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ESPACIALIDADES DE ASSIMILAÇÃO NATIVA : Diretorias, Colônias e Aldeias

no Maranhão Provincial na interface da Política Indigenista Imperial


(1845-1889).

Marcos Ferreira Silva1

INTRODUÇÃO

Ao identificar que as pesquisas e os estudos referentes à historiografia indígena e


ao lugar do índio na história encontram-se em fase processual e emergencial. E que por
sua vez, o estudo dessa temática apresenta uma relevância no que tange à consciência
acerca do protagonismo do índio na história, como sujeitos dotados de práticas, saberes
e histórias. Olhando e repensando a história indígena como tema profícuo do fazer
historiográfico, fui sendo compelido por algumas inquietações.
Não obstante, passei a refletir acerca das lacunas existentes no tocante a pesquisas
que tangenciassem a discussão da incorporação dos índios na compreensão dos
processos historicos do século XIX, sobretudo na historiografia maranhense2.
Nesse contexto, foi sendo delimitado a temática do meu projeto de pesquisa,
visando a seleção do Doutorado em História e Conexões Atlânticas: culturas e poderes;
na Universidade Federal do Maranhão, onde a priori procurava entender a ocupação do
território do Alto Mearim, por intermédio da instalação de colônias ou missões e
diretorias indígenas e suas respectivas aldeias.
A delimitação temática inicial objetivou analisar a partir da política indigenista
imperial e das representações do discurso civilizatório e disciplinar, a formação e o
cotidiano da Colônia Leopoldina no Alto Mearim na segunda metade do século XIX.
Bem como descrever a relevância da abordagem acerca da experiência indígena no
ensino de história em especial a historicidade da Colônia Leopoldina para a
historiografia indígena e regional maranhense. Além de avaliar teoricamente e
historiograficamente as práticas e representações indígenas, assim como de outros
sujeitos, na vivência temporal e cotidiana da Colônia Leopoldina. Verificando ainda o

1
Doutorando em História, Mestre em Cultura e Sociedade (Ufma), Especialista em Teoria e Metodologia
da História (Cesc/Uema), Graduação em História (Uema), Professor da rede pública estadual e
municipal.Email:cienciashumanasemfoco@gmail.com
2
É digno de nota, que a única referência bibliográfica, sobre a questão indígena no Maranhão no século
XIX que tive contato, embora de viés antropológico, foi a obra de Elizabeth Maria Beserra Coelho.
A política indigenista no Maranhão provincial. São Luis: SIOGE, 1990
dinâmico processo de ocupação do território do Alto Mearim maranhense pelos povos
indígenas, e o consequente processo de territorialização.
A pesquisa partiu do contato com um vasto acervo documental do século XIX,
relacionado à política indigenista no Maranhão imperial, ofícios trocados entre os
diretores das Colônias indígenas e os Presidentes da Província, correspondências dos
missionários e relatórios dos Presidentes da Província do Maranhão.
Do mais, o contato com leituras específicas em especial da Nova História
indígena3, foram lançando luz e fazendo emergir novas questões norteadoras, vinculadas
ao objeto proposto para a análise, tais como: Onde e como estão assentadas
territorialmente as populações indígenas na segunda metade do século XIX na
província do MA? Quantos e quem são os Diretores Gerais de índios na Província do
MA? A quais famílias petencem? São pessoas de transito? Quantos aldeamentos?
Temos quantas colônias indígenas? Quem foram os diretores dessas colonias? Quais
prosperaram e quais fracassaram? E quais os aspectos motivadores? Como se
estabelecia as relações econômicas e comerciais , nas colonias, aldeias e diretorias
indígenas na provincia do MA na segunda metade do século XIX? Qual o papel
desempenhado pelos índios nessas relações? É possivel se identificar relações
comerciais ou de trocas dos indígenas com sujeitos externos as colônias, aldeias e
diretorias parciais de índios? Como se deu o trabalho missionário nesses espaços
indigenas? Quais ordens religiosas se destacavam?
Consequentemente, as leituras e discussões realizadas nas disciplina do
doutorado, diga-se de passagem, “Teoria da História”, “História, Território e Sertão” e
“Seminário de Pesquisa”, contribuiram para que o meu projeto inicial fosse
redimensionado numa escala temporal e espacial, buscando novas conexões e ampliação
da escala espacial de análise, que convergiu numa proposta de “desbacabalização”, a
qual consistiu em não reduzir e limitar a minha analíse ao específico território do
município de Bacabal-MA, cuja problemática inicial versava sobre a compreensão da
ocupação desse território mediante a instalação de uma colônia indígena, denominada
Leopoldina. Mas entender que a mesma estaria imbricada a uma complexidade de
políticas mais amplas, por parte do Estado Imperial, e que esssas espacalidades

