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https://www.scielo.br/j/topoi/a/vzpJfgrkJsGbTCny6zpqqYt/?lang=pt&format=pdf
Foram poucos os de Ordens Sacras, que vieram para as Minas, atraídos pelo estado de
miséria da região. Quando o número de pessoas na região aurífera excedeu as condições de
vida razoável, a fome levou o homem às últimas conseqüências, seguiram-se a desnutrição
também as doenças. Pelos caminhos se encontravam pessoas desfalecidas morrendo à
míngua. Uma minoria religiosa, principalmente os franciscanos, tratou de dar atendimento à
essas camadas, fazendo construir os hospícios1 e os albergues, mas não como conventos e sim
como pouso e hospedagem para recolhimento dos doentes e irmãos da mesma ordem. Aos
poucos esses rudes estabelecimentos foram adquirindo nas Minas, as mesmas características
dos hospícios em Portugal no século anterior, dando origem às Casas de Caridade.2.
No entanto sem atenderem as normas das Constituições primeiras
Mas, no governo do Conde de Assumar as ordens religiosas regulares, – os Jesuítas, os
Franciscanos e Carmelitas foram proibidos de entrar na Capitania das Minas Gerais e,
somente alguns jesuítas puderam fazê-lo, porém com ordens reais. Os conventos e mosteiros
não puderam ser erguidos na região, pois a Coroa não via com bons olhos a presença do clero
regular na região. Entendia que esses religiosos representavam um importante papel de
fomentação nos choques e manifestações contra o poder real, suspeitando que fossem também
responsáveis pelos desvios do ouro e dos diamantes para fora das capitanias. A alegação
oficial era de que os frades de diversas ordens [eram] levados pelo espírito do interesse e, não
do bem das Almas. Além disso, muitos [...] se fizeram mineiros (mineradores) e se ocuparam
em negociações e em adquirir cabedais por meios ilícitos, sórdidos, e impróprios do seu
Estado, e diante de tais situações, que segundo a coroa portuguesa era considerada uma
desordem obrigaram Sua Majestade a decretar que não seria mais permitido o
estabelecimento de Casas Religiosas, dentro dos limites dela [Capitania de Minas Gerais], à
exceção dos Hospícios da Terra Santa ( RAPM,V.II, p. 448- 584).

Os Jesuítas nas Minas do Ouro no Primeiro Quartel do Século XVIII

Maria da Graça Menezes Mourão

PREPES-PUC: 2009

Belo Horizonte
1 Os dicionaristas portugueses citam o hospício como casa em que se hospedam e tratam pessoas pobres sem
retribuição.
2 O primeiro hospício nas minas, de que se tem notícia surgiu em São João del-Rei por volta de 1712.
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2009

Sumário

1-Introdução................................................................................................................ .03
2-O contexto das Minas e os religiosos sem casas conventuais ..................................04
3- Identificando os jesuítas Antônio Correia e José Mascarenhas ...............................10
4- A ação dos dois jesuítas em Minas Gerais no primeiro quartel do XVIII ...............17
5- Conclusão..................................................................................................................24
6- Referências ...............................................................................................................27

1- Introdução

O objetivo desse paper é identificar a ação dos jesuítas na Minas Colonial desde o seu
princípio até o aparente sossego dela no governo de D. Lourenço de Almeida (1721-1732),
isto é, depois das três primeiras décadas do setecentos. Assunto que chamo a atenção para um
aspecto crucial: a escassez das referências bibliográficas e documentais sobre o assunto. Por
mais que se pesquise, esta recai sobre a figura de dois únicos missionários nas Minas Gerais
dentro do recorte especificado: os padres Antônio Correia e José Mascarenhas, citados pelo
padre Serafim Leite. Portanto, objetivo, numa tentativa, compor um quadro histórico
compreensivo da ação desses inacianos no conturbado contexto da formação administrativa da
Minas do Ouro, período esse, para o qual quase não se encontra produções acadêmicas, e as
existentes, privilegiam o período pombalino, posterior ao quartel em questão.
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Procurando reconhecer nas parcas fontes a ação dos jesuítas – Antônio Correia e José
Mascarenhas – que não pode ser compreendida senão situada na época conturbada em que a
Metrópole procurava sob todas as formas exercer controle sobre uma avalanche heterogênea,
com emoções as mais variadas possíveis nas vilas de mineração, especificamente, Vila Rica e
Ribeirão do Carmo.
Se a ação dos jesuítas no Brasil colonial ainda se encontra em estudos permanentes, o que
se dirá do período proposto na Minas Colonial, descartado por não ter colégio nem convento,
como se essa fosse única fonte para se obter o conhecimento sobre a atuação inaciana. Mas,
assim como a ação missionária dos padres inacianos variava de acordo com as circunstâncias
históricas que permearam o Brasil Colonial, em Minas também fizeram uso do recurso das
Missões, modalidade usada nas cidades de maior população da Europa. O “modo de proceder”
dos inacianos foi marcado pela improvisação e pela criação de práticas que, em muitos
sentidos extrapolavam princípios norteadores, como os de Trento, cujo exemplo foi a quebra
do sigilo da confissão com os indígenas. Mas, situações como a criação de uma Residência no
Ribeirão do Carmo, similar de uma casa de bê-á-bá de aldeia jesuítica, como aconteceu no
início da formação dos colégios, possibilitaram antever na Minas Colonial um ponto marcante
da ação jesuítica.
A outra questão que versa o assunto é a respeito do tratamento teórico-metodológico.
Uma pesquisa sobre a presença dos jesuítas na Minas Colonial até aproximadamente 1730
exige como recurso as fontes primárias como matéria prima a serem trabalhadas. As cartas dos
jesuítas, organizadas pelo Pe. Serafim Leite, em que dois tomos da coleção “História da
Companhia de Jesus no Brasil” fazem relatos a respeito dos dois inacianos em questão, são as
únicas fontes conhecidas. Porém, se as cartas se esgotam nesses termos, é necessário conceber
ou postular uma posição entre a objetividade e subjetividade, pois as fontes não falam por si,
são vestígios, testemunhos que respondem às perguntas que lhes são apresentadas. A partir
dessa premissa, em sendo estas fontes capazes de nos levar aos únicos contatos possíveis com
o passado, o assunto estenderia muito além do que foi feito dentro do rigor próprio do
conhecimento histórico. As questões então seriam várias: como usá-las para compor o quadro
histórico que pretendo? Como ler nas entrelinhas de tais cartas? A ação dos jesuítas nas Minas
corresponde à ação que eles tiveram em outras partes do Brasil Colonial? Considerando a
situação atípica dos primórdios da Minas Colonial, um caldeirão de forças antagônicas, as
modalidades que os jesuítas propuseram realmente extrapolaram o que lhes era costumeiro
praticar? “Se ficarmos obcecados pela árvore é possível que não enxerguemos o bosque”.
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Diante da escassez de dados informativos, ousei usar das investigações de Curt Lange, no
campo da música, para encontrar o resultado da atuação jesuítica entre os escravos negros na
Minas Colonial no recorte proposto. Assunto para uma pesquisa de porte, com a mensuração
de aspectos quantitativos, como o levantamento do número de negros e pretos forros com
conhecimento das primeiras letras, cujo recurso que ora me ocorre seriam os primeiros livros
das irmandades, principalmente as do Rosário, de São Benedito e Santa Efigênia.
Outra investigação possível seria saber se pela aprendizagem dos costumes jesuíticos no
recurso da procissão, os escravos poderiam conservar e transpor tal conhecimento por tradição
ao Triunfo Eucarístico. Refiro-me a uma pesquisa sobre a presença negra na organização das
festividades do traslado do Santíssimo Sacramento da Igreja do Rosário para a Igreja do Pilar
em Vila Rica, onde esteve depositado durante a reforma da matriz.
Enfim, com relação às fontes primárias, é importante que eu investigue também a carta
que a população do Ribeirão do Carmo dirigiu ao provençal solicitando a permanência dos
jesuítas nas Minas, o que de fato ocorreu, assunto do qual dá notícia, o próprio Serafim Leite.
E quanto ao padre José Mascarenhas, que se manteve em visita às Minas durante quase todo o
governo de Dom Lourenço de Almeida e outros dois posteriores, qual seria a sua atuação na
Residência?

2-O contexto das Minas e os religiosos sem casas conventuais

Expulsões, proibições, suspensões, coibições, interditos, impedimentos, controle, todo


