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Matriz Religiosa Oriental e Africana

APRESENTAÇÃO

Professora Ma. Laís Azevedo Fialho

● Doutoranda em História, Cultura e Narrativas (Universidade Estadual de


Maringá).
● Mestre em História, Cultura e Narrativas (Universidade Estadual de
Maringá).
● Especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira (Universidade
Estadual de Maringá).
● Licenciada em História (Universidade Estadual de Maringá).
● Tutora Educacional no Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV).
● Professor Conteudista na UniFatecie.
● É integrante do Laboratório de Religiões e Religiosidades da Universidade
Estadual de Maringá (LERR/UEM).

Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase nas


Práticas Afro-brasileira; História Cultural, Epistemologias Anti-racistas. Endereço
para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8724898233397030.

Professor Matheus Alencar Fernandes Oliveira

● Licenciada em História (Universidade Federal da Integração Latino-


Americana).
● Experiência em projetos de arte e educação das culturas e histórias
africanas e das diásporas africanas.

Áreas de concentração: Ensino de História; Metodologias de Ensino da História


da África; História da África e da Diáspora Africana; Lei 10.639/03; e História da
América Latina.
● Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4209381225365141

Professor Me. Herculanum Ghirello Pires

● Doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2022)


● Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2016)
● Graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2013)
● Professor QPM/SEED no Colégio Ivone Castanharo (Campo Mourão)
● Professor Formador pela SEED-PR
● Docente da Faculdade Santa Maria da Glória (SMG)
● Autor do livro Mulheres e Roupas: a Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino na Belle Époque carioca (1922 - 1936)
● Pesquisador do Laboratório de Estudos em História, Moda e Cultura
(LaModa/UEM)
● Lattes: http://lattes.cnpq.br/2654225579210202
Seja muito bem-vindo(a)!

Prezado(a) estudante, se você se interessou pelo assunto desta


disciplina, isso já é o motivo de alegria e inspiração para a grande jornada que
vamos trilhar juntos a partir de agora. Proponho, junto com você, construir nosso
conhecimento sobre a Matriz Religiosa Oriental e Africana.

Na unidade I começaremos a nossa jornada pela discussão acerca das


religiões orientais, em especifico: Hinduísmo, Budismo, Confucionismo e
Taoísmo. Você compreenderá um pouco dos contextos históricos no qual elas
foram organizadas, bem como as doutrinas de cada uma delas, entendendo seus
valores e refletindo sobre os seus principais temas.

Já na unidade II vamos ampliar nossos conhecimentos sobre a


colonização ocidental e as religiões africanas. Apresentaremos aspectos da
investida do cristianismo no continente africano, destacando que esse processo
ocorreu de modo heterogêneo, em diferentes regiões, mas com algumas
estratégias coloniais comuns, às quais sublinhamos. Vamos também estudar
aspectos dos sistemas simbólicos originários de origem Africana e a mística
presente nas culturas Bantu e Iorubá.

Ao longo da unidade III, vamos apresentar aspectos dos preceitos das


religiões de origem oriental e africana. Abordaremos também a noção teórica de
sagrado e profano no contexto da história das religiões e religiosidades, além de
apresentar reflexões sobre o dogmatismo religioso.

Na unidade IV, você terá a oportunidade de conhecer um pouco sobre


algumas religiões orientais que se expandiram de forma significativa no ocidente.
São elas, Hare Krishna, Seicho-No-Iê e Igreja Messiânica Mundial. Todas as três
chegam ao ocidente a partir do século XX em diferentes contextos histórico-
culturais. Vamos abordar as suas doutrinas, valores, principais desafios e temas
para as religiões orientais aqui estudadas.

Aproveito para reforçar o convite a você, para junto conosco percorrer


esta jornada de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos
assuntos abordados em nosso material. Esperamos contribuir para seu
crescimento acadêmico-profissional.
Muito obrigada e bom estudo!
UNIDADE I
RELIGIÕES ORIENTAIS
Professor Matheus Alencar Fernandes Oliveira; Professora Ma. Laís Azevedo
Fialho.

Objetivos de aprendizagem:
• Compreender a origem e a fundação das religiões orientais;
• Conhecer as doutrinas das principais religiões orientais;
• Entender os temas centrais presentes nas religiões orientais.

Plano de estudo:
• Hinduísmo
• Budismo
• Confucionismo
• Taoísmo
INTRODUÇÃO

Caro/a estudante, nesta unidade didática, caminharemos pelo oriente


conhecendo um pouco das suas principais manifestações religiosas, entre elas
o hinduísmo, budismo, confucionismo e o taoísmo. O hinduísmo e o budismo são
originários da Índia, país localizado no sul do continente asiático com uma
população de 1,366 bilhão de pessoas, segundo país mais populoso do mundo
ficando atrás somente da China, com 1,439 bilhão.
Porém somente o hinduísmo é considerado uma religião tradicional da
Índia, como religião tradicional do povo hindu desde 3000 a.C. Já o budismo por
mais que originado na Índia, teve sua expansão e desenvolvimento
tradicionalmente na China nos primeiros séculos da era cristã. O budismo chega
na China no século I a.C. e se difunde com maior profundidade após os séculos
V e VI por incentivo do império Chinês. Hoje o budismo constitui uma das
principais filosofias da China juntamente do confucionismo e do taoísmo.
Veremos adiante que na China, país do extremo leste do continente
asiático, existem três religiões tradicionais, o budismo com maior número de
adeptos, seguido do taoísmo e do confucionismo. As três religiões compõem as
religiões tradicionais da China.
O confucionismo é uma filosofia e religião criada 500 d.C. e não possui
um corpo de deuses e sacerdotes, constituindo-se a mais a partir das
preocupações matérias do que das religiosas e metafísicas. Já o taoísmo,
fundado por volta do século II d.C. possui deuses e crenças metafísicas,
baseando-se na realização de rituais e magias.
Você compreenderá um pouco dos contextos históricos em que são
formadas, as doutrinas de cada uma delas, entendendo seus valores e refletindo
sobre os seus principais temas. A presente apostila também auxiliará e
sensibilizará o/a estudante das mais variadas áreas do conhecimento à trabalhar
em sala de aula os assuntos aqui discutidos.
Bons estudos!
1 HINDUÍSMO

Figura 1: Estátuas hindus: no centro, o deus Rama com sua esposa Sita. Templo de Sri
Krishnan. Rochor, Região Central, Cingapura. KONSEK, Marcin 2016. - Wikimedia Commons

Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2016_Singapur,_Rochor,_%C5%9Awi%C4%85tynia_S
ri_Krishnan_(21).jpg

A palavra “hindu” deriva do termo Sindhu, nome persa que designa o


antigo povo que vivia do outro lado do rio Indo, rio localizado onde hoje é o
Paquistão, cortando este país de norte a sul, ao noroeste da Índia. O hinduísmo
é uma religião e cultura tradicional da Índia fundada à cerca de 3000 a.C. pelas
primeiras civilizações hindus, em torno do rio Indo.

A Índia é um país com 1,366 bilhões de habitantes, localizado no sul do


continente asiático, desta população, 80,3% é adepta ou pertencente ao
hinduísmo, caracterizando-se uma das maiores religiões do mundo em
quantidade de adeptos. O hinduísmo não está presente apenas na Índia ou até
mesmo no Oriente, tendo relevância também em outros países, a Índia é o país
com maior número de adeptos, mas outros países com grande número de
adeptos também são Nepal, Bangladesh, Sri Lanka, África do Sul, Indonésia,
Malásia, Guiana, Estados Unidos e Brasil (REIMER e SOUZA, 2009).

Figura 2: Mapa do Sul da Ásia. Central Intelligence Agency. E.U.A., 1993. - Wikimedia
Commons

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:South_Asia._LOC_94680640.jpg

Não existe um criador específico do hinduísmo, mas acredita-se que a


religião foi criada por mediação de sete ou nove videntes de Brahman, divindade
suprema do hinduísmo. Acredita-se também que o Deus Vishnu foi quem revelou
a doutrina de Krishna, Pantajali quem revelou a escola de Yoga e Shankara
quem revelou a Advaita-Vedanta. De Brahman se nasce e para ele se retorna ao
morrer.
(composições para a floresta) e Upanishads (sentado junto do mestre),
todos estes textos refletem os ensinamentos de Brahman.
As principais divindades hindus são Brahman (o Deus supremo da
criação), Vishnu (Deus da preservação), Shiva (Deus da destruição), Ganesha
(senhor dos obstaculos) Shakti (a grande mãe) entre outros. Rama e Krishna são
divindades muito populares e avatares de Vishnu, os avatares são considerados
encarnações dos deuses Brahman, Vishnu e Shiva, sendo que a variedade de
deuses e avatares adorados por hindus é compreendida como manifestações da
Verdade Única, do Deus Supremo.
O objetivo central do hinduísmo é chegar à vida eterna, à imortalidade ou
libertação através do yoga e da meditação. A reencarnação significa permanecer
no mundo do sofrimento. Através da meditação ritual se tornam presentes Vishnu
e Shiva, reencarnações de Brahman. O karma é a relação de causa e efeito que
faz um hindu reencarnar várias vezes até chegar à libertação e reintegração à
Brahman, superando o ciclo de reencarnações. Para quebrar o ciclo é preciso
realizar as boas ações e sacrifícios rituais em função do karma; compreender e
conhecer a relação entre humano e divino; e ser devoto confiando no divino.
Entre os símbolos sagrados do hinduísmo podemos encontrar a sílaba
OM, que significa o som primordial ou uma referência à aquele que protege
(Brahman), esta sílaba é composta por três sons a-u-m. A Flor de Lotus também
é um símbolo sagrado do hinduísmo, aparecendo aos pés de Krishna em suas
representações e juntamente com outros deuses como Ganesha, Shiva e
Lakshmi. O símbolo significa espiritualidade, meditação, pureza e imortalidade.
Os muitos braços das divindades significam onipotência e proteção. As
Mandalas são símbolos que talvez sejam mais conhecidos no ocidente,
representam o núcleo da mente humana, são símbolos da união da divindade e
o cosmos e são usadas para fins rituais e meditações em busca da paz interior.
Entre os animais sagrados estão a Vaca, que simboliza a maternidade e
a criação da vida, é um animal importante economicamente para os indianos
pois da vaca se tira as vezes que servem de adubo e fertilizante e a sua força é
utilizada para o trabalho no campo. Entre os animais sagrados também estão o
macaco (Hanuman), considerado sagrado por ter sido uma das encarnações do
deus Shiva. A cobra (Naga) é associada aos deuses Shiva, Ganesha e Vishnue
e simboliza a fertilidade, as chuvas e a renovação. O crocodilo (Makara) é
considerado uma manifestação dos deuses das águas e são guardiões dos
portões e das entradas dos templos.
Os templos hindus são considerados lugares de morada das divindades
respeitadas pelos hindus. Na porta se concentram duas colunas, uma das
bandeiras e a outra das oferendas. Porém, geralmente, os templos não possuem
uniformidade entre eles, sobretudo existem diferenças significativas entre os
templos do norte e do sul, sendo os do norte caracterizados por uma torre
elevada sobre o santuário e os do sul com torres elevadas nas entradas cobertas
de esculturas (PEREIRA, 2013). Os templos de Shiva possuem o boi Nandi
olhando na direção de Shiva e os templos de Vishnu possuem em frente a ave
Garuda.
Outro tema importante na sociedade hindu é o sistema de castas
delineadas desde o nascimento. As castas são definidas desde o nascimento
pela lei do karma, ou seja, um indivíduo nasce em uma casta e não tem
possibilidade de ascensão ou declínio social, o que vem sendo questionado por
instituições públicas na Índia, que vêm tentando abolir ou diminuir o sistema de
castas. As castas são dividas em brâmanes (sacerdotes), kshatriya (nobreza,
guerreiros), vaishyas (camponeses e artesãos) e shudras (servidores e
mulheres) e párias (sem casta, intocáveis, excluídos e abaixo dos shudras).
Ao passar do tempo, as doutrinas, os valores e o próprio sistema de
castas passam a ser questionados na Índia, dando espaço para a reflexão e
surgimento de novas crenças religiosas e filosóficas. É o caso do Budismo, que
a partir da iluminação e entendimento espiritual de Siddharta Gautama (Buda),
apresenta novas formas de perceber o mundo hindu.

2 BUDISMO

Figura 3: Escultura de Buda SHIN’ICHI, Suzuki. 1870. - Wikimedia Commons


Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:-Buddha_Sculpture-_MET_DP155601.jpg

O budismo é uma religião originária da Índia, fundada em meados do


século I a.C. após reformas realizadas após uma crise de valores na cultura
hindu. O nome budismo é criado em homenagem ao seu criador Siddhartha
Gautama (Buda), que significa “o desperto”, “o iluminado”. Buda é nascido na
casta dos kshatriya (nobres) e cria o budismo após renunciar a vida de nobreza
e se dedicar a compreender e divulgar os caminhos para o fim do sofrimento
humano.
Na Índia, cerca de 1% da população é adepta ao budismo, sobretudo no
nordeste indiano, local com maior parte de adeptos no país. A religião não conta
com adeptos somente em seu país de origem, se espalhando por diversas partes
do mundo, sendo uma das religiões tradicionais da China. Longe de ser um bloco
monolítico, existem diversas escolas do budismo, portanto com formas
diferentes de ver e praticar os ensinamentos de Buda, entre elas existem 4
principais escolas: Escola Theravada; Escola da Terra Pura; Escola Zen; e
Escola Tântrica.
Buda não deixou registros sobre sua vida, portanto o que sabemos
atualmente é designado pela transmissão oral dos acontecimentos. Desta forma,
buda viveu entre os séculos V e IV a.C. Antes de sua morte, Buda realizou
diversas viagens realizando sermões e captando seguidores de sua filosofia,
como um ser humano sábio e astuto que havia encontrado o caminho para o fim
do sofrimento humano. Mas é a pós sua morte que começam a surgir as
narrativas sobre Buda ser um ser sobrenatural, omnipontente e omnisciente.
Figura 4: Mapa da Rota da Seda. 2012. - Wikimedia Commons

Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Silk_Road-pt.svg

O processo de expansão do budismo para a China se inicia com o


caminhar dos monges e comerciantes de origem hindu para dependências de
impérios vizinhos. Seguindo a rota comercial da seda, ocorrendo por volta do
século I a.C e I d.C.. Ao mesmo tempo que exerciam influência, divulgando
caminhos e oportunidades para a quebra do ciclo de reencarnações e para a
construção de uma vida de harmonia na terra, entre outras contribuições e
trocas, os budistas também iam recebendo influências de outras religiões dos
locais em que passavam. A partir da década de 60, através da rota da seda, os
budistas chegam à China. Nesta localidade, a cultura passa a exercer e sofrer
influências chinesas, iniciando um processo de consolidação de sua doutrina
neste território.
A partir do estabelecimento da dinastia Han (206 a.C. à 220 d.C.) que se
estabelece uma troca comercial e cultural chinesa com os povos ao redor, que
se dão as condições social para o contado do budismo com a China. Ao longo
do primeiro milênio da era cristã, o budismo foi sofrendo alterações e sendo
enquadrado às tradições chinesas, um fator preponderante foi o início das
traduções dos textos budistas, originalmente em sânscrito, para a língua
chinesa.
O budismo não conta com um corpo de crenças em deuses ou divindades,
mas sim nos ensinamentos de Siddhartha Gautama (Buda). Existem diversas
escolas do budismo, podemos elencar elementos presentes em todas elas, o
primeiro é seu objetivo principal: chegar ao fim do sofrimento humano. As quatro
verdades do budismo são: “A existência implica a dor”, ou seja, o sofrimento
humano existe; “O desejo da dor é o desejo e o afeto” o desejo egocêntrico leva
a mais sofrimento; “O fim da dor” quando esses desejos são cessados; e por fim,
a ultima verdade que está relacionada às “oito regras” propostas por Buda que
levarão ao estado de nirvana e ao fim do sofrimento (SILVA, 1996 apud
CHARBAJE, 2013).

