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freguesias e capelas:
instituição e provimento de igrejas
em minas gerais
Cláudia Damasceno Fonseca
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5. Diogo de Vasconcelos, História Antiga das Minas Gerais, 4. ed., Belo Horizonte/Rio
de Janeiro, Itatiaia, 1974, vol. i, pp. 179 e 223-237. Ver também: “Notícias dos Primeiros
Descobridores das Primeiras Minas de Ouro Pertencentes a estas Minas Gerais...”, em
Affonso de Taunay (org.), Relatos Sertanistas, São Paulo, Comissão do iv Centenário da
Cidade de São Paulo, 1953, pp. 39-41 (Coleção Biblioteca Histórica Paulista, vol. vii).
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Ainda que aos Bispos em suas Dioceses pertence, conforme o Direito Canônico,
a provisão, colação e instituição das Igrejas e Benefícios sitos nelas, contudo esta
9. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, Belo Horizonte, Ed. Comunicação, 1979, vol. II.
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regra se limita nas Igrejas e Benefícios que são do Padroado; e como todas as deste
Arcebispado e mais Conquistas o sejam, por pertencerem à Ordem e Cavalaria de
Nosso Senhor Jesus Cristo, de que S. Majestade é Grão Mestre, e perpétuo adminis-
trador, não incumbe aos Ordinários Ultramarinos mais que a colação e confirma-
ção dos clérigos que S. Majestade apresenta10.
Ou seja, na Colônia não cabia aos bispos, e sim ao rei, decidir sobre a
instituição das igrejas (paróquias) e sobre os clérigos que seriam investidos
nas mesmas. Todavia, como acabamos de referir, durante as duas primei-
ras décadas de ocupação, todas as freguesias de Minas foram instituídas e
providas pelo arcebispo da Bahia, no caso da porção norte do vale do São
Francisco – inclusive a zona de Minas Novas, colonizada a partir de 1727
– e, sobretudo, pelo bispo do Rio de Janeiro, responsável pela criação de
todas as paróquias das zonas centro e sul da capitania. No Título xxii das
Constituições encontramos uma explicação parcial para este fato:
Mas porque S. Majestade com zelo, piedade e suma religião costuma permitir-
nos o uso desta regalia, atendendo mais ao útil das Igrejas, e bem de seus Vassalos,
do que a este seu supremo domínio, e querendo em tudo conformar-se com o que
dispõe o Sagrado Concílio Tridentino, concede aos bispos a faculdade de proverem
as Igrejas, precedendo concurso a elas, para que sejam providas de párocos idône-
os e dignos de exercitarem as gravíssimas obrigações do ofício pastoral.
Portanto, conformando-nos com a disposição do Sagrado Concílio Tridentino
que S. Majestade manda guardar inviolavelmente, ordenamos e mandamos que,
em qualquer tempo que vagarem as Igrejas Paroquiais por qualquer modo e via
que seja, se ponham em concurso por édito público para serem providas, e que em
termo de trinta dias, atendendo aos longes e distâncias deste nosso Arcebispado, e
à pouca comunicação que há de umas freguesias às outras, se apresentarem todos
os que quiserem [...], os quais serão examinados [...] nas matérias necessárias
para a cura das almas [...]. E dos aprovados escolheremos o mais digno [...], e este
proproremos a S. Majestade, para lhe mandar passar carta de apresentação, na forma
das suas Reais Provisões, que costuma conceder aos Bispos Ultramarinos e pela tal
carta será confirmado e colado na forma de direito 11.
Ainda que neste nosso arcebispado (como nos mais ultramarinos) pertence
a Sua Majestade apresentar párocos perpétuos, o que se não pode executar com a
brevidade que se requer; para que não faltem às almas o pasto espiritual, somos
11. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., livro iii, tít. xxii, §§ 519 e 520 (grifos nossos).
12. asv, Congregazione del Concilio, Relationes Diœcesium, 596 (Olinden). Agradeço a
Bruno Feitler pela indicação e cessão desse documento.
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nós obrigados a encomendar as Igrejas que vagarem a sujeitos idôneos, que satis-
façam a tão precisa obrigação durante o tempo da vacatura delas.