esse vocabulário de medidas restritivas nominou e caracterizou as primeiras décadas dos
setecentos da Colônia Brasileira, no sentido de resguardar as minas descobertas no sertão,
além do Taubaté. Para o Ribeirão Tripuí e adjacências dirigiu-se uma população heterogênea,
de todas as condições: ‘homens e mulheres; moços e velhos; pobres e ricos; nobres e plebeus;
seculares, clérigos e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm, no Brasil,
convento nem casa’ (Antonil, 1967, p. 167).
Os clérigos – último segmento da citação de Antonil – se tornaram “os quebradouros de
cabeça dos governantes”, principalmente do Conde de Assumar que chegou às Minas com
medidas que seriam seriamente discutidas por eles. Eles se viram denunciados como os
elementos que mais contribuíam para o descaminho do ouro, descritos por um anônimo como
‘uma grande multidão [...] que sobe às minas, e [...] sobre não quintarem o seu ouro, [os
frades] ensinam, e ajudam os seculares a que façam o mesmo (Anais da Biblioteca Nacional,
vol. 57 (1935).
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Estes frades provinham de diversas ordens religiosas, e fazendo passar por seculares se
fizeram mineiros ‘ocupando-se em negociações e em adquirir cabedais por meios ilícitos,
sórdidos e impróprios do seu estado. Abandonando suas casas ou conventos relaxaram nos
seus costumes e não observando os institutos de suas comunidades entraram logo a perturbar
a vida dos povos, aconselhando-os a não pagarem ao rei os direitos que lhes eram devidos a
ponto de se tornarem os principais chefes do levante de Minas (COELHO, in RAPM, 1903, p.
447-451).
Por essas razões, desde 1709, D. João V(1707-1750) ordenara ao governador Antônio
Albuquerque de Coelho Carvalho que desse apoio ao bispo do Rio de Janeiro e ao arcebispo
da Bahia na prisão e despejo dos clérigos ociosos existentes no território das Minas.
Pretendia-se com isso a redução do número deles, o suficiente para garantir apenas o corpo
eclesiástico necessário ao socorro das almas na área de mineração. O espaço das Minas
passou então a ser preparado pela administração portuguesa para ali se estabelecer uma
política fiscal que o governador cuidou de estruturar dotando-a de uma organização municipal
e judiciária com a formação de três Comarcas, a de Vila Rica, a do Rio das Mortes com sede
em São João Del Rei e Comarca do Rio das Velhas, em Sabará, cuja outorga foi feita no
governo de D. Braz Baltazar da Silveira. Coube a ele, governando a partir de 31.08.1713, a
difícil tarefa de ‘completar a pacificação iniciada e a disciplinação da cobrança dos “quintos
do rei”, ou seja, os 20% de ouro cobrado mediante a apresentação do metal extraído, dedução
esta feita pela Real Fazenda’. (Carrato, 1963, p.17).
Nessa questão dos direitos reais residiu a origem das desavenças entre a administração
das Minas e os religiosos, embora houvesse legislação sobre o assunto. A primeira lei que
regeu os descobertos das Minas foi a Carta Régia de 15.08.1603, que seguia os ditames mais
antigos das Ordenações do Reino: ‘achando uma pessoa uma vêa (veia, veeiro) o fará saber ao
juiz do lugar, que irá ver com o Escrivão da Câmara para registro no livro competente, dando-
se certidão’ (Tít. XXXIV, § 2º. do Código Filipino, in Código Filipino ou Ordenações e Leis
do Reino de Portugal).
O Barão Eschwege conta que a Carta Régia de 1603 permaneceu sem execução cerca de
cinquenta anos. Tornou-se pública somente em 1652 e em 4.10.1659 foi mandada executar
para a minas que se descobriram em São Paulo (Eschewege,1979, p.24, v.1). Além de
pertencer ao foro externo das leis decretadas pelo rei esse direito também pertencia ao foro
interno, isto é, obrigação de consciência, cuja doutrina era amparada por teólogos, como o
jesuíta Francisco Suarez, grande moralista do século XVI, ensinando que os impostos pagos
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aos reis e príncipes por suas propriedades e rendas delas eram tributos reais naturais fundados
na mais estrita justiça:
porque se cobram de coisas próprias dos ditos príncipes, aos quais foram dados para sua
sustentação; e lhes a deram aos seus vassalos com a obrigação de lhes pagarem impostos ou
pensões; são leis dispositivas e morais e, não puramente penais (embora admitam pena entre os
contraentes); e, consequentemente, estas leis obrigam em consciência a pagar tais tributos e
pensões inteiramente, espontaneamente, e sem diminuição alguma, ou engano, ainda que não se
peçam porque são devidas de justiça comutativa, que traz consigo esta intrínseca obrigação, se não
houver pacto em contrário (Suarez, Francisco, in De Legibus Ac Deo Legislatore, Libri X
Coimbra 1613 1.5,cap.13, no. 2, in Código Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal).

No Brasil, Antonil legislou esse assunto para a Coroa Real, escrevendo ‘que pagar o
quinto do ouro que se tiram das minas do Brasil era dever para com El Rei, constituindo um
dever de consciência e que a lei feita para assegurar a cobrança deles, não é meramente penal,
ainda que traga anexa a cominação de pena contra os transgressores; mas, é lei dispositiva e
moral e que obriga antes da sentença do juiz em consciência’. Ele o distinguia das sansões
penais contidas no regimento da mineração de 19.04.1702 que puniam ‘os defraudadores com
a pena de degredo e perda da fazenda. Tratava-se de um contrato entre el-rei e os vassalos, que
el-rei os governe e os súditos os sustentem com os tributos e pensões’ (Antonil, 1967,p.101-
102).
Mesmo assim, muitos mineradores, principalmente os religiosos, sob a alegação de que a
lei dos quintos era simplesmente penal, não queriam considerar-se ‘em consciência obrigados a
pagar os direitos reais’. Para eles o quinto do ouro era uma taxa, um imposto e não um direito.
Os religiosos, em favor daqueles que se diferenciavam dos grandes potentados do ouro
entendiam essa cobrança como um grande ônus e, a população colonial reivindicava e lutava
pela manutenção do que era costumeiro. Num desses casos, os oficiais da Câmara de Vila do
Carmo reconhecendo a legitimidade da atitude dos amotinados, baseados nos costumes,
solicitaram à Câmara de Vila Rica interceder junto ao Ouvidor-Geral para que fosse concedido
perdão aos sublevados (ATA de 20.05.1713. Atas da Câmara de Ouro Preto de 20.05.1713 in
RIHGB, 1927, p. 270-273).
No momento desses questionamentos surgia a ruptura do costumeiro entre o rei e o
vassalo, acordos estes implícitos no quadro dessas relações, sendo o não cumprimento deles,
motivo para os motins e sedições nas Minas. Sobre estas situações, Anastásia, esclarece que
os descontentamentos provinham do descumprimento desses acordos estabelecidos entre a
população e as autoridades, [...] os quais geravam expectativas de procedimentos justos por parte da
Coroa em sintonia com os privilégios pessoais internalizados pela população. As revoltas, -
derivadas do aumento de impostos, do estabelecimento de contratos de gêneros de primeira
necessidade, do abuso de poder pelas autoridades, etc. tomaram a forma de motins marcados pela
tradição, calcados na suposição de que não estavam sendo respeitados os privilégios que os seus
atores acreditavam ter (Anastasia, 2007) in Direito e Motins na América Portuguesa).
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Uma dessas primeiras situações que bem mostra o abuso de poder das autoridades se deu
quando D. Braz Baltazar da Silveira enviou o mestre-de-campo dos auxiliares, Damião da
Silveira, em cujo cargo estava o governo da Comarca do Rio das Mortes, para ‘prender os
escravos do Padre Bento morador na Lagoa Dourada e remetê-los a parte onde eu estiver por
convir assim ao serviço de Sua Majestade. A carta inclusa lhe remeterá v.m fazendo cobrar
recibo que remeterá ao Secretário deste governo, para constar nele que lhe foi dada esta carta.
Deus guarde a v.m. Ouro Preto, 16 de dezembro de 1713 anos. D. Braz Balthazar da Silveyra’
(RAPM,1933,Cód.no.9SCSG-fl 04).
E imediatamente ele mandou uma ordem para o religioso: ‘Logo que vós padre receber
esta minha carta tratareis de ir dispondo de seus bens e, efeitos para sair fora das terras deste
governo dentro de três meses, o que vós padre executareis sem duvida alguma e não o fazendo
determino proceder contra vós Padre na forma das ordens de S. Majestade. Deus guarde a vós
padre. O. Preto 16.12.1713 anos. D. Braz B. Silveira (RAPM, 1933.Cód.no.9SCSG-fl04).
Com tais medidas e outras que sucederam a D. Braz espalhava-se um rastilho de pólvora
que a qualquer hora teria o estopim aceso. Minas, que ficara sem governante por logo tempo
com a saída apressada de Antônio de Albuquerque para expulsar os franceses do Rio de
Janeiro, foi encontrada ‘em grande quietação, sem embargo, de haver tanto tempo que
estavam estes povos sem governador’ (RAPM,1933,cód.4, fls 187v.).
Reunindo os ouvidores gerais das comarcas, D. Braz Baltazar expôs as ordens reais, em
cuja junta, diga-se de passagem, se encontrava o jesuíta Frei Jerônimo Pereira. Seguiu-se um
longo período de negociações3, sabidamente orientado pelos religiosos inacianos que
culminou com D. Braz aconselhando ao Rei que fosse mais comedido para não levar as Minas
à ruína.
Apresentaram-lhe uma contraproposta pela qual os mineradores se dispunham a arcar
com 30 arrobas de ouro pelos quintos de um ano. Essa taxa foi finalmente ratificada em
06.01.1714, regulando-se a forma da sua arrecadação. Recusada pelo Rei que novamente
insistiu a sua posição através de Carta Regia de 16.11.1714, estabelecendo que uma tributação
de 12 oitavas de ouro para cada escravo. Em 13.03.1715 ainda se discutia a questão
oferecendo-se vinte e cinco arrobas sobre as trinta já acordadas, mas as ordens do Rei eram
taxativas. D. Brás pressionou as Câmaras para que aceitassem a cobrança por bateias e
conseguiu sua concordância com o pagamento das doze oitavas por escravo, o que ficou
ajustado em termo feito na Câmara de Vila Rica, em 15.03. 1715. Porém, o ajuste de
15.03.1715 logo caiu por terra, pois os moradores do Morro Vermelho, hoje Caeté, termo de

