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“Por outro lado, os mineiros deixaram descendência (...) constituíram, portanto, as famílias tradicio-
nais da zona pioneira. Enfim, os mineiros detinham os títulos de posse do solo. Para tornar-se alguém
proprietário, era preciso tratar ou lutar com eles.”
Introdução
1 Os trabalhos mais antigos foram feitos por pessoas das localidades, interessadas em levantar e
organizar informações sobre a formação das vilas e municípios dando origem a um corpo documental
muito rico para uma abordagem regional. Entre os primeiros trabalhos de cunho acadêmico, preocupa-
dos com os métodos de pesquisa e análise da sociedade local, encontram-se o de José Chiachiri Filho
(1986) sobre a formação da vila de Franca, o de Ernesta Zamboni (1978) abordando a formação da
estrutura fundiária do antigo município de Ribeirão Preto a partir da fragmentação da antiga fazenda
do Lageado e os vários trabalhos de José Geraldo Evangelista (1962, 1984, 1988).
2 São eles: Brioschi et alii (1991) e Bacellar e Brioschi (1999). Tanto a pesquisa quanto as publica-
ções contaram com apoio primeiramente da chamada Lei Sarney e, posteriormente, da Lei Rouanet,
do MinC.
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dos registros vitais ou registros paroquiais têm sido de importância capital para
o conhecimento de aspectos demográficos da população brasileira, dada a sua
abrangência e qualidade das informações. O controle da população, através dos
registros de nascimento (batismos), casamentos e óbitos, mostrou-se excelente
fonte de dados para o pesquisador atual. A sua utilização, porém, está sujeita
aos mesmos limites dos arquivos cartoriais, exigindo um conhecimento prévio da
fragmentação das áreas de jurisdição eclesiástica — as capelas, freguesias ou
paróquias e as dioceses.
Em terras ainda não desbravadas as linhas demarcatórias de divisas
eram necessariamente incertas. À medida que as terras iam sendo percorridas,
ocupadas e povoadas, iam se delineando arraiais, pequenos ajuntamentos de pes-
soas que logo pediam licença para a construção de uma capela, seguindo-se a
constituição de uma freguesia, momento em que as informações eclesiásticas
concentravam-se no local, mas os atos civis ainda permaneciam guardados na
sede do município ou vila. A elevação à vila representava autonomia político-ad-
ministrativa, a instalação do município, com sua Câmara e poder de decisão sobre
questões locais. Era, então, dada a possibilidade da interlocução direta com o go-
vernador da capitania ou da Província e um avanço na hierarquia administrativa.
Para o rastreamento das fontes cartoriais e eclesiásticas é necessário
acompanhar, em linhas gerais, a ocupação do território por onde se estendiam
os antigos municípios de Franca e São Simão. Seguindo a trilha de São Paulo
para Goiás, a primeira notícia referente a uma localidade do seu trajeto trata
do aldeamento dos Batatais em 1655. Nessa época, a toda a área do nordeste
paulista (então sertão desconhecido habitado por índios) estava sob jurisdição
do município de Jundiaí. Somente em 1769, mais de quarenta anos após a des-
coberta das minas de Goiás (1725), a região ao norte de Jundiaí foi desmem-
brada para formação do município de Mojimirim. No ano de 1775, foi criada a
freguesia de Caconde, ao norte do rio Pardo e em 1805 a de Franca, também ao
norte do mesmo rio. Em 1814 foram criadas as freguesias de Batatais, já des-
membrada de Franca, entre os rios Pardo e Sapucaí-mirim e a de Casa Branca,
ao sul do rio Pardo, desmembrada de Mojimirim. Esta última englobava toda a
área do posterior município de São Simão. A partir de Franca e São Simão foram
desmembrados os municípios que, atualmente, cobrem a área delimitada para
o presente estudo.
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Quadro 1
O povoamento paulista
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tecimento dos viajantes que transitavam entre São Paulo e as minas de Goiás e
Cuiabá. Para os seus moradores, esse comércio representava a sua única possibi-
lidade de ganho. Apesar das precárias condições de vida no sertão, a população
dos pousos era diferenciada internamente, no que diz respeito às suas posses.
Alguns de seus moradores chegaram a dispor de escravos africanos e indígenas
administrados para o seu serviço.9
A economia dos pousos foi declinando nas últimas décadas do século
XVIII, devido à exaustão das minas de Goiás, assim como à construção de uma
estrada ligando a cidade do Rio de Janeiro (capital da Colônia desde 1765) com a
Vila Boa de Goiás, passando por Paracatu. A última década dos setecentos marcou
o fim do povoamento linear com a instalação dos pousos ao longo da estrada do
Anhanguera e o até então “sertão desconhecido”, a oeste dessa mesma linha,
passou a ser ocupado.
