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NATIVIDADE – TOCANTINS

REGISTROS DE SUA HISTÓRIA

PIMENTEL, CAMILA DE QUEIROZ

Universidade de Brasília. Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo


Instituto Central de Ciências - ICC Norte - Gleba A Campus Universitário Darcy Ribeiro - Asa Norte
Caixa Postal 04431
E-mail: camila.qpimentel@gmail.com

RESUMO
Natividade, núcleo urbano mais antigo do estado do Tocantins, tem seu início datado em 1734,
originalmente chamada Arraial de São Luiz. Seu desmembramento aconteceu apenas em 1831,
quando foi elevada à categoria de vila. Durante muitos anos esteve na posição de um dos maiores
arraiais da Capitania de Goyaz e ocupou lugar de destaque na extração de ouro. Cidade colonial de
ruas irregulares e uma arquitetura que preserva suas características primeiras. Circundada a leste
pela Serra de Natividade, teve seu centro histórico tombado pelo IPHAN em 1987. De acordo com o
mesmo órgão, o centro histórico da cidade contempla 260 unidades e sua estrutura urbana
permanece praticamente íntegra, pois as áreas de ocupação mais recentes não interferiram na forma
de seu núcleo original. Mesmo apresentando caráter significativo em seu tempo, a história do lugar
encontra-se de difícil acesso. Com bibliografia e divulgação aquém de outras cidades semelhantes,
estudar o sítio tem tornado cada pesquisa um desvendar de sua história e uma descoberta de novos
fatos. O presente trabalho busca, portanto, trazer um levantamento da bibliografia e dos fatos
registrados a respeito da origem da cidade, datas, manifestações culturais, artísticas e religiosas além
de relatar de que forma seu espaço urbano é citado através dessas fontes.

Palavras-chave: Natividade, história, bibliografia.

V SEMINÁRIO IBERO-AMAERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


BELO HORIZONTE – DE 24 A 26 DE Outubro de 2017
Introdução

Natividade, núcleo urbano mais antigo do estado do Tocantins, tem seu início datado
em 1734, originalmente chamada Arraial de São Luiz. Seu desmembramento aconteceu
apenas em 1831, quando foi elevada à categoria de vila. Durante muitos anos, esteve na
posição de um dos maiores arraiais da Capitania de Goyaz e ocupou lugar de destaque na
extração de ouro. Cidade colonial de ruas irregulares e uma arquitetura que preserva suas
características primeiras, é circundada a leste pela Serra de Natividade e teve seu centro
histórico tombado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - em
1987. De acordo com o mesmo órgão, o centro histórico da cidade contempla 260 unidades
e sua estrutura urbana permanece praticamente íntegra, pois as áreas de ocupação mais
recentes não interferiram na forma de seu núcleo original.

Figura 01: Localização da capitania de Goyaz. Figura 02: Localização de Natividade


Fonte: http://santarosadeviterbo.wordpress.com (alterado pela autora).
/tag/localizacao Fonte: http://www.viagemdeferias.com/mapa
/tocantins/

Mesmo sendo um centro tombado e com imenso valor ao patrimônio do estado do


Tocantins, Natividade não reserva um local para acesso ao registro escrito de sua história.
As fontes sobre o local e as datas obtidas são encontradas em alguns livros específicos
sobre a cidade, nos registros do inventário feito pelo IPHAN e em trechos de livros que
abordam aspectos diversos do local, como por exemplo o diário de viagem do botânico
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George Gardner, intitulado “Viagem ao Interior do Brasil” de 1975.

O presente artigo faz parte de um levantamento bibliográfico realizado para


dissertação de mestrado em arquitetura e urbanismo, onde será estudada a morfologia da
cidade de Natividade. Para tal, foi feita uma visita ao local e a busca pelo material disponível
acerca dos registros históricos da cidade buscando, principalmente, relatos a respeito do
espaço e forma urbana do sítio.

