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Minerva Maçônica

Revista Cultural do
Grande Oriente do Brasil
Ano I - nº 3

Estoicismo

Raimundo Rodrigues*

o terceiro período da História


Antiga da Filosofia, que alguns
historiadores batizaram de pós-
socrático e outros, de pós-aristotélico,
caracteriza-se pelo que de melhor
produziram os gregos no campo das
ciências e das matemáticas; esse
período passou à História com o nome
de "Idade Helênica".
Foi nessa fase da história da
filosofia que, ao lado de outras
I Escolas, surgiu o "estoiciemo".
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Cumpre assinalar que a "Idade sobre a Conduta, o Supremo
Helênica" é filosoficamente impor- Bem e a Felicidade do Ho-
tante, muito embora sem aquela mem.
grandiosidade do "Período Socrático", Esta é a razão por que
quando pontificam Sócrates (469- 399 a pesquisa filosófica no pe-
a.C.), Platão (427-348 a.C.) e ríodo helenístico, modo geral,
Aristóteles (384-322 a.c.), figuras tem um sentido totalmente
maiores da filosofia grega. ético.
Quando Alexandre Magno Haddock Lobo, exce-
conquistou o imenso Império Persa. lente historiador da filosofia.
um dos efeitos dessa conquista foi a sintetiza de maneira simples e
dispersão, em larga escala, da ciência, clara, aquela fase da vida dos
da filosofia. da arte e da literatura gregos: "Após - diz ele - o
gregas. A mistura dessas mani- estabelecimento da hegemo-
festações culturais com a cultura dos nia macedônia, e apesar da
povos vencidos motivou expressivas aparência democrática de
modificações no saber daqueles uma ou outra legislação, os
tempos. Todavia, salta aos olhos. que antigos Estados gregos pas-
essa espécie de universalização da saram a ser de fato gover-
cultura grega perde em profundidade nados por pequenos grupos
o que ganha em extensão, mormente de partidários da dominação
se quisermos comparar o período estrangeira. Imperava. além
pós-aristotélico com o período do mais. uma atmosfera geral
socrático. de incerteza. Fora das pe-
Apesar de tudo. o "período quenas minorias dominantes.
helenístico" apresentou momentos de as pessoas cultas sabiam que
grande erudição, com alguns de seus não tinham possibilidade
filósofos exercendo crítica tão alguma de intervir nos acon-
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penetrante quanto benfazeja. Sob o tecimentos. Os interesses ou
Zenão
jugo macedônico, Atenas sofre caprichos dos reis ou de
modificações sociais de todo tipo. camarilhas de generais. de um mo- tiveram respostas variadas". 1
deixando de oferecer, ou não ofe- mento para outro. podiam desen- Para dar resposta àquelas
recendo como antes. aquele campo candear terríveis guelTas e reduzir à perguntas e a muitas outras, nasceram
propício ao estudo e à especulação miséria populações inteiras. Vários os quatro grandes movimentos do
filosófica. homens inteligentes. em conseqüência. helenismo: estoicismo, epicurismo,
Estudando-se a filosofia da deixando de lado os grandes proble- cepticismo e ecletismo.
época, chega-se à conclusão de que mas que haviam agitado os pen- Entre os quatro, é inquestionável
o homem grego, diante da situação sadores antigos, dirigiram o esforço que a Escola filosófica de maior
dificil por que atravessava a polis. filosófico para o terreno do com- influência e que teve a maior duração
busca uma tábua de salvação no portamento individuol. O grande foi a dos estóicos.
recolhimento em si mesmo, trans- problema da filosofia helenística talvez O estoicismo apresenta uma
formando sua vida numa verdadeira possa resumir-se nas seguintes ques- gama de originalidades que sur-
solidão interior. O interesse dos tões: Como devo comportar-me? Que preende a quem se resolve a estudá-
filósofos recai, sobretudo. nos preciso fazer para me tornar tão feliz 10 em profundidade. Daí por que não
problemas éticos e entram a considerar quanto for possível? Essas perguntas surpreende a grande influência que
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exerceu durante vários séculos, apresentada em face da morte. não é possível que o cosmos seja
mormente em Roma. Procuram distanciar-se de destituído de razão.
A Escola Estóica, fundada por PIa tão e de Aristóteles porque, para Zenão estabeleceu e os estói-
