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Ainda, conforme Diegues Júnior (idem), aonde chegava, o elemento colonizador lançava logo
as sementes da cana. “Era como grude para fixá-lo, e aos que o acompanhavam, na terra a
ser conquistada” (p. 26). Foi assim na conquista do Cabo de Santo Agostinho, na das
Alagoas, na da Paraíba, na do Rio Grande do Norte. Tal conquista se fez pelo litoral, às
margens dos rios, sem penetração ocidental; este litoral, cuja monotonia de terras era
quebrada pelas águas de rios e riachos, era o habitat propício ao desenvolvimento da
economia açucareira. “Na fertilidade de sua terra massapê, estava a riqueza cobiçada: o
açúcar” (p. 26).
Diegues Júnior (2012) se refere à invasão portuguesa como conquista. Assim ele diz: “A
conquista, nessa direção, começou através das terras do Cabo de Santo Agostinho e se
iniciou no grande movimento de represália dos colonizadores contra os Caetés, em virtude
da morte do bispo Sardinha” (p. 33). Sobre o ocorrido, Moreno Brandão, em 1909 (2015, p.
58), detalha:
Por esse tempo foi a Capitania de Pernambuco rijamente abalada pela guerra de extermínio
promovida contra os Caetés, por terem estes trucidado e comido o bispo D. Pero Fernandes
Sardinha, que, tendo- se desavindo com D. Duarte da Costa, segundo governador-geral,
seguiu para Lisboa a queixar-se ao rei. [...] Pereceram muitas, salvando-se, contudo, 98, que,
avançando para Pernambuco, foram supliciadas pelos selvagens.
Tal acidente gerou todo um movimento da parte dos colonizadores que, apoiados por tribos
adversárias, atacaram os Caetés, um povo com, aproximadamente, oitenta mil pessoas.
Metade dessa população fugiu para os sertões de Pernambuco, Ceará e Maranhão; vinte a
trinta mil foram escravizados e os demais Caetés foram mortos nos grandes enfretamentos
(Carvalho, 2015). Segundo relata Alfredo Brandão (2005, p. 15), “os vencedores mostraram-
se mais selvagens que os próprios índios. O incêndio das tabas, o genocídio, o ferro em
brasa na face, tudo foi posto em prática pelos que se diziam civilizados”.
Citando literalmente o Diegues Júnior (2012, p. 34), “batidos os índios do Cabo, foram as
terras divididas e iniciaram-se as plantações de cana e os engenhos de açúcar”, incluindo-se
nesta tropa o fidalgo alemão Cristóvão Lins, primeiro colonizador das Alagoas que, para
Dirceu Lindoso, em sua obra seminal Formação de Alagoas Boreal (2000), tratava- se de um
“emérito degolador de índios pitiguares” (p. 25-26). Assim,
Neste seu ofício de degolador e destruidor de tribos indígenas desde a foz do rio Goiana até
o rio Manguaba não mediu trabalhos, e pelo reconhecimento pelos seus serviços de
colonizador das terras de Porto Calvo requereu [...] o cargo de alcaide-mor da vila de Porto
Calvo, o que lhe foi concedido (p. 26).
Cristóvão Lins é o tronco da colonização alagoana, povoador da região portocalvense, na
qual construiu cinco engenhos de açúcar, além de mais dois em terras, hoje
pernambucanas, do Cabo de Santo Agostinho. Assentou seu foco de domínio na área de
Pirapama e o Santo Antônio Grande, sendo que sua sesmaria ocupava todo o Norte do hoje
estado das Alagoas, daí irradiou a construção dos engenhos de açúcar.
Conforme conta Verçosa (2006), junto com Cristóvão Lins, existem registros de outros
senhores de engenho na região de Porto Calvo por volta de 1630, todos parentes daquele
sesmeiro. “Bem ao estilo da região” (p. 39), a ocupação do território constituía-se, assim, em
um empreendimento familiar, com grupos entrelaçados por laços de parentesco, sendo
Cristóvão Lins, tio de Rodrigo de Barros Pimentel, o qual, por sua vez, se casará com a neta
de Cristóvão Lins, num processo endogâmico que dará à família quase dois séculos de
controle sobre a região.