Pelo que ordenamos, que tanto que em nosso arcebispado vagar alguma igreja
curada, se nos faça logo a saber, ou ao nosso provisor, e logo que houver a dita
notícia se proveja de sacerdote idôneo, o qual a cure e governe como pároco enco-
mendado até ser provida de proprietário. E se lhe contribuirá com a mesma côn-
grua como aos demais párocos, por ser assim conforme o direito, e S. Majestade o
ter assim determinado, e assim se observar sempre13.
13. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., livro iii, tít. xxiv, § 522 e 523.
14. Idem, livro iii, tít. xxviii , § 536.
15. Da mesma forma, os padres coadjutores, que eram nomeados para auxiliar os párocos
nas freguesias muito povoadas ou extensas, deveriam ser assistidos com um “salário”,
conforme determinação presente no tít. xxvii: o provisor, “achando alguma Igreja sem
coadjutor, a proverá logo de Sacerdote idôneo, que exercite a cura de almas, pois Sua
Majestade manda assistir com salario aos Sacerdotes, que servirem de coadjutores em
todas as vigairarias que pelos longes, todas necessitam deles” (parágrafo 533).
16. Idem, livro iii, tít. xxviii, § 535.
17. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, op. cit., vol. ii.
18. De acordo com o relato de visita pastoral na diocese de Pernambuco, acima mencionado,
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o procurador do bispo criou pelo menos uma paróquia que não foi provida imediata-
mente de padre colado – provavelmente porque os moradores tinham recursos para
ornar a igreja e remunerar os celebrantes. No “lugar entre Pinhanco e Piranhas”, distante
de 150 léguas “da matriz da Paraíba para o sertaõ”, ele mandou erigir igreja Matriz, “para
cuja ereção concorreram os moradores daqueles distritos, e lhe consignou pároco, e co-
adjutor, a quem por hora pagam os mesmos moradores até se fazer requerimento a Sua
Magestade para consignar a côngrua constumada” (asv, Congregazione del Concilio,
Relationes Diœcesium, 596, Olinden).
19. D. Oscar de Oliveira, “Os Dízimos Eclesiásticos do Brasil nos Períodos da Colônia e do
Império, apud W. de Almeida Barbosa, op. cit., vol. ii, p. 407.
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20. apm, sg, cód. 4, fl. 53-54, documentos citados por W. de Almeida Barbosa, op. cit., vol.
ii, p. 410.
21. W. de Almeida Barbosa, op. cit., vol. ii.
22. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. ii, tít. xxv, § 425.
23. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, op. cit., vol. ii, p. 411.
24. Segundo um documento dos arquivos coloniais portugueses, citado por: W. de Almeida
Barbosa, op. cit., vol. ii, pp. 411-412. Em 1715, já existiam 31 paróquias de instituição epis-
copal (curatos) em Minas Gerais.
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25. José João Teixeira Coelho, Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais, Belo
Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 110-111.
26. Idem, p. 112.
27. Idem, ibidem.
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32. Nossa Senhora do Carmo, António Dias e Pilar do Ouro Preto (os dois principais arraiais
de Vila Rica), Sabará, Rio das Mortes (que em 1718 tornou-se Vila de São João del-Rei),
Caeté (Vila Nova da Rainha), Serro do Frio (Vila do Príncipe), Pitangui, São José do Rio
das Mortes (ou São José del-Rei, atual Tiradentes).
33. Ordem régia de 12 de fevereiro de 1724, ahu, Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx.
5, doc. 9.
34. Idem, ibidem.
35. A carta régia estipulava que a remuneração dos auxiliares (coadjutores) deveria ser cons-
tituída por “uma parte moderada do rendimento do pé de altar” recebido pelo padre
da igreja matriz. Tratava-se de remunerações diretas que os fiéis pagavam por serviços
extraordinários – a administração de alguns sacramentos e a realização de cerimônias
fúnebres. ahu, Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx. 5, doc. 9.
36. Alguns exemplos: a capela de Nossa Senhora de Prados, que no início dependia da pa-
róquia da Vila de São José del-Rei, e a capela de Rio Acima, filial da freguesia da Vila de
Sabará.
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37. Carta régia de 14 de março de 1727, Revista do Arquivo Público Mineiro, xxx, 1979, p. 254
(grifos nossos).
