Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONCÍLIOS I E II DE BRAGA
1. Introdução
Idácio de Chaves, bispo local, acompanha esta chegada e relata em seu Cronicón
(HIDACIO, 2003) saques e matanças promovidas pelos suevos. A historiografia atual
relativiza o impacto de sua chegada ao território ibérico, apontando a versão de Idácio
como catastrofista (DÍAZ MARTÍNEZ, 1992. p.209). Cito este exemplo para introduzir
o debate sobre o trato eclesiástico com “pagãos”, “bárbaros”, “incivilizados”, enfim: “os
outros”.
1
Graduando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista PIBIC CNPq-UFRJ,
orientado pela Profª Drª Leila Rodrigues da Silva.
2
A Igreja não era uma instituição homogênea, mas um conjunto institucional de “Igrejas Nacionais”, com
práticas, tradições e elementos comuns partilhados com a Igreja de Roma e entre si. (LE GOFF, 1981)
3
Poderei me referir aos concílios a partir daqui como I CB, para o I Concílio de Braga, e II CB, para o II
Concílio de Braga.
aproximação da Igreja com a Monarquia sueva. Os concílios trazem indicações de
conduta, organização institucional e diretrizes do que se afirmava como ortodoxia. Para
garantir o monopólio da validade do discurso pretensamente ortodoxo, era preciso
marginalizar o dissidente. Entendamos o cenário4:
4
Identifico como cristianismo niceno ou católico a vertente que segue as recomendações com Concílio de
Niceia e que, aqui, se pretende como ortodoxo. Pelo fato do presente trabalho procurar identificar as
questões contidas nas atas conciliares católicas, me reservo à possibilidade de não colocar entre aspas os
termos pagãos ou hereges, compreendendo que são termos fluidos em significados, e que para dar leveza
ao texto, tomo como norte a perspectiva nicena.
5
Para maiores debates sobre o processo, ver THOMPSON, 1986.
2
consideração a fluidez dos limites dos campos entre si – e que se permitem guiar a
(re)construção do habitus. Este é o momento da realização dos concílios.
3. Paganismos e heresias
3
O combate às práticas pagãs não abre espaço para diálogo, o que relega aos
paganismos um espaço ágrafo e oral. O meio rural foi rotulado como o espaço pagão
por excelência. Desde Roma, esta ligação é forma de acusação constante contra os
camponeses, que por não compartilharem efetivamente da paideia, da Romanitas,
perpetuariam as práticas dos “gentios”. A oposição binomial civilização-barbárie, como
paganismo-cristianismo e campo-cidade, por mais que questionável, foi topos
recorrente, perceptível inclusive na obra martiniana: o De Correctione Rusticorum,
sermão oferecido ao bispo de Astorga para a cristianização das populações não-cristãs
em sua diocese.
Lucrecio, obispo, dijo: hablemos primeramente, como ha sido indicado más arriba, de
los artículos de la fe, pues aunque ya hace algún tiempo que la peste de la herejía de
Prisciliano fue descubierta y condenada em las províncias de España, sin embargo para
que se nadie, o por ignorancia, o como suele suceder engañado por algunas
escrituras apócrifas, se inficione todavía con alguna pestilencia de este error,
explíquese aun com más detalle a los hombres ignorantes, que habitando en el mismo
fin del mundo y en las últimas regiones de esta provincia, no han podido adquirir
4
ninguno o muy pequeño caudal de verdadera doctrina. (CONCILIOS, 1963. p. 66)6
Grifei trechos importantes
6
Lucretios episcopus dixit: Prius ergo de statuta fidei sicut superius dictum esr proferamus / nam licet
iam olim Priscillianae haeresis contagio Spaniarum provintiis detecta sit et damnata, ne quis tamen aut
per ignorantiam aut aliquibus, ut adsolet, scribituris deceptus apocryfis iliqua adhuc ipsius erroris
pestilentia sit infectus, manifestius ignaris hominibus declaretur quia in ipsa extremitate mundi et in
ultimis huius provinciae [regionibus] constituti aut exiguam aut pene nullam rectae eruditionis notitiam
contigerun.
7
No está permitido a los clérigos y católicos legos recibir eulogias de los hereges, ni orar con ellos o
con los cismáticos – CONCILIOS..., 1963, LXX, p.103. (De eo quod non liceat clericais vel laycis
catholics ab haereticis cologias accipere cum ipsis vel schismatichis orare).
8
Que el obispo visite su diócesis y que se enseñe el símbolo a los catecúmenos durante los veinte días
que preceden a la Pascua – CONCILIOS..., 1963, I, p.81. (Ut episcopus ambulet per diaecesim suam et
ante viginti dies Paschae catechumeni doceantur symbolum).
9
El neófito que hubiere sido bautizado recientemente [...] no podrá ser promovido inmediatamente al
orden eclesiástico, porque conviene que éste sea primero enseñado [...] y probado después del bautismo
durante mucho tiempo… – CONCILIOS..., 1963, XXII, p.92. (Neofitus qui nuper babtizatus fuerit iam
aetate legitima, non continuo liceat eum ad ecclesiasticum ordinem promoveri, quia oportet illum prius
doceri quod possit docere, et multo tempore post babtismum probari...)
10
Si algún obispo, o el presbítero o el diácono de algun obispo incurriere em alguna opinión herética, y
fuere excomulgado por esta causa, ningún obispo le admitirá em su comunión, si antes no satisface a
todos presentando [...] confesión de su fe. CONCILIOS..., 1963, XXXVI, p.96. (Si quis episcopus sive
alicuius haeresis opinionem offenderit et ob hane causam fuerit excomunicatus, nullus episcopus eum in
conmunionem recipiat nisi prius in conmuni concilio porrecto fidei suae libelo satiscaciat omnibus...)
