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Ensino Religioso

no Brasil
Professora Ma. Laís Azevedo Fialho
Professora Esp. Thaís Fialho Lisboa
AUTORAS

Professora Ma. Laís Azevedo Fialho

● Mestra em História, Cultura e Narrativas (PPH-Universidade Estadual de


● Maringá).
● Especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira (DCS-Universidade
Estadual de Maringá).
● Licenciada em História (DHI-Universidade Estadual de Maringá).
● Tutora Educacional no Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV).
● Professora Conteudista na UniFatecie.
● Experiência como professora de História da Rede básica de Educação em 2016.
● Atuou como Pesquisadora Bolsista Capes em 2018 e 2019.
● Coordenou e organizou diversos Projetos de Extensão abordando as Religiões
e Religiosidades Afro-brasileiras, na Universidade Estadual de Maringá, entre
2015 e 2019.
● É integrante do Laboratório de Religiões e Religiosidades da Universidade Es-
tadual de Maringá (LERR/UEM).
● É integrante do Coletivo Yalodê-badá.
Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase
nas Práticas Afro-brasileira; História Cultural, Epistemologias decoloniais.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8724898233397030

Professora Esp. Thaís Fialho Lisboa

● Especialista em Psicopedagogia (UNASP)


● Licenciada em Pedagogia (Universidade Estadual de Maringá)
● Experiência como professora da Educação Infantil nos anos de 2004 a 2011.

Áreas de concentração: Educação infantil; Dificuldades de aprendizagem; Alfabe-


tização e Psicologia da Educação.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Seja muito bem-vindo(a)!


Iniciamos agora uma jornada em busca de conhecer mais sobre o universo do
Ensino Religioso no Brasil. Se você chegou até aqui já é motivo de muita alegria, denota
seu interesse pelo tema e desejo de formação profissional qualificada.
Nosso debate parte de categorias analíticas e apontamentos teóricos produzidos
nas Ciências Humanas, desenrolando-se no debate científico contemporâneo, de modo in-
terdisciplinar. Nosso objetivo é instrumentalizar você para conhecer e analisar a diversidade
religiosa nacional, suas manifestações nas diferentes regiões do país e sua importância
para a formação da população brasileira.
Desse modo, trataremos das Religiões Brasileiras no período colonial, na Unidade
I. Buscaremos estabelecer as noções historiográficas sobre a organização institucional da
Igreja Católica na América Portuguesa em relação com outras religiosidades, em especial,
de origens africanas.
Já na Unidade II pensaremos as políticas de educação para os espaços escolares,
em especial para o Ensino Religioso no Brasil. Nos debruçaremos sobre as principais es-
truturas normativas de organização dessas políticas públicas no Brasil.
Depois, nas Unidades III e IV vamos pensar a importância da Maçonaria para a
construção de uma educação laica no Brasil e as mudanças sociais que permeiam a cons-
trução de religiões Orientais no Brasil, por constituírem-se como religiões não hegemônicas.
Nos alegramos com a sua participação nesse processo e reforçamos o convite para
que realize o exercício da reflexão, juntamente conosco, sobre tantos assuntos abordados
no presente material.
Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e profissional.

Muito obrigada e bom estudo!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 5
As Religiões Brasileiras

UNIDADE II.................................................................................................... 26
Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil

UNIDADE III................................................................................................... 44
A Maçonaria

UNIDADE IV................................................................................................... 60
Religiões Orientais – Mudanças Sociais
UNIDADE I
As Religiões Brasileiras
Professora Ma. Laís Azevedo Fialho
Professora Esp. Thaís Fialho Lisboa

Plano de Estudo:
• A chegada dos portugueses e a implementação do catolicismo no Brasil Colonial.

Objetivos de Aprendizagem:
• Refletir sobre a organização institucional da Igreja e o processo de transposição dessa
instituição para o Brasil colônia;
• Conceituar e contextualizar a construção histórica do catolicismo no Brasil;
•Demonstrar a existências de práticas religiosas africanas que coexistiam com o
catolicismo no Brasil Colonial, utilizando como exemplo os calundus.

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INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina Ensino Religioso no Brasil. Nesta primeira unidade


abordaremos as Religiões brasileiras, buscando apresentar a formação e organização
religiosa do país no período colonial.
Para iniciar nossos estudos, apresentaremos, de modo introdutório, a organização
institucional da Igreja Católica e o processo de transposição dessa instituição da Europa
para a América Portuguesa.
Em seguida, nos debruçaremos sobre a construção histórica do catolicismo no
Brasil, em relação a outras religiosidades, em especial, de origens africanas.
Por fim, apresentaremos elementos que demonstram a diversidade religiosa na
formação sociocultural brasileira, os sincretismos, os embates e negociações que deram
contorno para esse processo histórico.
Destacamos que não temos por objetivo esgotar o tema proposto, já que este é
extremamente complexo e composto por diversos aspectos e elementos muito particulares.
Assim, realizamos alguns recortes e destacamos alguns estudos, aos quais atribuímos
grande relevância. Os trabalhos apresentados trazem reflexões que pode ser utilizadas
como ferramentas para ampliar seus conhecimentos, e suporte para você realizar suas
pesquisas, a partir de uma base introdutória conceitual e teórico-metodológica.

Bons estudos!

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1 A CHEGADA DOS PORTUGUESES E IMPLEMENTAÇÃO DO CATOLICISMO

No presente tópico buscamos apresentar algumas reflexões acerca da chegada


dos portugueses e do processo de tentativa de catequização de toda população, com a
implementação do catolicismo no Brasil. Sistematizamos algumas abordagens, produzidas
em diferentes tempos, e dentro da historiografia especialista em História do Brasil. Iremos
explorar algumas correntes teóricas, passando por pesquisadores conceituados do tema,
que balizam até o presente momento as reflexões teóricas do tema.
Iniciando o estudo reflexivo da bibliografia especializada, trazemos o trabalho de
Priore (1994), intitulado Religião e Religiosidade no Brasil Colonial. Apresentaremos alguns
dos aspectos destacados nessa obra que dialogam com o tema proposto e que tangenciam
a questão da organização institucional da Igreja no Brasil colônia.
Apontamos tal reflexão destacando que, mesmo que originalmente o objetivo dos
portugueses não fosse colonizar as novas terras descobertas na América, esse foi o pro-
jeto desenvolvido ao longo do período que sucedeu a chegada dos europeus no Brasil. A
exploração de recursos naturais garantiu recursos para a Metrópole Portuguesa por muitos
anos, motivo que levou à empreitada da colonização brasileira, em 1530, por intermédio de
Martim Afonso de Souza. A historiografia tradicional brasileira encara sua expedição como
a primeira expedição colonizadora.
Considerando que a justificativa jurídica para a colonização de terras do Novo Mundo
foi a missão de evangelizar outros povos, o tema da religiosidade é de suma importância

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para compreender as disputas desse período. O Reino de Portugal era um dos mais fortes
aliados do Papa e foi um dos primeiros a aceitar, incondicionalmente, as decisões do Con-
cílio de Trento (1545-1563), cujo objetivo era reafirmar todos os dogmas da Igreja Católica
diante da Reforma Protestante.
Sendo assim, pensar as relações entre Igreja, Estado e a sociedade colonial é
fundamental para pensar religião nesse período. Conforme a historiadora Priore (1994, p.
5 e 6):
[...] o estudo das religiões e religiosidades é fundamental para a compreensão
da história do brasil, além de ser um tema de grande importância entre os es-
tudiosos de história de todo mundo. O universo das ideias, das mentalidades,
das crenças, e dos ritos faz parte integrante do cotidiano e da consciência de
nossa gente, como fazem o trabalho, as relações sociais ou as instituições
políticas. Além disso, a religião serviu no passado (e infelizmente ainda ser-
ve) para separar, discriminar, perseguir e punir, merecendo por isso um olhar
atento e crítico.

1.1 Cristandade e Padroado Régio

Em Porto Seguro, na data de 26 de abril de 1500, houve a primeira missa, celebrada


pelo Frei Henrique de Coimbra, e assistida pelos integrantes da expedição de Cabral. Já
no dia primeiro de maio, ergueu-se uma grande cruz de madeira que, posteriormente, veio
dar nome ao Brasil, Terra de Santa Cruz. Esse momento que marca a chegada dos portu-
gueses e do catolicismo nas Américas, institui também o início de um processo intenso e
complexo em que paulatinamente a Igreja logrou cada vez mais participação nos principais
acontecimentos do Brasil (DEL PRIORE, 1994).
O colonizador português mantinha uma postura de superioridade e se colocava
como agente responsável pela salvação dos nativos indígenas. Cabe destacar que, atual-
mente, a literatura contemporânea identifica-o, também, como o principal responsável
pelas grandes epidemias que foram responsáveis por dizimar os povos nativos em território
brasileiro. Conforme Del Priore (1994), os portugueses consideram os nativos homens de
boa índole, cristãos em potencial. Isso pode ser demonstrado na carta de Pero Vaz de
Caminha, escrivão e companheiro de Cabral, o qual solicitou ao rei Portugal que enviasse
missionários para batizá-los.

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Figura 1 - Carta de Pero Vaz de Caminha (1500). Arquivo da Torre do Tombo, Portugal

Fonte: Leal (2019).

Para a historiadora, é fundamental compreender como essa relação entre Estado e


Igreja era particular de Portugal naquele período.
Essa imediata preocupação de Caminha com a cristianização dos índios
explica-se pela estreita ligação da Igreja com o Estado português na defesa
de interesses comuns - religiosos, políticos, e econômicos. Trata-se de uma
relação encontrada também em outras nações da cististande mas que em
Portugal era acentuada pela completa submissão à autoridade papal e por
uma forte aliança com Roma (DEL PRIORE, 1994, p. 8).

A aliança particular entre Estado português e Igreja é denominada como Padroado


Régio e designa essa submissão do rei ao papa, na atuação como braço religioso e moral
nas colônias. Para Del Priore (1994), essa união fortaleceu o Estado Português e lhe deu
condições para delinear a mentalidade pela qual se fez a catequese no Brasil. Várias bulas
papais, as quais são importantes fontes historiográficas, demonstram que essa aliança
entre Estado e Igreja impulsionou a expansão do império marítimo português e a dilatação
da fé católica.
Conforme Azzi (1981), é de suma importância contextualizar e conceituar essa
cristandade colonial como o modelo de mais longa vigência na história do Brasil (de 1500
ao final do século XVIII). Conforme o autor:
A característica principal do modelo de Cristandade é a idéia de que a Igre-
ja institucional se identifica com a sociedade luso-brasileira. Esse espírito
de união da instituição eclesiástica com a sociedade civil através da qual
ela se implanta e se expande não é novo na história. Pode-se dizer que
nasce no século IV sob os imperadores romanos Constantino e Teodósio,
ressurgindo na França com a dinastia carolíngia em meados do século VIII,
e posteriormente com os monarcas germânicos da dinastia dos Otões e dos

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Hohenstaufen. Daí a idéia do Sagrado Império Romano-Germânico. Em con-
seqüência desse condicionamento, a mensagem cristã passa a ser veiculada
exclusivamente dentro das características culturais do povo com o qual a
Igreja se identifica. No caso concreto do Brasil, o veículo difusor da fé católica
torna-se a cultura lusa. Pode-se portanto afirmar que o catolicismo do período
colonial é tipicamente lusitano. Em vista disso, o projeto colonial lusitano era
ao mesmo tempo político e religioso. Daí a expressão de Camões: “dilatar
as fronteiras da Fé e do Império”. Em outras palavras: a religião era parte
integrante da expansão colonial portuguesa (AZZI, 1981, p. 7).

Diante da disputa com outros povos e suas investidas para ocupar o território bra-
sileiro, como os franceses, a coroa portuguesa instituiu, no início da década de 1530, o
Governo Geral. Esse episódio marca, para a historiografia, o controle, de fato, da colônia
pela metrópole e o Início do período chamado de Brasil Colonial. O primeiro dos governado-
res gerais do Brasil foi Tomé de Souza, escolhido para ser governador de Dom João III, em
1548. Com o cargo, recebeu o regimento em que o rei dizia que estava povoando as terras
brasileiras para catequizar os indígenas à fé católica (DEL PRIORE, 1994).
Nesse momento, esses homens assumiram a prerrogativa de que todos aqueles
que não eram católicos, por conseguinte, eram infiéis, pagãos, inimigos e um perigo para
a unidade religiosa. Assim, é possível afirmar que o rei de Portugal assumia formalmente
sua função dupla de chefe político e religioso, com o aval de Roma. Ou seja, demonstrava,
na prática, o processo de colonização e cristianização. “O combate contra os indígenas
assumia o caráter de uma guerra santa, de uma cruzada: cristãos lutavam contra selvagens
perigosos e incrédulos pagãos” (DEL PRIORE, 1994, p. 9).

1.2 A Companhia de Jesus e outros Movimentos Missionários

Conforme Del Priore (1994), os primeiros jesuítas chegaram à Bahia em 1549,


segundo ordens de Dom João III à Tomé de Souza. Alguns anos depois foi designado o
primeiro bispo para Salvador, Dom Pero Fernandes Sardinha. O bispo era muito exigente
e não tolerava a cultura indígena, nem aprovava o modo “cortês” como os padres estavam
operando a catequese. Ele considerava os índios animalescos e defendia que nem mesmo
Deus haveria de querê-los como filhos. O clérigo propagava a ideia de que seria melhor
escravizá-los. Defendeu essa ideia em diversas ocasiões com o Padre Nóbrega, superior
dos Jesuítas no Brasil. Tantas foram as reclamações sobre as posturas do bispo, que ele
acabou sendo convocado para retornar a Portugal. Não chegou a pisar em seu país nova-
mente, na viagem de volta seu navio naufragou, e todos os tripulantes caíram em poder dos
índios caetés que lhes tiraram a vida.

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De acordo com a historiadora, os principais missionários na empreitada de cristiani-
zação dos indígenas eram os Jesuítas, considerados os “oficiais” da Coroa. Eles foram os
principais responsáveis pelas construções que se espalharam rapidamente pelo território
brasileiro no início da colonização, como capelas, escolas, oficinas, hospitais, asilos e pos-
tos missionários. Tais estabelecimentos se concentravam, principalmente, na Bahia e no
Rio de Janeiro. Em 1851, contavam-se 140 construções.
Cabe assinalar que toda organização episcopal vigente em Portugal foi transposta
para o Brasil. Mesmo assim, o cotidiano e a realidade nas Américas modificam consideravel-
mente a roupagem das instituições, que passaram a ser caracterizadas pelas peculiaridades
locais. Ou seja, o funcionamento da Igreja no Brasil não era uma mera reprodução idêntica
do funcionamento da Igreja em Portugal. Enquanto, na Europa, a experiência religiosa era
norteada pelos numerosos templos, párocos e festas, que tornavam os rituais e sacramen-
tos rigidamente observados e controlados pela Igreja, no Brasil não era assim. As paróquias
estavam distantes e espalhas, além disso havia poucos clérigos, por isso, grande parte
da população ficava anos sem acessar um sacerdote ou comungar de uma liturgia oficial.
Outro fator importante, é que as grandes marcas de desigualdade sociais e raciais isolavam
a elite branca em seus próprios locais de culto, erigidas em suas próprias terras. Diferente
do que ocorria em Portugal, produziu-se, no Brasil, uma religiosidade privada e classista,
que não correspondia à reprodução e controle dos dogmas católicos (DEL PRIORE, 1994).
A organização da Igreja era dividida entre o clero regular – as diversas ordens reli-
giosas que se instalaram no Brasil, como jesuítas, franciscanos, carmelitas, beneditinos
e capuchinhos –, e o clero secular – os que não pertenciam às ordens religiosas, mas que
zelavam pela liturgia católica nas vilas, cidades e capelas rurais. Essas duas frentes nem
sempre se relacionavam de modo harmonioso, as disputas e conflitos eram eminentes
(DEL PRIORE, 1994).
A Companhia de Jesus foi a que mais se destacou nesse processo de missão
jesuítica, com empreendimentos em toda colônia. Os jesuítas também tiveram monopólio
sobre a educação formal, com sua sistemática e contínua criação de escolas e seminários.
Colégios de catecúmenos é o nome atribuído aos espaços onde as crianças indígenas
aprendiam a ler, contar e rezar na língua do colonizador. Nessa educação, tinham também
incutidos valores e costumes da cultura europeia, em detrimento de sua própria cultura.
Nas vilas e cidades coloniais espalhavam-se os colégios em que se educavam os filhos dos
colonos. Segundo Del Priore (1994, p. 12):

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Munidos de um conjunto de normas a que as crianças deveriam se submeter,
os jesuítas ajudaram a fazer a passagem entre a escola da Idade Média
e o colégio dos tempos Modernos. Substituíram a instrução técnica dirigida
indiscriminadamente a jovens e velhos, por uma formação social e moral rigi-
damente hierarquizada, dada em classes separadas por sexo e idade. Foram
eles também os primeiros educadores a dar atenção para as especificidades
da infância.

Os Jesuítas perderam a exclusividade dessa função com a anexação de Portugal à


Espanha, que ocorreu entre 1580 e 1640. Com essa modificação no quadro político interna-
cional, o Brasil passou a receber outras ordens religiosas, como Franciscanos, Beneditinos
e Carmelitas. Cada uma dessas ordens tinha características particulares e atuavam de um
modo específico, os beneditinos, por exemplo, eram mais dedicados à vida contemplativa,
os carmelitas tinham caráter mais assistencialista.