38. Carta do bispo d. Manuel da Cruz ao governador da capitania, de 10 de maio de 1755,
ahu, Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, cx. 68, doc. 8.
39. Tratava-se das paróquias de Aiuruoca, Baependi, Borda do Campo, Campanha, Carijós,
Carrancas, Itaverava, Pouso Alto, Prados, Simão Pereira, São Caetano, Sumidouro,
Antônio Pereira, Barra Longa, Casa Branca, Camargos, Inficionado, Itabira do Campo,
Itatiaia, Congonhas do Sabará, Curral del-Rei, Rio Acima, São João do Morro Grande
(Cocais), São Miguel do Piracicaba e Conceição do Mato Dentro.
40. Segundo os dados disponíveis, as paróquias que se tornaram colativas após o decreto de
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1752 e até o fim do período colonial são as seguintes: Camargos (1755), São Manuel do
Rio Pomba (1771), São Bento do Tamanduá (década de 1780), Piuí (1803), Engenho do
Mato (1810), Bambuí (1816), Tejuco (1819), Nossa Senhora do Pilar do Morro de Gaspar
Soares (1919) e Peçanha (1822). Ver: Raimundo Trindade, op. cit.; Waldemar de Almeida
Barbosa, Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais, Belo Horizonte, Itatiaia, 1995.
41. Consultar, no presente livro, o texto de Caio C. Boschi, “Os Escritos de D. Fr. Manuel da
Cruz e as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, p. [revisão completar]
42. Autor/Editor, Visitas Pastorais, p. 89.
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Em 1752, o mesmo bispo [d. fr. Manuel] negou-se a colar, em São João del-Rei,
o padre Matias Antônio Salgado, que viera de Portugal provido como vigário,
tendo alegado que era elemento expulso da Companhia de Jesus. Na sua comu-
nicação ao Secretário de Estado, Diogo de Mendonça, o bispo acrescentava: “Para
o serviço deste bispado, não lhe faltam clérigos mui dignos e sem nota”. Forçado
pelas exigências do padroado, voltou atrás e colou o vigário43.
43. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, op. cit., vol. ii, p. 399.
44. A maioria delas foi criada em zonas de litígio (conflitos territoriais com capitanias li-
mítrofes): ver Cláudia Damasceno Fonseca, Des Terres au Villes de l’Or: Pouvoirs et
Territoires Urbains au Minas Gerais (Brésil, xviiie Siècle), Paris, Centre Culturel Calouste
Gulbenkian, 2003 (versão em português no prelo, Editora da ufmg).
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Cabe aqui observar que o número total de paróquias criadas nas Minas
do período colonial parece bastante reduzido quando se leva em conta a
45. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 692.
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48. Idem, liv. iv, tít. xix, § 693, tít. xix, § 692 e 693.
49. Entre os autores que se interessaram pela questão, citemos: Murilo Marx, Nosso Chão:
do Sagrado ao Profano, São Paulo, Edusp, 1988; do mesmo autor, Cidade no Brasil:
Terra de Quem?, São Paulo, Edusp/Nobel, 1991. Sobre a instituto de capelas e igrejas
em Minas Gerais: Sérgio da Mata, Chão de Deus: Catolicismo Popular, Espaço e Proto-
urbanização em Minas Gerais, Brasil. Séculos xviii-xix, Berlim, Wiss. Verlag, 2002;
Claudia Damasceno Fonseca, op. cit. Rubenilson Brazão Teixeira analisou o caso do Rio
Grande do Norte, ver seu artigo “As Constituições Eclesiásticas e a Cidade Potiguar”, na
p. [revisão completar] deste livro.
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Para que tal legislação fosse respeitada, os bispos de Minas e seus de-
legados realizavam periodicamente a inspeção das igrejas matrizes e das
pequenas capelas construídas pelos fiéis. Em 1755, por exemplo, o padre
Francisco de Cerqueira abençoava a capela de “Nossa Senhora do Porto do
Turvo” (filial da freguesia de Aiuruoca, no sul de Minas), a qual considerou
“decente, dotada dos paramentos das quatro cores” 51 e “de todo o neces-
sário para a celebração do sacrifício da missa” 52. Por outro lado, durante
suas vistas pastorais dos anos 1821-1825, o bispo d. fr. José da Santíssima
Trindade condenou uma série de capelas, devido à sua indecência53. De fato,
as Constituições previam que:
50. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xvii, § 687-688.