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Vila Nova da Rainha, Sabará não aceitaram o acordo e levantaram-se em motim,


reivindicando isenção do tributo para os povos das minas. Preocupado com o movimento que
avançava para Vila de Sabará, Vila Rica e Vila do Carmo, o Governador suspendeu a medida
e retornou ao ajuste do pagamento das trinta arrobas de ouro anuais. Nesta ocasião, D. Brás
informou ao Rei que, se insistisse no estabelecimento da nova taxa, ‘provocaria uma geral
sublevação. Escrevendo ao rei em 28.03.1715 ele falou ‘da sua mágoa [...] de não poder dar a
execução das ordens de [Sua] Majestade sobre o pagamento dos quintos ser por bateias... E a
Francisco de Távora o governador comentou sobre a exigência real que se fizesse praticar
nestas minas a cobrança dos quintos por bateias [...] sem embargo de todas as diligências que
[fez] a este respeito não pôde persuadir [os] moradores a que aceitassem esta forma de
cobrança; e como de persistir nela poderiam originar-se algumas inquietações muito contra o
sossego deste governo, a execução por não arriscar [as] minas à última ruína...’ (confere carta
do gov. 23.04.1715. APM. SC Códice SG 09 fls. 39-40).
O Rei acabou acatando os conselhos de Dom Braz Baltazar, concedendo, em 4.03.1716,
perdão aos revoltosos e afirmando que ele agira corretamente ‘em sossegar esses povos ao
deixar de executar as ordens para se cobrarem os quintos por bateias e em que se continuasse
com a forma estabelecida e assentada com todos os povos em trinta arrobas de ouro por ano’
(Carta Régia 28.03.1715. APM. Seção Colonial. Códice SG 04 fls. 396 a 398).
No entanto, as medidas não foram suficientes para o sossego dos povos, principalmente
os religiosos, pois uma Carta Régia de D. João V, em 12.11.1715, regia sobre a expulsão dos
que vagavam pela capitania com grandes escândalos (Biblioteca Nacional de Lisboa, Divisão
de Reservados, Coleção Pombalina Cod. 643 fl 29-29v. in Boschi,1978).
Para conter a onda de desmandos nas Minas, optou-se por um governo militar, indicando
o Conde de Assumar para manter a ordem entre os mineiros e garantir as rendas da Coroa. A
sua instância, foi que, em 1719, os dragões de infantaria, compondo a primeira tropa de linha,
pisaram o território mineiro, trazendo os primeiros canhões transpondo as escarpas da Serra
do Mar do Caminho Novo até a Vila do Ribeirão do Carmo. Intento que conseguiu através de
suas observações durante o percurso da sua jornada, asseverando por carta que existiam vários
caminhos e muitas veredas. Por isso mesmo insistia com o soberano, dentre outras medidas,
para que o registro da Serra do Iguaçu retornasse para o rio Paraíba, o único a possuir barcas,
porque só deste modo se evitaria que alguma pessoa passasse do Rio de Janeiro para as Minas
com negros e fazendas, e, assim tudo iria ter à casa do registro. A seu respeito e este assunto,
Feu de Carvalho considerando-o ‘inteligente, preparado e perspicaz, com o tirocínio de que já
tinha de governar, não deveria ignorar a utilidade das estradas francas que são as veias do país
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por onde se desliza a seiva do progresso; porém naquela época e nas colônias essencialmente
minerais [as estradas] eram nocivas, inconvenientes, deveriam, portanto, ser evitadas por
múltiplas razões, entre elas as que o grande titular apontava. No entanto, reputava que o
distrito do seu governo permitiria o uso da cavalaria para nele se levantarem duas tropas de
sessenta cavalos sobre o que já se tinha pronunciado ainda no Rio de Janeiro, depois de se ter
bem informado de pessoas fidedignas que cursavam aqueles caminhos’ (Feu de Carvalho,
1931, p.6,10 e11).
O governo do Conde de Assumar, que chegou às Minas em 1º. 11.1717, foi marcado por
uma série de medidas contra os religiosos que ali viviam sem ligações diretas com suas
comunidades ou casas conventuais. Em 12.05.1718, o Conde reclamava a ‘Antônio de Moura
Coutinho quanto aos frades inquietadores do povo, e pede para escrever-lhes por seu
intermédio e se não cumprirem as determinações do governo, que execute contra eles as
ordens inclusas’. Em 02.06.1718, ao Frei Joseph de Santa Rosa, repreendia, dizendo que ‘a
sua petição não estava de acordo com o ajustado com Antônio da Fonseca sobre os escravos’.
Censura tal proceder de um religioso e diz que ‘em razão de procedimento como este é que o
rei proibiu a permanência de religiosos nas Minas, os quais são perturbadores das justiças’.
Pede-lhe que lhe ‘remeta o homem (o mulato nos Penteados, referindo-se à Mata do Cego,
entre Patafufo e Mateus Leme) com Francisco Gurgel para que se cumpra o ajustado, sob
pena sob pena de sair das Minas dentro de 24 horas, sendo os seus bens arrecadados para
serem remetidos às sua religião, destinados a quem tiver direito a eles’
(RAPM,no.24.1933p.458,461). Da Vila Real de Sabará expede ordem para que seja
regularizada a tributação dos clérigos e seus negros para que aqueles regrem a sua vida dentro
do âmbito do seu ministério, sob pena de serem expulsos das Minas (RAPM,
no.24.1933p.461).
Numa instrução de 28.07.1718 o Conde de Assumar proíbe a permanência de religiosos
adventícios em Pitangui, istoé, sem casa conventual, tal como um peregrino e, diz que as
pessoas que vierem estabelecer-se ali devem tirar sesmaria para possuir terra. No dia 4.08 do
mesmo ano trata da lista que mandou levantar dos seculares e dos escravos dos eclesiásticos
( RAPM,no.24.1933p.468 -469).
Em 12.11.1718 ordena ao carmelita Frei João Freire e Frei Miguel da Encarnação da
ordem de São Bento e ao juiz Ordinário da Vila do Príncipe, caso não cumpram as ordens que
lhes mandou, prenda-os e mande-os a sua presença com toda aquela decência devida ao seu
caráter. Na sequência, no dia 13.11.1718 expede uma ordem aos mesmos para que venham a
sua presença imediatamente. No final do mês no dia 28.11.1718 ao vigário da Vara de Sabará,
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contra o padre José Mascarenhas que venha a sua presença sob pena de tomar severas
medidas a respeito (RAPM, 1933, 513-514).
Após um ano, com a situação insustentável, o Conde de Assumar fez um balanço de seu
governo e desabafou com o bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei Francisco de São Jerônimo,
dizendo que “era preciso ter muita paciência para governar as Minas”.
Reiterou o mau procedimento do vigário da vara de Sabará mancomunado com o Padre Miguel
Mascarenhas complicando ainda mais a situação de Pitangui. Falou das cavilações do Vigário de
Vila Rica. Referiu-se a uma frívola representação do visitador Antônio Pestana Coimbra. Disse
que lhe remeteu o intrigante Padre João Veles envolvido no caso da morte do Padre Manoel dos
Anjos Cardido. Aludiu aos concubinatos, cizânias, teimas, ódios e licenciosidade em que
pretendiam viver os eclesiásticos, para os quais – supôs – não há lei, nem rei, nem bons costumes.
Pediu providências (RAPM, 1933, 514).

Ao arcebispo da Bahia, o jesuíta D. Sebastião Monteiro da Vide, o Conde de Assumar


também reiterou suas reclamações, em 15.12.1718:
[...] que entre as pensões que fazem penoso este governo a quem quer que o ocupe, não é menos
onerosa a de sofrer os eclesiásticos dele. Prossegue a dizer que a princípio julgou excessivas as
medidas régias ordenadas para expulsão deles, mas agora que está a par de como eles vivem acha
que tais medidas são muito brandas. Narra o caso das excomunhões dadas pelo padre Antônio
Curvelo ao povo que não se dispôs levantar-se contra a criação de uma vila em Papagaio. Historia o
caso e pede punição para o dito padre rebelde que é vigário em Matias Cardoso (RAPM,1933,517).

Os problemas do Conde não pararam por aí. Em 22.12.1718 ao Dr. Manuel Mosqueira da
Rosa, ouvidor da Comarca de São João Del Rei recomenda que por certos motivos, mande
retirar daquela vila (Vila Rica) o seu filho padre Frei Vicente Botelho, bento, conforme ordem
que deu ao tenente general Manuel da Costa Fragoso, cuja liberdade ele a concede em
19.01.1719 (RAPM,1933,518).
O início do ano de 1719 vai encontrar o Conde de Assumar preocupado com as devassas
que mandou fazer para apurar as vozes sediosas de Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues
Soares e em Caeté ao provedor do ano anterior Francisco Pereira da Silva. Além de torná-lo
um homem ainda mais amargurado com a notícia em 24 de janeiro da morte de seu filho em
Lisboa. Junto a devassa de Manuel Nunes Viana ocorre o levante de negros aos quais ele
estabelece um paralelo, em face do regime adotado, entre os negros na Martinica e da
Abissínia por Luis XIV e o que vinha acontecendo na América.
As ocorrências em Pitangui são as gotas que faltavam para lhe excederem os nervos,
concorrendo para a dose avultada de exacerbação no trato da sedição de 1720, envolvendo a
queima do morro e da casa de Pascoal Guimarães e a execução de um português sem junta da
justiça.
Em meio a esse ambiente de conturbação convivia diretamente com ele em seu palácio
dois jesuítas e Minas pôde viver algumas das modalidades do modo de proceder inaciano.
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3-Identificando os jesuítas Antônio Correia e José Mascarenhas

No geral, no Brasil, os jesuítas foram os grandes propagadores da fé, - uma combinação


entre o Estado e a Igreja. Foram também primeiros mestres e exímios mercadores. Desde o
século XVI, a Companhia de Jesus já era uma organização universal. Com um sólido espírito
hierárquico o jesuíta tinha consciência de que nos lugares onde se encontrava principalmente
nas novas terras de missão, ele era um súdito da Coroa Portuguesa. Com sua política de
instrução – uma escola, uma igreja –, edificaram templos e colégios nas mais diversas regiões
da colônia, constituindo um sistema de educação e expandindo sua pedagogia através do uso
do teatro, da música e das danças, “multiplicando seus recursos para atingir à inteligência das
crianças e encontrar-lhes o caminho do coração” (AZEVEDO, 1943, p.290).
Nesse empreendimento evangelizador, o mérito da sua obra era não ter método4, pois
contanto que não se desviasse da norma geral que lhe foi traçada de procurar a glória de Deus
e a salvação do próximo, pode e deve adaptar-se ao caráter e aos usos dos povos que lhes são
confiados e, neste intuito, serve-se de todos os meios lícitos que julgam mais a propósito para
a sua evangelização, segundo Padre Américo de Novais (in SERRANO, 1968, p.103-104).
No entanto, não se pode atribuir a eles, somente o caráter escolástico que lhes era
peculiar. Às suas ações, os jesuítas impuseram uma racionalidade mercantil por necessária
sobrevivência, própria do contexto de expansão comercial, política e religiosa da sociedade
portuguesa. Muito antes das Minas serem descobertas, os jesuítas tinham domínio do
conhecimento de suas veredas em razão de seus objetivos que não os de formação de
aldeamentos. Cumpria-se nesse mister algumas das modalidades do modo de como
procediam: a catequese indígena volante à qual se aliou a pesquisa mineral pelo sertão a
serviço da coroa portuguesa e a mercantilização das drogas do sertão que lhes davam suporte
para seus empreendimentos de doutrinação e criação de colégios. Além desses, praticavam na
América o que já faziam na Europa quando saíam em missões pelas cidades. A maior
evidência desse tipo de atuação e o único do qual encontramos documentação, embora não
4 Tal “modo de proceder”, contido na Ratio Studiorum (1599) regras pedagógicas escritas pelo geral Padre
Cláudio Aquaviva, se tornou ponto notório do ensinamento inaciano; o conversatio, - o modo das pregações nas
missões era adaptado (accomodatio) segundo as necessidades, circunstâncias e às características do aprendiz.
Essa acomodação, - fruto da relação teológica entre o conteúdo da pregação e a forma como os missionários
procuravam não apenas explicar, mas também “mover” e comover seus interlocutores, se tornou a práxis jesuítica
de grande força evangelizadora por mais de dois séculos no mundo inteiro. As palavras, os gestos, a teatralidade,
a música, as procissões, a exposição da liturgia, tudo o que os jesuítas propunham estava estreitamente ligado ao
conteúdo que queriam comunicar. Eram instrumentos destinados a tornar evidente aos seus aprendizes a verdade
e a beleza do cristianismo (Colombo, 2007, Memorandum,12, 152-154. Retirado da www.fafich.ufmg.br).
14