À medida que a colonização, a fome e as guerras dizimavam os índios do litoral


e que os negros africanos eram catequizados em massa - sem que nenhum
padre ou autoridade religiosa argumentasse contra sua escravização - os
movimentos missionários se deslocavam para o interior da Colônia à procura
de outras populações nativas (DEL PRIORE, 2004, p. 14).

Em 1853, o Padre Antônio Vieira, membro da Companhia de Jesus e considerado


um dos nomes mais importantes para o instituto no norte do Brasil, chega ao Brasil para
participar de tal movimento de cristianização nas Américas, ultrapassando Nóbrega e
Anchieta no que se refere à literatura. O padre considerava o nativo como possível súdito
do rei, tendo na sua conversão um grande passo para a solidificação do domínio português
sobre o mundo. Tais afirmações estão presentes em suas cartas, como no Sermão da
Primeira Dominga da Quaresma, datada de 1643, e escrita em São Luís do Maranhão, em
que ele afirma: “Saiba o mundo, saibam os hereges e os gentios, que não se enganou Deus
quando fez aos portugueses conquistadores e pregadores de seu santo nome” (VIEIRA,
1951, Tomo III).
Vieira teria grande importância acerca do debate da escravização de indígenas
convertidos e, por isso, teria se tornado alvo dos colonos. A escravização dos indígenas se-
ria, para ele, um grande entrave à catequese e conversão. No entanto, seu posicionamento
desagradava os interesses de plantadores, comerciantes e donatários que lucravam com a
escravização (DEL PRIORE, 1994).
Em 06 de janeiro de 1662, dia de reis, o Padre prega o Sermão da Epifania, no
qual trata da situação do Maranhão. Neste sermão, compara os jesuítas com a estrela que
guiou os reis magos, e os colonos, com Herodes. Destaca também a dificuldade do trabalho
missionário da Companhia de Jesus, devido à infinidade de línguas da região, pois:

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[...] aqueles gentios que hoje começaram a ser homens, ontem eram feras,
eram aqueles mesmos bárbaros, ou brutos, que sem uso da razão, nem sen-
tido de humanidade, se fartavam de carne humana; que das caveiras faziam
taças para lhe beber o sangue, e das canas dos ossos frautas para festejar
os convites [...] e assim nos tratam os gentios e tais gentios, quando assim
nos tratam cristãos e cristãos da nossa nação e do nosso sangue: quem se
assombra de uma tão grande diferença (VIEIRA, 1951, Tomo II).

Quando D. Afonso VI ascende ao trono, Vieira perde seu prestígio na corte, conside-
rando que ele era apoiador de D. Pedro, adversário do rei recém entronado. Sendo assim,
são retiradas dos jesuítas as prerrogativas temporais sobre as missões e a exclusividade
missionária na região. Nesse momento, Padre Antônio Vieira é proibido de seguir com sua
tarefa de cristianização, parte para Porto, e depois para Coimbra, onde sofre seu inquérito
inquisitorial (PÉCORA,1998).
Em 21 de Junho de 1662, inicia-se o processo Inquisitorial contra ele, em 14 de
Setembro de 1665, o Padre é encarcerado pela Inquisição, considerado culpado de tentar
conciliar a fé católica às práticas do judaísmo, com o objetivo de agradar os judeus batiza-
dos, também chamados pela historiografia de “cristãos novos” (PÉCORA,1998, p. 59).

Figura 2 - Ilustração de Pe. Antônio. Vieira catequizando indígenas

Fonte: Muhama (2017).

Não seria possível nos delongar mais na biografia e trajetória de Padre Antônio
Vieira, mas consideramos por bem citá-la, porque sua história ou a narrativa produzida
por meio dos documentos deixados como vestígios, oferece-nos um amplo pano de fundo
acerca da profunda relação entre Igreja e Estado, as disputas em torno da Companhia
de Jesus, e as dinâmicas inerente às disputas políticas que ocorriam na Europa, as quais
influenciavam diretamente o modo como o catolicismo se expandia e se institucionalizava
no Brasil.

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Cabe destacar também que essas ordens não recebiam um pagamento fixo da
Coroa pela missão evangelizadora. Por isso, realizavam em paralelo à função catequética,
bem como à educacional e à econômica. Com relação ao sustento dos Jesuítas, Assunção
(2004, p. 155) aponta que “a Companhia recebia doações régias, doações de imóveis da
coroa, isenção de impostos e também recebia doações de particulares”.
Uma dessas doações recebidas pela Companhia, que gerou grande polêmica, foi o
famoso engenho de Sergipe do Conde (BA), que admitia mais de 100 escravos africanos.
Fundado em 1560 por Mem de Sá, foi herdado pelos filhos após sua morte, e posterior-
mente doado para a Irmandade de Misericórdia de Salvador e o Colégio Jesuítico da Bahia
compartilharem. Assunção (2004, p. 370) descreve a propriedade:
[...] O engenho de Sergipe do Conde localiza-se aproximadamente a nove
quilômetros da foz do rio Sergipe, possuindo nas adjacências várias fazendas.
A região, pela fertilidade do solo Massapé, foi uma das zonas açucareiras
mais importantes do período colonial.

Além dos subsídios régios e das doações de terras, tanto da coroa quanto particu-
lares, para a construção de escolas e igrejas, das isenções alfandegárias, a Companhia de
Jesus desenvolveu o seu autofinanciamento (ARÉCO, 2019).

1.3 Clero Secular: Irmandades e Religiosidade Popular

Uma das mais difundidas formas de terceirização da assistência religiosa se


organizava por meio de Irmandades e Ordens Terceiras. Para compreender o Brasil Co-
lonial, é indispensável atentar para a função e o caráter dessas instituições, e de como
elas contribuíram para delinear o catolicismo urbano dentro de relações de poder bastante
particulares à nossa formação religiosa.
Assinalamos que, para a Igreja Católica, o clero secular era visto como categoria
abandonada à própria sorte. Criticava-se publicamente o descaso da Coroa e depois do
Império com os assuntos religiosos e com os eclesiásticos em particular. Destacamos que
a igreja tentou normatizar a atuação do clero e a vivência leiga do catolicismo de diversas
maneiras, como, por exemplo, por meio das Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia, bem como pela criação de dioceses e seminários. Sobre as funções dessas consti-
tuições, Del Priore (1994, p. 33) escreve que
Essa Assembleia realizada em Junho de 2017, serviu para ajustar o corpo
de leis canônicas às circunstâncias brasileiras, para fortalecer as instituições
eclesiásticas e para uniformizar práticas sacramentais, como o batismo, o ca-
samento entre os fiéis, fossem livres ou escravos. Promulgou uma legislação
que dava aos membros do clero todos os meios e recursos necessários para
organizar-se e manter-se como um clero digno, instruído e trabalhador: as
Constituições primeiras do Arcebispo da Bahia.

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Conforme Gaeta (1997), as Constituições do Arcebispado da Bahia foram consi-
deravelmente tolerantes no que tange aos aspectos particulares e populares das manifes-
tações religiosas, buscando discipliná-los, mas sem considerável severidade. As próprias
Constituições assinalavam:
[...] não é nossa tenção proibir que no adro se possam fazer representações
ao Divino, sendo aprovadas por nós ou por nosso Provisor: nem que, outros-
sim, na ocasião de festas entrem danças e folias nas Igrejas sendo honestas
e decentes, enquanto se não disser Missa, nem se celebrarem os Ofícios
Divinos (GAETA, 1997, p. 226).

Souza (1986) e Reis (1991) são historiadores que estudam a religiosidade popular,
no período colonial e imperial, respectivamente. A primeira reflete sobre a religiosidade co-
lonial, tendo como base as disputas entre os projetos institucionais e as particularidades
e modos de vida cotidianos, que, em sua visão, se caracterizam pela busca de respostas
para os problemas do dia a dia, na feitiçaria e nas práticas mágicas (SOUZA, 1986).
Já João José Reis compreendia que o catolicismo popular, em especial o baiano
(por ser o seu objeto específico de estudo), admitia feitio mágico e estava “impregnado
de paganismo”, sendo “adotado pelo povo e mesmo membros da elite”, configurando-se
como “um catolicismo ligado de maneira especial aos santos de devoção” (REIS, 1991, p.
60).
Nesse sentido, a historiografia admite as irmandades religiosas, o clero secular,
como um espaço no qual era possível manifestar as práticas populares e leigas. Alguns
pesquisadores apontam as Irmandades como Associações que reuniam devotos a um
santo protetor. Essas instituições tinham a função de auxiliar camadas menos privilegiadas
da população no Brasil Colonial. Essas assistências ocorriam de diversos modos, inclusi-
ve com o financiamento de rituais funerários. As irmandades organizavam-se a partir de
um grupo interessado em organizar o culto de algum santo específico, sem intervenção
eclesiástica. Construía igrejas, buscava recursos financeiros para realização das festas
públicas e serviços relativos aos ritos fúnebres (HOONAERT, 1987/1988).
Desse modo, pertencer a uma irmandade significava ter algum respaldo e apoio
em momento de necessidade, como na doença. Hoonaert (1987/1988, p. 33) apontou que
elas “cuidavam de importantes aspectos da vida escrava: o enterro (a compra do caixão), a
doença (a organização de uma enfermaria) [...] a velhice, a religião, e certamente a comu-
nicação social sobre bases africanas”.

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Assim, as irmandades são compreendidas como instituições religiosas reconheci-
das pelo Estado e pela Igreja, com práticas e estatutos próprios, pois cada uma delineava
seus objetivos e atuação.
Para a pesquisadora Reginaldo (2009), as irmandades negras surgiram no século
XI, em Portugal, com a cisão com irmandades brancas. Conforme a autora, “em 1580,
surgiram em Lisboa confrarias exclusivamente de negros como a de N. S. de Guadalupe e
São Benedito, e no século XVII foi criada a Irmandade do Rosário dos Pretos no Convento
do Salvador” (REGINALDO, 2009, p. 296).
Na colônia, as Irmandades e Ordens Terceiras se organizavam de acordo com
critérios de raça e posição social. Essas instituições tinham um alcance local, e estavam
sediadas nas vilas e cidades. Eram também chamadas de confrarias, por seu caráter de
assistencialismo entre comunidades fraternas. Em um contexto de intenso processo de
escravização de negros africanos no Brasil, as irmandades eram um instrumento de con-
ciliação do negro com a religião católica, a crença oficial da metrópole. Mesmo assim, eles
souberam moldar a religião do europeu a arquétipos que lhes pareciam mais familiares. Ou
seja, “os negros [...] submersos no mundo simbólico dos brancos, especificamente no mun-
do católico, souberam dar novos significados a esses significantes que lhes era imposto”
(HOORNAERT, 1987/1988, p. 28)
Nas irmandades, era possível ser devoto de santos negros. Forjava-se um espaço
de concretização da adoção dos negros ao cristianismo a partir da adoção de divindades
negras para o seu culto. Segundo Quintão (2002), a mais conhecida dentre as muitas
irmandades de pretos era a de Nossa Senhora do Rosário que já congregava homens
negros em Portugal desde os séculos XV e XVI.

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Figura 3 - Festa de Nossa Senhora do Rosário, Patrona dos Negros, 1935

Fonte: Estuda.com (2019).

O autor também aponta para a crítica em torno de uma possível assimilação pas-
siva dos negros africanos ao culto católico, apontando para uma subversão em relação à
ressignificação do culto e seus elementos europeus.
[...] as irmandades apresentaram sempre um caráter social e devocional.
O fato de serem autorizadas e protegidas pela ação das autoridades fez
com que muitos classificassem essas associações como “instrumento de
alienação” dos negros e até de sua pacificação. No entanto, se as classes
senhoriais e as elites quiseram utilizar as irmandades como meio de controle
e de integração do negro numa sociedade escravocrata, estes souberam
transformá-la num espaço de sociabilidade, de reivindicação social e de
protesto racial conseguindo, dessa forma, salvar a sua identidade e sua
dignidade (QUINTÃO, 2002, p. 34).

Para concluir este subtópico, caro(a) estudante, destacamos que as irmandades


podem ser consideradas como espaços de grande importância para os negros escravos
que foram trazidos forçosamente para o Brasil no período escravocrata. Esses espaços de
sociabilidades e práticas religiosas deram origem ao que hoje é chamado de catolicismo
popular. No entanto, alguns historiadores refletem sobre os limites que as irmandades
impunham às práticas religiosas não católicas, ou que não buscassem minimamente sin-
cretizar-se com as crenças católicas.
Nesse sentido, podemos pensar que as irmandades foram também um ambiente
estratégico que, mesmo sem ter tido 100% de sucesso, objetivou “domesticar” o negro,
instruindo-o nos princípios da religião católica e, consequentemente, do Estado.

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 17


Agora, nós estudaremos um pouco mais sobre a presença de outros cultos no
Brasil colonial, que coexistiam com o catolicismo, mesmo que de modo camuflado.

1.4 Calundus e Cultos Africanos no Brasil Colonial

É importante demarcar, caro(a) estudante, que o encontro entre colonizados e


colonizadores nunca é um processo simples e pacífico. Neste sentido, apontamos que a
Igreja Católica se utilizou de muitos artifícios violentos para extinguir os cultos africanos e
indígenas na América Portuguesa, e tornar todos os seus habitantes convertidos ao catoli-
cismo.
Contudo, mesmo que as dioceses e as ordens religiosas tentassem extinguir as
práticas cotidianas dos moradores, não obtinham total êxito em evitar os sincretismos e a
heterodoxia. Cabe destacar aqui que o pensamento mágico na Europa ainda não tinha sido
totalmente extinto. Havia cultos pagãos que se misturavam com o catolicismo, tornando o
universo da religiosidade popular um território complexo e pluricultural, como aponta o his-
toriador Ginzburg (1988) em Os Andarilhos do Bem: feitiçaria e cultos agrários nos séculos
XVI e. XVII.
A expansão do império Marítimo e a colonização de novas terras intensificaram ain-
da mais essa mentalidade, considerando seu contato com o arcabouço religioso, filosófico
e cosmológico indígena e africano. Acreditava-se em grandes tesouros, reinos desconhe-
cidos, paraísos terrestres e outros elementos do pensamento mágico europeu que aqui
foram difundidos e reorganizados.
Conforme a historiadora Souza (1993), o personagem mais temido do imaginário
europeu nos séculos XV, XVI e XVII era o Diabo. Quando os Europeus expandiram seus
domínios para o Novo Mundo, admitiam que essa divindade também passará a atuar no
Brasil. Defendia-se vigorosamente que o Demônio tinha a capacidade de possuir o espírito
dos nativos e testar a fé dos católicos. Tomando como verdade a ideia de que os rituais indí-
genas e africanos cultuam essa força maligna, sem nem mesmo considerar que o demônio
fosse (e é) uma divindade da mitologia e crença judaico-cristã, e que não está presente nas
culturas indígenas ou africanas.
Nesse sentido, é importante apontar que a historiografia comprometida com pers-
pectivas decoloniais e antirracistas demarca as resistências dos calundus e outras práticas
religiosas que resistiram às opressões do colonialismo. Esses estudos apontam para os
diversos modos como os africanos e seus descendentes experienciaram a escravidão nas

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 18


Américas. Essa perspectiva abandona as generalizações totalizantes sobre o cativeiro e
busca pautar as múltiplas dinâmicas, arranjos e configurações regionais que permearam as
relações entre senhores e escravos nas sociedades escravistas.
Desse modo, aponta-se uma gama de condições particulares que evidenciavam os
vários modos como grupos escravizados e libertos vivenciavam, do ponto de vista cultural,
psicológico e intelectual, suas relações com a escravidão. Dentro desse bojo de pesquisas,
têm-se uma considerável atenção aos calundus, cerimônias religiosas conhecidas na Amé-
rica portuguesa nos séculos XVII e XVIII. Encontra-se uma cultura com ideias e noções de
mundo particulares de uma parcela de escravizados nos elementos ritualísticos e nas con-
cepções terapêuticas e cosmológicas que subjaziam aos calundus. Pesquisadores como
Marcussi (2018, p. 21), postulam que se pode “entender como a experiência religiosa dos
calundus codificava, na prática, um complexo entendimento centro-africano do cativeiro por
meio de elementos como sintomas patológicos, parentes, entidades sobrenaturais, danças
e remédios”. O pesquisador define assim:
Os calundus eram cerimônias religiosas praticadas por africanos na América
portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, com acompanhamento de música
de percussão, cantos e danças e contando frequentemente com fenômenos
de transe espiritual Sua natureza era eminentemente terapêutica, na medida
em que um sacerdote, o(a) “calunduzeiro(a)”, curava indivíduos doentes me-
diante a consulta a espíritos. A clientela que procurava os calundus para se
curar de uma série de enfermidades era bastante heterogênea, contando não
apenas com escravos, mas também com clientes brancos que, em alguns
casos, pertenciam às elites locais (MARCUSSI, 2018, p. 22).

Na documentação inquisitorial e eclesiástica, no que se refere à América portu-


guesa, os vocábulos utilizados para definir essas manifestações variaram, de acordo com
os espaços geográficos e momentos históricos, algumas delas são: “lundus”, “ulundus”,
“colundus”, “calandus” ou “calundus”. Em Angola, cerimônias com elementos em comum
foram chamadas de “quilundos” – termo do qual deriva “calundu” (MARCUSSI, 2018).
Em Utopias centro-africanas: ressignificações da ancestralidade nos calundus
da América portuguesa nos séculos XVII e XVIII, Marcussi (2018) apresenta importantes
noções cosmológicas das práticas ritualísticas presentes nos calundus, como, por exemplo,
a relação que era estabelecida com os antepassados pelos centro-africanos, que deram
origem a esse culto no Brasil e a dificuldade em continuar mantendo sua tradição no Brasil.
As formas mais significativas de culto aos antepassados nas sociedades cen-
tro-africanas dependiam de uma estrutura social e humana conferida pelos
grupos parentais. Em terras portuguesas, sob o cativeiro, os centro-africanos
enfrentavam desafios consideráveis para garantir sua realização. Em primei-
ro lugar, havia a proibição oficial em relação aos ritos religiosos não católicos,
que eram considerados diabólicos e sistematicamente perseguidos por
agentes da justiça eclesiástica e secular. Em segundo lugar, e possivelmente

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 19


mais importante, o próprio funcionamento do comércio de escravos criava
entraves significativos para a realização das cerimônias públicas relativas
aos antepassados (MARCUSSI, 2018, p. 28).