3
Maria Regina Celestino de Almeida (2010) – Os índios na História do Brasil; John Manuel Monteiro
(1996) – Negros da Terra; Manuela Carneiro Cunha (1998) – Política Indigenista no Século XIX; Patrícia
Melo Sampaio (2014) – Política indigenista no Brasil imperial;Lígia Osório Silva (1999) – Terras
devolutas e latifundio: efeito da Lei de 1850; Soraia Sales Dornelles (2017) – A Questão Indígena e o
Império: índios, terra, trabalho e violência na Província Paulista 1845-1891.
destinados as populações indígenas distintas, seriam territórios definidos e delimitados
por e a partir de relações de poder.
Ao ampliar a contextualização e interpretação da delimitação temática, convém
destacar que a civilidade, assimilação e a integração do índio à sociedade mediante o
poder disciplinar e o processo de catequese e civilização, denotavam as
intencionalidades imperiais quanto a apropriação das espacialidades e territórios
indígenas no Maranhão provincial e concomitantemente o aproveitamento dos braços
indígenas para o trabalho4. Logo, uma regularidade discursiva identificada nos
documentos ate aqui analisados, enfatiza o “amor ao trabalho e a vida
social”,configurado como uma forma violenta pelo qual o discurso civilizador tenta
englobar os indígenas. Cabendo aos diretores ensinar tais índios a lavrar a terra à
maneira do país, seguindo o projeto de nação em curso .
Tal discursividade também estava implícita na base legal da Política Indigenista
Imperial, a qual se materializaria nas Diretorias e Colônias indígenas,em cuja
delimitação temática denomino de “Espacialidades de Assimilação Nativa”, todavia,
nesses espaços ocorreria a catequese e civilização dos nativos, visto que em 1845, pelo
Decreto nº 426 de 24 de julho, foi criado o Regulamento acerca das Missões de
Catequese e Civilização dos Índios e a civilização de indígenas e catequese passaram a
ser uma forma de política de estado, o qual renovava o objetivo do Directório, e visava,
portanto, à completa assimilação dos índio.
A partir do Regulamento das Missões indago quais ações foram implementadas
no Maranhão? Buscando identificar mediante os relatórios dos presidentes de província
as ações em curso a partir do Regulamento das Missões, assim como novas ações por
parte do Império. Assim , como os efeitos e reflexos da Lei de terras de (1850), sobre os
espaços e territórios indígenas no Maranhão na segunda metáde do século XIX.
Visto que ao tangenciar a questão da “Terra” no século XIX, observa-se um tríplice
domínio sequencial, domínio (régio, público e privado); desse modo, a questão indígena
no século XIX, segundo Cunha (1998) é uma questão de “Terra”. A lei de Terras deu
aos índios o usufruto da mesma, mediante a sua condição de “Ser índio” não o seu

4
No relatório de (1856), destaca-se a informação de que os guajajaras da Barra do Corda mostravam
maior disposição para o trabalho e para viverem em sociedade, sendo dóceis, pacíficos, laboriosos e com
aptidão para o trabalho, amigos da paz, hospitaleiros e fieis. Construiram as casas da nascente vila da
Barra do Corda.Fabricavam toda a farinha consumida na Vila da Barra do Corda em grandes roças.Sendo
criado naquela Vila um corpo de trabalhadores formado de índios, imbuidos da missão da abertura de
estradas entre as Vilas da Chapada e a Barra do Corda, Pedreiras, Anajatuba e Caxias.
domínio, sendo possível a propriedade mediante seu processo de integração e
assimilação a sociedade e o bom comportamento apresentado.

