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LUIZ HENRIQUE TORRES

HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL, v. II:


FUNDAMENTOS PARA A COMPREENSÃO
DO PROCESSO HISTÓRICO E HISTORIOGRÁFICO –
Período Colonial

PLUSCOM

2018
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Planta do Continente do Rio Grande. Antonio Córdova, 1780. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS).
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©Luiz Henrique Torres

ISBN: 978-85-9491-029-1

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

H67399 História do Rio Grande do Sul: fundamentos para a compreensão do processo


histórico e historiográfico - período colonial / Luiz Henrique Torres. Rio
Grande: Pluscom Editora, 2018.

200p.
Bibliografia
ISBN: 978-85-9491-029-1

1. História - Brasil 2. História do Rio Grande do Sul 3. Historiografia do


Rio Grande do Sul. 4. Período colonial. Torres, Luiz Henrique. II. Título

CDU : 981.65 CDD:981


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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO/6
PROJETOS HISTÓRICOS MISSIONEIROS NO RIO GRANDE DO SUL/8
A PRESENÇA CATEQUIZADORA PORTUGUESA NO LITORAL GAÚCHO E CATARINENSE NO SÉCULO XVII/8
O PROCESSO HISTÓRICO JESUÍTICO-ESPANHOL-GUARANÍ/13
ARQUITETURA MISSIONEIRA/31
O TORNADO EM SÃO MIGUEL/38
MISSÕES E HISTORIOGRAFIA/39
A REGIÃO PLATINA/57
CENAS PLATINAS/65
HISTORIOGRAFIA PLATINA/72
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO LUSO-BRASILEIRA/74
A COLÔNIA DO SACRAMENTO E O PRATA/72
A FUNDAÇÃO DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO/80
PRIMEIROS POVOADORES DA BARRA DO RIO GRANDE/82
O SISTEMA DEFENSIVO/84
A PRIMEIRA REVOLTA SOCIAL/85
DRAGÕES E HISTORIOGRAFIA/86
TROPEIRISMO/92
DOMINGOS DA FILGUEIRA E A ROTA ENTRE SACRAMENTO E LAGUNA/99
ALDEAMENTO DO ESTREITO/102
OS AÇORIANOS/103
A PRIMEIRA GRANDE IMIGRAÇÃO/108
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AÇORIANOS NA HISTORIOGRAFIA: NARRAÇÃO DE JOSÉ FELICIANO PINHEIRO/111


A GUERRA GUARANÍTICA/113
TEMPOS DE GUERRA: OCUPAÇÃO ESPANHOLA E RETOMADA PORTUGUESA/119
CHARQUEADAS E SALADEROS/127
O COTIDIANO NAS CHARQUEADAS/129
FORMAÇÃO COLONIAL: GRANDE PROPRIEDADE, ESCRAVISMO E AUTOCRACIA/132
OS GAÚCHOS/138
QUEM ERA O GAÚCHO NO PERÍODO COLONIAL?/139
DNA DOS PAMPAS/144
EL GAUCHO NOS QUADRINHOS/147
A VISÃO DE CRONISTA/148
PALLIERE E BLANES: CENAS COTIDIANAS/150
O PRATA NA PERSPECTIVA DA GEOGRAFIA HISTÓRICA/157
REFLEXÃO HISTORIOGRÁFICA SOBRE AS FRONTEIRAS PLATINAS/162
OS TRATADOS/163
OS CAMPOS NEUTRAIS/164
A PROVÍNCIA CISPLATINA/169
SISTEMAS CLIENTELARES E INVESTIGAÇÃO HISTORIOGRÁFICA/173
ELITES E CHANGADORES/175
REFLEXÕES/186
CONSIDERAÇÕES FINAIS/190
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS/192
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INTRODUÇÃO

O período Colonial da História do Rio Grande do Sul (1626-1822) se reveste de experiências civilizatórias que
fundamentaram a formação europeia. Dois projetos se confrontaram no cenário colonial e são essenciais para a
compreensão deste período que marcou os séculos seguintes: o jesuítico-missioneiro e o luso-brasileiro.

Enquanto área de litígio e disputa diplomática e militar entre Portugal e Espanha, o Rio Grande do Sul foi palco de
confrontos e de construções culturais que se processaram num continuum espaço-temporal cujo cenário é o pampa
brasileiro-platino. Os limites destas fronteiras administrativas nem sempre foram coerentes com as fronteiras culturais e
com os movimentos nômades da população. Entre antagonismos e complementaridades, o livro busca ressaltar que as
fronteiras são mais tênues do que linhas imaginárias transpostas para mapas e plantas por autoridades metropolitanas
ou locais.

Os movimentos de reconhecimento da costa e uma experiência reducional portuguesa transitória no litoral norte
foram os encaminhamentos iniciais lusitanos no Extremo Sul do Brasil. Já o projeto de conquista espiritual promovido
pela Companhia de Jesus sob-bandeira espanhola promoverá (distante da zona costeira) uma experiência utópica que
perdurou por cerca de um século e meio. Cultura indígena e aculturação; limites do projeto missioneiro; caracterização
político-econômica, entre tantos outros temas, será colocados para reflexão dos leitores. Especialmente, sugere-se a
ampliação de leituras citadas nas referências bibliográficas.

A frente de expansão luso-brasileira, com grandes dificuldades, promoverá a integração econômica deste espaço
litigioso, inicialmente com o tropeirismo, e avançará militarmente pelo espaço jesuítico-missioneiro ao longo do século
XVIII. Os alicerces da sociedade luso-brasileira: grande propriedade, mão-de-obra escrava, autocracia e compadrios
serão analisados frente às interpretações historiográficas das últimas décadas. Também a construção da identidade
regional começará a ser encaminhada a partir de seu alicerce mais duradouro: as representações do gaúcho histórico
presentes na historiografia tradicional.
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Neste “História do Rio Grande do Sul” período Colonial (volume II) será retomada a caminhada paralela entre
processo histórico e construção historiográfica, buscando estabelecer um diálogo entre o acontecer histórico e as suas
construções historiográficas. Ampla iconografia foi usada para conduzir os leitores para cenários construídos
artisticamente, mas, que se buscará dilapidar com as fontes históricas conhecidas pelos historiadores. Desejo uma boa
leitura e produtivas reflexões!

Linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas. Acervo: portaldasmissões.


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PROJETOS HISTÓRICOS MISSIONEIROS NO RIO GRANDE DO SUL

A conversão dos gentios nos quadros do padroado (direcionando a uma de suas expressões que é a relação entre
a Igreja Católica e os Estados Nacionais da expansão religiosa e geopolítica em novas áreas descobertas) se fará no
Rio Grande do Sul através da experiência passageira das missões jesuíticas portuguesas no litoral e da atuação de mais
de um século realizadas nas missões jesuíticas espanholas no centro, oeste e noroeste do Rio Grande do Sul. Redução
ou missão é o espaço geográfico e cultural onde ocorria a redução dos índios à condição de cristãos e vassalos do Rei.
Portanto, são dois projetos civilizatórios de caráter missioneiro: o português e o espanhol.

I-A PRESENÇA CATEQUIZADORA PORTUGUESA NO LITORAL GAÚCHO E CATARINENSE NO SÉCULO XVII

As Missões jesuítico-guaranis, contextualizadas no sistema colonial espanhol, concentra as atenções da participação


da Companhia de Jesus em projetos civilizatórios que constituem a história do Rio Grande do Sul. Porém, também os
jesuítas que atuaram nos quadros do sistema colonial português, tiverem participação em primeiras experiências de
catequização dos povos indígenas localizados no litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A forte presença
escravista inviabilizou a construção de missões (cidades) não ficando vestígios arquitetônicos desta passagem no século
XVII. Porém na documentação ficaram registros inclusive da argumentação de alguns jesuítas de que a Barra do Rio
Grande deveria ser fortificada e povoada para garantir suporte ao controle luso-brasileiro da região platina. O texto foi
organizado a partir da leitura da historiadora Beatriz Vasconcelos Franzen e análise da atuação dos jesuítas sob a
bandeira lusitana no sul do Brasil (2006: p. 85-101).

“Os jesuítas chegaram ao Brasil em março de 1549, com a expedição que trazia o primeiro governador geral, Tomé
de Souza. Instalaram-se em Salvador com o comando de Manuel da Nóbrega. Para o sul, foi enviado o padre Leonardo
Nunes, que chegou a São Vicente em janeiro de 1550. Em São Vicente tiveram um importante papel na expansão pelo
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litoral sul do Brasil, contribuindo para o alargamento das fronteiras do Tratado de Tordesilhas. Em 1576 foi criada a
Prelazia do Rio de Janeiro cujo limite era o Rio da Prata e em 1676 foi fundada a Diocese do Rio de Janeiro. Os padres
buscando catequizar índios e salva-los dos vicentinos escravistas foram descendo pelo litoral sul e buscando instalar
Missões. A vila de São Vicente e as aldeias de Itanhaém e Iperuíbe foram visitadas com regularidade por jesuítas após
1553, inclusive José de Anchieta. Em 1596 dois jesuítas chegam a Laguna (chamada de Laguna dos Patos) ficando a
possibilidade de instalarem uma missão junto aos carijós. Entre 1605 e 1607 a expedição dos padres Jerônimo
Rodrigues e João Lobato, chegou ao litoral de Santa Catarina fundando Embitiba. Tentaram sem sucesso estender a
ação até Laguna. Ultrapassaram o Araranguá e fizeram contatos com os índios de Mampituba deixando referências a
Tramandaí. A ação escravista no litoral catarinense e a falta de segurança, fez com que os jesuítas retornassem com
150 índios cristianizados para o Rio de Janeiro. Em 1609, jesuítas atuam no litoral catarinense e penetram no interior
onde são rechaçados pelos índios. Retornaram a São Paulo levando 1500 índios. Mampituba (atual Torres), era a
fronteira máxima da presença europeia. Em 1624, os jesuítas constroem uma igreja em Laguna e expandindo-se para o
sul adentram o Rio Grande do Sul para fundar a aldeia do Caibi (local não identificado na encosta do planalto talvez
junto ao rio Caí) encontrando a resistência dos índios guaranis. Em 1628 os jesuítas retiram-se desta localidade, devido
à insegurança, levando 400 índios para aldeamento no Rio de Janeiro sob indignação dos vicentinos escravistas que
consideravam os índios como sua propriedade.
Em 1635 uma expedição saída do Rio de Janeiro passou pela Ilha de Santa Catarina e rumou para a terra dos
carijós no RS, registrando a presença dos mercadores de escravos. O jesuíta Inácio de Sequeira deixou escritos sobre a
expedição onde se constata que os portugueses consideravam que os domínios da Coroa de Portugal se estendiam pela
costa brasileira até o rio da Prata. Há distância entre Laguna e Rio Grande era de 70 léguas (270 milhas) e a navegação
era dificultosa naquele trecho. Em Laguna, segundo o padre Sequeira, 62 embarcações estavam ancoradas,
evidenciando o intenso mercado escravista montado naquela região e em decorrência, a situação de tensão vivida pelas
populações indígenas. A ação jesuíta foi rechaçada também em 1637, quando 200 índios estavam sendo levados ao Rio
de Janeiro, e foram aprisionados por escravistas. Os lucros advindos da captura e venda dos índios intensificavam a
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brutalidade dos escravistas e a sua defesa acirrada de territórios com população a ser integrada como mão-de-obra
compulsória. Para a realização destas expedições missionárias, eram destacados dois padres e alguns índios
cristianizados, porém às dificuldades ligadas aos perigos da navegação marítima, ao frio intenso no inverno e a
hostilidade escravista tornavam a empresa perigosa e muitas vezes inviável. Corrupção de autoridades civis e
eclesiásticas portuguesas que faziam parte do sistema escravista completava o quadro. A tentativa de levar os índios
para aldeamentos do Rio de Janeiro e São Paulo devia-se a insegurança e a não existência de povoados portugueses
ou autoridades capazes de efetivar o cumprimento de normatizações legais ligadas à catequização. Os índios já
catequizados, ao passarem por São Vicente, eram atacados por vicentinos com o objetivo de escravização. Após 1637,
os jesuítas portugueses abandonaram os seus objetivos de expansão cristianizadora de populações indígenas em
direção ao litoral Sul.
A ação jesuítica com o objetivo de retirar os índios da costa catarinense e litoral norte do Rio Grande do Sul num
contexto de grande pressão oriunda da presença escravista, contribuiu para o despovoamento indígena destas áreas.
Por outro lado, as informações dadas pelos jesuítas possibilitaram que os primeiros povoadores de Laguna tivessem
referências para ocupação desta localidade e suas adjacências. Laguna só veio a ser povoada sistematicamente pelos
portugueses em 1684, com Domingos Brito Peixoto.
Com a fundação da Colônia do Sacramento em 1680, padres jesuítas se fazem presente no projeto de estender a
presença e jurisdição lusitana até o Rio da Prata. Neste sentido, a Companhia de Jesus se fará atuante nos dois lados
que antagonicamente disputavam o Rio da Prata: jesuítas sediados na Colônia do Sacramento e padres jesuítas
espanhóis comandando índios missioneiros que atacaram a Colônia desde os seus primórdios. Em período de paz entre
Espanha e Portugal, a Colônia prosperava e os jesuítas marcaram presença inclusive com um Colégio voltado ao ensino
da catequese, primeiras letras e humanidades. A ação dos jesuítas portugueses na Colônia do Sacramento perdurou até
a expulsão da Companhia de Jesus do Império Português em 1759.
Nas décadas de 1730 e 1740, os padres Diogo Soares e Domingos Capacci, matemáticos cartógrafos, receberam
a missão solicitada pelo governador da Colônia do Sacramento Antonio Pedro de Vasconcelos, de fazerem o
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levantamento astronômico e geográfico da região. Em 1731, o padre Diogo Soares escreveu a D. João V, fazendo
referência à comunicação do Rio Grande com Sacramento, defendendo uma fortificação lusa na barra do Rio Grande.
Uma das fontes de Soares foi Cristóvão Pereira de Abreu, contratador de couros na região e conhecedor destes antigos
caminhos trilhados por tropeiros no transporte do gado até São Paulo. Estes caminhos sem pontos de defesa povoados,
segundo o jesuíta, poderiam ser utilizados pelos espanhóis para avançarem sobre a região mineradora brasileira. Soares
ressaltava a importância da região para Portugal, sua potencialidade econômica e posição estratégica de deter a
expansão espanhola a partir da região missioneira espanhola. Para isto seria necessário à ocupação da barra e o
povoamento do interior. A barra do Rio Grande deveria ser fortificada, permitindo o comércio com a Colônia do
Sacramento e uma melhor comunicação com outros portos luso-brasileiros. O padre Capacci realizou levantamentos e
sondagens na área que foi fortificada e povoada a partir de 1737. Com a concretização do povoamento, inclusive com
colonos açorianos, foram estabelecidas orientações para as condições de culto na freguesia, conforme a provisão régia
de 9 de agosto de 1747. O rei de Portugal D. João V solicitou ao provincial dos jesuítas no Brasil o envio de dois
missionários a Rio Grande. A mando do governador do Rio de Janeiro Gomes Freire de Andrade, foram provisoriamente
deslocados de Santa Catarina, os padres Bento Nogueira e Francisco Faria. A atuação positiva dos padres na Vila do
Rio Grande de São Pedro fez com que o governador ordenasse nova missão agora junto aos minuanos da guarda do
Chuí e fortaleza de São Miguel os quais deveriam ser doutrinados e batizados. Os padres se recusaram a atividade
proposta. Inclusive o aldeamento dos minuanos próximos a Vila foi repudiado pela população que temia que os índios
roubassem o gado e trouxessem insegurança aos moradores. Porém, mesmo com as resistências, em outubro de 1750
foi realizado o batismo de 60 minuanos.
Os dois últimos jesuítas a atuarem no Rio Grande do Sul do século XVIII foram Francisco Bernardes transferido da
Vila do Rio Grande para fortaleza de Rio Pardo e Bernardo Lopes que atuou na Aldeia de Nossa Senhora da Conceição
do Estreito (São José do Norte). A presença jesuítica no litoral brasileiro findou no ano de 1759 com a expulsão da
Companhia de Jesus”.
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Santo Ignácio de Loyola. Autor: Willian Uounger, século XIX.


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II-O PROCESSO HISTÓRICO JESUÍTICO-ESPANHOL-GUARANÍ


Ruínas da Missão de São Miguel Arcanjo em 1846. Autor Demersay.
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O processo histórico missioneiro é um dos paradigmas fundamentais para a compreensão da história e da cultura
rio-grandense.
Conforme Arno Alvarez Kern (1985: 23-41) o “avanço das frentes de expansão do colonialismo luso-espanhol
americano, provocaram transformações culturais que levaram as populações de índios guaranis de suas aldeias, ao
novo espaço aberto com a instalação dos povoados missioneiros. Esta agressão sócio-política das populações brancas
ibérica, gerou um processo de transculturação, no qual jesuítas e guaranis foram os protagonistas principais. Estas
frentes de expansão espanhola e portuguesa também geraram uma fronteira tensa e viva, não apenas entre si, mas
igualmente face às populações indígenas locais.
Dentre os diferentes personagens europeus, os jesuítas foram os que mais se destacaram como agentes do
processo de mudança sociocultural. A ação civilizadora jesuítica não se resumiu na tarefa evangelizadora, mas foi
igualmente responsável pela implantação de valores e elementos materiais da sociedade ocidental europeia da época.
Esta ação civilizadora levou as populações contatadas a passarem da idade da pedra à idade dos metais, a entrarem em
contato com a escrita, a se inserirem na organização política complexa da monarquia absolutista espanhola, a se
familiarizarem com a tecnologia europeia e mesmo uma limitada inserção no capitalismo mercantilista colonial.
Inúmeros traços culturais das sociedades tribais permaneceram como elementos importantes nos povoados que
se estruturavam. Erroneamente estes povoados missioneiros foram rotulados de Império, República, Reino, Teocracia,
Socialismo e Comunismo em análises superficiais e contrastantes com a própria documentação. Porém, os Trinta Povos
não possuíam separação jurídica e política em relação à sociedade global espanhola.
No caso das aldeias guaranis ocorreu uma pressão externa motivada pelo colonialismo luso-espanhol e
especialmente a ação civilizadora dos jesuítas espanhóis. Para pensar o processo histórico missioneiro é necessário
tomar como premissa que ao contrário das doutrinas, a ciência não é um corpo de conclusões fixas e indubitáveis, mais
sim um somatório de resultados não definitivos de um contínuo processo de investigação, no qual está sempre presente
um método intelectual de crítica.
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Província Jesuítica do Paraguai. Jesuíta Petroschi, 1732.


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O sistema político tribal guarani tinha na figura do Tubichá um elemento social de integração. O cacique também
poderia ser um médico-feiticeiro (Caraí) aumentando o seu prestígio. Uma complexa teia de relações políticas inseriu o
caciquismo à estrutura do governo hispano-americano. Os Cabildos estavam ligados aos Governos Provinciais do
Paraguai e do Prata, e, portanto, à Audiência de Charcas, ao Vice-Reinado do Peru e à monarquia espanhola.
Concomitantemente, uma teia de relações religiosas integrava os guaranis missioneiros ao papado, pois cada Missão se
transformou em uma Doutrina (paróquia), subordinada aos Bispados de Assunção e de Buenos Aires, aos Arcebispos de
Lima e à Santa Sé. A instituição do Real Patronato selava a relação. As relações de obediência e comando estavam
regulamentadas por um conjunto de normas religiosas e políticas estruturadas na legislação do conselho das Índias,
estabelecidas pelas Cédulas Reais e mesmo por regulamentos internos dos Trinta Povos.
O Abambaé nunca existiu como propriedade privada e sim propriedade familiar nos moldes do que Chayanov
denominou de ‘sistema de produção doméstica de consumo’. Os guaranis mantinham relações de vassalagem com o rei
da Espanha e preservavam a fronteira frente às incursões luso-brasileiras, executando atividades militares e o
pagamento de impostos ao rei. A liderança no interior da organização política missioneira ficou igualmente dividida entre
os diversos caciques e o jesuíta, através da representatividade no Cabildo.
Durante muito tempo se manteve uma visão tradicional da economia tribal, que indicava uma situação de miséria,
dificuldades e fome, devido às características de subdesenvolvimento técnico, impossibilidade de formação de estoques
e de subsistência. Ao contrário de nossa economia, os grupos indígenas produzem para viver, mas não vivem para
produzir. Uma característica básica deste sistema doméstico ou familiar de consumo é a utilização pouco intensiva das
forças de produção. No caso dos guaranis os padrões de subsistência tribal estão inseridos no ambiente das florestas
tropical e subtropical. A horticultura se caracteriza pelo sistema de corte e queimada (coivara) e pelo nomadismo agrícola
nas várzeas dos rios. A economia é ligada a propriedade cacical, onde os caciques distribuem as porções de terra às
famílias que detêm os meios de produção e o produto do seu trabalho. É mediante o sistema de propriedade cacical e
familiar que se estabelece à produção horticultora.
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Uma mudança técnica fundamental foi à introdução do arado puxado por bois, com o abandono da coivara
substituída pela agricultura europeia realizada em campo aberto. A pecuária substituiu as atividades de caça e a antiga
coleta persistiu no extrativismo da erva mate. A solidariedade continua a ser, parte integrante nas relações entre os
indígenas que compõem as comunidades missioneiras. A prática de reciprocidade foi igualmente acompanhada pela da
redistribuição, no povoado missioneiro. Enquanto a propriedade do Abambaé fornecia as famílias e tribos o necessário
para a sobrevivência em boas condições, o Tupambaé exigia um trabalho coletivo do indígena para a redistribuição, pois
servia para suprir as eventuais deficiências da produção familiar ou atender as necessidades de todo o povoado em
momentos de crise. O processo de transformações socioculturais que alteram os padrões tecnoeconômicos da aldeia
guarani e que leva os indígenas à inserção parcial na sociedade global espanhola mediante a instalação dos povoados
missioneiros, parece se explicar melhor por uma gama de agente de mudanças. Entre os quais às pressões sócio-
políticas das frentes de expansão colonizadora, parecem exercer um importante papel.
O messianismo guarani e a crença na “terra sem mal” foram assimilados sincreticamente ao pensamento religioso
cristão, com algumas alterações significativas, como por exemplo, a crença de que a terra sem mal não poderia ser
atingida em vida, mas seria um paraíso ao qual se tinha acesso após a morte.
As análises de cunhos economicistas ou de determinismo tecnológico parecem se limitar a um reducionismo e à
simplificação de complexos processos de transformação, as quais apenas se tornam mais compreensíveis se levadas
em conta às múltiplas variáveis e a causalidade múltipla, caracterizada pela dialética global de todos estes elementos”,
conclui Kern.

→Perspectiva complementar: para Júlio Quevedo dos Santos (2006: p. 103-133) “o guarani que vivia na missão
trabalhava a terra em nome da fé e do poder político, consolidando a perfeita aliança trono e altar. Os jesuítas vieram
evangelizar o índio, do que decorreu a necessidade do surgimento de aldeamentos de índios cristãos, onde se procedia
à redução do índio à fé católica. A redução, para os católicos, significava trazer de volta à fé cristã aos filhos que se
desgarraram do caminho certo e verdadeiro de Cristo e da fé católica.
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As reduções jesuíticas, diante da cobiça dos colonos apresentavam-se como um espaço possível para
salvaguardar a liberdade do índio da sociedade tribal à sociedade moderna do Estado absoluto. Dessa forma, a redução,
no momento histórico em que foi criada, defendia o índio reduzido. O missionário tinha consciência de que o trabalho
encomendado acirrava as relações entre brancos e índios e valia-se desse acirramento para construir e legitimar o
processo reducional.
Em sua plenitude, as missões foram grandes povoamentos de índios cristãos, totalizando mais de cem mil
pessoas, com igrejas, praças, residências, escolas, cemitérios e cabildos. Esses locais estavam estrategicamente
organizados na fronteira dos Impérios coloniais ibéricos na América. Por isso, deviam avançá-los e guarnecê-los,
constituindo-se numa unidade política básica da geopolítica do Estado espanhol.
A missão também era o poder espiritual conferido aos jesuítas para difundirem e circularem a fé católica entre os
índios. Assim, era um encargo político e religioso, sendo a catequese a forma sistemática de exercer essas funções.
Convém observar a institucionalização da missão como projeto colonial a partir do momento que a Coroa de
Espanha abarcou as terras dos índios e integrou-as na sociedade colonial platina, transformando-as em parte do próprio
espaço territorial, político e econômico da região do Rio da Prata. A terra era transformada em território do Império
colonial espanhol e os índios, em súditos, agentes e defensores da causa comum política.
Os guarani-missioneiros trabalharam arduamente e com austeridade na implantação do sistema colonial espanhol,
via a missão, na região do Prata. Foram agricultores, vaqueiros, charqueadores, oleiros, peões de estância, escultores,
pintores e cantores. A Coroa utilizou os próprios nativos para estabelecer os seus domínios político-administrativos e,
ainda, exigiu que lutassem na defesa dos interesses do colonizador. E foi exatamente isso que os índios missioneiros
fizeram. Mas lutaram também para a manutenção da terra com seus pueblos, criação de animais e grandes lavouras
coletivas. E todos, governo espanhol e coletividade missioneira, tiveram o inimigo comum após-1640: o luso-brasileiro.
O projeto colonial missioneiro implicou a sedentarização do guarani, na fidelidade à Igreja Católica e aos monarcas
espanhóis, em práticas de trabalho índio com regras preestabelecidas, no abandono à poligamia, à antropofagia e
divindades tribais. Enfim, na substituição do ser índio pelo ser índio cristão. A missão se confirmava como a ampliação
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política do Estado espanhol na região do rio da Prata; ela avançava o território até onde o governo não conseguia
chegar. Por isso, dentro do povoado tinha de haver uma administração política bastante eficaz, a qual possibilitasse ao
governo espanhol o controle e a autoridade sobre os territórios ocupados colonizados. A instituição que cuidava desse
gerenciamento do povoado era o Cabildo, o conselho político da comunidade missioneira. Os senhores cabildantes
garantiam a autonomia administrativa à missão. O Cabildo também era uma escola política de vassalagem indígena ao
poder real. Naquele espaço, o índio aprendia os preceitos e a ordem que deveriam ser mantidos. A atuação do Cabildo,
como unidade básica do Estado espanhol, comprovava que o guarani-missioneiro estava efetivamente inserido nos
preceitos da cristandade, pois o Cabildo executava e julgava conforme as regras da lei natural, à qual aplicava os
preceitos abstratos da lei humana, a razão natural do cristão em discriminar o bem do mal, em fazer o bem.
A função do jesuíta era tornar o guarani submisso ao Estado e a Deus. O jesuíta filtrava os valores da sociedade
espanhola, e o rei não tinha dúvida de que os índios estavam inseridos no colonialismo.
A redução foi o lugar inicial onde o gentio foi reduzido à fé católica. Mas quando esse espaço consumou o ato de
conversão, transformou-se num outro espaço, aquele onde o índio cristão foi evangelizado sistematicamente dentro da
doutrina católica. Dessa forma, na ótica do jesuíta, a retomada da definição da Terra da Promissão é o melhor conceito
que cabe às Missões. Esse conceito nasceu das Sagradas Escrituras e foi transplantado às Missões jesuíticas, dando-
lhe um novo sentido, tornando-se um espaço de santificação. Os missionários jesuítas do Paraguai dos séculos XVII e
XVIII procuraram conduzir o processo histórico missioneiro à luz da história da salvação. No processo de ocupação, os
fatos foram adquirindo um sentido teológico, em eventos de profunda espiritualização do jesuíta e do índio. A missão era
um todo orgânico urbano (a igreja, o Cabildo e as residências – como estava definido nas Ordenanzas de Alfaro -, as
oficinas, a escola, a praça, o hospital e o cemitério. Todos esses elementos estavam determinados no modelo urbano
das Leyes de Índias) e o entorno rural (as lavouras, o erval, o curral, as vacarias e as estâncias). As estâncias e parte
das lavouras eram coletivas. As lado da atividade agrícola ervateira, desenvolveu-se a atividade pecuarista, também
coletiva, o tupambaé”, conclui Santos.
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Avançando na reflexão (SANTOS, 2006):


1)A missão se constituía num ponto de sustentação à cristandade ocidental, porém com uma comunidade de cristãos
bastante peculiar: o guarani-missioneiro uma identidade singular no sistema colonial espanhol;
2)Os guarani-missioneiros trabalharam arduamente e com austeridade na implantação do sistema colonial espanhol, via
missão, na região do Prata. O projeto colonial missioneiro implicou a sedentarização do guarani, na fidelidade à Igreja
católica e aos monarcas espanhóis, em práticas de trabalho índio com regras estabelecidas, no abandono à poligamia, à
antropofagia e divindades tribais. Enfim, na substituição do ser índio pelo ser índio cristão;
3)A redução foi o lugar inicial onde o gentio foi reduzido à fé católica. Mas quando esse espaço consumou o ato de
conversão, transformou-se num outro espaço, aquele onde o índio cristão foi evangelizado sistematicamente dentro da
doutrina católica. Dessa forma, na ótica do jesuíta, a retomada da definição de ‘Terra da Promissão’ é o melhor conceito
que cabe às Missões. Esse conceito nasceu das Sagradas Escrituras e foi transplantado às Missões jesuíticas, dando-
lhes um novo sentido, tornando-se um espaço santificado. Ruínas da Igreja de Jesus (Paraguai). Alfred Demersay, 1860. Arquivo Histórico do Itamaraty.
22
Cartão religioso de devoção editado na Alemanha com os três mártires jesuítas que
foram mortos por índios rebeldes na primeira fase das Missões (1626-1641).

As Reduções e os Trinta Povos. BRUXEL, 1978.


23
Plano da Missão de São Miguel, 1756 (In: CUSTÓDIO, 2006).
São João Batista. Claustro e pátio dos artífices. Arquivo Geral de Simancas,
Espanha.
24
Cavalaria Guarani. Padre Florian Paucke, meados do século XVIII. In: Guillermo Furlong, Iconografia Colonial Rioplatense.
25
Índios Missioneiros conduzindo cavalos com o uso de boleadeiras na região do Chaco. Padre Florian Paucke, meados
do século XVIII. In: Guillermo Furlong, Iconografia Colonial Rioplatense.
26

Livro em guarani organizado pelo jesuíta do Paraguai José Igreja de São Miguel. Projeto do padre Giovanni Battista Primoli. Arquivo Histórico do Itamarati.
Insuralde e publicado em Madri em 1759. In: MELIÁ, 1993.
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28

Trecho de livro em guarani impresso nas Missões em 1705. De la diferencia


entre lo temporal y eterno”. In:MELIÁ, 1993.

Ocorreram observações astronômicas nas Missões e inclusive na redução de


Trinidad (Paraguai) foi construído um observatório astronômico.
29

Padre Antônio Ruiz de Montoya. Autor de três obras clássicas do processo missioneiro.
Conquista Espiritual é o primeiro livro a tratar do povoamento do Rio Grande do Sul.
30
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ARQUITETURA MISSIONEIRA

Uma das expressões da cultura material missioneira foi a sua arquitetura. Estruturas materiais remanescentes,
como na missão de São Miguel, possibilitam vislumbrar uma pequena parte do que foi edificado entre as últimas décadas
do século XVII até meados do século XVIII. Buscando conhecimentos de planificação urbana colonial será reproduzido
parte de um artigo do arquiteto Luiz Antônio Custódio.

“A arquitetura produzida pelos padres da Companhia de Jesus, uma ordem religiosa de caráter universal, também
integra o processo de conquista e colonização empreendido pelos espanhóis a partir dos descobrimentos da América.
Tanto em áreas urbanas, com suas grandes e decoradas igrejas localizadas nos quarteirões jesuíticos, quanto nos
povoados de índios, onde se mesclavam influências culturais locais e europeias, essas realizações, com personalidade
própria, destacavam-se.
Os jesuítas, desde o início de sua ação missionária itinerante, exerciam, em diferentes continentes e, ao mesmo
tempo, distintos papéis: o de contratantes ou executores para suas igrejas, geralmente construídas ex-novo, ou o de
usuários para colégios, noviciados ou residências que, às vezes, eram instalados em edificações recebidas por doação
(...). Para entender a arquitetura do sistema social missioneiro, é fundamental identificar as características da
organização espacial dos Guarani e de sua arquitetura tradicional. Eles costumavam construir suas moradias em
clareiras naturais ou abertas na mata onde implantavam suas aldeias, o amundá, que integravam um conjunto de
aldeias, o teko'á. Um único sistema construtivo era utilizado na execução das “casas grandes” das “famílias extensas”,
com diferentes dimensões, onde viviam, em conjunto, várias células familiares.
As casas eram construídas por uma sucessão de varas cravadas no solo, curvadas e unidas nas pontas
superiores e depois cobertas com fibras vegetais. Eram casas alongadas, com aberturas laterais ou nas extremidades,
sem divisões internas, sustentadas por esteios de madeira, onde se penduravam as redes de dormir. As construções
nos primeiros assentamentos jesuíticos, em tempos de conquista e adaptação, tiveram caráter precário. Seus povoados
foram alvo de sucessivos ataques de bandeirantes ou “mamelucos”, como eram denominados pelos indígenas, sendo
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abandonados e as populações trasladadas para locais mais seguros. (...) No segundo momento, quando os povoados
adquiriram caráter mais estável, a arquitetura começou a incorporar, pouco a pouco, alguns componentes de sistemas
construtivos europeus trazidos pelos jesuítas. Eram estruturas autoportantes de madeira, sistemas de caibros armados,
em duas águas, cobertos por telhados cerâmicos, onde as paredes, vedações de adobe, tijolos ou pedras, eram
colocadas posteriormente. Os apoios verticais eram feitos por troncos de árvores arrancadas com parte de suas raízes,
chamuscadas para evitar umidade, e enterradas em buracos revestidos com pedras. A arquitetura e o sistema
construtivo utilizados no segundo período é o que caracteriza especialmente a tipologia arquitetônica missioneira, sendo
recorrente no conjunto dos Trinta Povos da Paracuaria.
Esse sistema construtivo também foi utilizado pelos jesuítas nas reduções do Oriente Boliviano, com grupos de
Moxos e Chiquitos.
As igrejas missioneiras da segunda etapa tinham planta retangular, geralmente com telhado longitudinal em duas
águas, que avança, ultrapassando o alinhamento da fachada frontal, formando um adro ou pórtico coberto, geralmente
apoiado sobre pilares de pedra ou esteios de madeira entalhada. No alpendre frontal, eram realizadas atividades
religiosas e encenações sacras. Em um dos lados das igrejas, localizava-se a torre sineira, ou campanário, com
estrutura independente, de madeira, geralmente colocada no pátio dos padres. As paredes eram construídas com
alvenaria de pedras, de adobe ou em técnica mista, rebocadas e pintadas em branco, cobertas por profusas pinturas
murais representando frisos, faixas e ornamentos que marcavam os vãos. As pinturas também tinham motivos e
símbolos religiosos ou de referenciais locais. A decoração interna era complementada por pinturas em telas e esculturas
geralmente de santos, colocadas nos retábulos e altares. Dentre os ornamentos utilizados, também estavam
representados símbolos da coroa espanhola, que reafirmavam a vinculação ao regime de Patronato Real. A um lado da
igreja, localizava-se o primeiro pátio, o pátio doméstico ou claustro, com acesso direto à igreja e à praça, destinado a
atender a residência dos padres e a sala onde eram ensinados os filhos dos caciques, o colégio. Ele se ligava ao
segundo pátio, onde se localizavam as oficinas dos artífices e os depósitos, atividades de produção, manutenção e
abastecimento da redução.
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O terceiro período desse processo corresponde à chegada de profissionais arquitetos a partir de 1730, no apogeu
econômico do sistema reducional, quando algumas edificações começaram a apresentar estruturas arquitetônicas
sofisticadas, com características técnicas e estilísticas plenamente europeias. As novas estruturas passam a ser
portantes, formadas por maciços em pedra, sendo introduzidas estruturas de arcos e abóbadas executados com tijolos
ou pedras.(...) Essa novidade começou em alguns povoados, na execução das igrejas de São Miguel Arcanjo (Brasil),
Santísima Trinidad del Paraná e Jesus de Tavarangue (Paraguai), substituindo as estruturas anteriores. Essas novas
obras, apesar de seu porte, qualidade excepcional de fábrica e técnica, não podem ser consideradas como integrantes
das tipologias arquitetônicas missioneiras que foram utilizadas no conjunto dos povoados por mais de um século, mas
como arquitetura construída por profissionais europeus, nas missões, com mão de obra indígena, no período do apogeu.
Uma peculiaridade da arquitetura feita pelos jesuítas ao redor do mundo são as fachadas manifesto, onde geralmente
estavam representados por pinturas, relevos ou esculturas imagens de seus fundadores ou mártires, símbolos da Ordem
(como IHS, A e M sobrepostos, os três cravos), ou referências locais, com função de integração cultural.
Na maior parte dessas obras de arquitetura nas reduções da Paracuaria, sempre se procurou compensar a
simplicidade, a rusticidade e os poucos materiais disponíveis com uma diversidade de dimensões, formas e desenhos
geométricos ou decorativos que eram aplicados em pisos, forros e paredes. Complementando o cenário de gosto
barroco, com diversidade de formas, brilhos e cores, atendendo à tradição, as igrejas missioneiras também eram
decoradas com ornamentos vegetais e florais.
Independentemente das regras e dos modelos, cada obra, seja arquitetônica ou artística, expressa a maestria dos
artífices índios, a criatividade e o conhecimento técnico dos mestres europeus, que traduzem, em suas realizações, os
seus conhecimentos, as suas crenças, mas, principalmente, os seus pagos”.
Para saber mais: CUSTÓDIO, Luiz Antônio Bolcato. Ordenamentos urbanos nas Missões Jesuíticas dos Guarani
– parte 2. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 201.00, Vitruvius, fev. 2017
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.200/6398>.
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Fachada da Igreja de São João. Biblioteca Nacional da França-Paris. Plano de Candelária (Argentina).
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Plano del Pueblo de La Candelaria. https://biblioaecidmadrid.wordpress.com/2016/08/18/la-polis-ideal-de-los-jesuitas-el-plano-de-la-candelaria-en-la-coleccion-de-la-biblioteca-aecid/
Candelária. https://biblioaecidmadrid.wordpress.com//?s=guarani 36
Candelária. https://biblioaecidmadrid.wordpress.com//?s=guarani

Candelária. https://biblioaecidmadrid.wordpress.com//?s=guarani
37

Povo de Candelária. https://biblioaecidmadrid.wordpress.com//?s=guarani


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O TORNADO EM SÃO MIGUEL

A região missioneira, assim como todo o Rio Grande do Sul, está inserido no Corredor de Tornados da
América do Sul. Numa tarde de domingo (15h30) do dia 24 de abril de 2016 um tornado atingiu São Miguel das
Missões e causou danos em várias peças que constituem o acervo missioneiro. O museu onde estavam as
peças foi criado em 1940 a partir do projeto arquitetônico de Lucio Costa e integra o Sítio Arqueológico de São
Miguel Arcanjo, reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco. O Museu guarda o maior acervo (98 peças)
de imagens missioneiras em madeira policromada dos séculos XVII e XVIII. Além de danos as peças dos
séculos XVII e XVIII, a estrutura do Museu foi bastante danificada e cerca de 100 casas na cidade de São
Miguel foram destelhadas. Conforme a MetSul Meteorologia, os ventos atingiram 250 km/h e caracterizam um
tornado de categoria F2 na escala Fujita, que vai de F0 (mais brando) a F5 (mais intenso).
Tornado que atingiu o Museu das Missões.
Museu das Missões. http://www.museus.gov.br/tag/museu-das-missoes/
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MISSÕES E HISTORIOGRAFIA
Façamos uma ampla reflexão sobre a trajetória historiográfica de autores que no Rio Grande do Sul
escreveram sobre as Missões e aproveitamos para recapitular o assunto.

