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José Amaral Fernandes Filho

O Espírito Santo e a aldeia de Guarapari

Março de 2010.

1
A Arthur, que tem o futuro nas mãos...

2
Sumário

Introdução ............................................................................................................................... 4

A capitania do Espírito Santo ............................................................................................... 10

A Aldeia de Guarapari .......................................................................................................... 31

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição ............................................................................. 41

O Padre Quental e a República Negra .................................................................................. 57

Bilbliografia: ....................................................................................................................... 101

3
Introdução

Um dos grandes problemas em se estudar a História do Espírito Santo é a falta de

fontes tanto primárias quanto secundárias. Herdeiro de uma historiografia pobre e excluído do

contexto nacional, este estado ainda sofre com o domínio desta ciência por grupos de

profissionais de áreas distintas como Direito, Jornalismo, Geografia, Pedagogia, Turismo,

entre outros, que produzem obras que podem levar em muitos casos a confusões de

informações e propagação de mitos, defendidos em algumas obras como História e deturpando

o que pode realmente ter ocorrido no passado.

A pobreza da Historiografia capixaba pode ser observada no século XIX com obras

escritas, muitas delas, por autores que jamais pisaram em terras capixabas, como é o caso do

médico e dicionarista Cezar Augusto Marques, sócio efetivo do IHGB e membro de uma série

de outras entidades da mesma natureza tanto no Brasil como na Europa. Em seu "Dicionário

Histórico, Estatístico e Geográfico da Província do Espírito Santo" editado no ano de 1878,

nos dá uma série de informações de caráter errôneo e outras duvidosas. O mesmo problema é

encontrado, por exemplo, em João Teixeira Albernaz na sua cartografia da capitania do

Espírito Santo, onde erros grosseiros são observados, como o desconhecimento da região da

aldeia de Reritiba, uma das mais importantes do Brasil colonial tendo aldeados cerca de 9.000

índios de várias etnias do tronco Tupi, e que se tornou célebre pelas obras ali realizadas pelo

Pe. José de Anchieta.

Fontes que demonstram mais segurança para trabalhos de pesquisa neste recorte

espaço temporal são os relatos contidos nas cartas jesuíticas que eram constantemente

enviadas do colégio de São Tiago, na Ilha da Vitória, para demais irmãos, padres e

autoridades da Companhia de Jesus tanto no Brasil como em Portugal. Por elas é possível

4
perceber com bastante clareza a forma com que era descrita, não somente a terra, mas os

costumes dos nativos e as ações dos padres para conter os "pecados" cometidos por eles. Mas,

como acontece com toda fonte primária é preciso grande atenção às informações por serem

unilaterais, carregadas das paixões de seus autores e sua visão européia e eclesiástica sobre a

nova terra e os costumes de seus habitantes considerados gentios. Esta unilateralidade não

compromete somente os trabalhos com fontes primárias sobre o Espírito Santo. Pontos que

chamam muito a atenção nestes relatos são a atribuição de rebeldia aos nativos que resistiam à

conversão ao cristianismo e se opunham a trabalhos forçados. Em geral, os pajés eram os que

mais resistiam às pressões para a conversão, uma vez que eram os detentores do poder

espiritual sobre a tribo sendo a eles, sempre associada à imagem do demônio. Uma análise não

tão minuciosa nos aponta para problemas ligados ao choque cultural causado pelo contato

entre europeus com seu modo de vida dito civilizado, balizado por um ideal mercantilista de

acumulação de riquezas que imperava em seu mundo e a forma de vida simples e "primitiva"

dos nativos baseada na busca constante da harmonia entre homem e natureza – pois desta

forma garantiam a perpetuação de suas gerações – através de um sistema que poderíamos

classificar como comunismo primitivo, pois nessas sociedades não havia a noção de

propriedade privada ou de acumulo de bens. O trabalho só deveria ser realizado nos momentos

de necessidade o que os levava a adotarem o nomadismo dentro de regiões das quais

geralmente nunca ultrapassavam. As constantes migrações eram movidas pela busca de

recursos alimentares e habitacionais variáveis durante o ano. Com a chegada dos padres

jesuítas e seu sistema de aldeamentos e reduções, a vida deixou de ser nômade e adotou-se o

sedentarismo como dinâmica principal. Este processo não se dá de maneira espontânea, ele é

movido principalmente pelas desavenças entre tribos que ficaram mais acirradas após a

chegada dos europeus e sua busca insana por mão-de-obra, que promovia guerras tribais entre

5
vizinhos. Uma vez aldeados, havia a garantia de segurança pelos padres, que além de os

"protegerem dos inimigos naturais, os livravam do processo escravizador proporcionado pelos

colonos portugueses".

Pelas cartas jesuíticas, os períodos em que se observa maior número de nativos

revoltosos se dão quando convocados para trabalhos sistemáticos como edificação de prédios

públicos, defesa da capitania contra piratas de toda a sorte que infestavam nossa costa e

principalmente quando ocorria algum tipo de epidemia como gripe e varíola, que dizimavam

centenas, não escolhendo entre crianças, idosos e pessoas em idade madura, aptas ao trabalho

nas grandes lavouras, pastos, engenhos e olarias da Companhia de Jesus na Capitania do

Espírito Santo, onde os padres obtiveram quase que total domínio até 1759 quando por

determinação do Marquês de Pombal foram expulsos das terras do reino em todas as partes do

mundo. A falta de imunidade que levava centenas de nativos a morte pode também justificar a

ação milagrosa de padres como José de Anchieta, que possuíam anticorpos resistentes a

algumas dessas doenças tipicamente européias como a gripe. Enquanto muitos nativos

sucumbiam, milagrosamente, “por vontade da divindade” que se apresentara como verdadeira

pelos jesuítas, os padres permaneciam vivos batizando e dando extrema unção para estas

mortes se justificassem como ganho para Deus.

O que compromete em muito o estudo baseado em fontes documentais é a inconstância

da produção de documentos ou a perda por ocasião de naufrágios e ataques de piratas e

nativos rebelados ou simplesmente resistentes à catequese. Também a compra da capitania

pela coroa portuguesa em 17181 alterou, a administração regional e a produção de

1
N.a.: além da alteração na produção documental, houve também alteração nos limites da capitania. O ouro
descoberto em terras capixabas por bandeirantes paulistas causou um grande reboliço na administração colonial.
Em 1712 foi criada a capitania de Minas Gerais, tirando do Espírito Santo toda a riqueza que esta possuía em
ouro e pedras preciosas e sendo incluída numa espécie de periferia real, junto com as capitanias de Porto Seguro

6
documentos, que passou a ser feita por intermédio de administradores empossados pelo rei,

não mais por donatários. Essas mudanças administrativas trazem grande confusão no que se

refere a busca documental uma vez que a capitania se vê, hora subalterna a do Rio de Janeiro,

hora a da Bahia. Grande parte das fontes produzidas entre os anos de 1718 – ultimo como

capitania hereditária e primeiro como capitania real – e 1823, quando se torna independente

do governo da Bahia se encontra ainda em arquivos portugueses.

A partir do início do século XIX, as visitas de naturalistas estrangeiros passaram a ser

mais constantes. Pesquisadores como Maximiliano de Newvied e August de Saint-Hilaire

trouxeram uma grande contribuição para o conhecimento não só da fauna e da flora, mas do

modo de vida, relações sociais e economia da capitania, mas sempre com o ponto de vista

europeu, pois não podemos deixar de entender que se tratam de europeus. Destes dois, o que

mais detalhes nos dá em relação ao cotidiano e vida em sociedade da região de Guarapari, é

Maximiliano de Newvied, que esteve no Espírito Santo em 1815 e que em seu livro "Viagem

ao Brasil" relata um fato até então desconhecido da historiografia capixaba e brasileira, ou

para o qual foi dada pouca atenção: a República Negra que teria existido no interior da vila

entre os anos de 1769 e 1815, e que pode ter se estendido por mais tempo 2. August de Saint-

Hilaire, faz somente um breve comentário sobre o assunto, mas que pelo seu teor parece dar a

proporção do que foi este acontecimento e que o mesmo não passava despercebido a

e Ilhéus, também compradas, anos mais adiante, pela coroa portuguesa. Com a aquisição da capitania do Espírito
Santo houve um grande retrocesso no seu desenvolvimento. As melhorias na região só aconteceram no que diz
respeito à construção e melhorias de fortificações na baia de Vitória e em algumas vilas e aldeias consideradas
estratégicas.
2
"... os escravos se revoltaram e cessaram o trabalho... armaram-se e formaram nessas florestas uma república
negra, que não foi fácil submeter... os rebeldes negros das duas fazendas acima referidas recebem os forasteiros
de maneira amigável, e nesse particular são muito diferentes dos escravos negros fugidos de Minas Gerais e
outros lugares, que são chamados, devido às suas aldeias nas florestas, quilombos, gaiambolos."
NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. Companhia Editora Nacional, 1940. p. 136.

7
curiosidade dos moradores da vila.3 A marginalidade deste relato pode ter uma ligação direta

com a produção documental compreendida entre a metade do século XVIII e início do XIX,

ou mesmo aos interesses da coroa portuguesa sobre as terras em questão, uma vez que eram

tidas como de grande valor por possuírem engenhos e grande quantidade de escravos. Estas

terras passaram por um processo de guerra jurídica entre possíveis herdeiros de seu ultimo

proprietário, o Pe. Antônio de Siqueira Quental e a administração colonial, que pretendia

confiscá-las por seu inestimado valor. É realmente impressionante o número de negros cativos

de propriedade de um único senhor. Pelos inventários de 1802, eram num total 817 nas duas

fazendas. Se forem observados outros inventários de fazendas em regiões de maior tradição

escravista, como do nordeste açucareiro, percebe-se logo a disparidade dos números, o que

leva a questionamentos sobre a produção agrícola, de escravos e a importância econômica da

vila de Guarapari muito pouco levada em consideração pela maioria arrasadora dos trabalhos

historiográficos. Na capitania do Espírito Santo, pelo menos duas propriedades possuíam um

número próximo e até pouco maior de negros cativos no século XVIII, a fazenda de

Muribeca4 com cerca de 900 escravos, localizada no extremo sul capixaba, já na divisa com o

Rio de Janeiro, destinada a criação de gado, e a fazenda de Araçatiba que produzia açúcar,

melado, cachaça e cerâmica, com 852 “servos” 5, mas sendo que ambas pertenciam a

Companhia de Jesus e não a um único proprietário como é o caso do Pe. Quental em

3
"Não tendo tomado nota do pequeno comércio de balsamo feito por Guarapari, abstenho-me de fazer
referencias a tal respeito. Pela mesma razão, nada direi, tão pouco de uma espécie de república de negros
revoltados que se formou na vizinhança da mesma vila e da qual muito se falava na época de minha viagem".
SAINT-HILLAIRE, Auguste. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1974. p. 36.
4
A fazenda de Muribeca formou-se em meados do século XVII... já em 1694 dispunha de grande casa e igreja,e
havia nos seus campos, 1.639 cabeças de gado. Produzia carne para alimento do Colégio de Vitória e dela se
tiravam os bois de carro necessários para o serviço. No rio fez-se também espaçoso pesqueiro cujo peixe se
levava ao Colégio. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI – Livro II – capítulo
II. p. 154
5 Grande Fazenda, nela viviam habitualmente dois padres, e segundo o inventário de 1780, o núcleo central era
constituído pela residência, Igreja, engenho, senzala e oficinas... Engenho com seus pertences , ferragens, cobres,
bronzes e metais. Servos 852, "pretos, pardos e cabras"; e alguns com ofícios e artes. idem cit. p. 156.

8
Guarapari. Estas duas fazendas, segundo Serafim Leite, eram responsáveis pelo abastecimento

de carne e açúcar de quase toda a capitania do Espírito Santo e parte da de São Vicente e Rio

de Janeiro.

9
A capitania do Espírito Santo

A Capitania do Espírito Santo, localizada em uma região estratégica para a coroa

portuguesa, principiou seu processo colonizador no ano de 1534 pelo donatário, Vasco

Fernandes Coutinho, fidalgo português que havia recebido esta terra em recompensa aos feitos

realizados em campanhas na África e nas Índias. Este não teve o sucesso desejado por ser

menos administrador que vassalo. Em sua companhia, vieram dois fidalgos de elevada

nobreza, cujos escrúpulos não podem ser considerados assim tão elevados. Um deles era Dom

Jorge de Menezes, capitão de Moluco degredado para o Brasil como pena pelo assassínio de

Gaspar Pereira, capitão da fortaleza da mesma província. Foi morto em combate contra o

gentio sublevado na Capitania. O segundo era Dom Simão de Castelo Branco, nobre cuja

fidalguia é questionável. Era então uma espécie mais de mercenário que de vassalo. Serviu ao

rei de Castela, Carlos V, que era a maior ameaça a autonomia do reino de Portugal, por

desavenças com Dom João III. Foi morto também em combate com o mesmo gentio

revoltado. A falta de competência administrativa, por parte de Vasco Fernandes Coutinho e de

seus auxiliares, que eram em sua maioria homens de baixo nível social, fez com que não

conseguisse conter as revoltas dos nativos. Vasco Fernandes Coutinho pôs o que podia ser

considerado, segundo os cronistas coloniais o celeiro do Brasil do século XVI, em estado de

ruína total. Essas faltas de Vasco Fernandes, atribui Pedro Azevedo as dificuldades em dirigir

o gentio e ao uso do fumo do tabaco6, o que leva a crer em uma assimilação por parte dele de

alguns costumes gentílicos dos brasis, o que pode ser comprovado por sua amizade a

6 “A dificuldade estava em dirigi-los e neste ponto é que faltava capacidade a Vasco Fernandes, que nem mesmo
pode resistir às delícias do uso do fumo do tabaco, empregado já pelos índios brasis na sua terapêutica e nos seus
ritos gentílicos em doses concentradas. AZEREDO COUTINHO, José Joaquim da Cunha de. Concordância das
leis de Portugal e das Bulas Pontifícias das quais umas permitem a escravidão dos pretos da África e
outras proíbem a escravidão dos índios do Brasil. introdução de José Ivan Calou Filho, Arquivo Nacional, Rio
de Janeiro, Ministério da Justiça, 1988. p. 202

10
Maracayacangaçú, o Gato Grande, cacique dos Maracayá, a quem convenceu, junto com o

Pe. Afonso Brás SJ, a migrar com sua tribo do Rio de Janeiro para o Espírito Santo. Ao

Grande Gato e sua família, alem de doar terras para a formação da nova aldeia, emprestou

então Vasco Fernandes o seu nome e o de seus familiares como prova de amizade.

