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Rubenilson B. Teixeira E2.

A3 - As múltiplas funções das aglomerações

E2.A3. AS MÚLTIPLAS FUNÇÕES DAS AGLOMERAÇÕES

 Esta aula tem por objetivo analisar as diferentes funções que as aglomerações da
chamada “era de Pombal”, na segunda metade do século XVIII e início do século
seguinte, deveriam exercer, a partir do exemplo do Rio Grande do Norte. No
entanto, Para melhor compreender as funções que deviam cumprir as
aglomerações da era de Pombal, será evidentemente necessário considerá-las a
partir do contexto geral no qual se inserem e se originam. Gostaríamos de lembrar
brevemente alguns aspectos que caracterizam a política econômica do marquês
de Pombal, intimamente ligados às funções das aglomerações.
 Apesar de ser menos intenso do que normalmente se apregoa, o declínio da
economia açucareira em meados do século XVIII era efetivamente visível. A
aliança política e econômica com a Inglaterra desde a primeira metade do século
tinha levado a uma dependência crescente de Portugal para com a nova potência
mundial. Pombal desejava aparentemente atenuar a dependência para com sua
poderosa aliada através da instauração de um mercantilismo fiscal e
industrializante. As Companhias de Comércio tinham por objetivo permitir o
restabelecimento do controle português sobre o comércio de exportação tanto na
metrópole quanto na sua colônia americana, por intermédio de um grupo de
empreendedores próximos ao Estado.1 A fim de reduzir a importação de produtos
manufaturados e de matérias primas estrangeiras, notadamente após a queda da
produção do ouro brasileiro, a partir de 1760, Pombal criou várias indústrias
regionais em Portugal e fundou um certo número de Companhias comerciais sob a
proteção real, que detinham privilégios exclusivos. A Companhia do Maranhão e
Pará devia monopolizar todo o comércio da região da Amazônia. A de Pernambuco
e Paraíba devia controlar o comércio do Nordeste do Brasil. Ele criou uma terceira,
no intuito de exercer o monopólio do comércio de vinho inglês no Porto, em
Portugal. Estes monopólios, que beneficiava uma pequena burguesia, iam
evidentemente suscitar revoltas, que ele reprimiu a todas, onde quer que
ocorressem.
 As duas Companhias do Brasil tiveram um grande sucesso. 2 No caso da
Companhia de Pernambuco e Paraíba, o comércio do açúcar, que estava em
estagnação, foi reanimado. Trinta mil negros da África Ocidental foram importados
ao Brasil entre 1760 e 1775. A Companhia do Maranhão, sediada numa região
arcaica em 1755, suscitou um grande desenvolvimento da mesma, que se tornou
uma das mais prósperas de todo o reino português vinte anos mais tarde. A guerra
de Independência dos Estados Unidos foi em parte responsável por isso,
possibilitando que o Maranhão aumentasse a exportação do algodão. Apesar dos
aspectos favoráveis, as duas Companhias foram abolidas pouco após a queda de
Pombal, entre 1778 e 1780.
 A rainha Maria I adotou a mesma política econômica, estimulando a produtividade
agrícola e a exportação de açúcar, arroz, algodão e cacau do Brasil, ao mesmo
tempo em que impedia o desenvolvimento da manufatura, como os têxteis. Era
uma medida que evitava, por um lado, a competição com a manufatura portuguesa
e permitia, por outro lado, a produção de lucros portugueses através das taxas
impostas à importação destes produtos. Na segunda metade do século XVIII, o