Os Trinta Povos guaranis, denominação dada às Missões Jesuíticas fundadas entre 1609 e a primeira metade do
século XVIII na Província Jesuítica do Paraguai, constituíram unidades urbanas dirigidas por religiosos espanhóis e de
outras nacionalidades, com o objetivo de cristianizar os indígenas Guarani (MONTEIRO, 1992) e (SOARES, 1997).
Desses Povos, muitos localizaram-se no atual território brasileiro, no Itatim, no Guairá e no Tape. As Missões do Tape
surgiram a partir de 1626, com a fundação de São Nicolau, a primeira na margem esquerda do rio Uruguai. Seu epílogo
enquanto projeto reducional ocorre em 1756, com a ocupação do exército português e espanhol do espaço missioneiro
no contexto da Guerra Guaranítica. Desde o século XIX, são volumosos os estudos do processo histórico missioneiro no
Rio Grande do Sul o qual teve início no Império colonial espanhol dos Habsburgos e encontrou sua derrocada durante o
governo dos Bourbons (KERN, 1982: 9). É uma das temáticas da formação histórica rio-grandense mais recorrente nos
últimos dois séculos. Esta produção de artigos e livros totalizam centenas de títulos porém, poucas são as análises da
produção historiográfica.
As Missões Jesuítico-Guaranis constituíram um fenômeno histórico que motivou interpretações e procedimentos
intelectuais heterogêneos desde a derrocada deste processo histórico na segunda metade do século XVIII. A ampla
bibliografia disponível, literatura, descrições ou análises científicas comprovam a importância desta experiência
civilizacional para autores americanos e europeus. A presença dos povoados missioneiros no Rio Grande do Sul foi
historiograficamente um dos temas mais debatidos e recorrentes entre os intelectuais sul-rio-grandenses, sendo até a
atualidade um fator de motivação para as pesquisas e o questionamento da própria produção intelectual.1

1
Um dos aspectos em que se insere os fundamentos epistemológicos é na discussão sobre a presença do positivismo na
historiografia rio-grandense; “se a narrativa linear, a rigorosa cronologia, o empirismo e a exaltação dos “grandes heróis da pátria”
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A trajetória do tema Missões Jesuítico-Guaranis no Rio Grande do Sul remonta às fontes documentais dos séculos
XVII e XVIII. No entanto, é com José Feliciano Fernandes Pinheiro e sua obra Anais da Capitania do Rio Grande de São
Pedro (1819) que pela primeira vez as Missões aparecem inseridas no campo historiográfico. Através de fontes
profundamente marcadas pelo antijesuitismo, Fernandes Pinheiro construiu uma história a respeito da vida missioneira
embasada na visão de um “estado teocrático”, o qual estaria conspirando contra a Coroa Espanhola. Já a ação luso-
brasileira é encarada por Pinheiro por meio de uma narrativa patriótica e nacionalista, como um fato épico no processo de
formação do Rio Grande do Sul.
A primeira história específica das Missões no Rio Grande do Sul data de 1863, realizada por João Pedro Gay, o qual
não associou a história missioneira no contexto da formação histórica sul-rio-grandense, bem como não apontou o papel
espanhol no desenvolvimento daquela experiência histórica. O núcleo do interesse de Gay estava voltado ao caráter
civilizatório da cristianização e não a uma legitimação da obra missioneira como elemento integrante da história do Rio
Grande do Sul.
A produção historiográfica até a década de 1880 persistia carente e ligada a assuntos como a conquista territorial
e o povoamento, em obras realizadas por pessoal vinculado ao governo imperial e sem maior identificação com as
especificidades da formação provincial. Nesse quadro, os Anais de Fernandes Pinheiro continuavam como obra de
referência mais consistente nesse período. Os trabalhos de Antônio Câmara (1851) e Antônio Camargo (1868)
mantinham-se fiéis aos princípios monarquistas e bragantinos do Império. A criação do Instituto Histórico e Geográfico
da Província de São Pedro (1860), bem como o seu breve período de sobrevivência, demonstrava a ausência de uma
comunidade intelectual mais efetiva. As Missões eram abordadas como “Império Teocrático”, “Teocracia Jesuítica” ou
“República Jesuítica”, num constante apelo a uma autonomia dos povoados, demonstrando o pouco conhecimento das

foram hegemônicos na prática historiográfica do final do século XIX e do começo do século XX (de forma universal, e não apenas
no Rio Grande do Sul), isto se deveu não à influência direta do positivismo, mas à recorrência de uma série de tendências
presentes na historiografia desde suas raízes na Grécia Antiga” (PEZAT, 2006: p. 255-285).
41

modalidades administrativas espanholas e uma não-preocupação com a inserção deste assunto num contexto mais
amplo, como o das relações ibéricas no período. Assim, permaneciam as interpretações calcadas ora numa inclinação
pró-jesuítas, ora em manifestações francamente de oposição a eles.
Com o movimento republicano e a defesa de ideias federalistas, ocorreram certas modificações nos estudos de
cunho histórico, e a partir de 1882 surge uma série de publicações que buscavam interpretações valorizando as
peculiaridades sul-rio-grandenses, ao mesmo tempo em que questionavam a forma monárquica e centralizadora do
governo brasileiro. A produção historiográfica ligada ao pensamento republicano passou a promover a valorização de
personagens ligados à história regional, em detrimento daqueles identificados com o colonialismo português e a
monarquia brasileira. O reflexo desta propaganda republicana na historiografia regional deu-se especialmente nas obras
de Alcides Lima, Assis Brasil e Alfredo Varela, que elaboraram abordagens diferenciadas na relação histórica entre a
província e seus vizinhos platinos. Sobre as Missões, os dois primeiros intelectuais teceram considerações
generalizantes e não fundamentadas em documentos, revelando um antijesuitísmo, ao ressaltar a autonomia irrestrita do
que consideravam o “Império Teocrático Comunista” ou o “Império Guaranítico”, não levando em conta qualquer
contribuição missioneira à formação rio-grandense. Varela, por sua vez, utilizou-se da conquista das Missões como
argumento para comprovar que o Rio Grande do Sul constituíra-se graças ao esforço de seus habitantes, acusando a
falta de apoio da administração colonial portuguesa e da monarquia, que, “decadente”, não mais servia ao país
(VARELA, 1897).
Este procedimento de ressaltar as diferenciações rio-grandenses no contexto brasileiro persistiu correntemente na
historiografia gaúcha durante a República Velha (1889-1930), de modo que diversos intelectuais ligados ao ideário
castilhista-borgista, como Aquiles Porto Alegre, João Pinto Guimarães, João Maia, Stella Dantas de Gusmão, Simões
Lopes Neto, José Vieira Resende Silva e Alfredo Costa, buscaram promover estudos históricos voltados à formação
cívica dos alunos, com o enaltecimento de personagens ilustres e da contribuição étnica luso-açoriana e brasileira. A
história fatual, a abordagem centrada nos acontecimentos político-militares, o biografismo e a supervalorização do papel
dos indivíduos, a visão determinista, o enfoque regionalista, insistindo nas peculiaridades rio-grandenses, a quase
42

inexistência de referências bibliográficas ou documentais, a literatura romântica voltada ao telurismo e a ausência de um


debate teórico-metodológico foram algumas das características da produção historiográfica deste período.
À criação do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em 1920, esteve fundada a gênese das ideias de
nacionalidade e brasilidade orientando a historiografia. Ocorreu então um fechamento de uma concepção de patriotismo
ligada ao telurismo, levando a uma redefinição dos atores sociais, escamoteando aqueles que representassem qualquer
antagonismo aos interesses de uma nacionalidade que estaria alicerçada unicamente na formação luso-brasileira. Este
fechamento de uma história aberta, com a sumária eliminação de atores não-desejáveis levou a uma marginalização da
temática sobre as Missões e a uma repressão sistemática da parte de alguns autores vinculados à tendência
historiográfica luso-brasileira.
Esta linearidade do exclusivismo luso-brasileiro encontrou, no entanto, certas vozes discordantes, as quais
destacaram a participação missioneira, reintegrando as Missões na história do Rio Grande do Sul. A abordagem da vida
missioneira, para alguns intelectuais, estava dirigida primordialmente ao enaltecimento do papel civilizador e cristianizador
e, quanto à população guarani, só era inserida no contexto histórico na medida em que estivesse sob a tutela paternal dos
jesuítas. Essa abordagem, centrada na atuação jesuítica e na inserção das Missões como um capítulo da história colonial
rio-grandense, foi desenvolvida por autores como Hemetério Velloso da Silveira, Carlos Teschauer, Luiz Gonzaga Jaeger,
José Hansel, Arthur Rabuske, Arnaldo Bruxel e outros, que constituíram a tendência historiográfica jesuítico-missioneira.
Velloso da Silveira lançou os pressupostos sobre a selvageria indígena, o martírio e a redenção dos padres que seriam
reproduzidos por outros intelectuais. Segundo a tendência jesuítico-missioneira, a obra cristianizadora e civilizatória dos
inacianos deveria se fazer presente como um destacado segmento da formação histórica do Rio Grande do Sul.
A partir de um amplo levantamento de fontes documentais, o jesuíta Carlos Teschauer escreveu a História do Rio
Grande do Sul dos dois primeiros séculos (1918), na qual os acontecimentos são dirigidos por indivíduos predestinados
pela iluminação e intervenção divinas. Desse modo, os jesuítas conduziam a “massa bruta”, tendo de suplantar a
incompetência intelectual e cultural, o atraso tecnológico e espiritual e a ausência das regras sociais, sempre evocados
para caracterizar as populações indígenas a partir de uma antevisão preconceituosa e calcada no modelo europeu e
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católico de organização e civilização. A ênfase da obra esteve no enaltecimento das glórias da conquista espiritual
promovida pelos jesuítas nos séculos XVII e XVIII, abordadas como lição moral e exemplo da intervenção divina.
Os pressupostos de Teschauer foram retomados por Luiz Gonzaga Jaeger, que manteve em seu trabalho a
exaltação da Companhia de Jesus e insistiu na incompetência dos guaranis quando afastados da tutela jesuítica. Assim,
Jaeger localizava os heróis e os indolentes na história missioneira, numa narração entremeada pela presença de Deus e
dos demônios que enaltece os padres e deprecia os selvagens ou bárbaros. O autor explicitou de forma clara os
participantes da história missioneira, em que teriam atuado os bons (jesuítas), os maus (bandeirantes e encomendeiros)
e os indolentes (índios).
Já a tendência historiográfica luso-brasileira foi desenvolvida por diversos autores a partir da década de 1920. De
acordo com essa interpretação, a formação histórica sul-rio-grandense não foi marcada por influências de origem
espanhola ou extralusitanas, e seu enfoque básico é justificar que o Rio Grande do Sul, desde os primórdios, teve uma
formação exclusivamente portuguesa, bem como os seus habitantes sempre estiveram em antagonismo com os interesses
castelhanos. Mesmo com abordagens diferenciadas, em linhas gerais o índio missioneiro esteve associado aos interesses
espanhóis e antilusitanos, assim como as Missões eram consideradas como um corpo estranho ao contexto histórico rio-
grandense.
Conforme Jorge Sallis Goulart, a formação da sociedade sul-rio-grandense caracterizou-se por uma luta contínua
contra os jesuítas das Missões, no que foi acompanhado e referendado por Moysés Vellinho, Othelo Rosa, Guilhermino
Cesar e outros intelectuais. O enfoque luso-brasileiro também está contido nos escritos de João Pinto da Silva, que
considerava o domínio dos inacianos como lusófobo e marcadamente espanholizante. Segundo João Borges Fortes, os
jesuítas representavam interesses adversos à nacionalidade portuguesa, daí buscar legimitar a atuação dos
bandeirantes, que teriam atuado por interesses “nacionalistas”, não permitindo a presença espanhola no território rio-
grandense. Assim, enquanto os bandeirantes representaram o espírito português, o nacionalismo, o amor à pátria e a
defesa do Brasil, as Missões Orientais significaram o predomínio do espírito jesuítico, alardeando a simpatia à Espanha
e promovendo o ódio para com Portugal.
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A recorrência da busca da identidade nacional foi encaminhada pela historiografia do Rio Grande do Sul numa
perspectiva diferenciada nas décadas de 1920-30. Esta perspectiva foi a da inserção do regional frente ao projeto
nacional em andamento. A afirmação da brasilidade do rio-grandense está ligada à elaboração do conceito de “gaúcho
brasileiro” entre intelectuais ligados à tendência historiográfica luso-brasileira, buscando, dessa forma, unificar o múltiplo,
negar o conflito e construir a harmonia frente à formação histórica do Rio Grande do Sul. A partir de Jorge Sallis Goulart,
e referendado pela tendência luso-brasileira, constata-se que afirmar nacionalmente os interesses regionais significa
definir a nacionalidade do rio-grandense – o “gaúcho brasileiro” – que se contrapõe à belicosidade, ao expansionismo e
à desordem caudilhesca do “gaúcho platino”.
O Rio Grande do Sul é o espaço da ordem e da disciplina, da conquista e manutenção de fronteiras para o Brasil.
Conforme Souza Docca, João Borges Fortes, Othelo Rosa, Carlos Dante de Moraes, Moysés Vellinho e Guilhermino
Cesar, o espírito da brasilidade chegou com os bandeirantes e prosseguiu com os lagunenses e açorianos. A história rio-
grandense é repensada em direção à centralização político-administrativa brasileira. Nessa direção, os indígenas são
curiosidades culturais e biológicas numa “terra de ninguém”, e o contexto platino-missioneiro recebe uma abordagem
enquanto “corpo estranho e antagônico à formação gaúcha”. A descontinuidade histórica das populações indígenas e
das Missões segue um ritual de passagem destituído de historicidade até a consolidação de uma continuidade histórica
vinculada à formação luso-brasileira.
Numa interpretação da tendência luso-brasileira, constata-se que a constituição de uma identidade a partir da
exclusão de outras identidades possíveis alia-se a uma narrativa historiográfica de recurso conjuntural e sincrônico. O
passado, após sua remodelação, passa a ser um referencial de comportamento para o presente com base numa visão
teleológica, ou seja, uma história já está definida, na qual os agentes históricos são guiados por princípios inconscientes
de brasilidade. Esta visão, em que homens e fatos singulares dominam o horizonte do historiador, harmonizando-se na
confluência luso-brasileira, recorre a uma exposição fatual e voltada à exaltação de personalidades que se destacaram
na consolidação deste universo. Se no plano teleológico esboça-se uma longa duração do processo histórico – colônia,
império e república – que encontra sentido unificador na brasilidade, no plano histórico do acontecer percebe-se o
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recurso ao conjuntural e a curta duração dos atos heroicos que se eternizam enquanto síntese de modelo de ação a ser
seguido por aqueles personagens cujo nome a história não registrou.
Os diversos representantes da intelectualidade atuante no campo da história moldaram, em linhas convergentes e/ou
divergentes, determinadas versões sobre a formação histórica sul-rio-grandense e, mais especificamente, sobre os
personagens que atuaram neste cenário. Nessa linha, entre outras, destacou-se a visão a respeito dos índios que perpassou
as diferentes modalidades narrativas e tendências historiográficas, mesmo aquelas simpáticas ao modelo missioneiro: a do
indivíduo incapaz e inferior, intelectual, cultural, física e socialmente, classificado como representante da selvageria ou da
barbárie em comparação com o civilizado olhar eurocêntrico. Os jesuítas foram abordados como agentes da Coroa
Espanhola em seus projetos expansionistas, como representantes divinos e portadores de uma missão civilizadora e
cristianizadora, ou ainda como mantenedores de unidades autônomas, agindo em interesse próprio na montagem de um
“estado”, “império” ou “república” teocrática. Os bandeirantes foram encarados desde como bandidos usurpadores,
escravistas e destruidores das sociedades missioneiras, até como heróis desbravadores e antecipadores dos princípios
nacionalistas, rompendo fronteiras e ampliando o futuro território brasileiro. Deste modo, o papel das Missões ficou definido a
partir de pressupostos de inclusão/exclusão das mesmas na história do Rio Grande do Sul, girando as discussões no sentido
de encontrar a gênese histórica rio-grandense em 1737, quando os portugueses tomariam conta oficialmente daquela que
seria a “terra de ninguém”, ou levando em conta o processo histórico missioneiro como inaugurador da formação histórica
sul-rio-grandense. Neste quadro, os historiadores gaúchos criaram certas “verdades” históricas que, num processo de
construção/desconstrução discursiva, vêm sendo repetidas, sintetizadas, metabolizadas e, mais recentemente, repensadas e
desditas através do tempo e das diferentes tendências historiográficas que têm edificado a história do Rio Grande do Sul.
A concepção ligada ao telurismo é difundida por Assis Brasil, Alcides Lima e João Cezimbra Jacques no final do
século XIX. Essa concepção é retomada na década de 1950 por Manoelito de Ornellas e Mansueto Bernardi, situando a
resistência guarani e especialmente do índio Sepé Tiaraju, que morreu, conforme estes autores, em defesa da terra que
viveu e amou. Em torno da figura de Sepé Tiaraju, considerado por Ornellas e Bernardi como o primeiro caudilho rio-
grandense, ocorreu uma polêmica que envolveu Othelo Rosa e Moysés Vellinho. A polêmica evidenciou o exclusivismo
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luso-brasileiro e a intolerância frente a outras interpretações do passado rio-grandense. Enquanto Teschauer


argumentava sobre as Missões como parte da história do Rio Grande do Sul, Bernardi denunciou aqueles que
artificiosamente as excluem ou as colocam em compartimento à parte da formação histórica. O acirramento do debate
indicou que o “exclusivismo luso-brasileiro” estava sendo duramente questionado mesmo que no âmbito do
personalismo, como a defesa de Sepé e dos mártires, e não de uma crítica mais ampla do processo histórico brasileiro e
platino. A interpretação está direcionada ao “telurismo indígena”, que sintetiza o amor a terra em que se vive, motivação
não ligada à nacionalidade e sim a fatores psicossociais. Persiste o exercício de exclusão e de inclusão de elementos
missioneiros e platinos na formação histórica do Rio Grande do Sul, quase sempre exemplificando com personagens
ligados ou não a concepções de nacionalidade e persistindo como exemplo para gerações no presente.
Constata-se, com frequência, que a referência à bibliografia e à pesquisa documental é estranha a muitos
intelectuais, como em Stella Dantas de Gusmão. Os trabalhos voltam-se à elaboração de uma visão oficiosa, inserida na
concepção governamental, como em J. Resende Silva, João Maia e Alfredo Costa. As explicações deterministas são
aplicadas buscando definir a identidade republicana/federativa e as peculiaridades do rio-grandense, como em Assis
Brasil, Alcides Lima, Alfredo Varela e João Cezimbra Jacques, ou os estudos voltam-se a uma pesquisa documental
privilegiadora de certos personagens, como em Hemetério Velloso da Silveira, Carlos Teschauer e Luiz Gonzaga Jaeger.
O referencial dos historiadores do período não seguiu rigorosamente a orientação rankiana na imparcialidade do
conhecimento, já que a historiografia está engajada em difundir a concepção republicana; nem era rigorosa a aplicação
das leis dos fatos sociais de Augusto Comte; sequer agradariam a Charles Langlois e Charles Seignobos, pois ortodoxia
e rigor metodológico não são características dos intelectuais rio-grandenses do período. A orientação que canaliza os
trabalhos está no estudo do passado enquanto exemplo de moralidade para o presente, na crença de que a tradição
legada pelos mortos é o referencial condutor da ação dos homens no presente. A história é uma lição cívica, em que são
selecionados personalidades e homens ilustres que traduzem um modelo de homem para as novas gerações. O trabalho
historiográfico converte-se num privilegiado espaço para a transmissão de modelos de moralidade e representações dos
tipos sociais. O pano de fundo é constituído pelos acontecimentos históricos, a crença historicizante no recurso fatual e
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singular, enquanto pretensa objetividade (cientificidade). Essas posições reducionistas frente a uma concepção de longa
duração do processo histórico, com posições excludentes e análises historiográficas parciais, ainda canalizam enfoques
fundamentados no antagonismo entre a formação luso-brasileira e hispano-missioneira. A análise de historiadores e
revistas especializadas em história ou temas afins, no período delimitado entre o início da década de 1960 – decênio que
apresentou leituras teórico-metodológicas diferenciadas do tradicional – e o ano de 1975, quando ocorreu a
institucionalização da prática historiográfica missioneira, com a realização do Simpósio Nacional de Estudos
Missioneiros, demarca a persistência e também o esgotamento de uma expressão historiográfica fundamentada no
antagonismo. A produção historiográfica sul-rio-grandense ligada à discussão teórico-metodológica e voltada ao
estabelecimento de modelos estruturalistas de análise é recente.
Ao analisar a historiografia, identifica-se a dificuldade em considerar as Missões como parte integrante da
formação histórica do Rio Grande do Sul.2 O caráter espanhol-platino da experiência histórica missioneira motivou a
resistência frente ao tema, devido à recorrente discussão sobre a integração / autonomia do estado com o restante do
Brasil. A complexa integração no plano político, econômico e cultural motivou posições intelectuais diferenciadas ao
longo do tempo, mas no pós-1920 expressou-se no destaque ao antagonismo luso-brasileiro e hispano-missioneiro,
como em Jorge Sallis Goulart. A influência dos educadores foi fundamental para a sobrevivência dos debates, como se
constata em Luiz Gonzaga Jaeger (S. J.), Arnaldo Bruxel (S. J.), Arthur Rabuske (S. J.) e Mansueto Bernardi. A análise
de intelectuais rio-grandenses no período 1960-75 evidencia novas abordagens ligadas à formação do Rio Grande do
Sul, tema esse que ocupou o centro dos debates desde a década de 1920 com ênfase na brasilidade do gaúcho. Uma

2
O pouco interesse pela História dos Sete Povos e pela estrutura missioneira se esclarece pela forma como os historiadores
tradicionais da hegemônica matriz lusa entenderam a História do Rio Grande do Sul. Para eles, a situação de fronteira – como
marco excludente e de distanciamento dos vizinhos do Prata - foi capital para a formação de um caráter nacionalista e beligerante
no rio-grandense. A Integração do Guarani-missioneiro na Sociedade Sul-Rio-Grandense. Maximiliano Menz (2001). São
Leopoldo: Dissertação de Mestrado em História, Unisinos, 2001.
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leitura de autores que escreveram nesse período, permite caracterizar-se a persistência e os novos enfoques. Na
tendência historiográfica luso-brasileira, o recurso ao antagonismo do Rio Grande do Sul em relação ao Prata e às
Missões Jesuítico-Guaranis encontra em Moysés Vellinho não a sua fonte exclusiva de difusão, mas certamente o seu
ponto culminante. Vellinho reproduziu afirmações feitas por Jorge Sallis Goulart, Clemenciano Barnasque, João Borges
Fortes e outros autores para fundamentar sua visão lusitana e antimissioneira. Segundo ele, os jesuítas estavam mais
preocupados com o temporal do que com o espiritual, e o fato de as Missões terem lutado contra os lusitanos indica que
esta experiência não pode “constituir um capítulo integrante da história rio-grandense”. Desfeita essa organização, uma
nova civilização poderia nascer – a luso-brasileira –, por cima dos “destroços de uma construção utópica e anacrônica”.
Os guaranis recebem um tratamento depreciativo, sendo apontados como os principais responsáveis pela falência da
ação missionária, afinal “sobre tão precário alicerce humano não se constrói uma civilização. Os índios missioneiros que
viveram, lutaram e morreram do “outro lado da fronteira” de então, a serviço de uma causa contrária à “nossa”, não
fazem parte da “nossa” tradição histórica.
Constata-se que o paradigma historiográfico tradicional persistiu na historiografia rio-grandense no período 1960-
75. A tendência historiográfica luso-brasileira canalizou a argumentação sobre a formação histórica do Rio Grande do
Sul, insistindo na exclusão do processo histórico missioneiro e remetendo-o aos interesses de orientação espanhola. A
ausência de um discurso sistemático e amplo, explicitando sentidos possíveis para a prática historiográfica missioneira,
contribui para a supremacia dos enfoques de Moysés Vellinho e Guilhermino Cesar. Ou seja, a falta de uma postura de
construção de um discurso missioneiro inserido na história do Rio Grande do Sul e um ataque, fundamentado na ciência
histórica, das representações presentes na tendência luso-brasileira, possibilitaram a sobrevivência daquela
interpretação. A tímida penetração dos trabalhos de fundamentação histórico-estrutural até meados dos anos 1970,
indica que os debates estavam presos à história conjuntural e uma racionalização mais ampla – que superasse o
destaque à brasilidade ou ao enaltecimento de aspectos missioneiros – encontrava limites epistemológicos na
comunidade intelectual ainda voltada à edificação de uma identidade nacional/regional sintetizada nas inúmeras
interpretações do “ser gaúcho”. Os temas regionais persistem os preferidos dos autores e não um debate de questões
49

metodológicas ou novas tendências historiográficas.


A diversificação de temas, objetos e a inserção de novos paradigmas epistemológicos processou-se na segunda
metade da década de 1970, motivado especialmente pelas pesquisas desenvolvidas nos Cursos de Graduação e Pós-
Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Graduação da Universidade Federal do Rio Grande
Sul e Universidade do Vale do Rio dos Sinos. A história do Rio Grande do Sul começou a sofrer releituras dos diferentes
temas, enquanto os primórdios da formação histórica, os artigos sobre o período colonial, decrescem em intensidade. O
interesse pelo desenvolvimento do capitalismo e do surgimento de classes sociais, novos enfoques em história política e
econômica, estudos voltados ao período imperial e especialmente à República Velha passaram a canalizar muitas
pesquisas, fugindo à polarização lusitanos x Missões no contexto de formação colonial do Rio Grande do Sul. O
materialismo histórico dialético passa a ser o viés interpretativo mais visitado nos estudos da formação histórica rio-
grandense, em especial, nos estudos sobre a República Velha, a partir de meados da década de 1970.3 A sobrevivência
da historiografia tradicional e o discurso luso-brasileiro dominante assinalam um ambiente avesso aos grandes debates
sobre o sentido da produção do conhecimento. A supremacia do discurso da brasilidade com seu corpo fatual e
fundamentada interpretação teleológica, seu recurso à exaltação do passado gaúcho – heroico, democrático e lusitano –
assinalam a preocupação de integração ao universo brasileiro. O processo histórico e as contradições sociais são diluídos
num emaranhado de acontecimentos e personalidades fundadoras da nacionalidade. A história limitada aos eventos
políticos e a lapidação dos personagens ainda é o encaminhamento preferencial na análise da formação histórica sul-rio-
grandensense até 1975. Porém, nos enfrentamentos com a tendência platina, a explicação unilateral lusitana indica seus
limites e parcialidade explicativa, frente a um processo histórico com uma dilatação temporal (mais de 12.000 anos de
ocupação humana) e espacial (colonizadores de Portugal, África, Brasil, Prata, Alemanha, Itália, Espanha e vários outros
países) que os limites fixados pela tendência lusitana (com a história oficialmente iniciando-se em 1737) não consegue
equacionar numa formação histórica multicausal e não privilegiadora de alguns personagens em detrimento de outros. A

3
Apenas como exemplo pode ser citada a tese de doutorado de Sandra Pesavento A Burguesia Gaúcha publicada pela editora
Mercado Aberto.
50

postura sistematicamente excludente de outras etnias, o recurso à inferioridade e superioridade racial e a teleologia ligada
à consciência em fazer parte de projeto de edificação nacionalista acaba por limitar a compreensão de uma história mais
complexa que não se resume à predestinação de alguns personagens ou etnias.
Os enfoques discriminando a história missioneira da história rio-grandense, com polêmicas sobre a edificação de
monumentos e o uso do nome de personagens definidos como inimigos do universo lusitano, expressa uma visão
preconceituosa, muitas vezes racista, e a necessidade doutrinária de definir os limites investigativos e cercear outras
explicações históricas. A ênfase na lusitanidade e brasilidade acaba sendo a fonte promotora de concepções
reducionistas que recorrem a uma ideia estática de nacionalidade e um pressuposto teleológico no qual a natureza física
e as ações psicossociais estão voltadas ao desenrolar de determinado acontecer histórico numa realização do
sobrenatural. Até a década de 1970, concepções de história ligadas à reconstituição dos fatos isolados, dos exemplos
individuais voltados à atuação nacionalista e patriótica, dos fatos irrepetíveis e singulares direcionados à realização de
uma visão definida do acontecer histórico persistem dominantes na historiografia rio-grandense. Uma abertura
preferencial aos aspectos coletivos, sociais e cíclicos, os enfoques ligados à história econômica e demográfica,
mentalidades coletivas e estruturas estavam à margem do paradigma historiográfico tradicional, que, frente à
emergência de novas metodologias e concepções de história, promoveu a crise das explicações unicausais do passado
histórico, fundadas no tempo linear e no progresso irrestrito, inerente à tendência luso-brasileira.
Como ressaltou Erneldo Schalenberger (2007), a pesquisa do passado missioneiro deve sempre partir de
problemas específicos, libertar-se de tipologias limitadas e insuficientes e ancorar-se em referenciais teóricos e
metodológicos que permitam ampliar a noção e reconstruir, inclusive, fatos conjunturais e de longa duração, para que a
História não seja refém da visão episódica ou dos mitos da totalidade. A investigação do processo histórico missioneiro e
a dialética da duração merecem um criterioso exame historiográfico, para que os estigmas possam ser removidos e o
caminho do conhecimento histórico possa ser aberto. Os estudos missioneiros revelam tendências que foram se
consolidando, ao longo do tempo, em programas de pós-graduação e em linhas de pesquisa que reforçaram a análise
historiográfica e deram centralidade à problemática missioneira a partir da perspectiva histórica de longa duração e da
51

análise conjuntural. O diálogo da História com a Arqueologia,4 a Etnologia e com a Etnografia, enriqueceu a Etnohistória5
e a História Demográfica. Os temas transversais e a abordagem multidisciplinar focaram, sobretudo, o espaço
missioneiro enquanto lugar de aplicação da antropologia, da linguística, da arquitetura e da arte, da arqueologia, da
geografia e da história.
O espaço missioneiro é representado muito mais em vista das pessoas e dos povoados indígenas reduzidos do
que de um domínio territorial. No contexto da colonização, o poder dos jesuítas residia, sobretudo, na ação
evangelizadora e na ascendência sobre os indígenas e se projetava na direção da organização das comunidades e do
espaço eclesial. Neste sentido, Meliá firmou a chave de leitura de experiência missioneira, focando as reduções como
um espaço de assunção ou de potencialização das realidades culturais Guaranis. Kern abriu caminho para o exame das
missões jesuítico-Guaranis enquanto obra de circunstâncias numa situação de fronteira, originada de uma efetiva
adaptação da legislação e dos costumes espanhóis à cultura dos Guaranis. Deriva daí um veio interpretativo que
desacredita falsos modelos e entende que a utopia missioneira existiu inscrita no processo histórico que a criou, uma vez
que, ao pretender para os indígenas Guaranis um espaço de liberdade no mundo colonial ibero-americano, estas
povoações transformaram-se numa utopia (SCHALLENBERGER, 2007).
Novas abordagens fundadas em estudos de etno-história e de nova história cultural (FLECK, 1999) passaram a
figurar nos últimos anos nos estudos referentes às Missões e populações guarani. Entre estas abordagens, podem ser

4
As pesquisas arqueológicas resultaram em relevante produção para o estudo dos assentamentos missioneiros. São exemplo dois
artigos sobre a Missão de São Lourenço Martir integrantes dos Anais da III Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas In:
Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XV, n.1, 298p. 1989. Posteriormente foi lançada uma coletânea de artigos no
livro de KERN, Arno (Org.) Arqueologia Histórica Missioneira. Porto Alegre: Edipucrs, 1998.
5
“A Etno-História é uma espécie de mudança de perspectiva da História tradicional. Em poucas palavras, a Etno-História é a
tentativa de fazer História pela ótica dos dominados no processo, independente do fato de serem tais dominados grupos externos
ou minorias internas tornadas oprimidas.” SOUZA, 1991.
52

destacadas as análises de Eliane Cristina Deckmann Fleck (2001)6, Antonio Ramos (2001), Letícia Borges Nedel (2004),
Paula Caléffi, Maria Cristina Bohn Martins7, José Otávio Catafesto (1998), Maria Cristina Razerra dos Santos (1993) e
Jean Baptista8. Em nível da análise arquitetônica está o trabalho de Luiz Antonio Bolcato Custódio (2006) e de fronteira e
identidade o de Eduardo Neumann (2000).
Podemos ainda fazer um questionamento sobre os caminhos que a historiografia mais ampla tem trilhado e as
aproximações e distanciamentos da historiografia missioneira com estes paradigmas epistemológicos, ficam como uma
reflexão para novos estudos.
Nas últimas quatro décadas acelerou a decadência dos pilares da historiografia do século XIX fundadas na crença
no poder da ciência e da razão e fundado no mito do progresso. Os paradigmas norteadores da vida e da legitimação do
conhecimento levaram ao enfraquecimento ou busca de superação das certezas normativas do discurso científico

