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Rubenilson B. Teixeira E2.

A5 - A marcha para a urbanização

E2.A5 – A MARCHA PARA A URBANIZAÇÃO

 Esta aula tem dois objetivos, que se refletem nos dois itens que a compõem: o
primeiro trata, de certa forma, de uma revisão das aulas anteriores do enfoque 2,
pois analisa resumidamente como ocorreu a evolução da cidade potiguar e sua
relação com o território, a partir das funções que a primeira exerceu ou assumiu ao
longo do tempo, em relação a este último. Ao tratar deste assunto, ele também
analisa o modelo ou tipologia de surgimento ou gênese da cidade potiguar, em
diferentes períodos. O segundo objetivo, aliado ao primeiro, é apreender como a
evolução funcional da cidade potiguar resultou no crescimento dos núcleos urbanos
do Rio Grande do Norte na primeira metade do século XX. O crescimento urbano
então verificado pode ser visto como a continuidade de um processo de urbanização
que se justificou historicamente graças às funções que os núcleos iniciais exerceram
em épocas passadas.

1. GÊNESE E EVOLUÇÃO, CIDADE E TERRITÓRIO: O CASO DA CIDADE


POTIGUAR

 O nascimento e evolução de uma cidade podem estar intimamente relacionados à


dinâmica das funções que ela exerce, de modo deliberado ou não, em relação ao
território. Em outras palavras, a gênese e a evolução da cidade são afetadas pelas
funções que ela deve supostamente cumprir em sua relação com o território ao longo
do tempo. Nascimento, evolução, estagnação, morte e renascimento de uma cidade
podem, portanto, ser apreendidos a partir de uma relação funcional que ela mantém
com o território ao longo do tempo.
 É este, precisamente, o objetivo de nossa exposição. Ao longo deste trabalho,
tentaremos responder as seguintes questões: 1) É possível identificar etapas
históricas que são determinadas a partir da identificação de funções específicas
exercidas pelas aglomerações e direcionadas ao território?; 2) Existem, por ventura,
modelos ou tipologias de nascimento da cidade potiguar, para cada etapa assim
definida? 3) É possível perceber momentos de nascimento, evolução, estagnação
ou involução do fato urbano, ou de nascimentos e renascimentos da cidade potiguar,
que se verificam segundo parâmetros sociais, econômicos e físico-espaciais, em
cada etapa ou ao longo delas? 4) Os diferentes momentos citados podem ser
relacionados, por sua vez, à evolução das funções que a cidade exerce?
 Não pretendemos nos deter a uma cidade específica, mas desejamos buscar, nos
casos estudados, exemplos que ilustrem diversos pontos que desejamos abordar. A
tentativa de resposta, ainda que parcial, à primeira pergunta acima fornece a
estrutura da presente análise. Os indícios atualmente analisados indicam que é
efetivamente possível estabelecer as etapas históricas a que se refere a pergunta
em questão. Assim, propomos a seguinte estrutura, definida segundo o parâmetro
da relação cronológica e funcional entre a cidade e o território: 1) A cidade da
conquista do território (sec. XVI E XVII); 2) A cidade da apropriação do território (sec.
XVIII); 3) A cidade da integração do território (séc. XIX E XX). Nós vamos apresentar
um rápido esboço das três etapas assim definidas a partir das evidências de que
dispomos. Este esboço foi utilizado em uma publicação1 e serve, em boa, parte,
como revisão de alguns aspectos já tratados em aulas anteriores deste curso.

1 TEIXEIRA, Rubenilson Brazão; FERREIRA, Angela Lucia. De la ville de la conquête a la ville moderne
ou les métamorphoses de la fonction militaire de Natal et Assu. In: Laurent Vidal. (Org.). La ville au Brésil
(XVIIIe-XXe siècles): naissances, renaissances. Paris: Les Indes Savantes, 2008, v. , p. 61-74. Ver
também :
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1.1. A cidade da conquista do território (s. XVI e XVII)