1
CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. A crise do colonialismo luso na América portuguesa. 1750 /1822.
In : História Geral do Brasil /sob a direção de LINHARES, Maria Yedda. Rio de Janeiro: Ed. Campus,
1990, pp. 91-92, 95-96.
2
Esta posição não é unânime, como aliás vários outros aspectos da política de Pombal. Alguns autores
têm uma visão muito negativa dos resultados das Companhias de comércio. Vide, por exemplo,
MENEZES, Djacir, op. cit., p. 123; CALMON, Pedro. História do Brasil. século s XVIII-XIX. Vol. IV. Rio
de Janeiro : José Olympio, 1981, p. 1165.
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comércio colonial era monopolizado por europeus, que ocupavam os mais altos
postos no Estado e na Igreja, o que gerava grande tensão social e revela, deste
modo, a dimensão econômica das revoltas que explodiram no final do século XVIII
e no início do século XIX, como vimos.3
 É a partir deste contexto geral que podemos melhor compreender os papéis
reservados às aglomerações, notadamente as vilas que estavam sendo fundadas
em toda parte. Compreendemos também as suas conseqüências sobre os centros
urbanos em termos de seu crescimento e desenvolvimento. Semelhantemente aos
antigos aldeamentos, as funções que as vilas devem exercer são múltiplas. A
diferença reside, mais uma vez, no caráter mais secular destas últimas. Em
nenhum caso, a política de Pombal direcionada às vilas parece privilegiar, como na
época das missões, o papel evangelizador. São preocupações bastante
materialistas, por assim dizer, que parecem se tornar fundamentais.
 A criação da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba, em 1759, 4
precede de pouco as datas de elevação das localidades do Rio Grande do Norte à
categoria de vila, que ocorrem na década seguinte. Tal coincidência cronológica
não é de modo algum fortuita. As vilas deviam cumprir algumas funções
específicas nesse contexto. A este respeito, os três tipos de integração – social,
econômico, territorial - que nós estudamos quando da análise do Diretório -
parecem se aplicar perfeitamente à realidade do Rio Grande do Norte.
 A integração social é indubitável. Como em todo lugar, as vilas de índios, segundo
a denominação da época, recebem populações brancas, negras e mestiças,
obedecendo às prescrições do Diretório. No que diz respeito à integração
econômica e territorial, todas as vilas se localizam ao longo dos principais estradas
de escoamento de gado que atravessavam a capitania e os ligavam aos centros
urbanos mais importantes. Evidentemente, as estradas são anteriores à referida
política, e os núcleos urbanos que originaram as vilas também.5 Contudo, nada nos
impede de ponderar que a elevação das localidades à categoria de vila não tenha
levado tais elementos em consideração, muito pelo contrário. As autoridades
tiraram proveito de uma situação pré-existente para desenvolver suas
potencialidades. A fundação de Portalegre ex nihilo em um lugar próximo a uma
das principais estradas do Rio Grande do Norte reforça esta idéia. Entretanto,
ainda é prematuro para se constatar uma rede urbana efetiva. As dificuldades de
comunicação, entre outras, são ainda muito grandes, e serão uma preocupação
maior das autoridades ao longo de todo o século XIX.
 A carta do governador de Pernambuco, Dom Tomás José de Melo, endereçada ao
juiz geral da Paraíba, Antônio Felipe Soares de Andrade Bredrerodes, autorizando
a criação de três vilas, dentre as quais vila da Princesa (Assu) e vila do Príncipe
(Caicó) no sertão do Rio Grande do Norte, é explícita quanto ao papel da
integração econômica das novas vilas. Menos evidentes quanto à integração
territorial, suas inquietações parecem confirmá-la:

3
As duas Companhias de comércio criadas por Pombal, dentre as quais a de Pernambuco e Paraíba
em 1759, tinham o direito exclusivo à exportação e à importação dos produtos no Brasil. A Companhia
de Pernambuco contribuiu para o aumento da produção e para a exportação do algodão, do tabaco e
de couro curtido. A exportação do algodão de Pernambuco passou de 37 000 arrobas em 1788 a 235
000 em 1802. Por volta de 1800, o algodão representava de 18 a 20 % das exportações. Outros
produtos importantes são o arroz, o índigo, a borracha e a cera de Carnaúba. Os lucros das
Companhias permanecem sobretudo em Portugal e não com os colonos do Brasil. BOXER, Charles R.
O Império …, op. cit.,. pp. 183, 191-192, 194, 196-197.; HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Historia do
Brasil. Estudos Sociais. 1 (Das origens à independência). São Paulo : companhia da Editora Nacional,
(?), p. 90; MAURO, Frédéric, op. cit., p.138.
4
A Companhia será extinta em 8 de maio de 1780.
5
A localização privilegiada de Assu favoreceu notadamente o desenvolvimento econômico desta
localidade, mesmo antes da aplicação das ações consideradas neste instante. Assu se situava na
encruzilhada de importantes caminhos de penetração unindo Natal ao Ceará, assim como a Paraíba e
o Seridó às salinas de Assu e de Macau.

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“Vi a representação que vossa mercê me dirigiu em 28 de março


próximo pretérito a respeito de quanto seria útil ao bem e sossego
público e ao Real serviço que se erigissem em vilas as povoações
dos Cariris, Seridó e Assu … com as criações destas vilas se
obrigariam a recolher a elas os vadios para trabalharem, se
promoveria o castigo dos delinqüentes, adiantar-se-ia a agricultura
e se aumentaria o comércio; nesta certeza e pela faculdade que
Sua Majestade me permite na Real ordem de 22 de julho de 1766
de que remeto cópia, concedo a vossa mercê faculdade para erigir
em vilas a povoação dos Cariris que se denominará Vila Nova da
Rainha, a povoação do Seridó, Vila Nova do Príncipe, e a povoação
do Assu, Vila Nova da Princesa..".