“As Oito Regras de conduta, 1) Compreensão adequada –


reconhecer as Quatro Verdades essenciais. – 2) Intenção adequada
– manter a paz, a bondade e a compaixão. – 3) Discurso adequado
– não mentir nem agredir verbalmente o próximo. – 4)
Comportamento correto – agir com propósito de fazer o bem para
todos os seres. – 5) Meios de subsistência
adequados – viver sem causar sofrimentos aos outros. – 6) Esforço
adequado (em relação ao corpo) – abster-se de matar, e sim
preservar a vida; não roubar; evitar uma conduta sexual que
provoque o sofrimento alheio. – 7) Atenção adequada (em relação
à palavra) – abster-se de mentir, e dizer sempre a verdade; não
maldizer, mas apaziguar as discórdias; não cometer injuria, e falar
com calma e simpatia. – 8) Meditação adequada – não possuir
inveja, mas alegrar-se com o bem dos outros; não ser mal-
intencionado, e sim realizar seus atos com boa vontade; evitar
adotar perspectivas dualistas, buscando reconhecer a unidade na
diversidade; são conhecidas como “caminho óctuplo”, o qual orienta
a pessoa na prática do Dharma, com consequências sociais, morais
e ecológicas” (MAÇANEIRO, 2011 apud CHARBAJE, 2013)

Portanto o budismo prega uma série de comportamentos que são


favoráveis para alcançar a libertação, o bem-estar de todos os seres vivos e a
chegada ao estado de nirvana. Para o budismo, o homem e o meio ambiente
são inseparáveis, como é compreendido a partir de algumas das oito regras do
budismo. Entre elas estão o comportamento correto: agir com propósito de fazer
o bem para todos os seres, implicando uma não hierarquia entre o humano e os
demais seres. Podemos citar também possuir meios de subsistência adequados
vivendo sem causar sofrimento aos outros e, por fim, esforço adequado em
relação ao corpo, abster-se de matar e sim preservar a vida, não matar e evitar
uma conduta sexual que cause o sofrimento alheio. Dentro do contexto
ambiental atual que a indústria, o consumismo e exploração desenfreada das
terras e minerais podem gerar sérias consequências à longo prazo, a visão
ambiental do budismo pode servir como alternativa para a construção de uma
melhor relação com o meio ambiente.
Mesmo que com origens na Índia, o budismo passa a ser uma religião de
grande influência na China, constituindo hoje parte do corpo das maiores
filosofias e crenças religiosas do país juntamente com o confucionismo e o
taoísmo, ambas religiões já existentes no momento em que o budismo entra em
contato com a China.

3. CONFUCIONISMO

Foto 5: Saudação de Kung Fu Tzu. Estátua de Kung Fu Tzu no Uruguai. AZSUR, 2013. -
Wikimedia Commons
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Confucio_saludo.JPG

O confucionismo foi criado cerca de 500 a.C. por Kung Fu Tzu, nas línguas
latinas traduzido para “Confucio”. Hoje é uma religião e doutrina filosófica de
expressão na China, sendo uma das religiões tradicionais do país juntamente
com o budismo e o taoísmo. No seu surgimento, foi uma espécie de doutrina
estatal do império chinês, constituindo uma série de ideias filosóficas e políticas
que faziam parte da burocracia chinesa. O confucionismo se constitui como um
conjunto de práticas relacionadas ao comportamento humano e não possui um
corpo de divindades. Atualmente, a religião é encontrada também no Japão,
Coreia do Sul e Coreia do Norte.
Kung Fu Tzu foi um homem estudioso e preocupado com o
desenvolvimento da sociedade chinesa. Logo jovem obteve cargos no governo
em seu local de nascimento, o principado de Lu. Por mais que não teve vida
abastada, recebeu uma educação de qualidade e se interessou por estudar as
tradições chinesas, a política e a ética. Começou a divulgar suas ideias com
maior expressão quando já completava seus 50 anos de idade. No período da
dinastia Han (206 a.C. à 220 d.C.), os governantes chineses passam a se inspirar
nas ideias de Kung Fu Tzu para a organização do império chinês.
O foco da doutrina do confucionismo está no comportamento humano e
nas relações humanas, cercado de regras de conduta. Estas regras são
aprendidas a partir do estudo do passado e das tradições, que vão ensinar os
indivíduos a encontrar o equilíbrio. Portanto as questões metafísicas e religiosas
ficam em segundo plano.

“As principais linhas do pensamento confucionista podem ser


agregadas sob cinco termos-chave: jen, chun tzu, li, te e wen. O
termo jen designa o relacionamento ideal que deve existir entre as
pessoas, o que é, na visão de Confúcio, a virtude das virtudes. Essa
virtude envolve a compreensão de amor ao próximo, integridade
pessoal e altruísmo. Chun tzu pode ser traduzido como “Homem
Superior” ou “Pessoa Amadurecida”. Chun tzu é exatamente o
oposto da pessoa de mente estreita e espírito pequeno. Li tem dois
significados: a maneira apropriada de fazer as coisas ou o senso de
propriedade (algo como o savoir faire dos franceses); o outro
significado do termo é “ritual”. Te designa poder, o poder por meio
do qual as pessoas são governadas. Para Confúcio, os três
aspectos da governança são a auto-suficiência econômica, a
autosuficiência militar e a confiança do povo. O último termo, Wen,
refere-se às “artes da paz”, a saber, a música, a poesia, enfim, a
soma da cultura na sua forma estética e espiritual” (CORDEIRO,
2009, p. 9).

Kung Fu Tzu buscou educar o ser humano a partir do conhecimento, de


forma que seu comportamento seja apropriado para o equilíbrio da sociedade e
das relações humanas. Em sua filosofia, os governos deveriam se dedicar a
garantir a paz e a prosperidade, caso contrário poderia até mesmo ser lançado
o uso da força para destituí-los. Suas ideias sustentaram as sociedades antigas
na China e atualmente estão presentes como filosofia de vida em grande parte
da população e dos governos.
No confucionismo existe uma premissa de que a natureza e o universo
estão em harmonia e isso deve ser aplicado também aos humanos. Portanto,
existem as principais relações humanas que devem estar em harmonia, são elas:
senhor e servo; pai e filho; esposo e esposa; irmão mais velho e irmão mais
novo; e amigo mais velho e amigo mais novo. Percebe-se que para a filosofia de
Kung Fu Tzu existe uma importância preponderante da ancestralidade. É no
contexto deste pensamento, que os pais são cultuados e respeitados pelos filhos
da mesma forma como se estivessem vivos na vida terrena. Na visão filosófica
do confucionismo, para a harmonia da sociedade, é necessário o respeito aos
mais velhos e às tradições, principalmente àquelas que são responsáveis por
manter a paz e a prosperidade.
Em muitos meios de comunicação e trabalhos acadêmicos, lemos sobre
confucionismo, taoísmo e budismo como religiões abolidas pelo advento da
Revolução Chinesa e consequentemente da República Popular da China.
Mesmo que o governo após 1949 tenha exercido pressão, inclusive criando
legislações proibindo e limitando as religiões tradicionais, estas sobrevivem
devido serem parte fundamental da filosofia chinesa. Como vimos anteriormente,
as religiões fazem parte do modo que os povos têm de compreender o mundo,
portanto o confucionismo hoje faz parte direta ou indiretamente da filosofia
chinesa.

4 TAOÍSMO

Foto 6: O filósofo chinês Lao-tse. Estátua de bronze colocada nos Jardins Dyffryn na década
de 1950. JEANKINS, Hywel. 2007. - Wikimedia Commons
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Chinese_philosopher_Lao-tse_-
_geograph.org.uk_-_453856.jpg

O taoísmo é uma religião tradicional da China fundada a partir dos


ensinamentos de Lao Tse cerca de 600 anos antes da era cristã. O nome
taoísmo vem de Tao, princípio filosófico que literalmente significa “caminho”. Tao
significa caminho da realidade última, o princípio do qual todas as coisas nascem
e retornam ao morrer. Este princípio está presente também na filosofia
confucionista e faz parte da filosofia tradição chinesa. O taoísmo teve expansão
na China durante o século VIII e XIII por conta do apoio dos imperadores da
época, se tornando a maior religião da China depois do Budismo. Não se sabe
ao certo se Lao Tse realmente existiu e a data certa de seu nascimento.
Lao Tse é considerado pelos taoistas o criador do taoísmo e venerado
como o deus do caminho. Lao Tse significa “o velho mestre”, “o velho amigo”.
Atualmente existem cerca de 1600 templos taoistas e 25 mil sacerdotes. A
tradição taoísta é baseada em três principais obras: o livro Tao Te Ching – livro
do caminho e da virtude; o I Ching – o Livro das Mutações; e o Nan Hua Ching
– O Livro da Flor do Sul. O livro Tao Te Ching, que significa “o caminho e seu
poder”, sendo que a palavra Te significa poder, é o livro central do taoísmo e
contém os ensinamentos de Lao Tse.
O taoísmo gira entorno do conceito de Tao, que significa “caminho”, do
caminho surge a vida e depois da morte se retorna ao caminho, ao Tao. Os
taoistas adoram tudo que é criado pela natureza, não existindo uma divisão
hierárquica do homem com a natureza, realizando rituais em honra dos vivos e
dos mortos.
Entre os deuses do taoísmo estão o Deus da Origem Primitiva, o Deus da
Pedra Sagrada e o Deus do Caminho da Energia (Lao Tse), sendo estes
administradores da harmonia no universo e controladores de todas as coisas. O
taoísmo gira também em torno do conceito wu wei, que literalmente significa “não
ação”, mas para os taoistas significa “pura eficácia”, cuja não se desperdiça
energia, movimentos em discussões, tensões e desequilíbrios.
Os taoistas acreditam que não é necessário se sujeitar às leis da natureza,
não precisando compreender tudo que está ao redor. A religião prega que o ser
humano deve viver uma vida simples, meditativa, sem vaidades e voltada à
natureza. A natureza e o universo são considerados sagrados e o ser humano
deve buscar a paz e a harmonia.

“Além do Tao, há outros conceitos e valores de grande importância


na compreensão taoísta. Em primeiro lugar, os taoístas rejeitam
todas as formas de autoafirmação e competição. Outro aspecto
importante é a abordagem ecológica presente no taoísmo. Tal
abordagem busca sintonizar-se com a natureza ao invés de tentar
dominá-la, como normalmente fazem os ocidentais. Para o taoísmo,
a natureza deve ser transformada em nossa amiga, e não em algo
que precisa ser controlado e conquistado. Esse naturalismo taoísta
também se confunde com uma tendência para a naturalidade;
assim, extravagâncias e pompas são vistas como tolices.”
(CORDEIRO, 2009, p. 7 e 8)

As manifestações mais populares do taoísmo encontramos nas artes


marciais Kung-Fu e Wo-Shu e no Chin-Kung, uma arte chinesa de autoterapia.
Esta filosofia e religião baseia-se na complementariedade e equilíbrio das coisas
no universo, que é representada a partir do símbolo Yin e Yiang, também
importante para o confucionismo. O taoísmo também está presente no feng-shui,
no judô, no Tai-chi-chuan e na acupuntura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como observamos nesta unidade, as principais religiões do oriente são


religiões tradicionais e milenares. Para além de religião, aprendemos que elas
se misturam com a cultura e o modo de vida das populações adeptas à milhares
de anos. No caso do hinduísmo, a religião não pode ser vista como algo
separado do modo de compreender o mundo da maioria da população indiana.
Conta com uma série de divindades e encarnações dessas divindades, sendo a
maior religião do segundo país mais populoso do mundo, o hinduísmo é uma das
maiores religiões em quantidade de adeptos no mundo.
Da mesma forma, o budismo, o confucionismo e o taoísmo são religiões
tradicionais milenares da China e se misturam com sua história e com a
percepção de mundo chinesa. Todas estas religiões compartilham de uma
relação não hierárquica com a natureza, que é cultuada, preservada e divinizada.
Possuem um corpo de divindades ou elementos considerados sagrados, com
exceção do confucionismo, que é considerado mais uma filosofia do que religião,
por não ter preocupação com as questões metafísicas e estar focado nos temas
políticos, sociais e comportamentais.
Dentro da tradição do pensamento ocidental, caracterizado por ser
fragmentador e individualista, fomos ensinados que as coisas são bem divididas,
como o religioso do não religioso, o sagrado e o profano, a natureza e o ser
humano, a razão e a emoção e assim por diante. Portanto quando falamos em
religião, não estamos falando de algo separado da história, cultura e modo de
compreender a vida de determinados povos.
Concluímos que cada religião traz uma percepção cultural de mundo.
Considerando a exploração desenfreada da natureza provocada pelo
capitalismo, cada religião ou percepção de mundo oriental aqui estudada nos
trazem alternativas filosóficas sobre a relação entre humano e natureza. Desta
forma, é preciso compreender cada contexto histórico e filosófico, o corpo de
doutrinas e valores de cada religião para conhecer e entender a diversidade
cultural que existe no mundo, buscando em cada uma delas a reflexão e
exemplos de soluções para os problemas da atualidade.
# SAIBA MAIS #
“Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”

Fonte: Art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

# REFLITA #

CAPÍTULO 30

Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens


Não utiliza a arma e a força, sob o céu
Pois esta atividade beneficia o revide

Onde o exército se instala, surgem espinhos e ervas secas

Por isso
O homem bom é determinado, porém cauteloso
Não utiliza a força para conquistar
É determinado sem se orgulhar
É determinado sem se envaidecer
É determinado sem se glorificar
É determinado sem se tornar excessivo

Isto é, determinado, porém sem se esforçar

Coisas exuberantes dirigem-se à velhice


Isso se chama negar o Caminho
Negando o Caminho irá falecer cedo.

Fonte: Lao Tse. O Livro do Caminho e da Virtude. Tradução do Mestre Wu Jyn


Cherng. Ano não especificado. Disponível em:
https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-71576/tao-te-ching
MATERIAL COMPLEMENTAR

Livro

Título: “Religiões do oriente: China e Japão”


Autor: Gelci André Colli
Ano: 2019
Editora: Intersaberes
Sinopse: O fascínio pelo inexplicável, pelo o que transcende o empírico e o
material, faz parte da natureza do ser humano, que é constantemente atraído
por esse desconhecido, sempre levado por uma intuição de que há algo mais a
se descobrir.
Assim, ao longo da história, a religiosidade humana assumiu diferentes
expressões, que acompanham o contexto histórico e cultural de cada sociedade.
Considerando a extrema relevância desse tema para as relações dos países e
das sociedades contemporâneas, nesta obra Gelci André Colli realiza um estudo
sobre as principais expressões religiosas da China e do Japão.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Documentário

Título: “Três Joias: caminhos do despertar”


Ano: 2018
Sinopse: A trilogia aborda a trajetória em desenvolvimento e alegrias de se
estabelecer o budismo em terras brasileiras. Possui relatos de grandes
praticantes e mestre(a)s do Darma, em suas respectivas escolas. Aborda desde
a origem histórica até os desafios contemporâneos de incorporar a tradição
milenar de Buda ao cotidiano brasileiro.
REFERÊNCIAS

AZSUR. Saudação de Kung Fu Tzu: Estátua de Kung Fu Tzu no Uruguai.