6
Conforme a autora, os estudos encontrados na historiografia brasileira e ibero-americana sobre as reduções jesuítico-guaranis na
Província do Paraguai, especialmente sobre seu período de implantação e consolidação, constituem-se em produção abundante.
Em sua grande maioria, caracterizam-se pela preponderância factual e política, determinando uma abordagem descritiva dos
aspectos das organizações econômica e social próprias desse processo histórico, como se pode observar nas obras de Pablo
Pastells (1912), Pablo Hernández (1913) e Guillermo Furlong (1962). Entre os poucos estudos que abordam as temáticas deste
trabalho numa perspectiva social e cultural, mais especialmente em relação ao Guarani, podemos destacar os de León Cadogan,
Egon Schaden, Branislava Susnik e Bartomeu Melià, que consideramos fundamentais para a compreensão da realidade
reducional. FLECK, 2004.
7
“Sabemos bem que a produção historiográfica é sempre fruto de sua época e, desta forma, dinâmica. Este dinamismo se enlaça
não apenas com o descobrimento de novas fontes, senão também com a possibilidade de conferir-lhe leituras e interpretações que
se atualizam. É assim imprescindível que as “chaves” de decodificação das fontes jesuíticas sejam a primeira consideração do
historiador a seu respeito” (MARTINS, 2007). Ver também: A festa guarani nas Missões: perdas, permanências e recriações. Porto
Alegre: PUCRS (Tese de Doutorado), 1999.
8
A trilogia Dossiê Missões de Jean Baptista (São Miguel das Missões: Museu das Missões, 2009), que é constituído pelos volumes
O Temporal, O Eterno e as Ruínas, apresenta uma rigorosa análise da Coleção de Angelis sendo uma obra de referência para os
estudos missioneiros. Ver também do mesmo autor: A fome nos povoados missionais: dinâmicas históricas em meio ao debate
sobre a subsistência entre jesuítas e indígenas In: Biblos. Rio Grande: FURG, 22 (2): 27-38, 2008.
53

unitário sobre o homem e a sociedade global. A descrença em modelos ou teorias universais (metateorias e
metanarrativas) que deem conta da complexidade do real e as ideias-imagens unificadoras, que forneciam as grandes
certezas do devir histórico levou a falência das certezas científicas e dos dogmas explicativos, da micro pulverização do
conhecimento e da rearticulação das várias ciências, entre as quais não se divisaria mais nítidas escalas de hierarquia.
A crise do racionalismo como matriz do pensamento e do marxismo como marco teórico dominante que inseriu-se na
historiografia rio-grandense de forma tardia em relação à Europa e até aos estudos realizados no Brasil9 possibilitou uma
enorme sedução por novos objetos e campos de análise, que nos anos 1980 passou a chamar-se de nova história
cultural, cujas origens é a história social dos anos 1960 e 70.
Esta história social rechaçou as concepções ligadas ao positivismo linear e politicista; o mecanicismo reducionista;
o evolucionismo do século XIX que definia etapas do desenvolvimento civilizatório; o economicismo na concepção
marxista-leninista-estalinista,10 que reduzia a explicação histórica à determinancia da infraestrutura;11 a busca de
verdades absolutas. Para a historiadora Lynn Hunt (2001) esta formulação está amparada no caminho percorrido pelo
Movimento dos Annales e pela Escola Inglesa do Marxismo, que redescobrem na documentação empírica a narração

9
Referência aos estudos marxistas de Caio Prado Junior a partir da década de 1930.
10
Segundo Marx, “a produção das ideias, das concepções e da consciência encontra-se, a princípio, estreitamente ligada com a
atividade material e o intercâmbio material dos homens – linguagem da vida real. Não é a consciência que determina a vida, mas a
vida que determina a consciência. As relações legais e as formas políticas nunca poderiam ser compreendidas por si mesmas nem
explicadas pelo chamado progresso geral do espírito humano, mas que, pelo contrário, tem raízes nas condições materiais de
vida”. MARX, Karl. A concepção materialista da história In: GARDINER, Patrik. Teorias da História. Lisboa: Gulbenkian, 1969, p.
153-163.
11
“Para Marx, a ciência trazia a certeza. Hoje, sabemos que as ciências trazem certezas locais, mas também que teorias são
científicas na exata medida que são refutáveis, isto é, não-certas. Nas questões fundamentais, o conhecimento científico
desemboca em insondáveis incertezas. Para Marx, a certeza científica eliminava a interrogação filosófica. Hoje, vemos que todos
os avanços das ciências reanimam as questões filosóficas fundamentais. Marx acreditava que a matéria era a realidade primeira
do universo. Hoje, a matéria é um dos aspectos da realidade física polimorfa, que aparece como energia, matéria, organização”
(MORIN, 1993: 19-34).
54

que leva a recompor as tramas sociais. A Escola Inglesa, onde podem ser citados Eric Hobsbawn, Christopher Hill e
Edward Thompson, realizou uma tríplice articulação entre a História Cultural, a História Social e a História Política. A
renovação do Materialismo Histórico permitiu flexibilizar o esquema de uma sociedade que seria vista a partir de uma
cisão entre infraestrutura e superestrutura. Neste enfoque o mundo da Cultura passa a ser examinado como parte
integrante do modo de produção e não como um mero reflexo da infraestrutura econômica de uma sociedade (BARROS,
2008).
Nos anos 1980 a História Social passou a transitar para a História Cultural, pois, a nova orientação de seus
historiadores passou da análise das práticas para o estudo das representações (CHARTIER, 1990). Práticas,
representações, simbologias, sensibilidades e imaginários. A desconstrução das explicações estruturais e os novos
personagens e abordagens ampliam sua participação nos estudos historiográficos.
Abordagens ainda não exploradas ou com poucas incursões; revisões do que já foi escrito nos estudos
historiográficos a partir de olhares nos dão a certeza que a história e a historiografia missioneira é um campo em
construção.12 Nunca é demais frisar, como o fez José D’Assunção Barros que no âmbito da historiografia a tendência é
considerar o conhecimento como uma construção que sempre esteve implícita na prática dos historiadores, a despeito
das assertivas positivistas que ainda sonhavam com a objetividade absoluta (BARROS, 2011:96).

12
Nos estudos missioneiros ver: FLECK, Eliane D. A Doença e a morte na religiosidade guarani: elementos para uma história do
medo nas reduções jesuítico-guaranis. In: Estudos Leopoldenses (História). São Leopoldo: Unisinos, v.1, 1997; MARTINS, Maria
Cristina Bohn. Tempo, festa e espaço na redução dos guarani. In: Estudos Leopoldenses (História). São Leopoldo: Unisinos, v.1,
1997.
55

Alfred Demersay. Paris, 1861.

Livro História do Paraguai do padre Miguel Techo. Página


Manuscrita por índios das Reduções. In: MELIÁ.
56

Coleta de mel nas Missões. Padre Flórian Paucke (cerca de 1750). In: Guillermo Furlong, Iconografia Colonial Rioplatense.
57

A REGIÃO PLATINA

No presente, geograficamente, a Região Platina é formada por três países (Argentina, Paraguai e Uruguai,
além de fazer fronteira com o Rio Grande do Sul e com o Paraná (banhados pelos rios formadores da Bacia do
Rio Prata). A história em comum remete ao período colonial (ainda no século XVI) com o avanço português ao
Rio da Prata e a segunda fundação de Buenos Aires. Posteriormente, em 1680, é fundada pelos luso-brasileiros
a Colônia do Sacramento no atual Uruguai. A disputa pelo território e pelo gado, as aproximações e conflitos,
pautaram uma longa existência que foi marcada pelos conflitos militares/colonizatórios decorrentes do confronto
Portugal e Espanha. Em 1776, a coroa espanhola desmembrou o Vice Reino do Peru, formando assim nessa
região o Vice Reino do Prata, que naquela época incluía a atual Bolívia. A disputa pela posse do Rio Grande do
Sul marcou a formação social e política das populações que aí viveram, assim como os avanços e limites da
linha fronteira luso-espanhola.

Beatriz Azevedo Courlet desenvolveu uma abordagem esclarecedora sobre a Região Platina, a
identidade e a questão das fronteiras (COURLET, 2005). Parte deste artigo é reproduzido a seguir:
“A partir do período colonial, as sub-regiões do Prata mantêm relações bem particulares. Embora estas
relações tenham sido afetadas, mais tarde, por mudanças econômicas (transição das economias para o
capitalismo) e políticas (formação dos Estados nacionais), a região abriga ainda hoje costumes e valores
socioculturais comuns. Apesar disso, a historiografia, seja ela argentina, uruguaia ou brasileira, tende a
diferenciar a história da sua região fronteiriça daquela de seus vizinhos. Este procedimento, adotado
principalmente a partir de 1920, quando da centralização progressiva do poder político nos países respectivos,
58

visava, então, reforçar a ideia de Estado nacional. Assim, os historiadores construíram, retrospectivamente, para
suas regiões respectivas, uma história impregnada de um forte nacionalismo e tendo, por isso, pouca ou
nenhuma relação com aquela das zonas geográficas vizinhas.
Assim, lugar de partilha de experiências históricas e tradições comuns, as sub-regiões platinas perderam,
em função deste tipo de abordagem, toda sua especificidade e, com isto, mesmo sua importância nos contextos
nacionais respectivos. Daí o objetivo deste texto, que é de sugerir um novo quadro teórico de referência para a
análise da região platina, que permita ir além desta representação falseada pelo individualismo histórico e
capaz, assim, de tratar das especificidades que caracterizam um espaço (trans)fronteiriço.
(...)A história das regiões fronteiriças no mundo inteiro mostra que elas apresentam, ao longo de sua
formação, duas características principais : primeiro, uma vocação militar em razão da necessidade de defender
os limites geográficos entre territórios pertencendo a Estados distintos ; segundo, sua subordinação política e
econômica aos respectivos contextos nacionais. Isto não as impede, entretanto, de gozarem, ao mesmo tempo,
de certa autonomia política no plano regional (dado seu engajamento na defesa do território), assim como, ter
um papel econômico estratégico. Neste sentido, a região platina não é uma exceção, uma vez que ela cumpriu,
ao longo de sua história, todas estas funções típicas de uma região de fronteira, seja um papel militar, seja um
papel econômico importante, mesmo que subsidiário, enquanto zona exportadora para os centros dominantes
da época. O aspecto principal da identidade platina é o militarismo que se desenvolveu durante todo o processo
de ocupação da região, em razão de disputas fronteiriças enquanto espaço pertencendo inicialmente a Portugal
e à Espanha e mais tarde à Argentina, ao Uruguai e ao Brasil.
(...) Os peões e os índios viviam inicialmente da extração do couro de gado (até então em liberdade nos
campos) cuja exploração com fins de exportação constituiu a principal atividade econômica da campanha
platina durante o período colonial. Nesta época, quando predominava ainda a prática das vacarias, eles
59

constituíam uma mão de obra disponível, sem laços estáveis de trabalho. Mais tarde, a instalação de estâncias
mudou completamente o modo de vida dos habitantes do Prata, pois a privatização das terras e das manadas
de gado lhes roubaram os meios de subsistência e lhes obrigaram assim a se integrar progressivamente no
processo produtivo enquanto mão de obra permanente. A análise da criminalidade na época mostra que esta
passagem a um novo modo de produção se deu com muita resistência, estes indivíduos sem emprego fixo
representando, então, uma classe rebelde e potencialmente revolucionária do ponto de vista das elites locais.
Isto explica a aplicação de numerosas e severas medidas de controle social visando disciplinar o habitante da
campanha através da instauração de um aparelho judiciário e policial. Este punia os indivíduos vacantes,
controlava sua mobilidade (para ter o direito de transitar na região, eles passaram a precisar de um passaporte
concedido pela polícia), assim que seu tipo de ocupação (todos aqueles que não possuíam um contrato de
trabalho passaram a ser perseguidos e aprisionados como bandidos). O controle dos trabalhadores ia até a sua
maneira de viver em termos de alimentação, de vestimenta e de lazer : a ebriedade, a vagabundagem e o jogo,
por exemplo, foram proibidos pois estas práticas supunham uma perda do tempo e de energia do trabalhador.
Em suma, os colonos e as populações nativas - gaúchos, crioulos, imigrantes, índios ou descendentes de
diversas etnias- tiveram um papel fundamental na formação social da região platina. Apesar da presença do
trabalho forçado dos índios (e mais tarde dos negros nas charqueadas), os costumes e o modo de vida da
sociedade colonial platina foram profundamente marcados pela liberdade física, a insubordinação e a
independência dos indivíduos. De fato, comparando a realidade social da região com aquela das zonas
vizinhas, observa-se que as atividades produtivas ali praticadas permitiam que os homens da campanha platina
subsistissem sem precisar de um emprego fixo, seja caçando gado selvagem para se alimentar, se vestir ou
comercializar, seja se empregando eventualmente nas estâncias ou ainda praticando atividades agrícolas. O
vasto território da região platina abrigava ainda todos aqueles indivíduos que, por razões diversas, não se
60

adaptavam às exigências do sistema dominante de produção, ou seja, escravos fugitivos e índios rebeldes
(assim como soldados desertores). Daí a representação da campanha platina enquanto lugar de livre exercício
de atividades econômicas e que se traduz na imagem do homem a cavalo caçando gado em vastas extensões
de terra.
(...) A história colonial do Prata mostra a imagem de um território profundamente marcado por uma
dinâmica regional de proximidade implicando as esferas social, cultural, econômica e política. De fato, a
perspectiva de histórias fechadas e independentes não é compatível com a diversidade dos modos de
integração que caracterizaram esta zona. No plano social, tratava-se de um contexto demográfico bastante
heterogêneo: a presença significativa de espanhóis e de hispano-americanos se fazia sentir nas zonas
ocupadas por portugueses e luso-brasileiros, assim como estes últimos estavam presentes nas cidades de
colonização espanhola. Isto porque os traçados fronteiriços eram bastante flexíveis na época e não isolavam
tampouco as sociedades vizinhas. Assim, no período colonial, não se pode imputar atitudes de caráter
nacionalista aos habitantes do Prata, pois estas apareceram somente após a formação dos Estados. Isto
significa que, até o século XVIII, não havia ‘nação’ no sentido moderno desta noção, pois os Estados nacionais
ainda não estavam constituídos: a demarcação definitiva das fronteiras somente aconteceu na segunda metade
do século XIX quando a Argentina, o Brasil e o Uruguai centralizaram o poder político e a autoridade do Estado.
Assim, a noção de ‘pátria’ no contexto colonial supunha sobretudo laços dos indivíduos com uma cidade ou
região e não com uma nação territorialmente constituída. A prova é que era indiferente para os habitantes do
Prata, por exemplo, se eles caçavam gado para os espanhóis ou para os portugueses: eles viviam nos campos,
afastados das cidades e sua identidade se fundava no seu pertencimento ao pampa, independente do fato do
seu território estar momentaneamente sob a ocupação de uma ou outra coroa.
61

No plano econômico, as sub-regiões platinas eram complementares e mantinham fortes laços comerciais
(e mesmo informais ou ilegais) e de dependência recíproca. E no plano político, os caudilhos do Prata tinham
amigos e inimigos, aliados e adversários e estas relações iam além dos limites fronteiriços. De fato, como se
tratava de sociedades patriarcais, baseadas no poder local dos caudilhos, estes estabeleciam alianças que
supunham desde o empréstimo de homens, de cavalos, de alimentos e de armas até à oferta de asilo político,
quando seus aliados eram derrotados em suas regiões de origem. Enfim, por todas estas razões, a visão da
região platina enquanto espaço por excelência de conflito e de animosidade recíproca deve ser relativizada e
isto principalmente em se tratando do seu período colonial”.
62

Estancieiro da Provincia de La Plata em 1839. Aquarela de Adolphe d’ Gaucho de Córdoba (Argentina) na primeira metade do século XIX.
Hastrel. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Aquarela de Charles Michel Geoffroy. Acervo: Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro.
63
Gaucho da República do Paraguai. Sarlhes (desenhistas). Litografia
Gaucho da Provincia de Corientes (Uruguay). Litografia, aquarelada. Adolphe Portier e
aquarelada. Primeira metade do século XIX. Biblioteca Nacional do
Adolphe d’ Hastrel. Cerca de 1839. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro.
64
Gaucho de Montevideo. Charles Michel Geoffroy, Litografia aquarelada.
Primeira metade do século XIX. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
65

CENAS PLATINAS
Muitas das imagens até o presente compartilhadas como sendo do passado histórico Rio-Grandense
possui um conexão direta ou indireta com os cenários do Rio da Prata, em especial, os do Uruguai e da
Argentina. Mesmo que se expresse de forma mais sistemática nas áreas de fronteira, muitas das cenas
cotidianas são comuns à formação cultural do Rio Grande do Sul. A maior parte das fontes iconográficas que
demarcam o dia-a-dia destas populações dos séculos XVIII e XIX remete aos documentos espanhóis.

Apenas como aproximação e não como necessário reflexo, são reproduzidas algumas cenas dos usos e
costumes que compunham a materialidade e expressões culturais do pampa platino-rio-grandense.

Um dos maiores pintores das cenas platinas foi o


argentino Carlos Morel (1813-1894), autor de Usos y
Costumbres del Rio de La Plata (1844).
66

Parada en el campo. Litografia de Julio Daufresne. Gauchos argentinos na década de 1840. Acervo: site
revisionistas.com.ar
67

La partida. Carlos Morel.


68

El Camino. Carlos Morel.


69

Gauchos argentinos. Carlos Morel.


70
El Tambo. Carlos Morel.
71

PAYADOR
No sul do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile uma poesia improvisada é declamada com o acompanhamento
do solo do violão. A pajada recua aos romances medievais que foi adaptado as temáticas campeiras e o cotidiano
dos moradores das fronteiras culturalmente indivisas. O pajador (payador) canta em versos improvisados o
passado lúdico, os romances e as brutalidades expressas num dialeto luso-espanhol. Um exemplo de payador é o
rio-grandense Jayme Caetano Braun (1924-1999). Pequeno trecho dos versos Bochincho são reproduzidos abaixo:

Bochincho (Jayme Caetano Braun)

A um bochincho - certa feita,


Fui chegando - de curioso, Os termos chinoca, tiangaça e pinguancha, são de origem
Que o vicio - é que nem sarnoso, espanhola e tem o mesmo significado de china (mulheres
nunca pára - nem se ajeita.
Baile de gente direita caboclas, descendentes de índios).
Vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quireral.

Atei meu zaino - longito,


Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
'Pero - que las, las hay',
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.
72

HISTORIOGRAFIA PLATINA

Segundo COURLET (2005) “a representação historiográfica que enfatiza os conflitos no Prata tem
igualmente suas raízes no novo cenário sócio-político que caracteriza a região, a partir do século XIX, em razão
da eclosão das guerras de independência que levaram à estruturação dos Estados nacionais. De fato, da
invasão lusitana do Uruguai (1811) até à guerra do Paraguai (1870), os Estados do Prata se envolveram em
uma sucessão de conflitos e guerras que marcaram profundamente as relações formais entre as nações de
origem hispânica e o império luso-brasileiro. Mas, mesmo uma abordagem simplesmente conflituosa destas
guerras não é satisfatória, pois elas contribuíram, também, para aproximar as populações fronteiriças, na
medida em que funcionavam como um sistema de vasos comunicantes em termos de trocas de ideias políticas
e de modelos sociais e econômicos.
Mas o fator principal que contribuiu para forjar esta visão conflituosa da região foi o procedimento de
caráter nacionalista que marca a produção histórica a partir do período de legitimação política dos Estados
nacionais. Com o objetivo de unificar ideologicamente os Estados, as historiografias nacionais isolaram a
história de sua sub-região do restante do Prata e a assimilaram a historia do centro dominante de cada país.
Assim fazendo, os historiadores apagaram as características históricas em comum da região. Mas a questão
regional sofreu ainda um novo recuo quando da instalação de regimes políticos autoritários na América Latina
quando então o nacionalismo (base ideológica das ditaduras) foi imposto enquanto metodologia na análise
histórica. No caso do Prata, isto impediu uma vez mais de avançar na compreensão dos espaços multinacionais
da região (RGS, Uruguai e Mesopotâmia argentina) cujos laços se mantiveram além das fronteiras nacionais.
Quantos aos historiadores brasileiros, partindo da ideia amplamente aceita pela historiografia tradicional,
segundo a qual o RGS estava historicamente determinado a fazer parte do Brasil, eles minimizaram mesmo à
73

importância de fatos históricos suscetíveis de lembrar a influência platina e isto a tal ponto que a fundação dos
Sete Povos pelos jesuítas espanhóis foi simplesmente omitida da história oficial do Estado.
Alguns estudos mais recentes, entretanto, mostram que foi graças a esta vizinhança com as zonas de
colonização espanhola que o RGS deve sua principal riqueza econômica, o gado, introduzido em grande parte
pelos jesuítas espanhóis. Também, talvez, graças às suas relações históricas com outras sociedades platinas,
bastante revolucionárias na época (em particular, o Uruguai) que esta região brasileira se inspirou para formular
e colocar em prática experiências políticas pioneiras.
Quanto à historiografia gaúcha, duas tendências ideológicas caracterizam sua evolução: uma, lusitana,
que associa a formação da sociedade regional exclusivamente à influência portuguesa e outra platina, que
enfatiza a afinidade econômica, cultural, política entre o RGS e as zonas de colonização espanhola”.
74

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO LUSO-BRASILEIRA

O cartógrafo português João Teixeira Albernaz é o autor da coleção de mapas que compõem a
“Dêscripção de todo o marítimo da Terra de Santa Cruz chamado vulgarmente, o Brazil”. Lisboa:
Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, 1640. O litoral do Rio Grande do Sul até a entrada do Rio da
Prata foi de forma vaga desenhada, evidenciando o desconhecimento da hinterland. A Lagoa dos
Patos corre paralela ao litoral médio e norte e a Lagoa Mirim não existe. Albernaz descreve que a
Barra do Rio Grande era chamada de Alagoa com oito palmos de água. Rio de Martin Afonso de
Souza é o Arroio Chuy.

Neste ano de 1640 o litoral está vazio de edificações. Nos anos seguintes começará a formação da
Vacaria Del Mar, com o abandono das reduções e os movimentos de tropeiros após a fundação da
Colônia do Sacramento (1680).
75

O Rio Grande do Sul começou a ser identificado na cartografia a partir da década de 1530 mas
experiências civilizatórias europeias começam a se processar a partir de 1605. Com a fundação da Colônia do
Sacramento em 1680 e a criação do Bispado do Rio de Janeiro que se estendia até o Rio da Prata, inicia um
movimento lento e gradual de tropeiros que buscavam o gado chimarrão disperso entre o Rio Grande do Sul e o
atual Uruguai.
O caminho da praia passava junto à zona costeira rio-grandense sem o reconhecimento do interland da
Lagoa dos Patos e Mirim. Uma ocupação sistemática que será a cabeça de ponte para ocupação do interior do
território se deu a partir das orientações do Conselho Ultramarino português na década de 1730 que foi
efetivado em 1737 com a fundação lusitana junto a Barra do Rio Grande.
O objetivo inicial era estabelecer a ocupação militar que propiciaria o controle de um vasto território que
poderia receber o povoamento civil com condições mínimas de segurança. Povoadores de capitanias
brasileiras, militares e a partir de 1752, os açorianos, comporão os troncos seculares que balizarão o
desenvolvimento histórico posterior.
Os fundamentos da colonização está voltado à sesmaria, a estância de criação de gado e a posterior
charqueada, a escravidão negra, a vida militarizada fundada nas disputas de fronteira/laços de
complementaridade com os espanhóis. O perfil da identidade rio-grandense no século XIX, quando da
Revolução Farroupilha, só pode ser explicada por esta genética luso-brasileira e pampeana/platina. E o início do
processo decisivo está na fundação da Colônia do Sacramento do Rio da Prata.
76

A COLÔNIA DO SACRAMENTO E O PRATA

Conforme Heloisa Reichel e Ieda Gutfreind (1996), durante a expansão ultramarina do século XV, Portugal e
Espanha assinaram vários Tratados que buscavam o reconhecimento da posse das terras descobertas evitando a
eclosão de conflitos entre as duas potências ibéricas. O Tratado de Tordesilhas (1494) tornou-se o ponto crucial das
disputas ibéricas pela posse do espaço platino. Este Tratado definiu uma linha imaginária a 370 léguas a ocidente do
arquipélago de Cabo Verde, ficando a parte a oriente desta linha, para Portugal, e a parte a ocidente, para a Espanha. A
Região Platina ficou sob domínio espanhol, desde a altura de Laguna (Santa Catarina).
Este espaço platino foi ocasionalmente explorado no século XVI por expedições de reconhecimento ou
exploradores que chegaram às costas da América Meridional e, a partir daí, principalmente os espanhóis, fundaram
alguns fortes e núcleos de povoamento. Em 1536 ocorre a primeira fundação de Buenos Aires, porém será em 1580 que
a cidade é refundada com forte presença lusitana. Este ano assinala a União Ibérica quando as fronteiras coloniais na
América desaparecem com a ascensão de Felipe II, rei da Espanha, ao trono português. Com o fim da União Ibérica
(1640) reacendeu as disputas territoriais, sendo redefinidos os contornos do Tratado de Tordesilhas com expulsão ou
perseguição de portugueses que viviam no espaço platino/espanhol.
O olhar português em terras brasileiras não esqueceu a experiência civilizatória no Prata e a expulsão destes
territórios em 1640. A Bula Papal de 1676 estendeu até o Rio da Prata a jurisdição do Bispado do Rio de Janeiro. Era o
passo fundamental para a fundação em 1680 da Colônia do Sacramento, um entreposto comercial e militar português na
embocadura do Rio Prata.
Desde a fundação de Sacramento e durante a primeira metade do século XVIII, as disputas entre espanhóis e
portugueses não haviam se restringido à posse desta cidadela. Buscava-se o controle integral da margem setentrional
do Rio da Prata e o domínio sobre as terras das campanhas da Banda Oriental e das que, futuramente, comporiam o Rio
Grande do Sul. A fundação de Montevidéu (1723) ocorreu para deter o avanço dos portugueses em direção ao sul,
procurando bloquear-lhes o acesso a Sacramento, tanto por terra quanto por mar.
77

A expedição do governador do Rio de Janeiro Manuel Lobo que iniciou a construção da Colônia do Sacramento
oficializou a manutenção de interesses portugueses no Prata. Os defensores do estabelecimento de portugueses na
costa noroeste do rio da Prata justificavam a ação como necessária à continuidade do comércio que mercadores
portugueses, com sede no Brasil e em Buenos Aires, haviam desenvolvido durante a União Ibérica, junto ao estuário e
seu hinterland. A proposta de fundação da Colônia recebeu apoio dos grupos dominantes da elite colonial luso-brasileira
e dos governantes da Coroa Portuguesa, pois permitia lucrar com o restabelecimento do tráfico no Rio da Prata e com o
vasto movimento de colonização e expansão para o sul que se iniciara, além de ser um fator de reativação econômica
frente à crise do açúcar brasileiro. A Coroa considerava essencial as trocas comerciais com as áreas de dominação
castelhana, ricas em metais preciosos.
Os espanhóis e criolos viam a fundação da Colônia como um perigo para as possessões hispânicas e suas
práticas comerciais, pois eles estavam interessados na exploração do gado selvagem ou chimarrão que se procriava
espontaneamente na Banda Oriental e eram adversários do contrabando realizado pelos portugueses. A proximidade da
Colônia do Sacramento também era fator de dupla apreensão aos espanhóis: economicamente, com a interferência dos
portugueses e de seus aliados no comércio platino e, politicamente, com a presença da fortificação do Sacramento que
punha em risco as suas possessões junto ao rio da Prata. As autoridades eclesiásticas e a administração de Buenos
Aires consideravam que, caso o projeto português vigorasse, se estabeleceria um comércio impossível de reprimir,
convertendo-se o local em abastecedor de mercadorias europeias e de escravos a menor preço, destinados aos
mercados do Alto Peru, Chile e Tucumã. E com um agravante: sem passar pela aduana de Buenos Aires. Desta forma, o
cabildo de Buenos Aires fomentava o ódio à presença portuguesa. Os conflitos se estenderam entre 1680 até 1777, com
longos períodos de harmonia e períodos de confronto militar e diplomático.
A Colônia do Sacramento possibilitou o surgimento de um corredor terrestre com o Continente de São Pedro e
provocou uma importante mudança administrativa quando da transferência de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763,
da capital do Brasil. Em vários sentidos Sacramento é um dos fundamentos da Região Platina, pois estimulou a
convivência, pacífica ou não, de portugueses, espanhóis e exploradores de outras nacionalidades; brancos e nativos,
78

negros e mestiços; ao incrementar a exploração do gado e a comercialização do couro e, por fim, ao possibilitar as
vivências sociais ao homem da campanha. Em relação ao Rio Grande do Sul, a Colônia do Sacramento foi à motivação
fundamental para o início de um povoamento sistemático do Estuário da Lagoa dos Patos e junto à Barra do Rio Grande.

Azulejo português com a fundação da Colônia do Sacramento.


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Carta topográfica da Colônia do Sacramento, 1731, Diogo Soares Acervo: IHGRS.


80 Bandeira do Brasil Colônia
(1645-1815).

A FUNDAÇÃO DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO

A Barra do Rio Grande foi descoberta em 1532 por Pero Lopes de Souza que navegou próximo à costa na busca
de vestígios de uma embarcação que se perdeu da frota de Martin Afonso de Souza que rumara ao Prata. O
desconhecido e caudaloso volume de água que desembocava no Oceano foi chamado de Rio de São Pedro, devido ao
calendário eclesiástico dedicar a São Pedro o dia desta primeira observação. Na cartografia foi citado no mapa de
Gaspar Viegas, cartógrafo da expedição, já no ano de 1534. Posteriormente, passou a ser chamado de Rio Grande de
São Pedro.
O “Rio Grande de São Pedro” que aparece assinalado na cartografia desde 1534 nada mais é que o afunilamento
da Lagoa dos Patos quando do seu escoamento no Oceano Atlântico. Esta denominação dada a um “suposto rio”,
acabou por ser o nome geográfico que caracteriza todo o Rio Grande do Sul e não apenas ao atual Município do Rio
Grande. Fundamentalmente, as fontes historiográficas evidenciam que somente nas primeiras décadas do século XVIII é
que se busca investigar o interior do Continente cujo acesso se dá pela Lagoa dos Patos. Olhares ambiciosos estavam
voltados à ocupação da Barra em 1732: os comerciantes judeus Antônio da Costa (que aqui esteve em 1726) e João da
Costa tentam vender o projeto de ocupação para os russos e também para os ingleses. Porém, nada dá certo nestas
tratativas! Os espanhóis também almejavam a ocupação, mas os portugueses é que efetivam o povoamento. Com a
chegada do Brigadeiro José da Silva Paes e o povoamento sistemático luso-brasileiro é que começam a ser criadas as
condições para a integração geopolítica do Rio Grande do Sul a Portugal: através da ocupação militar e do povoamento
civil. Silva Paes cria a Comandância Militar, primeira organização administrativa o Rio Grande do Sul e foi o seu primeiro
comandante que elaborou as estratégias de manutenção deste espaço para Portugal. A data oficial de surgimento do
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Rio Grande do Sul é o dia 19 de fevereiro de 1737, quando às 16 horas, Silva Paes e seus comandados desembarcam
na parte sul da Barra do Rio Grande dando início ao povoamento e administração luso-brasileira.
A atual cidade do Rio Grande foi o primeiro referencial urbanístico luso-brasileiro nas terras meridionais do Brasil.
A fundação de um povoado português no espaço platino fez parte de um planejamento do Conselho Ultramarino
Português. Segundo Carta Régia datada de 24 de março de 1736, uma frota comandada por José da Silva Paes deveria
partir do Rio de Janeiro para o Rio da Prata, buscando três objetivos: desalojar os espanhóis de Montevidéu; levantar o
bloqueio espanhol à Colônia do Sacramento e fundar uma colônia na margem sul do Rio Grande de São Pedro.
Somente este último objetivo foi realizado com sucesso, pois no dia 19 de fevereiro de 1737, ao desembarcarem num
inóspito sítio formado por areia, pântano e dunas, teve início um processo militar e colonizatório que se consolidou, entre
avanços e recuos, ao longo do século XVIII.

Chegada de Silva Paes a Barra do Rio Grande em 17-02-1737. Quadro de Francesco. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.
82

PRIMEIROS POVOADORES DA BARRA DO RIO GRANDE

Rio Grande apresentou uma multiplicidade de experiências históricas desde o início de seu povoamento. Enquanto
primeiro núcleo sistemático de colonização luso-brasileira no atual Rio Grande do Sul, a localidade acumulou ao longo
dos períodos colonial e imperial, historicidades inovadoras que a destacam no contexto regional e nacional. Além do
papel militar e geopolítico frente ao Rio da Prata e de porta de entrada colonizatória e econômica para o Continente do
Rio Grande, a função administrativa foi de extrema relevância para o projeto de Portugal em implantar a civilização no
Brasil Meridional.
Inexistiu um contingente lagunense de povoamento (os homens que vieram com Cristóvão Pereira não
permaneceram na Barra do Rio Grande) e o contingente paulista foi restrito. A maior contribuição populacional para o
povoamento no período de 1738 até 1749 foi dada por recrutas e moças solteiras vindos do Rio de Janeiro, seguidos de
contingentes de Minas Gerais, Bahia e São Paulo. Para José Honório Rodrigues, o contingente carioca foi mais
expressivo que o paulista, pois “o povo da Colônia do Sacramento que se transfere para o Rio Grande era, em grande
parte, do Rio; os dragões que vão ao Presídio são também constituídos em boa parte de cariocas, especialmente
recrutas mensalmente apreendidos na ruas do Rio; as mulheres livres e desimpedidas, as massuelas e as moças são
também colhidas no Rio de Janeiro. Esta a origem inicial dos povoadores do Rio Grande.”
Em 1744, a população era de aproximadamente 1.400 habitantes sendo a metade constituída por soldados. O
salto demográfico será dado com a colonização açoriana que terá acentuada relevância entre 1752 até 1763. Ela
representou um acréscimo, em menos de cinco anos, de pelo menos 1.273 pessoas adultas. O insignificante número de
famílias açorianas que se tornaram proprietárias de escravos até abril de 1763 (invasão espanhola) significa que nesta
fase a mão-de-obra básica das pequenas propriedades – as chácaras ou sítios – que os casais açorianos partilharam
com tios, primos, sogros, e outros casais, foi essencialmente livre, branca, açoriana; os açorianos constituíram a
autêntica classe camponesa da sociedade rio-grandina deste período. A Vila do Rio Grande foi à porta de entrada da
corrente açoriana que se deslocou da Ilha de Santa Catarina para o continente do Rio Grande. Atendendo ao objetivo
83

principal de sua imigração, os casais deveriam ser deslocados em grupos para o interior e lá aguardar a ocasião para
ocupar a região das Missões. Entretanto, a resistência indígena, já a partir de 1752, e a consequente Guerra
Guaranítica, que se estendeu até 1756, tornaram impossível a concretização desses planos e determinaram a
permanência da quase totalidade do contingente açoriano na própria Vila do Rio Grande. Quando da ocupação
espanhola em 1763, parte da população irá se dispersar pelo Continente e outra será levada para formar San Carlos no
Uruguai ou deslocada para formar o Povo Novo.

