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“Algumas pessoas perguntam: ‘Por que a palavra feminista?

Por que não só dizer que você


acredita nos direitos humanos ou algo assim?’ Porque isso seria um jeito de fingir que não são
as mulheres que têm, por séculos, sido excluídas. Isso seria uma forma de negar que os
problemas de gênero afetam as mulheres”, diz a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi
Adichie.

Em que ano surgiu o movimento feminista no Brasil?

1919
Em 1919, aquela que é, ao lado de Nísia Floresta, considerada pioneira no feminismo
brasileiro, Berta Lutz, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que lutava
pelo voto, pela escolha do domicílio e pelo trabalho de mulheres sem autorização do
marido.

Quem é a mãe do feminismo?

Mary Wollstonecraft
Mary Wollstonecraft é considerada a primeira pensadora feminista da história. Escritora,
filósofa e pioneira pelo ativismo das mulheres, ela chegou a enfrentar pensadores
consagrados de seu tempo. Conheça sua biografia, suas ideias e sua importância para o
movimento feminis

O que defende o feminismo?


O feminismo é um movimento que luta pela igualdade social e de direitos
para as mulheres e busca combater o modelo social baseado no
patriarcado e os abusos e a violência contra as mulheres

O combate à exclusão e a desigualdades variou ao longo do tempo, com protagonistas


diferentes. Há vários feminismos, com diversidade e heterogeneidade entre as mulheres e
suas demandas. Reconhecer o caráter plural do movimento legitima a contribuição de
mulheres de diferentes etnias, origens sociais, orientações sexuais e identidades de gênero:
negras, indígenas, asiáticas, lésbicas, bissexuais, transgêneros.

No fim do século 19 e início do século 20, por exemplo, mulheres se juntaram para reivindicar
pautas como o direito ao voto. Em geral, eram brancas e de classe alta. Concomitantemente,
mulheres trabalhadoras e de etnias não brancas, inicialmente não identificadas como
feministas, também se organizavam por direitos, reivindicando pautas ligadas às suas
realidades. No decorrer do século 20, esses grupos tensionaram a agenda dominante do
feminismo.
No século 21, o movimento ganhou fôlego renovado em várias partes do mundo, ampliando
seu alcance por meio da internet e colocando em prática novas formas de mobilização e
organização.

QUEM são as precursoras do feminismo

A luta de mulheres contra as estruturas de opressão – assim como a reflexão e elaboração


crítica sobre a condição de desigualdade a que estiveram historicamente submetidas –
antecede a palavra feminismo e a existência de um movimento feminista organizado.

As protofeministas

Christine de Pizan (1364-não se sabe o ano de sua morte), filósofa e escritora nascida na Itália,
publicou em 1405 “O livro da cidade das mulheres”, obra em prosa na qual ela reúne figuras
femininas célebres da história em uma cidade alegórica, em resposta à misoginia da obra
“Romance da rosa”, de Jean de Meun.

A francesa Marie de Gournay (1565-1645) já argumentava em favor do direito das mulheres à


educação, um privilégio restrito aos homens na época.

Por sua vez, Sor Juana Inés de La Cruz (1648-1695), filósofa, poeta, dramaturga e escritora
autodidata, é uma figura primordial do feminismo nas Américas. Se tornou freira com o
objetivo de evitar o casamento e para prosseguir com seus estudos e defendeu, em uma
famosa carta a um bispo, seu direito e de todas as mulheres de acessar o conhecimento.

As pioneiras

No século 18, as mulheres não só produziram textos como passaram à ação coletiva,
realizando encontros e reuniões para reivindicar direitos. Sua atuação no Ocidente foi
impulsionada por ideais Iluministas, como a defesa da liberdade individual e a ênfase no
desenvolvimento intelectual, e por dois marcos que colocaram em xeque estruturas sociais: a
Revolução Francesa e a guerra de independência dos Estados Unidos.

Duas defensoras dos direitos das mulheres que viveram nesse período e deixaram textos
fundamentais para a formação do movimento feminista foram Olympe de Gouges (1748-1793)
e Mary Wollstonecraft (1759-1797).

Mulheres tiveram um papel ativo na Revolução Francesa. Suas reivindicações, porém, não
estavam sendo ouvidas. Após a Declaração dos direitos do homem e do cidadão ser
proclamada em 1789, a dramaturga e ativista francesa Olympe de Gouges publica “A
declaração dos direitos da mulher e da cidadã” em 1791.
Seu artigo primeiro afirma que “a mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem”. De
Gouges foi executada na guilhotina em 1793, no Período do Terror da revolução, por fazer
críticas ao poder instituído.

Apenas um ano depois da publicação da declaração de Olympe de Gouges, a educadora e


ativista inglesa Mary Wollstonecraft lança, em 1792, seu “Reivindicação dos direitos das
mulheres”.

No livro, defende que as mulheres são tão racionais quanto os homens e que ambos deveriam
ter o mesmo acesso à educação. Ela critica as contradições presentes na obra de pensadores
iluministas como Jean-Jacques Rousseau, que não estenderam seus ideais de liberdade e
cidadania a elas.

A preocupação com a instrução feminina nessa época não era exclusividade de mulheres
europeias. Nana Asma’u (1793-1864), princesa do califado de Sokoto, território atual da
Nigéria, defendeu que a educação das meninas deveria ser institucionalizada e padronizada.
Intelectual que estudava o Corão e era fluente em várias línguas, ela treinou uma rede de
professoras, as jajis, que viajavam pelo império ensinando mulheres em suas casas.

QUAIS as ondas do feminismo e suas protagonistas

A história do feminismo a partir do século 19 é comumente contada por meio de uma


periodização em ondas. Ela enfatiza momentos em que o feminismo tomou conta do debate
público, com reivindicações e discussões irrompendo com maior força em torno de
determinadas pautas.

A metáfora das ondas, porém, não é unânime. Há muitas contestações em torno dessa
categorização, como a de que ela sugere ter havido gerações monolíticas de feministas,
organizadas a cada vez em torno uma agenda unificada e pressupondo a existência de um
feminismo único. Ela também pode levar à suposição de que não há continuidade entre as
lutas e a produção teórica dos diferentes momentos, o que tampouco é verdade.

A primeira onda

O que se convenciona como a primeira onda vai de meados do século 19 às primeiras décadas
do século 20, sendo caracterizada principalmente pela reivindicação do direito ao voto e ao
acesso igualitário à educação.
O primeiro país em que as mulheres puderam votar foi a Nova Zelândia, em 1893. Ao longo da
primeira metade do século 20, esse direito foi conquistado em dezenas de outras nações.

Para que isso acontecesse, ativistas pelo sufrágio chamadas de sufragistas – mulheres
instruídas, pertencentes às classes mais altas – fizeram protestos expressivos e, muitas vezes,
radicais em países como Estados Unidos e Inglaterra.

Elizabeth Stanton (1815-1902) foi uma das figuras centrais na luta pelo sufrágio nos EUA.
Stanton, que era também abolicionista, foi uma das organizadoras da Convenção de Seneca
Falls em 1848.

Primeira assembleia realizada no país para discutir os direitos das mulheres, o evento reuniu
no estado de Nova York cerca de 300 pessoas, com uma ampla maioria feminina. Teve como
resultado a publicação de um importante documento, a “Declaração dos direitos e
sentimentos”, redigida por Stanton, que denunciava o status inferior em que as mulheres eram
mantidas e listava resoluções para que alcançassem igualdade moral, econômica e política. O
item que pleiteava o direito ao voto para as mulheres foi o mais controverso.

