  ‌capital,‌  ‌Belo‌‌
 
Horizonte,‌  ‌e ‌ ‌imaginavam-se‌  ‌com‌  ‌edifícios‌  ‌modernos‌  ‌tal‌  ‌qual‌  ‌sua‌  ‌metrópole‌  ‌de‌‌
  referência.‌‌
 
Contudo,‌‌
  dos‌‌
  diversos‌‌
  monumentos‌‌
  singulares‌‌
  que‌‌
  surgiram‌‌
  no‌‌
  contexto‌‌
 republicano‌‌
 e ‌‌que‌‌
 
tinham‌‌
  partido‌‌
  eclético,‌‌
  poucos‌‌
 perduraram‌‌
 até‌‌
 a ‌‌contemporaneidade.‌‌
 Em‌‌
 parte,‌‌
 porque‌‌
 nas‌‌
 
primeiras‌  ‌décadas‌  ‌do‌  ‌século‌  ‌XX‌  ‌o ‌ ‌exercício‌  ‌de‌  ‌preservação‌  ‌ainda‌  ‌não‌  ‌se‌  ‌fazia‌‌
  presente,‌ 
permitindo‌‌
  que‌‌
  diversos‌‌
  imóveis‌‌
  que‌‌
 desvelam‌‌
 a ‌‌cultura‌‌
 desta‌‌
 época‌‌
 não‌‌
 fossem‌‌
 estimados‌‌
 
para‌‌a‌‌atualidade,‌‌os‌‌poucos‌‌que‌‌seguem‌‌estão‌‌em‌‌estado‌‌de‌‌descaracterização.‌‌
   ‌
Mesmo‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌horizonte‌  ‌de‌  ‌preservação‌  ‌não‌  ‌fosse‌  ‌consolidado‌  ‌no‌  ‌contexto,‌  ‌os‌‌
 
sujeitos‌  ‌daquele‌  ‌tempo‌  ‌não‌  ‌eram‌  ‌alheios‌  ‌a ‌ ‌tais‌  ‌pautas.‌  ‌Na‌  ‌sequência‌  ‌conjuntural,‌  ‌as‌‌
 
propriedades‌‌
  primadas‌‌
  pelo‌‌
  órgão‌‌
  de‌‌
  preservação‌‌
  que‌‌
  no‌‌
  recorte‌‌
  era‌‌
  denominado‌  ‌Serviço‌‌
 
do‌  ‌Patrimônio‌  ‌Histórico‌  ‌e ‌ ‌Artístico‌  ‌Nacional‌  ‌(SPHAN)‌  ‌tinham‌  ‌o ‌ ‌carater‌  ‌nacionalista,‌‌
 
enquando‌  ‌os‌‌
  novos‌‌
  imóveis‌‌
  inalgurados‌‌
  na‌‌
  transição‌‌
  do‌‌
  século‌‌
  XIX‌‌
  para‌‌
  o ‌‌XX‌  ‌dispunham‌‌
 
de‌  ‌uma‌  ‌linguagem‌  ‌que‌  ‌partilhavam‌  ‌de‌  ‌conotações‌  ‌estrangeiras‌  ‌e ‌ ‌por‌  ‌isso‌  ‌não‌  ‌foram‌‌
 
beneficiados‌‌
  com‌‌
 as‌‌
 praticas‌‌
 preservacionistas.‌‌
 ‌Os‌‌
 envolvidos‌‌
 nesta‌‌
 instituição‌‌
 preservaram‌‌
 
os‌  ‌edifícios‌  ‌que‌  ‌evidenciaram‌  ‌a ‌ ‌cultura‌  ‌luso-brasileira‌  ‌em‌  ‌detrimento‌  ‌da‌  ‌cultura‌‌
 
arquitetônica‌  ‌que‌  ‌havia‌  ‌emergido‌  ‌a ‌ ‌pouco,‌  ‌levando‌  ‌diversos‌  ‌imóveis‌  ‌à ‌ ‌descaracterização‌  ‌
sob‌‌o‌‌argumento‌‌de‌‌adequação‌‌ao‌‌conjunto‌‌monumental‌‌colonial.‌  ‌

7º‌‌Seminário‌‌Ibero-Americano‌‌Arquitetura‌‌e‌‌Documentação‌  ‌
06‌‌a‌‌08‌‌de‌‌outubro‌‌de‌‌2021‌  ‌
 ‌
 ‌

Esta‌  ‌entrada,‌  ‌no‌  ‌tocante‌  ‌à ‌ ‌preservação‌  ‌dos‌  ‌bens‌  ‌ecléticos‌  ‌nesta‌  ‌cidade‌‌
 
tradicionalmente‌  ‌colonial,‌  ‌ainda‌  ‌merece‌  ‌atenção‌  ‌de‌  ‌pesquisadores‌  ‌e ‌ ‌não‌  ‌faz‌  ‌parte,‌  ‌em‌‌
 
tempos,‌  ‌desta‌  ‌investigação.‌  ‌Diga-se‌  ‌de‌  ‌passagem‌  ‌que‌  ‌esta‌  ‌instituição‌  ‌federal‌  ‌passou‌‌
  por‌‌
 
mudanças‌  ‌em‌  ‌sua‌  ‌estrutura,‌  ‌configurando‌  ‌como‌  ‌órgão‌  ‌federal‌  ‌de‌  ‌proteção‌  ‌ao‌  ‌patrimônio‌‌
 
cultural‌  ‌brasileiro‌  ‌ao‌  ‌designar-se‌  ‌Instituto‌  ‌do‌  ‌Patrimônio‌  ‌Histórico‌  ‌e ‌ ‌Artístico‌  ‌Nacional‌‌
 
(IPHAN),‌‌com‌‌o‌‌início‌‌de‌‌suas‌‌atividades‌‌em‌‌1936.‌  ‌
As‌‌
  fontes‌‌
  documentais‌‌
  para‌‌
  acessar‌‌
  o ‌‌período‌‌
  são‌‌
  as‌‌
  atas‌‌
 das‌‌
 reuniões‌‌
 camarárias‌‌
 
dos‌‌
  anos‌‌
  de‌‌
  1889‌‌
  à ‌‌1930.‌‌
  As‌‌
  quais‌‌
  permitem‌‌
  ‌averiguar‌‌
  as‌‌
  intenções‌‌
  manifestadas‌‌
 durante‌‌

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