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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos.

Aproximações e distanciamentos

Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

23 | 2015
Número 23
Dossiê São Francisco

O rio Potengi e a cidade do Natal


em cinco tempos históricos.
Aproximações e distanciamentos
Le fleuve Potengi et la ville de Natal à cinq moments historiques. Rapprochements et éloignements
The Potengi river and Natal city in five historic times. Approximation and dissociation

Rubenilson B. Teixeira
https://doi.org/10.4000/confins.10114

Résumés
Português Français English
A cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte, nasceu e se desenvolveu “à sombra” de um
Rio, o Potengi. Em sua história de mais de quatrocentos anos, a cidade ora se aproxima, ora se
distancia do rio, num movimento que não é somente físico, mas também social e simbólico. Este
trabalho propõe a análise dessa relação segundo cinco períodos históricos - aqui chamados de
“Tempos” – que expressam, em termos de predominância, esse movimento de certa maneira
contraditório de aproximação e distanciamento entre cidade e rio ou entre rio e cidade. São eles:
Tempo 1. O rio como aliado da cidade nascente (1599-1614); Tempo 2. O comércio, o rio e a
cidade (1700-1900); Tempo 3. O rio como obstáculo para a cidade (1850-1916); Tempo 4. A
aviação. Aproximando o rio à cidade (1920-1945); Tempo 5. O rio “invisível” para a cidade (desde
1945). Sem qualquer pretensão de completude – afinal, são mais de quatro séculos de história - o
trabalho destaca, contudo, expressões pontuais de processos históricos bem mais longos
envolvendo a relação entre a cidade do Natal e o Rio Potengi.

La ville de Natal, capitale de l’État du Rio Grande do Norte, Brésil, est née et s’est développée “à
l’ombre” d’un fleuve, le Potengi. Au cours de son histoire de plus de quatre cents ans, la ville
tantôt se rapproche, tantôt s’éloigne du fleuve, dans un mouvement qui n’est pas seulement
physique, mais également social et symbolique. Ce travail propose l’analyse de cette relation
selon cinq périodes historiques – nommées ici «  temps  » - qui expriment, en termes de
prédominance, ce mouvement d’une certaine manière contradictoire de rapprochement et
d’éloignement entre ville et fleuve ou entre fleuve et ville. Ils sont  : Temps 1. Le fleuve comme
allié de la ville naissante (1599-1614) ; Temps 2. Le commerce, le fleuve et la ville (1700-1900) ;
Temps 3. Le fleuve comme obstacle pour la ville (1850-1916) ; Temps 4. L’aviation rapprochant le
fleuve à la ville (1920-1945)  ; Temps 5. Le fleuve «  invisible  » pour la ville (depuis 1945). Sans
aucune prétention à l'exhaustivité – c’est, somme toute, une histoire de plus de quatre siècles – ce

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travail met en relief, cependant, des expressions ponctuelles de processus historiques bien plus
longs impliquant la relation entre la ville de Natal et le Fleuve Potengi.
The city of Natal, capital of the State of Rio Grande do Norte, Brazil, emerged and evolved “in the
shadow” of a river, named Potengi. During its history of over four hundred years, the city
sometimes approximates, sometimes distances itself from the river, in a movement which is not
only physical, but also social and symbolic. This paper proposes an analysis of this relation
according to five historical periods – called “Times” in this work - which express, in terms of
predominance, this somehow contradictory movement of approximation and dissociation
between city and river or between river and city. They are  : Time 1. The river as an ally to the
emerging city (1599-1614); Time 2. Commerce, river and city (1700-1900); Time 3. The river as
an obstacle to the city (1850-1916); Time 4. The aviation approximating the river to the city
(1920-1945); Time 5. The river “invisible” to the city (since 1945). Without any pretension to
completion – after all, it is a history of over four centuries – this paper highlights, however,
specific expressions of historical processes which are quite longer involving the relation between
the city of Natal and the Potengi River.

Entrées d’index
Index de mots-clés : Natal, Fleuve Potengi, approximation, éloignement.
Index by keywords: Natal, Potengi River, approximation, dissociation.
Índice de palavras-chaves: Natal, Rio Potengi, aproximação, distanciamento.

Texte intégral

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Crédits : patrimoniodetodos.gov.br
1 A cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte, nasceu “à sombra” de um rio, o
Potengi. Ao longo de seus mais de quatro séculos de existência, a cidade manteve
relações com o seu rio que podem ser apreendidas das mais diversas formas. Nesse
trabalho, queremos explorar algumas facetas da relação histórica do Rio Potengi com a
cidade do Natal.
2 O Rio Potengi, que nasce em Cerro-Corá e encontra sua foz em Natal, a 176 km de sua
nascente, perfaz uma bacia hidrográfica de 3.180km²1. É de grande importância
histórica para a cidade do Natal e para o estado do Rio Grande do Norte, a começar pelo
nome. Nos primórdios da ocupação não-indígena do território potiguar, quando da
instituição das capitanias hereditárias por d. João III, em 1534, a capitania que daria
origem ao atual estado foi batizada pelos colonizadores de capitania do “Rio Grande”, e
alguns dos primeiros registros da cidade do Natal também a designavam cidade do “Rio
Grande”, em alusão ao rio. Ainda que documentos do início do século XVII já o
denominassem de Rio “Potigi”, que chegou aos nossos dias como “Potengi”, o nome Rio
Grande, que não é mais usado para designar o rio, permaneceu, porém, no nome do
estado do Rio Grande do Norte, cuja capital é Natal. A palavra Poti-gi, significa,
segundo Cascudo (1968: 117), “rios dos camarões2”.
3 Propomos cinco períodos históricos específicos de análise – aqui chamados de
Tempos - que podem servir para expressar as relações que se estabeleceram entre o Rio
Potengi e Natal. São relações de certa forma contraditórias, ora tendendo, em termos de
predominância, para a aproximação entre o rio e a cidade, ora para o seu
distanciamento, se não físico, pelo menos simbólico. Sem qualquer pretensão de
sermos exaustivos – afinal, são mais de quatro séculos de história, queremos, no
entanto, destacar o que pode ser considerado como expressões pontuais de processos
históricos bem mais longos entre ambos.

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Tempo 1: o rio como aliado da cidade


nascente (1599-1614)
4 Dentre as várias características morfológicas do sítio urbano inicial de Natal, comuns
a diversos núcleos urbanos fundados por portugueses na América portuguesa e em
outras partes, está a proximidade do seu sítio com uma fonte de água. Assim, Natal foi
fundada em 1599 às margens do rio inicialmente chamado Grande, mas desde cedo
também de Potigi, o atual Potengi. A cidade é, pois, como tantas outras cidades de
colonização portuguesa, fruto de um curso d’água. Não há registros documentais
explícitos sobre os motivos da escolha do sítio no qual surgiria a cidade. Contudo, não é
difícil conjecturar que a proximidade com o Rio Grande fosse um deles: o rio poderia
fornecer a tão essencial água para o consumo dos habitantes da cidade, mas também
para os animais, bem como servir para os moinhos e engenhos; poderia ser fonte de
alimentos, principalmente por meio da pesca; poderia servir como meio de penetração
no território, em seu trecho navegável. Essas razões, que não são privilégio de Natal,
estão entre as que justificaram plenamente a escolha do sítio urbano também dessa
cidade nas proximidades de um rio.
5 A importância de tal proximidade pode ser atestada de diversas maneiras.
Primeiramente, pela localização da Fortaleza dos Reis Magos, construção iniciada em 6
de janeiro de 1598, pouco mais de um ano antes da fundação de Natal. Essa edificação
militar, fundamental no processo de conquista da capitania, se situava, não por acaso,
na foz do Rio Grande, entre rio e mar. A Fortaleza, ao mesmo tempo em que servia de
sentinela ao longo da costa atlântica, impedia a entrada de intrusos rio adentro.
6 Desde a primeira metade do século XVI, têm-se notícias de naus francesas na costa
potiguar, inclusive adentrando o Rio Grande3. Na descrição que Frei Vicente do
Salvador fez, em 1627, do processo de conquista do Rio Grande no final do século
anterior, ele também destaca a presença dos franceses na região4. De fato, naqueles
tempos, era preocupante e incômoda essa presença francesa para a União Ibérica –
Portugal e Espanha5. É nesse contexto que a fundação de uma Fortaleza e de uma
cidade às margens do Rio Grande se torna essencial para os interesses coloniais
portugueses e espanhóis, uma vez que, naquele momento, as duas coroas estavam
reunidas numa só (1580-1640). Gabriel Soares de Souza, em seu tratado descritivo do
Brasil de 1587, ao acusar a presença francesa rio adentro, indiretamente nos ajuda a
entender por que a Fortaleza foi construída na sua foz. O mesmo relato também já
apontava o potencial de exploração econômica do estuário do Rio Grande:

Neste Rio Grande, podem entra muitos navios de todo porte, porque tem barra
funda de dezoito até seis braças (...) tem este rio um baixo à entrada da banda do
norte, onde corre água muito à vazante e tem dentro algumas ilhas de mangues,
pelo qual vão barcos por ele acima quinze ou vinte léguas e vem de muito longe.
Esta terra do Rio Grande é muito sofrível para este rio se haver de povoar, em o
qual se metem muitas ribeiras em que se podem fazer engenhos de açúcar pelo
sertão. Neste rio há muito pau de tinta onde os franceses o vem carregar muitas
vezes6.

7 É por esse motivo que antes do início da construção da Fortaleza, em janeiro de 1598,
as forças militares portuguesas tiveram que primeiro “descobrir o rio”, em busca de
possíveis inimigos, que não tardaram a surgir:

No dia seguinte pela manhã mandou Manuel Mascarenhas dois caravelões


descobrir o rio, o qual descoberto, e seguro entrou a armada à tarde guiada pelos
marinheiros dos caravelões, que o tinham sondado, ali desembarcaram, e se
trincheiraram de varas de mangues para começarem a fazer o forte não tardaram
muitos dias que não viessem uma madrugada infinitos, acompanhados de 50
franceses, que haviam ficado das naus do porto dos Búzios, e outros que aí
estavam casados com potiguares, os quais, rodeando a nossa cerca, feriram
muitos dos nossos com pelouros e flechas, que tiravam por entre as varas (...)
com o que não desmaiaram antes como elefantes à vista de sangue mais se

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assanharam, e se defenderam, e ofenderam os inimigos tão animosamente que
levantaram o cerco (SALVADOR, 1627: 105).

8 Uma vez feitos acordos de paz com os nativos do litoral e expulsos os franceses, a
Fortaleza e a cidade, esta última fundada em 25 de dezembro de 15997, vão sobreviver
em grande parte graças à proximidade com o rio. A exploração inicial da capitania,
através da pesca, da criação e da agricultura de subsistência ou com fins comerciais,
como a produção da cana-de-açúcar, caracterizam esse Tempo 1, de aproximação entre
o Rio Potengi com a cidade.
9 A exploração da pesca, principalmente por questões de subsistência inicialmente,
pode ser visualizada na Figura 1 abaixo, que reproduz e comenta um mapa da foz do Rio
Grande, publicado em 1609, cerca de uma década apenas após a fundação de Natal.
Entre outras informações dignas de nota, como a indicação do sítio urbano da capital
potiguar, no mapa se localiza a Fortaleza às margens do Rio Grande e as redes de pesca
e portos de pescaria, em vários pontos do rio e do mar, demonstrando ser essa uma
atividade que se desenvolveu desde cedo, pelos moradores de Natal e das vizinhanças.
10
Figura 1: A foz do Rio Grande em 1609.

