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ARQUIVOS, TÉCNICAS E FERRAMENTAS DO ESTUDO DOCUMENTAL

Fernando Lacerda Simões Duarte


Escola de Música da Universidade Federal do Pará

A sucessão temporal de ordens e congregações religiosas


Um caminho possível na investigação por fontes para a compreensão das
práticas musicais

São João del-Rei, MG


2021
Agradecimento à Comissão Organizadora no IV EMHCV, nas pessoas
do prof. Modesto Fonseca e do Rodrigo Pardini. Prazer em dividir a
mesa com o prof. Sérgio Dias. Ideia da prof.ª Edite Rocha

Se parecer uma fala


desorganizada,
é porque é
desorganizada
mesmo!
Patrimônio edificado
Paço Alfândega Shopping
Recife-PE
Convento dos oratorianos de São Filipe Neri
[Sucederam os jesuítas?], Alfândega de
Pernambuco, Santa Casa de Misericórdia (alugou
para ser armazém de açúcar – déc. 1930)

Mercedários / UFPA
Belém-PA
Convento dos frades mercedários, Irmandade
de Santa Cruz dos Militares, Alfândega e
Inspetoria da Receita Federal

Igreja do Carmo
Boa Vista-RR
Carmelitas, Franciscanos observantes (OFM),
Beneditinos [Missionários da Consolata?] e
Diocesanos
Expansão da Igreja Católica no Brasil em
arcebispado, bispados e prelazias até 1800

Religiosos
Já atuavam de maneira
muito consistente em
regiões que só muito mais
tardiamente receberam
bispados. Ex.: SP.

Fig.: ROSENDAHL, 2018, p. 362.


Marcos para a compreensão das ordens e congregações
Catolicismo tradicional (WERNET, 1987)  em parte, popular e medieval, em parte
tridentino  Padroado  Ingerência do poder temporal sobre a Igreja;
1759  Expulsão dos jesuítas;
1819  Chegada dos dois primeiros lazaristas, padres Antônio Ferreira Viçoso e
Leandro Rebello Peixoto e Castro;
1822  Independência;
1834  Reforma Geral Eclesiástica em Portugal  dispersão de acervos (GLRP-
PA); ordens “sufocadas” pelo Estado
1855  Proibição aos noviciados masculinos;
1889  República. Devolução do Padroado;
c.1875  Catolicismo romanizado: reforço à hierarquia, infalibilidade papal,
dogma da Imaculada Conceição, Syllabus errorum e juramento anti-
modernista, controle mais estrito da liturgia pelo clero, oposição ao
catolicismo popular. Vinda de novas ordens e congregações, além da
restauração das que se encontravam em decadência pela proibição aos
noviciados.
Ordens e sociedade mais antigas no país
(aula de moda!)

Beneditinos “Monges Negros


de São Bento do Reino de
Carmelitas Portugal” (O.S.B.)
(O. Carm.,
calçados e
O.C.D.,
descalços)

Jesuítas
(S.J.)
Ordens e sociedade mais antigas no país (2)

Capuchinhos
da Bretanha
(OFM Cap.) Mercedários –
Maranhão, 1612 Amazônia – Vindos de
Franciscanos Observantes Quito, frades Espanhóis
ou “capuchos” (OFM) (O. de M.)
O Carmo na Amazônia
Carmelitas chegaram no “Brasil” em 1580
Só em 1695 iniciaram a missionação com indígenas
Inicialmente, dedicaram-se ao trabalho com o povo das cidades
1693: nova repartição das missões, incluindo franciscanos e mercedários,
mas não os carmelitas
1694: o rei de Portugal confiou aos carmelitas as missões dos rios Negro e
Madeira
1755 (Pombal): carmelitas e os outros religiosos viraram vigários porque os
aldeamentos viraram vilas (SANTIN, 2012)
Memória musical da presença carmelita no Alto Rio Negro, mesmo após a
missionação dos salesianos  Ladainhas (BARROS, 2009).
Dom Fr. Wilmar Santin, O. Carm. – acesso ao arquivo da Ordem, em Roma
para o doutorado – informações sobre o órgão do Carmo em Belém e
sobre práticas musicais em missionação
Arquivo único da Ordem no Brasil, em Belo Horizonte: “Não tem nada de
música aqui!” – e não passei nem da porta.
Carmo na Amazônia hoje

