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2011
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Este artigo problematiza o fenômeno das mestiçagens na Freguesia do Seridó, instância da
administração religiosa instituída no início do século XVIII no sertão da Capitania do Rio
☝🍪
Grande, na América portuguesa. A pesquisa foi conduzida a partir de uma abordagem micro-
histórica, centrada na trajetória do índio Tomé Gonçalves da Silva, efetuada por meio do
Cecruzamento
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fontes coloniais de diversas tipologias. Infere-se, a partir da pesquisa, que no
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território colonial do sertão do Rio Grande, malgrado a desagregação das sociedades tribais, a
vous
circulação de pessoas de sur
donne le contrôle várias partes do mundo conhecido favoreceu o aparecimento de
ceux que vous
mestiçagens souhaitez
entre seus corpos e suas práticas culturais: os colonos luso-brasílicos, os
marinheirosactiver
vindos do reino, os africanos forros e escravos, os mestiços, os índios remanescentes
das guerras de conquista.
This article discusses the phenomenon of mestizations in the Freguesia do Seridó instance of
✓ Tout
religious accepter established in the 18th century in the interior of the Capitania do Rio
administration
Grande in Portuguese America. The survey was conducted from a micro-historical approach,
focusing on the trajectory of the Indian Tome Goncalves da Silva performed through the
✗ Toutofrefuser
intersection colonial sources of various types. It is inferred from the survey, which the colonial
territory of the interior of Rio Grande, despite the breakdown of tribal societies, the movement of
people from all over the known world behind the emergence of mestizations between their bodies
Personnaliser
and their practices: the luso-brasílicos, the Portugueses, the African slaves and frees, mestizos,
Indians remnants of wars of conquest.
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02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
Entrées d’index
Keywords: indian, mestization, portuguese America, seridó, westernization
Texte intégral
Introdução
1 O Seridó é uma região situada na área sertaneja do Rio Grande do Norte, na sua
porção centro-sul, que se destaca das demais por características que singularizam seus
habitantes: o apego à tradição, a forte religiosidade cristã, a hospitalidade e um
sentimento de pertença ligado ao elo que une as gerações da contemporaneidade a
parentelas que foram construídas desde os tempos coloniais. Foi, aliás, nos tempos
coloniais, que se gestou, gradativamente, a produção de um território cujos contornos
correspondem, grosso modo, aos limites que a região do Seridó possui hoje.
2 Estamos nos referindo ao território da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do
Seridó (desse ponto do texto em diante, Freguesia do Seridó), cujas fronteiras
avançavam pelas Capitanias do Rio Grande e da Paraíba e que foi fundada em 1748.
Essa fundação se deu no bojo de um processo mais amplo, o de ocidentalização1,
movimento de difusão/imposição da cultura ocidental nas colônias dos impérios
ultramarinos – em outras palavras, a conquista das almas, dos corpos e dos territórios
do Novo Mundo. Esse movimento, levado à frente por castelhanos e posteriormente por
portugueses, produziu situações de choque e enfrentamento de poderes entre os recém-
chegados (os europeus) e os que se encontravam na terra firme (os nativos).
3 Na Capitania do Rio Grande, o processo de ocidentalização se fez pari passu às
variegadas frentes de expansão que são dedilhadas pela Coroa portuguesa, que
equivalem a correntes de povoamento onde a cruz e a espada andaram juntas no
sentido de implementar um novo mundo nos trópicos: desde o litoral, com a
constituição de uma economia voltada prioritariamente para a atividade açucareira, até
o sertão, que se vê inundado, no período pós-expulsão dos holandeses, por milhares de
cabeças de gado em suas ribeiras, visando o abastecimento do mercado interno. Neste
ensaio estabelecemos uma trajetória até a fase da ocidentalização que culmina, no
sertão da Capitania do Rio Grande, com a construção de diferentes instâncias
administrativas pela metrópole no solo percorrido pelo gado, na tentativa de consolidar
cada vez mais a ocupação e o povoamento colonial. Uma dessas instâncias, de cunho
eclesiástico, foi a Freguesia do Seridó, já aludida, criada com o objetivo de cuidar da
espiritualidade do aprisco localizado nas ribeiras da porção centro-meridional da
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capitania, sendo desmembrada da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do
Piancó.
4 Ce site
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época cookies
onde et
a demarcação das capitanias era vaga e a vastidão da Freguesia do
vous donne le contrôle sur
Piancó reinava sobre a quantidade reduzida de ministros eclesiásticos, tornou-se
ceux que da
interesse vous souhaitez
Igreja Católica a racionalização do seu território. Essa preocupação tornou-
activer
se mais evidente quando dom frei Luís de Santa Teresa, bispo de Pernambuco, baixou
ato em Olinda no dia 20 de fevereiro de 1747, ordenando ao padre Manuel Machado
Freire que, em visita aos curatos do Icó e do Piancó, os dividisse da melhor forma
✓ Tout accepter
possível, a fim de criar novas freguesias2. Em atenção à ordem de dom Luís, o padre
Manuel Machado Freire, “Visitador Geral dos sertões da parte do Norte”, estando no
✗ Tout refuser
Piancó, desmembrou da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso uma nova
unidade administrativo-religiosa, com título e invocação de “Santa Anna”. Era 15 de
abrilPersonnaliser
de 1748. Nascia, naquele momento, a Freguesia do Seridó, com sede na Povoação
do Caicó, cujos limites também foram deliberados pelo visitador: a ribeira das
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Espinharas, das suas nascentes até a foz – de onde uma linha imaginária era percorrida
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até atingir os limites da Freguesia de São João Batista do Açu – e a do Seridó, com seus
afluentes3.