Tendo falecido Vasco Fernandes Coutinho em 1561, o governo da Capitania passou a

seu filho homônimo que a governou até 1585 sem deixar sucessor.

Dona Luiza Grimaldi, esposa do segundo donatário, assumiu o governo junto com seu

capitão mor Miguel de Azeredo que a governou até 1593. Após uma série de negociações, nas

quais se envolveu diretamente o próprio Pe. Anchieta, depois de haver indícios de fraudes nas

eleições para capitão mor7.

A Capitania teve como ultimo donatário Francisco Gil de Araújo, enquanto capitania

hereditária, pois, em 1718, após sua morte foi comprada à seu herdeiro, Cosme de Moura

Rolin (que não chegou a assumir o governo), por D. João V, passando a ser a partir de então

Capitania real. O mesmo ocorreu em 1759 com a Capitania de Porto Seguro e Ilhéus. As

compras de Capitanias em locais tão estratégicos podem ter um único motivo, a descoberta do

ouro nas Minas. De fato houve uma tentativa de anexação da capitania do Espírito Santo à

Coroa em 1711, quando os ânimos começavam e se exaltar em Vila Rica e a disputa entre

paulistas e emboabas – grande parte deles capixabas e a quem pertenciam as terras – pelo

controle das Minas. Estando em seu poder, a Coroa Portuguesa, pôde sem maiores

constrangimentos utilizar estas três pequenas e problemáticas Capitanias como uma defesa

7
As embrulhadas da eleição que lá houve andam agora na forja. Espero que tudo sairá acabado e apagado, e não
se procederá na Devassa, que lá se tirou, porque a todos os letrados e ao próprio ouvidor geral lhes pareceu bem e
ajudam nisso, e o Senhor Governador, que é muito amigo de pacificar o povo, já tem dito que assim será. A
petição fiz eu de minha letra com ajuda do mesmo ouvidor geral: lá a tem pera despachar. Eu dizia que se podia
lá dar largueza a Rodrigo Garcia e aos mais que por acaso tivessem alguma provisão, ou embaraço, porque tudo
se há de consumir aqui e pera isso irão provisões como espero de certeza. ANCHIETA, José de . Cartas:
informações, fragmentos histórico e sermões. São Paulo: editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 389.

11
natural as recém descobertas minas de ouro, pois era o acesso mais fácil por meio de

navegação pelo rio Doce e por oferecer Vitória um bom porto. Este talvez fosse o momento

em que mais serviram aos interesses da Coroa.

As hostilidades encontradas, que até então eram tidas como entrave à sua colonização,

como a ferocidade do gentio Botocudo que habitava a região do vale do rio Doce passou a ser

a partir deste momento um fator de garantia da segurança das Minas. Como conseqüência

dessas aquisições, houve também o desaparecimento dos limites naturais entre ambas, que até

1718 segundo as fontes era o rio Doce8. Somente com a criação da vila de São Mateus em

1764, esta questão foi novamente levantada, principalmente quando esta vila foi tomada por

forças enviadas de Vitória, que lá chegando não encontram resistência alguma. A vila de São

Mateus só foi incorporada definitivamente ao Espírito Santo, em 1823 após sua elevação a

província em 18109.

8
“no famoso mapa do Brasil dividido em Capitanias, representando os quadriláteros de nove delas, o paralelo
que extrema as de Porto Seguro e o Espírito Santo é precisamente o da fóz do Rio Doce (fls. 2339). Em 1642,
João Teixeira, em mapa integrante de seu autorizado livro Descrição de toda a costa da Província de Sta. Cruz, a
que vulgarmente chamam Brasil, anotou, ainda na foz do Rio Doce: ‘Rio Doce onde acaba a Capitania do
Espírito Santo e começa a de Porto Seguro’ (fls. 2342 e 2356). Outro mapa semelhante ao de João Teixeira,
contem no mesmo ponto e quase nos mesmos termos idêntica indicação. A Razão do Estado do Brasil, de 1612
tratou da ‘demonstração da Capitania do Espírito Santo, até a ponta da barra do Rio Doce, na qual parte como
Porto Seguro. Na descrição do ‘mapa topográfico de Porto Seguro’, feita por José Marcelino da Cunha, consta
que a Comarca de Porto Seguro, se limitava ao sul com a Capitania do Espírito Santo pelo Rio Doce”.
ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira, OLIVEIRA, Antônio Gonçalves de . A questão de limite com o estado
do Espírito Santo (ao norte do rio Doce). Volume III, Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1958. p. 155
9
“Em 1823, no tempo da luta da independência, justamente quando a Bahia se deixava sangrar pela emancipação
de todo o País, levando até o sacrifício o seu patriotismo, prevaleceu em São Mateus o alvitre pusilânime ou
político de aderir às manifestações da Independência, dirigindo-se ao Governo do Espírito Santo, o que até certo
ponto se compreende, atendo-se a situação em que se achava a Bahia, flagelada pela guerra, invertida como se
achava a ordem ou marcha regular do seu Governo: pois o General Madeira se mantinha apenas na capital, onde
estava bloqueado, e os guerrilheiros patriotas do Recôncavo sustentavam a campanha, tendo relações, as vezes
dificílimas, tanto com o ‘este de todo o território da província, como com o Governo do Rio de Janeiro e com o
Almirante Pochrane que dominava o mar”. AMARAL, Braz do. Bahia – Espírito Santo, limites entre dois
Estados. IN. Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, 1905, vol. II, p. 81

12
A presença da Companhia de Jesus teve papel determinante na região, principalmente

nos primórdios de sua colonização, quando estabeleceram seu quase total domínio, tanto

econômico quanto social, catequizando, aldeando e explorando como força de trabalho o

gentio da Capitania e trazendo ainda mais do sertão a fim de serem ajuntados nos grandes

aldeamentos - para o ganho de Cristo. Estes aldeamentos foram a principal marca da presença

dos jesuítas no Brasil.

O primeiro padre a chegar a Capitania foi Braz Lourenço, no ano de 1551, que já pôs

em prática as ações estratégicas da Companhia para a conversão do gentio. A prática convinha

em constituir grandes aldeias ao longo da costa, onde estes gentios eram ajuntados. O projeto

de aldeamento criado pelos padres da Companhia no Espírito Santo foi implantado mais tarde

nas missões guaranis no sul do Brasil, o que também não impediu o extermínio do gentio

Guarani, assim como também não impediu o dos Botocudos e Goitacás que habitavam o

território capixaba10.

Nos limiares do sertão foram estabelecidas reduções, que os padres visitavam

constantemente. A notícia dos grandes aldeamentos promovidos pelos jesuítas tomou corpo e

se espalhou sertão adentro. Várias tribos migraram então para os aldeamentos, tornando ainda

menos possível a expansão dos desejos dos colonos portugueses interessados, antes de tudo,

na escravização do gentio para lhes servirem enquanto mão de obra em sua empresa

desbravadora. Grande exemplo desta migração é a da tribo dos Temiminós, ou Maracayá, que

partem do Rio de Janeiro onde se encontravam em guerra com os Tamoios, para o Espírito

Santo. Outra tribo também migrada do sertão, sob o comando de um cacique chamado Pirá-

10
“ a aldeia de Nossa Senhora ou aldeia de Santa Maria de Guarapari foi residência estável dos Padres até fins do
século XVI, quando nesse período sobreveio, por um lado, a ordem interna da Companhia exigindo que em cada
aldeia houvesse quatro religiosos, e por outro, a expansão missionária ao norte e ao sul do Brasil, nas regiões que
ambas tem o nome de Rio Grande.” LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI,
Belo Horizonte, Itatiaia, 1945. p. 144

13
obig, Peixe Verde,11 estabeleceu-se formando em Guarapari, formando outra aldeia. Também

de Porto Seguro vieram alguns Tupinanquins. Outro grande exemplo desta migração que para

cá ocorre é presença dos Botocudos ao norte da Capitania, que se espalham também pelas de

Porto Seguro, Ilhéus e até a Bahia, sendo que esses não vieram em busca dos aldeamentos,

mas provavelmente por conseqüências de guerras tribais no centro oeste do Brasil.

Várias obras foram realizadas pelos padres da Companhia na Capitania, suas grandes

fazendas careciam no princípio de infra-estrutura que permitisse funcionar plenamente e

impor sua presença e força, tanto ao gentio quanto aos colonos. Foi construída uma rede de

canais, dos quais o mais conhecido e único que pode ser localizado, devido a perda de

informações sobre os outros (que pode ter sido ocasionada por um incêndio no colégio dos

jesuítas em Vitória no ano de 1749), é canal do jesuítas, que é chamado hoje de rio Marinho.

Este canal tem seu início no rio Jucu, que cortava a fazenda de Araçatiba, possuidora de

engenhos e conhecida como uma das maiores pertencentes aos padres jesuítas nesta Capitania,

e tinha como destino a baia de Vitória. Possuía aproximadamente duas léguas de extensão

(12/Km) e tinha como principal finalidade o escoamento da produção da fazenda de Araçatiba

até a ilha da Vitória. Por este canal, era possível escapar aos desconfortos e perigos

proporcionados pelo trajeto terrestre. Para Saint-Hilaire era “... o único canal que, quanto

conheço existe na costa do Brasil Meridional” 12.

11
Esta seria a mesma tribo chamada de Guarás, cujo cacique Guarauçu, Cão Grande, era irmão de sangue do
Maracayauaçu.
12
SAINT-HILAIRE, August. Viagem ao Espírito Santo e rio Doce. Belo Horizonte. p. 10

14
Segundo Serafim Leite, as Fazendas foram constituídas no intuito de abastecer as casas

e colégios da Companhia de Jesus, mas acabaram sendo as responsáveis pelo abastecimento

não só dos estabelecimento dos jesuítas mas de toda a Capitania. Estas fazendas eram

organizadas de acordo com as necessidades dos padres a quem cabia definir todo o destino das

terras ocupadas, se seriam cultivadas, com quais culturas, se seriam pastoreadas, se teriam

engenhos. Eram as seguintes as fazendas pertencentes a Companhia na Capitania do Espírito

Santo: Carapina, localizada nas proximidades da ilha da Vitória que possuía engenho

posteriormente desativado e sua produção passou a ser de legumes e frutas e era também

usada como casa de repouso. Foi doada a Companhia em 1644 e deixou de pertencer aos

jesuítas antes mesmo de sua expulsão do Brasil. Para substituí-la foi criada em 1739 a

Fazenda de Itapoca, cujo produto principal era a farinha de mandioca. Araçatiba era a

responsável pela produção de açúcar. Localizava-se onde é hoje o distrito de mesmo nome no

município de Viana e ainda podem ser vistas suas ruínas. Além de engenho possuía também

olaria e produzia aguardente, melado e mel. Tinha um número de 852 servos entre escravos e

livres. Possuía sete datas de terra que eram: Araçatiba, Jucu que se dividia em duas, Jucuna,

Camboapina, Palmeiras e Ponta da Fruta. Possuíram também os jesuítas, a maior fazenda de

criação de gado de toda a Capitania, a Fazenda de Muribeca na vila de Itapemirim fundada em

meados do século XVII e que concentrava toda a administração das fazendas localizadas ao

sul de Vitória, além de várias outras, onde teve destaque a produção de farinha mandioca e a

criação de gado. A Fazenda de Muribeca era a responsável pelo abastecimento de carne de

todo o colégio de Vitória e segundo Serafim Leite “já em 1694 dispunha de grande casa e

igreja, e havia em seus campos 1639 cabeças de gado”. Estava situada em um sitio de grande

fertilidade banhado pelos rios Muriaé, Paraíba e Itabapoana e pelo mar.

15
O processo de dominação desenvolvido pelos padres jesuítas nos primórdios da

colonização da capitania do Espírito Santo, não se diferenciou muito do patrocinado pelos

colonos europeus que vieram ao Novo Mundo com um intuito de transformá-lo num espelho

de sua Europa, onde poderiam ser corrigidas todas as anomalias que até então assolavam

aquele continente. Como era o caso da presença moura e judia, que muito influenciou com sua

ciência, religião e arquitetura e que ameaçou em muito a autonomia do reino lusitano que foi

ocupado durante cerca de 700 anos. Para que isso não ocorresse nas terras do Brasil, os padres

impuseram ao gentio leis tão cruéis como as quais estariam submetidos nas mãos dos

portugueses, só que neste caso muito mais ameaçadoras por estarem sendo impostas não por

simples homens, mas por sacerdotes representantes de um deus na terra. Em carta de comissão

do padre Bráz Lourenço da Capitania do Espírito Santo ao padre Dr. Torres em Portugal pode-

se observar com que modos eram tratados pelos padres, os gentios nos aldeamentos aos

tempos em que eram suas visitas de responsabilidade do padre Fabiano de Lucena “... porque

para isto lhe deu Nosso Senhor muito bom talento” 13.