2013. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Confucio_saludo.JPG

CHARBAJE, Rafaela R. Budismo: movimento religiosos de respeito à


natureza. Sinapse Múltipla, v.2, n.1, p. 22-26, 2013.

COLLI, Gelci André. Religiões do oriente: China e Japão. Curitiba:


InterSaberes, 2019.

CORDEIRO, Ana Lúcia Meyer. Taoísmo e Confucionismo: duas faces do


caráter chinês. Sacrilegens, v. 6, n. 1, p. 4-11, 2009.

E.U.A.. Mapa do Sul da Ásia. Central Intelligence Agency, 1993. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:South_Asia._LOC_94680640.jpg

JEANKINS, Hywel. O filósofo chinês Lao-tse: Estátua de bronze colocada


nos Jardins Dyffryn na década de 1950. 2007. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Chinese_philosopher_Lao-tse_-
_geograph.org.uk_-_453856.jpg

KONSEK, Marcin. Estátuas hindus: no centro, o deus Rama com sua esposa
Sita. Templo de Sri Krishnan. Cingapura, 2016. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2016_Singapur,_Rochor,_%C5%9Awi
%C4%85tynia_Sri_Krishnan_(21).jpg

KORTE, Guilherme. Taoísmo na China. 2009. Disponível em: http://br.china-


embassy.org/por/zggk/t150682.htm. Acessado 10/05/2021.

MAÇANEIRO, Marcial. Religiões e ecologia cosmovisão, valores, tarefas. 2.


ed. São Paulo: Paulinas, 2011.

PEREIRA, Marízia Menezes Dias. Património Religioso da Índia - o


Hinduísmo. Universidade de Évora, 2013.

REIMER, Ivoni Richter; SOUZA, João Oliveira. O sagrado da vida: subsídios


para aulas de teologia. Goiânia: Ed. da UCG, 2009.
SHIN’ICHI, Suzuki. Escultura de Buda. 1870. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:-Buddha_Sculpture-
_MET_DP155601.jpg

SUGAO, Rev. Kentaro. Documentário Três Jóias: caminhos do despertar.


Ebisu Filmes, 2018. DVD.

WIKIMÉDIA. Mapa da Rota da Seda. 2012. Disponível em:


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Silk_Road-pt.svg
UNIDADE II
A COLONIZAÇÃO OCIDENTAL E AS RELIGIÕES AFRICANAS
Professora Ma. Laís Azevedo Fialho.

Plano de Estudo:

• O cristianismo como salvação.


• As religiões africanas originárias - Sistema simbólico e ritos.
• Mitos e as místicas nas religiões africanas originárias.

Objetivos de Aprendizagem:
• Apresentar algumas dimensões do processo histórico de colonização ocidental
e sua estratégia de maldição das crenças africanas.
• Apresentar aspectos dos sistemas religiosos originários de Matriz Africana.
• Conhecer a mística e os mitos fundadores das religiões de origem Africana
originárias.
INTRODUÇÃO

Olá estudante da disciplina “Matriz Oriental e Africana”, na unidade a


seguir, iremos conversar sobre a colonização ocidental e as religiões africanas.
Fico muito feliz em compartilhar com você esse conteúdo que foi produzido
pensando unicamente no seu processo de formação. Essa unidade é bastante
significativa, espero que ela proporcione ferramentas teórico-metodológicas
relevantes para sua atuação como pesquisador(a) e/ou educador(a). Proponho
que esse seja um espaço de partilha e aprendizado. Convido você para essa
imersão na história da colonização e sua relação com as religiões africanas. É
claro que não é possível aqui abordar todos os aspectos da temática, mas
escolhemos demonstrar aspectos que consideramos importantes desse
processo das coisas que ele contém. Apresentaremos aspectos da investida do
cristianismo no continente africano, destacando que esse processo ocorreu de
modo heterogêneo em diferentes regiões, com algumas estratégias comuns, às
quais sublinhamos. Vamos também estudar aspectos dos sistemas simbólicos
originários de origem Africana e a mística presente nas culturas Bantu e Iorubá.

Bons estudos!
1 O CRISTIANIMO COMO SALVAÇÃO

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No presente tópico buscamos refletir sobre a construção histórica do


cristianismo como salvação alavancada pela colonização ocidental. Mais do que
elaborar um panorama da historiografia especializada, sistematizamos
abordagens produzidas em diferentes tempos, espaços, e lugares epistêmicos
que contribuam para a compreensão da temática. Iremos explorar algumas
correntes teóricas passando por pesquisadores conceituados do tema.
Conforme Wilson Trajano Filho e Juliana Braz Dias (2018), o colonialismo
no continente africano foi mais do que um processo histórico de exploração
econômica e de dominação política, foi um sistema sofisticado que pode ser
entendido como um modo de percepção do mundo e de enquadramento da vida
social.

Os regimes coloniais representaram empreendimentos


grandiosos direcionados a instaurar uma visão de mundo
singular, buscando estratégias de imposição de um conjunto de
categorias e valores que classificavam as pessoas e as coisas,
construindo hierarquias e fornecendo, assim, as bases sobre as
quais se sustentavam as práticas de dominação (FILHO; DIAS,
2018, p. 11)

Ou seja, mais do que explorar riquezas materiais e assujeitar fisicamente


e territorialmente os povos africanos, houve nesse processo um esforço europeu
e cristão de apagar as identidades, as crenças, as divindades, as línguas e as
práticas dos povos colonizados. Nas palavras dos autores, “trata-se de um poder
que prolifera fora do domínio da política institucionalizada e que acaba sendo
internalizado, na forma de convenções e valores” (FILHO; DIA, 2018, p. 12).
Achille Mbembe, historiador e cientista político camaronês vai ao encontro
da perspectiva destacada acima, mas preocupa-se em destacar os processos
de resistência interna ao poder colonial, sempre conferindo historicidade a esse
processo. Conforme o autor, os países que estavam em posição de
colonizadores durante o processo de colonização foram incapazes de subjugar
os povos colonizados e se impor hegemonicamente em território africano. Assim,
a ordem era mantida por meio da prática de transformar as crenças pagãs em
heresia. Nesse contexto, o paganismo era “entendido como conjunto das
práticas e dos saberes religiosos autóctones” (MBEMBE, 2013, p. 140). Como
essa dimensão da cultura mantinha-se intrínseca às relações sociais, o campo
religioso e simbólico fazem-se muito importantes para a abordagem da história.
Mbembe (2013) indica que o fator religioso pode ser um meio de mediar
conflitos, legitimar novas formas de poder e autoridade e construir a ordem
social. O autor discorre sobre o papel da Igreja ao lado do poder colonial e da
conivência dela com o mesmo, além de expor como essa situação auxiliou a
perda de credibilidade do cristianismo no continente africano.
De acordo com o intelectual, o Ocidente, no papel de colonizador, ordena
que o resto do mundo ressignifique os seus saberes, embora não exista forma
de começar tudo do zero, subordinando os saberes produzidos e, então,
garantindo a sua supremacia. “Com base na repetição dos modelos, saberes e
símbolos ocidentais, estes (...) eram tomados abusivamente por ‘universais’”
(MBEMBE, 2013, p. 141).
O processo de propagação da fé cristã não foi homogêneo em todo
continente, nem pacífico, argumenta o autor, mas marcado por uma disputa, em
que o catolicismo buscava acabar com as divindades cultuadas anteriormente
ao período da colonização, já que a proposta cristã divergia consideravelmente
da inteligência africana (MBEMBE, 2013).
Desse modo, o processo de evangelização se deu a partir da teologia da
maldição, que apresenta o continente africano como terra maldita que precisa
buscar a salvação em Jesus. Apesar de o catolicismo ter uma matriz
fundamentalmente ocidental, Mbembe (2013) ressalta que em cada região do
mundo para o qual ele é deslocado, valores locais são inseridos, tendo a Igreja
sido africanizada nesse continente.
O continente africano foi intensamente marcado pelo processo de
evangelização católica durante a colonização, vários grupos à serviço do Poder
papal exerciam esse papel de missionação no território africano.

Quatrocentos e setenta anos de labor missionário em solo


africano — particularmente ao sul do Sara: de Cabo Verde, da
Serra Leoa e do antigo Reino do Kongo às terras do Cabo de
Boa Esperança e daí ao Grande Zimbabué, a Moçambique, à
Costa Suaíli (até à capital da hodierna Somália), à Eritreia e
Etiópia — são assim fruto da presença de diferentes
missionários católicos, dos Franciscanos, Agostinhos e
Capuchinhos às ordens dos Dominicanos e dos Jesuítas, para
mencionar as instituições religiosas mais proeminentes, todas a
trabalharem sob a égide da Coroa portuguesa (MADEIRA,
2008, p. 441).

Destacamos a citação acima para sublinhar que os Portugueses foram os


primeiros a explorar o território africano a fim de ampliar o comércio com as
populações locais e, não menos importante, obter as tão-desejadas mercadorias
do momento: sal, minerais, metais preciosos especiarias. Desse modo, a Igreja
desempenhava um papel necessária à Coroa:

Durante quase três séculos, então, muitas, se não quase todas,


as presenças e as atividades missionárias na África ao sul do
Sara foram sancionadas pela Coroa portuguesa. Duma maneira
geral, durante três séculos as Ordens Mendicantes
meadamente os Agostinhos, Carmelitas, Dominicanos e
Franciscanos — e os missionários jesuítas, não
necessariamente nesta ordem, nem ao mesmo tempo, nem no
mesmo lugar, atravessaram grande parte da área ocidental do
Sara, e daí as regiões ao sul do grande deserto, à procura de
indícios sociolinguísticos de uma particular tribo ou de uma
determinada etnia para assim melhor perceber a sua complexa
cultura e, consequentemente, no momento oportuno, levar-lhes
a Boa Nova do Cristianismo, entenda-se, o Catolicismo
(MADEIRA, 2008, p. 443).

Durante os primeiros anos da colonização portuguesa na costa africana


— do hodierno Marrocos à antiga Costa Suaíli (1415-1498) — frades
Franciscanos e membros de outras Ordens Mendicantes foram instrumentais no
processo de evangelização das populações autóctones, sendo depois
substituídos pelos Jesuítas, durante o século XVI. No território africano os
Jesuítas fundaram igrejas, escolas e igrejas-missões onde treinavam outros
missionários, europeus assim como neófitos filhos da população autóctone.
Obviamente o maior investimento era a alvejada conversão do povo indígena.
Vamos caminhando para a conclusão desse tópico sublinhando que cada
vez mais pesquisadores têm se esforçado em abordar o processo de colonização
e cristianização da África com maior rigor, objetividade e fundamentação
metodológica, utilizando as próprias fontes africanas originais. No exercício de
seu direito à iniciativa histórica, os próprios africanos sentiram profundamente a
necessidade de restabelecer em bases sólidas a historicidade de suas
sociedades, demonstrando que o continente é heterogêneo e possui muitos
processos distintos no que se relaciona à história das religiões e religiosidades.
Não seria possível despender nesse pequeno tópico a devida atenção às
especificidades desse processo em cada região e temporalidade no continente
africano, por isso destacamos alguns aspectos típicos da colonização ocidental
no continente africano, pontuando algumas especificidades e apresentando
autores que contribuem com uma iniciação à compreensão de como se deu a
construção do cristianismo como salvação no continente africano. Para
aprofundar o tema indicamos a “Coleção Unesco de História Geral da África”, em
especial o volume IV.
2 AS RELIGIÕES AFRICANAS ORIGINÁRIAS - SISTEMA SIMBÓLICO E
RITOS
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Conceituar religião é um desafio grande, o esforço, em geral, não dá conta


das multiplicidades doutrinárias, das diferentes práticas e múltiplos modos de
organização de cada uma delas, assim como dos diferentes modos de
experiências dos seus adeptos, considerando a questão da subjetividade e do
sentimento em relação à religião.
Sendo assim, nossa proposta aqui se limita a abordar as religiões
africanas originárias como sistemas de crenças e práticas coerentes para as
pessoas que se valem delas e que interagem entre elas e o universo,
considerado o seu aspecto material (astros, lugares, natureza, etc.) e imaterial
(deuses, seres espirituais, forças da natureza, energia vital, espaços, etc.) por
meio do uso de símbolos. O sistema simbólico influencia cada religioso tanto no
aspecto de comportamento manifesto quanto de sentimento, no que tange uma
trajetória por bem estar individual e vivência coletiva.
Como não seria possível abordar todas as religiões presentes no território
africano em sua historicidade e espacialidade, fizemos a escolha de apresentar
neste tópico algumas dimensões das religiões africanas originárias, privilegiando
as culturas negras centro-ocidental, em especial os Bantu de língua kikongo e
kimbundo e, os Yorùbá. Aqui o termo “originária” se refere à ideia de religiões
autóctones (que nasceu no território onde ainda existe) e de comunidades
tradicionais.
E porque falar dessas culturas e não de outras? Como já mencionado,
não teríamos condições de abordar todas as possibilidades inseridas na
temática. Consideramos por bem realizar tal recorte porque esses grupos étnico-
linguísticos são os que mais infuenciaram a cultura brasileira, por conta do
processo da diáspora e também, pois os Povos Bantu, Yorùbá e seus vizinhos
constituem a maioria do contingente populacional da África, ocupando a maior
parte do continente.
Geograficamente abrange as regiões denominadas de África Ocidental,
África Oriental, África Central e África Meridional, que podem ser reunidas sob o
título de África Sub-Saariana. Tal região de dimensões continentais apresenta
diversas especificidades, em algumas delas há florestas equatoriais, outras
savanas, outras desertos, outras grandes rios e lagos, o que influencia as
condições de vida, as cultura e as religiões ali presentes. Atividades econômicas,
edificações, vestuário, alimentação, artes, técnicas, etc., guardam estreita
relação com o meio, no qual cada povo vive (GIROTO, 1999).

Figura 1 – África – Étnico.


Fonte: PEREIRA, D., SANTOS, D. e CARVALHO, DE.
Fronteiras do Mundo. São Paulo, Atual, 1993.

O que quer dizer Bantu? Bom, o vocábulo passou a denominar um


conjunto de línguas (que variam de 300 a 450, dependendo dos critérios
utilizados para a classificação, com origem comum, o proto-BANTU), a partir de
1862, por meio dos estudos de Bleek e Barth.
Conforme Giroto (1999), alguns estudos que compararam o idioma bantu
moderno, possibilitaram os linguistas a localizarem uma fala proto- Bantu nos
planaltos da Nigéria e dos Camarões. A partir dessa demarcação territorial, que
alguns grupos passaram a se formar e migrar para a direção leste, sudeste e sul,
a cerca de quatro mil anos. Durante esse processo, diversos desenvolvimentos
técnicos permitiram melhor adaptação ao meio ambiente e propiciaram uma
reorganização das estruturas econômicas e sociais, ocasionando o
aparecimento de reinos tais como: Teke, Luba, Lunda, Ndongo, Loango,
Matamba, Kongo, Zimbabwe, etc.
Figura 2 – A expansão BANTU.
Fonte: SILVA, ALBERTO DA C. E. A Enxada e a Lança: a África antes dos
portugueses. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, São Paulo, EDUSP, 1992.