Fonte: Moreno (1609). Ver prancha PT-TT-MR-1-68 m0005.TIF. As notas explicativas, pertencentes à
mesma fonte, foram transcritas por Medeiros Filho, (1997: 93-95)

11 A exploração inicial do Rio Grande pode ser mais bem visualizada num outro
documento, intitulado O Treslado do auto e mais diligências que se fizeram
sobre as datas de terras da capitania do Rio Grande, que se tinham dado
(ANÔNIMO. O Treslado...1909). Tratava-se de um dossiê que encerrava um conjunto
de documentos cujo objetivo era registrar de forma ordenada as concessões de terras já
distribuídas ou, como se dizia então, “repartidas” aos colonos na capitania do Rio
Grande, assim como evitar os abusos nessas concessões. Nesse documento, que reúne
186 doações de datas de terras aos colonos, várias referências nos ajudam a entender a
relação dos habitantes da cidade com o rio. A data 51 é um exemplo:
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A data 51 deu João Rodrigues Colaço ao padre vigário Gaspar Rocha em 23 de
junho de seiscentos e três, são mil e quinhentas braças, que começam da boca
do rio Guaraú pelo Rio Potigi acima, e quinhentas para o sertão, não fez
benfeitorias e é o porto de pescarias que foi dos capitães todos, e hoje é de Pero
Vaz a quem o deu o senhor governador Gaspar de Souza, é o melhor porto de
pescaria que aqui há e está defronte da Fortaleza8.

12 Essa data, depois doada novamente como data de n° 1859, entre outras, comprova
que na outra margem do Rio Potengi, de frente à Fortaleza dos Reis Magos, havia um
porto de pescaria, muito bom, que pertenceu aos mais altos dignitários da capitania,
pois “(...) é o melhor porto de pescaria que aqui há e está defronte da Fortaleza”. As
informações sobre a exploração da margem esquerda do Rio Grande se coadunam com
o mapa de Diogo Campos Moreno (Figura 1), que aponta locais com “redes” para a
pesca na margem oposta do Rio Potengi, em relação à Fortaleza, Aliás, é muito provável
que o nome do atual bairro da Redinha, no outra margem do Rio Potengi, tenha sua
origem nessas redes de pescar. A atividade pesqueira – às vezes com menção a portos e
trapiches – aparece em 18 datas do auto da repartição de terras10.
13 No mapa da Figura 1 aparecem três portos na margem direita do rio, próximos à
Fortaleza. Ainda que não sejam citados como tais no mapa de 1609, eles certamente
também funcionavam como “portos de pescaria”. Um desses três portos é citado
explicitamente na data 44:

A data quarenta e quatro deu João Rodrigues vassalo [sic] a Manoel Rodrigues e
a Antônio Freire seu cunhado em trinta de março de seiscentos e dois, é um porto
de pescaria, junto à Fortaleza desde o recife até o riacho primeiro, e hoje dos
soldados por o mandar assim o senhor governador geral Gaspar de Souza, e
pescam os soldados nele com sua rede (grifos nossos).

14 Segundo o relato, os soldados tinham autorização do governador geral para pescar


nesse porto ao lado da Fortaleza dos Reis Magos, talvez como compensação ou
complementação de seus magros soldos. O relato de Domingos de Beiga, que foi
Capitão-mor do Rio Grande por volta de 163011, resume nossas considerações sobre a
abundância do pescado no Rio Grande e sua exploração pelos moradores da cidade,
inclusive para exportação:

É este rio o mais fértil de peixe que há na Bahia, digo no Brasil, e nele se faz
muitas e grandes pescarias. E as mesmas pelas costas no verão de que vai
muito peixe salgado à Paraíba e a Pernambuco (Apud, LYRA, 2008: 58).

15 Em outro trabalho de nossa autoria, analisamos detalhadamente o auto da repartição


de terras do Rio Grande (TEIXEIRA, 2014). Na impossibilidade de nos estendermos
mais sobre esse documento aqui, queremos pontuar a partir dessa analise que, além da
pesca, várias outras atividades produtoras pressupunham ou manifestavam claramente
a proximidade da cidade do Natal com o Rio Potengi ou com outras fontes aquíferas.
Assim, o auto de repartição ainda nos permite concluir que: 1) o processo de ocupação
de terras se dava a partir da cidade do Natal, por distribuição de datas de terras
(sesmarias) aos colonos, localizadas às margens do Potengi e de outros rios, metade de
sua dimensão para cada margem; 2) a criação de gado, as roças, a plantação de cana
para a produção de açúcar, o recorte e retirada da madeira e o sal eram o que havia de
essencial na produção da capitania por volta de 1614. Desses, a produção da cana tinha,
na visão dos colonizadores, um lugar de destaque devido ao seu alto valor de mercado.
Todos esses itens de produção se localizavam nas ribeiras dos rios e lagos do litoral
oriental da capitania, área de ocupação colonial mais antiga, e particularmente às
margens do Rio Grande, próximo a Natal, colaborando para diminuir a fragilidade da
vida urbana da cidade nascente. Afinal, a maior parte dos primeiros colonos se
localizava na cidade do Natal e nas suas redondezas. O documento de repartição de
terras deixa entrever, em vários momentos, que a distância de algumas das datas
doadas em relação ao sítio urbano de Natal e, por conseguinte, do seu rio, explicava o

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fracasso de sua exploração, seja com o gado, com a cana ou com outra produção
qualquer.

Tempo 2: o comércio, o rio e a cidade


(1700-1900)
16 O Tempo 2 (1700-1900), que também é predominantemente de aproximação, é
subdividido em dois períodos, como se verá a seguir.

O Rio Grande como fonte de renda (1700-1800)


17 A continuidade das relações de aproximação da cidade do Natal com o Rio Grande
permanece ao longo do século XVIII. Ela pode ser detectada a partir de alguns
episódios que revelam que o rio continuava a ser fonte de exploração dos moradores da
cidade.
18 Uma carta do Provedor da Fazenda Real, Teotônio Fernandes Telmudo, datada de 08
de junho de 1741, começa informando que “(...) o rio que dá nome a esta capitania é
navegável e só se atravessa em embarcações”. Ao vir morar na cidade, o Provedor se
deu conta de que havia uma taxa que os moradores pagavam para a travessia do rio, e
que, ao invés de ser recolhida pela Provedoria da Fazenda, que tinha legalmente o
direito sobre esse imposto, segundo o Provedor,

(...) era a Câmara que administrava a passagem e cobrava os tais direitos para
as despesas do Conselho, como também dois mil réis de cada pesqueira das que
há na costa do mar cada ano: e que, além disto, costumava dar datas de terra em
circuito de uma légua desta cidade e na mesma cidade, tudo por uso antigo sem
para isso terem foral nem para outra cousa alguma sobre o que tinha havido
contenda perante o desembargador Cristóvão Soares Reymão que afinal julgava
lhe não tocava pela falta do dito foral e também por não haver exemplo nos
lugares e vilas circunvizinhas, de que a mesma Câmara apelara para o juízo dos
feitos de sua Real coroa de onde ainda não tinha vindo decidida a tal dúvida.

19 Os colonos, donos de datas na ribeira do Rio Grande ou não, também disputavam o


direito dessa exploração, como demonstra um dos documentos que fazem parte dos
autos, datado de 14 de julho de 1744, segundo o qual

(...) pela conta que deram a Vossa Majestade os oficiais da câmara desta cidade
sobre a arrematação que intentaram fazer da passagem da ribeira e não ser
conveniente que se cumprisse a sentença que alcançaram os donatários da
referida terra da ribeira e mais razões nela expandidas (...) ordena Vossa
Majestade por resolução sua de 29 de janeiro de 1744 que (...) não se devem
conceder sesmarias sem se reservar meia légua de terra para uso público junto
dos rios em que há barca ou canoa e que também à Câmara não deva ser tirada
da posse da légua de terra que se costuma deixar para uso do povo e
rendimento das Câmaras e assim se praticará neste caso (...) ainda que não
tenha foral que lhe conceda a dita terra, nem ainda podem as Câmaras aforar
aos particulares o que é próprio dos conselhos sem permissão minha, porém a
passagem da barca como direito real não pode pertencer à Câmara e toca a sua
administração ao Provedor da fazenda real aonde deve cobrar-se o rendimento
da barca ou canoa sem prejuízo do serviço público12.

20 O conjunto de documentos analisados revela que os oficiais da Câmara recorreram de


uma sentença judicial que fora favorável aos donos de terras ribeirinhas ao rio. O autor
do documento datado de 14 de julho de 1744, Francisco de Miranda, cujo cargo não
conseguimos decifrar, evidencia, assim como a carta do Provedor da Fazenda Real
Teotônio Fernandes Telmudo, que o debate envolvia não somente a exploração da
travessia do rio e a pesca, mas também a discussão sobre quem tinha o direito de
demarcar e doar essas terras ribeirinhas e a quem o foro pelo uso das mesmas terras

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deveria ser pago. A resolução que Sua Majestade tomou sobre o assunto, em sua carta
de 29 de janeiro de 1744, parcialmente transcrita acima, estabeleceu os direitos de cada
parte envolvida. Cabe destacar, nesse debate - cujos vários desdobramentos
infelizmente não cabe aqui esmiuçar - que a travessia do rio e a atividades pesqueira
geravam renda por meio de tarifas, disputadas entre o Senado da Câmara e a
Provedoria da Fazenda. O debate também demonstra a importância estratégica das
terras doadas na cidade e em particular às margens do Rio Grande, que facilitavam essa
exploração13. As doações ficavam a cargo do Senado, que era questionado sobre esse
direito por não dispor do foral, documento que, entre outras funções, o autorizava a
isso.
21 Outro episódio que revela a exploração do Rio Grande e do litoral em geral se
encontra na carta que o Senado da Câmara de Natal escreveu a dona Maria I, em 05 de
outubro de 1799, solicitando-lhe a emancipação da capitania do Rio Grande do Norte
da de Pernambuco, como havia ocorrido com as da Paraíba e do Ceará. Em tom
panfletário, os oficiais da Câmara exaltam as várias produções da capitania, como
algodão, farinha de mandioca, arroz, açúcar, milho, pau-brasil, sal e gado bovino, e
insistem na abundância dos peixes no litoral, acrescentando que a capitania “(...) tem
belos portos marítimos, e bons surgidouros14 porquanto o desta cidade franqueia
entrada a embarcações d’alto bordo, (...)”, uma referência direta ao porto de Natal. Em
determinado momento, afirmam os oficiais: “(...) que fome, que cruel fome soberana
senhora! Não sofreriam os moradores de Pernambuco, se não fossem constantemente
fornecidos de peixe que lhe vai das praias desta capitania (...)15”.Apesar de não citar o
Rio Potengi especificamente, mas a capitania como um todo, esse rio era certamente
uma das fontes da “pujança” econômica da capitania, motivo que justificava, aos olhos
dos oficiais da Câmara, a independência de Pernambuco.
22 De fato, a existência de portos, de onde se exportava para Pernambuco peixes e
outros produtos, como o algodão, expressa um aspecto importante da economia
potiguar entre fins do século XVIII e início do seguinte. Baseado num documento de
1822, Dias (2008), que estudou as dinâmicas mercantis coloniais da capitania do Rio
Grande do Norte entre 1760 e 1821, menciona, por exemplo, a existência de 23 portos
secos16 na capitania, voltados principalmente para a exportação do algodão. Dois deles,
conclui o autor, se situavam em Natal. Ele também analisa o papel econômico da pesca,
associada à exploração do sal, do qual a capitania também era grande produtora. Após
considerar vários aspectos da atividade pesqueira na capitania do Rio Grande do
Norte17, ele conclui:

Entre 1811 e 1813, a Capitania produziu 461 000 peixes secos, consumindo e
permanecendo para o comércio local 40% da produção e exportando para
Pernambuco os demais 60% (...) os pescados movimentaram a economia
colonial da capitania a ponto de criar circuitos mercantis intracolonial, ligando as
Capitanias vizinhas, notadamente a de Pernambuco – quando os próprios
pescadores vinham de outras localidades da Colônia ou quando enviavam suas
redes de pesca para essa prática. De uma forma ou de outra, as rotas mercantis
gestadas pela pesca tornaram o peixe seco um atrativo econômico relevante para
a Capitania, tendo em vista que, além do peixe, disponibilizamos de quantidades
vultosas de sal18.