Em face do que foi encontrado e da dificuldade de acesso a determinados materiais,


que são escassos, o artigo pretende elencar a bibliografia disponibilizada e os principais
registros encontrados que são de suma importância para o desenvolvimento da pesquisa,
além de elencar os eventos que deram origem à cidade, bem como os relatos a respeito do
espaço físico e especificidades do local.

Em visita à Natividade, após contato prévio com a secretária de cultura e turismo da


cidade, a senhora Pascoalina Rodrigues Neto e com a consultora cultural da prefeitura, a
senhora Simone Camêlo Araújo, foi concedido o acesso à materiais digitais e acervo
pessoal da consultora de cultura. Além disso, em visita ao IPHAN local, uma exposição com
fotografias também foi disponibilizada como fonte de pesquisa.

Bibliografia analisada

Em consulta ao acervo digital e físico da consultora de cultura do município e outros


arquivos pesquisados via internet, alguns livros específicos sobre natividade e capítulos
dentro de outras obras relatam as origens e as características da região, elencando
abordagens acerca da população, localização e até mesmo as rotas que levavam os
viajantes a tal localidade. Além disso, o dossiê de tombamento elaborado pelo IPHAN,
datado de 1984, traz um referencial bibliográfico acerca da urbanização da cidade que
permanece quase que inalterado nesses vinte anos que o sucederam.

Os livros encontrados que abordam exclusivamente o sítio de Natividade são poucos


e de difícil acesso devido à baixa tiragem. A consultora cultural do município, Simone
Camêlo Araújo, disponibilizou tais exemplares para consulta.

O livro “Natividade – Fragmentos do Passado”, de 1978, escrito por J. Lopes

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Rodrigues, é resultado do discurso de Rodrigues na inauguração do templo destinado à Loja
Maçônica “José Bonifácio de Andrada e Silva”, proferido no dia 6 de Julho de 1978, na
cidade de Natividade. O livro relata inicialmente as origens históricas do município e as
atividades econômicas exercidas, principalmente o ciclo do ouro, que foi o responsável por
seu apogeu. Também traz relatos de visitas importantes e nomes de pessoas que tiveram
relevância no decorrer da história da cidade, bem como representantes religiosos e
atividades do mesmo cunho.

Outro exemplar, que trata exclusivamente do sítio, é o livro “Natividade”, de 1985,


publicado pela Fundação Pró-Memória, o qual faz parte de uma série de folhetos intitulada
“Oito Vertentes e Dois Momentos de Síntese da Arquitetura Brasileira”. O texto foi redigido
por Maria Diva Araújo Coelho Paz, com a colaboração de Marco Antônio Galvão e Maria
Heloisa Veloso e Zárete. O livro, em sua introdução, relata que o objetivo principal do
trabalho é a documentação dos exemplares arquitetônicos mais significativos da cidade, o
que até então era quase que desconhecido. Alega ainda que “a melhoria das estradas, a
televisão, o progresso enfim, que em muito melhora as condições de vida daquele distante
local, sem dúvida, trará em seu bojo, a destruição inexorável não apenas dos elementos
arquitetônicos mas também das ricas tradições folclóricas, dos passeios e conversas ao
longo das calçadas e praças.” (VAZ, 1985, p.11). A introdução é encerrada relatando que
caso tal destruição aconteça, tal publicação traria a documentação e testemunhos de um
passado importante na história do Estado de Goiás.

O livro faz ainda um breve relato histórico das origens da cidade, características do
espaço urbano e das construções, para posteriormente elencar o levantamento técnico de
exemplares arquitetônicos. Tal levantamento traz um formulário de cada edificação
catalogada com informações acerca do estado de conservação, localização e dados do
proprietário, além de um levantamento arquitetônico com plantas, cortes, elevações e
fotografia. Ao todo, foram catalogados 30 objetos, entre ruínas e edificações em geral.