Quem são os iorubás? Há cerca de 4000 A.C., com a aceleração do


ressecamento do Saara, os povos que ali viviam deslocaram-se para o sul, e ao
longo dos séculos, tornaram-se populações bastante receptivas à novas técnicas
agrícolas. Desse modo, estabeleceram-se, sobretudo, ao redor do lago Chade e
entre a curva do Níger e o médio Senegal. O crescimento populacional favoreceu
o povoamento das margens do Níger e do Benué, em direção ao ocidente.
Conforme Giroto (1999), o desenvolvimento de técnicas no que tange à diversas
dimensões das atividades humanas, permitiu o aparecimento, na Nigéria, da
civilização mais antiga da região, NOK, cujas esculturas a tornaram
mundialmente famosa. Cerca de 500 a.C., essa cultura já conhecia o ferro e a
sua fundição.
Dando um salto histórico para o século V d.C.,identificamos a
intensificação do processo de ocupação da região entre o rio Volta e Camarões.
Segundo Giroto (1999), a utilização do ferro em praticamente toda zona florestal
propiciou considerável aumento da densidade populacional. Pequenos vilarejos
se desenvolvem a partir de então, dando origem a “miniestados” que, com o
passar dos séculos e por meio de de expansão militar e sistemas de alianças,
produziram reinos e impérios de considerável importância, tais como: dos
Yorùbá, Mandenka, Songhai, Mossi, Kanem-Bornu, Hausa, Akan, Benin, etc.
Figura 3 – África Ocidental – Os principais Estados dos séc. XII ao XVI.
Fonte: Folha de São Paulo. Atlas da História do Mundo.

De acordo com Altuna (1985), a religião dos bantos tem como estrutura a
crença em uma pirâmide vital, dividida entre o mundo invisível e o mundo visível.
Em uma ordem hierárquica de importância, no primeiro grupo encontravam-se a
divindade suprema, os arquipatriarcas, os espíritos da natureza, os ancestrais e
os antepassados. No segundo grupo estavam situados os reis, os chefes de
reino, tribo, clã ou família, os especialistas da magia, os anciãos, a comunidade,
o ser humano, os animais, os vegetais, os minerais, os fenômenos naturais e os
astros.
Para os Bantu, o Pré-Existente criou o universo (material e imaterial) com
tudo que nele existe, inclusive os seres animados e inanimados. Já os Yorùbá
explicam que o Pré-Existente decidiu criar o mundo material, delegando a missão
à Obàtálà (também chamado Òrìsànlá, Òsàlá, etc.), entregando o àpò-iwà (bolsa
da existência) e instruindo-o sobre como realizar a tarefa com a ajuda dos òrìsàs.
No tópico sobre os mitos traremos mais detalhes dessa narrativa, mas importa
dizer que a criação do mundo também partiria do desejo do Pré-Existente, como
também admitia a cultura bantu (GIROTO, 1999).
Essa força Pré-existente tem um lugar especial na cosmologia negro-
africana, não possui um culto organizado ou representação, já que não seria
comparável a nada. Não pertence a nenhuma categoria de existentes; segundo
a concepção ontológica da cultura Bantu: não é muntu (homem), kintu (coisa),
hantu (localizador) ou kuntu (modo de ser), não tem origem mas é a origem de
tudo, por isso é o Pré- Existente. Nzambi Mpungu, palavra derivada de Mahûngu
significa “Ser completo em Si Mesmo (GIROTO, 1999)”.
Ao se referir a Ele, a postura é é de profundo respeito, contudo se
sobressaem os culto aos seres intermediários nas culturas negro-africanas. É
importante ressaltar essa característica da intermediação. Esta perspectiva do
Pré-Existente fez com que não fosse difundida na cultura Bantu mitos da criação
do universo; é coisa de Nzambi, não se discute. De acordo com os grupos etno-
linguísticos Bantu, o Pré-Existente é referido como: “Nzambi, com estas
variantes: Nyambe, Njambi, Nzambe, Nzame, Nzama, Njambe, Nsambi,
Tshambe, Inambie, Inandzambi, Nhambe e outros”. “Em kikongo chamam-No
‘Nzambi-Mpungu’, o grande, o forte...”.
Para os Yorùbá, José Beniste (1997, p.49) relaciona:

Olórun - É composto do prefixo Ol (oní), indicando posse ou


comando e Òrun, céu, firmamento. Olódùmarè - A expressão
Olódùmarè pode ser interpretada como a Divindade que possui
qualidades superiores, perfeitas, imutáveis, permanentes,
dignas de confiança. Detentor do poder único que não pode ter
similar. Elédá - Senhor da Criação. Aláyè - Senhor da Vida.
Elémí - o que dá o poder da respiração e a tira quando julgar
necessário. Olójó Òní - Senhor do dia de Hoje.

Outro aspecto marcante em ambas religiosidades destacadas é o não


conformismo com o ato de morrer. Esse fator é compreensível se atentarmos
que para as sociedades Bantus e Yorubás a vida é o bem mais precioso, o maior
dom recebido do Pré-Existente pelos antepassados que a transmitiram. É o fluxo
incessante de energia que solidariza a pessoa com a comunidade e o universo;
com os que antecederam e com os que hão de vir.
Para os Bantu a morte não é um espírito ou uma força autônoma, mas um
acontecimento que tem uma causa específica, sempre buscada. Já, na
sociedade Yorùbá, segundo Elbein dos Santos: “Iku é uma entidade dotada de
significado próprio e específico, tem seu ìhùwasé, isto é existência e natureza
próprias”. Assim, morte em si mesma não gera medo ou raiva, já que é a
passagem para outra existência em outra dimensão, uma mudança de status,
mas uma continuidade, junto dos antepassados, solidários com os vivos, uma
vez que os laços vitais não sofrem ruptura. Toda diferença está na maneira como
se viveu, o que foi realizado, o que se fez pois, é como o indivíduo será lembrado.
Não há ajuste de contas: prêmios e castigos inexistem.
Nessas sociedades, a energia vital é o que sustenta a união entre os seres
humanos, seus ancestrais, fundadores dos seus clãs, ao Pré-Existente, aos seus
descendentes e o que crê e vive na comunidade da qual ele faz parte em uma
mesma realidade integrada. Assim, mundo material e imaterial são
interdependentes: o círculo da vida envolve mundo visível e invisível, como dois
lados de uma mesma moeda. A unidade da vida se manifesta em ambos os
lados, numa comunhão total. A morte é apenas uma mudança para um outro
estágio da vida. Desse modo, os ritos fúnebres são considerados ritos de
passagem (GIROTO, 1999).
Tendo em vista a crença em forças vitais e na interação de todos os seres,
nesta cultura, admite-se que tais forças que podem ser potencializadas ou
diminuídas, é esse o ponto focal dos ritos das religiões africanas originárias que
destacamos.

Nessa visão, o mundo é concebido como energia e não como


matéria, de modo que a noção de força toma o lugar e se
confunde com a noção de ser. Todo ser é por definição força, e
não uma entidade estática, e por isso a pessoa humana tem
caráter dinâmico. Em outras palavras, o ser não existe em um
primeiro momento para depois ser revestido de força, ou para
em algum momento possuir força. O ser é força em sua
constituição. Mas a energia vital não se limita aos vivos. Sua
fonte é um deus supremo e único que distribuiu essa força aos
ancestrais e aos antepassados no mundo espiritual e, em
seguida, no mundo dos vivos, respectivamente aos reis, chefes
de aldeias, de linhagens, anciãos, pais, filhos, ao mundo animal,
aos vegetais e aos minerais. Esses mundos encontram-se
inteiramente interligados, de modo que, como numa teia de
aranha, não se pode vibrar um único fio sem gerar movimento
em todos os outros. A força vital pode aumentar ou diminuir por
meio da lei da interação das forças, de modo que um ser pode
fortalecer ou enfraquecer outro ser. As próprias instituições
sociais e políticas estão ancoradas nessa noção (DAIBERT,
.2015)

Nesse sentido, é por meio dos ritos que se torna possível aumentar ou
diminuir a energia de alguém, o que gera uma mudança na maneira de ser.
3 MITOS E AS MÍTICAS NAS RELIGIÕES AFRICANAS ORIGINÁRIAS

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O que seria um mito? Mito para alguns historiadores das religiões como
Mircea Eliade é uma história verdadeira que narra os feitos dos deuses em um
tempo sagrado, chamado também de primordial ou originário. É uma narrativa
que demonstra como as coisas chegaram a ser o que são. Explica uma visão de
mundo e o universo com o que nele contém. É uma história carregada de
verdades e valores, expressa uma dinâmica vital da sociedade que o produz.
Demonstra também as características das divindades, seus gostos e interditos.
Assim, os ritos teriam a função de reviver e reatualizar os mitos.
Exposto isto, começamos por apresentar narrativas mitológicas que
historicamente foram produzidos e difundidos pelos grupos Bantus, e em
seguida pelos iorubás. Alguns mitos bantu dizem que depois de Deus ter criado
a terra e tudo que nela contém, inclusive o ser humano [...]

[...] ele se retirou e foi para bem longe, se afastando assim do


gênero humano. Tomamos como exemplo um mito pertencente
aos povos bantu do Ruanda: Antigamente, nos tempos mais
remotos, Deus habitava no meio dos homens e conversava com
eles. Mas tinha-lhes proibido, sob pena de originar desgraças,
jamais tentar vê-lo. Uma rapariga ocupava-se em depositar,
todas as tardes, água e lenha para o aquecimento à entrada da
grande cubata onde Deus habitava, ao abrigo dos olhares
indiscretos. Certa tarde, quando levava a cabaça cheia de água
do manancial, a filha de Deus sucumbiu ao desejo que nela
ardia: resolveu espiar o seu Pai divino e vê-lo. Acocorou-se
atrás do recinto esperando ver ao menos a mão de seu Pai. Em
seguida, Deus veio pegar na cabaça e estendeu a sua mão
ricamente adornada com anéis de latão. Ela viu este braço
sumptuosamente adornado. Como batia o seu coração à vista
de tanto esplendor! Mas Deus soube da desobediência da sua
filinha. Na tarde seguinte ordenou que os homens entrassem
nas suas cubatas e deu-lhes amargas reprimendas. Para
castigar, decidiu retira-se para sempre; daí em diante, teriam de
viver sem Ele. Deus desapareceu para além do lago [...] Com
Deus desapareceram também a felicidade e a paz. Os frutos, a
caça e todos os alimentos, que antes se ofereciam
espontaneamente, tudo escasseou. Mais ainda, apareceu a
morte juntamente com outras misérias (DE MEESTER apud
ALTUNA, 2014, p. 405, 407).

De acordo com essa mítica bantu, o fato da proximidade de Deus trazer


vida e abundância e o distanciamento do mesmo resultar em agonia e morte,
Deus é somente Deus enquanto mistério oculto à curiosidade humana. A
resposta que o sistema religioso bantu dá para esse paradigma é a valorização
do papel de mediador dos antepassados, aqueles que receberam vida de Deus,
e a transmitiram para a humanidade. “São eles responsáveis por ligarem à
humanidade novamente com Deus, superando-se assim o distanciamento
existente” (ESTENDAR; RENDERS, 2019).
Passando a mística iorubana destacamos a importância dos orixás e
como seus mitos fundamentam as práticas religiosas dos adeptos. Reginaldo
Prandi é o pesquisador brasileiro que tem a obra mais reconhecida sobre
mitologia iorubá traduzida para o português. A obra intitulada “Mitologia dos
orixás” contém uma seleção de 301 mitos narrados em sua mais antiga versão
encontrada.
O autor fornece no prólogo do livro fornece panorama bibliográfico dos
trabalhos mais relevantes que trazem transcrições de mitos iorubanos. Parte das
primeiras referências em África, encontradas em escritos de missionários
(Baudin) e militares (Ellis) do século XIX, contemplando ainda os escritos mais
importantes dos vários estudiosos que pesquisaram entre os iorubás (Frobenius,
Bascom, Verger, Beier, Abimbola) e na diáspora.
O autor chama relembra aqueles autores, tanto acadêmicos como
adeptos do candomblé, que, em terras brasileiras, se empenharam em
documentar e compilar mitos dos orixás (Nina Rodrigues, Artur Ramos, Roger
Bastide, René Ribeiro, Pierre Fatumbi Verger, Agenor Miranda Rocha, Mestre
Didi, Júlio Braga, Juana Elbein dos Santos, Monique Augras, Rita Laura Segato,
Mãe Stella, Rita de Cássia Amaral, entre outros).
Conforme o autor existe uma dinâmica particular entre o mundo dos orixás
e dos seres humanos. “Os orixás alegram-se e sofrem, vencem e perdem,
conquistam e são conquistados, amam e odeiam. Os humanos são apenas
cópias esmaecidas dos orixás dos quais descendem” (PRANDI, 2003, p. 29).
Ou seja existe uma espécie de relação recíproca entre o “orum”, o mundo
imaterial onde vivem os orixás e o “aiê”, mundo material onde vivem os seres
humanos, uma vez que, em última instância, a força dos orixás se constrói a
partir dos cultos e ritos promovidos pelos humanos. É por isto inclusive que as
histórias que revelam e comentam as guerras, brigas, paixões, amores,
espertezas, conquistas e derrotas dos orixás assumem um papel de suma
importância na cosmovisão iorubana.
Assim, na concepção iorubana tradicional do mundo, as histórias míticas
oferecem uma orientação importantíssima, uma espécie de referência última
para a vida terrestre. É por meio delas que os sacerdotes buscam avaliar o
mundo da concretude. Os mitos servem para interpretar a realidade: eles
afirmam e reafirmam as verdades iorubanas e dão dicas de como deve se
comportar para ter sucesso. A cosmologia iorubana expressa nos mitos
apresenta-se tanto como princípio quanto como meio e como fim: está na origem
do mundo e é instrumento tanto para interagir com o mundo como para mantê-
lo tal como descrito nos mitos. Ao afirmar que “para os iorubás antigos, nada é
novidade, tudo o que acontece já teria acontecido antes” (PRANDI, 2003, p. 18),
o autor enfatiza esta força ontológica intrínseca à concepção mítica dos iorubás.
Não sendo possível abordar tais mitologias e cosmologias de modo
homogêneo optamos por destacar alguns aspectos e apresentar algumas
informações que podem contribuir com sua formação sobre a temática
apontando suas possibilidades de abordagens para um possível futuro
aprofundamento.
O que gostaríamos de destacar é que em nossa perspectiva existe um
grande diferencial ontológico entre essas religiões africanas originárias das
religiões ocidentais, não estão apartadas, para essas primeiras de todas as
circunstâncias da vida. A religião não está confinadas em um lugar separado.
Desse modo, todo acontecimento na vida de um indivíduo ou de uma sociedade
se interpreta como o resultado de uma causa divina.

