Você está na página 1de 7

O Pensamento Grego e a Igreja Cristã:

Encontros e Confrontos – Alguns


apontamentos (4)
          Na História Grega, o século 5º a.C., costuma ser
denominado, “Século de Ouro de Atenas” ou “Século de
Péricles”, especialmente, ainda que não exclusivamente,
associado ao período em que Péricles governou Atenas
(444-429 a.C.).

          Nessa época foi que Atenas teve o seu grande


desenvolvimento político, artístico, literário e social, além
da preparação de um exército bem treinado. 

          Aqui temos um período de grande desenvolvimento


democrático de Atenas. As assembleias e tribunais
dependiam da habilidade retórica dos seus participantes. O
discurso era o meio mais eficaz de adquirir influência,
poder e honrarias ou, de se defender dos inimigos. A
Retórica adquiriu um status de inigualável arma política,
assegurando a vitória a quem soubesse usá-la melhor.
          Sobre isso, escreveu Jaeger (1888-1961)
A faculdade oratória situa-se em plano idêntico ao
da inspiração das musas aos poetas. Reside antes
de mais nada na judiciosa aptidão para proferir
palavras decisivas e bem fundamentadas. (…) A
idade clássica chama de orador o político
meramente retórico. (…) Neste ponto, devia
basear-se na eloquência toda a educação política
dos chefes, a qual se converteu necessariamente na
formação do orador.[1]
    Este século é marcado por profundas modificações. A
vitória nas guerras médicas, quando foram expulsos os
invasores persas das terras helênicas (Maratona (490);
[2] Salamina (480)[3] e Plateia (479)[4]), trouxe
prosperidade no comércio, aumento de sua riqueza e,
sobretudo, desenvolvimento e esplendor da sua cultura.
Péricles
    Péricles (499-429 a.C.) deu uma Constituição
democrática à Atenas. A vida política e civil da cidade
tomou novos aspectos, despertando um novo interesse
intelectual. A preocupação pelo mundo que foi
característica das épocas anteriores, cede lugar agora, à
preocupação com o homem. Neste contexto surgiram os
sofistas, eloquentes oradores, retóricos e
fundamentalmente pedagogos que tinham como meta a
educação dos nobres,[5] especialmente na Gramática, na
Literatura, na Filosofia, na Religião e, principalmente na
Retórica.
    Os sofistas foram mestres que tiveram grande influência
no 5º e 4º séculos antes de Cristo. Deles provieram críticas
severas à religião praticada. Protágoras (c. 480-410 a.C.),
por exemplo, partindo do princípio de que o homem é o
senhor e padrão de toda realidade, conduziu seu
pensamento pelo pleno subjetivismo, dizendo: “O homem
é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e
das que não são enquanto não são”.[6]
    Deste conceito, ele deduz o seu agnosticismo teológico
que, segundo nos parece, era o único caminho possível
para ser coerente com o seu pensamento relativista, daí a
sua compreensão: “Quanto aos deuses, não posso saber se
existem nem se não existem nem qual possa ser a sua
forma; pois muitos são os impedimentos para sabê-lo: a
obscuridade do problema e a brevidade da vida do
homem”.[7]
    Um seu contemporâneo, discípulo de Parmênides (530-
460 a.C.), Melisso de Samos (c. 490-c. 430 a.C.), também
partilhava do mesmo agnosticismo, conforme testemunho
de Diógenes Laércio: “Dos deuses, dizia que não se deve
dar explicação definitiva. Pois não se os pode conhecer”.
[8]
    Calvino cita que o poeta grego Simônides de Céos (c.
557-c.468 a.C.), indagado pelo tirano Hierão I de Siracusa
sobre o que seria Deus, depois de alguns dias de reflexão,
respondeu: “Quanto mais reflito, tanto mais obscuro o
assunto me parece”.[9]
    Trasímaco de Calcedônia (c. 459- 400 a.C.), entendendo
que a justiça é sempre a do mais forte,[10] sustentava que
os deuses foram inventados pelos governantes com o
objetivo de assustarem os homens. No entanto, caso eles
existam, não têm providência nem se preocupam com os
assuntos humanos.[11] Aliás, o conceito de um deus
indiferente aos problemas humanos, não era estranho no
5º/4º séculos a.C. conforme indica Platão (427-347 a.C.),
ainda que combatendo esta acepção.[12]
    Outro sofista, Pródico de Céos (c. 465- c. 399 a.C.),
discípulo de Protágoras (c. 480-410 a.C.), pessimista
quanto à vida, sustentava que não devemos temer a morte,
visto que jamais nos encontraremos com ela: quando a
morte chegar já não existiremos. Entendia que todos os
bens, inclusive o divino, só o conseguimos com muito
esforço, tendo como ingrediente fundamental a adoração
aos deuses: “Os Deuses não concederam aos homens
nenhuma das cousas belas e boas sem fadiga e estudos;
mas se quiseres que os Deuses te sejam benévolos, deves
venerá-los….”.[13]
    Para Pródico, conforme documentação disponível, a
origem da religião estava associada à gratidão dos
homens, que denominaram de deuses as coisas úteis à
vida, tais como o sol, a lua, os rios, os lagos, o alimento e
o vinho.[14]
São Paulo, 04 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