23 Ainda que a análise seja genérica – afinal se tratava da produção pesqueira e toda a
capitania, que detinha vários rios e lagoas onde o peixe era abundante, o fato é que o
Rio Potengi continuava a ser, desde o Tempo 1, como vimos, um dos principais pontos
dessa atividade, aproximando os habitantes de Natal do seu rio. A simples referências
aos portos da cidade, de onde não somente o pescado, mas também o algodão e outros
produtos eram exportados, principalmente para Pernambuco, reforça esse aspecto.

O Rio Grande ou Salgado como rota comercial:


Natal e outras localidades ribeirinhas (1800-1900)
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24 Nesse período se destaca o florescimento comercial de algumas localidades situadas


às margens do Rio Salgado, como o Rio Potengi ou Rio Grande passou a ser chamado
no século XIX. Esse florescimento tem profundas implicações para a cidade do Natal.
Evidentemente, a atividade comercial em torno do rio precede o século XIX, como
vimos desde o Tempo 1. Nesse Tempo 2, contudo, a atividade comercial é
particularmente visível e de profundas implicações para a relação entre Natal e o Rio
Potengi.
25 O oficio do Capitão-mor do Rio Grande do Norte, José Francisco de Paula Cavalcanti
Albuquerque, datado de 15 de abril de 1807, serve com introdução a este novo
momento. Ele afirma que

(...) há diversas freguesias e povoações no seu termo [Natal], que vão em


aumento, e é o total de seus habitantes 6 290. A maior parte dos víveres são
transportados para a cidade pelo rio, em razão de ela ser cercada distante três
léguas pela parte do sul, por grandes morros de areia (...) os seus edifícios são
todos muito maus, à exceção da casa de residência dos governadores, do Erário
e da casa de Câmara. Há no dito termo 33 fazendas de gado (...) 7 engenhos de
fazer açúcar e 4 engenhocas de fazer rapaduras e aguas ardentes (...) a
abundância de peixes fornece aos ditos povos e a todos os mais que habitam
nas vizinhanças de toda a costa, um grande comércio, pois em toda ela pescam,
apesar da falta de mãos que lhe facilitem a pesca. O azeite tanto de peixe como
de mamona de que há uma fábrica na cidade, também é um ramo de comércio
apenas principiado que vai em grande aumento19.

26 A importância de atividades econômicas como a criação de gado, a produção de


açúcar e seus derivados, assim como a pesca, novamente afirmada nesse ofício, era tal
no litoral da capitania e na cidade do Natal que nesta já existia uma fábrica de azeite de
peixe e de mamona. Contudo, a importância maior desse documento para esse Tempo 2
está na menção que faz o Capitão-mor ao rio como rota de abastecimento para a cidade.
De fato, desde pelo menos o início do século XIX que as autoridades tomaram
providências no sentido de aproximar a cidade do seu rio, principalmente por razões
comerciais20. A rota de abastecimento fluvial de Natal, pelo Rio Grande ou Salgado
denota um processo de desenvolvimento da atividade comercial ao longo de seu trecho
navegável, unindo Natal a pequenas localidades e entrepostos comerciais que vão se
desenvolver graças, precisamente, à atividade comercial, à feira, à importação e
exportação.
27 Um ou mais caminhos ligando a cidade do Natal ao Rio Grande devem ter existido
desde o início da colonização, a exemplo da estrada que o Senado da Câmara decidira
construir ligando a aglomeração ao rio para melhor defendê-la contra os “gentios” em
1689, durante a Guerra dos Bárbaros (TEIXEIRA, 2009: 361). Contudo, um desses
caminhos antigos é explicitamente citado em documento de 1805. Ele ligava o rio à
acrópole, ou cidade alta, onde ficava a cidade propriamente dita. Uma ladeira íngreme,
as chuvas dificultavam o trânsito de pessoas e mercadorias por ela. O Capitão-mor Lopo
Jaoquim de Almeida Henriques fez melhorias significativas na ladeira, segundo um
documento escrito e assinado pelos vereadores de Natal, juntamente com a “principal
nobreza da população desta cidade”, em 29 de maio de 1805. Os autores do documento
dizem que

(...) até a grande estrada que fez Lopo Joaquim de Almeida Henriques, do
desembarque do porto para esta cidade, a grande obra e também a última de
que falamos a Vossa Alteza Real. Aqui é onde este governador se faz admirar e
rouba a atenção de toda a população, as grandes cavidades que faziam as
enxurradas (...) deixava um passo íngreme a subida do desembarque da cidade,
porém Lopo Joaquim não perde de vista esta grande obra: chama operários e
atenta, e muitas vezes foi visto com uma picareta na mão ensinar a despedaçar e
a arrancar pedras soberbas; outras vezes ele mesmo também com os seus
próprios braços pegando na enxada, ensinou a aplainar e endireitar a mesma
estrada, fazendo trabalhar nesta laboriosa empresa e até muitas vezes
sustentado a sua custa todos aqueles presos que se achavam a sua voz
recolhidos à cadeia, e em pouco tempo (...) apresenta e ao público um plano

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inclinado por onde desembaraçadamente se desce e sobe sem a menor objeção
e dificuldade21.

28 O relato destaca que o caminho ligando o porto, localizado à margem do Rio Grande,
e a cidade –já existia, e devia ser muito antigo. Essa estrada íngreme era conhecida
como “Rua da Cadeia” por se iniciar na praça central da cidade próximo à casa de
Câmara e cadeia, situada na acrópole. Em 1847 ela se chamava de “Caminho Novo do
Doutor Sarmento”. Sofreu intervenções posteriores, como descritas por Rodrigues
(2006), fundamentando-se em outros autores. Hoje, essa rua, bastante larga, se chama
Rua João da Mata (Figura 2).
29 Nas proximidades do rio formou-se uma animada feira, que ocorria num local
conhecido como Passo da Pátria. Essa feira, que ainda acontecia nas duas primeiras
décadas do século XX, recebia, por meio do rio, vários tipos de produtos de outras
localidades, e abastecia a cidade valendo-se do caminho em apreço. O Presidente da
Província do Rio Grande do Norte, José Meira, ao decidir calçá-lo em 1866, afirma:

A necessidade de calçar a ladeira da cadeia, por onde subiam as pessoas e se


fazia o transporte dos gêneros, que pelo rio chegavam de diferentes partes a esta
capital, era tão saliente, que bastava examiná-la e ter o mal ligeiro conhecimento
das cousas do lugar para compreendê-la (...) o calçamento desta ladeira não é
uma comodidade só para os habitantes da Capital, não importa um simples
aformoseamento, é a continuação por assim dizer, da via fluvial por onde chegam
em grande parte os gêneros alimentícios do mercado publico (...) É pois uma
obra de interesse para o comércio e de utilidade incontroversa, como geralmente
se reconhece22.

Figura 2. A Rua João da Mata, centro de Natal

Rua João da Mata, vista aérea (Fonte: Google Earth)

a.

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30 O Passo da Pátria, mas também a Alfândega, igualmente situada às margens do Rio


Salgado, representavam elementos de ligação da cidade com o rio e com florescentes
localidades comerciais ao sul do mesmo rio, como Macaíba e o porto de Guarapes,
ambos situados às margens do afluente Jundiaí. A Figura 3 mostra o plano topo-
hidrográfico de 1847 e a ampliação de parte dele, no qual estão identificados o Caminho
Novo do Doutor Sarmento ou Rua da Cadeia, atual João da Mata, e sua ligação com o
porto, assim como o Aterro do Salgado, ou a passagem da coroa, localizada do outro
lado do Rio Salgado, ao qual voltaremos. A Figura 4 mostra as relações hidrográficas e
terrestres de Natal com essas e outras localidades do litoral, em 1878.

Figura 3. Plano topo-hidrográfico do Rio Grande do Norte

a-Plano topo-hidrográfico do Rio Grande do Norte. 1847. Fonte: Biblioteca Nacional.

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b-Croqui
A partir de (a), croqui com trecho ampliado (b). Convenções do croqui: “Demarcação em vermelho: Aterro do
Salgado e Ladeira da Cadeia. As mercadorias desciam pelo rio Jundiaí e paravam no porto do Passo da
Pátria, tradicionalmente utilizado para o abastecimento interno da capital, via Cidade Alta”.
Fonte do croqui e do texto correspondente: Rodrigues (2006: 46

31 Esse complexo comercial envolvendo Natal e outras localidades às margens do Rio


Salgado e de seus afluentes, como o Jundiaí, incluem vários pontos estratégicos. Em
Natal se localizavam, além do Passo da Pátria, da Alfândega, do Caminho Novo do
Doutor Sarmento e do Aterro do Salgado, também o cais da Tavares de Lyra. Fora da
cidade faziam parte dessa “rede” pontos estratégicos como o entreposto e porto de
Guarapes, a antiga estrada de Macaíba, a cidade e o porto de Macaíba, bem como o
entreposto de Utinga.
32 Enfim, o século XIX é marcado por uma maior atividade comercial, fruto do
liberalismo econômico típico dessa centúria, que foi caracterizado na província do Rio
Grande do Norte por várias ações que vão desde os incentivos fiscais do governo
provincial para o desenvolvimento do comércio de exportação, pelo surgimento de uma
classe tipicamente capitalista, com homens de negócio, a exemplo, entre outros, do
comerciante Fabrício Gomes Pedrosa, pelo desenvolvimento da feira livre e das
transações comerciais entre os núcleos urbanos, especialmente do litoral. Nesse
contexto, o Rio Grande ou Salgado tem um papel fundamental. Natal se aproxima do
rio e de outras localidades às suas margens por via do comércio. Às margens do Rio
Grande se desenvolve, em Natal, uma área comercial, para além da feira do Passo da
Pátria, detectada por Henry Koster (1978: 89) quando de sua passagem em 1810. Ele
calculou que nessa área às margens do rio viviam entre 200 e 300 habitantes, e nela
residiam “(...) os negociantes do Rio Grande.”

