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A MODERNIZAÇÃO NOS GOVERNOS DE

ANTONIO LEMOS (1902-1912) E GETÚLIO VARGAS (1937-1945):


a mudança cultural do local da moradia e seu reflexo no processo
de degradação do Centro Histórico de Belém/PA

MORHY, SAMIA (1); LIMA, JOSÉ JÚLIO (2); PONT VIDAL, CELMA (3)
1. Universidade Federal do Pará. Instituto de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo
Rua Augusto Corrêa, 01. Campus Universitário do Guamá, Belém, Pará, Brasil - CEP 66.075.110
samiamorhy@gmail.com

2. Universidade Federal do Pará. Instituto de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em


Arquitetura e Urbanismo
Rua Augusto Corrêa, 01. Campus Universitário do Guamá, Belém, Pará, Brasil - CEP 66.075.110
jjlimaufpa@gmail.com

3. Universidade Federal do Pará. Instituto de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em


Arquitetura e Urbanismo
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RESUMO
A imposição de leis urbanísticas nas cidades em áreas de valor a preservação pressupõe a regulação
de construção relacionada à proteção do patrimônio. A ação do Estado na condução da gestão
edilícia decorrente das leis insere-se na expressão de um discurso político criado em torno de valores
incorporados nas intenções da política de preservação. A introdução da modernização como ideário
político lançada inicialmente na capital paraense na era do Intendente municipal Antônio Lemos
(1902–1912) e consolidada no governo de Getúlio Vargas (1937–1945) incentivou uma mudança nos
hábitos sociais dos moradores de classe alta em termos de local da moradia. Com efeito direto sobre
o Centro Histórico de Belém, protegido por legislação específica federal em 2012 e por legislação
municipal desde 1990, este artigo trata da relação entre o processo de degradação arquitetônica dos
sobrados e casario do bairro da Campina construídos até o início do século XX com os efeitos da
modernidade operados em dois períodos de centralização política e limitações no regime de direitos
democráticos. Ainda que marcadamente ligados a elites econômicas, a modernidade enquanto
discurso contrapõe-se a uma compreensão subjetiva de sua casualidade. Para a compreensão da
subjetivação dos fatos relativos à modernização no bairro da Campina, no início do XX, este artigo
constrói um discurso historiográfico sobre a modernização em Belém durante o período lemista e, em
seguida, durante o Estado Novo varguista, buscando revelar as relações entre as historiografias dos
dois momentos de poder político centralizador e a modernização sobre o local de morar, o qual
estaria associado, contraditoriamente, a um processo de degradação do estoque edificado de um
bairro histórico de Belém. A partir destes dois momentos, o trabalho busca articular em uma terceira
parte, na qual, por meio do discurso historiográfico construído, associar a modernidade presente na
mudança cultural e nos hábitos sociais da camada da população de alta renda, ligados ao poder
político em vigor, com a introdução da modernização do local e na forma de morar, aguçando o
sentido da modernidade como fator relevante de status social, sob pena de perder o patrimônio
arquitetônico eclético. Ressalta-se que a população residente no Centro Histórico de Belém,
conforme Censos do IBGE de 2000–2010 aumentou 7.5%, mesmo sem nenhuma política
incentivadora ao uso habitacional, o que leva a sugerir políticas de retorno da moradia ao Centro. Ao
final do artigo, há a indicação de políticas habitacionais, por meio de ações governamentais ou civis.
Com destaque para maior participação social nos projetos, uma vez que este item é uma das
conquistas democráticas recentes no planejamento urbano, bem como, que sejam capazes de
fomentar uma mudança cultural e nos hábitos da sociedade local visando aguçar seu interesse de
retornar a moradia nos sobrados ecléticos do tombado núcleo urbano de Belém e minimizar sua
degradação.
Palavras-chave: modernização, modernidade, moradia, ruínas, Centro Histórico de Belém/PA

IX Mestres e Conselheiros - Agentes Multiplicadores do Patrimônio


Belo Horizonte/MG - de 21 a 23/06/2017
Introdução
O objeto deste artigo é a relação entre o processo de degradação arquitetônica dos
sobrados e casario do bairro da Campina construídos até o início do século XX com a
introdução da modernização como ideário político lançada na capital paraense nas eras do
Intendente Antônio Lemos (1902–1912) no plano local e no plano federal, de Getúlio Vargas
(1937–1945), nas quais mudanças nos hábitos sociais dos moradores de classe alta podem
ser associadas a alterações nos locais de moradia, sucessivamente, em cada uma das
épocas, as famílias passaram a ocupar imóveis fora do núcleo inicial da cidade.

