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Pré-emancipação:

Igreja Católica e a urbanização no Brasil

O município é um modelo administrativo que foi transferido de Portugal para o Brasil


durante o período colonial, época em que ainda se estabelecia a união entre a Igreja
Católica e o Estado. Os colonos portugueses, quando aqui chegaram, trouxeram
consigo toda uma bagagem cultural, incluindo a relação muito próxima do povo com
a fé católica, com todos os seus dogmas e modelos.
Portanto, pode-se dizer que a Igreja fez parte da colonização do território da América
portuguesa, simbolizando a primazia da cultura do colonizador, e representando o
braço religioso e até administrativo do Estado dentro do território brasileiro, indo
muitas vezes, além das funções estritamente religiosas. A Igreja foi responsável por
hospitais, asilos, orfanatos e cemitérios. Mas além dos registros de batismo,
matrimônio e óbito, através os quais comandava a vida pública dos cidadãos, a Igreja
influenciou também no processo de urbanização e criação de municípios no Brasil.
No Brasil, historicamente a criação de municípios obedeceu a um vasto processo
burocrático e hierárquico que envolve vários interesses e classes sociais: moradores,
comunidades locais, agentes econômicos e políticos, etc. Como o repasse de
recursos financeiros sempre atuou como mecanismo político de controle e
dependência das administrações municipais em relação ao governo central, a
presença da Igreja, por meio de um templo, é também um meio de o Estado
estabelecer um padrão para a divisão e organização territorial dos povoados, pois a
partir do templo se formavam juridicamente as cidades.
Uma paroquia demarcava, da mesma maneira, os limites dos juizados de paz. Para o
reconhecimento da existência de uma povoação, era necessário que, onde houvesse
uma ocupação aspirante a vila, o proprietário local – geralmente um sesmeiro que
permitia a ocupação de uma porção de suas terras por essas pessoas – doasse parte
de suas posses para a formação do patrimônio religioso, isto é, uma terra doada ao
santo padroeiro, que passaria a ser patrimônio da Igreja.

Este curioso processo de fundação de cidades [de doação de


patrimônio] era empregado desde muito tempo no Brasil, onde já se
vê funcionar no século XVI. O primeiro exemplo é talvez o de Santos,
fundado por Brás Cubas em 1545 em torno de uma capela e de um
hospital de Todos os Santos. [...]. A fundação de Jundiaí, no norte de
São Paulo, em 1615, por Rafael de Oliveira, se fez do mesmo modo:
ele construiu uma capela e deu-lhe um vasto patrimônio. Sorocaba, no
oeste de São Paulo, teve a mesma origem; assim também Montes
Claros, Botucatu, São Manoel, fundadas no século XIX. Foi sem
dúvida esse processo do patrimônio que deu ao Brasil a maioria de
suas cidades (DEFFONTAINES, 1944, p.20).

Esses patrimônios eram loteados, e os lotes arrendados ou aforados para renda da


instituição eclesiástica, que com elas manteria o culto e a construção de uma capela,
ao redor da qual se estabeleceriam as habitações que compunham a localidade. Não
podendo ser erigidas em lugares muito afastados e despovoados, as capelas, além
de simbolizar a posse da terra, tinham a função de consolidar a existência da
povoação formada adjacente às fazendas. Somente era reconhecida pelo governo a
existência de uma povoação a partir do momento em que a capela presente fosse
elevada à categoria de freguesia (paróquia), processo que não se alterou até os fins
do período imperial no Brasil.
Dessa forma, até o final do século XIX, a capela era o primeiro símbolo de oficialidade
de uma localidade que se estabelecia. Em muitos casos, também a primeira edificação
do local, atraindo as pessoas para suas cercanias e formando uma nova comunidade
ao redor. Por isso, a construção da capela era uma das primeiras atitudes tomadas
após a doação das terras para o patrimônio religioso. Construída a capelinha, em torno
dela as ruas eram delineadas e o vilarejo ia se conformando.

