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Aproximações e distanciamentos
Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia
23 | 2015
Número 23
Dossiê São Francisco
Rubenilson B. Teixeira
https://doi.org/10.4000/confins.10114
Résumés
Português Français English
A cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte, nasceu e se desenvolveu “à sombra” de um
Rio, o Potengi. Em sua história de mais de quatrocentos anos, a cidade ora se aproxima, ora se
distancia do rio, num movimento que não é somente físico, mas também social e simbólico. Este
trabalho propõe a análise dessa relação segundo cinco períodos históricos - aqui chamados de
“Tempos” – que expressam, em termos de predominância, esse movimento de certa maneira
contraditório de aproximação e distanciamento entre cidade e rio ou entre rio e cidade. São eles:
Tempo 1. O rio como aliado da cidade nascente (1599-1614); Tempo 2. O comércio, o rio e a
cidade (1700-1900); Tempo 3. O rio como obstáculo para a cidade (1850-1916); Tempo 4. A
aviação. Aproximando o rio à cidade (1920-1945); Tempo 5. O rio “invisível” para a cidade (desde
1945). Sem qualquer pretensão de completude – afinal, são mais de quatro séculos de história - o
trabalho destaca, contudo, expressões pontuais de processos históricos bem mais longos
envolvendo a relação entre a cidade do Natal e o Rio Potengi.
La ville de Natal, capitale de l’État du Rio Grande do Norte, Brésil, est née et s’est développée “à
l’ombre” d’un fleuve, le Potengi. Au cours de son histoire de plus de quatre cents ans, la ville
tantôt se rapproche, tantôt s’éloigne du fleuve, dans un mouvement qui n’est pas seulement
physique, mais également social et symbolique. Ce travail propose l’analyse de cette relation
selon cinq périodes historiques – nommées ici « temps » - qui expriment, en termes de
prédominance, ce mouvement d’une certaine manière contradictoire de rapprochement et
d’éloignement entre ville et fleuve ou entre fleuve et ville. Ils sont : Temps 1. Le fleuve comme
allié de la ville naissante (1599-1614) ; Temps 2. Le commerce, le fleuve et la ville (1700-1900) ;
Temps 3. Le fleuve comme obstacle pour la ville (1850-1916) ; Temps 4. L’aviation rapprochant le
fleuve à la ville (1920-1945) ; Temps 5. Le fleuve « invisible » pour la ville (depuis 1945). Sans
aucune prétention à l'exhaustivité – c’est, somme toute, une histoire de plus de quatre siècles – ce
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
travail met en relief, cependant, des expressions ponctuelles de processus historiques bien plus
longs impliquant la relation entre la ville de Natal et le Fleuve Potengi.
The city of Natal, capital of the State of Rio Grande do Norte, Brazil, emerged and evolved “in the
shadow” of a river, named Potengi. During its history of over four hundred years, the city
sometimes approximates, sometimes distances itself from the river, in a movement which is not
only physical, but also social and symbolic. This paper proposes an analysis of this relation
according to five historical periods – called “Times” in this work - which express, in terms of
predominance, this somehow contradictory movement of approximation and dissociation
between city and river or between river and city. They are : Time 1. The river as an ally to the
emerging city (1599-1614); Time 2. Commerce, river and city (1700-1900); Time 3. The river as
an obstacle to the city (1850-1916); Time 4. The aviation approximating the river to the city
(1920-1945); Time 5. The river “invisible” to the city (since 1945). Without any pretension to
completion – after all, it is a history of over four centuries – this paper highlights, however,
specific expressions of historical processes which are quite longer involving the relation between
the city of Natal and the Potengi River.
Entrées d’index
Index de mots-clés : Natal, Fleuve Potengi, approximation, éloignement.
Index by keywords: Natal, Potengi River, approximation, dissociation.
Índice de palavras-chaves: Natal, Rio Potengi, aproximação, distanciamento.
Texte intégral
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Crédits : patrimoniodetodos.gov.br
1 A cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte, nasceu “à sombra” de um rio, o
Potengi. Ao longo de seus mais de quatro séculos de existência, a cidade manteve
relações com o seu rio que podem ser apreendidas das mais diversas formas. Nesse
trabalho, queremos explorar algumas facetas da relação histórica do Rio Potengi com a
cidade do Natal.
2 O Rio Potengi, que nasce em Cerro-Corá e encontra sua foz em Natal, a 176 km de sua
nascente, perfaz uma bacia hidrográfica de 3.180km²1. É de grande importância
histórica para a cidade do Natal e para o estado do Rio Grande do Norte, a começar pelo
nome. Nos primórdios da ocupação não-indígena do território potiguar, quando da
instituição das capitanias hereditárias por d. João III, em 1534, a capitania que daria
origem ao atual estado foi batizada pelos colonizadores de capitania do “Rio Grande”, e
alguns dos primeiros registros da cidade do Natal também a designavam cidade do “Rio
Grande”, em alusão ao rio. Ainda que documentos do início do século XVII já o
denominassem de Rio “Potigi”, que chegou aos nossos dias como “Potengi”, o nome Rio
Grande, que não é mais usado para designar o rio, permaneceu, porém, no nome do
estado do Rio Grande do Norte, cuja capital é Natal. A palavra Poti-gi, significa,
segundo Cascudo (1968: 117), “rios dos camarões2”.
3 Propomos cinco períodos históricos específicos de análise – aqui chamados de
Tempos - que podem servir para expressar as relações que se estabeleceram entre o Rio
Potengi e Natal. São relações de certa forma contraditórias, ora tendendo, em termos de
predominância, para a aproximação entre o rio e a cidade, ora para o seu
distanciamento, se não físico, pelo menos simbólico. Sem qualquer pretensão de
sermos exaustivos – afinal, são mais de quatro séculos de história, queremos, no
entanto, destacar o que pode ser considerado como expressões pontuais de processos
históricos bem mais longos entre ambos.
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Neste Rio Grande, podem entra muitos navios de todo porte, porque tem barra
funda de dezoito até seis braças (...) tem este rio um baixo à entrada da banda do
norte, onde corre água muito à vazante e tem dentro algumas ilhas de mangues,
pelo qual vão barcos por ele acima quinze ou vinte léguas e vem de muito longe.
Esta terra do Rio Grande é muito sofrível para este rio se haver de povoar, em o
qual se metem muitas ribeiras em que se podem fazer engenhos de açúcar pelo
sertão. Neste rio há muito pau de tinta onde os franceses o vem carregar muitas
vezes6.
7 É por esse motivo que antes do início da construção da Fortaleza, em janeiro de 1598,
as forças militares portuguesas tiveram que primeiro “descobrir o rio”, em busca de
possíveis inimigos, que não tardaram a surgir:
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assanharam, e se defenderam, e ofenderam os inimigos tão animosamente que
levantaram o cerco (SALVADOR, 1627: 105).
