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Resumo:
O objetivo central deste trabalho é a análise da atual política pública de reforma da zona
central do Rio de Janeiro, o chamado Projeto Porto Maravilha. Usando o instrumental teórico
defendido por Roland Barthes, realizou-se uma breve retrospectiva histórica das políticas
públicas realizadas no centro carioca. A seguir, foram pesquisadas as características centrais
dos projetos de reforma, antigos e o atual, concluindo com os aspectos positivos e negativos
deste e com a observância dos discursos que estão sendo realmente considerados.
Abstract:
This paper aims an interpretation on public policies designed to Rio de Janeiro’s downtown,
the so-called Projeto Porto Maravilha. It discusses a different approach on the meaning of
city, mainly by using Roland Barthes theory on Semiology. After considering a historical
retrospect on Rio de Janeiro’s government interventions, the contemporary project was
analyzed trough those conclusions, allowing a critical perspective on the new public policy
intended.
Key words: public policies; city; semiology; historical retrospect; harbor project.
1
Formada em Direito pela UFF e mestranda em Direito da Cidade pela UERJ.
2
Formado em História pela UERJ e graduando em Arquivologia pela UNIRIO.
Tal exigência também é trabalhada por Lilian do Valle, que aponta o imaginário como
conceito-chave. Esta compreensão desconstrói o único sentido que se dá ao termo cidade,
permitindo o confronto de narrativas históricas para não se pensar esse espaço sob uma única
racionalidade. Dessa feita, o imaginário, sendo forma de participação, além de recusar a
imagem oficial, propõe algo de diferente do instituído, criando uma contra-imagem que “não
faz parte da cidade enquanto ambiente construído, mas que é texto, verbal ou não-verbal, que
produz o saber urbano” (VALLE, 2000:18).
1
Roma provoca um conflito permanente entre as necessidades funcionais da vida
moderna e a carga semântica que lhe é comunicada pela sua história. E esse
conflito entre a signifcação e a razão (...), traz a evidência cada vez maior do fato
de uma cidade ser um tecido formado não de elementos iguais, de que podem se
inventariar funções, mas de elementos fortes e elementos neutros, ou, como dizem os
linguistas, de elementos marcados e elementos não-marcados. (BARTHES,
1971:183)
Tal qual a Roma analisada pelo semiólogo, o Rio de Janeiro também possui uma zona
central caracterizada pela tensão entre a defesa do seu patrimônio imaterial, marcado pelos
casarios antigos e cheios de ecos de eventos políticos e sociais centrais para a História
brasileira, e a necessidade de constante modernização exigida pela sua vibrante área
financeira, um elemento fortemente marcado por interesses econômicos que se choca com os
elementos de memória e cultura ocupantes do mesmo espaço físico: a área central da cidade.
3
elites durante a República (CARVALHO, 1990: 63). Contudo, a reação popular não pôde
impedir a expulsão de grande contingente populacional em razão da destruição dos cortiços.
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habitação popular, já crítica por essa época, é ignorada, em detrimento das necessidades
automobilísticas das elites. Conforme Abreu: “O golpe militar de 1964, apoiado pela
burguesia industrial e financeira, não apenas arquivou as chamadas reformas urbanas de base,
como substituiu o populismo pela tecnocracia.” (ABREU, 1997:116).
Assim, a década de 1990 se inicia com uma perspectiva contraditória: se por um lado,
a Constituição de 1988 renovou o ideal de cidadania, trazendo, ainda, os conceitos de gestão
democrática e de função social da cidade, que englobam participação popular, preservação do
patrimônio histórico-cultural, proteção ao meio ambiente e direito fundamental à habitação,
por outro lado, cabia ao gestor público municipal enfrentar a crise econômica, a perda de
primazia financeira para São Paulo, o processo de favelização galopante e o enfraquecimento
institucional.
A forma encontrada pelos gestores públicos para enfrentar os novos desafios foi o
empreendedorismo urbano. Compans aponta que um discurso “técnico” legitimou escolhas
políticas hipoteticamente pactuadas nesse processo participativo por “toda a sociedade”,
sendo que esta não houve a oportunidade de ter seus discursos verdadeiramente recepcionados
(COMPANS, 2004: 275).
O atual Projeto Porto Maravilha tem por base os projetos de reformulação de São
Francisco, Buenos Aires e Barcelona. Excetuando-se a garagem subterrânea e a reforma do
Píer, todas as políticas públicas planejadas do Porto Maravilha possuem perfis habitacionais e
turísticos, tendo em vista, talvez, os megaeventos que a cidade sediará em 2012 e 2014
(respectivamente, Olimpíadas e Copa). A questão da infraestrutura e do transporte, tão caras
aos projetos predecessores, parece ter se tornado um elemento fraco para os novos gestores do
projeto atual, à revelia dos esforços já realizados pelos servidores públicos municipais em
governos anteriores.
3
BARBOSA e OSSOWICK. In: http://www.overmundo.com.br/overblog/revitalizacao-do-porto-iphan-e-morro-
da-conceicao. Acesso em 10/04/2010.
4
O registro da participação popular foi feito pela Associação dos Amigos da Região Portuária. In
http://amagario.blogspot.com/2009/09/moradores-dos-bairros-comparecam-as.html. Acesso em 10/04/2010.
6
O risco de uma visão fechada das políticas públicas é o de reascender a memória das
perturbações oriundas de outras reformas implementadas e seus efeitos. Pois, como alertam os
moradores do Morro da Conceição,
Será que o “Porto Maravilha” também é concebido nestes termos
[autoritários]?Será que, mais de cem anos depois da Reforma Pereira Passos e seus
desdobramentos, estamos novamente diante de um projeto autoritário de higienismo
social destinado justamente àquelas áreas que não foram incluídas na
5
reestruturação urbana pelo ilustre prefeito do Rio de Janeiro de então?
4. Conclusão
6. BIBLIOGRAFIA:
BARTHES, Roland. A Aventura Semiologica. Tradução de Maria de Sta. Cruz. Lisboa: Ed.
70, 1987.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
5
BARBOSA e OSSOWICK. In: http://www.overmundo.com.br/overblog/revitalizacao-do-porto-iphan-e-morro-
da-conceicao. Acesso em 10/04/2010.
6
Declaração pelo Direito à Cidade como Paradigma para a Existência de Cidades Democráticas, Justas,
Sustentáveis e Humanas. Produzida durante o Fórum Social Urbano, e disponível em:
http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_content&view=article&id=1300:declaracao-
pelo-direito-a-cidade&catid=45:materias&Itemid=88&lang=pt. Acesso em 10/04/2010.
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______________________. A Formação das Almas. O Imaginário da República no Brasil.
São. Paulo, Companhia das Letras, 1990
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HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. Tradução: Carlos Szlak. São Paulo:
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