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EIXO TEMÁTICO 2 RESUMO

HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS


DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES O presente artigo tem o objetivo de traçar um
panorama da evolução urbana do município de
Niterói-RJ evidenciando as diferentes dimen-
vídeo-pôster sões temporais do processo de ocupação do
território a partir do processo de estruturação
do espaço intra-urbano. Trata-se, sobretudo,
A EVOLUÇÃO URBANA DE de enfatizar como os processos e ritmos da ex-
periência histórica encontram seu reflexo na
NITERÓI-RJ: DA CIDADE paisagem urbana e na constituição da urbanida-
de. Na parte inicial, retoma aspectos gerais dos
COLONIAL À CIDADE processos de ocupação e colonização, inicia-
dos durante o século XVI, até a implantação do
CAPITALISTA Plano de Edificação da Vila Real da Praia Gran-
de (de autoria do pintor francês Arnaud Julien
Pallière) e a elaboração das primeiras normas
EVOLUCIÓN URBANA DE NITERÓI-RJ: DE LA CIUDAD
e intervenções urbanísticas, que anunciavam a
COLONIAL A CIUDAD CAPITALISTA
passagem da estrutura rural, predominante até
meados do século XIX, para o sistema urbano
PEREIRA, Rafael Carvalho Drumond que se anunciava. No tópico seguinte, são abor-
dados aspectos da configuração da ocupação
Geógrafo, Mestre em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/
UFF); Pesquisador no Núcleo de Estudos e Projetos
urbana de Niterói-RJ com base em fatores po-
Habitacionais e Urbanos (NEPHU/UFF); Bolsista FAPERJ pulacionais, econômicos, sociais e institucio-
no Grupo Sistema de Espaços Livres no Rio de Janeiro nais, tendo como pano de fundo o processo de
(Grupo SEL-RJ/PROARQ-UFRJ) modernização da capital republicana. As análi-
ses desenvolvidas indicam que a construção do
espaço urbano do município teve sua paisagem
e história marcados pela proximidade com o
Rio de Janeiro, o que influenciou fortemente a
sua imagem e representação como cidade, com
repercussões tanto nos processos sociais que
dão forma, função e significação ao espaço,
quanto na aparência, organização interna e na
implementação de políticas urbanas na cidade.

HISTÓRIA URBANA ESPAÇO URBANO


PLANEJAMENTO URBANO URBANISMO NITERÓI-RJ

16º SHCU
30 anos . Atualização Crítica

1294
ABSTRACT

Este artículo tiene como objetivo trazar una visi-


ón general de la evolución urbana del municipio
de Niterói-RJ, evidenciando las diferentes dimen-
siones temporales del proceso de ocupación del
territorio desde el proceso de estructuración del
espacio intraurbano. Es, sobre todo, destacar
cómo los procesos y ritmos de la experiencia his-
tórica encuentran su reflejo en el paisaje urbano
y en la constitución de la urbanidad. En la parte
inicial, retoma aspectos generales de los proce-
sos de ocupación y colonización, iniciados duran-
te el siglo XVI, hasta la implementación del Plan
para el Edificio de la Vila Real da Praia Grande
(autor del pintor francés Arnaud Julien Palliére)
y la elaboración de las primeras normas e inter-
venciones urbanas, que anunció el paso de la es-
tructura rural, predominante hasta mediados del
siglo XIX, hasta mediados del siglo XIX. En el si-
guiente tema, los aspectos de la configuración de
la ocupación urbana en Niterói-RJ se abordan en
función de factores poblacionales, económicos,
sociales e institucionales, basados en el proceso
de modernización de la capital republicana. Los
análisis desarrollados indican que la construcci-
ón del espacio urbano del municipio tuvo su pai-
saje e historia marcados por la proximidad a Río
de Janeiro, lo que influyó fuertemente en su ima-
gen y representación como ciudad, con repercu-
siones tanto en los procesos sociales que forman,
funcionan y sentido al espacio, como en aparien-
cia, organización interna y en la implementación
de políticas urbanas en la ciudad.

HISTORIA URBANA ESPACIO URBANO


PLANIFICACIÓN URBANA URBANISMO NITERÓI-RJ
EIXO TEMÁTICO 2 INTRODUÇÃO
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS
O município de Niterói, localizado no estado do
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES
Rio de Janeiro, às margens orientais da Baía de
Guanabara, tem sua história marcada pelas pre-
senças indígena e portuguesa, que deram origem
vídeo-pôster
aos primeiros povoados e ao aldeamento inicial.
A seguir, vamos abordar esse período inicial da

A EVOLUÇÃO URBANA DE ocupação do território, apontando as importantes


marcas na paisagem da cidade, fruto da forte he-
NITERÓI-RJ: DA CIDADE rança colonial. Na primeira parte, são abordados
aspectos sobre a construção do espaço da cidade
COLONIAL À CIDADE e, posteriormente, sobre sua evolução urbana,
enfatizando o processo de modernização da ci-
CAPITALISTA dade através de breve cronologia das principais
intervenções urbanísticas.

EVOLUCIÓN URBANA DE NITERÓI-RJ: DE LA CIUDAD De início, é importante dizer que a presença com-
COLONIAL A CIUDAD CAPITALISTA binada de elementos naturais favoráveis, como as
praias, os vales e montanhas, as reentrâncias do li-
toral, a abundância de água, fizeram com que esse
espaço às margens da Baía de Guanabara fosse
cobiçado por diferentes grupos, como índios, je-
suítas e colonizadores franceses e portugueses.
A configuração do território se deu, portanto,
a partir das lutas pela apropriação do espaço.

A Guanabara, devido a sua posição geográ-


fica favorável, era um lugar privilegiado;
ali, uma grande cidade teria fatalmente de
surgir, por maiores que fosse os obstáculos
a sua expansão urbanística (LAMEGO apud
AZEVEDO, 1997, p.20).

A cobiça pela posse das terras no litoral do Brasil


se deu após a notícia da existência de terras ricas
em pau-brasil se espalhar pelos portos e cortes
europeias (WEHRS, 1984, p.29). Até então, Portu-
gal pouco se preocupava com a efetiva ocupação
do território recém descoberto, uma vez que os
interesses ultramarinos estavam direcionados
para a Ásia. Ocorrido o processo de decadência do
Império Português nas Índias, aliado ao crescente
número de navios corsários e contrabandistas, es-
pecialmente franceses, no litoral brasileiro, a partir
de 1530 foi intensificado o processo de colonização.

