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AS FEMINISTAS E A REVOLUÇÃO SEXUAL

VERONEZE, Renato Tadeu1

As novas descobertas e concepções teórico-científicas do final de século XIX


e início do século XX provocaram uma mutação no comportamento sexual até então
aceito pela sociedade conservadora. A sexualidade constituiu-se enquanto pólo
motor na direção da luta pela liberdade e igualdade de direitos. Aspectos novos,
como por exemplo, a paridade, começaram a fazer parte da agenda de discussões
entre os homens e mulheres. (CATONNÉ, 2001, p. 82).
Foi Leon Richier, jornalista e defensor das causas feministas francesas quem,
em 1869, fundou a Associação para o Direito das Mulheres. Em 1878, organiza o
Congresso Internacional dos Direitos das Mulheres e, em 1882, funda a Liga
Francesa dos Direitos da Mulher, abrindo espaço para as primeiras manifestações
deste segmento a nível internacional em defesa dos direitos das mulheres.
No início do século XX Madeleine Pelletier, médica e militante feminista, lutou
pela emancipação feminina, tanto do ponto de vista sexual como também econômico
e político e, em 1911, publica Direito ao Aborto, livro que causou polêmicas
significativas na época. (idem, p. 82-83).
Numa outra dimensão, o movimento anarquista, liderado pelo pedagogo
anarquista francês e defensor das idéias neomalthusianas, Paul Robin, defendia a
uma “liberdade sexual pura e simples”, estigmatizando o casamento como
“sobrevivência de uma tortura, herdade da lamentável história sexual da
humanidade2”. Com estas idéias, instigou uma política de contracepção “em nome
da liberdade das mulheres e o direito ao prazer”. (idem, p. 83).
Estas idéias influenciavam a formação de um movimento que lutava pelo
rompimento do ideal ascético que ditava condutas moralistas, que gerava um
sentimento de culpa sexual nas consciências com relação ao comportamento
sexual. Segundo Catonné, este movimento em prol da liberdade sexual transportou
a “penitência tarifada” pelo “gozo reivindicado”. (2001, p. 79).
Mas, foi com os Relatórios Kinsey3 e o advento da pílula anticoncepcional,
legalizada pelo Parlamento Francês em 1967, que abriram as portas para a
explosão sexual deste período. Os Relatórios Kinsey e as manifestações que
fervilhavam eram contrários às idéias defendidas pela Igreja Católica, principalmente
depois da publicação da encíclica Humanae Vitae, em 25 de julho de 1968, pelo
papa Paulo VI, que defendia a visão tradicional da Igreja, estritamente contrária aos
métodos anticoncepcionais e ao aborto. Esta encíclica fez com que jovens italianos
rompessem com os princípios ditados pela Igreja Católica, organizando uma
manifestação em Roma onde, em suas camisetas, estava grafado o slogan: “Eu
tomo pílulas”. Apesar de todos os protestos contrários, em 1970, a pílula
anticoncepcional já era comercializada em larga escala, alterando significativamente
o comportamento sexual das mulheres. (MASON, 2004, p. 45).

1
Assistente Social, Docente do Curso de Serviço Social do UNIFEG.
2
Grifos nosso.
3
Kinsey centralizou sua investigação no comportamento sexual norte-americano. Ao publicar o primeiro volume
do famoso relatório sobre a sexualidade humana (Sexual Behavior in the Human Male), em 1948, gerou uma
enorme polêmica nos Estados Unidos. O livro foi um dos mais vendidos naquele ano. O segundo volume, que
abordava a sexualidade das mulheres (Sexual Behavior in the Human Female) foi publicado em 1953. Os seus
relatórios foram vistos por muitos como o início da “Revolução Sexual da década de 1960. Disponível In -
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfred_Kinsey#O_Relat.C3.B3rio_Kinsey.