suficiente para o que se pretendeu realizar, se deu com os inacianos padres Antônio Correia e
José Mascarenhas que estiveram nas Minas, durante o conturbado governo do Conde de
Assumar, em cuja comitiva veio o primeiro deles em dezembro de 1917, aos 61 anos de idade,
com larga experiência teológica e das agruras do sertão. Acompanhou D. João de Lencastro às
Minas de Salitre do Rio São Francisco em 1701 e talvez por tais conhecimentos,
acompanhasse o governador.
O jesuíta José Mascarenhas nasceu cerca de 1679, no Rio de Janeiro. Entrou para a
Companhia aos 15 anos a 2.05.1694, fazendo a profissão de fé, solenemente em São Paulo, a
29.05.1712, recebendo-a Estanislau de Campos. Foi professor de Filosofia no Colégio de São
Paulo e de Prima no Rio de Janeiro, onde faleceu a 9.03.1747. Era filho do juiz ordinário de
Pitangui, Manuel Figueredo Mascarenhas, assassinado durante os motins daquela vila, onde
também moravam seus dois irmãos clérigos seculares, os padres André de Figueredo
Mascarenhas e Miguel Mascarenhas que se envolveu em questões de desagrado do Conde de
Assumar. Através de uma carta endereçada ao geral da Ordem em 20.05.1720, ele comentou
que foi para as Minas por ordem da obediência, para missionar, segundo o costume da
Companhia, onde tomou por companheiro o Padre Antônio Correia. Foi louvado em Carta
Régia pela sua ação benéfica em Minas Gerais, no período agitado em que lá esteve. Foi
missionário na Ilha Grande de Angra dos Reis, em cujos anos evangelizou junto com o Padre
Frei Marcelino da Encarnação, religioso de N. Sra. do Carmo, informação colhida através de
um atestado que fez sobre o referido frade, em Ilha Grande dos Reis, 21 de abril de 1726
(LEITE, 1945,VIII,p.356 e 357).
Embora, Serafim Leite afirmasse que tão logo o jesuíta leu no colégio de São Paulo no
triênio de 1716 a 1719 (sic), ele seguiu para as Minas (LEITE, 1945 VI, p.401), a afirmativa
não procede, pois nelas ele já se encontrava em 28.11.1718, na companhia do vigário da Vara
de Sabará contra o qual o Conde de Assumar despachou a seguinte ordem:

Padre João Vaz Ferreira caso prossiga o seu procedimento


agitando em Pitangui por intermédio do padre José Mascarenhas uma
questão do seu interesse que poderá inflamar ainda mais os ânimos do
povo ali amotinados, quer que se ponha a isso um termo e que o Padre
José Mascarenhas venha á sua presença sob pena de tomar severas
medidas a respeito (RAPM, 1933, 513-514).
15

Certo tempo em Pitangui, outro em Sabará, em julho de 1719, o Padre José Mascarenhas
se encontrava na Vila de São José, hoje Tiradentes. O Desembargador Rafael Pires Pardinho,
de São Paulo, acusa recebimento de uma carta sua nessa data e envia-lhe outra em agosto do
mesmo ano elogiando o admirável mapa feito por ele com informações das pessoas práticas (
com funções de trabalho, o contrário de ociosas) e diz que isto o faz desejar que os paulistas
em grande número não fossem entrando mais pelo sertão pra que os padres castelhanos da
Companhia não desalojassem com facilidade, informação que merece ser analisada em todo o
seu contexto (RAPM,1981,p.575).
Mas enquanto isso, o irmão do jesuíta, o Padre Miguel Mascarenhas juntamente com
outro, o Padre Domingos Marques Cabral iniciaram perturbações no Caminho de
Pitangui5envolvendo a população em sublevações. Através do Brigadeiro João Lobo, o conde
encaminhou cartas aos dois. Ao primeiro, o Conde escreveu de forma mais branda, apelando
para a amizade que tinha com o irmão jesuíta:

Não posso deixar de me admirar que hum irmão do Padre Joseph


Mascarenhas, de quem sou tão amigo ande por este paiz envolvendo
os povos em perturbações e escandalizando a todos com hum
procedimento muy alheyo de hum Ecclesiástico, porém como me não
posso persuadir de todas as noticias que me chegão peço prudência e
que não seja necessária segunda advertência (FEU de CARVALHO
1931: 43).

Ao padre Domingos Marques Cabral, o conde escreveu de forma punitiva, afirmando que
[...] por justos motivos dos serviços de s.mag.[sua majestade] he muito conveniente que V.M.
[Vossa Mercê] se abstenha de entrar na Vila de Pitangui e seu districto, o que aviso V.M.
advirtindo-lhe que ao Brigadeiro João Lobo de Macedo, tenho dado ordem o não consinta
aly e fio de V.M. uzará nesta materia com tal prudência que não seja necessária segunda
advertência. Deos guarde a V.M. muitos annos (FEU de CARVALHO, 1931: 43).
Junto com estas cartas, escritas ao mesmo tempo em 4.11.1718, foi repassada ao
Brigadeiro a seguinte instrução:
[...] se o padre Mascarenhas não obedecesse, seria pessoalmente
advertido pelo próprio Brigadeiro para o fazer cumprir, mas se de
5 Termo que utilizo para indicar os núcleos de povoados existentes entre o Morro do Mateus Leme e a Vila de
Pitangui, no primeiro quartel do dezoito (in Raizes de Pará de Minas, uma historia às margens do Paciência, ed.
Lutador,2005).
16

todo o não quisesse, o Brigadeiro estaria autorizado a prendê-lo e


este seria remetido preso ao Bispo. Mas por se tratar de um clérigo,
este procedimento deveria ocorrer [...] sem opressão, salvo no caso
de resistência da parte do padre, porque nesses casos, não se deveria
guardar meio termo. Além disso, recomendou ao regente Brigadeiro
[...] que não admitisse em Pitangui ordem alguma do Vigário da Vara
de Sabará, sem que aquela matéria viesse resolvida pelo Bispo e que
não aceitasse apelação e que chegasse até ao Juiz dos feitos da
Coroa, se ele necessitasse. O brigadeiro poderia remeter presos ao
Conde, todas as pessoas que fossem revoltosas, por força do cargo
que exercia e assim deveria proceder, uma vez que fossem contra o
serviço real independente de aditamento ao regimento. [...] E se
necessário, usaria força da Ordenança, pedindo ao Cel. José Correa
de Miranda que lhe fornecesse vinte e cinco soldados da cavalaria
com um capitão do seu districto (FEU de CARVALHO, 1931, p.45 e
62).

Queixando-se ao Brigadeiro João Lobo de Macedo, o Conde de Assumar reclamava que


sempre havia notícias da vila, porque quando aqueles moradores sossegavam por um lado,
os de fora procuravam envolvê-los em tumultos. [...] Que aquela vila parecia ter-lhe tomado
a sua conta, por sempre haver nela quebradouros de cabeça (FEU de CARVALHO, 1931, p.
58).
Para evitar maiores complicações em Pitangui e para seu governo não se ver envolvido
com o Juízo Eclesiástico, o conde mandou baixar o bando seguinte:

D. Pedro de Almeida, por urgentes razões do serviço de S.


Majestade e quietação dos moradores do distrito de Pitangui, e
convir muito que nenhum dos ditos moradores venda a sacerdote
algum, secular ou regular, os seus bens a saber, Engenhos, Lavras de
ouro, Água para minerar, Matos, Capoeiras e Roças sem me fazer
saber e ter para isso consentimento meu . Ordeno e mando a todos os
ditos moradores de qualquer qualidade que sejão que de nenhua sorte
vendão a quaesquer sacerdotes seculares ou regulares nehuns de seus
bens como Engenhos, Lavras de ouro, Água para minerar, Matos,
17

Capoeiras e Roças ou outra quaslquer fazenda sem licença minha sob


pena de quem as comprar, perderá as ditas fazendas e quem as
vender, perderá a metade do seu valor, da qual se aplicará a quarta
parte para quem o denunciar, a outra para a fazenda real e as duas
restanntes para as obras pias, e para que venha a noticia de todos, o
mando publicar ao som de caixa, e este se registrará nos livros da
Secretaria do Governo, nos da Camra da Vila de N. Sra. da Piedade
de Pitanguy e nos mais a que tocar. Vila do Carmo 2 de dezembro de
1718. D. Pedro de Almeyda (RAPM, 1933p. 513).

Vê-se, portanto, que as medidas tomadas cerceavam por todos os lados a presença dos
religiosos nas Minas, principalmente os que não tinham casa, isto é, não se encontravam
ligados a um convento e sem missão, viviam de minerar.
Quanto ao jesuíta mais idoso, o Padre Antônio Correia era natural do Rio de Janeiro e,
em 13.06.1675, aos 19 anos de idade entrou para a Companhia de Jesus, onde faleceu em
19.08.1727, com 71 anos de idade. A seu respeito, o Padre Serafim Leite colheu algumas
informações e lançou-as em sua obra que, se concatenadas poderão estruturar algumas
impressões sobre este jesuíta, que emolduram a conjuntura que emergia nas Minas. Numa de
suas cartas ao padre Geral da Companhia de Jesus, em 25.05.1720, o Padre José Mascarenhas
relatou o trabalho do Padre Antônio Correia, o que mais uma vez reforça que a ação jesuítica
desses dois missionários nas Minas era de inestimável valor.