O modelo de colonização a ser implementado


pela Coroa Portuguesa, assim como nas ilhas
16º SHCU do Atlântico sob seu domínio, foi o sistema de
30 anos . Atualização Crítica
Capitanias Hereditárias. E a primeira expedição
1296 colonizadora se deu, sob o comando de Martim
Afonso de Souza, em 1531, que resultou no pri- novembro de 1573, contando com a presença do
meiro núcleo colonizador, a Vila de São Vicente. Governador Cristóvão Barros. Nessa data foi fun-
Porém, esse modelo pouco contribuiu para pro- dada a Aldeia de São Lourenço dos Índios e, co-
teger o território e, em 1555, houve uma grande memora-se oficialmente o aniversário da cidade.
e maciça invasão francesa à Baía de Guanabara,
conhecida como a Primeira Invasão.

É importante lembrar que a partir dessa invasão, A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO:


os franceses fundaram uma colônia, a chamada A ALDEIA, A VILA e a cidade
França Antártica, na Baía de Guanabara, sob o do-
mínio do Vice-Almirante da Bretanha Villegaignon. A partir da fundação da Aldeia de São Lourenço
Os franceses se instalaram na região e, somente dos Índios, deu-se o início da ocupação dessas
em 1560, Mem de Sá, nomeado dois anos antes terras, nas proximidades da Baía de Guanabara e
para a missão de expulsão, chegou ao local. Mem no topo de um morro, para facilitar a observação
de Sá arrasou o forte instalado na Ilha de Ville- de eventuais invasões inimigas. O espaço ocupado
gaignon, mas como não dispunha de gente para pelos índios desempenhava, durante o final do
povoar a terra, abandonou-a. Passado o perigo, século XVI e início do século XVII, uma função
os franceses voltaram a ocupar a região, agora de guardião do território (CAMPOS, 2004, p.137).
com seus aliados tamoios.
Segundo Azevedo (2014), o aldeamento se instalou
No final do ano de 1564, o governo português re- sob as normas do projeto colonizador português
solveu intervir novamente, agora sob o comando de orientação jesuítica. Apesar de extensa, a ses-
do Capitão-Mor Estácio de Sá, sobrinho de Mem maria era composta por apenas um aldeamento,
de Sá. Dessa vez, tiveram o auxílio dos índios tu- e seu núcleo se localizou junto à enseada denomi-
piminós (ou temimimós1), aliados dos portugueses nada de São Lourenço, e no morro foi edificada
e comandados por seu tuxaua Araribóia (Cobra uma pequena igreja2 dedicada ao santo. A autora
Feroz, em português), já catequisado e batizado destaca que havia um interesse especial dos je-
com o nome de seu padrinho, Martim Afonso de suítas na expansão dessas terras, já que, além
Sousa. Após anos de árduas batalhas e recor- da catequização, tinham como alvo um maior
rentes pedidos de reforços, na manhã de 20 de contingente de mão de obra nos cultivos.
janeiro de 1567, dia de São Sebastião, foi feito o
último ataque aos inimigos. Araribóia e Estácio O aldeamento não durou muito tempo. Suas terras
de Sá avançaram por terra contra os entrinchei- foram sendo fracionadas por aforamentos ou por
ramentos indígenas, enquanto Mem de Sá atacou invasões, intermediadas pelos jesuítas. Após a
com navios (WEHRS, 1984). morte de Araribóia, em 1587, o núcleo de povoa-
mento passou por um franco processo de declínio
Após o término do conflito, Araribóia e sua tribo por vários motivos, dentre eles, o isolamento em
não retornaram nem para onde estavam fixados, relação a cidade do Rio de Janeiro. Apesar das
no Espírito Santo, nem à sua antiga morada, na incipientes propriedades agrícolas, podendo-se
Ilha de Paranapuã (atual Ilha do Governador), onde destacar São Domingos e Praia Grande como
nascera por volta de 1523. Como recompensa núcleos de maior densidade demográfica, a ocu-
pelos serviços prestados à Coroa portuguesa e, pação do território era dificultada pelos terrenos
principalmente, para garantir o domínio lusitano pantanosos e pelos mangues, além do terreno
nas terras do Rio de Janeiro, Araribóia e sua tribo acidentado. Wehrs (1984) destaca que:
receberam terras na Banda d’Além (no outro lado
da Baía de Guanabara). Contudo, a posse solene
das terras ocorreu anos mais tarde, em 22 de 2. A Igreja de São Lourenço dos Índios, marco de fundação
do aldeamento indígena, foi substituída por outra de pedra
e cal em 1627 e, em 1729, a capela foi reconstruída com a
1. Os índios Temimimós eram antigos inimigos dos Tamoios, arquitetura que mantém até hoje, conservando os traços do
tendo sido travadas várias batalhas por território. Para estilo jesuíta. A torre do sino é de 1769. A igreja foi tombada
saber mais sobre esse assunto, consultar: Wehrs (1984), pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural (IPHAN) em
entre outros. 1948, e pela Prefeitura, em 1992 (AZEVEDO, 2014).
EIXO TEMÁTICO 2 O progresso que vinha do outro lado da Baía
de Guanabara localizou-se na parte mais
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS plana, mais fácil de ser alcançada por mar,
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES e sem a necessidade de atravessar os ter-
renos pantanosos junto a Enseada de São
Lourenço. Assim surgiram os núcleos de
São Domingos, Praia Grande, São João de
Icaraí, São Sebastião de Itaipu e São Gon-
çalo, todos acessíveis por via marítima, e
que lentamente foram se desenvolvendo
(WEHRS, 1984, p.36).

A expulsão dos jesuítas, em 1759, já no período


pombalino, acabou por “[...] agravar a situação de
espoliação de terras que estava sendo verificada
na aldeia”, conforme aponta Azevedo (1997, p.23).
A partir daí a população indígena vai decaindo
até que, em 1849, restavam apenas 92 índios. Por
deliberação do governo provincial, o aldeamento
foi extinto em 26 de janeiro de 1866.