 O processo de conquista do território da antiga capitania do Rio Grande é lento e
pleno de obstáculos, representados principalmente pela ameaça interna (indígena,
principalmente durante a guerra dos Bárbaros, sec. XVII) e externa (franceses – sec.
XVI e holandeses - sec. XVII)
 As primeiras aglomerações que surgem nesse período têm, entre outras, uma visível
função militar de conquista do território (Natal, fins do sec. XVI; Assu, fins do século
XVII; os cinco aldeamentos de Apodi, Guajiru, Guaraíras, Igramació e Mipibu, que
deram origem a cidades do Estado atual, além de outros desaparecidos, em fins do
século XVII e início do XVIII).
 Esta função se manifesta tanto em termos físico-espaciais e de localização
topográfica e geográfica determinadas, como em termos das ordens sobre sua
fundação, no caso de Natal e Assu; as demais aglomerações são aldeamentos, que
têm por sua vez, características físico-espaciais que lhes são próprias, e surgem em
função de um outro grupo-alvo, o indígena, para exercer funções que, embora
intimamente relacionadas à conquista do território, são de diversas ordens.
 Embora todas sejam cidades da conquista, percebe-se, pelo item anterior, dois
modelos distintos de nascimento e evolução da cidade, nesse período. O primeiro é
oriundo de ordens régias, com claros objetivos militares de conquista, embora que,
no caso de Natal, trate-se também de funções administrativas. Ambos os modelos
de nascimento acarretam determinadas especificidades sociais, econômicas e
físico-espaciais na gênese urbana.
 A dinâmica do nascimento, renascimento, estagnação e até morte é perceptível já
nessa fase. As aglomerações têm grande dificuldade em subsistir, e alguma
desaparecem antes de nascerem efetivamente. Outras passam por momentos de
abandono e de retomada de seu crescimento. Outras, ainda, vegetam durante esta
etapa, para terem momentos de crescimento em fases posteriores.
 A dinâmica da evolução das cidades tem necessariamente a ver com sua função de
conquista do território, embora não esteja limitada exclusivamente a esta função.

I.2. A cidade da apropriação do território (s. XVIII)


 Ao longo do século XVIII, as ameaças que pairavam sobre a soberania da região
desaparecem ou se tornam menos intensas. A cidade pode finalmente florescer,
desta vez com a função de apoio direto ao processo de apropriação do território, que
ocorre: 1) pelo apoio que a cidade fornece à pecuária, principal atividade econômica
e de colonização da região; 2) por um início tímido do desenvolvimento de funções
administrativas, com o surgimento das primeiras vilas, na segunda metade do século
XVIII.
 Nesta etapa também é possível distinguir dois grupos de cidade, as de nascimento
espontâneo, profundamente relacionadas à atividade pecuária, e as cidades mais
antigas, da etapa anterior. As do primeiro grupo detêm uma tipologia de nascimento
bastante típica, que se inicia pela fazenda, passando pela capela e pela doação de
um patrimônio fundiário a igreja, entre outros aspectos. As dos segundo grupo, mais
antigas, exercem mais claramente a função de integração tanto social quanto
econômica do território, uma vez que passam, em geral, por um processo de
consolidação que se manifesta em termos administrativos, pois se tornam vilas. A
maioria delas sofre alterações reais ou projetadas em seu espaço urbano, típicas
das políticas de Pombal, o que serve como outro elemento de distinção em relação
ao primeiro grupo.
 Nessa etapa, o crescimento urbano é, em geral, lento, com raras exceções. Em
todos os casos, porém, a relação da cidade com a atividade pecuária parece ser a
razão maior do nascimento e da evolução da mesma. Somente as cidades do litoral
parecem demonstrar um tímido desenvolvimento da atividade comercial.

I.3. A cidade da consolidação do território (s. XIX e XX)

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 Embora preocupações com a integração do território pareçam efetivamente existir