O último título encontrado que trata exclusivamente do município é mais atual, escrito
pelo historiador Wátila Misla Fernandes, “Natividade – História, Esplendor e Resistência”
baseia-se na documentação cartorial de inventários e testamentos arrolados quando o autor
foi bolsista do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Tocantins e do
Projeto Registro Ourivesaria em Filigrana, e teve a incumbência de organizar e catalogar as
fontes primárias nativitanas, que ficavam guardados em um cômodo do Fórum Municipal.

O livro divide-se em quatro capítulos, o primeiro aborda a saga dos bandeirantes e a


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formação dos primeiros arraiais goianos. Posteriormente, no segundo capítulo, é feito um
relato da presença negra encontrada nas entrelinhas dos documentos analisados. O terceiro
capítulo aborda os aspectos culturais, a arquitetura e a ourivesaria nativitana. Por fim, o
último capítulo aborda a resistência ante a exploração do ouro e a subsistência da
economia.

As demais publicações encontradas no levantamento bibliográfico não fazem alusão


apenas ao município de Natividade, mas abordam assuntos gerais e citam alguns fatos ou
aspectos referentes ao mesmo.

Um desses exemplos de referência feita à Natividade é o diário de viagem de George


Gardner, intitulado “Viagem ao Interior do Brasil”, 1975, o livro aborda as viagens do
botânico britânico pelo interior do Brasil em busca de catalogar e encontrar novas espécies
na vegetação local. As viagens aconteceram no período de 1836 a 1841. Durante sua
passagem por Natividade, o viajante relata as rotas percorridas, detalhes da topografia,
localização, vegetação, clima, cultivo, aspectos da população e até mesmo detalhes das
edificações e quais eram as construções mais importantes, como as igrejas e a cadeia.

Em 1999, a historiadora Temis Gomes Parente publicou o livro “Fundamentos


Históricos do Estado do Tocantins”, no qual estão presentes estudos acerca da decadência
da mineração no norte do Goiás e os mecanismos de resistência da população para superar
tal crise. O livro faz uma abordagem geral da região, a qual engloba o município de
Natividade.

A historiadora Juciene Ricarte Apolinário, em 2006, publicou um livro intitulado “Os


Akroá e Outros Povos Indígenas nas Fronteiras do Sertão”, o livro faz um levantamento da
organização dos povos indígenas na região do norte de Goiás, elencando suas etnias e os
conflitos no momento da povoação da região no século XVIII.

A mesma autora, no ano seguinte publicou o livro “Escravidão Negra no Tocantins


Colonial: vivências escravistas em Arraias, 1739-1800”, o qual relata a trilha do ouro e a
instalação dos arraiais mineradores, bem como o declínio do ouro e o investimento em
agropecuária na região de Natividade e os aspectos sociais do norte goiano.

Outra publicação acerca da historiografia do norte goiano é o livro “Tocantins Saga e


História”, publicado em 2008, cujo autor Cleiton Oliveira faz um panorama da história,
política e atividades econômicas desde o período da mineração no século XVIII até o
período democrático em 1964. O livro é indicado para estudantes que desejam uma
abordagem geral da história do estado do Tocantins para provas em geral.
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Também em 2008, após a realização do programa Monumenta1 na cidade, uma
cartilha foi formulada de forma a informar os proprietários das edificações tombadas qual a
maneira correta de preservar e manter seu patrimônio. Com o título “Manual de
Conservação da Arquitetura Nativitana” a cartilha traz incialmente um breve histórico da
cidade, posteriormente trata da arquitetura, materiais e técnicas construtivas, juntamente
com as explicações acerca do que se deve adotar na conservação das edificações.

