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Esta aula tem por objetivo analisar as diferentes funções que as aglomerações da
chamada “era de Pombal”, na segunda metade do século XVIII e início do século
seguinte, deveriam exercer, a partir do exemplo do Rio Grande do Norte. No
entanto, Para melhor compreender as funções que deviam cumprir as
aglomerações da era de Pombal, será evidentemente necessário considerá-las a
partir do contexto geral no qual se inserem e se originam. Gostaríamos de lembrar
brevemente alguns aspectos que caracterizam a política econômica do marquês
de Pombal, intimamente ligados às funções das aglomerações.
Apesar de ser menos intenso do que normalmente se apregoa, o declínio da
economia açucareira em meados do século XVIII era efetivamente visível. A
aliança política e econômica com a Inglaterra desde a primeira metade do século
tinha levado a uma dependência crescente de Portugal para com a nova potência
mundial. Pombal desejava aparentemente atenuar a dependência para com sua
poderosa aliada através da instauração de um mercantilismo fiscal e
industrializante. As Companhias de Comércio tinham por objetivo permitir o
restabelecimento do controle português sobre o comércio de exportação tanto na
metrópole quanto na sua colônia americana, por intermédio de um grupo de
empreendedores próximos ao Estado.1 A fim de reduzir a importação de produtos
manufaturados e de matérias primas estrangeiras, notadamente após a queda da
produção do ouro brasileiro, a partir de 1760, Pombal criou várias indústrias
regionais em Portugal e fundou um certo número de Companhias comerciais sob a
proteção real, que detinham privilégios exclusivos. A Companhia do Maranhão e
Pará devia monopolizar todo o comércio da região da Amazônia. A de Pernambuco
e Paraíba devia controlar o comércio do Nordeste do Brasil. Ele criou uma terceira,
no intuito de exercer o monopólio do comércio de vinho inglês no Porto, em
Portugal. Estes monopólios, que beneficiava uma pequena burguesia, iam
evidentemente suscitar revoltas, que ele reprimiu a todas, onde quer que
ocorressem.
As duas Companhias do Brasil tiveram um grande sucesso. 2 No caso da
Companhia de Pernambuco e Paraíba, o comércio do açúcar, que estava em
estagnação, foi reanimado. Trinta mil negros da África Ocidental foram importados
ao Brasil entre 1760 e 1775. A Companhia do Maranhão, sediada numa região
arcaica em 1755, suscitou um grande desenvolvimento da mesma, que se tornou
uma das mais prósperas de todo o reino português vinte anos mais tarde. A guerra
de Independência dos Estados Unidos foi em parte responsável por isso,
possibilitando que o Maranhão aumentasse a exportação do algodão. Apesar dos
aspectos favoráveis, as duas Companhias foram abolidas pouco após a queda de
Pombal, entre 1778 e 1780.
A rainha Maria I adotou a mesma política econômica, estimulando a produtividade
agrícola e a exportação de açúcar, arroz, algodão e cacau do Brasil, ao mesmo
tempo em que impedia o desenvolvimento da manufatura, como os têxteis. Era
uma medida que evitava, por um lado, a competição com a manufatura portuguesa
e permitia, por outro lado, a produção de lucros portugueses através das taxas
impostas à importação destes produtos. Na segunda metade do século XVIII, o
1
CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. A crise do colonialismo luso na América portuguesa. 1750 /1822.
In : História Geral do Brasil /sob a direção de LINHARES, Maria Yedda. Rio de Janeiro: Ed. Campus,
1990, pp. 91-92, 95-96.
2
Esta posição não é unânime, como aliás vários outros aspectos da política de Pombal. Alguns autores
têm uma visão muito negativa dos resultados das Companhias de comércio. Vide, por exemplo,
MENEZES, Djacir, op. cit., p. 123; CALMON, Pedro. História do Brasil. século s XVIII-XIX. Vol. IV. Rio
de Janeiro : José Olympio, 1981, p. 1165.