desde as políticas de Pombal, é a partir do século XIX que elas se tornam explícitas
e são procuradas com afinco, pelas autoridades da província, que inicia seu
processo de modernização principalmente a partir de 1850. São várias as medidas
que expressam o desejo explícito de integração do território, seja do ponto de vista
jurídico, político-administrativo ou outro, que se refletem, inclusive, em projetos de
consolidação da precaríssima rede urbana da província.
 A cidade dessa etapa vai necessariamente refletir as novas funções que lhe são
impostas. Ela se constitui na base de toda e qualquer iniciativa para o
desenvolvimento, que se pauta fundamentalmente nas políticas de estímulo ao
comércio, por um lado, e pela organização político-administrativa, por outro.
 Em relação a função comercial, a cidade reflete em sua forma, uma série de
elementos que demonstram que já não é mais a atividade pecuária que lhe justifica
a existência, conquanto continue a ser relevante, mas o desenvolvimento do
comércio. Esse processo se acelera no século XX, com o desenvolvimento posterior
dos serviços, função que compete e às vezes supera a própria função comercial dos
centros urbanos desde então.
 Em termos político-administrativos, por sua vez, a cidade de integração do território
se manifesta no crescimento do número de municípios, notadamente a partir de
1850, com um outro grande impulso na mesma direção após 1950. De qualquer
forma, as funções comerciais e político-administrativas tendem a aproximar as
diferentes cidades em suas características sociais e físico-espaciais, ainda que, do
ponto de vista da evolução do comércio, haja diferenças de escala bastante visíveis
entre elas, algumas tendo grande impulso, outras entrando em processo de profunda
estagnação.
 Quanto ao modelo de surgimento da cidade nesse período, ele guarda alguns
elementos comuns ao verificado para as cidades de nascimento espontâneo da fase
anterior, mas com diferenças importantes. Por exemplo, a doação de terras para
patrimônio da igreja tende a desaparecer nesse período. No século XX, o processo
de gênese da cidade tende a seguir diferentes modelos, que pouco ou nada têm a
ver com aquele pautado na igreja e no patrimônio fundiário religioso como elemento
estruturador inicial da aglomeração, com todas implicações implícitas nesse modelo.

CONCLUSÃO
 O estudo da evolução das funções historicamente exercidas pelas aglomerações e
sua relação com o território aponta interessantes pistas de análise do fenômeno do
nascimento e renascimento da cidade potiguar ao longo da história.
 A abordagem proposta permite indicar não somente momentos de nascimento de
diferentes tipos e categorias de núcleos urbanos, mas de identificar modelos de
surgimento da cidade, que surgem em épocas diferentes, por razões diferentes, e
que estão profundamente relacionadas ao território.
 A análise permite ainda lançar luz sobre alguns aspectos específicos do fenômeno
urbano – as características físico-espaciais ou mesmo étnicas, por exemplo –
segundo grupos de cidades, aspectos que podem se relacionar a determinadas
funções que as aglomerações devem exercer
 Finalmente, a análise torna possível acompanhar e principalmente compreender
etapas de nascimento, evolução, estagnação, morte ou renascimento de cidades
específicas, ao longo das diferentes etapas propostas neste trabalho.

2. A MARCHA PARA A URBANIZAÇÃO

 O período que analisamos neste momento testemunha da consolidação, bem ou


mal, das funções urbanas das quais tratamos na segunda parte. Observamos,
naquela ocasião, que as localidades exerciam concomitantemente um papel

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econômico e administrativo, sem qualquer relação direta ou indireta com