A religião é adquirida ao nascer como um direito de


primogenitura; não há conversão no sentido que se dá a este
termo no Ocidente por mais que existam cerimônias que
marquem etapas da vida e que se vinculem ao papel que a
religião confere ao indivíduo na sociedade (MURRAY, 2007, p.
31).

Algumas abordagens indicam inclusive que “os africanos não têm religião,
eles são religiosos. A religião é algo que interfere no modo de sentir, de viver e
de agir do africano” (DE OLIVEIRA, 2006, p. 46). Essa profunda integração
homem-cosmo se estende à dimensão transcendental e faz dela um todo
indissociável com a realidade imanente. Tudo está conjugado em tudo. Nestas
culturas, por trás de cada prática religiosa, compreendida por diferentes
vertentes teóricas como práticas mágicas ou espiritualistas, se encontra a
interacionalidade de todas as coisas. É porque tudo se une a tudo, aquém e
além, que os procedimentos de articulação matéria-espírito se justificam.

SAIBA MAIS

O Deserto do Saara foi um fator geográfico altamente condicionador no


continente africano, isolando o Norte da maior parte do referido continente até
aos finais do primeiro milénio depois de Cristo, quando a economia em expansão
e o islamismo penetraram o deserto, ultrapassando-o, a fim de extrair ouro e
capturar escravos, produtos que faziam parte do mecanismo e intercâmbio
comerciais autóctones da África Ocidental, e criar ligações por mar com a África
Central e Oriental. Do Século I ao século IV D.C., no Norte e Nordeste de África,
assiste-se à presença da vanguarda intelectual do Cristianismo, que veio a
sucumbir com o aparecimento do Islamismo e do seu ímpeto a partir do século
VII. Assim, no Egito, na Núbia, no Sudão e na Etiópia o Cristianismo foi
convictamente adaptado pelos povos africanos dessas regiões às suas próprias
culturas e assumiu prestígio relevante nessa época. Documentos históricos,
nomeadamente arquitetónicos e monumentais, dão conhecimento dessa mesma
realidade. De facto, muito mais tarde, o Norte e Nordeste africanos foram
incapazes de resistir ao avanço do Islamismo a partir do século VII, o qual
estendeu o seu poder a toda a região, em parte devido à fraqueza militar e à
instabilidade política do Império Bizantino. A única região que conseguiu fazer
frente ao avanço do Islão foi o reino de Axum, que, posteriormente, desembocou
no aparecimento do reino da Etiópia, em parte devido ao seu isolamento, às
características geográficas e climáticas da zona em que se encontrava inserido
e, ainda, porque esta região se encontrava relativamente afastada do centro dos
poderes decisórios islamitas. Desta forma, bem se compreende porque toda a
história da Etiópia está ligada à evolução do Cristianismo no Norte e Nordeste
de África, ao isolamento das influências externas e, ainda, se relaciona com a
nefasta problemática das quezílias político-religiosas do império romano
(Monofisismo, Nestorianismo e Pró-Calcedónios), cuja sede na altura era
Constantinopla. A maior parte do território do reino da Etiópia estava inserida em
área cuja altitude é superior a 1000 metros e este fator geográfico teve também
um papel preponderante em todo o desenrolar da sua história, muito particular,
mas ainda sujeita a muitas investidas por parte dos povos que rodeavam o seu
território, os quais eram aderentes – e ainda o são – do credo muçulmano.

Fonte: BRANCO, Alberto Manuel Vara (2015). Do Reino de Axum ao Reino da


Etiópia (Século I D.C. ao século XVII): A Força e o Isolamento do Cristianismo
na África do Norte e Nordeste. Millenium, 48 (jan/jun). Pp. 63-74.

#SAIBA MAIS#

REFLITA

Macumba é uma palavra de origem Bantu (quimb makumba) que se referia


apenas a um instrumento musical muito parecido com o que popularmente é
conhecido como reco reco. Hoje o termo, muito utilizado pejorativamente por
preconceituosos que operam o racismo contra os adeptos de religiões Afro-
brasileiras, vem sendo utilizado, também, para designar cultos de Matriz Bantu
no Brasil. Não faz pensar o quanto temos que avançar no diálogo que preza por
diversidade cultural o fato de o país com mais negros fora da África e com alta
contribuição cultural de Matriz Bantu e Iorubá subverter a própria linguagem
africana para reproduzir noções errôneas e pré-concebidos sobre cultos
Africanos e Afro diaspóricos?

O historiador Luiz Antonio Simas diz o seguinte sobre o assunto:

“Macumbeiro: definição de caráter brincante e político que subverte sentidos


preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo repudiado e admite as
impurezas, contradições e rasuras como fundantes de uma maneira encantada
de encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas. O macumbeiro
reconhece a plenitude da beleza, da sofisticação e da alteridade entre as
gentes.”

Luiz Antonio Simas é um historiador que se dedica sobretudo às culturas


populares do Brasil. É autor de, entre outros livros, O corpo encantado das ruas
(Civilização Brasileira, 2019), Dicionário de história social do samba (José
Olympio, 2015), com Nei Lopes, e Fogo no mato: a ciência encantada das
macumbas, com Luiz Rufino (Mórula, 2018).

Fonte: REVISTA SERROTE, 2020.

https://www.revistaserrote.com.br/2020/02/macumba-por-luiz-antonio-
simas/#:~:text=%E2%80%9CMacumbeiro%3A%20defini%C3%A7%C3%A3o%
20de%20car%C3%A1ter%20brincante,mundo%20no%20alargamento%20das
%20gram%C3%A1ticas.

#REFLITA#
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Unidade II, Religiões Africanas, procuramos discutir sobre as


religiosidades Bantu e Iorubá, ambas de matriz africana. Para tanto, no tópico I,
“O cristianismo como salvação” foi apresentada uma discussão sobre o processo
de colonização e cristianização em território africano. Não sendo possível pensar
esse processo de modo homogêneo, destacamos alguns aspectos desse
processo histórico. Contudo, demonstramos que se há uma regularidade no
modo como isso ocorreu, é o esforço europeu e cristão de apagar as identidades,
as crenças, as divindades, as línguas e as práticas dos povos colonizados.
No tópico II, “Religiões africanas originárias - sistema simbólico e rito”
procuramos apresentar contextos que nos possibilitem pensar o processo de
construção e expansão da cultura bantu e iorubá, demonstrando em seguida
aspectos relacionados às suas crenças e práticas religiosas.
Por fim, refletimos no tópico III “Mitos e as Míticas nas religiões africanas
originárias” sobre a concepção iorubana e bantu tradicional do mundo e sobre
como as histórias míticas oferecem uma orientação importantíssima para os
seus adeptos. Destacamos que nas religiões africanas originárias,
diferentemente das religiões ocidentais, a dimensão religiosa não está apartada
de todas as circunstâncias da vida. Assinalamos que essa profunda integração
homem-cosmo se estende à dimensão transcendental e faz dela um todo
indissociável com a realidade imanente.
Assim concluímos indicando que estas culturas, por trás de cada prática
religiosa, se encontra a interacionalidade de todas as coisas. Esperamos ter
contribuído com a sua iniciação ao tema.
LEITURA COMPLEMENTAR

A Globalização já é uma realidade e devemos nos preparar para outros avanços


da humanidade. Avanços estes sempre defendidos por José Beniste, em se
tratando da cultura afro-brasileira. Em Orun Aiye, Beniste dá uma amostra do
que verdadeiramente o sistema nago-yoruba, onde o leitor entenderá de forma
correta acentos yorubas, vogais, substantivos, cânticos e rezas.

BENISTE, José. Òrum – Ayê. O encontro de dois mundos. O Sistema de


Relacionamento Nagô-Yorubá entre o céu e a Terra. Rio de Janeiro, Bertrand-
Brasil, 1997.
FILME/VÍDEO

Título: HOTEL RWANDA

Diretor: Terry George

Sinopse: Durante os conflitos políticos entre hutus e tutsis que mataram quase
um milhão de ruandenses em 1994, Paul Rusesabagina, gerente do Hotel des
Milles Collines, na capital do país, toma a decisão corajosa de abrigar sozinho
mais de 1.200 refugiados.

LIVRO
Título: Mitologia dos orixás

Autor: Reginaldo Prandi

Sinopse: Mitologia dos orixás, do sociólogo Reginaldo Prandi, é a mais completa


coleção de mitos da religião dos orixás já reunida em todo o mundo. São 301
relatos mitológicos, histórias que contam, por meio de imagens concretas e não
de idéias abstratas, como são, o que fazem, o que querem e o que prometem os
deuses desse riquíssimo panteão africano que sobreviveu e prosperou em
países da América - em particular no Brasil e em Cuba - e que nos últimos anos
tem sido exportado para a Europa. Na sociedade tradicional dos iorubás, é pelo
mito que se alcança o passado, se interpreta o presente e se prediz o futuro.
Cada mito, portanto, é uma surpresa sempre renovada, um segredo revelado
que jamais se deixa desvendar completamente. Ao narrar episódios em que se
envolveram deuses como Exu, Ogum, Iemanjá e Iansã, Mitologia dos orixás
chama a nossa atenção para sentidos vitais profundos e nos aproxima do vasto
patrimônio cultural dos negros iorubás ou nagôs. O livro é ricamente ilustrado,
com fotos coloridas de todos os orixás que se manifestam em cerimônias do
candomblé no Brasil e ilustrações do artista plástico Pedro Rafael.
REFERÊNCIAS

ALTUNA, Raul Ruiz de Asús. A cultura tradicional banto. Luanda: Secretaria do


Arquidiocesano de Pastoral, 1985.

BRANCO, Alberto Manuel Vara (2015). Do Reino de Axum ao Reino da Etiópia


(Século I D.C. ao século XVII): A Força e o Isolamento do Cristianismo na África
do Norte e Nordeste. Millenium, 48 (jan/jun). Pp. 63-74.

BENISTE, J. Òrun, àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de


relacionamento nagô-Yorùbá entre o céu e a terra. Rio de Janeiro, Bertrand
Brasil, 1997.

DAIBERT, Robert. A religião dos bantos: novas leituras sobre o calundu no Brasil
colonial. Estud. hist. (Rio J.) 28 (55) • Jan-Jun 2015.

DE OLIVEIRA, Irene Dias. Tradição africana: espaço crítico e libertador. In:


SILVA, Marilena da, e GOMES, Uene José (Orgs.). África, afrodescendência e
educação. Goiânia: Ed. da UCG, 2006. p. 45-58.

ESTENDAR, Júlio Macuva; RENDERS, Helmut. O NÃO-ROSTO DOS


ANTEPASSADOS REVELADO NAS MÁSCARAS RITUALÍSTICAS BANTU: UM
OLHAR SOBRE SUA CULTURA VISUAL. Revista Caminhos - Revista de
Ciências da Religião, Goiânia, v. 17, p. 259-277, mar. 2019.

FILHO, W. T., & DIAS, J. B. O colonialismo em África e seus legados:


classificação e poder no ordenamento da vida social. Anuário Antropológico,
40(2), 9–22, 2018.

MADEIRA, José Manuel Rosa. A missionação em África nos séculos XVI-XVII:


análise de uma atitude. Revista Lusófona de Ciência das Religiões – ANO VII,
2008 / n. 13/14 – 439-462.

MBEMBE, Achille. África Insubmissa: Cristianismo, poder e Estado na sociedade


pós-colonial. Mangualde; Ramada: Edições Pedago; Luanda: Edições Mulemba,
2013.
MURRAY, Jocelyn. África: o despertar de um continente. Tradução de Miguel
Gil, Francisco Manhães, Alexandre Martins, Carlos Nougué, Michel Teixeira,
Maria Cristina zambotto. Barcelona: Folio, 2007.

PEREIRA, D., SANTOS, D. e CARVALHO, M DE. Fronteiras do Mundo. São


Paulo, Atual, 1993.

PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras,
2003

SILVA, ALBERTO DA C. E. A Enxada e a Lança: a África antes dos portugueses.


Rio de Janeiro, Nova Fronteira, São Paulo, EDUSP, 1992.
UNIDADE III

CRENÇAS E DOGMAS

Professor Mestre Herculanum Ghirello Pires; Professora Mestra Laís Azevedo Fialho.

Plano de Estudo:

• Os preceitos das religiões orientais.

• Os preceitos das religiões Africanas.

• O Sagrado e o Profano.

• Dogmatismo religioso.

Objetivos de Aprendizagem:

• Conceituar e contextualizar as crenças e religiões orientais;

• Compreender os tipos de crenças e religiões orientais;

• Estabelecer a importância das crenças e religiões orientais para a história.


INTRODUÇÃO
Olá, caro (a) aluno (a). Nesta unidade você verá sobre crenças e dogmas
dentro do panorama das religiões e religiosidades. Estudaremos a importância
das crenças das religiões orientais e de matriz africanas para o ser humano
quando para o Brasil.
Estudar as religiões orientais e africanas é fundamental para o respeito e
percepção da identidade religiosa de ambas e até sobre nós. Às vezes, podemos
pensar, caro (a) aluno (a) que essas crenças, dogmas e religiões estão muito
longe da gente. Mas, o Brasil, por exemplo, é de extrema importância discutir esse
assunto. Uma vez que africanos foram trazidos para cá e que ondas de migrações
de pessoas vindas do oriente ocorreram nos últimos anos. Foz do Iguaçu abriga
a maior comunidade muçulmano do Brasil. Salvador é a cidade mais africana do
mundo, fora da África. Sem falar no sincretismo religioso que as religiões cristãs
promoveram nas crenças africanas. Portanto, caro (a) aluno (a), esses estudos
fazem parte de nós, da nossa vida, e do nosso cotidiano.
Bons estudos!
1. OS PRECEITOS DAS RELIGIÕES ORIENTAIS

Grande Buda, Japão – Kamakura. Disponível em: www.shutterstock.com/

1. 2. Hinduísmo
Praticado há mais tempo que o cristianismo, estima-se que o hinduísmo tenha
sido difundido por volta de 1500 a. C. Datar o momento certo do nascimento do
hinduísmo é difícil, mas “a quantidade de escrituras, pinturas, e esculturas antigas
indicam que a origem dessa mitologia pode ser datada desde 1500 a.C, momento em
que a antiga civilização do Vale do Indo entra em declínio” (LIMA; et al, 2016, p. 5).
Foi com a compilação em sânscrito (língua sagrada para os hindus) dos Vedas
que sua propagação. Entende-se os Vedas como textos sagrados, possuindo 4 livros
principais: o Rig Veda, Sama Veda, Yajur Veda e Atharva Veda.
As características de sua mitologia e crenças são intrínsecas à população, dando
o contorno, de certa forma, a sociedade indiana, que pode ser dividida dessa forma:
Brâmanes: sacerdotes e pessoas letradas, nasceram da cabeça do deus
Brahma. Xátrias: guerreiros, nasceram dos braços de Brahma. Vaixás:
comerciantes, nasceram das pernas de Brahma. Sudras: servos,
camponeses, artesãos e operários, nasceram dos pés de Brahma (LIMA;
et al, 2016, p. 4)

Cada pessoa deve respeitar sua casta bem como fazer parte dela. Isso porque os
hindus acreditam em reencarnação. Há o Samsara, roda da vida, que enumera as fases
dessas reencarnações. Assim, os hindus acreditam que as almas “não iluminadas
entrariam em um ciclo eterno de morte e renascimento, conhecido como Samsara. A
Moksha seria o que os devotos hindus estariam buscando com a meditação e a auto-
disciplina: a liberdade de suas almas desse ciclo eterno” (LIMA; et al, 2016, p. 7). Ou
seja, a Moksha seria uma espécie de paraíso, que liberta os indivíduos do Samsara.
Sobre o panteão dos deuses hindus, não há um número certo de entidades a
serem cultuadas, pois são muitos deuses que o compõem. Alguns ainda afirmam que há
um deus para cada praticante do hinduísmo. Como forma de reação ao sistema rígido
das castas, segundo Lima (2016), surgiu o budismo e o jainismo.

