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LAGOA DOS PATOS:

HISTÓRIA E NATUREZA
LUIZ HENRIQUE TORRES

LAGOA DOS PATOS:


HISTÓRIA E NATUREZA

2014
de Luiz Henrique Torres.
Gravura da capa: fotografias de São Lourenço do Sul e Rio Grande.
Criação da Arte, composição e diagramação: Luiz Henrique Torres.
Revisão: Rejane Martins Torres.
Obra custeada pelo autor.
ISBN: 978-85-62983-54-2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L1372 Lagoa dos Patos: história e natureza / Luiz Henrique Torres. Rio Grande:
Pluscom Editora, 2013.

52p.
Bibliografia
ISBN: 978-85-62983-54-2

1. História - Brasil 2. Rio Grande do Sul 3. Rio Grande. I. Torres,


Luiz Henrique. II. Título

CDU : 94(81).082 CDD:981


SUMÁRIO

Lagoa dos Patos........................................................................................................................................................................................10


Lagoa ou Laguna.......................................................................................................................................................................................12
Formação Geológica..................................................................................................................................................................................14
A Bacia Hidrográfica................................................................................................................................................................................. 16
Estuário da Lagoa dos Patos......................................................................................................................................................................18
Povoamento Pré-Histórico.........................................................................................................................................................................20
A Lagoa como porta de entrada no RS.......................................................................................................................................................22
A Arte da Navegação.................................................................................................................................................................................24
A Revolução Farroupilha............................................................................................................................................................................26
A Viagem do Conde D’Eu..........................................................................................................................................................................28
Hermann Von Ihering ...............................................................................................................................................................................30
A Diversidade Botânica..............................................................................................................................................................................32
A Diversidade da Fauna.............................................................................................................................................................................34
Os Recursos Pesqueiros ...........................................................................................................................................................................36
Importância para a navegação...................................................................................................................................................................38
Visões da Lagoa........................................................................................................................................................................................40
Bibliografia................................................................................................................................................................................................48
Vamos começar a navegar na Lagoa...
Lagoa dos Patos. Acervo: NASA.
“Lagoa dos Patos, dos sonhos, dos barcos, mar de água doce e paixão”. Ainda não conhecia a Lagoa
dos Patos quando escutei pela primeira vez esta música de Kleiton e Kledir. As referências dos compositores
as praias da Lagoa desencadearam uma curiosidade que em restrita parte já foi desvelada.
Porém, é inesgotável a vastidão de histórias e versões possíveis sobre a Lagoa dos Patos. Os inúmeros
espaços ainda a serem descobertos.
A riqueza da biodiversidade e as experiências humanas desde o século 18, serão abordadas de forma
breve neste livro que é voltado ao público não especializado.
É um olhar da Lagoa dos Patos que busca instigar ao conhecimento e a preservação deste ecossistema
que é fundamental para entender a formação histórica do Rio Grande do Sul.

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Enseada em São Lourenço do Sul.
LAGOA DOS PATOS

É a maior Lagoa de tipo estrangulado (choked laggon) do mundo, estendendo-se na direção NE-SW entre as latitudes
30°30’S e 32º12’S. Está localizada na Planície Costeira do Rio Grande do Sul e recebe grande volume de água doce dos rios ao
norte da planície costeira e dos rios afluentes da Lagoa dos Patos. Cinco unidades biológicas a constituem: Rio Guaíba,
Enseada de Tapes, Lagoa do Casamento, Corpo Central Lagunar e Estuário. Junto a Barra do Rio Grande, ocorre o escoamento
da água doce e o ingresso de água salgada neste sistema de mais de 250 km de extensão. Suas margens fazem parte dos
municípios de Viamão, Capivari do Sul, Palmares do Sul, Barra do Ribeiro, Tapes, Arambaré, Camaquã, Turuçu, São Lourenço
do Sul, Pelotas, Rio Grande, Mostardas, Tavares e São José do Norte.

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Lagoa dos Patos em São Lourenço do Sul.

MATTHIENSEN, A., YUNES, J. S. e CODD, G. A.


LAGOA OU LAGUNA?

