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O Espiritismo em face

do Evangelho
Ligeiro paralelo entre alguns
dogmas fundamentais do
Evangelho e do Espiritismo

1.° — 10.° milheiro

EDIÇÃO DO
Centro da Boa Imprensa do Rio Grande do Sul

Antigo Seminário - Porto Alegre

IMPRIMI POTEST
Porto Alegre, 21-10-1928.
P. Pedro Lenz S. J
Provincial

IMPRIMATUR
Porto Alegre, 4-II-1929
Mons. João Emílio Berwanger
Pró-vigário geral.

1
O Espiritismo em face
do Evangelho

I. - CARÁTER ANTI-
EVANGÉLICO DO
ESPIRITISMO
Há anos, lancei à publicidade uns folhetos em que demonstrava o
cunho visceralmente anticristão do espiritismo.
Foi faísca em caixa de pólvora!
Abespinharam-se grandemente os meus bons amigos, lá dos arraiais
de Alan Kardec. É que lhes doía aos olhos a luz da verdade, bem como às
aves noturnas lhes dói a luz do sol. Publicaram panfletos em grande número
e escreveram-me cartas anônimas até para a Europa, onde eu me achava
então, temporariamente. Colecionei umas quantas daquelas belezas e trago-
as aqui, bem guardadinhas, na gaveta — ad perpetuam rei memoriam.
Às vezes, em momentos de lazer, passo os olhos por essa literatura
espiriteira, e verifico então que a nota dominante de todas essas epístolas e
pasquins se resume na frase seguinte:

O espiritismo é o Evangelho de Cristo em toda a sua pureza, ao


passo que a Igreja Católica representa o Evangelho adulterado pelo
clero romano.

É esta uma das pretensões fundamentais do espiritismo.


Provei à evidencia, nos ditos folhetos, (e outros autores o têm provado
ainda melhor, em obras de fôlego) que o espiritismo está para o Evangelho
assim como a noite para o dia, como as trevas para a luz, como o erro para a
verdade, como o Cristianismo adulterado para o Cristianismo genuíno.
Entretanto, a verdade tem de ser repetida uma e muitas vezes, para
calar nos espíritos. A verdade tem poucos amigos neste mundo; acontece-lhe,
não raro, o que sucedeu Àquele que é o "caminho, a verdade e a vida": veio ao
que era seu, e os seus não o receberam, porque as suas obras eram más; não
havia lugar para a eterna Verdade, nas hospedarias de Belém — e tão pouco
o há para a verdade do seu Evangelho.
Passarei, pois, a estabelecer um rápido paralelo entre as doutrinas
básicas do Evangelho e as do espiritismo — e veremos se as duas doutrinas
concordam ou discordam, ao menos nos dogmas fundamentais.
Falo a homens de boa vontade. Quem fizer questão cerrada consigo
mesmo de não se dobrar à verdade e perseverar a todo o transe na sua
opinião, não leia estas paginas. Mas, quem procurar deveras a verdade e
tiver vontade séria de aderir-lhe, qualquer que ela seja, esse, sim, leia com
atenção o confronto que faço a seguir.

2
1 - Santíssima Trindade

O Evangelho ensina que há um só Deus em três pessoas realmente


distintas. Diz, por exemplo, Jesus Cristo a seus discípulos: "Eu rogarei ao
Pai, e ele vos mandará outro consolador, para ficar convosco eternamente. O
consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á
todas as coisas" (Jo. 14, 16 e 26).
Ora, aqui temos, evidentemente, três pessoas distintas: Jesus, que
fala; o Pai, a quem Jesus pedirá; e o Espírito Santo, que será enviado pelo
Pai, em nome de Jesus. Ninguém pede a si mesmo, ninguém envia a si
mesmo!
Pelo que, antes da sua ascensão, diz Jesus aos Apóstolos: "Ide, instruí
todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"
(Mat. 28, 19).
Nesta passagem, vêm todas as três pessoas divinas na mesma
categoria, sendo, pois, igualmente dignas e perfeitas.
O Pai é verdadeiro Deus.
O Filho é verdadeiro Deus.
O Espírito Santo é verdadeiro Deus.
São três pessoas distintas existentes em uma só natureza divina.
Aí está, claramente expresso, o grande mistério da SS. Trindade,
mistério que, desde os tempos dos Apóstolos até hoje, foi professado pela
Igreja Católica — essa mesma Igreja a quem Jesus disse: "As portas do
inferno não prevalecerão contra ela" (Mat. 16, 18).
Neste particular está, por conseguinte, a Igreja Católica de perfeito
acordo com o que vem registrado no Evangelho de Cristo.
E o espiritismo?
Nega o mistério da SS. Trindade! Ensina que há só uma pessoa em
Deus: o "Pai celeste". Verdade é que, por vezes, também o espiritismo
intitula "Deus" a Jesus Cristo e ao Espírito Santo; mas não em sentido
próprio, como o entendem os Evangelhos e a Igreja Católica para o espírita,
Jesus Cristo e o Espírito Santo não são iguais ao Pai celeste — o que
equivale a uma negação da divindade da segunda e terceira pessoa da SS.
Trindade.
Portanto, o espiritismo nega o que o Evangelho afirma. Será amigo de
Cristo?

2 — Divindade de Cristo

Ensina o Evangelho que a segunda pessoa da SS. Trindade, o Verbo


eterno, assumiu a natureza humana e desceu a esta terra, verdadeiro
homem, sem deixar de ser Deus verdadeiro.
Haja vista palavras como estas: "No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus. Esse é que estava com Deus, no
princípio. Tudo foi feito pelo Verbo, e nada do que se fez foi feito sem ele... E
o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua gloria, a gloria do
Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade" (Jo., 1, 1-14).

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Afirma, pois, o Evangelho que Jesus Cristo era Deus desde o
princípio, isto é, desde a eternidade, e que, ainda depois de assumir a
natureza humana, continua a ser Deus.
Eis aí o dogma fundamental do Cristianismo, a divindade de Cristo!
Quem destrói este alicerce, destrói pela raiz a religião de Cristo.
É o próprio Jesus Cristo que, uma e muitas vezes, assevera a sua
divindade:
"Eu e o Pai somos um" (Jo. 10, 30). "Antes que Abraão fosse feito, eu
sou" (Jo. 8, 58).
À interrogação de Jesus: "Quem dizeis vós que eu sou?" responde
Simão Pedro: "Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo" (Mat. 16, 16). É uma
desassombrada confissão da divindade de Cristo. E Jesus o que faz? Recusa,
corrige, retifica a resposta do chefe dos Apóstolos? Nem por sombra! Antes
pelo contrário, louva e enaltece os sentimentos de Pedro e confirma-lhe, do
modo mais solene, a profissão de fé, dizendo: "Bem-aventurado és tu, Simão,
filho de Jonas; porque não foi a carne e o sangue que to revelaram; mas, sim,
meu Pai que está no céu".
Entendamo-lo bem. Não foram as luzes da natureza humana que a
Pedro fizeram conhecer esta grande verdade, mas foi a revelação do Pai
celeste. Poderá esta revelação ser falsa, errônea? Certo que não.
Tão certo, pois, como o Pai celeste é infalível nas suas revelações, tão
certo é que Simão Pedro deu expressão à verdade, quando confessou a
divindade de Cristo. Mais ainda: em recompensa dessa profissão de fé,
promete Jesus a Pedro as "chaves do reino do céu", constitui-o chefe dos
Apóstolos e pontífice da sua Igreja: "Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta
pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino do céu; tudo o que ligares sobre a
terra será também ligado ao céu; e tudo o que desligares sobre a terra será
também desligado no céu".
Absurdo e blasfemo fora supor que Jesus Cristo tivesse outorgado a
Pedro tão extraordinárias prerrogativas em recompensa de um funestíssimo
erro religioso.
Jesus Cristo jura solenemente que é Deus.
Achava-se Jesus às barras do Sinédrio, supremo tribunal religioso de
Israel. À intimação de Caifás: "Eu te conjuro pelo Deus vivo, que nos digas
se tu és o Cristo, o Filho de Deus bendito", Jesus responde com a maior
clareza e precisão: "Sim, eu o sou" (Luc. 22, 70). Equivale esta resposta a um
verdadeiro juramento, uma vez que a pergunta do presidente do tribunal
revestia essa forma.
E, afim de atalhar toda e qualquer dúvida sobre o sentido exato em
que toma a palavra "filho de Deus", Jesus acrescenta que, no fim do mundo,
virá sobre as nuvens do céu para julgar os vivos e os mortos. Todos
compreenderam que com estas palavras afirmava a sua divindade, porque só
a Deus compete julgar os homens, no juízo final; mas, como ignoravam o
mistério da SS. Trindade, viram na resposta de Jesus uma blasfêmia, e
exclamaram a uma voz: "Blasfemou! é réu de morte!"