Pode-se observar pelos relatos citados, a forma de organização adotada pelos padres

em seus aldeamentos e reduções. Havia toda uma escala hierárquica e diferenciadas funções

distribuídas de acordo com a confiança depositada pelos padres aos nativos a serem
13 “A esta aldêa vai o mesmo padre Fabiano todos os dias haverá dois anos, partindo ante-menhã desta casa em uma
almadia, ora contra a maré, ora com chuva e frio, que é um trabalho incomportavel; á qual chegado, vai logo u Indio
porteiro pelas casas, apregoando que se não vão fora antes de irem aprender a egreja, onde se ajuntam e lhe faz o
Padre a doutrina, ao qual elas tem muita reverencia, e é temido e amado delles; aprendem honestamente as cousas da
Fé, vivem apartados dos seus antigos costumes e muitos são já chistãos; o seu Principal, a quem os Padres ordenaram
que fosse ouvidor é temido e estimado delles; tem alcaide e porteiro; quando algum deve é trazido diante delle, e, não
tendo com que pague, lhe limita tempo pera isso, segundo o devedor aponta. Têm um tronco em mandam meter os
quebrantadores de suas leis, e os castigam conforme os seus delitos. As leis, ordenaram elas, presente o padre Bráz
Lourenço e u língua, desta maneira: o Principal perguntava o castigo que davam por cada um dos delictos; dizendo-
lho a língua, elas o aceitavam; somente os casos que incorriam em morte lhe moderou o Padre. E assi vivendo em sua
lei nova, acertou uma Índia christã casada de fazer adutério; foi accusado o adutero e condemnado que perdesse
todos seus vestidos pera o marido da adutera, e foi mettido no tronco, de modo que ficaram tão atemorizados os
outros, que não se achou dali por diante fazerem outro aduterio; mas si algum pecca, logo é acusado ao Padre, o qual
manda que o castiguem.” Cartas avulsas, 1550-1568. Azpilcueta Navarro e outros. Belo Horizonte, Itatiaia, 1988. p.
364.

16
empossados em tais funções, o que nos faz lembrar a distribuição de favores feitos pela Coroa

portuguesa aos seus vassalos por serviços prestados e os loteamentos de cargos públicos na

política e administração pública contemporânea. Muitos desses receberam como favores um

quinhão do Novo Mundo, e para isso necessitavam de mão de obra para sua exploração, o que

na América havia bastante, desde que houvesse para isso permissão dos padres que detinham

quase um monopólio sobre os gentios da terra do Brasil. Aos que não se submetiam a suas leis

era declarada a “Guerra Justa” e os prisioneiros capturados nesta guerra podiam ser

escravizados ou comercializados, pois assim determinava a bula papal. A Guerra Justa foi sem

dúvida, uma das mais eficazes armas criadas pelos colonizadores para poderem suprir sua

falta de mão de obra. Esta guerra só podia ser declarada a partir do momento em que houvesse

uma intenção justa para tal. Mas a justiça aqui segue os modelos europeus bem como sua

postura de só servir a um interesse: o de quem a cria. Para ser declarada, os gentios que seriam

combatidos deveriam ter cometidos delitos como antropofagia e resistência à catequização.

Segundo João Adolfo Hansen:

“O núcleo substancial da doutrina da catequese e da guerra é, no

caso, o mesmo que foi exposto por padres e doutores da igreja,

como são Jerônimo, santo Agostinho, Isidoro de Sevilha e santo

Tomás de Aquino. Entendida como um estado de exceção, a

guerra associa-se duplamente à prática catequética dos jesuítas e

às práticas de escravização dos colonos. Na catequese jesuítica,

ela é uma sanção que só se aplica ao gentio bravo, bárbaro ou a

casos individuais de barbárie, como os xamãs tidos por

17
‘feiticeiros’. Como limite manipulável pela cobiça dos colonos,

só ocorre com justiça quando são atendidas três condições:

causa justa, autoridade legítima de quem a faz e maneira reta de

fazê-la. Não é qualquer um que pode começa-la, pois só o rei a

pode declarar. Como afirma Isidoro de Sevilha, deve haver

declaração prévia para que seja justa e quem a empreende deve

Ter virtudes cristãs, pois a finalidade do conflito também deve

ser virtuosa.... A dureza da agressão deve ser proporcional às

culpas e aos delitos. ... Faz-se uma ‘guerra justa’, enfim, para se

obter a paz da justiça e da prática da virtude que teoricamente

impedem que os malvados continuem agindo. Neste sentido, o

fim de toda ‘guerra justa’ é a paz do ‘bem comum’ do reino.

Entre as várias causas que tornam uma guerra justa, deve-se

lembrar a defesa contra agressões, quando a força é repelida

com força. Também é justa quando é feita para se recobrar

coisas tomadas injustamente. No caso, entende-se que é legítima

não só para recobrar as coisas próprias, mas também as de

aliados e amigos. Terceira causa para uma ‘guerra justa’ é a

necessidade de impor o castigo a malfeitores que não foram

punidos ou que foram castigados com negligencia .... em todos

os casos, a guerra é justa porque é empreendida em nome da

justiça dos princípios cristãos, com acontecia nas cruzadas

chefiadas pelos reis portugueses no Norte da África ... a

universalidade cristã também implica que a guerra é justa

18
quando realizada contra os que impedem os missionários de

divulgar a fé, caso dos caraíba tupis14.

A justiça social e divina, a qual os padres jesuítas submeteram o gentio da Capitania

do Espírito Santo, acarretou na redução das antigas crenças animistas a cultos diabólicos. Seus

antigos deuses representados pela força dos elementos: o deus do raio, do trovão, do sol e do

fogo, o fogo que nunca apaga, era associado ao inferno tão falado e tão temido pelos cristãos.

A nova crença imposta aos gentios não fez de maneira eficiente, com que se livrassem dos

seus costumes, impostos por sua “natureza selvagem”, aos quais ficaram ainda muito

fortemente atrelados. Mesmo depois de convertidos muitos ainda eram grandes apreciadores

de carne humana e cometedores de delitos como o incesto.

Na Capitania do Espírito Santo, tribos como os Goitacás que habitavam o sul e quase

toda a costa, e os Botocudos que habitavam o norte a partir do vale do rio Doce e mais tarde

espalhando-se por todo litoral e sertão próximo da costa, foram amplamente perseguidas não

só pelos padres, mas também pelos colonos portugueses ávidos por mão de obra para suas

sesmarias, já que os negros da África eram um artigo ainda raro nesta parte do Brasil e sempre

de grande valor monetário. Os Goitacás, até o século XVIII estavam todos convertidos e

alguns migrados para as terras da nova Capitania das Minas do Ouro, com o nome de

Coroados. Os Goitacás aldeados e convertidos na Capitania do Espírito Santo foram então

utilizados como contingente militar no combate no norte da Capitania aos que eram

considerados o mais temido e odiado gentio de toda a costa do Brasil, os Botocudos ou

Aimorés, que se estabeleceram na região do vale do rio Doce, divisa com a Capitania de Porto

14
HANSEN, João Adolfo. A servidão natural do selvagem e a guerra justa contra o bárbaro. IN: A
descoberta do homem e do mundo. Org. Adauto Novaes, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.pp. 355,356.

19
Seguro dificultando a expansão para o norte da Capitania do Espírito Santo, bem como a

descoberta da serra das Esmeraldas, tornando praticamente inabitável o sertão do rio Doce

possuidor de grandes recursos naturais e que seriam de fácil exploração, devido a

acessibilidade proporcionada pela navegação no Rio Doce. O gentio Botocudo destacava-se

dos demais da costa do Brasil, não somente pela selvajaria, mas também pela língua e pelo seu

descomunal porte físico: de pele mais clara, corpos grandes e fortes, e traços de negros.

Traziam sempre enfiados às orelhas e lábios botoques de madeira. Suas táticas de ataque as

fazendas e aldeias eram desconhecidas pelos portugueses, acostumados com a guerra em

blocos feita na Europa e no Oriente contra os judeus e os mouros. Os Botocudos agiam

sempre de forma fortuita e em vários grupos formados por poucos guerreiros, lembrando as

táticas de guerras de guerrilha usadas mais tarde, no século XX nas resistências aos governos

militares na América do Sul e Central. Estas táticas de combate deixavam sempre grandes

prejuízos para a economia dos colonos, a segurança dos Padres e a estabilização dos interesses

de Portugal na capitania do Espírito Santo. Estes que foram sem dúvida a maior resistência

gentílica à dominação portuguesa, terminaram por serem extintos no século XIX, quando já

não era mais possível conter o avanço europeu nestas terras.

Ainda restam algumas tribos de índios descendentes dos botocudos no sul da Bahia e

norte do Espírito Santo. Os Botocudos formavam uma ampla família. Algumas das tribos que

compunham esta família se renderam a segurança dos aldeamentos, e conseguiram sobreviver

até os dias de hoje, vivendo em situação miserável como quase todas as tribos que

sobreviveram à carnificina da colonização. Mas, a maioria foi exterminada já no século XIX.

20
A simples presença desta tribo na região teria sido o maior impasse do processo de

expansão para o norte da capitania do Espírito Santo. Ao passo que o sul, dominado pelos

Goitacás convertidos, teve o maior desenvolvimento econômico15.

Grande objeto de cobiça entre os colonos, estavam também os escravos domésticos,

que geralmente eram obtidos nos aldeamentos com os padres. Eram em sua maioria mulheres

de pouca idade que se rendiam com mais facilidade à conversão. As mulheres nativas

recebiam por parte das senhoras lusitanas lições de prendas domésticas e bons costumes para

estarem sempre propicias a servi-las com todo requinte que as mesmas haviam aprendido nos

convento de Portugal, onde a educação básica consistia em ensinar regras para a manutenção

de um casamento. 16

As mulheres índias estavam também expostas a outros tipos de atividades que não são

se quer tocadas por M. S. de Novaes, que se atém à exaltação da influencia lusitana no

processo aculturador dos gentios da capitania do Espírito Santo. Nas “Confissões da Bahia”

temos relatos de tratos bem distintos dos descritos por M. S. de Novaes, como é constatado na

confissão do Cônego Jácome de Queiróz.17

15
“os diversos povos das famílias Maxacali (Kaporó, Kumanaxó, Makuni, Malali, Maxacali, Panyame), Kamakã
(Kamakã e Kutaxó), Pataxó e da grande família dos Botocudos ... conhecidos por Aymoréz, em todo período
colonial, são conjuntamente responsáveis, com suas devastadoras incursões sobre as povoações costeiras pelo
mais completo fracasso econômico das capitanias de Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo durante todo o período
colonial”. DANTAS, p. 434
16 “... as índias, exceto as velhas renitentes, convertiam-se facilmente e transformavam-se em cooperadoras do
apostolado, enquanto as senhoras portuguesas as auxiliavam na educação. Em 1562, ...uma carta atribuída ao Pe.
Fabiano de Lucena relatava ao Pe. Dr. Torres, que uma senhora da aldeia da Conceição tinha muitas moças dos
índios, sob sua disciplina e às ensinava alfaiataria, fiação, etc. Casavam-se essas moças com jovens doutrinados,
instruídos nos bons costumes. Igualmente a esposa de Mechior de Azevedo contribuía para a educação das
índias.” NOVAES, Maria Stella de. A mulher na História do Espírito Santo. Vitória, EDUFES, Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Secretaria Municipal de Cultura, 1999.p p. 17,18.
17
“... E confessando-se, disse que haverá sete anos pouco mais ou menos, uma noite nesta cidade, levou à sua
casa uma moça mamaluca que então seria de idade de seis ou sete anos, que andava de noite vendendo peixe pela
rua, escrava cativa de Ana Carneira, mulher do mundo, ... a qual moça não sabe o nome, depois de cear e se
encher de vinho, cuidando que corrompia a moça pelo vaso natural, a penetrou pelo vaso traseiro e nele teve
penetração sem polução, e tanto que sentiu que era pelo vaso traseiro se afastou e tirou dela, e isso aconteceu
uma vez por seu desatento, como dito tem. Confessou mais, que haverá também sete ou oito anos que, querendo

21
Deste contato com o civilizador europeu, feito na base da imposição de uma situação

de superioridade tanto divina como secular, com os nativos da costa do Brasil reduzidos a

condição de animais bárbaros, teve origem a primeira linhagem de brasileiros quinhentistas,

filhos de estupros como os descritos na confissão do Cônego Jácome de Queiróz, ou da

“virtuosidade” de casamentos com jovens doutrinados, como os descritos por M. S. Novaes.

Os novos brasileiro receberam o nome de mamalucos e a eles sobrou a carga do trabalho que

não pretendiam desenvolver nem o nativo nem o português. A falta de identidade fez com que

os mamalucos exercessem funções muitas vezes ambíguas, trabalhando ora ao lado dos

portugueses, ajudando na penetração ao sertão, na defesa da capitania, na captura de gentios,

ora ao lado dos nativos advertindo-lhes quanto as ciladas pretendidas pelos portugueses e

padres.

As revoltas e sublevações eram constantes nos aldeamentos logo no princípio da

colonização da capitania. Geralmente se davam devido aos maus tratos e as constantes

epidemias. A resistência gentílica foi a causa da mudança da vila do Espírito Santo - situada

no continente, depois Vila Velha - para a nova vila fundada na ilha, a vila de Nossa Senhora

da Vitória, Vitória contara os índios Goitacás. As revoltas foram a causa da morte de D. Jorge

de Menezes e D. Simão de Castelo Branco, nobres que acompanharam Vasco Fernandes

Coutinho em sua empresa colonizadora da terra conquistada na costa do Brasil, a capitania do

Espírito Santo. Percebe-se também que as revoltas entre os gentios se deram em períodos

geralmente de convocação à defesa da Capitania contra invasores e de epidemias. Na defesa

corromper outra moça por nome de esperança, suas escrava, de idade de sete anos pouco mais ou menos no dito
tempo, cuidando que a corrompia pelo vaso natural a penetrou também pelo vaso traseiro e, sentindo isso, se
afastou logo sem polução, e também estava ceado e cheio de vinho...”VAINFAS, Ronaldo. Confissões da
Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. pp. 102.103

22
estes eram postos na linha de frente ocupando sempre posições desvantajosas e vulneráveis

aos inimigos de seus conquistadores, os quais passaram a ser também os seus inimigos.

