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Diocese de Cametá

Paróquia Nossa Senhora da Assunção


Catequese para Crismandos

A Doutrina do Purgatório

Existe a doutrina do Purgatório? Qual a fundamentação dessa doutrina


católica?
A DOUTRINA HERÉTICA chamada Sola Scriptura ('somente a Bíblia': as
Sagradas Escrituras como única regra de fé e prática) é a principal dificuldade para a
compreensão da realidade do Purgatório, apenas porque essa palavra específica não se
encontra, literalmente, escrita nas páginas da Bíblia.
O problema maior, evidentemente, não está em ter-se a Escritura como regra (nós
também a temos), mas sim em tê-la como única e exclusiva regra, principalmente
devido às múltiplas interpretações possíveis do Livro sagrado. É perfeitamente possível
interpretar qualquer texto – mesmo o Texto inspirado – de maneiras inúmeras, muitas
vezes contraditórias entre si, e a prova disso está na diversidade de "igrejas" que se
multiplicam incessantemente e disputam pela correta compreensão das Escrituras. Nesse
triste cenário, a verdade mais óbvia é sempre deixada de lado: a correta interpretação de
um texto só pode partir daquele que o produziu e autenticou – no caso da Bíblia
Sagrada, a Igreja Católica.
Sobre este assunto, já respondi da seguinte maneira a um colega de classe
protestante que se dizia mais livre do que nós, católicos, por supostamente não precisar
observar dogmas: "Como, se o único dogma que vocês observam é como uma cadeia"?
O Sola Scriptura é o grande dogma protestante, não há dúvida disto, e os protestantes
põem-se como que acorrentados à letra do Livro, sendo que esse mesmo Livro diz: "Vós
sois a carta de Cristo escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em
tábuas de pedra (ou em folhas de papel), mas nas tábuas de carne (e nas páginas) do
coração (...) o qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo Testamento,
não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata e o Espírito vivifica" (2Cor 3,3.6).
Controvérsias à parte, fato é que o Purgatório está – sim senhor –, ensinado nas
Escrituras, e de modo claro, mesmo que não literalmente. Antes de abraçar o ingrato
trabalho a que sempre nos obrigam, de demonstrar se "está escrito", ou se "não está
escrito", seria interessante analisar a questão de uma maneira um pouco menos
simplória.
A existência do Purgatório, antes de tudo, é uma simples exigência da razão
humana – que nos foi dada por Deus e que nos torna humanos, porque sem esta
seríamos iguais aos animais irracionais. A existência do Purgatório é também uma
prova cabal do Amor que Deus tem por nós. Pare um pouco o leitor e pense: se nós,
seres humanos falhos e imperfeitos, tentamos aplicar penas justas aos criminosos,
proporcionais à gravidade dos crimes cometidos, e sabemos ser ainda mais
misericordiosos quando são nossos filhos que pecam contra nós, quanto mais o Deus de
Misericórdia Infinita (Lm 3,22), Deus que é Amor (1Jo 4, 8), não saberia lidar com os
pecadores de acordo com as suas culpas? Imagine um sujeito que, por sentir fome,
furtou um pacote de biscoitos no mercado. Logo depois, ele atravessa uma rua e é
atropelado, vindo a falecer de imediato. Imagine que essa pessoa tenha sido batizada e
que seja temente a Deus, que creia em Nosso Senhor Jesus Cristo e que tenha muitas
vezes praticado boas obras durante a sua vida.
Bem, tal pessoa pecou contra o sétimo Mandamento da Lei de Deus – "Não
roubarás" (Ex 20,15; Dt 5,19; Mt 19,18) – e segundo a compreensão protestante
"clássica" (se podemos chamar assim) por cometer pecado está afastado da perfeita
Comunhão com o Pai Celestial. E em nosso exemplo morreu sem confessar esse
pecado. Mas... Será que esse ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus – e
esse filho de Deus pelo Batismo – mereceria receber como pena, por ter furtado um
pacote de biscoitos para saciar a sua fome, uma pena eterna? Sofrer para todo o sempre
em um inferno de chamas? Será que esse castigo seria compatível com a perfeita Justiça
Divina, proclamada no verso 137 do Salmo 119? E com a Misericórdia infinita de Deus,
cantada no Livro das Lamentações (3, 22)? Seria de se esperar do Deus que é definido
como o próprio Amor por João Apóstolo (1Jo 4,8)?
'Provando biblicamente' a existência do Purgatório
A palavra “Purgatório” não aparece literalmente na Bíblia. Esse termo foi definido
pela Igreja. A mesma Igreja que a própria Bíblia Sagrada declara ser "a coluna e o
sustentáculo da Verdade" (1Tm 3,15) e a mesma Igreja que definiu o cânon da própria
Bíblia, isto é, a lista dos Livros que estariam na Bíblia por serem verdadeiramente
inspirados, para começar a conversa.
Aqui é importante abrir parênteses para lembrar que nós, cristãos católicos,
reconhecemos a realidade do Purgatório desde o primeiro século da Era Cristã, isto é,
desde antes de o Novo Testamento da Bíblia existir enquanto tal. Mas a verdade é que,
mesmo que a palavra em si não se encontre, a realidade do Purgatório, esse lugar ou
estado de purificação das almas, é facilmente encontrado nas Escrituras, como veremos
agora.
Gregório Magno, Papa e Doutor da Igreja, no ano de 593dC já explicava o
Purgatório conforme a Bíblia, nas palavras de Cristo:
“Aquele que é a Verdade, Jesus, afirma que existe antes do Juízo um fogo
purificador, pois Ele disse: ‘Se alguém blasfemar contra o Espírito Santo, não
lhe será perdoado nem neste século nem no século futuro’ (Mt 12,32). Vemos
então que certas faltas podem ser perdoadas neste mundo (neste século), e
outras, num mundo (ou século) futuro. O pecado contra o Espírito não será
perdoado neste mundo e nem no mundo futuro. Mostra o Senhor Jesus, então,
que há pecados que serão perdoados após a morte.”1