Nos anos que se seguiram, mais conferências pelos direitos das mulheres foram realizadas no
país. Em uma delas, ocorrida em 1851 na cidade de Akron, Ohio, a ativista abolicionista e pelos
direitos das mulheres Sojourner Truth (1797-1883) proferiu um discurso histórico, conhecido
pela frase “Ain’t I a woman?” (Por acaso não sou uma mulher?), no qual coloca em questão
quem se enquadraria em uma certa definição da mulher como um ser frágil e delicado.

Nascida escravizada no estado de Nova York, conseguiu se libertar em 1826, indo para a
capital, onde trabalhou como doméstica e se dedicou à pregação religiosa. Ela teve contato
com o abolicionismo em uma comunidade utópica em Massachusetts e, pouco mais tarde,
com o movimento de mulheres, passando a frequentar reuniões sufragistas. Era uma figura
magnética e poderosa oradora, que advogou pelas duas causas até o fim da vida.

Organizadas em associações pelo sufrágio, Stanton e outras mulheres, como Susan B. Anthony
(1820-1906), continuaram militando pelo direito ao voto em várias frentes: realizando
petições, apresentando emendas à Constituição e sendo presas por tentarem votar. O
primeiro estado em que as americanas tiveram direito ao voto nos EUA foi o de Wyoming, em
1869. Nos anos seguintes, o direito foi sendo conquistado em diferentes estados, mas, em
nível federal, foi obtido apenas em 1920. Alguns estados, no entanto, ainda tinham leis que
restringiam o voto de pessoas negras, o que impediu algumas mulheres afro-americanas de
votarem até a aprovação da Lei do Direito ao Votos em 1965.
No Reino Unido, diversas associações pelo sufrágio feminino se formaram a partir dos anos
1850 e petições com milhares de assinaturas foram apresentadas ao parlamento britânico. O
movimento, no entanto, se dividiria em torno de táticas de protesto muito distintas.

A National Union of Women’s Suffrage Societies, frente que passou a reunir diversas
sociedades de sufrágio do país em 1897, era comandada pela sufragista Millicent Fawcett
(1847-1929) e se utilizava de instrumentos de pressão pacíficos e legais, como escrever cartas
a parlamentares e realizar marchas e comícios. Em 1903, Emmeline Pankhurst (1858-1928),
uma das integrantes da organização, fundou, junto com suas filhas, um grupo dissidente,
chamado Women’s Social and Political Union.

As mulheres que formavam esse grupo ficaram conhecidas como suffragettes, e passaram a
adotar uma abordagem mais radical, chamando atenção do público para sua causa por
estarem dispostas a ser presas, feridas e até mortas. O diminutivo pejorativo do sufixo “ette”,
cunhado em um artigo do jornal The Daily Mail para menosprezá-las frente àquelas que seriam
as sufragistas “verdadeiras”, foi adotado de maneira triunfante pelo grupo de Pankhurst.

Tencionando angariar apoio popular a partir da publicidade gerada por seus atos e por seu
consequente encarceramento, as suffragettes recorreram a bombas, incêndios criminosos,
quebraram janelas e se acorrentaram a prédios públicos. Também realizaram marchas e atos
públicos, como o “Parlamento de Mulheres” de 1908, que reuniu 500 mil delas no Hyde Park,
em Londres. Presas, fizeram greve de fome para seguir chamando atenção do público para sua
pauta, passando a ser submetidas à alimentação forçada com tubos inseridos em suas
gargantas.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), acabou sendo decisiva para a conquista do direito ao
voto no Reino Unido. As sufragistas apoiaram como civis os esforços de guerra do país,
conquistando a simpatia de muitos dos que eram alheios à causa. Meses antes do fim da
guerra, em 1918, mulheres acima dos 30 anos com propriedades passaram a poder votar no
Reino Unido e Irlanda. Mulheres da classe trabalhadora ficaram de fora. A conquista do direito
ao voto por todas as britânicas acima de 21 anos ocorreu apenas em 1928, semanas após a
morte de Emmeline Pankhurst.

À margem das manifestações reconhecidas como parte dessa primeira onda do feminismo,
nos séculos 19 e início do 20, estavam mulheres operárias que se organizavam em sindicatos e
associações separadas dos homens, reivindicando melhores condições de trabalho.

O evento que deu origem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, tem
ligação com esses movimentos. Em 1908, 15 mil mulheres marcharam em Nova York
reivindicando jornadas de trabalho mais curtas, pagamentos mais justos e, também, o direito
ao voto. No ano seguinte, o Partido Socialista da América fez da data o primeiro Dia Nacional
da Mulher. A adoção mundial da data foi sugerida pela ativista feminista e socialista Clara
Zetkin (1857-1933).

Além de Zetkin, Rosa Luxemburgo (1871-1919) e Alexandra Kollontai (1872-1952) estavam


entre as mulheres que, paralelamente à organização das trabalhadoras fabris em diferentes
países, refletiam sobre a dupla opressão sofrida pela mulher operária e sobre sua função no
capitalismo.

Também é menos conhecida, na historiografia ocidental do feminismo, a emergência do


movimento em países orientais. No Japão, por exemplo, feministas pioneiras como Hiratsuka
Raicho (1886-1971) e Ichikawa Fusae (1893-1981), atuaram juntas pelos direitos políticos das
mulheres nas primeiras décadas do século 20. Raicho também criou a primeira revista literária
voltada para mulheres do país, a Seito, conhecida por desafiar a moral e o papel social
destinado às mulheres na época. Já Huda Sha'arawi (1879-1947) é conhecida como a
precursora do movimento de mulheres no Egito. Fundou em 1923 a União Feminista Egípcia,
que tinha como objetivo o sufrágio, reformas legislativas que ampliassem as liberdades das
mulheres egípcias e maior acesso à educação.

No Brasil, o tema da emancipação feminina já aparecia na imprensa, inclusive em publicações


editadas por mulheres, durante a segunda metade do século 19. Assim como em outros países,
o acesso à educação formal pelas mulheres era uma pauta importante nesse momento.

Destaca-se a figura de Nísia Floresta (1810-1885), educadora, escritora e poeta, pioneira do


feminismo do Brasil. Ela fundou em 1838, no Rio de Janeiro, o Colégio Augusto, voltado para
meninas. Seu modelo pedagógico era revolucionário por oferecer a elas o mesmo nível de
ensino disponível então somente para jovens do sexo masculino. Floresta colaborou ainda com
jornais e publicou 15 obras em diferentes idiomas, incluindo uma “tradução livre” de
“Reivindicação dos direitos das mulheres”, de Mary Wollstonecraft, lançada em 1832 com o
título “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”.

Já no século 20, a reivindicação do direito ao voto pelas mulheres também ganhou destaque
no Brasil, sobretudo a partir da fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino
em 1922. As sufragistas brasileiras também eram mulheres da elite.

FOTO: DOMÍNIO PÚBLICO

INTEGRANTES DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA PARA O PROGRESSO FEMININO, EM 1930

A bióloga Bertha Lutz (1894-1976) foi uma das figuras centrais desse movimento. Ela havia tido
contato com as sufragistas na Europa, onde realizou o ensino superior e, ao retornar ao Brasil,
se tornou a principal articuladora da organização. As pressões da federação resultaram na
instituição do voto feminino nacional pelo código eleitoral publicado em 1932 – até a década
de 1960, porém, só mulheres assalariadas podiam votar. Nas primeiras eleições em que as
brasileiras puderam exercer seu direito, em 1934, Lutz foi eleita deputada federal suplente,
tomando posse dois anos depois. Seu mandato foi curto: chegou ao fim com o golpe dado por
Getúlio Vargas em 1937, que fechou o Congresso e instituiu o Estado Novo. O golpe pôs fim
também às atividades da Federação Brasileira para o Progresso Feminino.

