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Universidade Federal Fluminense

Curso de História das Mulheres no Brasil Colonial


Niterói, 15 de outubro de 2020
Aluna: Caroline Barbosa da Fonseca Pitanga

Resenha do Texto: Ronaldo VAINFAS. Patriarcalismo e Misoginia. In: Trópico dos


Pecados. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010. 3a. edição.

A Obra Trópico dos Pecados do historiador Ronaldo Vainfas dedica-se às moralidades e


sexualidades no Brasil entre os séculos XVI e XVIII. Vainfas resgata os projetos moralizantes
da igreja, jesuítas, ordens religiosas e do Santo Ofício da paz afim de desvendar as influências
do patriarcalismo europeu no Brasil Colonial. O Capítulo 4, Patriarcalismo e Misoginia, que
aborda a situação das mulheres nas famílias eruditas e populares, é objeto desta resenha.

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e Mestre pela mesma


universidade, Ronaldo Vainfas, doutorou em História Social pela Universidade de São Paulo.
Em seu percurso acadêmico o professor e pesquisador dedicou-se a pesquisas e orientações
em História Ibero-americana e Luso-Brasileira entre os Séculos XVI e XVIII, familiarizando-
se a temas como inquisição, jesuítas, religiosidades, sexualidades, escravidão e colonização.
De 1978 até 2015 atuou como professor titular de História Moderna no Departamento de
História da UFF. É pesquisador do CNPq desde 1990 e atua como membro da Companhia das
Índias - Núcleo de História Ibérica e Colonial na Época Moderna. Em 1996 foi Bolsista da
Freie Universität Berlin e da Biblioteca Nacional de Portugal em 1997. Atuou como professor
convidado na Universidade de Lisboa em 1997; na Universidad Nacional de Colombia,
Medellin de 1997 à 2006; na University of Essex, Inglaterra em 1998 e na Ohio State
University em 2001. Foi pesquisador convidado da Brown University (Providence, EUA) em
2007. Realizou pós-doutorado na Universidade de Lisboa em 2007 e na USP entre 2013 e
2014. Foi também professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em História da UERJ -
Faculdade de Formação de Professores, de 2016 a 2017 e em 2020 e n da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte entre 2017 e 2019. A obra analisada é fruto do doutoramento
que realizou na USP entre 1984 e 1988.
Ao dedicar-se à História das Mentalidades no estudo do catolicismo e das moralidades
na época das Reformas, o autor utiliza-se de fontes documentais como correspondências
jesuíticas, tratados morais, crônicas, legislação régia, Histórias Coevas, constituições
eclesiásticas, fontes inquisitoriais e a Documentação do Santo Ofício, realizando uma dupla
leitura sobre essas fontes com um olhar crítico mas ao mesmo tempo não anacrônico. Utiliza-
se também de uma vasta bibliografia, citando autores que trabalhavam com o mesmo
fenômeno na Europa como Phillipe Ariés, Jean Delumeau, Jean Louis Flandrin e Piérre
Birard. Pesquisadores da Inquisição como Le Roy Lodurie, Bartolomé Bennassar, Jean Pierre
Dedieu, Carlo Ginzburg, Luiz Mott e Laura Mello e Souza. E também pesquisadores da
família e moral nos tempos coloniais como Maria Beatriz Nizza, Eni Mesquita Samara, Mary
Del Priore, Renato Venâncio, Lana Lage e Fernando Londonio. Seu estudo possui uma
ambiguidade teórica assumida, utiliza-se de preocupações de Foucault na História das
Sexualidades e também do marxista Mikhail Bakhtin para retratar a cultura popular na Idade
Média e no Renascimento.

Ao início do capítulo o autor dedica-se à Historiografia Moderna sobre a família


patriarcal colonial do Brasil, que se contrapõe à Historiografia Clássica de Gilberto Freyre;
ressalvando que há numerosos tipos de famílias e domicílios e a aproximação entre a crítica a
família patriarcal e o questionamento da sujeição da mulher ao poder masculino.

Nossa recente historiografia orienta sua discordância com relação ao modelo patriarcal a partir
de dois eixos, nem sempre excludentes. Em primeiro lugar, com base em pesquisas sobre a
estrutura populacional, familiar e domiciliária no passado brasileiro: alguns autores tém
apontado, com razão, a existência de numerosos tipos de fan11ha ou domicílio, em nada
parecidos com a família patriarcal e escravocrata descrita pelos clássicos. (VAINFAS, p 116-
117, 2010)

O segundo eixo a que nos referimos consiste numa aproximação, mais ou


menos explícita, entre a crítica da família patriarcal e o questionamento da sujeicão da mulher
ao poder masculino. (VAINFAS, p 117, 2010)

Ao longo de seu raciocínio o autor detalha os conflitos sexuais e morais na modernidade


entre os eruditos, religiosos e os populares. Ressalta que o Patriarcalismo é um eixo
fundamental das relações familiares na Colônia; o catolicismo e o protestantismo defendiam
fielmente o casamento e a vida familiar. O pai, a figura do homem, vista como um monarca e
“sacerdote” doméstico e a instrumentalização das comunidades em favor das modernas
estruturas estatais eram estratégia das Reformas e Estados Europeus. Em claras palavras, a
família moderna era misógina.

O principal objetivo dos moralistas da Contrarreforma consistia, porém, na prescrição da


austeridade sexual e na propaganda do casamento. Dirigidos aos homens, aos poucos letrados
da época, multiplicaram-se os opúsculos contendo ou sistematizando regras para a escolha do
cônjuge, o governo da casa e a neutralização das imperfeições femininas, essencial para o bem
viver dos esposos. (VAINFAS, p. 122, 2010)

Assim como na Europa, no Brasil também haviam casamentos arranjados, era comum
até o matrimônio entre membros da mesma família para que houvesse a “conservação da
limpeza do sangue”. Os pais, maridos e senhores comandavam suas filhas, esposas e
escravizadas. Raramente havia casamento por amor; a paixão era cruelmente condenada pela
igreja católica. Algumas mulheres foram submetidas à prisão em conventos seja para
manterem suas virgindades ou para que nunca pudessem se casar e assim preservar o
patrimônio de sua família.

Os casamentos arranjados não eram, contudo, urna prática exclusiva das elites. Talvez em
proporções mais reduzidas, mas nem por isso com menor frequência, homens humildes
procuravam casar suas filhas no mesmo estilo, acertando o matrimonio das meninas sem ao
menos consultá-las. (VAINFAS, p. 131, 2010)

As mulheres, por mais misóginas que fossem as condições, sempre reagiram às pressões
masculinas delatando as agressões à Inquisição, se rebelando, traindo e usando até a magia,
mesmo que pudessem ser julgadas até a morte.

Manietadas por pais e maridos, reificadas pelos homens, excluídas de várias esferas do
cotidiano social, as mulheres acabariam por construir urna sociabilidade e urna linguagem
próprias, em que muitas vezes transparecia o rancor e a insubmissão contra a ordem patriarcal
que as oprimia. Pareciam viver um cotidiano a parte, estabelecendo cumplicidades, alianças.
hierarquias que não raro submetiam ou amenizavam as barreiras sociais do colonialismo.
inclusive os preconceitos raciais, conforme nos mostra fartamente a documentação inquisitorial
do século XVI. (VAINFAS, p. 141, 2010)

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