Segundo Azevedo (1997), ao longo do século XVII


e XVIII, algumas propriedades agrícolas prospe-
ravam, com sua produção sendo escoada por
pequenos portos. Nessas fazendas, era comum
erguer-se capelas e até pequenas igrejas em lou-
vor ao seu santo ou em troca de missas. Como
assinala a seguir, essas construções podem sig-
nificar a origem de pequenos povoados:

Essas diferentes modalidades de apro-


priação de terra entre o poder religioso e
civil foram dando forma a povoados que
de acordo com sua influência eram eleva-
dos à categoria de freguesia, isto é, sede
paroquial. Nelas, a assistência religiosa
era associada ao registro de nascimento,
casamento, óbito, com todas as suas res-
ponsabilidades jurídicas e sociais, possibi-
litando a formalidade civil, suas garantias e
implicações (AZEVEDO, 1997, p.24).

A partir dessa ideia que atribui a presença de cons-


truções religiosas ao processo de ocupação, temos
que, em contraposição, estavam as construções
militares, como as fortalezas erguidas para defesa
do território. Se, ao contrário das capelas, não de-
ram origem aos povoados, estas são responsáveis
pela manutenção da face costeira, com caracte-
rísticas ambientais em muito preservadas. Nesse
16º SHCU sentido, podemos apontar que as construções
30 anos . Atualização Crítica
militares e religiosas “[...] constituem a principal
1298 herança colonial de Niterói” (AZEVEDO, 1997, p.29).
Segundo Campos (2004, p.137), “[...] a paisagem da rialmente, pelas povoações de São Domingos e
região das Bandas d’Além sofreu poucas modifica- Praia Grande e quatro freguesias vizinhas – São
ções até o início do século XIX”. As terras, até então, João Batista de Carahy, São Sebastião de Itaipu,
eram ocupadas predominantemente pelas proprie- São Lourenço dos Índios e São Gonçalo, desmem-
dades agrícolas para subsistência dos habitantes, bradas do termo da cidade do Rio de Janeiro. A
passando pelos períodos de monocultura de cana- localização escolhida para a sede da nova vila foi
-de-açúcar e, posteriormente, de café. Essa confi- a Praia Grande em virtude da largura do território
guração só começa a ser modificada com a chega- plano e da concentração de povoação, além do por-
da da Corte portuguesa na cidade do Rio de Janeiro, to de comunicação com a Corte. (AZEVEDO, 1997).
em 1808, aumentando a demanda por alimentos,
já que a população cresceu repentinamente. Em 1819, tomou posse o juiz de fora José Clemente
Pereira que teve papel central na implantação do
A partir desse momento, intensificaram-se as
Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande,
mudanças espaciais na Praia Grande. Em 1816,
de autoria do pintor francês Arnaud Julien Pallière
após a visita de Dom João VI, o crescimento po-
(Figura 1). O Plano previa normas urbanísticas
pulacional foi ainda mais intenso, em virtude da
rígidas, com largura das ruas definidas, normas
valorização da moradia na Corte e da proximidade
de edificação, gabaritos, alinhamentos, muros,
da região com a cidade do Rio de Janeiro. Esse
entre outros. Além disso, a transformação da
aumento da população, que chegou à 13 mil pes-
soas, foi usado como argumento para o pedido paisagem colonial também previu elementos sim-
de elevação da freguesia à categoria de vila, um bólicos como um passeio público, denominado
ano mais tarde, em 1817. Largo da Memória. Este passeio foi desenhado
de acordo com o paisagismo europeu da época,
A nova vila foi denominada pelo monarca de Vila em forma retangular, cortado por alamedas que
Real da Praia Grande, sendo constituída, territo- se entrecruzavam (AZEVEDO, 1997, p.31).

Figura 1: Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande, 1819. Fonte: Sociedade de Geografia de Lisboa.
EIXO TEMÁTICO 2 Segundo Marx (1991, p. 52), o crescimento popula-
cional, econômico e da área edificada das fregue-
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS sias no Brasil-colônia, fazia crescer a aspiração a
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES outra categoria institucional, em meio à divisão
territorial vigente pelos poderes constituídos.
A autonomia política e administrativa estava no
cerne da passagem da categoria de freguesia à
vila. Esse processo de transição, com a criação
da Vila Real da Praia Grande, foi bem capturado
por Campos (2004):

Contudo, deve-se ressaltar que a elevação de


uma freguesia à categoria de vila representa-
va muito mais que um desenvolvimento hie-
rárquico oriundo de seu crescimento popu-
lacional. Significava uma autonomia política
e administrativa, com território bem definido
e autoridade para gerenciar seus problemas
internos, através da Câmara que nascia jun-
tamente com a vila (CAMPOS, 2004, p.139).

Assim, como podemos observar, foi a partir das


inúmeras freguesias existentes ao longo do litoral
da Baia de Guanabara, em seu lado oriental, que
deu origem à criação da Vila e, posteriormente, no
século XIX, colaborou para formação dos indícios
da ocupação urbana na cidade de Niterói, através
de uma ocupação mais densa na orla da praia,
tanto na Praia Grande quanto em São Domingos
(PMN, 1991; AZEVEDO, 1997). A Figura 2 mostra a
expressão do processo de ocupação nas primeiras
décadas do século XIX, com a identificação do
nome de cada província.

Em 1840, foi elaborado (e aprovado no ano seguin-


te) um novo plano urbanístico para a cidade, agora
elevada a capital provincial3 pelo ato adicional de
1835. O Plano Geral de Arruamento para a Cidade
Nova (Icaraí e Ingá) foi solicitado pelo Presidente
da Província ao engenheiro militar francês Pedro
Taulois. Além de apresentar um novo arruamento
para Icaraí, com urbanização em tabuleiro de
xadrez, o plano mostrou a capacidade de uma
intervenção planejada sobre o espaço, origina-
da por decisão governamental. A configuração
espacial da capital provincial só seria alterada
com magnitude semelhante cem anos depois, já
no período republicano, quando da realização dos
aterros (São Lourenço e Praia Grande), criando
16º SHCU
artificialmente novos terrenos para uso público.
30 anos . Atualização Crítica

1300 3. Recebendo o nome de “Nictheroy”.


