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16.

freguesias e capelas:
instituição e provimento de igrejas
em minas gerais
Cláudia Damasceno Fonseca

A publicação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia é prati-


camente contemporânea à organização eclesiástica das Minas Gerais e
à criação das suas primeiras freguesias. Este texto pretende examinar em que
medida essa legislação foi obedecida na região durante o período colonial,
no que toca à instituição de igrejas e capelas, ao provimento das mesmas, e
às condições materiais do culto – construção, ornamentação e conservação
dos templos. De suma importância para a organização da vida religiosa na
Colônia, essas matérias, que são abordadas especialmente nos Livros iii (tí-
tulos xx ao xxviii) e vi (títulos xvii ao xxvi) das referidas Constituições, pa-
recem, de fato, ter sido conduzidas de um modo particular na zona aurífera,
comparativamente a outras regiões do Império português. Essas peculiari-
dades devem-se não somente ao padroado régio, mas também às condições
demográficas, econômicas e políticas específicas do espaço em estudo.
No início da ocupação e da “conversão” dos sertões de Minas, os ofícios
católicos realizavam-se em capelas rústicas, ou simplesmente diante de altares
portáteis, instalados ao lado dos ribeiros auríferos. Os celebrantes eram reli-
giosos regulares e seculares que acompanhavam os paulistas como capelães
de expedição, ou ainda frades rebeldes que haviam abandonado seus con-
ventos em Portugal ou nas capitanias do Nordeste: como os colonos, muitos

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deles também ambicionavam um enriquecimento rápido, e se puseram em


marcha para a região mineradora tão logo souberam das descobertas.
No entanto, desde os primeiros anos do século xviii, a Coroa portu-
guesa preocupara-se com a organização eclesiástica da nova conquista. Não
apenas pelo dever, assumido com Roma, de expandir a fé católica no Novo
Mundo, mas também porque a religião podia ser um meio bastante eficaz
de controle social, tanto quanto a justiça temporal e o “governo político”
que se pretendia implantar nas Minas. Como é sabido, o rei proibiu a ins-
talação de ordens regulares nessa região, e tal medida teve como conse-
quência a formação de um clero majoritariamente secular e de uma vida
religiosa organizada e financiada principalmente pelas irmandades leigas1.
O estabelecimento das estruturas do poder eclesiástico dependeu, portanto,
essencialmente da iniciativa dos habitantes. Movidos por sua religiosidade
e por um forte espírito associativo, eles criavam irmandades, erigiam e or-
navam capelas e igrejas e, muitas vezes, remuneravam os sacerdotes que ali
celebravam os ofícios.
Em 1702, a instâncias do rei de Portugal, d. Francisco de São Jerônimo,
bispo do Rio de Janeiro, cogitava enviar seculares à região para a assistência
espiritual dos mineiros. Entretanto, ele se mostrava bastante consciente da
principal dificuldade com a qual esses padres ver-se-iam confrontados: o
caráter efêmero e itinerante dos estabelecimentos mineradores:

Ouvindo o Bispo as dificuldades propostas, e também a necessidade que ti-


nham os habitadores das minas de remédio espiritual dos sacramentos, achan-
do-se obrigado na consciência dar conta a Deus destas almas, propôs-lhe parecia
mandar sacerdotes suficientes que, repartidos pelos ranchos dos Ribeiros em dis-
tância competente, levantassem altar portátil e administrassem os sacramentos
aos seus como Paroquianos, para que os previna [sic] de ornamentos, e mais fábri-
ca que fosse necessária para este uso, e os habitantes dos ditos ribeiros contribui-
rão à justa sustentação para os tais sacerdotes viverem, e quando uns de Ribeiros

1. Caio C. Boschi, Os Leigos e o Poder: Irmandades Leigas e Política Colonizadora em Minas


Gerais, São Paulo, Ática, 1986.
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passassem para outros, se derrubariam os altares, e nos sítios novos se erigiriam


outros, para não faltar com a cura espiritual às almas, e tanto que estes religiosos
estivessem nas minas, se mandariam logo recolher os religiosos que nelas habita-
vam como V. Maj. é servido mandar [...]2.

Porém, ao mesmo tempo em que o bispo do Rio de Janeiro despachava


seus “sacerdotes” para a região das minas, o prelado da Bahia tomava medi-
das similares, enviando padres regulares – beneditinos e carmelitas – para a
cura dos mineiros. Isso provocou um litígio entre as duas autoridades dio-
cesanas, que passaram a disputar a jurisdição sobre as minas e, em parti-
cular, sobre aquelas situadas à margem do Rio das Velhas (afluente do rio
São Francisco)3. A qual dos prelados caberia o direito de instituir igrejas e
efetuar o provimento dos párocos e curas? Tal situação mereceu uma breve
alusão no célebre relato de Antonil:

Quanto ao espiritual, havendo até agora dúvidas entre os prelados acerca da


jurisdição, os mandados de uma e outra parte, ou como curas ou como visitado-
res, se acharam bastantemente embaraçados. E não pouco embaraçaram outros,
que não acabam de saber a que pastor pertencem aqueles rebanhos. E quando se
averigúe direito do provimento dos párocos, pouco hão de ser temidos e respei-
tados naquelas freguesias móveis de um lugar para outro como os filhos de Israel
no deserto4.

Entre 1703 e 1704, contudo, algumas dessas “freguesias móveis” deixaram


de sê-lo: nessa época, certos arraiais começavam a dar prova de estabilidade,

2. Carta de 2 de agosto de 1702 (resposta de d. Álvaro Silveira e Albuquerque à carta régia


dirigida ao governador do Rio de Janeiro sobre o número de religiosos que deviam vir às
Minas), documento citado em Sílvio Gabriel Diniz, “Primeiras Freguesias nas Minas de
Ouro”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. viii, 1961, p. 175.
3. Sobre essa questão, ver os comentários de Andrée Mansuy (Introdução e Notas), em
Giovanni Antonio Andreoni (André João Antonil), Cultura e Opulência do Brasil por
suas Drogas e Minas, Paris, Sorbonne, 1965, pp. 370 e ss.; Sílvio Gabriel Diniz, op. cit., pp.
173-183.
4. Giovanni Antonio Andreoni (Antonil), op. cit., p. 371.
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graças ao caráter mais intensivo adquirido pela mineração, mas também em


consequência do desenvolvimento progressivo da agricultura e do comércio
na zona aurífera. Os altares portáteis foram sendo substituídos por capelas
fixas e de construção mais duradoura, e os acampamentos se transforma-
vam em verdadeiros povoados. Em seguida, como demonstram diversos do-
cumentos históricos, a promoção dessas capelas a igrejas matrizes era uma
conseqüência do crescimento e da prosperidade dos arraiais em que se situ-
avam, mas também dos espaços rurais circundantes.
Segundo um relato anônimo do século xviii, o bispo Francisco de São
Jerônimo teria delegado ao taubateano Salvador Furtado o poder de deci-
dir sobre a criação de capelas fixas em certas paragens do vale do ribeirão
do Carmo, que funcionariam como sedes de freguesias5. Nessa zona, onde
surgiram Vila Rica, Mariana, e várias outras povoações, foram então criadas
cinco paróquias. No entanto, se é provável que arraiais tão próximos apre-
sentassem na época um crescimento demográfico que justificava a criação
de tantas freguesias, por outro lado a população não parecia ter recursos
suficientes para erigir convenientemente as igrejas, e também para sustentar
os respectivos padres.
De fato, nos arraiais do vale do Carmo, muitos anos se passaram antes
que seus habitantes pudessem construir edifícios religiosos “decentes”, equi-
pados e ornamentados segundo as necessidades do rito católico. Durante os
primeiros anos do século xviii, o único padre nomeado para as paróquias
de São Caetano, Furquim, São Sebastião e Sumidouro preferia celebrar seus
ofícios em uma capela privada, situada no interior das terras de Salvador
Furtado, uma vez que era a única da zona que possuía os objetos necessários
ao culto. Em 1712, o arraial de Sumidouro ainda não dispunha de uma igreja
matriz digna desse nome: um de seus habitantes mais ricos, o português