Não posso calar quanto o padre Antônio Correia tem feito com o
seu exemplo, e sã doutrina, tanto em público, pregando, como em
particular, aconselhando. Homem de vida austera, pelo seu zelo e
santa conversação, adquirira para si e para a Companhia nome
venerável e imortal (ARSI Bras. 4, 202. in LEITE, 1945, p. 193).

Mal José de Mascarenhas terminara de enviar ao seu superior essas notícias alvissareiras,
Minas entra noutro efervescente clima de assuadas.
[...] pouco mais de um mês depois daquela carta, a 28 de junho
de 1720, surgiram novas perturbações, que como as primeiras
tiveram origem na regulamentação do oiro contra os desvios do
contrabando, medida de caráter legal e fiscal semelhante a muitas
18

outras em todos os países civilizados, incluindo o Brasil, antes e


depois da Independência, como postulado necessário da vida
orgânica civil, sem a qual é a anarquia e a desagregação social. Os
amotinados “passaram aos paços do Conselho, onde fizeram em
pedaços os livros da provedoria da Fazenda. Escreveram uma carta
sediciosa ao Governador, que sem força para os submeter,
contemporizara, declarando que não procederia contra eles. Eles,
porém, longe de se submeter, no dia 2 de julho prenderam os
membros da Câmara de Vila Rica e os conduziram para o Ribeirão
do Carmo. E dali exigiram ao Governador, que se não tratasse mais
de casas de fundição”, com outras exigências e cláusulas, de que
falam quanto se ocupam deste episódio, que não pertence à historia
da Companhia de Jesus, senão numa tentativa de paz, que teria
mudado o rumo dos acontecimentos se tivesse sido atendida. E foi que
no dia primeiro de julho, véspera do atentado contra a Câmara, um
dos padres da Companhia, em nome do governador e a seu pedido,
tentou levar a bem os amotinados e mostrar-lhes o inconveniente a
que se expunham com os tumultos, “e que se tinham algum
requerimento que fazer às ordens de S. Mag. o fizessem por modo
comedido e usado dos povos, qual é dos procuradores das Câmara.
Eles, sem admitirem razão, deixando outros modos de impropério
com que trataram a este Religioso) o quiseram represar, metendo-lhe
armas aos peitos”. Não consta qual fosse, dos dois padres, o que
tentou esta mediação pacífica. Antônio Correia tinha sido Professor
de Filosofia no Colégio de Olinda e conhecia a ruína que foi a guerra
entre Olinda e Recife alguns anos antes. Se foi ele, teria querido
evitar a Minas guerra civil semelhante, destruidora e sangrenta
(LEITE,1945,VI,p.194).

Realmente, não foi o Padre Antônio Correia o intermediador do Conde de Assumar, mas
sim o Padre José Mascarenhas. O que, porém, dado ás circunstâncias, os dias e noites os quais
os dois se encontravam envolvidos na trama e urdidura do governador, não deixaria de afetar
cristã e emocionalmente o venerando jesuíta. O bastante para nele aflorar uma incessante
depressão mantendo-o sempre na cama, sem vontade de andar, que o consumiu até poucas
19

horas de sua morte, quando se dirigiu à Capela da Enfermaria pedindo para comungar por
viático. Depois, recolhendo-se ao quarto, nesse mesmo dia expirou, sem agonia,
placidamente. Sua amargura ou consternação, que nos parece de modo sobejamente
expiatório, não o deixaram se valer dos conhecimentos que possuía, pois era conhecedor de
coisas de medicina. Do imenso trabalho, nos quatro anos que esteve nas Minas e do muito
que padeceu, veio a contrair uma “diuturna moléstia de tristezas” (LEITE,1945,VI,p.195).
Não era para menos. O temor, o da subversão que pulsa sob o motim, não assombrava
somente o governador. O convívio diário dos jesuítas com um eminente “barril de pólvora”,
não deixava de ser estressante, nível que culmina quando os inacianos se tornam co-autores
com o próprio Conde do Discurso Histórico e Político sobre a sublevação que nas Minas
houve em 1720. Papel ambíguo o vivido nas Minas pelos dois missionários, convivendo com
a população oprimida que deles esperava confiança e concordância, tendo que andar, segundo
os passos do governador para não perderem a oportunidade única de trabalhar com aquelas
almas. Tal ambiguidade também se prendia às atitudes do Conde de Assumar que proibia a
entrada do clero regular nas Minas, mas mantinha os jesuítas. Uma questão meramente
política tê-los por perto, sob seus olhos. De uma forma ou de outra, eles estariam entre os
mineiros, realizando a doutrinação, na medida em que monopolizavam a instrução na Colônia.
Vigiá-los, garantia a governabilidade das Minas e o interesse da Corte Portuguesa.

Segundo os princípios políticos defendidos pelos jesuítas,


consagrados nas chamadas teorias corporativas do poder, todo
soberano, cujo governo ganhasse contornos tirânicos perdia a sua
legitimidade. Nesses casos era lícito à população se levantar contra
os monarcas e, em casos extremos, seria admissível até mesmo
atentar contra a vida do rei. Foi a crença nesses princípios
defendidos e apregoados pela Companhia de Jesus que levou parte da
população mineira a atacar a pessoa do rei e a defender os jesuítas,
fosse verbalmente, fosse mediante “papéis sediosos” [...] (CATÃO,
2007, p.670 in As Minas Setecentistas, v.2).

Depois de desbaratada a sedição de 1720, da execução sumária de um homem branco,


Felipe dos Santos, sem junta da justiça, o Conde de Assumar teve os jesuítas sob controle e os
fez assistirem no palácio. Transformou-os em justificadores e defensores de sua reação
20

punitiva, em face da necessidade de impor um “castigo exemplar” que de fato garantisse a


defesa da ordem e o temor do povo à Coroa portuguesa (VAINFAS, 2001,p.134).
Duas cartas, escritas pelo Conde de Assumar logo após o levante ressaltam a sua
preocupação e o envolvimento dos jesuítas. A primeira delas, datada em 13.01.1721, era
dirigida ao primo D. João de Mascarenhas, a quem, segundo Laura de Melo e Sousa,
solicitava auxílio como advogado, confiando-lhe papéis escritos pelos padres jesuítas em sua
defesa, apreensivo quanto à repercussão do castigo infligido aos revoltosos de Vila Rica –
talvez Pascoal da Silva já lhe movesse então o processo de responsabilidade pela queima de
seus imóveis (MELO e SOUSA,1994,p.115).

O inquietíssimo gênio destas gentes me tem ainda agora em


bastante cuidado porque a expectação de como S. M. tomará sua
rebeldia e a vizinhança da chegada da frota vai causando várias
labaredas, inda agora intestinas, e como chegasse à mim notícia que
nessa cidade e no Rio de Janeiro se interpretavam sinistramente
algumas resoluções sobre o castigo da sublevação pondo-se em
dúvida se eu estaria incurso em alguma bula Pontifícia, me foi
preciso para o sossego da consciência pedir a dois padres da
Companhia que estão em minha casa, bons teólogos, que me
dissessem o que sentiam no caso, e fizeram o papel incluso que
remeto a V. S” ( ROMEIRO, 2001, p. 154).

A segunda carta, o Conde de Assumar escreveu para o Bispo do Rio de Janeiro D. Frei
Francisco de São Jerônimo que lhe respondeu dizendo entre outras que tendo em sua casa
dois padres da Companhia, tão doutos, melhor poderão resolver esta questão ou este
escrúpulo (MELO e SOUSA,1994). Além da situação tão constrangedora em face do que
professavam os dois jesuítas, durante o desenrolar do motim de Vila Rica, coube ao Padre
José Mascarenhas o papel de emissário de um déspota, cuja tirania só não a praticou até então,
porque estava naquele momento em desvantagem. Uma situação desgastante, pois executá-la
era se posicionar do lado dominante, diante da população acuada e fragilizada, pois aqueles a
quem confiava se tomavam o partido da opressão:
Bem desejava o conde romper com tudo e atacar aquele povo
tumultuado; mas, sendo só quarenta os soldados desimpedidos e
feitos poucos dias antes não se podia fazer neles confiança: além de
21

que , era preciso, para entrar em Vila Rica passar por desfiladeiros
asperíssimos o que seria com grande risco e nenhum efeito, por haver
o povo ocupado as montanhas mais fragosas, porém, como se ia
pouco a pouco descobrindo o intento dos cabeças sem embargo de
não haver para evitá-lo mais remédio que , à imitação dos melhores
pilotos, por não naufragar nas ondas, deixar-se levar das tormentas,
e ceder por então alguma coisa ao tempo e à necessidade, não quis o
conde tomar só sobre si a resolução. Mostrou aos principais a ordem
de sua majestade que se não fosse acatada, se passariam à espada
sem mais tela da justiça. José Peixoto Não aceitou estas condições,
até que depois de vários protestos, lhe disse o Conde que o fizesse
como entendesse, que se fosse nulo o perdão, não poderia em tempo
algum chamar-se ao engano, porque depois de se lhes manifestar a
ordem de El-Rei, não haveria lugar para esta acusação:“pois aquilo
que os reis tem mandado não pode ser por outrem derrogado”.
Despachou o Conde o tenente general com o perdão, havendo
mandado antes o Padre José Mascarenhas, religioso da Companhia
de Jesus para que pregasse ao povo e lhe mostrasse a sem razão com
que seu dano continuavam as perturbações, e cresciam os motins;
mas tanto dessa pratica como do mesmo perdão zombou o povo,
incitado dos agentes dos cabeças, quanto a qualquer resolução que se
tomava, argüiam que o Conde em todas as suas ações não levava
outro fim mais que enganá-los; e à interposição, e vivas instâncias de
algumas pessoas zelosas se deveu não matarem assim ao dito padre
como o tenente-general:mas, nesta ocasião ambos correram rigorosa
tormenta, entre ludíbrios e ameaças de infinitos bacamartes que (para
que logo se retirassem)lhes puseram atrevidos aos peitos (MELLO e
SOUSA, 1994, p.193).

