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AS 95 TESES DE

Frei MARTINHO LUTERO

CONTRA O COMÉRCIO DAS INDULGÊNCIAS

31 DE OUTUBRO DE 1517

Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade


discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do rev. padre Martinho Lutero, o que
segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente
conosco, o poderão fazer por escrito.

Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

1ª Tese Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos...., certamente quer que toda a
vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento.
2ª Tese E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da
penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo do ofício dos sacerdotes.
3ª Tese Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno
nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de modificações da carne.
4ª Tese Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o
homem se desagradar de si mesmo, a saber, até a entrada desta para a vida eterna.
5ª Tese O papa não quer e não pode dispensar outras penas, além das que impôs ao seu alvitre ou
em acordo com os cânones, que são estatutos papais.
6ª Tese O papa não pode perdoar divida senão declarar e confirmar aquilo que Já foi perdoado por
Deus; ou então faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a
dívida deixaria de ser em absoluto anulada ou perdoada.
7ª Tese Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera
humildade, ao sacerdote, seu vigário.
8ª Tese Canones poenitendiales, que não as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve
confessar e expiar, apenas aio Impostas aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças,
não dizem respeito aos moribundos.
9ª Tese Eis porque o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluído este de todos os seus
decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema
10ª Tese Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõem aos moribundos
poenitentias canonicas ou penitências para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.
11ª Tese Este joio, que é o de se transformar a penitência e satisfação. Previstas pelos cânones ou
estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado quando os bispos se achavam
dormindo.
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12ª Tese Outrora canonicae poenae, ou sejam penitência e satisfação por pecadores cometidos eram
impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do
arrependimento e do pesar.
13ª Tese Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico,
sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.
14ª Tese Piedade ou amor Imperfeitos da parte daquele qtie se acha às portas da morte
necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menor o amor, tanto maior o temor.
15ª Tese Este temor e espanto em si tão só, sem falar de outras cousas, bastam para causar o
tormento e o horror do purgatório, pois que se avizinham da angústia do desespero.
16ª Tese Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero
completo, incompleto ou quase desespero e certeza.
17ª Tese Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das almas, nelas
também deve crescer e aumentar o amor.
18ª Tese Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas ações e nem pela Escritura, que as
almas no purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.
19ª Tese Ainda parece não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua
salvação e não receiem por ela, não obstante nós temos absoluta certeza disto.
20ª Tese Por isso o papa não quer dizer e nem compreende com as palavras “perdão plenário de todas
as penas” que todo o tormento é perdoado, mas as penas por ele impostas.
21ª Tese Eis porque erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem perdoado de
todas as penas e salvo mediante a indulgência do papa.
22ª Tese Pensa com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas no purgatório das que segundo
os cânones da Igreja deviam ter expiado e pago na presente vida.
23ª Tese Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos
mais perfeitos, que são muito poucos.
24ª Tese Assim sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas do indistinto
perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.
25ª Tese Exatamente o mesmo poder geral, que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura
d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os
seus em particular.
26ª Tese O papa faz muito bem em não conceder às almas o perdão em virtude do poder das chaves
(ao qual não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão.
27ª Tese Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair
na caixa a alma se vai do purgatório.
28ª Tese Certo é que no momento em que a moeda soa na caixa vêm o lucro e o amor ao dinheiro
cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da Igreja tão só correspondem à vontade
e ao agrado de Deus.
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29ª Tese E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o
que sucedeu com Santo Severino e Pascoal.
30ª Tese Ninguém tem certeza da suficiência do seu arrependimento e pesar verdadeiros; muito menos
certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.
31ª Tese Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e, pesar verdadeiros, tão raro
também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se
encontram.
32ª Tese Irão para o diabo juntamente com os seus mestres aqueles que julgam obter certeza de sua
salvação mediante breves de indulgência.
33ª Tese Há que acautelasse muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais
sublime e mais preciosa graça ou dadiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com
Deus.
34ª Tese Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória estipulada por
homens.
35ª Tese Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do
purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.
36ª Tese Todo e qualquer cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados, sente pesar
por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo
sem breve de indulgência.
37ª Tese Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e
da Igreja, dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.
38ª Tese Entretanto se não deve desprezar o perdão e a distribuição por parte do papa. Pois, conforme
declarei, o seu perdão constitui uma declaração do perdão divino.
39ª Tese É extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao
mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e ao contrário o verdadeiro arrependimento e
pesar.
40ª Tese O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo: mas a profusão da
indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há
oportunidade para isso.
41ª Tese É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal para que o homem singelo não
julgue erroneamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do
que elas.
42ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de
indulgência de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.
43ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta aos
necessitados do que os que compram indulgências.
44ª Tese Ê que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso;
pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.
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45ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a
despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgências do papa. mas
provoca a ira de Deus.
46ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a
casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
47ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos, ser a compra de indulgências livre e não ordenada
48ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa precisa conceder mais indulgências, mais
necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.
49ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos, serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem
não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor
de Deus.
50ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância dos
apregoadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser reduzida a cinzas a
ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51ª Tese Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos
que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgências, vendendo, se
necessário fosse, a própria catedral de São Pedro.
52º Tese Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto
ou mais tempo à indulgência do que à pregação da Palavra do Senhor.
53ª Tese São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a
Palavra de Deus nas demais igrejas.
54ª Tese Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o
comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua alma como garantia.
55ª Tese A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a causa menor,
com um sino, uma pompa e uma cerimônia, enquanto o Evangelho, que é o essencial, importa
ser anunciado mediante cem sinos, centenas de pompas e solenidades.
56ª Tese Os tesouros da Igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante
mencionados e nem suficientemente conhecido na Igreja de Cristo.
57ª Tese Que não são bens temporais, é evidente, porquanto muitos pregadores a estes não distribuem
com facilidade, antes os ajuntam.
58ª Tese Tão pouco são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto estes sempre são
eficientes e, independentemente do papa, operam salvação do homem interior e a cruz, a
morte e o inferno para o homem exterior.
59ª Tese São Lourenço aos pobres chamava tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era
usada na sua época.
60ª Tese Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves
da Igreja, a ela dado pelo merecimento de Cristo.
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61ª Tese Evidente é que para o perdão de penas e para a absolvição em determinados casos o poder
do papa por si só basta.
62ª Tese O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
63ª Tese Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam
os últimos.
64ª Tese Enquanto isso o tesouro das indulgências é sabiamente o mais apreciado, porquanto faz com
que os últimos sejam os primeiros.
65ª Tese Por essa razão os tesouros evangélicos outrora foram as redes com que se apanhavam os
ricos e abastados.
66ª Tese Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos
homens.
67ª Tese As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça decerto assim
são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.
68ª Tese Nem por isso semelhante indigência não deixa de ser a mais Intima graça comparada com a
graça de Deus e a piedade da cruz.
69ª Tese Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências
apostólicas com toda a reverência-
70ª Tese Entretanto têm muito maior dever de conservar abertos olhos e ouvidos, para que estes
comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não preguem os seus
próprios sonhos.
71ª Tese Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores
de indulgências, seja abençoado.
72ª Tese Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.
73ª Tese Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em
prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.
74ª Tese Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob o pretexto de
indulgência, prejudiquem a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agir.
75ª Tese Considerar as indulgências do papa tão poderosas, a ponto de poderem absolver alguém dos
pecados, mesmo que (cousa impossível) tivesse desonrado a mãe de Deus, significa ser
demente.
78ª Tese Bem ao contrario, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo o menor pecado venial
pode anular o que diz respeito à culpa que constitui.
77ª Tese Dizer que mesmo São Pedro, se agora fosse papa, não poderia dispensar maior indulgência,
significa blasfemar S. Pedro e o papa.
78ª Tese Em contrario dizemos que o atual papa, e todos os que o sucederam, é detentor de muito
maior indulgência, isto é, o Evangelho. as virtudes o dom de curar, etc., de acordo com o que
diz 1Coríntios 12.
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79ª Tese Afirmar ter a cruz de indulgências adornada com as armas do papa e colocada na igreja tanto
valor como a própria cruz de Cristo, é blasfêmia.
80ª Tese Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão
de prestar contas deste procedimento.
81ª Tese Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a Indulgência, faz com que
mesmo a homens doutos é difícil proteger a devida reverência ao papa contra a maledicência
e as fortes objeções dos leigos.
82ª Tese Eis um exemplo: Por que o papa não tira duma só vez todas as almas do purgatório, movido
por santíssima' caridade e em face da mais premente necessidade das almas, que seria
justíssimo motivo para tanto, quando em troca de vil dinheiro para a construção da catedral de
S. Pedro, livra um sem número de almas, logo por motivo bastante insignificante?
83ª Tese Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos
defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para o mesmo fim ou não se permite os
doadores busquem de novo os benefícios ou pretendas oferecidos em favor dos mortos, visto'
ser injusto continuar a rezar pelos já resgatados?
84ª Tese Ainda: Que nova piedade de Deus e dó papa é esta, que permite a um ímpio e inimigo
resgatar uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não resgatar esta
mesma alma piedosa e querida de sua grande necessidade por livre amor e sem paga?
85ª Tese Ainda: Por que os cânones de penitencia, que, de fato, faz muito caducaram e morreram pelo
desuso, tornam a ser resgatados mediante dinheiro em forma de indulgência como se
continuassem bem vivos e em vigor?
86ª Tese Ainda: Por que o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer Credo, não
prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro
de fiéis pobres?
87ª Tese Ainda: Quê ou que parte concede o papa do dinheiro proveniente de indulgências aos que
pela penitência completa assiste o direito à indulgência plenária?
88ª Tese Afinal: Que maior bem poderia receber a Igreja, se o papa, como já o faz, cem vezes ao dia,
concedesse a cada fiel semelhante dispensa e participação da indulgência a título gratuito.
89ª Tese Visto o papa visar mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que revoga os breves de
indulgência outrora por ele concedidos, aos quais atribuía as mesmas virtudes?
90ª Tese Refutar estes argumentos sagazes dos leigos pelo uso da força e não mediante argumentos
da lógica, significa entregar a Igreja e o papa a zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
91ª Tese Se a Indulgência fosse apregoada segundo o espírito e sentido do papa, aqueles receios
seriam facilmente desfeitos, nem mesmo teriam surgido.
92ª Tese Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! e não há Paz.
93ª Tese Abençoados sejam, porém, todos os profetas que dizem à grei de Cristo: Cruz! Cruz! e não há
cruz.
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94ª Tese Admoestem-se os cristãos a que se empenhem em seguir sua Cabeça Cristo através do
padecimento, morte e inferno.
95ª Tese E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que
facilitados diante de consolações infundadas.