Ao associar dois períodos históricos distintos a alterações espaciais de uma camada


específica da população, este trabalho busca contribuir para o desenvolvimento mais
rigoroso da pesquisa histórica, constituído pela historiografia dos anos ’20 da Escola dos
Annales, na França. Segundo o qual busca-se construir um discurso mais amplo e
diversificado com base teórica e conceitual que sustente e legitime a interpretação sobre o
objeto pesquisado. No caso da historiografia da arquitetura, conforme Waisman (2013,
p.11), “o objeto pesquisado existe no presente por si mesmo e o trabalho do historiador tem
que partir dessa realidade presente”. No caso deste artigo, o objeto pesquisado aborda a
compreensão subjetiva de uma casualidade – edificações em ruínas – para entender como
a modernização e modernidade sobre o local de morar estaria associada ao processo de
degradação do estoque edificado de um bairro histórico de Belém.

O paper busca construir aquilo que é sugerido por Dias e Chaves (2015, p. 6), quando
mencionam que “a pesquisa historiográfica, irremediavelmente recai numa ressignificação
subjetiva dos fatos”. Assim, para compreender a subjetivação dos fatos relativos à
modernização no bairro da Campina, no início do XX, este artigo constrói um discurso
historiográfico sobre a modernização em Belém durante o período de Antônio Lemos e em
seguida, a modernização durante o Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. A partir
destes dois momentos, o trabalho busca articular em uma terceira parte, as relações entre
as historiografias dos dois momentos com a degradação arquitetônica atualmente expressa
na ocorrência de ruínas, no bairro da Campina.

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2) Modernização em Belém no início do século XX
A fundação da cidade Belém associa-se à construção do Forte do Presépio, pelos
portugueses, em 1616, que serviu como “estratégia de defesa e marco da ocupação das
terras da Coroa Portuguesa na Amazônia” (BRITO, 2007, p. 50). A partir do forte, localizado
na confluência do rio Guamá e da baía do Guajará, iniciou a formação e a expansão do
embrião urbano da cidade. A princípio formado pelo bairro da Cidade, atual Cidade Velha,
posteriormente, a cidade cresceu dando origem ao bairro da Campina, foco de análise deste
trabalho.

Durante o século XIX o núcleo urbano de Belém se expandiu e desenvolveu através das
atividades atacadistas da zona portuária, passando a atrair o comércio a varejo, serviços
especializados, indústrias, os principais estabelecimentos administrativos e religiosos
formando o centro comercial tradicional de Belém, além das residenciais das camadas mais
abastadas da sociedade. Para o centro convergiam as principais vias e meios de transportes
coletivos, tornando-se a centralidade urbana de maior acessibilidade.

2.1) Modernização de Antônio Lemos (1902 - 1912)

Entre os anos de 1902 a 1945 a cidade de Belém foi governada por líderes políticos que
introduziram ideais de modernização na cidade. O primeiro, senador Antônio Lemos, buscou
motivação e modelo na Europa, posteriormente, o governador Magalhães Barata cumprindo
ordens nacionais do programa político do Presidente Vargas para modernizar o país (PONT
VIDAL, 2008a).

Durante a intendência de Lemos, no início do século XX, a paisagem urbana de Belém


sofreu modificações decorrentes do apogeu da economia do ciclo da borracha (1879 a
1912). Obras de infraestruturas foram realizadas, como a criação de novas vias, de
boulevards, expansão da malha viária, além da construção de palacetes residenciais,
praças, quiosques, cafés, bosques, entre outras. Conforme Brito (2007, p. 55), “Belém irá
refletir um maior desenvolvimento urbano, marcado pela modernização e embelezamento da
cidade com vistas a atender às exigências da sociedade abastada da época”. Chaves e
Silva (2013, p.2) comentam que “Belém viveu o esplendor resultante dos lucros do caucho
no final do século XIX e início do XX. A cidade possuía o que havia de mais moderno, como
bondes elétricos, diversos palacetes residenciais e suntuosos edifícios”.

Mesquita e Cardoso (2008) registram que no período do ciclo da borracha houve a


introdução de consideráveis melhorias infraestruturais, tais como: a iluminação a gás
substituída pela iluminação pública elétrica, a modernização do sistema de abastecimento

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de água e esgoto, o calçamento das ruas com paralelepípedos de granito importado, além
do incremento do sistema de comunicação com o telégrafo, tudo proporcionado por estreitas
relações comerciais com os países europeus. Brito (2007) complementa que no governo de
Lemos foi construído o porto (1908–1913), que alterou, significativamente, a paisagem da
orla de Belém.