preocupações de ordem religiosa, como demonstra muito bem o processo de
separação entre a paróquia e o município ou, se recuarmos mais no tempo, o
desaparecimento das funções religiosas que se encontravam no nascimento destas
aglomerações, notadamente as de origem missioneira. Do ponto de vista da função,
nosso terceiro elemento chave, todas as aglomerações são igualmente, portanto, a
cidade dos Homens ao longo do período ora analisado. No lugar de insistir sobre
este ponto, a nosso ver já suficientemente tratado, tentaremos considerar a evolução
da urbanização no Rio Grande do Norte durante esta última etapa de nosso estudo.
Tal análise permitirá primeiramente apresentar um balanço final das doze
aglomerações de nosso universo de estudo. Ela servirá principalmente para criar o
pano de fundo necessário às considerações que nós desenvolveremos em seguida
sobre o uso e a forma urbana destas aglomerações.
 Durante a República Velha, a economia do Brasil se caracterizava profundamente
pela produção agrária com vistas à exportação, sob o controle das oligarquias
regionais. Após a Revolução de 1930, o Estado intervém cada vez mais com vistas
à industrialização, processo que se acelera verdadeiramente a partir dos anos 1950.
Estamos no período conhecido como o da “substituição das importações”, isto é,
uma fase na qual o contexto internacional obriga o Estado brasileiro a desenvolver
uma política industrial mais ousada e autônoma. A partir dos anos 1950, assistimos
a um processo acelerado de urbanização, impulsionado notadamente pela migração
das regiões mais pobres, como o Nordeste, em direção aos grandes centros urbanos
do sudeste do país, onde cidades como São Paulo e Rio de Janeiro concentrarão
os esforços mais visíveis do processo de industrialização. Este período, que
corresponde ao da Revolução industrial no Brasil, marca igualmente a intensificação
dos desequilíbrios regionais.
 O modelo agrário-exportador foi finalmente substituído por um modelo urbano-
industrial. O Estado republicano, cada vez mais presente e intervencionista, constitui
um dos agentes principais desta transformação. Trata-se verdadeiramente de uma
revolução industrial, certamente tardia, em relação aos países da Europa ocidental,
pois ocorre somente no século XX. Ela é mais demográfica do que tecnológica, uma
vez que os centros urbanos diretamente envolvidos no processo de industrialização
recebem um grande afluxo de população, bem além de sua própria capacidade. Da
mesma maneira, as outras cidades e metrópoles regionais, notadamente as capitais
litorâneas dos Estados da federação e os centros regionais de importância
econômica localizados no interior, atraem inúmeros migrantes, situação que gera
todos os problemas urbanos de ordem social, econômica e ambiental de nossos
dias.
 O Estado intervencionista subordina todas as outras regiões ao seu projeto de
industrialização do Sul, agravando assim os desequilíbrios regionais. Por exemplo,
a construção de estradas e de rodovias unindo diferentes regiões contribui
profundamente para o desenvolvimento da rede urbana em nível nacional,
principalmente após 1950. Num esforço de integração nacional, o Estado moderno
encoraja a industrialização do Nordeste, constrói a Transamazônia e Brasilia, três
facetas diferentes de uma mesma política de suporte do crescimento econômico e
industrial do Sudeste e do Sul. Os dois últimos projetos, realizados a partir dos anos
1960, são realizados nas regiões menos populosas do Norte e do Centro-oeste. Eles
tinham por objetivo complementar reforçar a integração do território nacional.
 Em 1940, a população total do Brasil atingia 41 236 315 habitantes. 31 % somente,
isto é, 12 880 182 habitantes, viviam nas cidades, e 69 %, ou seja, 28 356 133
habitantes, viviam na área rural. Em 1980, para uma população muito maior de 119
002 706 habitantes, 68 % viviam nas cidades, e 32 % na área rural, isto é,
respectivamente 80 436 409 e 38 566 297 habitantes.2 Trata-se de uma verdadeira
inversão, agravada pelo crescimento considerável da população ao longo desses 40
anos. Evidentemente, esta tendência só fez aumentar, a população urbana atingindo

2 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário esta tístico do Brasil, 1996. Vol. 56.

