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Polis, democracia e Filosofia

(Prof. Léo/Filosofia/IFF Macaé)

Quem nunca fez uma série de questionamentos, procurando entender mais


claramente um determinado assunto? Qual o sujeito que, irrequieto em meio a dúvidas, não se
interessou pela investigação de certos temas? Ou, ainda, quem se satisfaz com respostas
dogmáticas, que não apelam para fundamentos concretos, mas apenas para velhas tradições?
É próprio do ser humano querer conhecer as coisas que o envolvem, sondar,
analisar, fazer perguntas e ir atrás de respostas para suas inquietações. A propósito, a criança é
um belo exemplo desse tipo de atitude, pois, desde sua tenra idade, espantada com um mundo
de novidades a sua volta, e cheia de curiosidade, põe-se incansavelmente a perguntar: “o que é
isso?”, “por que aquilo é assim?”, etc.
Vale ressaltar que o homem não é um robô, nem uma máquina que funciona com
simples apertar de botões, mediante configurações pré-estabelecidas. Crises e dilemas
humanos não se resolvem com um clique, tampouco seguem códigos binários. O homem
também não é um animal irracional, que se contenta com uma existência baseada em
impulsos e instintos. Por exemplo, uma aranha não questiona de que maneira ou com quem
aprendeu a tecer sua teia, nem uma abelha se interessa por entender todo o processo segundo
o qual produz o mel.
Diferentemente dos outros animais, porém, o ser humano se debate diante de
questões difíceis de serem explicadas, tais como “quem sou eu?”, “de onde vim?”, “o que é a
vida?”, “o que é a morte?”, etc. Parece, de fato, que o desejo de saber é algo inerente à espécie
humana. Aliás, é válido dizer que as principais descobertas - bem como inúmeros fatos
relevantes da história da humanidade - se iniciaram com perguntas, despertadas pela vontade
de conhecer o que ainda se encontrava obscuro e velado ao entendimento do homem. E a
Filosofia, não fugindo a esta regra, também se originou de inquietações, perguntas e sede de
conhecimento.
Na Grécia antiga, até por volta do século VII A.C., as pessoas, de um modo geral,
tentavam solucionar suas dúvidas existenciais recorrendo à mitologia. Isso quer dizer que
fatores como tragédias e vitórias, guerra e paz, fartura e escassez, vida e morte, entre outros,
eram atribuídos a deuses, semideuses, monstros e criaturas extravagantes, que compunham o
vasto e criativo universo mitológico grego. Caso o mar estivesse agitado, por exemplo, a
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causa seria a ira de Poseidon. Num dia em que raios estivessem cortando o céu, quem seria o
responsável? Zeus, obviamente.
No entanto, a partir da época acima citada, uma verdadeira revolução no âmbito
sociopolítico ocorreu na Grécia – notadamente em Atenas, a mais intelectualizada das regiões
gregas. Trata-se da “polis” (em grego, “cidade”). A polis foi uma novíssima forma de
organização social e política, uma originalidade genuinamente grega. Nela, os indivíduos se
deslocavam de suas casas e se dirigiam a locais públicos (praças, sobretudo), a fim de
debaterem, trocarem ideias, discutirem e, então, decidirem os destinos de sua própria cidade.
A decisão era tomada com base num sistema simples de votação, em que a opção da maioria
apontaria os rumos a serem tomados.
Foi exatamente nesse contexto que nasceu a “democracia” (em grego, “poder do
povo”). Porém, esta democracia não era tão do povo assim. Mulheres, escravos e estrangeiros
estavam fora das assembleias. Somente homens, naturais da polis e maiores de idade estavam
autorizados a participar das reuniões públicas. Mas, ainda que imperfeita em sua origem, a
democracia se constituiu numa herança que a Grécia deixou para o mundo. Além da
democracia, nesse mesmo período, a Grécia deu à luz um tesouro incalculável para a
humanidade: a “Filosofia” (do grego, “amor ao saber”).
Ao debaterem e escolherem os destinos de sua polis, os gregos passaram a exigir
mais de seu intelecto. Afinal, decidir sobre os caminhos de um povo é (pelo menos, deve ser!)
tarefa que demanda PENSAR! Nesse contexto em que as ideias fervilhavam, surgiram certos
indivíduos que não mais aceitaram a mitologia como resposta embasada e segura para os
dilemas da humanidade. Ao invés de apelarem para seres sobrenaturais e fábulas irreais, eles
apontavam unicamente para a própria razão humana, como a fonte de onde seriam extraídas
as possíveis explicações para as perguntas cruciais que os homens faziam. Esses indivíduos
afirmavam que, na condição de seres racionais, era tão somente a racionalidade, o intelecto, o
pensamento organizado e a reflexão séria que deveriam servir de base para solucionar seus
problemas e, assim, entraram para a história como os primeiros filósofos.
Portanto, a Filosofia se origina entre os gregos, mas é fruto do velho desejo de
conhecimento e do anseio por explicações que moram no homem. Sim, a Filosofia apresenta,
entre suas particularidades, a vontade de entender, a atitude de analisar, a prática de
questionar, o inconformismo com respostas superficiais, enfim, características comuns aos
seres humanos. Sua singularidade, entretanto, está em apresentar a razão humana como o
caminho correto para que o amor à sabedoria seja satisfatoriamente realizado.
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Os filósofos pré-socráticos