5. Diogo de Vasconcelos, História Antiga das Minas Gerais, 4. ed., Belo Horizonte/Rio
de Janeiro, Itatiaia, 1974, vol. i, pp. 179 e 223-237. Ver também: “Notícias dos Primeiros
Descobridores das Primeiras Minas de Ouro Pertencentes a estas Minas Gerais...”, em
Affonso de Taunay (org.), Relatos Sertanistas, São Paulo, Comissão do iv Centenário da
Cidade de São Paulo, 1953, pp. 39-41 (Coleção Biblioteca Histórica Paulista, vol. vii).
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Lourenço Domingues, teve de ser sepultado a várias léguas dali, dentro da


matriz da Vila de Nossa Senhora do Carmo6. Por fim, lembre-se que várias
dessas igrejas jamais puderam ser concluídas: em um relatório de visitas
pastorais do início do século xix, a igreja de Furquim aparece como uma
das poucas dessa região cuja obra chegou à fase dos acabamentos – forros,
execução de pinturas e douramentos7.
Em outras zonas mineiras, a malha eclesiástica também foi se formando
paulatinamente, sempre se apoiando nos arraiais e nas ermidas criadas pre-
viamente pelos habitantes. Diversas capelas surgiram nas regiões de Sabará
(Rio das Velhas), do Rio das Mortes e do Serro do Frio, e algumas delas ad-
quiriram rapidamente o status de sede paroquial. Podemos notar que tais
capelas encontram-se, sobretudo, em torno do eixo da serra do Espinhaço,
onde se situavam os principais depósitos e filões auríferos. Ali também foi
instituída a maior parte das matrizes, pois tratava-se, certamente, das par-
tes mais densamente povoadas.
Por volta de 1704, quando a exploração das primeiras unidades agrícolas
do “distrito das minas” começou a dar frutos, a Coroa estabeleceu um siste-
ma de coleta do dízimo eclesiástico8. Não obstante, somente em 1724 d. João
v decidiria assumir – e de forma incompleta – o dever de financiar o culto
católico da nova capitania. A razão desse atraso está no caráter específico de
tal imposto nos territórios coloniais, que repercutiu diretamente no desen-
volvimento da rede eclesiástica mineira. Na metrópole, o dízimo era reco-
lhido por instituições religiosas e destinava-se ao pagamento das côngruas
(pensões anuais vitalícias) dos padres, à construção e reparo das igrejas e
à compra dos objetos do culto. Na Colônia, cabia ao rei recolher o dízimo

6. Diogo de Vasconcelos, op. cit., vol. ii, p. 239.


7. Autor/Editor. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade, Cidade, Editor(a),
ano, pp. 153-160.
8. A esse respeito, ver Raimundo José da Cunha Matos, Corografia Histórica da Província de
Minas Gerais (1837), Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981, vol. i, p. 223; W. de
Almeida Barbosa, Dicionário da Terra e da Gente de Minas, Belo Horizonte, Publicações
do Arquivo Público Mineiro, 1985, pp. 83-84.
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e, segundo alguns historiadores, seu produto foi com frequência utilizado


para fins não religiosos. Além disso, a Coroa procurava esquivar-se da sua
obrigação de custear a cura das almas, evitando ou postergando a “colação”
– atribuição do benefício eclesiástico vitalício – dos párocos, e contribuindo
raramente para a construção das igrejas do ultramar9.

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Além da remuneração dos padres, o padroado régio também incidiu


diretamente na questão do direito de provimento das igrejas, que é matéria
tratada no Título xxii do Livro iii das Constituições:

Ainda que aos Bispos em suas Dioceses pertence, conforme o Direito Canônico,
a provisão, colação e instituição das Igrejas e Benefícios sitos nelas, contudo esta

9. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, Belo Horizonte, Ed. Comunicação, 1979, vol. II.
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regra se limita nas Igrejas e Benefícios que são do Padroado; e como todas as deste
Arcebispado e mais Conquistas o sejam, por pertencerem à Ordem e Cavalaria de
Nosso Senhor Jesus Cristo, de que S. Majestade é Grão Mestre, e perpétuo adminis-
trador, não incumbe aos Ordinários Ultramarinos mais que a colação e confirma-
ção dos clérigos que S. Majestade apresenta10.

Ou seja, na Colônia não cabia aos bispos, e sim ao rei, decidir sobre a
instituição das igrejas (paróquias) e sobre os clérigos que seriam investidos
nas mesmas. Todavia, como acabamos de referir, durante as duas primei-
ras décadas de ocupação, todas as freguesias de Minas foram instituídas e
providas pelo arcebispo da Bahia, no caso da porção norte do vale do São
Francisco – inclusive a zona de Minas Novas, colonizada a partir de 1727
– e, sobretudo, pelo bispo do Rio de Janeiro, responsável pela criação de
todas as paróquias das zonas centro e sul da capitania. No Título xxii das
Constituições encontramos uma explicação parcial para este fato:

Mas porque S. Majestade com zelo, piedade e suma religião costuma permitir-
nos o uso desta regalia, atendendo mais ao útil das Igrejas, e bem de seus Vassalos,
do que a este seu supremo domínio, e querendo em tudo conformar-se com o que
dispõe o Sagrado Concílio Tridentino, concede aos bispos a faculdade de proverem
as Igrejas, precedendo concurso a elas, para que sejam providas de párocos idône-
os e dignos de exercitarem as gravíssimas obrigações do ofício pastoral.
Portanto, conformando-nos com a disposição do Sagrado Concílio Tridentino
que S. Majestade manda guardar inviolavelmente, ordenamos e mandamos que,
em qualquer tempo que vagarem as Igrejas Paroquiais por qualquer modo e via
que seja, se ponham em concurso por édito público para serem providas, e que em
termo de trinta dias, atendendo aos longes e distâncias deste nosso Arcebispado, e
à pouca comunicação que há de umas freguesias às outras, se apresentarem todos
os que quiserem [...], os quais serão examinados [...] nas matérias necessárias
para a cura das almas [...]. E dos aprovados escolheremos o mais digno [...], e este
proproremos a S. Majestade, para lhe mandar passar carta de apresentação, na forma

10. Sebastião Monteiro da Vide, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Coimbra,


Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1720.
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das suas Reais Provisões, que costuma conceder aos Bispos Ultramarinos e pela tal
carta será confirmado e colado na forma de direito 11.