[1] Werner Jaeger, Paideia: A Formação do Homem


Grego, 2. ed. São Paulo; Brasília, DF.: Martins Fontes;
Editora Universidade de Brasília, 1989, p. 236.
[2]Veja-se a descrição desta batalha in:
Heródoto, História, Rio de Janeiro: Ediouro, (s.d.), VI.93-
120.
[3]Heródoto, História, VIII.24-96.
[4]Heródoto, História, IX.1-107, 115-121.
[5] Cf. Werner Jaeger, Paideia: A Formação do Homem
Grego, p. 236.
[6] Apud Platão, Teeteto: In: Teeteto e Crátilo, Belém:
Universidade Federal do Pará, 1988, 152a; 160c.
Aristóteles (384-322 a.C.), diz: “O princípio (…) expresso
por Protágoras, que afirmava ser o homem a medida de
todas as coisas (…) outra coisa não é senão que aquilo que
parece a cada um também o é certamente. Mas, se isto é
verdade, conclui-se que a mesma cousa é e não é ao
mesmo tempo e que é boa e má ao mesmo tempo, e,
assim, desta maneira, reúne em si todos os opostos, porque
amiúde uma cousa parece bela a uns e feia a outros, e deve
valer como medida o que parece a cada um” (Metafísica,
XI, 6. 1 062. Veja-se também, Platão, Eutidemo, 286).
[7]Diógenes Laercio, Vidas, Opiniones y Sentencias de los
Filósofos más Ilustres,Buenos Aires: Librería “El Ateneo”
Editorial, (1947), X, p. 581-582. Veja-se: também:
Rodolfo Mondolfo, O Pensamento Antigo, 3. ed. São
Paulo: Mestre Jou, 1971, v. 1, p. 144-145.
[8]Melisso de Samos, Dox.3. In: Gerd A. Bornheim,
org. Os Filósofos Pré-Socráticos, p. 66. Veja-se também,
a citação em Cícero (Cicero, The Nature of the Gods,I.1,
29, 63,117).
[9]João Calvino, As Institutas,I.5.12. Na sequência,
Calvino comenta a insuficiência da revelação na natureza
para o homem auferir um conhecimento sólido e precioso
de Deus.
[10]Platão, A República,7. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, (1993), 338e-339a; 343c-344c.
[11]Platão, A República, 336b; 338c./Platão, Leis,889e
[12] Vejam-se: Xenofonte, Ditos e feitos memoráveis de
Sócrates, I.4.10ss; Platão, Leis,885b, 888c. Platão, A
República,365d-e
[13]Pródico, Das Horas, Fragmento, 2. Veja-se: também:
Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de
Sócrates, II.1.28; Platão, Protágoras, 315c. Barclay
escreve: “para a mentalidade grega a primeira
característica de Deus era a apatheia. Esta palavra
significa mais que apatia: significa incapacidade total de
sentir. Os gregos sustentavam que Deus não poderia
sentir. Se pudesse sentir alegria ou tristeza, aborrecer-se
ou apiedar-se, significava que nesse momento alguém o
havia afetado. Se isto era assim, significava que o homem
havia influído em Deus; portanto, era mais poderoso que
ele. Deste modo, pois, sustentavam que Deus deve ser
incapaz de todo sentimento e que nada pode afetá-lo
jamais. Um Deus que sofria era para os gregos uma
contradição” (William Barclay, 1 y 2 Corintios,Buenos
Aires: La Aurora, 1973, p. 30-31). Na realidade esta
característica foi mais amplamente desenvolvida com o
estoicismo. Vejam-se: S. Lilla, Apátheia: In: Ângelo Di
Berardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades
Cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulinas, 2002,
p. 125-126; Apátheia: In; F.E. Peters, Termos Filosóficos
Gregos: Um léxico histórico,2. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, (1983), p. 31-32.
[14] Veja-se: Cicero, The nature of the Gods,I.118;
W.K.C. Guthrie, Os Sofistas,São Paulo: Paulus, 1995, p.
221-224.

Você também pode gostar