Martinho Lutero em frente da igreja do castelo


de Vitembergue, após ter afixado as 95 teses
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O PROTESTANTISMO E AS IGREJAS DA REFORMA


Origem e significado do termo

O uso do termo "protestante" pode indicar, numa primeira e superficial interpretação, os cristãos
que se separaram da Igreja de Roma. Se, por um lado, isso pode sugerir uma conotação negativa,
por outro, há todo um embasamento histórico que não pode ser desconsiderado.
Assim, "protestante" deriva de um fato histórico, isto é, da grande manifestação feita por alguns
Estados e príncipes alemães, em 1529, em protesto contra decisões de caráter religioso, mas de
motivação também política.
O termo ainda foi utilizado em referência aos movimentos reformadores que se seguiram. No
entanto, procurando evitar a acentuação crítica contra a Igreja de Roma, muitos preferem empregar
o termo "evangélico", certamente menos polêmico e que lembra uma das características positivas de
todo o movimento reformador: a volta à mensagem evangélica original.
Muitas Igrejas surgidas desse movimento também se denominaram "Igrejas reformadas", evocando
o propósito de uma permanente disponibilidade à conversão e à renovação.
Um pouco de história

O surgimento da Reforma protestante foi e continua sendo considerado um dos mais importantes
acontecimentos da história, pois suas conseqüências, ainda hoje, permanecem vivas em nível
religioso, político, econômico e cultural. Para entender esse fenômeno, devemos enquadrá-lo no
contexto da época e, sobretudo, evidenciar as causas que o determinaram.
Antes de mais nada, é necessário limpar o terreno da interpretação preconcebida, muito difundida
no passado entre protestantes e católicos e que ainda encontra seguidores nas obras de divulgação e
nos meios de comunicação social e esclarecer que a causa da Reforma protestante não foram apenas
os abusos e desordens tão comuns na Igreja de então, sobretudo na cúria romana. O próprio Lutero
desmente tal causa: " A vida é má entre nós como entre os papistas, mas nós não os condenamos
por sua vida prática. A questão é outra: se eles seguem a verdade".
Causas da Reforma
Causas político-religiosas
A partir do século XIV, a autoridade dos papas sofreu um forte declínio: de um lado, perderam a
força política com que, embora em meio a lutas e resistências, nos séculos anteriores conseguiram
erigir-se como supremos moderadores nas controvérsias políticas. No século XIV, na Europa,
começou a afirmar-se o nacionalismo com os soberanos locais, que se desvinculavam da submissão
ao imperador e ao papa.
Do outro lado, o exílio de Avinhão (1309-1376), com a dependência do papa ao rei da França, e o
cisma do Ocidente (1378-1417), durante o qual houve até três papas ao mesmo tempo, abalaram
muito a autoridade e o prestígio do pontífice romano diante do povo. Nesse contexto, surgiram
teorias chamadas conciliaristas, que sustentavam a superioridade do concílio sobre o papa,
chegando a propor modelos de Igreja de tipo "democrático". Como conseqüência de tudo isso,
afirmou-se a tendência para a formação de Igrejas nacionais (na França, Alemanha e Inglaterra), o
que constituiu uma das principais causas da revolução protestante.
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Causas culturais
Um vento de novidade percorreu a Europa a partir do século XV: era o Renascimento que, reagindo
à fuga do mundo e à subordinação direta de tudo à religião, típicas da Idade Média, reivindicava a
necessidade da autonomia das atividades humanas, com o risco, porém, de chegar à separação. Era
o início do caminho que levou o homem ocidental ao progressivo afastamento e até negação de
Deus, característicos da época moderna e contemporânea.
Ao mesmo tempo, a teologia perdera o contato com a reflexão dos grandes autores medievais
(Tomás de Aquino, Boaventura) para reduzir-se a discussões vazias, longe da realidade
(nominalismo). Occam, que exerceu grande influência sobre Lutero, reduzia muito a capacidade da
mente humana de atingir a realidade, enquanto exacerbava a onipotência divina. Em geral, "a
teologia", como dizia o próprio Lutero, "está reduzida a meras opiniões... sem mais certeza
alguma".
Wycleff, Hus e Wessel, fundadores de movimentos reformadores nos séculos XIV e XV,
contrapunham à Igreja visível uma Igreja espiritual e pobre, sem poderes nem estruturas.
Nesses mesmos séculos, difundiram-se correntes espirituais e místicas, que acentuavam a dimensão
íntima e subjetiva na experiência com Deus ou que evidenciavam unilateralmente a onipotência da
graça divina, chegando até a considerar inúteis as obras do cristão para sua salvação. Essas idéias
terão lugar fundamental na doutrina luterana.
Causas religiosas
Além daquelas que apareceram anteriormente, há uma causa que já lembramos: a corrupção da
Igreja. Dissemos que esta não pode ser considerada a causa principal da Reforma protestante, mas é
inegável que ela tornou mais fácil a difusão da revolta. Os bispos provinham exclusivamente da
nobreza, levavam uma vida mundana, ocupados em ficar cada vez mais ricos, sem preocupar-se
com sua responsabilidade pastoral. Os sacerdotes eram numerosos, mas constituíam, sobretudo no
campo, o proletariado clerical: pobres, pouco instruídos, em sua grande maioria não observavam o
celibato. Também nos conventos, masculinos e femininos, a situação muitas vezes era lamentável.
Isso, porém, não deve fazer esquecer que, já antes de Lutero, havia notáveis iniciativas de reforma
em toda a Igreja por parte de religiosos, bispos e leigos.
Causas sociais
Sobretudo na Alemanha, duas classes sofriam com a crise econômica surgida após a descoberta da
América: os cavaleiros e os camponeses. Os primeiros tinham perdido seu antigo poder e
procuravam o meio para recuperá-lo: assim, a posse dos bens da Igreja poderia oferecer-lhes uma
cômoda e fácil oportunidade. Entre os camponeses, ainda na condição de escravos, há muito estava
incubado o fermento revolucionário, que já havia explodido com violência em revoltas que,
periodicamente, sacudiam a Alemanha, desde o final do século XV. Eles esperavam a hora da
própria libertação.
Todo esse conjunto de fatores religiosos, culturais, políticos e sociais constituía um imenso material
explosivo. Bastava uma centelha para fazê-lo estourar. Lutero foi o estopim, com sua personalidade
forte e inspirada. A data exata do começo desse processo foi estabelecida a partir das 95 teses de
Lutero, publicadas em novembro de 1517 (e não fixadas no dia 31 de outubro nas portas da Igreja
de Wittenberg, como tradicionalmente se pensava).
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• Na mesma época,independentemente de Lutero,começaram sua pregação Zwinglio, na Suíça de língua alemã,