De fato, tem-se notícia de que, já em 1700, durante uma visita pastoral


pelo “dilatado” bispado de Pernambuco, o procurador do bispo de Olinda
criou algumas paróquias em lugares isolados, distantes das freguesias exis-
tentes e separados da Cidade de Olinda por cerca de quatrocentas léguas. No
“lugar do Rio Grande do Sul”, situado “no interior do mato”, os 130 mora-
dores, que viviam da criação do gado, eram certamente muito pobres para
arcar com os custos da fundação de uma matriz e do sustento de um padre:
assim, o visitador “mandou fazer uma paróquia, e lhe pôs um pároco e co-
adjutor; e da Fazenda Real se preparou de todo o necessário para dizer mis-
sa”. O mesmo ocorreu no “Rio de Piauí”, onde foi criada a paróquia de Nossa
Senhora da Vitória, que foi confirmada pelo “Sereníssimo Rei D. Pedro”;
para ambas, este último “mandou dar grandiosos ornamentos, pálios cruzes,
etc., o que tudo custou mais de doze mil cruzados, e mandou pagar anual-
mente aos párocos e coadjutores” 12.
Nas Minas, onde o povoamento foi mais rápido, intenso e disseminado
que nos sertões do Nordeste, a necessidade urgente de se levar assistência
espiritual aos mineiros justificava plenamente o fato de que os bispos da
Colônia pudessem ali instituir e prover igrejas – embora eles também fos-
sem obrigados, em seguida, a prestar contas e a pedir a aprovação de Sua
Majestade. No título xxiv do Livro iii, d. Sebastião Monteiro da Vide forne-
ce mais detalhes sobre as prerrogativas dos prelados de além-mar:

Ainda que neste nosso arcebispado (como nos mais ultramarinos) pertence
a Sua Majestade apresentar párocos perpétuos, o que se não pode executar com a
brevidade que se requer; para que não faltem às almas o pasto espiritual, somos

11. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., livro iii, tít. xxii, §§ 519 e 520 (grifos nossos).
12. asv, Congregazione del Concilio, Relationes Diœcesium, 596 (Olinden). Agradeço a
Bruno Feitler pela indicação e cessão desse documento.
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nós obrigados a encomendar as Igrejas que vagarem a sujeitos idôneos, que satis-
façam a tão precisa obrigação durante o tempo da vacatura delas.
Pelo que ordenamos, que tanto que em nosso arcebispado vagar alguma igreja
curada, se nos faça logo a saber, ou ao nosso provisor, e logo que houver a dita
notícia se proveja de sacerdote idôneo, o qual a cure e governe como pároco enco-
mendado até ser provida de proprietário. E se lhe contribuirá com a mesma côn-
grua como aos demais párocos, por ser assim conforme o direito, e S. Majestade o
ter assim determinado, e assim se observar sempre13.

As prescrições de d. Sebastião Monteiro da Vide parecem se referir às


paróquias que haviam sido inicialmente providas por párocos “perpétuos”
(colados), apresentados pelo rei. Nos casos em que estes ficavam impedidos
de exercer suas funções – por morte, ou “em razão de doença, ou muita ida-
de, ou por cair em falta de juízo, ou por notável insuficiência”14 – os bispos
deviam confiar a freguesia a padres interinos, que receberiam a mesma côn-
grua dos padres “proprietários” (colados)15. No entanto, em outra passagem
do texto, o arcebispo afirma que os tais “encomendados” deveriam ser provi-
dos nas igrejas paroquiais vacantes “assinando-lhes côngrua para sua susten-
tação dos frutos das mesmas igrejas” 16. Ou seja, a remuneração dos padres
adviria unicamente dos rendimentos das freguesias, que se compunham das
“conhecenças”, “pés de altar” e outros emolumentos pagos pelos fregueses17.
Isso foi, com efeito, algo que se verificou em grande parte das paróquias
de Minas, mas também em outras partes da Colônia18. Os padres ali não re-

13. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., livro iii, tít. xxiv, § 522 e 523.
14. Idem, livro iii, tít. xxviii , § 536.
15. Da mesma forma, os padres coadjutores, que eram nomeados para auxiliar os párocos
nas freguesias muito povoadas ou extensas, deveriam ser assistidos com um “salário”,
conforme determinação presente no tít. xxvii: o provisor, “achando alguma Igreja sem
coadjutor, a proverá logo de Sacerdote idôneo, que exercite a cura de almas, pois Sua
Majestade manda assistir com salario aos Sacerdotes, que servirem de coadjutores em
todas as vigairarias que pelos longes, todas necessitam deles” (parágrafo 533).
16. Idem, livro iii, tít. xxviii, § 535.
17. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, op. cit., vol. ii.
18. De acordo com o relato de visita pastoral na diocese de Pernambuco, acima mencionado,
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cebiam côngruas da Coroa, mas remunerações diretas dos habitantes. Além


disso, em vez de constituir uma medida de caráter excepcional e provisório, a
nomeação de padres encomendados acabou se generalizando em Minas, sua
presença nas paróquias tornando-se, senão definitiva, bastante duradoura.
Nessa capitania, tais nomeações episcopais contemplaram essencialmente
freguesias que acabavam de ser instituídas pelos próprios bispos; muitas
delas nunca chegaram a ser providas de vigários colados. Tal fato foi, no
entanto, ainda mais comum em outras regiões da América portuguesa. Em
1778, entre as 102 freguesias instituídas no extenso bispado do Rio de Janeiro,
somente 52 eram coladas, ou seja, 51% do total. Na diocese de São Paulo, a
porcentagem é ainda menor: 22% (treze freguesias coladas num total de 59
paróquias)19. Em Minas Gerais, a tendência se inverteu: 75% das paróquias
criadas pelos bispos na primeira metade do século xviii chegaram a ser
transformadas em freguesias coladas pelo rei de Portugal.
Ainda assim, dependendo da época e das regiões, um número conside-
rável de fregueses da capitania teve que pagar pela administração dos sacra-
mentos, o que suscitou muitos protestos. Se, no início da ocupação, os pio-
neiros paulistas aceitavam pagar uma oitava (aproximadamente 3,6 gramas
de ouro) para a “desobriga” (a confissão e comunhão obrigatórias no período
da Páscoa), e meia oitava de ouro por uma simples confissão, os portugue-
ses que posteriormente chegaram às Minas estranharam o fato de deverem
remunerar os padres, uma vez que já pagavam o dízimo. E não só eles: em
carta datada de 25 de abril de 1712, o próprio bispo do Rio de Janeiro achava

o procurador do bispo criou pelo menos uma paróquia que não foi provida imediata-
mente de padre colado – provavelmente porque os moradores tinham recursos para
ornar a igreja e remunerar os celebrantes. No “lugar entre Pinhanco e Piranhas”, distante
de 150 léguas “da matriz da Paraíba para o sertaõ”, ele mandou erigir igreja Matriz, “para
cuja ereção concorreram os moradores daqueles distritos, e lhe consignou pároco, e co-
adjutor, a quem por hora pagam os mesmos moradores até se fazer requerimento a Sua
Magestade para consignar a côngrua constumada” (asv, Congregazione del Concilio,
Relationes Diœcesium, 596, Olinden).
19. D. Oscar de Oliveira, “Os Dízimos Eclesiásticos do Brasil nos Períodos da Colônia e do
Império, apud W. de Almeida Barbosa, op. cit., vol. ii, p. 407.
freguesias e capelas... 435

inadmissível que os habitantes das Minas continuassem obrigados a edificar


igrejas e a pagar pelos serviços religiosos, sendo que o produto da arreca-
dação dos dízimos na capitania ultrapassava os cem mil cruzados. No ano
seguinte, a câmara da vila de Ribeirão do Carmo pedia ao rei que “aliviasse”
os povos, utilizando o produto do dízimo no pagamento das côngruas20.
Em 1718-1719, o bispo do Rio de Janeiro fixava preços mais razoáveis para
confissões e comunhões, ou seja, seis vinténs de ouro21 – a quinta parte de
uma oitava – o que, como notaram diversos historiadores, ainda era abusi-
vo, e excedia em muito os valores estipulados nas Constituições Primeiras 22.
Na mesma época, a Coroa decidia, enfim, iniciar o pagamento da côngrua
anual de duzentos mil réis aos padres23. No entanto, tal decisão só seria exe-
cutada anos mais tarde. Como já indicamos, foi somente em 1724 que Sua
Majestade instituiu oficialmente as vinte primeiras freguesias coladas em
Minas, sendo que existiam, então, pelo menos 31 paróquias com padres en-
comendados – também chamadas “curatos” 24.
A Coroa procurou sempre reduzir ao mínimo indispensável suas des-
pesas nos territórios coloniais, de modo a tirar o maior proveito possível
das riquezas dali extraídas. É evidente que, do ponto de vista financeiro,
não seria interessante conceder benefícios eclesiásticos a todas as paróquias
criadas pelos bispos. Com efeito, como já se mencionou, o rei podia adiar
durante anos ou décadas a transformação dos curatos mineiros em fregue-
sias coladas, e a escolha das localidades promovidas na hierarquia paroquial
não era, certamente, feita ao acaso. Em 1719-1721, as rebeliões que eclodiram
no sertão do São Francisco e em importantes centros mineradores levaram
a Coroa a separar o governo da região das minas do de São Paulo. Nessa