5 Estudos acadêmicos que se preocuparam com a história e a geografia do sertão norte-
rio-grandense, tomando como referência do passado a criação da Freguesia do Seridó
(1748), fizeram essa mesma reconstituição territorial4. São trabalhos que privilegiam,
em suas análises, uma visão que poderíamos chamar de telescópica, considerando que
tendem a enxergar o Seridó a partir de um olhar macro, enfatizando suas estruturas
territoriais, sociais, econômicas e demográficas. Seguindo a trilha deixada por esses
pesquisadores, desenvolvemos pesquisa sobre o fenômeno da ocidentalização no sertão
da Capitania do Rio Grande, na tentativa de perceber as transformações ocasionadas
nos territórios e nas populações nativas que aí habitavam após os trágicos eventos das
Guerras dos Bárbaros5. Na primeira parte do estudo, revisitamos o processo de
territorialização da Freguesia do Seridó, que foi criada e instalada sobre as antigas
territorialidades nativas. Num segundo momento fizemos um estudo demográfico
acerca da presença indígena junto aos demais grupos sociais da freguesia – brancos,
mestiços, crioulos, pardos, mamelucos, usando as terminologias da documentação
coeva.
6 A sensação que tínhamos, na época, é de que nos faltava alguma coisa. Inspirados na
leitura de Carlo Ginzburg e de Natalie Davis, começamos a perceber que a inspeção
procedida nos assentos paroquiais da Freguesia do Seridó nos proporcionara apenas
uma face da história. Nossa finalidade, ao examinar registros de batizados, casamentos
e enterros, era a de perceber como os índios presentes nesse território comportavam-se,
nos rituais cristãos, na qualidade de fregueses. Mesmo comentando alguns dos casos
que encontramos dentro das séries populacionais formadas a partir dos livros de
assento – para que não caíssemos, apenas, na armadilha do quantitativo –, os
resultados apresentados tinham caráter genérico. Isto porque eram os números, nesse
caso, que nos permitiram inferir determinados perfis dos fregueses de Santa Ana e,
dentre eles, da população indígena que habitava no seu território.
7 Sentimo-nos atraídos, dessa forma, a conhecer mais que apenas o que os algarismos
nos mostravam, mesmo quando olhávamos para as pessoas por trás deles.
Interrogávamo-nos acerca do que mudou na vida das populações autóctones que
sofreram os impactos do fenômeno da ocidentalização e viveram, no pós-Guerras dos
Bárbaros, nas ribeiras do Seridó e afluentes, imersas no mundo colonial que
gradativamente ia se construindo a partir do século XVIII. Um primeiro conjunto de
respostas, fomentado pela análise demográfica, nos tinha informado: a) da existência
de um pequeno contingente de índios vivendo junto aos outros grupos sociais na
freguesia, entre o fim do século XVIII e início do século XIX; b) de que alguns índios
desse período (mas, não todos) participavam dos rituais cristãos do batizado, do
casamento e do enterro, como “fregueses” de Santa Ana, adequando-se ao que estava
prescrito nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, mais importante texto
☝🍪
legislativo da cristandade estabelecida na América portuguesa no período colonial.
Entretanto, somente os assentos paroquiais e as estatísticas que eles proporcionaram
Cenão
sitenos
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respondiam satisfatoriamente.
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8 Precisávamos ir mais além, conhecer o cotidiano dos índios que viviam na freguesia
ceux que vous souhaitez
no período em estudo, suas estratégias de sobrevivência, a construção de laços de
activer
solidariedade com outros grupos sociais e, em última análise, a dinâmica dos processos
de mestiçagem. Em outras palavras, precisávamos conhecer o indivíduo – no nosso
✓ especificamente,
caso, Tout accepter o índio – na história. Uma preciosa fonte de inspiração para esse
nosso intento foi a leitura das obras dos historiadores Carlo Ginzburg6, Natalie Zemon
Davis7 e Giovani Levi8.