Envolvida no movimento sufragista britânico e na organização pacifista e operária Women’s


Co-operative Guild, a escritora Virginia Woolf (1882-1941) não só participou da movimentação
feminista de sua época como antecipou discussões que ganhariam maior reverberação entre
as feministas nas décadas posteriores. Para além de uma obra de ficção inovadora, Woolf
produziu ensaios fundamentais para o pensamento feminista do século 20, como “Um teto
todo seu”, de 1929, que trata do impacto da condição das mulheres sobre sua produção
literária, e “Três Guinéus”, de 1938, às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, no qual
relaciona ordem patriarcal e militarismo.

Para Woolf, experiências pessoais das mulheres poderiam ser a base para a transformação
social. Essa ideia se conecta com a definição aplicada à segunda onda do feminismo. Esse
período é associado ao slogan “o pessoal é político”, uma afirmação de que as experiências
pessoais das mulheres não eram insignificantes e estavam conectadas às estruturas de poder
que as oprimiam.

A segunda onda

As feministas identificadas com a segunda onda, delimitada entre as décadas de 1960 e 1980,
estavam interessadas em tratar da sexualidade, do prazer feminino, dos direitos reprodutivos
e da saúde da mulher, da violência doméstica, do estupro, e do trabalho doméstico não
remunerado realizado pelas mulheres.

Uma contribuição fundamental para esta geração e para as próximas foi feita em 1949, com a
publicação de “O segundo sexo” pela filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), uma
densa pesquisa sobre a condição feminina em diferentes momentos históricos. Ela introduziu a
ideia de que ser mulher não é uma determinação do sexo biológico, mas uma construção
social, expressa na famosa frase “não se nasce mulher, torna-se”. Nessa construção estaria a
base da opressão das mulheres. O valor atribuído por ela à experiência pessoal das mulheres
encorajou a percepção de uma irmandade entre elas devido à opressão compartilhada.

A infelicidade de mulheres americanas brancas e de classe média na década de 1960, por


exemplo, foi identificada por Betty Friedan (1921-2006) como uma questão coletiva, chamada
por ela de “problema sem nome”. No livro “A mística feminina”, publicado em 1963, ela
associa a insatisfação dessas mulheres a uma feminilidade idealizada, devotada à família e ao
casamento, que vinha sendo fortalecida social e culturalmente a partir do pós-guerra. Com
grande repercussão nos EUA e em outros países, incluindo o Brasil, a obra é creditada por ter
desencadeado a segunda onda no país.

A chegada da pílula anticoncepcional ao mercado nos anos 1960 desempenhou um papel


determinante para a ampliação da liberdade sexual feminina e para o planejamento familiar
de mulheres casadas. A invenção de um método contraceptivo eficaz e reversível foi
influenciada pela atuação da enfermeira e ativista pelo controle de natalidade Margaret
Sanger (1879-1966), que desde o início do século 20 buscava garantir acesso à informação e
aos métodos de prevenção de gravidez para mulheres nos EUA. Sanger ajudou a viabilizar
financeiramente as pesquisas realizadas na década de 1950 que deram origem à pílula.

O episódio da “queima de sutiãs” que ficou associado (muitas vezes com uma carga
estereotipada e antifeminista) às feministas por décadas ocorreu nessa época, nos EUA. O
contexto foi o de um protesto realizado pelo Movimento de Libertação das Mulheres em 1968
contra o concurso de beleza Miss América.

Centenas de feministas foram a Atlantic City protestar contra o evento, denunciando a


objetificação e o racismo promovidos por ele. Uma de suas ações foi montar uma “lata de lixo
da liberdade”, na qual jogavam itens associados à feminilidade tradicional, entre os quais
estavam os sutiãs e revistas Playboy. Na prática, os objetos não foram queimados, mas o mito
criado pelas notícias sobre o evento perdurou e se cristalizou na reação contrária ao
feminismo que se fortaleceu nos anos 1980.

Em 1975, o antropólogo Gayle Rubin (1949) fez uma contribuição teórica importante para o
feminismo: no ensaio “O tráfico de mulheres, notas sobre a economia política do sexo”,
formula a existência de um “sistema sexo-gênero”. Cria assim um novo conceito, o do gênero,
caracterizado como uma “divisão de sexos imposta socialmente”. Ele dá forma ao que
feministas como Simone de Beauvoir já vinham afirmando há décadas: as identidades de
homens e mulheres não são dadas pela biologia, mas socialmente construídas.

Assim como era o caso em relação às sufragistas, mulheres de outras classes e identidades
raciais tinham demandas distintas em relação às mulheres brancas e de classe média que são
colocadas como protagonistas da segunda onda. Reivindicar o direito de trabalhar fora de
casa, por exemplo, não fazia sentido para mulheres negras e pobres, que haviam trabalhado
fora desde sempre.

O ativismo e o pensamento de mulheres negras sobre sua dupla opressão, de gênero e raça, já
vinha de longa data, como indica a já mencionada trajetória de Sojourner Truth. A partir da
década de 1960, porém, elas passam a afirmar a necessidade de falar em um feminismo negro,
no qual a temática racial estivesse, junto com a opressão de gênero, em primeiro plano.
A discussão sobre racismo e preconceito de classe dentro de feminismo ganhava maior
destaque. Em 1981, Angela Davis (1944) publica “Mulheres, raça e classe”, um divisor de águas
na análise histórica da luta das mulheres à luz de questões de raça e classe. Ativista,
pesquisadora e professora, Davis era conhecida por sua atuação no movimento dos direitos
civis negros na década de 1960 e por sua participação na organização revolucionária Panteras
Negras.

No Brasil, assim como em outros países da América Latina, a mobilização das mulheres contra
o machismo nas décadas de 1960 e 1970 tinha um pano de fundo específico: a ditadura militar
(1964-1985). Entre as muitas publicações da imprensa alternativa da época, houve também
importantes periódicos feministas, como Nosotras, Mulherio e Brasil Mulher. Além disso,
mesmo em um contexto de repressão, grupos feministas se formaram em cidades como Rio de
Janeiro e São Paulo – e também no exílio, em países como Estados Unidos, Chile e França.

Sua atuação, porém, era vista com hostilidade por setores da esquerda, que consideravam
secundárias as pautas feministas relacionadas, por exemplo, à sexualidade e à autonomia das
mulheres sobre o próprio corpo. Na visão desses setores, a redemocratização, a anistia e as
diferenças de classe deveriam ter prioridade e o feminismo estaria “desviando” seu foco.

As mulheres não deixaram de militar também por essas questões em função de sua atuação
feminista. Em 1975, por exemplo, fundaram o Movimento Feminino pela Anistia, liderado pela
advogada Therezinha Zerbini e pioneiro na reivindicação do retorno de exilados políticos ao
país. Maria Amélia de Almeida Teles (1944) militou contra o regime militar, pelo qual foi presa
e torturada, e, ao mesmo tempo, foi uma das feministas a encabeçarem a luta por creches
entre o final dos anos 1970 e início dos 1980.