Formação inicial do povoado que viria a se tornar Santa Rita de Jacutinga

Foi dentro desse contexto do surgimento de povoados ao redor do patrimônio religioso


que surgiu o povoado que viria a se tornar Santa Rita de Jacutinga. A região do sertão
da Mantiqueira recebia muitos novos habitantes, que vinham em busca de condições
para trabalhar principalmente na extração de ouro e na agricultura, sendo fundadas
várias fazendas. Por volta de 1832, chegava à localidade conhecida então como
Subúrbio do Rio Preto, no sertão da Mantiqueira, Francisco Rodrigues Gomes, que
obteve diversas terras por intermédio de Francisco Dionísio Fortes, guarda-mor do Rio
Preto. Francisco Gomes escolheu um local descampado, onde fixou sua residência,
em cujas terras iniciara-se a formação de uma nova povoação. Em virtude da vista da
paisagem local, a localidade era conhecida como Boa Vista dos Gomes.
Face à riqueza do solo, muitas famílias se transferiram para a nova povoação, como
os Caetanos, os Fortes, os Brandão, os Almeidas, os Zacarias e outras. Francisco
Gomes trouxe consigo uma imagem de Santa Rita de Cássia, escolhida padroeira do
local onde passou a habitar. Por causa da presença da imagem, os habitantes
passaram a denominar de Santa Rita o novo lugar que se povoava.
Na casa de Francisco Gomes, a imagem de Santa Rita era venerada pelos habitantes
que iam se estabelecendo e pelos desbravadores de terras que chegavam no local.
Para facilitar a veneração da imagem pelos locais, resolveram construir ali uma capela
para a santa, coberta de sapé, no local onde se ergue atualmente a matriz de Santa
Rita de Jacutinga. Foi reconhecida no mesmo ano do povoamento, 4 de agosto de
1832, ficando nesta data, assinalada a fundação da paróquia conforme documentos
encontrados no arquivo da Matriz. O arraial foi fundado em 10 de outubro de 1835
com os primeiros aforamentos. Logo após à elevação da capela à paróquia, foi o
arraial elevado a freguesia pela lei provincial nº 976, de 2 de junho de 1859. E pela lei
estadual nº 2, de 14 de setembro de 1891, criou-se o distrito, então com o nome de
Jacutinga, sendo subordinado ao município de Rio Preto.
Ao longo dos anos, foram erguidas na região muitas capelas. Na zona urbana, foram
erigidas as capelas de São Sebastião, em 23 de julho de 1937; Santo Antônio, 29 de
junho de 1933; Nossa Senhora do Rosário, hoje um logradouro público - a Praça José
Marinho de Araújo; Nossa Senhora Aparecida do Monte Calvário.
Os sacerdotes que serviram a capela curada de Santa Rita, ao redor da qual se ergueu
o povoamento, foram: Pe. Francisco de Paula Goulart, que ainda em 1835 procurou
despertar a ideia de construção de uma Nova capela, substituindo a que existia, que
era de pau a pique e coberta de Sapé; Pe. Mariano Antônio Correia (1845-1850); Pe.
Francisco Alves de Magalhães (1850-1854); Pe. João Gomes Carneiro (1854 a 1858),
primeiro Vigário quando da elevação à paróquia, estimulou a construção do corpo da
primeira Matriz nessa época; Pe. Joaquim José de Carvalho (1858-1862); Pe. Antônio
Francisco de Paula Dias (1862-1866); Pe. Benedito Afonso Alves de Medeiros (1866-
1870); Pe. Quirino Gonçalves de Araújo Recife (1871 a 1877), um dos 32 eleitores
gerais do colégio eleitoral do Rio Preto, único da Freguesia de Santa Rita de
Jacutinga; por fim, o Monsenhor Marciano Bernardes da Fonseca, o “Padrinho
Vigário”, de 1877 a 1946, que seria personagem chave no processo de elevação de
Santa Rita de Jacutinga à município.
Natural do distrito de Desterro de Melo, então Barbacena, Minas Gerais, Monsenhor
Marciano chegou a Santa Rita do Jacutinga em 23 de julho de 1877 para assumir o
cargo de Vigário da Freguesia. Foi nomeado Cônego Efetivo da diocese de Mariana
em 1908; nomeado conselheiro diocesano do bispado de Juiz de Fora em 1925. Em
1928, foi convidado a ser bispo titular, honra que recusou para não se afastar de Santa
Rita de Jacutinga e seu povo. Porém, foi governador do bispado em duas ocasiões,
em que o Bispo titular se afastou, em 1929 e 1934. Foi elevado, em 1934, a
Monsenhor camareiro secreto de Sua Santidade, o Papa Pio XI.
Em Santa Rita do Jacutinga, exerceu por muitos anos o cargo de professor público.
Fundou em 25 de março de 1917 o jornal "O mineiro", conseguindo grandes benefícios
para a localidade. Construiu diversas igrejas, destacando-se entre elas a de Nossa
Senhora Aparecida do Monte Calvário. Construiu a Santa Casa de Misericórdia,
conseguindo um grande patrimônio para ela. Participou ativamente da campanha de
emancipação Municipal de Santa Rita de Jacutinga.