✗ Tout refuser
9 O exemplo desses estudos nos fez enxergar que seria necessário, para conhecer o
indivíduo que estamos perseguindo, reduzir a escala de observação nesse amplo
Personnaliser
território que é a Freguesia do Seridó, situada no sertão das Capitanias do Rio Grande e
Paraíba. de
Politique Deixamos de observar, assim, as estruturas territoriais da Freguesia de Santa
confidentialité
Ana e os perfis populacionais dos seus habitantes, partindo para esquadrinhar as
tramas e tensões das vidas de seus fregueses índios. Esse procedimento metodológico
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02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
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Tomé Gonçalves encontramos seis filhos do seu casamento com Maria Egipcíaca da
Silva – que, em alguns dos assentos, aparece como Maria Ciriaca da Silva. Pouco
sabemos a respeito dela, a não ser que era natural da Freguesia do Seridó e que, ainda
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no final do século XVIII, compareceu à Matriz de Santa Ana para dar sepultura aos seus
vous donne le contrôle sur
párvulos
ceux queJosé,
vousem 1789 (tinha, então, pouco mais de um ano)17 e Teresa, em 179218.
souhaitez
14 Outro filho, Manuel Pereira Raimundo, contraiu casamento em 1806 com Simplícia
activer
Maria, também natural do Seridó e filha de Joaquim José de Santa Ana e de Vicência
Pereira19, no mesmo ano em que Tomé Gonçalves e Maria Egipcíaca viram nascer a
✓ Tout
pequena accepter
Clara, batizada na Matriz de Santa Ana. Foi apadrinhada por Antonio Ferreira
Barreto, solteiro, e por sua mãe, dona Antonia Maria Cortês, moradores na fazenda
Pedra✗ Branca 20, vizinha à Suçuarana. Era nesta fazenda, situada a pouca distância da
Tout refuser
Vila do Príncipe e de onde se divisava a belíssima visão da colossal Serra do Samanaú,
que moraram Tomé Gonçalves e sua família.
Personnaliser
15 Não sabemos se Clara sobreviveu, já que, pelo menos nos livros da freguesia, não
encontramos mais seu nome nas relações posteriores. Mais de dez anos após o seu
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nascimento outra filha de Tomé Gonçalves e Maria Egipcíaca, chamada Florência Maria
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02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
do Norte, o algodão que era usado apenas “para a confecção dos tecidos de que se servia
a massa da população colonial”26 foi requisitado para suprir o mercado internacional. O
Ceresultado
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é que o algodão da colônia lusitana passou a ser cultivado em larga escala,
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sendo exportado para a Inglaterra através de Portugal. No Rio Grande, segundo Denise
ceux que vous souhaitez
Mattos Monteiro, a expansão do cultivo do algodoeiro trouxe desenvolvimento
activer
comercial para a capitania, além de haver diversificado a economia, até então quase que
centrada principalmente na atividade pecuarística27. As exportações decorridas desse
✓ Tout
surto algodoeiro começaram a cessar, todavia, decorrido o fim das guerras de
accepter
independência dos Estados Unidos, em 1783, quando a produção do algodão americano
voltou a ter o seu papel de abastecedora do mercado interno.
✗ Tout refuser
20 Tomé Gonçalves e também outros índios provenientes de lugares da Paraíba, do
Ceará e do próprio Rio Grande, assim, teriam migrado para a Freguesia do Seridó com
Personnaliser
a finalidade de plantio e coleta do algodão, que podia ser desenvolvido em pequenas
propriedades
Politique e através do trabalho livre, manifestado em diversas formas de
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arrendamento (o parceiro, o foreiro/arrendatário e o morador de condição)28. Os
inventários post-mortem da Comarca de Caicó não mencionam expressamente as roças
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02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
de algodão nos catálogos de bens, mas, indicam que havia, como afirmado
anteriormente, o seu cultivo para atender a uma “agricultura de auto-abastecimento”29.
Uma evidência disso, por exemplo, é a presença de um tear de fabricar tecidos de
algodão na lista dos bens da fazenda da Acauã, de Vicência Lins de Vasconcelos, em
178630, assim como a existência de um artefato dessa mesma natureza na fazenda Serra
Negra, sita na Ribeira das Espinharas, em 182231. Não podemos deixar, também, de
mencionar referências a fregueses que tinham dívidas a saldar com algodão em
arroba32 ou em pluma33, indicativo da importância do produto como moeda de troca no
sertão e, acima disso, como gênero de exportação da freguesia34.
21 Outro elemento que poderia ter influenciado a migração de Tomé Gonçalves seria a
fuga do controle do Diretório dos Índios. Mecejana, de onde se originou, era o antigo
aldeamento missionário de Paupina, erigido em vila em 1760, em decorrência do
conjunto da legislação pombalina de liberdade dos índios35. No âmbito de vilas como
Mecejana, a população indígena passava por um gradativo processo de condução até o
estágio de “civilizada”, quando era obrigada a trabalhar compulsoriamente, de
preferência para os colonos, com remuneração vil e a incorporarem a cultura ocidental,
especialmente a língua portuguesa, a religião católica e a residência em um espaço
planejado e monitorado pelos diretores. Ou seja, por trás da liberdade concedida aos
índios através da legislação exarada pelo Marquês de Pombal estaria um conjunto de
atitudes que cerceavam a maneira nativa de viver, sobretudo as práticas de
deslocamentos para a caça em terrenos fora da vila e de cultos cuja origem estava
assinalada antes da chegada dos missionários. Além disso, essas atitudes também
tinham como meta incorporar os índios no estatuto de vassalos de El-rei, o que
significava, em outras palavras, a obrigatoriedade de sua inserção no universo do
trabalho – fosse para manter sua própria sobrevivência, fosse para executar serviços,
nas vilas e fora delas, aos colonos, recebendo, por isso, miseráveis remunerações em
relação ao que era pago aos brancos36.