A discussão sobre raça e a articulação da população negra por direitos também estava a pleno
vapor no Brasil da década de 1970. Lélia Gonzalez (1935-1994), antropóloga, filósofa,
professora, escritora e ativista dos movimentos feminista e negro, participou da fundação do
Movimento Negro Unificado em 1978, e do Coletivo de Mulheres Negras N'Zinga, em 1983.
Sua obra dá destaque ao protagonismo negro, sobretudo de mulheres, na formação social e
cultural do Brasil, mas é ainda pouco lida e conhecida.

Na redemocratização, o movimento de mulheres seguiu ativo e participou da Assembleia


Nacional Constituinte de 1987-1988, pressionando por direitos e participando da elaboração
do novo texto constitucional, em uma articulação que ficou conhecida como o “lobby do
batom”.

A terceira onda

Iniciada nos anos 1990, a “terceira onda” foi antecedida por uma forte reação contrária ao
feminismo pela política conservadora dos anos 1980 em países como EUA e Reino Unido e pelo
rumor de que haveria começado uma era “pós-feminista”, na qual a luta das mulheres por
igualdade estaria superada. Trabalhos teóricos e reivindicações emergidos a partir do final da
década de 1980, porém, mostraram que a desigualdade continuava presente e levaram o
debate sobre o gênero para uma nova direção.

Em 1990, a filósofa americana Judith Butler (1956) lança o livro “Problemas de gênero”, no
qual, em resumo, defende que o gênero é fluido, não binário, e performativo – criado pela
repetição de atos, que dão a ilusão de uma identidade natural e estável. Uma das pioneiras da
teoria queer, Butler afirma que não só o gênero como o sexo e a sexualidade são construídos
para terem uma correspondência específica: a da heteronormatividade.

A emergência da teoria queer abriu caminho para uma participação mais destacada de outras
categorias além de mulheres cisgênero no feminismo, dando origem a novas ramificações do
movimento, como o transfeminismo.

O conceito de interseccionalidade, introduzido em 1989 pela americana Kimberlé Crenshaw


(1959), também reverberou nos debates da terceira onda em diante. Ainda que não fosse
propriamente uma novidade, já que feministas negras americanas como Angela Davis, bell
hooks (1952) e Audre Lorde (1934-1992) já tratavam do entrecruzamento entre o machismo e
outras formas de opressão, o termo se converteu em uma vertente feminista e fez tornar mais
difundida a compreensão de que diferentes aspectos da identidade podem se combinar para
criar formas específicas e potencializadas de opressão.

A partir da década de 1980, além disso, o feminismo pós-colonial e indígena haviam colocado
o imperialismo e o colonialismo na equação do gênero. Eles fazem a crítica das teorias
feministas formuladas nos países ocidentais desenvolvidos e se concentram nas questões
vivenciadas por mulheres no mundo pós-colonial. A indiana Chandra Mohanty (1955) é uma
das autoras que fizeram contribuições fundamentais a essa vertente, como o ensaio “Sob
olhos ocidentais: estudos feministas e discursos coloniais”, de 1986.

A quarta onda?

Com protestos nas ruas, campanhas nas redes sociais, novos coletivos organizados por
mulheres jovens e uma proliferação de sites e blogs feministas a partir dos anos 2010, muitos
têm anunciado a chegada de uma nova onda feminista. Essa movimentação tornou o
feminismo mais mainstream e tem tido impacto na cultura, nas relações sociais, nas
instituições e na política institucional. São centrais temas como a violência sexual e a
representatividade.

Em 2011, estudantes canadenses organizaram a primeira Marcha das Vadias. Elas saíram às
ruas com o corpo à mostra para protestar contra a culpabilização de uma colega que havia sido
vítima de violência sexual por uma autoridade policial. A marcha chega ao Brasil no mesmo
ano e, assim como em outros países do mundo, ocorre anualmente por aqui em dezenas de
cidades.

Em 2012, a paquistanesa Malala Yousafzai (1997) se tornou um símbolo do direito de meninas


a estudar ao ser baleada na cabeça por desafiar o Talibã.

No mesmo ano, uma palestra gravada em vídeo da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi
Adichie (1977) intitulada “Sejamos todos feministas”, hoje publicada também em livro, se
tornou viral. Ela discute visões negativas sobre o feminismo na sociedade e defende a
importância de que todas as pessoas, e não só as mulheres, sejam feministas.

As hashtags se tornaram uma importante ferramenta de mobilização feminista, permitindo


que mulheres de todo o mundo manifestem sua indignação e se sintam respaldadas pelos
relatos de outras, passando a também expor publicamente suas experiências ligadas ao
machismo. Em 2015, as argentinas protestaram contra o feminicídio com o #NiUnaMenos.

No Brasil, campanhas como #ChegadeFiuFiu, lançada em 2013 contra o assédio sexual em


espaços públicos, #MeuPrimeiroAssédio e #MeuAmigoSecreto, ambas de 2015, trouxeram à
tona a onipresença velada do assédio na vida das mulheres. Também em 2015, as brasileiras
foram às ruas em várias cidades brasileiras em um movimento que ficou conhecido como
Primavera Feminista.

Em 2017, as americanas reagiram à eleição do presidente Donald Trump com uma


manifestação histórica contra o presidente em várias cidades. A maior delas, na capital
Washington, tinha quase 500 mil pessoas. Elas se posicionavam contra condutas misóginas do
presidente eleito e os retrocessos que seu governo poderia trazer para os direitos das
mulheres, por exemplo suspendendo o direito ao aborto legal.

No fim do mesmo ano, a explosão de um escândalo envolvendo alegações de abuso sexual


cometidas sistematicamente ao longo de anos contra mulheres pelo produtor de Hollywood
Harvey Weinstein deflagrou o movimento #MeToo (eu também). Acusações contra homens
poderosos se multiplicaram em diferentes áreas e países.

Às vésperas das eleições brasileiras de 2018, mulheres lideraram grandes protestos em


diversas cidades brasileiras contra o então candidato Jair Bolsonaro, manifestando sua
oposição também nas redes sociais por meio da hashtag #elenão. Os atos foram declarados
como a maior manifestação de mulheres na história do Brasil.

QUANDO o feminismo venceu


Desde o surgimento do feminismo moderno, o movimento obteve uma série de conquistas
concretas que têm impacto sobre a vida e a autonomia de mulheres ao redor do mundo.

A aquisição desses direitos, no entanto, nem sempre é definitiva e linear. Tampouco ocorre
simultaneamente em todo o mundo, para todas as mulheres. A filósofa Simone de Beauvoir
alertava bastar “uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres
sejam questionados”. Segundo ela, esses direitos não são permanentes. “Vocês devem se
manter vigilantes durante toda a vida”, disse.

Direito à educação

Primordial para as precursoras do feminismo, o direito das mulheres ao ensino era


fundamental para garantir que elas tivessem a oportunidade de se desenvolver
intelectualmente e de exercer profissões que eram domínio exclusivo de homens. Embora haja
registros pontuais de mulheres em universidades europeias desde o século 13, a
institucionalização da educação oferecida às mulheres só ocorreu a partir do século 18, a
princípio com escolas e universidades voltadas exclusivamente para elas.