20. apm, sg, cód. 4, fl. 53-54, documentos citados por W. de Almeida Barbosa, op. cit., vol.
ii, p. 410.
21. W. de Almeida Barbosa, op. cit., vol. ii.
22. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. ii, tít. xxv, § 425.
23. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, op. cit., vol. ii, p. 411.
24. Segundo um documento dos arquivos coloniais portugueses, citado por: W. de Almeida
Barbosa, op. cit., vol. ii, pp. 411-412. Em 1715, já existiam 31 paróquias de instituição epis-
copal (curatos) em Minas Gerais.
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época, planejou-se também a criação de um bispado para Minas Gerais –


projeto que só seria concretizado duas décadas mais tarde –, de modo a asse-
gurar uma melhor eficácia na organização da vida religiosa e no controle do
clero mineiro. Tal medida se fazia necessária uma vez que a interdição dos
padres regulares não havia resolvido os problemas que afligiam a Coroa. Os
seculares que se instalavam nas Minas “como indivíduos particulares” eram,
como os frades, acusados de serem “revoltosos”, ambiciosos e simoníacos,
de faltarem “com o pasto espiritual às ovelhas”, de práticas licenciosas, além
de se mostrarem “rebeldes em pagar os quintos, pretendendo não serem a
isso obrigados” 25.
Assim, a partir de 1723, diversas ordens régias determinavam que “se não
consentissem nas Minas clérigos desnecessários, mas só aqueles que fossem
precisos para o serviço das igrejas” 26. Porém, tais ordens não tiveram “a me-
lhor observância”, conforme um observador coevo: “assistem na Capitania
de Minas muitos clérigos ociosos e inúteis que se ocupam em negociações e
que escandalizam os povos com suas licenciosas vidas e com as perturbações
com que inquietam o sossego público; mas não deixam de haver sacerdotes
de boas letras e que edificam pela sua virtude” 27.
É de se supor que a instituição de vinte freguesias coladas nos princi-
pais centros mineradores tenha se inserido no conjunto de medidas então
tomadas para pôr fim à instabilidade social e política na capitania. Num
tal contexto, era sem dúvida desejável que houvesse homens da confiança
de Lisboa no “governo espiritual” dos arraiais mineiros. De fato, o rei de
Portugal não podia exercer um controle eficaz sobre a nomeação dos padres
encomendados, e a experiência demonstrava que os bispos da Colônia nem
sempre eram confiáveis, agindo muitas vezes em interesse próprio. O histo-
riador Diogo de Vasconcelos afirma que tais dignitários não faziam muitos

25. José João Teixeira Coelho, Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais, Belo
Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 110-111.
26. Idem, p. 112.
27. Idem, ibidem.
freguesias e capelas... 437

esforços para cumprir as ordens régias de expulsar os religiosos corrompi-


dos. Pelo contrário, no intuito de aumentar seu poder diante das autorida-
des civis da Colônia28, os bispos ordenaram um grande número de padres e
enviaram para Minas muitos religiosos sem vocação29.
No entanto, as razões assumidas para a criação das primeiras paróquias
colativas não foram de ordem política. Segundo a carta régia de 12 de fe-
vereiro de 1724, as localidades haviam sido escolhidas a partir de uma lis-
ta preparada pelo bispo do Rio de Janeiro e por d. Lourenço de Almeida,
governador da capitania de Minas Gerais, recentemente separada de São
Paulo. Esse documento continha o nome de doze curatos – paróquias com
padres encomendados – que as autoridades coloniais consideravam boas
candidatas para se tornarem freguesias coladas. A essa lista d. João v deci-
dira, porém, acrescentar oito igrejas. Segundo as informações de que dis-
punha, elas também mereciam receber o benefício eclesiástico em função
do lugar onde haviam sido erigidas, dos emolumentos que ali recebiam os
padres, e do expressivo “número de fregueses” que reuniam30. As outras
paróquias de Minas que não figuravam no documento eram, a princípio,
menos dignas de nota e deveriam permanecer no estado de “curatos”. Tais
argumentos permitem concluir que essa relação enumera os vinte mais
importantes estabelecimentos da capitania em 1724, do ponto de vista de-
mográfico e econômico31. Mas não se deve esquecer que muitas dessas loca-
lidades também tinham um peso político: oito dos vinte arraiais que então

28. Idem, pp. 112-113.


29. Diogo de Vasconcelos, op. cit., vol. ii, p. 135.
30. “[...] no destricto das mesmas Minas há [...] outras Igrejas, que pelo sítio, rendimen-
to e número de fregueses merecem igualmente ser eretas em vigairarias coladas”. ahu,
Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx. 5, doc. 9 (documento parcialmente transcrito
por Raimundo Trindade, Instituições de Igrejas no Bispado de Mariana, Rio de Janeiro,
Publicações do sphan, n. 13, 1945, pp. 11-12).
31. António Dias, Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, Nossa Senhora do Carmo, Furquim,
Ouro Branco, São Sebastião, São Bartolomeu, Guarapiranga, Cachoeira do Campo, São
José, Rio das Mortes (São João d’El-rei), Sabará, Raposos, Caeté, Santa Bárbara, Catas
Altas, Pitangui, Roça Grande, Rio das Pedras, Vila do Príncipe.
438 a igreja no brasil

se tornaram sedes de freguesias coladas haviam sido elevados à categoria


de vila entre 1711 e 171832.
Ainda segundo a decisão real, algumas dessas freguesias possuíam li-
mites bastante “dilatados”, o que impedia que apenas um padre pudesse
“administrar com a devida prontidão os sacramentos aos fregueses”. Em
tais circunscrições, o bispo deveria instituir capelães ou coadjutores, que
cuidariam das capelas filiais frequentadas pelos habitantes dos arraiais e fa-
zendas mais distantes da sede da paróquia33. As paróquias em questão eram
aquelas cujas sedes se encontravam nas oito vilas de Minas, então recém-
criadas34, acrescentando-se ainda as de Catas Altas e de Nazaré da Cachoeira
do Campo. É importante observar que esses territórios paroquiais não eram
apenas os mais extensos, mas também os que reuniam uma população com
recursos suficientes para arcar com a remuneração dos padres designados
para as capelas filiais35. Em poucos anos, muitas dessas capelas tornar-se-iam
matrizes de novas paróquias de instituição episcopal (curatos) – algumas
delas sendo, mais tarde, transformadas em freguesias coladas36.
Em 1727, o rei já cogitava criar novas freguesias colativas, e pedia ao go-
vernador que lhe remetesse as informações necessárias para a escolha das
localidades: “um mapa das Vilas e lugares do distrito dessas Minas, com a
declaração dos fogos de que constam, freguesias que há e quantas mais lhe