8 Uma vez feitos acordos de paz com os nativos do litoral e expulsos os franceses, a
Fortaleza e a cidade, esta última fundada em 25 de dezembro de 15997, vão sobreviver
em grande parte graças à proximidade com o rio. A exploração inicial da capitania,
através da pesca, da criação e da agricultura de subsistência ou com fins comerciais,
como a produção da cana-de-açúcar, caracterizam esse Tempo 1, de aproximação entre
o Rio Potengi com a cidade.
9 A exploração da pesca, principalmente por questões de subsistência inicialmente,
pode ser visualizada na Figura 1 abaixo, que reproduz e comenta um mapa da foz do Rio
Grande, publicado em 1609, cerca de uma década apenas após a fundação de Natal.
Entre outras informações dignas de nota, como a indicação do sítio urbano da capital
potiguar, no mapa se localiza a Fortaleza às margens do Rio Grande e as redes de pesca
e portos de pescaria, em vários pontos do rio e do mar, demonstrando ser essa uma
atividade que se desenvolveu desde cedo, pelos moradores de Natal e das vizinhanças.
10
Figura 1: A foz do Rio Grande em 1609.
Fonte: Moreno (1609). Ver prancha PT-TT-MR-1-68 m0005.TIF. As notas explicativas, pertencentes à
mesma fonte, foram transcritas por Medeiros Filho, (1997: 93-95)
11 A exploração inicial do Rio Grande pode ser mais bem visualizada num outro
documento, intitulado O Treslado do auto e mais diligências que se fizeram
sobre as datas de terras da capitania do Rio Grande, que se tinham dado
(ANÔNIMO. O Treslado...1909). Tratava-se de um dossiê que encerrava um conjunto
de documentos cujo objetivo era registrar de forma ordenada as concessões de terras já
distribuídas ou, como se dizia então, “repartidas” aos colonos na capitania do Rio
Grande, assim como evitar os abusos nessas concessões. Nesse documento, que reúne
186 doações de datas de terras aos colonos, várias referências nos ajudam a entender a
relação dos habitantes da cidade com o rio. A data 51 é um exemplo:
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A data 51 deu João Rodrigues Colaço ao padre vigário Gaspar Rocha em 23 de
junho de seiscentos e três, são mil e quinhentas braças, que começam da boca
do rio Guaraú pelo Rio Potigi acima, e quinhentas para o sertão, não fez
benfeitorias e é o porto de pescarias que foi dos capitães todos, e hoje é de Pero
Vaz a quem o deu o senhor governador Gaspar de Souza, é o melhor porto de
pescaria que aqui há e está defronte da Fortaleza8.
12 Essa data, depois doada novamente como data de n° 1859, entre outras, comprova
que na outra margem do Rio Potengi, de frente à Fortaleza dos Reis Magos, havia um
porto de pescaria, muito bom, que pertenceu aos mais altos dignitários da capitania,
pois “(...) é o melhor porto de pescaria que aqui há e está defronte da Fortaleza”. As
informações sobre a exploração da margem esquerda do Rio Grande se coadunam com
o mapa de Diogo Campos Moreno (Figura 1), que aponta locais com “redes” para a
pesca na margem oposta do Rio Potengi, em relação à Fortaleza, Aliás, é muito provável
que o nome do atual bairro da Redinha, no outra margem do Rio Potengi, tenha sua
origem nessas redes de pescar. A atividade pesqueira – às vezes com menção a portos e
trapiches – aparece em 18 datas do auto da repartição de terras10.
13 No mapa da Figura 1 aparecem três portos na margem direita do rio, próximos à
Fortaleza. Ainda que não sejam citados como tais no mapa de 1609, eles certamente
também funcionavam como “portos de pescaria”. Um desses três portos é citado
explicitamente na data 44:
A data quarenta e quatro deu João Rodrigues vassalo [sic] a Manoel Rodrigues e
a Antônio Freire seu cunhado em trinta de março de seiscentos e dois, é um porto
de pescaria, junto à Fortaleza desde o recife até o riacho primeiro, e hoje dos
soldados por o mandar assim o senhor governador geral Gaspar de Souza, e
pescam os soldados nele com sua rede (grifos nossos).
É este rio o mais fértil de peixe que há na Bahia, digo no Brasil, e nele se faz
muitas e grandes pescarias. E as mesmas pelas costas no verão de que vai
muito peixe salgado à Paraíba e a Pernambuco (Apud, LYRA, 2008: 58).
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fracasso de sua exploração, seja com o gado, com a cana ou com outra produção
qualquer.
(...) era a Câmara que administrava a passagem e cobrava os tais direitos para
as despesas do Conselho, como também dois mil réis de cada pesqueira das que
há na costa do mar cada ano: e que, além disto, costumava dar datas de terra em
circuito de uma légua desta cidade e na mesma cidade, tudo por uso antigo sem
para isso terem foral nem para outra cousa alguma sobre o que tinha havido
contenda perante o desembargador Cristóvão Soares Reymão que afinal julgava
lhe não tocava pela falta do dito foral e também por não haver exemplo nos
lugares e vilas circunvizinhas, de que a mesma Câmara apelara para o juízo dos
feitos de sua Real coroa de onde ainda não tinha vindo decidida a tal dúvida.
(...) pela conta que deram a Vossa Majestade os oficiais da câmara desta cidade
sobre a arrematação que intentaram fazer da passagem da ribeira e não ser
conveniente que se cumprisse a sentença que alcançaram os donatários da
referida terra da ribeira e mais razões nela expandidas (...) ordena Vossa
Majestade por resolução sua de 29 de janeiro de 1744 que (...) não se devem
conceder sesmarias sem se reservar meia légua de terra para uso público junto
dos rios em que há barca ou canoa e que também à Câmara não deva ser tirada
da posse da légua de terra que se costuma deixar para uso do povo e
rendimento das Câmaras e assim se praticará neste caso (...) ainda que não
tenha foral que lhe conceda a dita terra, nem ainda podem as Câmaras aforar
aos particulares o que é próprio dos conselhos sem permissão minha, porém a
passagem da barca como direito real não pode pertencer à Câmara e toca a sua
administração ao Provedor da fazenda real aonde deve cobrar-se o rendimento
da barca ou canoa sem prejuízo do serviço público12.
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
deveria ser pago. A resolução que Sua Majestade tomou sobre o assunto, em sua carta
de 29 de janeiro de 1744, parcialmente transcrita acima, estabeleceu os direitos de cada
parte envolvida. Cabe destacar, nesse debate - cujos vários desdobramentos
infelizmente não cabe aqui esmiuçar - que a travessia do rio e a atividades pesqueira
geravam renda por meio de tarifas, disputadas entre o Senado da Câmara e a
Provedoria da Fazenda. O debate também demonstra a importância estratégica das
terras doadas na cidade e em particular às margens do Rio Grande, que facilitavam essa
exploração13. As doações ficavam a cargo do Senado, que era questionado sobre esse
direito por não dispor do foral, documento que, entre outras funções, o autorizava a
isso.