Depois dos carmelitas,


passaram por lá os
Província de Nossa Senhora do frades da OFM e os
Carmo dos Capuchinhos - 1894 Beneditinos do Mosteiro
(Devoção incomum: não é S. Do Rio de Janeiro, no
Sebastião, nem santo capuchinho) Início do século XX
(Prelazia Nullius
Dioeceseos) –
Território Federal,
Ligado, portanto, à
Colégio do Carmo dos Salesianos
Capital do País
Atual: Sementes do Verbo
casa de retiro
Capuchinhos
Capuchinhos da Bretanha  Missionaram entre os Kiriri (séc. XVIII) 
Catecismo da Lingua Kariris, acrescentado de várias praticas doutrinaes e
Moraes, adaptadas ao gentio e capacidade dos Indios do Brasil. Edicção fac-
similar. Leipzig, [1709]  Bernardo de Nantes  vários “canticos
espirituaes”
Rio de Janeiro  Igreja de São Sebastião  Morro do Castelo, demolida 
no mesmo morro viviam os capuchinhos  Os resquícios da antiga igreja
estão na Basílica Santuário dos Capuchinhos
Salvador  Franceses e depois, Italianos  Centro Cultural dos
Capuchinhos: documentação histórica  Musicográficos do século XX
Manaus  São Sebastião
São Paulo de Olivença-AM  Prelazia extinta: biblioteca abandonada 
Diocese de Tabatinga (a 3 horas de barco no Solimões)
São Luís  Museu dos Capuchinhos  Tem musicográficos  teriam
herdado algo ainda dos carmelitas? Improvável... A ser conferido em breve
Canindé, CE  Aparentemente, o Santuário era dos Capuchinhos e passou
aos observantes depois  Sem acervo musical
Beneditinos

Mais “estáveis”, talvez por serem ordem contemplativa

Processionário monástico de acordo com os costumes dos monges negros da Ordem de


[Nosso Pai São] Bento do Reino de Portugal. 1620. Em: http://saobento.org/livrosraros/
Mercedários
Belém – PA  UFPA  Segundo volume do Manuale encontrado
por André Gaby, na FD/USP, Largo São Francisco  Acervo
fundador veio do convento; primeiro volume foi adquirido em
Portugal por Vicente Salles há algumas décadas  caso
semelhante ao acervo dos Oratorianos e a FD/UFPE
Cametá – PA  Irmãs Vicentinas  Não restou nada dos
mercedários
São Luís – MA  Museu Sarney
Alcântara – MA  Mercado municipal e hoje a ermida é um falso
histórico
Hoje  Salvador  Nossa Senhora da Luz da Pituba 
Descontinuidade com a história da Ordem na Amazônia 
Semelhante aos oratorianos em São Paulo
Ordem dos Frades Menores
(Franciscanos Observantes)

Província de Santo Antônio do Nordeste – a


custódia data de 1584, mas o que sobrou no
acervo, em Recife? Restauristas do século XX
(Sinzig, Röwer, Perosi, Franceschini etc.)?
Província da Imaculada – Vila Clementino, São
Paulo – Nada de musicográficos
ITF – Petrópolis – Pouco material e muito disperso
Lazaristas (C.M.)