e João Calvino, na de língua francesa.O movimento reformador, surgido em países diferentes e em
determinadas situações históricas, apresenta - dentro de algumas diferenças inevitáveis - uma característica de
unidade fundamental.
Antes, porém, de apresentarmos os grandes protagonistas da Reforma e suas idéias, é necessário
levarmos em consideração um pouco mais de história.
Os principais acontecimentos
Em primeiro lugar, é preciso lembrar o fato de que o movimento evangélico da Reforma teve seu
epicentro na Alemanha, com Lutero, e daí envolveu toda a Europa.
1.º No final de 1517, Lutero interveio contra os abusos relacionados com a venda das indulgências,
publicando 95 teses sobre o assunto e que se difundiram rapidamente, suscitando um grande
movimento de cunho nacionalista, tendo como alvo principal a cúria romana. A briga com Roma já
vinha se arrastando,quando Lutero foi defendido pelo príncipe da Saxônia, Frederico o Sábio,na
disputa, sem êxito, com o cardeal Caetano, em Augusta (1518). Após a disputa em Lípsia (1519),
com o teólogo João Eck, o mais duro adversário de Lutero, evidenciou-se o abismo intransponível
entre as duas posições a respeito da doutrina do papado e da Igreja. A ruptura foi selada em 1521,
quando Lutero acabou sendo excomungado por Roma. O imperador Carlos V, que era o mais fiel e
decidido defensor da Igreja católica, convidou Lutero a retratar-se diante dos príncipes, na Dieta de
Worms(1521), mas ele se recusou. Assim, o movimento evangélico desencadeado ia crescendo e
não podia mais ser reprimido. O imperador não pôde intervir, porque estava ocupado em outro
lugar, defendendo-se das agressões da França e das invasões dos turcos.
2.º Os anos 1519-1525 representaram o ponto culminante da Reforma, na medida em que o
movimento evangélico suscitou também o entusiasmo popular que encontrava nas idéias luteranas a
base para sustentar suas reivindicações (revolução dos cavaleiros, dos anabatistas e dos
camponeses). Mas o movimento escapou das mãos do reformador e a anarquia e o caos alastraram-
se pela Alemanha. Lutero, que inicialmente reconhecera como justas muitas reivindicações dos
camponeses, depois exortou os príncipes a sufocar a rebelião em sangue(1525). Essa aliança com os
príncipes acarretou-lhe uma grande perda de popularidade. Foi um momento crucial para Lutero
que, embora sabendo dos perigos ao encontro dos quais caminhava, acabou reconhecendo no
príncipe e no Estado o apoio de que sua reforma tinha necessidade. Com a sujeição do movimento
ao poder civil, a renovação interior da Igreja por ele pregada recebia um duro golpe. A partir de
1524, começou a divisão política e confessional da Alemanha, segundo o princípio posteriormente
aprovado na Paz de Augusta entre protestantes e católicos (1555): "Cuius regio, eius et
religio"("Quem manda na região, manda também na religião", isto é, os súditos devem seguir a
religião do príncipe). Nesses anos, foi criada a palavra "protestante", quando um grupo de príncipes
e de cidades protestaram contra a decisão do imperador Carlos V de revogar uma decisão anterior
(primeira Dieta de Espira em 1526), que dava aos príncipes a liberdade de aderirem ou não ao
movimento da Reforma (segunda Dieta de Espira em 1529). Houve também profundas mudanças da
liturgia, nas comunidades e nas Igrejas territoriais evangélicas. Muitos conventos ficaram vazios,
muitos frades, freiras e padres diocesanos casaram.
3.º Na Dieta de Augusta (1530), os luteranos apresentaram sua profissão de fé (Confissão
Augustana), que assumiu para a Igreja luterana o valor de um símbolo de fé. A Igreja católica
replicou, mas a conseqüência de tudo foi simplesmente a constatação de que a divisão era um fato
consumado e irreversível. Com efeito, os Estados evangélicos formaram, em 1531, a Liga de
Esmalcalda, sinal de que a Alemanha setentrional tornara-se quase totalmente luterana. Houve
também tentativas de reconciliar algumas divergências doutrinais, que tinham surgido dentro do
próprio movimento evangélico, mas sem êxito. O imperador Carlos V conseguiu dominar a
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oposição protestante, derrotando a Liga de Esmalcalda em Mühlberg (1547), mas essa vitória
militar contra um movimento espiritual não deu nenhum resultado.
4.º O Concílio de Trento, convocado pelo papa em 1536 e iniciado só no final de 1545, chegou
tarde demais para restabelecer a unidade da Igreja. A Paz de Augusta (1555) não tinha outra
alternativa senão a de reconhecer a situação existente naquele momento, sancionando a divisão da
Alemanha, segundo a geografia religiosa. A Reforma dividiu-se em duas tendências - luterana e
calvinista - que se combateram constantemente e de forma acentuada. O período de 1555 a 1648
representou o ponto culminante do absolutismo confessional. Em resumo, quem tomou conta das
Igrejas foi mais uma vez o poder político: na qualidade de "summus episcopus"(bispo supremo),
assistido por representantes eclesiásticos, estava o príncipe. Essa função do soberano permaneceu
na Alemanha evangélica, até a queda do imperador, em 1918.
5.º Uma reforma marcada pelo humanismo bíblico e fortemente politizada foi introduzida na Suíça
por Zwinglio e influenciou as regiões da Alemanha meridional, mas foi logo absorvida pelo
calvinismo. Este, muito mais importante, iniciou-se em Genebra, na Suíça de língua francesa,
espalhou-se pela França e por outros países europeus (Inglaterra, Escócia, Hungria, Polônia,
Holanda e também por muitos territórios e cidades da Alemanha). Calvino deu ao seu movimento
de reforma um caráter "presbiteriano-democrático", frisando quatro ministérios eclesiais (pregador,
doutor, ancião, diácono) e introduzindo uma rigorosa disciplina eclesiástica. A Igreja "reformada"
ou "presbiteriana" acabou se transformando numa poderosa força política. Um pouco mais tarde,
tornou-se uma Igreja militante internacional, protagonista no desenvolvimento cultural e econômico
nos países onde se instalou.
O resultado final do movimento da Reforma não foi o restabelecimento do cristianismo das origens,
mas uma de suas mais dolorosas divisões. Da única Igreja de Cristo surgiram várias Igrejas que
combatiam duramente no campo confessional com a Igreja católica e entre si, provocando graves
conseqüências ao longo desses últimos séculos. Todas as tentativas de reconciliação não tiveram
êxito.
Somente no séc. XX acordou, em todas as Igrejas cristãs, a consciência da pertença comum e a
aspiração de todos os cristãos para formar uma autêntica fraternidade na única Igreja de Cristo.