21 Outro episódio que revela a exploração do Rio Grande e do litoral em geral se
encontra na carta que o Senado da Câmara de Natal escreveu a dona Maria I, em 05 de
outubro de 1799, solicitando-lhe a emancipação da capitania do Rio Grande do Norte
da de Pernambuco, como havia ocorrido com as da Paraíba e do Ceará. Em tom
panfletário, os oficiais da Câmara exaltam as várias produções da capitania, como
algodão, farinha de mandioca, arroz, açúcar, milho, pau-brasil, sal e gado bovino, e
insistem na abundância dos peixes no litoral, acrescentando que a capitania “(...) tem
belos portos marítimos, e bons surgidouros14 porquanto o desta cidade franqueia
entrada a embarcações d’alto bordo, (...)”, uma referência direta ao porto de Natal. Em
determinado momento, afirmam os oficiais: “(...) que fome, que cruel fome soberana
senhora! Não sofreriam os moradores de Pernambuco, se não fossem constantemente
fornecidos de peixe que lhe vai das praias desta capitania (...)15”.Apesar de não citar o
Rio Potengi especificamente, mas a capitania como um todo, esse rio era certamente
uma das fontes da “pujança” econômica da capitania, motivo que justificava, aos olhos
dos oficiais da Câmara, a independência de Pernambuco.
22 De fato, a existência de portos, de onde se exportava para Pernambuco peixes e
outros produtos, como o algodão, expressa um aspecto importante da economia
potiguar entre fins do século XVIII e início do seguinte. Baseado num documento de
1822, Dias (2008), que estudou as dinâmicas mercantis coloniais da capitania do Rio
Grande do Norte entre 1760 e 1821, menciona, por exemplo, a existência de 23 portos
secos16 na capitania, voltados principalmente para a exportação do algodão. Dois deles,
conclui o autor, se situavam em Natal. Ele também analisa o papel econômico da pesca,
associada à exploração do sal, do qual a capitania também era grande produtora. Após
considerar vários aspectos da atividade pesqueira na capitania do Rio Grande do
Norte17, ele conclui:
Entre 1811 e 1813, a Capitania produziu 461 000 peixes secos, consumindo e
permanecendo para o comércio local 40% da produção e exportando para
Pernambuco os demais 60% (...) os pescados movimentaram a economia
colonial da capitania a ponto de criar circuitos mercantis intracolonial, ligando as
Capitanias vizinhas, notadamente a de Pernambuco – quando os próprios
pescadores vinham de outras localidades da Colônia ou quando enviavam suas
redes de pesca para essa prática. De uma forma ou de outra, as rotas mercantis
gestadas pela pesca tornaram o peixe seco um atrativo econômico relevante para
a Capitania, tendo em vista que, além do peixe, disponibilizamos de quantidades
vultosas de sal18.
23 Ainda que a análise seja genérica – afinal se tratava da produção pesqueira e toda a
capitania, que detinha vários rios e lagoas onde o peixe era abundante, o fato é que o
Rio Potengi continuava a ser, desde o Tempo 1, como vimos, um dos principais pontos
dessa atividade, aproximando os habitantes de Natal do seu rio. A simples referências
aos portos da cidade, de onde não somente o pescado, mas também o algodão e outros
produtos eram exportados, principalmente para Pernambuco, reforça esse aspecto.
(...) até a grande estrada que fez Lopo Joaquim de Almeida Henriques, do
desembarque do porto para esta cidade, a grande obra e também a última de
que falamos a Vossa Alteza Real. Aqui é onde este governador se faz admirar e
rouba a atenção de toda a população, as grandes cavidades que faziam as
enxurradas (...) deixava um passo íngreme a subida do desembarque da cidade,
porém Lopo Joaquim não perde de vista esta grande obra: chama operários e
atenta, e muitas vezes foi visto com uma picareta na mão ensinar a despedaçar e
a arrancar pedras soberbas; outras vezes ele mesmo também com os seus
próprios braços pegando na enxada, ensinou a aplainar e endireitar a mesma
estrada, fazendo trabalhar nesta laboriosa empresa e até muitas vezes
sustentado a sua custa todos aqueles presos que se achavam a sua voz
recolhidos à cadeia, e em pouco tempo (...) apresenta e ao público um plano
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
inclinado por onde desembaraçadamente se desce e sobe sem a menor objeção
e dificuldade21.
28 O relato destaca que o caminho ligando o porto, localizado à margem do Rio Grande,
e a cidade –já existia, e devia ser muito antigo. Essa estrada íngreme era conhecida
como “Rua da Cadeia” por se iniciar na praça central da cidade próximo à casa de
Câmara e cadeia, situada na acrópole. Em 1847 ela se chamava de “Caminho Novo do
Doutor Sarmento”. Sofreu intervenções posteriores, como descritas por Rodrigues
(2006), fundamentando-se em outros autores. Hoje, essa rua, bastante larga, se chama
Rua João da Mata (Figura 2).
29 Nas proximidades do rio formou-se uma animada feira, que ocorria num local
conhecido como Passo da Pátria. Essa feira, que ainda acontecia nas duas primeiras
décadas do século XX, recebia, por meio do rio, vários tipos de produtos de outras
localidades, e abastecia a cidade valendo-se do caminho em apreço. O Presidente da
Província do Rio Grande do Norte, José Meira, ao decidir calçá-lo em 1866, afirma:
a.
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
b-Croqui
A partir de (a), croqui com trecho ampliado (b). Convenções do croqui: “Demarcação em vermelho: Aterro do
Salgado e Ladeira da Cadeia. As mercadorias desciam pelo rio Jundiaí e paravam no porto do Passo da
Pátria, tradicionalmente utilizado para o abastecimento interno da capital, via Cidade Alta”.
Fonte do croqui e do texto correspondente: Rodrigues (2006: 46
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
O mapa é acompanhado do seguinte texto: “Mapa dos fluxos do rio Salgado no ano de 1878. Havia pelo
menos dois tipos de transporte no rio. Um era destinado ao comércio de exportação, cujos principais
entrepostos eram a Ribeira e o porto de Guarapes. O comércio de abastecimento interno era polarizado pelo
porto de Macaíba e do Passo da Pátria. Notar que conexão terrestre dos entrepostos situados no Jundiaí era
muito mais eficiente do que a da Capital”. Fonte da Figura e do texto: Rodrigues (2006: 81)
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
pelo Rio Potengi. A linha de ferro e sua ponte pareciam ser, no discurso da elite, a
grande solução desejada para o futuro do estado do Rio Grande do Norte.