1
O que as mulheres almejavam não era somente a liberdade sexual vinda com
o advento da pílula anticoncepcional e o maior acesso ao aborto legal,
principalmente em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, mas sim e,
principalmente, sua emancipação na luta contra as idéias conservadoras do mundo
machista e a igualdade enquanto segmento participativo e digno de direitos. Este
processo foi árduo e longo, sendo que, as mulheres na sociedade patriarcal e
machista, eram vistas como um ser inferior ao homem. Os Movimentos Feministas
organizados neste período, principalmente nos Estados Unidos, exigiam a igualdade
de direitos, remuneração salarial equiparada à dos homens, direito ao voto, dentre
outras reivindicação.
Embalados por estes ideais, tendo como pano de fundo as manifestações
feministas, outros segmentos até então reprimidos, se entusiasmaram pela onda de
liberdade sexual e deram vazão a seus sentimentos, organizando também,
manifestações que exprimiam o desejo e a ânsia de liberdade ou, como era comum
dizer, nesta época, “saírem do armário”.
Nesse contexto, iniciou-se um movimento denominado Contracultura.
Movimento ideário que colocava em dúvida os valores socialmente aceitos. Com o
avanço dos meios de comunicação, os Movimentos de Contracultura ganharam
espaços por todo o globo. Através da música, da arte e com um estilo próprio de
vida, eclodiram-se, propondo uma sociedade alternativa, na qual a liberdade seria a
pedra mestra para se viver. Em 1950, nos Estados Unidos, surge o primeiro grande
grupo de contracultura, o Beat Generation (Geração Beat), composto por jovens
intelectuais que contestavam o consumismo e o otimismo do pós-guerra americano.
Em 1960, o Movimento Hippie se expande pelo mundo todo, opondo-se
radicalmente aos valores culturais considerados primordiais para a sociedade. Com
o slogan “paz e o amor”, caracterizaram-se enquanto movimento da não-violência.
Este movimento arrebatava multidões, sendo considerado um fenômeno
verdadeiramente cultural. Tal foi a sua repercussão que, em 1969, organizou e fez
acontecer o grande Festival Woodstock.
A nova onda de manifestações e culturas gerou uma gama de movimentos
que lutavam pelo desejo de mudar o estilo de vida e os valores sociais. Assim, junto
com o Movimento Feminista e o Movimento Hippie, surge também a “juventude
transviada”, embalada pela beatlemania, de Liverpool; a era rock-roll, com a música
de Elvis Presley; o amplo interesse pelo meio ambiente, o que gerou o Movimento
Ecológico Greenpeace, em 1971. No Brasil, o tropicalismo, lançado por Caetano
Veloso e Gilberto Gil, ganhava força como um novo estilo estético-cultural.
Com o “Manifesto Antropofágico”; no campo sexual temos Leila Diniz (1943-
1972) com o avanço de seu modismo despojado em que o sexo era visto, por ela,
como esporte; Henry Miller (1891-1980), que militava contra a hipocrisia; Luz Del
Fuego, nome artístico de Dora Vivacqua que, na década de 1950, lutava para que as
pessoas vencessem seus preconceitos contra a nudez e o sexo livre; Oscar Wilde,
ícone da homossexualidade que abalou e incentivou o debate sobre a
homossexualidade; Mohan Chandra Rajneesh, o Osho, pregava novos paradigmas
para o sexo e o amor no Ocidente. O ícone da nova geração, James Dean, que
influenciou muitos jovens com seu comportarem; Marlon Brando, ídolo de uma
geração, difundiu o estilo “machão”, dentre outros que fizeram história. (HOSIE,
2004, p. 126-136).
Nos anos de 1960, inicia-se um novo estilo de mobilização e contestação
social. Jovens, imbuídos por um espírito de liberdade, criam um novo estilo anti-
social frente às suas famílias conservadoras. Uma cultura alternativa, denominada