A doutrina essencial do processo da Reforma


Podemos dizer que a doutrina comum e fundamental sustentada pelos três grandes reformadores -
Lutero, Zwinglio e Calvino - apresenta resumidamente três dimensões:
a prioridade das Escrituras, a justificação pela fé e o sacerdócio universal dos fiéis.
A prioridade das Escrituras. Para as Igrejas surgidas da Reforma, o conjunto de textos do Antigo e
Novo Testamento - as Escrituras - representam a única autoridade em matéria de fé, isto é, toda
verdade em que acreditamos deve estar contida neles. A Escritura é uma mensagem de Deus para
nós: ela narra o encontro misterioso de Deus com seu povo, o povo escolhido, ou seja, o povo judeu
e agora, a Igreja, o novo povo de Deus. Narra também a encarnação de Deus em Jesus Cristo morto
e ressuscitado e deixa transparecer a verdade e a justiça do Criador. Se a Escritura é mensagem de
Deus, cada um pode e deve se alimentar dessa Palavra.
Para ajudar as pessoas a ler e a entender a Bíblia, o Espírito Santo dá, segundo o pensamento de
Lutero, seu testemunho interior, iluminando as mentes e dirigindo os corações dos fiéis, sem a
necessidade da interpretação da Igreja: é o princípio do "livre exame" da Palavra de Deus.
É preciso reconhecer que Lutero teve grandes méritos no que se refere à divulgação da Palavra de
Deus: de um lado, ele estimulou sua leitura no meio do povo, do outro, os estudos para um
conhecimento cada vez mais aprofundado dos textos sagrados.
Uma parte da Bíblia foi escrita em hebraico, outra, em grego e, mais tarde, foi traduzida para o
latim. Até a Reforma, ela só podia ser lida nessas línguas e, portanto, poucas pessoas tinham acesso
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direto à Palavra de Deus. O povo podia conhecê-la apenas através das homilias e da catequese.
Assim, a primeira coisa que os reformadores fizeram foi traduzir as Escrituras para torná-las
acessíveis a todos visto que, segundo eles, essas não necessitam de intermediários para serem
compreendidas.
Com efeito, os reformadores recorrem ao testemunho da Bíblia para interpretar os acontecimentos
vividos pelo povo de Deus ao longo do tempo, mas procurando fugir de um perigo: o de pensar que
precisamos entender tudo o que está na Bíblia ao pé da letra, como se ela fosse um código
definitivamente fixo e imutável. Uma palavra, uma frase e certas comparações podem ter, agora,
alguns milhares de anos depois, um significado diferente do que tinham quando foram escritas. É
preciso buscar o verdadeiro significado do que se encontra na Bíblia para entender o que o autor
quis dizer quando escreveu um determinado texto.
É assim que Lutero entendia que a Bíblia devia ser interpretada, é assim que os católicos pensam
também. Algumas seitas, que se chamam cristãs e que vieram muito tempo depois da Reforma,
tendem a interpretar cada palavra da Bíblia ao pé da letra: é uma atitude perigosa que pode levar ao
fundamentalismo e ao radicalismo.
Por isso, o movimento da Reforma introduziu o princípio do estudo da Palavra de Deus à luz da
pesquisa crítica, histórica, lingüística e teológica.
Para a Igreja católica e ortodoxa, a Tradição também é um critério para julgar a veracidade da fé
cristã. Quando falamos em Tradição, entendemos as obras dos escritores cristãos da Igreja primitiva
(época patrística), as definições dos concílios (reuniões gerais de todos os bispos convocadas pelo
papa), o ensinamento oficial da Igreja (Magistério) e a fé do povo. Isso quer dizer que a Igreja
católica e a ortodoxa não se baseiam somente na Sagrada Escritura para fundamentar as verdades da
fé, mas também nas outras fontes.
Lutero não aceitou a Tradição. Numa atitude polêmica contra a Igreja católica, considerou a Bíblia
como único critério sobre o qual se baseia nossa fé. Por exemplo, analisando os sete sacramentos a
partir das bases bíblicas, ele chegou à conclusão de que só o Batismo e a Ceia (Eucaristia) estão em
conformidade com a Escritura e que todos os outros foram instituídos pela Igreja.
A justificação pela fé. A doutrina da justificação pela fé, uma das causas da ruptura de Roma com
Lutero e de Lutero com Roma, segundo interpretação dos reformadores, decorre essencialmente do
pensamento de são Paulo, sobretudo na Carta aos Romanos. Lutero quis realçar o fato de que a
salvação não seria fruto da conquista do homem mediante suas obras, mas dom do amor de Deus.
Isso poderia levar à conclusão de que não adianta esforçar-se para fazer o bem e conseguir a
salvação eterna, pois a sorte de cada um já estaria determinada por Deus, independentemente do
fato de a pessoa agir bem ou mal nesta vida.
Basta aceitar, diz Lutero, Cristo como Salvador, isto é, basta crer com confiança que Deus Pai, em
vista dos méritos de Jesus, não leva em conta os pecados do indivíduo: assim, a fé confiante faz
com que Deus nos recubra com o manto dos méritos de Cristo, declarando-nos justos. A doutrina da
justificação pela fé não nega que as boas obras tenham seu valor, mas nega que influam na
salvação, pois não passam de sinal da fé e de ato de culto que o homem presta a Deus. Não
podemos esquecer o fato de que a intuição reformadora da justificação pela fé surgiu de uma
experiência pessoal de Lutero que, em sua crise espiritual, buscava um Deus misericordioso que
salva apenas por um ato de sua bondade infinita.
Podemos lembrar também algumas afirmações de Lutero sobre as quais se baseia a doutrina da
justificação:
• a natureza humana está radicalmente corrompida pelo pecado original;