Figura 4. Fluxos em torno do Rio Salgado em 1878

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O mapa é acompanhado do seguinte texto: “Mapa dos fluxos do rio Salgado no ano de 1878. Havia pelo
menos dois tipos de transporte no rio. Um era destinado ao comércio de exportação, cujos principais
entrepostos eram a Ribeira e o porto de Guarapes. O comércio de abastecimento interno era polarizado pelo
porto de Macaíba e do Passo da Pátria. Notar que conexão terrestre dos entrepostos situados no Jundiaí era
muito mais eficiente do que a da Capital”. Fonte da Figura e do texto: Rodrigues (2006: 81)

Tempo 3: o rio como obstáculo para a


cidade (1850-1916)
33 Por outro lado, e contraditoriamente, o Rio Salgado, Grande ou Potengi “se
distanciou” da cidade ainda no século XIX, uma vez que passou a ser visto como
obstáculo, pois a isolava do interior da província, depois estado do Rio Grande do
Norte, prejudicando, assim, o desenvolvimento comercial de ambos. A busca por
melhorar a conexão da capital com o interior se dava num contexto que resultava da
necessidade de incorporação econômica deste último ao mundo capitalista
internacional, ou da extensão de relações tipicamente capitalistas de produção ao
campo, pelo viés de Natal.
34 O rio representava um obstáculo não somente em relação ao interior, mas em direção
ao mar, pois a sua barra dificultava o acesso de embarcações ao porto, algo bastante
conhecido e citado, por exemplo, nos relatórios dos Presidentes de província ao longo
do século XIX. Henry Koster, em sua vista à cidade em 1810, fez uma série de
considerações sobre o porto de Natal, destacando o seu difícil acesso por causa dos
arrecifes e acrescentando, todavia, que “(...) o rio é muito seguro, quando se haja
vencido a barra” (KOSTER, 1978: 89-90)23.
35 Desde o início do século XIX já se mencionava o isolamento da capital, como vimos
no relato do Capitão-mor José Francisco de Paula Cavalcanti Albuquerque, de 1807,
para quem a cidade estava isolada pelo rio e pelas dunas24. Esse discurso se intensifica
principalmente a partir de meados do século XIX, ao mesmo tempo em que, e não por
acaso, começa a se discutir a possibilidade de mudança da capital para outras
localidades, mais propícias do ponto de vista da interligação com o interior e, por
conseguinte, para o desenvolvimento do comércio.
36 A partir de 1855, se sucedem as discussões, a favor e contra a mudança da capital,
para localidades como São José de Mipibu, mas também para Macaíba e o porto de
Guarapes25, essas duas últimas localidades em pleno desenvolvimento graças ao

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comércio ao longo do Rio Potengi, em detrimento de Natal. Nesses debates se destaca o


fato de que o Rio Salgado era visto como um obstáculo que precisava ser vencido, se a
cidade quisesse incrementar o seu comércio com o interior e, assim, manter o seu status
de capital.
37 Assim, as tentativas de superação do obstáculo do rio surgem desde a primeira
metade do século XIX, e podem ser resumidos nos seguintes itens26: 1) a construção da
ponte do Peixe-Boi sobre o Rio Jundiaí, afluente do Potengi, nas proximidades de
Macaíba; proposta em 1837, só é iniciada de fato em 1858. Ela vai facilitar a conexão
dessa localidade com o interior, conferindo-lhe grande importância comercial, por meio
de sua feira27; outras localidades, como Utinga e o porto de Guarapes, também
despontam como pontos comerciais; 2) A construção do Aterro do Salgado, ou o
Caminho Novo do aterro da Coroa, nome que designava o terminal de uma estrada, a
do Norte, localizado do outro lado do Rio Salgado, de frente a Natal. Esse aterro tinha
por objetivo ligar a capital ao interior da província do Rio Grande do Norte e de
províncias vizinhas, por meio de estradas. A travessia entre o aterro e a cidade era feita
por embarcações, como ocorrera desde sempre, tendo em vista a falta de recursos para
a construção de uma ponte naquele local. Citado desde 1839, vários trabalhos de
manutenção e de recuperação desse aterro - situado em área de manguezais, sujeito a
marés altas, do outro lado do Rio Salgado (Figura 3b) e, portanto, frequentemente
deteriorado - se sucedem até 1870, pelo menos; 3) um terceiro elemento de integração
da capital ao interior, da maior importância e que, por si só, mereceria uma discussão à
parte, reside no surgimento da estrada de ferro. Esta finalmente, consegue transpor o
Rio Salgado – ou, melhor dizendo, o Rio Potengi, para usar o termo que se impõe no
século XX - em 1916.
38 Na impossibilidade de uma discussão mais detalhada sobre as estradas de ferro e sua
relação com o rio, nos limitaremos a afirmar que essas redes de transporte –
primeiramente a Estrada de Ferro de Natal a Nova Cruz, posteriormente incorporada
pela inglesa Great Western Railway Company, assim como a Estrada de Ferro Central
do Rio Grande do Norte, todas passando ou se iniciando em Natal e no seu porto –
resultaram de uma escolha deliberada da elite político-administrativa da província e, a
partir de 1889, do estado do Rio Grande do Norte, no sentido de reforçar o papel de
Natal como capital, ao integrá-la com o interior. As estradas de ferro finalmente
transpõem o Rio Potengi a oeste e superam o obstáculo representado pelas dunas ao
sul, em ambos os casos diminuindo o isolamento da capital em relação ao interior do
Rio Grande do Norte e a outros estados. Uma das maneiras mais evidentes desse
esforço político se verificou na busca, pela classe dirigente, de uma determinada
organização do território e de sua rede urbana ainda em formação que os subordinasse
principalmente do ponto de vista econômico, à cidade-capital. Assim, a produção da
província e depois do estado – especialmente a cana-de-açúcar e o algodão e seus
derivados, que estão em plena ascensão na segunda metade do século XIX - deveria ser
escoada por Natal, cidade cujo porto deveria ser o elo entre o interior e outras partes do
país e do mundo, por meio do sistema ferroviário que então se implantava. O sistema
ferroviário, cujas primeiras experiências se iniciam a partir de 1881, foi implantado,
portanto, de tal forma a subordinar economicamente o território e, por conseguinte as
demais localidades, à cidade do Natal. É o caso do vale do Ceará-Mirim, zona produtora
do açúcar, que tinha no porto de Natal seu ponto de escoamento. Esse reordenamento
ou, melhor dizendo, o reforço dessa subordinação territorial, uma vez que Natal já era
capital desde sempre, foi em grande parte possível graças à implantação da ferrovia,
que desestabilizou o sistema anterior de comunicação fluvial pelo rio Potengi e com isso
sufocou cidades que dele se beneficiavam, como Macaíba, gerou disputas acirradas com
a elite política da cidade de Mossoró, curiosamente contrária à mudança de capital, e
permitiu o investimento no porto e na cidade do Natal, outras facetas desse mesmo
processo. O porto e a ferrovia estavam indissociavelmente relacionados, fazendo parte
de um mesmo e único sistema. Esse terceiro momento termina simbolicamente em
1916, ano em que se conclui a construção da ponte de ferro sobre o Rio Potengi, um
marco em uma luta no mínimo centenária de transposição do obstáculo representado
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pelo Rio Potengi. A linha de ferro e sua ponte pareciam ser, no discurso da elite, a
grande solução desejada para o futuro do estado do Rio Grande do Norte.

Figura 5. Ruínas atuais da ponte da estrada de ferro sobre o Rio Potengi.

Ao fundo, a cidade do Natal.


Fonte: Google Earth.

39 A ponte de concreto ao lado é data de 1970. Fonte: Google Earth. Se, por um lado, a
linha férrea aproxima Natal do interior do estado, aumentando sua influência e
consolidando seu status de capital, por outro lado suas linhas, equipamentos e
instalações terminam por impactar o espaço urbano da cidade e sua relação com o Rio
Potengi, ora funcionando como obstáculo físico entre o rio e a cidade, ora de certa
forma aproximando-os. Nesse momento, interessa-nos tão-somente tecer alguns
comentários sobre essa relação conflituosa entre rio e cidade, tendo as linhas férreas
como os protagonistas28.
40 A Cidade Alta, primeiro bairro de Natal, se separava da cidade baixa, ou Ribeira,
segundo bairro mais antigo, por uma área alagada, perceptível no mapa da cidade de
1864 (Figura 6). Desde a primeira metade do século XIX, os Presidentes de província
passaram a ver esse local como propício para um espaço público, para o quê ele teria
que ser aterrado e sofrer outras intervenções. Isso somente começa a ocorrer, de fato,
no final do século XIX. Símbolo da modernidade urbana que a elite queria então
instaurar na cidade, o local, que foi objeto de uma intervenção paisagística pelo
arquiteto Herculano Ramos em 1904, reunia uma praça por ele projetada, em torno da
qual se localizavam os principais prédios públicos da cidade e o terminal da estação de
trem da Great Western. Qualquer viajante que chegasse pela cidade, ilustre29 ou não,
entraria no espaço da cidade por essa praça, cuja localização, na Ribeira e a apenas
cerca de 300 metros do Rio Potengi, também demonstrava a importância crescente
desse bairro em detrimento da Cidade Alta, o marco zero de Natal. O terminal
ferroviário e a praça, inicialmente da República depois Praça Augusto Severo, passam a
compor, então, a “porta de entrada” de Natal30.

Figura 6. Natal em 1864.

Segundo o Atlas do Império do Brazil, de Candido Mendes de Almeida. Além das


praças, podemos distinguir: 4 igrejas (1: Nossa Senhora da Apresentação; 2: igreja do

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Rosário; 3: Santo Antônio; 4 Bom Jesus, situada na Ribeira


41 Ribeira
); 10 edifícios públicos: (5: o Palácio do Governo; 6: a assembléia provincial; 7 a casa de
Câmara e cadeia; 8: tesouraria da fazenda
42 fazenda
; 9: tesouraria provincial; 10: a alfândega; 11: Escola (Atheneu); 12: quartel militar; 3:
quartel de polícia, ocupando as dependências da igrejas Santo Antônio; 14: hospital
militar. Observe a área inundada que ainda separava a cidade
43 cidade
alta da Ribeira.
A planta original, aqui modificada, foi reproduzida in (MIRANDA, 1999: 55)

44 O bairro da Ribeira - nome que faz referência ao Rio Potengi por se situar as suas
margens31 – recebeu vários investimentos em infraestrutura ferroviária, além de
melhorias no porto, reforçando assim o seu papel de destaque no cenário urbano da
cidade, que permanecerá até a Segunda Guerra Mundial. Essas intervenções na
infraestrutura de transporte se localizavam perto do Rio Potengi, e dele não estão
dissociadas. O bairro também passa a receber equipamentos públicos que o reforçam
como a nova centralidade de Natal, em detrimento da Cidade Alta.
45 As instalações do parque ferroviário causam um impacto contraditório na relação do
rio com a cidade, aproximando-os e ao mesmo tempo separando-os. A linha férrea
tende a contribuir para o desenvolvimento da Ribeira, próximo ao rio e, mais do que
isso, a atrair para suas proximidades uma população operária, de baixa renda,
formando, como no caso do Passo da Pátria, bolsões de pobreza no seu entorno. Esse
processo aproxima fisicamente a cidade do Natal ao Rio Potengi, ao atrair a sua
expansão urbana na direção do rio. Considerando a divisão atual de bairros da cidade32,
essas populações vão se instalar em áreas nas Rocas, no Alecrim e nas Quintas
(Guarita), no Alecrim e na Cidade Alta (Passo da Pátria), sempre nas proximidades do
rio, como mostram as Figuras 7 e 8. Evidentemente, não é só a linha de ferro que
explica essa aproximação da cidade ao rio, nem a formação desses bairros ou de parte
deles. Por exemplo, a ampliação do porto também está na origem da fixação de uma
população de baixa renda nas Rocas, da mesma forma que o surgimento dos bairros
Alecrim, como as Quintas, tem principalmente a ver com o caminho que ligava a cidade
ao sertão, via Macaíba (CASCUDO, 1999: 246-247, 255, 357). Contudo, a linha férrea
tem sua parcela de contribuição nesse processo de formação dessas periferias próximas
ao Rio Potengi.
46 No que diz respeito à separação que a mesma via férrea provocou, um exemplo
bastante ilustrativo da separação está no cais e feira do Passo da Pátria, local, que como
vimos, foi ponto de abastecimento da Cidade Alta desde, pelo menos, o século XIX. O
“Caminho Novo do Doutor Sarmento”, ladeira que sofreu intervenções desde pelo
menos 1805, era uma “extensão do rio” em direção ao centro de Natal e caminho por
onde passava todo tipo de produto que abastecia a cidade, proveniente de outras
localidades situadas às margens do rio e de mais distante. A construção da linha férrea
isola o Passo da Pátria e corta perpendicularmente essa antiga estrada que o unia à
Cidade Alta, asfixiando esse local e sua feira, que entram progressivamente em
decadência nas primeiras três décadas do século XX. O Passo da Pátria, espremido
entre o rio e o mar, se torna uma área periférica, reforçando ainda mais, até os dias de
hoje, o seu caráter de baixa renda. A linha férrea vai favorecer agora o bairro da Ribeira,
a Cidade Alta ficando desprovida de uma fonte de abastecimento importante33.