A tradição dos mapas e documentos legou o termo que será utilizado neste livro: Lagoa dos Patos! Porém,
cientificamente, a denominação correta é Laguna dos Patos. Laguna, geomorfologicamente, se refere a uma depressão
formada por água salgada ou salobra que se localiza nas proximidades da costa litorânea. A comunicação com o oceano se faz
através de um canal onde o fluxo de água doce e de água salgada interage. No caso da Laguna dos Patos, o intenso despejo
de água doce de vários rios fazem com que, na maior parte de sua extensão, predomine a água doce.
Já a origem do nome ‘Lagoa dos Patos’ permanece como uma incógnita!
Duas versões, discutidas a mais de um século pelo famoso antropólogo Hermann von Hiering e pelo historiador Alfredo
Ferreira Rodrigues, encaminham duas interpretações: a presença de patos (Pato real – Cairina moschata) e a ocupação do
espaço por indígenas da nação Patos. A inclinação dos dois autores, mesmo que de forma não comprovada na lacunar
documentação histórica, é voltada a interpretação do nome estar relacionado a presença das aves.

12
Planta de José Custódio de Sá e Faria - 1763. BNRJ.
FORMAÇÃO GEOLÓGICA

A Lagoa dos Patos está inserida na província costeira do Rio Grande do Sul que é constituída pela Bacia de Pelotas e pelo
embasamento cristalino (Escudo Uruguaio-Sul-riograndense). As transgressões e regressões marinhas promoveram um
acúmulo de sedimentos cuja porção emersa constitui a planície costeira. A superfície da Lagoa é de 10.227 km² e possui
extensão de mais de 250 km. A largura máxima é de 56 km e a média de 33 km. A profundidade máxima é de 7 metros
(exceção no canal de acesso do Porto do Rio Grande), porém, no conjunto, a Lagoa se caracteriza por baixa profundidade.
Ambas as margens são constituídas de terras baixas com inúmeras enseadas que formam bancos de areia. Está separada do
Oceano Atlântico por um estreito cordão litorâneo chamado de Restinga da Lagoa dos Patos.

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Formação rochosa em São Lourenço do Sul.
CLIMA E A BACIA HIDROGRÁFICA
A Lagoa dos Patos enquadra-se no tipo climático Cfag (subtropical e úmido), mesotérmico sem estação seca, com
verões quentes e vento nordeste, apresentando chuvas distribuídas e temperaturas amenas devido a proximidade do Oceano
Atlântico. A temperatura média anual é de 17,5° e a média anual de chuvas é de 1.300 mm. No inverno, o vento pampeiro
predomina e garante a presença de uma massa de ar gelada.
A Lagoa dos Patos, ao norte, é a principal receptora da bacia hidrográfica atlântica recebendo as águas do Rio (Lago)
Guaíba o qual foi formado pelas águas do Delta do Guaíba (Rios Jacuí, Caí, dos Sinos e Gravataí). Apresenta uma ramificação a
nordeste que é a Lagoa do Casamento. Recebe as águas do Rio Camaquã e comunica-se com a Lagoa Mirim através do Canal
do São Gonçalo. A vazante adentra vários quilômetros no Oceano Atlântico, próximo a Barra do Rio Grande.
As taxas pluviométricas condicionam, no Estuário da Lagoa dos Patos, a pesca artesanal do camarão-rosa (espécie com
maior valor agregado na pesca da Lagoa). Chuvas excessivas prejudicam o ingresso das pós-larvas deste crustáceo no
Estuário. O plantio do arroz e da cebola depende do contrário: que a maré vazante não permita que água salgada adentre
demasiadamente a Lagoa.

16
O ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS

A área compreendida entre a Barra do Rio Grande e a ponta da Feitoria é considerada como o Estuário da Lagoa dos
Patos. Portanto, são aproximadamente 70 km da embocadura da Lagoa dos Patos com o Oceano, onde ocorre de forma
intensa o processo de contato das águas salgadas do Atlântico com o fluxo de água doce da Bacia Atlântica.
Isto não impede que em certas condições, a maré salina invada a Lagoa até a altura do Rio Guaíba. A área do Estuário
estende-se por cerca de 900 km², constituindo uma área de marisma (mistura entre água doce e salgada formando uma
vegetação de gramíneas e juncos) com grande biodiversidade e onde ocorre a reprodução/proteção para várias espécies.
Várias ilhas estão localizadas nesta área: entre outras, está a Ilha da Pólvora onde está edificado o EcoMuseu e a Ilha dos
Marinheiros, a maior do Rio Grande do Sul.