Primeira planta urbana do Rio Grande do Sul. Feita em 1747 para a criação da Vila do Rio Grande. Biblioteca de Évora.
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O SISTEMA DEFENSIVO

O Brigadeiro José da Silva Paes orientou um esquema defensivo da região ocupada, estendendo-se para o sul
onde construiu o Forte de São Miguel, além de guardas (Chuí, Taim, Albardão e Passo da Mangueira). Na atual cidade
mandou edificar o Forte Jesus-Maria-José (no Porto) e a Fortificação de Nossa Senhora de Santana do Estreito
(imediações da atual Hidráulica). Enfatizou a necessidade de povoamento açoriano e na vinda de mulheres do Rio de
Janeiro para constituírem famílias em Rio Grande, as “mozuelas”.
José da Silva Paes em 1738, também organizou as Estâncias Real. Eram fazendas de criação de gado vacum e
cavalar administradas pelo poder público organizadas no Bojurú e na Torotama. O objetivo era formar um estoque de
cavalos e mulas para o deslocamento das tropas luso-brasileiras, além de uma reserva de alimento para os soldados e
também para a população em períodos de escassez. Ele começa a implementar um sistema de defesa militar entre Rio
Grande, a Guarda do Taim, o Arroio Chui e o Forte de São Miguel (atual Departamento de Rocha, onde em 1762, será
construído o Forte de Santa Teresa).

Barra do Rio Grande e Lagoa Mirim em 1738. Em detalhe: forte Jesus -Maria José e Forte do Estreito. José da Silva Paes.
BNRJ.
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A PRIMEIRA REVOLTA SOCIAL

Os primeiros anos de implementação do projeto de ocupação da Barra do Rio Grande foram de penúria frente à
falta de rochas para a construção dos fortes; do isolamento imposto pelo baixo calado da Barra (que impedia o acesso
de navios do Rio de Janeiro); pela falta de infraestrutura; e pelo atraso no pagamento dos soldos dos militares. A
pressão sobre os soldados para garantir a manutenção da localidade frente aos interesses espanhóis levou a uma
repressão cada vez maior aos desertores: ocorreu, em 1742, a Revolta dos Dragões o primeiro movimento social de
reivindicação por melhores condições de vida e contra os castigos físicos. Apaziguado os ânimos pelo próprio Silva
Paes, o esforço foi o de aumentar a população que continuou sendo majoritariamente militar. Somente a vinda dos
colonos açorianos a partir de 1752 é que modificou esta condição quando o número de civis superou o de militares.

Os Dragões são um Corpo de Infantaria e Cavalaria constituído na Colônia do Sacramento e que atuou em
localidades brasileiras. Quando da fundação, Dragões de Minas Gerais estiveram com as tropas de Silva Paes. Em Rio
Grande, o governador da Comandância Militar Diogo Osório Cardoso formou os Dragões do Rio Grande, um grupo
lendário. De 5 de janeiro a 29 de março de 1742, durante a administração Cardoso, ocorreu a Revolta dos Dragões, a
primeira revolta de cunho social da sociedade luso-brasileira no Rio Grande do Sul. O não pagamento dos soldos, a
péssima alimentação, as punições físicas, os trabalhos extenuantes, são alguns dos fatores que levaram ao motim dos
soldados que prenderam os oficiais e lançaram um documento explicando suas motivações. A população civil apoiou o
movimento que foi apaziguado por Silva Paes que conseguiu entrar na Barra do Rio Grande com dinheiro para os soldos
e mantimentos após meses de fechamento devido ao calado insuficiente para a navegação.
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DRAGÕES E HISTORIOGRAFIA

Francisco das Neves Alves no artigo “Brasilidade X Platinidade”: a construção historiográfica acerca das
revoluções sul-rio-grandenses dedicou um capítulo a Revolta dos Dragões: “A primeira revolta gaúcha e a gênese do
espírito revolucionário sul-rio-grandense”. As abordagens historiográficas sobre o tema são elucidativas para desvelar a
historiografia tradicional.

“A Revolta dos Dragões, ocorrida em 1742, refletiu as amplas dificuldades pelas quais passaram os primeiros
habitantes do Presídio Jesus-Maria-José, origem da cidade do Rio Grande, percalços estes promovidos mormente a
partir das penosas condições de infraestrutura e de abastecimento da recém-fundada povoação. Os dragões, regimento
especial que atuava como cavalaria ou infantaria que serviu à defesa do novo povoamento, rebelaram-se tendo em vista
à rigorosa disciplina e à repressão dos oficiais superiores, bem como à falta de mantimentos, fardamentos e o grande
atraso de seus soldos. Refletia-se, assim, dentre os militares, os graves obstáculos enfrentados pelo conjunto da
comunidade, constituindo-se a revolta, neste sentido, num movimento de conteúdo social que, inclusive, contou com o
apoio de significativa parte da população.
Ao longo do período transcorrido entre o final da década de 1920 e a segunda metade do decênio seguinte, uma
série de trabalhos foram publicados a respeito dos dragões e da rebelião por estes promovida nos primórdios da
ocupação portuguesa no território sul-rio-grandense. Estes ensaios foram elaborados por alguns dos principais
representantes da produção histórico-intelectual de então, como Aurélio Porto, Walter Spalding, João Borges Fortes,
Fernando Luiz Osório e Jônatas da Costa Rego Monteiro, e, na forma de estudos de caso, permitem uma análise dos
fundamentos historiográficos que orientaram a realização desses escritos. A temática dos dragões e da revolta por eles
entabulada foi interpretada, nos anos vinte e trinta, sob o prisma da historiografia tradicional, caracterizando-se,
geralmente, pela abordagem do particular pelo particular; por uma atitude de contemplação do passado; pela
supervalorização do papel do indivíduo como agente transformador da história; pela busca de um estudo neutro dos
fatos; e pela narração linear dos acontecimentos. Além disto, estes textos se inseriram na construção de um discurso
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historiográfico lusitano (ver GUTFREIND. p. 37-113; e TORRES, 1998. p. 13-67), cujas análises visam explicar a
evolução histórica gaúcha tendo a sua essência e seu elemento motor exclusivamente orientados pela formação luso-
brasileira.
De acordo com esta tendência historiográfica, os dragões aparecem como verdadeiras lendas, símbolos do Rio
Grande do Sul e de seu povo, sendo glorificados, heroificados e até mitificados. Nesta linha, os autores referem-se a
“esses lendários dragões”, os “primeiros soldados mártires do Rio Grande, esses primeiros rio-grandenses soldados,
radicados à gleba, que infundiram aos heróis desse pago a primeira lição de fidelidade e, ao mesmo tempo, de valor e
energia” (SPALDING, 1937. p.137, 152-3). Os militares são também apresentados como um “símbolo admirável”, o do
“Dragão do Pampa”, ou seja, o “primeiro soldado rio-grandense, soldado do sonho e da legenda, que se atirou aos
trabalhos do campo e às lides marciais”, verdadeiras “águias com asas de minuanos, no alado zelo dos dragões da
lenda, nas fronteiras abertas do Brasil”. Segundo estes escritores, os dragões representavam “a coluna mestra da
civilização do Rio Grande”, simbolizando “o Rio Grande heroico, o sentimento da terra, o idealismo e a grandeza da raça”
e constituindo-se no “paladino intrépido da novel unidade política, defensor incansável do Continente, fecundo
instrumento propulsor da civilização do Rio Grande” (OSÓRIO. p. 169-72), de modo que “ninguém melhor simboliza o
Rio Grande de todos os tempos” como os membros do regimento gaúcho de dragões. (PORTO. p. 3).
Nesta perspectiva, aos dragões é também atribuída a gênese da figura do gaúcho, afirmando-se que foi à época
deles “que se criou, nas campanhas do sul, esse tipo que se tornou lendário – o gaúcho – guarda indefectível da
fronteira, batedor formidável da savana, posto ali como antemural”, constituindo-se na “alma do Rio Grande do Sul”
(SPALDING, 1936. p. 236). O dragão é, assim, apontado como a “figura lendária de soldado que estratifica as mais
nobres tradições gaúchas”, formando “este tipo característico da nação, o vencedor indomável do pago, - o gaúcho, meio
selvagem, meio bárbaro, nas facetas do seu caráter inquebrantável da sua altivez de ‘monarca’ do seu fanatismo pela
liberdade”, formando-se, através dele, “a verdadeira, a genuína alma rio-grandense” e plasmando-se, “no seu tipo
primitivo, o caráter gaúcho” (PORTO. p. 3). Na concepção destes historiadores, os dragões são apresentados como
precursores na defesa do território e no alargamento das fronteiras sul-rio-grandenses, tendo em vista que esta
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“formação militar (...) se esmerou e batalhou, não só pela defesa do território, como também para aumentá-lo, no
decorrer dos tempos” (MONTEIRO. p. 127). Como “sentinelas avançadas da Pátria”, os dragões teriam lutado, “gizando
novas fronteiras, pela integridade da terra, muralhando com o peito varonil, as lindes meridionais” do país. Neste
contexto, é também destacada a importância dos dragões para o processo de ocupação territorial no Rio Grande do Sul,
pois o mesmo espalhara-se “por toda parte no território rio-grandense”, promovendo “o povoamento de mais de dois
terços do Rio Grande, na sua expansão”, ao tornar-se “o agricultor que deixa a um canto do rancho a clavina de
pederneira e lança-se à rabiça do arado” (PORTO. p. 3); numa “obra meritória que os radicaria para sempre ao solo
sagrado da terra que lhes viu os sofrimentos e as dores” (SPALDING, 1937. p.159-60).
Na mesma linha, os militares são apontados como responsáveis na gestação da aristocracia gaúcha, destacando-
se que “o dragão é o formador das clãs rurais”, ou seja, “o criador, que funda no solar das estâncias, o patriarcado rio-
grandense”, tornando-se “um núcleo local de famílias de elite”, de modo que, “em sua grande maioria, as atuais famílias
do Rio Grande, aquelas que mais atuaram no passado e mais se distinguem no presente, têm por tronco o velho soldado
gaúcho” (PORTO. p.3). Neste sentido, explica-se que “foi, sem dúvida, esse glorioso regimento de dragões que plasmou,
na sua caserna, o soldado rio-grandense”, pois dali “saíram os Pereira Pinto, os Mena Barreto, os Rodrigues Barbosa, os
Alencastre, os Corrêa da Câmara e, enfim, todos esses que, com orgulho, a história, não só a do Rio Grande do Sul,
mas do Brasil registra” (SPALDING, 1936. p. 236).
Quanto aos fatores promotores da Revolta dos Dragões, os autores buscam se concentrar na situação de penúria
passada pelos soldados, em sua “tarefa infinita de levantar trincheiras, de construir muralhas, de transportar materiais
escassos, de defender postos”, tendo de enfrentar “o inimigo próximo que os ameaçava permanentemente”; além de
suportar os “requintes de crueldade” de seus superiores que lhes “ofendiam os brios humanos e a dignidade de
soldados”; além da falta de soldos, fardamentos e alimentação, numa “vida de sacrifícios, de misérias, de angústias”.
Diante desta situação, argumenta-se que “aquele surto de rebeldia era justo, humano, iluminado pela bondade divina”,
ainda mais que os militares, mesmo rebelados, numa prova de seu “patriotismo”, não teriam abandonado suas funções
de defesa do território, de modo que, “aparentemente fora da lei, eles cumpriam os seus deveres de guardas da
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bandeira de sua Pátria, de defensores das linhas confiadas ao seu valor, de depositários da honra militar” (BORGES
FORTES. p. 2).
A rebelião promovida pelos dragões em 1742, aparece entre estes historiadores como a inauguradora de uma
tradição revolucionária dos rio-grandenses que viria a se repetir ao longo da formação histórica gaúcha. Neste sentido,
estes autores buscam estabelecer uma correlação entre a “primeira revolução que se fez em território sul-rio-grandense”
(SPALDING, 1937. p. 137) e a Revolução Farroupilha, ao identificar em ambas a luta da liberdade contra o autoritarismo.
De acordo com esta concepção, ao se revoltar, os dragões “decidiram não obedecer mais aos tiranos (...) todos firmes
na revolta contra a opressão”, uma vez que “a lei exigia-lhes muito; prometia-lhes tudo; o governo falhava-lhes também
com tudo e maltratava, aviltava e sacrificava” (BORGES FORTES. p. 2). Já o perdão concedido pelas autoridades lusas
é comparado à paz honrosa dos farrapos, ao entabular-se a explicação de que os dragões foram “melhor tratados depois
da ousada rebelião”, bem como “olhados com mais respeito pelos Vice-Reis do Brasil”, que “reconheceram, afinal, que
eram eles os legítimos baluartes da defesa das fronteiras do Sul”. Assim, segundo estes escritores, “a história se repete”
(SPALDING, 1937. p.153 e 160), e, no “primeiro levante no Rio Grande do Sul”, os dragões “calcaram a lei para firmarem
o direito” (BORGES FORTES. p. 2).
A tendência historiográfica luso-brasileira para explicar a formação histórica rio-grandense também se manifesta
nestes escritos sobre os dragões. Em oposição à platinidade como pressuposto explicativo à formação gaúcha, de
acordo com aquela tendência, afirma-se que a ação dos dragões em muito contribuíra à ocupação lusitana do Brasil
Meridional, mormente na edificação das estâncias, “que tanta influência tiveram na vida desta gleba que muitos ainda
teimam em dizer castelhana” (SPALDING, 1937. p. 138). Nesta linha, os dragões aparecem como os “heroicos
fundadores do povo continentista”, os “plasmadores da alma gaúcha” (PORTO. p. 3) que, ao lado de outros segmentos,
serviriam para confirmar a premissa de que a matriz luso-brasileira fora a única a ter um real, direto e objetivo papel na
constituição populacional do Rio Grande do Sul. Assim, destaca-se que era “útil aos destinos sociais do Brasil” buscar
“as raízes portuguesas dos seus grandes homens, que representam as razões étnicas e culturais na Sul-América”, de
maneira que seria “um título de honra para os filhos do Continente descender dos Lagunistas, dos Dragões, dos
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Colonistas ou dos Ilhéus Açorianos, origem do famoso Estado do Rio Grande, cuja população vivaz e progressiva é uma
das glórias da nossa raça” (OSÓRIO. p. 173 e 184).
Assim, a historiografia tradicional, ao longo das décadas de vinte e trinta buscou resgatar a figura dos dragões e a
revolta por eles promovida como um elemento constitutivo fundamental à formação da terra e do povo sul-rio-
grandenses. Neste quadro, o dragão foi estereotipado como o herói, a lenda viva, que levou a um bom termo o processo
de conquista territorial, pois, como soldado, fora o defensor e entabulara o avanço das fronteiras e, como agricultor,
trabalhara pela fixação do homem ao solo conquistado. Esta visão do regimento de dragões como o responsável pelo
avanço das fronteiras nacionais constitui-se numa construção histórica de recorrência comum aos trabalhos dos
historiadores tradicionais, no conjunto da historiografia brasileira, ao eleger-se o bandeirante como o indivíduo a frente
do seu tempo que, nos seus atos, antecipara a ação da conquista do território nacional. Nesta linha, para os
historiadores gaúchos, o dragão representava a versão sul-rio-grandense do bandeirante paulista, que junto aos outros
segmentos luso-brasileiros como lagunistas e açorianos executara significativo papel para a edificação do Rio Grande do
Sul.
Para os autores destes ensaios, a Revolta dos Dragões fora um movimento de cunho exclusivamente militar, não
sendo abordado todo o conteúdo social que marcou o movimento, tendo em vista o apoio do conjunto da população que
também padecia das mesmas dificuldades intrínsecas aquele recém-fundado povoamento. Segundo estes escritores, a
rebelião promovida em 1742 representava também o movimento que inaugurava o “espírito” revolucionário e
reivindicador dos gaúchos que viria a se repetir, no futuro, numa direta relação com a Revolução Farroupilha, ao
destacar a justeza do movimento da “liberdade” contra a “tirania”; o direito à revolução contra os governantes
opressores; o patriotismo e a fidelidade à nação dos promotores da revolta; e a pacificação com honra, diante da
estratégica posição ocupada pelos rio-grandenses na manutenção da defesa das fronteiras. Além disto, as
possibilidades de conversão à Coroa Espanhola – que chegou a ser cogitada entre os rebelados – foi relegada por estes
historiadores, que não podiam admitir qualquer inter-relação com o contexto platino. Assim, os historiadores rio-
91

grandenses, entre o final dos anos 1920 e o decênio seguinte, plasmaram para os dragões a imagem do herói mítico e
lendário que trouxera em si o gérmen da “alma gaúcha”.

Prancha dos antigos uniformes do Império do Exército Brasileiro Cavalaria Dragões Reais de Minas, 1730 e Dragões do Rio Grande, 1767 - José Washt
Rodrigues.
92

TROPEIRISMO

Um artigo da historiadora Vera Barroso (2002) é elucidativo para entendermos a amplitude do tropeirismo para a
integração do Rio Grande do Sul na geopolítica brasileira. Para a autora, o tropeirismo não é do Rio Grande do Sul ou
brasileiro. Ele é de vários povos e sociedades; foi uma fase da formação das comunidades. O vocábulo tropa tanto pode
significar um grupo de pessoas como de animais em movimento, ou articulados por uma atividade. O tropeirismo, no
sentido apontado, é resultante da exploração de tropas de gado, que podem desempenhar dois papéis: o de
semoventes, na condição de gado-em-pé, quando levado de um centro criatório para o consumidor; o de cargueiros, na
condição de transportadores de mercadorias, levadas no lombo (caso de mulas, burros e cavalos).
A abertura de novos caminhos e a consolidação dos já existentes foram promovidas pela ação tropeira em muitos
espaços, que na incorporação de áreas as dinamizaram e deram sentido econômico duradouro. A fixação humana no
trilho das tropas determinou o nascimento de nucleações, fundadas pela necessidade de garantir a sua passagem ou
estabelecer o fisco e/ou a cobrança das mercadorias em trânsito. Nas imediações dos passos dos rios ou dos
registros/guardas fiscais arrecadadoras (pedágios do tempo colonial), não poucas povoações foram plantadas. O
tropeirismo acabou por exercer as funções de elo e de fator de integração entre regiões próximas ou até bem distantes,
movidas pelos interesses econômicos que as completavam. Essa movimentação fomentou uma cultura popular, material
e imaterial, forjada ao ar livre, reveladora da cosmovisão tropeira. As práticas sociais, resultantes desse processo, são-
lhes específicas e portadoras de singularidades. Identificar, pois, essas marcas no processo de formação das
comunidades tropeiras, recupera a antropologia que lhes dá a identidade e demarca a sua fisionomia na história.
O tropeirismo recua ao século XVII apesar de tomar vulto no século XVIII. A atividade realizada no Centro e Oeste
do Rio Grande do Sul está relacionada às Missões Jesuítico-Guaranis, onde, desde 1634, o gado foi introduzido pelo
padre Cristóvão de Mendonça. Após o ataque dos paulistas às Missões, teve início o movimento de tropeiros rumo às
reduções da banda ocidental do Rio Uruguai. Trata-se de tropeirismo relacionando os povos guaranis, expulsos do RS
pela ação bandeirante, com a Vacaria do Mar e o espaço das Reduções atacadas pelos paulistas. Atividade realizada no
Leste e Sul, em direção ao Uruguai.
93

No século XVIII, conforme Ruy Ruschel, ocorreram quatro fases desta atividade: tropeirismo guarani da vacaria
dos Pinhais, conduzindo tropas na direção dos Sete Povos missioneiros ou de suas estâncias; tropeirismo castelhano da
Vacaria do Mar, referindo-se as campanhas do RS e do Uruguai; tropeirismo litorâneo dos lagunistas, ocorrido após a
fundação de Laguna (1684), percorrendo o litoral do RS pela praia e campos beira-mar, adentrando até Jaguarão e
Camaquã; tropeirismo paulista pelo Planalto Oriental (Serra Geral do RS), sendo desta fase a abertura do Caminho dos
Conventos por Souza Faria, em 1727. Na quarta fase, a mula constituiu-se no animal que tinha resistência para o
trânsito de longa distância, da Argentina, litoral uruguaio e RS até chegar à Feira de Sorocaba. Neste local, os animais
eram comercializados e enviados para a área mineradora das Gerais.
Foi a partir do século XVIII, que se iniciou um capítulo novo da história do Brasil, através da incorporação do
extremo sul, como uma das decorrências do ciclo do ouro, em pauta no centro da economia colonial lusa, tendo o
tropeirismo como subsidiário das relações inter-regionais que se desencadearam nesse processo. Em 1732, a Coroa
portuguesa concedeu a primeira sesmaria em terra nos Campos de Tramandaí. Foi nesse corredor norte-litorâneo, por
onde as tropas de muares vinham transitando, que a propriedade privada foi inaugurada, com o aporte real. A partir da
sesmaria das Conchas, dada a Manoel Gonçalves Ribeiro, outras sucessivamente foram sendo, oficializadas,
estendendo-se aos Campos de Viamão.
A fixação na terra, de caráter oficial, através da concessão de sesmarias ou por arranchamentos, por motivação de
particulares em cenários de interesse expansionista, é decorrência do tropeirismo. Sem dúvida, para Barroso, o
tropeirismo desenvolvido ao longo dos anos 1700 na América Meridional tem um significado, ao inaugurar, ainda no
tempo colonial, o Mercosul, lógica promovida através de um comércio integrado, animado pelo transporte de mulas, que
vinculou a Argentina e o Uruguai às capitanias do RS, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.
A mula, produto híbrido do cruzamento de um burro com uma égua, foi à mercadoria que exerceu o papel de elo
entre o RS e o centro do Brasil no início do século XVIII, quando a mineração inaugurava o apogeu do antigo sistema
colonial. No Brasil colonial a falta de cavalos e mulas impôs a atuação de besta humanas (escravos), prática superada
parcialmente, com a solução oferecida diante da possibilidade de se importarem mulas. O ciclo do muar, no RS, impôs-
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se como subsidiário da economia principal da Colônia portuguesa na América, transformando a área mineradora em
mercado consumidor do gado-em-pé, deslocado por caminhos para esse fim abertos.
O RS português da época colônia consistia numa estreita faixa de terra entre Laguna e Sacramento. Ao longo
dela, o pioneiro caminho trilhado pelas tropas foi o natural, via praia, descrito por Domingos de Filgueira em 1703. A
obrigatoriedade da contagem dos animais e o respectivo pagamento dos direitos da Coroa no Registro da Guarda Velha,
em Santo Antonio da Patrulha, fizeram povoar os Campos de Viamão e os de Cima da Serra. Conforme Alfredo Ellis
Júnior esta estrada ligando o RS a São Paulo foi à rota de maior importância na história do Brasil.
A Coroa, ao legalizar a posse de terras ao longo dos caminhos das tropas e em suas imediações, transferia o ônus
da manutenção da terra a particulares, garantindo e resguardando indiretamente os seus domínios no extremo-sul
brasileiro. Cidades que nasceram do movimento tropeiro foram Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula,
Vacaria, Cruz Alta, Passo Fundo, Soledade, etc. O saldo do tropeirismo para a história colonial do RS é o de ter
orientado a ocupação e a conquista do território que, pertencente à Espanha, passou a Portugal a partir dos trilhos das
tropas de mulas que dirigiam seu rumo ao centro brasileiro.
Além de preparar a unidade nacional, o comércio muar, na esfera da economia, possibilitou também, através do
seu fluxo, arrecadar tributos que alimentaram o Estado português, de forma a suprir necessidades e repor fundos, diante
de uma máquina cada vez mais sedenta, em tempo de crise do sistema colonial.
95

Tropeiros negros. Jean Debret, década de 1820.


96

Tropeiro conduzindo mulas no Rio Grande do Sul. Jean Debret. Por volta de 1823.
97

Cartão-postal com tropeiros na primeira década do século XX.


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Tropeiros em descanso. Johann Moritz Rugendas. 1820-1825.


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DOMINGOS DA FILGUEIRA E A ROTA ENTRE SACRAMENTO E LAGUNA

A ligação entre os dois pontos que a geopolítica portuguesa buscou integrar aos seus domínios coloniais, a
Colônia do Sacramento (1680) na margem do Rio da Prata e Rio Grande que só surgiu em 1737, foram descritas num
roteiro elaborado pelo fidalgo português Domingos da Filgueira. No ano de 1703 ela partiu de Sacramento com o objetivo
de descrever as condições de deslocamento até Laguna em Santa Catarina. A busca de um corredor de povoamento,
consolidando a posse portuguesa no sul do Brasil e no Prata, justifica a elaboração deste roteiro.
Entre a Colônia do Sacramento e Rio Grande, nenhuma povoação foi registrada neste início do século XVIII. O
roteiro abarca o atual litoral do Uruguai e do Rio Grande do Sul, num percurso de automóvel a partir da cidade do Rio
Grande até a cidade de Colônia que pode ser feito em aproximadamente oito horas. Na época foi realizado em quarenta
dias, enfrentando as precárias ou inexistentes passagens, os alagadiços, as chuvas e os animais selvagens, tudo ditado
no ritmo temporal lento dos passos da mula. As disputas diplomáticas e as lutas envolvendo o controle deste território
entre espanhóis e lusos, estendeu-se por todo o século em que Filgueira elaborou o seu roteiro.
As primeiras informações do desbravador ao sair de Sacramento até chegar a Castilhos, é de que se gastam
aproximadamente vinte e quatro dias neste percurso, sendo necessário andar sempre “dois a dois com as espingardas
sempre na mão e prontas por causa das onças”, passando a noite em cuidadosa vigia e com o fogo aceso.
“De Castilhos [litoral norte do Uruguai] até o Rio Grande [atual cidade do Rio Grande] se gastam quinze dias e
tanto que se tiverem andado três ou quatro de Castilhos, se avista um lago [Lagoa Mirim] que vai costeando a costa rio
acima, obra de meia légua por baixo da dita lagoa [Lagoa dos Patos- o autor refere-se às duas lagoas como se fossem a
mesma], faz a barra onde se vê um cruz que tem a era do tempo em que nós passamos e abaixo tem o porto onde nós
fizemos aguada que é acima da barra do Rio Grande meia légua” (FILGUEIRA, Domingos da. Como viajar por terra da
Colônia do Sacramento à Laguna In: A conquista do Rio Grande. Porto Alegre: Riocell, 1990).
Por volta de 1690 já há relatos de embarcações, vindas do Atlântico, adentrando na barra do Rio Grande. Apesar
da ausência de moradores sedentários, cruzar o canal do Rio Grande consistia num desafio para os raros andarilhos.
100

Para cruzar a barra do Rio Grande, Filgueira explica os passos a serem seguidos, numa receita que pode ter sido
elaborada por outros transeuntes que tiveram que enfrentar este obstáculo. Devido à deposição de sedimentos, a barra
estava relativamente estreita sendo possível cruzá-la em meia hora:
“Neste porto é necessário passar em jangada, que se há de fazer em ocasião de reponta da maré. E a jangada se
fará de espinho branco pela forma seguinte: buscar-se-á por aquele mato madeira de espinho seca para as estivas que
juntarão, e os três paus para a estiva pouco importa que sejam verdes. Hão de estes ter quinze até dezoito palmos de
comprimento, far-lhe-ão duas faces, uma para baixo outra para cima. Por cima desta estiva se fará outra de madeira com
travessas lançadas e amarradas uma às outras; por cima de ambas as estivas se lançarão dois paus, um por cada lado,
que serve de talabardães para se armarem os remos, cujos paus serão grossos e secos, os remos serão de boga e de
espinho branco verde que é mais forte e não falta; pôr-lhe-ão quatro remos, dois por banda, e a jangada tem quinze ou
dezesseis palmos de comprimento, e daí para cima, conforme a quantidade de gente que houver de passar, porque esta
medida é para seis passageiros”.
Segundo Filgueira não faltavam porcos, cervos e veados pela campanha, devendo “aos cervos atirar com bala; aos
porcos e veados basta munição grossa. Também não faltam pássaros pela praia”. Pelas “margens do rio Grande há
muita caça de porcos e outros animais e pássaros que se podem matar e fazer provimento. Com esta prevenção nunca
na minha jornada faltou carne, nem soube que cousa foi fome, que outros experimentam por sua culpa”. O desbravador
também observou lobos marinhos circulando entre a barra e a praia. Infelizmente, não há referências sobre a fauna
existente na atual reserva ecológica do Taim, pois fontes de 1780 descrevem a necessidade em promover caçada a
onças existentes neste local.
Como conselho final, Filgueira sugere a quem desejava empreender esta jornada, deveria estar acompanhado de
“dois ou três cães bons, três espingardas bem experimentadas e municiadas, duas catanas ou facas de mato, e a
matalotagem que cada um puder”.
101

Litoral e Lagoa dos Patos em 1767. Planta de José Custódio de Sá e Faria.


Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
102

ALDEAMENTO DO ESTREITO
Cerâmica colonial vidrada (l, m) faiança fina inglesa (c até j), cerâmica
guarani (a,b). RIBEIRO, 2000.
Dentro de princípios da política pombalina
(Marques de Pombal) de atração e incorporação das
populações indígenas que se apresentavam como um
obstáculo à expansão colonial lusitana, a criação do
aldeamento do Estreito em 1753 representou, nos anos que
seguiram a sua criação, uma experiência relevante nessa
modalidade de política indigenista.

A criação do aldeamento motivou-se na


necessidade em disciplinar a presença de indígenas nas
proximidades da Vila do Rio Grande de São Pedro,
presença que causava apreensão aos moradores. Dentro de
um período de grande tensão, ligado à assinatura do
Tratado de Madri, a reação armada de índios missioneiros e
a insegurança frente às fronteiras com a Espanha, surge a
Aldeia que foi administrada e mantida pelo erário régio
português. A invasão espanhola da Vila do Rio Grande em
1763 assinalou o fim do aldeamento nas fontes
documentais. Os espanhóis atravessaram o canal e fixaram-
OS AÇORIANOS
se na margem norte da Barra do Rio Grande, fortificando-
se na atual cidade de São José do Norte e expulsando os
luso-brasileiros desta posição. A população da Vila do Rio
Grande, invadiu a região ao norte da atual São José do
Norte (35 km ao norte) redefinindo a espacialidade da
Aldeia indígena que recebe centenas de luso-brasileiros.
Escavações no Estreito evidenciam a presença indígena
(cerâmica) e europeia (louças, garrafas, moedas, crucifixo
etc). Material arqueológico retirado de Pedro Augusto
Mentz Ribeiro (2000).
103

OS AÇORIANOS
Planta das Ilhas dos Açores em 1584 (Luís Teixeira e Abraham Ortelius).
104

O ano de 1752 é o referencial cronológico que assinala o desencadear da imigração açoriana para o Rio Grande
do Sul a partir de sua chegada ao porto do Rio Grande de São Pedro.13 Em anos anteriores, açorianos já
desembarcaram no cais da então Vila do Rio Grande, porém a política dos casais se configurou em 1752 com a chegada
de grande número de ilhéus. Este capítulo épico no povoamento do Rio Grande do Sul, acarretou no surgimento de
várias cidades gaúchas e a difusão de hábitos alimentares, de linguajar, de práticas agrícolas, de adaptações
arquitetônicas etc, expressos nas singularidades da cultura luso-açoriana.
O arquipélago dos Açores localiza-se no Atlântico Norte, estando dividido em
três grupos de ilhas: grupo Oriental, constituída por Santa Maria e São Miguel; grupo
Central, constituído pelas ilhas Terceira, São Jorge, Pico, Faial, e Graciosa; e o grupo
Ocidental, formado pelas ilhas Flores e Corvo. Atualmente, o território possuiu uma
área de aproximadamente 2.333km². A Ilha de São Miguel é a de maior área, com
750km², seguida da terceira com 500km²; a menor é a do Corvo com 15km

Os Açores estão distantes 800 milhas da costa de Portugal, estando sob o


domínio português desde 1432. O arquipélago foi historicamente povoado por
descendentes de portugueses e flamengos (Flandres e Bélgica). O clima dos Açores é
temperado marítimo e com intensa umidade relativa do ar. A situação geográfica do
arquipélago isolado no Oceano Atlântico e com fenômenos vulcânicos, fez com que os
ilhéus estivessem voltados para o mar, ao mesmo tempo que impôs a solidão
despertou a criatividade para a sobrevivência nas limitações do espaço através da
expressão cultural. O Oceano acabou sendo a fronteira da expansão agrícola que
instigou a expectativa de dias melhores e de fartura em terras que o homem tornaria
produtivas pelo trabalho.
13
Pesquisadores como Vera Lucia Maciel Barroso (Açorianos no Brasil. Porto Alegre: EST, 2002, p. 11) e Maria Luiza Bertulini
Queiroz (A Vila do Rio Grande de São Pedro. Rio Grande: FURG, 1987) indicam o ano de 1752 como referencial da presença
açoriana no Rio Grande do Sul. Mesmo que anteriormente casais açorianos já tivessem se deslocado de Santa Catarina até a Vila
do Rio Grande, é neste ano que os indicadores demográficos mostram uma entrada maciça dos ilhéus.
105

O Rio Grande do Sul luso-brasileiro da primeira metade do século XVIII se restringia a poucos núcleos populacionais
cujo centro estava na Comandância do Presídio do Rio Grande de São Pedro, centro administrativo e militar que
demarcava efetivamente a orientação da diplomacia portuguesa em garantir o domínio sobre o atual Rio Grande do Sul.
Grande parte do espaço almejado, o centro e o noroeste estavam sob o controle da Coroa Espanhola com o projeto
civilizatório jesuítico-guarani das Missões, constituída por sete cidades e amplas estâncias missioneiras para a criação
do gado. Os portugueses buscavam o controle do litoral e sul, com as fortificações em Rio Grande e também na direção
da atual fronteira com o Uruguai (Forte de São Miguel), buscando a ligação com a Colônia do Sacramento do Rio da
Prata. Nos quadros do uti possidetis, a legitimação do direito de posse através do efetivo povoamento dos territórios
almejados, os açorianos foram vistos como os potenciais desbravadores a ocuparem os espaços deixados pelas ações
diplomáticas e bélicas lusitana. Com o Tratado de Madri de 1750, a necessidade de povoamento da região missioneira a
ser abandonada pelos guaranis, intensificou a busca de um efetivo povoamento pelos açorianos nesta região litigiosa.
Por uma série de fatores históricos isto não acabou se efetivando, porém a participação populacional açoriana fez surgir
vários povoamentos e o desenvolvimento de atividades econômicas essenciais ao longo do século XVIII. O Tratado de
Madri estabelecera como condição para a vigência de uma paz definitiva entre Portugal e Espanha que a Colônia do
Sacramento passasse à Coroa castelhana, e que em troca, entregava à soberania portuguesa o território ao Norte do
Ibicuí, onde estavam as Missões Jesuítico-guaranis. Para demarcar a linha de fronteiras regressou ao Rio Grande o
Governador e Capitão General do Rio de Janeiro e Minas, Gomes Freire de Andrade; na qualidade de embaixador e
representante de Portugal e chefe supremo da Comissão Demarcadora, sendo com iguais títulos, representante de
Espanha o Marquês de Val de Lyrios.
Já em consulta datada de 26 de agosto de 1738, o Conselho Ultramarino português dirigiu-se ao rei sugerindo que
casais das ilhas fossem enviados ao Presídio do Rio Grande de São Pedro: (...) visto se achar estabelecida a fortificação
do Rio Grande de São Pedro que V. Majestade se sirva querer tomar a última resolução nas consultas que o Conselho
tem posto na real presença de V. Majestade para os transportes dos casais das Ilhas para o mesmo estabelecimento
porque só por este meio se poderá evitar a grande despesa que precisamente se há de fazer com os transportes dos
106

mantimentos do Rio de Janeiro por falta de cultivadores que naquelas vastíssimas terras os fabriquem, além de ficarem
estes também igualmente servindo para a sua necessária defesa, e ser do interesse do Estado acrescentarem-se o
número de povoadores, o que para crescer consideravelmente as rendas reais do mesmo Estado assim nos dízimos das
terras que cultivarem como também nos direitos das alfândegas dos gêneros a que precisamente hão de dar consumo,
matéria esta que se faz digna da alta e grande compreensão de V. Majestade.” (PAES, 1949).
Apesar de migrarem para promoverem o desenvolvimento de atividades agrícolas, as quais, por exemplo, foram
implementadas inclusive com o plantio do trigo, os açorianos foram ao longo das décadas transformando-se de colonos
agricultores em fazendeiros-criadores. Os primeiros estancieiros do Rio Grande do Sul, cuja distribuição de sesmarias
teve início oficial em 1732, procediam de Laguna e também da Colônia do Sacramento e, a partir da década de 1750, os
açorianos passam a ocupar estes espaços.
O aspecto mais destacado que impulsionou a colonização açoriana no Sul do Brasil deveu-se a pressão
demográfica e a concentração territorial, associada a um fraco crescimento econômico das ilhas. Além disso, o
arquipélago foi assolado por vulcanismo, abalos sísmicos e cataclismos que deixaram apreensiva a população.
Cultivadores de trigo, de cevada, de legumes, de vinho, de frutas, de hortaliças, criadores de ovelhas e de gado,
agricultores, os açorianos eram pequenos agricultores ou pequenos proprietários. Agricultores de tradição, entre eles, os
homens se distinguiam quase que exclusivamente pela sua maior ou menor riqueza agrícola. A opulência era avaliada
pela quantidade de trigo que recebiam dos seus rendeiros. No Sul do Brasil, a formação pecuarista definia a riqueza num
mercado fundado no gado e que teve como referência histórica o território da antiga Colônia do Sacramento do Rio da
Prata cuja economia baseava-se na criação de gado e aproveitamento e comércio de couros. Dessa atividade
econômica participavam os portugueses da Colônia do Sacramento, espanhóis de Buenos Aires, Santa Fé e Corrientes.
107
Chegada dos Casais Açorianos Augusto Luiz de Freitas. Pintura a óleo no Instituto de Educação de Porto Alegre. Datado de 1923.
108