Caraça  Acervo
Embora fossem ultramontanos (obediência estrita a Roma e
já defenderem a formação e moralização do clero),
musicalmente não eram restauristas  coletâneas de
canticos espirituaes que se espalharam por todo o Brasil
Controle de diversos seminários entre 1840 e 1900 
Prainha (CE), Diamantina, Sem. Santo Antônio, em São Luís
do Maranhão, Crato, Paraná, Bahia e Mariana  Sucedidos
por outras congregações ou dioceses  dispersão de
acervos
Bandas de música
Salesianos
Atuantes em grande parte do
Brasil, especialmente no ramo
da educação de jovens (ensino
fabril)
As bandas de música vêm desde o
fundador, dom Bosco
Controvérsias  Bororo, S. Gabriel
da Cachoeira
Sucessão dos carmelitas com
esquecimento  SGC 
Apagamento de memórias
musicais coloniais  ladainhas
“ao modo do povo”
Semelhante aos servitas (O.S.M.)
no Acre  sem acervo
Museu da Obra Salesiana (SP) e Anônimo. Grupo tirado no dia 15 de novembro de
Biblioteca de Barbacena (MG) 1907, 1907. Mato Grosso / Acervo Museu
 dispersão de acervos Histórico Nacional. Em:
(estante virtual) https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?tag=bororos
Controle de Santuários
Redentoristas  C.SS.R.  Iguape (SP), Matosinhos (MG),
Aparecida do Norte (SP), fundação de santuários 
Basílica de São Geraldo (Curvelo, acervo no Arquivo
Municipal), Santuário do Perpétuo Socorro (Belém),
Santuário do Sagrado Coração de Jesus (Juazeiro do Norte)
etc.  muita música religiosa festiva  e os acervos?
Barnabitas  B.  Basílica Santuário Nossa Senhora de
Nazaré (Belém-PA) e Igreja de São Benedito (Bragança-PA)
 a biblioteca da Basílica tem manuscritos de música
Controle de uma irmandade negra (afrocatolicismo), como é
o caso dos Sacramentinos (S.S.S.), na Basílica de Nsa. Sra.
da Conceição de Santa Ifigênia  sacramentinos têm
deixado uma série de paróquias no Brasil  acervos?
Rotas geográficas
Candida Acatauassú Nunes  foi de Belém pra igreja dos
barnabitas no RJ  autora de uma Ladainha a Nossa
Senhora de Nazaré
Dominicanos (O.P.), franceses  difusão pelo “antigo Goiás”
 Igrejas em Uberaba, cidade de Goiás, Porto Nacional –
TO, Conceição do Araguaia e Marabá, pelo menos  Não
têm acervo? Em que medida a TL pode ter afetado isso?
Difusão do repertório  Filhas de Santana  Instituições de
Educação e Saúde  Rio Grande do Norte, Maranhão e
Amazônia  obras de dom Marcolino Dantas em Belém
Irmãs Dorotéias de Santa Paula Frassinetti  Manaus, Belém
e casa principal em Recife  Madre Julia Cordeiro
Entre dispersões e identidades
Sacramentinos e Claretianos na V.O.T. Nsa. Sra. das
Dores de Porto Alegre  fontes musicais se refletem
na imaginária sacra (S. Pedro J. Eymard e Sto.
Antonio Maria Claret)  acúmulo
Claretianos (C.M.F.) de Guarulhos (Matriz, hoje
Catedral) e Batatais  recolha pelo Pe. José Penalva,
C.M.F.  MCC
Evasão dos jesuítas da assistência germânica  códices
manuscritos em Língua Geral Amazônica  Tréveris
(Trier) e um na Academia de Ciências de Lisboa
Sé de Belém  Missal carmelita do século XVIII 
apropriação do acervo dos frades quando de sua
evasão?
Ordens e congregações femininas
O impacto da proibição aos noviciados em 1855
supostamente não alcançou os recolhimentos
femininos
Dificuldade de acesso (claustro)  Ursulinas de Ilhéus
e Franciscanas de Pelotas: museus; Filhas de Santana
e Irmãs da Divina Providência (alemãs): hospitais
Potencial para pesquisa
Congregações de vida ativa  muito atuantes na
saúde e educação  guardaram acervos?
Vida contemplativa (monjas carmelitas)  isolamento
dos acervos  mais estabilidade no local e menos
colecionistas: maior preservação?
Ordens terceiras e irmandades
Acervo na Irmandade do Rosário de Vitória-ES
Acervo na OFS (antiga VOTSF) de São Paulo e um
grande acervo bibliográfico na cripta da OFS do
Rio de Janeiro (ainda aguardo o catálogo)

Muitas ordens tinham e muitas congregações


assumiram oficial ou extraoficialmente o controle
das agremiações leigas – também de suas
documentações?
Considerações finais
Faltaram muitas congregações, sobretudo as mais recentes, mas
espera-se ter sido possível apontar possibilidades de pesquisa
A presença de ordens e congregações religiosas no Brasil esteve
longe de ser um processo estático, mas teve períodos de
grandes florescimentos, declínios e restaurações, idas e vindas,
rotas geográficas diversas, enfim, fatos implicaram dispersões
de acervos, mas também a configuração de acervos próprios,
de temporalidades diversas, que revelam identidades
igualmente múltiplas.
Investigar as histórias locais das ocupações dos seminários, das
matrizes, das capelas, de santuários e até de catedrais pode
resultar numa ferramenta útil à compreensão dos acervos que
sobreviveram, mas também servir ao reconhecimento de
indícios para eventuais investigações dos paradeiros de
acervos.
Agradecimentos e contato
Às pessoas e entidades custodiadoras dos acervos
Aos religiosos e às religiosas pelos diálogos e colaboração
À CAPES (bolsas no doutorado e pós-docs) e à UFPA
À prof. Edite Rocha e ao prof. Paulo Castagna
À Comissão Organizadora do EMHCV, a todos e todas presentes

fernandolacerda@ufpa.br

https://sites.google.com/ufpa.br/patrimusi https://sites.google.com/ufpa.br/domus-lab

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