Cabe aqui ressaltar a indicação do Verçosa para a formação de uma cultura de exploração
do território a partir do núcleo familiar, realidade que deixou marcas na sociedade alagoana,
especialmente no litoral Norte alagoano. Além do povoado de Porto Calvo (litoral Norte de
Alagoas, à época, Sul de Pernambuco), havia ainda o povoado de Alagoas marcando
presença na área lagunar (ao centro), e Penedo (ao sul), que surgiu como um arraial
fortificado tanto para evitar o comércio com os franceses e garantir a fronteira no São
Francisco, como para combater os índios (Carvalho, 2015). Esses três povoados foram
elevados à categoria de vila em 1636 com os nomes de: Bonsucesso (Porto Calvo), Santa
Maria Madalena das Alagoas do Sul (Marechal) e Penedo do rio São Francisco (Costa,
1983).
Faz-se necessário mencionar, também, que, em virtude das riquezas ali produzidas, os
conflitos se (re)produziam, como a guerra contra os holandeses durante três décadas e a
revolta do Quilombo dos Palmares que durou mais de seis décadas, os quais impediam a
expansão do domínio português, mas exerciam domínio sob outro mando.
Ainda, neste período a colônia vivia, como todo império espanhol, sob o controle de um
governo fanático e absolutista, com apoio da Inquisição, numa situação na qual “não havia
justiça, nem liberdade” (Cintra, 1933, p. 75). Nela, o brasileiro não podia abrir escolas,
inexistia o direito de viajar, de ter ou receber livros, de professar outra religião que não a
católica, de fabricar tecidos, do exercício autônomo das profissões manuais ou demandar
judicialmente os governantes.
Lindoso se distingue de Diegues Júnior, tendo em vista que este, seguindo uma perspectiva
culturalista, paradigma fundante de suas ideias (2012, p. 38), ele diz que, a partir da
colonização:
Mais adiante (p. 47), o autor reafirma seu entendimento sobre “democracia” quando indica o
senhor de engenho como representante de um tipo aristocrático criado pela economia
canavieira que, todavia, pôde desenhar, “uma sociedade de feições democráticas, oriundas
dos contatos inter-humanos com os elementos chamados ou considerados inferiores: o
indígena ou o negro”. Tal “democracia” se realiza, segundo ele, por meio do “intercurso
sexual com a mulher indígena [...] e mais tarde se misturava com a negraria das senzalas,
multiplicando a filharada natural ao lado dos filhos legítimos”. O autor ainda busca justificar
tal hábito “democrático” informando que os filhos legítimos eram resultantes de
casamentos arranjados por conveniências sociais ou interesses econômicos, os quais,
inclusive, “de modo nenhum perturbou a existência da democratização étnica e social; dos
contatos continuados
entre os homens da casa grande e as mulheres das tabas indígenas ou das senzalas,
principalmente as da senzalas” (p. 49).
O tipo luso-brasileiro que saiu desse contato, o mulato, é que veio, mais tarde, a implantar-se
como figura representativa dessa democratização, já o sendo, aliás, da sua etnia nordestina,
num ambiente em que nem de longe houve qualquer vislumbre de preconceitos raciais, se
bem que houvesse os de classe. Ao contrário: o que se verificou, sob todos os aspectos, foi
a mais perfeita compreensão nascida da interpenetração dos elementos humanos e, através
deles, das condições de cultura. (grifo nosso)
Os trechos citados seguem com grifos em função do uso de termos cunhados a partir de
juízo de valor e distanciados do seu sentido literal – no caso da “democracia”, mas
carregados de uma ideologia que deixou marcas na sociedade alagoana até a atualidade. O
uso de eufemismos tais como “contatos continuados” para se referir às relações sexuais
forçadas constantes existentes entre o senhor de engenho e as mulheres sob sua tutela
denota a aceitação da hierarquização sociocultural e econômica vigente, da superioridade
do branco sobre o indígena e o negro, do homem sobre a mulher, do rico sobre o pobre: a
opressão e a supressão de liberdades como fato social.