Alguns autores sublinham o sincretismo entre as práticas bantus (africanas) e


católica, outros rejeitam essa ideia, mesmo que considerem o contato entre elas. Nesse
sentido, cabe apontarmos brevemente como é apresentada tipicamente essa religiosidade:
Segundo a tradição religiosa banto, a vida é sustentada por um Ser Supremo
que reina sobre o universo e sobre os homens de modo distante, porém be-
néfico. Todos os povos que compartilhavam a cosmovisão banto acreditavam
em um deus único, supremo e criador, chamado de Kalunga, Zambi, Lessa ou
Mvidie, entre outros nomes, de acordo com o grupo étnico específico e com
os atributos que se pretendia destacar nessa divindade, como a totalidade
da vida, a superação de tudo em todos, a força e a inteligência. Segundo
essa crença, após a criação do mundo, o Ser Supremo se distanciou dele,
entregando sua administração aos ancestrais fundadores de linhagens, seus
filhos divinizados. Por ser um deus distante, ele quase não recebia culto ou
adoração, nem era representado por imagens. Apesar disso, conservava a
dinâmica e a ordem do cosmo, mantendo o mundo unido. Como um Deus
maior e criador do universo, atuava sobre o mundo inteiro; sendo às vezes
concebido como o ancestral original ou ancestral do primeiro ser humano
(DAIBERT, 2015, p. 11)

Marcussi (2018) defende a distância entre os dois universos religiosos. Para ele,
se por um lado os africanos praticavam o catolicismo de modo superficial, por outro, as
religiões africanas teriam permanecido intocadas e independentes em seu sistema de
pensamento. Assim, o autor compreende o calundu como uma religião tipicamente centro-
-africana recriada no Brasil. Em sua leitura do calundu, de Luzia Pinta (que se localizava
em Minas Gerais), no século XVIII, um dos mais discutidos na historiografia precisamente
pela documentação existente sobre ele, Marcussi (2006) afirmou que a angolana ao invés
de escolher entre duas cosmologias, classificando-as como verdadeira e profunda ou falsa
e superficial, produziu um repertório simbólico utilizado de acordo com as circunstâncias.
Por isso, o autor vê no calundu, de Luzia Pinta, uma ferramenta de mediação simbólica
por meio de uma interpretação própria das duas tradições em diálogo, “um texto cultural
particular, nem bem português, e nem exatamente angolano, mas um texto próprio da zona
de mediação intercultural na qual viveu” (MARCUSSI, 2006, p. 122).

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 20


Figura 4 - Retrato imaginário de Luzia Pinta (Fundo: Sabará, por A. V. Guignard)

Fonte: Paula (2017).

Caro(a) estudante, apresentamos o trabalho de Marcussi (2006; 2018), entre tantos


outros possíveis, mostra-se bastante interessante para pensarmos a inserção do calundu
de Luzia no mundo atlântico, como um exemplo revelador desses processos de encontro
e afastamento entre colonizados e colonizadores e, por conseguinte, entre catolicismo e
práticas africanas, ou mesmo indígenas.
É sabido que houve muitas outras práticas religiosas africanas e indígenas no
Brasil no período Colonial, mas não seria possível nos debruçar sobre todas elas, por
isso o inevitável recorte. Nosso objetivo com esse último subtópico foi o de demonstrar
a existências de práticas religiosas africanas que coexistiam com o catolicismo no Brasil
Colonial, utilizando os calundus como exemplo histórico.
Acreditamos que, para o profissional que trabalhará com Ensino Religioso, é im-
portante a apropriação desse constructo histórico dos embates, sincretismos, negociações
e distanciamentos entre diferentes religiosidades e instituições religiosas na formação do
Brasil Colonial.

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 21


SAIBA MAIS

“Luzia era natural de Luanda, Angola, onde viveu antes de ser levada para o Brasil pelo
tráfico negreiro no início do século XVIII. Os inquisidores tentavam desvendar os signi-
ficados dos serviços espirituais que ela prestava à população de Minas Gerais em um
ritual identificado como calundu. O recurso à tortura era usado para descobrir possíveis
evidências de um pacto demoníaco em suas práticas religiosas. Ao final, ela conseguiu
escapar da morte, mas não foi considerada inocente. Na ausência de provas explícitas,
seu pacto foi presumido. Sentenciada pela “abjuração de leve suspeita de ter aban-
donado a fé católica”, Luzia foi para sempre proibida de retornar a Sabará, e foi ainda
condenada a quatro anos de degredo no Algarve. De alguma forma, as perguntas sobre
o significado do calundu de Luzia Pinta e de outros escravizados que transplantaram
crenças, rituais e significados religiosos africanos para o Brasil atravessaram os sécu-
los seguintes. Ao menos desde a década de 1980, esse ritual tem sido interpretado de
forma variada e continua suscitando discordâncias e novas interpretações por parte dos
historiadores”.

Fonte: Daibert (2015).

REFLITA

Os elementos presentes dos calundus e citados ao longo do texto permanecem esbo-


çando alguns aspectos centrais do repertório simbólico da cosmovisão banto que serve
de matriz até os dias atuais para alguns grupos religiosos, de algumas linhas da Umban-
da, por exemplo. Somente por meio do conhecimento das tradições religiosas bantos é
possível situar e entender os calundus no Brasil colonial e algumas práticas que com-
põem o imaginário religioso brasileiro na contemporaneidade.

Fonte: a autora.

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 22


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos nossos estudos apresentando algumas reflexões acerca da chegada dos


portugueses e do processo de catequização de toda população, com a implementação do
catolicismo no Brasil. Conceituamos a noção de Cristandade e Padroado Régio. Destaca-
mos a importância de algumas ordens religiosas nesse processo missionário, em especial
os Jesuítas e a Companhia de Jesus.
Refletimos também sobre o Clero Secular e a importância das Irmandades para
construção de um catolicismo heterodoxo, que daria origem ao que hoje chamamos de
catolicismo popular.
Por fim, refletimos sobre a existência de cultos africanos, como os calundus, que
resistiram às investidas das dioceses e ordens religiosas que buscava extinguir as práticas
religiosas não oficiais da Coroa Portuguesa, o catolicismo romano.
Entendemos que, mesmo com a imposição e oficialização forçada do catolicismo
romano, o Brasil Colonial foi palco de uma enorme diversidade religiosa composta por
práticas heterodoxas e seitas sincréticas que fugiam ao controle das autoridades civis e
eclesiásticas. As instituições europeias trazidas para a América, foram obrigadas a se mol-
darem às condições locais, cujas populações eram versadas em inventividades, espertizes
e estratégias para delinear essas mesmas instituições à realidade colonial. No próximo
capítulo realizaremos um debate um pouco mais técnico no que concerne ao histórico das
políticas públicas que normatizam o Ensino Religioso no Brasil.
Caro(a) estudante, apontamos a importância desse debate historiográfico para
você, já que o profissional que trabalhará com Ensino Religioso deve compreender os
processos históricos de continuidade e ruptura, embates, sincretismos, negociações e dis-
tanciamentos entre diferentes religiosidades e instituições religiosas na formação do Brasil.

Bons estudos!

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 23


LEITURA COMPLEMENTAR

BOSCHI, C. C. Os Leigos e o Poder. Irmandades Leigas e Política Colonizadora em Minas


Gerais. São Paulo: Ática, 1986.

MOTT, L. Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a Capela e o Calundu. In: SOUZA, L. de M.


e. História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SWEET, J. H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-


1770). Lisboa: Edições 70, 2007.

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 24


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Negociações e Conflito: a resistência negra no Brasil es-
cravista
• Autor: João José Reis e Eduardo Silva
• Editora: Companhia das Letras
• Sinopse: A historiografia brasileira, por muito tempo, encarou a
escravidão de forma bastante rígida. O escravo foi visto alterna-
damente como herói ou vítima e, sempre, como objeto, fosse de
seus senhores, de seus próprios impulsos ou mesmo da História
que se propunha a estudá-lo. Negociação e conflito propõe uma
nova e iluminadora abordagem do tema, resgatando as pequenas
e grandes conquistas do dia-a-dia daqueles que, inversamente ao
que até hoje se supôs, resistiam a se tornar meras engrenagens
do sistema que os escravizara. Eduardo Silva e João José Reis
mostram que, entre a passividade absoluta e a agressividade cega
que os historiadores acostumaram-se a atribuir ao escravo, havia
uma posição intermediária: a da negociação, a do compromisso
com o sistema, a da engenhosidade no sentido de conquistar,
em meio a todas as adversidades, um espaço onde se pudesse
construir o próprio viver […].

FILME/VÍDEO
• Título: A missão
• Ano: 1986
• Sinopse: O Padre Jesuíta Gabriel (Jeremy Irons) vai para a terra
dos Guaranis, na América do Sul, com o propósito de converter os
nativos ao Cristianismo. Rapidamente ele constrói uma missão,
juntamente com Rodrigo Mendoza (Robert De Niro), um comer-
ciante de escravos em busca de redenção. Quando um tratado
transfere a terra da Espanha para Portugal, o governo português
quer capturar os nativos para o trabalho escravo. Mendoza e Ga-
briel protegem a missão, discordando da realização da tarefa.
• Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=cqcLJopZJ2A

UNIDADE I As Religiões Brasileiras 25


UNIDADE II
Políticas Públicas de Educação para o
Ensino Religioso no Brasil
Professora Ma. Laís Azevedo Fialho
Professora Esp. Thaís Fialho Lisboa

Plano de Estudo:
• Histórico sobre as políticas de educação para os espaços escolares.
• Panorama das políticas de educação para o Ensino Religioso no Brasil.

Objetivos de Aprendizagem:
• Compreender o conceito de Políticas Públicas.
• Apresentar e analisar algumas Políticas Públicas de Educação no Brasil.
• Conhecer algumas Políticas Públicas de Educação específicas para o Ensino Religioso
no Brasil.

26
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina Ensino Religioso no Brasil. Nesta segunda Unidade


abordaremos as Políticas Públicas, buscando conceituar tal termo, em sua historicidade,
bem como contextualizar tais construções no que tange o Ensino Religioso em nosso país.
Para iniciar nossos estudos, abordaremos de modo introdutório as definições de
Políticas públicas para a Educação no Brasil, visto que é fundamental compreendermos
o que constitui tal atividade governamental que regulamente a nossa educação, e de que
modo elas são produzidas e implementadas em nosso país.
Em seguida, nos debruçaremos sobre as principais estruturas normativas de orga-
nização dessas políticas públicas no Brasil.
Por fim, analisaremos as Políticas Públicas para a Educação que normatizam espe-
cificamente o Ensino Religioso. Para isso, apresentaremos um panorama histórico dessas
Políticas Públicas, demonstrando como a aplicação delas incide sobre o Ensino Religioso
na Educação básica.
Destacamos que não temos por objetivo esgotar o tema proposto, por outro lado,
esses estudos apresentados são algumas ferramentas que você pode utilizar para ampliar
seus conhecimentos, e continuar realizando suas pesquisas a partir de uma base introdu-
tória conceitual e teórico-metodológica.

Bons estudos!

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 27


1 HISTÓRICO SOBRE AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA OS ESPAÇOS ESCOLA-
RES

1.1 Definições de Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso

Em nosso cotidiano estamos rodeados de regras e condutas idealizadas pelas polí-


ticas públicas. Nossa maneira de viver, de agir, até mesmo de pensar são norteadas por leis
e determinações públicas. Mas, segundo os pesquisadores deste tema, como poderíamos
defini-las? Segundo Santos (2017, p. 5): “Políticas públicas são ações geradas na esfera
do Estado e que têm como objetivo atingir a sociedade como um todo ou partes dela”. Em
outras palavras, é um processo de organização de leis que pretende encontrar soluções
para um problema público.
Outra definição ainda mais abrangente é a formulada por Souza (2006, p. 26):
[Política Pública é] O campo de conhecimento que busca, ao mesmo tempo,
colocar o governo em ação e/ou analisar estas ações (variável ou indepen-
dente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os
governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em
programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

Assim, a partir dos estudos apresentados, é possível apontar que o governo deveria
possibilitar, por meio da gestão dos setores públicos, a oportunidade de avanços sociais,
utilizando as Políticas Públicas como ferramenta para as melhorias na qualidade de vida da
população, na economia e educação.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 28


Desta maneira, cabe aos governantes direcionarem as ações e regulamentá-las.
No entanto, nem sempre eles estão comprometidos com os interesses públicos. Segundo
Caldas (2008, p. 5), “o bem estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não pela
sociedade”. Para esse autor, isto acontece porque não há participação da população de
forma integral. Os projetos são majoritariamente pautados em quem os promove. O que
suscita em parte considerável da sociedade descrença, indignação e uma continuidade
nesse ciclo de não participação e formação política.
Refletindo ainda sobre as definições destacadas, encontramos um outro questiona-
mento. Como se organizam essas ações governamentais? Esta organização é dividida em
fases. Segundo Caldas (2008, p. 7), são cinco os estágios de formulação de uma política
pública:
● Primeira fase – Formação da agenda (seleção de prioridades);
● Segunda fase – Processo de tomada de decisão (apresentação de soluções ou
alternativas);
● Terceira fase – Escolha das ações;
● Quarta fase – Implementação (ou execução das ações);
● Quinta fase – Avaliação.

A formação de agenda acontece por meio das classificações e definições de que


assuntos ou demandas seriam mais urgentes. Na segunda fase de formulação, define-se
quais ações podem ou não ser levadas adiante. Já no próximo estágio, os governantes
escolhem alternativas para resolução do problema.
A implementação se caracteriza pela realização das ações e, finalmente, a avaliação,
que acontece ao longo de cada fase que consiste em identificar a eficácia e as falhas das
ações implementadas. Conhecer esse processo possibilita, à cada cidadão, compreender
a sua própria importância de atuação política, dentro do sistema político de representação.
Nesse sentido, destacamos que também é papel do educador(a) apresentar tais processos
no âmbito escolar e colaborar para a formação de cidadãos mais conscientes de seus
direitos e responsabilidades coletivas.

1.2 Estruturas de Organização e Regulamentação das Diretrizes para a Educação no


Brasil, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases para a Educação

Caro(a) estudante, a partir de agora vamos apresentar algumas estruturas que


direcionam as leis para a Educação no Brasil. Vamos analisar trechos da Constituição

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 29


Federal e das Leis de diretrizes e bases para educação (LDB). Nesse sentido, destacamos
que as políticas públicas aparecem no contexto social em que a população demandava
a necessidade de organização de novas atribuições do estado a partir da democracia.
Segundo Caldas (2008, p. 5)
A função que o Estado desempenha em nossa sociedade sofreu inúmeras
transformações ao passar do tempo. No século XVIII e XIX seu principal
objetivo era a segurança pública e a defesa externa em caso de ataque
inimigo. Entretanto, com o aprofundamento e expansão da democracia, as
responsabilidades do Estado se diversificaram. Atualmente é comum se
afirmar que é função do Estado promover o bem-estar da sociedade. Para
tanto, ele necessita desenvolver uma série de ações e atuar diretamente em
diferentes áreas, tais como saúde, educação, meio ambiente.

A Constituição Federal é um documento promulgado em 5 de outubro de 1988 e é


com base nela que são organizadas as leis, normas e regimentos dos estados e municípios
do nosso país. Esse documento estabelece a identidade democrática de um estado e têm
por objetivo manter a ordem e o progresso.
Organizada em mais de 200 artigos, a constituição procura de maneira abrangente
alcançar as inúmeras dimensões da organização do país. No entanto, vamos nos deter ao
capítulo III, especificamente a seção I, que diz respeito à educação, seus princípios funda-
mentais, e objetivos. Os artigos 205 a 214 são os que norteiam as demandas educacionais
no Brasil. O artigo 205 diz o seguinte: “A educação, direito de todos é dever do estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (BRASIL, 1988).
Assinalamos que temos uma seção inteira, neste documento, dedicada à Educa-
ção, pois a constituição valoriza sua importância e destaca seus princípios norteadores
como o desenvolvimento pleno do indivíduo, o preparo para a cidadania e a qualificação
adequada para o trabalho.
A constituição garante que a educação seja um direito de todos e dever do estado.
Assim, a partir de 1988, o estado passa a se responsabilizar formalmente por esse acesso
democrático ao estudo. Esse documento garante o ensino primário, fundamental e médio
a todas as crianças de 4 a 17 anos e determina que ele seja gratuito para todos, visto que
outrora era gratuito apenas para aqueles que comprovassem carência de recursos.
Cabe destacar um fator que diferencia esse documento, que é o da participação de
grupos civis em sua elaboração. Associações científicas, especialistas e grupos da comu-
nidade nacional puderam participar desse processo.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 30


1.2.1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB

No mês de dezembro de 1961, o presidente João Goulart promulgou a primeira


Lei de Diretrizes e Bases para a educação com base na Constituição. A LDB foi uma das
maiores articulações para educação no Brasil, e, ao longo do tempo, passou por inúmeras
modificações que trouxeram benefícios à população brasileira no que tange a educação.
Foram três documentos promulgados, um em 1961, outro em 1971 e, finalmente, em 1996.
No que se refere à educação, a LDB constitui-se como o conjunto de leis mais
importante. Foi organizada para garantir o direito educacional para a população, para valo-
rizar os profissionais desta área, e, por fim, implementar o dever dos municípios, do Estado
e da União à educação pública e gratuita.
Por sua vez, referente ao Ensino Religioso, a primeira LDB diz o seguinte, no
artigo 97:
O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de
matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos,
de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for
capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de
classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. §
2º O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a
autoridade religiosa respectiva (BRASIL, 1961).