No Brasil, durante o período colonial, mulheres tinham acesso muito restrito ou nulo à
escolarização – sua única possibilidade de estudar era ser educada em casa, por um preceptor,
caso tivessem condições, ou na clausura dos conventos. De 1827, a primeira legislação do país
a padronizar o ensino primário contemplava o ensino de alunas do sexo feminino, mas era
discriminatória: elas não aprendiam todas as disciplinas ensinadas aos meninos,
principalmente as consideradas mais “racionais” como a geometria. Em compensação,
deveriam aprender as “artes do lar”, sendo treinadas para realizar o trabalho doméstico e
assumir futuros papéis de esposa e mãe. Em meados do século 19, o acesso das mulheres à
educação era defendido publicamente no país por intelectuais feministas como Nísia Floresta.
O direito de cursar o ensino superior foi oficialmente estendido às mulheres por uma lei de
1879.

Direitos políticos

Outro dos principais aspectos da exclusão das mulheres da esfera pública era sua ausência de
direitos políticos: elas não faziam parte do eleitorado, não podiam se candidatar nem ocupar
cargos públicos. O movimento pelo sufrágio feminino irrompeu na segunda metade do século
19, obtendo os primeiros ganhos na virada para o século 20. De início, muitas vezes, mulheres
obtinham o direito de votar em eleições locais, conquistando só mais tarde o voto em nível
nacional.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), elas haviam alcançado o direito ao voto em mais
de cem países. Em vigor a partir de 1954, a Convenção sobre os direitos políticos das mulheres,
elaborada pelas Nações Unidas, estabeleceu que mulheres teriam o direito de votar em todas
as eleições nos mesmos termos que os homens, sem nenhuma discriminação. O último país a
assegurar esse direito às mulheres foi a Arábia Saudita, onde elas puderam votar pela primeira
vez apenas em 2015.

Liberdades civis

Por muito tempo, as mulheres não possuíam autonomia legal, estando submetidas à tutela de
pais, irmãos ou maridos. Muitas vezes não podiam, sem autorização de terceiros, ser
proprietárias, ter conta em banco, viajar sozinhas e trabalhar fora de casa, entre outros
impedimentos. No século 19, elas começaram a conquistar, pontualmente em determinados
lugares do mundo, direitos financeiros, como o de herdar bens e ter controle sobre o próprio
patrimônio. A igualdade jurídica só seria amplamente formalizada em textos constitucionais do
século 20.

No casamento, o marido tinha de modo geral direitos irrestritos sobre a esposa, considerada
sua propriedade. O código penal brasileiro de 1890, por exemplo, dava brecha para que ele
pudesse matá-la sem ser punido alegando “legítima defesa da honra” em caso de adultério.

Ele poderia, segundo a legislação de diferentes países, dispor sobre os bens da esposa,
“discipliná-la” fisicamente e violentá-la sem que a lei reconhecesse a prática como estupro. A
solicitação do divórcio era vetada ou muito dificultada para as mulheres, sendo válida na
prática apenas para os homens. A conquista de direitos iguais no casamento também foi fruto
da mobilização de mulheres a partir do século 19. Vale dizer que o Brasil foi um dos últimos
países do mundo a instituir o divórcio, fazendo-o apenas em 1977 e que mulheres
“desquitadas” eram alvo de grande preconceito.

Em 2018, as mulheres passaram a poder dirigir na Arábia Saudita, direito que não possuíam
até então.

Direitos trabalhistas

Houve conquistas relevantes também no âmbito do trabalho. A licença-maternidade


remunerada virou lei em muitos países, junto com a adoção de mecanismos legais que buscam
impedir a demissão durante ou logo após a gravidez, tendo sido concedida em caráter pioneiro
na Alemanha do fim do século 19. Reivindicada por mulheres desde o início de seu trabalho na
indústria, a equiparação salarial em relação a homens que exercem a mesma função também é
legalmente reconhecida por uma série de países desde meados do século 20, com destaque
para greves importantes de mulheres no Reino Unido (1970) e Islândia (1976) que
pressionaram para isso.

Um dos primeiros tratados internacionais a mencionar a igualdade de direitos entre homens e


mulheres foi a Carta das Nações Unidas, documento elaborado em 1945 no contexto da
fundação da entidade internacional. Entre as pouquíssimas mulheres que participaram de sua
redação estava a feminista brasileira Bertha Lutz, que, junto a outras representantes latino-
americanas, foi essencial para a inclusão da frase.

Direitos reprodutivos

As mulheres avançaram ainda, de modo geral, na garantia de seus direitos reprodutivos, que
incluem o direito à informação sobre como prevenir uma gravidez, ao acesso à contracepção e
à interrupção da gravidez.

Até o século 20, os métodos contraceptivos existentes eram rudimentares e pouco acessíveis.
Tanto a Igreja quanto a sociedade viam-nos com desconfiança, por encorajarem relações
sexuais fora do casamento. Mulheres pobres eram as mais afetadas pela falta de informação e
acesso à contracepção. Era comum que tivessem muitos filhos e recorressem a abortos
inseguros, não raro realizados por conta própria. Políticas de planejamento familiar foram
introduzidas no século 20 e, a partir da década de 1960, a pílula anticoncepcional passou ser
amplamente disponibilizada para as mulheres em várias partes do mundo, levando a um salto
considerável na eficácia em relação aos métodos mais utilizados até então.

Ao redor do mundo, mulheres lutaram pelo direito ao aborto ao longo do século 20, obtendo
alguns ganhos a partir dos anos 1960 em países como os EUA (em 1973, quando a Suprema
Corte reconheceu o direito ao aborto a nível nacional no caso Roe contra Wade) e a França
(com a lei Veil, que entrou em vigor em 1975). Houve também vitórias mais recentes neste
âmbito, em países como Portugal, Uruguai, Irlanda, Irlanda do norte, que o conquistaram nos
anos 2000 e 2010. A Rússia foi o primeiro país a legalizar o aborto após a Revolução
Bolchevique, em 1920. Esse direito foi revogado mais tarde mas é atualmente assegurado no
país até 12ª semana de gestação.

O Brasil é um dos países a adotarem ainda hoje uma legislação restritiva ao aborto, que só é
permitido em três casos: quando a gravidez resulta de estupro, implica risco para a vida da
mãe ou se o feto é anencéfalo. Em anos recentes, ativistas pelos direitos das mulheres
tentaram avançar rumo à descriminalização, mas se veem atualmente mais focadas em conter
retrocessos. Uma série de projetos que tramitam no Congresso visam a proibir a interrupção
de gravidez em qualquer circunstância. Eles têm sido alvo de lobby de parlamentares
antiaborto, que procuram acelerar seu andamento.

Integridade física

O feminismo também provocou uma mudança significativa na forma como a sociedade encara
a violência contra as mulheres. Vista no passado como um assunto privado, “de marido e
mulher”, a violência doméstica se tornou uma questão política e um problema social a ser
combatido com leis e políticas públicas. A criminalização e as ações de proteção às vítimas –
como a criação de abrigos – começaram a acontecer em diferentes países na segunda metade
do século 20. O movimento feminista também agiu e segue agindo para modificar uma cultura
que responsabiliza as mulheres pela violência sofrida.

No Brasil, a lei Maria da Penha, de 2006, de combate à violência doméstica, a lei do


feminicídio, de 2015, que agrava a pena de assassinatos cometidos com motivação ligada ao
gênero e a lei de importunação sexual, de 2018, que trata do abuso sexual e da divulgação de
imagens íntimas, foram resultado de mobilizações históricas do movimento feminista
brasileiro com relação a esses temas.

Em 1993, as Nações Unidas reconheceram a mutilação genital feminina como uma forma de
violência contra a mulher, e, portanto, uma violação aos direitos humanos. Com isso, em
décadas recentes, ela vem sendo crescentemente coibida ao redor do mundo. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, 26 países da África e do Oriente Médio contam hoje com leis
que criminalizam a prática. Legislações do tipo também estão presentes em 33 outros países
onde há populações oriundas de países onde ela é praticada.