Vale ressaltar que Diegues Júnior se apresenta como homem do seu tempo, contemporâneo
do Gilberto Freyre que ao prefaciar a obra – O banguê nas Alagoas (1949 – 2012) tece crítica
à aquele por não ter enfatizado o sistema de relações patriarcais, no qual, “a tendência
dominante foi para o escravo sentir-se membro da família de que era escravo, a ponto de
identificar-se com os seus sentimentos, sua linguagem, seus gestos, seus deuses
domésticos, suas devoções e seus símbolos” (p. 11). Para Freyre, o patriarcado no Brasil,
“não só tornou o senhor dependente do escravo e o escravo dependente do senhor como
criou entre senhor e escravo, nos dias normais e não apenas nos de guerra, sentimentos de
solidariedade mais de uma vez superiores aos da classe ou da raça de cada um daqueles
elementos” (ibidem).
Tais afirmações não encontram eco em Lindoso (2000) que em sua análise comparativa
entre as sociedades penedense e porto-calvense, diz: “o boi sendo um elemento de
democracia pastoril. A cana-de-açúcar sendo um elemento de autoritarismo agrário”. Na
sociedade porto-calvense, a vida social já surgiu polarizada entre casas-grandes e as
senzalas; sociedade em cujo cume social estava a aristocracia agrária de brancos
possuidora de fortes instrumentos de violência social. Em oposição a Diegues Júnior e
Freyre, Lindoso diz: “a miscigenação nesta sociedade foi feita de modo compulsivo, e de
cima para baixo, tendo por
vítima a mulher negra, a mulher índia e a branca pobre. [...] A fala dela é a fala da violência
contra o homem subalterno e as mulheres vítimas” (2000, p. 40 – 41).
Dois estilos urbanos de geografias diferentes, que formaram dois tipos de sociedades
diferentes. O modelo penedense, com o planalto que o cerca em direção ao sertão, se forma
a partir de um círculo de colonização que se expande numa sucessão de círculos
concêntricos centrífugos, caracterizados pela expansão do pastoreio sobre os planaltos
sertanejos. O modelo porto-calvense, ao contrário, é formado por um grande círculo de
sentido centrípedo, que aglutina os diversos pontos de colonização espalhados numa
morraria de matas e extensões baixas de brejos alagados em torno da colina fortificada.
Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário não sofria réplica, tudo se fazia consoante
sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía um organismo
completo e que, tanto quanto possível, se bastava a si mesmo (Holanda, 2014, p. 94).
Chama-se a atenção para a informação que o Lindoso (2000) apresenta quanto aos
indivíduos que formaram a base da aristocracia rural, quase toda ela estrangeira: os
portugueses Alburquerque, os Baptista, os Fernandes, os Castelo-Branco, os Bezerra, os
Vieira, os Calaça e os Vasconcelos. Holandeses como os Van der Lei ou Vanderlei;
poloneses como os Uchoa; alemães como Linz ou Lins; italianos como os Accioly ou Accioli;
sérvios, como os Estanislau ou Stanislav; belgas, como os Mavignier; espanhóis, como os
Fernandez ou Fernandes. Tais famílias foram se entrelaçando, a princípio pela endogamia
nas famílias até chegar àquilo que Diegues Júnior (2012) chama de “endogamia da região”,
já citado por Verçosa (2006) anteriormente.
20 Assim Diegues Júnior se refere aos colonizadores. Para ele “a conquista desta região se deu sob a chefia de
elementos moralmente sadios [...] gente toda da melhor qualidade na colônia”. “[...] era,
igualmente, de bom tipo étnico, de boas feições antropológicas” (2012, p. 37-38).
e até entre regiões, núcleos familiares que tenderão, de um modo geral, a pensar a dinâmica
política e social a partir de interesses particulares e de grupos (Verçosa, 2006).
Assim, a imobilização dos dois recursos básicos – terra e trabalho – como condições
indispensáveis para a reprodução do sistema plantation, forneceu as condições ideais para
esse tipo característico de relação social que, a partir do engenho, foi tecendo os laços de
submissão não apenas do escravo, mas também do trabalhador livre, fundamentais para a
compreensão da DTT ainda hoje presente na dinâmica socioeconômica da região. Segundo
Tenório & Dantas (2009, p. 12), o monopólio da atividade canavieira sobre o uso do solo,
impactou fortemente sob a perspectiva ambiental e, sobretudo, no plano social: a cana-de-
açúcar “formou uma sociedade hierarquizada, de castas, escravista, senhorial, de traços
feudais, que influencia nossas vidas até hoje”.