Além dessas ambiguidades, os dois jesuítas também se prestavam ao papel constrangedor


da delação, quando nas altas horas da noite, pensando estar atendendo às necessidades da vida
humana, acabavam por se servirem de papéis nada confortantes para aqueles dias de
tormentas, como presenciar um criado em falsas atitudes para que disso tivesse ciência o
Conde de Assumar:
22

Sebastião da Veiga mandou chamar fora de hora dois padres da


Companhia de Jesus, que assistem em Palácio dizendo que tinha um
criado seu para morrer. Tanto que lá chegaram entrou (ele, o dito
Sebastião) a fazer repetidas convulsões e trejeitos asseverando que ia
para o Rio de Janeiro porque lhe dissera uma pessoa (a qual entendo
seria a sua consciência que o acusava) que o conde tinha escrito a el-
rei que ele era o cabeça do motim, pois o dito ouvidor assim o
afirmara o antes de partir. E logo se pôs a entrouxar fato e a fazer
vários fingimentos e aparências de querer-se ir na mesma noite se é
que já não eram verdadeiros efeitos do medo que já apresentava
próximo o castigo futuro; e para melhor acreditar com os ditos
padres as suas representações lhes encarregou despedissem do conde.
Toda essa trama era porque se supunha descoberto pelo Conde de
Assumar como um dos cabeças da assuada (MELLO e SOUSA, 1994,
p.112).

4- A ação dos dois jesuítas em Minas Gerais no primeiro quartel do XVIII

Segundo Catão, os membros da Companhia de Jesus mantiveram, ao longo de toda a


primeira metade do século XVIII, uma atividade relativamente intensa nas Minas Gerais, no
campo missionário e doutrinário (CATÃO, 2007, p.670 in As Minas Setecentistas,v.2).
Dentro dessa primeira metade citada por Catão, propusemos um recorte entre a chegada
dos jesuítas no governo do Conde de Assumar e o governo de D. Lourenço de Almeida, no
qual também se publicou medidas contra a entrada nas Minas dos religiosos sem convento.
Tais medidas, como se sabe, foram incapazes de impedir a entrada dos religiosos regulares o
que na prática, se ocorreu foi por pouco tempo, pois no período de Gomes Freire de Andrade,
já se cogitava do contrário.
O que corre na historiografia sobre o assunto são algumas cartas publicadas por Serafim
Leite, onde com entusiasmo, o Padre José Mascarenhas relatou as atividades que vinha
exercendo nas Minas. No entanto, essas citações ainda não foram analisadas como agora
pretendemos fazer, das quais podemos extrair dois temas diferentes sobre a ação jesuítica nas
Minas. Na primeira delas, uma carta, detectamos o trabalho doutrinário, de catequização e
23

formação dos bons costumes; na segunda, uma citação do Padre Serafim Leite, desvendamos,
um caminho que nos direcionou para apontar o importante legado que nos deixou os jesuítas.
Por isso, cada palavra, cada termo da frase será analisado na tentativa de extrair o que ainda
nos poderão contar:

Na quaresma começamos a Missão, e todo o tempo ocupamos


neste ministério, não nos poupando a trabalhos, nem deixando de
fazer nada para ressuscitar os bons costumes quase sepultados na
auri sacra fames. Devemos agradecer a Deus terem visto os
moradores por seus próprios olhos quão diferentes são de outros, os
costumes e nome da Companhia, com a modéstia amável dos seus
religiosos. Permita Deus que com esta missão, receba vossa
Paternidade contentamento no Senhor. De Minas, 25 de maio de
1720. Peço humildemente a benção de V. Paternidade. De v.
Paternidade, filho e servo José Mascarenhas (ARSI Bras. 4, 202. in
LEITE, 1945, p. 193).

Nessa carta, o Padre José Mascarenhas fala da Missão e noutra citação fala-se em
Residência. Coincidentemente para explicar residência, o dicionário do Padre Rafael Bluteau
usa o termo Missão. Ele explica que no Brasil, chama-se residência as aldeias ou vilas em
que os missionários residem com os índios e quando não residem na aldeia, mas passam a
outra para pregar, não é residência, mas missão. Na Vila de São Paulo que juntamente havia
de ser residência e missão esteve parado [...](BLUTEAU,1741, p.442 ).
Seria a Residência, similar de uma casa de bê-á-bá de aldeia ou igreja? De qualquer forma
assemelharia às primeiras instituições escolares jesuíticas que tinham a função de introduzir os
rudimentos do ler e escrever concomitantemente à pregação dos dogmas da fé cristã.
Diante dessa informação, podemos afirmar que os jesuítas, embora com residência no
Ribeirão do Carmo, durante o período quaresmal saíam em Missão para desobriga da
quaresma, pregando nas vilas mais distantes. Provavelmente deixavam os sermões
principais, da instituição da Eucaristia e da Paixão para onde houvesse maior concentração de
pessoas, talvez Vila Rica, ajudando o vigário da vara e da paróquia, - Padre Antônio de Pina,
tradição que ainda acontece no interior mineiro.
A Missão, portanto, durava os quarenta dias quaresmais e em locais diversos e todo o
tempo ocupamos neste ministério, não nos poupando a trabalhos, vencendo as distâncias
24

montanhosas a pé, pois os cavalos neste decênio do dezoito eram raríssimos e coisa de
nobreza, não condizente com religiosos observantes. Na prática da desobriga da quaresma,
realizavam batizados, casamentos, confissões, missas, preparavam o rol dos confessados, nem
deixando de fazer nada para ressuscitar os bons costumes quase sepultados na auri sacra
fames.
Terminado o tempo descrito, a rotina dos jesuítas, embora de forma assistemática, dava
inicio à única forma de instrução que existiu nos primórdios de Minas Gerais. A ausência de
mulheres brancas, a falta de fixação do homem caracterizado como "sem raízes" pela busca da
mineração de melhor “pinta”, a heterogeneidade da população, tudo era característica daquele
tempo e raras eram as famílias constituídas dentro dos padrões comuns. Tanto o pai como a
mãe, se é que havia esse vínculo, vindos de culturas diferentes, português e índia, português e
negra, se encontravam mais preocupados com a sobrevivência física do que passar algum
ensinamento aos filhos e se houve algum, a instrução consistia nada mais que uma forma
rudimentar de informações de meios dessa mesma sobrevida. Acrescenta-se a essa
particularidade, os contratempos e a constante efervescência dos motins, ambiente contrário à
paz e tranqüilidade para a formação de um convívio sadio. Portanto, os missionários jesuítas
representaram para as Minas, nesse quartel de atuação, a única forma de contato com uma
realidade diferente daquela vivida e, talvez por isso fosse maior a messe; maior o desejo de
realizá-la.
Apezar do contexto conturbado nas Minas, foi de muita alegria a chegada do Padre José
de Mascarenhas nos idos de 1718. Uma dose de entusiasmo às atividades que o Padre Antônio
Correia vinha realizando. Puderam eles, então pensar no lançamento de uma pedra
fundamental, a Residência, proto-célula designada de “casa de bê-á-bá” que poderia vir a ser
um convento e seu colégio, o remédio para os males da perversão dominante nas Minas. Tal é
o contexto inicial da fonte que já anunciamos, todavia, muito mais que isto, ela nos revelou o
importante trabalho educacional que os inacianos vinham realizando:

Com a chegada do padre José Mascarenhas construíram os


jesuítas, na Vila de Ribeirão do Carmo, pequena e modesta
Residência, onde viviam, não muito longe do Palácio do Governador.
Trabalhavam com os meninos, os rudes e os escravos. E recusavam o
Ouro que os moradores lhes ofertavam (LEITE, 1945, p. 193).
25

Quanto se pode extrair dessa fonte documental! Apesar dos altos e baixos da
governabilidade nas minas, do clima de motins e assuadas constantes, os dois jesuítas não se
intimidaram, realizando um grande trabalho de doutrinação e instrução. Pois, não foi assim,
numa pequena e modesta residência, na “casa de bê-á-bá” que tiveram origem os colégios em
Piratininga e no Rio de Janeiro? Na foram dessas pequenas células que se desabrochou uma
estrutura de ensino, referência cultural da Colônia?
O trabalho com os meninos, os rudes e os escravos já era messe peculiar aos jesuítas, pois
a observância desses deveres constituía pensamento inaciano, porém se tornaram exigência a
partir de 1707, com a promulgação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia 6, a
qual o bispo do Rio de Janeiro se subordinava.
As Constituições Primeiras normatizaram as relações e as obrigações religiosas dos
senhores coloniais no trato com os escravos, dando-lhes um caráter de lei que deveria a
qualquer custo ser cumprida. Portanto, as primícias da educação mineira começaram sob os
auspícios de um novo tempo para a Colônia o que deixou de sobreaviso as autoridades
portuguesas.

[...] mandamos a todas as pessoas, assim Eclesiasticas, como


seculares, ensinem, ou fação ensinar a Doutrina Christã á sua
família, e especialmente a seus escravos, que são os mais
necessitados desta instrução pela sua rudeza, mandando-os á Igreja,
para que o Parocho lhes ensine os Artigos da Fé, para saberem bem
crer; o Padre Nosso, e Ave Maria, para saberem bem pedir; os
Mandamentos da Lei de Deos, e da Santa madre Igreja, e os peccados
mortaes, para saberem bem obrar; as virtudes, para que as sigão; e
os sete Sacramentos, para que dignamente os recebão, e com elles a
graça que dão, e as orações da Doutrina Christã, para que sejão
instruídos em tudo, o que importa a sua salvação. E encarregamos
gravemente as consciências das sobreditas pessoas, para que assim o
fação, attendendo á conta que de tudo darão á Deos nosso Senhor. E
para que os Mestres dos meninos, e Mestras das meninas não faltem á
obrigação do ensino da Doutrina Christã, mandamos a nossos

6 As Constituições Primeiras foram realizadas sob a coordenação do bispo jesuíta Sebastião Monteiro Vide,
cujo sínodo se organizou a partir de 1707 com inúmeros expoentes dentre eles, quatro jesuítas. As discussões que
se seguiram e a publicação do texto possibilitaram forçadamente adaptações á Colônia, já que a Inquisição
Portuguesa não permitia qualquer inovação principalmente nas áreas do ultramar.
26

Visitadores inquirão com grande cuidado, se elles fazem, o que


devem, para que, sendo descuidados, sejão amoestados, e punidos, e
lhes revogamos as licenças, que de Nós tiverem, sem as quaes não
poderão ensinar (VIDE, 1853: L.IV.I, Tit. II, nº 4 e 5).