Segundo Sarges (2000) o governo de Antônio Lemos foi marcado por políticas de
reordenamento urbano, higienização e embelezamento da cidade, cujo modelo estava
embasado no urbanismo vigente na França e pretendia transformar Belém em uma pequena
réplica de cidade europeia. Dias e Chaves (2015, p.3) chamaram de Paris Tropical à
semelhança de Belém com a capital francesa pretendida por Lemos com as remodelações
urbanas e arquitetônicas de ideais haussmanianos. No período ocorreram projetos de
monumentalização com alargamento e abertura de vias. Como exemplos, no primeiro caso,
a Avenida 15 de Agosto, atual Avenida Presidente Vargas e, no segundo caso, o processo
de aterramento da região litorânea e a construção da Boulevard da República, atual
Boulevard Castilhos França, cujas vias estão dentro do bairro da Campina (CHAVES, 2011).

Transformar Belém em uma cidade europeia significava, tanto para o governante quanto
para os moradores, modernizá-la. E essa modernização não estava restrita a melhorias
urbanas, incluía o “modo de vida” das pessoas. Ou seja, a modernização era ao mesmo
tempo concreta – aplicada na cidade – e abstrata – transformando a cultura da população.
Gorelik (1999) diferencia modernização de modernidade ao explicar que modernização são
processos duros que continuam transformando o mundo, motivados por representações
culturais de modernismo, expressas pelo modo de vida e organização social.

O autor comenta que:


[...] na América, a modernidade foi um caminho para chegar à
modernização, não sua conseqüência; a modernidade se impôs como parte
de uma política deliberada para conduzir à modernização e nessa política a
cidade foi o objeto privilegiado (GORELIK, 1999, p. 59).
As modificações no modo de morar relacionam-se a medidas adotadas por Lemos, quando
em 1901, implementa o Código de Polícia Municipal de Belém. O Código além de instituir
posturas a serem respeitadas e cumpridas pelos cidadãos regulamenta uma série de
restrições às residências urbanas. Conforme explica Coelho (2007, p. 93) “por meio desta
lei, [...] Antônio José Lemos, [...] procurava garantir que a cidade fosse, aos poucos,
reconstruída segundo inspiração europeia”.

A regulamentação voltada para as residências, tanto às novas construções quanto às


construídas, passavam por um processo de “ecletização” (Figura 1), que segundo Coelho

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(idem, ibid) “a forma externa da residência teria que ser adequada aos padrões de ordem e
estéticos impostos, conforme observa-se na figura 1, as edificações deveriam deixar de
apresentar coberturas com beirais aparentes. No lugar, o Código instituía
compulsoriamente a platibanda como medida estética e de saúde pública, pois seu uso
evitaria o escoamento de água dos telhados diretamente nas calçadas.

Figura 1: Em primeiro plano, edificações coloniais que sofreriam adaptações segundo


regulamentação da aparência (ecletização). Em segundo plano, o edifício eclético do Grêmio
Literário e Recreativo Português localizado no bairro da Campina, em Belém.
Fonte: http://portalmatsunaga.xpg.uol.com.br/InicioXX2.html. (Acesso: 5 jun. 2017)

Além das posturas, há definições de cunho urbanístico no Código de Polícia Municipal, de


1901. Os capítulos – Construção e Reconstrução de Prédios, Casas para Habitação e
Casas Comerciais – tratam, respectivamente, das construções urbanas e da
regulamentação da aparência dos novos edifícios, especialmente os residenciais e
comerciais, assim como, sobre as obras e outras questões técnicas. Sobre a aparência dos
edifícios, que resultou na ecletização dos mesmos, o Código regulamenta, no artigo 21:

É completamente arbitrario o estylo architectural, uma vez observadas as


regras d’arte, havendo o maximo cuidado em estabelecer as proporções
das diversas partes componentes da construção, isto é, as pilastras,
cornijas, platibandas, etc (BELÉM, 1897-1902, p.56).

Vale ressaltar que a ecletização das novas construções e reconstruções dependiam,


conforme explica Reis Filho (2000, p. 155) “de materiais importados, tanto para elementos
estruturais como para acabamentos”. O autor complementa (idem, 159) que engenheiros e
arquitetos “conseguiam dominar com eficiência as principais técnicas de construção [...] e

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orgulhavam-se de imitar com perfeição [...] os estilos de todas as épocas, que fossem
valorizados pela cultura europeia”.

A modernização da cidade através do aprimoramento do sistema de abastecimento de água


e de esgoto permitiu segundo Reis Filho (idem, p. 164) a “instalação de serviços
domiciliares, que conduziam a formas mais evoluídas de funcionamento das habitações [...]
Data dessa época, a inclusão dos banheiros, como peças definitivas no programa”. Segundo
o autor (idem, p. 155) “as mudanças sócio-econômicas e tecnológicas ocorridas a partir da
segunda metade do século XIX, implicaram, no Brasil, em profundas transformações nos
modos de habitar e construir”. De uma maneira geral, ocorrem grandes alterações, conforme
observado por Derenji (1987, p. 150):

A maioria das casas velhas e desmanteladas cedera lugar a belos edifícios


construídos acima do nível da rua, com extensas e elegantes sacadas no
primeiro andar. [...] parecendo que os paraenses procuravam agora imitar
os costumes das nações do norte da Europa, ao invés dos da mãe-pátria.
A associação da modernização, através da implementação de infraestruturas e construção
de belos edifícios, e a modernidade, com a imitação de novos costumes europeus, presente
no comentário de Derenji, é mais um exemplo das conseqüências que as transformações
concretas realizadas na cidade influenciam na mudança dos hábitos sociais da população.