A PRIMEIRA GRANDE IMIGRAÇÃO

O deslocamento dos açorianos das Ilhas para o Brasil envolveu as normas oficiais da Coroa Portuguesa, o
transporte marítimo e as difíceis condições de sobrevivência durante a viagem. A travessia marítima pelo Atlântico no
século XVIII era demorada e com riscos consideráveis à saúde dos passageiros. Antecedendo a migração alemã e
italiana do século 19, os açorianos sofreram de forma ainda mais dramática as dificuldades de deslocamento até a terra
da promissão: o Brasil.
O primeiro empresário responsável pelo transporte dos açorianos, o contratador de tabacos Feliciano Velho
Oldenberg, recebeu do rei de Portugal a autorização para comerciar livremente no Brasil em troca do transporte gratuito
de um casal de açorianos para cada cem toneladas de carga transportada. A participação de Oldenberg foi muito
criticada, inclusive pelas autoridades, devido às péssimas condições do transporte e pelo grande número de mortos e
doentes durante a viagem.
Para Miguel Frederico do Espírito Santo (1993) a viagem, que levava de dois a três meses, era extremamente
penosa, não discrepando das viagens comuns do século XVIII. A falta de higiene tornava precária a convivência a bordo
do navio. Não havia o hábito do banho e no navio não havia água disponível para este fim. Como os passageiros não
mudavam a roupa, o cheiro a suor e a sujeira acumulavam-se. O local onde dormiam, mesmo sendo diariamente lavado,
não chegava a secar fazendo com que a umidade aumentasse a pestilência do ar. “O transcurso era extremamente
penoso. O ambiente no barco era promíscuo, os alimentos eram escassos, a higiene era deficiente e a água apodrecia
poucos dias depois de começada a viagem. A maior parte dos passageiros adoecia: febres, infecções intestinais,
pneumonias, crises de fígado, escorbuto. A mortalidade era grande. Os corpos eram jogados ao mar. O escorbuto ou
mal de Luanda era o que mais estrago gerava, provinha da carência de vitamina C e era caracterizado por hemorragias”.
A Vila do Rio Grande foi à porta de entrada da corrente açoriana que se deslocou da Ilha de Santa Catarina para o
continente do Rio Grande. Atendendo ao objetivo principal de sua imigração, os casais deveriam ser deslocados em
grupos para o interior e lá aguardar a ocasião para ocupar a região das Missões. Entretanto, a resistência indígena, já a
109

partir de 1753, e a consequente Guerra Guaranítica, que se estendeu até 1756, tornaram impossível a concretização
desses planos e determinaram a permanência da quase totalidade do contingente açoriano na própria Vila do Rio
Grande. É provável que, entre 1752 e 1754, grupos de casais tenham apenas passado pela Vila, seguindo logo para o
interior; nessa época Gomes Freire fortificava três áreas, estrategicamente, importantes para manter acesso à região a
ser incorporada; Santo Amaro, onde estabeleceu os armazéns de abastecimento do Exército, Rio Pardo, onde erguera o
Forte de Jesus-Maria-José para garantir aquela fronteira, e o porto do Arraial de Viamão, base de manutenção dos
outros dois pontos.
De acentuada relevância foi o povoamento da Vila do Rio Grande de São Pedro pelo contingente açoriano até
1763. Porém, em outras localidades do Rio Grande do Sul, os açorianos ficaram abandonados do apoio estatal
prometido. O drama épico da saída das ilhas e chegada ao Brasil persistiu nas décadas posteriores a sua chegada. O
assentamento previsto na Provisão de 9 de agosto de 1747 foi protelado por décadas. Portugal neste período estava
com a balança comercial deficitária. A ocupação do território missioneiro, a partir do previsto no Tratado de Madrid
frustrou as expectativas dos casais pois a área continuou sobre controle da Coroa Espanhola. A economia mineradora
no Brasil colonial apresentava queda na produção e a cotação internacional do açúcar era baixa. Os custos de
manutenção das tropas e a reconstrução de Lisboa, que fora destruída pelo terremoto e maremoto de 1755, deixou
deficitário o Erário Régio lusitano. Uma situação metropolitana e ultramarina complexa em que a colonização açoriana
inseriu-se e que os colonos sentiram severamente os efeitos, inclusive com a dominação espanhola na Vila do Rio
Grande. Após a retomada lusitana e expulsão espanhola, durante os governos do brigadeiro Marcelino de Figueiredo
(1769-1780) e do brigadeiro Sebastião da Veiga Cabral e Câmara (1780-1801) é que o povoamento açoriano que já
havia difundido-se mas que passou a ser organizado com legalização de terras em núcleos como Porto Alegre, Viamão,
Osório, Mostardas, Santo Amaro, Cachoeira etc. Novas conjunturas e perspectivas abriam-se aos colonizadores dos
Açores nas duas últimas décadas do século XVIII. Após a viagem marítima, o drama do abandono e do conflito com os
espanhóis novos desafios aguardavam os colonizadores açorianos nos primórdios do século XIX.
110

Conforme Beatriz Courlet na “metade do século XVIII (1746), a coroa portuguesa oportunizou a vinda de colonos açorianos
destinados a se instalarem em localidades próximas às fronteiras mais vulneráveis à invasão espanhola assim como na zona das
missões jesuítas que haviam, entrementes, passado sob a jurisdição portuguesa pelo tratado de Madrid. Até 1754, estima-se que 600
casais açorianos haviam já chegado ao RGS. Entretanto, dada a anulação deste tratado e na impossibilidade, então, de ocupar as
terras prometidas, estes colonos acabaram se dispersando por outras regiões do RGS, onde eles ficaram por muito tempo
abandonados à sua sorte. Somente em 1764, quase vinte anos depois da vinda dos primeiros imigrantes, a coroa lhes outorgou
terras, mas sob a condição que elas fossem exploradas na agricultura e com base no trabalho familiar, o uso de mão de obra escrava
foi formalmente proibido. Esta experiência de imigração foi, entretanto, de curta duração, pois uma série de problemas levaram estes
pequenos produtores rurais à ruína. Além de suas técnicas rudimentares de cultivo, sua produção sofria a concorrência, no mercado
brasileiro, do trigo originário dos Estados Unidos, da Prússia e da França, cujas taxas de importação não eram elevadas. Isto porque,
de um lado, Portugal tornara-se, nesta época, uma nação empobrecida e dependente de outras nações europeias e era assim
obrigada a se submeter a acordos alfandegários desvantajosos. Mais tarde, eles perderam ainda o mercado metropolitano português,
pois a coroa passou a proibir a entrada do trigo colonial. De outro lado, a produção colonial foi vítima de muitos abusos da parte da
administração imperial: em caso de guerras fronteiriças, os colonos eram obrigados a se engajar nas lutas e a abandonar assim suas
plantações; sendo o abastecimento dos exércitos considerado prioritário, os colonos eram muitas vezes obrigados a lhes vender
exclusivamente sua produção, que além disso, era mal e tardiamente remunerada. Afetados por todos estes problemas (e ainda por
uma epidemia que acabava por dizimar sua produção), muitos produtores foram à falência e abandonaram a agricultura”.
111

AÇORIANOS NA HISTORIOGRAFIA: NARRAÇÃO DE JOSÉ FELICIANO PINHEIRO

Para José Feliciano Pinheiro autor do primeiro livro de História do Rio Grande do Sul (1819-1822) “... anuindo o
soberano às representações dos habitantes das ilhas do Açores e Madeira para aliviá-las da sobeja população, que ali
gorgulhava, decretou que se transportassem para este país, à custa da real fazenda, até quatro mil casais, ainda que
estrangeiros fossem, contanto que professassem a religião católica romana, principiando a introdução pela ilha de Santa
Catarina, e continente imediato; arrematou o transporte Feliciano Velho de Oldemberg com vinte e quatro condições,
concernentes ao cômodo e agasalho deles até os lugares do seu destino; debaixo das cláusulas, que os homens não
seriam de mais de quarenta anos de idade, e as mulheres de mais de trinta; que logo que desembarcassem no Brasil, a
cada mulher que fosse de mais de doze anos de idade e de menos de vinte e cinco, casada ou solteira, se dariam dois
mil e quatrocentos réis de ajuda de custo, e aos casais, que levassem filhos, mil réis cada um para ajudar a vesti-los; que
chegando aos sítios designados para sua habitação se daria a cada casal uma espingarda, duas enxadas, um machado,
um enxó, um martelo, um facão, duas facas, duas tesouras, duas verrumas, uma serra, lima e travadeira, dois alqueires
de sementes, duas vacas, uma égua, e no primeiro ano se lhes daria a farinha, que se entendesse bastante para o
sustento, que vinha a ser três quartas do alqueire da terra por mês para cada pessoa, assim homens como mulheres,
mas não às crianças, que ainda não contassem sete anos e às que tivessem até quatorze anos, se assistiria com quarta
e meia por mês; que os homens, que passassem por conta de Sua Majestade, ficariam isentos de servir na tropa paga,
contanto que dentro em dois anos se estabelecessem onde se lhes destinasse, e se concederia a cada casal um quarto
de légua em quadra para principiar sua cultura, sem que pelo título desta data se exijam direitos ou emolumento algum,
e quando pelo tempo adiante aumentem de família com que possam cultivar mais terreno, o pediriam ao governador do
distrito que lhe concederá na forma das ordens sobre esta matéria. As mesmas conveniências e vantagens se estendiam
aos casais, naturais das ilhas, que quisessem vir de Portugal, por ali já se acharem, e aos casais estrangeiros, que não
fossem vassalos de soberanos, que tivessem domínios na América, aos quais pudessem passar-se, dando aos que
fossem artífices uma ajuda de custo, segundo o grau de perícia, não excedendo de 7.200 réis a cada um; que no
112

primeiro ano da chegada se assistiria com medicamentos aos casais doentes; que pelos filhos dos assim transmigrados,
que casassem dentro do ano, se repartiria a mesma mencionada quantidade de ferramentas, armas, sementes e terra
de cultura; que aos novos povoadores destas paragens fazia Sua Majestade mercê pelos primeiros cinco anos da sua
chegada de isentá-los de todo tributo, à exceção dos dízimos; que distribuídos em arranchamentos ou povoações de
sessenta casais, pouco mais ou menos, delineando a largura das ruas, praça e logradouro público, se prevenia para que
lhes faltasse o pasto espiritual e sacramentos, que se erigissem igrejas com suficiente capacidade e se nomeassem para
cada uma delas vigários com a côngrua de sessenta mil réis, e um quarto de légua em quadro para passal da sua igreja,
etc. Mandou El-Rei escrever ao Provincial da Companhia de Jesus para que enviasse àquelas terras dois missionários;
e ao bispo de São Paulo, a quem então obedecia no espiritual todo aquele território, avisou, pela Mesa de consciência e
Ordens, que provesse cada igreja destas de um vigário, ao qual no primeiro ano se assistiria com o sustento, e mais
cômodos da vida, como aos outros colonos, que findo o contrato atual da comarca de São Paulo, no qual se incluem os
dízimos daquele distrito do Sul, se faça ramo à parte, pertencendo à arrecadação do rendimento à provedoria do Rio de
Janeiro, para dele se pagarem as côngruas dos vigários e missionários” (PINHEIRO, 1982).

Mulheres açorianas na Ilha de São Miguel (Açores) por volta de 1905.


113

A GUERRA GUARANÍTICA

O Tratado de Madrid (1750) prevê a retirada dos Sete Povos das Missões e a ocupação luso-brasileira
desta área que corresponde a mais da metade do atual Rio Grande do Sul. A Guerra Guaranítica (1752-1756)
consistiu na resistência indígena ao abandono das terras que a mais de um século ocupava com suas cidades,
estâncias de criação de gado e ervais. Os guaranis missioneiros conseguem deter o avanço dos exércitos
português e espanhol até a decisão ibérica de juntar os exércitos (em fins de 1755) e marcharem conjuntamente
e sem aceitar resistências diplomáticas. Além dos enfrentamentos em forma de guerrilhas, um confronto frontal
levou ao massacre de mais de 1.600 índios em Caiboaté, dando um golpe decisivo mas não final na resistência
indígena que persiste com escaramuças. Em outubro de 1756 parte dos 30.000 índios já haviam transmigrado
para a outra margem do Rio Uruguai (novos limites da fronteira espanhola). Outros índios se dispersam e um
razoável número procura se manter nas proximidades dos Sete Povos. Mas o projeto histórico missioneiro no
Rio Grande do Sul estava desfeito e o epicentro das acusações pela resistência guarani foi lançada sobre os
padres jesuítas que foram, nos anos seguintes, presos e tiveram sua ordem banida do papado.

A conjuntura europeia e as motivações da Guerra Guaranítica foram trabalhadas pelo historiador


QUEVEDO DOS SANTOS (1994) e algumas passagens são reproduzidas a seguir:
“As décadas de 50 e 60 do século XVIII marcam uma profunda crise de relação entre os reis ibéricos e os jesuítas,
ocorrendo uma ruptura no projeto missionário empreendido pelos jesuítas. Essa dificuldade de relação esta relacionada
a uma série de transformações nas sociedades ibéricas, em sua estrutura política. O projeto missioneiro organizou-se no
seio da monarquia espanhola dos Habsburgos, que delegavam autoridade aos padres missionários mas jamais o poder.
Entretanto, isso possibilitou a liberdade e a autonomia que as Missões tiveram no Sistema Colonial Espanhol. Sob esse
prisma a experiência foi criada e expandiu-se ao longo do século XVII. Ela emergiu do Barroco, numa época de crença
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nas leis divinas protagonizando os embates da Contra-Reforma Católica. O Estado Absoluto Espanhol dessa época
tinha seus limites estabelecidos na eficaz aliança com a Igreja, propagador da fé católica. Os jesuítas, como
sustentáculo do Papismo, defendiam acirradamente o poder real, enquanto ratificado pelo Papa. (...)
A experiência missioneira foi desarticulada, mediante as vicissitudes do Estado Absoluto, em sua instância
despótica. A ação colonialista dos jesuítas perde o sentido na reordenaçâo política das Coroas Ibéricas do século XVIII.
Na Espanha, a proposta centralista dos reis Bourbons e em Portugal, as ações despóticas de D. José e seu primeiro
ministro demonstram a intenção das autoridades em redimensionar o poder real, através de uma excessiva
concentração de prerrogativas nas mãos do Chefe de Estado. As luzes do século XVIII acendiam-se, para justificar um
poder real renovado, ao passo que se apagavam numa acentuada negação da tradição, através da contestação às
prerrogativas do poder papal. As luzes vão projetando um novo saber, como uma face da luz, homem a homem, de povo
a povo, para desterrar as sombras da ignorância. A crítica à Igreja dava-se em função do seu aspecto supersticioso,
irracional, apego aos valores mundanos com a suntuosidade do poder papal. A nova ordem dinástica seria aquela
incumbida de descobrir às sobras do passadismo, da irracional idade, libertando o povo, inserindo o Estado numa
perspectiva de futuro. As críticas voltam-se à Companhia de Jesus, por ser esta composta de padres que defendem as
prerrogativas do poder papal. Estes recusavam, incondicionalmente, qualquer democracia nos séculos XVI e XVII, na
medida que recuperavam a tradição feudal-conservadora do governo universal da Igreja Católica. Logicamente, os
governos despótico-absolutos preocupavam-se com o ideário jesuítico, posto que neste estava intrínseco um profundo
questionamento sobre a origem do poder. Antinomicamente, os jesuítas eram os soldados do Papa, em terra de
progressiva laicização do poder. A tática mais acertada na autodefesa do ideário despótico absolutista, na busca da
legitimidade, foi inculcar a idéia de que os jesuítas subvertiam a ordem, não contribuindo para o bem comum, princípio
que fundamentava a nova ordem despótica. Portanto, o antijesuitismo encontraria campo seguro de atuação. A
reestruturação na forma de conceber o governo e administrá-Ia, desencadeia, uma ferrenha oposição entre a Coroa e a
ordem dos jesuítas. Se estes padres são os soldados do Papa, isso significa que além de serem o braço direito,
apelariam para a legitimidade do poder papal. Na Nova ordem, o monarca nega as tradições e anacrônicos costumes,
115

procurando um ritmo diferente de governar, mais de acordo com o ser moderno, a modernidade. Mas, não perde de vista
a essência do poder, residindo, aí, as reformas do Estado, que atingiam os súditos. Um fragmento das luzes era lançado
sobre os fiéis vassalos. Os monarcas bourbônicos, na Espanha e D. José I, em Portugal, imbuídos do espírito crítico
inquietante da sua época e da necessidade de modernizar os respectivos impérios coloniais, tratavam de fazer reformas,
dentro da concepção de progresso do povo, para o povo, mas sem o povo. Assim, o monarca apresentava-se, nesse
contexto, como o primeiro servidor do Estado. Para que tal ato ocorresse de maneira eficaz, ele tinha a obrigação de
ilustrar-se, pois o conhecimento e a reflexão racional apresentar-se-iam como os sutentáculos que legitimariam a sua
capacidade administrativa. (...)
A razão triunfa sobre a tradição. Esta é a síntese do ideário despótico sendo depreendido dos atos dos governos
naquele momento. Os jesuítas são acusados de terem erigido um Estado dentro do Estado, infectando a nova ordem
com projetos perniciosos que viciavam a soberana vontade do monarca. (...) Após a assinatura do Tratado de Madri as
Coroas Ibéricas almejavam a sua execução o mais rápido possível. A parte mais difícil do Tratado era a sua execução. O
artigo 16: estipulava a remoção da massa de índios tapes de seus "pueblos" para outras "terras da Espanha". Os
portugueses tinham condicionado o recebimento das Missões livres dos habitantes. Os jesuítas deveriam desocupar os
Sete Povos conduzindo os guarani-missioneiros com suas famílias e seus bens (gado, ovelhas, cavalos, armas) para um
lugar ignorado. Portugal receberia as povoações, com suas casas, igrejas, prédios comuns, celeiros, lavouras, estâncias,
todas desocupadas, para alojar os povoadores portugueses. Iria se pagar pouca indenização. Portugal e Espanha não
se importavam de que forma seria feita esta transferência de 30 mil pessoas e 700 mil cabeças de gado. Eles
acreditavam que 1 ano de prazo era suficiente para tal transferência. (...)
A Guerra Guaranítica é o descontentamento, a revolta dos guaranimissioneiros contra as imposições do Tratado
de Madri, porque ele obrigava os índios a abandonarem suas terras, plantações, gado e residências. É visível que o
Tratado consagrava a paz e os interesses dos monarcas ibéricos, mas sangrava a guerra, porque não interessava aos
índios. Os reis impunham a transmigração para os índios, mas não pensavam o significado amplo que isso tinha. Além
disso, o Tratado pontuava rios, montanhas e campos, porém negava o espaço socioeconômico ali organizado, espaço
116

esse que teve uma lenta evolução histórica de pelo menos cento e cinqüenta anos. O guarani não lutou contra o rei, ele
lutou pela posse da terra. Quando Sepé morreu encontrou-se com ele duas cartas onde se verificava a luta pela terra,
que dizia: "Deus Nosso Senhor foi o que nos deu estas terras". Por isso, eles não acreditavam "jamais, quando diga, vós
outros índios dai vossas terras e quanto tendes aos portugueses: não o creremos nunca, não há de ser assim, e só se
acaso se as quiserem comprar com o seu sangue; nós outros, todos os índios, as haveremos de comprar". Sepé já havia
afirmado anteriormente: "essa terra tem dono", agora a pólvora do branco evidenciava que "essa terra teve dono". Nesse
momento é oportuno lembrar a tradição oral que diz: "quem faz gemer a terra ... Em nome da paz não vêm!" (Lunar do
Sepé). Em suma, a luta era pela terra, onde o Tratado de Madri não é visto como um Acordo de paz, mas de discórdia,
porque se queria fazer faz com a terra do índio, tornando-o "sem-terra". Porém, d'além mar, nas Cortes Ibéricas, a
compreensão da guerra era outra. De imediato os padres foram culpados e o antijesuitismo se alastrou além das
fronteiras das metrópoles. Os pensadores da Ilustração passam a ter convicção de que os índios, enquanto "bons
selvagens" eram incapazes de ter consciência sobre os seus atos e, portanto, os instigadores da guerra só poderiam ser
os jesuítas expulsos de Portugal, França, Espanha e América e mais tarde ainda a Ordem dos jesuítas foi extinta,
nesses momentos o pretexto continuava sendo a guerra guaranítica, o que significa que ela estava viva nos processos
que desmantelavam à míngua a Companhia de Jesus. Contrária ao que de fato ela foi, a guerra continuava tendo uma
abrangência além daquilo que os guaranis fizeram.
É importante estudar essa guerra na medida em que ela simboliza um dos raros momentos de reação indígena às
imposições da Coroa, pois ela foi planejada e pensada pelos índios que assim o fizeram devido as suas necessidades.
Mas ela também nos fornece a medida exata das incoerências das cortes ibéricas, pois o Tratado de Madri não resolveu
em definitivo as limitações fronteiriças de Espanha e Portugal na zona do rio da Prata, posto que em 1761 foi o próprio
rei espanhol, Carlos Ill, quem tratou de anular os artigos referentes ao sul do Brasil. De que adiantou os luso-brasileiros
lutarem contra os índios? A partir de 1763 novamente os guarani-missioneiros são convocados pelo Governador de
Buenos Aires para lutarem contra os portugueses na invasão a Rio Grande. Até 1801 a geopolítica do Prata manteve-se
indefinida. Por fim, é mister ter bem claro que a guerra guaranítica não só demonstrou a violência do colonizador sobre o
117

índio, mas também abriu uma ferida nas relações entre a Coroa e as Missões, a partir desse fato o modelo missioneiro
entra em crise e passa a declinar, a realidade mais visível disso foi o decréscimo populacional e a insatisfação do índio”.
TRATADO DE MADRID

O Tratado de Madri, tendo por idealizador o diplomata português Alexandre de Gusmão, representa a base histórico-jurídica da formação
territorial do país, por ser o primeiro documento a definir com precisão suas fronteiras naturais. O Tratado assinado entre Portugal e Espanha buscou
estabelecer a paz entre as colônias americanas, definiu o Rio Uruguai como fronteira natural, a troca dos Sete Povos pelas Missões, a consagração do uti
possidetis (quem tem a posse tem o domínio) e acarretou na Guerra Guaranítica. O Tratado previa que o Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, partes de
Santa Catarina e Paraná, dentre outras áreas, passaria ao controle português em troca da Colônia do Sacramento e da navegação no Rio da Prata. O
Tratado de El Pardo (1761) anulou o de Madrid que teve seus princípios retomados com o Tratado de Santo Ildefonso (1777). Algumas passagens do
Tratado de Madrid são reproduzidas a seguir:

“Sua Majestade Fidelíssima em seu nome e de seus herdeiros e sucessores, cede para sempre à coroa de Espanha a colônia do Sacramento e
todo o seu território adjacente a ela na margem setentrional do rio da Prata, até os confins declarados no artigo 4º, e as povoações, portos e
estabelecimentos, que se compreendam na mesma paragem, como também a navegação do mesmo rio da Prata, a qual pertencerá inteiramente
à coroa de Espanha, etc. “Artigo 14º - Sua Majestade Católica em seu nome e de seus herdeiros e sucessores, cede para sempre à coroa de
Portugal tudo o que por parte de Espanha se acha ocupado, ou que por qualquer título ou direito possa pertencer-lhe em qualquer das terras,
que pelos presentes artigos se declaram de Portugal, desde o monte de Castilhos Grandes e sua fralda meridional e costa do mar, até a cabeceira
e quaisquer povos, que se tenham feito por parte da Espanha em o ângulo de terras compreendidas entre a costa setentrional do rio Ibicuí, e a
oriental do Uruguai, etc. “Artigo 16º - Dos povos ou aldeias que cede Sua Majestade Católica na margem oriental do rio Uruguai, sairão os
missionários com os seus móveis e efeitos, levando consigo os índios para as aldeias em outras terras de Espanha, e os referidos índios poderão
levar também todos os seus bens móveis e semoventes, e as armas, pólvora, e munições, que tiverem, em cuja forma se entregarão os povos à
coroa de Portugal, com todas as suas casas, igrejas, edifícios, e propriedades e posse do terreno, etc.
“Artigo 21º - Querem Suas Majestades Fidelíssima e Católica que se (o que Deus não permita) se chegasse a romper a guerra entre as duas
coroas, se mantenham em paz os vassalos de ambas, estabelecidos em toda a América meridional, vivendo uns e outros como se não houvera tal
guerra entre os soberanos, sem fazer-se a menor hostilidade, nem por si sós, nem juntos com seus aliados. E os motores e cabos de qualquer
invasão por leve que seja, serão castigados, com pena de morte irremissível: e qualquer presa que fizerem, será restituída de boa fé e
inteiramente.”
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Fonte: MAGNOLI, OLIVEIRA e MENEGOTTO (2001).


119

TEMPOS DE GUERRA: OCUPAÇÃO ESPANHOLA E RETOMADA PORTUGUESA

A ocupação lusitana de Rio Grande em 1737 voltou-se, inicialmente, ao papel de uma posição militarizada com
vistas a garantir apoio à Colônia do Sacramento. A presença militar também buscava defender as atividades econômicas
dos moradores localizados em seus limites urbanos e rurais, promovendo dessa forma o povoamento e a incorporação
da localidade ao sistema colonial português. Os primeiros quarenta anos da ocupação foram marcados pela tensão em
buscar a constituição da civilização numa área de litígio, onde as fronteiras estavam sendo demarcadas através do
avanço do tropeirismo, da expansão das estâncias e da intervenção militar. Uma pequena parte desta história está aqui
apresentada.

O período de 1763 a 1777 foi decisivo para os rumos históricos do Rio Grande do Sul. A conjuntura do
enfrentamento luso-espanhol tornou-se cada vez mais acirrada na busca do controle de territórios entre as duas
potências colonialistas. Rio Grande teve um papel essencial na definição dos rumos da formação rio-grandense. Os mais
de dois séculos decorridos trouxeram o esquecimento dos fatos para a população contemporânea que, muitas vezes por
falta de informação, desconhece que o presente também foi construído por homens e mulheres no passado longínquo.

O confronto luso-espanhol na Bacia Platina tomou contornos reais com a construção da Colônia do Sacramento
pelos portugueses, na margem esquerda do Rio da Prata, em 1680. O comércio lusitano, especialmente de
comerciantes do Rio de Janeiro, que já era intenso na região, assim oficializava a sua aspiração em estender as posses
até o atual Uruguai. Poucos meses depois da ocupação portuguesa, os espanhóis sediados em Buenos Aires
promoveram o primeiro ataque à Colônia do Sacramento, acabando com essa primeira experiência civilizatória. Estava
deflagrado o conflito entre as duas potências ibéricas que se estenderia por quase um século. Rio Grande surge em
1737, na terceira campanha militar espanhola contra a Colônia do Sacramento, com o objetivo estratégico de ser uma
base de apoio logístico na resistência contra o cerco que sofria. O atual Rio Grande do Sul era almejado pelos
espanhóis, que o consideravam território seu pelo que fora ajustado no Tratado de Tordesilhas. A primeira fase das
Missões jesuítico-guaranis, nos quadros da conquista espiritual, estendeu-se entre 1626 e 1641. Os povoados
120

missioneiros tiveram continuidade a partir de 1682. Foram fundados até 1707 os Sete Povos, cujas estâncias estendiam-
se por grande parte do território riograndense. O projeto reducional ou missioneiro estava inserido juridicamente nos
quadros do colonialismo espanhol. O litoral rio-grandense consistia no corredor possível para as incursões luso-
brasileiras voltadas à atividade dos tropeiros que buscavam o gado selvagem, que fora introduzido a partir de 1634 nas
missões e se dispersara, formando a “Vacaria del Mar”, milhões de cabeças que se estendiam entre o pampa brasileiro e
uruguaio. A barra do Rio Grande seria um dos locais de maior dificuldade para cruzar com o gado, e aí situaram-se
postos de fiscalização; em 1725, em São José do Norte, com a Frota de João de Magalhães, e a partir de 1737, com a
ocupação do sul da barra do Rio Grande, escolhido como o local para construção de uma vila que viabilizasse o
funcionamento do único porto marítimo.

A fundação e militarização de Rio Grande passou a ser imediatamente contestada pela Espanha, e a localidade
passou a viver na expectativa de invasão, o que veio a ocorrer em 1763 e quase se repetiu em 1777. Tempos de guerras
e instabilidade para a população civil e ansiedade para os militares. As contradições na diplomacia luso-espanhola frente
ao tenso equilíbrio entre as potências ultramarinas européias faziam, através de tratados, as fronteiras avançarem ou
recuarem da direção do Prata. O Brigadeiro José da Silva Paes, ainda em 1737, ordenou a construção em Rio Grande
de fortificações como o Forte Jesus-Maria-José e o Forte de Nossa Senhora de Sant’Anna do Estreito. Montou baterias
na margem sul da Barra do Rio Grande e no Taim, e construiu o Forte de São Miguel, no atual Chuí, Uruguai.
Preocupados com a perda da Colônia do Sacramento e um avanço espanhol até a Vila do Rio Grande ou Rio Pardo, os
portugueses edificaram, a cerca de 32 quilômetros da atual linha de fronteira com o Uruguai, a Fortaleza de Santa
Teresa, na região então chamada de Castilhos. O governador de Buenos Aires, D. Pedro Cevallos, ansiava controlar o
Rio Grande do Sul e avançar até Santa Catarina. Para isso ordenou o cerco e o bombardeio da Colônia do Sacramento
durante um mês, até obter, em outubro de 1762, a rendição dos sitiados.

Em abril de 1763 as tropas espanholas marcham sobre o forte de Santa Teresa, que capitula em meio a
deserções generalizadas. São Miguel também se rende. Com a porta aberta para a vila do Rio Grande, os soldados que
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desesperadamente fugiam à aproximação castelhana invadiram a vila do Rio Grande de São Pedro e promoveram o
caos entre os moradores e a pilhagem do comércio. O governador do Rio Grande, Elói Madureira, que administrava as
possessões portuguesas a partir desta localidade, não divulgou o plano de defesa e fuga dos moradores, deixando a
população à mercê de uma desesperada travessia da Barra do Rio Grande. A barbárie e a violência tomaram conta da
vila. Houve saques, estupros, invasão e roubo de peças da igreja matriz de São Pedro. Conforme Guilhermino César
(1980), “os armazéns reais foram assaltados, a igreja despida de seus paramentos e objetos sagrados, enquanto a
soldadesca embriagada só pensava em fugir, nas poucas canoas existentes, para se porém a salvo nas barrancas de
São José do Norte”. Aqueles que escaparam para São José do Norte seguiram em direção ao Estreito, que na época era
um aldeamento indígena e virou a localidade lusitana com maior população do Rio Grande do Sul, pois muitos retirantes
aí se estabeleceram. Os demais seguiram para Viamão (como é o caso dos vereadores, que para aí transferiram a
Câmara), Porto Alegre e outras localidades.

Os espanhóis passam a controlar militarmente a vila do Rio Grande, expulsam a população civil do centro urbano
e cruzam o canal. Lá, controlam a barra norte, atual sede de São José do Norte. Os portugueses, em agosto de 1764,
terminam a construção do forte São Caetano das Barrancas, demonstrando disposição de não aceitar o controle
espanhol e localizar em São José do Norte a resistência e o contra-ataque. Outra estratégia lusitana era o incentivo às
guerrilhas (cavalaria ligeira). Destacaram-se nessa estratégia Francisco Pinto Bandeira e seu filho, que chegou a
governador, Rafael Pinto Bandeira. Em 1767, São José do Norte é retomada pelos portugueses e ocorre uma tentativa
de lançar forças de assalto na barra sul, que fracassa devido aos fortes ventos e intensa cerração. O impasse
permaneceria por longo período, mas os luso-brasileiros agora tinham uma saída para o mar e iriam construir fortes na
barra sul do Rio Grande. A situação se agravou quando, em novembro de 1773, o governador de Buenos Aires, General
Vertyz y Salcedo, com grande efetivo terrestre, invadiu o Rio Grande do Sul pela Campanha, fundando o forte de Santa
Tecla (em Bagé) e São Martinho (no caminho para as Missões). O objetivo era conquistar Rio Pardo, Taquari, Porto
Alegre e Viamão, além de aniquilar as guerrilhas sediadas em Encruzilhada e Canguçu, isolando dessa forma as forças
portuguesas em São José do Norte. Porém, a resistência encontrada, as derrotas frente às guerrilhas e a atuação militar
122

de Rio Pardo abalaram o ânimo de Vertyz y Salcedo, que esperava uma fulminante e rápida vitória. Frente à
determinação espanhola de atacar o sul do Brasil, o Marquês de Pombal, poderoso ministro do Rei de Portugal, decidiu
concentrar na região um grande efetivo militar, chamado de Exército do Sul, sob o comando do Tenente-General João
Henrique Böhm. Mais de quatro mil homens distribuíram-se entre São José do Norte (3.365), Rio Pardo (710) e Porto
Alegre (27). O objetivo era o controle dos fortes de São Martinho (conquistado em outubro de 1775) e Santa Tecla
(destruído após o cerco de 26 dias que teve início em 26 de março de 1776) e a retomada da vila do Rio Grande, que
impedia o acesso luso ao litoral sul e à campanha rio-grandense.

A concentração dos efetivos teve início em 1774, com tropas do Rio de Janeiro que marcharam por terra desde
Laguna, em Santa Catarina. De Portugal vieram regimentos de Moura, Bragança e Estremoz, tendo participado tropas
também de São Paulo, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, além de vários regimentos e companhias do
Brasil. Fortes foram construídos junto à margem norte da barra. Uma esquadra naval comandada por Hardecastle, com
seis unidades, concentrou-se desde o final de 1775 em São José do Norte. Em 19 de fevereiro de 1776, o Capitão-de-
Mar-e-Guerra MacDouall, com uma esquadra de nove unidades, atacou a esquadra espanhola de sete embarcações. O
objetivo era desativar o poder naval espanhol concentrado na área para garantir a travessia posterior de tropas de
assalto terrestre, porém, após cinco horas de combate, o plano fracassou. O ataque decisivo a Rio Grande ocorreu
algumas semanas depois, no dia 1º de abril, às três horas da madrugada. Para dispersar a atenção dos espanhóis, o dia
anterior 31 de março, foi de intensos festejos em comemoração ao aniversário da Rainha de Portugal. Os espanhóis,
sempre observando os movimentos portugueses a partir de suas fortificações na margem sul da Barra do Rio Grande,
imaginavam os militares fora de combate pelo possível álcool consumido nos festejos. Numa ação conjunta de forças do
Exército do Sul e da Esquadra Naval (12 navios), um ataque fulminante foi desfechado. À resistência dos fortes da
Barra, Mosquito e Trindade ocasionaram várias baixas luso-brasileiras, numa operação que finalizou após trinta horas.
As tropas espanholas retiraram-se apressadamente para o forte do Arroio e depois para o forte de Santa Teresa. Por
falta de cavalos, Böhm não conseguiu que os soldados realizassem um ataque sistemático ao exército em fuga. Na
reconquista, a vila do Rio Grande estava praticamente destruída, com ratos e lixo por toda parte. Os prédios estavam em
123

péssimas condições e alguns fortes ainda ardiam em chamas. No dia 7 de abril foi rezada missa na Igreja Matriz de São
Pedro, o prédio mais antigo do Rio Grande do Sul no presente. O Te Deum contou com a presença de tropas
participantes da retomada e uma cadeira simbólica foi deixada vazia em homenagem ao apoio do Vice-Rei, Marquês de
Lavradio.