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Ainda no mesmo dia, em face de Pilatos, repetem em altos brados:
"Nós temos uma lei, e segundo essa lei deve morrer, porque se fez Filho de
Deus".
E Jesus vai à morte, tranquilo e sereno — morre em testemunho da
sua divindade.
Jesus prova ainda com estupendos milagres que é Deus. Apela ele
mesmo para os seus milagres, dizendo: "Se não quiserdes crer em mim (isto
é: às minhas palavras), crede às minhas obras, porque estas dão testemunho
de mim" (Jo. 10, 28).
Jesus mostra-se senhor absoluto da natureza inanimada, convertendo
água em vinho, multiplicando os pães, caminhando sobre as águas,
aplacando a tempestade, etc.
Jesus mostra-se senhor absoluto da natureza animada, curando toda
a espécie de moléstias, sem remédio algum, muitas vezes sem o menor
contato, mas com um simples "eu quero", e isto, por vezes, a grandes
distâncias, em plena luz do dia, aos olhos de todo o mundo.
Jesus mostra-se senhor absoluto das almas humanas separadas do
corpo. A uma simples ordem sua, volta do outro mundo e torna a reunir-se
ao corpo a alma da filha de Jairo, a alma do jovem de Naim, cujo cadáver já
estava sendo levado para o cemitério; e, por fim, a alma de Lázaro, morto
havia quatro dias, enterrado e em via de decomposição. Sobretudo esta
última ressurreição realizou-se em face de grande multidão de povo, amigos
e inimigos, e sem que Jesus tocasse sequer no cadáver putrefato1.
Jesus mostra-se senhor absoluto dos espíritos infernais, que,
transidos de medo na sua presença, o adoram e o proclamam Filho de Deus;
mas que a uma ordem categórica dele tem de sair dos corpos das suas
vítimas.
E, como coroa e remate de todos os milagres, Jesus ressuscita vivo ao
terceiro dia; Ressuscita como havia predito repetidas vezes com a maior
clareza e precisão: "O Filho do homem deve ser crucificado; no terceiro dia,
porém, há de ressuscitar".
E tudo isto fazia Jesus em virtude do seu próprio poder intrínseco,
sem o auxilio de quem quer que fosse.

________

Ora bem, o espiritismo nega a divindade de Cristo. Para ele, Jesus é


apenas o "meigo Nazareno", o "grande filósofo", o "maior dos profetas", o
1
Numa resposta estampada contra o meu folheto: "Porque não sou espírita", chega o competente
kardequiano a afirmar afoitamente: "Jesus nunca ressuscitou dentre os mortos, materialmente".
E acrescenta: "É preciso mais cuidado com o estudo e compreensão dos Evangelhos".
Aí tem os leitores um exemplo clássico de como os Srs. espíritas costumam perverter o texto
sagrado! O Evangelho refere, do modo mais claro e explícito, que Jesus ressuscitou o jovem de Naim, a
filha de Jairo e a Lázaro. Principalmente este último estava bem morto, por sinal que enterrado havia
quatro dias e em estado de franca putrefação, conforme verificou imensa multidão de testemunhas
oculares, amigos e inimigos. E foi precisamente este prodígio estupendo que levou os fariseus a darem
um passo decisivo contra o Nazareno taumaturgo. Pouco depois, achava-se Lázaro à mesa dum banquete
em Betânia, e os fariseus resolveram matá-lo, para eliminar do mundo essa prova viva do poder sobre-
humano de Cristo. O meu ingênuo panfletista espírita teria dito aos fariseus: "Matar a Lázaro, porque?
pois ele não está vivo — Jesus nunca ressuscitou mortos".

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"mais poderoso dos médiuns que até hoje têm aparecido na face da terra" —
tudo isto se lê nos escritos dos nossos irmãos kardequianos. Nenhum
espírita esclarecido e exato conhecedor do seu sistema admite a divindade de
Cristo no sentido em que o entende o Evangelho, isto é: a perfeita igualdade
com o Pai celeste. Verdade é que os espíritas falam às vezes no "divino filho
de Maria"; mas, como se depreende do contexto, referem-se apenas a uma
filiação adotiva — sentido esse em que todo o homem, máxime os Santos,
podem chamar-se filhos de Deus. Não é isto que Jesus afirma da sua pessoa;
intitula-se a si mesmo o "Filho Unigênito do Pai". A filiação adotiva não
teria jamais formado motivo de protesto e condenação da parte dos judeus,
uma vez que todo o israelita se dizia filho de Deus, nesse sentido. "Em
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus; tudo
foi feito pelo Verbo, e sem ele nada se fez" — aí está o sentido exato em que o
Evangelho entende a divindade de Cristo: a perfeita igualdade e
consubstancialidade com o eterno Pai.
A Igreja Católica professa a divindade de Cristo, na acepção rigorosa
do Evangelho, ao passo que o espiritismo lhe adultera o sentido.
Em resumo: o espiritismo nega o dogma fundamental do
Cristianismo, dogma ensinado pelo Evangelho, afirmado, provado e jurado
pelo próprio Cristo.
Pode-se lá conceber maior antagonismo entre o credo dos adeptos de
Alan Kardec e o do Evangelho de Cristo?

3. Demônio

Existem espíritos maus, inimigos de Deus, a que chamamos demônios


ou diabos.
Não são almas humanas, esses espíritos, tanto assim que já no
paraíso terrestre, quando não existia outra alma senão as de Adão e Eva,
apareceu um desses seres misteriosos, fazendo revelações contrarias à
revelação de Deus.
Jesus, no deserto, é tentado três vezes por um desses espíritos
infernais, a que o Evangelista chama "diabo", "tentador", e Jesus mesmo:
"Satanás" (Mat. 4, 10).
É com muita frequência que Jesus Cristo menciona o "príncipe das
trevas", o "espírito imundo", prevenindo os homens das suas astúcias;
expulsa os demônios dos corpos dos possessos, repreendendo-os e sendo
imediatamente obedecido.
Ora, é sabido que o espiritismo nega a existência do demônio, no
sentido exposto; compraz-se em ridicularizar essa crença como "espantalho",
"relíquia do obscurantismo medieval", "conto da carochinha", etc.
Ainda neste ponto, como se vê, anda o espiritismo em manifesto
conflito com o Evangelho e a doutrina explicita de Jesus Cristo.

4. Inferno

Jesus Cristo ensina que o castigo das almas que se separam do corpo
em estado de pecado mortal, será eterno e irremediável.