Sem razões médicas ou benefícios à saúde, a mutilação genital feminina remove total ou
parcialmente os órgãos genitais femininos externos, como o clitóris e dos grandes e/ou
pequenos lábios. Além de ter impacto sobre a saúde mental e, normalmente, impossibilitar o
prazer sexual, gera complicações como hemorragias graves, dificuldades para urinar, infecções
e problemas ao dar à luz futuramente, aumentando o risco de morte de recém-nascidos.

Contra estupros e assédios

O silêncio em torno da violência sexual, a culpabilização das vítimas e a ideia de que


estupradores são movidos por impulsos naturais, por uma sexualidade masculina
incontrolável, que é de alguma forma “ativada” pela mulher (por conta do que ela está
vestindo, por exemplo), vêm sendo combatidos pelas feministas pelo menos desde a década
de 1970.

Elas politizaram esses atos, definindo-os como demonstrações masculinas de poder e controle
sobre o corpo das mulheres, e contribuíram para tornar pública a conversa a respeito deles,
incentivando que mulheres denunciem seus agressores.

Nos anos 2010, os abusos sofridos em universidades, nas ruas, no ambiente profissional
levaram mulheres a compartilhar em massa suas experiências, em campanhas de grande
adesão e impacto. Entre elas, o #MeToo, que teve início em 2017 com as alegações de assédio
de mulheres contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein é visto como um marco
mundial na conscientização pública sobre o assédio sexual e na responsabilização de figuras
poderosas, praticamente inédita. Weinstein foi condenado em fevereiro de 2020 por estupro e
assédio sexual, em um julgamento considerado histórico para as mulheres.
ONDE o feminismo ainda é reprimido

O feminismo ainda é perseguido abertamente pelo Estado em diversos países, com ativistas
sendo presas e até torturadas. Um dos grupos opositores ao regime saudita, ativistas pelos
direitos das mulheres foram presas em massa em 2018, torturadas e violentadas, algo que o
governo saudita nega. Elas protestavam contra a proibição de que mulheres dirijam no país.
Algumas mulheres foram soltas em maio de 2019, mas ainda enfrentarão julgamento. A
ativista Loujain al-Hathloul, que recusou um acordo em que negaria ter sido torturada em
troca de sua saída da prisão, continua presa.

Na China, cinco ativistas feministas foram presas às vésperas do Dia Internacional da Mulher
em 2015. Elas haviam planejado distribuir adesivos contra o assédio sexual no transporte
público. Mantidas em um centro de detenção por 37 dias, acabaram sendo liberadas devido
aos protestos e a atenção internacional que sua prisão provocou. O movimento não só
sobreviveu à repressão do governo como cresceu em anos recentes.

Autoridades russas abriram em 2018 uma investigação sobre o conteúdo postado pela
blogueira feminista Lyubov Kalugina. A acusação é de que o material, que inclui memes,
incitaria o ódio aos homens, e pode render a ela cinco anos de prisão. Yulia Tsvetkova, ativista
pelos direitos das mulheres e da população LGBTI, foi multada pelo governo russo sob a
acusação de disseminar “propaganda homossexual”. Em prisão domiciliar desde novembro de
2019, enfrenta ainda a acusação de produzir e disseminar pornografia por ter postado nas
redes sociais desenhos da genitália feminina. Ela pode ser punida com até seis anos de prisão.
Há ainda as várias prisões já sofridas pelas ativistas e integrantes da banda punk feminista
Pussy Riot, opositora do governo russo, em retaliação a seus protestos.

Shaparak Shajarizadeh, ativista iraniana pelos direitos das mulheres, foi presa diversas vezes
em protestos que desafiaram o uso obrigatório do hijab no país, e condenada a vinte anos de
prisão em 2018 por ter removido o véu em público. Oficialmente, foi acusada e condenada por
incentivar a prostituição, fazer propaganda contra o governo e agir contra a segurança
nacional. Shajarizadeh fugiu do país e obteve asilo no Canadá. A jornalista e ativista iraniana
Masih Alinejad, que mora nos EUA, teve familiares presos no Irã em 2019 como estratégia de
intimidação por também defender a campanha “quarta-feira branca”, que encorajou iranianas
a irem contra, nas redes sociais e nas ruas, o rígido código de vestimenta imposto às mulheres.

Em diferentes níveis, no entanto, feministas em todo o mundo convivem hoje com a


perseguição de opositores, frequentemente online. A internet se tornou um terreno fértil para
ameaças e insultos a ativistas como a brasileira Lola Aronovich, professora da Universidade
Federal do Ceará e autora de um blog feminista desde 2008. Por sua defesa do feminismo, Lola
foi ameaçada e atacada ao longo de cinco anos, de 2013 a 2018, por um homem hoje
condenado e preso.
Em 2018, a antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Debora Diniz, foi forçada a
deixar o Brasil após receber ameaças de morte e ser incluída no Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos do governo federal. Diniz teve uma atuação importante na
ação que levou à descriminalização do aborto em caso de feto anencéfalo pelo Supremo
Tribunal Federal, em 2012.

COMO o feminismo é atacado

A reação contrária ao feminismo o acompanha desde o início de sua história. À época do


movimento sufragista, periódicos e entidades anti-sufrágio emergiram e não só se
posicionavam contra a extensão do direito ao voto às mulheres como também ridicularizavam
e legitimavam a violência contra as ativistas.

A retórica de cartuns publicados então difere pouco dos ataques a feministas no presente:
também as chamava de mal-amadas, apelava à feminilidade tradicional e ao papel da mulher
no lar, acusava-as de serem promíscuas e, ao mesmo tempo, de odiarem os homens,
antevendo a submissão humilhante deles como consequência da conquista do direito ao voto.

Segundo Diane Lamoureux, professora de filosofia política na Universidade Laval e Francis


Dupuis-Déri, professor de ciência política da Universidade do Quebec em Montreal, ambas no
Canadá, o antifeminismo é ativado para “proteger a dominação masculina e
consequentemente dificultar, impedir, fazer recuar o movimento pela liberdade, igualdade e
dignidade das mulheres frente aos homens”.

Ambos organizam e são autores da introdução do livro “Les antiféminismes: analyse d’un
discours réactionnaire” (Os antifeminismos: análise de um discurso reacionário), publicado em
2015.

O antifeminismo se adapta às transformações do próprio feminismo, tendo assumido


diferentes formas ao longo de mais de um século. Com frequência, porém, ele segue três
linhas argumentativas básicas: a da ameaça, segundo a qual o feminismo põe em risco a ordem
divina, a ordem natural, a nação, a família, os homens ou a juventude; a da inutilidade, que
duvida de sua capacidade de realmente transformar as relações de gênero e, por fim, a do
efeito perverso que ele teria para as próprias mulheres.

Esses ataques não se restringem ao campo conservador. Na introdução ao livro “Os


antifeminismos”, Lamoureux e Dupuis-Déri lembram que, embora o antifeminismo tenha sido
em grande parte associado à direita conservadora e ao neoliberalismo em anos recentes, ele
está presente em todo o espectro político. “A esquerda insiste em culpar o feminismo por
[representar] uma ‘distração’ da luta de classes”, escrevem.
Publicado em 1991 nos Estados Unidos, o livro “Backlash: o contra-ataque na guerra não
declarada contra as mulheres” é um marco no assunto. No livro, que se tornou um best-seller,
a jornalista e pesquisadora americana Susan Faludi busca demonstrar a existência de uma
reação contrária ao feminismo nos EUA, liderada pela direita e alimentada pela mídia
americana.