No período conhecido como ditadura militar, foi organizada a segunda LDB


(5992/71), nesta, há uma mudança na intencionalidade da disciplina de Ensino Religioso,
que passa a ser nomeada como Educação Moral e Cívica. Diante disso, seu objetivo passa
a ser educar para o patriotismo e submissão ao Estado.
Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação
Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos
estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no
Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969. Parágrafo único. O ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais
dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus (BRASIL, 1971).

Por fim, destacamos aquela que é conhecida como Carta Magna da educação no
Brasil, a Lei 9394, de 1996, que propôs inovações e permitiu avanços significativos para o
sistema educacional. Sobre o Ensino Religioso a Lei diz:
O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem
ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas
pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter facultativo:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu
responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos prepa-
rados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades reli-
giosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa
(BRASIL, 1996).

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 31


Uma das militâncias quanto a disciplina de Ensino Religioso é o Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), que apresenta uma proposta de práticas do-
centes vinculadas às ciências das religiões, prezando pela diversidade cultural e religiosa.

1.2.2 Base Nacional Comum Curricular - BNCC

Mais recentemente, em dezembro de 2017, a BNCC foi homologada pelo MEC,


com intuito de organizar e melhorar a qualidade de ensino no Brasil. Entre seus objetivos
estão: contribuir para melhor elaboração dos currículos locais, formação inicial e continuada
dos professores, material didático, avaliação e apoio pedagógico aos alunos.
O documento também relata a respeito do Ensino Religioso o seguinte:
Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e
estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade
dos educandos; b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de
consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos
humanos; c) Desenvolver competências e habilidades que contribuam para
o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o
respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com
a Constituição Federal; d) Contribuir para que os educandos construam seus
sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania
(BRASIL, 2017, p. 434).

O documento apresenta o respeito à diversidade e a importância do conhecimen-


to das inúmeras crenças, a liberdade da população de escolher suas crenças, além de
promover o desenvolvimento de habilidades para a interação entre a população quanto a
diversidade religiosa no país.
Neste tópico, conhecemos sobre as políticas públicas do Brasil para a educação e
trilhamos o caminho pedagógico da disciplina de Ensino Religioso. Compreendemos suas
políticas públicas, as principais leis que regulamentam o ensino e como essa disciplina tem
sua relevância na sociedade. Encerramos com a citação da BNCC:
A área do Ensino Religioso não se reduz à apreensão abstrata dos conheci-
mentos religiosos, mas se constitui em espaço de vivências e experiências,
intercâmbios e diálogos permanentes, que visam ao enriquecimento das
identidades culturais, religiosas e não religiosas. Isso não significa a fusão
das diferenças, mas um constante exercício de convivência e de mútuo
reconhecimento das raízes culturais do outro/a e de si mesmo, de modo a va-
lorar identidades, alteridades, experiências e cosmovisões, em perspectivas
interculturais. (BNCC, 2016, p.170).

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 32


2 PANORAMA DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA O ENSINO RELIGIOSO NO
BRASIL

Para compreender a situação atual do Ensino Religioso no Brasil é fundamental


que se faça uma retrospectiva histórica, problematizando de que maneira essa disciplina foi
se organizando ao longo da história de nosso país, em diálogo com as contínuas disputas
de poder institucional e sócio-políticas.
Conforme Junqueira (2015), nos séculos XV a XIX, o ensino religioso foi conduzido
e ministrado majoritariamente pelos Jesuítas. Ou seja, o governo não intervinha conside-
ravelmente na filosofia educacional. Essa tarefa era realizada pelos religiosos eclesiásti-
cos. O ensino religioso era uma ferramenta de doutrinação que se praticava por meio da
catequese, um aparelho ideológico. Assim, a função do ensino religioso era doutrinar os
povos escravizados, trazidos forçosamente para o Brasil, e os povos indígenas (primeiros
habitantes das Américas). Esse ensino impunha e mantinha uma ordem estabelecida.
Como consequência dessa doutrinação, ainda hoje, segundo Borin (2018), inú-
meros professores, por não terem um referencial teórico em suas práticas pedagógicas,
ficam perdidos no ensino da disciplina, suas aulas são planejadas com base em valores
cristãos, desvinculados dos novos paradigmas educacionais. Paradigmas de emancipação
e liberdade religiosa.
Já no período da monarquia, o império determina que o Ensino Religioso no Brasil
deve ser orientado segundo as doutrinas da Igreja Católica Apostólica Romana. As aulas

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 33


eram direcionadas por padres por meio de catequeses e novamente com o intuito de dou-
trinar índios, negros e os menos favorecidos. Conforme relata Casseb (2009), o texto da
Carta Magna de 1824 mantinha a Religião Católica como a Religião oficial do Império, o
Ensino Religioso era desenvolvido como meio de evangelização dos gentios e catequese
dos negros (aparelho ideológico), em concordância com os acordos estabelecidos entre o
Sumo Pontífice e o Monarca de Portugal.
Nesse contexto, o ensino religioso ultrapassa suas possíveis intenções de trans-
cendência, visto que após a Independência, a Constituição Imperial de 1824 ainda restrin-
gia as vivências de outras religiões, bem como o culto doméstico ou individual. O Ensino
Religioso, da maneira como foi organizado e utilizado, apresentava opressão e violência,
pois o credo e a religião foram impostos de forma abusiva.
Embora tenha sido utilizado para doutrinar e catequizar no período colonial e mo-
narca, hoje, de acordo com as possibilidades que o Estado oferece, os professores e edu-
cadores têm a responsabilidade de proporcionar aos educandos um ensino que possibilite
ampliar suas vivências e experiências, com objetivo de alcançar uma aprendizagem mais
significativa. O Ensino Religioso pode sim contribuir para a formação básica de um cidadão,
como prevê a no artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996):
I. o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o
pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II. a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III. o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição
de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV. o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e
de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

O quadro a seguir, organizado por Borin (2018), auxilia na compreensão do pano-


rama histórico do ensino religioso.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 34


Quadro 1 - Primeira fase do ensino religioso no Brasil

Fonte: Borin (2018).

Chegamos então no período republicano, marcado pela separação do Estado e da


Igreja. Neste período, a Constituição da República de 1824 defende a laicidade, ou seja,
neutralidade do Estado para com assuntos religiosos. Reconhecendo de certa forma que
outrora utilizava do mesmo como forma de manipulação.
Segundo Borin (2018), a primeira constituição não teve muito sucesso no período
da “República velha”, de 1889 a 1930, visto que o catolicismo exercia muita influência sobre
o ensino religioso no Brasil. Um exemplo disso aconteceu em Minas Gerais, no qual a Lei
nº 1092, de 12 de outubro de 1929, permitiu o ensino religioso nas escolas públicas, no
horário das aulas convencionais. Com o passar do tempo e a chegada da revolução, novas
mudanças aconteceram em relação ao ensino religioso nas escolas públicas. Mais próximo
do governo de Getúlio Vargas, a igreja católica novamente legitimou a instrução religiosa
nos bancos escolares por meio do decreto nº 19.941 do dia 30 de abril de 1931. Porém, o
ensino religioso agora foi implantado de modo facultativo nos níveis primário, secundário e
normal.
O próximo documento, conhecido como carta Magna, também não aprimora a
legislação da disciplina, visto que no artigo 97 está registrado:
Art 97: O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais,
é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públi-
cos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for
capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável.
1º A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo
de alunos.
2ºO registro de professores de ensino religioso será realizado perante a
autoridade religiosa respectiva. (BRASIL, 1961).

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 35


Notamos que a organização legal desse componente curricular está permeada e
vinculada à religião e não aos saberes e o entendimento das tradições e do sentido da vida.
Pois essa maneira de organizar o ensino tem por finalidade tornar as pessoas religiosas.

Quadro 2 - Segunda fase do ensino religioso no Brasil

Fonte: Borin (2018).

Após o período republicano, chegamos ao período da ditadura militar em 1964,


e a educação ganha novos formatos e intenções. Mudanças aconteceram primeiramente
no ensino superior com objetivo de condicionar e difundir novos valores de cidadania ao
povo. É nesse período que uma nova disciplina passa a fazer parte da proposta curricular,
a disciplina de Moral e Cívica. Com intenção de valorizar o civismo e o patriotismo, ficam
evidentes as intenções do governo autoritário nas palavras de Filgueiras (2006, p. 3377-
3378):
Os militares utilizaram a educação de forma estratégica, controlando‐a polí-
tica e ideologicamente. A concepção de educação do regime militar estava
centrada na formação de capital humano, em atendimento as necessidades
do mercado e da produção. A escola era considerada uma das grandes di-
fusoras da nova mentalidade a ser inculcada – da formação de um espírito
nacional. A reforma do ensino propôs um modelo de socialização, que tinha
como estratégia educar as crianças e jovens nos valores e no universo moral
conformando os comportamentos do homem, da mulher e o vínculo familiar.

Novamente, nesse período, há uma aproximação entre Igreja e Estado, visto que
a igreja seria responsável pela disciplina Educação Moral e Cívica, que pretendia educar
o caráter dos estudantes a fim de moldá-los para atender suas responsabilidades com o

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 36


Estado segundo o modelo militar. Mesmo assim, a disciplina de Ensino Religioso não se
tornou obrigatória, permanente, e de matrícula facultativa.
A educação foi utilizada nessa época como forma de preparar os estudantes para
o trabalho e atender a demanda da economia, em virtude de o país estar em crescente
industrialização.
Foi nesse momento histórico que a Lei de diretrizes e bases da educação foi edi-
tada (Lei nº 5.692), e a partir dela, o Ensino Religioso passou a ter o objetivo de preparar o
cidadão para cumprir suas obrigações, mantendo o respeito pelas autoridades. A lei propõe
que os cidadãos vivenciem valores morais e espirituais.

Quadro 3 - Terceira fase do ensino religioso no Brasil

Fonte: Borin (2018).

Por sua vez, após o regime militar, nas décadas de 1980 e 1990, muitas mudanças
aconteceram no panorama social e histórico do país, devido aos novos princípios de edu-
cação e suas práticas. A partir da Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996) e da Constituição de 1988,
houve uma abertura social e política aparentemente emancipadora.
Conforme Mocellin (2008), a carta Magna recupera propostas que permitem ao
educando vivenciar na escola uma experiência de conhecimento mais amplo, dando-lhe
oportunidades de encontrar respostas para questões existenciais no encontro e na convi-
vência com as diferenças.
Por meio dessas mudanças sociais e políticas, a disciplina de Ensino Religioso
também poderia contribuir para um processo de educação mais autônomo, visto que os

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 37


princípios dos documentos citados apresentavam esse caráter. Conforme Borin (2018),
a educação no mundo contemporâneo busca conduzir os alunos a uma percepção mais
ampla do ser humano e não os conduzir pela catequese.
Um exemplo destas mudanças é notório na Lei nº 9475/97 da LDB, no artigo 33. O
artigo assegura o respeito à diversidade cultural religiosa.
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Reda-
ção dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a de-
finição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para
a habilitação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei nº 9.475, de
22.7.1997)
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso
(BRASIL, 1997).

Porém alguns pontos do artigo parecem contraditórios. A disciplina de Ensino Re-


ligioso é apresentada como forma integrante da formação do cidadão, mas permanece de
caráter facultativo. Desta forma, não contempla a formação proposta pela lei e nem respeita
a formação integral do ser humano. A disciplina que poderia contribuir para formação de
valores, virtudes e propiciar uma nova reflexão sobre o sentido da vida não corresponde a
seu propósito maior.
Outro aspecto presente na lei é vedar o proselitismo (conversão para uma religião),
ou seja, o objetivo com as práticas educacionais para o Ensino Religioso não são ensinar
para converter para uma religião, mas sim explorar a diversidade de crenças. Suas bases
deveriam estar na questão do sentido da vida e na dimensão do sagrado nas diversas
concepções e tradições religiosas.
Podemos concluir que a trajetória da proposta curricular para o Ensino Religioso
apresentou avanços, visto que possibilita ao educando uma visão mais ampla para o as-
sunto, dando-lhe possibilidades de escolha religiosa. Mas, seu conteúdo ainda se limita
ao desenvolvimento de valores e conhecimento sobre a história de como as crenças se
desenvolveram ao longo do tempo.
No entanto, segundo os pesquisadores a disciplina, poderia ampliar ainda mais seu
significado e abrangência, pois em nosso país há muitos tipos de crenças, porém grande
preconceito e intolerância entre os diferentes grupos religiosos. Borin (2018) enfatiza que
seria necessário conhecer mais profundamente os valores espirituais e éticos que permeiam
a vida de todos os seres humanos, aqueles valores fundamentais, para que houvesse mais
respeito e harmonia na sociedade, no que tange às relações inter-religiosas.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 38


Quadro 4 - Quarta fase do ensino religioso no Brasil

Fonte: Borin (2018).

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 39


SAIBA MAIS

Se o Ensino Religioso está presente nas escolas, como ele se manifesta ou é exposto?
Em pesquisa com os diretores de escolas públicas, o questionário da provinha Brasil
indica:
● 66% ministram aulas de Ensino Religioso.
● 51% têm o costume de fazer orações ou cantar músicas religiosas.
● 22% têm objetos, imagens, frases ou símbolos religiosos expostos.

Fonte: Questionário Diretor Prova Brasil (2011). Recuperado de: https://novaescola.org.br/conteudo/74/


ensino-religioso-e-escola-publica-uma-relacao-delicada

REFLITA

O Ensino Religioso como é organizado no Brasil produz resultados satisfatórios na so-


ciedade? Você acha que ele deveria ser repensado ou deveria ser extinto das escolas?
Se repensado, como? Se extinto, por quê?

Fonte: a autora.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 40


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) estudante, no decorrer desta unidade, pudemos ver como a disciplina de


Ensino Religioso se organizou ao longo da história do Brasil. Entendemos que as mudanças
curriculares são organizadas pelas políticas públicas e que estão sujeitas à organização
política, ou seja, atreladas ao poder.
No primeiro tópico, conhecemos o que é uma política pública no Brasil e enfati-
zamos as principais leis para a educação. Também trilhamos o caminho pedagógico da
disciplina de Ensino Religioso, compreendendo suas implicações sociais, as principais leis
que normatizam o ensino e como essa disciplina tem adquirido mais relevância para a
sociedade.
Em seguida, realizamos um panorama histórico de como o Ensino Religioso se
apresentou no período Colonial, Monarquia, República até nossos dias. Percebemos que o
Ensino Religioso foi utilizado como ferramenta ideológica, mais que com o desenvolvimento
da sociedade também foi se modificando e ganhando novas dimensões.
Porém, segundo os pesquisadores, a disciplina poderia ampliar ainda mais seu
significado e abrangência, visto que em nosso país há muitos tipos de crenças, mas pre-
conceito entre a população religiosa. Borin (2018) enfatiza que seria necessário conhecer
mais profundamente os valores espirituais e éticos que permeiam a vida de todos os seres
humanos, aqueles valores fundamentais, para que houvesse mais respeito e harmonia na
sociedade, no que tange às relações inter-religiosas.
Na próxima unidade realizaremos um debate historiográfico no que concerne a
importância da maçonaria e sua postura anticlerical para o ensino laico no Brasil.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 41


LEITURA COMPLEMENTAR

Políticas e práticas curriculares: a formação dos professores de ensino religioso: https://sa-


pientia.pucsp.br/bitstream/handle/10018/1/Lurdes%20Caron%20desp%20(sem%20o%20
anexo%203).pdf

Hegemonia e confronto na produção da segunda LDB: o ensino religioso nas escolas pú-
blicas: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8642484

A luta pela ética no ensino fundamental: religiosa ou laica?


https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742009000200005&script=sci_arttext

Liberalismo Político, constitucionalismo e democracia: a questão do ensino religioso nas


escolas públicas. https://repositorio.unb.br/handle/10482/2664

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 42


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Ensino Religioso no Brasil
• Sérgio Rogério Azevedo Junqueira
• Sinopse: Ao longo da história do Brasil, o ensino religioso foi
permeado pelas culturas indígenas, africanas e pelo cristianismo.
Este encontro religioso provocou um sincretismo que não permite
uniformização religiosa. O livro indicado trata da importância de
conhecer e respeitar esta diversidade em nível legislativo e geo-
gráfico.

FILME/VÍDEO
• Título: O auto da compadecida
• Ano: 2000
• Sinopse: O filme mostra as aventuras de João Grilo e Chicó,
dois nordestinos pobres que vivem de golpes para sobreviver. Eles
estão sempre enganando o povo de um pequeno vilarejo no sertão
da Paraíba, inclusive o temido cangaceiro Severino de Aracaju,
que os persegue pela região. Somente a aparição da Nossa Se-
nhora poderá salvar essa dupla. O filme apresenta a religiosidade
da época de forma peculiar.