Muitos sucumbiram nestes combates o que causou certo medo incentivador das fugas e das

sublevações. 18

As epidemias sempre foram grandes causadoras de descontentamento gentílico quanto

a dominação. Nos textos e cartas são relatadas tais mortandades e fica claro que os agentes

propiciadores destas epidemias eram padres e colonos, que em alguns casos escapavam com

vida, pois já haviam criado na Europa após tantas pestes e epidemias que constantemente os

assolavam, a defesa imunológica necessária para escaparem delas nas terras do Brasil. Os

relatos não nos mostram precisamente o numero do gentio morto nas epidemias, mas mostram

como o terror se espalhava entre eles, o que nos faz acreditar em enormes cifras. 19

Em carta de 1565, o padre Pedro da Costa nos relata uma epidemia de bexigas

(varíola) que deixou um grande numero de mortos e descontentes nos aldeamento da capitania

do Espírito Santo e que foi responsável pelo início de uma das maiores sublevações de nativos

dos princípios da colonização do Brasil. 20

18
“Todos os índios, que podiam servir para a guerra, se postaram nos postos de maior risco, animando-os os
Padres a defender valorosamente a Lei, a Pátria, a honra do nome português.” LEITE, Serafim. História da
Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Belo Horizonte, Itatiaia, 1945. p. 139.
19
“depois que assentei os mortos que se haviam finado os meses atraz passados, que, como já saberão, foram
muitos assim dos lactantes e innocentes como dos adultos, achei que neste mez de Março quis o Senhor para si
oito, quatro adultos e quatro inocentes: ele lhes dê bemaventurança.” Cartas avulsas, 1550-1568. Azpilcueta
Navarro e outros. Belo Horizonte, Itatiaia, 1988. p. 240.
20
“O ano passado, ao tempo que aqui chegamos, começava nesta Capitania a doença das bexigas, de que saberão
já lá, e começou primeiramente na aldeia em que o Padre Diogo Jacome estava e começou logo o padre a
exercitar sua caridade e zelo da salvação das almas, que nele havia muito, visitando-os por suas casas e
aparelhando os enfermos para o santo batismo receberem, e os que já eram christãos, confessando-os e ajudando-
os a bem morrer e enterrando-os; finalmente, sendo-lhes tudo em todas as suas necessidades; porque assim como
esta Gentilidade andou sempre fora do conhecimento de Deus e da lei da caridade e amor, serva do cruel tyranno,
assi são crueis e em tempo de suas enfermidades e demais necessidades se desamparam, e isto em quaesquer
enfermidades, quanto mais esta, que era tão nojosa de tão grandes fedores, que punham espanto e muitas vezes se
estava arregoando a carne de podre, que se apareciam os ossos.
Era tão geral a doença, que por todas as casas haviam enfermos, que parecia um hospital; havia dias em que
enterravam-se tres a quatro mortos, pera o qual era necessário, as vezes, andar o Padre buscando quem lhes

23
A partir do contato com o colonizador português, o número de nativos que habitavam a

Capitania do Espírito Santo, caiu drasticamente. Uma das principais causas desta queda no

quadro da população gentílica foi a expulsão dos padres da Companhia em 1759, mas mesmo

antes disso, é possível notar períodos de instabilidade destes dados. A princípio houve uma

espécie de corrida aos aldeamentos da capitania do Espírito Santo por parte dos gentios de

outras regiões. A aldeia de Reis Magos, que dividia com a de Reritiba o posto de maiores

aldeamentos era formada por “... Índios na maior parte descidos recentemente das selvas”. 21

Ainda segundo Serafim Leite, “... em 1689, os índios da aldeia eram 764. Meio século depois

em 1739, eram 2.030, população que se manteve até o fim, com ligeiras oscilações contando

2.000 quando a deixaram os jesuítas em dezembro de 1759”.

fizesse as covas, e estar com elas até lh’as acabarem, por não fugirem.; porque como arriba disse, é gente que
ainda aos de enfermidades limpas tem grande nojo e, com dificuldade os querem ir enterrar, nem ver enterrar,
quanto mais desta tão aborrecivel, e pera toda a pessoa que não tivesse muito temor e amor de Deus fugir della.”
op. cit. p. 484
21
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Belo Horizonte, Itatiaia, 1945. p.
160.

24
Com litoral muito extenso, a capitania do Espírito Santo e principalmente Vitória,

desenvolveu logo cedo a sua propensão de cidade portuária, servindo, sobretudo como

entreposto de abastecimento. Um dos fatores que mais a propiciaram a este fim, foi o fato de

estar situada entre duas das mais prósperas capitanias do início da colonização das terras do

Brasil, que eram Rio de Janeiro e Bahia. Esta mesma facilidade de comunicação via marítima

existente em toda a costa, foi também um importante aliado dos piratas e corsários, ingleses e

holandeses principalmente, que se arriscavam ao mar em busca de espoliar as recém criadas

cidades e vilas portuguesas, ainda frágeis de fortificações e de cujos portos eram enviadas

mercadorias para a metrópole e para o abastecimento das demais Capitanias. Era a baia de

Vitória no século XVIII, uma das mais fortificadas de toda a América Latina, o que pode vir

conferir a cidade de Vitória, já no século XVI certa importância econômica, mas não maior

que a que seria proporcionada pelas recém descobertas minas de ouro. O Espírito Santo

destacava-se como grande produtor de gêneros alimentícios, como nos descreve Gândavo em

seu Tratado da Terra do Brasil22, e nos textos de algumas cartas.

Para garantir a segurança da terceira mais antiga cidade e capital brasileira, foram

construídas em sua baia um número ainda pouco preciso de fortalezas, aproximadamente

cinco23, permanecendo erguidas ainda hoje apenas duas: a de São Francisco de Piratininga ou

São Francisco Xavier localizada na vila do Espírito Santo, atual Vila Velha, primeira vila

fundada e mais tarde abandonada devido aos constantes ataques do gentio Goitacá.24

“... e quando se tomou a fortaleza do Rio de Janeiro desta mesma capitania do Spirito Santo sustentarão toda e
22

proverão sempre de alimentos necessários enquanto estiveram na terra os que defendião.” GANDAVO, Pero de
Magalhães. Tratado da terra do Brasil/Histórias da província de Santa Cruz. São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, 1980. p. 38
23
N. do A.: Foram localizadas pelos mapas que seguem em anexo, cinco fortalezas, não contando aqui com uma
que pode ser localizada na ilha do Boi, pois esta provavelmente não foi construída.
24
“... a Vila do Espírito Santo, cuja barra é das melhores do Brasil, tem nela uma grande e regular fortaleza. A
vila da Vitória tem as fortalezas de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora da Vitória, de Santo Inácio, São

25
O catálogo de Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Espírito Santo 1585-

1822 traz documentos que fazem referência as seguintes fortificações: Forte de N. S. da

Vitória, N. S. da Conceição (este na vila de Guarapari), Fortificação do Morro, Fortaleza da

Barra, Forte de S. João, Forte de S. Francisco, Forte da Vila e Fortaleza de N. S. do Carmo.

Segundo Rocha Pitta existiriam ainda os de S. Inácio e S. Diogo. Nos mapas vemos ainda o de

S. Tiago. Grande problema em se definir o numero de fortificações é encontrado pelo fato de

haver para uma fortaleza, mais de um nome, como podemos constatar no caso do Forte de S.

Francisco de Piratininga que também é conhecido por S. Francisco Xavier. O mesmo ocorre

no Forte de N. S. do Carmo, também chamado S. Maurício. Serafim Leite cita a fortaleza de

Santo Inácio que estaria localizada no Colégio dos Jesuítas, no atual Palácio Anchieta, sede do

governo ainda hoje e o forte de São Francisco Xavier, na entrada da barra. 25

É evidente que a fortificação da Capitania não teve como único objetivo a defesa

apenas da capital ou de suas adjacências. Estas fortificações foram construídas antes de tudo,

com o intuito de proteger as Minas que se tornaram então, a partir do século XVIII, a grande

preocupação da Coroa Portuguesa e fortificar o Espírito Santo, significava também fortificar

as Minas. Tal fato pode ser observado pelas datas de construção dos fortes e dos investimentos

feitos pela Coroa. A partir de 1722, crescem os pedidos de armamentos, pólvora e munições

para defesa e neste mesmo ano, o Conde de Sabugosa enviou ao Rei, D. João V, informação

sobre despesas nas fortificações da Capitania, provavelmente com intuito de torná-la mais

Diogo e São João; em todas há boa artilharia, mas só a da barra, a de São João e a de Nossa Senhora do Carmo
tem Guarnição.” (Rocha Pitta, p. 63)
25
“... carta de Dom Rodrigo da Costa, 15 de dezembro de 1703, ao capitão-mor da capitania do Espírito Santo,
Francisco Ribeiro, comunicando-lhe que escrevera ao Reitor da Companhia do Colégio, para que este ordenasse
aos superiores das aldeias dos Rei Magos e Reritiba que dessem índios necessários para construção de fortaleza
na Vila de Vitória. Uma das fortalezas ficava dentro da cerca dos jesuítas e ainda existia em 1879 com o nome
de forte de Santo Inácio ou de São Maurício.” LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil.
Tomo VI, Belo Horizonte, Itatiaia, 1945. p. 144

26
segura. Em 1725, nova carta a informar o estado das fortalezas e da capitania foi enviada a D.

João V, desta vez pelo Capitão-Mor Dioniso Carvalho de Abreu. No ano seguinte foi enviado

da Bahia o Capitão-Engenheiro Nicolau de Abreu de Carvalho, para executar reformas em

algumas fortalezas e erguer outras. 26

A maior parte delas, seja por motivos econômicos, escassez de mão de obra,

incapacidade administrativa, foi construída após o período em que a Capitania se tornou Real

em 1718, o que lhe conferiu o status de pertencer ao Rei, mas também a relegou ao

esquecimento. Para impedir o avanço ao sertão, eram criados em seus rios navegáveis

destacamentos militares, que tinham como funções principais a defesa contra os invasores e os

gentios, como o do porto do Sousa no rio Doce e o do rio Iconha.

Temendo os constantes ataques destes gentios, foi feita a mudança da vila para a ilha

localizada na baia do Espírito Santo e que ficou conhecida pelo nome de ilha de Nossa

Senhora da Vitória. Mas se esqueceram os colonos portugueses que esta tão falada vitória

contra o gentio Goitacá, “de estrema selvajaria”, se deu após a uma fuga quando os colonos

foram obrigados a deixarem até mesmo o que poderia haver então de mais precioso dentro de

sua estabilização nesta capitania e nas terras do Novo Mundo, a primeira vila fundada, o que

soa não como uma vitória, mas como uma vergonhosa derrota e mais, uma covarde fuga. Para

garantir sua segurança na nova vila localizada agora na ilha e contando com a barreira natural

formada pelo canal do Espírito Santo e pelo oceano Atlântico, foram construídas as

fortificações.

O catálogo de Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Espírito Santo 1585-

1822 ainda pode informar das diversas solicitações de insumos para as defesas da Vila e

26
passim: Catálogo de documentos manuscritos avulsos da Capitania do Espírito Santo: 1585-1822. Org.:
LEAL, João Eurípedes Franklin. – Vitória, Arquivo Público Estadual, 1998.

27
também da contratação do Capitão engenheiro Nicolau de Abreu de Carvalho, vindo da

Capitania da Bahia, com o fim de construir novas fortalezas e reparar os danos causados as

antigas. Ainda há menção a construção de uma fortaleza fora da barra da Vila da Vitória,

no aldeamento de Nossa Senhora da Conceição de Guarapari segundo certidão de 07 de

agosto de 1682. 27

Outras importantes informações são encontradas em cartas jesuíticas. O pe. Anchieta,

fala no ano de 1591, quando se instaura a inquisição no Brasil, em uma carta sua enviada da

Bahia ao capitão-mor da capitania do Espírito Santo, Miguel de Azeredo, sobre a

possibilidade de um ataque inglês a vila da Vitória, sendo que Santos acabara de ser atacada

por estes corsários28.

Há também menções aos ataques holandeses, que se deram com maior ênfase no

século XVII, sendo relatados dois, um em 1625 sob o comando do almirante flamengo Piet

Heyn que encontrou dura resistência por parte dos moradores da vila da Vitória e da Vila

Velha, que auxiliados pelos índios aldeados pelos padres da Companhia de Jesus expulsaram

os invasores. O segundo, no ano de 1640 sob o comando do coronel Koin que contava com

nove naus e oitocentos homens, que também foram batidos pelos moradores das vilas e pelos

índios aldeados29.

27
Certidão da Câmara da Vila da Vitória sobre os feitos realizados pelo donatário da Capitania do Espírito
Santo, Francisco Gil de Araújo em favor das fortificações e defesa na Vila da Vitória e em Nossa Senhora da
Conceição de Guarapari, onde se erigiu pelourinho, casa de câmara, cadeia e igreja, alem das jornadas em busca
de esmeraldas. op. cit. p. 29
28
“Temos negociadas duas provisões. Uma, que não vão ao sertão sem primeiro VV. EE. Fazerem aqui saber, a
qual ele passou de boa vontade e com zelo de não se deixar a terra em tempo que se esperam ingleses.”
ANCHIETA, José de . Cartas: informações, fragmentos histórico e sermões. São Paulo: editora da
Universidade de São Paulo, 1988. p. 291
29
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Belo Horizonte, Itatiaia, 1945. pp.
138-139.

28
Além das fortificações foram construídos também ao longo da costa da capitania uma

série de outras edificações com fins diversos, afinal nem só de resistência aos gentios, defesa

contra os invasores e catequização vivia a região. Poucos são os registros que podemos

encontrar sobre estas construções. De algumas delas ainda sobraram ruínas, como é caso do

rio Salinas, afluente navegável do rio Benevente, que banha Anchieta, antiga Reritiba, e que

possui em suas margens um ainda pouco conhecido conjunto arquitetônico composto por uma

série de pilastras, num total de 32, sendo que algumas foram derrubadas. Estas pilastras se

dispõem em prédio de 02 blocos, com um telhado, já inexistente, mas que era evidente se

tratar de uma caída de duas águas. Sua autoria é atribuída pela população local como jesuítica

fato este que pode ser considerado pela forte presença da Companhia de Jesus na localidade,

principalmente no período em que teve como responsável por esta casa o Pe. José de Anchieta

e pelo pouco registro histórico que há nas pequenas cidades do Brasil, o que leva suas

populações a reproduzirem em seu presente um passado mais conveniente com suas

necessidades.