A notícia da vitória lusitana repercutiu no Rio de Janeiro com comemorações. Tudo havia a reconstruir no centro
urbano e o povoamento poderia novamente ser dinamizado. Porém, o ato da reconquista gerou uma reação intensa na
Espanha. Foi criado o Vice-Reinado do Prata e designado o temível General Cevallos para o cargo máximo. Com mais
de cem navios e dez mil homens de terra e mar, ele partiu de Cádiz com uma frota tida como invencível para os padrões
da época. Investiu e conquistou a Ilha de Santa Catarina e controlou a Colônia do Sacramento, iniciando a sua
demolição. Sua esquadra pretendia invadir Rio Grande pela Barra, esfacelando o Exército do Sul. As tropas de terra do
Gen. Vertyz y Salcedo avançariam desde o sul e as forças navais de Cevallos atacariam pela barra do Rio Grande. Um
quadro militar desastroso para os luso-brasileiros estava esboçado. Porém, as condições climáticas reinantes em Rio
Grande, sempre consideradas desfavoráveis, desta vez foram benéficas: fortes ventos dispersaram a esquadra de
Cevallos, impedindo uma pretendida invasão em abril, de 1777.
A diplomacia ibérica sofreu uma guinada em suas ações bélicas com a morte do rei D. José e a queda do Marquês
de Pombal. Foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso deixando o Rio Grande do Sul com a presença luso-brasileira no
litoral até a fronteira de Rio Pardo e a imensa região missioneira sob controle espanhol. Era o final de um ciclo de cerca
de 100 anos de enfrentamento luso-espanhol a partir da Colônia do Sacramento. Um período de relativa paz com a
possibilidade de organização da economia pecuária e de iniciativas agrícolas estava começando no sul. Os conflitos
teriam continuidade no século XIX, mas, após 1777, esperanças em ampliar a expectativa de sobrevivência se
confirmavam com o nascer e o poente do sol ao longo dos anos seguintes.
124

Plano do Rio Grande (1776). Acervo: Ministério da Defesa/Instituto de História y Cultura Militar. Arquivo General Militar de Madrid.
125

Confronto naval luso-espanhol na Barra do Rio Grande em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.
126

Plano das fortificações na Barra do Rio Grande no ano de 1786 elaborado por RANGEL. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.
127

CHARQUEADAS E SALADEROS

El Saladero platino por Pallière.


128

H. Gilberti em Historia de la ganaderia argentina ressaltava o costume corrente entre espanhóis e lusitanos da caça ao gado
bravio, o gado chimarrón: “El procedimiento resulta peculiar: se reunia um grupo de hombres, muy Buenos jinetes, um abundante
número de perros, salian todos a la campaña y al toparse com vacunos cimarrones, los rodeaban ayudados por perros, corriendo
trás ellos los herian em El garrón com um instrumento muy especial, El desjarretadero, compuesto de uma filosa media luna atada
al extremo de uma caña, seccionadas los tendones Del miembro posterior, El animal, imposibilitado de correr, caía AL suelo.
Terminada esta etapa, volvian los jinetes sobre SUS pasos y mataban lãs reses, sacándoles cueros, sebo y lengua; El resto
quedaba sin aprovechar...” (GILBERTI, 1972: 24).
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O COTIDIANO NAS CHARQUEADAS

As condições de vida nas charqueadas pelotenses é um tema que tem sido analisado pela historiografia,
em especial, a da escravidão. O trabalho insalubre e violência fizeram parte deste ambiente que propiciou uma
considerável capitalização dos charqueadores ao longo do século XIX. LONER, GILL e SCHEER (2012: 141-143)
ao pesquisar a questão da saúde nas charqueadas trazem alguns elementos que compunham o cotidiano deste
brutalizado ambiente de trabalho.

“Para que se possa entender o trabalho nas charqueadas, é preciso explicar a singularidade de sua safra.
Normalmente, a produção compreendia os meses de novembro a maio. Iniciados os trabalhos no meio da primavera,
quando o gado ainda se recuperava do emagrecimento do inverno, o abate terminaria no final do outono, e o charque,
produzido. E ao longo de um ano, só seria comercializado no seguinte. Tal situação era motivada, obviamente, pelo
clima e pelo ciclo natural das pastagens e da engorda do boi no pasto. Claro está que os meses de maior trabalho eram
os do verão, de dezembro a março. Contudo, algumas tropas ainda continuavam a ser comercializadas até maio. Sendo
assim, nos últimos dois meses de outono, os escravizados estariam trabalhando sob baixas temperaturas, à beira d'água
e sujeitos a intempéries próprias da estação. No caso dos carneadores, a situação era agravada pelo corpo molhado
pelo sangue dos animais, coagulado sobre a pele, enquanto suas tarefas eram inteiramente realizadas de joelhos,
posição que forçava seus corpos.
O trabalho iniciava com a compra da manada em Tablada, local de chegada das tropas de gado. Em seguida, ela
rumava para as mangueiras das charqueadas próximas, ou seja, os animais não pertenciam à própria charqueada, pois
essa dificilmente teria pastos suficientes para abrigá-los. A compra de bois feita em um dia seria processada até o dia
seguinte, para dar espaço à nova aquisição que normalmente chegaria à tardinha ao local de abate. Conceitos como dia
e noite eram muito elásticos na região, especialmente no verão, quando o sol costuma nascer por volta das 6:30h e se
pôr por volta das 19:30h, proporcionando, por conseguinte, jornada de trabalho de 13 horas de sol a sol.
Na verdade, a realidade sobre o tempo de serviço era outra. A respeito do cotidiano das charqueadas apenas uma
testemunha nos deixou seu depoimento, envolvido em contexto literário, por meio do conto intitulado 'Pai Felipe ou um
episódio de charqueada'. Trata-se do filho de um charqueador pelotense que, em sua juventude, escreveu um pequeno
drama contando a vida dos trabalhadores de charqueada com os quais convivera. Seu conto termina com a morte de
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dois deles, o que é considerado pelo autor uma verdadeira redenção, pois não acreditava em saída diferente para
aquele inferno, tal como descreveu.2 Segundo o conto, a jornada de trabalho começava à meia-noite - com o trabalho do
abate sendo feito à luz de lampiões - e se prolongava até o meio da manhã, quando o lote já estivesse retalhado. Depois
da matança, outras tarefas esperavam os trabalhadores, como a salgação e o contínuo empilhar, desempilhar e
estender as mantas de charque, tarefas cotidianas e, às vezes, também o auxílio no descarregamento do sal. No auge
da safra, o dia de trabalho poderia ter 16 horas, pelo menos. Após o serviço, os trabalhadores estiravam-se sobre a
tarimba para acordar novamente com a sineta à meia-noite e iniciar nova jornada, em tudo igual à anterior.
Dreys (citado em MAGALHÃES, 2000) também descreve o início do trabalho à meia-noite, mas afirma que tudo
estaria terminado até o meio-dia e que a tarefa seria tão pouco cansativa que não seria raro vê-los folgar no batuque
após terminá-la. Independente da notável propensão desse cronista a apresentar o trabalho das charqueadas como
saudável e a exaltar o bom tratamento dado aos negros, deve-se lembrar que batuques e demais folguedos, de forma
geral, não eram permitidos na maioria desses estabelecimentos. Quando o eram, só deveriam ser realizados
esporadicamente, muito provavelmente após a safra. Afinal, na cidade, até mesmo a comemoração do dia 13 de maio de
1888 fora adiada - em acordo com as entidades representativas dos negros e dos abolicionistas - para o início de junho,
de modo a não prejudicar os trabalhos nas charqueadas (LONER, 2001).
Trabalhar à noite durante o verão era menos penoso devido à diminuição do calor. Já a partir de março, o trabalho
iniciava, na maioria dos dias, com cinco graus de temperatura, ou menos, à beira do canal, em um galpão com inúmeras
frestas, por onde passava o vento minuano. Nos dias mais frios, conta o autor, lhes eram fornecidos um ou mais
copinhos de cachaça, origem de hábitos alcoólicos nocivos que mais tarde lhes seriam imputados, pela sociedade, como
defeitos inatos.
O resultado do que absorviam das duras condições de trabalho, da alienação moral e do entorpecimento dos
sentidos se traduzia em seu comportamento indiferente em relação aos animais - devido à pressa com que deveriam
trabalhar para cumprir as exigências da produção - , igual descaso sendo demonstrado com os seres humanos, fossem
companheiros de infortúnio, fossem seus superiores. Ao que parece, a fraternidade não tinha muito espaço nos
matadouros de bois. Os jornais relatavam casos de escravos que haviam injuriado ou matado alguns colegas, embora
em geral sua ira fosse dirigida contra os feitores. Em um caso específico noticiado pelo Jornal do Comércio (16 jan.
1880), o escravo responsável pela morte do capataz numa charqueada disse que matou o primeiro que lhe apareceu
131

pela frente, pois queria ser preso, para ir embora daquele lugar. Coerentemente, ele mesmo se entregou e confessou
seu crime.
Quando se acidentavam, ficavam doentes ou eram castigados no tronco, o que se mostrava comum devido ao
excesso de trabalho, os escravos eram então levados ao que se chamava de hospital, na própria charqueada, mas que
não passava de uma enfermaria com poucos recursos. Mesmo nesse local, ainda estavam sujeitos ao braço do feitor,
como demonstra Vitor Valpírio (citado em Magalhães, 2002, p.88), já no início do conto:

Vai a safra a todo o rigor e a negrada, estrompada pelo cruel serviço da charqueada, geme e resmunga sobre
o boi que a perita faca acaba de sangrar. Já por três vezes o hospital encheu-se de carneadores semimortos
de cansaço; e por três vezes foi despejado a força de cotia pelo severo Manoel Gomes. E a negrada,
renegando-se da sorte, passa as noites na cancha e os dias nas pilhas e na salga ... (Partenon Literário,
1874).

Os castigos também merecem menção especial, pois a característica de concentrar uma população escrava
numerosa, armada com facões e instrumentos cortantes, acrescida do alto grau de tensão provocado pelo trabalho,
requeria vigilância armada e disciplina forte para que não houvesse revoltas. Mesmo Dreys, com sua inclinação a relevar
os piores aspectos dos estabelecimentos saladeiris, afirma que uma charqueada funcionaria como uma espécie de
prisão. Por conseguinte, faltas pequenas poderiam dar origem a castigos severos, os quais, tal como em outros locais de
grande concentração de escravos, eram aplicados na frente de todos, para dar exemplo aos demais. Sob a fiscalização
do feitor, o trabalhador a ser punido era amarrado ao tronco e chicoteado por outros cativos. Ainda assim, os jornais
costumavam apresentar um grande número de fugas do território das charqueadas justamente nos meses do verão, o
que demonstra que, na cabeça dos cativos, nem o medo do castigo poderia ser pior do que continuar trabalhando
naquelas condições”.
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FORMAÇÃO COLONIAL: GRANDE PROPRIEDADE, ESCRAVISMO E AUTOCRACIA

Fernando Henrique Cardoso (1991) realizou no livro Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, uma
caracterização do tipo de dominação que se desenvolveu no Rio Grande do Sul e a definição dos princípios estruturais
que regulavam o comportamento dos agentes sociais na sociedade escravista. Para ele a partir do conhecimento das
normas estruturais vigentes na sociedade gaúcha é possível compreender de forma mais rica os padrões e mecanismos
sociais que controlavam a interação entre senhores e escravos.
Para o autor, a historiografia tradicional Rio-grandense admite, em geral, que a sociedade gaúcha se formou a
partir de princípios democráticos e igualitários de orientação do comportamento social. A sociedade rio–grandense não
só se organizou nos moldes de uma estrutura patrimonialista, como às posições assimétricas na estrutura social
correspondiam formas de comportamento reguladas por rígidas expectativas de dominação e subordinação. Inclusive
com o recurso ao exercício violento e arbitrário da autoridade inerente às posições hierarquicamente superiores do
sistema.
O padrão de equilíbrio estrutural da sociedade gaúcha mantinha-se, durante o século XVIII e o início do XIX,
através de formas autocráticas de dominação. As relações não primaram por subordinar-se a princípios democráticos de
afirmação de autoridade e poder. Ao contrário, a violência e a arbitrariedade se inseriram de tal forma no sistema de
relações sociais que se justificaria falar na perversão do sistema autocrático de mando no Rio Grande do Sul.
Um sistema autocrático pervertido foi o resultado de processos de ajustamento e de adaptação que se
desenvolveram diante das condições políticas, econômicas e sociais que definiram e limitaram as possibilidades de
atuação social dos habitantes da região sulina em determinados momentos da penetração, ocupação e exploração do
Continente de São Pedro. Da bravura e impetuosidade à indisciplina e ao desmando, a diferença é pouca, quando a
ordem militar e a própria sociedade não possuem as condições necessárias para manter os mecanismos regulares de
obediência e a noção do dever, isto é, o respeito à ordem jurídica instituída!
Para Cardoso, o gaúcho e o contrabandista representavam o tipo de ocupante das campanhas sulinas. Convém,
contudo, ter presente que o pilhador de gado e o contrabandista passaram a agir fora da lei apenas quando as relações
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entre as duas Coroas ou entre os Estados sul-americanos se normalizaram e quando a atividade econômica da região
organizou-se à base da apropriação privada da terra e dos rebanhos. As relações de fidelidade e o sistema de
dependência e favores recíprocos que marcam as estruturas patrimonialistas de poder não deixaram de se fazer sentir
nas normas sociais que regulavam a interação dos bandos de contrabandistas com seus protetores e instigadores, os
estancieiros: “o exercício de autoridade constituída pelo chefe autocrático dos pilhadores ou já transformado em
estancieiro, fazia-se através de recursos que se coadunavam com as qualidades dos chefes de bandos: a violência e o
arbítrio”.
Tanto os chefes dos bandos de saqueadores como os estancieiros da fronteira provinham, muitas vezes, da tropa
portuguesa: eram antigos desertores. A maioria, contudo, compunha-se de aventureiros. A eles sempre apelou à
administração nos momentos de luta. Peões agregados a certo estancieiro, acorriam às batalhas, depois voltavam para
as lides campeiras.
Não só através da instituição da herança a igualdade originária do senhor, beneficiário de sesmarias, e do
agregado, não beneficiado por concessões reais, desaparece, necessariamente, como camaradagem não significa
ausência de distância social. Tanto mais quanto esta camaradagem além de inserir-se num grupo social tão fortemente
hierarquizado, como é o grupo militar, ainda se exprimia numa situação social onde os traços autocráticos de
personalidade eram decisivos para permitir a liderança e onde o próprio sistema socialmente sancionado de poder
baseava-se na utilização da violência e na falta de respeito à pessoa humana!
“Um homem que tinha proteção do governo tirava uma sesmaria em seu nome, outra em nome do filho mais velho,
outras em nome da filha e filho que ainda estavam no berço; e deste modo há casa de quatro e mais sesmarias: este
pernicioso abuso parece se deveria evitar” (Manoel Antonio de Magalhães, início do século XIX). Esta afirmação vai ao
encontro da interpretação de Cardoso de que nunca houve sociedade latifundiária pastoril democrática no Rio Grande do
Sul?.
Na sociedade gaúcha não havia definição contratual das relações entre senhores e vassalos. A estabilidade desta
sociedade rural fundamentava-se já na propriedade territorial e na exploração econômica direta da propriedade, e não na
134

manutenção tradicional de um conjunto rentável de direitos, que constituem o fundamento sobre o qual repousa qualquer
estrutura feudal para permitir o desenvolvimento de um estilo de vida senhorial, nobre, baseado na utilização
cavalheiresca do ócio, e não, como no sul, no negócio! Faltando ha tradição consagradora dos limites no exercício do
poder conferido, e sendo fluido o sistema de controle mantido pela administração real em área tão longínqua quanto o
Rio Grande, não estranha que o arbítrio pessoal do mandatário se exacerbasse a extremos, e que os negócios da
fazenda Del-Rei se vissem confundidos com os negócios da fazenda – da casa – do súdito a quem a Coroa concedia
favores.
No período de formação da sociedade patrimonialista, a transição do domínio absoluto do chefe local para o
domínio, em nome da lei e de El-rei, nosso Senhor, fez-se em condições tais que o arbítrio pessoal e a insolência dos
que exerciam cargos de mando era muito grande De fato o patrimonialismo patriarcal ainda vigia plenamente. A ordem
patriarcal e o favoritismo familiar contrapunham-se como forças vivas à letra morta das ordenações estatais.
“Entretanto, os abusos atingiram o cúmulo, ou melhor, tudo era abuso. Os diversos poderes confundiam-se e tudo
era decidido pelo dinheiro e pelos favores. O clero era a vergonha da Igreja Católica. A magistratura, sem probidade e
honra (...) os empregos multiplicavam-se ao infinito; as rendas do Estado eram dissipadas pelos empregados e pelos
afilhados; as tropas não recebiam seus soldos; os impostos eram ridiculamente repartidos; todos os empregados
desperdiçavam os bens públicos; o despotismo dos subalternos chegou ao cúmulo, em tudo o arbítrio e a franqueza
andando a par da violência” (Auguste Saint-Hilaire, 1820). Esta referência do naturalista francês caracteriza o período
colonial no século XIX no Rio Grande do Sul!
“Assim como da distribuição real de cargos para a coleta de impostos e para a administração da justiça resultava,
ao lado do fortalecimento do tesouro real e da manutenção da ordem estatal-patrimonial, o fortalecimento de um tipo de
sociedade patriarcalista, com larga margem de arbítrio pessoal no exercício do mando, também surtia o mesmo efeito a
distribuição dos cargos eclesiásticos”. O autor afirma que os membros do clero eram funcionários do poder real, que
poderiam, num desvio das orientações reais, beneficiar-se do cargo para benefício próprio ou de pessoas de seu círculo
de relações.
135

Nos últimos anos do século XVIII, ocorreu uma tendência para o fortalecimento das parentelas com o apoio dos
representantes do rei, os quais não deixaram de ser arbitrários e violentos, qualidades que derivavam da própria
investidura na estrutura de poder! A administração local no período da Capitania serviu para o enriquecimento e prestígio
dos funcionários militares ou dos servidores eleitos e de suas famílias. No período da Governadoria, não deixaram os
vereadores, juízes ordinários, almotacéis e procuradores do Conselho de prestigiarem-se pelo uso da autoridade e
mesmo de servirem-se dessas posições para o enriquecimento próprio!
Para o autor, a colonização açoriana não pode ser caracterizada como um modelo de sociedade campesina
europeia, mas como uma economia agropecuária onde ao lado da data propriamente colonial havia a fazenda e a
estância que se mantinham a base da mão-de-obra escrava. A população açoriana constituía uma espécie de reserva
militarizada para a defesa do Continente. “As povoações eram fechadas (Porto Alegre, Rio Pardo, Rio Grande) por meio
de valados, trincheiras e outras obras de fortificações, em cujas portas aquartelava a força militar. A população civil, por
sua vez, estava constituída em milícias de ordenanças, espécie de guarda territorial, sob o comando de capitães-mores,
escolhidos no geral dentre o seio da população pelo Senado da Câmara”. A militarização da população do Continente de
São Pedro foi generalizada. Isto significa que os descendentes dos açorianos que não haviam enriquecido sofriam as
duras penas do serviço militar.
Segundo o autor, “no século XIX, os homens bons das cidades eram já descendentes dos açorianos enriquecidos
cujos padrões de comportamento não encontram símile nas comunidades aldeãs. Além de prósperos senhores de
alguns escravos eram homens nos quais o despotismo militar e o regime de favoritismo haviam criado a predisposição
para explorar arbitrariamente com fins pessoais as vantagens dos cargos públicos. Tornavam-se, portanto, felizes
beneficiários das fidalgas distribuições de terras, feitas, em nome del-Rei, pelos capitães-generais e seus auxiliares”. Os
proprietários encontravam limites para o seu poder apenas na prepotência dos capitães generais e militares, o que
perdurou até que as bases econômicas de seu prestígio permitir uma situação de independência da burocracia imperial
brasileira que sucedeu a dominação político-militar lusitana!
136

O autor propõe que o processo de constituição da sociedade patrimonialista passou por algumas fases: a fase da
conquista, onde a atividade econômica e social da região subordinava-se, de forma total e imediata, aos interesses e ao
poder da Coroa e do Estado português, onde os funcionários reais agiam em detrimento da população local.
Posteriormente, o Poder Real se viu obrigado a reconhecer e fortalecer a autoridade exercida pelos chefes de bandos
guerreiros e chefes de parentela, estabelecendo uma forma de dominação que se aproximava do patriarcalismo
originário. Num segundo momento de constituição da sociedade senhorial gaúcha a Coroa conferiu cada vez mais
autoridade, prestígio e possibilidades de apropriação de bens econômicos aos senhores locais. Paralelamente, os
funcionários reais, civis e militares passaram a utilizar, cada vez mais, a parcela de poder auferido para expropriar os
habitantes da região não amparados pelo Poder. Desta forma nas primeiras décadas do século XIX, os proprietários de
terras, gados e escravos passaram a um exercício do poder onde mais buscavam acrescentar a riqueza pessoal do que
fortalecer os interesses do Erário e do Poder Real!
Os cargos, favores e influências que o Estado Patrimonial Português concedeu ou propiciou para assegurar os
interesses políticos e econômicos da Coroa e do Estado resultaram, na intensificação das condições favoráveis para a
formação de uma camada de senhores, que logo que se viu fortalecida, passou a agir independentemente dos
interesses coloniais portugueses. A apropriação das posições burocráticas pelos senhores locais buscando o prestígio
pessoal e a consolidação da riqueza familiar, desfigurou o sentido original da ordem patrimonial-estatal lançando as
bases da sociedade latifundiária, escravocrata e pastoril do Rio Grande do Sul, mais próxima do patrimonialismo
patriarcal que do patrimonialismo-estatal!
A democracia racial e a democracia rural gaúcha, como ideologia, além de não corresponder às condições reais
de existência social, é formalmente contraditória nela mesma: supõem uma relação entre senhores, escravos, agregados
e peões, que é ao mesmo tempo autocrática e democrática, senhorial e igualitária!
Toda reconstrução do passado rio-grandense em termos da sociedade rural democrática visa, ao mesmo tempo,
glorificar o branco-senhor, magnânimo em face do negro, e considerar o negro como realmente e não socialmente
inferior! Para o autor, a reconstrução idílica da sociedade senhorial como democrática e sem preconceitos resulta na
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glorificação dos senhores gaúchos? O mito da democracia gaúcha encobre a existência de tensões nas relações entre
negros e brancos impedindo a análise objetiva da vida social! O autor concorda com esta afirmação? Houve,
efetivamente, situações sociais nas quais a interação entre senhores e escravos, sem ter tido, como é óbvio, qualquer
cunho igualitário ou democrático, foi mais humana!

Charqueada. Aquarela de Jean Debret por volta de 1823.


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OS GAÚCHOS

A primeira referência documental aos gauchos recua a 1617 a província argentina de Santa Fé onde “mozos
perdidos” que viviam com índios pampeanos estavam roubando e mato gado para tirar o couro. Em 1642, o Cabildo de
Buenos Aires denominou os ladrões de estâncias como “cuatreros e vagabundos”. A documentação jesuítica de 1686
denunciava a ação de pilhadores das estâncias missioneiras os “vagos ou vagabundos”. No início do século XVIII estes
grupos de pilhadores matavam o gado da Vacaria Del Mar para tirar o couro e venderem em Montevidéu: os “faeneros”
(quando pagavam impostos) e os “changadores” (quando não pagavam impostos). Os termos utilizados remetem estes
ladrões de gado e de estâncias a zona rural da Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. O Sargento-Mor José de
Saldanha em 1787 se refere a “gauches” como vagabundos ou ladrões do campo, que matavam os touros chimarrões
para lhes tirar o couro e vender nas povoações. Já o termo gaudério é usado para definir pessoa que não trabalha e não
se fixa num lugar. Malfeitores e ladrões são muitas vezes chamados na documentação de gauchos ou gaudérios,
enquanto palavras sinônimas. Emilio Coni (1945). O gado “Cimarron ou chimarrão é um termo originado na América
Espanhola dirigido a tudo que havendo sido doméstico, cultivado e civilizado, voltou ao estado selvagem (ASSUNÇÃO,
2011). Acampamento de gauchos. Jean Palliere.
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A historiadora Ieda Gutfreind (2006) realizou uma fundamentada reflexão sobre o gaúcho não como a síntese
gentílica daqueles que nasceram no Rio Grande do Sul, mas, enquanto “habitante de um espaço delimitado à zona da
Campanha e como um agente social que constrói, a partir de suas vivências, sua cultura”. A interpretação a seguir é
baseada na primeira parte do artigo no qual a autora analisa o habitante da Campanha e sua cultura.

QUEM ERA O GAÚCHO NO PERÍODO COLONIAL?


Etnicamente, a sociedade colonial sul-rio-grandense teve participação de brancos, negros e mestiços. No Rio
Grande do Sul conviveram diferenciados grupos sociais: no meio rural os estancieiros, charqueadores, militares,
lavradores, camponeses, peões; nos núcleos urbanos os comerciantes, profissionais liberais, trabalhadores domésticos,
artesãos, ambulantes etc, gerando múltiplas relações de trabalhos, desde escravos até trabalhadores temporários,
autônomos e permanentes. Segundo Gutfreind, gaúcho é o nome que tem sido dado ao habitante da zona da
Campanha que se dedica à criação de gado, vivendo em terras tanto da Argentina, quanto do Uruguai e do Brasil. Em
nosso país, designa a população do Rio Grande do Sul, pois este estado possui extensas planícies pampeanas e
apresenta, desde a sua colonização até os dias atuais, uma economia em que a pecuária ocupa um lugar de destaque.
No presente, o termo gaúcho no RS é empregado para designar os setores populares que, vivendo nas áreas de
produção pecuária, participam do mercado de trabalho que ali existe, na qualidade de trabalhadores permanentes das
estâncias: os peões.
No período colonial, os gaúchos compunham a minoria da mão-de-obra dedicada à pecuária. A maior parte dos
trabalhadores se constituía de mão-de-obra que, em muitas ocasiões, trabalhava para si ou por contratos de trabalho
temporários. Gaúchos no que se refere à sociedade do período colonial compreende peões, vagos, gaudérios ou
qualquer outra denominação que represente o homem da Campanha. Na sociedade colonial e da primeira metade do
século 19, ser considerado vago, consistia em algo impreciso, ao mesmo tempo em que terrivelmente concreto para o
homem da Campanha. Ao conceito de vago, seguia-se muitas vezes o de vagabundo, como se fossem causa e efeito ou
até mesmo sinônimos. Assim, trabalhadores sem emprego ou ladrões de gado podiam receber o mesmo tratamento,
sendo perseguidos e presos, desde que estivessem ameaçando a ordem estabelecida. A existência de um contingente
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de vagos, considerada uma ameaça à segurança dos pecuaristas, pode ser explicado pelo pequeno número de peões
ou de mão-de-obra permanente que a pecuária requeria, como também pelo seu caráter sazonal. Se era restrito o
número de trabalhadores permanentes, os trabalhadores avulsos contratados para os trabalhos ocasionais na atividade
pecuária, os avulsos, eram necessários. Seja no sistema de vacarias ou de criação de gado nas estâncias, os meses de
outono e da primavera correspondiam aos períodos em que os trabalhos se intensificavam. As tarefas nas vacarias
exigiam o emprego de homens para a caça, a retirada do couro e o transporte de animais, enquanto que nas estâncias
trabalhadores avulsos eram contratados para realizar a marcação, a castração ou a tosquia dos animais.
A vida no campo e as lides na pecuária propiciaram o surgimento de um tipo social no qual as capacidades físicas
sobrepujavam as intelectuais. O contato direto com a natureza na luta pela sua sobrevivência fez do gaúcho um homem
forte, enérgico, acostumado ao uso do laço e do facão. Habituados a uma vida independente e andarilha, de cavaleiros
itinerantes, os gaúchos representavam uma classe rebelde, responsável por crimes sociais para os proprietários das
terras e do gado. Do ponto de vista deles, pretendiam apenas manter o modo de vida que acreditavam estar em
harmonia com o pampa e com seus abundantes rebanhos. Vários de seus hábitos, que hoje fazem parte do folclore e do
mito cultural da figura do gaúcho, foram contestados e combatidos pela classe dominante, chegando, inclusive, a serem
consideradas contravenções sociais. Dentre essas, destacamos o uso da bebida, as brigas, os jogos de azar e os bailes.
Para o habitante da Campanha, tais manifestações culturais estavam relacionadas com o seu cotidiano, com a sua
forma de viver. A bebida, que ele comprava dos nativos, ajudava-o passar as noites frias ao relento; os jogos de azar
faziam parte de seu lazer diário, visto que o dia de trabalho se encerrava ao entardecer e, muitas vezes, o clima adverso
impedia que, em outros pudesse trabalhar. Os bailes, a música e a dança constituíam-se em fontes de diversão e de
oportunidade de manter relações sociais. Como ele costumava cruzar o pampa em busca de gado, a sua vida
caracterizava-se em muitos momentos, pela solidão. Por isso, apreciava, frequentar bailes, tocar viola e entoar canções.
Estas duas últimas, inclusive, faziam parte da sua vida solitária, quando, à noite, apeava do seu cavalo e dormia debaixo
de um umbu.
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O gaúcho tinha sua própria ética de trabalho. Para ele, trabalhar significava realizar alguma tarefa que lhe
garantisse a subsistência, mas que também lhe desse prazer. Era assim que enfrentava a atividade assalariada:
realizava-a em troca de pagamento que lhe permitisse comprar um poncho, a bebida e o sal de que necessitava, sem,
entretanto, buscar nela a razão de sua existência. Essa sua forma particular de encarar o trabalho, associada às
condições da produção, contribuíram para torná-lo um itinerante, um trabalhador ocasional.
Entretanto, seu labor não se restringia apenas a isso. Para o gaúcho, trabalhar significava também vivenciar a
alegria. Nesse sentido, recusava-se a realizar tarefas de que não gostasse, sendo muitas vezes visto como um
preguiçoso, indolente. Considerava suas atividades preferidas àquelas que realizava nos grandes rodeios, os quais,
geralmente, efetuavam-se em março e setembro, onde domava, marcava e castrava. Eles se constituíam num misto de
trabalho e festa, já que passava dias praticando com outros companheiros sua habilidade de cavalgar, ao mesmo tempo
em que laçava, usava o facão, o ferro de marcação etc.
Foi nas lutas corporais que o gaúcho melhor associou suas vivências, com seus valores, suas representações, seu
imaginário social. A vida livre, cheia de emoções e perigos que ele enfrentava, laçando, marcando ou matando o gado,
levava a que ele convivesse com a violência corporal no seu dia-a-dia, passando a aceitá-la com naturalidade. Por isso,
valorizava a altivez, a coragem, a energia, mais do que a honestidade, a educação moral e intelectual. Foi a partir
daquelas que construiu seu universo social, escolhendo para líder e aceitando como seu superior aquele que as melhor
demonstrasse.
Ieda Gutfreind conclui que o sentimento de liberdade constituía-se, talvez, no maior valor deste grupo social, o
gaúcho, pois para ele era mais fácil aceitar os castigos corporais do que o aprisionamento da sua alma. Sua concepção
de felicidade consistia em poder gozar sua liberdade de ir e vir, de escolher onde e quando trabalhar, não se importando
em levar uma vida de pobreza e em retirar do meio a sua subsistência.
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Acampamento de gauchos na Argentina em 1839. Autoria de Carlos Morel. Acervo: Museu


Nacional de Belas Artes.

Gauchos mateando na Argentina Arquivo General de la Nación.


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Gaucho argentino em 1868. Acervo: Biblioteca do Congresso Americano.
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DNA DOS PAMPAS

A revista “Pesquisa Fapesp” número 134 de abril de 2007 publicou a matéria “DNA dos Pampas” autoria de
Ricardo Zorzetto. A pesquisa genética foi essencial para comprovar que a presença espanhola e indígena foram
preponderantes para a formação do tipo social gaúcho no Rio Grande do Sul.

“À entrada de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, um imponente laçador em trajes típicos – chiripá (fraldão
que faz às vezes de calça) e lenço no pescoço – homenageia os gaúchos. Símbolo da capital gaúcha, o laçador foi
esculpido à imagem do compositor João Carlos Paixão Côrtes, um dos criadores do primeiro Centro de Tradições
Gaúchas e responsável pelo resgate e pela disseminação da cultura dos Pampas por todo o país.
Em uma espécie de continuação acadêmica da restauração da identidade gaúcha, as geneticistas Andrea Marrero
e Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), concluíram agora o perfil genético do
típico morador dos Pampas, os vastos campos que se estendem do sul do Brasil ao Uruguai e ao norte da Argentina.
“Esse é um grupo cuja ancestralidade é difícil de determinar porque resulta de miscigenação antiga, do início da
colonização”, diz Maria Cátira.
Em colaboração com Francisco Salzano, que há 50 anos estuda genética de populações indígenas, Andrea e
Maria Cátira examinaram o material genético de 150 homens de Alegrete e Bagé, interior do Rio Grande do Sul, já
próximo à fronteira com o Uruguai e a Argentina, onde se acredita que tenha surgido o gaúcho. E constataram que,
assim como o restante do povo brasileiro, o gaúcho é produto de uma intensa miscigenação entre índios, negros e
europeus. Mas com peculiaridades importantes.
A análise do cromossomo Y, transmitido de pais para filhos homens e indicador da ancestralidade paterna, mostrou que
90% dos gaúchos descendem de europeus. Mas, diferentemente do que se observa em outras regiões brasileiras, suas
características genéticas são mais semelhantes às dos espanhóis do que às dos portugueses. Mais de um fator histórico
explica o que a genética registra. Durante dois séculos e meio, o que hoje é o Rio Grande do Sul pertenceu à Coroa
espanhola por determinação do Tratado de Tordesilhas, que dividiu o Novo Mundo entre Espanha e Portugal em 1494.
Área de constantes disputas entre portugueses e espanhóis, essa região só seria integrada ao Brasil em 1750, com a
assinatura do Tratado de Madri. Outra característica dos habitantes dessa região era se deslocar pelos Pampas sem se
145

confinar às demarcações políticas do território, transitando livremente entre Brasil, Argentina e Uruguai. “A fronteira para
o gaúcho são os próprios Pampas”, explica Maria Cátira.
Pelo lado materno, porém, a contribuição indígena para a constituição genética do gaúcho foi bem superior à média do
país – de 33%, segundo estudos da equipe de Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais – e
próxima à observada na Amazônia, segundo artigo a ser publicado na Human Heredity. Mais da metade (52%) dos
gaúchos tem uma ancestral indígena, 37% são descendentes de europeus e apenas 11% de africanos.
Ante essa característica, Andrea e Maria Cátira voltaram à atenção para o componente indígena dos gaúchos. Ao
comparar com o material genético de 5 mil grupos nativos das Américas, verificaram que a porção indígena pode ter
duas origens: os guaranis, grupo original da Amazônia que migrou para o sul do país há uns 2 mil anos; e os charruas,
povo que habitou parte do Rio Grande do Sul e do Uruguai. Os charruas não se deixaram subjugar pelos colonizadores
e foram exterminados pelos uruguaios no século XIX. “Apesar de bravios, há relatos no Uruguai de mulheres charruas
integradas às famílias de estancieiros”, diz a geneticista.
Embora tenham sido extintos, recentemente pesquisadores uruguaios recuperaram material genético do último
grande chefe charrua, Vaimacá Perú. “Eles desapareceram como grupo etnocultural, mas deixaram suas marcas nos
genes dos gaúchos”, diz Maria Cátira. Para ela, nem os genes nem a herança cultural dos charruas foram apagados.
Provavelmente foi deles que o gaúcho herdou a destreza para lidar com cavalos e boleadeiras, usadas para encilhar o
gado e os animais no campo”. Cartão-postal sobre costumes campestres da
República Argentina. Cerca de 1910.
146

Cartão-postal retratando o morador do bioma pampa no RS. Cerca de 1900.