18
Cais do Porto Velho em Rio Grande.
POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO

Antes da chegada sistemática dos portugueses, açorianos e negros a partir do século 18, a Lagoa dos Patos recebeu a
visita ou a estadia prolongada de populações que nos tempos históricos denominamos, de forma imprecisa, de ‘índios’. A
presença destes grupos humanos recua a cerca de 5.000 antes do presente ou 3.000 antes de Cristo (num período em que no
Egito, começava a construção das grandes pirâmides). Eram bandos de caçadores-coletores-pescadores, que deixaram
registros de sua passagem nos instrumentos de pedra por eles elaborados e nos restos de alimentação encontrada (animais da
Lagoa e também peixes). Aproximadamente 2.000 anos atrás a cerâmica surge na região com a Tradição Vieira e a ocupação
dos cerritos nas áreas alagadiças. E a pelo menos 1.200 anos, canoeiros chegam a região: a Tradição ceramista e horticultura
Tupiguarani passa a ocupar grande extensão das margens da Lagoa. Sua longa permanência legou inclusive um nome que
chegou até os dias de hoje: a Serra dos Tapes.
As investidas de escravistas paulistas desde o século 17, acarretaram na escravização/dispersão de grande parte da
população indígena. O resultado do contato de tropeiros/militares com estas populações foi à formação do gaúcho histórico.

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A Lagoa dos Patos propiciou a subsistência de caçadores-coletores-pescadores e de horticultores.
A LAGOA COMO PORTA DE ENTRADA NO RS

O ‘Rio Grande de São Pedro’ que aparece assinalado na cartografia desde 1534 (planta de Gaspar Viegas) nada mais é
que a Lagoa dos Patos escoando no Oceano Atlântico. Esta denominação dada a um ‘suposto rio’, acabou por ser o nome
geográfico que caracteriza todo o Rio Grande do Sul e não apenas ao atual Município do Rio Grande. Fundamentalmente, as
fontes historiográficas evidenciam que somente nas primeiras décadas do século 18 é que se busca investigar o interior do
Continente cujo acesso se dá pela Lagoa dos Patos. Com a chegada do Brigadeiro Silva Paes e o povoamento sistemático luso-
brasileiro é que começam a ser criadas as condições para a integração geopolítica do Rio Grande do Sul a Portugal.
O escoamento da produção charqueadora pelotense se fez do Arroio Pelotas seguindo para a Lagoa dos Patos. A
circulação da produção colonial da região de São Lourenço do Sul, através de iates, também será viabilizada pela Lagoa dos
Patos. Estendendo a reflexão, a produção colonial alemã e italiana que levou ao enriquecimento de Porto Alegre a partir do
século 19, dependeu da navegação pela Lagoa até chegar ao Porto do Rio Grande onde os produtos rumaram para portos
brasileiros, platinos, europeus e norte-americanos. Sem este modal para escoamento, a integração econômica seria dificultada
ou até inviabilizada.

22
Planta do século 17 referindo-se a ‘Lagoa do Rio Grande’.

Planta de Antônio Córdova, 1780.


A ARTE DA NAVEGAÇÃO

As dificuldades para a navegação neste chamado ‘mar interno’ exigia muita perícia dos navegadores. Desde 1780 há
referências a utilização dos iates (embarcação a vela com dois mastros e velas latinas quadrangulares) para o transporte de
mercadorias e de passageiros em Rio Grande. A cidade de São Lourenço do Sul criou uma forte cultura do iatismo e manteve
intenso comércio com o Porto do Rio Grande.
Em grande parte a navegação dependia de conhecer os baixios e a habilidade/sorte para escapar das ondas contínuas
levantadas pelo vento nordeste ou sudeste.
Em 1820, o naturalista francês Auguste Saint-Hilaire já fazia referências à navegação na Lagoa dos Patos. Numa viagem
de Rio Grande a Pelotas afirmou que o tempo esteve muito bom e não sentiu nenhum balanço na embarcação, porém, a
navegação na Lagoa era tida como muito difícil durante as tempestades, com naufrágios freqüentes.
O médico alemão Robert Ave-Lallemant navegou na Lagoa em 1858 e registrou as seguintes impressões publicadas na
Alemanha no ano seguinte: “Navega-se num mar aparente, que também lembra o mar pelo fato de ter suas tempestades e
ondas, de por os navios em perigo durante o mau tempo e de muitas vezes os jogar na areia e os encalhar, depois de perdidas
ambas as âncoras e as correntes”.