Figura 2: Primeira Carta da Praia Grande (1833). Cópia do exemplar existente no Museu Naval, RJ. Litografia original no
Arquivo Militar. Fonte: WEHRS, 1984, p.132-133.

É interessante notar que o Período Colonial se mentos em obras públicas e aberturas de ruas,
caracterizou pela existência das construções com o objetivo de “[...] transformar a sede da nova
religiosas e militares e, o século XIX foi marcado vila num espaço urbanizado, moderno, digno de
pela presença das construções civis de maiores seu status de vila e do título de imperial” (CAMPOS,
proporções. O mercado imobiliário do município 2004, p.142). Até então, a cidade convivia com
surge nessa época, a partir da venda e do aluguel problemas no abastecimento de água, problemas
de engenhos, fábricas de tabaco, olarias e cerâ- de transporte e acesso (ruas e estradas públicas),
micas. Além disso, é importante salientar que a dificuldades de abastecimento (alimentos), pro-
vida urbana que estava nascendo era fortemente blemas de saúde pública (epidemias de cólera e
influenciada pela proximidade com o Rio de Ja- febre amarela) etc. Assim, os projetos de urba-
neiro, não só pelo modo de vida ou consumo, mas nização empreendidos pela Câmara Municipal,
especialmente pelos reflexos políticos entre a ca- tinham por objetivo dar uma aparência moderna
pital do Império e a cidade (AZEVEDO, 1997, p.36). à cidade, atacando esses problemas.

Nesse sentido, o século XIX vai ser marcado pelas Todavia, esses “objetivos oficiais” acabaram por
intervenções no espaço da cidade, com investi- escamotear o propósito de setores da elite local
EIXO TEMÁTICO 2 que estavam no poder, que era de reafirmar sua
posição e importância política diante do poder
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS central e do espaço da Corte. Coube à polícia
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES exercer um papel de destaque nessa estratégia,
impondo normas de condutas aos moradores
através de códigos de sociabilidade para os “no-
vos espaços urbanos”. Um exemplo desse tipo de
procedimento exigido pelas autoridades locais é
descrito a seguir:

Todo e qualquer habitante desta vila e seu


Termo é obrigado a mandar fazer diaria-
mente o despejo das imundícies e águas
impuras dentro do mar, nos lugares próxi-
mos a ele e nos outros lugares ou valas que
mais remotos estiverem da povoação, em
cuja distância não incomode os moradores
das respectivas povoações, às 11 horas nas
noites de verão e às 10 nas de inverno. (...) E o
mesmo se deve entender a respeito do lixo,
à exceção daquele que não sendo impuro
se pode aplicar para entulhar as cavidades
que houverem na praia4.

O teor excludente, que marginalizava a população


mais pobre, não apareceu somente nas normas de
conduta, mas também sob a forma de leis, ocul-
tado pelo argumento da prevenção e/ou combate
às epidemias, tão em voga na época. No ano de
1890, propostas como a proibição da conversão
de prédios em cortiços e a proibição de constru-
ção em becos e estalagens já sinalizavam para
os problemas habitacionais e de saneamento. A
partir daí o debate sobre os problemas da habi-
tação e suas alternativas, como a construção de
“habitações para proletários”, entra efetivamente
na pauta da Câmara municipal.