Construídas provavelmente no século XVII, este local pode ter tido diversas utilidades

ao longo da História da capitania. Sua arquitetura e localização as margens de um rio

navegável, pode levar também ao levantamento da hipótese de ter sido ali um engenho de

açúcar. Mas há a hipótese de sua utilização como escola em finais do século XIX, como pode

ser observada pela carta datada de 12 de janeiro de 1880 onde o suplente de vereador

Alexandrino José Rodrigues Brandão, pede dispensa de multas por falta às reuniões da

Câmara, por ter sido nomeado professor da Escola Pública Primária de Porto da Salina. É

sustentada por pesquisadores a hipótese deste local ter sido uma salina clandestina pertencente

aos jesuítas sustentada devido a grande presença de sal encontrada em seu terreno. Várias

propriedades que se encontravam as margens de rios navegáveis foram abandonadas devido

29
ao constante ataque do gentio Botocudo e de outros tapuias que habitavam esta região. 30 Um

dos motivos deste novo movimento migratório para o sul da capitania pode ter sido a

exploração do vale do rio Doce em busca de pedras e metais preciosos e as notícias dos

aldeamentos do sul da Capitania. Cabe ressaltar também que o relato da presença de

Botocudos no sul da Capitania é de princípios do século XIX.

30
“O que atrasa o progresso da agricultura é o medo aos Botocudos, que há 25 ou 30 anos (escrito em 1818) vem
causando danos no território deste distrito. Esses índios fizeram com que fossem abandonadas as margens de
mais de um dos afluentes do rio Benevente e por causa deles, não é possível afastar-se muito do litoral.” SAINT-
HILAIRE, August . Viagem ao Espírito Santo e rio Doce . Belo Horizonte. p. 33

30
A Aldeia de Guarapari

Provavelmente a cidade de Guarapari tenha origem em dois aldeamentos ao invés de

um, como acontece na maioria das regiões capixabas. Seu primeiro núcleo teria sido a aldeia

do Rio Verde, fundada entre 1555 e 1556 e que estaria localizada nas proximidades de

comunidades conhecidas hoje como Aldeia Velha e Taquara do Reino que ficam na foz dos

rios São João e Jaboti, no canal de Guarapari, que foi por muito tempo confundido com um rio

e chamado de rio Guarapari. Essa aldeia é mencionada em algumas cartas e a distancia do mar

pode ter sido determinante para sua transferência em 1585 para um local definitivo e

rebatizado como aldeia de Santa Maria de Guarapari, onde os jesuítas também edificaram uma

capela em honra a Sant Ana. Um dos passos mais importantes para a formação da aldeia de

Guarapari, foi à vinda de duas tribos Tupivá (Temiminós) que se encontravam em guerra com

os Tamoios no Rio de Janeiro. Uma delas, a dos Maracayá, cujo cacique era Maracayauaçú

(Gato Grande) se estabeleceu na foz do rio Santa Maria nas proximidades da vila da Vitória.

A segunda, dos Guará, que tinham como cacique o Guarauçú (Lobo ou Cão Grande), irmão

de sangue do Maracayauaçú, fixou-se em Guarapari, e pode ter dado origem ao nome desta

aldeia, que nada teria haver com garças (guará, íbis rubra) e armadilhas (pari), mas sim com

lobos (guará) e padres (paím, parim).31 Esta hipótese parte de relatos de cronistas que

31
Carta escrita pelo Pe. Luis da Grã em 24 de abril de 1555: "... porque, depois que eu tornei a arribar a esta
Capitania, chegou aqui hum principal que chamam Maracajagaçu, que quer dizer guato grande, que ee mui
conhecido dos christãos e mui temido entre os gentios, e o mais aparentado entre eles. Este vivia no Rio de
Janeiro e aa muitos anos que tem guerra com os Tamoios, e tendo dantes muitas victorias delles, por derradeiro
vierão-no pôr em tanto aperto com cercas que puserão sobre a sua aldea e dos seus, que foi constrangido a
mandar hum filho seu a esta Capitania a pedir que lhe mandassem embarcação pera se servir pello aperto grande
em que estava, porque ele e sua mulher e seus filhos e os mais dos seus se queriam fazer christãos." LEITE,
Serafim. Cartas dos primeiros Jesuítas do Brasil. tomo II, São Paulo, 1954. p. 226

31
estiveram aqui em diversos momentos e que não relatam a presença de grande quantidade de

aves guará que teriam, devido ao grande numero de indivíduos dado origem a primeira parte

do nome que é composto ainda do sufixo pari, uma espécie de armadilha usada para se

capturar peixes que consiste em cercar uma parte da maré quando cheia. Na vazante, os peixes

que ficavam presos eram capturados e os menores serviriam de pasto aos bandos de aves

guará, se estas tivessem como habito se alimentarem de peixes e não de crustáceos, o que

define a cor avermelhada de sua plumagem. Outro fato também de grande importância no que

diz respeito a origem do nome é que a tradição de se pescar com paris é um habito não

conhecido na região. Se for levado em consideração que o litoral era território de domínio

Tupi, cultura altamente distinta da Guarani, que tinha como região de dominação o sudoeste

brasileiro nas divisas com Uruguai, Paraguai e Argentina, pode ser concluída a

insubstancialidade da afirmação, que se sustenta na argumentação de uma possível tradição

Tupi-Guarani que não existiu a não ser na região de São Paulo, onde a presença Guarani teria

sido provocada pelas Bandeiras de aprisionamento de índios para comércio de escravo e tinha

como principal alvo esta população. No Espírito Santo, o estabelecimento dos Guarani só

aconteceu por volta de 1940 quando índios vindos em uma onda migratória do sul do país

acharam na região de Aracruz sua terra prometida.

A migração dessas duas tribos, promovida por um acordo celebrado entre o Pe. Afonso

Braz e Vasco Fernandes Coutinho com a finalidade de apaziguar os nativos da capitania, teria

sido uma das primeiras, senão a primeira do gênero no Brasil. Sabe-se que até 1561, ano em

que o donatário viaja ao reino em busca de insumos para manutenção da capitania, a paz, de

certa forma, estava mais bem estabelecida, uma vez que a proximidade e a simpatia de Vasco

Fernandes Coutinho com os nativos que pode ser evidenciado pela grande amizade que

cultivara ao Maracayauaçú, a quem em seu batismo e de sua família como cristãos dera o

32
nome e o de seus familiares. Contudo, essa paz foi abalada quando deixou em seu lugar na

administração da capitania D. Jorge de Menezes que viera cumprir pena de degredo por

homicídio em Moluco e que com sua tirania provocou a revolta dos nativos que moveram

guerra contra os brancos e o assassinaram sendo ele substituído por D. Simão de Castelo

Branco também morto em combate com os nativos. A paz só foi restabelecida com a volta de

Vasco Fernandes Coutinho.

A tradição atribui a fundação da aldeia de Guarapari ao Pe. Anchieta, que foi

responsável na capitania pela criação de várias outras, mas que deve ser criteriosamente

analisada para não incorrermos em erros grosseiros que comprometam a natureza dos fatos.

Mas pode-se perceber no Pe. José de Anchieta uma grande afeição por esta região da capitania

do Espírito Santo, uma vez que é em Reritiba que se recolhe para passar seus últimos dez anos

e é para Guarapari que escreve a maioria dos seus autos, o que pode soar como um forte aceno

de ter sido realmente o responsável pela nova aldeia em 1585.

Segundo alguns moradores da localidade de Aldeia Velha ainda é possível encontrar

vestígios do alicerce da capela da aldeia do Rio Verde32, ou Aldeia Velha, na localidade

mencionada acima o que pode ser evidenciado pela concentração de fragmentos em sítios

32
N.a.: Uma controvérsia de informações é encontrada em Bazílio Carvalho Daemon que afirma que o nome do
cacique que se estabeleceu em Guarapari era Pirá-Obig (Peixe Verde em Tupi). Esse dado pode ser fruto de uma
confusão causada devido ao nome de Aldeia do Rio Verde. Daemon, que elaborou um dos mais densos e críticos
trabalhos sobre a capitania do Espírito Santo, é o único autor que trabalha com essa informação: "No local onde
esses indios forão aldeiados há da parte dos historiadores grande confusão, dando-os como aldeiados em
Guarapary, a margem do Rio do Peixe Verde, nome do Cacique Pirá-Obyg, que com os seus forão alli
estabelecidos... Sabendo algumas hordas de índios, principalmente as dos Tupininquins, o quanto bem tratados e
garantidos eram os Temiminós, vem este ano dos sertões da Capitania a afamado e valente cacique Pirá-Obyg,
nome que equivale em nossa língua a Peixe Verde, acompanhado de grande porção dos seus, os quaes forão
aldeiados em terras da hoje Vila de Guarapary, as margens do rio do Peixe Verde, nome derivado de Pirá-Obyg
o chefe da grande tribo. Esses índios também pretarão bons serviços aos povoadores nas guerras havidas.
Como se vê, os nossos historiadores confundem Maracayá-Guaçú com Pirá-Obyg, trocando até o lugar
de suas aldêas, quando pelos nomes se vê o contrário, pois que o primeiro nunca foi aldeiado em Guarapary, e
sim na antiga Aldeia Velha, e quando o segundo até deu seu nome ao próprio rio em cujas margens se
estabelecerão ele e os seus " . DAEMON, Bazilio Carvalho. Província do Espírito Santo: sua descoberta,
história chronológica, synopsis e estatística. Typographia Espirito Santense, Victória, 1879. p. 70 e 71.

33
arqueológicos na foz dos rios também citados. Provavelmente esta capela assim como a

edificada em 1585 em honra a Sant Ana não era dotada de residência, que somente haveria em

Reis Magos, Vitória e Reritiba, sendo as demais aldeias, reduções, que recebiam

constantemente a visita dos padres, mas com a transferência definitiva para Guarapari, teria

recebido após seu término o acréscimo de cômodos para acomodação dos padres e irmãos,

mas muito provavelmente estes não moravam nesta aldeia, uma vez que o número de padres

era escasso e as políticas da Companhia de Jesus eram bem claras a este respeito. Mas as

controvérsias nas informações levam a várias interpretações, uma vez que com o passar do

tempo, documentos desapareceram ou simplesmente ignoram-se seus paradeiros, ou são até

mesmo omitidos e escondidos em coleções particulares.

Serafim Leite em sua História da Companhia de Jesus no Brasil nos informa que:

"A aldeia de Nossa Senhora ou aldeia de Santa Maria de

Guarapari foi residência estável dos padres até fins do século

XVI, quando nesse período sobreveio, por um lado, a ordem

interna da Companhia exigindo que em cada aldeia houvesse

quatro religiosos, e por outro, a expansão missionária ao norte e

sul do Brasil, nas regiões que ambas têm o nome de Rio Grande.

Até esta expansão já não haveria tantos religiosos para se

dispersarem pelas aldeias existentes; com ela e o alargamento do

Brasil e da catequese, ao norte e ao sul, menos haveria.

Sucedeu o mesmo a aldeia de Guarapari, cujos padres se

recolheram a de Reritiba. Em 1600 o Padre Antônio Dias, já de

34
60 anos, de Reritiba ia visitar Guarapari, 'por aquela praia de

cinco léguas de areia cruel'. Assim se exprime o provincial Pero

Rodrigues, que passou pelo Espírito Santo, em junho de

1600".33

Os engenhos também predominaram em Guarapari, pelo menos desde 1622 e figuram

de forma muito expressiva na carta geográfica de Albernáz de 1637. Os primeiros grandes

proprietários teriam sido Antônio Ximenes e Marcos Monsanto, ambos naturais do reino de

Castela, inimigo natural de Portugal. De alguma forma estas propriedades teriam gerado uma

série de conflitos entre a coroa portuguesa e seus herdeiros até o ano de 1805, principalmente

sobre as terras que teriam pertencido a Marcos Monsanto. Em 12 de abril de 1642 uma carta

33
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI – Livro II – capítulo II. p. 144

35
do provedor-mor da Fazenda da capitania do Espírito Santo, Manuel Correia de Figueiredo ao

rei D. João IV, informa do seqüestro dos bens de Monsanto e Dom Diogo Ximenes de Vargas.

O mesmo fato é confirmado pelo capitão-mor João Dias Guedes em 10 de agosto do mesmo

ano. Sobre os engenhos de Dom Diogo Ximenes de Vargas, pouco se tem notícias, o que não

acontece com as propriedades de Marcos Monsanto, que tem como seu ultimo herdeiro

legítimo o Pe. Antônio de Siqueira Quental, depois de terem sido propriedades de Gregório de

Távora; Frei Simão de Castelo Branco, sobrinho de Monsanto, através do juízo que doou a

Francisco Dias Franco e, por sua morte, a viúva Josefa Maria de Souza, ficando com seu filho,

depois de sua morte, Pe. Antônio de Siqueira Quental, que deixou para o Coração de Jesus, da

igreja onde pretendia que se transformasse em uma corporação eclesiástica, que teria sido a

primeira do mundo em criada para esta ordem, antes ainda de ter este culto reconhecimento do

vaticano. Após esta sucessão de herdeiros a coroa portuguesa novamente se interessa pelas

propriedades e uma nova batalha é travada nos tribunais pela posse dessas terras, desta vez

entre os herdeiros do Pe. Quental e a Coroa Portuguesa.

A descrição da geografia local feita tanto pelos jesuítas, pelos viajantes e por

pesquisadores contemporâneos também traz grande confusão a localização mais precisa dos

lugares ocupados, primitivamente, pelos jesuítas, pela tribo dos Guará34 e pelas fazendas do

Pe. Quental, que são pontos fundamentais para compreensão da dinâmica territorial tanto da

aldeia do Rio Verde e a de Santa Maria de Guarapari, fundidas mais tarde, em 1585, em uma

única, em detrimento ao abandono da primeira, que pode ser justificado pela distancia do mar

34
Em carta do Pe. Francisco Pires ao superior Manoel da Nóbrega, escrita em maio de 1557 lê-se: "El Qan
Grande, el hermano del Gato, se mudó de su tierra para Goarapari, daquí seis legoas. Mandó dizir al Governador,
que adó queria que se asentase? Mandóle dizir que aredor del mar, por caso de poder el ser socorrido quando
fuese necesario. Seguró mucho esta Vilha y huegan mucho alhi com él los moradores, por esta causa. Tanto que
começaren asentar y hazer sus casas iremos halhá i sabremos si tenemos algún provecho. Uvo por su consejo
venirse para su hermano; ya está con él, quiere hazer mantenimiento, casa, y luego trazer la más gente. LEITE,
Serafim. Cartas dos primeiros Jesuítas do Brasil. tomo II, São Paulo, 1954. p. 376

36
e a dificuldade de possível socorro em caso de ataque dos Purís, quanto da formação e

demarcação do termo da vila de Guarapari em 1679 pelo donatário Francisco Gil de Araújo.