UNIDADE II Políticas Públicas de Educação para o Ensino Religioso no Brasil 43


UNIDADE III
A Maçonaria
Professora Ma. Laís Azevedo Fialho
Professora Esp. Thaís Fialho Lisboa

Plano de Estudo:
• A Maçonaria e a relação com o catolicismo.

Objetivos de Aprendizagem:
• Estabelecer a relevância histórica da postura anticlerical da Maçonaria;
• Compreender aspectos da organização institucional da Maçonaria no Brasil;
• Contextualizar as contribuições da Maçonaria para a consolidação de um Ensino
Religioso laico no Brasil.

44
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina Ensino Religioso no Brasil. Nesta terceira unidade


abordaremos A Maçonaria. Para iniciar nossos estudos, apresentaremos de modo introdu-
tório a organização institucional da Maçonaria e seu ideário anticlerical difundido na Europa
e nas Américas Portuguesa e Espanhola, no século XVIII e XIX.
Em seguida, nos debruçaremos na construção histórica de organização da Maço-
naria no Brasil, no embate com a Igreja católica e seus valores civilizatórios para a edu-
cação. Demonstraremos como os maçons atuaram no campo da política parlamentar e de
propaganda do anticlericalismo, por meio da imprensa.
Por fim, apresentaremos elementos que demonstram as contribuições da Maçonaria
para a consolidação de um Ensino Religioso laico no Brasil, pautado em ideias racionalistas
e cientificistas da modernidade.
Destacamos que não temos por objetivo esgotar o tema proposto, já que este é
extremamente complexo, e composto por diversos aspectos e elementos muito particula-
res. Por outro lado, realizamos alguns recortes e destacamos alguns estudos, aos quais
atribuímos grande relevância. Os trabalhos apresentados trazem reflexões sobre a impor-
tância da Maçonaria no debate sobre a educação laica, que podem ser utilizados como
ferramentas para ampliar seus conhecimentos e continuar realizando suas pesquisas a
partir de uma base introdutória conceitual e teórico-metodológica.

Bons estudos!

UNIDADE III A Maçonaria 45


1 A MAÇONARIA E A RELAÇÃO COM O CATOLICISMO

Olá, caro(a) estudante. Neste tópico refletiremos sobre as contribuições da Maço-


naria para a consolidação do Ensino laico no Brasil. Na historiografia, cultura, política e em
outros campos do conhecimento, já se tem dado atenção especial a esse tema desde as
últimas décadas. Esse recorte tem emergido como mais uma possibilidade de compreender
as inúmeras disputas de poder que perpassam as sociedades.
Cabe realizar uma breve introdução acerca da organização, apontando que ela
surgiu na Escócia e Inglaterra no fim do século XVII e início do século XVIII. Contudo,
a literatura produzida pela própria maçonaria demonstra que ela tinha o objetivo de se
apresentar como uma instituição mais antiga, que nasceu anteriormente ao período citado
anteriormente. É possível conjecturar que esse esforço demonstre o objetivo de demandar
uma maior legitimidade e autoridade para a sua atuação. Conforme o historiador Barata
(1999, p. 17), “os maçons do século XVIII apareciam como herdeiros diretos dos egípcios
antigos, dos essênios, dos druidas, de Zoroastro, de Salomão, das tradições Herméticas,
da Cabala, dos Templários, etc.”.
É consenso para os pesquisadores da maçonaria admiti-la como herdeira das
corporações de ofício da Idade Média. A franco-maçonaria moderna (a maçonaria
especulativa) teria uma filiação direta com a antiga maçonaria de ofício (a maçonaria opera-
tiva). Importa assinalar que as metas profissionais dessa corporação incorporaram também
preocupações de ordem teórica e cultural.

UNIDADE III A Maçonaria 46


De acordo com Barata (1999), a organização paulatinamente substituiu os inte-
resses ligados ao exercício da profissão de pedreiro, pelos objetivos de aperfeiçoamento
moral e intelectual dos seus iniciados. Assim, a maçonaria caminhava cada vez mais para
a consolidação de uma espécie de “sociedade de pensamento”.
A maçonaria deixava de lado as preocupações tipicamente ligadas ao exer-
cício da profissão de pedreiro, para se dedicar ao aperfeiçoamento moral e
intelectual dos seus membros. Ela se transformava cada vez mais em uma
espécie de “sociedade de pensamento” de caráter cosmopolita e secreto,
reunindo homens de diferentes raças, religiões e línguas, com o objetivo de
alcançar a perfeição moral por meio do simbolismo de natureza mística e/ou
racional, da filantropia e da educação (BARATA, 1999, p. 21).

Em diversos países da América, como também no Brasil, a maçonaria mostrou-se


um grande veículo para difusão de ideias do liberalismo e, por isso, um alvo de persegui-
ções. Os maçons, balizados pelo imaginário racionalista europeu, defendiam um Estado
moderno e laico. Fomentavam, assim, um grande embate político que envolveu a igreja
católica e a maçonaria. Essa última defendia que a igreja católica tinha interesse de mo-
nopolizar ideologicamente o ensino público e influenciar o ensino particular, e, por isso,
representava um entrave para o desenvolvimento de uma educação emancipadora. Na
visão dos maçons, havia uma espécie de doutrinação nos colégios jesuítas. Isso fez com
que a maçonaria brasileira lutasse pelo fim dos privilégios conferidos ao catolicismo, que
era a religião oficial do Estado brasileiro.

1.1 A Maçonaria e a Secularização nos Séculos XVIII e XIX

Para apresentar algumas discussões acerca desse tema, sistematizamos algumas


abordagens, produzidas por pesquisadores nas últimas décadas. Iremos explorar alguns
trabalhos teóricos, iniciando o estudo reflexivo da bibliografia especializada, com o artigo
intitulado Espaços de Secularização no século XIX: a atuação da Maçonaria no Brasil e
Uruguai, de Eliane Lucia Colussi. Apresentaremos alguns dos aspectos destacados nessa
obra, que dialogam com o tema proposto e que tangenciam a questão da secularização da
educação defendida pela Maçonaria no Brasil.
Nessa obra, a autora realiza um comparativo histórico entre essas duas realidades
sociais distintas, no período de construção dos Estados Nacionais Latino Americanos,
que consolidaram a separação entre Igreja e Estado. Para Colussi (2003), a Maçonaria
internacional influenciou de modo significativo o processo de secularização nos séculos
XVIII e XIX. “A instituição canalizou suas ações e mobilizou seus filiados numa luta aberta,

UNIDADE III A Maçonaria 47


sistemática, e cotidiana contra a Igreja Católica e suas retrógradas e obscuras influências”
(COLUSSI, 2003, p. 103).
Conforme a autora, na Europa, a Maçonaria já se apresentava como um espaço de
sociabilidade para homens de prestígio e poder econômico. Esses homens, em especial os
filósofos, questionaram sistematicamente o estado absolutista. Para Koseleck (1999), um
dos fatores impulsionadores de crescimento e adesão à Maçonaria foi o segredo envolto
em suas práticas. Ele afirma que “o mistério das lojas estava, qualquer que fosse, seu
conteúdo, no nimbo que irradiava. O segredo continha a promessa de tomar parte numa
vida nova, melhor e até então desconhecida” (KOSELECK, 1999, p. 57).
Para Silva e Marques (2017, p. 17), a maçonaria pode ser compreendida também
como um espaço de sociabilidade baseada “na filantropia, na rede de solidariedade entre
os pares, nos juramentos e rituais que criam laços de pertencimento”. Desse modo, os
autores percebem a instituição como detentora de mecanismos próprios que se constituem
para além do domínio direto do Estado, por onde o poder circulava e os homens faziam
política.
Para o estudioso Alexandre Mansur Barata, autor da obra Luzes e sombras: a
ação da maçonaria brasileira (1870-1910), essa instituição estava “profundamente vincu-
lada à nova sociabilidade pré-democrática que se consolidava na França do século XVIII”
(BARATA, 1999, p. 36). Nesse trabalho, o pesquisador ainda destaca os elementos das
práticas religiosas da Europa medieval na Maçonaria, tais como: a disposição dos objetos
e do mobiliário, a “arquitetura” da loja, a rígida hierarquia, segredos e mistérios dos ritos, a
cerimônia de iniciação etc.
Nas Américas Portuguesas e Espanholas a Instituição foi criada a partir de uma
elite que aderiu ideários iluministas e cientificistas, antes mesmo da criação de uma orga-
nização aqui. Esse grupo atuou de maneira muito efetiva no campo da política parlamentar
e de propaganda do anticlericalismo por meio da imprensa. Encontro terreno fértil junto aos
setores liberais brasileiros. No limite, sua luta defendia a separação total entre estado e
igreja.
A sua luta pela secularização do Estado Brasileiro somente se concretizou,
na maioria das reivindicações, com a proclamação da República, em 1989.
Iniciativas como a criação de um partido católico e de uma rede de escolas
maçônicas foram, via de regra, infrutíferas ou insuficientes (COLUSSI, 2003,
p. 105).

UNIDADE III A Maçonaria 48


Quadro 1 - Apresenta os cargos políticos ocupados por membros da maçonaria e demonstra sua atuação
parlamentar

Fonte: Silva e Bontempi Junior (2018).

UNIDADE III A Maçonaria 49


Quadro 2 - Trajetórias acadêmica, maçônica e política

Fonte: Silva e Bontempi Junior (2018).

Para Colussi (2003), o crescimento do movimento por Independência na América,


deu-se no mesmo período em que o movimento maçônico se expandia. Conforme o autor,
já havia grupos orquestrando a criação de lojas maçônicas no Brasil, desde a segunda
metade do século XVIII. Esses grupos eram constituídos majoritariamente por jovens que
haviam se iniciado na Maçonaria durante seu período de estudos na Europa. Conforme
Barata (1999), esses estudiosos brasileiros conheciam a Maçonaria em universidades
inglesas e francesas, principalmente. Nesse cenário, destaca-se a Faculdade de Medicina
de Montpellier, muito procurada pelos estudantes brasileiros no período.
O trecho a seguir, discurso pronunciado numa cerimônia do Grande Oriente, em
1897, por Quintino Bocaiúva, líder republicano e grão-mestre do GOB, entre 1901 e 1904,
é bastante revelador quanto aos ideais políticos adotados pela maçonaria:

UNIDADE III A Maçonaria 50


É isto que nós Maçons chamamos de alta política; tal qual delineada na
nossa constituição. [...] A nossa política, tão grande como a nossa instituição,
é aquela que nos faz amar o cristianismo, e detestar o jesuitismo; que nos
impele a estudar e ouvir os socialistas e rebater os anarquistas; que nos
obriga a aceitar e manter a república e repelir a monarquia; que nos
dá a diferença profunda entre o jacobinismo e patriotismo; pois este é um
sentimento de amor, e é aquele um mau sentimento de ódio, contrário ao
nosso lema de fraternidade universal, dos homens e dos povos (BARATA,
1999, p. 116-117).

Um dos grandes pilares ideológicos da Maçonaria, na segunda metade do século


XIX, foi sua postura anticlerical, principalmente a partir da década de 1870. O que demarca-
va fortemente sua atuação política era a liberdade de culto. A legislação do período imperial
restringia o direito de não católicos a espaços reservados, não públicos. Um exemplo que
Colussi (2003) destaca a respeito do poder da Igreja sobre a vida social é acerca do contro-
le dos cemitérios. Desde 1828, existia uma lei que previa a construção de cemitérios com
recursos públicos, mas, por resistência da igreja católica, a secularização desse espaço só
ocorreu de fato na década de 1870.
Essa é uma questão relevante, porque foi em torno dela que diferentes setores
da sociedade se ergueram na defesa de suas crenças e posturas políticas. De um lado,
maçons, protestantes, judeus e ateus defendiam a secularização dos cemitérios; do outro,
a Igreja Católica buscava manter a jurisdição e o monopólio da administração dos cemité-
rios, privilégio garantido pela Carta de 1824. “O que parecia uma polêmica circunscrita ao
campo jurídico e das idéias revelava um cotidiano complexo e desigual em termos sociais”
(COLUSSI, 2003, p. 109).

1.2 O Embate entre a Maçonaria e Igreja Católica

De fato, foi a questão religiosa que se colocou como marcador político de confronto
e disputa entre a Maçonaria e a igreja católica. O episódio mais emblemático que demonstra
tal afirmativa é a condenação do papa Pio IX (1846-1879) ao liberalismo e, em especial, à
maçonaria. Que é considerado por alguns pesquisadores, como Colussi (2003), um verda-
deiro caça às bruxas, em que os bispos, de maneira truculenta, tentavam defender seus
privilégios e atacar as ideologias liberais
Essas condenações se deram principalmente pelas bulas Quanta Cura e o
Syllabus Errorum, de 1864 e 1865. O papa pretendia se contrapor às vitó-
rias liberais e ao crescente processo de laicização da sociedade em escala
mundial. No Brasil, os bispos dom Vital, de Olinda, e dom Antônio de Macedo
Costa, do Pará, foram os porta-vozes da política do Vaticano e tornaram-se
os mais conhecidos e raivosos inimigos do liberalismo e da maçonaria. A
forte e crescente presença maçônica em muitos espaços sociais assustava
os dirigentes católicos, que acreditavam na existência de um complô do

UNIDADE III A Maçonaria 51


liberalismo e da maçonaria, com o aval do poder monárquico para destruir a
Igreja Católica. A perseguição católica aos suspeitos de pertencerem à ma-
çonaria, que se seguiu às orientações papais, criou um clima de explosão de
ânimos: expulsão de membros de irmandades, negação de sepultamento aos
suspeitos de serem maçons, divulgação de notas na imprensa com ataques
mútuos, etc. O governo imperial teve de interceder para pôr fim à polêmica;
assim, utilizando-se da legislação regalista, decidiu pela condenação e prisão
dos bispos ultramontanos. O crime pelo qual os dois bispos foram condena-
dos foi o de desobediência às leis, que submetiam o poder da Igreja ao poder
civil brasileiro (COLUSSI, 2003, p. 110).

Figura 1 - Papa Pio IX.

Fonte: Ecclesiam Catholicam (2011).

Os maçons admitiam a educação e o ensino como uma ferramenta transformadora


e potente para a transformação do imaginário brasileiro. Com uma possibilidade de trans-
formar conservadores em liberais racionalistas. Assim, a igreja católica foi colocada como
contrária a seu ideal, já que exercia outro tipo de influência na formação de crianças e jo-
vens com base na educação moral e cristã. Nesse sentido, a maçonaria se organizou para
tentar difundir um modelo educacional com o “espírito das luzes, que fosse emancipadora
e transformadora” (COLUSSI, 2000, p. 49).
Segundo Werebe (1985), a educação no Brasil do século XIX era precarizada por
conta do abandono do governo, que tinha outros projetos políticos para o país. O ensino
primário, secundário e profissional não contava com profissionais qualificados, nem com
estrutura garantida pelo estado. Era frequentado por filhos de uma pequena elite latifundiá-
ria, a qual ministrava um ensino literário.

UNIDADE III A Maçonaria 52


A maçonaria denunciou vigorosamente a precarização do ensino e defendeu um
ensino laico, baseado em ideias iluministas, por meio de uma imprensa independente.
Apontavam a importância de tornar obrigatório o ensino às crianças e aos jovens. Ataca-
vam sistematicamente a Companhia de Jesus, da qual falamos no primeiro capítulo, por
considerá-los uma ameaça ao livre pensamento dentro desse campo educacional em dis-
puta. Criticavam sua atuação por meio da doutrinação e seu distanciamento das doutrinas
do espírito moderno. O enfrentamento entre esses grupos foi bastante ferrenho entre as
décadas de 1870 até 1920.
Um dos importantes veículos de imprensa da Maçonaria nesse período foi o Bo-
letim do Grande Oriente no Brasil, jornal oficial da maçonaria brasileira, editado no Rio
de Janeiro, entre 1871 e 1910. Nele encontramos um texto publicado em 1873 acerca do
posicionamento da instituição frente aos jesuítas:
Os jesuítas, é sabido, usam dos seus colégios para fazer proselitos. Dominar
a instrução da mocidade é o seu constante empenho e, como eles sabem
captar a confiança dos pais, di-lo o sucesso que sempre alcançam, vencendo
os escrúpulos até de seus adversários que lhes confiam os filhos Boletim do
Grande Oriente do Brasil (BOLETIM DO GRANDE ORIENTE NO BRASIL,
1873. p. 892).

1.3 Colégios Maçônicos e a Educação Laica

Conforme Colussi (2000), foi na década 1870 que surgiram as primeiras propostas
de lojas maçônicas que visavam a iniciação de professores na maçonaria. Muitos desses
profissionais não atendiam aos requisitos para participar da ordem, porque não tinham
recursos financeiros o bastante para custear as despesas exigidas de filiação. Desse modo,
somente alguns profissionais liberais ou herdeiros, que também exerceram o ofício da ma-
gistratura, eram alvo da maçonaria.
O ingresso de professores na maçonaria, especialmente os que atuavam na
instrução pública, passou a ser visto como um dos meios mais eficientes para
que a ordem buscasse ter acesso e influenciar na formação laica dos setores
populares. A primeira iniciativa importante nesse sentido foi localizada em
Porto Alegre, onde a loja Zur Eintracht aprovou uma resolução, na sessão
de 14 de junho de 1876, que previa: “Aqueles professores que pela sua
vida e costumes são dignos de pertencerem a ordem dos Franco-maçons e
são propostos nesta Loja com as formalidades do rito, podem ser aceitos e
iniciados, independente do pagamento de jóia e mensalidades” (COLUSSI,
2003, p. 51).