• a vontade humana não pode fazer nada para alcançar a salvação;


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• a má inclinação e a tendência ao mal, no homem, não podem ser eliminadas;

• o processo de salvação está relacionado unicamente com a fé.


Se é Deus quem faz tudo, se a vontade humana nada pode fazer e se as obras do homem não servem
para alcançar a salvação, Lutero conclui que não é necessário nenhum sacerdócio, nem conventos
nem votos religiosos, pois estes não passam de instituições em que o homem ocupa um lugar que
seria de Deus. Tudo isso foi o principal instrumento de luta contra os abusos e as deformações do
cristianismo da época e, particularmente, contra a cúria romana e o papado que o reformador
identificava com o anticristo. Toda essa polêmica visava a reconduzir a Igreja a uma renovação e a
uma reforma que levasse a viver a vida cristã com mais seriedade e profundidade, visto que, muitas
vezes, esta se reduzia a meros gestos exteriores e sem vida. Além do mais, Lutero queria dar
destaque e importância a Deus e a Jesus Cristo, em oposição às tendências da época - o
Renascimento - que valorizava demais as capacidades intelectuais humanas. Tanto Lutero como
todos os outros reformadores proclamaram que somente Deus, por uma graça absolutamente
gratuita, oferece aos homens a salvação que não pode ser 'comprada' nem 'merecida', em vista do
que fizemos de bom na vida, mas que é dada a quem tem fé, isto é, àquele que aceita que somente
Deus pode salvar. Em outros termos, não seria necessário que o homem tivesse um bom
comportamento para ser amado por Deus, basta que o tenha porque ele é amado por Deus!
Portanto, a doutrina da justificação pela fé opõe-se a toda tentativa de obedecer às leis, à moral e de
fazer o bem, práticas vistas como meios que garantem a salvação. Devemos fazer isso, sim, mas de
maneira desinteressada, como resposta ao amor de Deus por nós.
O sacerdócio universal dos fiéis. As Igrejas da Reforma não se apresentam como uma instituição
imutável. Para elas, é natural evoluir, transformar-se e enriquecer-se de novas perspectivas. Com
efeito, a Igreja existe em conformidade com a Palavra de Cristo: "Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles" (Mt.18, 20). Isso significa que a Igreja -
organização humana e, portanto, falível - não pode ser considerada, pelos reformadores, como
intermediária entre Deus e os fiéis: ela é simplesmente o espaço e o tempo reservado ao anúncio da
Palavra de Deus.
Para o protestante, entre o homem justificado pela fé e Deus, não há sacerdote a não ser Jesus, que
está nos céus, e não há outro mestre a não ser o Espírito Santo, que fala nas Escrituras e no coração
de cada um.
Os pastores, nas Igrejas da Reforma, não são sacerdotes: eles não possuem nenhum poder especial
que os distinga dos leigos. Esses, teoricamente, podem realizar as mesmas funções, todas as vezes
que houver necessidade, ou que a autoridade o peça. Lutero, ao falar do sacerdócio de todos os fiéis,
afirmou, em 1520, que "todos os cristãos batizados podem gloriar-se de ser padres, bispos e papa",
embora nem sempre seja conveniente que isso aconteça. Com isso, Lutero quis mostrar que todos os
leigos são chamados a participar ativamente da vida da Igreja.