Derenji (1987, p.150) complementa que “o Ecletismo, que será o símbolo, a representação
arquitetônica das mudanças de comportamento trazidas pela riqueza do ciclo da borracha,
usará esse neoclássico tardio como mais uma opção de escolha de estilos”.

Em virtude das novas leis implantadas por Antônio Lemos acrescido com os rendimentos
que a economia da borracha rendia aos cofres públicos, nos últimos anos do século XIX e
primeiros do XX, Belém expandiu além dos dois tradicionais bairros, da Cidade (atual
Cidade Velha) e da Campina, com a implantação de grandes novos bairros planejados,
transformando os arredores ou subúrbio da cidade, com vias largas, lotes com dimensões
maiores, novos palacetes construídos ao longo da Estrada de Nazaré, atual Avenida
Nazaré, do Umarizal e da Estrada de Bragança, atual Avenida Almirante Barroso (COELHO,
2007).

Tais transformações iniciam uma nova era de modernização da cidade que podem ter
influenciando na cultura e hábitos sociais dos moradores da classe alta do núcleo urbano
deixando seus sobrados e casario e preferindo ir morar em palacetes, chalés e bangalôs em
outras áreas da cidade, como as avenidas Nazaré (Figura 2) e Braz de Aguiar.

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Figura 2: Palacete Faciola, em 1908, à Avenida Nazaré.
Fonte: https://fauufpa.files.wordpress.com/2011/07/p-faciola.jpg. (Acesso: 5 jun. 2017)

Os chalés ou “edifícios importados” conforme conceituou Reis Filho (2000) expressavam um


fenômeno completamente novo na arquitetura, pois eram produtos industrializados
produzidos nos países europeus e transportados desmontados nos porões dos navios para
o Brasil. O autor (idem, p. 155) destaca que a “importação era completa, pois compreendiam
de estruturas e vedações até coberturas, escadas e peças de acabamento, que aqui eram
montadas, conforme as instruções e desenhos que as acompanhavam”. Chalés em ferro
fundido, por exemplo, eram escolhidos por meio de catálogos que apresentavam os
modelos disponíveis, retratando uma modernização tanto na forma de construir e morar
quanto de comprar o imóvel. Coelho (2007, p. 108) comenta,
Não é de se admirar que em dado momento as famílias proprietárias destas
casas no centro histórico tenham-nas vendido para construir ou comprar
casas nos novos bairros da cidade, onde a vida prometia ser mais “chique”
e “charmosa”. As casas e palacetes construídos nos bairros novos de
Belém a essa época é que seguiam, então, os preceitos de afastamentos
dos limites do lote, com novos esquemas de cobertura e sistemas
construtivos modernos, como por exemplo, o concreto armado.
Percebe-se, no comentário do autor Coelho, que a modernização de Belém na era Lemos -
expressa, dentre outras formas, com a criação de novos bairros com padrões urbanísticos
diferenciados - aguçou o desejo da população mais abastada de sair do bairro da Campina
para morar em áreas mais “chique” e “charmosa”, mostrando o poder da modernidade sobre
a cultura das pessoas.

Os novos bairros localizados nos arredores dos bairros da Cidade Velha e Campina
possuíam vantagens locacionais: (i) por estarem próximos do núcleo urbano, portanto, da
centralidade das atividades de comércio e serviço; (ii) por estarem afastados do “burburinho”
causados pelo fluxo de pessoas e veículos atraídos pela centralidade; e, (iii) por

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disponibilizarem moradias modernas amplas, em vias mais largas, em lotes maiores,
ajardinados e com recuos.

Durante o governo de Antônio Lemos, a modernização da cidade de Belém agregou valor ao


bairro da Campina através das obras e investimentos já mencionados. Nesta época, o bairro
da Campina possuía comércio sofisticado e serviços especializados, além de residências da
camada de alta renda. O bairro, naquela altura, não evidenciava sinais de degradação
arquitetônica com a saída de moradores mais abastados atraídos pela cultura da
modernidade, motivados a residir nos palacetes, bangalôs e chalés nos novos bairros de
Belém, periféricos a seu núcleo urbano.

Este processo de valorização da modernidade estaria incluído na relação feita por Bordieu
entre o espaço simbólico e o espaço social. Para o autor (1990, p. 160), “o espaço social
tende a funcionar como um espaço simbólico, um espaço de estilos de vida e de grupos de
estatuto, caracterizados por diferentes estilos de vida”. O poder do simbólico estaria ligado à
modernização do espaço físico enquanto que, o espaço social seria o desejo, a ambição, a
mentalidade de modernidade desejada pela riqueza da época.