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78 % da população total em 1996, isto é 123 082 167 dos 157 079 573 habitantes.
Definitivamente, o Brasil se torna um país urbano ao longo do século XX.
 As dificuldades de desenvolvimento da província, em seguida do Estado do Rio
Grande do Norte são imensos. Elas se revelam, por exemplo, na necessidade de
melhorar as estradas, fator primordial de consolidação da rede urbana. Um dos
grandes obstáculos ao processo de modernização do Estado era o mau estado das
comunicações entre as diferentes aglomerações, durante todo o século XIX. As
classes dirigentes da província e do Estado republicano, constituídas pela burguesia
nascente, se preocupavam com o problema. Assistimos assim, a partir das duas
últimas décadas do século XIX, à criação e à extensão da rede ferroviária. O
desenvolvimento das estradas de ferro começa no litoral açucareiro, permitindo a
ligação entre as cidades produtoras e o porto de Natal. 3 A rede ferroviária continua
sua expansão até os anos 1960, totalizando 648 km, unindo alguns dos principais
centros urbanos. O sistema viário, desenvolvido a partir de 1909, adquire
verdadeiramente importância entre 1930 e 1960. Seguindo uma política nacional que
privilegia o transporte rodoviário, ele se torna efetivamente o principal meio de
comunicação entre as cidades. Cabe observar que tanto o sistema ferroviário como
o rodoviário principalmente, seguem parcialmente as antigas estradas de
escoamento do gado, primeiro sistema de comunicação entre as aglomerações.
Evidentemente, outros meios modernos de comunicação, desde o telégrafo, em
1878, chegam progressivamente ao Estado que, como em todo lugar, se beneficia
da evolução tecnológica dos novos tempos.
 Tendo em vista que o crescimento do número de municípios está em estreita relação
com fatores econômicos e outros que podem explicar o processo de urbanização,
nós devemos considerá-lo novamente, como fizemos em etapas anteriores de nosso
estudo. Assim, o Rio Grande do Norte conta 37 municípios em 1900. Nenhum
município é criado até 1920. Entre esse ano e 1950, um número pouco significativo
de 11 novos municípios é instituído. Certamente que a diversificação da economia,
uma certa industrialização,4 políticas do governo federal e do Estado que vão da
retenção de água através da construção de açudes no intuito de fixar as populações
à melhoria progressiva do sistema de comunicação e de transportes, representam
avanços econômicos essenciais durante os primeiros cinqüenta anos do século.
Entretanto, o progresso é em geral muito lento. A fraca integração de sua economia
em nível nacional, seu caráter essencialmente agrário e pouco desenvolvido, que se
manifesta na concentração da propriedade fundiária e numa industrialização quase
inexistente, constituem fatores que podem explicar a lentidão da urbanização de
então.
 O período compreendido entre 1950 e 1970 vê nascer os primeiros esforços de
industrialização no Nordeste, notadamente com a SUDENE - Superintêndencia de
Desenvolvimento do Nordeste - agência de desenvolvimento criada no contexto das
políticas de intervenção do Estado, em 1959. Este processo, aliado à crise do setor
agrário, vai favorecer a evolução das cidades. Em termos de desmembramentos
territoriais através da criação de novos municípios, nós assistimos, como foi o caso
na segunda metade do século anterior, a uma coincidência que não é fortuita entre
fatores estruturais e a aceleração da urbanização. Assim, entre 1950 e 1970, isto é,
num período de 20 anos, verifica-se um incremento muito sensível de 102
municípios, mais do que em toda a história do Rio Grande do Norte. Em termos
relativos, isso representa 112,5 % a mais, além dos 48 municípios existentes em
1950!

3 Assim foi construída a linha ferroviária de Natal a Nova Cruz, em direção da Paraíba, entre 1881 e 1883.
Estendendo-se por 120 km, ela liga a capital a cidades situadas no litoral. Outros percursos foram
construídos entre Natal e Ceará Mirim, em 1906. A empresa britânica The Great Western of Brazil Railway
Company desempenhou um papel capital na criação de nossas primeiras estradas de ferro. Ela
representa um exemplo, entre outros, da implicação do capital internacional nos esforços de
modernização do Estado.
4 Notadamente no domínio agrário, como a substituição do engenho pela usina de produção de açúcar e

o emprego de máquinas para uma melhor coleta do algodão.

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 A análise da evolução da população total, rural e urbana, entre 1940 e 1970 de


acordo com a tabela 1 abaixo, aponta outros indícios relevantes. A população do
Estado do Rio Grande do Norte, que era de 274 317 habitantes em 1900, atinge o
valor de 768 018 em 1940, o que representa um aumento de 179,97 % em quarenta
anos. Ela mantém assim uma taxa de crescimento elevado, constatada desde o
século anterior. Entre 1940 e 1970, este crescimento ainda é significativo, ou seja,
109,83 %. A população urbana aumenta igualmente de maneira considerável entre
1940 e 1970, e segue a tendência nacional. Em 1940, a população era urbana em
somente 21,38 %. Para o mesmo ano, a população urbana do Brasil correspondia à
31 % da população total. O Estado, como o país, era ainda rural em 1940.
 A distância entre os dois permanece constante. Para uma população urbana de
46,60 % no Rio Grande do Norte em 1970, esta população é de 55,92 % no Brasil,
durante o mesmo ano. Uma década depois, em 1980, a população urbana é
respectivamente de 59 % e 68 %. O percentual de 59 % corresponde a uma
população urbana de 1 140 697 num total de 1 933 126 habitantes no Estado.
Constatamos, desta forma, como a aceleração do crescimento da população urbana
segue a tendência nacional, isto é, que o Rio Grande do Norte se urbaniza, como
todo o Brasil, apresentando taxas de crescimento urbano mais elevados a partir de
1950. Em 1996, para uma população total de 2 558 660 habitantes, o Rio Grande do
Norte conta com uma população urbana de 1 843 486 habitantes, ou 72 % do total.
No mesmo ano, a população urbana total do Brasil era de 78 %. Trata-se, portanto,
de um Estado que se urbaniza. A distância diminuiu sensivelmente entre o Estado e
o país em 1996.