5
especificidades locais, facilita a interação – por similitude às práticas dos fiéis da
diocese ou deliberadamente pelos clérigos – de elementos das ideias de Prisciliano para
dentro do clero católico. Quando se ameaça a expulsão do corpo da Igreja o religioso
católico que não aceitar comer carne, ou nem mesmo vegetais preparados com carne
(CONCILIOS..., 1963, c. XIV, p.69)11, percebe-se que esta situação é considerável e
possível – quiçá recorrente. Da mesma forma, os apontamentos teológicos trazidos no I
CB, como a substância que compõe os anjos, a natureza do Diabo, as almas e os corpos
celestes, podem trazer indícios de debates e incertezas internas; há um embate notável
entre argumentos atribuídos a priscilianistas, maniqueus e arianos, conforme a
perspectiva de nicenos.
4. O excomungado
No está permitido mantener tratos com los excomulgados, ni entrar em sus casas, ni
tampoco está permitido recibir en una iglesia a los que han sido expulsados de otra. Y si
algún obispo, o presbítero, o diácono, o cualquier otro eclesiástico admitiere en la
11
Si alguno juzga inmundos los alimentos de las carnes que Dios dio a los hombres para su utilidae, y no
se abstiene de ellas por mortificación de su cuerpo, sino más bien porque las juzga una inmundicia,hasta
el punto que no prueba ni las legumbres cocidas con carne, como afirmaron Maniqueo y Prisciliano, sea
anatema – CONCILIOS..., 1963, XIV, p. 69 – (Si quis inumndos putat civos carnium quos Deus in usus
hominum dedit et non propter afflictionem corporis sui, sed quase inmunditiam putans ita ab eis absineat,
ut nec olera cogta cum canibus paegustet, sicut Manucheus et Priscillianus dixerunt, anathema sit.)
6
comunión al excomulgado, como perturbador de toda la disciplina eclesiástica, sea
excomulgado (CONCILIOS..., 1963, LXXXIV, p. 106)12
Os bispos indiciados pela falta assinalada seriam julgados pelos seus pares. É
mister perceber que a indicação dos erros episcopais nas atas não é coincidência, pois
encontramo-nos no contexto de reorganização eclesiástica. Sendo assim, compor o clero
é compor o processo de normatização social e religiosa e ter voz ativa nos concílios
periódicos previstos. Por outro lado, questionar a autoridade da burocracia e hierarquia
da Igreja e, logicamente, de seus dogmas, significaria não ter terreno para sua palavra,
ser nocivo ou inútil aos planos de construção ideológica homogênea. A partir do
conteúdo exposto nas atas, nos parece que perder espaço na Igreja da Galiza significaria
perder espaço na Galiza em si. Significaria ser engolido pela areia da ampulheta na
tempora christiana que procura se estabelecer.
5. Conclusão
12
Non liceat communicare excomunicatis neque in domos eorum introire neque orare cum eis; neque
liceat in alia ecclesia suscipi qui ab alia ecclesia segregatur. Si autem aliquis episcopus aut presbyster
aut diaconus aut quilibet ecclesiasticus excomunicato conmunicaverit quase perturbans omnem
disciplinam ecclesiasticam, excomunicetur.
13
Si alguno, siguiendo la costumbre de los paganos, introdujere em su casa a adivinhos y sortílegos, para
que jagan salir guerra al espíritu malo, o descubran los malefícios, o realicen las purificaciones de los
paganos, hará penitencia durante cinco años – CONCILIOS..., 1963, LXXI, p. 103. Si quis oaganorum
consuetudinem sequens divinos et sortilegos in domo sua introduxerit, quase ut malum foras mittant aut
maleficia inveniant vel lustrariones paganorum faciant, quinque annin poenitentiam agant.
14
Si la esposa de otro comiete adulterio o un esposo se uniere a la mujer ajena, harán siete años de
penitencia – CONCILIOS..., 1963, LXXVI, p. 104. (Si cuius uxor adulterium facerit aut vir in alienam
uxorem inruerit, septem annis poenitentiam agant)
7
O “pagão” e o camponês são relacionados de forma intrinsecamente ligada, e,
portanto, parece-nos procurar diminuir no discurso a possibilidade de paganismos e
práticas supersticiosas na cidade, espaço principal do controle eclesiástico. Afinal, o que
foge ao ortodoxo estaria conectado aos “homens ignorantes”, que “habitam o fim do
mundo” ou “as últimas regiões da província”, como já pontuamos na fala do bispo
Lucrécio. Estas populações rurais receberam considerável atenção das ordens
normatizadoras bracarenses. Assim, a civilização volta a ter espaço nas discussões
sociais, relacionada à adoção do catolicismo. Os discursos heterodoxos calados
oferecem ao cristianismo niceno, além do controle da ortodoxia, a possibilidade de
tratar como ignorantes os que não compreendem os mistérios de seu credo.
REFERÊNCIAS
Fontes:
8
Obras de caráter teórico-metodológico:
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.
p. 27-78
Obras específicas
9
______. Monarquia e Igreja na Galiza na segunda metade do século VI: o modelo de
monarca nas obras de Martinho de Braga dedicadas ao rei suevo. Rio de Janeiro:
EdUFF, 2008.
10