A mentalidade de modernidade, que influenciou a cultura e os hábitos sociais da burguesia


em relação ao local da moradia, despertava o desejo de mudar para residências com
varandas, em lotes maiores, com recuos e jardins, localizadas em vias largas, bem
diferentes das atuais moradias no núcleo urbano consolidado, com vias e lotes estreitos,
edificações sem recuos, uma ao lado da outra. O que não era encontrado nos bairros mais
antigos, pois expressavam um padrão de moradia que fosse condizente com a mentalidade
de modernidade e, consequentemente, com o status social do grupo abastado. Ou seja,
modernidade era morar nos palacetes, bangalôs e chalés dos novos bairros.

A expansão da cidade, na era lemista, se deu através da via Travessa dos Mirandas que,
após seu alargamento e intervenções urbanísticas, tais como, construção do Teatro da Paz
e da Praça da República, passou a se chamar Avenida 15 de Agosto, sendo o principal eixo
de integração do núcleo urbano inicial com os novos bairros da cidade. Localizada no bairro
da Campina, a Avenida 15 de Agosto, durante o governo Getúlio Vargas, passa a se chamar
Avenida Presidente Vargas por simbolizar o ideal modernista da época, sob pena de perder
o patrimônio arquitetônico eclético. Conforme Belém (1999, p. 64):
[...] a avenida passa a se constituir em um novo centro comercial da cidade,
concentrando as atividades comerciais mais sofisticadas como hotéis,
escritórios de companhias de navegação, consulados, bares, cafés,
restaurantes, lojas e cinemas. Essas atividades, associadas à presença de
edifícios residenciais, proporcionavam um movimento, inclusive à noite, ao
contrário do centro comercial antigo.

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A avenida torna-se, além de eixo integrador, uma linha limítrofe entre o novo centro
comercial e o antigo centro comercial. O antigo e o novo separado por uma “cortina”
construída pela concentração da verticalização erguida durante as décadas de 1940, 50 e
60 ao longo da avenida e seu entorno, que conforme Brito (2007, p. 57) “contribuíram para a
descaracterização do bairro da Campina”. O antigo, visto como atrasado, é
descaracterizado, muitas vezes, destruído, em detrimento do novo e do moderno, conceitos
associados com o progresso.

2.2) Modernização em Belém na era Vargas (1937 a 1945)

O regime do Estado Novo instaurado em 1937, pelo Presidente Getúlio Vargas, defendia a
modernização como ideário, que segundo Chaves e Santos (2013, p. 3) “[...] o símbolo mais
eficaz dessa modernidade que precisava ser empregado era o edifício em altura, novo
conceito de moradia e ícone das ideologias divulgadas e disseminadas pelo “Estilo
Internacional” [...]” incentivando a verticalização no Brasil, “[...] condizendo com os novos
ares que Vargas tentaria implantar no novo Brasil industrializado” (MELLO, 2007, p.68).

Conforme análise de Chaves e Santos (2013) as ações de remodelação e “embelezamento”


da cidade, condizentes ao programa político de Vargas para modernizar o país, estavam
dentro das limitações do orçamento determinado pela decadência do clico da borracha,
aliada pela depressão de 1929 que abateu a economia dos Estados Unidos. As autoras
(idem, p. 14) observaram que a fragilidade econômica fazia com que os governantes
focalizassem seus esforços na modernização, através da verticalização, para uma avenida,
pois era impossível verticalizar toda a cidade. As transformações que a cidade de Belém
passou na era Vargas estão focadas no processo de verticalização no centro da cidade,
principalmente na Avenida 15 de Agosto, atual Presidente Vargas.

Segundo Chaves (2011) a gradativa construção dos primeiros arranha-céus concentrados


na avenida dava um ar de metrópole inspirado no processo de verticalização norte-
americano, que passou a ser, segundo Pont Vidal (2008a, p.5), “[...] uma vitrine das
modernas tendências arquitetônicas”. Chaves e Santos (2013) registram que os primeiros
edifícios - residenciais, de escritórios, hotéis e institucionais - foram planejados e
construídos na Avenida 15 de Agosto, considerada, segundo as autoras (idem, p. 1) “desde
a década de 1920, uma das mais importantes vias da cidade, beneficiada pela proximidade
com o porto e os eixos de crescimento urbano”. Enquanto a modernização da era de Lemos
foi inspirada pelas capitais europeias, a da era de Vargas teve origem nas principais cidades
estadunidenses. Daí a relação de modernização com verticalização.