 O governador envia igualmente uma cópia dos documentos utilizados para a


criação da vila do Piancó, que servirá de modelo às novas elevações. A carta é
datada de 28 de abril de 1788. 6 Maria Lemenhe, estudando a ascensão das
localidades à categoria de vila na capitania vizinha do Ceará, chega a uma
conclusão que está de acordo com a carta do governador de Pernambuco, e que é
válida, em nossa opinião, para as vilas do Rio Grande do Norte. A autora assinala
que a criação das vilas no Ceará decorria efetivamente da necessidade de
controlar a produção, a comercialização e a coleta de tributos, necessidades que
eram mascaradas sob a exigência de se pôr ordem na região, ameaçada pelas
7
dissensões. As vilas do Rio Grande do Norte deveriam funcionar igualmente como
unidades de produção e comercialização, ao mesmo tempo em que possibilitavam
o controle, e por conseguinte a integração, da região. Como vimos notadamente no
caso das vilas oriundas das missões, a agricultura e o comércio eram duas
atividades primordiais, regulamentadas em vários parágrafos do Diretório.
 A questão do controle do território nos remete à função militar das localidades,
como no caso da cidade do Natal. A capital continuava a exercer, no final do corte
histórico que nos interessa aqui (1759-1822), uma clara função militar. No início do
século XIX, o seu papel militar ainda preocupava as autoridades. Uma das
primeiras iniciativas do capitão-mor Lopo Joaquim de Almeida Henriques foi a de
enviar um relatório ao príncipe regente, em 16 de março de 1803, descrevendo as
8
péssimas condições de defesa da capitania. Por outro lado, o capitão-mor José
Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque dedicou uma atenção especial à
questão. Visivelmente preocupado com uma eventual invasão de tropas
estrangeiras provenientes da Europa, ele envia, em 23 de maio de 1808, um plano
detalhado da defesa da capitania. A exemplo dos jesuítas de fins do século XVI,
José Francisco considera a capitania do Rio Grande do Norte estratégica. Seu
plano, que expõe igualmente os atributos econômicos e as riquezas da capitania,
prevê a construção de vários fortins ao longo da costa.
 O capitão-mor mandou construir quatro fortificações, que não existem mais em
nossos dias. Três delas se situavam perto de Natal, uma ao sul, na enseada de
Ponta Negra, duas outras ao norte da capital. Um dos dois fortins localizados ao
norte protegia a foz do rio Potengi, assim como a fortaleza dos Reis magos, e
localizava-se na margem oposta à da antiga fortaleza. O outro fortin se encontrava
na enseada de Genipabu. A quarta fortificação foi construída em Pititinga, ainda
mais ao norte, num lugar relativamente distante da capital. Testemunhos do século
XIX confirmam a existência de mais de uma fortificação defendendo a cidade.9 Os

6
Numa carta de 23 de agosto de 1788, o senado da câmara de Natal afirma não mais ter jurisdição
sobre a Vila Nova do Príncipe, após sua criação. Caicó, op. cit., pp. 20-21.
7
LEMENHE, Maria Auxiliadora. A economia pastoril e as vilas coloniais no Ceará. Revista de Ciências
Sociais, 1981/1982, vol. 12/13, n° 1/2, p. 96.
8
O capitão-mor Lopo Joaquim de Almeida Henriques, escrevendo ao secretário do Estado da Marinha
e Ultramar Visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, observa a falta de segurança que a
fortaleza dos Reis magos oferecia à capitania e à cidade do Natal. Ele insiste sobre a necessidade de
mandar construir uma bateria com nove a doze canhões em Ponta Negra. AHU_ACL_CU_018, Cx. 9,
D. 549.
9
MOURA, Pedro, op. cit., pp. 170-171. Vide igualmente LIRA, A., op. cit., p. 165-167.

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quatro fortins foram iniciados e aparentemente concluídos, segundo o próprio


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capitão-mor. Ficam todos situados no litoral, demonstrando assim que o perigo é,
desde então, exclusivamente de origem externa. Natal, outrora cidade da
conquista, se torna então a cidade da preservação de um território totalmente
apropriado. Desenvolveremos mais adiante as implicações da evolução da função
militar de Natal para o processo da secularização.
 O desenvolvimento econômico do Rio Grande do Norte na segunda metade do
século XVIII e no início do século seguinte está diretamente ou indiretamente
ligado às conseqüências das políticas de Pombal e de seus sucessores. O século
que tinha começado com uma única cidade, termina com sete vilas a mais,
sintoma de um certo desenvolvimento econômico. Também é patente a evolução
do ponto de vista administrativo. Após a organização política e administrativa da
capitania em 1611, o território se encontrava sob a jurisdição administrativa de um
único município, o da cidade do Natal. Com a instituição das novas vilas, o
território é desmembrado em outras jurisdições ou termos pertencentes a estas
últimas, ainda que ficassem subordinadas à capital, Natal. Constatamos, além
disso, uma consciência crescente das lideranças políticas locais de Natal e dos
novos senados da câmara recentemente instaurados, assim como dos capitães-
mores, quanto às grandes possibilidades e potencial de crescimento econômico da
capitania. À medida que o século avança, os documentos expõem o desejo dos
vereadores e dos capitães-mores de se verem livres da capitania geral de
Pernambuco, que representava, segundo eles, um entrave ao desenvolvimento
local.11 O mundo rural manifesta a evolução em curso. O número de fazendas da
capitania aumenta, entre 1775 e 1791, de quase 30 %, que representa um índice
de crescimento tanto econômico quanto demográfico. Os oficiais da câmara de
Natal afirmam, numa carta de 1788, que …

“ ... sendo esta capitania tão extensa ... e tão populosa que nela se
contavam no ano de 1775 esta cidade, cinco vilas de índios, cinco
curatos, 3777 fogos, 21 407 pessoas de desobriga de então para
cá só tem aumentado mais em povo 12...”