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
comércio colonial era monopolizado por europeus, que ocupavam os mais altos
postos no Estado e na Igreja, o que gerava grande tensão social e revela, deste
modo, a dimensão econômica das revoltas que explodiram no final do século XVIII
e no início do século XIX, como vimos.3
É a partir deste contexto geral que podemos melhor compreender os papéis
reservados às aglomerações, notadamente as vilas que estavam sendo fundadas
em toda parte. Compreendemos também as suas conseqüências sobre os centros
urbanos em termos de seu crescimento e desenvolvimento. Semelhantemente aos
antigos aldeamentos, as funções que as vilas devem exercer são múltiplas. A
diferença reside, mais uma vez, no caráter mais secular destas últimas. Em
nenhum caso, a política de Pombal direcionada às vilas parece privilegiar, como na
época das missões, o papel evangelizador. São preocupações bastante
materialistas, por assim dizer, que parecem se tornar fundamentais.
A criação da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba, em 1759, 4
precede de pouco as datas de elevação das localidades do Rio Grande do Norte à
categoria de vila, que ocorrem na década seguinte. Tal coincidência cronológica
não é de modo algum fortuita. As vilas deviam cumprir algumas funções
específicas nesse contexto. A este respeito, os três tipos de integração – social,
econômico, territorial - que nós estudamos quando da análise do Diretório -
parecem se aplicar perfeitamente à realidade do Rio Grande do Norte.
A integração social é indubitável. Como em todo lugar, as vilas de índios, segundo
a denominação da época, recebem populações brancas, negras e mestiças,
obedecendo às prescrições do Diretório. No que diz respeito à integração
econômica e territorial, todas as vilas se localizam ao longo dos principais estradas
de escoamento de gado que atravessavam a capitania e os ligavam aos centros
urbanos mais importantes. Evidentemente, as estradas são anteriores à referida
política, e os núcleos urbanos que originaram as vilas também.5 Contudo, nada nos
impede de ponderar que a elevação das localidades à categoria de vila não tenha
levado tais elementos em consideração, muito pelo contrário. As autoridades
tiraram proveito de uma situação pré-existente para desenvolver suas
potencialidades. A fundação de Portalegre ex nihilo em um lugar próximo a uma
das principais estradas do Rio Grande do Norte reforça esta idéia. Entretanto,
ainda é prematuro para se constatar uma rede urbana efetiva. As dificuldades de
comunicação, entre outras, são ainda muito grandes, e serão uma preocupação
maior das autoridades ao longo de todo o século XIX.
A carta do governador de Pernambuco, Dom Tomás José de Melo, endereçada ao
juiz geral da Paraíba, Antônio Felipe Soares de Andrade Bredrerodes, autorizando
a criação de três vilas, dentre as quais vila da Princesa (Assu) e vila do Príncipe
(Caicó) no sertão do Rio Grande do Norte, é explícita quanto ao papel da
integração econômica das novas vilas. Menos evidentes quanto à integração
territorial, suas inquietações parecem confirmá-la:
3
As duas Companhias de comércio criadas por Pombal, dentre as quais a de Pernambuco e Paraíba
em 1759, tinham o direito exclusivo à exportação e à importação dos produtos no Brasil. A Companhia
de Pernambuco contribuiu para o aumento da produção e para a exportação do algodão, do tabaco e
de couro curtido. A exportação do algodão de Pernambuco passou de 37 000 arrobas em 1788 a 235
000 em 1802. Por volta de 1800, o algodão representava de 18 a 20 % das exportações. Outros
produtos importantes são o arroz, o índigo, a borracha e a cera de Carnaúba. Os lucros das
Companhias permanecem sobretudo em Portugal e não com os colonos do Brasil. BOXER, Charles R.
O Império …, op. cit.,. pp. 183, 191-192, 194, 196-197.; HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Historia do
Brasil. Estudos Sociais. 1 (Das origens à independência). São Paulo : companhia da Editora Nacional,
(?), p. 90; MAURO, Frédéric, op. cit., p.138.
4
A Companhia será extinta em 8 de maio de 1780.
5
A localização privilegiada de Assu favoreceu notadamente o desenvolvimento econômico desta
localidade, mesmo antes da aplicação das ações consideradas neste instante. Assu se situava na
encruzilhada de importantes caminhos de penetração unindo Natal ao Ceará, assim como a Paraíba e
o Seridó às salinas de Assu e de Macau.
2
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
6
Numa carta de 23 de agosto de 1788, o senado da câmara de Natal afirma não mais ter jurisdição
sobre a Vila Nova do Príncipe, após sua criação. Caicó, op. cit., pp. 20-21.
7
LEMENHE, Maria Auxiliadora. A economia pastoril e as vilas coloniais no Ceará. Revista de Ciências
Sociais, 1981/1982, vol. 12/13, n° 1/2, p. 96.