Figura 7. O Passo da Pátria, a linha férrea e o riacho do Baldo.

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O Riacho do Baldo, em vermelho, divide o Passo da Pátria entre o Alecrim, à esquerda, e a


Cidade Alta, à direita. Fonte da figura: Medeiros (2011: 79)

Figura 8. Espacialização das áreas adjacentes às ferrovias em Natal

Nessa figura, chamamos atenção para: 1) a linha vermelha representando a linha férrea serpenteando o
Rio Potengi e delimitando a cidade; 2) As áreas periféricas que se formam nas proximidades da mesma
linha (hoje bairros do Alecrim, Guarita, Passo da Pátria e Rocas, respectivamente nas cores laranja, rosa,
verde escuro e verde claro); 3) Parques ferroviários da Great Western e da Estrada de Ferro Central do Rio
Grande do Norte (respectivamente em cor magenta e azul escuro), ambos situados na Ribeira.
Fonte: Medeiros (2011: 84)

47 A linha férrea também contribui para distanciar a cidade como um todo desse mesmo
rio. Áreas desvalorizadas, sujeitas a inundações, perigosamente próximas a linhas
férreas que as separam fisicamente do restante da cidade e fundamentalmente espaços
de pobreza, essas áreas ribeirinhas funcionam como obstáculo entre o rio e o restante
da cidade, especialmente as áreas nobres.
48 As Figuras 7 e 8, produzidas por Medeiros (2011), que estudou o impacto dessas
redes ferroviárias no espaço da cidade, também discute, baseado num interessante
artigo de junho de 1917 que ele transcreve, o fato de que, enquanto a Praça Augusto
Severo era o ponto focal da modernidade natalense, essas vias férreas pelas quais
passavam os visitantes que chegavam à mesma praça, os expunha, pelo contrário, à
feiura e a pobreza dessas periferias (MEDEIROS, 2011: 81-83).

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Tempo 4: a aviação aproximando o rio à


cidade (1920-1945)
49 Ainda que a aviação seja uma “aventura” cujos primórdios antecedem a Primeira
Guerra Mundial, é no período do entre as duas Grandes Guerras, particularmente na
década de 1920, que a aviação apresenta progressos notáveis. As linhas aéreas se
expandem aos poucos em várias direções do planeta. Nesse contexto, Natal apresenta
grandes vantagens estratégicas, tendo em vista ser o ponto mais próximo entre a
Europa, a África e a América do Sul e, portanto, de onde a travessia do grande oceano
representava as menores dificuldades.

Quadro 1. A aviação comercial e estratégica em direção ao Brasil e à América do Sul:


Natal como escala internacional (1920 - 1940)

ESCALA
PAÍS DE
EMPRESA EM OBSERVAÇÃO
ORIGEM
NATAL

Substituiu as Lignes Aériennes Latecoère, que


funcionou de 1918 a 192734. Entre 1928 e
Compagnie
1928- 193535, a travessia do Atlântico entre Natal e
Générale França
1933 Dakar, no Senegal, se fazia inicialmente por
Aéropostale - CGA
embarcações, os avisos rápidos, depois por
hidroaviões.

1933- Empresa estatal criada a partir da fusão de


Air France França
1940 cinco companhias aéreas então existentes36

Sua subsidiária no Brasil era a Condor do Brasil


Ltda. Associou-se a estatal alemã Lufthansa a
1930- partir de 1934. Mantinha fortes relações com as
Condor Alemanha
1940 empresas brasileiras VASP e VARIG. Foi
totalmente nacionalizada, no contexto da 2ª
Guerra Mundial.

O interesse da escala em Natal surge a partir de


1929, com visitas de aviões da empresa
americana NYRBA (New York Buenos-Aires).
Pan American No mesmo ano, foi criada a subsidiária Nyrba
Estados 1930-
World Airways – do Brasil. Em 1930, essa empresa foi adquirida
Unidos 1965.
Pan Am pela Pan Am e renomeada PanAir do Brasil, que
vai atuar até 1965. A partir de 1941, no contexto
da durante a 2ª Guerra Mundial, investe em
vários aeroportos, inclusive no de Natal.

LATI (Linee Aeree Teve uma atuação curta, pois suas ações foram
1939-
Transcontinentali Itália interrompidas no Brasil em razão da Segunda
1942
Italiane) Guerra Mundial.

50 Aviadores representantes das empresas interessadas empreendiam viagens e estudos


prévios no intuito de verificar a viabilidade técnica e comercial das rotas pretendidas,
assim como faziam negociações com as autoridades locais no lado americano do
Atlântico, as quais estavam ávidas por incluir suas cidades no circuito mundial da
aviação nascente. Isso é patente no caso de Natal, que desde a primeira metade da
década de 1920, pelo menos, passou a receber visitas desse tipo. O apoio político das
elites locais necessário à efetivação desses empreendimentos resultava do desejo de
facilitar a comunicação da cidade e do país com centros mais avançados do mundo
pelos mesmos motivos comerciais e de prestígio que motivavam as nações do outro lado
do Atlântico. Afinal, como o navio e a locomotiva a vapor, o avião era – e mais ainda -
símbolo do progresso. O Quadro 1 resume as principais companhias aéreas que fizeram
de Natal um ponto de escala incontornável em suas rotas para o Brasil e outros países

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da América do Sul, entre o final da década de 1920 e início da década de 1940, em plena
Segunda Guerra Mundial.
51 Algumas características comuns às empresas do Quadro 1 podem assim ser
resumidas: 1) As linhas foram estabelecidas por etapas ou trechos, os percursos
aumentando gradativamente à medida que novos pontos geográficos, geralmente
cidades localizadas em países da Europa, África e América do Sul, eram incluídos em
suas rotas respectivas; 2) cada um desses trechos, e em especial a travessia do Atlântico,
representava um grande obstáculo técnico a ser vencido; 3) Natal se tornou uma escala
da maior importância par as empresas e nações envolvidas na ampliação dessas linhas
em escala Internacional, em direção a América do Sul; a cidade entra, assim, no circuito
mundial da navegação aérea nascente37; 4) As empresas aéreas transportam
inicialmente correspondências, bagagens e mercadorias; somente num segundo
momento, especialmente a partir da década de 1930, se torna possível e viável o
transporte também de passageiros; 5) as empresas aéreas europeias referidas no
Quadro 1, e outras como a espanhola Iberia, que passa a estabelecer uma linha com o
Brasil via Natal logo após o termino da Segunda Guerra Mundial, usam as colônias
europeias na África como escala; 6) Essas empresas refletiam as disputas comerciais em
âmbito internacional.
52 Com a proximidade da Segunda Guerra Mundial, as tensões e interesses militares e
geopolíticos das nações correspondentes, assim como do governo brasileiro,
inteiramente envolvido nessas questões, se refletem na operação dessas empresas em
solo brasileiro e potiguar em especial38. Seja como for, entre a década de 1920 e o início
da Segunda Guerra Mundial, Natal recebeu inúmeros representantes ilustres da aviação
nascente: franceses inicialmente, mas também italianos, portugueses, brasileiros,
alemães, americanos e de várias outras nacionalidades. O que desperta a atenção,
nessas experiências, é o fato de que cada pouso era motivo de comemoração pública.
Em caso de acidentes, os pilotos e equipe recebiam das autoridades locais e do povo o
necessário socorro. As mesmas autoridades, inclusive os representantes consulares ou
das empresas aéreas instalados na cidade39, apressavam-se em receber os pilotos e suas
equipes e em providenciar-lhes a melhor acolhida possível. O povo saía às ruas para ver
os “heróis40” e suas possantes máquinas voadoras. Desfiles pela cidade, discursos
comemorativos, jantares de gala, troca de presentes e de cartas oficiais eram de praxe
nessas ocasiões. Muitos desses viajantes faziam previsões otimistas sobre o futuro de
Natal, vista como escala incontornável da aviação mundial. Esses e outros detalhes
foram descritos por Viveiros (2008), que listou e descreveu a experiência desses vários
aviadores e de suas aeronaves – tão famosas quanto eles próprios - em sua passagem
por Natal41. A efervescência desse momento se revela, inclusive no forte interesse que a
elite político-administrativa e intelectual local tinha na modernização da cidade, na
visão da qual ela estava destinada a ser o “cais da Europa” (DANTAS, 2003).
53 Em nível local, esse momento produz, por assim dizer, uma reaproximação da cidade
com o rio. Afinal, os hidroaviões amerissavam no Rio Potengi, que funcionou como
hidrobase entre 1922 e 1945, até o final da Segunda Guerra Mundial. O primeiro
aeródromo de Natal surge em 192742, mas era localizado no atual município de
Parnamirim, distante cerca de 20 quilômetros da cidade de então, e só vai ter um papel
realmente fundamental com a Segunda Guerra Mundial, quando se torna uma
importante base aérea norte-americana, mas também brasileira. A partir de 1927, a
cidade tinha, portanto, dois campos de pouso, um fluvial, mais antigo, que recebeu seu
primeiro avião em 192243, e um terrestre, em Parnamirim44.

Figura 9. Locais de embarque/desembarque: hidroaviões no Rio Potengi (1922-1939)

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Produzido pelo autor sobre mapa da cidade atual do Google Maps. Os locais se baseiam em
Viveiros (2008: 63-192).

54 Vários locais ao longo do Rio Potengi serviram de pontos de desembarque dos


aviadores que chegaram a Natal. Paulo Viveiros, que repertoriou dezenas de pousos
tanto no aeródromo de Parnamirim quanto no Rio Potengi, provenientes de várias
partes do mundo entre 1922 e 1939, identificou, para alguns desses voos, pontos de
desembarque no rio, sempre na margem direita, do lado da cidade: Praia da Montagem,
depois Rampa, o Cais da Tavares de Lyra, a Pedra do Rosário, e a Hidrobase da
Compagnie Générale Aéropostale, francesa, (VIVEIROS, 2008: 63-192), depois da Air
France, no Refoles, em 1939. A localização aproximada desses locais se encontra na
Figura 9.
55 O Cais e a Avenida Tavares de Lyra (ou Lira) é mais um sintoma da importância
crescente do bairro da Ribeira, a nova centralidade de Natal, citada anteriormente. Sua
menção aqui tem a ver com o fato de ela permitir a proximidade dos moradores da
cidade ao Rio Potengi e de ter sido porta de entrada da cidade de visitantes antes
mesmo de pousarem os primeiros hidroaviões. Antigo cais Pedro de Barro, depois
chamado, na década de 1910, de Cais Tavares de Lyra (SIMONINI, 2010: 88), esse cais
e avenida foram objeto de várias intervenções, como as empreendidas pelos
governadores Joaquim Ferreira Chaves em 1917 (MENSAGEM...1917: 27) e José
Augusto Bezerra de Medeiros, dez anos depois (MENSAGEM...1927: 132). Eram obras
de “embelezamento” ou “aformoseamento”, típicas de um período em que o desejo de
modernização atingia de cheio a cidade e o bairro da Ribeira em particular, então em
plena efervescência. Joaquim Ferreira Chaves, por exemplo, afirma em sua mensagem
ter feito a “(...) reconstrução do cais ‘Tavares de Lira’ e arborização da avenida do
mesmo nome”. A avenida, cujo cais sobre o Potengi - por onde chegavam os viajantes,
primeiramente de barco e depois também, ainda que provavelmente menos
frequentemente, também por hidroaviões - se tornaria um centro de sociabilidade da
elite natalense até a Segunda Guerra Mundial. George Dantas captou esse aspecto da
avenida e de outras, como a Junqueira Aires (ou Ayres), em fins de 1920:

A Junqueira Ayres, no final da década de 1920, era a avenida por onde passavam
os bondes e os ônibus, desciam as normalistas e estudantes rumo à Escola
Doméstica; rumo à Av. Tavares de Lira, iam-se às vitrines à moda parisiense, aos
cafés e rotisseries e aos pontos chics de reunião, passear a elegância e o spleen
de Natal; assistir as regatas no rio Potengi ou aos espetáculos e filmes do Cine-
theatro Carlos Gomes e do Politheama. Pela Av. Junqueira Ayres passavam
muitos daqueles que tinham seus afazeres entre os bairros da Ribeira e da
Cidade Alta DANTAS, 2003: 79)45.