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Na previsão de que esta verdade, odiosa à natureza corrupta, viria a
tornar-se alvo de veementes impugnações, expô-la Jesus com a máxima
clareza e precisão. Poucas verdades encontramos nas páginas do Evangelho
que o divino Mestre inculque com tanta frequência e rigor, como
precisamente esta das penas dos condenados.
Sirvam de comprovação os seguintes tópicos:
"Se tua mão te leva ao pecado, corta-a! melhor te é entrares na vida
eterna manco, do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que
nunca jamais se apaga, onde o verme que os rói nunca morre, e o fogo nunca
se extingue.
E, se teu pé te leva ao pecado, corta-o! melhor te é entrares na vida
eterna coxo, do que, tendo dois pés, seres lançado no fogo do inferno, que
nunca se extingue, onde o verme que os rói nunca morre e o fogo jamais se
apaga.
E, se tua vista te leva ao pecado, arranca-a fora! melhor te é entrares
no reino de Deus com uma vista, do que, tendo duas, seres lançado no fogo
do inferno, onde o verme que os rói nunca morre e onde o fogo jamais se
apaga" (Marc. 9, 42-47).
Na parábola do rico epulão e do pobre Lázaro vem a mesma doutrina.
Morreu o opulento pecador, e foi "sepultado no inferno", diz Jesus. E do meio
desses suplícios levantou os olhos e pediu a Deus que ao menos lhe
refrescasse a língua com uma gotinha d'água, porque "sofria grandes
tormentos naquelas chamas". Lá do alto, porém, lhe veio uma negativa
formal, com a motivação de que entre os bem-aventurados e os réprobos
mediava um "grande abismo", de maneira que os do céu não podiam passar
para o inferno, nem os do inferno para o céu.
E o condenado continua a sofrer nas chamas do inferno (Luc. 16, 19-
31).
É Jesus que o diz.
No juízo final dirá Jesus Cristo aos pecadores impenitentes: "Apartai-
vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e
seus companheiros... E irão estes para o suplício eterno; os justos, porém,
para a vida eterna" (Mat. 15, 41e46).
É esta a doutrina do Evangelho de Cristo, como também a da Igreja
Católica: que o inferno existe e que as suas penas são eternas.
Ora, é mais que sabido que o espiritismo nega com apaixonada
veemência essa doutrina, a fim de poder sustentar a sua hipótese arbitrária
sobre a "reencarnação" das almas. Não admite inferno, no sentido do
Evangelho; não crê na eternidade das penas dos condenados. Deus é pai de
bondade, dizem eles, que não pode castigar para sempre uma pobre alma;
privando-a da possibilidade de converter-se; seria fazer injuria à
misericórdia de Deus e desmentir o seu amor paternal para com os homens,
etc. etc.2.

2
Declamando contra as penas do inferno, escreve o já citado panfletista anônimo: "Afirmar que o Deus
de amor e bondade condena a sofrimentos eternos os seus filhos, é irrogar-lhe grande injuria".
Ora, Jesus Cristo afirma que Deus castiga com sofrimentos eternos aos pecadores impenitentes
— a não ser que os Srs. espíritas adulterem meia dúzia de textos evangélicos. Logo, segundo a lógica
espiriteira, Jesus irrogou grande injuria a Deus!...

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Não nos compete a nós decidir o que Deus pode ou não pode fazer; se
ele nos revelou que assim e assim acontece, corre-nos o rigoroso dever de
darmos crédito incondicional às suas palavras, por menos que lhes
compreendamos o como e o porquê. É certo que as penas eternas dos
réprobos representam um verdadeiro mistério para a razão humana, porque
não compreendemos devidamente nem a santidade de Deus nem a
gravidade da culpa mortal. Mas nem por ser mistério temos o direito de
negar-lhe a existência e objetiva realidade, uma vez que a doutrina de Cristo
aí está, precisa, insofismável, clara como a luz do sol.
Contra a revelação da eterna verdade não conseguirão prevalecer as
potências do inferno nem as paixões do coração humano.
O espiritismo, negando a existência de penas eternas, põe-se na mais
flagrante oposição à doutrina de Cristo e da Sagrada Escritura em geral,
quer do Novo, quer do Antigo Testamento.
Terá esse sistema o direito de chamar-se Cristão ou bíblico?
Também neste ponto, como em outros, é o espiritismo o que Judas foi
entre os Apóstolos.

5. Pecado original

O homem nasce com o pecado original, triste herança dos nossos


protoparentes, pecado que nos torna incapazes da visão beatífica de Deus.
É o que, muito explicitamente, ensina São Paulo. Diz ele: "Do mesmo
modo que por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte
— assim também passou a morte a todos os homens, mediante aquele no
qual todos pecaram... E assim como, pelo pecado de um só (Adão), todos os
homens incorreram em condenação — semelhantemente, pela justiça de um
só (Cristo), todos os homens recebem a justificação e a vida. Pois, da mesma
forma que, pela desobediência de um só homem, se tornaram pecadores
esses muitos — assim também, pela obediência de um só, tornar-se-ão justos
esses muitos" (Rom. 5, 12-19).
Dessa doutrina afirma São Paulo: "Asseguro-vos, meus irmãos, que o
Evangelho que vos preguei não é obra de homens; não o recebi de homem
algum, nem o aprendi por estudos; mas foi-me revelado por Jesus Cristo".
(Gal. 1, 1M2).
E, ouvindo que alguns se atreviam a modificar esse Evangelho, lança
aos Cristãos da Galícia a tremenda ameaça: "Estou admirado de que assim
tão depressa passeis a outro Evangelho — quando nem existe outro
Evangelho. O que há é que alguns vos perturbam e procuram adulterar o
Evangelho de Cristo. Mas, ainda que um anjo do céu vos pregasse um
Evangelho diferente do que nós vos temos pregado — maldito seja! Repito

O erro dos kardequianos provém da circunstância de não saberem combinar a justiça com a
bondade de Deus. Não há quem tanto enalteça a bondade e misericórdia do Pai celeste como precisamente
Jesus — mas também não há quem tão inexoravelmente lhe vindique a justiça como Jesus. É certo que
em Deus se casam com perfeita harmonia a bondade mais paternal e a mais rigorosa justiça, por menos
que a fraqueza da razão humana compreenda este mistério.
A Igreja Católica acompanha o divino Mestre no ensino destas verdades, ao passo que o espiritismo
admite o primeiro ponto e rejeita o segundo.

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aqui o que já outrora vos disse: Se alguém vos anunciar um Evangelho
diferente do que recebestes — maldito seja!" (Gal. 1, 6-8).
Portanto, é revelação divina que por um só homem entrou o pecado
neste mundo e que todos os homens nascem com este pecado. Todos carecem
de "justificação".
Ora, essa "justificação", essa ablução do pecado original, esse
renascimento da alma, se faz pelo Sacramento do Batismo, conforme ensina
Jesus Cristo, dizendo: "Em verdade, em verdade vos digo: Quem não
renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus" (Jo.
3, 5).
Pelo que, antes da sua ascensão, mandou Jesus aos Apóstolos e seus
sucessores: "Ide, instrui todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo" (Mat. 28, 19). E outra vez: "Quem crer e for
batizado será salvo; quem não crer será condenado" (Marc. 16, 16).
Em resumo: tanto o pecado original como a necessidade do Batismo
são doutrina revelada por Jesus Cristo.
E, no entanto, o espiritismo tem a desfaçatez de negar um e outro
desses dogmas!
Logo, contradiz ao Evangelho de Cristo — é inimigo de Jesus!

6. Penitência

Jesus Cristo outorgou aos ministros do seu reino o poder de


perdoarem pecados, em nome e por autoridade de Deus. Disse Jesus aos
Apóstolos e seus legítimos sucessores: "Recebei o Espírito Santo; a quem vós
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados: e a quem vós os retiverdes,
ser-lhes-ão retidos" (Jo. 20, 21).
Fiéis observadores desta instituição, acusam os Cristãos os seus
pecados aos ministros da Igreja, e por meio deles recebem o perdão. Assim se
praticou desde os primeiros séculos.
Ora, o espiritismo contesta que a Igreja Católica possua semelhante
poder, e taxa a Confissão sacramental de uma "arrogação de direitos
divinos".
Pergunto aos Srs. espíritas: Que é do vosso caráter cristão? Onde se
acha a doutrina evangélica: na Igreja Católica, que pratica o que Jesus
ordenou — ou no vosso sistema, que guerreia e ridiculariza uma instituição
do divino Mestre?...