TABELA 1. POPULAÇÃO DO RIO GRANDE DO NORTE – 1940 A 1970

1940 1950 1960 1970


População N° hab. % N° hab. % N° hab. % N° hab. %
Urbana 164 248 21, 38 253 765 26,21 435 189 37,60 751 064 46,60
Rural 603 770 78,62 714 156 73,79 722 069 62,4 860 542 53,4
Total 768 018 100 967 921 100 1157 258 100 1611606 100

 Os números e os valores apresentados dizem respeito ao Rio Grande do Norte no


seu conjunto. Evidentemente, no interior do Estado, a exemplo do que ocorre para
a nação, há diferenças muito perceptíveis entre as cidades, de acordo com o seu
grau de inserção na economia urbana do Estado, do Nordeste e do Brasil. De modo
geral, a rede urbana potiguar é pouco desenvolvida, em razão de sua dependência
da agricultura. O Estado não passou por uma industrialização intensa, como foi o
caso no sul. Assim, havia, em 1940, 42 cidades no Rio Grande do Norte, 26 das
quais possuíam uma população de cerca de 2 000 habitantes. Natal era a única
cidade com mais de 50 000 habitantes. Durante os anos 50, a situação permanece
praticamente imutável, exceto para o município de Natal, que dobrou sua população
em uma década.
 A este respeito, já havíamos observado uma tendência ao crescimento urbano
desigual desde o século XIX, quando assinalamos os diferentes níveis de evolução
das cidades de nosso universo de estudo. No que diz respeito ao Estado como um
todo, ele ocupa, como o Nordeste em geral, um lugar secundário na economia
nacional, no contexto da formação dos desequilíbrios regionais no Brasil. O Rio
Grande do Norte ocupa, há muito tempo, um lugar periférico até mesmo no nível
regional. É o que explica a debilidade da rede urbana do Estado no final de nosso
corte histórico, durante a segunda metade do século XX. É neste contexto geral que
devemos compreender a evolução das aglomerações específicas de nosso universo
de estudo. As duas tabelas que seguem evidenciam a evolução pela qual elas
passaram, em termos de população, durante a primeira metade do século XX.

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TABELA 2. EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DOS 12 MUNICÍPIOS -


1920 A 1970

ORIGEM E NOME NÚMERO DE HABITANTES TAXA DE


CRESCIMENTO
DO MUNICÍPIO 19205 19406 1950 19707
1940-1970 (%)
NÃO MISSIONEIRA

Natal 30 696 54 836 103 215 264 567 382,47


Mossoró 20 300 31 874 40 681 97 381 205,52
Assu 24 779 23 448 27 259 25 288 7,84
Caicó 25 366 25 305 24 214 36 638 44,78
Acari 12 248 15 517 16 318 10 924 - 29,60
Extremóz8 9 062
Nísia Floresta 6 435 6 544 7 392 9 410 43,79
MISSIONEIRA

(Papari)
S. J. Mipibu 17 875 25 881 35 265 17 322 - 33,07
Vila Flor9 660 940 450 1 167 24,15
Arez 4 821 5 976 6 673 7 983 33,58
Apodi 12 369 16 647 15 336 21 084 26,65
Portalegre 4 655 8 099 10 545 6 168 - 23,84