Ela trata especificamente de como avanços promovidos pelo movimento feminista americano
nos anos 1970 vinham sendo associados a uma série de problemas, como uma suposta
“epidemia de infertilidade”, que recaíam sobre as mulheres nos anos 1980. Muitas dessas
dificuldades eram falsas, segundo Faludi, construídas sem uma base confiável. A autora
também vê essa reação como uma tendência histórica, que se repete sempre que as mulheres
obtêm ganhos significativos em sua luta por igualdade.

Ainda que já fosse expressado com virulência no passado, o antifeminismo encontrou na


internet um novo espaço para se manifestar, no qual mulheres que reivindicam direitos iguais
são identificadas como “feminazis”.

Um artigo publicado em 2017 na revista latino-americana de ciências sociais Nueva Sociedad


descreve a perseguição sofrida por feministas nas redes. Muitos desses ataques partem da
“manosphere”, subcultura masculinista, misógina e antifeminista da internet ligada à “alt-
right”, ala da extrema direita internacional que se fortaleceu em fóruns e sites a partir dos
anos 2000 e que defende também, por exemplo, a supremacia branca e o antissemitismo. A
radicalização crescente desses grupos já desembocou em atos de violência offline perpetrados
por “incels” (involuntariamente celibatários), homens que culpam as mulheres por não
conseguirem se relacionar afetiva e sexualmente com elas.

“Ainda que o antifeminismo preceda as redes sociais, novos repertórios de reação contra as
feministas surgiram com a chegada da internet. A violência online se materializa por meio de
diversas formas de assédio, perseguição e abuso. O clima ideológico propiciado pela ‘direita
alternativa’ – racista, xenófoba e machista – alimenta boa parte desse movimento. Mesmo
assim, muitas feministas levantam a voz, não se deixam amedrontar e buscam formas de
resistir e consolidar os avanços conquistados”, escreve a jornalista Verónica Engler no artigo.

A ascensão recente da extrema direita no Brasil e no mundo tem sido, em parte,


compreendida por pesquisadores como uma reação ao fortalecimento do feminismo e de
outras lutas sociais, que atingiram uma capilaridade social inédita na última década.

É representativa dessa articulação a realização do 1° Congresso Antifeminista do Brasil, em


2018, no auditório da Igreja de Sant’Anna no Rio de Janeiro. O evento organizado pela ex-
feminista Sara Winter reuniu entre 150 e 300 pessoas, em sua maioria homens, contrárias à
“desconstrução moral da mulher” que consideram ser causada pelo feminismo.
Em países da América Latina, como o Brasil, e da Europa o combate a uma alegada “ideologia
de gênero” tem sido a atual faceta da reação histórica às transformações impulsionadas pelo
feminismo. A categoria foi criada ainda na década de 1990 pela direita religiosa, em um
contexto no qual o conceito de gênero começava a ser adotado pelas Nações Unidas. É usada
para acusar um suposto ataque aos valores da família tradicional, indo contra o feminismo e os
direitos LGBTI, em especial de pessoas transexuais.

No caso do governo de Jair Bolsonaro, a ofensiva a essa “ameaça” tem tido impacto em sua
política educacional, cultural e também na política externa.

O “problema” do gênero se tornou alvo de atenção do Vaticano nos anos 2000, quando passou
a ser mencionado em diversos documentos. Para a doutrina católica, a ideia de que gênero e
sexo biológico são coisas distintas desafia a ordem divina. Mais de uma década depois, porém,
o gênero passou a ser atacado por mobilizações políticas que aglutinam atores conservadores
variados, não mais exclusivamente religiosos, que têm o feminismo como um de seus
principais (se não o principal) alvos.

Ao Nexo a ativista e pesquisadora Sonia Corrêa afirma que a aversão aos feminismos ocorre
porque “mexem com estruturas muito sedimentadas em todas formações sociais. Viram as
coisas de cabeça pra baixo”.

Movimentos conservadores o elegem como alvo, segundo ela, porque “ordens políticas e
hierárquicas assimétricas e desiguais se sustentam em sistemas sexo/gênero que também são
assim. É preciso enfiar o gênio de volta na garrafa. E o debate sobre gênero e sexualidade não
é lateral, secundário, uma pauta dos costumes ou da moral, menos importante. Os
conservadores sabem muito bem disso, por isso fizeram dele uma de suas pautas principais”.

POR QUE o feminismo é essencial no século 21

Na reação contemporânea ao feminismo, um dos argumentos é que as mulheres já teriam


conquistado tudo e gozariam, hoje, de até “mais direitos do que os homens”. Essa ideia,
definida pelo termo pós-feminismo, se popularizou na década de 1980.

Embora exista atualmente, em muitos aspectos, igualdade formal entre mulheres e homens –
reconhecida, por exemplo, nas leis – a igualdade material, ou seja, concreta, ainda precisa
avançar.

Mesmo com as conquistas dos últimos séculos, mulheres ainda vivenciam uma série de
desigualdades por conta de seu gênero: são assassinadas por companheiros e ex-
companheiros, realizam a maior parte do serviço doméstico, mesmo quando trabalham fora,
são minoria em cargos de liderança e ganham menos do que os homens realizando a mesma
ocupação, ainda que tenham, em média, escolaridade mais alta. Convivem com o assédio
sexual desde a adolescência, na rua, no transporte público, no trabalho.

Na edição de 2020 do estudo “Women, business and the law” (“Mulheres, negócios e a lei”) do
Banco Mundial, que mede a igualdade legal e econômica entre os gêneros em diferentes
países, apenas oito países do mundo obtiveram a pontuação máxima no índice do estudo:
Bélgica, Dinamarca, França, Islândia, Letônia, Luxemburgo, Suécia e Canadá. O Brasil fez 81,9
pontos, ficando atrás de países como África do Sul, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

Um outro estudo divulgado em 2020 pelo Fórum Econômico Mundial projeta que, dada a
lentidão dos avanços na igualdade de gênero no mundo entre 2006 e 2020, serão necessários
257 anos para superar as desigualdades entre mulheres e homens nos mais de cem países
analisados.

EM ASPAS

“Não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens, mas sobre si mesmas”

Mary Wollstonecraft

Escritora e filósofa britânica

“Poucas tarefas são mais parecidas com a tortura de Sísifo do que o trabalho doméstico, com
sua repetição sem fim: a limpeza se torna sujeira, a sujeira vira limpeza, de novo e de novo, dia
após dia. A dona de casa se desgasta marcando o tempo: ela não cria nada, apenas perpetua o
presente. A batalha contra a poeira e a sujeira nunca é vencida”

Simone de Beauvoir

Filósofa e escritora francesa

“Ao longo da maior parte da história, ‘anônimo’ era uma mulher”

Virginia Woolf
Escritora britânica

“Você pode me fuzilar com palavras /E me retalhar com seu olhar /Pode me matar com seu
ódio /Ainda assim, como ar, eu me levanto”

Maya Angelou

Escritora e poeta americana

“Não sou livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam
diferentes das minhas”

Audre Lorde

Escritora e ativista americana, autora de 'Irmã outsider'

“Tentei destruir a imagem da mais bela mulher da história da mitologia como um protesto
contra o governo por destruir a sra. Pankhurst, a mais bela personagem da história moderna”