7. Eucaristia

Em vésperas de sua morte, instituiu Jesus um Sacramento em que ele


mesmo está presente, em corpo e alma, humanidade e divindade.
Quem o afirma é o próprio Cristo.
Na cidade de Cafarnaum, em face de numeroso povo, dos discípulos e
Apóstolos, diz o divino Mestre (Jo. cap. 6): "Eu sou o pão vivo que desci do
céu. . . O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo... Quem
comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o
ressuscitarei no último dia".

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Os ouvintes bem lhe compreenderam o sentido das palavras:
compreenderam que deviam receber em seu interior a Jesus, real e
pessoalmente; e, como isto se lhes afigurava absurdo, recusaram-se a crer.
Jesus, porém, em vez de revogar e corrigir o seu asserto, insiste ainda
mais e confirma solenemente o que acabava de revelar: "Em verdade, em
verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não lhe
beberdes o sangue, não tereis a vida em vós. Porque a minha carne é
verdadeiro manjar e o meu sangue é verdadeira bebida".
Assim falou Jesus.
Mas até entre os discípulos havia quem se recusasse a crer, embora
tivessem presenciado numerosos milagres, credenciais de um poder divino.
Retiraram-se da sinagoga, descrentes, e abandonaram o divino Mestre. E
Jesus chega a ponto de intimar aos próprios Apóstolos a que sigam o
exemplo desses discípulos, caso não queiram crer no mistério eucarístico.
Disse Jesus aos doze: "Quereis também vós retirar-vos?" Está resolvido a
sofrer antes a deserção de todos os Apóstolos do que retirar uma só das suas
palavras; coloca os Apóstolos em face desta alternativa: Ou crer — ou
abandoná-lo para sempre! "Quereis também vós retirar-vos?"
Os Apóstolos, porém, resistiram à prova, passaram a crise, sujeitaram
a razão falível à infalível revelação de Deus. "Respondeu-lhe Simão Pedro:
"Senhor, a quem havemos de ir? tu tens palavras da vida eterna: e nós
cremos e sabemos que és o Cristo, o Filho de Deus".
Apenas um dentre os Apóstolos, Judas Iscariotes, põe em dúvida as
palavras do Mestre; não crê na sua presença eucarística; e Jesus, lendo na
alma de Judas essa descrença, o chama "diabo". "Disse Jesus: Não vos
escolhi eu a vós doze? e, no entanto, um de vós é um diabo. Falava de Judas
Iscariotes, porque este havia de entregá-lo, ele, um dos doze"...
Na presente ocasião, em Cafarnaum, ainda não cogitava Judas de
entregar o divino Mestre; só um ano mais tarde é que cometeu esse crime;
mas a raiz do seu crime está na sinagoga de Cafarnaum: descreu das
palavras de Jesus, taxando-o assim de falível ou mentiroso e negando-lhe
com isto mesmo a divindade — e estava a porta aberta para todo o mal. Em
Cafarnaum atraiçoou-lhe a divindade, em Gethsêmani a humanidade; aqui,
Jesus dá a Judas o título de "amigo", aí o chama de "diabo", como se mais
detestasse o crime da descrença que o da traição.
O que Jesus prometera em Cafarnaum, cumpriu-o, mais tarde, no
cenáculo de Jerusalém. Refere o texto evangélico (Mat. 26, 26; Luc. 22, 19):
"Estando eles a cear. tomou Jesus o pão, benzeu-o, partiu-o e deu-o aos seus
discípulos, dizendo: Tomai e comei; isto é o meu corpo, que será entregue por
vós. Da mesma sorte, tomou o cálice, dizendo: Tomai e bebei; isto é o meu
sangue, que será derramado por vós e por muitos, em remissão dos pecados.
Fazei isto em memória de mim".
Os Apóstolos creram nas palavras do Mestre e admitiram que, sob as
aparências de pão e vinho, estavam presentes o seu verdadeiro corpo e
sangue — aquele mesmo corpo que, no dia seguinte, ia ser "entregue" pela
redenção do gênero humano — aquele mesmo sangue que, na sexta-feira,
seria "derramado" em remissão dos pecados do mundo. Portanto, não falava
Jesus de uma simples figura ou lembrança do seu corpo e sangue; pois, o que

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foi entregue e derramado foi o seu corpo real e físico, o seu sangue vivo e
verdadeiro — e isto, diz Jesus, está presente sob as espécies de pão e vinho.
"Isto é o meu corpo — isto é o meu sangue".
Foi precisamente neste sentido, próprio e imediato, que o entenderam
os Apóstolos. Se isto fosse falso e errôneo, deveríamos dizer que o próprio
Cristo induziu os seus Apóstolos em funestíssimo erro dogmático — a eles,
aos seus sucessores e a toda a Igreja Católica, à qual, por outro lado,
garantiu que as portas do inferno (as potências do erro e da mentira) não
chegariam jamais a prevalecer contra ela.
Esta mesmíssima doutrina propaga São Paulo nas Cristandades da
Ásia e da Europa, já pelos meados do primeiro século. Aos Cristãos de
Corinto, por exemplo, escreve: "Eu recebi do Senhor — como também vos
tenho ensinado — que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o
pão, e, dando graças, partiu-o e disse: Tomai e comei; isto é o meu corpo, que
será entregue por vós. De igual modo, depois da ceia, tomou o cálice,
dizendo: Este cálice é o Novo Testamento em meu sangue. Fazei isto, todas
as vezes que o beberdes, em minha comemoração".
E, por se tratar do verdadeiro corpo e sangue de Cristo, prossegue o
Apóstolo: "Pelo que, todo o homem que comer este pão ou beber o cálice do
Senhor indignamente, torna-se réu do corpo e sangue do Senhor". E
continua, exortando os fiéis: "Examine-se, pois, a si mesmo o homem, e
assim coma deste pão e beba do cálice; porque, quem come e bebe
indignamente, come e bebe a sua própria condenação, não fazendo
discernimento do corpo do Senhor" (1 Cor. 11. 23 ss.).
"Recebi do Senhor esta doutrina" — afirma São Paulo.
E que faz o espiritismo?
Nega, em toda a linha, a presença real de Jesus na Eucaristia!
E de quem terá o espiritismo recebido a sua doutrina? Se o grande
Apóstolo recebeu de Jesus Cristo a doutrina da sua presença eucarística,
será possível que os espíritas tenham recebido do mesmo Cristo a doutrina
contrária? Uma doutrina diametralmente oposta à do Evangelho? Só no caso
que Jesus Cristo se contradiga a si mesmo...
Eu, por mim, dou maior credito às testemunhas presenciais e aos
contemporâneos de Cristo — Mateus, Marcos, Lucas, João, Paulo — do que
a uns homens que apareceram dezenove séculos mais tarde e costumam
torcer e adulterar o texto sagrado, a bem das suas hipóteses.
Fatalmente, um dos dois está enganado: ou Jesus Cristo e seus
discípulos — ou então o espiritismo e seus adeptos! Não há meio termo!...