No ano de 2009, Gil Felippe e Maria do Carmo Duarte Macedo publicaram o livro
“Amaro Macedo – O Solitário do Cerrado” o qual é um diário de viagem do naturalista Amaro
Macedo, que ao longo de sua trajetória buscava o conhecimento de novas espécies de
plantas no cerrado brasileiro. O livro, além de relatos sobre a vegetação, aborda aspectos
históricos, costumes, topografia e arquitetura das edificações, tendo o apoio da fotografia
em alguns relatos encontrados no mesmo.

Por fim, um compilado de artigos deu origem ao livro “Mulheres Negras no Brasil
Escravista e do Pós – Emancipação”, no mesmo se encontra um artigo escrito por Mary
Karash intitulado “Rainhas e Juízas – As Negras nas Irmandades do Pretos no Brasil
Central. 1772-1860”, o artigo relata a respeito da vida de mulheres negras na capitania de
goiás, suas tradições, costumes religiosos e devoção à Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos, para a qual foi iniciada a construção de uma igreja no município de Natividade, que
seria a maior igreja católica do Brasil Central no fim do século XVIII e início do século XIX.

Além dos livros, o inventário realizado pelo IPHAN traz um levantamento histórico
baseado em alguns dos títulos citados acima e inclui relatos e análises referentes às
edificações, materiais de construção empenhados nas mesmas, traçado urbano e aspectos
gerais da arquitetura e ocupação do município. O inventário, além de textos, acompanha
levantamento arquitetônico com desenhos e fotografias.

Junto a esse outro tipo de material de pesquisa, teses e dissertações registram e


analisam aspectos diversos referentes à Natividade mas, em suma, o referencial
bibliográfico usado para o relato da história é basicamente o mesmo, que são os títulos
citados acima. Como exemplo de trabalho acerca da cidade é a dissertação de mestrado em
arquitetura e urbanismo feita por Valéria Picanço, intitulada “Preservação patrimonial X
qualidade de vida: avaliação pós-ocupação no programa Monumenta: Centro histórico de
Natividade - Tocantins.”, no trabalho, realizado em 2010, é feita uma análise pós

1 Programa do Ministério da Cultura que procura conjugar recuperação e preservação do patrimônio histórico
com desenvolvimento econômico e social.

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ocupacional das edificações restauradas pelo Programa Monumenta na cidade, mostrando o
que foi alterado e como tem se dado o uso e funcionamento de tais edificações.

Outros trabalhos que citam Natividade também foram encontrados, apresentando


principalmente o foco em pesquisas relacionadas aos aspectos naturais e culturais da
região. Há também materiais relacionados à preservação do patrimônio ou processo de
tombamento do município. Quanto ao parcelamento territorial e aspectos urbanísticos da
cidade, não foi encontrado material específico sobre o assunto, apenas alguns relatos
quanto à tipologia arquitetônica e características das ruas e edificações mais importantes da
cidade.

Registros da história

Através da bibliografia listada anteriormente, alguns relatos e datas importantes


foram extraídas na intenção de formar um panorama a respeito da origem, cultura e
configuração da cidade de Natividade.

• Origem, Localização e Atividade Econômica

A origem da cidade tem como data, definida nas bibliografias citadas, o ano de 1734.
Segundo os relatos, a chegada à região no século XVIII ocorreu com o advento da
exploração mineradora. Bandeirantes vindos da capitania de São Paulo adentraram a região
central do Brasil em busca da exploração do minério, mais propriamente a bandeira de
Bartolomeu Bueno da Silva, conhecido como “Anhanguera”, um dos grandes descobridores
de ouro do território goiano, que se fixou no local. Apesar sido essa bandeira a se
estabelecer na região, há relatos de que o grupo não foi o primeiro a passar por ela.
Segundo Palacín (2001), nessa época o caminho para Goiás já era bastante conhecido
pelos paulistas, muitos, no entanto, não tinham as formalidades de uma bandeira
constituída.

“No entanto, coube a bandeira de Bartolomeu Bueno, que vem a ser cunhado de
Antônio Ferraz de Araújo – descobridor das minas de Natividade – ser oficialmente a
primeira a realizar descobertas auríferas e a fixar-se criando os primeiros arraiais goianos.”
(Fernandes, 2015, p. 21).

