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É sabido, dentre os mais diversos âmbitos, que a mulher sempre ocupou o lugar
de segunda categoria na sociedade, e essa questão pode ser vislumbrada de diversas
formas, inclusive, por meio da literatura, como será visto mais adiante. Portanto, foi e é
também dever da literatura fazer parte das mudanças buscadas pelo gênero feminino ao
longo dos séculos, sendo aquela não só um reflexo da sociedade, mas também um
agente de mudança, o que pode ser confirmado pela Teoria Feminista na Literatura,
através da Crítica Feminista, por exemplo.
Portanto, embora muitas das defensoras dos direitos das mulheres fossem
mulheres com maior visibilidade, de classes privilegiadas, no início do século XIX,
mulheres de classe trabalhadora dos Estados Unidos e do Reino Unido estavam se
tornando politicamente ativas. Além disso, as opiniões feministas estavam se fazendo
ouvir em outras partes do mundo, como no Estado Islâmico. Assim, essas vozes se
tornaram mais altas e mais fortes conforme o século XIX avançava, dando o terreno
necessário para o movimento ganhar força, dando origens às “Ondas Feministas”.
Contudo, o grande ponto da Primeira Onda foi a luta pelo sufrágio feminino,
responsável por unir mulheres de diferentes grupos em um movimento maciço para
conquistar o direito ao voto. Na Grã- Bretanha, por exemplo, a luta chegou a se tornar
acirrada e violenta, e, apesar das divisões entre as feministas, a militância pelo sufrágio
dominou a maior parte das atividades até a Primeira Guerra Mundial e pouco depois.
Apesar da luta inicial das americanas pelo sufrágio ter tido um grande impacto
mundial e, inclusive, ter inspirado mulheres de outras regiões do mundo, países como a
Nova Zelândia, em 1893, e a Austrália, em 1902, realizaram o sufrágio feminino
primeiro. Além disso, a França, em 1848, se tornou o primeiro país a introduzir o
sufrágio universal. E, mesmo Wyoming se tornando o primeiro território norte-
americano a garantir o voto feminino, as americanas só conseguiram o direito ao voto
em nível federal em 1920, quando a 19 Emenda da Constituição foi ratificada.
Outro ponto crucial da Segunda Onda foi que as feministas desafiaram a ideia
dominante de que a sexualidade das mulheres deveria ser ditada pelos homens. Assim,
elas afirmaram que a dominação masculina era a causa da ausência de prazer sexual
feminino. Além disso, trouxeram o conceito de que a sexualidade é política, portanto,
sendo usada como forma de coagir, manipular e controlar as mulheres, tornando-as
passivas e objetificadas, como pode ser visto em “O relatório de Hite”, de Anne Koedt,
em 1976.
Foi a defensora dos direitos civis, Kimberlé Crenshaw, que trouxe esse termo
pela primeira vez, em um artigo, no ano de 1989, em que debatia a intersecção de raça,
gênero e classe da perspectiva de uma feminista negra. É importante ressaltar que esse
conceito é usado para descrever o modo como os sistemas de poder se interligam para
oprimir os grupos marginalizados na sociedade, como: as pessoas LGBTQI+, as pessoas
negras, as pessoas com alguma deficiência etc.; sendo esse um dos pontos mais
importantes da Terceira Onda.
Contudo, a revolução na Quarta Onda não foi somente digital, as redes sociais
serviram de terreno para jovens mulheres se reunirem e ir às ruas lutar pelo que já
lutavam no meio virtual. Retornando aos que suas antecessoras já haviam feito,
manifestações voltaram a tomar as ruas, e uma das mais impactantes foi a Marcha das
Vadias, em 2011, no Canadá. Esta aconteceu quando um policial canadense
“aconselhou” estudantes do sexo feminino a evitar se vestir como “sluts” (“vadias”) se
não quisessem ser estupradas, a partir disso, as feministas canadenses organizaram a
primeira Marcha das Vadias, vestindo roupas provocantes para protestar contra a
culpabilização da vítima. Inspiradas por esse manifesto, várias Marchas das Vadias
similares surgiram em várias outras partes do mundo, mostrando o alcance e a
globalização do Movimento Feminista.
Já no âmbito brasileiro, o Movimento Feminista ganhou mais visibilidade a
partir do final da década de 1960, quando o Feminismo se tornou um movimento social
de alcance mundial. Assim, no Brasil, as demandas feministas ganharam mais
visibilidade e se tornaram mais conhecidas.
A partir desse cenário, a luta Feminista ganha força no Brasil, trazendo marcos
importantes, inclusive, em nível internacional, como com a criação da Primeira
Delegacia da Defesa da Mulher (DDM), em São Paulo, sendo essa a primeira delegacia
no mundo especializada em atendimento às mulheres em situação de violência
doméstica. Além disso, durante esse mesmo período, o Brasil vivia um regime de
Ditatura Militar, no qual as feministas foram fundamentais na luta pela
redemocratização do Estado e pela garantia de direitos. A exemplo disso, temos a
Constituição de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, que foi
influenciada pela articulação de vários movimentos sociais e determinou pela primeira
vez na legislação brasileira que “homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações”, sendo este um capítulo fundamental na história do Movimento Feminista
no Brasil.