22 No Príncipe, erigido oficialmente em 1788, não existia a figura do diretor,
característica dos núcleos urbanos nascidos sob a égide da legislação pombalina, mas,
tão somente, as autoridades próprias de uma vila setecentista: o pároco, o capitão-mor,
o juiz ordinário e de órfãos e os vereadores que compunham o Senado da Câmara. Não
queremos afirmar, com isso, que, para as minorias sociais da época morar na Vila do
Príncipe ou nas suas redondezas fosse ter acesso a uma vida pródiga. As condições
eram semelhantes às que haviam em outras vilas coloniais, inclusive reguladas pelos
mesmos dispositivos legais. A diferença é que os índios que moravam na Freguesia de
Santa Ana não experimentaram a mesma coação que tinham que passar nas vilas do
diretório, em especial no que concerne ao trabalho. Pelo contrário, tinham como
alternativas trabalhar nas lides do criatório, na lavoura de subsistência (cultivada nas
chãs das serras) ou de exportação (a do algodão, expandida no fim do século) e ainda
em pequenos ofícios no tecido urbano, quando dispunham de habilidade para isso.
☝🍪
Nem sempre, todavia, os índios – naturais da freguesia e imigrados de outras plagas –
ajustavam o seu modo de vida ao ritmo acelerado do trabalho branco, recaindo em
Cesituações
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de pobreza, miserabilidade e errância.
vous donne le contrôle sur
23 Acreditamos que esta não foi a situação de Tomé Gonçalves, que constituiu família
ceux que vous souhaitez
com uma freguesa de Santa Ana – provavelmente índia – e morou na fazenda da
activer
Suçuarana, considerando, ainda mais, que exerceu um ofício remunerado na Vila do
Príncipe, o de porteiro do auditório do Senado da Câmara37. Na hierarquia dos cargos
✓ Tout
públicos coloniais,
accepterdiscutida por Arno Wehling e Maria José Wehling, o de porteiro
ocupava o setor inferior, junto com escrivães de meirinhos, contínuos, guardas-
menores, meirinhos das câmaras, patrões de escaler, guardas-marinhas, guarda-livros,
✗ Tout refuser
médicos, barbeiros e procuradores de índios38. Eram pré-requisitos gerais, para a
investidura de um cargo desses, ser “maior de vinte e cinco anos ou emancipado, ser
Personnaliser
mentalmente capaz, ser católico e pertencer ao sexo masculino”39, acrescidos de itens
mais específicos
Politique dependendo da habilitação a que se desejava.
de confidentialité
24 No caso de Tomé Gonçalves, acreditamos que o mesmo deveria ter algum
conhecimento, ainda que rudimentar, de aritmética – embora não soubesse ler e
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02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
escrever, assinando com uma cruz nos documentos – já que, ao porteiro de auditório,
no Príncipe, era imputada a função de cuidar dos pregões. Estes, determinados pelo juiz
ordinário e de órfãos, aconteciam quando era premente a necessidade de leiloar, em
público, bens – geralmente semoventes, incluindo escravos – para o pagamento de
dívidas que vinham à tona por ocasião da abertura de processos judiciais, a exemplo de
ações cíveis e inventários post-mortem. Dessa forma, é possível que Tomé Gonçalves
soubesse o básico das quatro operações matemáticas.
25 Revirando os papéis da Comarca de Caicó e os da Comarca de Acari encontramos
Tomé Gonçalves exercendo o ofício de porteiro do auditório em inventários de 1795,
1798, 1805, 1809, 1810, 1813, 1814 e 1822. Claro que não estamos diante de todos os
pregões que o índio participou em vida, mas, de fragmentos que apareceram em anexo
aos inventários post-mortem, dando conta das suas atividades no Príncipe. Um bom
exemplo de como ele atuava podemos extrair do arrolamento dos bens que ficaram pelo
falecimento do português José Ferreira dos Santos, da fazenda Picos de Cima, em
180540.
26 O inventário foi julgado por sentença de 08 de dezembro de 1805, do juiz Tomaz de
Araújo Pereira, tendo ficado separados escravos e gado para o pagamento de uma
dívida que o defunto tinha com um morador da Praça de Pernambuco. Em maio do ano
posterior (1806), na Vila do Príncipe, compareceu o citado credor, Bernardo José Lopes
de Morais, a fim de obter o pagamento do que lhe devia o defunto. Afirmou, em sua
petição, que a dívida de José Ferreira dos Santos, no valor de 331$263, era decorrente
de um ajuste que fizera com ele, em 1803, objetivando adquirir uma fazenda. O
pernambucano apresentou à Justiça, como testemunhas da formalização da dívida, três
homens brancos e casados: os capitães Manuel Antonio Dantas Corrêa (cunhado do
defunto José Ferreira) e Francisco Gomes da Silva (concunhado do defunto e natural de
Pernambuco) mais José Ferreira Barreto, esposo de dona Antonia Cortês –
coincidentemente, natural do Recife e madrinha de uma das filhas de Tomé Gonçalves
e Maria Egipcíaca no mesmo ano de 1806. Em função do requerimento de Bernardo
Lopes, foi feito o pregão público dos bens que haviam sido separados pelo juiz para a
quitação da dívida, objetivando sua venda para quem desse o maior lance.