Teoria e historiografia: redimensionando a escrita e a narração da história

Para efeito de descrição, e tendo por base as reflexões e socializações realizadas


na disciplina “Teoria da História”, convém dizer que analisar a historicidade dos
territorórios e espacialidades dos grupos indígenas , assim como a convergência de
relações políticas que a permeiam, é uma ação motivada por uma conscientização
histórica, e da necessidade de incorporação dos indígenas ao fazer historiográfico,
considerando suas práticas e saberes. Imbuído da compreensão de que a história é a
experiência humana em uma vivência temporal, e que a atitude historiográfica configura
á reflexão dessa experiência, atento ao comportamento temporal e espacial dos
fenômenos e relações sociais imbricadas ás relações de poder.
Para tanto, compreendo a partir de Certeau (2010) que a história não está ligada
ao objeto em sí, portanto, a história não é o real. A história é uma produção de discurso
sobre o real, jamais será a própria realidade vivida. Contudo, o historiador jamais
resgata a história ou um fato histórico, pois o que foi vivido não pode ser recuperado em
sua essência, o que o historiador faz e uma construção historiográfica.
Nesse sentido, fica evidente que a historiografia é muito mais uma forma de
construção e de fabricação específica do que uma ressurgência de uma realidade
passada, a história passa a ser encarada como uma operação. Nessa perspectiva, “ a
operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas científicas e de
uma escrita” (CERTEAU, 2010, p.66).
Consequentemente a escolha da nossa temática é movida pela nossa experiência
presente, olhando o passado de um lugar e da temporalidade e conhecimento que rege
esse lugar. Assim, contar a história é escrever a história, criar e recriar a história.
Para Benjamin, articular o passado historicamente “significa apoderar-se de uma
lembrança tal como ela lampeja num instante de perigo”. (BENJAMIN,1992,
p.160). O perigo está aí, bate à porta. Narrar a história não pode ser mais a tranqüila
tarefa do historiógrafo que enfileira acontecimentos históricos cronologicamente
“como as contas de um rosário”. Contar a história passa a ser um ato
profundamente político. O cronista, aquele que dá conta de pequenos e grandes
acontecimentos é apresentado por Benjamin como modelo do historiador.
A verdade consiste em que nada se perca. Mas, isso só ocorre para uma
humanidade redimida, quer dizer, que a humanidade redimida consiste em tornar
presente mediante a memória todo o passado perdido, fracassado, grande e
pequeno. Benjamin expressa essa idéia com ‘citar o passado’.
Contar outra história, numa espécie de política da memória significa, neste
sentido, retirar a tradição dos oprimidos do conformismo. O tempo vazio e homogêneo
onde se inscreve a noção de continuidade e progresso é no fundo uma negação da
temporalidade. A isso Benjamin responde com o ato político de trazer a memória o que
se perdeu, a imagem de uma humanidade redimida à qual cabe o passado em sua
inteireza. Permito-me citar aqui a tese XIV das Teses sobre o Conceito de História:
A História é objeto de uma construção, cujo lugar não é formado pelo tempo
homogêneo e vazio, mas por aquele saturado pelo tempo-de-agora (Jetztzeit).
(BENJAMIN,1992, p.166)
Este tempo, saturado do que Benjamin denomina tempo-de-agora (Jetztzeit) é,
portanto, capaz de romper com a linearidade, com a noção de progresso. É neste
tempo que se inscreve a possibilidade de contar a outra história, de rememorar os que o
discurso dominante da historiografia faz questão de esquecer.
Nesse contexto, é pertinente exemplicar a convergência com essa modalidade de
construção histórica, visto que essa história é de extrema significância “para que
possamos compreender o processo de esquecimento a que foi submetido o passado