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Puppi (1998, p. 10) comenta que:
[...] retratam o ecletismo como uma forma de projetar (e construir)
inadequada ao progresso e à modernidade material, ao qual [...] deveria
opor-se uma nova arquitetura, alinhada aos novos tempos e capaz de
expressá-lo culturalmente.
Novamente, os conceitos de modernização através dos processos duros de transformações
físicas na cidade estão associados com alterações de hábitos, a modernidade, com
mudanças na cultura da sociedade, conforme Gorelik (1999) diferenciou os conceitos de
modernização e modernidade.

O processo de verticalização abrangia a moradia, os escritórios de serviços especializados e


as instituições públicas. Pont Vidal (2008a) explica que o incentivo à verticalização foi
regulamentado através da Lei 3.450 de 6 de Outubro de 1956 que determinou a altura
mínima de 12 pavimentos para os novos edifícios da Avenida 15 de Agosto e para ruas do
entorno, altura mínima de 10 pavimentos.

A associação de morar em edifício com a ideia de progresso era evidenciada nas


propagandas de lançamento dos empreendimentos para atrair a camada da população com
demanda solvável para adquirir o novo modo de morar. A modernidade e tradição estavam
presentes nos edifícios residenciais, representados, segundo Chaves (2011, p. 71) “pela
sobriedade das arquiteturas, nos amplos apartamentos, nas recepções revestidas em
mármores finos, adornadas com lustres de cristal e mobiliários de formas clássicas”. Esse
mote se fazia necessário para superar o obstáculo do desconhecido, “o novo hábito de viver
em altura e a consequente resistência em sair de suas casas ajardinadas e amplas que
caracterizava o modo de viver da burguesia local” (PONT VIDAL, 2008a, p. 147).

Para Chaves e Santos (2013) para atrair a população mais abastada da cidade a morar nas
alturas era necessário adaptar o novo tipo de moradia aos seus anseios. Para isso,
“percebe-se a permanência de ambientes e formas de organização espaciais que
apresentam características das amplas casas burguesas e palacetes de Belém de outrora”
(p. 14).

Pont Vidal (2008a) esclarece que as novas composições de moradias – em edifícios e em


residências que incorporavam elementos e soluções da arquitetura moderna brasileira -
expressavam o sentido de modernidade dos grupos sociais em ascensão, como médicos,
advogados, engenheiros, comerciantes e empresários. Para a autora (idem, p. 145) “à
medida que esses grupos adquiriam novos hábitos, e se identificavam com uma nova
cultura urbana, os bangalôs ecléticos se tornavam anacrônicos para suas necessidades
funcionais e simbólicas”.

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Segundo Chaves (2011), a partir de 1932 foram construídos 20 edifícios na Avenida 15 de
Agosto, entre eles, edifícios comerciais, residenciais, institucionais, de uso misto e hotéis,
com altura variando entre 3 e 25 o número de pavimentos. Dos 20 edifícios localizados na
avenida, 11 contemplavam o uso residencial. Chaves e Santos (2013) observam que os
edifícios construídos ao longo da avenida “contribuíram para sua progressiva transformação,
a mudança do modo de morar da população e a criação do status de cidade moderna” (p.
14). Na era de Vargas, modernidade era morar em apartamentos e residências com
elementos e traços da arquitetura moderna.

Penteado (1968) registrou a mudança da paisagem urbana do bairro. A figura 3 apresenta


uma fotografia do autor intitulada de “o tradicional e o moderno na cidade de Belém”. A
imagem apresenta a hierarquização dos tipos de arquitetura ainda encontrada no bairro da
Campina: em primeiro plano a fachada da igreja das Mercês, do século XVIII; em segundo
plano, sobrados reformados pelas correntes modernistas e sobrado eclético preservado; e,
em terceiro plano, um arranha-céu construído sobre edificações ecléticas destruídas.

Figura 3: Avenida 15 de Novembro. Fonte: Penteado, 1968, p. 177

O processo de verticalização iniciado na era de Vargas destruiu antigos sobrados e casario


no bairro da Campina para dar lugar a edifícios, ou simplesmente, para produzir espaços
vazios. Este processo vem ao encontro da degradação já em curso desde os anos de 1920,
quando as famílias começaram a transferir suas residências para os bairros “modernos”.
Além da destruição para verticalização ou para produção de espaços vazios, alguns
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sobrados foram reformados para ganhar novos traços arquitetônicos em suas fachadas,
visando, com isso, a modernização, o que, também, influenciou no processo de degradação
física desses imóveis. Assim como as edificações coloniais adaptaram-se à ecletização da
era Lemos, alguns imóveis modernizaram suas fachadas na era Vargas, visando
acompanhar o progresso, transformando os arcos das aberturas em linhas retas, retirando
os gradis de ferro do guarda-corpo das janelas inteiras, introduzindo marquise em concreto
armado como proteção, eliminando as platibandas com balaustres, ou seja, retirando os
elementos ecléticos que remetiam ao antigo.