Os primeiros filósofos tiveram uma característica comum: eles buscaram conhecer o


que em grego se chama “arché” (“princípio”). Seu desejo era investigar qual o princípio de
todas as coisas, qual a matéria-prima a partir da qual tudo se originou, em suma, o que
proporcionou o surgimento das coisas. Esses pioneiros da Filosofia são também chamados de
“físicos” (pois investigavam a natureza – “physis” quer dizer natureza, em grego) e “pré-
socráticos” (porque filosofaram antes do grande Sócrates). Vamos analisar brevemente
algumas ideias dos primeiros filósofos.
Tales de Mileto (623-546 A.C)
Tales é considerado o pioneiro entre os filósofos. Para ele, a água é a arché, pois a
água está presente nos seres humanos, nos animais, na terra e no céu. Além disso, a água tem
a capacidade de se manter a mesma, apesar de se manifestar em três estados (sólido, líquido e
gasoso).
Anaximandro (610-547 A.C)
Discípulo de Tales, discordou de seu mestre, pois, para ele, a arché não pode ser
uma substância visível, material. Antes, a arché se encontra além do que os olhos humanos
podem enxergar. Como Anaximandro não sabia o nome (porque não conseguia definir),
chamou apenas de “apeiron”, que em grego significa “indeterminado”, “ilimitado”.
Anaxímenes (588-524 A.C)
Segundo seu pensamento, a arché é o ar, que não é visto, mas é sentido e percebido.
O ar está presente em todos os pontos possíveis e imagináveis, e é sinônimo de vida, pois é o
ar que nos mantêm vivos.
Pitágoras (570-490 A.C)
Além de célebre matemático, Pitágoras foi filósofo e inventou o nome “filosofia”.
Para ele, a arché são os números, já que os astros celestes se movimentam baseados em
relações matemáticas, o universo se encontra submetido às leis da matemática, tudo no mundo
possui forma geométrica e até os acordes musicais fundamentam-se na matemática.
Heráclito (535-475 A.C)
Apelidado de “o obscuro”, por ser de difícil compreensão, Heráclito disse que a
arché é o fogo. Quando o fogo se condensa, se torna ar, água e terra. A partir daí, surgem os
elementos. Heráclito acrescenta que o fogo é alimentado pelo “logos”, espécie de razão
universal e invisível, responsável pela harmonia no universo.
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Parmênides (510-470 A.C)


Sua ideia é completamente distinta das anteriores. Afinal, Parmênides não se baseou
em nenhum elemento da Terra, como água, fogo, ar, etc. Segundo ele, a realidade é o ser. Que
ser? Ele não deu nome. Um ser eterno, imutável e imaterial. Temos aí um grande exemplo da
metafísica grega (“meta” = além; “physis” = natureza, isto é, o que a física não pode provar,
pois está além dela).
Empédocles (490-430 A.C)
A arché são as quatro substâncias básicas: água, terra, fogo e ar. Quando se
combinam, tem-se a geração (vida) das coisas. Quando se separam, ocorre a morte e o fim de
tudo.
Demócrito (460-370 A.C)
Para ele, todas as coisas são constituídas por partículas minúsculas, invisíveis e
indivisíveis, que ele chamou de “átomos”. Portanto, a arché são os átomos, que, por obra do
acaso, podem se atrair ou se repelir. Ao se atraírem, há vida. Ao se separarem, há morte.
Assim, a investigação sobre o princípio de tudo se tornou o grande objetivo dos
primeiros filósofos. Mas, isso ia mudar. Porque um certo pensador de Atenas, chamado
Sócrates, surgiria na área. Essas, porém são cenas do próximo capítulo.

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