É muito provável que o sucesso do aldeamento definitivo tenha acontecido em

conseqüência da vinda da tribo dos Guará, que de certa forma, estabeleceu limites territoriais

sob seu domínio que foi mantido devido ao contato dessa tribo com os recentes conflitos com

os Tamoios no Rio de Janeiro, o que lhes despertou uma aptidão para o combate e, pelo apoio

que recebiam tanto do donatário como dos jesuítas para manutenção da terra e imposição da

autoridade portuguesa e jesuítica por parte do gentio selvagem. Mas, mesmo para esta tribo o

perigo de ataques dos Purís era constante, ao ponto do Guarauçú solicitar que fossem

assentados em local próximo ao mar, para que pudessem ter socorro mais fácil em caso de

ataques. A região onde esta tribo teria se fixado estendia-se desde as encostas da serra de

Buenos Aires, como é conhecida hoje, até o litoral na localidade de Perocão, que teria a

origem de seu nome justamente das terras que foram doadas "pera o Cão" que num português

arcaico seria "para o Cão”. 35 Essa hipótese pode estar evidenciada por uma série de aspectos

geográficos descritos em cartas e por viajantes e pela citação constante da serra de Perocão

como tendo 840 metros de altitude, o que hoje pode ser aplicado a serra de Buenos Aires, que
36
em alguns escritos aparece também como serra da Boa Vista e serra Grande. Também cita

como serra do Perocão o Roteiro da Costa do Brasil, que ainda a aponta como possuindo

picos, sendo o mais alto com cerca de 840 metros. 37 Interessante é que mesmo hoje na aldeia

35
N.a.: como visto anteriormente no Tupi a palavra Guará tem o significado de cão, lobo, avermelhado. Em
algumas cartas de jesuítas vemos o Guarauçú, Lobo Grande, ser descrito como Cão Grande. Essa mutação é
devido a inexistências de alguns termos do português na língua Tupi como cão, cachorro uma vez que única
espécie de canídeo existente nesta parte da costa do Brasil era o Guará.
36
"Montes. Os mais notáveis na vizinhança e proximidade do mar sam a Serra Guarapary sobre o rio deste nome;
a de Perocão ao norte daquela". CASAL, Aires de. Corografia Brasílica. tomo II, imprensa Nacional, Rio de
Janeiro, 1947. p. 58
37
"Entre as pontas da Fruta e de Setiba, próximo ao litoral, acha-se a serra Perocão, com vários picos, tendo o
mais alto cerca de 840 metros". Roteiro da Costa do Brasil. Marinha do Brasil, 1968. p. 350b

37
de Perocão, ainda existente como localidade de pescadores, não se acha acidentes desta

proporção, nem mesmo montes ou picos, a não ser um costão rochoso que abriga sua enseada

que não teria mais que 50 metros de altura. Mas, o que leva a defender que foi nesta região

que os Guará se estabeleceram são, além do nome sugestivo, evidencias arqueológicas

encontradas em uma extensa planície que vai desde a costa até o pé da serra de Buenos Aires e

que teria também, posterior a aldeia dos Guará, sido a Fazenda do Campo, do Pe. Quental e,

até mesmo um dos principais locais habitados pelos escravos rebelados que formaram a dita

República Negra.

A fazenda do Campo, ainda existente, claro que não na proporção original e sem a

consciência da notável memória e importância que teve para a aldeia e vila de Guarapari,

ocupava toda extensão da planície entre a serra do Perocão e o mar e era contada pelo rio

também chamado Perocão. Sua ocupação por colonos europeus é de período impreciso, mas

pode estar diretamente relacionada com os engenhos de Marcos Monsanto dos quais já temos

notícias em 1622. Se esta relação se estabelecer, pode determinar que durou menos de 80 anos

a dominação dos Guará sobre esta região, pois já neste ano é pedido o confisco das terras pela

coroa portuguesa. A situação geográfica privilegiada pode ter sido fundamental para sua

transformação em propriedade além do fato dos índios não contarem mais com a amizade e

certa cumplicidade do donatário Vasco Fernandes Coutinho38 falecido em 1561. Numa

tentativa de recuperar ou, até mesmo, de dar um impulso na ocupação territorial, estas terras

38
N.a.: Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da capitania do Espírito Santo era considerado pela
historiografia como uma espécie de fanfarrão. Travou profunda amizade com alguns caciques, entre eles o
Maracayauaçú, irmão do Guarauçú. Passava grande parte de seu tempo na companhia de índios em suas
festividades, sendo que era um profundo apreciador de suas beberagens e de tabaco. Na tentativa de arranjar
colonos para a capitania passou cerca de dois anos entre portos da costa brasileira, mas mais ocupado com jogos,
farras e mulheres.

38
teriam sido dadas como sesmaria provavelmente a Marcos Monsanto ou, quem sabe, a Dom

Diogo Ximenes.

A localização do assentamento da tribo dos Guará parece ser determinante para

mudança do núcleo do aldeamento. Em um primeiro momento teriam sido destinados a

ocuparem a aldeia do Rio Verde até antes de 1556 quando, provavelmente devido a sua

origem mais praiana pedem para ocuparem as terras acima referidas alegando sua própria

segurança e bem estar. Com a ausência dos Guará, esta aldeia teria se enfraquecido e aos

poucos vinha sucumbindo até o ponto de se estabelecer o novo núcleo de 1585, de Santa

Maria de Guarapari, muito mais estratégico, no que consideravam portugueses e jesuítas no

que dizia respeito a segurança dos padres e dos índios. Por algum tempo, parece que a

segurança do núcleo da aldeia estava diretamente ligada a presença dos Guará, ou pelo seu

número de membros ou por uma possível aptidão para defesa, aptidão esta conquistada nos

constantes combates aos franceses no Rio de Janeiro, mas que de alguma forma era

determinante ao ponto de influenciar diretamente na localização do núcleo da aldeia. A

fixação definitiva desta tribo pode ter sido no morro da aldeia de Santa Maria de Guarapari,

onde foi fundado o segundo aldeamento em 1585. Partindo deste ponto parece ser mais

convincente que as terras do "Perocão" tenham realmente sido dadas como sesmaria ainda no

século XVI ou em princípios do XVII, não tendo, desta forma, havido nenhum conflito pela

posse, uma vez que também não são encontrados relatos de acontecimentos desta natureza.

Mesmo tendo sido transferida a antiga aldeia para um sítio definitivo, parece que este

também não rendeu os frutos desejados pelos jesuítas que, a principio, parece terem certa

intenção de estabelecer esta aldeia como residência, pois existem relatos convincentes da

existência de uma construção anexa a antiga capela, e como nos diz Serafim Leite, até 1606

havia ali uma residência, que fora desativada por determinação de estratégias políticas da

39
Companhia de Jesus no Brasil. O tamanho da capela, se comparado a outras aldeias como

Reritiba, deixa evidente que o número de índios aldeados era muito menor em Guarapari, o

que teria levado a desativação da residência e o estabelecimento apenas mais duas na capitania

além do colégio de São Tiago na vila da Vitória, uma ao norte, Reis Magos e outra ao sul da

capitania, Reritiba, que foi uma das maiores aldeias criadas pelos jesuítas em toda costa

brasileira, contando ainda no século XVI com aproximadamente 9.000 índios aldeados e onde

mais se proliferavam os frutos da catequese plantados pela Companhia de Jesus, que recebiam

nesta aldeia índios vindos de várias partes em busca da "segurança" proporcionada pelos

padres. Reritiba, além de uma grande aldeia, parecia possuir também outros atrativos, sejam

eles de caráter físico ou mesmo humano, pois é esta aldeia que os primeiros e mais

importantes jesuítas que se estabeleceram na capitania, Pe. Afonso Braz e o Pe. José de

Anchieta escolheram para lhes servir como moradia definitiva após o encerramento de seus

trabalhos de catequese.39

39
N.a.: O Pe. Afonso Braz foi o primeiro jesuíta a se estabelecer na capitania do Espírito Santo em 1553. Foi o
fundador do colégio de São Tiago e um dos principais responsáveis pela vinda dos índios Guará e dos Maracayá
para a capitania. Era tido como um hábil construtor, não se sabendo se era arquiteto e, era tido como um dos mais
ilustres jesuítas de seu tempo. Faleceu na aldeia de Reritiba em 1606 já com idade bem avançada.

40
A Igreja de Nossa Senhora da Conceição

Esta edificação é o marco da presença jesuítica em Guarapari. Construída ainda no

século XVI teve sua conclusão no ano de 1585, mesmo que equivocadamente é atribuída a

fundação da aldeia de Guarapari. Teve como primeira invocação a Sant' Anna, mas, com a

mudança das políticas jesuíticas em relação as missões no Espírito Santo, caiu em abandono

chegando a estar quase que totalmente arruinada em meados do século XVIII. Suas dimensões

dão idéia ao reduzido numero de índios que ali haviam aldeados, bem inferior ao de Reritiba

que contava com cerca de 9.000 indivíduos. Em seu primeiro desenho teria tido uma fachada

pobre, a exemplo das demais igrejas do período jesuítico no Espírito Santo. Possuía portada

em cantaria de pedra de liós e uma torre localizada entre a capela e o que teria sido uma

residência anexa à direita.

41
A torre também dava acesso a residência que provavelmente foi muito pouco utilizada

uma vez que se fixou como residência ao sul da capitania a igreja de Nossa Senhora da

Assunção em Reritiba. O desinteresse da Companhia de Jesus por esta aldeia teve levou ao

desinteresse pela manutenção do templo e com a elevação da aldeia a vila de Guarapari em

1679, os jesuítas deixaram de vez a vila, uma vez que essa agora passou a possuir uma

administração civil. Como a população da vila em finais do século XVII já era

significativamente maior e o estado da capela dos jesuítas era de ruína, foi ordenada pelo

donatário da capitania, Francisco Gil de Araújo, a construção de um novo templo em 1677,

desta vez em honra a Nossa Senhora da Conceição, com mais espaço para as celebrações e

localizada no mesmo morro da antiga capela e de frente para a mesma a cerca de 300 metros

de distancia. A nova igreja seria bastante freqüentada e como prova de devoção a Virgem da

Conceição, teria suas paredes forradas de ex-votos e para ali seguiam várias romarias de fiéis

em pagamento de suas promessas. Um incêndio teria arruinado também este templo que até os

dias atuais se encontra em ruína e que a cada ano que passa ficam mais danadas. Segundo a

tradição popular essa igreja jamais teria exercido sua função de templo devido ao tal incêndio

que a teria destruído ainda na construção e sua única serventia teria sido como cadeia que teria

sido instalada em sua torre. Mas uma carta de um morador da vila datada de 1728 pode lançar

por terra essa tradição popular. Na carta, Pedro Teixeira de Ávila, morador da vila, solicita ao

rei D. João V, em nome da população de Guarapari, a presença de um vigário, uma vez que há

muitos anos a população não tem como receber os sacramentos devido a essa falta. Na carta,

fica evidente que a igreja construída por Francisco Gil de Araújo para ser a matriz da vila

exerceu sim suas funções, mesmo que com restrições, principalmente pela falta de um padre.

42
43
Por ver a pouca confiança e disposição dos naturais desta terra, eu como morador dela vendo a

miséria em que vive me disponho a fazer esta, pedindo a Vossa Real Majestade perdão do meu

atrevimento.

Há quarenta e cinco anos pouco mais ou menos, foi este lugar entabulado por Vila a que se deu

por orago Nossa Senhora da Conceição pelo donatário Francisco Gil de Araújo: e desde então

até agora está este povo pagando a um sacerdote para lhe administrar os sacramentos. Como não

são vigários feitos por Vossa Real Majestade, fazem pouca assistência assim por lhe ficar o

remédio longe como pelo pouco lucro que tem (...) a porção muito limitada e desta sorte com as

faltas de sacerdote morrem muitos moradores sem sacramentos e é coisa de não estar mais

aumentada esta vila.

Os dízimos que tocam a esta vila passam de duzentos mil réis e se cobram da capitania do

Espírito Santo donde é este lugar distrito e se chama Guarapari.

Em toda a vila não há mais que uma pequena igreja em que está Nossa Senhora da Conceição

que é o orago da vila e nos serve de matriz onde nos desobrigamos.

Como neste lugar não há cadeia são os homens um tanto rebeldes e podem haver oitenta homens

de armas. No lugar desta vila pode-se fazer uma grande cidade por estar em porto conveniente

para isso por estar sobre um grande monte sobre o mar e com uma barra (...) para poderem

entrar patachos e ainda outras embarcações maiores e podem defenderem sua limitada fortaleza

do inimigo.

Há nesta Vila muitas madeiras boas, pedra e cal com que se possam fabricar as casas e tem

muitas partes onde se possam fazer engenhos de açúcar.

Oito léguas distantes desta vila fica uma aldeia de índios mansos que terá duzentos homens de

armas pouco mais ou menos. Estes são governados pelos padres da companhia que os mandão

trabalhar ao povo pagando-lhes e nos princípios lhes pagavam meio tostão por dia

44
45
e depois passou a quatro vinténs, e hoje os não querem mandar os padres por menos de seis

vinténs: e há muitos serviços que por mais se pagão.

Todas estas excelências tem esta Vila que se poder povoar; mas a falta de vigário faz estar isso

com tão pouco aumento pelos moradores desgostarem e irem-se retirando. Peço a Vossa Real

Majestade pelas chagas de Cristo Nosso Senhor no mande por um vigário para as nossas

consciência andarem mais ajustadas e ir nesta terra em mais aumentado que até aqui pela falta

dele.