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56 Mas, do ponto de vista da aviação, a praia da Limpa, se tornou o lugar de maior


destaque. Ficava nas imediações das oficinas de montagem, assim chamadas porque se
tratava de uma área de apoio para a construção do porto de Natal. Conhecida hoje como
Rampa, ela passou de um ponto de embarque e desembarque de passageiros e bagagens
de companhias internacionais da aviação civil, nos anos 1930, para se tornar uma base
aérea americana durante a Segunda Guerra Mundial, associada a outra base aérea
americana, bem maior e mais importante, localizada em Parnamirim. A importância
desse local estratégico pode ser aquilatada pelo fato de ter sido o palco de um encontro
histórico entre o Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e o
Presidente brasileiro Getúlio Vargas, em 29 de janeiro de 1943. A Fundação Rampa46
apresenta um histórico do que foi esse local incontornável da aviação mundial, do qual
reproduzimos os trechos a seguir:

A Rampa é um conjunto de edificações construídas entre as décadas de 30 e 40,


nos arredores de Natal, capital do Rio Grande do Norte, que ajudaram e fizeram
parte direta da história da aviação mundial. Apesar de ter recebido figuras
importantes como o piloto norte-americano, Charles Lindbergh – o primeiro a
cruzar o oceano Atlântico numa aeronave em 1927 – a Rampa ganhou
notoriedade no início dos anos 40, quando os primeiros hidroaviões começaram a
utilizar o local como base militar. Contudo, as primeiras aeronaves a pousar
regularmente no rio Potengi, em Natal, foram as da empresa Nyrba Air Lines
(New York / Rio de Janeiro / Buenos Aires), em janeiro de 1930, vindas dos
Estados Unidos (...) Na mesma época, os alemães também utilizaram o local,
inicialmente, como ponto de apoio para aviões de transporte e postagem, e com
o desenvolvimento da aviação e Natal sendo considerado cada vez mais um
ponto estratégico, empresas como a Lufthansa e o Syndicato Condor também
passaram a operar regularmente na Rampa. Na década de 40, a Rampa atinge o
seu auge com a chegada dos primeiros hidroaviões militares Catalinas do
esquadrão VP-52 da US Navy, em 11 de dezembro de 1941, coincidentemente,
cinco dias após ao ataque japonês a base norte-americana de Pearl Harbor (...)
no dia 6 de dezembro deste mesmo ano, um Boieng 314 Clipper já havia
passado por Natal, inaugurando a rota Miame/EUA a Barthurst, na Gâmbia,
África. Em Natal, no ano de 1942, o governo americano inicia as obras de sua
Base Naval de Hidroaviões, utilizando o espaço da Pan Am e o ocupado pelos
alemães na década de 30 (...) Havia uma RAMPA de duas seções, construídas
no período de 1941 a 1942 (...) A construção dessa Base tornou-se imperiosa
com intuito de assegurar as operações dos aviões de patrulha da Marinha dos
Estados Unidos, empenhados na guerra anti-submarina e nas operações de
salvamento no mar, ao longo da costa do nordeste do Brasil (...) No período
imediato ao fim da guerra, devido à construção de aeroportos em quase todos os
lugares do mundo, o hidroavião comercial de transporte de passageiros foi
extinto, portanto, o local perdeu a função pela qual foi construído47. (...)

57 Os diversos indícios aqui citados demonstram, portanto, uma aproximação


importante da cidade do Natal, e particularmente da Ribeira, com o Rio Potengi, entre
1920e 1945 aproximadamente. No último período, ou Tempo 5 da relação rio-cidade,
que se estende até os dias atuais, o distanciamento parece ter voltado à tona, como
veremos a seguir.

Figura 10. Fotografias da Rampa, Natal-RN. Fonte: Fundação Rampa

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Boeing B-314 Dixie Clipper que trouxe Roosevelt ao Brasil em 1943. Pouso no Rio Potengi
Fonte: http://nataldeontem.blogspot.com.br/​2009/​07/​1943-visita-de-roosevelt-e-vargas.html

Tempo 5: o rio “invisível” para a cidade


(desde 1945)
58 A cidade do Natal sofreu, novamente, um distanciamento do Rio Potengi desde o
final da Segunda Guerra Mundial. Metaforicamente, podemos dizer que, desde então, o
rio ficou “invisível” para a maioria de seus habitantes, pois parece ser, de fato, pouco
lembrado e efetivamente visto por muitos, diferentemente de tantas outras cidades no
Brasil e no mundo em que o rio é parte essencial e indispensável de sua paisagem
urbana. Esse novo momento de distanciamento pode ser apreendido por pelo menos
duas maneiras diferentes: 1) pelas consequências do próprio crescimento e estruturação
urbana da cidade, calcados principalmente na valorização mercantil da terra; 2) pela
ausência de uma política de valorização tanto histórico-paisagística quanto ambiental
do próprio rio. Esses dois itens, que não são exaustivos para explicar o distanciamento
em apreço, estão por sua vez profundamente interligados. As políticas públicas e os
agentes governamentais responsáveis pelo planejamento da cidade e - por conseguinte,
a própria sociedade natalense – explicam boa parte dessas duas questões. Nesse último
Tempo da relação rio-cidade, que tem caráter conclusivo deste trabalho, pretendemos
abordar superficialmente os dois tópicos citados.
59 Nesse Tempo 5, ainda em curso, Natal cresceu a ponto de, finalmente, “atravessar” o
Rio Potengi e se expandir pela sua margem esquerda, formando o que é hoje a Região
Administrativa Norte de Natal. Isso terminou por incorporar em seu espaço urbano o
estuário do rio, que antes apenas delimitava a cidade fisicamente (Figura 11). É verdade

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que “do lado de lá” do rio havia dois núcleos habitacionais, Igapó e Redinha, hoje
bairros, que se relacionavam com a cidade. Ambos têm origem muito antiga, que se
confundem com o início da história de Natal48. Contudo, a ocupação dessa área ao
norte da cidade sempre foi muito rarefeita. Com a transposição do Rio Potengi pela
ponte de ferro em 1916, começa a diminuir o histórico isolamento da cidade, como
vimos. Porém, é principalmente, com a construção da segunda ponte, a Professor
Ulisses de Góis, em 1970, e com a melhoria da rodovia 304, que essa área começa, de
fato, a ser ocupada. Zona industrial de Natal a partir de 1975, essa área além-rio atrai o
mercado imobiliário e moradores. A chamada Zona Norte cresceu principalmente
através dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da década de 1970,
porém, se tornou uma área urbana periférica, separada física e simbolicamente do
restante da cidade pelo Rio Potengi49. Em outras palavras, e contraditoriamente, a
inclusão física do estuário do rio na cidade não impediu o distanciamento de ambos.
Pelo contrário, se, como vimos, no Tempo 4 (1920 e 1945) - o Rio Potengi fazia parte do
cotidiano do natalense, nesse Tempo 5 a cidade de certa forma “deu as costas” para o
rio.
60 Assim, o Rio como obstáculo, característico do Tempo 3 (1850-1916), de certa forma
continuou a sê-lo neste Tempo 5, ainda que de forma simbólica. Alexsandro Silva, que
estudou o processo de periferização da zona Norte de Natal, e de quem tomamos
emprestado algumas dessas considerações, percebe essa separação que o rio causava
mesmo para os dois núcleos mais antigos da margem esquerda do Rio antes do
crescimento da Zona Norte:

A inserção da região Norte de Natal à cidade ocorreu de forma lenta no século


XX, particularmente concentrada nas duas últimas décadas (...) os núcleos
originais, Igapó e Redinha, correspondiam tanto a espaços isolados do município
como espaços relacionados com o núcleo habitado. O rio Potengi marcou esta
divisão, particularizando tais núcleos habitacionais afastando-os do progresso
urbano por qual passava toda a Natal (SILVA, 2003: 121).

61 O surgimento e crescimento posterior da Zona Norte, como toda área periférica, não
alterou esse fato. Se a separação física é evidente, na percepção do natalense médio o
rio continua a separar também simbolicamente o lado de cá do lado de lá do rio, este
último ainda estigmatizado como espaço de pobreza da cidade. Em linhas gerais,
percebemos, não somente através deste e de outros estudos, mas também pela própria
vivência na cidade, que os espaços de pobreza são, via de regra, mais intensos à medida
que a cidade se aproxima das duas margens do rio. Enquanto que os bairros da Zona
Leste e Sul, ao longo da costa Atlântica são mais valorizados e abrigam as populações de
maior poder aquisitivo na cidade, com algumas exceções, como Santos Reis, Mãe Luiza
e Nova descoberta, os bairros em geral se empobrecem à medida que se aproximam do
Rio Potengi (Figura 11), como vimos na nossa análise do Tempo 3 (1850-1916). A ação
do mercado de terra urbana e do mercado imobiliário, a ineficácia, impotência ou
mesmo, em alguns casos, conivência do poder público regulador da produção do espaço
da cidade, explicam esse fenômeno. Isso, por si só, são um dos motivos que afastam do
rio as parcelas mais aquinhoadas da cidade, ao contrário das populações ribeirinhas,
que continuam a viver a suas margens e dele tirarem boa parte de seu sustento,
principalmente através da pesca. O lazer é outro motivo dessa aproximação,
principalmente para os ribeirinhos.
62 O segundo motivo apontado para o distanciamento da cidade do seu rio está
intrinsicamente relacionado ao primeiro. A ausência de uma política de valorização
tanto histórico-paisagística quanto ambiental do próprio rio é, ao mesmo tempo, causa
e efeito do processo de crescimento da cidade nos moldes que ela vem ocorrendo no
Tempo 5. Com efeito, o rio pode ser visualizado pelo habitante de Natal em alguns raros
pontos privilegiados da cidade, como na Pedra do Rosário, no Canto do Mangue, nas
imediações da Fortaleza dos Reis Magos ou na Rampa – neste último quase sempre por
pessoas de maior poder aquisitivo, por ser um espaço fechado. Mais recentemente, ele
também pode ser espetacularmente visualizado na nova ponte Newton Navarro,

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inaugurada em 2007, de onde se vislumbra não somente o estuário do rio, mas também
o mar e a cidade do Natal. Contudo, o fato é que, no dia-a-dia da cidade, ele não é
normalmente visto. Cantado em verso e prosa e com um “dos mais belos pores-do-sol
do mundo”, como costuma afirmar orgulhosamente o natalense, o rio não é apreciado
realmente, não faz parte da paisagem, como acontecem em tantas outras cidades50.