32. Nossa Senhora do Carmo, António Dias e Pilar do Ouro Preto (os dois principais arraiais
de Vila Rica), Sabará, Rio das Mortes (que em 1718 tornou-se Vila de São João del-Rei),
Caeté (Vila Nova da Rainha), Serro do Frio (Vila do Príncipe), Pitangui, São José do Rio
das Mortes (ou São José del-Rei, atual Tiradentes).
33. Ordem régia de 12 de fevereiro de 1724, ahu, Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx.
5, doc. 9.
34. Idem, ibidem.
35. A carta régia estipulava que a remuneração dos auxiliares (coadjutores) deveria ser cons-
tituída por “uma parte moderada do rendimento do pé de altar” recebido pelo padre
da igreja matriz. Tratava-se de remunerações diretas que os fiéis pagavam por serviços
extraordinários – a administração de alguns sacramentos e a realização de cerimônias
fúnebres. ahu, Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx. 5, doc. 9.
36. Alguns exemplos: a capela de Nossa Senhora de Prados, que no início dependia da pa-
róquia da Vila de São José del-Rei, e a capela de Rio Acima, filial da freguesia da Vila de
Sabará.
freguesias e capelas... 439

serão necessárias presentemente e quantos e quais são os vigários que a seu


cargo têm tão copioso rebanho, que emolumentos percebem e de que côn-
gruas necesssitarão para viverem com abundância e sem tratarem de mais
negociações que da salvação de seus fregueses” 37.
No entanto, somente ao cabo de 25 anos é que teriam efeito essas novas
promoções, pouco depois da instituição do bispado de Minas Gerais. Ao as-
sumir seu cargo, d. fr. Manuel da Cruz ainda encontraria muitos padres que
viviam de “outros negócios”, e mesmo alguns cujo único objetivo era o de
“enriquecerem para voltarem para o Reino”, e que vexavam e perturbavam
os seus fregueses, exigindo que pagassem emolumentos maiores do que os
estipulados “no novo Regimento” 38.
A diocese de Minas Gerais foi oficialmente instituída em 1745, em
Mariana. Em março de 1749, o prelado apresentava ao rei de Portugal um
inventário das circunscrições eclesiásticas de Minas Gerais. Além das vinte
freguesias coladas em 1724, existiam na capitania 28 outras paróquias (de
instituição episcopal). Dentre elas, 24 seriam transformadas em freguesias
coladas pelo decreto real de 175239. Sem dúvida, isso se explica pela impor-
tância estratégica de Minas Gerais, e pela necessidade de se ter “pastores”
da confiança do rei na direção das comunidades mineradoras, sobretudo
durante o apogeu da produção aurífera.
Por outro lado, essa porcentagem diminuiu sensivelmente após 1752:
apenas 31% (9, num total de 29) dos curatos instituídos pelos bispos du-
rante o período tornaram-se colativas40. Ora, tal inversão de tendência é

37. Carta régia de 14 de março de 1727, Revista do Arquivo Público Mineiro, xxx, 1979, p. 254
(grifos nossos).
38. Carta do bispo d. Manuel da Cruz ao governador da capitania, de 10 de maio de 1755,
ahu, Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx. 68, doc. 8.
39. Tratava-se das paróquias de Aiuruoca, Baependi, Borda do Campo, Campanha, Carijós,
Carrancas, Itaverava, Pouso Alto, Prados, Simão Pereira, São Caetano, Sumidouro,
Antônio Pereira, Barra Longa, Casa Branca, Camargos, Inficionado, Itabira do Campo,
Itatiaia, Congonhas do Sabará, Curral del-Rei, Rio Acima, São João do Morro Grande
(Cocais), São Miguel do Piracicaba e Conceição do Mato Dentro.
40. Segundo os dados disponíveis, as paróquias que se tornaram colativas após o decreto de
440 a igreja no brasil

de se estranhar num período em que, conforme observou Caio C. Boschi,


verificou-se uma “mudança de rumos na política administrativo-religiosa
portuguesa [...], caracterizada pelo regalismo prevalente sob a tutela do fac-
totum Sebastião José de Carvalho e Melo”. Mas o mesmo historiador lem-
brou também que, na segunda metade do Dezoito, “as alianças e a proteção
de que d. fr. Manuel da Cruz desfrutava na corte foram se extinguindo” 41.
Talvez o bispo – que esteve no governo da diocese mineira até 1764 – tenha
obrado no sentido de evitar a colação de novas freguesias, a fim de manter
sob sua influência os vigários dos numerosos curatos; trata-se de uma ques-
tão que não pudemos elucidar e que mereceria um estudo específico.
Encontramos, por outro lado, indícios de que o poder metropolitano
nem sempre respeitou as decisões desse bispo. Em 1751, por exemplo, d. fr.
Manuel da Cruz criara a paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Morro de
Gaspar Soares – desmembrada da extensa freguesia de Conceição do Mato
Dentro –, “consignando-lhe para côngrua e sustentação as conhecenças e
mais direitos paroquiais daqueles moradores que viviam nos seus distritos,
pelos limites que lhes determinou”; no entanto, tal “desmembração não foi
aceita nem aprovada por Sua Majestade, que no ano de 1752, por provisão
da Mesa de Consciência, mandou pároco para a freguesia da Conceição por
inteiro e toda a sua extensão” 42. Cabe salientar que esse padre era “perpétuo”,
nomeado pelo rei, pois naquele ano a freguesia de Conceição do Mato Dentro
tornara-se colativa. Os historiadores Raimundo Trindade e Waldemar de
Almeida Barbosa citam vários outros exemplos de decisões dos bispos mi-
neiros que foram anuladas pelo rei ou por funcionários régios:

1752 e até o fim do período colonial são as seguintes: Camargos (1755), São Manuel do
Rio Pomba (1771), São Bento do Tamanduá (década de 1780), Piuí (1803), Engenho do
Mato (1810), Bambuí (1816), Tejuco (1819), Nossa Senhora do Pilar do Morro de Gaspar
Soares (1919) e Peçanha (1822). Ver: Raimundo Trindade, op. cit.; Waldemar de Almeida
Barbosa, Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais, Belo Horizonte, Itatiaia, 1995.
41. Consultar, no presente livro, o texto de Caio C. Boschi, “Os Escritos de D. Fr. Manuel da
Cruz e as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, p. [revisão completar]
42. Autor/Editor, Visitas Pastorais, p. 89.
freguesias e capelas... 441

Em 1752, o mesmo bispo [d. fr. Manuel] negou-se a colar, em São João del-Rei,
o padre Matias Antônio Salgado, que viera de Portugal provido como vigário,
tendo alegado que era elemento expulso da Companhia de Jesus. Na sua comu-
nicação ao Secretário de Estado, Diogo de Mendonça, o bispo acrescentava: “Para
o serviço deste bispado, não lhe faltam clérigos mui dignos e sem nota”. Forçado
pelas exigências do padroado, voltou atrás e colou o vigário43.

O caso do arraial de Tejuco, atual Diamantina, é outro bom exemplo


da interferência da autoridade régia na formação da malha eclesiástica.
Tratava-se de uma das aglomerações mais importantes de Minas Gerais du-
rante o século xviii, rivalizando com a capital Vila Rica. Não obstante, em
razão de sua posição geográfica – o Tejuco situava-se no centro do distrito
dos diamantes, zona estratégica e fortemente controlada – não se admitia ali
nenhuma autoridade capaz de rivalizar com o poder dos intendentes. Com
efeito, o arraial permaneceu subordinado à paróquia de Vila do Príncipe até
1819, quando se tornou sede de freguesia.
Notemos que as paróquias coladas pelo rei em 1724 situavam-se princi-
palmente na zona central de Minas, ao passo que as que foram instituídas
em 1752 localizavam-se na zona meridional da capitania, e principalmente na
comarca do Rio das Mortes, para onde o povoamento se expandira na segun-
da metade do século. Nessas zonas essencialmente agrícolas surgiu, durante
a segunda metade do século xviii, um grande número de arraiais e capelas,
mas poucas delas foram alçadas à categoria de freguesias pelos bispos44.
Como a agricultura produz um tipo de ocupação mais dispersa do que
a atividade mineradora, preferiu-se conceder provisões para a construção
de muitas pequenas capelas filiais, em vez de criar um número menor de
matrizes: por mais que as Constituições especificassem que as igrejas paro-

43. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, op. cit., vol. ii, p. 399.
44. A maioria delas foi criada em zonas de litígio (conflitos territoriais com capitanias li-
mítrofes): ver Cláudia Damasceno Fonseca, Des Terres au Villes de l’Or: Pouvoirs et
Territoires Urbains au Minas Gerais (Brésil, xviiie Siècle), Paris, Centre Culturel Calouste
Gulbenkian, 2003 (versão em português no prelo, Editora da ufmg).
442 a igreja no brasil

quiais deveriam ser edificadas “onde estiver o maior número de fregueses”,


fatalmente elas seriam acessíveis a poucos fiéis, por causa da dispersão das
habitações e das consideráveis distâncias – três, sete, dez léguas ou mais –
que podiam separar os sesmeiros de sua matriz. Essa ideia está presente nos
parágrafos das Constituições que tratam “Da edificação das capelas, ou ermi-
das”: “é cousa muito pia e louvável edificarem-se capelas em honra e louvor
de Deus nosso senhor [...] porque com isso se exercita e afervora a devoção
dos fiéis, e se segue a utilidade de haver nas grandes e dilatadas paróquias
lugares decentes, em que comodamente se possa celebrar” 45.

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Cabe aqui observar que o número total de paróquias criadas nas Minas
do período colonial parece bastante reduzido quando se leva em conta a

45. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 692.
freguesias e capelas... 443

grande extensão territorial da capitania, e o elevado número de habitantes


– equivalente a 20% da população da América portuguesa. Trata-se, de fato,
de uma rede de freguesias que permaneceu bastante “distendida” durante
todo o século xviii e boa parte do xix, ao contrário do ocorrido na me-
trópole, onde a malha paroquial era bem mais compacta. Bastam alguns
números para evidenciar tal contraste: em 1745, Portugal possuía 3 987 uni-
dades paroquiais46. Na mesma época, a capitania de Minas Gerais – que é
pelo menos seis vezes maior que o território português – não contava mais
do que 50 freguesias, todas elas vastíssimas, e com um número variável de
capelas filiais.
Além das questões geográficas e demográficas, há também fatores de
ordem econômica que talvez expliquem a diminuição no número de novas
freguesias, coladas ou não, na segunda metade do século. Por um lado, como
o desmembramento ou subdivisão de uma paróquia podia colocar em pe-
rigo a sua subsistência, era preferível que houvesse capelas espalhadas pelas
extremidades desses territórios; assim, o bispo poderia decidir se era ou não
conveniente que houvesse um capelão ou coadjutor que administrasse re-
gularmente os sacramentos aos habitantes das redondezas. Não por acaso,
as Constituições Primeiras especificavam que, ao se conceder licenças para a
edificação das capelas e ermidas, reservar-se-ia “o direito das igrejas paro-
quiais, às quais em nenhuma cousa se prejudicará pela ereção e fundação de
quaisquer capelas e ermidas que de novo se fizerem” 47.
Há também que se notar que, em certas regiões, os fazendeiros não
eram suficientemente ricos – ou fervorosos – para gastar as somas neces-
sárias à construção de uma simples capela “decente” – ou seja, apta a ser
oficializada pelas autoridades eclesiásticas, de acordo com as constituições
do arcebispado:

46. Segundo os dados presentes em Lourenço de M. P. Sotto-Maior e Castro, Mappa


Chronologico do Reino de Portugal e Seus Dominios, Lisboa, 1815, apud Ana Maria N. da
Silva & Antonio Manuel Hespanha, “Quadro Espacial”, em José Mattoso, História de
Portugal, vol. iv (O Antigo Regime), p. 43, nota 9.
47. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 693.
444 a igreja no brasil

[...] ordenamos e mandamos que, querendo algumas pessoas em nosso arce-


bispado fundar capela de novo, nos deem primeiro conta por petição, e achando
nós por vistoria e informação que mandaremos fazer, que o lugar é decente e
que se obrigam a fazê-la de pedra e cal, e não somente de madeira, ou de barro,
assinando-lhe dote competente ao menos de seis mil réis cada ano para sua fá-
brica, reparação e ornamentos, lhe concedemos licença, fazendo-se de tudo autos
e escrituras [...] com especial advertência, que não se fundem em lugares ermos
e despovoados. E todas as capelas estarão sempre limpas, e a chave se entregará
a pessoa devota que tenha cuidado de sua limpeza, e de a fechar e abrir quando
for tempo48.

Como já foi salientado em vários trabalhos49, no que toca às igrejas pa-


roquiais, havia também exigências específicas quanto à implantação e às ca-
racterísticas arquitetônicas dos edifícios:

Conforme o direito canônico, as igrejas se devem fundar e edificar em lugares


decentes e acomodados, pelo que mandamos, que havendo-se de edificar de novo
alguma igreja paroquial no nosso arcebispado, se edifique em sítio alto e lugar
decente, livre da umidade, e desviado, quanto for possível, de lugares imundos,
e sórdidos, e de casas particulares e de outras paredes, em distância que possam
andar as procissões ao redor delas, e que se faça em tal proporção, que não so-
mente seja capaz dos fregueses todos, mais ainda de mais gente de fora, quando
concorrer às festas, e se edifique em lugar povoado onde estiver o maior número
de fregueses. E quando se houver de fazer, será com licença nossa: e feita vistoria,
iremos primeiro, ou outra pessoa de nosso mando, levantar Cruz no lugar aonde
houver de estar a capela maior, e demarcará o âmbito da igreja, e o adro dela.

48. Idem, liv. iv, tít. xix, § 693, tít. xix, § 692 e 693.
49. Entre os autores que se interessaram pela questão, citemos: Murilo Marx, Nosso Chão:
do Sagrado ao Profano, São Paulo, Edusp, 1988; do mesmo autor, Cidade no Brasil:
Terra de Quem?, São Paulo, Edusp/Nobel, 1991. Sobre a instituto de capelas e igrejas
em Minas Gerais: Sérgio da Mata, Chão de Deus: Catolicismo Popular, Espaço e Proto-
urbanização em Minas Gerais, Brasil. Séculos xviii-xix, Berlim, Wiss. Verlag, 2002;
Claudia Damasceno Fonseca, op. cit. Rubenilson Brazão Teixeira analisou o caso do Rio
Grande do Norte, ver seu artigo “As Constituições Eclesiásticas e a Cidade Potiguar”, na
p. [revisão completar] deste livro.
freguesias e capelas... 445

As igrejas paroquiais terão capela maior, e cruzeiro, e se procurará que a capela


maior se funde de maneira, que posto o sacerdote no altar fique com o rosto no
Oriente, e não podendo ser fique para o Meio-dia, mas nunca para o Norte, nem
para o Ocidente. Terão pias batismais de pedra, e bem vedadas de todas as partes,
armários para os Santos Óleos, pias de água benta, um púlpito, confessionários,
sinos e casa de sacristia; e haverá no âmbito, e circunferência delas adros, e cemi-
térios capazes para neles se enterrarem os defuntos; os quais adros serão demarca-
dos por nosso provisor ou vigário geral [...]50.