Juan Pallière.
147

EL GAUCHO NOS QUADRINHOS

A linguagem dos quadrinhos (HQ) possibilita incursões estéticas e narrativas voltadas à reflexão sobre temas
históricos. A graphic novel El Gaucho com roteiro de Hugo Pratt e desenhos de Milo Manara. O conflito entre ingleses e
moradores de Buenos Aires nos primórdios do século XIX é relatado a partir das memórias de soldado inglês que foi
viver com índios minuanos. Cenários de construção de identidades ligados ao pampa e os interesses europeus no Rio
da Prata são trabalhados com uma imaginação balizada por eventos históricos.

El Gaucho na edição norte-americana da Dark Horse de 2012.

El Gaucho. São Paulo:


A VISÃO DE CRONISTA
Conrad, 2006. Primeira
edição inglesa em 1991.
148

A VISÃO DE CRONISTA

O comerciante francês Arsène Isabelle (1949) percorreu o Rio Grande do Sul e o Prata entre 1833-1834. De
ideologia liberal, deixou inúmeras impressões desta viagem. Podemos utilizar alguns destes conceitos e visões
sobre o comportamento social para ampliar a visão de mundo sobre o período imediato que antecede a
Revolução Farroupilha, em especial no espaço platino argentino e uruguaio.

►[...] pulpería, espécie de botequim e cabaré ao mesmo tempo, onde se veem cavalos de gaúchos amarrados a um poste, enquanto os donos
jogam cartas, a escondidas, [...] ao qual são tão afeiçoados, que chegam a jogar a própria camisa. Ainda é bom quando o jogo termina sem briga,
pois, do contrário, a disputa será resolvida no meio da praça com as longas facas de que estão sempre armados. (ISABELLE, 1949, p. 143-4).

►Arsène Isabelle disfarçou-se de gaúcho para não chamar a atenção ao chegar em Paysandu (Uruguai) em 1834. A roupa consistia em “[...]
jaqueta marrom, colete branco chiripá azul-celeste, bombacha branca, com franjas, sob as calças de casimira azul, e um poncho inglês colocado
negligentemente sobre o ombro esquerdo. Levava, além disso, o cigarrito de papel na boca, o facão passando na cintura do chiripá, atrás das
costas, e o chapéu a médio lao... Juro que tinha o aspecto de um honesto bandido. Haviam me aconselhado a desembarcar assim, a fim de não
provocar suspeitas da parte dos gaúchos, que não veriam com bons olhos o aparelhamento bélico que levávamos para caçar. (ISABELLE, 1949,
p. 189).

►Isabelle descreve os gaúchos como foras da lei e afirma que os índios guaranis “antes dóceis se uniram aos arrogantes charruas e a alguns
gaúchos criminosos, para pilhar, devastar em comum todas as estâncias, assim como as povoações do interior, a fim de venderem os animais e os
couros roubados aos portugueses e brasileiros, que achavam muito cômoda essa maneira de enriquecer, ao mesmo tempo iam alimentando com
ela o ódio que ainda sentem pelos chamados espanhóis. (ISABELLE, 1949, p. 214).

►A hospitalidade concedida aos estrangeiros é satisfatória e “quase toda a gente de certa cultura, na América do Sul, acolhe bem os estrangeiros
e lhes oferece a mais generosa hospitalidade. Mas não acontece assim fora das cidades, onde a educação dos homens se limita a saber laçar ou
bolear os animais com destreza, a domar um cavalo e a montá-lo com garbo. Esses homens, meio selvagens veem com desagrado os
estrangeiros”. Deixando o Uruguai e se deslocando pelo Rio Grande do Sul “nada tínhamos a temer na terra brasileira, nem dos animais, nem
dos homens, ao contrário do que acontecia no país [Uruguai] que tínhamos percorrido. Citaram-nos muitas pilhagens, cometidas havia pouco
149

tempo, e nos garantiram que tínhamos tido sorte em escapar do ataque dos índios errantes, que rondam as margens do Uruguai para assaltar os
viajantes. (ISABELLE, 1949, p. 217).
Carte dela République de L'Uruguay (Band-Oriental) et de province
de Rio Grande do Sul ou de São Pedro: comprenant cours de
l'uruguay et du de la plata. Arséne Isabelle, 1835. Acervo: IHGRS.
150

PALLIERE E BLANES: CENAS COTIDIANAS

Juan Léon Pallière foi um pintor de origem francesa que nasceu no Rio de Janeiro em 1823 e que faleceu
na França em 1887. Estudou por longos anos pintura na Europa e se radicou em Buenos Aires em 1855
permanecendo até 1866. Suas obras são fruto de viagens ao Chile, Uruguai, Brasil e cenas de Buenos Aires e do
interior argentino. O gaúcho e a china é um dos temas centrais deste pintor.

Pulperia. Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires.


151

Pulperia. J. Pallière, 1858. Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires.


152

O gaúcho e a china no rancho. Jean Pallière. Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires.
153
La pisadora de maíz, publicada em 1868. Juan Pallière. Museu Nacional de Belas Artes de Buenos
Aires.
154

Juan Manoel Blanes (nasceu no Uruguai em 1830 e faleceu na Itália em 1901). Retratou em suas aquarelas
temas históricos uruguaios sendo considerado “o pintor da pátria” pela busca da identidade uruguaia estar
preservada em suas pinturas.
Gaúcho uruguaio, Juan Manoel Blanes, década de 1870. Museo Nacional de Artes Visuales
de Uruguay.
155

Gaúcho uruguaio, Juan Manoel Blanes, década de 1870. Museo Nacional de Artes Visuales de Uruguay.
156

A pulperia retratada por Carlos Morel é um ponto de encontro lúdico, social e político. Espaço de
reprodução da identidade pampeana e de articulações políticas definidoras de reações aos avanços e recuos da
fronteira e das complementariedades culturais luso-espanholas.

Pulperia portenha. Aquarela do pintor argentino Carlos Morel por volta de 1841.
157

O PRATA NA PERSPECTIVA DA GEOGRAFIA HISTÓRICA

O processo histórico se efetiva no espaço e tempo. A espacialidade e sua fácie cultural e geopolítica é uma
investigação indispensável para situar os atores sociais e as dinâmicas econômicas. Sidney Gonçalves Vieira
(2013) pesquisou as cidades do Prata e a formação territorial eurbana do Extremo Sul do Brasil.

“Para MORAES (2002) a Geografia Humana precisa ser entendida como a ciência social que tem por objeto o
processo universal de entendimento da apropriação do espaço natural e da construção de um espaço social, que se dá
pelas diferentes sociedades ao longo da história. No mesmo sentido, concebe a História como sendo uma progressiva e
reiterada apropriação e transformação do planeta, resultando em uma cumulativa antropomorfização do espaço
terrestre. Assim, esse processo de transformação do espaço natural, de apropriação da natureza e sua transformação
em um meio cada vez mais artificial é o próprio processo histórico que se realiza a partir da produção espacial. As
construções e destruições realizadas pelo homem passam a fazer parte do espaço, qualificando-o para as apropriações
futuras. A constituição de um território é, assim, um processo cumulativo, a cada momento um resultado e uma
possibilidade em contínuo movimento. Trata-se, portanto, de um modo parcial de ler a História, a partir desse processo
de constituição do território. A constituição do território pode ser um rico caminho para a análise da formação histórica de
um país, pois a qualidade de sua inércia torna-o importante depositário não apenas de valores econômicos, mas
também de projetos que por diferentes vias se hegemonizaram na sociedade em foco.
Do ponto de vista metodológico se busca, assim, uma orientação que fuja também da mera repetição dos fatos,
que tem nos conduzido a uma descrição da história como uma sucessão de fatos que inexoravelmente conduzem a uma
só possibilidade de presente e de futuro. Procura-se romper com uma perspectiva linear da história, que analise a
produção territorial e urbana a partir da evolução urbana.
De modo geral os estudos sobre o processo de formação territorial e urbana do Brasil se baseiam em uma
fundamentação única, baseada na unidade territorial do país. Entretanto, sobretudo em um país de dimensões
158

continentais como é o Brasil, este tipo de consideração tende a mascarar as peculiaridades regionais existentes no
contexto mais amplo. Sobretudo, quando se trata de um estudo geohistórico, ligado ao período colonial, a ideia de
unidade nacional não pode ser aplicada. O processo de produção do espaço urbano não pode ser entendido a partir de
uma lógica exclusivamente nacional, que desconsidere a multiplicidade de atores envolvidos no processo,
principalmente se o que se pretende é entender uma formação territorial e urbana a partir de uma ótica regional e
pautada na importância das ações locais.
Em nossa proposição as Cidades do Prata podem ser reconhecidas basicamente pelo contexto de suas formações
territoriais urbanas, vale dizer, pela justificativa comum de seus nascimentos. Todas têm origem, direta ou indiretamente,
no vasto processo de extração da prata das minas bolivianas e, nesse contexto são especificadas pela origem comum
que têm no complexo processo de contrabando do mineral, que gerou uma rota alternativa, capaz de despertar o
interesse pelo território até então inóspito e pouco ocupado nos domínios português e hispânico na América. Trata-se da
região periférica do processo de exploração colonial, existente onde hoje se localiza o extremo sul do Brasil (Estado do
Rio Grande do Sul) a Mesopotâmia da Argentina (Províncias de Entre Ríos, Corrientes e Missiones) e o Uruguai. Na
verdade um complexo territorial dominado pelos rios Paraguai, Paraná e Uruguai e suas respectivas bacias coletoras,
que na sua desembocadura no Oceano Atlântico configura o estuário do rio da Prata.
Toda essa imensa região é reconhecida tradicionalmente pela denominação de Região Platina, justa alusão ao
processo histórico que lhe deu origem. Essas terras permaneceram desinteressantes às explorações coloniais de
espanhóis e portugueses justamente pela falta de atrativos econômicos que justificassem uma empreitada colonizadora.
De fato, nessas paragens não havia ouro, prata ou exploração agrícola rentável que justificasse o interesse dos
exploradores europeus. Somente a possibilidade de exploração de uma rota clandestina de escoamento da prata do
centro da América chamou a atenção. A partir daí esse território passou a ser então motivo de cobiça das duas coroas,
ensejando uma disputa que extrapolou os limites da política para combates e guerras efetivas.
Todo este processo localizado no espaço platino se desenvolve como parte da própria formação territorial dos
Estados envolvidos, pois as disputas pelo controle estratégico dos principais pontos desse território levarão à
159

demarcação dos limites entre estas partes. A região se torna uma terra de disputas cujo domínio oscila entre as coroas
portuguesa e espanhola até que se definam as demarcações que configuram os estados contemporâneos envolvidos no
processo. Por isso, o período em que ocorrem essas disputas é significativamente importante para a formação territorial
e urbana da região. Nesse período é que se identifica a fundação de cidades como verdadeiros pontos demarcatórios do
território, como bastiões pelos quais se disputará a imposição de limites, sendo este fator extremamente decisivo na
escolha de posições e sítios urbanos. Portanto, a configuração regional se justifica pelo leitmotiv da disputa pelo controle
do território entre as coroas ibéricas na América, sendo esse motivo fundante um dos definidores do caráter e da
identidade da sociedade local. Podemos identificar no tempo este período como compreendido entre a fundação da
Colônia do Sacramento (1680), como ponto inicial e a independência do Uruguai (1828), como ponto final.
Obviamente que datas estanques não são apropriadas para a delimitação de um período cujas origens e
consequências não se limitam a sua ocorrência, haja vista que acontecimentos anteriores e posteriores continuam
intimamente associados ao processo analisado. Entretanto é o marco temporal que serve de gênese para a análise, é a
datação histórica que fundamenta as relações sociais de produção que se quer ligar com o presente para entender a
sociedade e o espaço atual. A fundação de Colônia do Sacramento é apontada no início do período porque marca a
postura portuguesa de disputa e interesse pelo território em questão. Demonstra, em uma região dominada por
espanhóis ou abandonada a qualquer sorte, que a natureza apresenta atributos que merecem a atenção e cujo domínio
passa a ser objeto de disputa, se não pelos recursos pela posição estratégica de controle destes. Por outro lado, o
processo tem seu ponto final marcado com a criação do Uruguai porque a partir daí se definem os limites que passam a
demarcar os territórios disputados, e também porque marca a finalização do processo de fundação dos estados
nacionais resultantes destas disputas, pois se estabelecem as autonomias, ainda que não de forma inconteste, de Brasil,
Argentina e Uruguai. Como se disse, não são limites absolutos, mas ajudam a delimitar o conjunto de relações que estão
abarcados pela colonização da América Platina pelos impérios de Portugal e Espanha.
Portanto, a denominação “do Prata” para essas cidades visa lhes conferir uma identidade cultural e territorial cuja
justificativa é histórica, uma vez que comungam da mesma sorte de acontecimentos para explicar suas origens, e
160

também geográfica, já que compartilham um território de características comuns, marcados pela paisagem do pampa.
Os tipos que daí emergem, o gaúcho e o missioneiro, fundamentalmente, são construções fundadas nos elementos da
história e da geografia dessa região, que encontram na disputa territorial, no embate com as elites dominantes e no
processo de afirmação de identidade um caudal que desenvolve a cultura local. Não se trata de um processo
homogêneo, muito pelo contrário é pleno de idiossincrasias, que a denominação comum não pretende esquecer. Por
isso se rejeita a adoção da denominação para construção tipológica. Ela é tão somente identificadora dos processos
históricos e geográficos responsáveis pela produção de um espaço heterogêneo, ainda que produzido por processos
que na origem foram comuns.
(...)No que diz respeito ao processo de produção territorial e urbano do sul do Brasil é possível afirmar que do
ponto de vista do processo histórico o estudo se insere na lógica da produção do espaço observado após o declínio da
produção açucareira no Brasil. O chamado “século do açúcar” teve vigência entre 1570 e 1670, dominando as relações
sociais de produção no Brasil. Sob essa lógica, toda a sociedade se organizou, sendo incipiente qualquer outra forma de
relação econômica e política até então. Já após a unificação das coroas de Portugal e Espanha há uma alteração nesse
quadro, e Portugal preocupa-se cada vez mais com a definição dos domínios territoriais. Com a influência da Inglaterra,
interessada na prata espanhola de Potosi, os portugueses buscam ampliar seu território, adotando interpretações
parciais para os tratados firmados. Ampliam o limite do tratado de Tordesilhas, avançam extremamente para o sul até
Colônia de Sacramento para intervirem no comércio clandestino da prata, controlado pelos espanhóis em Buenos Aires.
Essa situação desagrada à Espanha que empurra os portugueses até Laguna e desencadeia uma série de avanços e
retrocessos demarcatórios na esteira dos quais surgem cidades como fortificações de defesa, acampamentos militares e
outras formas com interesse de garantir o domínio do território.
Buenos Aires já estava instalada nas margens do rio da Prata desde 1537, Colônia do Sacramento surge em 1680
e Montevidéu em 1729. Em 1737 Rio Grande representa uma posição de defesa para os portugueses e, em 1780,
Pelotas aparece como centro de um núcleo charqueador. Ainda, no lado argentino, entre os rios Paraná e Uruguai, há
um intenso processo de destruição de bases indígenas e de cidades consolidadas, o que também ocorre no Brasil, na
161

porção oeste do Rio Grande do Sul. Enfim, a região do Prata se constitui em uma região de definição de fronteira, neste
período que se pretende terminado no final do século XVIII, com a assinatura do tratado de Santo Ildefonso, em 1777,
mas que avança um pouco mais até a definição das fronteiras entre Brasil, Argentina e Uruguai, que se estabelece em
1828 com a independência uruguaia” (...).

Rio Grande de São Pedro e o Prata na Planta de Abrantes, 1726. Biblioteca


Nacional de Portugal.
162

REFLEXÃO HISTORIOGRÁFICA SOBRE AS FRONTEIRAS PLATINAS

A discussão nacional e regional foi travada por intelectuais rio-grandenses. Aproximações e distanciamentos com
o Prata demarcam o conceito de fronteira. O texto abaixo de autoria de Ieda GUTFREIND (2000) discute esta questão:

“A produção histórica sul-rio-grandense contemporânea esgota-se no paradigma da nacionalidade. Este esforço


dos construtores da história gaúcha já se manifesta no final do século (XIX) passado e, com maior empenho, nas
primeiras décadas deste século (XX), assumindo como que uma matriz historiográfica, o axioma: “O Rio Grande sempre
foi, desde o berço, um pedaço do Brasil, o Brasil que cresceu de si mesmo” (Moysés Velhinho). Neste sentido, a
perspectiva assumida pela historiografia dita oficial gaúcha, em estudo, é a da existência de uma fronteira sempre
ameaçada. Ideologicamente, ela construiu o discurso da muralha, separando o que, pela própria natureza, é
continuidade – a vastíssima área do pampa. Aplicando os conceitos fronteira linha e fronteira zona reconhecemos que
esta historiografia apenas discorre sobre a fronteira linha, na medida em que seus estudos destacam os conflitos entre
impérios e após, entre nações independentes, deixando ao largo as aproximações e as trocas que teriam ocorrido entre
os dois lados da fronteira, o que, segundo o autor, responderia com o conceito fronteira zona. Foi, pois, a partir do
enfoque fronteira linha que os historiadores gaúchos em sua maioria, construíram uma história para o Rio Grande do Sul
desde sempre brasileira, cujas origens encontravam-se em Portugal e o seu desenvolvimento vinculado ao restante do
espaço colonial lusitano, da América. Neste processo, cunharam expressões que se tornaram recorrentes e são
veiculadas até a atualidade; referimo-nos à proposta político-ideológica do pertencimento das terras que atualmente
compõem o estado meridional do Brasil como desde sempre, possessões portuguesas. Dentre as máximas
justificadoras, apontamos ocupação tardia, espaço vazio, terra de ninguém. Tais expressões encontram-se praticamente,
na totalidade da produção historiográfica sul-rio-grandense, simbolizando seus suportes legitimadores”.
163

OS TRATADOS

Os confrontos luso-espanhóis foram mediados através de tratados buscando definir limites territoriais para
evitar os enfrentamentos militares. A ordenação da divisão territorial buscava normatizar a ocupação e legitimar
a posse que viabilizaria o surgimento de aglomerações urbanas e catalisação do processo produtivo.

O primeiro cenário geopolítico foi desenhado pelo Tratado de Tordesilhas (1494) e o Rio Grande do Sul
ficou fora da órbita de Portugal. A União Ibérica (1580-1640) deixou sob a mesma bandeira Espanha e Portugal
no reinado de Felipe II fazendo com que as fronteiras definidas pelo Tratado de Tordesilhas fossem rompidas.
Porém, face aos confrontos militares e diplomáticos persistentes após a fundação da Colônia do Sacramento, foi
assinado o Tratado de Madrid (1750) para colocar fim aos conflitos e definir o Prata como espanhol e o Rio
Grande do Sul e outras áreas do Brasil como português. A agilidade da fixação dos novos limites barraram na
resistência guarani-missioneira e as novas conjunturas políticas levam ao Tratado de El Pardo (1761) que anula
as disposições do Tratado de Madrid. A retomada das negociações levou a elaboração do Tratado de Santo
Ildefonso, péssimo para os portugueses, pois os espanhóis asseguram a navegação no Prata, a posse da
Colônia do Sacramento e da região missioneira. Também foi criado os Campos Neutrais. A ampliação do
território do Rio Grande do Sul somente ocorreu em 1801 quando da nova guerra entre Portugal e Espanha que
levou o governador Veiga Cabral a organizar um exército que atuou no avanço da fronteira do atual Uruguai a
partir da Vila do Rio Grande (Rio Jaguarão) e o ataque as Missões a partir de Rio Pardo. O Tratado de Badajóz
(1801) confirmou a nova configuração de fronteira para além do Rio Piratini, até o rio Ibicuí e as cabeceiras do
Rio Negro.
164

OS CAMPOS NEUTRAIS

A ocupação dos Campos Neutrais é um dos temas que traz à tona as raízes de formação do Rio Grande do Sul:
populações indígenas, colonizadores e presença negra. Osvaldo André Oliveira conhecedor “in loco” da região, é um
investigador da história do Extremo Sul do Brasil: na perspectiva das pesquisas arqueológicas e da história
colonial/imperial. Trechos do artigo “Os protagonistas da história dos Campos Neutrais” (2010) é reproduzido a seguir.

“Os Campos Neutrais compreendiam o território que atualmente abrange os municípios de Santa Vitória do Palmar
e Chuí, no extremo Sul do Brasil, fazendo fronteira com o Uruguai. A região possui um relevo de planície formada por
sedimentos marinhos oriundos de eventos ocasionados pelo avanço e recuo do nível do mar, devido ao degelo e
congelamento polares durante o período pleistoceno e o holoceno (CORRÊA, 1996). A paisagem é constituída por duas
grandes lagoas Mirim e Mangueira, banhados, arroios e córregos. A chegada do colonizador português e espanhol
interferiu drasticamente nas culturas indígenas que ocupavam esta planície costeira no extremo Sul do Brasil.
Juntamente com o processo de colonização está a presença do negro de origem africana. Os documentos
(principalmente inventários) são vagos quanto à cultura e os modos de vida do povo descendente da África. Entretanto,
surgem nos inventários com o sobrenome da origem de seu povo e com o valor estabelecido para compra ou venda.
Nas pesquisas de campo, através dos vestígios materiais, é possível observar o exaustivo trabalho dos negros sob o
comando dos senhores proprietários de terra. Os vestígios ainda podem ser identificados a partir dos valos que serviam
de divisa das propriedades denominadas sesmarias; também na construção dos potreiros e na possível participação na
construção dos currais de palmas que serviram de encerra para o gado. (...) O Minuano e o Charrua foram sociedades
indígenas que assimilaram aspectos de cultura europeia, tornando-se um problema para os colonizadores. O domínio
não se restringia somente ao cavalo e ao gado, mas ao fato de serem adaptados e conhecedores destes rincões. A
boleadeira era uma de suas ferramentas utilizadas para a lida campeira, antes confeccionada pelos seus ancestrais, e
foi assimilada pelo colonizador. Também outras características da cultura indígena foram absorvidas e perduram entre a
165

nova sociedade. (...) Encontramos também o homem do campo denominado changador, considerado de grande virtude
na lida campeira. É tratado pela historiografia a origem do gaúcho. Possui um caráter violento e solitário. Suas origens
são do ventre indígena. Vagava solitário pelos pampas acompanhado do laço, boleadeira e do cavalo. Para alguns
autores, o changador é considerado abigeatário, mercenário; para outros, como uma figura importante para o
desenvolvimento do gado vacum. São os diversos conceitos que empregam para este indígena “meio” branco, que como
vestimenta utiliza o couro, e o garrão de potro como calçado. Segundo BRACCO (2004), a desnaturalização dos nativos
na prática foi percebida pelos colonizadores como vantagens e inconvenientes.
Implicava a deportação de grupos e embora não utilizassem os conceitos e terminologias atuais, procurava
maximizar a perda das culturas. No entanto, o extermínio dos grupos indígenas não se passou apenas nas espadas
afiadas, armas de fogo e doenças transmitidas pelo colonizador. A interação do indígena na cultura ocidental faz com
que perca lentamente suas origens tribais caçadoras e coletoras. Porém podemos considerar outras hipóteses sobre o
desaparecimento dos indígenas além dos conflitos e doenças. O próprio autor salienta o interesse dos espanhóis após
um ataque a uma tribo, aprisionar as mulheres e os meninos. As mulheres vão compor a mestiçagem e os meninos se
integram mais facilmente à nova cultura e os demais sobreviventes, reduzidos, não possuem condições para recompor o
grupo. Neste caso, observamos que o emprego das tarefas que os espanhóis e portugueses empenharam em nosso
continente foi uma arma poderosíssima para desvincular nações inteiras de indígenas de seus costumes, separando-os,
corrompendo-os até mesmo entre si. Os indígenas que não aceitavam acordos e buscavam sua liberdade,
perambulavam formando grupos e agindo em saques às estâncias e pequenas propriedades. (...) O processo de
ocupação dos Campos Neutrais foi disputado por duas culturas, uma europeia e outra indígena, sendo que a primeira é
a autora dos acontecimentos. BRACCO (2004) diz que a documentação encontrada como fonte para a construção é
escassa e deixa lacunas, um silêncio enorme entre os fatos e o mundo dos vencidos.
O Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, estabelece os Campos Neutrais, com a finalidade de fazer limites, ou
seja, um espaço a ser respeitado pelas duas Coroas. A economia do Rio Grande do Sul no século XIX era baseada na
extração do couro e do charque que possuía duas rotas de destino, os portos de Montevidéu e Rio Grande. Nesse
166

contexto, o abigeato e o contrabando eram imensos; estâncias são saqueadas onde mais tarde faz com que os governos
apressem as leis para opressão ao tráfico. O colonizador ocupa os Campos Neutrais com objetivo de defender a
fronteira, consequentemente a exploração do gado, tornando-se o senhor destas terras. A Igreja, fazendo parte desse
processo, catequizava e pregava o bem comum àqueles que se convertessem ao cristianismo.
Desde antes da fundação da Colônia de Sacramento os comerciantes de nações inimigas patrocinavam a caça ao
gado xucro para exploração do couro e do sebo, interpretado por alguns autores como início das primeiras indústrias de
courambre. No entanto, essas atividades induziram ao contrabando, devido ao alto valor comercial que possuía o couro.
(...) A presença dos escravos nos Campos Neutrais inicia-se ao período das primeiras ocupações, na construção dos
valos, potreiros, mangueiras, moradias etc. Outros escravos, em pequena parcela, podem ter surgido nestes campos
causados por fugas durante a Revolução Farroupilha ou das Charqueadas. As fugas geralmente eram para o Sul
(Uruguai), no entanto, com passagem pelos Campos Neutrais. (...) Nos Campos Neutrais, os escravos estavam ligados a
tarefas nas estâncias, apesar de haver poucas informações sobre suas atividades. Em outras regiões tiveram
participação como tropeiros. Os vestígios nas matas encontradas nos Campos Neutrais revelam três modalidades de
estruturas de povoação e exploração: os currais de palmas, as matas nativas e os valos.
A historiografia em relação aos primeiros escravos negros no Rio Grande do Sul nos mostra ausência do negro
nas tropeadas e no ciclo do gado denominado por alguns de “courama”. Essas tarefas estariam ligadas ao homem livre.
Nos primeiros planos da ocupação do Sul, o soldado, o comerciante, o “gaudério” e, mais tarde, o açorita. Sobre estes
voltam-se todas as luzes de nossa historiografia; porém, se os desfocalizarmos, suas imagens se embaralham e, por de
trás de seus nomes ilustres, vislumbraremos o trabalhador de pele negra, carregando fardos, preparando alimentos,
construindo as primeiras igrejas, habitações, tornando, enfim, vivível a vida do senhor.[...] Quem se volta para os
documentos, encontra o traço do “negro” já nos primeiros anos; quem se detém nos quartéis, na atividade econômica
específica, nas “vacarias”, encontra o homem livre, seja o lusitano, o mestiço ou o indígena aculturado (MAESTRI, 1984,
p. 34-35). (...) Os vestígios nos Campos Neutrais apresentam três fases da colonização: o momento da exploração
somente de couro (vacarias), a instalação dos primeiros donatários de terras e posteriormente uma exploração intensiva
167

do gado (extração do couro, cabelo, sebo e o charque). Nesta última atividade percebemos a necessidade de um
contingente maior de mão-de-obra, enquadrando-se o escravo. Desse modo, a contribuição do escravo africano foi
fundamental para o desenvolvimento econômico nos Campos Neutrais e para a ambição e o enriquecimento dos
senhores “donos desta terra”.

Cartão-postal francês editado por volta de 1900. Cena típica campeira que caracterizou os Campos Neutrais. Local não identificado.
168

A PROVÍNCIA CISPLATINA

A vinda de D. João para o Brasil em 1808, teve consequências graves para o sul do Brasil. A fuga do monarca
português das tropas de Napoleão Bonaparte que se aproximavam de Lisboa começou a mudar o estatuto colonial e as
relações Colônia-Metrópole. Afinal, a Metrópole passa a se confundir com a Colônia sem o Oceano Atlântico separando.
A independência brasileira começa a se gestar nesta conjuntura que para o Rio Grande do Sul, irá reacender os conflitos
platinos. A guerra na Europa (com a Espanha se curvando a Napoleão) envolveu o Prata e levou a independência do
Cabildo de Buenos Aires (1810) com os revolucionários almejando a criação das Províncias Unidas do Prata
(confederação de repúblicas independentes). Montevidéu não aceita romper com a Espanha mas a guerrilha do capitão
José Gervásio Artigas sitia Montevidéu e derrota a resistência do governador. O envolvimento inicial do Brasil é que o
governador recebe recursos financeiros para fazer frente a Buenos Aires por determinação de Carlota Joaquina, irmã do
Rei Fernando VII deposto por Napoleão. Carlota tem interesse na anexação das colônias do Rio da Prata o que levará a
retomada da beligerância que recuava a Colônia do Sacramento. Em junho de 1811 um exército comandado por D.
Diogo de Souza (chamado de Exército Pacificador) avança para Montevidéu e passará a combater Artigas que se retira
para a Província de Entre-Rios. O Exército Pacificador incorporou parte do distrito de Entre-Rios (Rios Uruguai, Quaraí e
Arapeí) surgindo, posteriormente, os municípios de D. Pedrito, Santana do Livramento, Uruguaiana e D. Pedrito. O
acampamento de D. Diogo deu origem a uma capela: Bagé. Onde o major Xavier Curado acampou surgiu Alegrete. Este
exército é dissolvido na crença de que a paz persistiria o que não aconteceu.

A luta pelo controle de Montevidéu se intensifica por parte de tropas republicanas de Buenos Aires que lutam contra
monarquistas de Montevidéo. Em 1815 Artigas toma a cidade e também saqueia fazendas de luso-brasileiros no Rio
Grande do Sul. D. João ordena a invasão da Banda Oriental com 4.800 veteranos das guerras europeias (vindos de
Portugal em março de 1816) e chefiados por Carlos Frederico Lecór. A guerrilha artiguista persiste por três anos até a
derrota de Frutuoso Rivera em Tacuarembó, quando se consolida a invasão portuguesa da Banda Oriental do Uruguai e
o território é anexado ao Império Português: a Província Cisplatina (1820). Lecór distribui terras a milhares de brasileiros
169

que se tornam proprietários na Banda Oriental o que gera revolta nos proprietários rurais e em setores como os
charqueadores. Em 1823 surge o Movimento de Los Patrias que posteriormente, em 1825, passa a defender a união
com Buenos Aires. A Cruzada Libertadora será liderada por Juan Lavalleja e outros patriotas chamados de Los Treinta y
Tres Orientales. No dia 12 de outubro de 1825 ocorre a Batalha do Sarandi entre os comandados por Lavalleja e Rivera
contra os luso-brasileiros de Bento Gonçalves e Bento Manuel Ribeiro: os uruguaios são vitoriosos. Em 20 de fevereiro
de 1827 ocorre a Batalha do Passo do Rosário com um efetivo de 2.000 milicianos uruguaios e de 6.000 argentinos, com
vitória estratégica dos republicanos frente as tropas luso-brasileiras. Em agosto de 1828, com interferência diplomática
inglesa, ocorre a assinatura de paz que deu origem a República Oriental do Uruguai. Com a independência do Uruguai
são fixadas barreiras à entrada e saída de gado, como as invernadas nas pastagens uruguaias, o que causa prejuízos
aos criadores rio-grandenses.

Saladero platino. Pallière.


170

Em 1751 foi instalada a primeira Vila (analogia com município) do Rio Grande do Sul: Rio Grande de São Pedro. Em
1809 são criados os quatro municípios matrizes que darão origem a centenas de municípios: Rio Grande, Porto Alegre,
Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo.

Planta da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul - 1809. Acervo: IHGRS.
171

No final do período colonial mais um município é o integrado à divisão político-administrativa: Cachoeira.


172

SISTEMAS CLIENTELARES E INVESTIGAÇÃO HISTORIOGRÁFICA


Fabrício Pereira Prado (2003) contextualiza a historiografia relacionada aos sistemas clientelares e sua
aplicação ao Prata. Este campo de pesquisa contribui para desvelar as relações familiares de poder e a busca de
favorecimentos a margem da legislação e dos mecanismos repressores. Em especial possibilita discutir o papel
essencial do contrabando nestas sociedades.

“A historiografia platina produzida no último quartel do século XX deixou claro que, no rio da Prata, autoridades,
homens de negócio e contrabandistas confundiam-se. Os representantes do poder metropolitano necessitavam de apoio
no seio da elite local para lograr impor a autoridade real – desenhava-se uma aliança que entre burocratas e
comerciantes que só deu sinais de alteração após as reformas bourbônicas. Para o Prata do século XVIII, Susan
Socolow (1991) e Zacarias Moutoukias (1988, 1992) mostraram a aliança entre autoridades e comerciantes através de
laços de parentesco, amizade ou negócios. Socolow ressaltou a importância dos "séquitos" de governadores e vice-reis:
as pessoas leais vindas da corte para assessorar a autoridade. Além disso, mostrou a importância dos cargos da
burocracia local na estruturação das redes, que acabavam por mesclar autoridade e contrabando no estuário platino
(Socolow, 1996). Essas relações passavam por redes pessoais, onde a influência das elites locais sobre o aparato de
governo local fazia-se sentir. As demais autoridades subordinadas ao governador em Buenos Aires, em geral
funcionários vinculados a órgãos fazendários, possuíam interesses comerciais próprios (ou através de parentes e
protegidos), e acabavam por se envolver em grandes negócios de contrabando (Moutoukias, 1992). A integração do
governador e seu séquito (ou os seus homens de confiança) com o patriciado local parece um ponto-chave no
mecanismo de funcionamento das estruturas formais de autoridade. Tal característica era marcante nas sociedades de
antigo regime.
173

Buscando definir esse tipo de relação típica dos impérios da era moderna, Jack Greene (1994) desenvolveu o
conceito de "autoridade negociada", o qual busca descrever, a partir de outras referências analíticas e históricas, esse
tipo de aliança entre a autoridade e os interesses locais. Russel-Wood (1999) busca aplicar ao Brasil o mesmo conceito
desenvolvido por Greene. Dentro desse marco interpretativo, João Fragoso e Manolo Florentino (1996) também
desenvolvem suas hipóteses e pesquisas sobre o processo formativo da elite senhorial fluminense. Dessa forma,
podemos verificar que tal tipo de relações sociais e vínculos entre as autoridades e as elites comerciantes e
terratenentes locais eram característicos das sociedades de antigo regime nas Américas hispânica e lusitana
setecentistas.

Moutoukias (1992) trabalha detidamente um caso de enfrentamento entre facções de autoridades e negociantes
em Buenos Aires da segunda metade do XVIII. Nesse estudo, o autor reafirma a importância de certos postos-chaves na
burocracia espanhola, como os oficiais da Real Fazenda, que juntamente com o governador eram os responsáveis pelo
zelo para com o contrabando. Moutoukias (1992) mostra como os conflitos entre as redes atuantes em Buenos Aires
vinham à tona quando da mudança de governador. Com a saída de um grupo do poder, o outro se apressava em
apresentar acusações e ocupar o espaço vacante no mercado do "complexo portuário rio-platense". Enfim, o mercado do
rio da Prata, além de ser determinado, em grande medida, por questões políticas, estava dividido em facções. Estas se
definiam em função das alianças entre elementos das redes de fidelidades pessoais. Tais alianças eram variáveis(...)”.
174

ELITES E CHANGADORES

Tiago Luis Gil no artigo “Elites locais e changadores no mercado Atlântico” (2014), amparado em farta
documentação, caracteriza as relações econômicas/sociais fundadas no contrabando vigentes no espaço
português e espanhol ligando Soriano a Vila do Rio Grande. Especialmente, traz elementos e exemplos para a
compreensão das redes clientelares envolvendo elites locais e atividades ilícitas constituidoras de fortuna e
poder. No artigo do autor as citações estão completas.