Não foram encontradas divergências quanto à data e aos primeiros habitantes de


Natividade, mas em contrapartida, o local onde se instalou o primeiro arraial traz três pontos
de análise distintos. Rodrigues (1978), alega que Natividade teria surgido, inicialmente, no
alto da serra que, posteriormente, deu nome à cidade. Já em Vaz (1985), um depoimento
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atribuído a Zoroastro Lustosa, relata que as ruínas encontradas na serra teriam acomodado
apenas os garimpeiros e escravos, enquanto o núcleo original teria surgido nas encostas da
elevação. Ainda no mesmo livro surge a hipótese de que os dois arraiais eram distintos e
existiam de maneira simultânea, mas devido à dificuldade de acesso ao arraial no alto da
serra, o mesmo extinguiu-se com o declínio da exploração aurífera.

Em sua maioria, as bibliografias encontradas alegam que a cidade surgiu ladeando a


serra de Natividade, atribuindo as ruínas apenas às atividades mineradoras que ocorriam ao
longo dos cursos de rios e por toda a serra.

Relativo ainda à localização de Natividade, as fontes bibliográficas relatam as


intensas disputas entre os exploradores de ouro e os índios nativos que habitavam na
região, os tais pertenciam às etnias Xerente, Xavante, Assú, Akroá e Xakriabá. Assim como
no restante do Brasil, a convivência com os indígenas seguia o princípio de escravizar os
mais pacíficos e sofrer embates e até mesmo dizimar os que não se submetiam aos que
vieram dominar o território.

O surgimento do núcleo urbano em meio à busca pelo ouro, tornou essa a atividade
econômica principal desde sua origem, em 1734, até aproximadamente início de 1800.
Nesse período, a agricultura e a pecuária eram desenvolvidas apenas para a subsistência.

“A partir da decadência da mineração, a crise econômica na região tornou-se crônica


e sobreviveu ao período colonial. A população teve que criar mecanismos de resistência
para que se pudesse, mesmo dentro de um processo lento e inacabado, reordenar suas
forças produtivas.” (Parente, 2001, p. 24). Dessa forma, Natividade fundou sua economia no
desenvolvimento agropecuário, a partir de então, comercializando com as regiões vizinhas,
principalmente a Bahia.

As principais dificuldades encontradas nessa transição de atividades foram que a


atividade agropecuária era vista como desprezível ante à atividade mineradora, além do
incentivo das próprias autoridades governamentais à exploração do ouro, não permitindo o
desenvolvimento de outras atividades, de forma a não extinguir a força braçal dos escravos
em outras ocupações.

• Aspectos Urbanos e Arquitetônicos

Com relação aos aspectos urbanos e arquitetônicos da cidade de Natividade, foram


encontrados relatos em diversos livros, principalmente nos diários de viagens, mas também
nas publicações geradas pelo IPHAN após a atuação do programa Monumenta, tais

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publicações não dizem respeito especificamente à configuração da arquitetura nativitana,
mas trazem informações acerca conservação do patrimônio pós restauro, tipos de materiais
que podem ser utilizados e quais foram as técnicas construtivas empregadas.

Os registros que revelam como era sua configuração e como se dava a construção de
suas edificações encontradas em relatos de viajantes mostram alguns detalhes da cidade
nos períodos visitados, como é o exemplo da citação abaixo, relatada por Johann Emanuel
Pohl em sua viagem ao interior do Brasil no período de 1817 a 1821.