 Os oficiais da câmara estão igualmente conscientes das conseqüências urbanas


do desenvolvimento econômico. Obviamente, tal desenvolvimento atinge as
aglomerações do Rio Grande do Norte de forma diferenciada. Vamos, neste
momento, considerar as dez aglomerações de nosso universo de estudo em seu
conjunto. Não dispomos de dados para Acari e Mossoró.

10
AHU_ACL_CU_018, Cx. 10, D. 648. O de São José de Genipabu foi inaugurado em 9 de abril de
1808.
11
O Rio Grande do Norte era subordinado a Pernambuco desde 1701. Em 1717, e em seguida em
1722, o senado da câmara do Natal solicita ao rei os mesmos privilégios que as cidades portuguesas
de Évora, Braga e Porto, solicitação que lhe foi recusada. Os dirigentes locais não desanimam. As
reivindicações pela independência de Pernambuco se multiplicam após a que foi concedida às
capitanias vizinhas, o Ceará e a Paraíba. Através dessas cartas, como a de 28 de maio de 1799, o
capitão-mor Caetano da Silva Sanches, se queixa da centralização do poder desta capitania geral. As
autoridades de Pernambuco lhe impediam de exercer algumas de suas prerrogativas, como a
distribuição de sesmarias. Pouco após, em 15 de outubro de 1799, o mesmo capitão-mor, “informado”
da Independência dos outros distritos, reitera sua solicitação. Uma carta dos oficiais da câmara de
Natal endereçada à rainha, datada de 31 de março de 1800, faz eco a um pedido anterior de 1798 do
mesmo senado e dos das vilas, sobre a questão. Os oficiais da câmara destacam as grandes
potencialidades econômicas da capitania na agricultura, no pecuária, na piscicultura, na exploração do
sal e da madeira, inclusive do pau Brasil, como prova de sua capacidade a uma vida politicamente
autônoma em relação a Pernambuco. A capitania obtém, contudo, sua autonomia somente em 1817.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 8, D. 504, D. 510, D. 514. Vide também LIRA, A., op. cit., p. 134. Vide
igualmente as cartas do capitão-mor Caetano da Silva Sanches, ao secretário de Estado da Marinha e
Ultramar Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, datadas de 25 de abril de 1798 e de primeiro de março de
1799; ou ainda uma outra carta deste mesmo capitão-mor à rainha, em 13 de outubro de 1799.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 8, D. 498; Cx. 8, D. 503; Cx. 8, D. 511.
12
AHU_ACL_CU_018, Cx. 8, D. 475. O número de casas não corresponde ao número mencionado no
recenseamento do mesmo ano, a saber 1775. Trata-se provavelmente de um erro por parte do senado
da câmara, que deve ter se baseado certamente, no entanto, no recenseamento em questão.

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TABELA 1. POPULAÇÃO DO RIO GRANDE DO NORTE ENTRE 1775 e 1777

LOCALIDADES/PARÓQUIAS EM 1777 NÚMERO DE HABITANTES EM


1775-1777

RIBEIRA LOCALIDADE/PARÓQUIA N° N° LOCALIDADE 1775 1777


HABITAÇÕES HABITANTES
Natal 472 2 230 Natal13 3 288 3 221
14
Norte Vila de Extremóz 484 1 123 Vila de 2 486 2 503
Extremóz
Goianinha 1 590 6 661 Goianinha 3 284 3 066
15
Portalegre 78 276 Vila de 713 765
Portalegre
Apodi
N. Sua Conceição e S. Fco 421 4 094 Apodi 2 292 2 116
da Várzea
Paróquia N. Sa. Conceição 210 2 058 Pau dos 3 236 3 118
Pau dos Ferros Ferros
Assu Povoação e paróquia de 571 2 864 Vila da 3 530 4 277
São João Batista do Assu Princesa
Seridó Paróquia de Santana do 200 3 174
Seridó
Sul Vila e paróquia de S. José16 251 512 Vila de São 3 386 3 550
José
Vila e paróquia Arez17 340 1105 Vila de Arez 1 597 1 731
18
Vila e paróquia Vila Flor 264 648
TOTAL 4 881 24 745 TOTAL 23 812 24 347

 A tabela 1 acima reúne três fontes de recenseamento da população do Rio Grande


do Norte. Eles foram realizados entre 1775 e 1777, e significaram o primeiro
recenseamento geral de todo o Brasil.19 É natural que um Estado cada vez mais