Além desse mister promulgado pelas Constituições Primeiras, a expressão trabalhar com
os meninos, os rudes e os escravos é indício de que a residência, - em sendo ou não com os
índios que perfaziam grande número como escravos, fosse pouso próprio, núcleo de
formação de um convento. E porque não uma “casa de instrução”, futura referência e caldo
cultural para o Ribeirão do Carmo, onde realmente surgiria, em 1750, a primeira instituição
do gênero nas Minas, o Seminário da Boa Morte.
E diga-se de passagem, o seminário de Mariana funcionou nos moldes dos colégios
jesuítas, facultando o estudo público aqueles que não seguiriam as fileiras do clero, mas
preparavam-se para Coimbra, conforme a intenção dos pais. Caracterizou-se, portanto, por um
tipo de ação educativa que reunia o ministério pastoral e a regência de quase todas as
cadeiras escolares que então apareceram, fossem elas régias ou fossem particulares
(ROMANELLI, 2000, p.11).
Prosseguindo com a nossa proposta de analisar cada palavra ou expressão das fontes
documentais no contexto da época, às quais acrescentamos algumas derivadas para maior
esclarecimento, o Dicionário de Rafael Bluteau nos revela que menino ou rapaz é aquele que
não chegou aos sete anos de idade, gênero comum, se diz de um e outro sexo; aos castelhanos
soa quase minino e tomaram da língua portuguesa e com ela chamam como nós aos filhos
dos senhores de qualidade, que de pequenos entram em palácio e servem as pessoas reais no
Paço; que rude é o não lavrado, não torneado, assim como rudeza é falta de saber e
rudimento se diz dos primeiros documentos pelos quais se começa a aprender alguma arte ou
ciência (BLUTEAU, 282,422,423).
Ainda sobre os “não lavrados” (tabula rasa ?), o Livro III das Constituições Primeiras
constitui escravos e “pessoas rudes” numa mesma categoria, prescrevendo para eles o ensino
obrigatório dos princípios básicos cristãos e as orações como pai-nosso, ave-maria, bem
como o aprendizado do catecismo em forma de perguntas e respostas, cujo conhecimento era
condição para confessar ou comungar.
Portanto, com a vigência do Padroado, se o clero secular continuava na perversão e no
caminho da avareza, quem senão os jesuítas vigiados e sob a pseudo-chancela governamental
para executar a obrigatoriedade proposta pelas Constituições Primeiras? Diante das duas
27

reflexões expostas, os jesuítas tinham como aprendizes, os filhos dos senhores de qualidade,
os que não tinham nenhum saber e os escravos. Para atraí-los, eles usavam o “modo de
proceder”7, contido na Ratio Studiorum em que as palavras, os gestos, a teatralidade, a
música, as procissões, a exposição da liturgia, tudo o que os jesuítas propunham estava
estreitamente ligado ao conteúdo que queriam comunicar. Eram instrumentos destinados a
tornar evidente aos seus aprendizes a verdade e a beleza do cristianismo (COLOMBO,
2007,in O Poder e a Cruz).
Um dos mais insignes pesquisadores nessa área, o alemão Francisco Curt Lange, que
viveu muitos anos no Brasil, descrevendo o relatório de suas pesquisas, que intitulou A
Música do Período Colonial em Minas Gerais, afirmou que a Companhia de Jesus se dedicou
a um esmerado ensino musical e a realizações notáveis de arte em música para impor, num
meio falto de recursos, o exercício da música sacra. Este era confiado geralmente aos pretos
das igrejas, dos conventos e mosteiros, servidores que na maioria dos casos ali
desempenhavam, simultaneamente, os ofícios de barbeiros, alfaiates, sapateiros e pedreiros
(CURT LANGE in CEC, 1979, p.8).
Nesse relatório onde discorre a respeito dos contatos (1944-1950) que teve em Minas,
para expor as suposições que estavam intrínsecas às suas descobertas, - como Salomão
Vasconcelos e Eduardo Frieiro, viu-se desacreditado quando se referiu à existência na Minas
Colonial de uma grande atividade de mulatos músicos e compositores. Apontando, pois a
maior ocorrência dessa musicalidade entre os mulatos 8 reforça-nos a hipótese que a origem

7 Tal “modo de proceder”, contido na Ratio Studiorum (1599) regras pedagógicas escritas pelo geral Padre
Cláudio Aquaviva, se tornou ponto notório do ensinamento inaciano; o conversatio, - o modo das pregações nas
missões era adaptado (accomodatio) segundo as necessidades, circunstâncias e às características do aprendiz.
Essa acomodação, - fruto da relação teológica entre o conteúdo da pregação e a forma como os missionários
procuravam não apenas explicar, mas também “mover” e comover seus interlocutores, se tornou a práxis
jesuítica de grande força evangelizadora por mais de dois séculos no mundo inteiro. O mérito da obra jesuítica,
cuja atuação junto aos indígenas demandava o aprendizado da língua e da cultura para compreender suas
tradições, era muito delicado diante das relações com o poder da colonização espanhola e portuguesa. O não ter
método para o ensino era o anúncio dos jesuítas, pois contanto que não se desviasse da norma geral que lhe foi
traçada de procurar a glória de Deus e a salvação do próximo, pode e deve adaptar-se ao caráter e aos usos dos
povos que lhes são confiados e, neste intuito, servem-se de todos os meios lícitos que julgam mais a propósito
para a sua evangelização, segundo Padre Américo de Novais (in SERRANO, 1968,p.103-104).

8 O historiador Maurício Monteiro diverge de Curt Lange quanto às causas que fizeram com que as atividades
musicais em Minas no século 18, fossem dominadas por mulatos. "Ele escreveu que os motivos eram o "fino
senso estético" e a "propensão para as artes" dos mestiços, enquanto, para mim, a explicação é social", afirma.
"O mestiço não é branco - portanto, não pode mandar. Mas também não é negro, ou seja, escravo. Logo, tem de
ocupar posições intermediárias, como as artes." (MONTEIRO, in Folha online Brasil 500). Paulo Catagna,
musicólogo, diverge dos dois e afirma que a música praticada em Minas Gerais até o início do séc. XVIII,
sobretudo religiosa, ainda era muito próxima à música até então praticada em São Paulo (Apostila do curso
História da Música Brasileira Instituto de Artes da UNESP). Nenhum dos dois ventila a hipótese do
envolvimento jesuítico na questão.
28

desses músicos provenha dos primeiros aprendizes na Residência do Ribeirão do Carmo


durante os biênios missionários.

A atividade dos mulatos-músicos, dos chamados professores da


arte de música foi tão intensa, que devemos calcular em mais de mil o
número dos músicos profissionais que estiveram ativos durante 1710
e 1810, no território das Minas. [...] Seria infantil pensar que os
atores mulatos recitavam sem se identificar com o ambiente que eles
estavam representando. [...] Das considerações sobre atividade
musical que antecedem, resulta que antes do Triunfo Eucarístico
(1733), [...] a música erudita já havia atingido um alto nível, maior do
que o ouvinte poderia imaginar. Outro tanto, pode sustentar-se com o
relatório do Áureo Trono Episcopal, que se refere à situação musical
em Mariana (1749). [...] Quanto aos violeiros, radicados em Vila
Rica, estes podem ser registrados desde 1715 em diante (CURT
LANGE in CEC, 1979, p.26, 31).

Diante destas considerações, o próprio arqueólogo musical faz a pergunta que não nos
quer calar: Como explicar em poucas palavras este estranho fenômeno da passagem de uma
atividade artística – que em Portugal se achava nas mãos de brancos – para as mãos dos
homens mestiços? (CURT LANGE, 1979, p.33).
Uma explicação rápida pode responder a questão, considerando que no processo de
miscigenação que ocorreu nas Minas havia a falta da mulher branca. Não só os vícios
libertinos foram fatores de cruzamento entre o branco e a negra, mas os reprodutivos
objetivando a mão de obra escrava nativa, de altíssimo custo quando traficada. Além disso, o
número de mulatos em 1740 sobrepujava o de brancos na região das Minas. Dentre os
mulatos poder-se-ia encontrar o filho ou filha de um dos atendidos pelos jesuítas entre 1718-
1721 e porque não um dos próprios. Nesse caso, nas Minas, embora nenhuma autoridade
sobre o assunto, como os musicólogos Maurício Monteiro e Paulo Catagna, comentasse a
respeito da origem da musicalidade da Minas Colonial como ação dos jesuítas, para nós a
música nesse período foi um dos recursos utilizados por eles para atrair o seu alvo na
Residência. 9
9 Na região do Prata, onde a Companhia de Jesus logrou notáveis resultados com o ensino aos selvagens,
catequizados e incorporados aos chamados Povos das Missões, o número de cantores, instrumentistas e
dançarinos era surpreendente. Houve casos de mais de cem índios perfeitamente treinados em musica religiosa
29

Procede, portanto, grosso modo, o que depende de uma verificação comprobatória, a


afirmativa de que a ação dos jesuítas Antônio Correia e José Mascarenhas foi responsável
pelo surgimento musical nas Minas, décadas depois, através do trabalho, não só com os
meninos (filhos de brancos), com os rudes sem recursos, mas principalmente com os escravos
que necessitavam do aprendizado desses ofícios para melhor servirem aos seus senhores.
Enfim, também merece uma pesquisa urgente o fato de que, segundo Curt Lange o primeiro
órgão de Minas foi instalado em Vila Rica entre 1720-1721. Quem senão os jesuítas teriam
recursos e meios para abarcarem tal custo? Uma pesquisa sobre o assunto irá esclarecer em
muito esses aspectos culturais sob a ação dos inacianos (CURT LANGE, 1979,41- 42).
Quanto ao ensino das primeiras letras nas Minas, ainda será o mulatismo, que nos
reforçará esclarecendo sobre a atuação dos jesuítas como mestres das primeiras letras. Os
mesmos mulatos-músicos, já citados, seriam alfabetizados, segundo Curt Lange.