39 A ponte de concreto ao lado é data de 1970. Fonte: Google Earth. Se, por um lado, a
linha férrea aproxima Natal do interior do estado, aumentando sua influência e
consolidando seu status de capital, por outro lado suas linhas, equipamentos e
instalações terminam por impactar o espaço urbano da cidade e sua relação com o Rio
Potengi, ora funcionando como obstáculo físico entre o rio e a cidade, ora de certa
forma aproximando-os. Nesse momento, interessa-nos tão-somente tecer alguns
comentários sobre essa relação conflituosa entre rio e cidade, tendo as linhas férreas
como os protagonistas28.
40 A Cidade Alta, primeiro bairro de Natal, se separava da cidade baixa, ou Ribeira,
segundo bairro mais antigo, por uma área alagada, perceptível no mapa da cidade de
1864 (Figura 6). Desde a primeira metade do século XIX, os Presidentes de província
passaram a ver esse local como propício para um espaço público, para o quê ele teria
que ser aterrado e sofrer outras intervenções. Isso somente começa a ocorrer, de fato,
no final do século XIX. Símbolo da modernidade urbana que a elite queria então
instaurar na cidade, o local, que foi objeto de uma intervenção paisagística pelo
arquiteto Herculano Ramos em 1904, reunia uma praça por ele projetada, em torno da
qual se localizavam os principais prédios públicos da cidade e o terminal da estação de
trem da Great Western. Qualquer viajante que chegasse pela cidade, ilustre29 ou não,
entraria no espaço da cidade por essa praça, cuja localização, na Ribeira e a apenas
cerca de 300 metros do Rio Potengi, também demonstrava a importância crescente
desse bairro em detrimento da Cidade Alta, o marco zero de Natal. O terminal
ferroviário e a praça, inicialmente da República depois Praça Augusto Severo, passam a
compor, então, a “porta de entrada” de Natal30.
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
44 O bairro da Ribeira - nome que faz referência ao Rio Potengi por se situar as suas
margens31 – recebeu vários investimentos em infraestrutura ferroviária, além de
melhorias no porto, reforçando assim o seu papel de destaque no cenário urbano da
cidade, que permanecerá até a Segunda Guerra Mundial. Essas intervenções na
infraestrutura de transporte se localizavam perto do Rio Potengi, e dele não estão
dissociadas. O bairro também passa a receber equipamentos públicos que o reforçam
como a nova centralidade de Natal, em detrimento da Cidade Alta.
45 As instalações do parque ferroviário causam um impacto contraditório na relação do
rio com a cidade, aproximando-os e ao mesmo tempo separando-os. A linha férrea
tende a contribuir para o desenvolvimento da Ribeira, próximo ao rio e, mais do que
isso, a atrair para suas proximidades uma população operária, de baixa renda,
formando, como no caso do Passo da Pátria, bolsões de pobreza no seu entorno. Esse
processo aproxima fisicamente a cidade do Natal ao Rio Potengi, ao atrair a sua
expansão urbana na direção do rio. Considerando a divisão atual de bairros da cidade32,
essas populações vão se instalar em áreas nas Rocas, no Alecrim e nas Quintas
(Guarita), no Alecrim e na Cidade Alta (Passo da Pátria), sempre nas proximidades do
rio, como mostram as Figuras 7 e 8. Evidentemente, não é só a linha de ferro que
explica essa aproximação da cidade ao rio, nem a formação desses bairros ou de parte
deles. Por exemplo, a ampliação do porto também está na origem da fixação de uma
população de baixa renda nas Rocas, da mesma forma que o surgimento dos bairros
Alecrim, como as Quintas, tem principalmente a ver com o caminho que ligava a cidade
ao sertão, via Macaíba (CASCUDO, 1999: 246-247, 255, 357). Contudo, a linha férrea
tem sua parcela de contribuição nesse processo de formação dessas periferias próximas
ao Rio Potengi.
46 No que diz respeito à separação que a mesma via férrea provocou, um exemplo
bastante ilustrativo da separação está no cais e feira do Passo da Pátria, local, que como
vimos, foi ponto de abastecimento da Cidade Alta desde, pelo menos, o século XIX. O
“Caminho Novo do Doutor Sarmento”, ladeira que sofreu intervenções desde pelo
menos 1805, era uma “extensão do rio” em direção ao centro de Natal e caminho por
onde passava todo tipo de produto que abastecia a cidade, proveniente de outras
localidades situadas às margens do rio e de mais distante. A construção da linha férrea
isola o Passo da Pátria e corta perpendicularmente essa antiga estrada que o unia à
Cidade Alta, asfixiando esse local e sua feira, que entram progressivamente em
decadência nas primeiras três décadas do século XX. O Passo da Pátria, espremido
entre o rio e o mar, se torna uma área periférica, reforçando ainda mais, até os dias de
hoje, o seu caráter de baixa renda. A linha férrea vai favorecer agora o bairro da Ribeira,
a Cidade Alta ficando desprovida de uma fonte de abastecimento importante33.
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
Nessa figura, chamamos atenção para: 1) a linha vermelha representando a linha férrea serpenteando o
Rio Potengi e delimitando a cidade; 2) As áreas periféricas que se formam nas proximidades da mesma
linha (hoje bairros do Alecrim, Guarita, Passo da Pátria e Rocas, respectivamente nas cores laranja, rosa,
verde escuro e verde claro); 3) Parques ferroviários da Great Western e da Estrada de Ferro Central do Rio
Grande do Norte (respectivamente em cor magenta e azul escuro), ambos situados na Ribeira.
Fonte: Medeiros (2011: 84)
47 A linha férrea também contribui para distanciar a cidade como um todo desse mesmo
rio. Áreas desvalorizadas, sujeitas a inundações, perigosamente próximas a linhas
férreas que as separam fisicamente do restante da cidade e fundamentalmente espaços
de pobreza, essas áreas ribeirinhas funcionam como obstáculo entre o rio e o restante
da cidade, especialmente as áreas nobres.
48 As Figuras 7 e 8, produzidas por Medeiros (2011), que estudou o impacto dessas
redes ferroviárias no espaço da cidade, também discute, baseado num interessante
artigo de junho de 1917 que ele transcreve, o fato de que, enquanto a Praça Augusto
Severo era o ponto focal da modernidade natalense, essas vias férreas pelas quais
passavam os visitantes que chegavam à mesma praça, os expunha, pelo contrário, à
feiura e a pobreza dessas periferias (MEDEIROS, 2011: 81-83).
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ESCALA
PAÍS DE
EMPRESA EM OBSERVAÇÃO
ORIGEM
NATAL
LATI (Linee Aeree Teve uma atuação curta, pois suas ações foram
1939-
Transcontinentali Itália interrompidas no Brasil em razão da Segunda
1942
Italiane) Guerra Mundial.