3. A degradação arquitetônica após os ideais da modernização


Conforme observa (Brito, 2007) os bairros da Campina e Cidade Velha são,
respectivamente, “marcada inicialmente pelo uso residencial e, hoje, pelos usos residencial,
comercial e de serviços” (p. 66) e “de uso original residencial e comercial e, atualmente,
destacam-se os usos comercial e de serviço” (p.68). Percebe-se que o uso residencial
cedeu, aos poucos, para os usos de comércio e serviço, os quais necessitaram de
adaptações estruturais nas edificações, como, demolições de partições internas, aberturas e
fechamentos de vãos nas fachadas, descaracterizando sua arquitetura original. Para Belém
(1999, p. 73) “a intervenção nas fachadas [...] e a interferência visual da propaganda
comercial descontrolada [...]” são alguns dos sérios conflitos que o bairro da Campina
apresenta por concentrar a maior densidade de uso comercial do CHB. Vargas e Castilhos
(2006) associam deterioração e degradação urbana com “a perda de sua função, ao dano
ou à ruína das estruturas físicas [...] de um determinado lugar” (p. 3). Ou seja, a degradação
física não se restringe ao estado de conservação da edificação, mas também, na perda das
características da arquitetura original dos mesmos.

O início da degradação física do estoque edificado do bairro da Campina está associado,


conforme visto acima, a partir dos anos de 1940, com a saída dos moradores de alta renda
do bairro, incentivados pela expansão do setor imobiliário e pela modernização das novas
formas de morar (PONT VIDAL, 2008a, 2008b), assim como, observou Brito (2007, p. 61) a
partir da década de 1970, Belém se expandiu através da “aceleração do processo de
urbanização, configurado por um movimento de periferização urbana” incentivada, entre
outros fatores, pela descentralização das atividades públicas e privadas do núcleo urbano.

Belém (1999, p. 23) descreve que o “bairro da Campina foi logo atingido pelo processo de
decadência econômica, com a deterioração de seu casario, a substituição de um comércio
dinâmico e de qualidade por um comércio popular”. Com a mudança do consumidor de alta
renda para outras áreas da cidade, o centro urbano passou a se especializar em um novo
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perfil de consumidor – o de classe baixa. Para este consumidor o que mais importa é o
preço baixo e a variedade das mercadorias e não a aparência ou as características
arquitetônicas e das instalações físicas das lojas. Por isso, e em função dos próprios custos
elevados de conservação de prédios antigos, dentre outros motivos, os comerciantes locais
deixaram de investir na aparência e na conservação dos imóveis onde ficam suas lojas,
resultando num declínio do conjunto edificado que compõem o centro urbano. Villaça (2001)
enfatiza que, na origem do processo popularmente chamado de “decadência” ou
“deterioração” do centro, está o seu abandono por parte das camadas de alta renda e a sua
tomada pelas camadas populares.

Desde a sua origem, passando pelo seu apogeu até o início do processo de degradação
física, o núcleo urbano inicial de Belém, acumulou um importante patrimônio. As
construções do forte, das igrejas, dos mercados do Ver-o-Peso e de Carne, de fábricas, dos
palácios dos governantes, dos sobrados e casarios com seus revestimentos em azulejos
portugueses, etc. constituem patrimônio arquitetônico, urbanístico, histórico, artístico,
cultural e paisagístico. A preocupação com a preservação deste patrimônio resultou no
tombamento do núcleo urbano como Centro Histórico de Belém (CHB) composto por parte
do bairro da Cidade Velha e todo o bairro da Campina. Atualmente o tombamento do CHB é
regulado pelas três esferas governamentais: pelo Município através da Lei Orgânica do
Município de Belém de 30/03/1990 e pela Lei Municipal nº 7.709 de 18/051994; pelo Estado
com a Lei nº 5.629 de 20/12/1990 e pela União por meio da Portaria nº 54, de 8/05/2012 do
Ministério da Cultura, a qual passa atualmente por revisão visando sua normatização para
atuação do IPHAN na área.

Apesar do processo de degradação física, o bairro da Campina, localizado no CHB, é a


maior centralidade urbana do município e da Região Metropolitana de Belém (RMB), pois
concentra grande número de atividades de comércio e serviço da região, além de atrair
expressivo número de empregos e consumidores. A centralidade observada no CHB é
expressão da concentração, em determinada área da cidade, de um enorme mercado de
trabalho, atraindo para esta área uma série de atividades terciárias e fluxo de pessoas
(CORRÊA, 1995).