24
Hermann Wendroth, tempestade na Lagoa dos Patos, 1852.
A REVOLUÇÃO FARROUPILHA

Guiseppe Garibaldi, o ‘Herói dos Dois Mundos’ teve destacada atuação durante a Revolução Farroupilha (1835-45). Junto
a Barra do Rio Camaquã e do Arroio São Lourenço ele construiu a esquadra republicana que lutou na Lagoa dos Patos contra a
Marinha Imperial. A dificuldade de navegação na Lagoa e os baixios que impediam a livre navegação da esquadra imperial,
garantiram mobilidade aos lanchões farroupilhas. Como a Barra do Rio Grande estava controlada pela Marinha Imperial
impedindo a saída para o Atlântico, Garibaldi participou de um dos acontecimentos mais marcantes da Revolução Farroupilha:
os lanchões Seival e Farroupilha velejaram até o norte da Lagoa dos Patos, sendo transportados por terra por juntas de bois
até o Oceano. A marinha farroupilha, desta forma, chegava até o litoral de Santa Catarina (Laguna) para enfrentar os imperiais.
Em Laguna, Garibaldi conheceu Anita! Teve início uma das histórias mais conhecidas da região sul do Brasil e também da
Itália.

26
Expedição à Laguna. Pintura de Lucílio de Albuquerque (1916).

Giuseppe Garibaldi em 1860.


A VIAGEM DO CONDE D’EU

Recém-casado com a Princesa Isabel, o francês Conde D’Eu faz uma viagem ao Rio Grande do Sul no mês de agosto de
1865, no contexto da sanguinária Guerra do Paraguai. Muito observador do cotidiano das sociedades do Brasil, suas
experiências pessoais são uma fonte para conhecer o passado. Sua viagem pela Lagoa dos Patos foi muito tumultuada e quase
trágica.
“Noite péssima. Pela uma hora da madrugada quebra-se o leme, ficamos imobilizados enquanto se procede à sua
reparação, até às 6 horas, sofrendo violentos balanços e no meio de um alarido insuportável. Enfim pomo-nos outra vez em
andamento. O vento mudou bruscamente para Sudoeste durante a noite e varreu o horizonte, mas está a soprar ainda com
mais força que na véspera. É este vento seco que nestas regiões se chama pampeiro, porque vem dos pampas do interior do
continente. Ao menos está o céu límpido. As margens da lagoa aproximaram-se e elevaram-se; e pouco depois chegamos a
um sítio chamado a ponta de Itapuã, onde em ambas as margens se erguem colinas cobertas de verdura que formam uma
vista pitoresca. Já não faltavam senão duas léguas para chegar a Porto Alegre, segundo dizia o comandante, e íamos
navegando confiadamente pelo canal, sempre marcado com balizas, quando senti um abalo estranho que me pareceu de mau
agouro; daí a um instante veio o comandante dizer-me com ar contristado que tínhamos encalhado. Arvorou-se a bandeira no
mastro grande, para dar a saber a nossa situação, a ver se outro vapor nos vinha buscar; depois reuniram-se todos os
passageiros à popa para aliviar a proa; soltaram-se algumas velas; e por fim começou-se a despejar a provisão de água que
ainda restava. Continuavam todavia os balanços, como se não estivéssemos encalhados, mas com a diferença de que
sentíamos com frequência violentos abalos de baixo para cima; é uma sensação bem desagradável a de estar assim encalhado.
Enfim, ao cabo de uma hora, deixamos de a sentir; de repente tornamos a flutuar e dirigimo-nos para Porto Alegre, cujos
edifícios, de uma brancura deslumbrante, começavam a aparecer entre a lagoa e as colinas verdejantes”.