Conforme Tiago Gil (2014) “seria bastante factível que, no final do século XVIII, um sujeito nascido nos sertões de
Angola fosse vendido em uma pulpería no povoado de Santo Domingo Soriano, nos chamados “Campos de
Montevideo”. Seria igualmente factível que o seu comprador empregasse seu novo servo nas corridas de gado, para a
obtenção de couros. O destino deste couro seria bastante diverso, podendo até mesmo ir parar na terra natal daquele
cativo.
O que tornava possível este cenário era uma série de conexões comerciais, que se confundiam com diversas
outras formas de relacionamento, como casamentos, trocas de presentes, entre muitas outras. O esforço de manutenção
deste contexto envolvia toda uma gama de sujeitos, entre negociantes, peões, escravos, marinheiros, elites locais e os
chamados changadores, gente que estava ocupada diretamente na extração de couros dos animais que habitavam a
parte leste do Rio da Prata.
Este texto também é uma tentativa de história atlântica que inclua os elementos menos prestigiados daquele
mundo, mas não apenas os escravos. Neste caso particular, vamos dar alguma atenção àqueles grupos menos
destacados que habitavam a fronteira entre os terrenos portugueses e espanhóis, entre os quais se incluíam os
changadores. Estes grupos, ainda que difamados pelas autoridades, se constituíam na base social para as principais
elites da fronteira sul da América lusa, bancando seu cacife político e se constituindo na mão de obra necessária à
175

extração do couro. Sem estes personagens, a manutenção das redes que davam suporte ao mercado atlântico estaria
comprometida.
Não vamos nos deter no tráfico de escravos, que já foi tema de inúmeros trabalhos (ver Florentino, 1997).
Ficaremos na rota Rio de Janeiro – Rio Grande, passando daí para a campanha da Banda Oriental, até Soriano, com
fumos e escravos e retornando daí com couros. É possível fazer todo este percurso sem se afastar das imediações da
fronteira do Rio Grande, ponto nevrálgico daquela rota, de forma a perceber como as elites locais se integravam
perfeitamente no corpo do Império Luso e na encruzilhada da economia atlântica. O estudo desta pequena rota e
daqueles míseros changadores pode contribuir para aperfeiçoar o conhecimento que temos sobre o mercado atlântico
de inícios do XIX.
Rio Grande e Soriano não eram exatamente localidades centrais na economia atlântica, pelo contrário. Mas é
justamente no estudo destas regiões periféricas que podemos encontrar elementos para se pensar o funcionamento
daquele vasto cenário oceânico, especialmente se nos ativermos às relações desta pequena fração com o todo. O
Atlântico não era o horizonte de vida dos changadores, mas o trabalho deles era fundamental para a existência daquele
universo.
Após os conflitos bélicos entre portugueses e espanhóis, na banda oriental do Rio da Prata, acabados em 1777,
as duas Coroas haviam estabelecido formalmente seus limites e enviaram demarcadores para acertar as linhas
divisórias. As principais localidades existentes naquelas paragens eram Rio Grande, Colonia, Montevideo e Santo
Domingo Soriano. A produção de coiramas era feita nas proximidades da Lagoa Mirim, do Rio Cebollatí e das cabeceiras
do Rio Negro, áreas localizadas entre Montevideo e Rio Grande. O impacto mercantil daqueles negócios era expressivo.
Pelo lado espanhol, somente a localidade de Santo Domingo Soriano exportou, entre os meses de abril e dezembro de
1796, cerca de 27.130 couros para Montevideo e Buenos Aires, entre outros destinos. Pelo lado português, as cifras
eram igualmente significativas: o valor anual de couros exportados pelo porto de Rio Grande, entre 1790 e 1797, esteve
sempre acima de 100 contos de réis, ultrapassando os 300 contos em 1805. Para termos uma referência deste valor, em
1815 o valor médio de um escravo vendido em Rio Grande era de 120$000. Em 1787, foram remetidos daquele porto
176

cerca de 69.570 couros. Entre 1790 e 1794, o couro representou 32% do total das exportações do porto de Rio Grande,
totalizando 692.605$000 réis. Aquelas áreas entre a Lagoa Mirim e Soriano eram palco de uma expressiva produção de
coiramas nos últimos anos do XVIII e princípios do XIX. Estes negócios não eram indiferentes à Corte em Madrid.
(...) Anos mais tarde, os demarcadores espanhóis José Maria Cabrer e Andrés de Oyarvide descreveram o mesmo
cenário, mas com maior detalhamento. As referências em Cabrer são irregulares. (...) Oyarvide era mais cuidadoso.
Concordava que a dizimação dos gados na Banda Oriental se dava “[...] por las correrías que hacen en ellos los dicho
Minuano y changadores incesantemente para conducirlos hacia la parte de Portugal [...]”, mas fez observações ainda
mais pontuais. Ao chegar às proximidades do Rio Cebollatí, o demarcador notou que naquelas terras havia muitos “[...]
changadores, nombre que dan a las gentes que se emplean en estas faenas de matanza de reses [...] hacen sus cueros
y tratan con los Portugueses del Rio Grande, que se los compran a cambio de bebidas, tabaco negro y algunas ropas”
(Oyarvide, 1866). Adiante no texto, o autor explica que os ditos “changadores” levavam os couros em cargueiros até o
Rio Cebollatí, seguindo em canoas até o Rio Grande. Oyarvide não ficou apenas nos territórios espanhóis que ajudou a
demarcar. Andou também nas proximidades da Lagoa Mirim, onde, frente à estância do coronel Rafael Pinto Bandeira,
observou que os cavalos do coronel possuíam “[...] la marca de los vecinos españoles de Corrientes, Santa Fe y
Montevideo”. As extrações de gado realizadas entre Santo Domingo Soriano e a Lagoa Mirim eram realizadas por
diferentes tipos de produtores. A exportação legal de couros de Santo Domingo para outras localidades, analisada por
Jorge Gelman, indica predominantemente dois tipos envolvidos naquele mercado, os estancieiros e os pulperos,
negociantes de loja estabelecidos naquelas paragens que também atuavam como atravessadores. Os estancieiros
produziam seus próprios couros de venda e, ainda que pudessem comprar de outros produtores, eram os pulperos os
principais compradores de uma diversidade de coletores que atuavam naqueles campos, a grande maioria, de pequeno
porte.
Parte significativa destes produtores atuava na “colheita” dos animais no campo para a retirada dos couros, as
chamadas faenas. Estes eram os nossos conhecidos changadores, e a correspondência entre as autoridades locais com
Buenos Aires e desta cidade com Madrid nos apresenta uma forte preocupação em perseguir aqueles produtores,
177

associados ao contrabando e ao crime. A correspondência trocada entre 1782 e 1784 por Antonio Pereira, comandante
da campanha e tenente de Milícias de Montevideo, e o Vice-Rei de Buenos Aires, Juan José de Vertiz, é exemplo disso.
Nestas cartas, Vertiz dá ordens a Pereira para que combata as coiramas próximas à Lagoa Mirim, envie para
Montevideo couros apreendidos (ao longo deste período são mencionados cerca de 5.200 peças apreendidas), entre
outras providências. Os changadores eram apresentados como um grupo “descolado” do contexto local, ora vinculado
aos portugueses, ora aos minuanos ou guaranis, responsáveis por um clima de descontrole e caos.
Dois casos mencionados nesta correspondência são particularmente relevantes ao tema da estrutura produtiva de
couro nestas regiões. Numa carta de 7 de novembro de 1783, Vertiz felicitava Pereira pela atuação contra vários
faeneros que extraíam couros nas proximidades de Los Olimares. Eles estariam a serviço de Dona Maria de Alzaybar,
viúva do ex-Governador de Montevideo, José Joaquim de Viana. Apesar da imagem de desordem e caos transmitida
pelas fontes, parece claro que pelo menos alguns daqueles changadores estavam muito bem relacionados e vinculados
aos grupos de poder local. Dias depois, em 20 de novembro, Vertiz prevenia Pereira de um possível ataque de “cuarenta
bandidos portugueses” à guarda espanhola. Na ocasião, o vice-rei indicava algumas medidas: uma instrução ao tenente
de Blandengues Don Andrés Martines, o envio de seis exploradores “[...] en trajes de gauderios[...]” e a arregimentação
de pessoas, “[...] conchabando la gente necesaria a impedir aquellos anunciados excesos”. Pensemos primeiro nos
portugueses. Que grupo poderia organizar 40 homens para um ataque aos oficiais espanhóis? É difícil responder com
exatidão, mas tal iniciativa, se de fato existiu, não seria obra de quaisquer desordeiros, a ponto de atemorizar o vice-rei
do Rio da Prata. A preparação dos oficiais espanhóis, contudo, parece ser mais interessante. Além de se utilizar das
forças regulares, através do corpo de Blandengues, usaram formas locais para resolver o problema: a exploração do
terreno com gente disfarçada de gauderios (nativos de vida errante, também associados ao trato com gado, ao
contrabando e às faenas) e uso do conchavo, forma bastante usual de agregar trabalhadores (guerreiros, neste caso)
nas estâncias da região. A própria Maria de Alzaybar deve ter se valido desta forma de contrato para agregar aqueles
changadores que mantinha em Los Olimares.
178

Este mesmo tipo de relação, que garantia o funcionamento do sistema de extração de couros, é visível em outro
documento, no qual Antonio Pereira passava de interlocutor a assunto: [...] que el Juan Pedro ha comprado partidas de
cueros a unos hombres vagos que llaman gauchos, los que faenavan cueros en los citados campos, con la seguridade
de que no se los embargarían, siendo para dicho Don Juan Pedro por quien compraban a los precios que señalaba, no
atreviéndose la partida destina para celar aquellos campos a embargar los cueros ni aprehender a los gauchos por tener
mandado el comandante que fue de la campaña Don Antonio Pereira que se tolerasen siempre que llevasen licencia o
papeleta del referido Don Juan Pedro [...]..
Neste trecho da carta de Pedro José de Balestreros a José de Gálvez, Ministro de Estado em Madrid, é mais uma
vez saliente a forma como a extração aparentemente desenfreada e caótica de couros da campanha estava muito bem
estruturada a partir dos poderes locais. No caso, um dos maiores negociantes de Montevideo, Juan Pedro de Aguirre,
mantinha acertos com Antonio Pereira, responsável pelo próprio controle e combate daquelas extrações. Da mesma
forma fica saliente o vínculo entre os “gauchos” (outro sinônimo de changador) e aqueles expoentes da elite local. O
mesmo documento que pretende criar uma imagem de homens desocupados e sem rumo nos indica a forte vinculação
social mantida por eles. Esta não foi à única acusação feita a Pereira. Ele estaria igualmente vinculado à matança de
animais pertencentes aos guaranis estabelecidos nas missões do Rio Uruguai, com os quais mantinha vínculos e de
quem recebeu apoio, quando de sua destituição do posto, ainda em 1784. Os guaranis destas missões mantinham
rebanhos com o igual objetivo de extrair os couros, ainda que extrações daqueles indígenas em outras regiões fossem
igualmente registradas. Há diversos registros que indicam a ligação entre eles e Pereira, inclusive declarações de apoio
daqueles aldeados ao comandante.
Tanto guaranis como minuanos atuavam na extração de couros. Os minuanos são citados pelos espanhóis como
“infieles” em diversas fontes, associados sempre aos portugueses com quem mantinham negócios (Coni, 1942). Os
guaranis que atuavam nas faenas clandestinas eram mencionados como desertores e igualmente perseguidos. (...) Em
janeiro de 1786, uma partida espanhola, comandada por Juan José Varela, foi em busca de uma embarcação roubada
repleta de couros de contrabando. Ela havia passado nas proximidades do acampamento de demarcação de limites,
179

provocando a ira dos espanhóis e a “indiferencia” dos portugueses. Ela foi encontrada por volta do dia 19 daquele mês,
próxima ao Arroio dos Arrependidos, sem gente, sem couros e danificada. Uma milha depois foram encontrados os
couros em outra canoa, que, acompanhada de uma terceira, tratava de colher conchas a mando do Coronel Rafael Pinto
Bandeira e com passaporte deste.
Antes de continuar, importa dizer que Rafael Pinto Bandeira foi o comandante da tomada de Santa Tecla, no
movimento de retomada dos territórios lusos, em 1776. Ele foi investigado em diversas oportunidades, sendo acusado
de contrabando em todas, para sair ileso e ser feito Brigadeiro pela Rainha em 1790. Nos anos 1780, exerceu o governo
da Capitania por mais de uma vez, distribuindo terras, ordenando prisões e solturas. Qual seria seu interesse por
conchinhas? Fato é que os couros foram apreendidos e os marinheiros detidos. O comandante do grupo, um Cabo da
Cavalaria Ligeira, apresentou suas justificativas: estava colhendo conchas para fazer cal quando encontraram os couros
e resolveram embarcá-los. Os espanhóis não acreditaram. O couro foi parte queimado, parte cortado, parte distribuído
entre os marinheiros de Pinto Bandeira. O relato foi feito por Juan José Varela em 2 de fevereiro. Um dia depois, o
governador do Rio Grande, Sebastião Cabral da Câmara, escrevia ao comissário espanhol José de Varela y Ulloa
exigindo explicações e desculpas, pois já estava informado de tudo.
O comissário espanhol tomou maiores informações junto a outros oficiais presentes na cena, o que só acrescentou
mais cores ao relato feito por Juan José Varela. Diante destes relatos, Varela y Ulloa respondeu ao governador do Rio
Grande em tom acusador, apontando aquela autoridade como conivente com o contrabando praticado por Rafael Pinto
Bandeira e sugerindo que o governador “[...] no me huviera escrito una palavra sobre los [couros] que mandó cortar Don
Juan José Varela sino se huvieran encontrado en una canoa del Coronel Don. Rafael Pinto Bandeira”. Na sequência, o
comissário espanhol escreveu ao vice-rei de Buenos Aires, o Marques de Loreto, que por sua vez informou ao Marquês
de Sonora, ministro em Madrid. Por seu turno, o Governador Cabral da Câmara fez o mesmo relato (entendido a sua
maneira) ao Vice-rei Luis de Vasconcelos. Nem as autoridades espanholas, nem o Vice-Rei Vasconcelos acreditaram na
história das conchinhas. Este último falaria sobre o ocorrido em um ofício dirigido ao Secretário de Estado e Ultramar
Martinho de Melo e Castro, no qual narrava os incidentes, dando detalhes sobre as práticas rotineiras de Rafael Pinto
180

Bandeira: [...] empregado neste indigno modo de vida debaixo dos nomes supostos de pessoas, a quem confia o manejo
de semelhantes negócios, em que também os interessa a fim de guardarem melhor o segredo muito recomendado a
sombra da conveniência certa e infalível e de um tão grande protetor que os tolera, permite e desfruta sem a menor
contradição.
Vasconcelos se referia àquelas pessoas ocupadas diariamente no contrabando que trabalhavam para Pinto
Bandeira. Ele sugere um acerto entre aqueles trabalhadores e uma parcela da elite local para a continuidade de um
comércio ilícito que beneficiava a ambos. Mas quem seriam aqueles homens? Sabemos que estavam ocupados na
posição de marinheiros, e um, particularmente, era Cabo de Cavalaria Ligeira, milícia comandada pelo próprio Pinto
Bandeira.
Os documentos espanhóis podem novamente trazer pistas para nossa investigação. No informe feito ao Marques
de Loreto, Varela y Ulloa acrescenta que o Cabo de Milícia que estava em uma das embarcações lusas era “[...] un
mulato, que lejos de celar los interesses de S.M.F. [Sua Majestade Fidelíssima] sirve con toda eficacia a su Coronel en el
comercio de contrabando”. Na mesma carta, salientava que as testemunhas ouvidas pelo governador do Rio Grande,
Sebastião Cabral da Câmara, provavelmente os marinheiros ou outros presentes naquela cena, eram “gentes de raza
africana, cuyo testimonio nada vale en juicio, ni fuera de el [...]”.
Tendo em conta estes detalhes, pode-se sugerir que os marinheiros e outras pessoas empregadas em atividades
de contrabando sob ordem de Rafael Pinto Bandeira estavam muito vinculados à senzala, sendo difícil saber se eram
escravos ou se haviam sido. No inventário de Pinto Bandeira, feito dez anos mais tarde, em 1796, era listados um “hiate”
com três escravos marinheiros. Há outros relatos de embarcações ocupadas no contrabando em que os marinheiros
eram escravos. Em fevereiro de 1784, eram apreendidas quatro canoas portuguesas que navegavam na Lagoa Mirim no
comércio ilícito. Pelo menos duas delas possuíam cativos naquela ocupação, sendo que a tripulação da canoa Nossa
Senhora da Piedade e São José era formada exclusivamente por eles.
Outros grupos também apoiavam aqueles negócios. Em uma devassa ocorrida em 1787, Rafael Pinto Bandeira foi
mencionado como proprietário de diversas embarcações, sendo que em um testemunho, o de Tomé Pedro da Costa
181

Ramos, Capitão de Infantaria, há a informação de que os marinheiros seriam indígenas, comandados pelo “patrão”
Manuel Cristóvão, que igualmente era piloto de uma das embarcações oficiais dos portugueses na demarcação de
limites. A figura de Manuel Cristóvão, neste caso, parece ser mais um exemplo de que a aparente desordem daqueles
terrenos entre a Lagoa Mirim e Soriano era bastante ordenada pelos poderes locais e impossível de ser “descolada” do
mundo dos próprios observadores. Gente como Oyarvide e Cabrer, narradores críticos daquela paisagem, conviveram
de perto com Cristóvão, que poderia figurar em qualquer lista de “desordeiros”.
O mesmo se pode dizer daqueles indígenas, fossem minuanos ou guaranis. Estes últimos aparecem pontualmente
como perturbadores da ordem na documentação oficial espanhola. Alguns se dedicaram às faenas para extração do
couro e contrabando, como já vimos. Não teria sido por acaso que Rafael Pinto Bandeira se casou, em segundo
matrimônio, com Maria Madalena, uma das “índias tape” aldeadas, ainda que tenhamos pouca referência sobre os
recursos adquiridos neste matrimônio (Silva, 1999). Conhecemos mais o casamento, anos antes, 1761, de Rafael com
Bárbara Vitória, filha do cacique minuano Dom Miguel Carai. Este matrimônio foi um dos pontos culminantes entre o
contato dos minuanos com os ancestrais de Rafael, da família Brito Peixoto, que se iniciara em começos do século. A
morte de Bárbara, algum tempo depois, não representou ruptura naquelas relações. Dom Miguel e Pinto Bandeira
seguiram tratando de negócios ainda nos anos 1780, até mesmo a serviço da administração régia, como no caso da
aceitação de diversas tribos à Coroa lusa, segundo pedido dos próprios minuanos, em 1784 (Silva, 1999).
A elite local soube cooptar uma densa base social, assentada no apoio de guaranis, minuanos e africanos (e
descendentes). Sem eles não seria possível colher conchinhas, fazer contrabando, deter avanços espanhóis em tempos
de guerra e colocar-se de forma eficaz em postos de mando, inserir-se em redes atlânticas, assim como cometer
diversos delitos de forma impune. Mas não era somente com o apoio daqueles grupos que se podiam manter os poderes
locais. A família, a boa convivência com os poderes centrais e uma conturbada relação com outros grupos (que envolvia
inclusive demonstrações públicas de força e intimidação) eram importantes para aquele fim. (...) Como podemos
compreender os vínculos sociais que garantiam esta paisagem hierárquica? Como redes sociais? Num sentido amplo,
podemos entender as redes como vínculos diversos que ligam os agentes de forma direta e indireta. (...) as redes sociais
182

também são importantes para organizar o mundo. Neste sentido, é possível entendê-las como estruturantes. Todavia,
este tipo de relação não era naturalizado ou sacralizado, ao contrário da família. Os limites de quem são os parentes ou
os clientes eram bem menores que os limites para a construção de redes, já que estes podem incluir aqueles e outros, e
é exatamente nesta flexibilidade que reside à eficácia deste tipo de relação. Uma rede pode cruzar parte da família, parte
da clientela e acrescentar outros agentes.
A família Pinto Bandeira e seu bando podem ser entendidos como uma rede, mesmo no sentido estrito da
expressão. A densidade deste grupo era tamanha que até mesmo os membros menos tempestuosos eram temidos por
seus vínculos parentais. Da mesma forma, os cargos políticos ocupados por Rafael eram de certo modo divididos com
os demais membros, inclusive escravos e peões. Todavia, esta era uma rede densa dentro do continente do Rio Grande,
um cenário que reunia várias localidades, numa grande escala. O próprio grupo reunia redes ainda mais densas, como o
conjunto formado por Rafael, Custódio, Vasco, Evaristo e outros, rede da qual as mulheres, por exemplo, estavam
visivelmente afastadas. Estas eram fundamentais nas costuras externas da família, especialmente atuantes como
esposas e madrinhas (Hameister, 2006). A rede mais densa formada por Rafael, irmãos e cunhados poderia se expandir
incluindo outros homens.
Em 1795, Rafael Pinto Bandeira morreu. É possível verificar o impacto desta morte no bando. Ainda que seus
membros continuassem figuras de respeito e autoridade no governo local, a família já não tinha condições de impor
projetos como antes, necessitando cada vez mais de outros grupos para amarrar alianças. Era o próprio “capo” que unia
os diversos pontos que davam sustentação ao bando. Com a morte de Rafael, as lideranças familiares se ocuparam
cada vez mais em reforçar vínculos específicos. A herança política e militar coube em maior medida ao primo de Rafael,
Manuel Marques de Souza, enquanto que a liderança mercantil parece ter sido repassada ao irmão mais novo, Vasco.
Outros indícios reforçam este cerzido e o tingem com outras cores. Se tomarmos as dívidas relatadas nos
inventários post-mortem da Vila de Rio Grande e de outras próximas, encontramos novamente a ligação dos membros
da família Pinto Bandeira com outros grupos, desta vez, especialmente com negociantes do comércio de cabotagem Rio
Grande – Rio de Janeiro, mas não apenas estes. Estes dados, por outro lado, têm como cenário uma relação ainda mais
183

intensa e, agora, mais equilibrada. Os negócios, especialmente os de contrabando, iniciados na década de 1780 chegam
à primeira década do XIX com uma força cada vez maior. Uma representação simplificada daqueles vínculos pode ser
útil para mapear com clareza as redes mantidas naqueles anos, criadas a partir dos contatos realizados duas décadas
antes, quando Rafael ainda era vivo. (...) Vasco se sobressai nesta teia mantendo os principais contatos. Se, nos anos
1780, a família Pinto Bandeira liderava um complexo bando através de seu líder, Rafael, garantindo seu poder através
de uma política de matrimônios eficiente, no início do XIX aquela formação do século anterior precisou se mesclar de um
modo a quase perder a identidade e a densidade oikonomica. A mudança foi tamanha que as próprias estratégias e
possibilidades de ação do grupo foram colocadas em xeque. Vasco, o único que não se casou, acabou tomando a frente
dos negócios, mantendo cada vez mais contatos com os negociantes emergentes em detrimentos dos negócios
familiares, como se percebe na análise de seu inventário post-mortem. Ao mesmo tempo, ele pouco conseguiu herdar da
base social de Rafael. Os vínculos não estruturais, baseados no convívio diário de Vasco no manejo do comércio, foram
mais importantes que as articulações familiares, ainda que fossem estas as que permitiam a Vasco participar daquele
convívio. Talvez o fato de ser o mais jovem lhe proporcionava uma estratégia diferenciada. Mas, ainda que seu cálculo
estivesse dentro da perspectiva familiar, foi sua atuação que garantiu certa continuidade do prestígio de seu ramo, pelo
menos por mais alguns anos, até sua morte, em 1806. Sua trajetória nos apresenta um mundo em transformação: o
corporativismo vai perdendo espaço para novas formas de fazer negócio, um pouco menos familiares, e a emergência
dos negociantes como elite local nos faz perceber uma nova ordem, onde as experiências mercantis “impessoais” (por
falta de expressão melhor) ou menos familiares começam a aparecer com maior fôlego.
Uma malha de negócios de couro se estendia do Rio da Prata ao Rio de Janeiro, viabilizada por grande
investimento em relações de diversas naturezas que alinhavavam os extremos e davam densidade àquela trama.
Qualquer leve movimento na teia alertava todos os seus pontos: uma simples apreensão de couros acabou
reverberando em Buenos Aires, Rio de Janeiro, Lisboa e Madrid, para daí tornar à Banda Oriental do Rio da Prata, onde
guaranis, minuanos, portugueses e espanhóis seguiam tratando de suas vidas, de seus contrabandos e de suas formas
de aliar-se em meio a um período de visível transformação e insegurança.
184

A família e a clientela foram fundamentais para a criação e manutenção dos vínculos necessários para operar
nestes espaços. Como pudemos ver, setores das elites locais investiram com muito refinamento neste tipo de relações,
erguendo contatos privilegiados com parcelas importantes de seus pares e com diversos grupos que se transformariam
numa sólida base social. Uma base tão ampla quanto necessária, que garantia não apenas vitórias no campo militar e
respeito público, mas também uma relativa liberdade para diversas atividades ilícitas, as quais, por seu turno, ampliavam
ainda mais os recursos daquelas elites, numa espiral ascendente. As possibilidades de ação daquelas elites não se
limitavam ao parentesco e às relações clientelares. Vínculos não estruturais eram indispensáveis para a manutenção da
sua base social, construídos e mantidos em diversos espaços, como no front, em atividades laborais legais e ilegais,
dentre outras rotinas e locais de convivência.
Em um contexto de transformação, estes vínculos foram de extrema importância, permitindo àquelas elites uma
relativa adaptação e garantindo sua preservação no mando local por maior tempo”.
185

REFLEXÕES
“A literatura de viagem constitui-se numa das principais fontes para a historiografia, sendo também amplamente utilizada em
trabalhos de literatura, sociologia e antropologia. Deve-se, sempre, considerar que as descrições e informações constantes nesses
relatos constituem, na verdade, representações, reinvenções da realidade, produzidas com base nas visões de mundo dos viajantes
que incidem sobre a feitura e sobre a transformação historiográfica de uma memória” (FLECK, 2006: 273).

Frente à lacuna de publicações existente na historiografia do Rio Grande do Sul no século XVIII e rarefeito no
século XIX, os viajantes europeus foram utilizados por intelectuais da segunda metade deste século XIX como fonte para
o estudo da História da Capitania/Província do Rio Grande. Muitas interpretações desenvolvidas por esses cronistas
foram incorporadas por intelectuais rio-grandenses sem uma perspectiva que considerasse a ausência do recurso ao
documental e a não explicitação dos fundamentos metodológicos no campo do conhecimento histórico. Uma grande
diversidade de temáticas por eles abordada são extremamente pertinentes para promovermos reflexões sobre cotidianos
pouco documentados. Um destes viajantes que deixou uma obra de suma importância foi Auguste de Saint-Hilaire. O
caráter de testemunho ocular, mesmo que repleto de suas visões de mundo, nos permite aproximações com
personagens, relações sociais e políticas, materialidade e espiritualidade das populações etc.

A seguir, serão reproduzidas algumas passagens do naturalista francês que nos permite reportar aos imaginários de dois
séculos no passado:

►No próximo livro trataremos da suposta ausência da população negra no Rio Grande do Sul (na perspectiva da
historiografia tradicional). A passagem abaixo, retirada de Saint-Hilaire, é apenas uma provocação para nossas leituras e análises
da presença dos negros.
186

“Segundo dados que me foram fornecidos pelo senhor José Feliciano Fernandes Pinheiro, que é inspetor da alfândega e se
ocupa atualmente com a publicação de uma História da Capitania, sua população se eleva a 32.000 brancos, 5.399 homens de cor
livres, 20.611 homens de cor escravizados, e 8.655 índios. Nas Missões, em particular, contam-se 6.395 índios e 824 brancos.
Tudo isso coincide com o que me têm informado outras pessoas” (SAINT-HILAIRE, 77).

►No meio rural os poucos móveis ou objetos chamou por diversas vezes a atenção de Saint-Hilaire. A restrita circulação
monetária e de mercadorias voltadas ao consumo e ao conforto ainda eram dominantes:

“Nos arredores da estância de Palmares, as pastagens são rentes ao chão, o que sempre acontece perto das habitações,
por que é principalmente aí que o gado pasta. As construções dessa estância constam de algumas choupanas esparsas e da casa
do proprietário, coberta de telhas, porém pequena e de um só andar. O interior, quase desguarnecido de móveis, não oferece
comodidade. Dizia-nos, no entanto, o proprietário que possuía de 10 a 12 mil reses, equivalente a um capital de cerca de 250 mil
francos, além de ser ao mesmo tempo senhor de muitos escravos e ter grande número de cavalos. Parece, em geral, que esta
capitania é muito rica, mas não se encontra nem no mobiliário das casas nem no modo de viver dos habitantes coisa alguma que
denuncie tal riqueza” (SAINT-HILAIRE, 79).

►A documentação do século XVIII destacou os maus-tratos dedicados aos cavalos. O animal era indispensável para o
deslocamento diário e se tornou uma marca da identidade do rio-grandense: o gaúcho a pé não é um gaúcho! (levando em
consideração a utilização do termo gaúcho sem o sentido pejorativo do gaúcho histórico). “Nesta capitania, todos possuem grande
número de cavalos; mas não se lhes dispensa o menor cuidado; não lhes dão milho e, nesta estação, com as pastagens secas,
estes animais ficam magros e fracos. Para a menor viagem é necessário, por isso, levar-se grande número de cavalos de reserva;
ou então, vai-se trocando de cavalo em cada estância. Fazem pouco caso dos cavalos, não os prendem e os estancieiros só
conhecem os que lhes pertencem pela marca. (...) Havendo eu me perdido, dirigi-me a uma casa que avistei ao longe; aí uma
mulher trabalhava acocorada sobre um pequeno estrado. Recebeu-me com delicadeza, mas sem levantar-se, e deu-me um negro
187

para me ensinar o caminho. Ao ficarmos sozinhos, apressou-se em demonstrar sua admiração por ver-me a pé, pois nesta região,
toda gente, mesmo pobre, inclusive os escravos, não dão um passo sem ser a cavalo” (SAINT-HILAIRE, 76-78).

►Castigos físicos e insensibilidade foram elementos do cotidiano vivenciados pelo naturalista francês. “Os brasileiros são,
em geral, prestativos, mas o hábito de castigar os escravos lhes entorpece a sensibilidade. Nesta capitania acresce, ainda, outra
modalidade cruel: a facilidade com que os habitantes podem renovar seus cavalos os impede de se afeiçoarem a estes, podendo
impunemente tratá-los sem piedade alguma; vivem, por assim dizer, em matadouros; o sangue dos animais corre incessantemente
em torno deles e, desde a infância, se acostumam ao espetáculo da morte e dos sofrimentos. Não é, pois, de estranhar se eles
forem, ainda, mais insensíveis que o resto de seus com patriotas. Fala-se aqui das desgraças alheias com o mais inalterável
sangue-frio. Conta-se que um navio naufragou e a tripulação pereceu afogada, como se relatassem fatos os mais
desinteressantes” (SAINT-HILAIRE, 96).

►Um médico francês em Pelotas. “Dois franceses se estabeleceram em São Francisco de Paula. Visitei-os. Um deles, M.
T., é cirurgião gasconês, muito jovem ainda, meu conhecido do Rio de Janeiro, onde me divertira pela sua vaidade. Após essa
época, conheceu o mundo, casou-se aqui, tornando-se mais sensato. Entretanto notei-lhe ainda essa falta de prudência e esse
espírito difamatório que os franceses revelam muito, quando estão em país estrangeiro. Retratou-me fielmente o povo desta
região, sob certos aspectos, mas exagerou sob vários outros. Relacionarei os traços coincidentes com as minhas próprias
observações. Os habitantes desta capitania são ricos e não ambicionam se não enriquecer mais; sua fortuna, porém, pouco
contribui para lhes tornar mais agradável a existência; nutrem-se mal e não conhecem nenhum divertimento honesto. Os instantes
de lazer são dedicados aos jogos, ou a pequenas intrigas que uns forjam contra os outros. A maioria é ignorante e sem educação;
como não conhecem nenhum princípio de honra e de moral, agem, via de regra, de má-fé em seus negócios” (SAINT-HILAIRE,
115).
188

►O tratamento dado aos escravos nas charqueadas pelotenses chamou a atenção de Saint-Hilaire. “Nas charqueadas os
negros são tratados com muito rigor. O Sr. Chaves é considerado um dos charqueadores mais humanos, no entanto ele e sua
mulher só falam a seus escravos com extrema severidade, e estes parecem tremer diante dos seus patrões. Há sempre na sala
um negrinho de dez a doze anos, que permanece de pé, pronto a ir chamar os outros escravos, a oferecer um copo de água e a
prestar pequenos serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz do que esta criança. Não se assenta, nunca sorri, jamais se
diverte, passa a vida tristemente apoiado à parede e é, frequentemente, martirizado pelos filhos do patrão. Quando anoitece, o
sono o domina, e quando não há ninguém na sala, põe-se de joelhos para poder dormir; não é esta casa a única onde há este
desumano hábito de se ter sempre um negrinho perto de si para dele utilizar-se, quando necessário. Já tenho declarado que nesta
capitania os negros são tratados com brandura e que os brancos com eles se familiarizam mais do que noutros lugares. Isto é
verdadeiro para os escravos das estâncias, que são poucos, mas não o é para os das charqueadas que, sendo em grande número
e cheios de vícios trazidos da capital, devem ser tratados com mais rigor (SAINT-HILAIRE, 120).

Auguste de Saint-Hilaire.
189

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Período Colonial apresenta personagens e cenários que são fundamentais para nortear uma reflexão
sobre os processos históricos: portugueses, espanhóis, antagonismo, complementariedade, açorianos, jesuítas,
missioneiros, guaranis, indígenas, negros, gaúchos, pampa, grande propriedade, autocracia, sesmaria,
charqueadas, escravidão, tropeiros, clientelismo etc.

A História não se explica com palavras, mas, sim com os conceitos e significações que os historiadores
dotam estas palavras. São vetores investigativos que precisam estar associados com a documentação e com
paradigmas explicativos. Nesta direção, cada palavra-chave nos permite adentrar em discussões e ampliar os
seus limites acrescentando novas leituras e interpretações do passado. Elas possuem o poder de criar uma
intimidade que rapidamente remete a cenários, imagéticas, personagens e contextos históricos que só existem
na imaginação mediada cientificamente.

De posse destes cenários/personagens iremos investigar no próximo volume de História do Rio Grande do
Sul o “Período Imperial”. Constataremos que o projeto civilizatório luso-brasileiro vai se consolidar e inserir o Rio
Grande do Sul no contraditório processo de construção do Brasil Nação. Personagens antigos serão lapidados
em outras categorias (gaúcho histórico e o gaúcho ficcional); as redes clientelares serão alçadas ao nível
revolucionário e de rompimento político quando da Revolução Farroupilha; novos personagens surgem com
imaginários diferenciados do contexto do latifúndio escravista dominante: os imigrantes e o trabalho livre; a
escravidão negra será afirmada/questionada/negada ao longo do século XIX; novas fronteiras de fricção e
extermínio trarão à tona a discussão de políticas indigenistas; a urbanização começará a mudar o cenário rural
e comprometer a sociedade senhorial; a Guerra do Paraguai fará emergir contradições e novo ideário político;
entre tantas outras modificações que levaram ao acirramento da luta pelo controle do aparelho de Estado no
190

final do período Imperial: luta que mobilizou mecanismos de defesa e a busca de superação da Monarquia e a
afirmação de uma República em construção até o presente.

Nossa viagem histórico-historiográfica terá prosseguimento e ampliará nosso cenário da formação Sul-Rio-
Grandense. No próximo livro adentraremos nos tempos do Império Brasileiro e da Província do Rio Grande de
São Pedro.

Moeda de ouro com a efigie de D. João V de Portugal. Cunhada na Casa da Moeda de Vila Rica em 1731.
191

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