 A fim de avaliar o crescimento da população de cada município, calculamos a


porcentagem respectiva entre os anos-marcos de 1940 e 1970, período ao longo do
qual o processo de urbanização se acelera. Estes dados são reunidos na última
coluna da tabela 2. O crescimento da população dos municípios de Natal e Mossoró
é o mais representativo, tanto em termos absolutos quanto relativos. Nós
observamos taxas de crescimento muito elevadas, de respectivamente 382,47 % e
205,52 %. Em 1970, os dois municípios se distinguem consideravelmente dos
demais, demonstrando assim sua situação econômica favorável no Estado. Todos
os outros possuem taxas de crescimento inferiores a 50 %. Acari, São José de
Mipibu e Portalegre chegaram a perder habitantes. Os municípios mais povoados se
encontram entre as de origem não-missioneira, confirmando sua evolução mais
intensa em relação as do outro grupo em geral.10 Os cinco municípios menos
populosos em 1970, todos oriundos das antigas missões, possuem uma população
inferior a 10 000 habitantes. Trata-se de Extremóz, Nísia Floresta, Vila Flor, Arez e

5 CÂMARA, Anfilóquio. Cenários norte-riograndenses (1923). Rio de Janeiro : ed. O Norte, 1923, pp. 31-
32.
6
Os dados desta coluna encontram-se in: CÂMARA, Anfilóquio. Cenários municipais..., op. cit., à exceção
da população de Natal.
7 Todos os dados desta coluna se encontram in : IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Sinopse estatística do Rio Grande do Norte. 1971, pp. 24-37.


8 Não existem dados relativos a Extremóz entre 1920 e 1950 porque esta localidade volta a ser município

somente em 1963.
9 Os dados da população de Vila Flor entre 1920 e 1950 referem-se à população exclusivamente urbana.

Como Extremóz, Vila Flor somente se torna novamente município em 1963. Os dados da população
desta localidade anteriores a 1963 foram tirados de diferentes fontes : Enciclopédia dos municípios
brasileiros/ sob a direção de FERREIRA, Jurandyr Pires. Vol. XVII. Rio de Janeiro : IBGE, 1960, p. 44;
CASCUDO, Luís da Câmara. Vila Flor. In : Natureza e História … op. cit., pp. 125.
10 Vale observar a evolução de duas aglomerações que possuíram grande importância no passado. Com

uma taxa de 7,84 % entre 1940 e 1970, Assu cresceu pouco, mesmo que continue a ser um dos
municípios mais povoados e mais importantes do Estado. São José de Mipibu teve uma queda
significativa de 33,07 %. Os belos dias da produção da cana de açúcar haviam terminado.

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Portalegre. Nísia Floresta teve, contudo, um crescimento importante de 43,79 %


entre 1940 e 1970.

TABELA 3. A POPULAÇÃO URBANA EM RELAÇÃO À POPULAÇÃO TOTAL DOS


MUNICÍPIOS ENTRE 1940 E 1970

ORIGEM E POPULAÇÃO EM 1940 POPULAÇÃO EM 1970 TAXA DE


LOCALIDADE CRESCIMENTO
Total (A) Urbana11 % (B) /(A) Total (A) Urbana (B) % (B) /(A) URBANO
(B)
1940-1970 (%)
NÃO MISSIONEIRA

Natal 54 836 51 897 94,64 264 567 257 673 97,39 396,50
MISSIONÁRIO

Mossoró 31 874 13 643 42,80 97 381 79 562 81,70 483,17


Assu 23 448 3 805 15,56 25 288 13 268 52,46 248,70
Caicó 25 305 3 968 15,68 36 638 24 594 67,12 519,81
Acari 15 517 1 291 8,32 10 924 5 292 48,44 309,91
Extremóz X12 9 062 703 7,75
N. Floficou 6 544 880 13,44 9 410 2 053 21,81 133,29
MISSIONEIRA

(Papari)
S. J. Mipibu 25 881 2 338 9,03 17 322 6 963 40,19 197,82
Vila Flor X 940 1 167 692 59,29 -26,38
Arez 5 976 2 115 35,39 7 983 2 633 32,98 24,49
Apodi 16 647 797 4,78 21 084 5 120 24,28 542,41
Portalegre 8 099 552 6,8 6 168 1 355 21,96 145,47