27 O pregão aconteceu na Praça Pública do Pelourinho da Vila Nova do Príncipe, onde,
no período de 28 de maio a 07 de junho de 1806 o porteiro Tomé Gonçalves colocou os
bens em hasta, de dia à noite, na presença do juiz de órfãos, capitão Miguel Pinheiro
Teixeira, e do escrivão Manuel Pereira da Silva Castro. Nenhum interessado apareceu
nesses onze dias para adquirir as sete cabeças de gado vacum, cinco de cavalar e os três
escravos (Maria e Ana, crioulas, de 8 e 7 anos, respectivamente, além de Domingos, do
Gentio de Angola, que tinha 25 anos) cujo equivalente em dinheiro deveria ser pago a
Bernardo Lopes. Somente em 08 de junho ocorreu um lance – o primeiro e único – nos
bens, curiosamente, por um dos partidores que cuidou da repartição dos bens deixados
pelo defunto José Ferreira, o crioulo forro Caetano Soares Pereira de Santiago. Dado e
☝🍪
arrematado o rol de bens, Caetano Soares depositou a quantia de 333$800 em juízo no
dia 10 de outubro de mesmo ano, passando a ser possuidor, oficialmente, das reses,
Cecavalos
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e cativos, ao passo que o juiz expediu o pagamento da dívida a Bernardo
vous donne le contrôle sur
Lopes41.
ceux que vous souhaitez
activer
Considerações finais
✓ Tout accepter
28 O intuito deste artigo, anunciado nas páginas iniciais, era o de problematizar o
✗ Toutdas
fenômeno mestiçagens na Freguesia do Seridó, tema de nossa investigação de
refuser
doutorado, a partir de uma abordagem micro-histórica. Tomé Gonçalves, cujos passos
seguimos neste texto, é fragmento de uma realidade histórica mais ampla, através da
Personnaliser
qual podemos estabelecer algumas ideias, ainda que em nível de hipótese, acerca de
como se de
Politique processou o fenômeno das mestiçagens na Freguesia do Seridó. Antes disso,
confidentialité
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faz-se necessário que reafirmemos algumas posturas no que diz respeito à utilização de
uma abordagem micro-histórica.
29 A primeira diz respeito à questão da escala. Ao reduzirmos a escala de observação,
focando nossos olhares na história de vida de Tomé Gonçalves, não significa dizer que
estamos, apenas, tentando reconstruir a sua biografia. Nossa preocupação vai mais
além, pois, essa biografia (talvez fosse mais apropriado, nesse momento da
investigação, falarmos de fragmentos biográficos) se constitui enquanto uma
possibilidade através da qual podemos compreender a maneira como as mestiçagens se
processaram no Seridó no período em estudo. Esse através, a que nos referimos,
implica aceitarmos a ideia de que, mais que proceder a uma redução de escala, o micro-
historiador deve trabalhar com jogos de escalas, utilizando o micro para atingir o
macro e alternando entre essas duas lentes de observação. No prefácio à obra de
Giovanni Levi, Jacques Revel admoesta, a propósito, um dos cuidados que o micro-
historiador deve ter: o de não estudar o micro pelo micro, mas, de perceber diferentes
realidades a cada nível de leitura que empreende nos documentos compulsados, de
modo a “conectar essas realidades em um sistema de interações múltiplo”. Isto porque,
segundo o historiador francês, “Os acontecimentos são, naturalmente, únicos, mas só
podem ser compreendidos, até mesmo em sua particularidade, se forem restituídos aos
diferentes níveis de uma dinâmica histórica”42.
30 Disso decorre uma segunda atitude: a de que não devemos desvincular a abordagem
micro-histórica de uma análise que privilegie, também, a problematização do contexto.
Embora tenhamos a certeza de que é impossível reconstruir a realidade inteira por meio
de um fragmento – aqui, tomado como a trajetória de Tomé Gonçalves –, esse mesmo
pedacinho do passado pode nos fornecer algo da realidade social, dependendo da forma
como é analisado. A lição que Giovanni Levi nos proporciona é a de que o indivíduo,
historicamente, está ligado a uma realidade normativa. Por conseguinte, “toda ação
social é vista como o resultado de uma constante negociação, manipulação, escolhas e
decisões do indivíduo”, diante dessa mesma realidade marcada por normas e maneiras
de agir. A tarefa do historiador, nesse sentido, é a de “definir as margens– por mais
estreitas que possam ser – da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e
contradições dos sistemas normativos que o governam”43.