Dentro desse cenário, entre a explosão de tantas vozes, uma ganha destaque em
especial, seu nome é Djamila Ribeiro, a filósofa negra paulista, que além de ser
acadêmica e ativista, também atua como formadora de opinião em livros, artigos e nas
redes sociais. Essa feminista é uma das principais novas vozes do Feminismo
contemporâneo brasileiro e ajudou a levantar questões importantes sobre as principais
pautas nesse cenário, que são: identidade racial, identidade de gênero e orientação
sexual, além de ressaltar questões relativas ao consentimento, representatividade
política e identitária, além da autonomia feminina sobre seu próprio corpo.
É sabido que diversos estudos são usados como ferramentas não somente para
melhorias acadêmicas, educacionais e científicas, mas também sociais. Assim, a
literatura surge como mais uma ferramenta, tanto de representação como de
transformação social, por meio não só do discurso presente nas obras, mas também dos
próprios movimentos literários e de suas características.
Logo, isto pode ser comprovado por meio da Crítica Literária Feminista, afinal,
esta é definida, de acordo com a Teoria Literária e Escolas de Crítica, como:
Portanto, é visto que a Crítica Feminista trouxe e traz uma gigante contribuição
não somente para a história da literatura, como também da sociedade, pois é uma das
principais responsáveis por diversas transformações sociais no que diz respeito à
questão de gênero. Inclusive, também na sua representatividade, como será observado e
analisado mais à frente, através de algumas versões dos contos de fadas – sendo este
gênero parte do cânone literário e responsável por uma rica herança na literatura.
Em sua primeira fase, ela visa à análise do papel da mulher como leitora,
relatando e expondo as personagens femininas e seus estereótipos; como também tem
por meta fazer uma releitura de obras literárias, independentemente da autoria,
considerando a experiência da mulher. Ou seja, procura detectar, através do estilo, da
temática e das diferentes vozes do texto, a relevância da voz feminina e os traços de
patriarcalismo que perpassam a obra. Já a sua segunda fase, foca na presença da autoria
feminina, visando ao resgate de obras escritas por mulheres e que, no decorrer do
tempo, foram relegadas ao ostracismo.
Portanto, é visto que o ato fundador da Crítica Feminista foi uma releitura de
obras que fazem parte da cultura ocidental, quase em sua totalidade escrita por homens
– como os Contos de Fadas – e tal crítica se concentrava na representação das
personagens femininas e tinha caráter de denúncia. Isso se deve principalmente aos
arquétipos presentes nessas obras, nas quais as personagens femininas eram
constantemente representadas de forma submissa, passivas aos personagens masculinos,
sem tomar as suas próprias decisões; fato este – ilustrado por meio da literatura – que
era um reflexo da sociedade.
Isto pode ser comprovado por meio de Jonathan Culler, na obra Sobre a
desconstrução (1997), na qual discute experiências de leitura, mostrando a diferença de
atitude do leitor homem para a leitora mulher diante do mesmo texto, a exemplo:
Mas, afinal, qual a relação entre os contos de fadas, objeto de estudo dessa
dissertação, com os estudos de gênero, em especial a Crítica Feminista? É sabido, como
já foi demonstrado aqui, a imensa relevância destas obras para a literatura, pois além de
fazer parte do cânone, também é um dos primeiros tipos textuais literários com o qual as
crianças têm contato, estendendo-se até os adultos. Assim, por acompanhar a sociedade
durante séculos, os contos de fadas também podem ser vistos como espelhos desta,
refletindo várias mudanças históricas e socioculturais.
Logo, basta fazer uma rápida análise das narrativas mais famosas e de seus
personagens para perceber essa diferença de papéis. A exemplo de Branca de Neve,
temos uma personagem gentil, amável, de pura bondade, porém, apesar dessas
qualidades, Branca de Neve também é submissa, não exercendo em nenhum momento
uma ação de poder, de atitude. Este posto sendo ocupado apenas por personagens
masculinos, como no caso do Príncipe Encantado, ou no caso da Rainha Má, uma
mulher poderosa, mas também a bruxa – um arquétipo de vilã da história. Ademais,
Branca só consegue ser feliz e se libertar das vilanias da madrasta ao casar-se com o
príncipe.
Dessa maneira, este conto comprova a importância da autoria feminina para dar
protagonismo e voz às mulheres, como já visto pela Crítica Feminista. Afinal, as
vivências do autor aparecem, mesmo que sutilmente, em suas obras, assim, apenas
escritoras femininas podem vivenciar a construção do que é ser mulher e todos os
dilemas que perpassam pelo dito segundo sexo.
Portanto, Bela é uma personagem diferenciada, uma mulher que não se importa
com as aparências, uma mulher que exerce o protagonismo, sendo ela a responsável
pelas ações que desencadeiam a narrativa, como arriscar-se para salvar o pai e,
posteriormente, salvar a Fera, salvar o masculino. Esta é a primeira vez na história dos
contos de fadas que a personagem feminina salva o personagem masculino, que a
mulher é a heroína, assim, mesmo que possa parecer algo pequeno, na verdade, é um
grande primeiro passo para o protagonismo feminino na literatura, ainda mais pelo
período histórico no qual essa história foi escrita e pelos contos de fadas nortearem,
muitas vezes, a sociedade. Concluindo, por meio da Crítica Feminista, fica comprovada
a importância de mulheres escritoras para dar protagonismo e voz ao segundo sexo na
literatura.