Zenão de Citim (336-274 a.c.) nos eles, a verdade consiste na total cos de todas as gerações nunca
fins do Século N a.C; floresceu além compreensão do objeto sem o que a abandonaram a idéia do determinismo
do Século III de nossa era. mente não se obriga a aceitá-Io. Já, cósmico. Para eles, é ponto pacífico
Afirmam os historiadores que para Platão e Aristóteles, a verdade de que não existe o acaso e as leis
Zenão era fenício e não grego, o que consiste sobretudo na perfeita cor- naturais determinam o curso da
se constitui em uma exceção entre os respondência entre a representação natureza.
pensadores que viveram em Atenas, mental e a real situação das coisas. Imaginavam que no princípio
naquela época. Os estóicos jamais aceitaram a havia somente fogo; os outros
Como surgiu o nome da Escola? "doutrina das idéias" de Platão, bem elementos - terra, água e ar - foram
Zenão não difundia suas idéias como rejeitaram decididamente os emergindo gradualmente.
nas praças esportivas, como era cos- argumentos do grande filosófo a favor Tinham como certo que, mais
tume na época, mas sob um pórtico", da imortalidade da alma. Consi- cedo ou mais tarde, haverá uma
guarnecido de colunas. Pórtico, em deravam a alma como algo material, explosão cósmica e tudo se trans-
grego, é "stoa", vocábulo ,que teria se bem que com certo pendor de formará novamente em fogo.
dado origem à palavra "estóico". escolha, nas opções apresentadas Para explicar tal doutrina,
O estoicismo, além de ser uma pelas circunstâncias. afirmavam que o Logos tinha por
doutrina essencialmente moral, contém Intuíam que o homem é cons- finalidade a perfeição do cosmos.
ensinamentos importantes sobre a tituído de um fragmento do Logos e Assim que se estabelecesse um alto
estrutura do cosmos, além de, também um fragmento de matéria. O fragmento grau de perfeição, o próprio Logos se
importante, doutrinação sobre o do Logos seria a alma e o fragmento dedicaria a refazer o cosmos com toda
conhecimento humano. de matéria, o corpo. a sua perfeição. Para tanto, o Logos
Apesar de algumas contradi- Aliás, dependendo da época segue sempre e sem modificação
ções nas teorias e atitudes introduzi das em que viveram, os estóicos di- alguma a mesma ordem na restauração
pelo estoicismo, não se pode deixar vergiram seriamente sobre esse de tudo o que foi destruído. O ciclo
de verificar que alcançou grande êxito assunto. Para muitos, dentre eles, tudo há de repetir-se eternamente. Rea-
entre os estudiosos da época, muito se reduz à matéria. A alma nada mais parecerão os mesmos homens, as
menos por causa de sua concepção seria que uma espécie de sopro vital. mesmas mulheres, as mesmas crian-
da natureza das coisas, que pelas Entretanto, a última geração de ças. Isto se repetiria mais de uma vez,
normas de comportamento que ofe- estóicos passou a considerar a alma incontáveis números de vezes. Todo
recia. Tais normas, por serem simples como imortal. esse processo seria infindável.
e claras, eram facilmente aceitas pelas Ensinavam ainda que a estrutura Com o decorrer dos tempos, os
pessoas que não se conformavam com do cosmos era o resultado de dois seguidores de Zenão concluíram que
a realidade político-social por que elementos: matéria e Logos. Deus é a alma do mundo e que em
estavam passando. Pensamos que, talvez, os mo- cada um dos homens há uma pmte da
É interessante observar que, no tivos que os levaram a admitir o Logos centelha divina. Tudo o que existe faz
que tange ao modo de conceber a como elemento primordial tenha sido parte da natureza. A vida do homem
verdade, os estóicos tanto se afastam o fato de o homem ser uma ma- só é boa se estiver em harmonia
de Platão quanto de Aristóteles. Em nifestação do Cosmos. Ora, a razão é constante com a natureza.
contrapartida, sempre tiveram SÓ- o que marca a superioridade do Ensinavam mais que, na vida do
crates na mais alta conta, por sua homem sobre as coisas existentes e ser humano, o único bem é a virtude e
atitude durante o julgamento a que foi como o todo (o cosmos) não pode esta consiste em estar a vontade
submetido e pela serenidade por ele ser inferior às partes que o compõem, sempre de acordo com a natureza.
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dificuldades lógicas. que o Logos é constituído de alguma