1. 3. Budismo

“Buda nasceu por volta de 563 a.C., no nordeste da Índia, mas sua etnia
provavelmente não era nativa. Sendo da casta dos guerreiros, os xátrias" (CHAMAS),
aparentemente fazia parte da etnia ariana, povos indo-europeus, originários dos montes
indianos.

Segundo histórias e lendas, o príncipe Gautama deixou seu palácio para


buscar a verdade e alcançou o estado de Buda, mais conhecido como
Iluminação (em japonês, satori), “o despertar da consciência”. Viveu até
os oitenta anos, e sua morte é conhecida como nirvana, que é “a
libertação da samsara”, a Roda da Vida, episódios muito representados
em esculturas e pinturas. Tal transcendência só poderia ser atingida pelos
ascetas brâmanes, jamais por um guerreiro, e muito menos por um
príncipe (CHAMAS, 2015, p. 106).
A partir daí, Siddhartha Gautama ficou conhecido como Buda, “o iluminado”, a
pessoa que atingiu o nirvana. Foi capaz de chegar ao nirvana praticando o que se
conhece como “caminho do meio” do budismo. Buda deu origem ao Dharmachakra, roda
do dharma, um símbolo hindu representando a lei do hinduísmo e budismo. Onde para
atingir a iluminação é necessário seguir com os oito preceitos, oito leis principais: visão
correta, pensamento correto, expressão verbal adequada, ação correta, modo de vida
correto, empenho adequado, observação adequada, meditação adequada

1. 4 Confucionismo
Confúcio foi um chinês nascido em 552 a. C, o conjunto de suas ideias e filosofia
deu origem ao que conhecemos como confucionismo. Um pensamento muito importante
para o sistema social, jurídico e individual dos chineses. Suas crenças moldaram a
sociedade chinesa até os dias atuais. Sendo que:

a premissa maior do ensinamento de Confúcio era a de instruir como se


enquadrar na Moral, além de repassar ao seu povo uma filosofia de como
viver bem em consonância aos valores do dever, da cortesia, sabedoria
e generosidade. E uma das ideias do sábio, talvez a mais importante, era
a de que os filhos deveriam honrar e respeitar os pais tanto na vida quanto
após a morte, acarretando, nesse encontro, o encorajamento da prática
do culto aos antepassados que, por sua vez, já integrava parte da
Religião chinesa. (NETO, 2015, p. )

Interessante pensar o confucionismo como um conjunto de ideias que uma vez


incorporadas à sociedade chinesa, e boa parte das orientais, como o Japão, formam a
base moral delas: relações pessoais de respeito entre irmãos, pais e filhos, amigos,
marido e mulher são modeladas por essa filosofia.

1. 5. Taoísmo.
O taoísmo, assim como o confucionismo, também compõe o aparato das ideias
filosóficas que dá origem às doutrinas orientais e modelam suas sociedades:
Os adeptos do Taoismo buscam um caminho transcendental/espiritual, o
Tao, formulado por antigos pensadores chineses. Todavia, Tao é muito
mais do que a busca de um caminho a ser seguido; é definido como a
fonte de tudo que existe neste planeta. E ao seguir o caminho escolhido,
os taoistas aspiram à união com Tao; portanto, com as forças da
Natureza. Premissa maior: implica esse comportamento o de se livrar de
preocupações e apegos ao Mundo Material para se concentrar no
caminho escolhido, alcançando, assim, equilíbrio e harmonia na própria
vida, conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que
conseguem atingir esse patamar ou objetivo que serão imortais após a
morte física. (NETO,)

De certa forma, o taoísmo procura o equilíbrio entre as partes, entre as proporções


da natureza do universo. Importante pensarmos e analisarmos esse refinado quadro de
filosofias e crenças orientais de uma seguinte perspectiva: anos antes de cristo, os
orientais já estavam se preocupando com sua individualidade e o melhor caminho para
atingir a vida plena, o nirvana, o “paraíso”. O ocidente, de certa forma, vai atingir essa
perspectiva de individualidade na modernidade, depois do renascimento, e uma
individualidade baseada dentro de uma perspectiva de vida urbana.

2 - OS PRECEITOS DAS RELIGIÕES AFRICANAS


Jovem mulher representante da nação Bantu. Disponível em: www.shutterstock.com/
2.1. Algumas crenças dos bantos
Os bantos eram povos que viviam onde hoje se delimita parte da África
Subsaariana, ou Central, “apesar das diferenças étnicas, esses povos compartilhavam o
mesmo tronco linguístico: eram falantes das línguas bantos” (DAIBERT, 2015, p. 10).
Durante o século XIX o tráfico de escravos para as regiões de Salvador e Rio de Janeiro
foi intenso. Isso proporcionou uma miscigenação racial e cultural no Brasil.
A religião e a crença dos bantos eram separados em dois grupos:

A religião dos bantos era estruturada a partir da crença em uma pirâmide


vital, dividida entre o mundo invisível e o mundo visível. Em uma ordem
hierárquica de importância, no primeiro grupo encontravam-se a
divindade suprema, os arquipatriarcas, os espíritos da natureza, os
ancestrais e os antepassados. No segundo grupo estavam situados os
reis, os chefes de reino, tribo, clã ou família, os especialistas da magia,
os anciãos, a comunidade, o ser humano, os animais, os vegetais, os
minerais, os fenômenos naturais e os astros (DAIBERT, 2015, p. 11).

Apesar dessa separação de grupos em sua crença, os bantos acreditavam em um


ser supremo, uma espécie de deus único que governava o universo:

a vida é sustentada por um Ser Supremo que reina sobre o universo e


sobre os homens de modo distante, porém benéfico. Todos os povos que
compartilhavam a cosmovisão banto acreditavam em um deus único,
supremo e criador, chamado de Kalunga, Zambi, Lessa ou Mvidie
(DAIBERT, 2015, p. 18).

Na vinda para o atlântico, essas pessoas que foram escravizadas descobriram


que tinham muito em comum se tratando de suas crenças e religiosidades. Aqui no Brasil,
se fez presente uma experiência religiosa, o Calundu:

esse ritual religioso de origem centro-africana era praticado no Brasil,


principalmente na Bahia e em Minas Gerais, durante o período colonial.
Embora seja evidente a presença de uma variedade de ritos distintos que
recebiam o nome de calundu, muitos tinham em comum o uso de
instrumentos de percussão, a invocação de espíritos (DAIBERT, 2015, p.
18).
De certa forma, esses ritos eram praticados para melhorar ou curar o indivíduo de
alguma enfermidade ou estado espiritual de desamparo pelo que se encontrava. Durante
o período colonial não foi muito bem entendido e interpretado pelos portugueses e
europeus que aqui estavam, o que acarretou na ida de muitos praticantes até os tribunais
da Santa Inquisição onde eram torturados por negarem a fé cristã.

2. 2. Crenças iorubas

Os iorubas são um dos maiores grupos étnicos que compõem a África. Se


localizavam, em sua maioria, onde hoje é o Benim e a Nigéria. “Segundo o estudioso
Pierre Verger, foi principalmente após 1830, quando os muçulmanos destruíram a cidade
de Oió, capital política dos iorubás, que eles foram trazidos para o Brasil como escravos”
(BOULOS, p. 37).
Foram escravizados tanto pelos europeus quanto pelos muçulmanos. A cidade de
Óio se caracterizava por ser sua capital política. Já a cidade de “Ifé, que teve seu período
de maior esplendor entre os séculos XII e XV, era a cidade sagrada dos iorubás, sua
capital religiosa, e é vista por eles até hoje como o umbigo do Universo, local onde tudo
começo” (BOULOS, p. 36).
A religião do candomblé foi originária das crenças e tradições dos iorubas. Já
praticada na África, quando essas pessoas foram trazidas no Brasil continuaram sua
prática, mas incorporando elementos do cristianismo a ela. “É uma religião rica em
lendas, que têm a função de normatizar o comportamento individual dentro do grupo, e
retratam os orixás com os mesmos defeitos das pessoas comuns, redimindo-os depois
por bom comportamento, sofrimento, bravura etc” (IFATOSIN, 2006, p. 92).

3. O Sagrado e o Profano.
Paisagem do Monte Huangshanm, China (montanhas amarelas). Disponível em:
www.shutterstock.com/

Para entendermos essa temática do sagrado e do profano, os estudos de Mircea


Eliade se fazem presentes. Mircea Eliade foi um profícuo historiador das religiões. Em
Ocultismo, bruxaria e correntes culturais: ensaios em religiões comparadas (1979),
temos como tema da obra vários artigos que foram produzidos por palestras,
conferências, aulas e falas reproduzidas pelo professor na sua trajetória como docente,
onde o mesmo analisa elementos da mitologia e do ocultismo de culturas diferentes, e
da nossa sociedade ocidental. O autor explica que o livro surgiu de vários materiais
dispersos que o mesmo juntou e ajustou para publicação, a primeira, em inglês, no ano
de 1976. No Brasil o título foi publicado pela Interlivros em 1979.
O recorte histórico da obra perpassa vários períodos históricos. Podemos afirmar
que o autor não demonstra preocupação em relação a isso, e a contextualização e
datação de acontecimentos, uma vez que, o livro é fruto de palestras proferidas, e não
de um trabalho histórico acurado. Essas comparações ocorrem, como já dito, em relação
a nossa sociedade atual, a Grécia Antiga, a povos africanos e australianos, por exemplo.
A problemática da obra gira em torno dos três temas adotados no título: Ocultismo,
Bruxaria e Correntes Culturais. O que esses três temas dizem em relação ao papel do
historiador (das religiões)? No segundo artigo, por exemplo, O mundo, a cidade e a casa,
o autor revela a relação entre o sagrado e o profano de civilizações antigas. O que tinha
sentido, que se fazia significar, era o sagrado, e o que não era conhecido, o profano.
Para erigir suas cidades e casas, eles tinham um ponto fixo, o inicio do universo, que era
simbolizado por um templo, que fazia a conexão desse mundo com o outro mundo. E a
cidade, era construída em cima de uma simbologia cosmogonica, que era inclusive,
percebida nas casas, no lar, nas cabanas, desses povos. O questionamento que o autor
deixa nesse capítulo é: porque nos distanciamos desse conhecimento? Dessa
simbologia? Nossos ritos, práticas e simbologias são frutos desse reconhecimento da
“verdade”, de algo que faz sentido a nós e o reproduzimos.
Podemos dizer que a documentação usada pelo autor não é muito ortodoxa, uma
vez que, novamente, o livro se trata de palestras proferidas. Eliade menciona muitas
culturas e processos religiosos contidos nela, mas não cita datação das mesmas. No
entanto, utiliza de autores como Levi-Strauss, a Biblia, entre outros para definir sua
pesquisa.
A tese apresentada pelo autor, no decorrer dos capítulos, situa se na comparação
entre religiões de modo a nos alertar e nos fazer compreender alguns processos contidos
nas mesmas, como correntes culturais, sagrado e profano, mitologias, morte, bruxaria.
Como cada um desses elementos se formaram na cultura ocidental moderna. Dessa
forma, o raciocínio apresentado pelo autor para demonstrar sua tese, é de elucidar esses
processos como algo que produz significado para as sociedades que as construíram.
Como um historiador pode aguçar seus olhos, observações e sentidos para perceber
esses elementos? Dentro de uma perspectiva historiográfica.
As reflexões adotadas pela obra, seja em paralelo a pesquisa, ou a prática
historiográfica nos possibilita pensar sobre essas práticas como produtoras de
significado para determinadas sociedades, mas que também pode fazer sentido a nós.
Aqui, acredito que Eliade, serve também como modelo de pensar a vida, não somento
como produção historiográfica. Olhando elementos como mitologia, sagrado e profano,
bruxaria como algo que produz uma narrativa e que nos envolvem em simbologias e
práticas sociais. Eliade, no entanto, em cada artigo, não coloca uma gama de referenciais
teóricos e bibliograficos, devemos estar atentos ao que o trabalho historico se da com
referenciação e bibliografia.
Em “o sagrado e o profano” (1992) Eliade, demonstra como funciona o sistema de
reconhecimento pelo qual o homo religiosus aplica ao seu mundo, ao seu redor. Nesse
reconhecimento ele passa a detectar o sagrado e o profano. Tudo que ele consegue
visualizar, sentir, perceber, que se ilumina se torna o seu sagrado. A escuridão, onde ele
não conhece, além das montanhas, se torna, de certa forma, o profano

4. DOGMATISMO RELIGIOSO
Mãos rezando como maneira de atingir a fé. Disponível em:
https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/praying-hands-faith-religion-belief-god-
1496252834

De certa forma, o conjunto de práticas e crenças religiosas possui um fundo


dogmático, de um lado pode ser bom, de outro pode ser ruim: “Kant descreve o
dogmatismo metaforicamente como um travesseiro na qual se pode adormecer, e como
uma doença da razão de se isolar e se fechar em si mesma” (MAXWELL, p. 50).
Pegando esse trecho explicativo de Kant, podemos pensar que um dogmatismo
religioso é um conjunto de ideias a qual se organiza um pensamento que origina práticas
e condutas sociais. A exemplo da Igreja na Idade Média, caro (a) aluno (a), onde o
dogmatismo expressado por ela organizou a sociedade, mas ao mesmo tempo não
permitiu a aproximação de ideias e crenças distintas, para isso se fez o tribunal da Santa
Inquisição, para combater essas ideias diferentes. Por um lado, ele tem a virtude de
propagar as crenças e a religião, e de outro ele cristaliza essas práticas e condutas
sociais, promovendo o adormecimento, um fechamento de si mesmo.
#ELEMENTOS ADICIONAIS OBRIGATÓRIOS#

#SAIBA MAIS#

Você sabe quais os países mais religiosos e os menos religiosos do mundo? Segundo a
BBC, em matéria publicada em 2015, com o levantamento, o país que lidera o ranking
de mais religiosos é a Tailândia, onde 94% dos entrevistados se disseram crentes. A
nação menos religiosa, por outro lado, é a China, onde somente 7% disseram seguir
algum credo

Fonte: BBC, 2015

#REFLITA #

“Três coisas que não podem ser escondidas por muito tempo: o sol, a lua e a verdade”

- Siddhartha Gautama (Buda)


#CONSIDERAÇÕES FINAIS#

Pensarmos sobre crenças e dogmas nos ajuda a compreender não só processos


e as estruturas sociais de sociedades antigas ou distintas, mas a entender o ser humano
como um todo. O processo de sacralização, do sagrado, do religioso faz parte da
conexão dos seres humanos com a terra, com a vida, e as experiências que isso
proporciona.