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da América do Sul, entre o final da década de 1920 e início da década de 1940, em plena
Segunda Guerra Mundial.
51 Algumas características comuns às empresas do Quadro 1 podem assim ser
resumidas: 1) As linhas foram estabelecidas por etapas ou trechos, os percursos
aumentando gradativamente à medida que novos pontos geográficos, geralmente
cidades localizadas em países da Europa, África e América do Sul, eram incluídos em
suas rotas respectivas; 2) cada um desses trechos, e em especial a travessia do Atlântico,
representava um grande obstáculo técnico a ser vencido; 3) Natal se tornou uma escala
da maior importância par as empresas e nações envolvidas na ampliação dessas linhas
em escala Internacional, em direção a América do Sul; a cidade entra, assim, no circuito
mundial da navegação aérea nascente37; 4) As empresas aéreas transportam
inicialmente correspondências, bagagens e mercadorias; somente num segundo
momento, especialmente a partir da década de 1930, se torna possível e viável o
transporte também de passageiros; 5) as empresas aéreas europeias referidas no
Quadro 1, e outras como a espanhola Iberia, que passa a estabelecer uma linha com o
Brasil via Natal logo após o termino da Segunda Guerra Mundial, usam as colônias
europeias na África como escala; 6) Essas empresas refletiam as disputas comerciais em
âmbito internacional.
52 Com a proximidade da Segunda Guerra Mundial, as tensões e interesses militares e
geopolíticos das nações correspondentes, assim como do governo brasileiro,
inteiramente envolvido nessas questões, se refletem na operação dessas empresas em
solo brasileiro e potiguar em especial38. Seja como for, entre a década de 1920 e o início
da Segunda Guerra Mundial, Natal recebeu inúmeros representantes ilustres da aviação
nascente: franceses inicialmente, mas também italianos, portugueses, brasileiros,
alemães, americanos e de várias outras nacionalidades. O que desperta a atenção,
nessas experiências, é o fato de que cada pouso era motivo de comemoração pública.
Em caso de acidentes, os pilotos e equipe recebiam das autoridades locais e do povo o
necessário socorro. As mesmas autoridades, inclusive os representantes consulares ou
das empresas aéreas instalados na cidade39, apressavam-se em receber os pilotos e suas
equipes e em providenciar-lhes a melhor acolhida possível. O povo saía às ruas para ver
os “heróis40” e suas possantes máquinas voadoras. Desfiles pela cidade, discursos
comemorativos, jantares de gala, troca de presentes e de cartas oficiais eram de praxe
nessas ocasiões. Muitos desses viajantes faziam previsões otimistas sobre o futuro de
Natal, vista como escala incontornável da aviação mundial. Esses e outros detalhes
foram descritos por Viveiros (2008), que listou e descreveu a experiência desses vários
aviadores e de suas aeronaves – tão famosas quanto eles próprios - em sua passagem
por Natal41. A efervescência desse momento se revela, inclusive no forte interesse que a
elite político-administrativa e intelectual local tinha na modernização da cidade, na
visão da qual ela estava destinada a ser o “cais da Europa” (DANTAS, 2003).
53 Em nível local, esse momento produz, por assim dizer, uma reaproximação da cidade
com o rio. Afinal, os hidroaviões amerissavam no Rio Potengi, que funcionou como
hidrobase entre 1922 e 1945, até o final da Segunda Guerra Mundial. O primeiro
aeródromo de Natal surge em 192742, mas era localizado no atual município de
Parnamirim, distante cerca de 20 quilômetros da cidade de então, e só vai ter um papel
realmente fundamental com a Segunda Guerra Mundial, quando se torna uma
importante base aérea norte-americana, mas também brasileira. A partir de 1927, a
cidade tinha, portanto, dois campos de pouso, um fluvial, mais antigo, que recebeu seu
primeiro avião em 192243, e um terrestre, em Parnamirim44.
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Produzido pelo autor sobre mapa da cidade atual do Google Maps. Os locais se baseiam em
Viveiros (2008: 63-192).
A Junqueira Ayres, no final da década de 1920, era a avenida por onde passavam
os bondes e os ônibus, desciam as normalistas e estudantes rumo à Escola
Doméstica; rumo à Av. Tavares de Lira, iam-se às vitrines à moda parisiense, aos
cafés e rotisseries e aos pontos chics de reunião, passear a elegância e o spleen
de Natal; assistir as regatas no rio Potengi ou aos espetáculos e filmes do Cine-
theatro Carlos Gomes e do Politheama. Pela Av. Junqueira Ayres passavam
muitos daqueles que tinham seus afazeres entre os bairros da Ribeira e da
Cidade Alta DANTAS, 2003: 79)45.
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Boeing B-314 Dixie Clipper que trouxe Roosevelt ao Brasil em 1943. Pouso no Rio Potengi
Fonte: http://nataldeontem.blogspot.com.br/2009/07/1943-visita-de-roosevelt-e-vargas.html
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que “do lado de lá” do rio havia dois núcleos habitacionais, Igapó e Redinha, hoje
bairros, que se relacionavam com a cidade. Ambos têm origem muito antiga, que se
confundem com o início da história de Natal48. Contudo, a ocupação dessa área ao
norte da cidade sempre foi muito rarefeita. Com a transposição do Rio Potengi pela
ponte de ferro em 1916, começa a diminuir o histórico isolamento da cidade, como
vimos. Porém, é principalmente, com a construção da segunda ponte, a Professor
Ulisses de Góis, em 1970, e com a melhoria da rodovia 304, que essa área começa, de
fato, a ser ocupada. Zona industrial de Natal a partir de 1975, essa área além-rio atrai o
mercado imobiliário e moradores. A chamada Zona Norte cresceu principalmente
através dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da década de 1970,
porém, se tornou uma área urbana periférica, separada física e simbolicamente do
restante da cidade pelo Rio Potengi49. Em outras palavras, e contraditoriamente, a
inclusão física do estuário do rio na cidade não impediu o distanciamento de ambos.
Pelo contrário, se, como vimos, no Tempo 4 (1920 e 1945) - o Rio Potengi fazia parte do
cotidiano do natalense, nesse Tempo 5 a cidade de certa forma “deu as costas” para o
rio.