Acha-se nesta capitania entre os mais clérigos o padre Francisco Lopes de Medina que é homem

de toda a satisfação e muita virtude e já foi nosso vigário onze anos e nos assistiu com toda a

satisfação e obrigação de pároco e tratou com efeito a todos com amor, zelo e cuidado das nossas

almas porem como se viu tão mal pago do que merecia por seu trabalho e se sustentou mal com

as obrigações que tinha de pai e mãe de quatro irmãos solteiros vendo-se tão pobre recorreu ao

Senhor Bispo defunto com sua petição de miséria lhe concedeu que se retirasse a sua casa a

socorrê-la por outra via visto não estar lotado nesta igreja por ter sua côngrua certa porem sendo

por Vossa Real Majestade há de vir acudir-nos com o mesmo cuidado se Vossa Real Majestade

puser os olhos neste seu povo tão desamparado por não ter com que pague um sacerdote.

Com a ausência deste se passaram dois anos que estivemos vivendo como gentio: e no cabo deles

veio nos assistir o Padre Luiz de Mello o qual é falecido e como a porção que se fazia é muito

limitada agora tornamos a este sofrimento o mesmo que os anos atrás de não termos recurso para

onde apelamos senão o de Vossa Real Majestade como Senhor, como Pai e como tão Católico Rei

e temente a Deus para se dignar de acudir a estes seus vassalos tão leais com esta esmola

46
47
tão necessária as nossas almas que eu, em nome de todos os naturais desta terra prostrado aos

pés de Vossa Real Majestade lhe peço. Como também a Deus nosso Senhor que Guarde a Real

pessoa de Vossa Majestade com que ainda de Seu Reino e todos os seus vassalos.

Guarapari 20 de junho de 1728.

Soberano Rei e Senhor

Do mais Humilde e Leal Vassalo de Vossa Majestade

Pedro Teixeira de Ávilla 40

40
Arquivo Ultramarino/Arquivo Público Estadual do Espírito Santo - CT:AHU-ACL-CU-007,CX.02 DOC. 160.

48
Na segunda metade do século XVIII, o Pe. Quental conseguiu provisão para edificar

uma igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição e Santíssimo Coração de Jesus que seria

a sede de uma irmandade de mesma invocação que pretendia fundar na vila. A antiga capela

dos jesuítas foi então o local escolhido pelo arcediago que a reergueu com uma fachada bem

distinta da original, ornada por volutas de inspiração barroca e rococó, estilos arquitetônicos

que vigoravam na época. Suas portadas foram aumentadas para três e as estruturas de pedra de

liós foram ornadas por colunas bordadas de conchas. Bem no meio de seu frontispício um

cálice do Santíssimo lembra a invocação do Coração de Jesus e esta figura como a primeira ou

uma das primeiras igrejas do mundo que recebem a permissão para tal invocação.

A reconstrução da capela de Sant Ana pode ter sido determinante para o abandono da

matriz que já padecia com a carência de um vigário. Muito mais bem estruturada, os fiéis da

vila podem ter concorrido para exercer suas atividades religiosas nesse novo templo. Com

essa preferência dos moradores a matriz caiu em ruínas até os dias atuais, embora não exista

registro de incêndio na mesma.

Segundo inventário dos bens do Arcediago Antônio de Siqueira Quental, realizado

durante o processo de confisco de seus bens pela Real Fazenda, a igreja era muito bem ornada

e estruturada, possuía prataria e um grande altar talhado em jacarandá, que ainda pode ser o

mesmo, mas com alterações e intervenções de reformas e restaurações por que passou durante

os séculos seguintes. Um ponto importante a ser notado no inventário é a falta de atribuição ao

valor artístico das peças descritas, sendo essas avaliadas apenas por seu peso bruto, o que pode

levar a três hipóteses: a primeira desse valor artístico não existir por se tratarem de peças

vulgares, a segunda desse valor ter sido propositalmente suprimido do inventário por algum

motivo e a terceira pela falta de capacidade de avaliar obras de arte pelos inventariantes:

49
Título da prata e o ouro que foi pesado da igreja do Santíssimo

Coração de Jesus

Foi pesado e avaliado um resplendor

50
51
Resplendor de prata grande da imagem do Senhor Crucificado que pesou setenta oitavas a

cem reais cada oitava importa na quantia de sete mil Reis que se informa

Foram pesados e avaliados seis resplendores de prata que todos pesaram cento e sessenta

oitavas digo e cinqüenta e duas oitavas a cem reis cada oitava importa tudo em quinze mil e

duzentos Reis que se informa.

Foram pesados e avaliados duas coroas de prata lavradas e uma maior e outra mais pequena

que todas pesaram sessenta e quatro oitavas a cem reis a oitava impostam todas em seis mil e

quatrocentos Reis que se.

Foi pesada e avaliada uma custódia de prata dourada com seus vidros e luneta que pesou

duzentas e sete oitavas que a cem reis por cada uma oitava importa em vinte mil e sete centos

Reis que se informa.

Foi pesada e avaliada uma ambula de prata dourada que se pesou cento e trinta e seis oitavas

que a cem reis por cada uma oitava importa em treze mil e seiscentos reis que se informa.

Foram pesados e avaliados dois cálices de prata dourados com duas patenas (...?) colheres

também de prata

52
53
decorados com peso de duzentas e cinqüenta e seis oitavas que a a cem reis a oitava

importam em vinte e cinco mil e seiscentas reis que se informa.

Foi pesado e avaliado um vaso de prata da comunhão com o peso de duzentas e doze oitavas

a cem reis a oitava faz a quantia de vinte e um mil e duzentos Reis que se informa.

Foram pesados e avaliadas seis castiçais de prata rasos lavrados com o peso de oitocentas e

dezesseis oitavas no seu valor de cem reis a oitava importam em oitenta e um mil e seiscentos

reis que se informa.

Foram pesados e avaliados quatro ditos mais pequenos de prata do mesmo feitio que pesaram

trezentas e oitenta e quatro oitavas a cem reis a oitava faz a quantia de trinta e oito mil e

quatro centos reis que se informa.

Foram pesados e avaliado um par de galhetas de prata que pesou cento e oitenta oitavas a

cem reis a oitava importa em dezoito mil reis que se.

Foi pesada e avaliada uma campainha de prata com seu cabo e badalo do mesmo que pesou

trinta e duas oitavas importa tudo na quantia de três mil e duzentos reis de que se informa.

Foram pesados e avaliados um

54
55
turíbulo de prata com sua naveta também de prata lavrada que pesaram quatro centos e
noventa e seis oitavas no seu preço e valor de cem reis a oitava importa na quantia de
quarenta e nove mil e seiscentas reis que se informa.

Foi pesada e avaliada uma caldeirinha com seu (hezope) tudo de prata com peso de trezentas
e doze oitavas no valor de cem reis por cada uma oitava que faz a quantia de trinta e um mil e
duzentos reis que se informa.

Foi pesada e avaliada uma lâmpada de prata lavrada com seu copo de prata dentro para se
deitar azeite que pesou quinhentos e doze oitavas a cem reis por cada uma oitava cinqüenta e
um mil e duzentos reis que se informa. 41

41
Arquivo Ultramarino/Arquivo Público Estadual do Espírito Santo CT:AHU-ACL-CU-007,CX.04 DOC. 372

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O Padre Quental e a República Negra

Um dos personagens mais misteriosos na História do Espírito Santo é o arcediago

Antônio de Siqueira Quental. Rico proprietário de terras na vila de Guarapari no século XVIII

e um dos maiores senhores de escravos de sua época. Teria vindo para o Brasil em data ainda

desconhecida para assumir a herança de sua mãe Josefa Maria de Sousa. Era possuidor das

fazendas do Campo e do Engenho Velho produtoras de açúcar e de um surpreendente numero

de escravos que pode ter ultrapassado de mil. Pouco se babe sobre a vida de Quental e suas

ações na vila de Guarapari apesar de sua fortuna e do prestígio político que deveria possuir.

A capitania do Espírito Santo passava por um período de relativo abandono tendo a

maior parte da mão de obra escrava em quilombos que se espalharam em grande quantidade

por toda extensão da serra litorânea. No entanto as propriedades de Quental continuavam

ativas e com sua escravaria trabalhando na lavoura e na produção de açúcar. Existe a

possibilidade também de ter sido um grande comerciante de escravos, uma vez que havia falta

de mão de obra e de escravos para abastecer a outras capitanias. Durante o final do século

XVIII os comerciantes da Bahia exportavam os seus escravos para Assunção e Buenos Aires o

que fez com que aumentasse o preço dos escravos no Espírito Santo.

Com a morte do arcediago Antônio de Siqueira Quental em 1769, teve início uma

longa batalha jurídica pela herança que acabou sendo incorporada pelo Fisco Real à Fazenda

de Sua Majestade. A primeira a reclamar a herança foi sua filha que vivia recluso na

Congregação de Santa Anna na vila de Santarém, no reino. Esse processo se arrastou pelo

menos até a segunda década do século XIX. Provavelmente, aproveitando a falta de controle

na administração das fazendas assim que faleceu o seu senhor, a escravaria das duas fazendas

se libertou, mas, ao contrário dos demais escravos que se refugiaram em quilombos pela serra,

57
eles continuaram ocupando as áreas das fazendas e estabeleceram uma relação comercial ativa

com a vila. A documentação nos induz a acreditar não ter havido grande resistência por parte

das autoridades locais. No entanto, Vânia Maria Losada Moreira, nos informa que:

À luz da narrativa mais detalhada do príncipe, datada de 1816,

tende-se a ler a correspondência de Gaspar Manoel de Figueira

como um testemunho das desordens de escravos naquela

localidade, ocorridas em 1815.42

Segundo a historiadora capixaba, não haveriam apenas negros entre os escravos do Pe.

Quental, muitos índios e pardos também podiam fazer parte dessa escravaria:

Alguns detalhes presentes na fonte indicam que a citada revolta

talvez fosse de índios cativos. Assim informa o autor do ofício:

“Eu não devo perder tempo em participar a V. Sa. [sobre as

intenções de “vingança” dos “cativos”], esperando a todos os

instantes uma traição de semelhantes feras, no que V. Sa. não

pode pôr a menor dúvida, pois claramente sabe de quanto são

capazes” (APEES. Fundo Governadoria, Série Accioly, L. 07,

fl. 116, 1815, 11/05). A referência sobre a natureza ou índole

dos “cativos”, definidos como “feras”, e o esclarecimento

sobre o motivo da revolta, isto é, o desejo de “vingança”, são

aspectos extremamente importantes. Afinal, em muitas

42
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Entre índios ferozes e negros do mato: antinomias da construção da
ordem nos sertões do Espírito Santo durante a primeira metade do século XIX. Universidade Federal do
Espírito Santo. Texto apresentado no XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo RS, Seminário
Temático Os Índios na História: Fontes e Problemas, 15-20 de julho de 2007, p. 07

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narrativas sobre os índios do Brasil, a vingança surge

freqüentemente como uma das razões centrais de sua ação

belicosa, a ponto de o espírito vingativo ser considerado um

verdadeiro traço natural dos indígenas. Construída desde o

início da colonização, a caracterização do índio como um ser

vingativo por natureza será reproduzida até a República e pode

ser considerada como um dos elementos que constituem o

imaginário brasileiro sobre os índios. 43

O Trabalho da historiadora Vânia Losada nos leva a reforçar ainda mais certa folga das

autoridades locais no que dizia respeito a conter o movimento libertário e punir seus membros

mais ativos. O que se vê são apenas algumas prisões aleatórias cujos principais motivos eram

a desordem pública, pequenos furtos e algum homicídio, mas, em momento algum há

informação sobre prisões relacionadas a revolta. No ano de 1792 quando as propriedades do

padre Quental foram inventariadas, constavam no documento um número de 157 escravos.

Este grupo pode ter sido de alguns indivíduos que permaneceram em suas moradias que

ficavam muito próximas a sede das fazendas e que por algum motivo ainda se declaravam

pertencentes ao padre.

43
Idem. P. 5, 6.

59
60
O dito Ministro fazer este termo que com elas assinou eu Luis Manoel da Costa Prates,
Escrivão que o escrevi // Pinto // Inácio Pereira Barcellos // Miguel da Costa Ferreira //
Manoel Joam Silva // Antonio Pereira da Silva // Alexandre Ferreira de Jezus // José Freire
// Francisco de Paula // Jozé da Silva de Jezus.

Titulo dos Escravos

Foi visto e avaliado um escravo por nome Elias Pacheco com idade que pareceu ter de
sessenta e cinco anos em preço de cinqüenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Erozia sua mulher com idade que pareceu de sessenta anos em preço de
quarenta mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Lutéria? Com idade que pareceu ter de dezoito anos em preço de oitenta
e cinco mil reis a que se informa.

Foi visto e avaliado Joaquim com idade de vinte anos em preço de noventa mil reis que se
informa.

Foi visto e avaliado Justinianno com idade que pareceu ter de quatorze anos em seu preço e
valor de oitenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado um escravo por

61
62
Por nome Maximo com idade que pareceu ter de sessenta e cinco anos em seu preço de
cinqüenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada sua mulher com idade que pareceu ter de quarenta e cinco anos em seu
preço de cinqüenta e um mil reis que se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Marçal de idade de vinte anos em seu preço de cem mil reis que se
informa.

Foi vista e avaliada Justina de idade que pareceu ter de dezesseis anos em seu preço de
oitenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Innocencio com idade que pareceu ter de quatorze anos em seu preço de
oitenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria com idade que pareceu ter de nove anos em preço de quarenta mil
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Victória com idade que pareceu ter de oito anos em preço de quarenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Leonor com idade que pareceu ter de sete anos em seu preço e valor de
trinta e cinco mil reis que se informa.