No entanto, em fins do século XVIII, o interesse pelo Sertão do Rio
Pardo ressurgiu e pode ser percebido pelo número de pedidos de legitimação de
posses antigas, pela requisição de novas sesmarias e pelas transações de terra,
realizadas entre os anos de 1788 até aproximadamente 1820. Entre os interessa-
dos na aquisição ou legalização do acesso à terra encontravam-se tanto antigos
moradores do caminho de Goiás, quanto paulistas e mineiros recém-chegados.
Em 1788, o Capitão Antonio de Queiroz Telles pediu a demarcação das
terras da fazenda do Rio Pardo (partes dos atuais municípios de Cajuru e Moco-
ca), terras essas arrematadas junto ao Juízo da Executoria da Fazenda Real e que
haviam pertencido ao “falecido Antônio José Pinto”. Das terras arrematadas por
Antônio de Queiroz Telles, uma parte foi vendida a José de Castro Pereira, da Villa
de Mojimirim, em fins do século XVIII ou início do seguinte, pois José de Castro
Pereira e sua mulher D. Maria Leite de Moraes foram recenseados em Franca, desde
1803. Outra parte das terras adquiridas por Antônio de Queiroz Telles foi vendida
por sua viúva Ana Joaquina da Silva Prado10, aos irmãos José Arouche de Toledo
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ter contribuído para a expansão da pecuária e agricultura na região ao norte do
“quadrilátero do açúcar”. Os mercados consumidores expandiam-se e as terras até
então pouco ocupadas e provavelmente ainda de baixo custo, tornavam-se atra-
entes para novos investimentos.
A ocupação do sertão
13 Hermann, 1948; Stein, 1961; 1987; Bacellar, 1997; Nozoe e Motta, 1994; Brioschi, 1995; Mar-
condes, 1998.
14 Lenharo, 1979.
15 Costa, 1955.
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doze freguesias, das quais oito haviam se tornado municípios, ao passo que, na
antiga freguesia de São Simão, apenas encontramos apenas três freguesias e um
município, nesse mesmo ano.
Quadro 2
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a morte de alguns dos primeiros povoadores ou mesmo a notícias de tentativas
governamentais de implantar uma lei regulamentando o acesso à terra.
Expressando essa realidade regional, Roberto Vasconcellos Martins con-
ta que “Em 1856, por ocasião dos registros paroquiais de terras da freguesia de
São Simão, toda a região encontrava-se já ocupada por sitiantes e fazendeiros
(a maioria em condomínios). A partir desse período, não mais encontramos refe-
rências a posses de terras, o que indica que toda a região havia se transformado
numa enorme colcha de retalhos, com centenas de proprietários, muito embora
fossem frequentes as demandas judiciais entre fazendas limítrofes, ou entre os
próprios condôminos”.17
A enorme colcha de retalhos a que se refere Roberto V. Martins pode
ser verificada a partir do quadro abaixo, elaborado a partir das declarações feitas
por sesmeiros e posseiros com o objetivo de regularizar a sua situação frente à
nova Lei de Terras, regulamentada em 1854 (artigo 95 do Regulamento de 30 de
janeiro de 1854).
O uso das informações contidas no Registro Paroquial de Terras permite
a elaboração de uma visão de conjunto, mesmo que aproximada, da situação fun-
diária da região, uma vez que se parta da premissa de que todos os detentores de
terras, seja por acesso legal, seja por posse, deveriam fazer a sua declaração.
Os dados (quadro na página seguinte) fornecem uma ideia da situação
dos lavradores e criadores da então freguesia de São Simão, a qual abrangia toda
a área ao sul do Rio Pardo, desde o atual município de Santa Rosa de Viterbo até
o rio Mojiguaçu.
17 Id.Ib.
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Das declarações de 1856, destacam-se com maior número de condômi-
nos as fazendas da Figueira (32), do Sertãozinho (27), Retiro ou Barra do Retiro
(22), Fazenda da Prata (22), Águas Claras (21), Serrinha (20). Nesse ano, a fazen-
da São Simão já havia se tornado patrimônio da freguesia (1842)
Para o total de 81 “fazendas” foram feitas 444 declarações, indicando
que as partilhas originadas em inventários post-mortem permaneciam na qualida-
de de partes ideais (ou sem partilha judicial), e nessa qualidade eram vendidas
para novos proprietários, compondo as grandes fazendas com vários condôminos.
O seu número variava de um único dono (34 casos) até o máximo de 32.