Mary Richardson

Sufragista britânica que rasgou em 1914 o quadro ‘Vênus ao espelho’, de Diego Velázquez,
protestando contra a alimentação forçada da líder Emmeline Pankhurst na prisão

“As mulheres do mundo ainda sofrem violência, são sobrecarregadas de trabalho e ganham
um salário menor. Percorremos um longo caminho na conscientização e fizemos muitos
progressos, mas esse é só o começo”

Gloria Steinem

Em entrevista à revista Forbes, em 2011

“Algumas pessoas me perguntam: ‘Por que usar a palavra feminista? Por que não dizer que
você acredita nos direitos humanos, ou algo parecido?’ Porque seria desonesto. O feminismo
faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral - mas escolher uma
expressão vaga como ‘direitos humanos’ é negar a especificidade e particularidade do
problema de gênero. Por séculos, os seres humanos eram divididos em dois grupos, um dos
quais excluía e oprimia o outro. É no mínimo justo que a solução para esse problema esteja no
reconhecimento desse fato”

Chimamanda Ngozi Adichie

No livro “Sejamos todos feministas”

“Há pouquíssimo tempo, eu acreditava que a minha geração teria sido, talvez, a última
empenhada na luta das mulheres. Até que um vozerio, marchas, protestos, campanhas na
rede e meninas na rua se aglomeraram. Levei um susto. Um susto alegre. Mais ainda ao
perceber que aqueles não seriam gritos passageiros. Pelo menos, ninguém menor de dezoito
anos precisava disfarçar seu feminismo, como era a tônica das simpatizantes do movimento no
meu tempo. Elas chegaram e falaram, quiseram, exigiram. E, para meu maior espanto, suas
demandas feministas estão sendo ouvidas como nunca”

Heloísa Buarque de Hollanda

No livro 'Explosão feminista'

NA ARTE

Embora muitas precursoras, como a mexicana Frida Kahlo (1907-1954), tenham antecipado
aspectos da arte feminista, foi a partir da década de 1960 que mais mulheres artistas
começaram, de fato, a reivindicar este título e a incorporar um discurso abertamente feminista
em sua produção.

Elas buscaram desafiar o cânone masculino e seus suportes tradicionais, como a pintura e a
escultura, e adotaram formas de expressão inovadoras – a performance e a instalação, por
exemplo – questionando ao mesmo tempo os espaços convencionais do mundo da arte.

A experiência das mulheres e as diversas dimensões de sua opressão, como o controle imposto
sobre corpo feminino, a violência de gênero e seu confinamento no ambiente doméstico, se
tornaram temas centrais para as artistas, que também procuravam valorizar a história das
mulheres e resgatar figuras femininas esquecidas.
As artistas não eram as únicas refletindo sobre essas desigualdades. Em 1971, a historiadora
feminista Linda Nochlin (1931-2017) publicou o paradigmático ensaio “Por que não houve
grandes artistas mulheres?”, que confronta a ideia do gênero artístico masculino com uma
perspectiva feminista. Nochlin aponta os fatores sociais e econômicos que impediram
mulheres de alcançar o mesmo status que os homens nas artes.

A arte feminista se espalhou por diversos países ao longo das décadas de 1960 e 1970, mas foi
bastante forte nos Estados Unidos, onde foram produzidas obras que se tornaram
emblemáticas.

No início dos anos 1970, a americana Judy Chicago fundou, com a colaboração de outras
artistas, um Programa de Arte Feminista pioneiro no país. Implementado na Universidade
Estadual da Califórnia e, pouco depois, também no Instituto de Artes da Califórnia, o programa
possibilitou que alunas recebessem uma formação específica, baseada no estudo de escritoras
e artistas mulheres e em sessões de discussão.

O objetivo era capacitá-las para explorar técnicas e temas condizentes com suas experiências
enquanto mulheres. O programa também as preparava para ser confiantes, enfrentando
“aspectos de sua socialização como mulheres que as impedia de se levarem a sério e a traçar
objetivos ambiciosos”.

Um projeto marcante desenvolvido por artistas envolvidas no Programa de Arte Feminista foi
“Womanhouse” (Casa de mulher, em tradução livre), exposição e instalação coletiva de 1972.
Obras e performances de mais de 20 artistas ocuparam durante meses uma mansão
abandonada de Hollywood. As intervenções buscavam colocar em questão a relação entre o
espaço doméstico, a feminilidade e o papel social da mulher por meio de um uso
revolucionário e criativo desse lugar.

A obra “The dinner party” (conhecida em português como “O banquete”), desenvolvida por
Judy Chicago entre 1975 e 1979, também se tornou um ícone da arte do período. A instalação
cria uma longa mesa de jantar à qual estariam sentadas grandes figuras femininas da história,
como Sojourner Truth e Virginia Woolf, homenageando-as. Utensílios da mesa, como os
pratos, foram especificamente criados para honrar cada uma das “convidadas”. No ladrilho
branco do chão, nomes de 999 mulheres estão escritos em dourado.

Já no vídeo “Semiótica da cozinha”, de 1975, a artista Martha Rosler parodia um programa


televisivo de culinária, “demonstrando” o uso dos utensílios e nomeando-os de A a Z. Ela faz
isso, porém, de maneira antinatural, ora mecânica, ora agressiva, quase transformando esses
objetos cotidianos em armas e transgredindo seu sentido original. A sinopse dada por Rosler é
de que a protagonista do vídeo, uma “anti-Julia Child” (famosa apresentadora americana de
programas do gênero), “substitui o significado domesticado dos utensílios por um léxico de
raiva e frustração”.

Trabalhos dessa geração continuam a influenciar artistas nos dias de hoje e ganharam
retrospectivas importantes nos anos 2000.

Além de produzir obras, artistas feministas também se organizaram em coletivos e entidades


como a WAR (Women Artists in Revolution), e passaram a pressionar instituições de arte,
cobrando que se tornassem mais inclusivas em suas coleções e programação.

Ocorridos na década de 1970 nos EUA, protestos dessa natureza viriam a ser a atividade-fim
do coletivo Guerrilla Girls, criado em 1985 e atuante até os dias de hoje. O grupo produz
cartazes e outros materiais com o objetivo de intervir nas ruas e museus de várias cidades do
mundo, apresentando dados e usando da irreverência e da criatividade para atacar a
desigualdade enfrentada pelas mulheres no mundo das artes. As ativistas permanecem
anônimas e usam máscaras de gorila (cuja pronúncia em inglês é próxima à da palavra
guerrilha) em suas aparições públicas.

A arte feminista do século 20 também teve ecos no Brasil e na América Latina. Artistas
brasileiras como Márcia X (1959-2005), Letícia Parente (1930-1991) e Anna Maria Maiolino
(1942) produziram obras de inquestionável teor feminista, mas muitas vezes decidiram não se
declarar como tais.

VÁ AINDA MAIS FUNDO

Especial do Nexo sobre os 70 anos desde a primeira publicação de “O segundo sexo”,


completos em 2019

Explicado do Nexo sobre identidade de gênero

“O livro do feminismo - As grandes ideias de todos os tempos”, Globo Livros (2019)

“Explosão feminista: Arte, cultura, política e universidade”, org. Heloísa Buarque de Hollanda,
Companhia das Letras (2018)

“Pensamento feminista negro”, Patricia Hill Collins, Boitempo (2019)

“50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile”, org. Eva Blay e Lúcia Avelar, Edusp (2017)

SAIBA MAIS

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2020/03/07/Feminismo-origens-


conquistas-e-desafios-no-s%C3%A9culo-21
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