indígena”. (DORNELLES, 2017 p. 16)
Deste modo, relembramos de acordo com Boaventura Santos (2010) que o Estado
Brasileiro utilizou da violência sem limites contra os povos indígenas, provocando o
que o autor identifica como epistemicídio, que é o extermínio de um conhecimento local
perpetrado por uma ciência exterior, alienígena. Segundo o autor, o epistemicídio
provoca a subalternização dos grupos sociais cujas práticas se assentavam em
conhecimentos específicos e diferentes dos conhecimentos consagrados pela ciência
universal.
Sendo que desde a década de 1990, é possivel se identificar, uma tentativa
hercúlea de inserção dos povos indígenas nas narrativas e análises sobre o passado
brasileiro. Segundo Dornelles (2017) a Nova História indígena, trouxe ao cenário
historiográfico, a ação dos índios, diga-se de passagem, as variadas formas com que
esses personagens usaram e se apropriaram daquilo que foi feito deles, tendo como
principal objetivo redimensionar o papel dos índios na História, recuperando o
protagonismo dos mesmos. Os índios, concebidos como uma categoria genérica, sem
qualquer consideração às diferenças étnicas e culturais, não eram vistos, portanto, como
sujeitos históricos ativos e capazes de incidir sobre a realidade nas quais se inseriam.
Esse quadro começou a mudar a partir da emergência de uma nova compreensão
histórica a respeito dos povos nativos.
É notório que no decorrer dos anos a História e suas abordagens, sua escrita,
conceitos, metodologias e fontes de pesquisa sofreram mudanças, fazendo com que
emergisse uma “Nova História”. Esta viria romper com o paradigma tradicional. Assim,
ela foi fragmentada em diversos novos campos: história social, cultural, política,
econômica, etc. Hebe Castro (1997) afirma que o movimento da Escola dos Annales,
em 1929, na França, tendo como fundadores Marc Bloch e Lucien Febvre, é
considerado o grande marco real ou simbólico do surgimento da Nova História. Esse
movimento teria “a interdisciplinaridade como base para formulação de novos
problemas, métodos e abordagens da pesquisa histórica”. Ele surge em oposição ao
modelo positivista, que predominava até as primeiras décadas do século XIX, baseado
em uma historiografia factualista e centrada na história dos grandes homens e do Estado
(CASTRO, 1997, p. 76).
A Nova História trouxe uma pluralização de novas temáticas e, nesse sentido, uma
atenção especial seria dada às formas de perceber a sociedade através da cultura. A
história das classes subalternas, dos marginas ou daqueles “vistos de baixo” passaram a
ter um diálogo frutífero no campo da cultura.
Ao buscar historicizar o lugar dos índios na história, é pertinente um diálogo tambem
com a Nova História Cultural, e a incorporação de noções e conceitos de práticas,
representações e apropriações culturais.
A Nova História Cultural, enfim, tem permitido precisamente o estabelecimento de
um novo olhar sobre objetos que habitualmente têm sido beneficiados por um
tratamento historiográfico econômico, político ou demográfico. Sua expansão, por
conseguinte, vai muito além dos objetos e processos habitualmente tidos por
culturais, de modo que é sempre oportuno enfatizar como a Nova História Cultural
tem se oferecido cada vez mais como campo historiográfico aberto a novas
conexões com outras modalidades historiográficas e campos de saber, ao mesmo
tempo em que tem proporcionado aos historiadores um rico espaço para a formulação
conceitual.
Contudo, a redescoberta do valor das categorias em destaque nos permite
mergulhar no imenso manancial da história local e regional, revelando a força de
expressão de agentes históricos antes desconsiderados por algumas tendências
historiográficas, como também suas representações.