Assim, a passagem de uma estrutura semi-rural,


até meados do século XIX, para o sistema urbano
que se anunciava, ocorreu de maneira radical,
alterando não só o espaço físico da cidade, mas
o modo de vida da população. As contradições
desse processo não tardaram a aparecer. A estru-
tura espacial estratificada em termos de classes
sociais foi, pouco a pouco, se consolidando, e os
conflitos gerados por esse movimento irão se
refletir no espaço urbano.
16º SHCU
30 anos . Atualização Crítica
4. Trecho contido em: Posturas Policiais da Câmara da Vila
1302 Real da Praia Grande (1833) apud Campos (2004, p.145).
O século XX e as principais intervenções tante campo disciplinar para tratar dos proble-
urbanísticas mas resultantes da urbanização rápida e caótica
— a ciência da organização espacial da cidade.
Baseado no planejamento urbano moderno de
Como vimos, no final do século XIX, a cidade de
Hausmann5, a cidade do Rio de Janeiro passou
Niterói começava a transformar a sua forma ur-
por um período que revolucionou sua forma urba-
bana a partir das intervenções urbanísticas ci-
na, sob o comando do prefeito Pereira Passos. A
tadas e a apresentar elementos característicos
reforma urbana, conhecida popularmente como
dos centros urbanos. Até então, a ocupação de
“bota-abaixo”, surgiu como uma resposta ao cres-
Niterói era rarefeita, situando-se de maneira mais
cimento rápido e desordenado, intensificado pela
densa na Praia Grande e em São Domingos. Os
imigração europeia e pela transição do trabalho
planos urbanísticos, que procuraram substituir
cativo para o trabalho livre.
os caminhos tortuosos por praças e ruas retilí-
neas de idêntica largura, com o desenho de uma No outro lado da Baía de Guanabara, em Niterói,
malha xadrez, estavam em consonância com as a vida urbana se intensificava com a entrada de
aspirações da sociedade rumo a instâncias ad- outros agentes socioeconômicos. Estavam sendo
ministrativas superiores. Além de significarem criados bancos, veículos de imprensa locais, com-
grandes avanços no que diz respeito à capacidade panhias de seguros, assim como a incipiente in-
governamental de intervenção, as alterações no dústria de tecidos. A necessidade da adaptação do
espaço apresentavam também os signos da nova espaço urbano às transformações foi concretizada
ordem urbana. com uma fase de obras de urbanização e constru-
ção de prédios públicos, já no início do século XX.
O final do século XIX trouxe grandes mudanças no
Anos antes, entre 1893 e 1894, a cidade havia sido
processo de estruturação das cidades brasileiras,
devastada pela Revolta da Armada, resultando na
especialmente no estado do RJ. Tanto no que diz
transferência da capital para Petrópolis, no mes-
respeito aos processos sociais que dão forma,
mo ano de 1894. A capital voltaria para Niterói em
função e significação ao espaço, quanto na apa-
19036, reforçando a necessidade de readaptação
rência e na organização interna da cidade (ABREU,
da imagem da capital republicana (AZVEDO, 1997).
1987, p.30-35). A estrutura da sociedade, fundada
a partir de relações de produção arcaicas, de base
escravista, passariam a conviver com elementos 5. Georges-Eugène Hausmann (1809-1891) foi um importante
novos, típicos do capitalismo urbano-industrial. arquiteto francês. Durante o século XIX, foi responsável pela
Lembrando Francisco de Oliveira, a formação reforma urbana de Paris, determinada por Napoleão III, e
social brasileira fundava-se “[...] introduzindo tornou-se um dos grandes nomes da história do urbanismo
relações novas no arcaico e reproduzindo relações mundial. A intervenção radical que realizou na cidade, nos
moldes do funcionalismo modernista, destruiu a cidade
arcaicas no novo” (OLIVEIRA, 2003, p.60).
antiga, começando pelo alargamento das ruas (bulevares
monumentais sobre planos retilíneos), seguido pela demo-
O cenário político-econômico nacional era agi-
lição e reconstrução de diversos edifícios. Ficou conhecido
tado: as relações de trabalho mudaram com a
como “artista da destruição”.
abolição da escravatura, fazendo emergir a ques-
tão habitacional; a revolução industrial chegava, 6. A possibilidade de mudança da capital em caráter provisó-
introduzindo novas tecnologias nos processos rio estava prevista na Constituição aprovada em 1892, caso
surgisse algum acontecimento grave. Com os bombardeios
de produção; o declínio da produção cafeeira
iniciados em setembro de 1893, Niterói virou uma praça de
no interior do estado do Rio de Janeiro exigia
guerra, com comunicações cortadas e comércio fechado.
uma diversificação da economia de base agrária;
A Assembleia Legislativa ficou fechada até dezembro do
a instalação da República demandava um novo mesmo ano, quando voltou a funcionar, na cidade de Pe-
arcabouço legal e administrativo. Finalmente, trópolis. Niterói perdeu também, nesta época, a sede do
vivia-se um intenso período de modernização bispado, transferida para Campos dos Goytacazes. Após o
urbana, no qual havia necessidade de adequar a período turbulento, cresceu o movimento em prol da volta
forma urbana às necessidades de concentração da capital para Niterói, contando com o apoio de políticos
e acumulação de capitais. como Quintino Bocaiúva. E, em 20 de junho de 1903, Niterói
voltou à condição de capital e centro político do estado, de
Na Europa, o urbanismo se firmava como impor- acordo com o decreto 801 de 6 de junho (WEHRS, 1984, p. 90).
EIXO TEMÁTICO 2 O esforço de consolidação da urbanização na
cidade ficou conhecido como “Renascença Flu-
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS minense”, iniciando-se a partir do curto governo
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES de Paulo Alves, de janeiro a novembro de 1904.
A ideia era adaptar a cidade aos novos padrões
de desenvolvimento capitalista através de inter-
venções urbanísticas, assim como acontecia do
outro lado da Baía, na cidade do Rio de Janeiro.
O processo de modernização niteroiense se in-
tensificaria durante o governo do prefeito Pereira
Ferraz (1906-1910), com melhorias no saneamento,
calçamentos, aberturas de ruas etc. (SOARES,
1992).

Nesse contexto, vão surgir os edifícios no centro


que simbolizavam o status de capital, tais como:
o Palácio Araribóia (1904), Prefeitura Municipal
(1904), a Câmara Municipal (1908), o prédio dos
Correios e a Estação das Barcas, em 1908. Houve
também remodelação e criação de largos, par-
ques e praças, como: o Largo de São Domingos
(1905); o Campo de São Bento, em Icaraí (1910); a
Praça Enéas de Castro, no Barreto (1910); a Praça
Araribóia e o Jardim São João, no Centro (1911);
e a Praça General Gomes Carneiro, conhecida
com Rink, no Centro da cidade (antigo Largo da
Memória), em 1913.

À essa altura, a ocupação urbana de Niterói


já estava se configurando com a separação
entre zona norte e zona sul, tendo o Centro
multifuncional como concentrador de serviços
e atividades. Na zona sul, Icaraí se destacava pelo
traçado planejado e regular, sendo ocupado, pre-
dominantemente de forma sazonal, como local
de veraneio. Já a zona norte, que se expandia em
direção ao Barreto e São Gonçalo, destacava-se
pelo uso industrial e pela presença das primeiras
fábricas (fósforos e tecidos), assim como pelo
surgimento das primeiras vilas operárias. Assim,
enquanto a elite da capital se concentrava nos
bairros do Fonseca, Centro, Icaraí e Ingá, a zona
norte (Barreto e São Gonçalo) já se constituía como
principal local de moradia proletária e da popu-
lação migrante do interior do estado (AZEVEDO,
1997; SOARES, 1992).

O início de século também foi marcado pela ins-


tabilidade política, que ficava visível com a dispu-
16º SHCU ta de poder entre as oligarquias do estado, com
30 anos . Atualização Crítica
predominância do grupo político liderado por Nilo
1304 Peçanha, conhecidos como “nilistas”. Nilo Peça-
nha, que assume seu primeiro mandato à frente
do Estado do Rio de Janeiro em 1903, teve seu
governo marcado pelo corte de despesas e pela
criação de serviços públicos essenciais. Além
disso, no plano administrativo, criou as quatro
primeiras prefeituras do estado e os cargos de
prefeito para Niterói, São Gonçalo, Campos dos
Goytacazes e Petrópolis, com base na Reforma
Constitucional de 1903 (SOARES, 1992, p. 17-18).

Como já mencionado, para a capital fluminense,


foi nomeado Paulo Alves, engenheiro precursor
das reformas urbanas na cidade, que governou
por menos de um ano com grande oposição na
cidade. Durante seu governo, aumentou impostos
e pregou o fim dos cortiços, apesar de incentivar
a construção das primeiras vilas operárias, assim
como o turismo e a preservação ambiental.