Em 1Coríntios, São Paulo Apóstolo também ensina a realidade do Purgatório: fala


por metáforas dos que constroem as suas casas sobre o Fundamento que é Cristo: alguns
utilizam material resistente ao fogo, outros usam materiais que não resistem ao fogo.
Paulo apresenta o Juízo de Deus justamente como fogo a provar as obras de cada um. Se
a obra resistir, seu autor “receberá uma recompensa”; se não resistir, seu autor sofrerá
uma pena, mas essa pena não é a condenação eterna, pois o texto diz que aquele cuja
obra for perdida ainda se salvará: “Este perderá a recompensa; ele mesmo,
entretanto, será salvo, mas como que através do fogo” (1Cor 3,15).
Ainda em Mc 3,29, Jesus dá uma imagem nítida do Purgatório:
“O servo que, apesar de conhecer a Vontade de seu Senhor, lhe desobedeceu,
será açoitado com numerosos golpes. Mas aquele que, ignorando a Vontade
de seu Senhor, fizer coisas repreensíveis, será açoitado com poucos golpes.
(Lc 12,45-48)”

Aí está o que a Igreja chama de Purgatório: Jesus mesmo ensina que, após a
morte, há um estado em que os que foram pouco fiéis serão purificados por algum
tempo, de acordo com suas culpas, e não eternamente. Será maior ou menos o castigo,
conforme cada caso.
Outra passagem bíblica que confirma o Purgatório é Lucas 12, 58-59:
“Faze o possível para entrar em acordo com o teu adversário no caminho até
o magistrado, para que ele não te arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao
executor, e o executor te ponha na prisão. Digo-te: não sairás dali até pagares
o último centavo.”

O Cristo não diz: “Nunca mais sairás dali”, mas ensina claramente: ao fim desta
vida, seremos entregues ao Juiz, que poderá nos mandar a uma prisão de onde não
sairemos até saldarmos as nossas dívidas – mas da qual um dia sairemos. A condenação
não é eterna em alguns casos, diferentes dos casos daqueles que vão ao Inferno. A
mesma afirmação está em Mt 5, 22-26.
Mais: em 1Pedro (3,18-19; 4,6) vemos uma outra afirmação que nos leva
inequivocamente à conclusão da existência do Purgatório:
“Cristo padeceu a morte em carne, mas foi vivificado quanto ao Espírito.
Neste mesmo Espírito Ele foi pregar aos espíritos detidos na prisão: aqueles
que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes.”

Obviamente, o Cristo não teria porque pregar àquelas almas se elas não tivessem a
possibilidade de salvação: vemos que os antigos estavam numa “prisão” temporária.
Ainda que esse caso seja diferente e não se refira propriamente ao Purgatório, aí está
novamente o mesmo conceito de Purgatório na Bíblia: um estado onde as almas
aguardam pela Salvação definitiva. Não é o Céu de alegria eterna na Presença de Deus,
mas também não é um lugar de tormento eterno e irremediável. É um lugar ou estado da
alma onde os espíritos permanecem em espera e em purificação, um lugar ensinado
claramente na Bíblia Sagrada, inclusive pelo próprio Senhor Jesus Cristo.
Jardel Soares Farias
Licenciatura Plena em Filosofia e Bacharel em Teologia
Pela Faculdade Católica de Belém

Referências:

Biblia de Jerusalém. Ed.Paulus. 2012.

São Gregório Magno, Diálogos 4,39.


CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

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