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1) Os Jesuítas na Amazônia e o patrimônio histórico

Quando Belém foi fundada em 1616, o lugar onde tudo começou foi chamado de Feliz Lusitânia.
Ele ficava entre o antigo Igarapé do Piri e o forte do presépio. Ali foram feitos os primeiros prédios
com técnicas bem diferentes: em madeira e palha, depois em taipa de mão e taipa de pilão. Mas
tarde, outros foram construídos em alvenaria de pedra e tijolos. Ainda hoje, quase quatrocentos anos
depois, podemos observar no Centro Histórico os prédios que guardam as marcas da época em que
foram levantados.
Entre os poucos prédios daquele tempo que ainda permanecem na cidade temos o chamado
Conjunto Arquitetônico de Santo Alexandre. Já falamos dele anteriormente, mas é bom lembrar que
ele é formado pela antiga Igreja de São Francisco Xavier e o Antigo Colégio Jesuítico. O conjunto
fica no centro Histórico de Belém, ao lado do Forte do Presépio e em frente a Catedral da Sé, Desde
1998, os dois prédios, a Igreja e o Colégio, abrigam o Museu de Arte Sacra do Pará. Vamos agora
conhecer a longa história destes prédios.
A história daquele monumento começou no ano de 1652 com uma ermida, que é uma pequena
igreja, no fundo da qual moravam os missionários jesuítas que chegaram neste mesmo ano. Desse
tempo, poucos são os desenhos ou imagens, mas muitos documentos que nos trazem informações
sobre as primeiras construções. São cartas, crônicas e relatos, como os do padre João Felipe
Bettendorf. Ele descreve o início do futuro colégio ao lado do forte assim: “Foram tiradas as
medidas dos alicerces e das obras para o colégio perto do sítio de uma pequena ermida. Mas não foi
feito mais do que uma cabana e uma pequena ermida. Mas não foi feito mais do que uma cabana e
uma igrejinha de taipa que ficou lá até o ano de 1668. A primeira igrejinha construída de maneira
bem simples recebeu o nome de São Francisco Xavier, em honra a um dos três santos jesuítas de
então: Santo Inácio de Loyola, São Francisco de Borja e São Francisco Xavier. O padre João Felipe
escreve: “A igreja não tinha mais do um altar. Onde se colocou um quadro bonito do glorioso São
Francisco Xavier”.
Fernando Marques e Deyseane Ferraz da Costa, no livro Patrimônio e História: os jesuítas na
Amazônia, realizaram um estudo sobre o colégio jesuíta na cidade de Belém, os autores descrevem
que durante as lutas da Cabanagem, nos anos 1830, o prédio de Santo Alexandre foi fortemente
atingido pelo bombardeio ao forte do presépio. Só nos anos de 1848 e 1849, os estragos foram
reparados pela Irmandade da Misericórdia. As pessoas piedosas dessa associação ficaram também
com a igreja. Já em 1863, a igreja passou por uma reforma. Foi o bispo Dom Antônio de Macedo
Costa que mandou fazer a obra. Como ele ficou encantado com a beleza da igreja, as ornamentações
não foram mudadas. No entanto, as imagens e paredes receberam uma nova pintura, fazendo assim
desaparecer o brilho dourado do tempo dos jesuítas.
A Igreja de Santo Alexandre e o Colégio Jesuíta de Belém, são exemplos da presença das missões
dos jesuítas na Amazônia, presença que também se mostra nas cartas de João felipe Bettendorff. No
mesmo livro já citado aqui, Deyseane Costa e Karl Arenz, realizam analise sobre um trecho da carta
do padre: “Eu tinha deixado Belém no mês de dezembro e, por volta da festa do Natal do Senhor,
cheguei à residência em Gurupi, onde os padres montaram um presépio impressionante. Eles
atraíram assim, de modo admirável, todo o povo”. Os autores citam que mais ou menos 25 anos
depois, o mesmo padre Bettendorff, em sua passagem pelos engenhos de Jaguarari e Ibirajuba,
celebrou a missa de Natal. Ele se maravilhou com “um belenzinho muito bem feito para aquela
noite”.
Deyseane Costa e Karl Arenz, mencionam quando os padres jesuítas viram o quanto os índios, e
também os portugueses, gostavam das imagens coloridas dos santos, fizeram questão de colocar
uma em cada capela. Aqui no Pará, os jesuítas se deixaram também inspirar pela natureza e pelas
propostas de seus ajudantes indígenas. Assim, muitos anjos feitos de madeira na oficina do colégio
parecem mais com índios do que com europeus. Os autores descrevem que além de imagens e
púlpitos, os índios escultores faziam também retábulos e nicho para colocar a estátua do santo ou
embutir um quadro.