A derrota de Nilo Peçanha para Artur Bernardes


(1922) põe fim ao predomínio dos nilistas no ce-
nário político, dando lugar ao grupo liderado por
Feliciano Sodré. Segundo Vasconcellos (1998),
este foi considerado o governo mais produtivo da
Primeira República. Em parceria com o prefeito
Villanova Machado (1924-1926), foi realizado um Figura 3: Perspectiva do arruamento projetado para o
grande volume de obras de urbanização e sa- porto (Ilustração da Comissão Construtora do Porto; Fonte:
neamento, com intervenções de grande escala. Livro da CCP, 1927) comparado à Imagem de satélite (Google
Realizou os projetos de aterro do Mangue de São Earth) da área atualmente (Fonte: Google Earth, 2019).
Lourenço e a derrubada do Morro da Conceição.
Além disso, ainda urbanizou a Praça da República
e estendeu os trilhos da estrada de ferro até a Outras obras importantes nesta mesma época
Praça Renascença. foram o alargamento da Rua da Conceição, em
A construção do Porto de Niterói (1911), foi idealiza- 1917 na área central, a inauguração da Alameda
do entre a Ponta D´Areia e o Porto do Méier (Ense- São Boaventura, em 1909 na zona norte, e o alar-
ada de São Lourenço). Seguindo a linha higienista gamento da Estrada Leopoldo Fróes, em 1912, que
em voga na época, foi aterrado o manguezal da conectava os bairros de Icaraí à São Francisco.
enseada de São Lourenço, a partir de desmontes Merecem ser destacados também a construção
de morros (Dr. Celestino e do Bispo) e os casebres,
da Assembleia Legislativa, Palácio da Justiça,
considerados “ferida cancerosa da cidade”, fo-
ram removidos O aterrado de 357.000 m² liberou sedes do poder legislativo e judiciário (a sede do
novas áreas para o uso urbano, dinamizando o poder executivo já era no Palácio do Ingá desde
traçado da cidade e a ligação interurbana através 1904). Além dos dois edifícios, também foi cons-
de ruas semicirculares e radiais (em leque), que truída a Biblioteca Estadual. O conjunto eclético
desembocavam numa grande avenida paralela de edifícios compunham a Praça da República
ao cais (av. Feliciano Sodré) — principal artéria do
(1927), constituindo o espaço de poder e símbolo
sistema — e convergiam para uma praça central, a
da identidade niteroiense (AZEVEDO, 1997, p.49).
Renascença (Figura 3) (AZEVEDO, 1997, p.45-46).
Nos anos 1930, o ideário modernista chega de vez
à cidade de Niterói através da proposta de remo-
delação da cidade contida na tese de doutorado
EIXO TEMÁTICO 2 do arquiteto Atílio Correa Lima7, defendida em
Paris, contemporaneamente ao Plano Agache no
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS Rio de Janeiro. Segundo Azevedo (1997, p.50), o
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES arquiteto estava “[...] baseado na convicção de que
Niterói é uma extensão do Rio de Janeiro”. Essas
ideias influenciaram fortemente as seguintes
intervenções contidas no Plano de Urbanização e
Remodelação da cidade (gestão de Brandão Júnior
1937-1945): abertura da Avenida Amaral Peixoto,
Aterro da Praia Grande (Decreto nº 2.441/1940) e
a parcelamento urbano da Região Oceânica.

A abertura da Avenida Ernani do Amaral Peixoto


(Figura 4), em 1942, reestruturou o espaço urbano
do centro da cidade. Foram demolidos cerca de
230 prédios para dar lugar a uma avenida de 1
quilômetro de extensão e 20 metros de largura.
O padrão de ocupação proposto foi o de grandes
edifícios (alto gabarito) com galerias de lojas no
térreo. A reportagem do Jornal “O Fluminense”
antecipava os impactos:

As obras que vão ser iniciadas farão da ca-


pital fluminense uma das mais modernas
cidades do Brasil e da América, modificando
assim inteiramente seu aspecto vetusto que
mais avilta em contraste com a capital ca-
rioca (JORNAL O FLUMINENSE, em 6 de fe-
vereiro de 1942 apud KRYKHTINE, 2011, p.15).

7. Merece ser destacado que o projeto-tese “Avant Projet


d’Aménagement et d’Extension de la Ville de Niterói” (1930),
defendido no Institut d’Urbanisme de Paris (IUP) já mencio-
nava o problema das favelas no município. O autor previa
a construção de uma cidade operária, com habitações
16º SHCU
econômicas, individuais e de responsabilidade estatal,
30 anos . Atualização Crítica
no Barreto. Completariam a utopia do arquiteto a cidade
1306 universitária no Cubango e a cidade-jardim em Piratininga.
Figura 4: Estudo comparativo da tipologia dominante no Centro antes e depois da Avenida Amaral Peixoto, à esquerda,
e foto da Avenida Ernani do Amaral Peixoto, sem Data. Fonte: KRYKHTINE, 2011, p. 9.