60 Assim, o Rio como obstáculo, característico do Tempo 3 (1850-1916), de certa forma
continuou a sê-lo neste Tempo 5, ainda que de forma simbólica. Alexsandro Silva, que
estudou o processo de periferização da zona Norte de Natal, e de quem tomamos
emprestado algumas dessas considerações, percebe essa separação que o rio causava
mesmo para os dois núcleos mais antigos da margem esquerda do Rio antes do
crescimento da Zona Norte:
61 O surgimento e crescimento posterior da Zona Norte, como toda área periférica, não
alterou esse fato. Se a separação física é evidente, na percepção do natalense médio o
rio continua a separar também simbolicamente o lado de cá do lado de lá do rio, este
último ainda estigmatizado como espaço de pobreza da cidade. Em linhas gerais,
percebemos, não somente através deste e de outros estudos, mas também pela própria
vivência na cidade, que os espaços de pobreza são, via de regra, mais intensos à medida
que a cidade se aproxima das duas margens do rio. Enquanto que os bairros da Zona
Leste e Sul, ao longo da costa Atlântica são mais valorizados e abrigam as populações de
maior poder aquisitivo na cidade, com algumas exceções, como Santos Reis, Mãe Luiza
e Nova descoberta, os bairros em geral se empobrecem à medida que se aproximam do
Rio Potengi (Figura 11), como vimos na nossa análise do Tempo 3 (1850-1916). A ação
do mercado de terra urbana e do mercado imobiliário, a ineficácia, impotência ou
mesmo, em alguns casos, conivência do poder público regulador da produção do espaço
da cidade, explicam esse fenômeno. Isso, por si só, são um dos motivos que afastam do
rio as parcelas mais aquinhoadas da cidade, ao contrário das populações ribeirinhas,
que continuam a viver a suas margens e dele tirarem boa parte de seu sustento,
principalmente através da pesca. O lazer é outro motivo dessa aproximação,
principalmente para os ribeirinhos.
62 O segundo motivo apontado para o distanciamento da cidade do seu rio está
intrinsicamente relacionado ao primeiro. A ausência de uma política de valorização
tanto histórico-paisagística quanto ambiental do próprio rio é, ao mesmo tempo, causa
e efeito do processo de crescimento da cidade nos moldes que ela vem ocorrendo no
Tempo 5. Com efeito, o rio pode ser visualizado pelo habitante de Natal em alguns raros
pontos privilegiados da cidade, como na Pedra do Rosário, no Canto do Mangue, nas
imediações da Fortaleza dos Reis Magos ou na Rampa – neste último quase sempre por
pessoas de maior poder aquisitivo, por ser um espaço fechado. Mais recentemente, ele
também pode ser espetacularmente visualizado na nova ponte Newton Navarro,
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inaugurada em 2007, de onde se vislumbra não somente o estuário do rio, mas também
o mar e a cidade do Natal. Contudo, o fato é que, no dia-a-dia da cidade, ele não é
normalmente visto. Cantado em verso e prosa e com um “dos mais belos pores-do-sol
do mundo”, como costuma afirmar orgulhosamente o natalense, o rio não é apreciado
realmente, não faz parte da paisagem, como acontecem em tantas outras cidades50.
63 Os acessos ao rio são em geral difíceis, seja pelas características do próprio processo
histórico de crescimento da cidade, como vimos, seja por causa de algumas
características naturais do rio, com seus mangues e vegetação densa em alguns locais
que impedem sua visualização adequada. A topografia da cidade também não contribui
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para essa apreciação. Um local que poderia ser explorado nesse sentido, por se situar
em terreno alto, é o marco zero da cidade, a atual Praça André de Albuquerque, de onde
seria possível uma bela visualização do Rio Potengi, como deve ter sido no passado.
Contudo, um paredão de edificações impede a sua visualização adequada. As áreas
ribeirinhas, pobres e em geral esquecidas pelo poder público, a linha férrea que
continua separando o rio da cidade, a falta de um plano de manejo das margens do rio,
que incluísse, por exemplo, calçadões e passeios públicos em trechos específicos e
convenientes, além de uma conscientização da importância histórica e ambiental do Rio
Potengi, são todos fatores que exacerbam a invisibilidade do rio.
64 Mais o argumento mais forte para o distanciamento entre o rio e a cidade nesse
tempo 5 é de caráter ambiental. Ainda que tentativas e projetos de saneamento da
cidade datem desde, pelo menos, a década de 1930, pelo escritório de Saturnino Brito, o
fato é que o Rio Potengi tem sido muito maltratado ambientalmente. Esgoto da cidade,
o rio tem sido vítima do descaso do poder público, que carece de uma política eficaz
para sua preservação. Abundam os estudos, os artigos de jornais e denúncias de
ambientalistas e do Ministério Público com o descaso com o rio, que sofre com o
recebimento do esgoto in natura da cidade, mas também com os dejetos da indústria
salineira e mais recentemente da carcinicultura - a criação de camarões em viveiros. As
conclusões do estudo de Correa (2008), precisamente sobre as condições ambientais do
estuário do Rio Potengi, é um exemplo:
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
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Notes
1 http://www.meioambiente.ufrn.br/index.php/lugares-e-projetos-visitados-expedicoes/2011-1-
icmbio/. Acesso em 24/04/2014.
2 Os nativos do litoral eram apelidados, segundo o mesmo autor, de poti-guara, ou “comedores
de camarão”.
3 Mariz e Provençal (2007: 15-30) classificam o período de forte presença francesa na costa
brasileira em 3 fases distintas: a) a de aventureiros e negociantes, que se estende até meados do
século XVI; b) a fase de colonizadores, até 1614, e c) a dos corsários, até 1714. Os autores citam
vários nomes de navegadores que estiveram no litoral brasileiro desde 1503, sua presença se
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fazendo marcar por uma série de expedições. Dentre esses nomes, cabe destacar o de Jacques
Riffault, que esteve várias vezes na costa da capitania do Rio Grande. Também mencionam outro
conterrâneo, Toussaint Coué de la Villaudière, enviado pelo rei Henrique IV ao Rio Grande, onde
se encontrava Riffault, mas que fracassou diante da defesa de um grupo de portugueses.
4 Entre várias referências, o mesmo autor menciona um francês de nome Rifot. Estando
provavelmente na Paraíba, ele se refugia no Rio Grande ao saber que forças militares portuguesas
da capitania de Pernambuco estavam prestes a se dirigir àquela região no intuito de desalojar os
franceses. Ao saber da notícia, diz Frei Vicente, Rifot “(...) se despediu com os seus para o rio
Grande, onde tinha as naus, e se embarcaram nelas para sua terra (...)”. A referência às naus é
mais um demonstrativo da presença francesa na capitania. Apesar da grafia diferente, se tratava
certamente do mesmo Jacques Riffault, citado por Vasco Mariz e Lucien Provençal (SALVADOR,
1627: 103-104, 108-110). Esse Riffault, ou Rifot, ou ainda Rifoles ou Refoles - como os
portugueses o chamavam – passou a designar uma área ribeirinha do Rio Potengi, localizada nas
imediações da atual Base Naval de Natal, onde ele ancorava suas naus (CASCUDO, 1999: 247-
248).