Essas considerações encontram respaldo na tabulação feita com as in-
formações obtidas na declaração da forma de aquisição das terras, dentro da
mesma fonte de informação:
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de parentelas implicava a instalação de um grande número de pessoas em áreas
recém-abertas e, frequentemente, a requisição ou compra de várias sesmarias ou,
ainda, a posse de grandes extensões de terras. A prática da ocupação de vastas
áreas era comum a sesmeiros e posseiros. Grupo numeroso, mas sem título legal
sobre as terras que cultivaram na qualidade de “mansa posse”.
As primeiras famílias mineiras, recenseadas na recém-criada freguesia
da Franca, eram pessoas de poucas posses, formavam grupos aparentados e não
tinham escravos. Somente a partir da segunda década do século XIX começou o
afluxo de grupos familiares mais abastados, trazendo escravos e gado dos seus
lugares de origem.
Esse movimento de população pode ser visto no mapa da estrutura
fundiária da antiga freguesia de Batatais19. O movimento de NE para SO mostra
a ocupação mais densa e em fazendas de áreas menores na margem esquerda do
rio Sapucaí-mirim, local para onde se dirigiram os primeiros entrantes. Os grupos
familiares então chegados formaram pequenos agrupamentos à semelhança de
bairros rurais. Assim foram constituídas, entre outras, as fazendas Ilha, Ressaca,
São Bento todas situadas na vertente esquerda do rio Sapucaí-mirim, ocupadas
pelos Faria, Pinto Guimarães, Rodrigues da Costa, Dias Campos e outros.
Posteriormente, as famílias mais abastadas, com escravarias e grandes
rebanhos, formaram as suas fazendas ao longo da margem direita do rio Pardo,
com um povoamento mais ralo e maiores áreas apropriadas.
Nas primeiras décadas do século XIX, a solicitação de sesmarias em
nome de diferentes membros de uma mesma família decorria, em grande parte, do
intenso movimento migratório das famílias mineiras, mas era por vezes utilizada
para aumentar as posses de um único proprietário, burlando as Ordenações do
Reino.20 Uma série de transações de terras ocorridas a partir da chegada dos mi-
neiros mostram, também, o interesse desses novos entrantes em ocupar grandes
áreas, seja através da aquisição de glebas contíguas ou de “sortes” de terras em
fazendas diversas.
Talvez o maior grupo familiar de origem mineira estabelecido na re-
19 Ver mapa elaborado por Eduardo Diniz Junqueira in Brioschi et alii, 1991.
20 Lima, 1954.
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pelas divisões sucessivas entre os herdeiros dos primeiros entrantes, apesar de
algumas tentativas de aglutinação de terras por um ou outro herdeiro ou por
recém-chegados na tentativa de formar suas fazendas.
A criação de gado bovino era a principal atividade dos mineiros que
haviam se adiantado aos paulistas, em quase um século, na ocupação das terras
do nordeste paulista. As áreas procuradas por mineiros e paulistas eram, no en-
tanto, diversas: enquanto os mineiros buscavam os campos e as margens dos rios,
mais adequados para as suas atividades, desde o início do século XIX, os paulistas
procuravam as terras férteis e altas, mas apenas com o avanço do café, a partir
da segunda metade do mesmo século.
Em meados do século XIX, a região de Franca perdia a sua importância
no contexto da Província. “... em 1836 o orçamento de Franca, que era de um
conto e noventa e quatro mil réis, era o décimo da Província, passa em 1846 para
quatrocentos e trinta e seis contos, trezentos e setenta e um réis, ocupando o tri-
gésimo-terceiro lugar”.21 A perda da posição ocupada no quadro geral da Província
tem sido atribuída à diminuição de importância da atividade pecuária, mas deve-
se, também, ter em mente que, no ano de 1839, o termo da Vila de Franca perdeu
toda a área situada entre os rios Pardo e Sapucaí-mirim, com a criação da vila de
Batatais. A existência de algumas grandes fazendas com escravarias numerosas no
termo de Batatais, provavelmente pesou na arrecadação do antigo município.
Já na segunda metade do século XIX, o avanço do café ao longo do
Caminho de Goiás significou, em termos concretos, a ultrapassagem dos limites
geográficos anteriormente atingidos pela produção açucareira. A extensão dos
trilhos pelo interior paulista criou a possibilidade do avanço da agricultura de ex-
portação — no caso, o café — por áreas anteriormente ocupadas pela economia
do excedente.
As transformações que já se manifestavam em termos provinciais vão
atingir o Nordeste paulista somente no último quartel do século, quando o café
ocupa as áreas de ocorrência das terras roxas e impõe a sua marca na organização
da produção e nos estilos de vida e na mentalidade da população. O desenvolvi-
mento da cafeicultura em Ribeirão Preto deu-se na transição do trabalho escravo
21 Idem, p. 12.
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Referências
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Sobras
22 Martins, R. V. (mimeo).