Para que tal legislação fosse respeitada, os bispos de Minas e seus de-
legados realizavam periodicamente a inspeção das igrejas matrizes e das
pequenas capelas construídas pelos fiéis. Em 1755, por exemplo, o padre
Francisco de Cerqueira abençoava a capela de “Nossa Senhora do Porto do
Turvo” (filial da freguesia de Aiuruoca, no sul de Minas), a qual considerou
“decente, dotada dos paramentos das quatro cores” 51 e “de todo o neces-
sário para a celebração do sacrifício da missa” 52. Por outro lado, durante
suas vistas pastorais dos anos 1821-1825, o bispo d. fr. José da Santíssima
Trindade condenou uma série de capelas, devido à sua indecência53. De fato,
as Constituições previam que:

[...] havendo em nosso arcebispado algumas capelas ou ermidas que estejam


muito velhas e ruinosas, sem haver quem as possa reparar e restaurar, ou faltas to-
talmente de ornato e ornamentos, sem renda para a fábrica delas; ou que estejam
em local tão ermo, e despovoado, que fiquem expostas a indecências [...] e não
havendo quem se obrigue a orná-la e edificá-la, estando ruinosa, ou mal ornada

50. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xvii, § 687-688.
51. A expressão designa, de maneira genérica, as quatro cores tradicionais dos ornamentos e
paramentos litúrgicos, cujo uso varia segundo as festas católicas: verde, branco, vermelho
e roxo. Ver o glossário preparado por Ronald Polito de Oliveira, que integra a edição de
Autor/Editor, Visitas Pastorais..., op. cit.
52. W. de Almeida Barbosa, op. cit., p. 25. Para outros exemplos, consultar Raimundo
Trindade, op. cit., bem como os relatórios das visitas pastorais realizadas no início do
século xix pelo bispo de Mariana, Autor/Editor, Visitas Pastorais.
53. Autor/Editor, op. cit., p. 85.
446 a igreja no brasil

[...] ou em local muito ermo e despovoado, se derrube e profane; e se tiver alguma


imagem, se mudará para a igreja paroquial54.

A alternativa da demolição não parece ter sido adotada com frequência


no período em estudo: na maior parte das vezes, o bispo ou padre amea-
çava a capela de interdição, dando aos fiéis um prazo para efetuar as obras
necessárias. Em casos mais graves, o edifício era imediatamente interditado.
Foi o caso, por exemplo, da capela pública de Nossa Senhora da Glória dos
Homens Pardos, ereta “nos subúrbios” do arraial do Inficionado, próximo a
Mariana. O edifício não estava “arruinado”, mas inconcluso, “sem frontispí-
cio nem campamento, e só a pequena capela-mor com ornamentos decentes
para o comum”; por isso, o prelado a houve “por interdita absolutamente
enquanto se não completarem as obras do templo e for então visitada por
nossa especial comissão” 55.
Em diversos parágrafos das Constituições, evidencia-se uma preocupa-
ção especial com o sítio em que os edifícios religiosos eram erguidos, espe-
cialmente as igrejas matrizes. Por vezes, tais exigências levavam os padres a
deslocar uma sede paroquial de uma localidade para outra, como ocorreu
em Minas algumas vezes durante a segunda metade do século xviii. Em
1760, o arraial de Carrancas perdia sua posição de sede de freguesia cola-
da em favor do arraial vizinho, Lavras do Funil – que era duas vezes mais
populoso, e cujos habitantes já haviam começado a edificar uma igreja de
grandes proporções, em um terreno que ofereceria mais “comodidades” do
que o da matriz de Carrancas. Com efeito, essa última não respeitava todas
as exigências das Constituições, visto não possuir adro nem um espaço à
volta para as procissões56.
Em 1779, o bispo de Mariana utilizou argumentos semelhantes para de-
fender a concessão do título de freguesia colada à capela filial do arraial

54. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 694.
55. Autor/Editor, op. cit., pp. 83-85.
56. W. de Almeida Barbosa, op. cit., pp. 186-187.
freguesias e capelas... 447

de Santa Luzia, em detrimento da antiga paróquia de Roça Grande, que


deveria perder tal distinção. Segundo o prelado, a matriz de Roça Grande
encontrava-se “num lugar pouco povoado e muito triste por ficar num ter-
reno baixio, exposto às inundações do Rio das Velhas”. Em Santa Luzia, a
igreja era “nova, grande e bem paramentada”. Tratava-se de um arraial dedi-
cado ao comércio e próspero, circundado por terrenos férteis, ao passo que
as jazidas auríferas ao redor de Roça Grande eram, então, pouco rentáveis
e seus terrenos agrícolas já estavam improdutivos. Além disso, Santa Luzia
tinha a vantagem de ser mais central no tocante ao território da paróquia,
sendo acessível a um maior número de fregueses. No entanto, a transferên-
cia da matriz foi adiada em muitos anos em razão dos protestos da popu-
lação de Roça Grande, que se opunha à ideia de que seu arraial perdesse a
condição de freguesia57.
No início do século xix, d. fr. José da Santíssima Trindade encontrou
diversas matrizes em estado de ruína e “indecência”, especialmente na re-
gião de Ouro Preto e Mariana58. Em 4 de julho de 1821, ele visitava a igre-
ja de Nossa Senhora da Conceição do arraial de Camargos, que havia sido
bastante rico na época do apogeu da mineração, e cuja freguesia havia sido
transformada em colativa em 1755. De acordo com o relatório de sua visita
pastoral, os ornamentos eram “pouco decentes e as paredes do templo e
campas bastantemente arruinadas”. Segundo o prelado, o pároco se mos-
trava zeloso, mas era “tanta a decadência do país”, que a alternativa que se
oferecia era a venda “de toda a mobília de prata, lâmpadas e varas do pálio
[...] e, com o seu resultado, consertar os ornamentos e campas da igreja [...]
corroborando mais esta resolução o perigo evidente de roubo a que estão
expostas as mesmas peças, não só pelo ermo do lugar, como pela pouca se-
gurança das portas e paredes do templo” 59.

57. Ver a correspondência entre o bispo de Mariana e o rei nos anos 1749-1752, transcritas por
Raimundo Trindade, op. cit., pp. 253-257, 268-275.
58. Ver Ronald Polito de Oliveira, “Estudo Introdutório”, em Autor/Editor, op. cit., pp. 21-77.
59. Autor/Editor, op. cit., p. 82.
448 a igreja no brasil

Nas povoações em que a conjuntura econômica não parecia tão desastro-


sa quanto em Camargos, o bispo solicitou diretamente os moradores – como
na já mencionada freguesia de Nossa Senhora de Nazaré do Inficionado,
onde ele diligenciou uma “subscrição pelos fazendeiros que melhor pode-
riam contribuir” para as necessárias obras da matriz60. Em algumas poucas
localidades, o estado das igrejas e das capelas se mostrou quase irrepreensí-
vel61. Em Catas Altas, o bispo teve a satisfação de ver “o santuário da matriz
paramentado com a maior decência, pia batismal, sacristia e todos os or-
namentos e vasos sagrados com o maior asseio possível”. Porém, ele reco-
mendou ao pároco que empregasse “todo o esforço” para que se mudasse o
cemitério da matriz, “por não estar este lugar sagrado, assim aberto, exposto
à profanação”, e pediu também que se fizesse o possível para executar o dou-
ramento do altar-mor, “pondo-se em atividade a cobrança dos rendimentos
da fábrica e algumas esmolas mais dos seus paroquianos” 62.
Esse apelo constante ao “zelo” e à piedade dos fregueses, instados a con-
tribuir financeiramente para a construção (ou reconstrução) e a ornamen-
tação das suas matrizes, demonstra que um dos preceitos das Constituições
foi pouco seguido pela Coroa. Segundo o título xvii do Livro iv, todas as
igrejas paroquiais da Colônia pertenciam ao rei de Portugal, este deveria
pagar um “dote” que ajudasse na construção e conservação das matrizes –
como afirma, com alguma complacência, o arcebispo da Bahia:

E não tratamos aqui do dote que é preciso tenha cada uma das igrejas paro-
quiais: porque como todas as deste arcebispado pertencem à Ordem e Cavalaria
de Nosso Senhor Jesus Cristo, de que S. Majestade é perpétuo administrador, tem
o mesmo Senhor com muita católica providência mandado pagar pontualmente
[...] os dotes das igrejas, que é seis mil réis a cada igreja, e oito para as que estão
em vilas: assim como com muito liberal mão, como tão zeloso e católico rei,

60. Idem, p. 83
61. Ronald Polito de Oliveira, op. cit., p. 56.
62. Autor/Editor, op. cit., p. 86.
freguesias e capelas... 449

manda dar grossas esmolas, assim para a edificação, como para a reedificação das
ditas igrejas63.