63
64
Foi vista e avaliada Jozefa com idade que pareceu ter de quatro anos em preço de vinte e
cinco mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Tereza de idade que pareceu ter de três anos em seu preço de vinte e
cinco mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Vicente com idade que pareceu ter de seis anos em preço de quarenta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Eugenio de idade que pareceu ter de dois anos em seu preço e valor de
vinte mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Caetana de peito com idade que pareceu ter de um ano em preço de
quinze mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Luzia viúva com idade que pareceu ter de quarenta e cinco anos em
preço de sessenta e quatro mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Aqueda com idade que pareceu ter de dezesseis anos em preço de
noventa mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Maximianno com idade que pareceu ter de quinze anos em seu preço e
valor de

65
66
De cem mil reis que se informa

Foi visto e avaliado Zacarias com idade que pareceu ter de treze anos em preço valor de
oitenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Francisco com idade que pareceu ter de nove anos em seu preço de
setenta e cinco mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Izahias com idade que pareceu ter de sete anos em preço de quarenta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Jeremias com idade que pareceu ter de quatro anos em preço de trinta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria? Com idade que pareceu ter de dois anos em preço de vinte e
cinco mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Cyprianno com idade que pareceu ter de sessenta anos em preço de
cinqüenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Verônica sua mulher com idade que pareceu ter de cinqüenta anos em
preço de quarenta mil reis que se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Uelis com idade

67
68
Com idade que pareceu ter de cinqüenta anos digo ter de trinta anos em preço de quarenta
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Manoel de idade que pareceu ter de vinte anos em preço de noventa mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Antonio com idade que pareceu ter de vinte e três anos em preço de
noventa mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Bernabê com idade que pareceu ter de vinte e quatro anos em preço de
cem mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Mathias de idade que pareceu ter de noventa anos em preço de quarenta
e cinco mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Joanna com idade que pareceu ter de vinte anos em preço de oitenta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Policarpo com idade de oitenta anos em preço de trinta mil reis que se
informa.

Foi vista e avaliada Roza sua mulher com idade que pareceu ter de sessenta anos em preço de
vinte mil reis que se informa.

Segue

69
70
Segue outro casal

Foi visto e avaliado Balthazar com idade que pareceu ter de setenta anos em preço de vinte
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Nareuza sua mulher com idade que pareceu ter de quarenta anos em
preço de sessenta e quatro mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Faustina com idade que pareceu ter de oito anos em preço de oitenta mil
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria com idade que pareceu ter de dezesseis anos em preço de oitenta
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Bernardo com idade que pareceu ter de doze anos em preço de sessenta e
quatro mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Antonio com idade que pareceu ter de trinta e cinco anos em preço de
setenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Florência sua mulher com idade que pareceu ter de trinta anos em seu
preço de setenta mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Anna com idade

71
72
Com idade que pareceu ter de nove anos em preço de cinqüenta mil reis como se informa.

Foi visto e avaliado Jozé viúvo com idade que pareceu ter de trinta anos oficial de carpinteiro
em preço de cem mil reis que se informa.

Filho

Foi visto e avaliado Matheos com idade que pareceu ter de doze anos em preço de sessenta e
quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Luzia com idade que pareceu ter de doze anos em preço de sessenta e
quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria com idade que pareceu ter de oito anos em seu preço de cinqüenta
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Lourenço com idade que pareceu ter de seis anos em preço de trinta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado João com idade que pareceu ter de vinte e seis anos em preço de noventa
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Catharina sua mulher com idade que pareceu ter de vinte e cinco anos
em preço de noventa mil reis que se informa.

73
74
Filhos

Foi vista e avaliada Ritta com idade que pareceu ter de quatro anos em preço de vinte e cinco
mil reis que se informa.

Joaquim Angolla com idade que pareceu ter de oitenta anos avaliado em preço de vinte mil
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Benta sua mulher com idade que pareceu ter de setenta anos em preço de
vinte mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Manoel Neves com idade que pareceu ter de oitenta anos em preço de dez
mil reis que se informa. (está liberto pelo 1° folha 32 verso)

Foi vista e avaliada Luiza sua mulher com idade que pareceu ter de oitenta anos em preço de
dez mil reis que se informa. (está liberto pelo 1° folha 32 verso)

Filhos

Foi visto e avaliado André com idade que pareceu ter de trinta anos em preço de oitenta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Antonio com idade que pareceu ter de trinta anos em preço de oitenta mil
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Martinha sua mulher com idade que pareceu ter de vinte e oito anos em
seu preço de oitenta mil reis que se informa.

75
76
Filhos

Foi visto e avaliado Reginaldo de idade que pareceu ter de três anos em preço de vinte e
cinco mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Pedro de peito de idade que pareceu ter de um ano em preço de quinze
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Luis com idade que pareceu ter de sessenta anos aleijado do braço
esquerdo com o preço de doze mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria sua mulher com idade que pareceu ter de quarenta anos em preço
de cinqüenta mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Clemência de idade que pareceu ter dezesseis anos em preço de oitenta
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Victorino com idade que pareceu ter de dezoito anos em preço de
noventa mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado André com idade que pareceu ter de doze anos em preço de sessenta e
quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Felizarda com idade que pareceu ter de sete anos

77
78
Anos com preço de quarenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Anna com idade que pareceu ter de seis anos em preço de trinta e cinco
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Amatildes com idade que pareceu ter de quatro anos em preço de vinte e
cinco mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Manoel de peito com idade que pareceu ter de um ano em preço de seis
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Gregório de idade que pareceu ter de trinta e dois anos em preço e valor
de oitenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Agostinha sua mulher com idade que pareceu ter de quarenta anos em
preço de sessenta mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Francysca com idade que pareceu ter de dez anos em preço de cinqüenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Jozefa com idade que pareceu ter se sete anos em preço de quarenta mil
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria com idade

79
80
Com idade que pareceu ter de cinco anos em preço de trinta e cinco mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Henrique com idade que pareceu ter de três anos em preço de vinte e
cinco mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Marcelina com idade que pareceu ter de dois anos em preço de vinte mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Thimotio com idade que pareceu ter de sessenta anos em preço de
cinqüenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Escolástica sua mulher de idade que pareceu ter de cinqüenta anos em
preço de quarenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria de Belém solteira com idade que pareceu ter de vinte anos em
preço de noventa mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Simão com idade que pareceu ter de trinta e cinco anos em preço de
setenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Fé sua mulher com idade que pareceu ter de trinta anos em preço de
cinqüenta mil reis que se informa.

81
82
Filhos

Foi visto e avaliado Mathias com idade que pareceu ter de quatorze anos em preço de oitenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Theodozia com idade que pareceu ter de nove anos em seu preço de
quarenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Jozé doente de palpareas com idade que pareceu ter de quarenta anos em
preço de quarenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Cyprianna sua mulher com idade que pareceu ter de trinta anos em preço
de sessenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Anna com idade que pareceu ter de oito anos em preço de quarenta e
cinco mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Roza com idade que pareceu ter de três anos em preço de vinte e cinco
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada (Paschoa?) com idade de um ano em preço de quinze mil reis que se
informa.

Declaração

Declarou o inventariante que Ignácio escravo desta fazenda por crime

83
84
por crime que cometera para com a justiça fugira e se ausentara desta fazenda sem que lhe
soubesse para onde e que a todo dependia que aparecesse se lhe daria valor.

Foi vista e avaliada Joanna mulher do dito criminoso Ignácio com idade que pareceu ter de
trinta anos em preço de sessenta e quatro mil reis que se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Theodoro com idade que pareceu ter de sete anos em preço de quarenta
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Antonio com idade que pareceu ter de três anos em preço de trinta mil
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria com idade que pareceu ter de dois anos em preço de vinte e cinco
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Anna de peito com idade que pareceu ter de um mês em preço de seis mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Clemente com idade que pareceu ter de quarenta e cinco anos em seu
preço e valor de sessenta e quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Constantina a sua mulher com idade de quarenta anos em preço de
quarenta mil reis que se informa.

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86
Filhos

Foi visto e avaliado Marianno com idade que pareceu ter de doze anos em seu preço de
oitenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Anna com idade que pareceu ter de oito anos em seu preço e valor de
sessenta mil reis que se informa.

Paschoa viúva com idade que pareceu ter de sessenta anos e aleijada da mão esquerda em
preço de seis mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Leocádia solteira com idade que pareceu ter de vinte anos em seu preço
de sessenta e quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Arcângela filha desta Leocádia de peito com idade que pareceu ter de
dois meses em preço de dez mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Felipe, neto daquela Paschoa, filho de Thomázia, falecida com idade que
pareceu ter de dez anos em preço de sessenta e quatro anos digo e quatro mil reis que se
informa.

Foi vista e avaliada Maria, neta da mesma Paschoa filha da dita Thomázia falecida com
idade que pareceu ter de quatro anos em preço de trinta mil reis que se informa.

87
88
Foi visto e avaliado Romão pardo rendido de uma virilha com idade que pareceu ter de
cinqüenta anos em preço de sessenta e quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Esperança parda sua mulher com idade que pareceu ter de quarenta e
cinco anos em preço de quarenta mil reis quê se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Bernardino pardo com idade que pareceu ter de vinte e dois anos em
preço de noventa mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Victorina com idade que pareceu ter de dezoito anos em preço de oitenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Angélica parda com idade que pareceu ter de dezessete anos em preço de
noventa mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Manoel Cabra com idade que pareceu ter de dez anos em preço de
setenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Luis pardo com idade que pareceu ter nove anos em preço de setenta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Achino pardo com idade que pareceu ter de oito anos em preço de
setenta mil reis que se informa.

89
90
Foi vista e avaliada Izabel com idade de ano e meio em preço de vinte e cinco mil reis que se
informa.

Foi vista e avaliada Anna viúva doente dos peitos com idade que pareceu ter de quarenta e
cinco anos em seu preço de trinta mil reis que s informa.

Foi visto e avaliado Miguel filho desta Anna viúva com idade que pareceu ter de vinte anos
em seu preço de oitenta mil reis.

Foi vista e avaliada Anna casada com Alexandre forro, com idade que pareceu ter de
cinqüenta anos e aleijada de um dedo da mão direita em preço de trinta mil reis que se
informa.

Foi vista e avaliada Fabianna viúva com idade que pareceu ter de trinta e cinco anos em
preço de sessenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Anna Cabra filha desta Fabianna com idade que pareceu ter de vinte
anos em seu preço de setenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Francisco filho da dita Cabra Anna com idade que pareceu ter de doze
anos em preço de oitenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliada Estanislao filho

91
92
Filho da mesma Cabra Anna com idade que pareceu ter de seis anos em preço de quarenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maximiana viúva com idade que pareceu ter de sessenta anos em preço
de doze mil reis que se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Ignácio com idade que pareceu ter de vinte anos em preço de oitenta mil
reis que se informa.

Foi visto e avaliado Francisco com idade que pareceu ter de dezenove anos em preço de
oitenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Bernarda com idade que pareceu ter de vinte e dois anos que pareceu
ter; em preço de sessenta quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Jozefa com idade que pareceu ter de onze anos em preço de cinqüenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Prisca viúva com idade que pareceu ter de oitenta anos em preço de seis
mil reis que se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Manoel Cabra com idade que pareceu ter de vinte e quatro anos em
preço de cem mil

93
94
De cem mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Maria com idade que pareceu ter de quatorze anos em preço de setenta
mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Anna de idade que pareceu ter de vinte e cinco anos em preço de
cinqüenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Manoel filho desta Anna com idade que pareceu ter de três anos em
preço de vinte cinco mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Adrianna viúva decrépita com idade que pareceu ter de noventa anos em
seu preço e valor de quatro mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Perpetua decrépita com idade que pareceu ter de noventa e cinco anos
em um preço de dois mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Petronilla com idade que pareceu ter de sessenta anos em preço de dez
mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Severina parda com idade que pareceu ter de trinta anos em preço de
oitenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliada Manoel pardo

95
96
Pardo com idade que pareceu ter de dez anos em preço de setenta mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Efigenia solteira com idade que pareceu ter de trinta anos em preço de
setenta mil reis que se informa.

Foi visto Joaquim mulatinho seu filho com idade que pareceu ter dez anos em preço de
noventa mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Leonardo cabra com idade que pareceu ter de setenta e cinco anos em
preço de vinte mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Bernardina sua mulher com idade que pareceu ter de oitenta anos em
preço de doze mil reis que se informa.

Filhos

Foi visto e avaliado Manoel cabra com idade que pareceu ter de vinte anos em preço de cem
mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Germano estúpido com idade de doze anos em seu preço de quinze mediu
reis que se informa.

Foi vista e avaliada Eufrozina com idade que pareceu ter de setenta anos em preço de seis mil
reis que se informa.

97
98
Foi visto e avaliado Severino com idade que pareceu ter de vinte e cinco anos em preço de
noventa mil reis que se informa.

Foi vista e avaliada Eufrazia sua mulher com idade que pareceu ter de trinta anos em preço
de cinqüenta mil reis que se informa.

Filhos

Foi vista e avaliada Benta com idade de dois anos em preço de vinte e cinco mil reis que se
informa.

Foi visto e avaliado Caetano de peito com idade que pareceu ter de oito meses em preço de
doze mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Bernardo com idade de vinte e cinco anos em preço de oitenta mil reis
que se informa.

Foi vista e avaliada Eugenia sua mulher com idade que pareceu ter de trinta anos em preço
de cinqüenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Serino seu filho com idade de dois anos em preço de vinte cinco mil reis
que se informa.

Foi visto e avaliado Faustino oficial ferreiro com idade que pareceu ter de trinta anos em
preço de cento e quarenta mil reis que se informa.

Foi visto e avaliado Adriano cabra

99
cabra viúvo com idade que pareceu ter de trinta anos em preço de oitenta mil reis que se
informa.

Foi vista e avaliada Joanna sua filha cabrinha doente com idade de um ano em seu preço e
valor de dez mil reis que se informa.

E nesta forma ouve o dito Ministro e avaliadores dos escravos e avaliadores dos escravos
esta avaliação por feita finda e acabada de que mandou fazer este termo que com ele a
assinou eu Luis Manoel da Costa Prates escrivão da Ouvidoria Geral que escrevi // Pinto //
Ignácio Pereira Barcellos // Miguel da Costa Ferreira.44

44
CTA:AHU-Espírito Santo, cx.04 doc80,cx.05 doc. 35, 39
CT:AHU – ACL-CU-007, CX. 04 DOC. 372

100
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