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Santa Cruz: uma fazenda jesuítica na economia brasileira (1589-1759)

Leonardo Bassoli Angelo*

Resumo

Os colégios jesuíticos encontravam nas suas propriedades instrumentos de manutenção


alternativos às doações de particulares e às provisões da Companhia de Jesus na Europa.
Situado nessa conjuntura, o Colégio Jesuíta do Rio de Janeiro, tal como outros colégios da
Ordem, adquiriu várias propriedades ao longo dos anos, sendo a mais expressiva a fazenda de
Santa Cruz, cuja origem remonta à doação de terras por parte de Marquesa Ferreira e de sua
filha, Catarina, no século XVI. Paulatinamente, os inacianos foram adquirindo mais terras e
aumentando a propriedade, que possuía infraestrutura e setor agropastoril muito
desenvolvidos. Pretende-se situar a importância econômica da propriedade no período
administrativo jesuítico, sua situação diante das propriedades fluminenses da época, através
de aspectos comparativos e valendo-se das fontes, que se constituem de livros sobre a
fazenda.

Palavras-chave: Jesuítas, administração, Brasil Colônia.

Abstract

The jesuit`s schools found in your properties instruments for maintenance alternatives
at particulars`s donations and at support of Society of Jesus in Europe. Situated next
conjuncture, the Jesuit School of Rio de Janeiro, as other schools in this Religious Order,
acquired several properties over the years. The more expressive was farm of Santa Cruz,
whose origin refers to donations of lands by Marquesa Ferreira and by your daughter
Catarina, in the sixteen century. Gradually, the Jesuits acquired more lands, increasing this
propertie which had a remarkable infrastructure, as well as a farming and livestock much
developed. Intending to place the economic importance this farm next term, exactly, your
situation up against other properties in the region of Rio de Janeiro city, through compared
aspects with lands neighborings, and using the sources, some books about this farm.

Keywords: Jesuits, administration, Brazil Colony.

*
Graduando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e bolsista de Iniciação Científica pela mesma
instituição. O presente trabalho é fruto do projeto de pesquisa intitulado Unidades de produção jesuíticas,
séculos XVI-XVIII.
Cristóvão Monteiro, ouvidor-mor do Rio de Janeiro e morador de São Vicente, casado
com Marquesa Ferreira e pai de dois filhos, recebeu uma sesmaria de terras que ia de
Sapiaguara a Guaratiba. Com Cristóvão e um dos filhos do casal mortos, Marquesa resolveu
dividir as terras de Guaratiba e Guarapiranga em duas partes iguais. Doou uma parte à filha
Catarina, e outra à Companhia de Jesus. Catarina, no entanto, também cedeu sua parte à
Ordem de Santo Inácio: esta foi a gênese da fazenda de Santa Cruz. A posse se deu no ano de
1589 e, a partir de então, essas terras jesuíticas passariam por algumas aquisições,
aumentando sua capacidade produtiva. Com dez léguas quadradas em seu auge produtivo, a
fazenda era considerada a mais importante propriedade inaciana do sul do Brasil. No século
XVII, os jesuítas compraram um terreno vizinho, contíguo a Guaratiba, dos herdeiros de
Manuel Veloso de Espinho e, mais tarde, no mesmo século, adquiriram terras de Tomé
Correia de Alvarenga. (LEITE, 1938: 420-2; LEITE, 1945: 54).

Pertencente ao Colégio Jesuíta do Rio de Janeiro, a fazenda de Santa Cruz possuía


rendimentos de destaque. Os inacianos desenvolveram sua infraestrutura fazendo algumas
benfeitorias, tais como uma estrada que interligava a fazenda de Santa Cruz e a região de São
Cristóvão (onde se localizava o Colégio do Rio de Janeiro), uma ponte, denominada Ponte
dos Jesuítas, construída em 1752 com o intuito de regularizar o curso do Rio Guandu
escoando parte de suas águas por um canal até o Rio Itaguaí1, e uma trilha que seguia rumo ao
norte, levando a vários lugares que davam na região das Minas, as quais, segundo alguns
relatos, eram há muito conhecidas pelos padres. Se comparada essa fazenda fluminense a
outras da Bahia e de Pernambuco da época, chama-nos atenção o fato de que, enquanto as
congêneres nordestinas possuíam entre 6 mil e 20 mil cabeças de gado, os campos de Santa
Cruz, localizados em uma região “que tem menos gado”, nas palavras de Antonil, possuíam
60 mil cabeças (LEITE, 1945: 61; ASSUNÇÃO, 2004: 339-40; CATÃO, 2005: 8).