A Igreja anglicana
O movimento reformador de Lutero não foi o único daquela época. Também na Inglaterra, quase na
mesma época, mas por outros motivos, houve uma revolta contra a Igreja católica que levou à
separação entre Roma e Cantuária (sé do arcebispo primaz da Igreja anglicana).
É freqüente ver nessa ruptura apenas a conseqüência das paixões de Henrique VIII da Inglaterra. O
rei, que havia sido declarado "defensor da fé" pelo papa Leão X, pediu a anulação do seu casamento
com Catarina de Aragão, mas o pontífice não a concedeu. Assim, em 1534, Henrique VIII deixou
de reconhecer a autoridade papal e separou-se da Igreja católica. Considerar esse como o único ou,
praticamente, o mais importante fator da separação da Igreja inglesa de Roma é fruto de uma
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mentalidade simplista que desconhece a história. Na separação, influiu e muito também o caráter
particularista do povo inglês, o seu desejo de independência ou, pelo menos, de grande autonomia.
O Prayer Book (Livro da Oração Comum) da Igreja anglicana afirma que eles se consideram "uma
Igreja católica para toda a verdade de Deus e protestante contra todos os erros dos homens". A
Igreja anglicana não reconhece a autoridade do papa e distancia-se de Roma a respeito de algumas
questões de doutrina. No entanto, conserva vários elementos católicos, como os sacramentos, os
ritos litúrgicos e o conceito de hierarquia, baseado nas figuras do padre e do bispo; ao mesmo
tempo, introduz alguns elementos característicos da reforma protestante, como a abolição das
ordens religiosas, o casamento dos padres e o lugar central da Bíblia nas celebrações religiosas.
Na Igreja anglicana distinguem-se a High Church (literalmente Igreja Alta, "anglo-católica" muito
próxima ao catolicismo), e a Low Church, (Igreja Baixa, com muitos elementos protestantes,
praticamente "evangelical").
Todavia, trata-se de uma única Igreja. Numa mesma diocese, encontramos paróquias com traços
acentuadamente católicos e outras com expressões mais evangélicas, porém, ambas em plena
comunhão com o bispo local.
No mundo inteiro, existem 34 províncias ou Igrejas nacionais em plena comunhão com a Sé de
Cantuária. Por isso, o arcebispo de Cantuária é o símbolo da unidade Anglicana. As Igrejas da
Unidade Anglicana estão interligadas por laços de afeição e lealdade comum. Em cada país, cada
província tem um nome próprio. Ex. : em Portugal, Igreja evangélica católica lusitana; na Espanha,
Igreja episcopal reformada; na Inglaterra, simplesmente Igreja da Inglaterra e no Brasil, Igreja
episcopal anglicana do Brasil.
Atualmente, existe uma comissão de alto nível, nomeada pela Santa Sé e pela Sé de Cantuária, que
se reúne periodicamente e que vem produzindo vários documentos, mostrando os pontos de
convergência entre as comunhões romana e anglicana.
Desde a década de 60, o arcebispo de Cantuária tem mantido encontros com o papa. Vale lembrar
que, quando João Paulo II esteve na Inglaterra, visitou a catedral de Cantuária.

A Igreja metodista
Pela iniciativa de John Wesley (1703-1791), pastor anglicano formado pela Universidade de
Oxford, surgiu, nos meados do século XVIII, outro movimento de renovação religiosa. Suas
características espirituais marcantes são: estudo metódico da Bíblia (daí o nome de "metodista");
horas fixas reservadas diariamente à oração; participação quotidiana da santa Ceia e prática de obras
de caridade.
Quando a Igreja Anglicana proibiu a John Wesley de pregar em seus templos, ele começou sua
pregação itinerante ao ar livre, dirigindo-se principalmente às massas proletárias provenientes da
incipiente Revolução Industrial. Do ponto de vista espiritual, o movimento metodista exigia
conversão e mudança radical de estilo de vida. No aspecto social, organizava "cruzadas" contra a
escravidão, o alcoolismo, a prostituição e promovia obras assistenciais em favor das vítimas de
calamidades sociais. O movimento não chegou a formar uma Igreja separada da anglicana, embora
conservasse, de forma simplificada, a mesma riqueza litúrgica. Mais do que doutrina, o metodismo
acentua a vida prática e a experiência religiosa.
Wesley morreu como presbítero, em plena comunhão com a Igreja anglicana. Só anos após sua
morte é que seus seguidores romperam com a Igreja da Inglaterra. Hoje, porém, existe um forte
movimento trabalhando para a união de metodistas e anglicanos.
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O movimento anabatista
Para muitos protestantes do século XVI, a Reforma não pareceu bastante radical. Outro
grupo,denominado "anabatista", visava a uma renovação da Igreja até às conseqüências mais
extremas.
Queriam seus idealizadores uma Igreja espiritual, sem hierarquia visível e constituída
exclusivamente por pessoas cuja adesão à Palavra de Deus fosse plenamente consciente. O batismo,
portanto, deveria ser ministrado só aos adultos e não às crianças. Todo fiel que quisesse aderir a
esse movimento, deveria ser rebatizado. Daí, o nome de "anabatistas" ou "rebatizadores".
Pregavam eles uma total independência frente às autoridades civis; queriam viver separados do
"mundo". Alguns isolaram-se pacificamente para fundar suas comunidades; outros enfrentaram
violentamente a autoridade civil, considerada corrupta e perseguidora. Em 1534, um grupo ocupou
a cidade de Münster, na Alemanha, matando os adversários do regime político e denominando a
cidade "Nova Jerusalém". No ano seguinte, a cidade foi ocupada pelas tropas fiéis ao governo e
toda a população masculina foi massacrada.
A partir dessa data, os anabatistas foram sempre perseguidos, contudo, uma parte deles, relacionada
com o calvinismo holandês, organizou-se nas comunidades dos menonitas, assim chamados por
causa de seu fundador, Menno Simons. Eles também só aceitavam o batismo de adultos, mas eram
pacíficos e reconheciam a autoridade civil, desde que não lhes impusesse obrigações em oposição à
Palavra de Deus.