É interessante notar que a produção do espaço


urbano de Niterói, mais uma vez, ocorre a reboque
das transformações ocorridas na cidade vizinha do
Rio de Janeiro. Nesse período, Niterói ocupou o “ [...]
segundo lugar nacional em volume de obras ur-
banas, perdendo apenas para o Rio de Janeiro”
(BACKHEUSER, 1994 apud SALANDÍA, 2006). A
constante comparação entre as duas cidades sur-
gia quase como uma obsessão dos governantes
de Niterói e, como se verá a seguir, tratam-se de
investimentos urbanos em que o Estado manti-
nha estreitas relações com a iniciativa privada,
representada pela construção civil.
Figura 5: Foto aérea do Aterro da Praia Grande, durante o
A megalomania dos governantes ficaria ainda início da década de 1970. Fonte: Centro De Memória Flu-
mais evidente com a consolidação do Aterrado minense – Coleção Carlos Mônaco – Série Júlio Figueiredo
Praia Grande (Figura 5), sancionado no decreto-lei
federal nº 2.441 de 23 de julho de 1940, que autori- Somente no ano de 1970 a obra do Aterro da Praia
zou a Prefeitura de Niterói a executar o Plano de Grande foi realizada, ainda que parcialmente, im-
Urbanização e Remodelação da Cidade. O projeto plicando em grandes modificações no litoral do
permitiu o aterro da faixa litorânea central entre bairro de São Domingos. O antigo cais e as pontes
a Ponta da Armação e a Praia das Flechas, com de atração foram demolidos, já que não eram mais
aproximadamente 1.000.000m² de área. O parce- utilizados. Em 1977, a parte sul do Aterro da Praia
lamento recebeu o nome de Jardim Fluminense, Grande foi desapropriada pelo governo federal
com mais de mil lotes, só sendo aprovado pela através do Decreto 80.693 de 09/11/1977 para a
Prefeitura em 29 de agosto de 1967, compreen- construção do campus da Universidade Federal
dendo as áreas denominadas Enseada da Praia Fluminense.
Grande, Enseada de São Domingos e Morro do
Gragoatá. Atualmente, é uma região caracterizada Em 1943, foi iniciado o plano de urbanização da
no PUR das Praias da Baía como Área de Especial Região Litorânea de Itaipu e Piratininga, sendo
Interesse Urbanístico (AEIS) (BARROS, 2007, p.89). aprovado os loteamentos “Cidade Balneária de
Itaipu”, em 1945, “Maravista”, em 1949, “Marazul”,
em 1951, e o “Bairro de Piratininga”, em 1952. É
interessante notar que esses loteamentos fo-
mentaram a expansão urbana da cidade rumo
à área periférica, esgarçando o tecido urbano.
EIXO TEMÁTICO 2 Atualmente, com a instalação do túnel Charitas-
-Cafubá, a Região Oceânica é um importante ve-
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS tor de crescimento da cidade, com significativa
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES valorização fundiária.

A partir da década de 1950, intensificou-se o pro-


cesso de ocupação urbana. A área plana da cidade
entre a Baía de Guanabara e os morros do maciço
central já estava densamente ocupada. Os bairros
do Barreto e Engenhoca destacavam-se pela ati-
vidade industrial, e os bairros da orla (Icaraí, Boa
viagem e São Francisco) pelo uso residencial das
classes média e alta. Destacam-se também neste
período importantes obras viárias como a Avenida
do Contorno, dinamizando o tráfego entre Niterói e
São Gonçalo, e a abertura do túnel Roberto Silveira
conectando os bairros de Icaraí e São Francisco.

Nos anos 1960, foram loteados os últimos bairros


da região Praias da Baía: Vital Brazil e São Fran-
cisco. Com a inauguração da Estrada Francisco da
Cruz Nunes e da abertura da Estrada da Cachoeira,
consolida-se a ocupação da Região Oceânica.
Até então, a região tinha uma esparsa ocupação,
restrita à orla, com predominância de residências
de veraneio. Segundo Figueiredo (2014, p.33), “[...]
o impulso de ocupação urbana será dado pelo
modelo de ocupação em condomínio horizontal
fechado (enclaves fortificados) ”.

De poucos anos para cá toda a região de


Piratininga e Itaipu sofreu uma transfor-
mação acentuada; com os loteamentos de
grandes áreas, surgiram bairros inteiros da
noite para o dia, estimulados pela desen-
freada especulação imobiliários. Melhora-
ram estradas antigas, outras novas foram
construídas (...) Grandes áreas foram assim
retalhadas e vendidas para um público des-
lumbrado pelas atrações paisagísticas do
lugar, embora sem contar com o abasteci-
mento regular de água e serviço de esgotos
(WHERS, 1984, p.207).

A década de 1970 representou importantes trans-


formações na estrutura urbana da cidade de Ni-
terói. Em razão da Lei de Fusão (1975), o Estado
do Rio de Janeiro e o antigo Estado da Guanabara
foram unificados e, como consequência, a capital
foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro.
16º SHCU Outro fato de grande relevância foi a inauguração
30 anos . Atualização Crítica
da Ponte Presidente Costa e Silva (Lei 5.512 de
1308 17/10/1968), com extensão total de 13,29 km, dos
quais 8,83 km são sobre a água, ligando Niterói cípios adjacentes e forte expansão da produção
ao Rio de Janeiro (Figura 6). Com isto, o proces- imobiliária em Niterói. Como consequência do
so de urbanização dos municípios situados no surto imobiliário, foi elaborado o primeiro Código
Leste Fluminense foi exacerbado, gerando um de Obras (Deliberação nº 2.705/70) do município
aumento na migração da população dos muni- (BARROS, 2007).

Figura 6: Localização da Ponte Rio-Niterói, à esquerda (Fonte: PMN/UDU) e construção da Ponte Rio-Niterói, durante a
década de 1970 (Fonte: Agência O Globo/Eurico Dantas)

Esses dois fatos têm grande importância para argumentam que, desde a fundação da cidade,
o entendimento da construção do espaço urba- passando pela sua herança indígena e colonial,
no e dos sistemas que compõem a sociedade. A a cidade sempre esteve associada ao município
construção da Ponte Rio-Niterói significou um vizinho do Rio de Janeiro, como uma espécie de
intenso surto demográfico na cidade de Niterói. complementaridade. Assim, a construção da iden-
De acordo com dados do Censo (IBGE), em 1960, tidade niteroiense estaria ligada à imagem do RJ
a população residente era de 243.168 habitan- até meados dos anos 1990.
tes, em 1970 já haviam 324.246 habitantes e, em
1980, 397.123 habitantes. Segundo Aono (2012,
p.82-83), a rápida expansão demográfica deu-
-se em função da busca por terras baratas para CONSIDERAÇÕES FINAIS
moradia, sobretudo da classe média. Através da
vocação habitacional, a cidade se transformava Como vimos, desde 1834, com a transformação da
na “cidade dormitório”, o que representou um forte Província do Rio de Janeiro em Estado, e a eleva-
desenvolvimento do mercado imobiliário, intensa
ção do município de Niterói à condição de capital
verticalização nos bairros da zona sul e expansão
da Província do Rio de Janeiro, até 1975, quando
para Região Oceânica.
ocorreu a fusão dos antigos Estados da Guana-
Já a perda da capital teve um significado menos bara e Estado do Rio de Janeiro, o município de
objetivo, mas não menos importante. Segundo Niterói teve sua paisagem e história marcados pela
Oliveira & Mizubuti (2007), a mudança da capital proximidade com o Rio de Janeiro, o que influen-
para o Rio de Janeiro, “esmaeceu paulatinamente ciou fortemente a sua imagem e representação
a importância de Niterói no cenário político e como cidade. Além disso, é possível identificar
econômico do estado, assim como a identida- que os principais vetores de crescimento refletem
de do niteroiense que dominava até então, ins- a divisão espacial do trabalho ao nível da Região
taurando-se, assim, um “vazio” identitário que Metropolitana, ditados pelos interesses do capital
perduraria até meados dos anos 90”. Os autores imobiliário e poderes locais (MIZUBUTI, 1986, p.49).
EIXO TEMÁTICO 2 Conforme aponta Azevedo (1997, p.55), as prin-
cipais caraterísticas que configuram a evolução
HISTÓRIA, URBANISMO E OUTROS CAMPOS urbana do município de Niterói são “a reprodução
DO CONHECIMENTO SOBRE AS CIDADES da forma de ocupação do Rio de Janeiro, a loca-
lização do Centro em frente ao Rio de Janeiro e
a segregação espacial por faixas de renda”. Essa
similaridade entre os dois processos de ocupação
foi descrita por Geiger (1961):