13
Cidade do Rio Grande.
14
A vila é formada por índios Paiacus, Assu e Capela, de língua travada. Era a língua dos Tapuias, que
não falavam a língua geral, uma variante do Tupi. Ao contrário do Tupi, a língua travada era
desconhecida dos missionários. A classificação lingüística das populações indígenas em dois grandes
grupos era, portanto, simplista, considerando a grande variedade das línguas indígenas. Os índios de
língua travada totalizam 194 casas e 1 067 habitantes. Os outros índios são de língua geral.
15
Índios Paiacus de língua travada. Estão situados numa célebre colina onde praticam a agricultura. Os
índios possuem 2 léguas de comprimento por 1 légua e meia de largura aproximadamente, o que
eqüivale à sua freguesia. Vários habitantes são portugueses, moradores e agregados à vila. Os
portugueses vivem em 63 casas, e totalizam 360 habitantes. Há duas freguesias nesta ribeira.
16
Índios de língua geral, e índios Pegas de língua travada, dispondo de duas igrejas matrizes, uma em
São José e outra em Papari. Os índios Pegas ocupam 110 casas, e somam 205 habitantes. Os
portugueses totalizam 1705 habitantes, vivendo em 394 casas.
17
Índios de língua geral. Os portugueses totalizam 209 habitantes, que ocupam 264 casas.
18
Índios de língua geral, com plantações em duas léguas quadradas. Os portugueses somam 209
habitantes, que moram em 264 casas.
19
Uma das três fontes se intitula (Anônimo) “Idea da população da capitania de Pernambuco e de suas
anexas, extensão de suas costas, rios e povoações notáveis, agricultura, número de engenhos,
contratos e rendimentos reais, aumento que estes têm tido desde o ano de 1774 em que tomou posse
do governo das mesmas capitanias o governador e capitão general José Cezar de Menezes".
Organizado em 1782 e publicado nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, este
recenseamento corresponde aos dados apresentados na primeira coluna da tabela 1, relativos a 1777.
A mesma publicação apresenta, pp. 107-108, um recenseamento de 1775, cujos resultados
simplificados estão expostos na segunda coluna da tabela. A terceira coluna da mesma tabela indica

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intervencionista procurasse recolher informações e consolidar uma base de dados


sobre a qual executar suas ações. Uma certa incoerência entre as três fontes nos
parece natural, considerando as dificuldades da época. Além do mais, um dos
censos relativos a 1777, o mais dissonante, inclui as freguesias. 20 Ele figura na
primeira coluna da tabela 1.
 A população foi recenseada de acordo com as cinco ribeiras nas quais a capitania
se dividia. As localidades mencionadas em cada ribeira compreendem uma região
mais ou menos extensa, correspondente à jurisdição da freguesia ou do município
respectivo, ambos estabelecidos de acordo com cada um dos três recenseamentos
efetuados. Em outras palavras, as estatísticas incluíam a população rural, o que
significa, portanto, que não é possível fornecer dados mais exatos sobre a
população urbana efetiva de cada localidade. Entretanto, são os únicos dados
disponíveis para a época. Nós os utilizamos apenas a título indicativo.
 Entre 1775 e 1777, a população total do Rio Grande do Norte atingia cerca de
24 000 habitantes. As duas últimas colunas da tabela, relativas a um dos
recenseamentos de 1775 e ao de 1777, apresentam resultados bastante próximos.
De acordo com os dados, as localidades mais populosas na época eram Natal, vila
da Princesa (Assu) e vila de São José, todas com uma população superior a 3 000
habitantes. Goianinha e Pau dos Ferros, que compõem este grupo, não fazem
parte de nosso universo de estudo.
 Se considerarmos somente as aglomerações de nosso estudo para o ano 1777,
Vila da Princesa (Assu) é a aglomeração com maior população, contando 4 277
habitantes, de acordo com a terceira coluna. Ela é seguida pela vila de São José,
que soma 3 550 habitantes, e de Natal, que totaliza 3 221 habitantes. Apesar da
ausência de dados para o ano em questão em relação à Vila do Príncipe (Caicó),
esta aglomeração figurava provavelmente entre as quatro localidades mais
populosas. O povoamento da região onde ela se localiza é significativo na mesma
época. As outras aglomerações são menores. As vilas de Portalegre e Vila Flor,
cuja população é inferior a 1 000 habitantes, são menos importantes.
 Vamos neste momento estudar como se apresentam as mesmas aglomerações
uns trinta anos mais tarde, em 1805, de acordo com a tabela 2. A tabela fornece
uma grande riqueza de informações para um estudo antropológico sobre o Rio
Grande do Norte no início do século XIX. Seus dados nos interessam na medida
em que colocam particularmente em evidência a miscigenação resultante da
política de integração social entre a população indígena que habitava os antigos
aldeamentos e demais grupos étnicos. A soma dos totais da tabela 2 fornece uma
população global de brancos, de negros, de mulatos e de índios de 49 869
21
pessoas para o Rio Grande do Norte em 1805. É necessário acrescentar 708
índios livres, isto é, os índios vivendo ainda no sertão, aparentemente sem contato
com outras etnias, o que eleva o total da população a 50 577 habitantes. A
população indígena do Rio Grande do Norte totaliza 5 040 indivíduos, 4 332 dos
quais viviam nas aglomerações.
 Duas constatações importantes sobre a população indígena. Primeiramente, ela
representa somente 9,96 % da população total do Rio Grande do Norte no início do
século XIX, o que mostra claramente o seu desaparecimento progressivo. A
segunda observação diz respeito ao número de indígenas vivendo nas vilas
oriundas dos aldeamentos. Obedecendo às recomendações do Diretório, a
população autóctone está totalmente miscigenada à de outros grupos étnicos. Em
nenhum caso, ela constitui a maioria absoluta da população destas localidades,