8. Igreja

Antes de voltar para junto do Pai, deixou Jesus nesta terra os seus
representantes, os Apóstolos e seus legítimos sucessores, a fim de lhe
perpetuarem a missão entre os homens e lhes aplicarem as graças da
redenção.
Disse Jesus aos ministros da sua Igreja: "Ide pelo mundo inteiro,
ensinai o Evangelho a todos os povos, batizando-os em nome do Padre e do
Filho e do Espírito Santo, ensinando-lhes a observar tudo o que eu vos tenho

11
mandado. E eis que estou convosco todos os dias, até à consumação dos
séculos" (Mat. 28, 20).
Disse ainda: "Quem não obedecer à Igreja, seja considerado como
pagão e pecador público" (Mat. 18, 17).
Aos seus representantes disse: "Quem vos ouve, a mim me ouve; quem
vos despreza, a mim me despreza" (Luc. 10, 16).
Ao Apóstolo Pedro, e seus sucessores no pontificado da Igreja, disse:
"Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do
inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino do céu;
tudo o que ligares sobre a terra, será também ligado no céu; e tudo o que
desligares sobre a terra, será também desligado no céu" (Mat. 16, 18 ss.)
Disse à Igreja: "O Espírito da Verdade ensinar-vos-á toda a verdade e ficará
convosco eternamente" (Jo. 16, 13; 14, 16).
Segue-se que a Igreja de Cristo não pode errar em matéria de fé e
moral. Se errasse, erraria o próprio Espírito da Verdade!
E, por ser infalível a doutrina da Igreja, acrescenta Jesus: "Quem não
crer, será condenado (Mat. 16, 16).
Aí está o que Jesus e o Evangelho ensinam a respeito da Igreja.
Ora, o espiritismo guerreia de todos os modos a Igreja Católica, essa
"carcomida instituição romana", como lhe chama. Logo, segundo as palavras
de Cristo, é "pagão e pecador público", porque na pessoa dos ministros da
Igreja, despreza ao próprio Cristo.
O espiritismo acha-se, por conseguinte, em flagrante antagonismo
com o Evangelho e as palavras de Jesus Cristo.

9. Reencarnação

Uma doutrina singular, adotada pelo espiritismo francês (nem todas


as escolas espíritas perfilham esta idéia), e, por conseguinte, pelos amigos de
Alan Kardec em terras do Brasil, é a da reencarnação da alma humana,
após a morte corporal. É antiquíssimo este erro, e foi importado da índia. É
sabido que os hindus admitem a metempsicose, ou seja, a hipótese de que a
alma tenha de percorrer diversas existências e fases evolutivas, até chegar
ao destino final.
O espiritismo houve por bem acolher no seu sistema este elemento
pagão.
Segundo a doutrina de Cristo, e da Sagrada Escritura em geral, o
único período preparatório da alma humana, antes de transpor o limiar da
eternidade, é esta vida presente, que, por sua vez, termina com a morte
corporal. Não houve existência anterior, nem haverá outra, posterior a esta,
a não ser a eternidade. Jesus ensina que, depois da morte, já não pode a
alma passar do bem para o mal, nem do mal para o bem; a morte põe termo
tanto ao mérito como ao demérito, tanto à virtude como ao vício. O estado
moral em que a alma é surpreendida pela morte, torna-se permanente,
imutável: a alma que parte deste mundo em estado de pecado mortal, ficará
eternamente nesse estado; a alma que se desencarna em estado de graça,
ficará para sempre na graça de Deus.

12
De encontro a esta doutrina, admite o espiritismo francês e brasileiro
que a alma carregada de culpa mortal pode ainda, além-túmulo, libertar-se
dessa culpa, mediante uma ou mais reencarnações.
Passemos a confrontar alguns textos sacros com esta doutrina
espírita.
São Paulo escreve: "Está decretado ao homem morrer uma vez, e
depois disto vem o juízo" (Hebr. 9, 27).
Ora, se o homem não morre senão uma só vez, e se logo depois desta
morte se segue o juízo de Deus, está excluída a reencarnação!
E esta doutrina recebeu o Apóstolo do próprio Cristo, como afirma em
outro logar.
Jesus diz: "Não temais aqueles que matam o corpo, mas, além disto,
nada podem fazer; dir-vos-ei a quem é que deveis temer: temei aquele que,
ainda depois da morte, pode condenar ao inferno" (Luc. 12, 4 ss.).
Ora, como se coaduna a reencarnação com a entrada no inferno?
Na parábola do pobre Lázaro e do rico epulão (Luc. 16, 9 ss.), afirma
Jesus que este último morreu e foi "sepultado no inferno"; pediu alívio, mas
foi-lhe negado, por haver um abismo entre os habitantes do céu e os do
inferno, de sorte que ninguém lá de baixo pode passar para as regiões de
cima.
Se fosse verdadeira a hipótese da reencarnação, seriam falsas estas
últimas palavras, porque a alma pecadora, desencarnada, poderia ainda —
se bem que com alguma demora — passar do inferno para o céu.
Na parábola do grande banquete (Mat. 22, 1 83.), vem elucidado o
mesmo pensamento: o conviva sem a túnica nupcial (símbolo da graça
santificante) é lançado nas "trevas exteriores, onde há choro e ranger de
dentes".
Como se vê, não tem cabimento a reencarnação.
O mesmo ainda ensina Jesus na magnífica parábola das dez virgens
(Mat. 25, 1 ss.): as cinco virgens tolas estão sem azeite nem luz (símbolos
das boas obras e da graça), razão por que, à chegada do esposo (Jesus), se
vêm excluídas da sala do banquete (céu), e excluídas para sempre! É inútil
todo o seu bater e suplicar; de dentro lhes responde o esposo: "Não vos
conheço" — e elas ficam do lado de fora eternamente. Acrescenta Jesus:
"Vigiai e orai, porque não sabeis nem o dia nem a hora" da chegada do
esposo, isto é, da morte.
Se fosse Alan Kardec o autor desta parábola, teria dado ordem às
cinco virgens tolas para comprarem azeite e voltarem com as lâmpadas
acesas, a fim de tomarem parte no banquete nupcial. Por mais que isto
pareça condizer com o caráter do "meigo Nazareno", o fato é que Jesus
excluiu de propósito esta alternativa; porque o Filho de Deus não costuma
sacrificar a justiça e a verdade à "meiguice". (De resto, quem conhece o
Cristo varonil do Evangelho, não pode deixar de ver no Cristo mulheril do
espiritismo uma repugnante caricatura!)
Na parábola da videira e dos sarmentos (Jo. 15, 1 ss.), repete Jesus
mais uma vez a mesma idéia: os sarmentos estéreis são cortados sem
piedade, e cortados para nunca mais voltarem à união com a divina videira.

13
Em vez de "queimá-los ao fogo", como ordena Jesus, teriam os
reencarnacionistas tornado a enxertar essas varas, uma, duas, três vezes,
até que chegassem a produzir fruto. Esta paciência tem o divino Jardineiro
com os sarmentos humanos, no decorrer da vida terrestre; mas, uma vez
cortados pela morte, já não resta ao ramo estéril a possibilidade de
frutificar. É esta a doutrina de Jesus; o mais é fantasia humana e gosto
subjetivo de alguns hereges.
Na soleníssima oração pontifical (Jo. 17, 12 ss.), com que Jesus
remata a última ceia, diz ele ao Pai celeste: "Eu os guardei (os Apóstolos), e
nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição (Judas)". Em outra
ocasião dissera: "Melhor fora a esse homem não ter jamais nascido".
De maneira que, segundo a doutrina de Jesus, já não há possibilidade
de salvação para Judas, uma vez condenado; segundo a hipótese espírita
ainda a haveria, mediante sucessivas reencarnações. "Judas está no
caminho do aperfeiçoamento; mas ainda se acha em princípios" — disse-me
um espírita.
Todos os textos evangélicos que sob o Nº. 4 deste opúsculo aduzimos a
favor da eternidade das penas do inferno, provam ao mesmo tempo a
impossibilidade da reencarnação, a não ser que declaremos errônea a
doutrina evangélica.
Trabalhai enquanto é dia — adverte Jesus, comparando a vida
presente com o dia, e a morte com a noite — "porque vem a noite, em que já
ninguém pode trabalhar" (Jo. 9, 4). Trabalhar quer dizer: merecer a vida
eterna. Portanto, só nesta vida é que existe essa possibilidade. Será que
Jesus abriu exceção para os sequazes de Alan Kardec — e isto em
recompensa de terem adulterado o Evangelho?...
Em resumo: Todo o Evangelho de Jesus Cristo, desde a primeira até à
última página, baseia nesta suposição: O homem está neste mundo para
conquistar a vida eterna; perdido este período preparatório, está tudo
perdido, porque a morte põe termo ao aperfeiçoamento moral.
Levantado sobre o fundamento da reencarnação espírita, o edifício do
Evangelho sofreria uma completa mudança de forma e orientação; a vida
presente seria uma das diversas existências temporais do homem; não seria
decisiva para a sorte eterna; bom número das mais belas parábolas de Cristo
necessitariam de uma profunda remodelação, e as doutrinas mais
características do grande Mestre perderiam esse cunho de inexcedível
clareza e precisão que as estremam.
Que diria o ardoroso Apóstolo Paulo, se reaparecesse em nossos dias e
presenciasse uma dessas misteriosas sessões à luz vermelha? Se ouvisse
aquelas "revelações do além-túmulo"? Não teria razão para fulminar de novo
o seu terrível "anathema sit", que naqueles tempos lançou contra os
pervertedores do Evangelho entre os Gálatas? "Ainda que um anjo do céu —
ainda que uma alma evocada — viesse pregar-vos outro Evangelho do que o
que eu vos tenho anunciado: maldito seja esse tal!"...
Basta de exemplos.
A conclusão que decorre fatalmente destas premissas é que o
espiritismo adulterou o Evangelho de Cristo nos pontos mais fundamentais,
não lhe assistindo, pois, o menor direito de pavonear-se com o título de