Havia requisitos básicos para ser aceito como um membro da maçonaria. O aspecto
elitista dessa instituição se apresentava logo no início, possibilitando ou não a iniciação de
um profano na vida maçon. Para Colussi (2000), o objetivo de desempenhar papel impor-

UNIDADE III A Maçonaria 53


tante da solidificação de ideais iluministas na educação brasileira influenciou o crescente
número de professores que foram iniciados em oficinas nesse período.
Tornar o ensino obrigatório a todos da faixa etária correspondente não era o único
objetivo da maçonaria, no que se tange à educação. Por considerarem o ensino público ine-
ficiente e negativa a influência católica no ensino privado, organizaram também campanha
dentro de suas lojas, para criarem colégios maçônicos. “As primeiras notícias veiculadas
na imprensa maçônica, sugeriam que já era tempo de existirem colégios maçônicos, sendo
inexplicável que ainda não existam” (COLUSSI, 2003, p. 52).
Conforme Barata (1999), já havia articulações para criação de escolas maçônicas,
desde a década de 1970. Segundo o autor, a primeira foi fundada em 1872, no Rio de
Janeiro, a escola maçônica com o nome de Vespe. O objetivo da escola era possibilitar a
formação das classes populares. Contudo, essas ações tiveram pouca expressividade até
o fim do século XIX. Isso porque os recursos financeiros para o projeto eram insuficientes
e a necessidade de investimento muito grande. Mesmo assim, a organização persistiu na
busca por alternativas que substituíssem a inoperância do Estado e a influência católica.
Na ausência de escolas próprias, a maçonaria, por meio dos seus órgãos
de imprensa, orientava os seus filiados para que matriculassem os filhos em
escolas particulares, cujos proprietários, via de regra, eram homens identifi-
cados com o anticlericalismo e com as idéias liberais. A garantia de uma linha
de ensino cientificista e laica era condição de aprovação maçônica. O con-
texto em que as iniciativas de criação de escolas maçônicas expandiram-se
foi justamente a partir da proclamação e consolidação do Brasil republicano.
Durante praticamente 30 anos, na maioria das cidades em que existiam lojas
instaladas, funcionavam também escolas (COLUSSI, 2000, p. 53).

No entanto, a pequena adesão às escolas maçônicas demonstra que a sociedade


não necessariamente reconhecia os esforços da maçonaria ou corroboravam tais pers-
pectivas educacionais. A maioria das escolas tiveram poucos estudantes matriculados, e a
estratégia de luta anticlerical no campo educacional não foi vista como muito bem sucedida.
Não obstante, ainda em 1922, o Grande Oriente do Brasil, por meio do decreto nº 513,
reafirmava a necessidade de manter os projetos escolares maçons. No artigo 2º afirma:
Em todos os Orientes onde não houver escolas gratuitas mantidas pelo go-
verno do país, ou por associação leiga de qualquer natureza, as Lojas e os
maçons aí residentes, são obrigados a suprir essa falta, e a essa missão de
preferência dedicar todos os sacrifícios de que forem suscetíveis, coletiva e
pessoalmente (ALBUQUERQUE, 1873, p. 180).

Nesse ano, registram-se documentalmente 128 escolas maçônicas em funcio-


namento. Cabe destacar que a maioria delas priorizava o ensino noturno e dirigia-se às
classes trabalhadoras ou populares. A base ideológica da filantropia presente na maçonaria
direcionou tais ações no sentido de ampliar a sua influência nesses segmentos da socieda-

UNIDADE III A Maçonaria 54


de. A questão é que a maioria dessas escolas funcionou em torno de dois a três anos, no
máximo. Além disso, visava um objetivo maior, o da secularização:
As transformações significativas, principalmente com a separação Estado/
Igreja, confirmaram a vitória dos liberais e defensores da secularização da
sociedade. No que concerne à educação e ao ensino, ocorreu a confirma-
ção da sua secularização, cuja vitória parecia vir por meio da eliminação do
ensino religioso nos currículos escolares. Frente à situação, a Igreja Católica
se posicionou contrariamente à medida; contudo, apesar das pressões, não
conseguiu revertê-Ia antes de 1931 (COLUSSI, 2000, p. 54).

Para Colussi (2000), as ações filantrópicas da maçonaria, seja difundindo ideias


cientificistas na imprensa, disputando narrativas acerca do ensino ou construindo escolas,
demonstraram sua preocupação acerca do acesso ao ensino por parte dos jovens e pobres.
Por isso, contribuiu significativamente para a construção de um ensino laico.
Os maçons foram formadores de uma cultura política de elite, ocupando es-
paços importantes para o caminho da secularização da sociedade brasileira,
confirmada, em parte, pelo advento da República em 1889. A secularização
tinha como objetivo, para a maioria dos maçons, pôr fim ao obscurantismo e
às superstições, os quais, estavam incorporados na presença do catolicismo
como religião oficial do Estado brasileiro e, sobretudo, na crescente influência
jesuítica no ensino (COLUSSI, 2000, p. 50).

UNIDADE III A Maçonaria 55


SAIBA MAIS

Entre os historiadores acadêmicos, podemos destacar os trabalhos de Alexandre Man-


sur Barata, que, em seu livro Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870
- 1910), estudou a inserção da maçonaria no confronto entre o pensamento liberal e
cientificista e o pensamento católico conservador. Esse mesmo autor, em sua tese de
doutorado, intitulada Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência, procurou ana-
lisar a inserção da sociabilidade maçônica no Brasil, tentando compreender a politiza-
ção do espaço maçônico, sobretudo, no período que antecedeu a Independência.
Nesse mesmo sentido, podemos destacar a obra de David Gueiros Vieira, que trabalhou
o protestantismo e a questão religiosa no Brasil, revelando um possível vínculo entre
protestantes e maçons no episódio eclodido em 1872. Não devemos deixar de citar o
trabalho de Luiz Eugênio Véscio, O Crime do Padre Sório, em que o confronto entre
Igreja Católica e maçonaria, no final do século XIX, é percebido a partir de um crime
ocorrido no Rio Grande do Sul da época.
Outro livro importante sobre o tema é A Maçonaria Gaúcha no Século XIX, de Eliane
Lúcia Colussi. A autora analisa a presença maçônica na vida social do Rio Grande do
Sul, com seus posicionamentos abertamente políticos e anticlericais. A participação ati-
va dos maçons gaúchos na vida política, social e cultural teria se dado no sentido de
defender a laicização da sociedade brasileira, principalmente na luta pela separação
entre Estado e Igreja, confirmada em 1889.

Fonte: Castro (2006).

REFLITA

Você já parou para pensar que, muitas vezes, as sociedades tidas como secretas, na
verdade são somente discretas? Isso pode ocorrer, porque suas ideias são perseguidas
por instituições hegemônicas. Manter algumas práticas em sigilo pode ser um modo de
resistência.

Fonte: a autora.

UNIDADE III A Maçonaria 56


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos nossos estudos realizando uma breve introdução acerca do surgimento


da Maçonaria na Europa e da interpretação historiográfica que aponta sua possível origem
a partir das corporações de ofício da Idade Média.
Destacamos como a maçonaria se consolidou como uma sociedade de pensamento,
secreta e cosmopolita. Difundia ideias racionalistas e cientificistas, a separação total entre
estado e igreja e mantinha uma postura anticlerical. Por isso, foi duramente perseguida
pela Igreja Católica no fim do século XVIII. Nesse sentido, assinalamos a questão religiosa
que se colocou como marcador político de confronto e disputa entre a Maçonaria e a igreja
católica. Citamos o episódio mais emblemático, que é o da condenação do papa Pio IX
(1846-1879) ao liberalismo e, em especial, à maçonaria.
Por fim, refletimos sobre como Maçonaria admitia a educação e o ensino como uma
ferramenta potente para a transformação do imaginário brasileiro. Demonstramos como
ela se organizou para tentar difundir um modelo educacional com o “espírito das luzes”.
Apontamos como os maçons foram formadores de uma cultura política de elite, ocupando
espaços importantes para o caminho da secularização da sociedade brasileira, confirmada,
em parte, pelo advento da República em 1889.
Caro(a) estudante, apontamos a importância desse debate historiográfico para você,
já que o profissional que trabalhará com Ensino Religioso deve compreender os processos
históricos que construíram as bases que possibilitaram a consolidação de um ensino laico
no Brasil. Na próxima unidade realizaremos um debate que abarca o tema diversidade
religiosa no Brasil, demonstrando a construção histórica do islamismo e budismo em nosso
país.

Bons estudos!

UNIDADE III A Maçonaria 57


LEITURA COMPLEMENTAR

AZEVEDO, C. M. M. Maçonaria: história e historiografia. Revista USP, São Paulo, n. 32, p.


178-189, 1996-1997.

COLUSSI, E. L. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: EDIUPF, 1998.

VIEIRA, D. G. O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. 2. ed.


Brasília: UnB, 1981.

UNIDADE III A Maçonaria 58


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Origem e os ensinamentos da maçonaria: Uma explicação
clara dos princípios básicos das regras maçônicas
• Autor: Fernando Pessoa e Albert Pike
• Editora: Madras
• Sinopse: Esta obra reúne dois grandes nomes da literatura,
Fernando Pessoa e Albert Pike. Traz uma explicação clara dos
princípios básicos das regras da Maçonaria, seus ensinamentos,
suas origens e sua essência. Na primeira parte, ou Livro I, traz a
conferência apresentada por petição da Grande Loja, pelo Irmão
Albert Pike, que mostra as nocivas consequências das excisões
e disputas pelo poder na Maçonaria, e das invejas e desacordos
a respeito dos Rituais maçônicos. Já o Livro II traz a cronologia
de Fernando Pessoa e seu conhecimento maçônico abordando
temas como a Iniciação e também trata das origens e essência da
Ordem e do seu contributo judaico. Esta é uma obra indispensável
a todos os maçons.

FILME/VÍDEO
• Título: Maçonaria: segredos revelados
• Ano: 2017
• Sinopse: Explore a história e o futuro da maçonaria, uma ordem
fraternal fincada nos valores da discrição e da tradição.

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UNIDADE IV
Religiões Orientais – Mudanças Sociais
Professora Ma. Laís Azevedo Fialho
Professora Esp. Thaís Fialho Lisboa

Plano de Estudo:
• Breve histórico sobre o Islamismo no Brasil.
• Panorama histórico sobre o Budismo no Brasil.

Objetivos de Aprendizagem:
• Compreender as práticas religiosas e as construções históricas particulares do
Islamismo e do Budismo no Brasil;
• Estabelecer a importância da diversidade religiosa no Brasil e seus fundamentos no
Ensino Religioso.

60
INTRODUÇÃO

Caro(a) estudante, é uma satisfação compartilhar as informações desta unidade


com você. Desejo que, a partir desta leitura, você se sinta estimulado(a) a buscar novos
conhecimentos sobre o assunto no qual nos debruçaremos.

Como visto na Unidade II, o ensino religioso no Brasil tem sido discutido a fim de
que seus objetivos, previstos nas leis que regem as diretrizes para tal disciplina, sejam
efetivamente atingidos. Para tanto, é fundamental ampliar os conhecimentos sobre a di-
versidade religiosa presente no Brasil e possibilitar que os estudantes tenham acesso aos
estudos contemporâneos do tema, e à noção histórica de como as religiões se organizaram
em nosso país, entre embates, disputas, sincretismos etc. Sendo assim, te fazemos o
questionamento: como conseguiremos avançar neste sentido, se não houver preparo ou
conhecimento do vasto campo das religiões?

Neste sentido, faz-se necessário que os envolvidos no campo educacional, em


especial os docentes, tenham conhecimento sobre a diversidade religiosa e suas especifi-
cidades no campo religioso brasileiro.

Apontamos para o fato de que os debates sobre a presença das religiões não
hegemônicas têm ganhado, cada vez mais, visibilidade nos espaços educacionais, nos dias
atuais. Vemos com mais frequência os diálogos nos fóruns e nas políticas educacionais
que tangem o Ensino Religioso, como temas emergentes devem fazer parte dos currículos.
Destaca-se a diversidade religiosa como um componente curricular que possibilita o reco-
nhecimento e compreensão das pluralidades de manifestações religiosas que temos no
mundo multicultural.

Nesse contexto, as religiões orientais ganham mais visibilidade, visto que histo-
ricamente foram negadas ou apagadas no ocidente, por sua cultura, costumes, crenças
e fundamentos religiosos. Por isso, daremos enfoque ao tema destacando duas religiões
orientais não hegemônicas, das quais sabe-se pouco, a partir do se senso comum. Na

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 61


primeira parte desta unidade abordaremos um pouco sobre uma das religiões bastante
representativas no país, o Islamismo. Percorreremos sua trajetória de forma introdutória,
conhecendo suas origens, características, organização e como essa religião tem se desen-
volvido no Brasil. Em seguida, conheceremos brevemente os fundamentos do Budismo,
sua origem, preceitos, transformações históricas e como ela se organiza em nosso país.

Nosso objetivo é que você reflita sobre diferentes manifestações, simbologias e


cultos existentes em nosso território nacional. Não temos por objetivo esgotar o tema, mas
apontar caminhos que você possa continuar trilhando em sua formação.

Bons estudos!

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 62


1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ISLAMISMO NO BRASIL

Caro(a) estudante, não é exagero afirmar que pouco se conhece do Islamismo no


Brasil, a partir do senso comum, mesmo que muitos dos seus adeptos se encontrem em
nosso país. Não é exagero indicar que a falta de conhecimento sobre o tema mantenha
sólida as bases do preconceito e da Islamofobia – medo do islamismo ou dos muçulmanos.
Por isso é tão fundamental para o estudioso das religiões se debruçar sobre o tema.
Iniciamos nossos estudos já apontando que a própria noção do que seria ser um
muçulmano é muito diversa, e por vezes mal interpretada. Não tendo apenas um sentido,
ou uma entidade que encerre em si todas as manifestações dessa vertente. Sobre isso
Elias (2011, p. 15) diz que
É, portanto, possível se falar em numerosas ‘linhas de fratura’ de identidade
ao longo das quais se podem diferenciar os muçulmanos, sendo estas linhas
a língua, a etnia, a raça, a nacionalidade, o sexo, as atitudes em relação
ao mundo moderno, a experiência com o colonialismo, a idade o estatuto
econômico, a classe social, a identidade sectária, etc. Qualquer afirmação
acerca das crenças muçulmanas que se reivindique universal acabará inevi-
tavelmente por ser refutada pela existência de exceções algures no mundo
muçulmano.

No islamismo, há uma estrutura descentralizada, que não prevê uma hierarquia


ordenada ou com um controle central. Desse modo, qualquer religioso poderia tornar-se um
imame ou imã (encarregado das orações em uma Mesquita). O único fator obrigatório para
tal é conhecer profundamente o Alcorão e ter seguidores (HIRSI ALI, 2015).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 63


A mesquita é, realmente, a igreja muçulmana, no sentido de ser um lugar do
culto comunal. Mas não se pode falar ‘a mesquita’ como se fala a ‘igreja – ou
seja, uma instituição com sua própria hierarquia e leis, em contraste com o
Estado. Os ulemás (conhecidos como mulás no Irá e nos países muçulmanos
influenciados pela cultura persa) podem ser descritos como sacerdotes no
sentido sociológico, pois são homens de religião por profissão, reconhecidos
como tal por treinamento e certificado. Mas não há um clero no islã – nenhuma
mediação clerical entre Deus e o fiel, nem ordenação, sacramentos ou rituais
que apenas um sacerdote ordenado possa realizar (LEWIS, 2004, p. 29).

Assim, é possível apontar que algumas bases estruturantes do islamismo seriam o


culto a Alah, a pregação da caridade, a solidariedade, a obediência, o jejum, a oração e a
crença em um Deus único. Datada do século VII e originada na península Árabe, no Oriente
Médio, a religião se fundamenta no princípio judaico cristão.
Para os islâmicos, a Torá, os Salmos, o Evangelho e o Alcorão são os livros sagrados.
Este último significa, em árabe, “recitação”, e foi escrito por Maomé. O alcorão serve como
guia espiritual para os muçulmanos. A religião se organiza a partir do profeta Mohammad,
mais conhecido como Maomé no Brasil. Existem dados históricos sobre esse profeta, dife-
rentemente de como ocorre em outras religiões. Ele nasceu em Meca, na Arábia Saudita, em
29 de agosto de 570 EC, com o nome de Abul Alcacim Mohammed ibne Abdalá ibne Abdal
Mutalibe ibne Haxim ou ainda, Mohammed ou somente Maomé, em língua portuguesa. Na-
quele tempo histórico e região geográfica, a religião era politeísta e semítica, aproximava-se
das práticas da religião predominante na Palestina, um politeísmo pagão.
Quando completou 40 anos, Maomé começou a retirar-se da cidade para meditações
espirituais. Ele recebeu, então, a visita do anjo Gabriel, que lhe transmitiu uma revelação.
A partir de então, ele registrou essa mensagem e passou a se reivindicar como um profeta,
pregador de um Deus único criador e onipotente, que abominava a idolatria pagã. Ele não
obteve reconhecimento de muitos fiéis a curto prazo. Conforme Sardar (2010), após três
anos de pregação, ele tinha apenas 30 pessoas que o seguiam como um profeta. Quadro
que se modificou lentamente.
Após sua morte, em 8 de julho de 632 EC, houve inúmeros conflitos de sucessão.
Os principais líderes a partir de então foram Abu Bakr, Omar Bin Khattab, Osman (Uthman)
Bin Affan e Ali Ibn Abu Talib (primo de Maomé). A religião expandiu-se em poucas décadas
por todos os países do globo. Hoje, no mundo, mais de 1 bilhão de pessoas se orienta
por meio do Alcorão, um dos grandes legados de Maomé (BURGIERMAN; CAVALCANTE;
VERGARA, 2001).
Deus fala e sua palavra se cristaliza sob forma de livro. Esta cristalização
tem, evidentemente, seu protótipo em Deus, de modo que se pode afirmar
que a “palavra” e o “livro” são dois aspectos do ser puro, que é o princí-
pio simultaneamente criador e revelador. Afirma-se, contudo que o Corão
é a palavra de Deus, e não que a palavras procede do Corão ou do livro
(SCHUON, 1991, p. 73).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 64


A presença de uma nova religião para a população árabe trouxe uma unificação em
meio a conflitos constantes da geopolítica. Eles passaram a ter um livro sagrado em árabe,
um profeta árabe, uma religião monoteísta, um lugar sagrado em suas terras (FLETCHER,
2003).
Outro fator que possibilitou a grande disseminação dessa religião foi que, segundo
relatos, Maomé era iletrado, ou seja, tudo o que ele dizia realmente era oriundo de uma
força não humana, de um Deus poderoso. Essa ideia aproximava ainda mais a população
à essa crença.
Assinalamos também que o próprio vocábulo muçulmano pode ter mais de um
uso ou sentido, o que significa que nem todo árabe pertence a essa religião, como aponta
Demant (2011, p. 14):
O termo muçulmano refere-se a um fenômeno sociológico, enquanto islâmico
diz respeito especificamente à religião. Desta maneira, por exemplo, pode-se
afirmar que o Paquistão possui uma maioria muçulmana; mas nem por isso
é um Estado islâmico. Islamismo e islamita, por sua vez, são utilizados para
definir o movimento religiosos radical do islã político, inspiração do que tam-
bém se chama popularmente de fundamentalismo muçulmano. É, portanto,
confuso e incorreto usar o termo islamismo como sinônimo de islã, como
acontece ocasionalmente em português.