um outro recenseamento, datando igualmente de 1777. Este terceiro recenseamento foi publicado por
ALEGRE, Marya, op. cit., pp. 215-217.
20
Os três recenseamentos são provavelmente baseados em dados coletados pelas freguesias, ainda
que apenas um deles o explicite. As freguesias funcionavam como uma instância de registro de dados
estatísticos sobre a população, constituindo praticamente a única fonte estatística da época colonial.
21
A população total da capitania, inclusive de índios, é de 49 250 habitantes, de acordo com as
informações fornecidas pela mesma fonte. No entanto, os 708 nativos livres não foram considerados no
recenseamento.

6
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que são, contudo, denominadas “vilas de índios” nos manuscritos. A população


indígena representa as porcentagens seguintes da população total: Arez, 43,69 %;
Portalegre, 39,33 %; Extremóz, 30,00 %; São José, 16,19 %; Vila Flor, 15,22 %.
Em termos absolutos, Extremóz possui o maior número de nativos, ou seja 1 886
habitantes. Apodi aparentemente não possui mais habitantes índios,
provavelmente em razão da transferência deles para Portalegre em 1761.

TABELA 2. MAPA DA POPULAÇÃO DA CAPITANIA DO RN, COM DECLARAÇÃO DE


SEUS EMPREGOS, MILITARES E CIVIS, E CAPITÃES-MORES E ORDENANÇAS DAS
RESPECTIVAS VILAS E FREGUESIAS … ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 180522
Cidade do Vila São José Vila de Extremóz Vila de Arez Paróquia Serra Paróquia de
Natal do Coité
Goianinha
23
B N M B N M I B N M I B N M I B N M B N M
2 498

1 250

2 943

1 275

1 708

1 743

2 656

1 886

1 693
913

868

876

392

127

454

755

394

130

621

917

391
6 691 5 639 6 286 1 728 1 145 3 001

Vila do Vila Flor Vila de Portalegre Paróquia da V. do Paróquia Pau Vila da Princesa
Príncipe Apodi dos Ferros
B N M B N M I B N M I B N M I B N M B N M
1 549

1 173

2 841

1 908

1 640

1 221

3 176
1897

4299
871

852

404

849

378

262

100

255

400

496

808
?

4 317 2 483 1 017 8 313 3 212 6 037

 Podemos observar o crescimento urbano das localidades a partir da tabela 3. O


crescimento da população do Rio Grande do Norte em geral e dos centros
urbanos24 em particular é intenso em 28 anos, entre 1777 e 1805. A população
total da capitania dobrou, atingindo um pouco mais de 50 000 habitantes. Embora
apresentando taxas de crescimento sensivelmente diferentes, todas as
aglomerações de nosso estudo registraram um aumento considerável de sua
população, com exceção da vila de Arez, que permaneceu estável.
 As taxas de crescimento mais espetaculares se encontram nas aglomerações do
litoral, isto é Vila Flor, Extremóz e Natal, assim como Apodi, a única das
aglomerações situada no interior. O crescimento urbano do litoral se explica por
um certo desenvolvimento da agricultura da cana de açúcar e dos engenhos na

22
A soma dos totais mencionados acima fornece uma população total de brancos, de negros e de
mulatos de 45 537 pessoas. O total que aparece na tabela original é de 44 210 ou 44 206, se
adicionarmos os totais parciais que ela fornece, à direita do documento. Não incluimos a população
indígena, que será considerada ulteriormente. O capitão-mor José Francisco de Paula Cavalcanti
Albuquerque, responsável por este recenseamento, reconhecia a dificuldade da coleta de dados e a
imprecisão de alguns deles, motivo que o levou a acrescentar os dados fornecidos pelas paróquias. As
tabelas 2 (vide p. Erro! Indicador não definido.) e 6 são na realidade uma simplificação e uma
reorganização das fontes, bem mais detalhadas, fornecidas por AHU_ACL_CU_018, Cx. 9, D. 623.
23
As iniciais “B”, “N”, “M” e “I” que aparecem no topo das colunas significam respectivamente brancos,
negros, mulatos ou mestiços e índios.
24
De acordo com nossas próprias considerações, o crescimento que chamamos “urbano” se refere na
verdade ao âmbito da jurisdição territorial do município. Os dados disponíveis não nos permitem avaliar
a população estritamente urbana.

7
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações

época, assim como pelo desenvolvimento lento e progressivo do comércio.25 Vila


Flor constitui um bom exemplo disso. Seu forte crescimento urbano, de quase
300 %, resulta do desenvolvimento econômico da vila, que acarretou
transformações em seu espaço urbano, como vimos. Contudo, Arez, que localiza-
se igualmente no litoral, não acompanhou o crescimento das outras localidades ali
localizadas. Ela ficou provavelmente à margem da evolução mais ou menos visível
desta zona costeira.