Figura 11. As Regiões Administrativas de Natal

Fonte: Silva (2003: 79)

63 Os acessos ao rio são em geral difíceis, seja pelas características do próprio processo
histórico de crescimento da cidade, como vimos, seja por causa de algumas
características naturais do rio, com seus mangues e vegetação densa em alguns locais
que impedem sua visualização adequada. A topografia da cidade também não contribui

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para essa apreciação. Um local que poderia ser explorado nesse sentido, por se situar
em terreno alto, é o marco zero da cidade, a atual Praça André de Albuquerque, de onde
seria possível uma bela visualização do Rio Potengi, como deve ter sido no passado.
Contudo, um paredão de edificações impede a sua visualização adequada. As áreas
ribeirinhas, pobres e em geral esquecidas pelo poder público, a linha férrea que
continua separando o rio da cidade, a falta de um plano de manejo das margens do rio,
que incluísse, por exemplo, calçadões e passeios públicos em trechos específicos e
convenientes, além de uma conscientização da importância histórica e ambiental do Rio
Potengi, são todos fatores que exacerbam a invisibilidade do rio.
64 Mais o argumento mais forte para o distanciamento entre o rio e a cidade nesse
tempo 5 é de caráter ambiental. Ainda que tentativas e projetos de saneamento da
cidade datem desde, pelo menos, a década de 1930, pelo escritório de Saturnino Brito, o
fato é que o Rio Potengi tem sido muito maltratado ambientalmente. Esgoto da cidade,
o rio tem sido vítima do descaso do poder público, que carece de uma política eficaz
para sua preservação. Abundam os estudos, os artigos de jornais e denúncias de
ambientalistas e do Ministério Público com o descaso com o rio, que sofre com o
recebimento do esgoto in natura da cidade, mas também com os dejetos da indústria
salineira e mais recentemente da carcinicultura - a criação de camarões em viveiros. As
conclusões do estudo de Correa (2008), precisamente sobre as condições ambientais do
estuário do Rio Potengi, é um exemplo:

As concentrações médias dos elementos encontrados para sedimento de fundo


do estuário Potengi refletiram a contribuição da origem natural, associada à
geologia local, bem como a contribuição antrópica pelo descarte de efluentes
domésticos e industriais. Nesse último caso, o aumento de concentração de
alguns elementos pode ser atribuído principalmente à ausência de saneamento
de uma infra-estrutura de saneamento básico, abrangendo o tratamento e
destinação final adequada dos esgotos domésticos e industriais coletados na
Região Metropolitana de Natal, aliada à falta de controle mais eficiente dos
resíduos oriundos das indústrias e empreendimentos de carcinicultura. As
maiores concentrações ocorreram nas áreas portuárias, próximas às
comunidades ribeirinhas, locais expostos ao tráfego intenso de veículos e
proximidade com possíveis descargas de efluentes industriais e/ou domésticos
(CORREA, 2008: 61).

65 O problema transcende evidentemente os limites da cidade do Natal, uma vez que o


Rio Potengi se estende por cerca de 170 km e atravessa vários municípios, ainda que,
provavelmente, ele sofra mais ao atravessar a área urbana de Natal, por ser a maior
cidade do Rio Grande do Norte, e que certamente a que mais contribui para sua
poluição.
66 Como vimos, a análise da relação histórica do Rio Grande, Salgado ou Potengi com a
cidade do Natal foi marcada por aproximações e distanciamentos. No Tempo 1 (1599-
1614) e no Tempo 2 (1700-1900), essa relação foi de aproximação, caracterizada pela
exploração do rio - fundamental para o surgimento da cidade - pelos primeiros
habitantes de Natal. A pesca, a agricultura e a pecuária de subsistência ou para
exportação, ou ainda, a exploração como tarifa ou imposto, e finalmente, como rota
comercial para o abastecimento de Natal, no século XIX, caracterizou esse período. No
Tempo 3 (1850-1916) ocorre o primeiro distanciamento real entre o Rio Potengi e a
cidade do Natal, quando o primeiro passou a ser visto como obstáculo para o
desenvolvimento comercial da cidade e da província, somente vencido com a ponte de
ferro construída em 1916. A linha de ferro e suas instalações aproximaram e
distanciaram, ao mesmo tempo, o rio da cidade; o Tempo 4 (1920 e 1945) reaproximou
o rio da cidade, principalmente através da aviação; finalmente, o Tempo 5 (desde 1945),
tem sido marcado pelo distanciamento e a invisibilidade do Rio Potengi pelos
natalenses, apesar de seu estuário ter sido pela primeira vez incorporado fisicamente a
sua área urbana.
67 Se nos Tempos anteriores o rio deve ter sofrido impactos ambientais, eles nunca
foram tão sérios e graves como no Tempo 5, advindos principalmente do grande

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crescimento urbano da cidade sem um acompanhamento adequado de medidas


sanitárias convenientes, entre outros problemas de distanciamento detectados neste
último Tempo. Contudo, para que esse trabalho da relação histórica do rio com a cidade
termine com uma nota positiva, é preciso apontar para perspectivas de uma possível
reaproximação entre rio e cidade, através de algumas ações atualmente em curso, ainda
que tímidas. Elas têm a ver com alguns esforços no sentido de salvar o rio, o primeiro
passo na direção de uma reaproximação, ainda que não seja o único. Eles decorrem,
também, de uma maior consciência ambiental dos natalenses, como tem ocorrido em
todo lugar. Dentre essas ações, podemos citar a instalação da moderna Estação de
Tratamento Esgoto do Baldo, que começou a funcionar em 2010, a definição das
margens e áreas adjacentes ao Rio Potengi como Zonas de Proteção Ambiental 07 e 08
no Plano Diretor de 2007, bem como a implantação de medidas simples, mas
profundamente eficazes, como o projeto de educação ambiental do governo estadual,
através do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente - IDEMA, que
ocorre através do passeio no Barco Escola Chama Maré desde 2006. Quem sabe, essas
medidas poderão ser o início de um novo Tempo, de reaproximação entre o Rio Potengi
e a cidade do Natal.

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Notes
1 http://www.meioambiente.ufrn.br/index.php/lugares-e-projetos-visitados-expedicoes/2011-1-
icmbio/. Acesso em 24/04/2014.
2 Os nativos do litoral eram apelidados, segundo o mesmo autor, de poti-guara, ou “comedores
de camarão”.
3 Mariz e Provençal (2007: 15-30) classificam o período de forte presença francesa na costa
brasileira em 3 fases distintas: a) a de aventureiros e negociantes, que se estende até meados do
século XVI; b) a fase de colonizadores, até 1614, e c) a dos corsários, até 1714. Os autores citam
vários nomes de navegadores que estiveram no litoral brasileiro desde 1503, sua presença se
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fazendo marcar por uma série de expedições. Dentre esses nomes, cabe destacar o de Jacques
Riffault, que esteve várias vezes na costa da capitania do Rio Grande. Também mencionam outro
conterrâneo, Toussaint Coué de la Villaudière, enviado pelo rei Henrique IV ao Rio Grande, onde
se encontrava Riffault, mas que fracassou diante da defesa de um grupo de portugueses.
4 Entre várias referências, o mesmo autor menciona um francês de nome Rifot. Estando
provavelmente na Paraíba, ele se refugia no Rio Grande ao saber que forças militares portuguesas
da capitania de Pernambuco estavam prestes a se dirigir àquela região no intuito de desalojar os
franceses. Ao saber da notícia, diz Frei Vicente, Rifot “(...) se despediu com os seus para o rio
Grande, onde tinha as naus, e se embarcaram nelas para sua terra (...)”. A referência às naus é
mais um demonstrativo da presença francesa na capitania. Apesar da grafia diferente, se tratava
certamente do mesmo Jacques Riffault, citado por Vasco Mariz e Lucien Provençal (SALVADOR,
1627: 103-104, 108-110). Esse Riffault, ou Rifot, ou ainda Rifoles ou Refoles - como os
portugueses o chamavam – passou a designar uma área ribeirinha do Rio Potengi, localizada nas
imediações da atual Base Naval de Natal, onde ele ancorava suas naus (CASCUDO, 1999: 247-
248).
5 Os franceses haviam fundado feitorias para o escambo com os índios locais, e alguns deles
fixaram residência entre os nativos. Ao que parece, a intenção, naquele momento histórico, era
simplesmente a exploração extrativista, notadamente do pau-brasil, com fins comerciais via mão-
de-obra indígena, ainda que, em termos mais amplos, os franceses já tivessem tentado se fixar de
forma definitiva na costa brasileira.
6 Apud, Medeiros Filho (1997: 18).
7 Não há prova documentais de que Natal tenha sido realmente fundada na em 25 e dezembro de
1599, mas todos os indícios apontam para essa data, sendo aceita pela historiografia em geral.
8 Outro exemplo se encontra nas datas 14 e 54. A data 14, que tivera outro beneficiário, foi doada
posteriormente, como data de n° 54, aos jesuítas. Também a data 2 foi doada aos jesuítas, de
acordo com a data 55.
9 “A data cento e oitenta e cinco deu o governador geral Gaspar de Souza a Pero Vaz Pinto
escrivão da fazenda nesta capitania um porto de pescaria da outra banda do rio defronte a
Fortaleza, o qual porto possuíram até agora todos os capitães que aqui serviram, tem redes de
pescar em que pesca”.
10 As de n° 30, 31, 40, 43, 44, 47, 51, 58, 73, 75, 77, 78, 79, 99, 149, 150, 168, 185.
11 Cascudo (1955: 442), que o denomina de “Domingos da Veiga Cabral”, acredita que o seu
governo terminou em fins de 1631.
12 Os documentos parcialmente transcritos sobre esta questão encontram-se em AHU-RN, Cx.
04, Doc. 266.
13 A carta do escrivão da Câmara, Manoel Álvares Barreto, datada de 06 de agosto de 1744,
referente à “arrematação que por este Senado se fez do rio da ribeira desta cidade em 01 de
agosto de 1743 a Francisco de Oliveira Santos por 11 300 réis” determina os valores das tarifas
que esse senhor poderia cobrar para a travessia do rio, com o uso de canoa, quando maré
estivesse alta ou baixa, ou quando o cavalo tivesse que atravessar o rio a nado “(...) por não caber
na canoa por ser esta pequena e que comumente carrega cinco pessoas (...)”. Não é possível saber
se a travessia era efetivamente do Rio Grande ou de um braço desse rio que separava os atuais
bairros da Cidade Alta e da Ribeira.
14 Ancoradouros.
15 AHU - RN Cx. 08, Doc. 514.
16 Segundo Francisco Ribeiro Dias, os “portos secos” se distinguiam dos “portos molhados” ou do
“mar” por se situarem em rotas comerciais mercantis carroçáveis ou em rios volumosos e
trafegáveis. Apud, Dias (2008: 138).
17 Como a exportação de tartarugas, a resistência dos pescadores em vender o pescado no
mercado local, o uso da mão-de-obra indígena para a pesca, a questão da distribuição de
sesmarias em áreas ribeirinhas a cursos d’água para a exploração pesqueira, as parcerias
existentes entre pescadores, donos de redes e donos de barcos e os tipos de peixes comumente
pescados.
18 Dias (2008: 235-236).
19 O ofício é endereçado ao secretário de estado da marinha e ultramar Visconde de Anadia, João
Rodrigues de Sá e Melo, e acompanhado por um “mapa geral da importação, produtos e
manufaturas do reino; produção, consumo, exportação e do que ficou sem exportar, nem
consumir; portos de onde vieram e para onde foram; dos habitantes e suas ocupações;
casamentos, matrimônios e mortes”. AHU - RN Cx. 10, Doc. 629
20 Valemo-nos principalmente, para essas considerações, do trabalho de Rodrigues (2006), que
discutiu essa temática a fundo.
21 O documento foi escrito em apoio ao capitão-mor, que era objeto de uma investigação pelos
maus-tratos à população da capitania. AHU - RN Cx. 10, Doc. 625.