31 A história de vida de Tomé Gonçalves nos lembra outra postura: a de que a escolha de
sua trajetória individual foi feita não porque se trata de exemplo típico do período,
encontrado fartamente na documentação – senão, poderia ser, até mesmo, passível de
serialização. Sua vida, tomada enquanto fragmento da realidade, nos permite inferir
que o acesso ao conhecimento do passado, mediado por “indícios, sinais e sintomas”,
tem como ponto de partida a perspectiva do particular – “um particular que com
frequência é altamente específico e individual, e seria impossível descrever como um
caso típico”, usando as palavras de Giovanni Levi44.
Tomé Gonçalves, assim como o moleiro Menocchio, o camponês Martin Guerre e o
☝🍪
32
Berta Ares Queija e marcado por uma grande mobilidade espacial e étnica, trânsito
entre culturas e intermediação. O mestiço, para a autora, é pensado como:
☝🍪
de mestiçagens entre seus corpos e suas práticas culturais: os colonos luso-brasílicos, os
marinheiros vindos do reino, os africanos forros e escravos, os mestiços, os índios
Ceremanescentes
site utilise desdas guerraset
cookies de conquista.
38 vous A donne
ocidentalização, pois,
le contrôle surmesmo ao fraturar a organização pré-colonial das sociedades
ceux que vous
indígenas, souhaitezchance de sobrevivência por meio da mistura com outros
ofereceu-lhes
activer
grupos sociais, sem que deixassem de ser diferenciadas do restante da população, como
aconteceu com Tomé Gonçalves, agente mediador entre o mundo nativo e o mundo
ocidental.
✓ Tout accepter
✗ Tout refuser
Bibliographie
Personnaliser
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ceux
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Notes
1 Os reflexos da ocidentalização e da mestiçagem cultural fruto desse amplo processo estão
contidos em Gruzinski, 2001 ; 2003. A temática dos intercursos culturais entre povos de
diferentes origens, no Brasil, já encontrara refúgio na obra do historiador Sérgio Buarque de
Holanda. Referimo-nos a Caminhos e Fronteiras (Holanda, 1994), onde o autor discute a
proposta de aculturação tanto dos indígenas quanto dos portugueses. Essa atitude de aculturação
do europeu ocasionou-se, segundo o autor, devido ao meio hostil e inseguro que fez com que os
☝🍪
marinheiros (como eram chamadas as pessoas que vinham do Velho Mundo pelo mar)
renunciassem a uma vida nobiliárquica e sedentária, assimilando os usos e costumes indígenas
para sobreviver – o que acarretava um novo estilo de vida, mestiço, parte europeu, parte nativo.
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2 Copia
vous fiel do
donne leEdital do Rmo
contrôle surVizor Manoel Machado Freire, pelo qual se dividiu esta Freguesia
ceux que vous souhaitezde Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó ou Pombal em 15 de
de Santa Ana do Seridó, da,
abril de 1748. Arquivo da Paróquia de Sant’Ana de Caicó (APSC), Livro de Tombo da Freguesia
activer
da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (1748-1906).
3 Copia do termo de designação do lugar que foi achado mais cômodo para a ereção da nova
Matriz da Senhora Santa Anna, em 26 de julho de 1748, APSC, Livro de Tombo da Freguesia da
✓ Tout
Gloriosa accepter
Senhora Santa Ana do Seridó (1748-1906).
4 Estamos nos referindo aos trabalhos de Mattos, 1985. Dantas, 1996. Morais, 1999 ; 2004.
✗ Tout
Macêdo, 1998 ;refuser
2007. Araújo, 2003. Macedo, 2002.
5 Macedo, 2007.
Personnaliser
6 Ginzburg, 1987.
7 Davis, 1987.
Politique de confidentialité
8 Levi, 2000.
https://journals.openedition.org/nuevomundo/60824 11/14
02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
9 Levi, 1992 : 136. Giovanni Levi, nesse texto em que faz um balanço da micro-história,
caracteriza essa prática com as seguintes questões e posições, comuns entre seus utilizadores : “a
redução da escala, o debate sobre a racionalidade, a pequena indicação como um paradigma
científico, o papel do particular (não, entretanto, em oposição ao social), a atenção à capacidade
receptiva e à narrativa, uma definição específica do contexto e a rejeição do relativismo” (Levi,
1992 : 159). Diehl, 2002 : 162-5, aponta a micro-história como sendo a vertente da história social
mais desenvolvida, não chegando a superar ou a ser um novo paradigma historiográfico,
concentrando como características freqüentes o apego à narrativa e a tendência ao empirismo.
Henrique Espada Lima, em estudo mais recente acerca da micro-história, considera-a como
sendo detentora de quatro marcas principais : o tratamento intensivo e qualitativo das fontes ; o
estudo intenso sobre comunidades, grupos familiares ou indivíduos ; a combinação de fontes
seriais com outras tipologias de fontes ; e o método “nominativo” (Lima, 2006 : 62-3).
10 A fonte de inspiração metodológica desse procedimento é tomada de Faria, 1998,onde a autora
utiliza-se da prática da micro-história na análise de histórias individuais de diversos grupos
sociais e de sua mobilidade espacial e cultural nos Campos dos Goitacases no Período Colonial.