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Conde D'Eu, D. Pedro II, Imperatriz Thereza Christina Maria e Princesa Isabel, 1875. Foto: Alberto Henschel.
HERMANN VON IHERING E A LAGOA

Um dos cientistas mais destacados que deixaram estudos sobre a Lagoa dos Patos foi o naturalista Hermann von
Ihering. Era formado em Filosofia Natural e Medicina e veio ao Brasil em 1880, passando a residir no Rio Grande do Sul, nas
cidades de Rio Grande e São Lourenço. Também residiu por sete anos numa ilha junto a Lagoa dos Patos, na foz do Rio
Camaquã (denominada Ilha do Doutor). Seu interesse pelo estudo científico da Lagoa legou as informações mais analíticas
publicadas até aquele período, sendo ele o autor, do primeiro estudo ecológico da Lagoa dos Patos. Seu filho Rodolfo deu
continuidade da obra do pai que foi o criador da renomada Revista do Museu Paulista.

30
Hermann Von Ihering
A DIVERSIDADE BOTÂNICA

Paisagens podem ser definidas como assembléia de habitats, comunidades e usos de solos e são o resultado da atuação
de processos naturais e sócio-econômicos (TAGLIANI, 2011: 37).
Constituindo a paisagem está a vegetação. Nos banhados, nas margens da Lagoa dos Patos, várias espécies de vegetais
se desenvolvem. Como a formação geológica é recente junto a Restinga da Lagoa dos Patos, a flora apresenta poucos
exemplares endêmicos. A margem junto ao Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense apresenta uma maior diversidade.
Algumas espécies de mata nativa ainda encontradas são: aroeira, araticum, espinheiro, chá-de-bugre, canelinha, pata-
de-vaca, corticeira, figueira, murta, araçá-do-mato, imbira etc. Parcialmente submerso ocorre uma variedade de juncos,
gramas, taboa etc.
No marisma a vegetação é formada, predominantemente, por junca, macega, gramas e juncos.

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Vegetação da Lagoa dos Patos em São Lourenço do Sul.
A DIVERSIDADE DA FAUNA

A Planície Costeira do Rio Grande do Sul, onde se insere a Lagoa dos Patos, está localizada na porção meridional da
região biogeográfica Neotropical, considerada a mais rica e de maior diversidade das oito regiões biogeográficas do planeta
(TAGLIANI, 2011:47).
Inúmeras espécies de répteis, anfíbios, peixes, aves, moluscos, anelídeos, celenterados, equinodermas e mamíferos
constituem a fauna. Foram catalogadas 213 espécies de aves e 27 de mamíferos na Restinga. Entre os animais mais
conhecidos estão a capivara, ratão-do-banhado, mão-pelada, lontra, e jacaré-do-papo-amarelo, gambá, tatu etc.
A vegetação natural proporciona local para reprodução de diversas espécies, entre as quais o joão-grande. É ampla a
variedade de garças e socós, além da presença do cisne-de-pescoço preto, capororoca, biguá, marrecões e marecas.

34
Um dos mais tradicionais pescadores da Lagoa dos Patos: o biguá.
OS RECURSOS PESQUEIROS

A pesca na Lagoa dos Patos é realizada a milhares de anos. Inicialmente foi feita pelas populações indígenas que
buscavam subsistência alimentar na oferta de pescado da Lagoa e consumo de outros animais. A pesca artesanal, desde o
século 18, foi realizada por descendentes europeus e africanos e persiste até o presente. Porém, a partir de 1947 teve início a
pesca industrial realizada em grande escala e com tecnologia avançada. A sobrepesca e a pesca predatória levaram a drástica
redução dos estoques de pescado e a extinção de algumas espécies que viviam na Lagoa dos Patos. Os incentivos fiscais
destinados a construção de parques industriais pesqueiros conduziram Rio Grande a condição de maior beneficiador de
pescado do Brasil nos anos 1970 e a falência deste setor nos anos 1980.
No início dos anos 1990 mais de duas mil embarcações estavam cadastradas para atuar na pesca artesanal na Lagoa dos
Patos. A maior intensidade desta pesca está ao sul da Lagoa dos Patos e na região estuarina, onde mais de 86% dos
desembarques artesanais provinham do Município do Rio Grande. As principais safras da Lagoa ainda são o camarão, tainha,
corvina, pescadinha, enchova, traíra, pescada e bagre.
O desenvolvimento racional da atividade pesqueira é um dos grandes desafios para garantir a sobrevivência das espécies
de peixes que a milênios povoam a Lagoa dos Patos.