Devemos entender que cada pessoa, cada povo, cada cultura e religião tem a sua
narrativa de crenças e religiosidades. Nosso conhecimento é construído pelas
experiências que temos em nossas vidas, e quanto maior for o número dessas
experiências e narrativas diversas, mais completa será nossa compreensão sobre
determinado assunto, não correndo o risco de cairmos em simplismos ou pré conceitos
sobre crenças, dogmas e fé alheias

#CONSIDERAÇÕES FINAIS#
#LEITURA COMPLEMENTAR#

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia
das Letras, 2019.

O livro ajuda a pensar que cada pessoa, cada povo, cada cultura e religião tem a sua
narrativa. Nosso conhecimento é construído pelas histórias que escutamos, e quanto
maior for o número de narrativas diversas, mais completa será nossa compreensão sobre
determinado assunto
#MATERIAL COMPLEMENTAR#

LIVRO

• História das crenças e das ideias religiosas II: de Gautama Buda ao triunfo do
cristianismo

• Mircea Eliade

• Zahar

• Os fãs de Harry Potter e de O senhor dos anéis vão gostar de saber que foi na obra do
filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade que os autores desses dois best-sellers
encontraram a matéria prima para compor suas histórias, tão cheias de magia. Autor de
um trabalho monumental, publicado em três volumes, o romeno conseguiu sintetizar as
expressões do sagrado nas sociedades humanas, compondo um estudo singular do
nascimento das mais diferentes tradições religiosas do Oriente e do Ocidente

FILME/VÍDEO

• La Vie de Bouddah (A vida de Buda)

• 2003

• O presente documentário leva-nos sobre as pegadas de Siddharta Gautama (ou Buda


Sakyamuni), aos mesmos locais em que decorreu a sua vida. Confrontando as lendas
transmitidas por tradição oral desde há milénios, as recentes descobertas arqueológicas
e as fontes históricas. No documentário, ademais de relatar a sua trajetória vital, tenta
explicar de um modo acessível a todos o seu pensamento.

• https://dai.ly/x33xmxk
#REFERÊNCIAS#

ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura Iorubá: costumes e tradições. Rio de Janeiro:
Dialogarts, 2006.

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: sociedade & cidadania. 4ª edição. São Paulo: FTD,
2018.

CHAMAS, Fernando. Origem das formas budistas. ARS, São Paulo, n 13 (25), Jan-Jun,
2015. Disponível <https://doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2015.105526>. Acesso
em: jun. 2021

DAIBERT, Robert. A religião dos bantos: novas leituras sobre o calundu no Brasil
colonial. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 28, no 8 - 55, p. 7-25, janeiro-junho
2015. Disponível em: <
https://www.scielo.br/j/eh/a/hgxBJQTRjZLHVHcF7Jpf4bw/?format=pdf&lang=pt>.
Acesso em: jun. 2021.

ELIADE, Mircea. Ocultismo, bruxaria e correntes culturais: ensaios em religiões


comparadas. Trad. Noeme da Piedade Lima Kingl. Belo Horizente: Interlivros, 1979.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010.

LIMA, Artur; et al. Mitologia hindu: questionamentos simbólicos e representações. 2016,


ensaio de graduação, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,
2016. Disponível em: <
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1660570/course/section/539698/Vers%C3%A3
o%20final%20-%20Hindu%C3%ADsmo%20%281%29.pdf>. Acesso em: junho de 2021
NETO, Antônio. O confucionismo, budismo, taoismo e cristianismo: o direito chinês.
Revista da Faculdade de Direito de São Paulo – USP, São Paulo, v. 110, jan./dez.
2015, p. 67 – 94. Disponível em: <
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/115486/113069>. Acesso em: jun. 2021
UNIDADE IV
A EXPANSÃO DAS RELIGIÕES ORIENTAIS NA ATUALIDADE
Professor Matheus Alencar Fernandes Oliveira; Professora Ma. Laís Azevedo
Fialho.

Objetivos de aprendizagem:
• Compreender o processo de expansão das religiões orientais para o ocidente;
• Conhecer a doutrina e os valores das religiões orientais no ocidente;
• Entender os principais desafios e temas das religiões orientais no ocidente.

Plano de estudo:
• As religiões orientais no Ocidente
• Hare Krishna
• Seicho-No-Iê
• Igreja Messiânica Mundial
INTRODUÇÃO

Caro/a estudante, nesta unidade didática você terá a oportunidade de


conhecer um pouco sobre algumas religiões orientais que se expandiram de
forma significativa no ocidente. São elas, Hare Krishna, Seicho-No-Iê e Igreja
Messiânica Mundial. Todas as três chegam ao ocidente a partir do século XX em
diferentes contextos histórico-culturais. A primeira teve sua origem na Índia, é
baseada nas escrituras védicas compartilhando crenças e doutrinas juntamente
ao hinduísmo, porém sofre uma série de transformações a partir do contato com
a cultura ocidental. Foi trazida para o ocidente na década de 1960 através de
Srila Prabhupada, grande mestre que ficou conhecido como o fundador do
movimento Hare Krishna e o seu propagador no ocidente.
As duas últimas, Seicho-No-Iê e Igreja Messiânica Mundial, são de origem
japonesa. Fundadas ambas na década de 1930, chegam ao Brasil por intermédio
da imigração japonesa. Baseadas em escritos de seus fundadores, desejam
salvar a humanidade e construir uma realidade de paz e harmonia na terra. Seus
elementos se misturam entre influências do budismo, xintoísmo e cristianismo,
sendo caracterizadas pela abertura e não sectarismo religioso, conquistando
uma série de adeptos no ocidente. Outro ponto importante foi que tiveram um
papel importante na preservação da identidade cultural japonesa no Brasil,
transcendendo o conteúdo religioso.
A partir desta unidade o/a estudante poderá compreender o processo
histórico de fundação, chegada e desenvolvimento destas religiões no ocidente.
Vamos entender as suas doutrinas, valores, principais desafios e temas para as
religiões orientais aqui estudadas.
Bons estudos!
1 AS RELIGIÕES ORIENTAIS NO OCIDENTE

Figura 1: Desfile do Unidos do Porto da Pedra sobre os cem anos de imigração japonesa no
Brasil. PASTOR, Wilson – Wikimedia Commons

Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Desfile_sobre_os_cem_anos_de_imigra%C3%A7%C3
%A3o_japonesa_no_Brasil_(48199439886).jpg

Quando falamos das religiões orientais no ocidente, falamos de uma


chegada recente na longa duração do tempo histórico. É a partir do século XX
que começam a chegar às Américas milhares de emigrantes de várias partes do
oriente, com eles chegam suas tradições culturais entre elas as religiões de suas
terras natais.
Em alguns casos, as religiões orientais chegam a partir de projetos de
expansão e de missões religiosas, como é o caso da Hare Krishna nos Estados
Unidos. Uma vertente das tradições védicas do hinduísmo indiano, a Hare
Krishna chega ao ocidente por conta de Srila Prabhupada na década de 1960,
se expandindo para outras partes do ocidente, como no Brasil dez anos depois,
a partir das viagens por todo o mundo.
Dentro destes contextos, foi possível a chegada de tradições ao ocidente
que antes eram desconhecidas ou pouco conhecidas aqui e que tiveram grande
expansão conquistando grande quantidade de adeptos e relativa liberdade
religiosa. Para citar alguns exemplos, a Seicho-No-Iê e a Igreja Messiânica
Mundial são religiões orientais originadas no Japão, que chegam a partir da
imigração japonesa do início do século XX. Hoje possuem grande quantidade de
adeptos, tanto de seus descendentes japoneses, como de outros povos que
habitam no Brasil.

1.2. Imigração japonesa no Brasil

O processo de constituição dessas religiões se deu após conflitos


culturais iniciais. Ao chegarem no Brasil, os japoneses trouxeram suas tradições
culturais ancoradas principalmente no budismo e no xintoísmo. A imigração
japonesa no Brasil se iniciou em 1908, durante seu desenvolvimento cerca de
200 mil japoneses chegaram ao país. Hoje a comunidade chamada Nipo-
Brasileira corresponde a 1,5 milhões de pessoas.
A promessa do governo japonês aos japoneses era que, ao chegar no
Brasil, encontrariam trabalho com possibilidade de enriquecimento, fazendo com
que os japoneses sonhassem em conquistar a prosperidade financeira e retornar
à terra natal. Neste contexto, a população vinda do Japão veio para trabalhar
nas lavouras de café, em um momento em que a economia cafeeira estava em
crescente e não havia mão de obra barata o suficiente no país.
Para além da falta de mão de obra por conta da rápida expansão da
economia cafeeira, a primeira república do Brasil (1889 – 1930) adotou uma
política racista a partir da abolição da escravatura que visava eliminar
gradualmente a raça negra do país, tanto a partir da mestiçagem como a partir
do abandono. A concepção do estado brasileiro foi adotar políticas que
excluíssem os africanos e seus descendentes da sociedade, recusando integrar
a população negra às atividades econômicas, forçando a imigração de povos
europeus e asiáticos.
É neste contexto que milhares de japoneses chegam ao Brasil. A intenção
do Estado brasileiro era de que os imigrantes, vindos tanto da Europa como da
Ásia, fossem culturalmente abrasileirados. Uma tática para tal objetivo foi a
evangelização desses imigrantes a partir da adoção forçada ao cristianismo.
Esta missão foi mais fácil com os europeus, pois já conheciam o cristianismo e
a maioria já chegava cristão no Brasil. Mas para os asiáticos (ou orientais) esta
prática religiosa não era conhecida ou pelo menos não era habitual.
Por conta da imposição do cristianismo às comunidades japonesas,
houveram grandes conflitos religiosos e inicialmente os brasileiros não aceitaram
as crenças religiosas e tradições trazidas pelos japoneses. Suas religiões foram
marginalizadas e reprimidas, chegando a haver fiscalização e punições a quem
fosse pego professando outra fé que não fosse a cristã.
Com o tempo foram criadas igrejas “étnicas”, como Igreja Sul-Americana,
Metodista Livre, Igreja Holiness, Assembléia de Deus Nipo-Brasileira, todas
criadas pelos japoneses, porém de forma sincrética, com a intenção de dar
permanência aos seus cultos tradicionais japoneses, mas com algumas
características cristãs (DINIZ, 2006).
Como reação ao abrasileiramento, as religiões orientais japonesas
chegam ao Brasil a partir da década de 1930, as principais são a Seicho-No-Iê
e a Igreja Messiânica Mundial, fundadas nesta mesma década. Mesmo que com
características diferentes, ambas tiveram o papel de contribuir para a
preservação da identidade étnica-cultural dos japoneses no Brasil e sua filosofia
gira em torno de tornar possível o bem-estar e a prosperidade para a
humanidade.

1.3 Uma alternativa ao cristianismo

Quando entramos na década de 1960, presenciamos a chegada dos


ensinamentos védicos nos Estados Unidos e posteriormente no Brasil nos anos
70 e 80. Diferentemente das religiões japonesas que chegam ao Brasil, o
movimento Hare Krishna não acompanha populações indianas que foram
emigradas para cá. Quando Srila Prabhupada inicia suas viagens pelo mundo
passando pelos Estados Unidos, encontra apoio de jovens de classe média que
buscavam uma forma alternativa de viver a vida, sobretudo os que participavam
do movimento de contracultura.
Em sua maioria, não havia tido uma educação religiosa profunda nos
ensinamentos cristãos ou até mesmo recusavam o cristianismo e sua filosofia
sustentadora do modo de vida na sociedade ocidental capitalista. Estes jovens
buscavam uma maior aproximação com a natureza, uma espiritualidade
desligada dos valores cristãos, por isso viram no movimento de Srila Prabhupada
algo exótico e necessário para as suas necessidades.
Portanto, o Hare Krishna encontra adeptos em grupos ocidentais e não
em populações do mesmo local de origem da sua filosofia, como é o caso das
religiões japonesas. Constituindo uma das principais diferenças entre as
religiões aqui abordadas.
2 HARE KRISHNA

Figura 2: Estátuas de Krishna e Balarama na comunidade de New Mayapur Hare Krishna, no


departamento de Indre, no centro da França. MAUTER, Ilya – Wikimedia Commons

Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:New_Mayapur_Krishna_Balarama_2011.jpg

Hare Krishna é um movimento criado na década de 1960 por influência de


Abhay Charan Bhaktivedanta Swami Prabhupada (1896-1977), também
conhecido como Srila Prabhupada. Este grande mestre foi responsável por
trazer ensinamentos da cultura védica hindu para o ocidente. Em 1965,
desembarca em Boston (EUA) com a missão de disseminar a cultura védica pelo
mundo. Ele fundou a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna
(ISKCON), que hoje conta com mais de 400 templos espalhados pelo mundo.
A ISKCON pertence à Gaudiya-Vaisnava Sampradaya, uma tradição
monoteísta hindu. Baseia-se no estudo dos antigos textos védicos e nos livros
escritos por Srila Prabhupada. O livro sagrado do Hare Krishna é o Bhagavad
Gita.
Os ensinamentos da cultura védica hindu são passados de forma oral
pelos Gurus aos seus discípulos. Como na ocasião encontrada no ocidente, o
primeiro Guru foi Srila Prabhupada, porém o mesmo não possuía discípulos por
ser recém chegado no ocidente e ter tido pouco tempo para criar tal relação. É
neste contexto que os livros de Srila Prabhupada inicialmente formam o corpo
de conhecimento do Hare Krishna. Esta é uma das primeiras ocidentalizações
realizadas na cultura védica trazida para o ocidente. É após algumas décadas
que se formam os primeiros Gurus no ocidente e desta forma se reinicia a
transmissão oral de Guru à discípulo (GUERREIRO, 2001).
No Brasil, o movimento surge no final da década de 1970 em São Paulo,
Rio de Janeiro e Salvador se expandindo a partir da distribuição de livros. No
país a busca pelo exótico e pelo novo encontra no movimento uma possibilidade.
Em um primeiro momento, grupo brasileiros importam livros de Srila
Prabhupada vindos dos Estados Unidos e países da Europa. O conhecimento
pela cultura é iniciado a partir da leitura e aprofundamento dos livros. O
crescimento editorial possibilitou a criação e manutenção de templos e a compra
de uma fazenda no interior de São Paulo, a comunidade rural de Nova Gokula.
Atualmente, habitam cerca de 200 pessoas e a comunidade conta com uma
escola própria para os jovens da comunidade e para a vizinhança, esta escola
possui registro oficial e oferece formação até o ensino médio.
A religião propaga a prática da meditação através do bahkti yoga e da
entoação de mantras sagrados. “A missão não-sectária deste movimento
monoteísta é desenvolver o bem-estar da sociedade, promovendo a ciência da
Consciência de Krishna” (ISKCON, 2019).
A ISKCON reverencia diretamente Krishna, a suprema personalidade de
Deus e o Senhor Caitanya Mahaprabhu, que é a encarnação de Deus no séc.
XVI na Índia e quem indicou o mantra Hare Krishna como a forma mais direta de
alcançar o amor por Deus. Os Hare Krishna são lacto vegetarianos e acreditam
que todos os seres vivos são divinos. Assim como na cultura hindu presente na
Índia, os Hare Krishna acreditam na existência do ciclo de reencarnações no
plano material até que cada ser humano possa alcançar a consciência divina
para quebrar o ciclo de reencarnações.
Hoje a religião não cresce tanto quanto crescia nas primeiras décadas de
seu nascimento no ocidente, mas em contrapartida, não são mais
desconhecidos, passando a fazer parte da gama de religiões existentes no
ocidente.
3 SEICHO-NO-IÊ