5 Os franceses haviam fundado feitorias para o escambo com os índios locais, e alguns deles
fixaram residência entre os nativos. Ao que parece, a intenção, naquele momento histórico, era
simplesmente a exploração extrativista, notadamente do pau-brasil, com fins comerciais via mão-
de-obra indígena, ainda que, em termos mais amplos, os franceses já tivessem tentado se fixar de
forma definitiva na costa brasileira.
6 Apud, Medeiros Filho (1997: 18).
7 Não há prova documentais de que Natal tenha sido realmente fundada na em 25 e dezembro de
1599, mas todos os indícios apontam para essa data, sendo aceita pela historiografia em geral.
8 Outro exemplo se encontra nas datas 14 e 54. A data 14, que tivera outro beneficiário, foi doada
posteriormente, como data de n° 54, aos jesuítas. Também a data 2 foi doada aos jesuítas, de
acordo com a data 55.
9 “A data cento e oitenta e cinco deu o governador geral Gaspar de Souza a Pero Vaz Pinto
escrivão da fazenda nesta capitania um porto de pescaria da outra banda do rio defronte a
Fortaleza, o qual porto possuíram até agora todos os capitães que aqui serviram, tem redes de
pescar em que pesca”.
10 As de n° 30, 31, 40, 43, 44, 47, 51, 58, 73, 75, 77, 78, 79, 99, 149, 150, 168, 185.
11 Cascudo (1955: 442), que o denomina de “Domingos da Veiga Cabral”, acredita que o seu
governo terminou em fins de 1631.
12 Os documentos parcialmente transcritos sobre esta questão encontram-se em AHU-RN, Cx.
04, Doc. 266.
13 A carta do escrivão da Câmara, Manoel Álvares Barreto, datada de 06 de agosto de 1744,
referente à “arrematação que por este Senado se fez do rio da ribeira desta cidade em 01 de
agosto de 1743 a Francisco de Oliveira Santos por 11 300 réis” determina os valores das tarifas
que esse senhor poderia cobrar para a travessia do rio, com o uso de canoa, quando maré
estivesse alta ou baixa, ou quando o cavalo tivesse que atravessar o rio a nado “(...) por não caber
na canoa por ser esta pequena e que comumente carrega cinco pessoas (...)”. Não é possível saber
se a travessia era efetivamente do Rio Grande ou de um braço desse rio que separava os atuais
bairros da Cidade Alta e da Ribeira.
14 Ancoradouros.
15 AHU - RN Cx. 08, Doc. 514.
16 Segundo Francisco Ribeiro Dias, os “portos secos” se distinguiam dos “portos molhados” ou do
“mar” por se situarem em rotas comerciais mercantis carroçáveis ou em rios volumosos e
trafegáveis. Apud, Dias (2008: 138).
17 Como a exportação de tartarugas, a resistência dos pescadores em vender o pescado no
mercado local, o uso da mão-de-obra indígena para a pesca, a questão da distribuição de
sesmarias em áreas ribeirinhas a cursos d’água para a exploração pesqueira, as parcerias
existentes entre pescadores, donos de redes e donos de barcos e os tipos de peixes comumente
pescados.
18 Dias (2008: 235-236).
19 O ofício é endereçado ao secretário de estado da marinha e ultramar Visconde de Anadia, João
Rodrigues de Sá e Melo, e acompanhado por um “mapa geral da importação, produtos e
manufaturas do reino; produção, consumo, exportação e do que ficou sem exportar, nem
consumir; portos de onde vieram e para onde foram; dos habitantes e suas ocupações;
casamentos, matrimônios e mortes”. AHU - RN Cx. 10, Doc. 629
20 Valemo-nos principalmente, para essas considerações, do trabalho de Rodrigues (2006), que
discutiu essa temática a fundo.
21 O documento foi escrito em apoio ao capitão-mor, que era objeto de uma investigação pelos
maus-tratos à população da capitania. AHU - RN Cx. 10, Doc. 625.
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22 Apud, Rodrigues (2006: 46-47). A transcrição acima obedece à grafia do português atual, ao
contrário do que fez o referido autor, que preferiu a grafia original.
23 Para mais detalhes sobre o porto e das reformas realizadas para superar esse problema ver
Simonini (2010).
24 Em sua viagem de 1810, Henry Koster também detectou as dificuldades de acesso a Natal por
causa das dunas, no trecho entre Natal e a Vila de São José, atual São José de Mipibu, situada
cerca de 30 km ao sul de Natal. (KOSTER, 1979: 86-87).
25 Rodrigues (2006: 65-81).
26 Rodrigues (2006: 51-61).
27 Essa ponte foi destruída na década de 1950, após uma enchente do rio. Rodrigues (2006: 59).
28 Aos interessados na análise propriamente dita da história da estruturação dessas redes no
espaço da cidade, ver Rodrigues (2006), já citado, e Medeiros (2011). Faremos, contudo, no que
couber, referência a esses dois estudos.
29 Como o Presidente Afonso Penna, que por ela chegou em 1906 justamente para inaugurar o
primeiro trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte. Rodrigues (2006: 142).
30 Rodrigues (2006: 120-142).
31 Segundo Câmara Cascudo, o nome deriva da área alagadiça que existia entre os atuais bairros
da Cidade Alta e da Ribeira, que foi aterrado e onde se construiu a Praça Augusto Severo
(CASCUDO, 1999: 149).
32 Natal (2008).
33 Essa questão foi inicialmente discutida por Rodrigues (2006: 142) e retomada com um pouco
mais de vagar por Medeiros (2011: 66-67).
34 Esta empresa, por sua vez, representa a continuidade de outras empresas aéreas francesas
sucessivamente criadas e substituídas desde, pelo menos, 1918: Compagnies des Messageries
Aériennes, Compagnie des Grands Express Aériens, Compagnie Aéronavale, fundidas em 1923 na
Air Union; em 1925, Compagnie Internationale de Navigation Aérienne (CIDNA). (VIVEIROS,
2008: 27-28). A Latécoère, depois transformada na CGA, foi adquirida pelo empresário francês
Marcel Bouillox-Lafont, em 1927. Em 1931, os alemães mantinham uma linha aérea regular entre
Friedrichshaven, na Alemnaha, e Recife por meio dos dirigíveis Graf Zeppelin. (SMITH JUNIOR,
1992: 18).
35 Desde 1933, e durante algum tempo após 1935, essas embarcações continuam a prover o
suporte necessário, agora para a Air France, que assumiu o referido trajeto, fornecendo dados
meteorológicos e informações radiotelegráficas, inclusive por meio de pontos fixos, como
Fernando de Noronha. (SECK, 1970 : 343-344).
36 Além da Aéropostale, a Société Générale des Transports Aériens, la Compagnie Internationale
de la Navigation Aérienne, Air Union, Air Orient.