14
doutrina evangélica, religião Cristã; não é mais Cristã do que a dos
maometanos, que também crêem em Deus e consideram a Jesus Cristo como
um grande profeta; não é mais Cristã do que a religião dos hindus, que
também professam a reencarnação das almas e adoram ao Pai celeste.
À Igreja Católica, porém, ninguém é capaz de provar-lhe a mais
ligeira discrepância do Evangelho, em matéria de dogma e de moral.
Qual será, por conseguinte, a verdadeira e genuína religião do
Evangelho e do divino Mestre?

15
II. - DESLEALDADE DO ESPIRITISMO

Acabamos de ver, à luz dos documentos, que vigora flagrante conflito


entre a doutrina do Evangelho e a do espiritismo.
Pelo que, se o espiritismo quisesse proceder com lealdade, devia
confessar, alto e bom som: Pretendo, sim, ser uma religião; mas nada tenho
que ver com o Evangelho de Cristo.
Porque será que o espiritismo não usa dessa franqueza para com seus
adeptos? Porque será que por fora ostenta as cores do Cristianismo, quando
por dentro é visceralmente anticristão? Porque será que navega sob a
bandeira do Evangelho, quando rejeita os ensinamentos mais característicos
desse mesmo Evangelho?
É que se trata de um estratagema dessa seita, e estratagema nada
honroso. É a mesma astúcia de que lançaram mão alguns vasos de guerra,
na última conflagração mundial: pressentindo um navio inimigo, hasteavam
o pavilhão dessa nacionalidade, conseguindo com semelhante perfídia iludir
o adversário e agredi-lo de improviso.
O espiritismo brasileiro recruta os seus adeptos, pela maior parte, no
seio do catolicismo. Os elementos menos fervorosos da Igreja Católica; os
cristãos ignorantes em matéria de religião e relaxados no cumprimento dos
seus deveres; diversas classes de homens que têm interesse em que não
exista demônio, nem inferno, nem confissão, nem lei de Igreja — todos esses
fornecem a matéria prima para engrossar as falanges de um sistema
religioso que não exige sacrifícios ao orgulho nem à sensualidade.
Entretanto, seria imprudência e falta de diplomacia, dizer, nua e
cruamente, a esses candidatos à heresia que o espiritismo equivale a uma
apostasia do Evangelho. Semelhante declaração acabaria por aterrar a
maior parte das pessoas ainda não suficientemente "espiritizadas".
Tão mau diplomata não é Sua Majestade Satânica; nem os seus
ministros, cá no mundo.
Convém, pois, andar com cautela e prudência, pé ante pé, sondando,
tateando, apalpando, enaltecendo quanto mais o Evangelho do "meigo
Nazareno", a "inefável bondade do manso Cordeiro", para que os incautos
não cheguem a suspeitar o anzol da heresia oculto sob a isca saborosa de
palavras melífluas.
Uma vez devidamente iniciados nas doutrinas e aspirações da seita,
acabam os espíritas com a consciência narcotizada por essas frases
cintilantes e entusiásticas apoteoses, em que os discípulos de Allan Kardec
são mestres sem par. E o que, finalmente, resta desse Cristianismo
espiritualizado não é senão uma casca, linda que nem uma bolha de sabão;
mas a integridade da fé e dos Sacramentos — isto não se encontra no credo
nem na moral do espiritismo.
Certa senhora católica deixou-se dominar pela curiosidade e foi
assistir a uma sessão espírita. Agradou-se sumamente daqueles "ares de
piedade" que reinavam na sala. O tal "espírito evocado" falava tão bem, tão
bem...; dizia coisas tão lindas da religião, da caridade, do Pai celeste,

16
louvando até algumas praxes piedosas da Igreja, elogiando o zelo deste ou
daquele sacerdote, chegando mesmo ao ponto de recomendar à novata
assistir à Missa e acompanhar a procissão de Corpo de Deus.
A tal senhora saiu da saia, dizendo com os seus botões: Não, isto não é
coisa do tinhoso; o Sr. Vigário não está bem informado...
E continuou a frequentar as reuniões, "por devoção", como dizia.
Até que, uma bela noite, vem uma revelação bem menos Cristã do que
as do princípio. Fulana estranha o fato, qual peixinho que entresentisse a
ponta do anzol através da isca. Resolveu pedir explicação. E o tal "espírito"
responde-lhe: Naquele tempo, ainda não estava a senhora em condições de
suportar esta revelação; era uma convalescente que precisava de muletas —
e nós lhe deixamos as muletas. Agora, porém, está quase de perfeita saúde
espiritual e conquistou a necessária independência de pensamento para
dispensar a credulidade das massas ignaras e as velharias dos Padres
romanos. Não se deslumbre a irmã com a sublimidade das nossas
revelações; continue a comparecer, até que se lhe descortinem os horizontes
da Verdade cabal, na plenitude dos seus esplendores...
Ah! como isto cala tão docemente na alma! como isto acaricia a
vaidade do coração humano!... pertencer à classe dos espíritos superiores,
independentes, autônomos!...
Fulana engoliu a isca — e o anzol! Hoje, a sua alma está morta para a
religião de Jesus Cristo...
Aí está o que visam esses piedosos conselhos, essas belas frases do
espiritismo: engodo para pescar cristãos incautos!
Pelos frutos se conhece a árvore — e pelos efeitos se avalia da
bondade duma doutrina. Ora, não consta até hoje que algum cristão se
tenha tornado mais cristão em consequência das práticas do espiritismo. É
observação geral que a vida cristã decresce na razão direta que essas
doutrinas vão ganhando terreno.
Que são todos esses encômios ao "inefável Nazareno" senão um beijo
de Judas? — beijo suave e, aparentemente, tão amoroso, e, não obstante, um
beijo de inimigo, um ósculo de traição... "A quem eu beijar, esse é — prendei-
o!"...
"Salve, Mestre!"...
Com um beijo assassinou Iscariotes a humanidade de Cristo — e com
os beijos dulcíssimos da "filantropia" tentam os modernos Iscariotes
assassinar a divindade de Cristo. Enaltecem até às nuvens a humanidade do
Salvador — e ao mesmo tempo lhe negam a divindade! Osculam o Cristo-
homem — e cravam no peito do Cristo-Deus o punhal ervado da negação...
Mais perigoso é o guerrilheiro de emboscada do que o guerreiro em
campo raso; menos abominável se me afigura a crucifixão, em plena luz do
Calvário, do que o ósculo de traição, à duvidosa penumbra de Gethsêmani e
por entre a luz vermelha dos archotes...
"Salve, Mestre!" — e deu-lhe o ósculo da traição...
Não vai nestas afirmações o menor exagero; é pura verdade o que
estou avançando, como deixei demonstrado na primeira parte deste
opúsculo.