Durante os 170 anos durante os quais pertenceu aos jesuítas, Santa Cruz propiciou a
manutenção dos religiosos e do projeto missionário na cidade do Rio de Janeiro. Como a
infraestrutura e os recursos da região limitavam os fluxos de mercadorias e pessoas, a
propriedade inaciana atuou com pertinência, fornecendo suas pontes, estradas, além das
diversas oficinas. A mão de obra utilizada era substancialmente escrava, e os loiolanos
optaram por desenvolver o sistema de reprodução endógena, aliado às regalias para com os

1
A ponte foi tombada pelo Patrimônio Histórico em 5/04/1938. Ver: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm
2
cativos, uma forma de investimento e de controle social inseridos em um contexto de
organização estrutural característico da Companhia de Jesus, tendo como exemplo a condução
das atividades administrativas, na qual padres com formação específica para o cargo exercido
anotavam em livros os débitos e créditos referentes aos bens materiais da Ordem, fato que não
se verificava em muitas propriedades do período. Cumpre salientar que esse sistema
continuou com a administração real Portuguesa sobre o Brasil, iniciada após a expulsão dos
Padres em 1759 (ENGEMANN, 2002: 79; ASSUNÇÃO, 2004: 294).

A origem da atividade produtiva dos jesuítas no Rio de Janeiro remonta a 1569,


quando o padre Luiz da Grã mandou gado para essas terras. Em 1584, havia na região roças e
escravos que já proviam as necessidades do Colégio. Dados a carência de mão de obra para os
trabalhos e a escassez de recursos para as edificações, os religiosos deram as terras em
enfiteuse (LEITE, vol.1: 409-20). As terras fluminenses pertencentes aos jesuítas dedicaram-
se à criação de gado, à produção de açúcar e ao cultivo de cereais, legumes e frutas. Além da
fazenda de Santa Cruz, destacaram-se as propriedades do Engenho Velho, Engenho Novo e
São Cristóvão, tendo os padres arrendado várias porções de terra no século XVII. No que toca
a produção açucareira, o Engenho Velho e o Engenho Novo têm papel de destaque. O
Engenho Novo dispunha, além de igreja, residência e senzalas, de olaria, ferraria, carpintaria,
serraria de madeira e tanoaria. Em 1757, suas terras renderam 60 caixas de açúcar contra 40
caixas do Engenho Velho. A meia légua deste havia a quinta do Rio Comprido, importante
produtora de cana em períodos de grande produção, vendida em 1722 por 13000 cruzados.
Em São Cristóvão, havia uma fazenda em frente às ilhas de João Damasceno e de Pombeba
(esta última arrendada por 640 réis anuais), que possuía um forno de cal e uma quinta com
várias dependências, dentre as quais a fazenda hortícula de Murundu. Dedicada ao cultivo de
legumes e frutas, parte de suas terras foi, como outras localidades inacianas fluminenses, dada
a aforamento enfitêutico, o qual, juntamente com o arrendamento, servia como solução para
os religiosos. O Colégio chegou a possuir duzentos e setenta rendeiros no Andaraí (Grande e
Pequeno), em São Cristóvão, Inhaúma, Pedregulho, Caju, parte da Tijuca, e São Gonçalo.
Muitas terras da zona urbana foram repartidas em lotes, alugados por preços comuns após
intensos pedidos de moradores, que não raro recorriam a Roma para que fossem atendidos
pelo Colégio. No plano da cultura, um feito notável da fazenda foi a fundação, pelos
religiosos, de uma Escola de Música composta de escravos, que tocavam nas missas e nas
festividades da fazenda e da Capitania do Rio de Janeiro. Com a transferência da Família Real
3
para o Rio de Janeiro, alguns anos após a expulsão dos loiolanos, a escola recebeu grandes
incentivos de D. João VI (LEITE, vol. 6: 67-77; MARIZ, 2008: 22).

Diante dos dados comparativos apresentados, é possível inserir a fazenda de Santa


Cruz em uma posição de destaque na conjuntura econômica da cidade do Rio de Janeiro. Sua
infraestrutura e seus bens, dentre os quais as pontes, estradas, oficinas e currais, além de
representarem uma propriedade de notáveis dimensões territoriais, sugerem um agente
econômico que possivelmente se destacou na economia da época. No entanto, com as obras
consultadas, não foi possível empreender um estudo quantitativo abrangente da propriedade
no período jesuítico, sendo os dados disponíveis para pesquisa referentes maciçamente ao
período posterior à administração inaciana. A intenção nesse trabalho foi salientar a
organização dos jesuítas no trato com os negócios temporais, valendo-se do exemplo de uma
fazenda que certamente contribuiu economicamente para o desenvolvimento do projeto
missionário no Brasil.

4
Bibliografia

ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos.
São Paulo: EDUSP, 2004.
CATÃO, Leandro Pena. O Império Jesuítico: um olhar sobre a evolução patrimonial da
Ordem na América Portuguesa. In.: Sacrílegas Palavras: Inconfidência e presença jesuítica
nas Minas Gerais durante o período pombalino. Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação do Departamento de História da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
ENGEMANN, Carlos. Demografia e relações sociais entre a escravaria da Real Fazenda de
Santa Cruz (1790-1820). Rio de Janeiro: UFRJ, 2002 (Dissertação de Mestrado em História
Social).
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do Livro, 1938-1945.
MARIZ, Vasco. A Música no Rio de Janeiro no tempo de D. João VI. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2008.

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