Apontamos que o islamismo é organizado com base em cinco crenças fundamen-


tais:
1. Deus único.
2. Realizar cinco orações diárias.
3. Pagar o imposto social, ou seja, doar 2,5% aos pobres. Sobre esse princípio
Schuon (1991, p. 55 ) diz: “a esmola vence o egoísmo e a avareza, ela realiza a
solidariedade de todas as criaturas, é o jejum da alma”.
4. Visitar a cidade de Meca ao menos uma vez.
5. Jejuar no período do Ramadã.

No mundo, já é considerada a 2ª maior comunidade religiosa. Em países de


formação protestante, como Estados Unidos (6 milhões), França (5 milhões) e Alemanha
(2,5 milhões), ocupam espaço relevante. No Brasil, segundo dados do IBGE (2011), em
2010 eram 35.167 mil Islâmicos, em sua maioria homens.

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 65


1.2 Islamismo no Brasil - Islamismo de Escravidão

Já falamos que o Islamismo foi disseminado pelo mundo, mas de que modo essa
religião chegou ao Brasil? Segundo pesquisadores, adentrou em nosso país de três formas:
Islamismo de escravidão, Islamismo de imigração e de conversão (MENDONÇA; VELAS-
QUEZ FILHO, 2002, p. 25).
Assim como os negros africanos, os muçulmanos chegaram ao Brasil como es-
cravos, em navios negreiros, no século VXIII. Esses escravos eram advindos das regiões
islamizadas da África, como Sudão, hoje norte da Nigéria.
Em sua maioria homens, esses primeiros islâmicos do Brasil ficaram conhecidos
como malês, que significa renegado. Outra característica destes era que sabiam ler e
escrever, o que lhes garantiu vantagens em relação aos senhores e ao trabalho que de-
sempenhavam.
Por meio desse conhecimento, eram escolhidos para atividades ligadas ao comér-
cio, tornando-se negros de ganhos. Contudo recebiam salários muitos baixos, dificultando
o processo de compra da alforria. Alguns tinham êxito, construíram patrimônios financeiros
maiores que certos brancos. Mas, mesmo assim, eram dominados pelo colonizador e fa-
ziam alianças até religiosas com eles.
O diferencial da língua lhes permitiu acesso a ambientes nos quais não entravam
escravos. Gradativamente, conquistaram espaço na economia como pequenos comercian-
tes.
Neste contexto, também desenvolveram suas crenças, embora aparentassem
ter aceitado o catolicismo, assumindo até mesmo nome de batismo. Em relato do imã Al’
Baghdadi, percebemos esse comportamento: “depois disso, todos os que conseguiram
a liberdade por direito lembravam-se da religião dos seus antepassados, a qual eles se
voltaram após a libertação” (FREYRE, 1980, p. 306). Fica evidente que a força da crença
islâmica não se perdeu.
Como forma de manutenção da crença, os muçulmanos livres criaram escolas
e casas de oração. Ainda hoje é possível observar, em alguns estados do Brasil, ruínas
dessas casas de oração, com textos escritos do Alcorão em árabe. Essas reuniões eram
organizadas longe das cidades para evitar perseguição. Entre eles, escolheram líderes
religiosos que deveriam ser responsáveis por preservar a crença, esses homens ficaram
conhecidos como alufás. Desta forma, mesmo com a perseguição religiosa latente, eles
foram se organizando como grupo sólido, longe de sua terra natal.

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 66


Embora a lei determinasse ser proibido zombar de cultos estabelecidos no Império,
muçulmanos livres eram vistos em vários locais da cidade de Salvador pregando contra a
missa e contra a adoração a estátuas de santos.
Outro fato relevante foi a participação que esse grupo religioso desempenhou na
organização de revoltas contra a escravatura. Oriundos de uma civilização politicamente
mais organizada, eram estrategistas por excelência (FREYRE, 1980). Conhecidos como
Haussás, há registros de participação de membros muçulmanos nessas rebeliões pela
descrição das roupas que vestiam, pelos bilhetes encontrados escritos em árabe, visto que
a língua foi utilizada como código para transmitir informações sigilosas.
A revolta de 1935 aconteceu logo após o Ramadã, comemoração islâmica, outro
indicativo da liderança islã. Se essa revolta tivesse sido bem sucedida, a Bahia seria um
estado islâmico hoje, com apenas a presença de comunidades de religião africana.
Em seguida a esse período de revoltas, a perseguição aos malês aumentou, fa-
zendo com que se mudassem para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Mas a presença
islâmica ficou preservada em Alagoas e em registros de festas e rituais.
Quanto ao crescimento dessa população Etienne(1909) (apud FREYRE, 1980, p.
310) escreve:
O islamismo ramificou-se no Brasil em seita poderosa, florescendo no escuro
das senzalas [...] da África vieram mestres e pregadores a fim de ensinarem
a ler no árabe os livros do Alcorão [...] aqui funcionaram escolas e casas de
oração maometanos

Entre esses mestres ficou registrado o nome de Al Baghdadi, que, segundo os


pesquisadores, desembarcou no Rio de Janeiro em 1866 por ocasião de uma tempestade.
No desembarque, foi reconhecido por suas vestimentas e cumprimentado em árabe. Como
era responsável espiritual pela tripulação e encontrou um grupo organizado de muçulmanos
no Brasil, permaneceu no país por algum tempo.
Al Baghdadi passou a se reunir com esse grupo, de mais ou menos 500 homens,
ocultamente, para prevenir novas perseguições. Segundo Al Baghdadi, no Brasil, nessa
época, havia cinco mil muçulmanos; era final do século XIX.
Esse mestre árabe também se dirigiu a outras cidades brasileiras para o ensino
da religião. Foi a Salvador, onde havia ainda mais muçulmanos e à Pernambuco onde
encontrou dois líderes. Ele relata sobre como acontecia a conversão das pessoas a religião
Islâmica: “quando observam a comunidade muçulmana entre eles, e o intenso amor que
seus integrantes nutrem uns pelos outros, sentem ciúmes intenso desses cidadãos e eles
aderem a religião muçulmana” (FARAH, 2007, p. 83).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 67


O pregador também observa que muitos filhos dos membros do grupo religioso
estavam se convertendo ao cristianismo, atraídos por suas festas, danças e por terem mais
aceitação social. Quanto a isso disse: “aprisionem seus filhos até atingirem a maturidade
plena e que os instruíssem” (p. 107).
Os registros de Al Baghdadi foram importantes para a comprovação da presença da
crença islâmica no Brasil. No entanto, após a proclamação da república, apesar da redução
das limitações religiosas, esse grupo de islâmicos, aparentemente, não deixou registros de
sua história. Foi somente no pós-Primeira Guerra Mundial, com a chegada dos imigrantes
árabes, que se estabeleceu a comunidade islâmica conhecida hoje (RIBEIRO, 2012).

1.3 Islamismo de Imigração

Conforme Liane Aseff (2010, p. 153), os primeiros imigrantes muçulmanos chega-


ram ao Brasil em 1860. Eram libaneses, sírios e palestinos do império otomano. Eles se
instalaram em São Paulo e Foz do Iguaçu, em sua maioria. O que os trouxe ao Brasil foram
os conflitos locais e perseguições religiosas, embora, em sua maioria, fossem cristãos.
Um dos outros fatores que incentivou esse fenômeno histórico foi a visita de Dom
Pedro II ao Líbano. Muitos dos grupos que migraram vieram para o Brasil com o sonho
de fazer fortuna e depois retornar, entretanto, foram se estabelecendo no novo território,
formando famílias sólidas e criados outros laços por aqui (KALI, s.d.). No novo país, de-
senvolveram trabalhos voltados a venda, como mascates, principalmente em São Paulo e
Minas Gerais.
Entre 1918 e 1945, uma nova leva de imigrantes chegou ao Brasil, os motivos
eram: seu território havia sido ocupado pelos franceses e a falta de emprego, num contexto
social marcado pelo alto crescimento populacional.
Desta forma, após a chegada ao Brasil, essa comunidade islâmica foi crescendo
e se consolidando. Em 1928 foi inaugurada, na avenida do Estado, em São Paulo, a pri-
meira sociedade beneficente muçulmana do Brasil, constituída por 62 pessoas. Outro fato
marcante é a publicação do jornal sírio Az-Zikra, em 15 de junho de 1933. Já sua primeira
mesquita foi inaugurada em 1960, no bairro do Cambuci, em São Paulo.
Ainda sobre o islamismo de imigração, pela terceira vez, chega ao país um grupo
de imigrantes islâmicos. Eles fugiam de conflitos no oriente médio na segunda metade do
século XIX.
O fluxo de imigrantes árabes muçulmanos deparou-se com uma nova situa-
ção no Brasil, distinta daquela dos primeiros movimentos dos árabes cristãos,

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 68


que a essa época haviam formado comunidades inseridas na sociedade
brasileira. Ao contrário dos primeiros imigrantes, por uma série de razões que
incluem as novas tecnologias – com destaque para a internet e a possibilida-
de de comunicação imediata e irrestrita que oferece – mantém laços fortes
com a terra natal (FARAH, 2010, p. 50)

Gradativamente, a religião foi se expandindo, novos templos foram sendo construí-


dos, como a mesquita de Foz do Iguaçu, em 1969, e a Escola (Colégio) Islâmica da Vila
Carrão. Essa expansão revela-se de maneira significa, em 1970, quando o Brasil sedia o
primeiro congresso Internacional Islâmico dos Muçulmanos do Brasil.
Muitos outros templos foram construídos em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, com investimento financeiro de países
árabes, como Arábia Saudita, Líbia, Kwait e Irã. Segundo Moreira (2006), já existem cerca
de oito milhões de árabes no Brasil, em sua maioria de origem libanesa.
Para alguns sacerdotes, a religião islâmica tem se distanciado de algumas de suas
tradições, por conta dos casamentos entre filhos de famílias tradicionais e filhos de cristãos.
O que dificulta o crescimento da religião e facilita a assimilação ao cristianismo. Os sheiks
demonstram preocupação com essas mudanças na religiosidade. Baalbaki, (s.d., p. 58-60)
relata:
Ó nação árabe e muçulmana, ó muçulmanos do mundo, nós somos aqui
no Brasil uma minoria que está perdendo a sua cultura para outros e para a
sociedade brasileira: perdemos nossa tradição, nossos dogmas espirituais
e nossos costumes [...] Nem os próprios brasileiros acreditam que somos
brasileiros como eles, nem nossos patrícios e familiares acreditam que ainda
somos árabes e muçulmanos. É um processo de imigração sobre imigração.

1.4 O Islamismo de Conversão

Para compreendermos melhor o islamismo de conversão, precisamos entender


como a conversão acontece nessa religião. Para os islâmicos, o conceito de conversão é,
na verdade, um retorno ao estado original. Segundo sua crença, todos os seres humanos
nascem submissos a Deus, às vezes, ele – o homem – “se perde”, mas, ao retornar, obede-
cendo a Allah, criador do universo, é revertido ao seu papel original (SILVA, 2010).
Estatisticamente, os revertidos somam 85% dos frequentadores das mesquitas no
Rio de Janeiro, em Salvador somam 70%. Já em São Paulo, que é considerada a capital da
religião no país, encontra-se a mesquita de São Bernardo, com 400 famílias de libaneses
revertidos (SILVA, 2010).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 69


Para receber esses revertidos, algumas mesquitas preparam cursos em português,
enquanto outras mantêm apenas suas programações na língua árabe. Nesta última alguns
brasileiros se sentem excluídos por não entenderem a língua e por não serem árabes de
nascimento. Dentre esses membros revertidos, 70% são mulheres e a faixa etária de con-
versão é de 20 a 40 anos.
Conforme Silva (2010), o elemento de atração à religião Islã é, muitas vezes, a
curiosidade diante de suas características peculiares, assim como a conversão de pessoas
famosas ou, até mesmo, a influência de filmes e novelas. Ao visitarem as mesquitas, as
pessoas acabam encontrando uma estrutura bem organizada e com material de fácil acesso
em português, como o Alcorão e outros livros doutrinários.
Hoje, o Islamismo também se difunde por meio de outra ferramenta de comuni-
cação poderosa: a internet, e, por meio dela, sites e redes sociais ensinam e estimulam o
conhecimento da religião. Inclusive, a internet tem aproximado jovens brasileiras revertidas
a pretendentes muçulmanos.
Uma explicação para esse fenômeno da conversão é a busca por valores morais e
regras por diversos religiosos que, por diversas vezes, se decepcionaram com suas crenças
anteriores. Uma revertida relata “no islã encontrei a resposta para os meus questionamen-
tos” (HAMA, 2004, p.34 - 39 ).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 70


SAIBA MAIS

O fundamentalismo religioso não é fenômeno do Islã. Em todas as religiões monoteístas


ou não, podem-se identificar movimentos fundamentalistas. No cristianismo, o fenôme-
no surge nos EUA, nos anos 1920, com tendências protestantes propugnando que a
humanidade deveria voltar-se para os “fundamentos” bíblicos (daí o nome fundamen-
talista) e viver de acordo com os ensinamentos religiosos, em reação ao modernismo.
No judaísmo, segundo Karen Armstrong (2001:200), o fundamentalismo também sur-
ge na primeira metade do século XX: movimentos que estabeleciam conexões entre a
modernidade e a religião se frustraram depois que a sociedade judaica se secularizou e
se racionalizou totalmente. Alguns perceberam que o impacto da modernidade secular
era diametralmente oposto aos ritmos da religião e ameaçava seus valores essenciais.
Formulou-se então uma solução “fundamentalista’.
Assim como nas outras duas religiões monoteístas, no Islã, o fundamentalismo germi-
nou na primeira metade do século XX. Sua origem incidiu inicialmente no Egito, com a
formação de organizações de ensino religioso que, ao longo de confrontos ideológicos e
políticos com o Estado e de um relacionamento estreito com a sociedade civil, foram se
configurando como movimentos políticos islâmicos.
Contudo, seu amadurecimento se diferencia do movimento de outras religiões, pois o
islamismo (ou fundamentalismo muçulmano) se tornou ideologia política de cunho in-
ternacional, em um processo histórico constituído pelo que Peter Demant (2011) chama
de “ondas ou gerações parcialmente sobrepostas” a primeira (período de maturação)
correspondente à entrada no cenário internacional, nos anos 67-81, com movimentos
fundamentalistas sunitas; a segunda, nos anos 1980, com uma feição explicitamente xii-
ta e enorme expansão devido à revolução iraniana, porém ainda limitando-se à própria
região do Oriente Médio, e a terceira onda, nos anos 1990, com a internacionalização
que volta a ser quase exclusivamente sunita.
O islamismo se distingue de outros fundamentalismos religiosos, sobretudo pelo seu
anti-ocidentalismo, pela sua luta sagrada para a construção de um Estado Islâmico e por
politizar e transformar a religião Islã em ideologia.

Fonte: Lima (2012).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 71


2 PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O BUDISMO NO BRASIL

Olá, caro(a) estudante! Continuamos nossos estudos nesse subtópico aprofundan-


do nossas reflexões acerca de outra religião oriental de grande relevância no Brasil que é
o Budismo. Essa discussão teórica também tem a finalidade de instrumentalização para
ações didático-pedagógicas sobre o referido tema no Ensino Religioso.
Quando nos deparamos com um novo conceito de crença, é necessário conhecer
seus princípios, valores e dogmas. Por isso, nesta segunda parte da presente unidade,
faremos uma breve introdução sobre a religião ou filosofia budista, sua origem, organização
histórica e práticas no Brasil.
Como doutrina filosófica espiritual, oriundo da Índia do século VI a.C., o budismo
tem como princípio fundamental a busca pelo fim do sofrimento que levará ao alcance
da iluminação. Nesta caminhada o processo é pessoal e, para isso, não há um Deus ou
deuses para adorar e guiar. Desse modo, pode-se classificar o Budismo como uma religião
não-teísta. É também considerada como uma filosofia de vida, sendo, assim, uma prática
que exercita a mente e o espírito a partir dos estágios de superação dela mesma. Smith
(2006, p. 79) afirma que “‘Budismo’, no inglês como em outras línguas ocidentais, designava
mais ou menos desde o início um desenvolvimento histórico, um complexo em evolução de
crenças, práticas, instituições e dados observáveis”.