17
Só no dia e na hora em que as "revelações" do espiritismo coincidirem
com a revelação de Jesus Cristo, desistirei de chamar a essa seita de
traidora do Evangelho e da pessoa de Cristo. "Ninguém que fala pelo
Espírito de Deus diz mal de Jesus" — escreve São Paulo (1 Cor. 12, 3 ) .
Logo, o espiritismo não se guia pelo espírito de Deus.
Satanás foi pai de mentira desde o princípio; já no paraíso terrestre
deu aos nossos protoparentes revelações contrarias às de Deus. Hoje em dia,
temos ainda a mesma política.
Bem sei que a desassombrada declaração desta verdade exaspera
grandemente aos nossos irmãos, lá dos arraiais de Alan Kardec. Mas a
verdade há de ser dita, não para magoar a alguém, mas apesar de alguém se
magoar com isto.
E, se não, querem uma prova ainda mais palpável dessa perfídia e
deslealdade do espiritismo?
Façam os leitores o obséquio de me citar os nomes dos centros e asilos
espíritas que conhecem. Não é verdade que grande número deles levam no
frontispício o nome venerando de algum Santo da nossa Igreja?
Eu, por mim, conheço um centro espírita chamado "Santo Antônio",
outro intitulado: "Imaculada Conceição", ainda outro: "Santo Agostinho";
ultimamente, no Rio, surgiu um com o nome de "Teresinha do Menino
Jesus", e, nas festas jubilares franciscanas, foi a Bahia agraciada com um
centro espírita "São Francisco de Assis". E assim por diante, em todo este
imenso Brasil.
Que dizer a isto?
Além de ser uma ridícula incoerência e falta de lógica da filosofia
espiriteira, é também uma execrável perfídia, isso, de decorar os focos da
heresia anti-católica com os nomes de Santos e Santas da Igreja Católica —
dessa mesma Igreja que, no entender dos espíritas, é uma "instituição
carcomida", o "Evangelho adulterado", o "Cristianismo bastardo", um "misto
de paganismo e ateísmo", o "romanismo hipócrita cheio de falsidades e
mentiras", um "culto idolatra", etc.3.
Santo Antônio foi um sacerdote católico — portanto, membro do
"romanismo hipócrita". Como, pois, acontece que vós, Srs. espíritas, o
entronizais na fachada dos vossos centros?... Que é da vossa lógica? Que é do
vosso brio? Que é do vosso bom senso? Que é da honra do vosso sistema?
Um espírita escreve-me literalmente nestes termos: " A Igreja
Católica que prove, com fatos, se salvou alguém, com as suas confissões".
Em vez da resposta, permita-me o adversário que lhe faça uma
contra-pergunta: Quem é esse Agostinho que um centro vosso escolheu por
padroeiro? O Agostinho pagão e pecador, ou o Agostinho católico e santo?
Certamente este último. E quem foi que converteu este insigne pecador? Não
foi a Igreja Católica? Não foi o Bispo Santo Ambrosio? E não foi
precisamente por meio da confissão?... O Sr. objiciente faça obséquio de ler a
autobiografia de Santo Agostinho intitulada "Confessiones" — e convencer-
se-á do que pode a confissão...

3
A maior parte destes qualificativos se encontra nas cartas e pasquins espíritas que acima mencionei.

18
Se o meu ingênuo arguente conhecesse um pouco da hagiografia
destes dezenove séculos cristãos, e da conversão de famosos pecadores em
exímios luminares de virtude, não chegaria a afirmar coisa tão disparatada
como afirmou, nem havia de desafiar a Igreja a que "provasse com fatos" se
salvou alguém por meio da confissão. Os fatos aí estão, aos milhares,
patentes a todo o mundo — é só estudá-los! A História nos diz que a maior
parte dos Santos que veneramos eram, a princípio, pecadores, e a raiz da
sua santidade está numa boa confissão. Para plantar as flores celestes das
virtudes é mister arrancar primeiro a erva daninha dos pecados — e isto se
faz mediante o Sacramento da confissão, conforme ordem expressa de Jesus
Cristo. Se o espiritismo possuísse e praticasse a confissão, não seria,
certamente, a árvore estéril que é, nem teria necessidade de mendigar
Santos à Igreja Católica, para embelezar os seus centros. . .
Portanto, meus amigos, um pouco mais de modéstia e discrição!...
Teresinha do Menino Jesus foi uma freira católica, e católica até à
medula dos ossos ("fanática", diriam os nossos adversários); uma alma de
escol que se santificou no seio do catolicismo, e, com vinte e tantos anos,
atingiu o heroísmo da virtude — guiada por quem? pela Igreja Católica! —
alimentada por quem? pelos santos Sacramentos! — elevada à honra dos
altares por quem? Pelo Papa em Roma, esse mesmo que, lá no vosso
entender, meus irmãos espíritas, é o "pior dos hereges e adulteradores do
Evangelho".
E essa linda flor de santidade católica, vós a colocais no alto dos
vossos centros? Horrenda contradição! Vergonhosa confissão da vossa
pobreza espiritual ! Se o vosso tão decantado sistema fosse capaz de produzir
uma alma como a de Teresinha, não viríeis estender mão mendicante à
Igreja Católica.
Escreve-me ainda o já citado espírita anônimo: "O romanismo é anti-
católico e anti-apostólico. Quem é que encarcera, por toda a vida, a senhoras,
sob pretexto de santidade e caridade?"
Uma dessas "senhoras encarceradas" é, por exemplo, Santa Teresinha
do Menino Jesus. Pobrezinha! Encarcerada no Carmelo de Lisieux, já aos
quinze anos (quando a moral espírita a teria antes mandado ao baile e ao
cinema!); e aí vive a mocinha por espaço de nove anos, prisioneira...
Mas o fato é que não foi a Igreja que a "encarcerou" — foi a própria
Teresinha. O Bispo negou-lhe a permissão de entrar no Carmelo aos quinze
anos de idade; a Superiora da Ordem fez outro tanto; Teresinha, infeliz por
não poder "encarcerar-se", vai até Roma, fala pessoalmente com o Papa Leão
XIII, pedindo e suplicando entre lágrimas que lhe permita renunciar ao
mundo e consagrar-se toda a Deus. O Papa, porém, recusa-se a dar uma
determinação, remetendo a menina à autoridade diocesana do logar. Mais
forte que todos os obstáculos, consegue Teresinha, finalmente, "encarcerar-
se" entre as quatro paredes de um mosteiro de Lisieux — e hoje está
brindando o mundo inteiro com uma chuva de graças e milagres, conforme
predissera.
Os Srs. espíritas têm algum caso idêntico a opor a este? A sua moral é
capaz de formar caráteres dessa têmpera? Podem apresentar uma jovem
espírita que tenha o heroísmo de renunciar a todos os prazeres da carne,