TABELA 3. CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA DAS AGLOMERAÇÕES


ENTRE 1777 e 180526
AGLOMERAÇÃO 1777 1805 TAXA DE
CRESCIMENTO (%)
Natal 3 221 6 691 107,73
Vila de Arez 1 731 1 728 - 0,17
Vila de São José 3 550 5 639 58,84
Vila de Extremóz 2 503 6 286 151,13
Vila de Portalegre 765 1 017 32,94
Vila da Princesa (Assu) 4 277 6 037 41,15
27
Vila do Príncipe (Caicó) 3 174 4 317 36,01
Vila Flor 648 2 483 283,17
Apodi 2 116 8 313 292,86
Rio Grande do Norte 24 347 50 577 107,73

 Natal revela, no início do século XIX, uma certa diferenciação funcional dos
espaços urbanos. Enquanto que o centro da cidade, no alto platô, reunia o centro
político e religioso da aglomeração, a parte baixa, a Ribeira, que estava em plena
evolução, constituía o centro comercial da capital. Henry Koster menciona a
vocação comercial da Ribeira. Na antiga rua do Comércio (a atual rua Chile)
ficavam os depósitos de pau Brasil, algodão, açúcar, peixe seco, entre outros.
Estamos no final da era colonial. Todavia, observamos um dos elementos
distintivos da cidade de colonização portuguesa nesta divisão funcional do espaço
urbano da capital, através da qual o centro político e religioso se situa na parte
elevada do sítio urbano, e o comércio na parte baixa, próximo do porto. Um
exemplo característico no Brasil, entre muitos outros em todo o reino português, é
28
o da cidade de Salvador. O crescimento urbano no sertão é menos evidente. O
de Apodi é surpreendente, na ausência de uma explicação para o mesmo,
principalmente do ponto de vista econômico. Portalegre, na mesma região,
somente cresceu 32,94 %. Vila do Príncipe (Caicó) e vila da Princesa (Assu)
possuem taxas de crescimento comparáveis à de Portalegre, respectivamente
36,01 % e 41,15 %.
 De modo geral, as primeiras localidades estavam se sedimentando um pouco em
toda parte, portanto, no início do século XIX. Embora as fazendas estivessem

25
O testemunho de Henry Koster é, mais uma vez, pertinente. Ele menciona o comércio florescente de
Pernambuco com a Inglaterra, Goa, a África e os Estados Unidos e acrescenta que o comércio no
sertão recebia uma pequena quantidade de produtos manufaturados na Europa. Os mascates, isto é,
os mercadores ambulantes, se deslocavam de vila em vila, de fazenda em fazenda, para trocar suas
mercadorias por gado, couro e queijo, utilizando raramente o dinheiro. Tinham lucros consideráveis.
Muitas mercadorias chegavam aos portos da capital e de outras cidades situadas no litoral, oriundas da
Grã Bretanha após 1810. KOSTER, Henry, op. cit., pp. 33, 167-168, 183.
26
As únicas aglomerações de nossa amostra que não figuram na tabela 7 são Acari e Mossoró, por
falta de dados.
27
A população de Caicó e de Vila Flor são as do recenseamento de 1775.
28
TEIXEIRA, Manuel, op. cit., p. 225.

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disseminadas, a impressão geral ainda era a de uma terra inabitada, como


constatou o inglês Henry Koster. Ele menciona a ausência de habitantes na
estrada ao longo do litoral, como entre São José de Mipibu e Natal. O litoral era
precisamente uma dos regiões mais “populosas” da capitania. Ele descreveu
igualmente o caminho entre Natal e Assu, no coração do sertão. Neste trecho, com
29
exceção da localidade denominada Pai Paulo, situada a 8 ou 10 léguas de Natal,
no vale do Ceará Mirim, ele não conheceu “nenhum lugar que merecesse o nome
de ‘povoação’… “ Ao longo de todo este percurso, viu somente casas humildes –
choupanas - muito distantes umas das outras, algumas das quais abandonadas.
Ele afirma, por outro lado, que a terra próximo da vila Assu é bem mais povoada, e
não esconde sua alegria ao ver, na sua chegada, “uma igreja, e a perspectiva de
uma vila regular, povoada por pessoas ‘civilizadas’, se é que assim se pode
30
considerá-las segundo as referências européias.” A menção às fazendas de gado
é, evidentemente, inevitável. O seu testemunho não é muito diferente de um outro,
feito meio século antes, em 1762, pelo missionário Annibal, quando de suas
missões no sertão de várias capitanias. Tendo percorrido o Rio Grande do Norte, o
padre italiano descreveu a vida “bastante abastada” dos fazendeiros e de seus
31
familiares, seu comércio lucrativo de gado bovino e eqüino. Ele atesta a
existência de duas estradas entre Natal e Assu, uma pelo litoral, outra pelo interior.
A última - provavelmente a mesma utilizada por Henry Koster em 1810 - era,
segundo o missionário, menos longa, mas muito árida. Ele acrescenta que “em
toda a distância do Rio Grande do Norte até a vila Assu, não existe qualquer igreja,
sequer uma capela ou padre …“32 A ausência do pároco, e mais ainda de capelas,
significava claramente a ausência de vida urbana organizada, ainda que
precariamente, ao longo de todo o trajeto. Os dois testemunhos destacam os
efeitos da seca e nos permitem afirmar que, apesar do crescimento da população
entre o primeiro e o segundo relato, a situação não evoluiu sensivelmente. No
início do século XIX, a população da capitania continua muito rarefeita, rural,
enfrentando graves problemas de comunicação.
 Com efeito, a proliferação, o crescimento e o desenvolvimento dos núcleos
urbanos são uma realidade. Entretanto, não se pode superestimar os seus efeitos.
No início do século XIX, a precariedade destas localidades ainda era a regra, como
indica o testemunho de João Severiano Maciel da Costa, juiz da Paraíba. Ele
escreve de Extremóz, em 26 de setembro de 1806, que as ...