51. A expressão designa, de maneira genérica, as quatro cores tradicionais dos ornamentos e
paramentos litúrgicos, cujo uso varia segundo as festas católicas: verde, branco, vermelho
e roxo. Ver o glossário preparado por Ronald Polito de Oliveira, que integra a edição de
Autor/Editor, Visitas Pastorais..., op. cit.
52. W. de Almeida Barbosa, op. cit., p. 25. Para outros exemplos, consultar Raimundo
Trindade, op. cit., bem como os relatórios das visitas pastorais realizadas no início do
século xix pelo bispo de Mariana, Autor/Editor, Visitas Pastorais.
53. Autor/Editor, op. cit., p. 85.
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54. Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 694.
55. Autor/Editor, op. cit., pp. 83-85.
56. W. de Almeida Barbosa, op. cit., pp. 186-187.
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57. Ver a correspondência entre o bispo de Mariana e o rei nos anos 1749-1752, transcritas por
Raimundo Trindade, op. cit., pp. 253-257, 268-275.
58. Ver Ronald Polito de Oliveira, “Estudo Introdutório”, em Autor/Editor, op. cit., pp. 21-77.
59. Autor/Editor, op. cit., p. 82.
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E não tratamos aqui do dote que é preciso tenha cada uma das igrejas paro-
quiais: porque como todas as deste arcebispado pertencem à Ordem e Cavalaria
de Nosso Senhor Jesus Cristo, de que S. Majestade é perpétuo administrador, tem
o mesmo Senhor com muita católica providência mandado pagar pontualmente
[...] os dotes das igrejas, que é seis mil réis a cada igreja, e oito para as que estão
em vilas: assim como com muito liberal mão, como tão zeloso e católico rei,
60. Idem, p. 83
61. Ronald Polito de Oliveira, op. cit., p. 56.
62. Autor/Editor, op. cit., p. 86.
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manda dar grossas esmolas, assim para a edificação, como para a reedificação das
ditas igrejas63.
Talvez o rei tenha cumprido com essa obrigação até o início do século
xviii, nas outras capitanias, onde o número de habitantes e de freguesias
era mais reduzido que nas Minas. As informações disponíveis sugerem que,
nessa capitania, tais doações régias foram raras, a maior parte das despe-
sas ficando mesmo a cargo dos habitantes. As matrizes mineiras foram er-
guidas graças ao empenho das irmandades, em especial as do Santíssimo
Sacramento e as ordens terceiras do Carmo e da Penitência, que congrega-
vam a elite local64. Quando uma ajuda se tornava realmente indispensável
para viabilizar as obras de construção, de ornamentação, ou de reparos
urgentes, o rei procurava se livrar do encargo apelando, em primeiro lugar,
para os oficiais das câmaras, aos quais ele recomendava que promovessem,
e financiassem, a construção de matrizes no interior dos seus territórios de
jurisdição (termos).
De acordo com a análise dos relatórios das visitas pastorais de d. fr. José da
Santíssima Trindade (1821-1825), efetuada por Ronald Polito de Oliveira, den-
tre as 64 matrizes existentes em Minas, 21 apresentavam um estado lastimável
em termos das condições materiais do culto. É importante lembrar, porém,
que muitas delas simplesmente não haviam sido concluídas, pois a constru-
ção de muitas dessas igrejas se arrastou por toda a segunda metade do século
xviii, entrando pelo século seguinte. Note-se ainda que nem sempre foi pos-
sível respeitar a recomendação relativa ao sistema construtivo: grande parte
dos templos mineiros foi erguida em “madeira e barro”, materiais mais frá-
geis que a “pedra e cal” recomendada nas Constituições 65. Por isso, não foram
poucos os casos em que, ao se chegar à fase dos acabamentos – douramentos
de retábulos, pinturas de forros –, os poucos recursos disponíveis tiveram de
63 Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. IV, tít. XVII, § 689.
64. W. de Almeida Barbosa, História de Minas, vol. ii.
65 Sebastião Monteiro da Vide, op. cit., liv. iv, tít. xix, § 693, tít. xix, § 692.
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