Nesse sentido, certos setores da capital


carioca têm traçados semelhantes aos de
Niterói; nesta cidade igualmente, o relevo,
ainda que menos rigoroso, determinou ge-
ralmente as formas de ocupação. Constata-
-se que nas duas cidades, os centros de ati-
vidades se encontram nas proximidades da
estreita entrada da baía. As classes sociais
elevadas, nas duas cidades, instalaram-se
na costa, ao sul, ou nos vales e encostas de
suas respectivas zonas setentrionais. As zo-
nas industriais são paralelas, nas margens
pantanosas do interior da baía, enquanto
que a s classes populares fixaram-se nos
subúrbios da zona norte, onde se encontram
igualmente os estabelecimentos industriais
(GEIGER, 1961 apud AZEVEDO, 1997, p.55).

A autora (Idem) ainda complementa, explicando


que “a forma de apropriação dos novos espaços
se deu de forma anárquica e espontânea, não pre-
cedida de planos globais, caracterizando-se pela
fragmentação e medidas pontuais” (AZEVEDO,
1997, p.56). Nesse sentido, podemos notar que o
processo de estruturação do espaço intra-urbano
ocorreu de forma descontínua e nem sempre foi
acompanhado de estudos que levassem em conta
a complexidade da cidade, enfatizando somente
a condição de capital republicana.

É interessante notar como a adoção de políticas


urbanas de forma fragmentada e pontual permanece
até os dias atuais como uma marca das gestões
municipais da cidade, como apontam estudos
recentes8. O que se observa, em muitos casos,
é que a adoção do planejamento pontual passou
a nortear as estratégias dos agentes públicos
que comandam a produção do espaço urbano,
desrespeitando as escalas de planejamento e
subordinando o interesse público às exigências
16º SHCU
do capital privado, em especial, o imobiliário.
30 anos . Atualização Crítica

1310 8. Pereira (2018; 2019) e Gorham (2018), dentre outros.


Portanto, a partir da análise crítica do processo REFERÊNCIAS
histórico de ocupação do território, podemos con-
cluir que: (i) a passagem da estrutura rural, predo- [Livros]
minante até meados do século XIX, para o sistema
urbano aconteceu de maneira rápida, motivada ABREU, M. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro.
pela relevância que a cidade assumia enquanto Rio de Janeiro, IPLANRio/Zahar, 1988.
capital republicana; (ii) durante esse processo,
Niterói se manteve fortemente influenciada pelo MARX, M. Cidade no Brasil. Terra de Quem? São
município do Rio de Janeiro, seja na paisagem Paulo: Nobel/ EDUSP. 1991.
urbana ou nos valores culturais e urbanidades; (iii)
o processo de modernização urbana teve como OLIVEIRA, F. A economia brasileira: crítica à razão
objetivo adaptar o espaço e a forma urbana às dualista. São Paulo: Boitempo Ediorial, 2003 [1981].
necessidades de concentração e acumulação de
PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI. Niterói do
capitais; (iv) os vetores do crescimento urbano
Século XXI: 1º Módulo do Plano Diretor. Consolida-
em Niterói se definiram obedecendo a estrati-
ficação da renda, na qual as frações de rendas ção das Informações Disponíveis. Secretaria Muni-
mais elevadas se dirigiram para certas porções cipal de Urbanismo e Meio Ambiente. Niterói, 1991.
do território, normalmente mediadas pelo mer-
SOARES, E. A prefeitura e os prefeitos de Niterói.
cado imobiliário, enquanto os segmentos sociais
Niterói: Êxito,1992.
mais empobrecidos, de forma mais ou menos
concentrada e homogênea, tenderam a ocupar os WEHRS, C. Niterói: Cidade Sorriso – A história de
bairros periféricos, predominantemente na Zona um lugar. Rio de Janeiro. 366p.1984.
Norte. Essa divisão social do espaço foi iniciada
no século XIX e se acentuou ao longo do século
XX; e (v) a manutenção do planejamento urbano
fragmentado e pontual na implementação das [Artigos]
políticas públicas.
KRYKHTINE, C. Avenida Amaral Peixoto: O
Modernismo e o Colonial na abertura de uma via
monumental, 2011.

OLIVEIRA, M.; MIZUBUTI, S. Do Local ao Global:


Jogo Político, Paisagem e Construção de uma
Nova Identidade para a Cidade - Niterói, RJ,
Brasil. 2007.

OLIVEIRA, M. O Retorno à Cidade e Novos Ter-


ritórios de Restrição à Cidadania 2ª Edição. In:
Docentes do Programa de Pós-graduação em
Geografia da UFF. (Org.). Território, Territórios
-Ensaios sobre o Ordenamento Territorial. 2ª
ed. Rio de Janeiro /Niterói: DP&A / PPGEO-UFF,
2006, p. 173-198.

__________. Niterói: o jogo político e sua reper-


cussão na paisagem cultura e representações.
Revista Espaço e Cultura, n. 25, p.69-83 UERJ,
RJ, jan/jun de 2009.

PEREIRA, R. A Cidade De Niterói: Política


Urbana, Valorização Do Solo E Habitação. In:
Anais do XV Seminário de História da Cida-
de e do Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro

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