Processo de Emancipação:
Em 1922 pleiteou-se a elevação do distrito de Santa Rita de Jacutinga a categoria de
vila; título que, na ocasião, correspondia a cidade e não sede de comarca, apenas
sede municipal. Naquela época o município de Rio Preto, ao qual pertencia o distrito
de Santa Rita de Jacutinga, estava em débito com o governo estadual de Minas
Gerais. Segundo a legislação em vigor, nenhum município em débito com o estado
poderia se desmembrar. Ainda em 1922, seguiu para Belo Horizonte a comissão
pleiteadora que constituiu a pioneira do projeto de emancipação de Santa Rita de
Jacutinga. No entanto, circunstâncias dá época frustraram o intento. Dentre as
pessoas que compunham essa comissão estava Monsenhor Marciano.
Em 1938, organizou-se nova comissão liderada pelo Monsenhor Marciano, porém
novamente o pedido dos santa-ritenses em arquivado. Dr. Beneditino Quintino dos
Santos, então diretor do Departamento Geográfico da Secretaria da Viação e Obras
Públicas do Estado de Minas Gerais, era considerado o presidente nato das
comissões revisoras e administrativas mineiras. Sensibilizado pelo grande
desenvolvimento da então Vila noticiado em jornal, ele aconselhou ao Sr. José
Marinho de Araújo, numa palestra em Belo Horizonte no Departamento Geográfico da
Secretaria da Viação, a organização de um memorial composto por um arranjo
fotográfico que mostrasse o bom desenvolvimento da localidade, solicitando ao
Governador do Estado a elevação de Santa Rita de Jacutinga a cidade.
Segue uma nova comissão até Belo Horizonte, com a participação do Monsenhor
Marciano, que sentiu a necessidade de uma pessoa de prestígio junto ao governador
do Estado, sendo essa pessoa o senhor arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antônio
dos Santos Cabral. Devido ao prestígio que o monsenhor tinha diante da pessoa do
arcebispo, após um encontro entre os clérigos, o arcebispo bispo alia-se à causa da
emancipação de Santa Rita de Jacutinga. A influência do arcebispo junto ao então
Governador de Minas Gerais, Dr. Benedito Valadares, vale a promessa desse de dar
continuidade ao processo de emancipação.
Assim, o distrito é desmembrado de Rio Preto pelo decreto-lei estadual nº 1058, de
31 de dezembro de 1943. Constitui-se desde então por dois distritos; a Sede e Itaboca.
Apesar da emancipação ter ocorrido em dezembro de 1943, o aniversário da cidade
é comemorado dia 22 de maio, em homenagem à padroeira municipal, Santa Rita de
Cássia.

Pós-emancipação:
Com o passar do tempo a agropecuária foi ganhando força no município, porém a
população da zona rural passou a concentrar-se no perímetro urbano em busca de
melhores condições de vida e renda. Algumas de suas fazendas construídos nos
séculos XIII e XIX viraram patrimônio histórico da cidade, conservando o estilo barroco
da época do desbravamento da região.

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