11 Diehl, 2002 : 171.
12 A metodologia de trato e coleta da documentação manuscrita foi balizada pelo método
indiciário, problematizado por Carlo Ginzburg, para o qual as fontes não se apresentam
enquanto janelas abertas, tampouco como muros fechados – mas, como elementos da realidade
marcados por indícios, sintomas, rastros. Esses sinais podem ser decifrados por meio de um
procedimento investigativo analítico e que envolva o cruzamento de discursos das mais variadas
naturezas, observados em fontes produzidas por diferentes instâncias sociais. A gênese do
método indiciário e sua emergência no âmbito das Ciências Humanas e Sociais encontra-se
discutida em Ginzburg, 1989. Ver, acerca de como as fontes de aparelhos repressivos (sobretudo,
a Inquisição) podem ser utilizadas pelo historiador, a partir dos indícios deixados, Ginzburg, 1/21
(São Paulo, 1990/1991) : 9-20.
13 Sobre a escravidão indígena na América Portuguesa, conferir Monteiro : 1994.
14 Dado o limite de páginas deste texto, deixamos de cruzar e discutir outros casos individuais de
índios e mestiços que tiveram lugar na Freguesia de Santa Ana do Seridó, a exemplo das histórias
de Anastácio e Domingas, Mateus de Abreu Maciel e Policarpo Carneiro Machado. Para verificar
o alcance da abordagem micro-histórica em relação a esses indivíduos, consultar Macedo, 2007,
especialmente o Capítulo 4.
15 Auto de arrematação da mulatinha Ana e da cabrinha Teresa, 1812. Laboratório de
Documentação Histórica (LABORDOC), Fundo da Comarca de Caicó (FCC), 1º Cartório
Judiciário (1ºCJ), Série Temática dos “Diversos” (DIV), Caixa 1, Cód. Folhas esparsas de
inventários, vol. 1º, diversas épocas.
16 Pregão de bens nas ruas públicas da Vila Nova do Príncipe, sem identificação, 1812.
LABORDOC, FCC, 1ºCJ, DIV, Caixa 1, Cód. Folhas esparsas de inventários, vol. 1º, diversas
épocas.
17 Livro de Enterros nº 01 (LE nº 01), p. 3v., Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó
(FGSSAS), APSC.
18 LE nº 01, p. 28v., FGSSAS, APSC.
19 Livro de Casamentos nº 01 (LC nº 01), p. 128v., FGSSAS, APSC.
20 Livro de Batizados nº 01 (LB nº 01), ficha 625, FGSSAS, APSC.
21 LC nº 02, p. 145-145v., FGSSAS, APSC.
☝🍪
22 LC nº 02, p. 166-166v., FGSSAS, APSC.
23 Estamos nos referindo à fazenda Suçuarana que ficava nas proximidades da Vila do Príncipe, a
julgar pelos registros comentados acima localizarem as cerimônias na Matriz de Santa Ana.
CeExistia
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outra fazenda de mesmoet nome, desta feita, localizada na Ribeira do Seridó, onde hoje fica
vous donne le contrôle sur
o município de Parelhas. Encontramos dois registros no livro mais antigo de enterros que são de
ceux que vous
moradores souhaitez
dessa outra fazenda Suçuarana : o de Manuel, com oito dias de nascido, filho de José
Antonio dos Santos
activer e Damiana Maria, sepultado em 1804 na Capela do Acari (LE nº 01, p. 101v-
102, FGSSAS, APSC) e o de outro Manuel, de um ano, filho de José e Antonia, sepultado na
Capela da Conceição em 1812 (LE nº 02, p. 6, FGSSAS, APSC). Esses dados confirmam nossa
afirmação supra, vez que as capelas do Acari e da Conceição localizam-se geograficamente bem
mais✓próximas
Tout accepter
da fazenda Suçuarana cujos contornos pertencem, na atualidade, a Parelhas. Os
moradores da fazenda homônima, próxima da Serra do Samanaú – Tomé Gonçalves e sua família
–, até mesmo pela distância, praticavam seus ritos na Matriz de Santa Ana do Seridó.
✗ Tout refuser
24 LE nº 01, p. 28v., FGSSAS, APSC
25 LEPersonnaliser
nº 01, p. 32v., FGSSAS, APSC
26 Takeya, 1985 : 25.
Politique de confidentialité
27 Monteiro, 2000 : 102. A autora considera, a propósito, que a “pequena produção de açúcar dos
engenhos litorâneos do Rio Grande, durante todo o período colonial e até meados do século XIX,
destinou-se muito mais ao mercado interno do que à exportação para o exterior”.
https://journals.openedition.org/nuevomundo/60824 12/14
02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
28 Monteiro, 2000 : 103.
29 Monteiro, 2000 : 101.
30 Inventário de Vicência Lins de Vasconcelos, 1786, LABORDOC, FCC, 1ºCJ, IPM, Caixa 02 –
1775-1789.
31 Inventário de Manuel Pereira Monteiro, 1822, LABORDOC, FCC, 1ºCJ, IPM, Caixa 08 – 1822.
32 Inventário de João Ferreira Godinho, 1799, LABORDOC, FCC, 1ºCJ, IPM, Caixa 03A – 1798-
1799.