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de cultura underground, focava, principalmente, a transformação da consciência, dos
valores e do comportamento, na busca de novos espaços e canais de expressão.
Em 1971, os minúsculos shorts femininos (hot pants) e as minissaias foram a maior
revelação da moda topless. (MASON, 2004, p. 44).
Em linhas gerais, a inocência marcava o idealismo ingênuo e pacífico que
marcou época. Como não poderia deixar de ser, a homossexualidade passou
também a fazer parte da agenda de discussões da sociedade. Movimentos em sua
defesa eclodiram juntamente com os outros movimentos que defendiam a liberdade.
Na contramão, antigos valores e costumes vieram à tona em defesa do
conservadorismo, da moral e dos bons costumes. Grupos cristãos conservadores
realizavam mobilizações contra as diversas manifestações considerandas imorais e
perniciosas, caracterizando sua aceitação como prerrogativa de uma “sociedade
promíscua, advertindo ainda para um castigo divino”. Em contraposição, ativistas
gays permaneceram na luta pela descriminalização das atividades homossexuais e
no combate à discriminação contras gays e lésbicas. (idem, p. 48).

Considerações Finais

Segundo Catonné (2001), três épocas se distinguiram no que diz respeito à


sexualidade e ao comportamento sexual:

“[...] a primeira tem o orgasmo como referência. Ela corresponde aos dois
relatórios Kinsey de 1948 e 1953. Em outros termos, a sexualidade não é mais
colocada sob a primazia da reprodução. A segunda é a era do otimismo
sexual, cristalizado em torno da reivindicação do direito ao prazer. Ela
corresponde à idade da pílula. [...] A terceira, a contemporânea, está centrada
na AIDS”. (2001, p. 88).

Entrelaçando essas fases, temos ainda o avanço das pesquisas científicas


em biotecnologia médica, que permitia não somente “o sexo sem procriação, como
também a procriação sem sexo”. Com a AIDS, na década de 80, e as diversas
pesquisas desse período, demonstraram que a realidade social e a legitimidade dos
múltiplos parceiros sexuais, eram fatores característicos da bissexualidade como
comportamento socialmente reconhecido. (idem, p. 86-89).
Esta realidade mostra-nos que a “libertação sexual pôde ser uma condição de
possibilidade para uma liberdade “autêntica”, um trabalho sobre si mesmo, onde a
atividade sexual é livremente escolhida, sem culpa” (CATONNÉ, 2001, p. 93), mas
isto não implica dizer que a sexualidade hoje está totalmente liberada dos tabus, dos
pudores e das discriminações, bem como dos preconceitos, ou que até mesmo a
mulher, gênese de todo este processo, esteja na contemporaneidade, totalmente
liberta dos grilhões do machismo e da falocracia.
As lutas encabeçadas pelas mulheres abriram caminho, marcaram época
para a libertação sexual. Muito mais do que liberdade sexual, estas lutas se
caracterizaram principalmente para a emancipação das mulheres e de muitos
segmentos minoritários oprimidos pelo preconceito e pela discriminação social.
Como também proporcionaram que muitos dos direitos que hoje são respeitados
mundialmente, entrassem na pauta das discussões e fossem legalizados. Não
poderíamos deixar de frisar que, apesar dos grandes avanços, ainda há muito para
se fazer e lutar.

3
Referências Bibliográficas

CATONNÉ, Jean-Philippe. A sexualidade, ontem e hoje. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

HOSIE, Robin. Admirável mundo novo: 1945 a 1970. Trad. Maria Clara de Mello
Motta e Helena Portella Raposo. Memórias do Século XX, v. V, p. 125-137. Rio de
Janeiro: Reader’s Digest, 2004.

MASON, Antony. Memórias do século XX. Tempos modernos (1970-1999). Trad.


Maria Clara de Mello Motta, p. 44-57. Rio de Janeiro: Reader’s Digest, 2004.

MESQUITA, Marylucia. RAMOS, Sâmya Rodrigues e SANTOS, Silvana Mara Morais


dos. Contribuições à critica do preconceito no debate do Serviço Social. IN Presença
Ética. MUSTAFÁ, Alexandra Monteiro (Org.). Recife, Pernambuco: UNIPRESS, 2001.

MURARO, Rose Marie. Libertação sexual da mulher. Petrópolis: Vozes, 1975.

NUNES, César Aparecido. Desvendando a sexualidade. 4ª ed. Campinas: Papinus, 2002.

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