[...] jamais achei uma só frase, um só ritmo que fosse evocação


do passado, da origem africana. Os mulatos mineiros escreviam
segundo os cânones da música européia de seu tempo. Não foram
imitadores, não se serviam de vulgaridades, criavam com
liberalidade, e com uma liberdade expressiva que chama a tenção se
compararmos a música da Europa daqueles tempos com a deles. [...]
Quando iniciei as minhas pesquisas estando já convencido de me
achar diante de reveladores fatos, e comentando o domínio do latim
dos músicos mineiros, o meu amigo, o saudoso e grande pedagogo do
piano, professor Guilherme Fontainha, carioca, me respondeu:
Mineiro sabe duas coisas bem: solfejar e latim. Quanto mais nos
aproximamos da raiz dos acontecimentos históricos, tanto mais certa
deve ser considerada esta verdade (CURT LANGE, 1979, p.22 e 21).

erudita e musica para suas notáveis coreografias. Assim como os aspectos básicos da organização musical se
encontram nas atividades instrutivas dos primeiros jesuítas nas Minas, também estes eram responsáveis pelo
ensino aos escravos das ocupações colocadas debaixo de um denominador comum, os ofícios de natureza
mecânica e manual: sapateiros, alfaiates, latoeiros, sineiros, agricultores, pedreiros e as funções de uma classe
superior, os escultores, pintores, denominados artistas, para os quais se requeria pertencer a uma Corporação de
Ofício, o que se estendeu a todos os outros (CURT LANGE, 1979, p.29).
30

E Curt Lange deixa outra pergunta no ar: como explicar as assinaturas bem fluentes de
mulatas nos Livros de Entradas de Irmãos das irmandades de Ouro Preto, Mariana, apenas
décadas depois da presença dos jesuítas nas Minas?

5- Conclusão

Enfim, o biênio da peregrinação estava chegando ao fim. Em março completaria mais


dois anos de atividades dos dois jesuítas. Antônio Correia faleceria em 1727 e não se tem
notícia se voltou às Minas, já transformada em capitania para ser bem administrada. Quanto
ao Padre José Mascarenhas, muito tem que ser pesquisado. O seu breve relatório de atividades
ao Padre Miguel Tamburini mostra o desejo dos mineiros, desamparados que ficariam na
educação de seus filhos:
Minas, 21 de setembro de 1721. Concluído o biênio da minha
peregrinação da missão que fiz nestas Minas, preparados já para
voltarmos ao Colégio do Rio de Janeiro, veio a Câmara e os
principais do povo da Vila do Ribeirão do Carmo, com modéstia e
louvor, determinados a deter-nos, acenando – nos com o fruto das
almas e serviço de Deus e edificação do povo, com que tínhamos
vivido, e com que nos distinguem dos outros sacerdotes, que por aqui
vivem. Sobre isto escreveram os moradores ao Padre Provincial e
esperamos resposta. Também quer o povo, destas Vilas de Minas,
construir Casas à Companhia para os Padres o dirigir no Senhor,
educar nos bons costumes e reconduzir à prática do bem os que
prevaricam por erro ou ignorância. Queira Deus que por estes fracos
instrumentos sejam confundidos os mais fortes do mundo, e os
princípios e erros do demônio (que por aqui cresceram muito
(LEITE, 1945, p.195).

Porém, não se realizou o desejo dos mineiros de terem convento e colégio da Companhia
de Jesus. Ficaram sob o aspecto da educação e da instrução, na órbita de São Paulo, Rio de
Janeiro e Bahia, onde muitos filhos dos pioneiros entraram depois na Companhia de Jesus ou
nela receberam educação e ensino (LIMA JUNIOR, 1945:21: 216).
31

O clero adventício ainda continuou nas Minas por muito tempo, com a agravante de não
se permitirem Casas Regulares estáveis, com a conivência ou assentimento dos poderes
régios (AMOROSO LIMA, 1945, p.216).
Aparentemente, apesar dos sérios obstáculos com que se deparou, o Conde de
Assumar pode estabelecer certa ordem nas Minas e quando a 18.08.1721 passou o cargo a D.
Lourenço de Almeida, primeiro governador da Capitania de Minas Gerais, desmembrada de
São Paulo, este veio encontrar todos os quintos pagos, uma força militar organizada e um
sistema administrativo regular e se viu em condições de instalar as Casas de Fundição do
Ouro que o Conde não lograra implantar (COBRA, 1999, p.15).
Um ano depois daquele balanço esperançoso do Padre José de Mascarenhas, ainda era
expedido bando sobre os religiosos adventícios, isto é, desligados de seus conventos. O conde
manda publicar por todos os distritos destas Minas a real ordem de V. Majestade sobre a
expulsão dos religiosos que aqui andam fora do seu convento e na forma que nela contém,
procurarei com toda a eficiência que tenha a sua obediência devida (RAPM, 1981, p.183).
Recordando, no entanto, a tradição da peregrinação missionária não podemos escusar que
a cada dois anos surgiam nas minas os missionários e que a eles se deve o que nos ajudou
expor as pesquisas de Curt Lange. O padre Antônio Correia faleceria cinco anos depois de sua
partida, em 1727. Entretanto o Padre José Mascarenhas por mais vinte anos espalhou sua ação
missionária; os seus pareceres eram muito estimados e de longe o vinham consultar e seus
serviços, cujo raio de ação era amplo à roda de Vila Rica e Ribeirão do Carmo, foram
louvados em Carta Régia (LEITE, 1945, p.197). Ele se encontrava em Minas quando chegou
D. Lourenço de Almeida para ocupar o cargo. A sua ligação com a capitania certamente com
inúmeras ações de catequese missionária e educativa entre a população mineira, não se fez
apenas no governo do Conde de Assumar e de Lourenço de Almeida, mas se estendeu até o
governo de Gomes Freire de Andrade. O Provincial Manuel Dias confirmou que ele se
mostrara amigo de ambos os governadores e, D. Rodrigo César de Meneses, governador da
Capitania de São Paulo reclamou de suas ausências para atender D. Lourenço de Almeida, o
que comprova o seu atendimento à nova capitania e quanto os governantes necessitavam dele.

Reverendíssimo Padre: Nesta moléstia, que experimentei, me


serviu de grande lenitivo a sua lembrança e assim espero ma continue
com a certeza de sua saúde. As novas do Cuiabá cada vez são mais
favoráveis; espero em Deus se lembre desta capitania e do desejo que
tenho de ver aumentada a real fazenda. Bem pudera Vossa
32

Reverendíssima lembrar-se também dos vizinhos, como o faz a D.


Lourenço de Almeida, aprovando tanto o conseguir estabelecer Casa
de Fundição, o que eu também aqui consegui, sem me ser necessário
valer-me de força, mais que de jeito; que este muitas vezes vence o
que aquela não alcança. Louvo a V. Reverendíssima muito as boas
ausências que faz a D. Lourenço de Almeida, que em tudo Vossa
Reverendíssima obra como católico e honrado [...]. São Paulo, 12 de
março de 1723. Rodrigo César de Meneses (LEITE,1945,p.197).

Portanto, pela data, 12.03.1723, decorriam quase cinco anos que os jesuítas atendiam a
zona de mineração. E se não ficaram de modo permanente, iam, contudo, com freqüência a
Minas, quer de passo para Goiás, quer diretamente, em Missões ou outros assuntos de
interesse religioso como logo em 1724, o Padre Antônio da Cruz, encarregado de promover a
causa da beatificação do Padre Anchieta (LEITE,1945, p.198).
Um tanto idoso, mas suficiente para cortar as trilhas da Serra de Carrancas, ainda vamos
encontrar o Padre José Mascarenhas em peregrinação no ano de 1738. Com vinte anos de
experiência daquele sertão, encontrava-se na Serra das Letras, hoje São Tomé das Letras, no
Sul de Minas :

Sob os serviços de Gomes Freire de Andrade, o Padre José


Mascarenhas, lente do colégio no Rio de Janeiro, no manuscrito de 4
páginas em fólio intitulado “Interpretação que deu às letras da
Inscrição achada na entrada de uma furna, na Comarca do Rio das
Mortes” acompanhado de um desenho colorido em folha grande da
dita inscrição: referindo-se ali que a pedra fora encontrada na Serra
Itacoatiara, que corre de norte a sul na Comarca do Rio das Mortes, a
oito dias de viagem de Vila Rica; e que em 1738 fora fielmente
copiada por ordem do Gov. Gomes Freire de Andrade, pedra esta que
em 13.04.1730 fora discutida na Academia de História pelo
acadêmico Martinho de Mendonça de Pina, dando-a como descoberta
dentro de uma lapa no sertão próximo às Minas de Aiuruoca (SILVA,
1867, p.65).
33

Após essas últimas citações, que concluem o texto confirmando a presença e atuação
dos jesuítas nas Minas pelo menos até 1738, ainda podemos finalizar com a presença nas
Minas, em 1730, do jesuíta Cristovão César Constantino, um paulista que estudara no Colégio
Jesuíta da Bahia e nele ingressara, lecionando Gramática Latina.10

6-Referências:
Documentais:

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Anônimo, "Informação sobre as Minas da Brasil", in Anais da Biblioteca Nacional,vol.
57,1935
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Livro de Termos de Acórdãos da Câmara Municipal de Ouro Preto, 1711-1714-BN, 1937
Rafhael Bluteau- Vocabulario Portuguez e Latino, 1741-Versão digitalizada do exemplar
da Biblioteca Nacional.

Bibliográficas:
10 Segundo depoimento de Cláudio Manuel da costa, Constantino teria sido seu professor de latim quando o
poeta tinha dez anos de idade, o que corresponderia ao final dos anos 1730 e inicio dos anos 1740, embora
segundo outros a datação se desloca entre 1741-1747(in As Minas Setecentistas 2, 2007, p.258).
34

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35

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