O patrimônio histórico produzido pelos jesuítas durante o período colonial na Amazônia foi
utilizado durante as missões. Karl Arenz menciona quando o padre João Daniel nos conta que na
Missão dos Borari (hoje Alter-do-chão) os padres só conseguiram explicar aos índios que, para os
cristãos, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo quando apontaram para as três cruzinhas que estavam
dentro de um arco, o “sairé”, que para os índios era muito sagrado. A partir daí, os índios ligaram o
arco antigo à nova Fé e começaram a fazer a festa do Sairé que, aliás, existe até hoje. Esse arco
misterioso teve uma função parecida àquela das imagens, pois ajudou a ter uma fé mais viva.
Frederik Andrade de Matos escreveu sobre as missões jesuíticas e fazendas no entorno de belém.
Para o historiador, O trabalho catequético na região amazônica durante os séculos XVII e XVIII foi
conduzido pelos missionários de diversas ordens religiosas: franciscanos (divididos em suas três
Províncias: Santo Antonio, Piedade e Conceição), mercedários, carmelitas e jesuítas, se
empenharam na tarefa de expandir a fé católica e o reino português nos chamados “sertões”
amazônicos. Mas entre todas as ordens, os jesuítas se destacaram nesse trabalho missionário, tanto
pela sua organização para atuarem nas diversas aldeias administradas por seus padres, como
também para a definição de uma chamada política indigenista para o Estado do Maranhão e Grão-
Pará.
A organização das missões jesuíticas na região amazônica no período colonial foi muito eficiente,
que os mesmos construíram uma grande fortuna em patrimônio e riquezas. Raimundo Neves Neto
escreveu sobre as propriedades dos jesuítas nas cercanias da Capitania de Belém do Pará. O
historiador descreve birajuba, uma das fazendas jesuíticas mais afortunadas no Pará, quiçá a mais
próspera, contando com duas propriedades anexas à fazenda principal do engenho. O local possuía
20carneiros; 5 porcos; 2 mil pés de cacau e alguns de café (próximo à casa da vivenda); 4 pequenas
roças de cacau, com plantas de café; duas roças de farinha; 2 roças de melões (mais ao continente
da légua); 102 escravos confiscados do engenho.
Ao falarmos sobre missões jesuíticas na Amazônia do período colonial, precisamos citar padres que
marcaram a presença dessas missões. Karl Arenz e Diogo Silva, publicaram um livro que analisa a
fundação e consolidação da missão dos jesuítas na Amazônia Portuguesa no século XVII, dando
destaque a três personagens centrais. O primeiro, Luís Figueira, reconheceu as potencialidades
da fronteira amazônica para a implantação do projeto missionário. O segundo, Antônio
Vieira, instaurou – depois da morte trágica de Figueira – o monopólio jesuítico sobre os índios
e expandiu a rede dos aldeamentos. O terceiro, João Felipe Bettendorff, articulou – após a
expulsão violenta de Vieira – um compromisso com os colonos, obteve a autonomia dos
aldeamentos e unificou o discurso catequético. Afligida por uma crise econômica e isolada das
outras possessões portuguesas no mundo atlântico, a Amazônia viveu, naquela época, um clima de
constante tensão e penúria. Em meio às querelas e conivências entre missionários e moradores
acerca dos índios aldeados, a Companhia de Jesus revelou ser um agente primordial na formação da
sociedade e cultura regionais.
Karl Arenz e Diogo Silva, citam que Uma das primeiras referências a aldeamentos administrados
por padres da Companhia de Jesus na Amazônia encontra-se na correspondência do capitão-mor
Alexandre de Moura, responsável pela investida portuguesa contra os franceses de São Luís em
1615. Os historiadores explicam como o projeto jesuítico não foi, como sugere Darcy Ribeiro, uma
“alternativa étnica”, capaz de engendrar um outro tipo de sociedade, paralela àquela criada por
colonos e autoridades. Os inacianos atuaram, antes de mais nada, dentro do quadro de privilégios
que lhes concedeu o regime do padroado. Também a reformulação da legislação indígena por Vieira
só foi possível por causa da margem de ação que este regime permitiu.
Ao falarmos de Antônio Vieira e as missões jesuíticas na Amazônia, Karl Arenz e Diogo Silva
mencionam que Além de consolidar a instituição das missões, Vieira conseguiu aumentar o efetivo
dos missionários – entre os quais muitos coadjutores temporais (religiosos não clérigos) – e pôs-se a
planejar a implantação das etapas-chave do sistema educativo jesuítico, sobretudo, as humanidades
e o noviciado. Para supervisionar a aplicação da nova lei, o superior visitou, entre 1656 e 1660,
todos os aldeamentos de uma ponta da Missão à outra, isto é, da serra de Ibiapaba perto do Cerará
até a ilha dos Tupinambaranas na foz do rio Madeira. Mas, a morte do rei D. João IV, em 8 de
novembro de 1656, privou Vieira repentinamente do apoio de seu principal protetor. Temendo a
reação das câmaras municipais que, aproveitando o desaparecimento do monarca pró-jesuítico,
começaram a interferir na metrópole, o superior implorou a regente D. Luísa de Gusmão, viúva do
rei, para confirmar a lei de 1655 e os privilégios da Companhia de Jesus. Uma provisão régia de
1658 deferiu sua solicitação.