O processo de degradação arquitetônica que o bairro da Campina apresenta atualmente é


resultado das modificações econômicas e no modo de vida da população. Como tratado
anteriormente, suas marcas, infelizmente, são encontradas no casario construído há mais
de um século, presentemente em estado de conservação ruim ou em ruínas e mesmo
utilizados como estacionamentos. Ressalta-se que é considerada edificação em ruína,
segundo o órgão municipal responsável pela cobrança de tributos imobiliários por meio do
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Cadastro Técnico Multifinalitário, CTM o “terreno onde se localiza uma edificação em
péssimo estado de conservação, abandonada e já desabando, aqueles casos de extrema
precariedade” (BELÉM, 2000, p. 39).

A quantidade de edificações em ruínas no bairro da Campina teve um aumento


considerável. A figura 4 apresenta mapas com 15 ruínas no bairro da Campina em 2000,
constantes do CTM (BELÉM, 2000), assim como, outras 104 ruínas identificadas em 2013,
pela pesquisa “Mercado Imobiliário em Centros Históricos de Cidades Brasileiras (MICH)".
Considerando que, em 2000, o bairro possuía 2.096 lotes, 0.71% do universo eram ruínas e,
após 13 anos, o percentual passou para 4.96%. Os dados constantes da pesquisa MICH
foram obtidos a partir do projeto coordenado pela Profa. Dra. Helena Lúcia Zagury Tourinho
pela Universidade da Amazônia, 2013 e incluídas em: Morhy (2015), Morhy et al (2015) e
Lobo et al (2016). Ainda na figura 4 estão destacados os imóveis protegidos pela legislação
federal e estadual.

Figura 4: Ocorrências de ruínas, estacionamentos, verticalização e imóveis protegidos nos


bairros da Cidade Velha e Campinas no CHB. Fonte: Elaboração própria

Entende-se que diversos fatores contribuíram ao aumento da degradação arquitetônica, no


entanto, a pesquisa aponta que com a introdução da modernização do local e na forma de
morar, aguçando o sentido da modernidade como fatores relevantes de status social

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estariam associados ao início do processo de degradação do estoque edificado do bairro da
Campina em Belém, retificando a tese de Harvey (2011) da cidade como mercadoria, tendo
como lógica a desvalorização de áreas em detrimento da valorização de outras, em um ciclo
onde uma alimenta a outra.

Considerações Finais
Os recursos econômicos disponíveis na era de Lemos possibilitaram a implementação de
obras que transformaram a paisagem do núcleo urbano de Belém como um todo. Ao
contrário da era de Vargas, as finanças da capital paraense estavam limitadas e os
investimentos priorizaram a modernização de uma parte do núcleo urbano através da
verticalização. Vale indagar como estaria o núcleo urbano de Belém se os recursos públicos,
durante o governo de Vargas, estivessem disponíveis para realização dos seus ideais de
modernização? À época não existiam as leis preservacionistas, o que permitiria destruir toda
a massa edificada, de período colonial e eclético, para construção do novo, das edificações
em alturas. No entanto, em virtude da restrita realidade financeira do governo Vargas, a
destruição não foi propriamente na massa edificada e, sim, no abandono das demais áreas
do núcleo urbano, onde se localizava uma parcela significativa de edificações ecléticas da
cidade.

Uma possível solução, diante do quadro apresentado neste trabalho quanto à existência de
ruínas e estacionamentos no CHB, são ações para a reabilitação de imóveis com
investimentos para o retorno de moradias à área. Há estudos de viabilidade técnica e
orçamentária para o caso de Belém, como o conduzido por Norat (2007), os quais
dependem de programas governamentais conforme identificados por Lima, Faria e Andrade
(2002). Este processo mostra-se relevante na medida em que foi detectado um relativo
aumento no número de domicílios no CHB. Conforme os resultados dos Censos do IBGE de
2000 e 2010 aumentou 7.5%, mesmo sem nenhuma política incentivadora ao uso
habitacional. O uso habitacional é potencialmente um propulsor da conservação, pois além
de contribuir para a diminuição do déficit habitacional, pode atrair outras atividades que dão
apoio a moradia, possibilitando a utilização do espaço em horários e períodos que vão além
dos horários comerciais, garantindo o uso ininterrupto do espaço e evitando, com isso,
espaços desertos e inseguros.

O discurso historiográfico construído associa a mudança na cultura e nos hábitos sociais da


camada da população de alta renda com a introdução da modernização do local e na forma
de morar, aguçando o sentido da modernidade da nova moradia, como fator relevante para
o status social. Faz-se necessário a elaboração de políticas habitacionais, por meio de
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ações governamentais ou civis - com destaque para maior participação social nos projetos,
uma vez que este item é uma das conquistas democráticas recentes no planejamento
urbano - que sejam capazes de fomentar uma mudança cultural e nos hábitos da sociedade
local visando aguçar seu interesse de retornar a moradia nos sobrados ecléticos do
tombado núcleo urbano de Belém e minimizando, com isso, sua degradação.

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