“O Arraial de Nossa Senhora da Natividade fica situado sobre uma


colina...Está entre os maiores arraiais desta Capitania, ocupando o segundo
lugar depois de Meia Ponte. Entretanto, o seu aspecto externo não é
pitoresco, nem especialmente convidativo. O número de casas sobre a 300,
todas térreas, construídas em tijolo cru e cobertas de telha, enfileiradas uma
ao lado da outra. Formam ruas largas, bastante regulares, orladas de
calçadas de xisto quartzífero. Os quintais são, na maioria murados de pedra
ou tijolo.”
(POHL, 1976, p. 270-271)

As ruínas encontradas na serra revelam antigas construções feitas em pedras


encontradas no próprio local, enquanto que as construções no arraial, durante o período da
mineração, apresentavam rusticidade e eram feitas de taipa de pilão ou adobe. A fundação
das edificações era feita em pedra canga, e o piso em geral era de chão batido. As
esquadrias e estruturas do telhado eram feitas em madeira, e a cobertura era em telha de
barro artesanal.

Felippe e Macedo (2009) editaram e publicaram o diário de viagens do naturalista


Amaro Macedo, o qual foi escrito no século XX, passando por natividade ele relatou as
seguintes características: “Há na cidade vielas antiquíssimas, e duas igrejas do tempo do
ouro: a de S. Benedito, na Praça S. Benedito, e a do Rosário dos Pretos, ambas em
ruínas...As casas são todas unidas e nelas usam com frequência o “cachorro”, dispositivo
que tem a finalidade de avançar mais as telhas. Todos os quintais da cidade são murados e
cobertos com telhas...”

Com a mudança de atividade econômica e crescimento da agropecuária, a


arquitetura e o modo de vida mudou na cidade. As casas dos que ficaram após o declínio do
ouro sofreram alterações, bem como os lotes, que receberam lugar para quintais grandes
que viriam a abrigar currais e pomares.

Dessa forma a cidade se firmou e resistiu após grande período de crise, preservando
suas características coloniais ao longo dos anos e adaptando-se às transformações que
ocorriam ao longo do tempo.

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Dada sua relevância e a preservação de suas características, o deputado Maranhão
Japiassú, em 1983, solicitou o tombamento da cidade de Natividade. Em sua justificativa
para tal pedido, o deputado alega que é relevante o tombamento para que o
desenvolvimento que tem chegado à região não violente a paisagem histórica e a memória
do passado que estão eternizadas nas edificações existentes. Feito todo o levantamento
cadastral, e decorrido o processo, o centro histórico de Natividade foi tombado pelo IPHAN
em 1987. O perímetro de tombamento engloba 260 edificações.

Figura 03: Natividade – Perímetro de Tombamento.


Fonte: PICANÇO, 2010.

A intervenção mais recente realizada na cidade foi a atuação do programa


Monumenta, o qual foi um programa do governo federal criado em 1995 que atuava na
restauração e conservação do patrimônio histórico urbano brasileiro, em Natividade a
atuação do programa ocorreu no período de 2004 a 2009.

Segundo Simone Camêlo, durante a atuação do Monumenta 74 projetos


arquitetônicos de restauração foram realizados sendo 13 públicos, 3 institucionais e 58
imóveis privados. Além disso, através do programa foi implantado um museu histórico,
oficinas e palestras com o intuito de conscientizar e preparar a população para cuidar do seu
patrimônio.

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• Manifestações Artísticas, Culturais e Religiosas

Além da relevância no âmbito da preservação do patrimônio urbano e arquitetônico,


a cidade também é conhecida por suas manifestações artísticas, culturais e religiosas.
Destaque da cultura nativitana é a ourivesaria artesanal desenvolvida na cidade.

No ano de 1992, Simone Camêlo, atual consultora de cultura de Natividade,


envolveu-se com um movimento que culminaria na criação da ASCCUNA – Associação
Comunitária Cultural de Natividade. Tal associação reuniu pessoas que já trabalhavam com
a fabricação das joias com o intuito de formar novos artesãos e transmitir as técnicas
próprias na ourivesaria nativitana.