19
riquezas da terra e encantos da mocidade, para servir unicamente a Deus?
Que é das Teresinhas do espiritismo?
Pois, enquanto não as tiverdes, não convém declamar com tanta
insolência contra "senhoras encarceradas" pela Igreja Católica.
Pelos frutos se conhece a árvore — e pela ausência de frutos também
se conhece a árvore. Onde falta o tronco robusto e são da fé verdadeira,
faltam necessariamente os frutos legítimos da santidade Cristã. "Toda a
árvore que não produzir bom fruto — diz o divino Mestre — será cortada e
lançada ao fogo".
A árvore do espiritismo, tão farfalhuda que é, não tem até ao presente
produzido um único fruto bom, um único Santo; ao passo que a árvore
mundial da Igreja Católica os tem produzido ótimos e abundantíssimos,
desde o primeiro século até hoje, e tão carregadinha vem de saborosos frutos
de virtude e santidade, que os nossos irmãos espíritas não duvidam de pular
a cerca e surrupiar alguns dos mais formosos para suspendê-los nos galhos
desnudados da sua árvore infecunda e estéril.
Não está bonito isso, meus caríssimos irmãos espíritas! Isto é falta de
brio e de lealdade: isto é navegar com bandeira falsa; isto é conceder a
bancarrota moral do vosso sistema; isto equivale a uma declaração de
falência da vossa tão apregoada religião... Se fosse a religião do Evangelho,
deveria necessariamente produzir frutos de santidade, porque é inconcebível
que a religião de Jesus Cristo permaneça infrutífera, eternamente estéril.
Jesus diz: "Eu me santifico por eles (pelos homens), para que sejam
santificados na verdade" (Jo. 17, 19). Apregoar como religião de Cristo um
sistema religioso que nunca em dias de sua existência produziu um Santo, é
uma verdadeira blasfêmia contra a santidade da religião Cristã, é admitir
que a religião que Jesus veio trazer ao mundo é uma árvore estéril — árvore
essa, de que diz o divino Mestre: "será cortada e lançada ao fogo".
O simples fato dessa completa esterilidade do espiritismo seria prova
suficiente para demonstrar que não é a religião de Jesus Cristo. Pedir
Santos de empréstimo à Igreja Católica não remedeia esse mal; o mal vem
de dentro; falta ao espiritismo o princípio vital divino, e sem esse princípio
vital é inútil todo o espalhafato exterior. Podem pendurar num galho seco
quantas frutas quiserem, o galho seco não se vivifica com isto!...
Se o espiritismo possuísse um resquício de sentimento de honra e
nobreza, não se atreveria a esbravejar contra a Igreja — e ao mesmo tempo
estender a mão para mendigar-lhe uns Santos — Santos emprestados!!!
Que diríeis vós, meus caros irmãos espíritas, se a Igreja Católica fosse
pedir padroeiros e titulares ao protestantismo, ao calvinismo ou ao
espiritismo? Se exornasse as fachadas dos seus templos com os nomes de
Lutero, Calvino, Alan Kardec?
Pois é precisamente o que vós estais fazendo com relação aos grandes
heróis e heroínas da nossa religião. Com isto confessais tacitamente a
imensa superioridade moral da Igreja Católica sobre a do espiritismo,
superioridade que com a boca negais.
Torno a perguntar: será isto lealdade? Será isto procedimento digno
duma religião que se preza? Será que com esses manejos fraudulentos se
implanta no mundo o Evangelho da pureza e da sinceridade ?...

20
Dizia eu, a princípio, que éreis adulteradores do Evangelho de Jesus
— e protestastes com veemência contra esta asserção. Ora vede, meus caros
irmãos espíritas, se não tenho sobejos motivos para tal: se na escolha dos
padroeiros dos vossos centros e asilos procedeis com tão requintada perfídia
e espírito de dissimulação, como os fatos históricos aí estão a demonstrar,
quem vos dará crédito em ponto de verdade evangélica? Quem me garante
que, no tocante à doutrina de Cristo, não usais dessa mesma falta de
franqueza e sinceridade?...
Positivamente, esse jogo com dois tacos vos priva do direito de
exigirdes f é nas vossas doutrinas. A esterilidade do vosso sistema faz
desanimar a toda a alma que leal e sinceramente busca na religião a eterna
felicidade. Enquanto não estiverdes em condições de apresentar os vossos
santos Apóstolos e Mártires, os vossos santos Confessores e Virgens, as
vossas Ineses e Cecílias, as vossas Luzias e Teresinhas; enquanto não
tiverdes um Paulo ou João, um Antônio de Lisboa ou um Francisco de Assis,
um Agostinho ou um Tomás de Aquino, um Luiz Gonzaga ou um Ignácio de
Loiola, um Vicente de Paulo ou um venerável Anchieta — não convém
falardes com tanta sobranceria da "carcomida instituição romana". Se a
Igreja católica, apesar de tão "carcomida", continua a produzir tão formosos
frutos de santidade, que os vossos adeptos não se pejam de roubar-lhos
ardilosamente — quão carcomido não deve ser o vosso sistema, que até ao
presente não sazonou nenhum fruto de santidade, nem produziu uma única
flor de virtude evangélica!... Ex ore tuo te judico!...

__________

21
Ainda uma palavrinha aos meus leitores católicos:
Porque é, meu irmão em Cristo, que praticas a religião?
Para conseguir a eterna felicidade.
Perfeitamente. Daí se segue que é preferível aquela religião que mais
seguramente te conduz à eterna felicidade, à visão de Deus. A chamada
religião espírita é cômoda e agradável; dispensa os seus adeptos de tudo que
seja difícil e contrário ao orgulho e à sensualidade; faz uma caprichosa
seleção das verdades evangélicas, admitindo as que lhe agradam e
rejeitando as que desagradam (por onde se dá a essas e semelhantes
religiões humanas o nome de "heresia", que quer dizer "seleção"). A Igreja
professa todas as verdades do Evangelho; o espiritismo elimina as verdades
duras e demasiado severas: confessar-se é um tanto penoso — está
dispensado! Obedecer às leis da Igreja exige humildade — está dispensado!
Dobrar a razão à palavra de Deus e crer nos mistérios da Santíssima
Trindade, da Encarnação, da Eucaristia, é contrário ao espírito de orgulho
— está dispensado! Admitir que esta vida seja o único período preparatório
para a eternidade reclama maior esforço moral do que fingir uma serie de
reencarnações e possibilidades de conversão para tempos indeterminados —
e o espiritismo optou pela segunda alternativa!
Segue, em toda a linha, a lei do menor esforço, isto é, do laxismo
moral.
Mas a religião não é um artigo de moda que se possa escolher segundo
o talante e capricho de cada um. O fim da religião é garantir a eterna bem-
aventurança.
Ora bem, meu irmão católico, o espiritismo não te oferece a menor
garantia de poder conduzir-te à eterna felicidade. Pois, até ao presente, não
consta que tenha levado ao céu uma alma que fosse. É ele o primeiro a
confessá-lo, mendigando Santos à Igreja Católica. Não se mendiga o que se
possui! É uma religião completamente estéril, como temos visto; religião que
falha precisamente no ponto capital da sua missão: na virtude santificadora.
De que serve um guia que não conhece o caminho?
De que serve um piloto que ignora o roteiro a seguir?
Onde está o viandante que possa afirmar: Cheguei à eterna felicidade,
guiado pela mão do espiritismo?
Onde está o passageiro que ouse asseverar: Entrei no céu, norteado
pela bússola do espiritismo?
Mas, se formularmos a pergunta: Onde estão as almas que
alcançaram a vida eterna, conduzidas pela Igreja Católica? — milhares e
milhões de espíritos bem-aventurados nos virão ao encontro, de braços
abertos e olhos luzentes, exclamando em coro: "Aqui estamos nós, na
companhia de Deus, graças aos ensinamentos e aos Sacramentos da Igreja
Católica, Apostólica, Romana!".
E entre esses exércitos de almas felizes encontraremos os nossos
queridos Santos que em vida veneramos — e cujos nomes foram profanados
nas fachadas dos centros e asilos do espiritismo.
Loucura fora, inqualificável loucura, abandonar a Igreja dos Santos
para filiar-se a uma caricatura de religião, como a do espiritismo!

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Fiquem-se eles, muito embora, em companhia de Allan Kardec, Conan
Doyle e Oliver Lodge — nós preferimos a companhia de Maria Santíssima e
de São José, dos gloriosos Apóstolos e Mártires, dos heróicos Confessores e
das santas Virgens, a companhia de todas essas luminosas falanges de
almas perfeitas que conhecemos pela historia do Cristianismo — almas
conduzidas a tão excelsas regiões pela f é católica, pelos santos Sacramentos,
pela fonte regeneradora da Confissão, pelo sacerdócio da Igreja, pelas
maravilhas inefáveis da Eucaristia...
A essas almas heróicas é que, um dia, queremos fazer companhia, e
cantar com elas o eterno aleluia da beatitude celeste.
E quem conhece o caminho que aí leva é unicamente a Santa Igreja
Católica, Apostólica, Romana.

A ela juramos inviolável fidelidade, na vida e na morte!

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