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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
22 Apud, Rodrigues (2006: 46-47). A transcrição acima obedece à grafia do português atual, ao
contrário do que fez o referido autor, que preferiu a grafia original.
23 Para mais detalhes sobre o porto e das reformas realizadas para superar esse problema ver
Simonini (2010).
24 Em sua viagem de 1810, Henry Koster também detectou as dificuldades de acesso a Natal por
causa das dunas, no trecho entre Natal e a Vila de São José, atual São José de Mipibu, situada
cerca de 30 km ao sul de Natal. (KOSTER, 1979: 86-87).
25 Rodrigues (2006: 65-81).
26 Rodrigues (2006: 51-61).
27 Essa ponte foi destruída na década de 1950, após uma enchente do rio. Rodrigues (2006: 59).
28 Aos interessados na análise propriamente dita da história da estruturação dessas redes no
espaço da cidade, ver Rodrigues (2006), já citado, e Medeiros (2011). Faremos, contudo, no que
couber, referência a esses dois estudos.
29 Como o Presidente Afonso Penna, que por ela chegou em 1906 justamente para inaugurar o
primeiro trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte. Rodrigues (2006: 142).
30 Rodrigues (2006: 120-142).
31 Segundo Câmara Cascudo, o nome deriva da área alagadiça que existia entre os atuais bairros
da Cidade Alta e da Ribeira, que foi aterrado e onde se construiu a Praça Augusto Severo
(CASCUDO, 1999: 149).
32 Natal (2008).
33 Essa questão foi inicialmente discutida por Rodrigues (2006: 142) e retomada com um pouco
mais de vagar por Medeiros (2011: 66-67).
34 Esta empresa, por sua vez, representa a continuidade de outras empresas aéreas francesas
sucessivamente criadas e substituídas desde, pelo menos, 1918: Compagnies des Messageries
Aériennes, Compagnie des Grands Express Aériens, Compagnie Aéronavale, fundidas em 1923 na
Air Union; em 1925, Compagnie Internationale de Navigation Aérienne (CIDNA). (VIVEIROS,
2008: 27-28). A Latécoère, depois transformada na CGA, foi adquirida pelo empresário francês
Marcel Bouillox-Lafont, em 1927. Em 1931, os alemães mantinham uma linha aérea regular entre
Friedrichshaven, na Alemnaha, e Recife por meio dos dirigíveis Graf Zeppelin. (SMITH JUNIOR,
1992: 18).
35 Desde 1933, e durante algum tempo após 1935, essas embarcações continuam a prover o
suporte necessário, agora para a Air France, que assumiu o referido trajeto, fornecendo dados
meteorológicos e informações radiotelegráficas, inclusive por meio de pontos fixos, como
Fernando de Noronha. (SECK, 1970 : 343-344).
36 Além da Aéropostale, a Société Générale des Transports Aériens, la Compagnie Internationale
de la Navigation Aérienne, Air Union, Air Orient.
37 Evidentemente, outras cidades nas Américas, África e Ásia assumem igualmente um papel
fundamental nesse processo. Contudo, poucas detêm posição geográfica tão privilegiada para o
empreendimento.
38 É assim que a Panair, americana, passa a dominar o espaço aéreo brasileiro a partir da
Segunda Guerra Mundial, antes fortemente controlado comercialmente por empresas como a
Condor, alemã. A Panair contribui, por meio de uma política do governo e do capital americano,
mas também brasileiro, para o enfraquecimento, nacionalização e/ou desparecimento da Condor
e de outras empresas rivais, vistas como inimigas ou colaboradas em potencial dos governos do
Eixo. A Condor, que se associa a Lufthansa a partir de 1934 no intuito de fornecer o serviço postal
transatlântico, entre Natal e Bathurst, atual Banjul, capital da Gâmbia, na África, e de lá para a
Europa, sofreu consequências diretas desta política agressiva, sendo asfixiada aos poucos até ser
nacionalizada com o nome de Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, em 194. (QUINTANEIRO, 2009:
110-132). A italiana LATI, por outro lado, deixou de operar no Brasil em 1942, por razões
semelhantes. (QUINTANEIRO, 2007: 223-234). A Gâmbia era colonial britânica. A permissão
pode ter sido concedida aos alemães pelos ingleses para contrabalançar a crescente influência da
aviação francesa na América do Sul. (SMITH JUNIOR, 1992: 18).
39 As empresas internacionais mencionadas, que atuaram em Natal nesse período, tinham todas
representações e/ou escritórios na cidade.
40 Jean Mermoz (1901-1936) é um digno representante da aviação nascente, entre outros. Depois
de iniciar sua carreira na aviação civil na Latécoère, passou a ser piloto da CGA em 1924, e como
tal, entrou para a história por ter sido o primeiro a ter realizado um voo sem escala entre Saint-
Louis do Senegal e Natal. A viagem foi realizada entre os dias 12 e 13 de maio de 1930, e durou 22
horas e 25 minutos, quando então amerissou na hidrobase da CGA, em Natal, localizada no Rio
Potengi, na altura do Refoles. A façanha fazia parte do projeto da CGA de expandir sua linha
aérea até o Chile. O avião, que carregava 100 quilos de correspondência, era um Laté 28. Mermoz
realizou essa viagem inúmeras vezes e tornou-se uma figura conhecida e frequentadora de Natal.
Em uma dessas viagens, atuando como piloto da Air France, o seu avião desapareceu no

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Atlântico, em 7 de dezembro de 1936. Na ocasião, o acompanhavam Pichodou, Ezan, Cruveilher e
Lavidalie. (VIVEIROS, 2008: 119-121).
41 Até o Graff Zeppekin esteve 15 vezes em Natal, entre 1930 e 1934. (VIVEIROS, ibid., 124-125).
42 A partir de 1927, foram construídos 49 campos de pouso ao longo da costa oriental do Brasil,
dos pampas argentinos e sobre os Andes, segundo (PEIXOTO, 2003: 27). O campo de pouso de
Natal era um deles. Em 1927, ainda na fase de negociações e estudos de ampliação da rota da
CGA até a América do Sul, esteve em Natal o piloto da companhia Paul Vachet, que viajava ao
Brasil desde 1925. Ele veio em busca de um local que servisse de aeródromo para os aviões da
CGA. O Sr. Manoel Machado, rico comerciante e dono de muitas terras em torno da cidade do
Natal, doou um terreno para tal finalidade em Parnamirim, perto da capital, a essa empresa
francesa.
43 Em 21 de dezembro de 1922, o “Sampaio Correia”, proveniente de Nova York e pilotado pelo
brasileiro Euclides Pinto Martins e pelo americano Walter Hinton amerissaram no Potengi. Os
pilotos entraram na cidade pelo cais da Tavares de Lyra. (VIVEIROS, 2008: 65-66).
44 Apesar de sua inegável importância para a aviação militar e para a cidade do Natal, a
discussão sobre essa base aérea foge aos objetivos deste trabalho, que se propõe a analisar a
relação da cidade com o Rio Potengi.
45 . Sobre a importância, inclusive política dessa mesma avenida ainda ano final da década de
1930, ver (OLIVEIRA, 2008: 65-68).
46 A Fundação foi criada em 2001 “no intuito de preservar as edificações de uma antiga base de
hidroaviões remanescente do início da década de 40, que anteriormente também abrigou uma
estação de passageiros da Pan Am”. http://www.fundacaorampa.com.br/af_missao.htm. Acesso
em 20 de abril de 2014.
47 http://www.fundacaorampa.com.br/af_rampa.htm. Acesso em 20 de abril de 2014.
48 Enquanto o primeiro era uma aldeia indígena que foi contemporânea da fundação da cidade, a
Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca,
como vimos no Tempo 1.
49 Silva (2003).
50 A lista é imensa, inclusive no Brasil. Mas vamos citar apenas três casos emblemáticos: o Rio
Sena, em Paris, o Tâmisa, em Londres, e o Tibre, em Roma.

Table des illustrations


Titre Figura 1: A foz do Rio Grande em 1609.
Fonte: Moreno (1609). Ver prancha PT-TT-MR-1-68 m0005.TIF. As
Crédits notas explicativas, pertencentes à mesma fonte, foram transcritas por
Medeiros Filho, (1997: 93-95)
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Titre Figura 2. A Rua João da Mata, centro de Natal
Crédits Rua João da Mata, vista aérea (Fonte: Google Earth)
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Titre Figura 3. Plano topo-hidrográfico do Rio Grande do Norte

Crédits a-Plano topo-hidrográfico do Rio Grande do Norte. 1847. Fonte:


Biblioteca Nacional.
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Légende b-Croqui
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Titre Figura 4. Fluxos em torno do Rio Salgado em 1878


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Titre Figura 5. Ruínas atuais da ponte da estrada de ferro sobre o Rio


Potengi.
Légende Ao fundo, a cidade do Natal.
Crédits Fonte: Google Earth.
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Titre Figura 6. Natal em 1864.
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Titre Figura 7. O Passo da Pátria, a linha férrea e o riacho do Baldo.

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Titre Figura 8. Espacialização das áreas adjacentes às ferrovias em Natal
Nessa figura, chamamos atenção para: 1) a linha vermelha
representando a linha férrea serpenteando o Rio Potengi e delimitando
a cidade; 2) As áreas periféricas que se formam nas proximidades da
mesma linha (hoje bairros do Alecrim, Guarita, Passo da Pátria e
Légende
Rocas, respectivamente nas cores laranja, rosa, verde escuro e verde
claro); 3) Parques ferroviários da Great Western e da Estrada de Ferro
Central do Rio Grande do Norte (respectivamente em cor magenta e
azul escuro), ambos situados na Ribeira.
Crédits Fonte: Medeiros (2011: 84)
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Figura 9. Locais de embarque/desembarque: hidroaviões no Rio
Titre
Potengi (1922-1939)

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Titre Figura 10. Fotografias da Rampa, Natal-RN. Fonte: Fundação Rampa
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Boeing B-314 Dixie Clipper que trouxe Roosevelt ao Brasil em 1943.
Légende
Pouso no Rio Potengi
Fonte: http://nataldeontem.blogspot.com.br/​2009/​07/​1943-visita-de-
Crédits
roosevelt-e-vargas.html

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Titre Figura 11. As Regiões Administrativas de Natal
Crédits Fonte: Silva (2003: 79)
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Pour citer cet article


Référence électronique
Rubenilson B. Teixeira, « O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos.
Aproximações e distanciamentos », Confins [En ligne], 23 | 2015, mis en ligne le 12 mars 2015,
consulté le 02 avril 2023. URL : http://journals.openedition.org/confins/10114 ; DOI :
https://doi.org/10.4000/confins.10114

Auteur
Rubenilson B. Teixeira
Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte - UFRN (graduação e pós-graduação), rubenilson.teixeira@gmail.com

Droits d’auteur

Creative Commons - Attribution - Pas d’Utilisation Commerciale - Partage dans les Mêmes
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