Talvez o rei tenha cumprido com essa obrigação até o início do século
xviii, nas outras capitanias, onde o número de habitantes e de freguesias
era mais reduzido que nas Minas. As informações disponíveis sugerem que,
nessa capitania, tais doações régias foram raras, a maior parte das despe-
sas ficando mesmo a cargo dos habitantes. As matrizes mineiras foram er-
guidas graças ao empenho das irmandades, em especial as do Santíssimo
Sacramento e as ordens terceiras do Carmo e da Penitência, que congrega-
vam a elite local64. Quando uma ajuda se tornava realmente indispensável
para viabilizar as obras de construção, de ornamentação, ou de reparos
urgentes, o rei procurava se livrar do encargo apelando, em primeiro lugar,
para os oficiais das câmaras, aos quais ele recomendava que promovessem,
e financiassem, a construção de matrizes no interior dos seus territórios de
jurisdição (termos).
De acordo com a análise dos relatórios das visitas pastorais de d. fr. José da
Santíssima Trindade (1821-1825), efetuada por Ronald Polito de Oliveira, den-
tre as 64 matrizes existentes em Minas, 21 apresentavam um estado lastimável
em termos das condições materiais do culto. É importante lembrar, porém,
que muitas delas simplesmente não haviam sido concluídas, pois a constru-
ção de muitas dessas igrejas se arrastou por toda a segunda metade do século
xviii, entrando pelo século seguinte. Note-se ainda que nem sempre foi pos-
sível respeitar a recomendação relativa ao sistema construtivo: grande parte
dos templos mineiros foi erguida em “madeira e barro”, materiais mais frá-
geis que a “pedra e cal” recomendada nas Constituições 65. Por isso, não foram
poucos os casos em que, ao se chegar à fase dos acabamentos – douramentos
de retábulos, pinturas de forros –, os poucos recursos disponíveis tiveram de

63 Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. IV, tít. XVII, § 689.
64. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, vol. ii.
65 Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 693, tít. xix, § 692.
450 a igreja no brasil

ser canalizados para a reconstrução de paredes e torres que ameaçavam ruir.


As citadas visitas pastorais descrevem algumas situações extremas, como a
da matriz de Bambuí, onde as paredes estavam de tal modo arruinadas e
esburacadas “que os animais entram dentro, e se acontecer ficar algum corpo
para se enterrar depois, é dilacerado pelos mesmos animais”66. É importante
salientar, porém, que se metade das matrizes apresentava condições satisfató-
rias, isso se devia à piedade e ao sacrifício dos próprios fregueses.
As Constituições também continham exigências no que diz respeito aos
utensílios necessários à liturgia católica67. É verdade que tal legislação levava
em conta os diferentes contextos socioeconômicos da Colônia: a “quantida-
de dos ornamentos e móveis que há de haver em cada igreja, [não se pode]
dar conta certa nestas Constituições, por umas serem mais numerosas, e
terem fregueses mais ricos, outras menos paroquianos, e mais pobres” 68.
Mesmo assim, d. Sebastião procurou estabelecer uma lista dos objetos es-
senciais para que se pudesse celebrar os sacramentos com um mínimo de
“decência e limpeza”. Para os “altares e celebração do Santo Sacrifício da
missa”, exigiam-se, entre outras alfaias, cruzes, toalhas, panos para as mãos,
castiçais, cálices, pátenas, caixas de hóstias, vasos, galhetas, campainhas e
missais”. Nas igrejas “onde estivesse o Santíssimo Sacramento” – ou seja, nas
matrizes – era necessário ainda que houvesse: “turíbulo, naveta, pálio, custó-
dia, âmbula para a comunhão, lanternas Sacrário, e a lâmpada, que diante do
Senhor esteja sempre acesa [...] o que tudo na quantidade, e qualidade, será
conforme a possibilidade de cada uma das igrejas, mas haverá muito cuidado
que tudo seja limpo, são e decente, e que se não celebre senão em cálices de
prata com pátenas do mesmo” 69.
No que toca a esses bens móveis, d. fr. José da Santíssima Trindade cons-
tatou irregularidades em cerca da metade das igrejas e ermidas mineiras

66. Ronald Polito de Oliveira, op. cit., p. 52.


67. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xvi, xvii, xviii e xix.
68. Idem, liv. iv, tít. xxii, § 706.
69. Idem, liv. iv, tít. xxii, § 707 (grifos nossos).
freguesias e capelas... 451

nos anos 1821-182570. Em praticamente todos os templos, o bispo lamentou


a falta de alguns objetos essenciais ou a pobreza dos mesmos: entre outros
problemas, os vasos dos Santos Óleos, cálices, patenas, turíbulos e bacias de
água benta eram feitos de metais pouco nobres (estanho, cobre, latão), em
vez de prata; em alguns casos, os panos e toalhas eram de algodão, em vez de
linho, o que também contrariava as regras do cerimonial. Sem falar de ca-
sos realmente “escandalosos”, como o da capela de Santa Luzia da freguesia
de São Gonçalo, onde, segundo informações, crianças haviam sido batiza-
das “em gamelas” 71. Como observou o historiador R. Polito, não havia, no
entanto, “relações diretas entre decadência do patrimônio religioso e vida
econômica de cada freguesia, e muito menos entre ausência de patrimônio
material e pouco fervor religioso” 72.
Da mesma forma, se os critérios econômico e demográfico parecem ter
tido grande peso na concessão de autorizações para construção de cape-
las, e na escolha das que seriam promovidas a igrejas matrizes, não se deve
concluir que tenha havido qualquer espécie de linearidade ou de determi-
nismo nesse processo. As promoções na hierarquia eclesiástica dependiam
de muitos outros fatores, como a “comodidade” e a salubridade dos arraiais,
as distâncias entre os povoados e as igrejas matrizes já existentes. Fatores de
ordem política, bem como estratégias e interesses individuais – dos padres,
dos bispos, bem como dos fregueses –, também desempenharam um papel
determinante na formação das circunscrições eclesiásticas: as paróquias nem
sempre foram criadas nos arraiais mais populosos e ricos; inversamente, al-
gumas localidades bem povoadas e prósperas da capitania não obtiveram as
promoções eclesiásticas que mereciam.
Diante do que foi exposto, pode-se concluir que as prescrições das
Constituições Primeiras que concernem à instituição, à construção e ao pro-
vimento das igrejas não puderam ser seguidas à risca nas Minas: ali, como

70. Ronald Polito de Oliveira, op. cit., pp. 56-57.


71. Idem, p. 56.
72. Idem, p. 52.
452 a igreja no brasil

em outras partes da América portuguesa, o estado do povoamento e o grau


de riqueza e de fervor cristão dos habitantes eram extremamente variáveis.
Por conseguinte, os prelados foram levados a agir com flexibilidade, adotan-
do, em cada caso, as resoluções que fossem mais “acomodadas ao país” 73.

73. Segundo a expressão utilizada no “Memorial do Padre Ângelo de Siqueira, Missionário


Apostólico, Sobre Assuntos Pastorais do Brasil”, datado de Lisboa, a 19 de junho de 1753, em
Arlindo Rubert, A Igreja no Brasil, Santa Maria, Gráf. Palotti, 1981. v. 3, pp. 373-377.

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