A expulsão dos jesuítas e a política indigenistas pombalina no Grão-Pará, foi tema de pesquisa do
historiador José Alves de Souza Júnior. O mesmo escreveu sobre o multifacetamento do intricado
processo que culminou com adoção das referidas medidas, reconhecendo-as como resultado de um
a complexidade de fatores presentes no contexto histórico do Estado do Grão-Pará e Maranhão,
durante a segunda metade do século XVIII, que, articulados dialeticamente com os acontecimentos
em Portugal, foram conformando os elementos da política pombalina no dito Estado.
A hipótese de que a implantação do Regime do Diretório na amazônia também resultou, e muito,
não só das pressões exercidas pelos colonos em sua demanda pela mão de obra indígena, mas
também das múltiplas práticas dos índios, que, longe de estarem na condição de vítimas passivas da
nova experiência histórica que lhes fora imposta, eram sujeitos autônomos no processo em que
foram inseridos pela colonização portuguesa, no qual, concomitantemente, resistiam, negociavam,
cediam, faziam conquistas, escolhiam aliados entre os estrangeiros etc., ou seja, vivenciavam e
pensavam suas experiências cotidianas nas relações com os invasores, como atores de sua história.
Essas práticas, presentes desde o início da colonização portuguesa no Norte do Brasil, adquiriram
maior dimensão no século XVIII para as autoridades portuguesas, haja vista a importância que a
demarcação do tratado de Madri de 1750 passou a ter para a continuidade e consolidação do
domínio português na região.
Também quanto à expulsão dos jesuítas do Estado do Grão-Pará e maranhão, José Alves Júnior
descreve que tal decisão foi sendo construída durante a estada de Francisco Xavier de Mendonça
Furtado à frente do governo do Estado, à medida que este foi se convencendo de que principalmente
os missionários da Companhia de Jesus sabotavam a expedição demarcatória da fronteira norte,
estabelecida pelo Tratado de Madri, mancomunados com os jesuítas espanhóis além da dita
fronteira, em apoio à Guerra Guaranítica em curso no sul da Colônia. Assim, José Alves Júnior
assinala que o espaço missionário jesuítico, antes visto como espaço neutro, administrado por uma
organização internacional, passou a ser considerado um espaço espanhol dentro da América
portuguesa, o que se tornou intolerável para o governo metropolitano. Se, em Portugal e na Europa,
os jesuítas, de “soldados de Cristo”, passaram a ser vistos como “soldados do Papa”, na Amazônia
foram tornados “agentes espanhóis”.
Para a historiografia, é importante estudar políticas de patrimônio uma vez que também por
meio delas se constroem referências sobre passado. Como afirma Maria Célia Paoli quando se
refere à história, patrimônio e passado, é importante sabermos que nenhuma destas palavras
tem sentido único, “antes formam um espaço de sentido múltiplo, onde diferentes versões se
contrariam, porque saídas de uma cultura plural e conflitante”. 18 Assim, a autora concebe
monumentos arquitetônicos e obras de arte como “documentos e material historiográfico”.
Para finalizarmos a análise sobre os jesuítas na Amazônia e o patrimônio histórico construído por
essa ordem religiosa no espaço amazônico. Precisamos citar o que Deyseane Ferraz da Costa
escreve sobre a finalidade dos estudos do patrimônio histórico. A historiadora que estudou o espaço
Feliz Lusitânia, local onde fica a igreja de Santo de Alexandre e o colégio jesuítico de Belém. Do
universo semântico, ou seja, dos sentidos e significados que se desenvolvem no bojo
dessas transformações referentes ao patrimônio histórico, alguns aspectos são essenciais para
a compreensão do alcance político, econômico, social e principalmente histórico desse
processo. Quando se fala em reconstruir, restaurar, revitalizar, resgatar o patrimônio histórico
é de fundamental importância analisar como ele se constrói, como se legitima, que política
pública se desenvolve sobre as chamadas heranças patrimoniais e como o gestor deixa sua
“marca”. Todos esses questionamentos procuram dar conta dos usos contemporâneos dos
símbolos que conferem identidade, coletividade ou exclusão a uma sociedade. O projeto Feliz
Lusitânia pode e deve ser analisado a partir de todos esses aspectos.

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