Figura 3: Templo da Seicho-No-Iê em Brasília. DADEROT – Wikimedia Commons

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Seicho-no-Ie_Temple_-_Brasilia_-
_DSC00610.JPG

A Seicho-No-Iê foi fundada em 1930 no Japão em um momento de


profunda crise econômica mundial, a crise de 1929. A partir dos escritos de
Masahuru Taniguchi (1893-1989), o povo do Japão encontra um estímulo
importante para recomeçar e passar a diante seus ensinamentos em busca do
bem-estar da humanidade. Hoje a organização está presente em 30 países,
inclusive no Brasil cuja sede central está em São Paulo.
Após a criação da Seicho-No-Iê no Japão, é publicada sua primeira
revista, a Seicho-No-Iê, que logo chega ao Brasil no interior de São Paulo. Aos
poucos, os primeiros japoneses que recebem a revista vão criando grupos de
estudos sobre as revistas e divulgando as publicações. Mesmo com intensa
fiscalização do governo, inicialmente eram realizadas reuniões em diversas
cidades do interior de São Paulo e na capital.
Esta religião é também um movimento de iluminação que busca a paz
mundial. Seu objetivo central é criar o ambiente para estabelecer o bem estar, a
paz e a harmonia. Neste sentido, a Seicho-No-Ie busca promover o despertar da
natureza de Deus e o crescimento espiritual das pessoas. Seus ensinamentos
são passados através de livros e seminários.
Entre os valores da religião estão o amor à vida, o não sectarismo
religioso, uso controlado do poder da palavra, a cooperação e a busca pelo fim
de todo tipo de sofrimento humano. Para a Seicho-No-Iê todas as religiões
emanam de um único Deus universal.
A sua doutrina é construída por seu fundador a partir do sincretismo entre
as principais religiões no Japão: Budismo, Xintoísmo e Cristianismo. Destas
religiões são retirados elementos que formam a sua doutrina. Dentro desta
religião não existe a noção de pecado e o mundo é produto da mente. Portanto,
compreende-se que, por exemplo, uma doença pode ser fruto da mente e de
pensamentos negativos.
Uma das suas principais características está na flexibilidade, não
contestação e rivalidade com nenhuma religião. Portanto, todas são respeitadas
e procura-se compreender os principais temas religiosos no mundo, como o
pecado, salvação, dor, pobreza, fé e prosperidade. Estas são algumas
características da Seicho-No-Iê, uma religião e filosofia criada no Japão, trazida
para o Brasil pelos japoneses, e que mesmo antes de chegar ao seu centenário,
constitui uma das religiões mais respeitadas do mundo com grande quantidade
de adeptos.
4 IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL

Figura 4: Igreja Messiânica Mundial do Brasil no Rio de Janeiro. EDUARDO – Wikimedia


Commons

Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Igreja_Messi%C3%A2nica_Mundial_do_Brasil_em_Bot
afogo.JPG

Falando sobre a Igreja Messianica Mundial, esta também é uma religião


oriental que se expandiu para o ocidente e outras partes do mundo. Criada no
Japão em 1935 por Mokiti Okada (1882 - 1955), que recebe o título honorífico de
Meishu Sama (Senhor da Luz), a religião acredita na construção do paraíso na
terra. Ou seja, o paraíso deve ser construído pelas pessoas em vida.
Os messiânicos acreditam em Deus como criador de todas as coisas e
seguem seu objetivo que foi de criar o paraíso na terra. Acreditam que em cada
época são enviadas as religiões necessárias para concretizar este objetivo e que
Deus enviou Meishu-Sama, o fundador da igreja messiânica mundial, para
instaurar a paz na terra. A religião é empenhada em erradicar a doença, a
pobreza e do conflito, considerados os principais males que atingem a terra na
atualidade.
A doutrina messiânica é passada a partir dos escritos divinos. Os livros
escritos por Meishu-Sama são a tradução da palavra de Deus que chega de
forma acessível ao maior número de pessoas possível. Seus ensinamentos são
passados através dos cultos mensais, dos livros e da publicação do jornal
messiânico.
O fortalecimento espiritual é buscado a partir do Johrei, uma prática de
canalização da energia solar (energia divina) que age na harmonização do ser
humano e diminui a incidência de doenças. A Johrei é semelhante ao passe
realizado no espiritismo kardecista e na umbanda. Outros elementos religiosos
messiânicos são o culto aos ancestrais e a reza do pai nosso, elementos
conhecidos no Brasil respectivamente pelas religiões afro-brasileiras e pelo
cristianismo.
A atuação da Igreja Messiânica no Brasil se inicia em 1955 na segunda
fase da imigração japonesa. Em 1995 é inaugurado seu santuário, o primeiro
solo sagrado messiânico fora do Japão. E atualmente existem cerca de 186
entidades espalhadas por todo o Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos nesta unidade, que as religiões orientais chegam ao


ocidente a partir do século XX por meio da imigração japonesa e por missão
religiosa de Srila Prabhupada. Hoje essas religiões possuem organização
institucional, projetos, diversos templos, escritos fundamentais e uma grande
quantidade de adeptos. Diferente do início de suas atuações, hoje são
reconhecidas na sociedade como religiões presentes em uma diversidade de
religiões existentes no ocidente. As suas doutrinas foram adaptadas para o
ocidente e os seus adeptos no ocidente tiveram que adaptar sua visão de mundo
às novas religiões.

No caso das religiões japonesas, tiveram um importante papel para a


manutenção da identidade cultural japonesa em um momento em que existia
uma forte pressão para a cristianização dos imigrantes. É neste contexto que os
japoneses encontram possibilidades de dar permanência às suas tradições
religiosas trazidas de forma sincrética pelas novas religiões japonesas. Ao longo
do século XX, tiveram considerável expansão entre japoneses, seus
descendentes e entre brasileiros que procuraram formas alternativas de
religiosidade.

Já no caso do movimento Hare Krishna, os adeptos não foram os


indianos, já que a religião não chegou, como as japonesas, por intermédio da
imigração de população indiana para o ocidente. Mais precisamente é conhecido
a partir da missão religiosa de Srila Prabhupada, criador do movimento e tradutor
dos livros védicos para a linguagem ocidentais. É neste contexto que os jovens
ocidentais a procura de uma alternativa religiosa ao cristianismo e ao modo de
vida cristão, encontram nas tradições védicas uma possibilidade em direção ao
novo e o exótico. Experimentando nova relação com a natureza, espiritualidade,
corpo, alimentação, adotando uma série de elementos culturais antes não
conhecidos.

Nesta unidade, podemos compreender o contexto em que as religiões


orientais chegam ao ocidente e quais são suas principais características. A partir
daqui, podemos refletir sobre as suas doutrinas e valores e as semelhanças e
diferenças em relação às religiões que conhecemos.
# SAIBA MAIS #

Distribuição geográfica da população japonesa e seus


descendentes por Estado, geração, residência e sexo.

Estado/ Total Geração Residência Sexo


Nação Imigrantes Descendentes Zona Zona Masculino Feminino
Urbana Rural
São Paulo 325.520 104.156 221.364 156.570 168.950 168.567 156.953
Paraná 78.097 23.421 54.676 28.951 49.146 40.313 37.784
Mato Grosso6 8.886 2.730 6.156 3.253 5.633 4.790 4.096
Rio de Janeiro 4.717 1.687 3.030 1.073 3.644 2.505 2.212
Pará 4.467 3.272 1.195 380 4.087 2.457 2.010
Minas Gerais 2.878 854 2.024 1.091 1.787 1.555 1.323
Goiás 1.793 521 1.272 682 1.111 938 855
Guanabara 1.086 390 696 832 254 653 433
Rio Grande do Sul
842 604 238 140 702 499 343
Amazonas 760 408 352 144 616 417 343
Bahia 256 164 92 12 244 138 118
Rondônia 157 132 25 - 157 83 74
Santa Catarina 152 52 100 21 131 89 63
Pernambuco 109 69 40 31 78 56 53
Rio Branco 79 65 14 2 77 42 37
Rio Grande do Norte
58 52 6 2 56 35 23
Espírito Santo 52 22 30 15 37 29 23
Maranhão 22 12 10 1 21 11 11
Piauí 16 14 2 1 15 8 8
Paraíba 13 8 5 - 13 8 5
Acre 3 1 2 - 3 1 2
Ceará 3 1 2 3 - 3 -
Sergipe 3 2 1 3 - - 3
Desconhecidos 166 - - - - 92 74
Total/Brasil 430.135 138.637 291.332 193.207 236.762 223.289 206.846

Fonte: COMISSÃO DO RECENSEAMENTO DA COLÔNIA JAPONESA. The japanese


immigrants in Brazil. Tokyo: University of Tokyo Press, 1964. p.6-19. Apud MAESIMA, 2011.

# SAIBA MAIS #
# REFLITA #

Os 100 anos da imigração japonesa no Brasil foi homenageado também


através do samba. Em 2008 a escola de samba Porto da Pedra (RJ) relembra
um pouco desta história:

“Brasil! Abra o leque ao Japão, são 100 anos de imigração


O show vai começar
De São Gonçalo o meu tigre se transforma em torá
Imperador da cultura milenar
No templo dourado a mãe natureza
Sopra o vento da paz, encontro marcado com a sutileza
Há luz, bambus, bonsais
Gira baiana, oh! mãe do samba
Emana cerejeira em flor
Na grande viagem, a fé na bagagem
A esperança navegou

O maru cruzou o mar


Lançado à sorte, o braço forte
Na lavoura trabalhou
A liberdade cultura viva
Terra querida é luz e cor

O sopro do gênio o fez samurai


Quem foi Manabu? das artes o pai
Quem dobra o papel com as mãos do céu
Faz do origami pedaço de paz
Vai um sushi saborear
Vi um gato no mangá, o gato é sorte
Vem coração oriental
Vem na era digital me dar suporte
Japão, o sol nascente brilha em cada um de nós
Em azakusa agora explode a minha voz
E a lágrima que cai é de emoção

A verdade que embala o meu coração


É a Porto da Pedra a minha paixão
Aplausos que o show vai terminar ÔÔ
Me perdoe se eu chorar”

Como podemos observar, são diversas as fontes para a construção do


conhecimento histórico, através da música e das diversas artes, podemos obter
fontes diretas e indiretas de um determinado período histórico ou evento que
almejamos pesquisar. Portanto, a arte tem o papel de enriquecer nosso
conhecimento histórico trazendo sensibilidade.
# REFLITA #
MATERIAL COMPLEMENTAR

Filme/Documentário

• Título: Hare Krishna! O Mantra, O Movimento e o Swami que começou tudo.

• Ano: 2017

• Sinopse: O Mantra, o Movimento e o Swami que começou tudo. "Hare


Krishna!" é um documentário sobre a vida de Srila Prabhupada, o
indiano Swami de 70 anos que chega à América sem apoio ou dinheiro e
desencadeia um fenômeno espiritual mundial, agora conhecido
como Movimento Hare Krishna.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Livro

• Título: Pequena História da Imigração Japonesa no Brasil

• Autor: Massao Daigo (tradução de Masato Ninomiya)

• Editora: Grafica Paulos

• Sinopse: “Pequena História da Imigração Japonesa no Brasil” é um livro escrito


em 2008 em comemoração ao centenário da imigração japonesa no Brasil.
Retrata a história dos primeiros japoneses no Brasil, o processo de criação das
colônias japonesas, o contexto internacional da época e a situação dos
japoneses no país.
REFERÊNCIAS

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immigrants in Brazil. Tokyo: University of Tokyo Press, 1964. 766p.

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CONCLUSÃO GERAL

Prezado(a) estudante,

Neste material, busquei trazer para você os principais conceitos a respeito


das religiões de matriz africana e oriental. Para tanto abordamos aspectos dos
sistemas religiosos de origem Oriental e Africana refletindo sobre sua história
mediante a existência de processos colonizadores, bem como a sua expansão
no ocidente. Refletimos sobre as religiões orientais e africana e sobre a relação
da colonização com a expansão do cristianismo. Entendemos os conceitos de
crenças e dogmas para as religiões orientais e identificamos as manifestações
das religiões orientais na atualidade.
Destacamos que as principais religiões do oriente são religiões
tradicionais e milenares. Aprendemos que elas se misturam com a cultura e o
modo de vida das populações adeptas à milhares de anos. No caso do
hinduísmo, a religião não pode ser vista como algo separado do modo de
compreender o mundo da maioria da população indiana. Conta com uma série
de divindades e encarnações dessas divindades, sendo a maior religião do
segundo país mais populoso do mundo. Da mesma forma, o budismo, o
confucionismo e o taoísmo são religiões tradicionais milenares da China e se
misturam com sua história e com a percepção de mundo chinesa. Todas estas
religiões compartilham de uma relação não hierárquica com a natureza, que é
cultuada, preservada e divinizada.
Procuramos discutir sobre as religiosidades Bantu e Iorubá, ambas de
matriz africana. Não sendo possível pensar a relação entre essa religiosidade e
a colonização ocidental de modo homogêneo, destacamos alguns aspectos
desse processo histórico. Demonstramos que se há uma regularidade no modo
como isso ocorreu, é o esforço europeu e judaico-cristão de apagar as
identidades, as crenças, as divindades, as línguas e as práticas dos povos
colonizados.
Apresentamos também aspectos relacionados às crenças, práticas
religiosas, mitos e míticas nas sociedades iorubas e bantus. Destacamos que
nas religiões africanas originárias, diferentemente das religiões ocidentais, a
dimensão religiosa não está apartada de todas as circunstâncias da vida.
Assinalamos que essa profunda integração homem-cosmo se estende à
dimensão transcendental e faz dela um todo indissociável com a realidade
imanente.
Sublinhamos a importância de contextualizar crenças e dogmas para
compreender não só processos e as estruturas sociais de sociedades antigas ou
distintas, mas o ser humano como um todo. Destacamos que o processo de
sacralização, do sagrado, do religioso faz parte da conexão dos seres humanos
com a terra, com a vida, e as experiências que isso proporciona.
Por fim, trouxemos a contextualização histórica de como as religiões
orientais chegaram ao ocidente a partir do século XX por meio da imigração
japonesa e por missão religiosa de Srila Prabhupada. Vimos que hoje estas
religiões possuem organização institucional, projetos, diversos templos, escritos
fundamentais e uma grande quantidade de adeptos. Diferente do início de suas
atuações, hoje são reconhecidas na sociedade como religiões presentes em
uma diversidade de religiões existentes no ocidente.
Concluímos assinalando que cada religião traz uma percepção cultural de
mundo. Considerando a exploração desenfreada da natureza provocada pelo
capitalismo, cada religião ou percepção de mundo oriental e africana aqui
estudadas nos trazem alternativas filosóficas sobre a relação entre humano e
natureza. Desta forma, é preciso compreender cada contexto histórico e
filosófico, o corpo de doutrinas e valores de cada religião para conhecer e
entender a diversidade cultural que existe no mundo, buscando em cada uma
delas a reflexão e exemplos de soluções para os problemas da atualidade.

Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigada!

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