Durante a realização do programa Monumenta na cidade fomentou-se o


desenvolvimento do aprendizado de novos artesãos, o programa levou à cidade o designer
Lars Diederichsen, um alemão que foi contratado para analisar a situação e propor medidas
que visavam fortalecer a produção das joias artesanais.

Segundo a publicação do IPHAN intitulada “Jóias Artesanais de Natividade”, de


2006, o parecer de Diederichsen alegava que a atividade artesanal das joias tinha condições
essenciais para deslanchar, como o acesso à matéria prima e o comprometimento e
competência dos artesãos. Mas o problema principal que permeava o desenvolvimento da
atividade era a indisponibilidade de um espaço físico adequado. No ano de 2007, com a
restauração de imóveis pelo programa Monumenta, os artesãos ganharam um novo espaço
físico, mais adequado para realizarem suas atividades.

Com relação às diversas manifestações religiosas que acontecem na cidade, ligadas


catolicismo, o que mais atrai fiéis é a intitulada “Festa do Divino Espírito Santo”, deduz-se
que a comemoração religiosa veio juntamente com a colonização portuguesa, e perdura ao
longo dos anos.

Segundo Sousa (2017) foi na década de 1980 que as comemorações em torno da


festa do Divino Espírito Santo em Natividade se concretizam e formalizam. A organização da
festa sempre é decidida um ano antes do seu acontecimento, quando são escolhidos os
“festeiros”, os quais serão os responsáveis pelo comando da mesma no ano seguinte.

O início da festa do Divino Espírito Santo acontece no domingo de páscoa e se


encerra em 40 dias, próximo ao domingo de pentecostes. A festa é conhecida na região por
ser realizada por um esforço comunitário na preparação de toda a programação, bem como
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o recebimento dos devotos de todo o estado, o que também movimenta a economia local no
período das comemorações.

Conclusões

Diante do que foi apresentado ao longo do trabalho, percebe-se a riqueza existente


na cidade de Natividade, tanto contida em seu patrimônio arquitetônico e urbanístico, como
arraigada na memória de seu povo que busca manter viva a história de seus progenitores,
através de suas manifestações artísticas e culturais.

A memória e a história do povo nativitano tem retomado seu espaço nos trabalhos
acadêmicos, resultado da constatação da incipiência bibliográfica e da não reedição das
fontes já existentes para novas tiragens. Dessa forma o presente trabalho buscou elencar os
principais pontos contidos, bem como as divergências e convergências de informações
relatadas, com o intuito de fornecer um panorama a respeito das bibliografias relativas ao
município.

Ainda há muito o que pesquisar e descobrir a respeito da história de Natividade,


através de novas pesquisas pretende-se sanar algumas dúvidas e divergências existentes
de forma a solidificar os acontecimentos que deram origem a essa cidade, além de
documentar e disponibilizar o acesso a materiais que ainda encontram-se de difícil acesso.

Por fim, através do presente artigo, teve-se em vista a compilação dos referenciais
bibliográficos de forma a fornecer uma listagem do que é disponibilizado acerca da região,
com o intuito de contribuir para pesquisas futuras no campo da história da cidade.

Agradecimentos

O presente trabalho só pôde ser efetivado devido a contribuição de algumas pessoas.


Agradeço à Simone Camêlo Araújo pela disponibilização do material de pesquisa. À
Pascoalina Rodrigues Neto, secretária de cultura do município de Natividade, e Fernando
Nunes Cardoso, assessor de cultura e turismo, pela receptividade no momento da visita in
loco. Ao IPHAN de Natividade pela disponibilização de material e espaço físico para realizar
a pesquisa.

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VAZ, Maria Diva Araújo Coelho; GALVÃO, Marco Antônio; ZÁRATE, Maria Heloisa Veloso.
Natividade. Brasília: Fundação Nacional Pró-Memória, 1985.

V SEMINÁRIO IBERO-AMAERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO


BELO HORIZONTE – DE 24 A 26 DE Outubro de 2017

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