8
O capitão-mor Lopo Joaquim de Almeida Henriques, escrevendo ao secretário do Estado da Marinha
e Ultramar Visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, observa a falta de segurança que a
fortaleza dos Reis magos oferecia à capitania e à cidade do Natal. Ele insiste sobre a necessidade de
mandar construir uma bateria com nove a doze canhões em Ponta Negra. AHU_ACL_CU_018, Cx. 9,
D. 549.
9
MOURA, Pedro, op. cit., pp. 170-171. Vide igualmente LIRA, A., op. cit., p. 165-167.
3
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
“ ... sendo esta capitania tão extensa ... e tão populosa que nela se
contavam no ano de 1775 esta cidade, cinco vilas de índios, cinco
curatos, 3777 fogos, 21 407 pessoas de desobriga de então para
cá só tem aumentado mais em povo 12...”
10
AHU_ACL_CU_018, Cx. 10, D. 648. O de São José de Genipabu foi inaugurado em 9 de abril de
1808.
11
O Rio Grande do Norte era subordinado a Pernambuco desde 1701. Em 1717, e em seguida em
1722, o senado da câmara do Natal solicita ao rei os mesmos privilégios que as cidades portuguesas
de Évora, Braga e Porto, solicitação que lhe foi recusada. Os dirigentes locais não desanimam. As
reivindicações pela independência de Pernambuco se multiplicam após a que foi concedida às
capitanias vizinhas, o Ceará e a Paraíba. Através dessas cartas, como a de 28 de maio de 1799, o
capitão-mor Caetano da Silva Sanches, se queixa da centralização do poder desta capitania geral. As
autoridades de Pernambuco lhe impediam de exercer algumas de suas prerrogativas, como a
distribuição de sesmarias. Pouco após, em 15 de outubro de 1799, o mesmo capitão-mor, “informado”
da Independência dos outros distritos, reitera sua solicitação. Uma carta dos oficiais da câmara de
Natal endereçada à rainha, datada de 31 de março de 1800, faz eco a um pedido anterior de 1798 do
mesmo senado e dos das vilas, sobre a questão. Os oficiais da câmara destacam as grandes
potencialidades econômicas da capitania na agricultura, no pecuária, na piscicultura, na exploração do
sal e da madeira, inclusive do pau Brasil, como prova de sua capacidade a uma vida politicamente
autônoma em relação a Pernambuco. A capitania obtém, contudo, sua autonomia somente em 1817.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 8, D. 504, D. 510, D. 514. Vide também LIRA, A., op. cit., p. 134. Vide
igualmente as cartas do capitão-mor Caetano da Silva Sanches, ao secretário de Estado da Marinha e
Ultramar Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, datadas de 25 de abril de 1798 e de primeiro de março de
1799; ou ainda uma outra carta deste mesmo capitão-mor à rainha, em 13 de outubro de 1799.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 8, D. 498; Cx. 8, D. 503; Cx. 8, D. 511.
12
AHU_ACL_CU_018, Cx. 8, D. 475. O número de casas não corresponde ao número mencionado no
recenseamento do mesmo ano, a saber 1775. Trata-se provavelmente de um erro por parte do senado
da câmara, que deve ter se baseado certamente, no entanto, no recenseamento em questão.
4
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
13
Cidade do Rio Grande.
14
A vila é formada por índios Paiacus, Assu e Capela, de língua travada. Era a língua dos Tapuias, que
não falavam a língua geral, uma variante do Tupi. Ao contrário do Tupi, a língua travada era
desconhecida dos missionários. A classificação lingüística das populações indígenas em dois grandes
grupos era, portanto, simplista, considerando a grande variedade das línguas indígenas. Os índios de
língua travada totalizam 194 casas e 1 067 habitantes. Os outros índios são de língua geral.
15
Índios Paiacus de língua travada. Estão situados numa célebre colina onde praticam a agricultura. Os
índios possuem 2 léguas de comprimento por 1 légua e meia de largura aproximadamente, o que
eqüivale à sua freguesia. Vários habitantes são portugueses, moradores e agregados à vila. Os
portugueses vivem em 63 casas, e totalizam 360 habitantes. Há duas freguesias nesta ribeira.
16
Índios de língua geral, e índios Pegas de língua travada, dispondo de duas igrejas matrizes, uma em
São José e outra em Papari. Os índios Pegas ocupam 110 casas, e somam 205 habitantes. Os
portugueses totalizam 1705 habitantes, vivendo em 394 casas.