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Vista da Lagoa dos Patos em São Lourenço do Sul.
DESAFIOS AMBIENTAIS

Como ressaltou ASMUS (1998:12), nas últimas décadas, o rápido e descontrolado crescimento demográfico e industrial
ao redor da Lagoa, alterou os seus processos naturais e intensificou os conflitos ambientais. A emissão de poluentes, a
sobrepesca e a emissão de esgotos domésticos/industriais tiveram acentuada ampliação.
Rios tributários do Guaíba foram responsáveis pela adição crescente de sedimentos, metais pesados e agrotóxicos.
As atividades portuárias e as plantas industriais de fertilizantes e refino de petróleo, levou a uma deterioração das águas
no Baixo Estuário.
Os conflitos crescentes entre a preservação, a exploração dos recursos e os impactos antrópicos, exigem o manejo
ambiental integrado da Lagoa dos Patos.

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Porto Novo do Rio Grande.
Veleiro no cais do Porto do Rio Grande.
VISÕES DA LAGOA

A Lagoa dos Patos está para além de apenas uma explicação de sua gênese e constituição física, como aqui foi
desenvolvido de forma preliminar. Sem uma construção mental criada por cada pessoa ela não teria nenhum sentido íntimo. O
toque na areia da praia, a temperatura da água, o movimento do vento, a lua cheia nas águas, a intensidade da luz solar na
superfície da água: este somatório de sensibilidades visuais e táteis é que constroem a experiência pessoal.
A imagem fotográfica congela um momento do tempo e o eterniza para o futuro. As pessoas e espaços físicos sofrem
alterações na dialética inexorável da mudança mas a fotografia fica perpetuada. Não fosse isto, as imagens ficariam restritas
nas vivências que produzem memórias, que infelizmente, fenecem com o passar das pessoas ao longo do tempo.
Inesgotáveis visões da Lagoa dos Patos aparecem a cada fotografia. Fotos do Estuário, das praias de São Lourenço do
Sul, do Laranjal, da Ilha dos Marinheiros, da Barra do Rio Grande... São mais de 500 quilômetros de margens a serem
descobertas, documentadas e fotografadas.
Ao turista, fica lançado o desafio de construir estas memórias; ao morador, um exercício de através da memória já
edificada, resgatá-las no baú das lembranças.

40
Praia do Laranjal - Pelotas (Balneário Santo Antônio criado em 1952).
Esportes Náuticos em São Lourenço do Sul – Praia das Nereidas.
Pier em São José do Norte. Ao fundo, a cidade do Rio Grande.
Rio Grande e a Lagoa dos Patos.

Marisma fotografado da Ilha da Pólvora com Rio Grande ao fundo.


Arroio São Lourenço no encontro com a Lagoa dos Patos.
A Lagoa vista de São Lourenço do Sul.
Ilha do Terrapleno visto do Porto Novo do Rio Grande. Orla da Av. Henrique Pancada em Rio Grande.

Cartão-postal da Praia do Laranjal na década de 1960. Cartão-postal do Porto Velho do Rio Grande em 1902.
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VIANNA, Manoel Luiz. Extremo Sul do Brasil: um lugar esquecido. Pelotas: Editora Textos, 2012.
Henrique, um pescador de ilusões, lançando-se para a pesca e para as aventuras na Lagoa. Ilha dos Marinheiros - Rio Grande.
Pesquisa e Texto: Luiz Henrique Torres é Doutor em História do Brasil. Atua como professor no Curso de Mestrado em
Gerenciamento Costeiro - Universidade Federal do Rio Grande (FURG) onde ministra a disciplina ‘Processos Históricos na Zona
Costeira’.

Lagoa dos Patos. Cais do Porto Velho do Rio Grande.


Fotografias: Rejane Martins Torres é Graduada em História e Especialista em História do Rio Grande do Sul. Atua na Fototeca
Municipal Ricardo Giovannini – Prefeitura Municipal do Rio Grande.

Ponta da Marambaia, Ilha dos Marinheiros (Rio Grande).


KUNDE

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