“... duas chamadas vilas de brancos, qual são a das Princesa e


Príncipe, de um sertão pobre, distantes da cidade do Natal de
oitenta para cem léguas; esta mesma cidade ainda não passam de
meia dúzia os homens de governança, e cinco aldeias de índios
pobres pessoas, de ranchos cobertos de palha, sem qualquer
rendimento público33...”

 A citação resume bem o estado geral e econômico das aglomerações no início do


século XIX. Apesar de alguns indícios – o crescimento urbano, um certo
desenvolvimento econômico, a aproximação das localidades através de um fraco
crescimento das transações comerciais – estamos ainda longe de atingir estes
objetivos de maneira satisfatória. As políticas da era de Pombal foram claramente
orientadas para o desenvolvimento econômico das localidades com finalidades que
transcendiam claramente o quadro urbano e territorial local. Seus resultados são,
no entanto, ainda inexpressivos no início do século XIX.
 Para nossos propósitos, o mais importante diz respeito à relação entre estas
políticas e o processo de secularização das aglomerações. Parece-nos evidente

29
Esta localidade desapareceu por completo há muito tempo.
30
KOSTER, Henry, op. cit., p. 110.
31
Como vimos, o padre acrescenta que os fazendeiros da região enviam seu gado até Pernambuco e à
Bahia ou vendem seus cavalos a negociantes. Estes os conduzem às minas de ouro do sul para
revendê-los.
32
GÉNOA, Annibale, op. cit., pp. 38-40.
33
AHU_ACL_CU_018, Cx. 9, D. 595.

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que toda a análise desenvolvida até agora mostra o caráter secular das funções
urbanas almejadas. A procura pela integração – social, econômica e territorial -
que as localidades devem supostamente cumprir, não encontra nenhuma
justificação no plano espiritual. Não é a conversão dos índios ou o fortalecimento
da fé dos colonos que poderiam justificar a implantação de tais iniciativas. Pelo
contrário, as iniciativas postas em prática nos parecem extremamente atuais,
porque isentas de toda significação religiosa. Esta observação, válida para as
funções de modo geral, se aplica totalmente à função especificamente militar de
Natal. Não há mais, na documentação pesquisada, qualquer referência direta,
qualquer intenção que tenham como ponto de partida uma justificativa religiosa
para sua evolução, ao contrário da que ocorreu no período anterior.
 Cabe fazer, aliás, uma distinção entre os objetivos desejados e seus promotores,
por um lado, e os fins obtidos, por outro lado. Se os primeiros são razoavelmente
seculares em suas intenções, os resultados não parecem modificar de maneira
significativa o sentido religioso dos centros urbanos. Se as políticas implantadas
não visavam diretamente “secularizar” os habitantes urbanos, elas também não
procuravam contribuir para o aumento do fervor religioso. Elas são, pelo menos,
inteiramente indiferentes ao fato religioso que sempre animou todos os aspectos
mais importantes da sociedade.
 As medidas impostas pelo marquês de Pombal foram em boa parte seguidas pelos
seus sucessores. Aliadas à mudança de mentalidade que resulta de fatores
ideológicos, tiveram implicações diretas para os centros urbanos estudados.
Enquanto resultado de uma política direta e específica destinada ao Rio Grande do
Norte, suas conseqüências foram mais evidentes para as aglomerações de origem
missioneira. De modo geral, a era de Pombal representa o germe de um mudança
que se torna francamente perceptível em termos de uso, forma e função dos
centros urbanos. Este germe é suficientemente forte para deslanchar um processo
irreversível de transformação da cidade de Deus na cidade dos Homens. É neste
sentido geral que a era de Pombal assume toda a sua significação para nossos
objetivos. No final do corte histórico relativo a esta parte, a cidade continua a ser,
evidentemente, de Deus. Porém, os fundamentos da cidade dos Homens já foram
definitivamente implantados.

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