17
Índios de língua geral. Os portugueses totalizam 209 habitantes, que ocupam 264 casas.
18
Índios de língua geral, com plantações em duas léguas quadradas. Os portugueses somam 209
habitantes, que moram em 264 casas.
19
Uma das três fontes se intitula (Anônimo) “Idea da população da capitania de Pernambuco e de suas
anexas, extensão de suas costas, rios e povoações notáveis, agricultura, número de engenhos,
contratos e rendimentos reais, aumento que estes têm tido desde o ano de 1774 em que tomou posse
do governo das mesmas capitanias o governador e capitão general José Cezar de Menezes".
Organizado em 1782 e publicado nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, este
recenseamento corresponde aos dados apresentados na primeira coluna da tabela 1, relativos a 1777.
A mesma publicação apresenta, pp. 107-108, um recenseamento de 1775, cujos resultados
simplificados estão expostos na segunda coluna da tabela. A terceira coluna da mesma tabela indica
5
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
um outro recenseamento, datando igualmente de 1777. Este terceiro recenseamento foi publicado por
ALEGRE, Marya, op. cit., pp. 215-217.
20
Os três recenseamentos são provavelmente baseados em dados coletados pelas freguesias, ainda
que apenas um deles o explicite. As freguesias funcionavam como uma instância de registro de dados
estatísticos sobre a população, constituindo praticamente a única fonte estatística da época colonial.
21
A população total da capitania, inclusive de índios, é de 49 250 habitantes, de acordo com as
informações fornecidas pela mesma fonte. No entanto, os 708 nativos livres não foram considerados no
recenseamento.
6
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
1 250
2 943
1 275
1 708
1 743
2 656
1 886
1 693
913
868
876
392
127
454
755
394
130
621
917
391
6 691 5 639 6 286 1 728 1 145 3 001
Vila do Vila Flor Vila de Portalegre Paróquia da V. do Paróquia Pau Vila da Princesa
Príncipe Apodi dos Ferros
B N M B N M I B N M I B N M I B N M B N M
1 549
1 173
2 841
1 908
1 640
1 221
3 176
1897
4299
871
852
404
849
378
262
100
255
400
496
808
?
22
A soma dos totais mencionados acima fornece uma população total de brancos, de negros e de
mulatos de 45 537 pessoas. O total que aparece na tabela original é de 44 210 ou 44 206, se
adicionarmos os totais parciais que ela fornece, à direita do documento. Não incluimos a população
indígena, que será considerada ulteriormente. O capitão-mor José Francisco de Paula Cavalcanti
Albuquerque, responsável por este recenseamento, reconhecia a dificuldade da coleta de dados e a
imprecisão de alguns deles, motivo que o levou a acrescentar os dados fornecidos pelas paróquias. As
tabelas 2 (vide p. Erro! Indicador não definido.) e 6 são na realidade uma simplificação e uma
reorganização das fontes, bem mais detalhadas, fornecidas por AHU_ACL_CU_018, Cx. 9, D. 623.
23
As iniciais “B”, “N”, “M” e “I” que aparecem no topo das colunas significam respectivamente brancos,
negros, mulatos ou mestiços e índios.
24
De acordo com nossas próprias considerações, o crescimento que chamamos “urbano” se refere na
verdade ao âmbito da jurisdição territorial do município. Os dados disponíveis não nos permitem avaliar
a população estritamente urbana.
7
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
Natal revela, no início do século XIX, uma certa diferenciação funcional dos
espaços urbanos. Enquanto que o centro da cidade, no alto platô, reunia o centro
político e religioso da aglomeração, a parte baixa, a Ribeira, que estava em plena
evolução, constituía o centro comercial da capital. Henry Koster menciona a
vocação comercial da Ribeira. Na antiga rua do Comércio (a atual rua Chile)
ficavam os depósitos de pau Brasil, algodão, açúcar, peixe seco, entre outros.
Estamos no final da era colonial. Todavia, observamos um dos elementos
distintivos da cidade de colonização portuguesa nesta divisão funcional do espaço
urbano da capital, através da qual o centro político e religioso se situa na parte
elevada do sítio urbano, e o comércio na parte baixa, próximo do porto. Um
exemplo característico no Brasil, entre muitos outros em todo o reino português, é
28
o da cidade de Salvador. O crescimento urbano no sertão é menos evidente. O
de Apodi é surpreendente, na ausência de uma explicação para o mesmo,
principalmente do ponto de vista econômico. Portalegre, na mesma região,
somente cresceu 32,94 %. Vila do Príncipe (Caicó) e vila da Princesa (Assu)
possuem taxas de crescimento comparáveis à de Portalegre, respectivamente
36,01 % e 41,15 %.