Podemos contrapor que, se a matéria sutilíssima, capaz de penetrar
virtude é o único bem, nada se deve em qualquer coisa.
opor à crueldade e à injustiça, uma vez Entretanto. havia entre eles
que a injustiça e a crueldade oferecem discordância sobre qual fosse essa
a quem delas sofre as melhores matéria. Para alguns, era o fogo; para
oportunidades para o exercício da outros, o éter.
virtude. A força do Logos, segundo
Até aqui. falamos do Logos. ensinavam. é irradiada na matéria
sem uma explicação clara de como os como sementes, que nada mais seriam
estóicos o concebiam. que fragmentos do próprio Logos, por
O Logos não é de natureza isso denominadas de razões seminais.
espiritual. mas de natureza material. Deste modo, pode-se concluir que,
uma vez que os adeptos de Zenão nos indivíduos. a razão seminal exerce
ensinavam que o que não tem corpo a função atribuída à forma, do mesmo
não tem capacidade de fazer. de agir. modo como Aristóteles a concebia.
Assim. entendemos que. se o Logos As principais figuras do
dos estóicos é a fonte de onde emana estoicismo. além de Zenão, foram:
toda a atividade. só pode ser Crisipo (281-208 a.c.), Epicteto (50-
corpóreo. Eles mesmos concluíram 138 d.C.). Sêneca (4 a.c. -65 d.C.).

Raimundo Rodrigues - Loja Ponto no


Espaço, Or\ de São Paulo - Sl; Diretor do
Boletim "IOD" e Presidente da Academia
Senêca
Maçônica de Artes, Ciências e Letras.

Estabeleceram que a virtude depende


exclusivamente da pessoa. Aconteça
o que acontecer. o homem pode N o tas
sempre continuar virtuoso. Era rico,
ficou pobre: era são. adoeceu, nada A Filosofia e sua Evolução, ed. É. P - São Paulo, 1979, pág.97.
I.

impede que o indivíduo continue VU"- Pórtico (do latoporticus] - Átrio amplo, com o teto apoiado em colunas
2.

ou pilares. Portada, entrada de edifício nobre.


tuoso. Isto. porque a virtude reside na
vontade e chegaram à conclusão de Bibliografia:
que todas as coisas. boas ou más. na
vida da pessoa. ficam na dependência - Aubengue, P e André, 1. M. - Sénêque, Paris, Seghers, 1964.
exclusiva dela própria, -Brehiet; E. - Chrisippeetl'ancienstoicisme, Paris 1951, 2aed
- Bridoux, A. - Le stoicisme e son influence, Paris, 1966.
À primeira vista. tem-se a
- Lobo, R. H. - A Filosofia e sua Evolução: pequena história do
impressão de que nada há que con-
pensamento humano, Ed. Populares, São Paulo, 1979.
trarie o pensamento estóico. Contudo. - Vernant, 1. P - Les origines de Ia pensée grecque, Paris, 1975, 3a ed.
é fácil constatar que esse tipo de - Mondin, B. - Curso de Filosofia, trad. Benôni Lemos, São Paulo, 1982.
doutrinação apresenta algumas
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