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 72


Entre suas principais características está a busca pelo desapego dos defeitos hu-
manos, como ciúme, raiva e inveja, que são orientados por alguns princípios que, por fim,
levarão à bondade, ao amor, à sabedoria, à generosidade, entre outros.
Uma das crenças fundamentais é que as boas e más atitudes trarão consequências
para o ser humano em outras vidas e que a cada nova oportunidade de vida se deve deixar
tudo que o impede de chegar à perfeição. Para Bhikkhu, (2013, p. 174):
A meta dos ensinamentos budistas está em nos instruir sobre a inexistência
do eu permanente e de qualquer coisa que permaneça ao eu; existe somente
o falso entendimento da mente ignorante. Existe apenas o corpo e a mente
que nada mais são que simples processos naturais. Eles funcionam como
um mecanismo que processa e transforma dados. Se eles fazem isso pelo
método errado, o resultado é tolice e ilusão, de tal forma que a pessoa sente
que existe um eu permanente e coisas que pertencem a ele. Se o fazem pelo
método correto, esses sentimentos não aparecem, mas sim a consciência
primária que discerne a verdade (satipañña), o saber verdadeiro fundamental
e a visão clara de que não existe o eu permanente nem qualquer coisa que
pertença a ele.

Como dito anteriormente, não há um Deus para os budistas, no entanto, há uma


caminhada que foi exemplificada por Sidarta Gautama, que nasceu em 563 a.C., na Índia.
Sua trajetória de renúncia, busca e despertar e libertação o tornou o Buda, que significa o
iluminado. Essa caminhada pode ser feita por qualquer ser humano que queira, segundo a
tradição.
Conforme Lambert (2011), a tradição budista pode ser observada nas paredes
de seus templos e, segundo os pesquisadores, o budismo apresenta uma narrativa de
concepção sobrenatural. A mãe de Buda sonhou que seu filho seria “iluminado”, e de forma
milagrosa ela engravidou e foi tocada pela ponta da tromba de um elefante branco, que
simboliza força e grandeza. Seu pai, percebendo os 32 sinais de nascimento do filho, para
ser um mestre universal, decide proteger o filho e torná-lo um grande soberano, decide
cercá-lo de presentes, mulheres, beleza e fartura.
No entanto, um dia, o filho consegue sair desse palácio e descobre a pobreza, a
velhice, a doença e todo tipo de sofrimento e a morte. Ele decide, então, abandonar seu
filho e família e sai em busca de uma libertação para todos os males. Por seis anos ele
vive em extrema privação, já muito magro, recebe um pouco de arroz de uma mulher e
toma consciência de que precisa encontrar um “justo meio”, ou seja, um equilíbrio. Um dia,
pensando já estar próximo de seus objetivos espirituais, se senta embaixo de uma figueira
para meditar e inicia uma meditação profunda. Quando está a ponto de completá-la, Mara,
o deus da morte, envia seus filhos e filhas para tentá-lo. Esses filhos são a distração, a
hilaridade, o orgulho, a insatisfação, o prazer e a sede (LAMBERT, 2011)

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 73


Ele vence a tentação e consegue atingir o conhecimento puro e a serenidade plena,
chamada de nirvana. Esses eventos acontecem próximos à cidade de Benares, o que sina-
liza um dos lugares representativos para os budistas. Nesse lugar, chamado de Bodh Gaya,
fica o templo do Mahâbodhi (grande despertar), uma pedra gravada com o pé de buda e
uma figueira, árvore sagrada para os budistas.
Porém não se conhece precisamente a origem da história de Buda, visto que todas
essas informações foram transmitidas oralmente, como no caso de vários fundadores de
filosofias religiosas. Conforme Rinpoche (2012, p. 23), o nome Buda tem dois significados:
“O primeiro refere-se à essência da mente, que é e sempre foi a verdadeira natureza de
todos os seres. O segundo significado se refere a quem revelou completamente a natureza
búdica”. Desse modo, podemos compreender que o vocábulo é também um título de quem
alcança grande iluminação.
Para compreendermos melhor essa filosofia ou religião, visto que tem todas as
características de uma, precisamos compreender as “quatro nobres verdades” (arya-satya).
1ª Dukkha – A realidade do sofrimento: esse conceito de sofrimento tem a ver
com o modo como a vida nos apresenta felicidade e infelicidade de maneira cíclica, não
havendo, pois, felicidade plena. Nascimento é sofrimento, envelhecer é sofrimento, morte
é sofrimento.
2ª Samudaya – Origem do sofrimento: representa a busca por realizar nossos
desejos de ser ou não ser, ter ou não ter.
3ª Nirodha – A realidade da cessação do sofrimento: é o desaparecimento do dese-
jo, o abandono e a renúncia dele.
4ª Margha – A realidade do caminho para cessar o sofrimento: essa verdade envol-
ve linguagem correta, entendimento correto, modo de vida correto, esforço correto, atenção
plena e concentração correta.
No livro de O Ensinamento de Buda encontramos:
Eis aqui ó monges, a Nobre verdade sobre a dor: O nascimento é dor, a
velhice é dor, a doença é dor, a morte é dor, estar separado daquilo de que se
gosta é dor, não ter o que se deseja é dor, em resumo os cinco componentes
do apego são dor.
Eis aqui ó monges a Nobre verdade sobre a causa da dor: é essa “sede”
(tanha: desejo) que produz a reexistencia e o retornar, que está ligada a uma
avidez apaixonada e que encontra um novo gozo ora aqui, ora acolá, isto é,
a sede do prazer dos sentidos, a sede da vida e do devir, e a sede da não
existência [autoaniquilação].
Eis aqui ó Monges, a Nobre verdade sobre a cessação da dor. É a cessação
completa dessa sede, abandoná-la, renunciar a ela, desapegar-se dela.
Eis aqui ó monges a nobre Verdade sobre o caminho que conduz ao fim da
dor. É o nobre caminho óctuplo, isto é, a visão apropriada, o pensamento
apropriado, a palavra apropriada, a ação apropriada, o meio de existência
apropriado, o esforço apropriado, a atenção a apropriada, a concentração a
apropriada (RAHULA, 2005 p. 123).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 74


Se, para o cristianismo, a fé em Deus leva à libertação do pecado, ao paraíso (céu)
como recompensa, a jornada budista acontece na esfera do desenvolvimento pessoal.
Seguindo os preceitos de Buda como alguém que atingiu o máximo dessa caminhada, pela
eliminação da dor e fusão com a essência do universo.
Como é próprio de toda religião, ao longo da história aconteceram várias modifica-
ções nos ritos, símbolos e regras monásticas do budismo. No primeiro século, ele se torna
uma religião. Novos mosteiros são construídos e embelezados. Desta forma, é difundido
por toda Ásia, é difundido por vários países, com diversas ramificações. Porém, todas elas
utilizam o Triptaka, que são as regras da vida monástica, ensinadas por Buda. São estes os
cinco preceitos fundamentais:
1 – Não destruir a vida;
2 – Não roubar;
3 – Não cometer adultério;
4 – Não mentir;
5 – Não tomar bebidas inebriantes.

Além desses preceitos, Buda também orienta as crianças a obedecerem e respei-


tarem seus pais, que, por sua vez, devem oferecer assistência e benignidade aos filhos.
Esse mesmo princípio vale para patrões e empregados, indivíduos e autoridades. Enfim, a
religião é uma busca pelo amor, compaixão, generosidade para com os outros. Tanto que
o símbolo do budismo é uma roda, o Dharma, que representa a roda do dever, que Buda
iniciou o giro (LAMBERT, 2011).
Quanto às rotinas da religião budista, Lambert (2011, p. 477 ) descreve:
O principal espaço de vida budista é o Wat, pequeno mosteiro que compreen-
de um pagode (lugar de culto), locais de ensino e residência para os bonzos,
uma árvore do despertar, que recorda aquela sob a qual Buda teria se ilu-
minado, assim como um Chedi (equivalente da palavra stupa), espécie de
relicário que possui a forma de um peão invertido, onde são postas as cinzas
dos defuntos. Edifício característico do budismo, o chedi também simboliza o
acesso ao nirvana.

Aceito e praticado em vários lugares do oriente médio e do mundo, o budismo


se dividiu em três linhagens, o Tibetano, o Japonês e o Chinês, baseados em tradições
diferentes. No Brasil, o Japonês chegou até nossas terras no século XX, com imigrantes ja-
poneses. Entre as escolas mais famosas no Brasil, a Nichiren se destaca, visto que divulga
a religião a todos que se interessam pelos seus ensinamentos.

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 75


No Brasil, segundo os dados do IBGE (2011), em 2010 a população praticante
era de 243.966 budistas. Em relação às pesquisas anteriores, esse número aumentou.
Esse aumento é creditado ao crescente interesse da população brasileira pelos preceitos
e doutrinas da religião, que outrora eram mais propagados de geração a geração pelas
famílias japonesas.
Hoje, há vários templos budistas espalhados pelo país. Atraídos pela beleza e ar-
quitetura das construções, são visitados por muitos turistas. Um dos maiores é o templo de
Foz do Iguaçu, com aproximadamente 17 hectares. Em seus jardins, há uma diversidade
de 120 estátuas, principalmente as de Buda. O templo Zu Lai, em São Paulo, o Mosteiro do
morro da Vargem, no Espírito Santo, o Templo Shin, em Brasília, entre outros que represen-
tam a presença do budismo no Brasil.
Entre as práticas mais atrativas para os brasileiros está a meditação, na qual cada
pessoa deve se conectar com seu verdadeiro eu, buscando, por meio da respiração e da
concentração, uma conexão com a natureza.
Apresentamos, para você, reflexões introdutórias sobre o Budismo que acredita-
mos ser importantes para nortear você em sua atuação profissional no Ensino Religioso.
Buscamos apresentar elementos que oportunizem sua familiarização com as crenças
e práticas budistas, com o objetivo de subsidiar o seu fazer pedagógico e também sua
formação intelectual. Apontamos que o Budismo é uma religião presente no Brasil, que,
historicamente e culturalmente, nos apresenta, em suas manifestações religiosas, suas
identidades, tradições, míticas, mitos, ritos e símbolos. Isso torna o conteúdo relevante para
a construção de uma educação mais plural e democrática.

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 76


SAIBA MAIS

Segundo os dados do “The World Factbook”, organizado pela CIA (Agência Central de
Inteligência dos Estados Unidos) em 2012 e também o site de religiões Adherents, os
maiores grupos religiosos do mundo, em números aproximados, são: Cristianismo (28%,
incluindo várias religiões cristãs), Islamismo (22%, incluindo os xiitas e sunitas), Hinduís-
mo (15%), Budismo (8%), Religião Tradicional Chinesa (6%), Religiões Primárias (6%
somando religiões primárias da África, Ásia, Oceania e Américas) e Sikhismo (1%).
Na sequência vêm algumas religiões também muito conhecidas mundialmente como o
Judaísmo e o Espiritismo (que reúne diversas religiões).

Fonte: Yahoo Notícias (2019).

REFLITA

“Mesmo que tenham filosofias diferentes, as religiões defendem valores semelhantes


para a conduta ética e trazem a mesma mensagem de amor, compaixão e perdão” (Da-
lai Lama).
Você concorda com esta frase? A religião contribui para formação ética e moral dos se-
res humanos? Pense nisso!

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 77


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prezado(a) estudante, buscamos apresentar para você contextos, conceitos, refle-


xões e um breve histórico de duas religiões orientais que se destacam dentre as religiões
mundiais. Para isso, apresentamos um breve relato da origem do Islamismo e do Budismo,
bem como suas crenças, práticas, ritos, símbolos e o modo como, historicamente, elas se
organizaram.
Compreendemos que o Islamismo surgiu no século VII e chegou ao Brasil por
meio de povos muçulmanos escravizados. Também abordamos que a crença em Allah
e no profeta Maomé foram preservadas por esses muçulmanos aqui no Brasil, mas que
ganhou força por meio da imigração no pós-guerra. Por fim, falamos sobre a conversão ao
islamismo e como brasileiros se reverteram a essa religião.
Quanto ao budismo, apontamos que a religião também pode ser considerada uma
filosofia de vida, que busca o desapego à materialidade e a superação do sofrimento por
meio de um desenvolvimento pessoal, que objetiva alcançar o Nirvana, ou seja, o ápice do
conhecimento de si mesmo. Buda é seu precursor, que, segundo a história, conheceu o
sofrimento e conseguiu tornar-se um ser iluminado ao superar as adversidades e agruras.
Para finalizar, salientamos que, diante dessa diversidade de religiões, se faz ne-
cessário que todos os docentes, em especial o da disciplina de ensino religioso, conheçam
e compreendam as multiplicidades religiosas. Pois são esses saberes e modos de operar
o conhecimento em sala de aula, a partir da prática da alteridade, que tornarão possível
a concretização do que está previsto na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), no
cotidiano escolar:
Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e
estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade
dos educandos; b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de
consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos
humanos; c) Desenvolver competências e habilidades que contribuam para
o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o
respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com
a Constituição Federal; d) Contribuir para que os educandos construam seus
sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania
(BRASIL, 2017, p. 434).

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 78


LEITURA COMPLEMENTAR

GOUVEIA, A. P. M. O filosofar budista: breves reflexões sobre o fazer filosófico e as suas mo-
tivações. Kriterion, Belo Horizonte, v. 57, n. 133, p. 189-205, abr. 2016. Disponível em: ht-
tps://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2016000100189&lang=-
pt

OKANO, M. A estética wabi-sabi: complexidade e ambiguidade. ARS, São Paulo, v. 16, n.


32, p. 133-155, abr. 2018. Disponível em: https://www.academicoo.com/artigo/a-estetica-
-wabi-sabi-complexidade-e-ambiguidade

ROHDEN, L.; KUSSLER, L. M. Dialética, experiência e intuição: entre hermenêutica filo-


sófica e filosofia budista. Kriterion, Belo Horizonte, v. 57, n. 133, p. 261-282, abr. 2016.
Disponível em: https://www.academicoo.com/artigo/dialetica-experiencia-e-intuicao-entre-
-hermeneutica-filosofica-e-filosofia-budista

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 79


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Descobrindo o Islã no Brasil
• Autor: Karla Lima
• Editora: Hedra
• Sinopse: O livro apresenta os fundamentos da religião islâmica
e disserta sobre como os muçulmanos vivem no Brasil. Também
relata sobre temas particulares as mulheres islâmicas como rela-
cionamentos, roupas íntimas e outros assuntos.

FILME/VÍDEO
• Título: Sete anos no Tibet
• Ano:1997
• Sinopse: Um famoso alpinista decide escalar o pico do Himalaia,
mas é interrompido pela segunda guerra mundial. Ele passa esse
tempo no Tibet, conhece Dalai Lama e se desenvolve como ser
humano.

UNIDADE IV Religiões Orientais – Mudanças Sociais 80


REFERÊNCIAS

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CONCLUSÃO

Prezado(a) estudante
Neste material, busquei trazer para você os principais conceitos que auxiliem na
sua compreensão da importância da História das Religiões para a educação. Para tanto
abordamos a formação religiosa brasileira, práticas e simbolismos diversos, as noções de
embate e sincretismo religioso, e a importância da diversidade cultural no Brasil, e dessa
pauta como componente curricular da Educação Básica.
Destacamos a importância de compreender o processo de construção histórica do
catolicismo no Brasil, conceituando importantes noções como a de Cristandade e Padroado
Régio. Indicamos a importância de algumas ordens religiosas nesse processo missionário,
e também do Clero Secular, as Irmandades que deram origem a um catolicismo hetero-
doxo. Refletimos também sobre a existência de cultos africanos, como os calundus, que
resistiram às ordens religiosas que buscava extinguir as práticas religiosas não oficiais da
Coroa Portuguesa. Demonstrando assim processos históricos de continuidade e rupturas
entre diferentes religiosidades do Brasil.
Levantamos também aspectos históricos de como a disciplina de Ensino Religioso
se organizou no Brasil. Entendemos que as mudanças curriculares são organizadas pelas
políticas públicas e que as mesmas estão sujeitas a organização política, ou seja, atreladas
ao poder.
Ao pensarmos a consolidação histórica de laicidade no Brasil, consideramos as
importantes contribuições da Maçonaria. Indicamos, assim o surgimento da Maçonaria na
Europa, e como ela se consolidou como uma sociedade de pensamento, secreta e cos-
mopolita, que difundia ideias racionalistas e cientificistas, mantendo em sua história uma
postura anticlerical. Demonstramos como ela se organizou para tentar difundir um modelo
educacional com o “espírito das luzes”.
Por fim, apresentamos os fundamentos religiosos do Islamismo e Budismo, a fim
de operacionalizar a importante noção de diversidade e pluralidade cultural, utilizando as
Religiões orientais e sua formação no Brasil.
A partir de agora acreditamos que você já está preparado para seguir em frente
aprofundando ainda mais suas capacidades intelectuais e posturas teórico-metodológicas
e pedagógicas, diante do Ensino Religioso e sua construção histórica no Brasil.

Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigado!

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