De modo geral, as primeiras localidades estavam se sedimentando um pouco em
toda parte, portanto, no início do século XIX. Embora as fazendas estivessem
25
O testemunho de Henry Koster é, mais uma vez, pertinente. Ele menciona o comércio florescente de
Pernambuco com a Inglaterra, Goa, a África e os Estados Unidos e acrescenta que o comércio no
sertão recebia uma pequena quantidade de produtos manufaturados na Europa. Os mascates, isto é,
os mercadores ambulantes, se deslocavam de vila em vila, de fazenda em fazenda, para trocar suas
mercadorias por gado, couro e queijo, utilizando raramente o dinheiro. Tinham lucros consideráveis.
Muitas mercadorias chegavam aos portos da capital e de outras cidades situadas no litoral, oriundas da
Grã Bretanha após 1810. KOSTER, Henry, op. cit., pp. 33, 167-168, 183.
26
As únicas aglomerações de nossa amostra que não figuram na tabela 7 são Acari e Mossoró, por
falta de dados.
27
A população de Caicó e de Vila Flor são as do recenseamento de 1775.
28
TEIXEIRA, Manuel, op. cit., p. 225.
8
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
29
Esta localidade desapareceu por completo há muito tempo.
30
KOSTER, Henry, op. cit., p. 110.
31
Como vimos, o padre acrescenta que os fazendeiros da região enviam seu gado até Pernambuco e à
Bahia ou vendem seus cavalos a negociantes. Estes os conduzem às minas de ouro do sul para
revendê-los.
32
GÉNOA, Annibale, op. cit., pp. 38-40.
33
AHU_ACL_CU_018, Cx. 9, D. 595.
9
Rubenilson B. Teixeira E2.A3 - As múltiplas funções das aglomerações
que toda a análise desenvolvida até agora mostra o caráter secular das funções
urbanas almejadas. A procura pela integração – social, econômica e territorial -
que as localidades devem supostamente cumprir, não encontra nenhuma
justificação no plano espiritual. Não é a conversão dos índios ou o fortalecimento
da fé dos colonos que poderiam justificar a implantação de tais iniciativas. Pelo
contrário, as iniciativas postas em prática nos parecem extremamente atuais,
porque isentas de toda significação religiosa. Esta observação, válida para as
funções de modo geral, se aplica totalmente à função especificamente militar de
Natal. Não há mais, na documentação pesquisada, qualquer referência direta,
qualquer intenção que tenham como ponto de partida uma justificativa religiosa
para sua evolução, ao contrário da que ocorreu no período anterior.
Cabe fazer, aliás, uma distinção entre os objetivos desejados e seus promotores,
por um lado, e os fins obtidos, por outro lado. Se os primeiros são razoavelmente
seculares em suas intenções, os resultados não parecem modificar de maneira
significativa o sentido religioso dos centros urbanos. Se as políticas implantadas
não visavam diretamente “secularizar” os habitantes urbanos, elas também não
procuravam contribuir para o aumento do fervor religioso. Elas são, pelo menos,
inteiramente indiferentes ao fato religioso que sempre animou todos os aspectos
mais importantes da sociedade.
As medidas impostas pelo marquês de Pombal foram em boa parte seguidas pelos
seus sucessores. Aliadas à mudança de mentalidade que resulta de fatores
ideológicos, tiveram implicações diretas para os centros urbanos estudados.
Enquanto resultado de uma política direta e específica destinada ao Rio Grande do
Norte, suas conseqüências foram mais evidentes para as aglomerações de origem
missioneira. De modo geral, a era de Pombal representa o germe de um mudança
que se torna francamente perceptível em termos de uso, forma e função dos
centros urbanos. Este germe é suficientemente forte para deslanchar um processo
irreversível de transformação da cidade de Deus na cidade dos Homens. É neste
sentido geral que a era de Pombal assume toda a sua significação para nossos
objetivos. No final do corte histórico relativo a esta parte, a cidade continua a ser,
evidentemente, de Deus. Porém, os fundamentos da cidade dos Homens já foram
definitivamente implantados.
10