 Se a evolução da população no âmbito municipal é geralmente pouco significativa


entre 1940 e 1970, o fenômeno difere consideravelmente no que diz respeito à
população especificamente urbana das localidades de nosso universo de estudo,
sedes dos referidos municípios. É suficiente comparar as taxas de crescimento da
população dos municípios em 1940 e 1970, listadas na última coluna da tabela 2,
com os da última coluna da tabela 3, acima, que fornece a mesma informação, desta
vez relativa à população especificamente urbana dos municípios.
 Nós observamos claramente que as taxas de crescimento são em geral bem mais
elevadas na tabela 3, o que prova que a população urbana da sede se desenvolveu,
em geral, bem mais do que a do município respectivo durante o mesmo período. O
crescimento urbano das localidades, segundo a última coluna da tabela 3, é superior
à 100 % para a grande maioria das localidades selecionadas, entre 1940 e 1970. As
únicas exceções são Vila Flor, que diminui sua população, assim como Arez, que
passa por um crescimento muito lento, de somente 24,49 %. Extremóz, para a qual
não dispomos da totalidade dos dados, deve provavelmente apresentar uma taxa
igualmente fraca de crescimento demográfico, semelhante à de Arez ou talvez um
pouco mais elevado, tendo em vista a sua proximidade de Natal.
 A tabela 3 apresenta, para os dois anos 1940 e 1970, três colunas expondo a
população total do município, a população especificamente urbana e a porcentagem
desta última em relação à primeira. Comparando os valores absolutos da população
urbana entre os anos 1940 e 1970, fica evidente que a população da grande maioria

11 Os números correspondem à população específica do núcleo urbano e suburbano de cada localidade.


Eles não estão disponíveis para Extremóz em 1940. CÂMARA, Anfilóquio. Cenários municipais..., op. cit.
12 Extremóz e Vila Flor não dispõem de dados para 1940 porque não eram, naquele ano, municípios.

8
Rubenilson B. Teixeira E2.A5 - A marcha para a urbanização

das aglomerações aumentou de maneira significativa entre os anos 1940 e 1970.


Em termos relativos, o número de habitantes vivendo na sede é mais elevado em
1970 do que em 1940 para todas as localidades, ainda que sete municípios possuam
ainda uma população majoritariamente rural em 1970.
 A análise da evolução urbana das localidades selecionadas, a partir destas duas
tabelas, confirma primeiramente a tendência já constatada no nível do Estado e do
país. Em outras palavras, em todos as esferas, da local à nacional, assistimos ao
crescimento da população urbana e à consolidação das aglomerações. Isto
demonstra que a evolução das localidades estudadas se inscreve num processo
mais amplo. Apesar das aparências, elas testemunham um certo dinamismo, cuja
intensidade varia, evidentemente, de acordo com seu grau de inserção individual no
processo de evolução econômica. Em todos os casos, contudo, tal dinamismo se
verifica durante o século XX, notadamente a partir dos anos 1940. Por fim, se no
âmbito dos municípios o crescimento é pouco significativo, com algumas exceções,
as localidades em si, sedes dos mesmos municípios, tendem a uma progressão bem
mais expressiva. Um número crescente de habitantes deixa a área rural para se
instalarem nas aglomerações localizadas no Rio Grande do Norte e em outros
Estados. Isto é particularmente verdadeiro para Natal e Mossoró, que atraíram
muitos habitantes em razão de sua evolução particular.
 Os referidos sinais de uma urbanização crescente são significativos para nossa
problemática, primeiramente porque eles atestam a importância crescente do
município e da cidade intrinsecamente ligada ao mesmo. O município constitui, como
vimos, uma unidade de administração do território cujo caráter é essencialmente
profano. As estatísticas analisadas reforçam igualmente as funções econômicas e
administrativas exercidas pelas localidades, e representam o último estágio de uma
evolução que começou bem antes do século XX. É em grande parte graças a estas
funções que as aglomerações superam cada vez mais o seu isolamento e, por
conseguinte, se associam cada vez mais às transformações em curso, o que é
confirmado, aliás, por outros dados empíricos analisados. Neste quadro geral, as
pequenas aglomerações do Estado passam igualmente, num ritmo próprio, por um
processo de secularização de seus espaços urbanos, que tende a conduzi-las à
cidade dos Homens. É necessário verificar neste momento como as transformações
que acabamos de analisar afetam o uso e a forma urbana das cidades oriundas das
antigas missões no Rio Grande do Norte.

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