33 Escritura de hipoteca que fazem Manuel Lopes Roraima e sua mulher Verônica Lins de
Vasconcelos, na Serra dos Canudos, de uma dívida de 33 sacas de algodão em pluma a João
Machado da Costa, Comarca de Caicó (CC), Livro de Notas nº 02 (LN nº 02), 1792-1799, p. 28.
34 Mappa dos preços correntes na Parochia da Vila do Principe no mez de Janeiro e no ano de
1802, por Cipriano Lopes Galvão, LABORDOC, Fundo José Augusto Bezerra de Medeiros
(FJABM). Esse mapa, que estabelece um perfil dos gêneros exportados, importados e consumidos
na freguesia, indica que no ano de 1802 a arroba do algodão exportado variava de 4$000 a
5$500. Cifra que aumentou, em 1810, para o intervalo entre 5$500 e 6$000 (mapa publicado por
Medeiros Filho, 2002 : 175-6).
35 Silva, 2002 : 91-9.
36 A respeito da implantação do Diretório dos Índios no Brasil verificar Moreira Neto,
1988.Domingues, 2000. Almeida, 2003. Especificamente para a Capitania de Pernambuco e
anexas consultar Pires, 2004. Azevedo, 2004.Silva, 2002. Lopes, 2005.
37 Trata-se de cargo que, embora vinculado ao Senado da Câmara, exercia atribuições da Justiça
Pública, vez que, no Antigo Regime, eram tipicamente indiferenciadas as atribuições legislativas,
judiciárias e executivas (Vainfas, 2000 : 17). As atribuições do cargo de porteiro estão previstas
nas Ordenações Filipinas (Ordenações Filipinas, Livro Primeiro, Título LXXXVII, 1).
38 Wehling & Wehling, 2000 : 151.
39 Wehling & Wehling, 2000 : 151.
40 Inventário de José Ferreira dos Santos, 1805, Comarca de Acari (CA), Inventários post-
mortem (IPM), Maço 01, Processo nº 14.
41 Alguns elementos desse auto de arrematação nos fornecem a medida de como as relações entre
índios, negros e brancos eram complexas na Freguesia do Seridó nos tempos coloniais.
Observemos, assim, dois fatos infreqüentes para a região, até onde chega o nosso conhecimento.
O primeiro deles : a pessoa que estava oficiando o pregão do gado e dos cativos, o índio Tomé
Gonçalves, teria, treze anos mais tarde (1819) um escravo (o pardo José Ferreira) como genro.
Outro : o crioulo forro Caetano Soares Pereira Santiago, que em outros documentos judiciais
aparece como pardo e negro, sendo possuidor de escravos. Acreditamos que se tratasse de uma
pessoa com certa visibilidade na Vila do Príncipe, já que a documentação o menciona, repetidas
vezes, como sacristão e como pessoa que vive da arte de pintar. Reservemos essa problemática,
todavia, para estudos futuros.
42 Revel, 2000 : 35. O debate acerca do uso das escalas na micro-história é levantado pelo autor
do prefácio em Revel, 1998. Carlo Ginzburg também comunga dessa necessidade de diálogo entre
o micro e o macro, justificando-o como necessário, até mesmo, como componente que norteará a
narrativa historiográfica (Ginzburg, 2007 : 276-7).
43 Levi, 1992 : 135. Esse mesmo posicionamento quanto à necessidade de um procedimento
dialógico entre o micro e o macro, na análise micro-histórica, é reivindicado por Barros, 7/7
☝🍪
(Catalão, 2007) : 170-1.
44 Levi, 1992 : 154.
Ce45 Aqui
site entendido
utilise des partindo-se
cookies etda problematização levantada por Ares Queija & Gruzinski, 1997.
vous donne
46 Ares le 1997 :
Queija, contrôle sur
p. 37-8.
ceux que vous souhaitez
47 LE nº 02, p. 145, FGSSAS, APSC.
activer
48 LE nº 03, p. 25, FGSSAS, APSC.
49 Esse jogo de expressões utilizadas para definir a população não-branca encontra-se no bojo da
política colonial de controle dessas mesmas populações. Esse controle passava, assim, pela
✓ Toutdeaccepter
construção novas categorias sociais (ou, no limite, ao “ressurgimento” de antigas categorias no
contexto da Ocidentalização), que o historiador John Monteiro chama de “marcadores étnicos
✗ Tout
genéricos” – citando
refuser“carijós”, “tapuias” e mesmo “índios”. Expressões essas que, além de
responderem às estratégias de assimilação dos não-brancos, “buscavam diluir a diversidade
étnica, ao mesmo tempo [que] se tornaram referências importantes para a própria população
Personnaliser
indígena” (Monteiro, 2001 : 58-59).
50 Gruzinski, 2001 : 110.
Politique de confidentialité
51 Holanda, 1994.
https://journals.openedition.org/nuevomundo/60824 13/14
02/05/2022 08:47 Sobre mestiçagens numa freguesia do sertão da América portuguesa: o caso do índio Tomé Gonçalves da Silva
Auteur
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
Doutorando em História, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, Bolsista CAPES,
heldermacedox@gmail.com
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