37 Evidentemente, outras cidades nas Américas, África e Ásia assumem igualmente um papel
fundamental nesse processo. Contudo, poucas detêm posição geográfica tão privilegiada para o
empreendimento.
38 É assim que a Panair, americana, passa a dominar o espaço aéreo brasileiro a partir da
Segunda Guerra Mundial, antes fortemente controlado comercialmente por empresas como a
Condor, alemã. A Panair contribui, por meio de uma política do governo e do capital americano,
mas também brasileiro, para o enfraquecimento, nacionalização e/ou desparecimento da Condor
e de outras empresas rivais, vistas como inimigas ou colaboradas em potencial dos governos do
Eixo. A Condor, que se associa a Lufthansa a partir de 1934 no intuito de fornecer o serviço postal
transatlântico, entre Natal e Bathurst, atual Banjul, capital da Gâmbia, na África, e de lá para a
Europa, sofreu consequências diretas desta política agressiva, sendo asfixiada aos poucos até ser
nacionalizada com o nome de Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, em 194. (QUINTANEIRO, 2009:
110-132). A italiana LATI, por outro lado, deixou de operar no Brasil em 1942, por razões
semelhantes. (QUINTANEIRO, 2007: 223-234). A Gâmbia era colonial britânica. A permissão
pode ter sido concedida aos alemães pelos ingleses para contrabalançar a crescente influência da
aviação francesa na América do Sul. (SMITH JUNIOR, 1992: 18).
39 As empresas internacionais mencionadas, que atuaram em Natal nesse período, tinham todas
representações e/ou escritórios na cidade.
40 Jean Mermoz (1901-1936) é um digno representante da aviação nascente, entre outros. Depois
de iniciar sua carreira na aviação civil na Latécoère, passou a ser piloto da CGA em 1924, e como
tal, entrou para a história por ter sido o primeiro a ter realizado um voo sem escala entre Saint-
Louis do Senegal e Natal. A viagem foi realizada entre os dias 12 e 13 de maio de 1930, e durou 22
horas e 25 minutos, quando então amerissou na hidrobase da CGA, em Natal, localizada no Rio
Potengi, na altura do Refoles. A façanha fazia parte do projeto da CGA de expandir sua linha
aérea até o Chile. O avião, que carregava 100 quilos de correspondência, era um Laté 28. Mermoz
realizou essa viagem inúmeras vezes e tornou-se uma figura conhecida e frequentadora de Natal.
Em uma dessas viagens, atuando como piloto da Air France, o seu avião desapareceu no
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02/04/2023, 16:15 O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos
Atlântico, em 7 de dezembro de 1936. Na ocasião, o acompanhavam Pichodou, Ezan, Cruveilher e
Lavidalie. (VIVEIROS, 2008: 119-121).
41 Até o Graff Zeppekin esteve 15 vezes em Natal, entre 1930 e 1934. (VIVEIROS, ibid., 124-125).
42 A partir de 1927, foram construídos 49 campos de pouso ao longo da costa oriental do Brasil,
dos pampas argentinos e sobre os Andes, segundo (PEIXOTO, 2003: 27). O campo de pouso de
Natal era um deles. Em 1927, ainda na fase de negociações e estudos de ampliação da rota da
CGA até a América do Sul, esteve em Natal o piloto da companhia Paul Vachet, que viajava ao
Brasil desde 1925. Ele veio em busca de um local que servisse de aeródromo para os aviões da
CGA. O Sr. Manoel Machado, rico comerciante e dono de muitas terras em torno da cidade do
Natal, doou um terreno para tal finalidade em Parnamirim, perto da capital, a essa empresa
francesa.
43 Em 21 de dezembro de 1922, o “Sampaio Correia”, proveniente de Nova York e pilotado pelo
brasileiro Euclides Pinto Martins e pelo americano Walter Hinton amerissaram no Potengi. Os
pilotos entraram na cidade pelo cais da Tavares de Lyra. (VIVEIROS, 2008: 65-66).
44 Apesar de sua inegável importância para a aviação militar e para a cidade do Natal, a
discussão sobre essa base aérea foge aos objetivos deste trabalho, que se propõe a analisar a
relação da cidade com o Rio Potengi.
45 . Sobre a importância, inclusive política dessa mesma avenida ainda ano final da década de
1930, ver (OLIVEIRA, 2008: 65-68).
46 A Fundação foi criada em 2001 “no intuito de preservar as edificações de uma antiga base de
hidroaviões remanescente do início da década de 40, que anteriormente também abrigou uma
estação de passageiros da Pan Am”. http://www.fundacaorampa.com.br/af_missao.htm. Acesso
em 20 de abril de 2014.
47 http://www.fundacaorampa.com.br/af_rampa.htm. Acesso em 20 de abril de 2014.
48 Enquanto o primeiro era uma aldeia indígena que foi contemporânea da fundação da cidade, a
Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca,
como vimos no Tempo 1.
49 Silva (2003).
50 A lista é imensa, inclusive no Brasil. Mas vamos citar apenas três casos emblemáticos: o Rio
Sena, em Paris, o Tâmisa, em Londres, e o Tibre, em Roma.
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Titre Figura 8. Espacialização das áreas adjacentes às ferrovias em Natal
Nessa figura, chamamos atenção para: 1) a linha vermelha
representando a linha férrea serpenteando o Rio Potengi e delimitando
a cidade; 2) As áreas periféricas que se formam nas proximidades da
mesma linha (hoje bairros do Alecrim, Guarita, Passo da Pátria e
Légende
Rocas, respectivamente nas cores laranja, rosa, verde escuro e verde
claro); 3) Parques ferroviários da Great Western e da Estrada de Ferro
Central do Rio Grande do Norte (respectivamente em cor magenta e
azul escuro), ambos situados na Ribeira.
Crédits Fonte: Medeiros (2011: 84)
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Figura 9. Locais de embarque/desembarque: hidroaviões no Rio
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Potengi (1922-1939)
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Titre Figura 10. Fotografias da Rampa, Natal-RN. Fonte: Fundação Rampa
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Boeing B-314 Dixie Clipper que trouxe Roosevelt ao Brasil em 1943.
Légende
Pouso no Rio Potengi
Fonte: http://nataldeontem.blogspot.com.br/2009/07/1943-visita-de-
Crédits
roosevelt-e-vargas.html
https://journals.openedition.org/confins/10114 32/33
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Titre Figura 11. As Regiões Administrativas de Natal
Crédits Fonte: Silva (2003: 79)
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Auteur
Rubenilson B. Teixeira
Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte - UFRN (graduação e pós-graduação), rubenilson.teixeira@gmail.com
Droits d’auteur
Creative Commons - Attribution - Pas d’Utilisation Commerciale - Partage dans les Mêmes
Conditions 4.0 International - CC BY-NC-SA 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
https://journals.openedition.org/confins/10114 33/33