A Igreja batista
O pastor anglicano inglês John Smyth (1570-1612) é considerado fundador das primeiras
comunidades denominadas "batistas". Também ele queria uma reforma mais radical e não se
conformava com a organização hierárquica da Igreja anglicana, isto é, com o fato de bispos e padres
ocuparem os lugares de comando. Perseguido por suas idéias, teve que se refugiar na Holanda. Lá
encontrou um padeiro menonita que o convenceu da não validade do batismo ministrado às
crianças. Ele mesmo se batizou novamente e, voltando à Inglaterra, fundou a Igreja batista que, no
século XVIII, estabeleceu-se sobretudo nos Estados Unidos, espalhando-se, em seguida, pelo resto
do mundo.
Características típicas dessa religiosidade viva, que constantemente apela para uma decisão e um
compromisso pessoal, são:
• batismo dos fiéis como testemunho de fé e sinal da graça divina;

• sacerdócio universal dos fiéis, sem qualquer distinção entre pastores e leigos;

• estrutura eclesial que afirma a autonomia da comunidade local;

• negação de todo ritualismo, para deixar espaço à religiosidade espontânea e individual.

Movimentos colaterais à Reforma

Entre as correntes religiosas da época, podemos lembrar a dos antitrinitários, chefiados por Miguel
Servet, o qual foi condenado à fogueira em 1553, em Genebra, por Calvino.
Não podem ser consideradas parte integrante do protestantismo os movimentos pseudo-cristãos:
mórmons, testemunhas de Jeová, Igreja universal do Reino de Deus, os meninos de Deus.
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Conclusão
Os objetivos da Reforma acabaram também sendo instrumentalizados pelo poder político. A tão
proclamada liberdade do Evangelho e de seus pregadores, em pouco tempo, foi fechada dentro de
um sistema de Igrejas de Estado ou de Igrejas nacionais, sob controle dos príncipes.
A partir da intuição e do desejo de reforma e de renovação do cristianismo e da Igreja, surgiram
muitas Igrejas cristãs e novos movimentos religiosos, com diversas e diferentes confissões de fé. O
luteranismo, o calvinismo e o anglicanismo foram as principais Igrejas dentro de um movimento
complexo e diversificado.
Para a Igreja católica, tudo isso representou uma das mais amargas experiências de sua história. A
Europa setentrional, de cultura germânica, e muitas outras regiões européias separaram-se da antiga
Igreja. Nas Igrejas territoriais evangélicas, foi suprimido todo elemento católico. Houve muita
desconfiança, luta, incompreensão entre as Igrejas cristãs e só mais tarde, a partir do movimento
filosófico chamado Iluminismo, abriu-se o caminho da tolerância recíproca entre elas.
Aos poucos, percebeu-se também que é preciso algo mais que a simples tolerância. Neste século,
diante da constatação da existência de várias Igrejas que querem ser cristãs, começou a surgir esta
preocupação: como eliminar as barreiras e os preconceitos para chegar a uma convivência pacífica e
até a uma verdadeira amizade entre os cristãos? Já no século passado, na Europa, com o
movimento de Oxford buscava-se a união das Igrejas. E no começo deste século, as igrejas de
tradição evangélica deram início ao movimento ecumênico que as levou, mais tarde, a fundar
o Conselho Mundial de Igrejas. O próprio papa João XXIII falou em "encontrar-se para conhecer-
se e conhecer-se para amar-se". O movimento ecumênico conseguiu sensibilizar os católicos,
especialmente após o Concílio Vaticano II (1963-1965).
Antes, já se falava dos protestantes como irmãos separados, mas se pensava assim: eles, que saíram
da Igreja, devem voltar e então, haverá unidade. Agora, pensamos assim: todas as Igrejas cristãs
devem fazer uma boa reflexão para ver se são totalmente fiéis ao ensinamento de Cristo e se
aceitam todo o Evangelho ou só em parte. Esse exame de consciência, essa conversão a Cristo, que
todos os cristãos devem fazer, são condições iniciais e indispensáveis para que se possa continuar o
discurso sobre unidade entre os cristãos, eliminando, aos poucos, as barreiras e as incompreensões.
Na Igreja católica, depois do Concílio, houve, com efeito, profundas mudanças na liturgia, no
relacionamento da Igreja com o mundo, com as outras Igrejas e religiões, com as ideologias não
religiosas e até com o ateísmo. A perspectiva atual das Igrejas cristãs não é mais de desconfiança ou
de condenação, mas de positiva e recíproca compreensão, na acolhida de novas idéias e
experiências.
Questões para sua reflexão
1.º Se fosse possível fazer um julgamento crítico da atuação de Lutero e considerando a situação
histórica daquela época, quais outras atitudes você acha que ele poderia ter tomado e que não
levassem à separação?
2.º Em sua opinião, quais são os pontos mais significativos que unem e "separam" protestantes,
anglicanos e católicos?
3.º Procure descobrir a diferença entre "ecumenismo"e "diálogo inter-religioso" e analise quais as
mudanças que ambos poderiam trazer para as relações entre os povos.

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