Roger Chartier (1987) dentro do enfoque histórico-cultural – tem na noção de
“representação” um dos seus alicerces fundamentais (CHARTIER, 1990). Segundo
Chartier a História Cultural, tem por principal objeto identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade cultural é construída,
pensada, dada a ler.
Com efeito, Roger Chartier, acentua quanto às representações que as mesmas
(1990, p. 17), inserem-se “em um campo de concorrências e de competições cujos
desafios se enunciam em termos de poder e de dominação” – em outras palavras, são
produzidas aqui verdadeiras “lutas de representações”. E essas lutas geram inúmeras
“apropriações” possíveis das representações, de acordo com os interesses sociais, com
as imposições e as resistências políticas, com as motivações e as necessidades que se
confrontam no mundo humano. Desse modo, o modelo cultural de Chartier é claramente
atravessado pela noção de “poder” – o que, de certa forma, faz dele também um modelo
de História Política.
Para encaminhar esta interação entre cultura e poder, tem a sua entrada uma
outra noção primordial: a “apropriação”. Em conjunto com as noções de
“representação” e de “prática” constitui precisamente a terceira noção fundamental que
conforma a perspectiva de História Cultural desenvolvida por Chartier – que, nos
dizeres do próprio historiador francês, procura compreender as práticas que constroem o
mundo como representação (CHARTIER, 1990, p. 27-28).
Segundo José de Assunção Barros (2011) a perspectiva cultural desenvolvida
por autores como Roger Chartier e Michel de Certeau, constitui uma das alternativas
teóricas mais influentes para o atual desenvolvimento de uma História Cultural, ao lado
de diversas outras que poderiam ser citadas.
Michel de Certeau (1996), na A invenção do cotidiano, constituiu boa parte de
sua obra analisando as “maneiras de fazer das massas anônimas”, contribuindo para que
a vida cotidiana deixasse de ser pensada como esfera na qual não ocorrem
transformações e que, portanto, não haveria história, passando a ser compreendida como
território de atuação no qual essa massa anônima age a partir de resistências
microscópicas em relação à ordem estabelecida.
Essas ressignificações, “criações anônimas” presentes no cotidiano dos “mais
fracos”, podem revelar ao pesquisador as “microrresistências”, espécie de subversão
silenciosa das massas contra as imposições sociais e a ordem estabelecida. Essas táticas
e astúcias empreendidas pelo homem comum estariam, de acordo com o autor,
enraizadas no inconsciente coletivo dos homens, acompanhando-os através da História.
Caberia ao pesquisador desvendar essas táticas, as criatividades dispersas da massa
anônima, a bricolagem de grupos que, não podendo travar um embate de frente com o
sistema, jogam com ele nas sombras, fugindo dele sem sair.
Neste sentido, o conceito de cotidiano se faz basilar nessa pesquisa visto que a
ordem do cotidiano está contida na história. Torna-se pouco proveitoso perceber a
história senão permeada pelos acontecimentos do cotidiano, de onde tudo parte, como
nos sugere Agnes Heller quando afirma que “a vida cotidiana não está “fora” da
história, mas no “centro” do acontecer histórico: é a verdadeira essência da substância
social” (2000, p. 20).
Por isso, o cotidiano pode ser entendido como o território onde agem as
representações identitárias, dos incluídos e dos excluídos. Remetemo-nos mais uma vez
à complexidade da vida cotidiana, lugar da encenação, do discurso e do estabelecimento
de variadas formas de múltiplas marcas identitárias.
No cotidiano produzimos os modos de ser e de viver. Produzimos ainda
percepções e interações com o tempo e o espaço, as relações sociais, os saberes, os
desejos e os elementos do imaginário. Por outro lado, os produtos da cultura, o mundo
da sociedade, são compreendidos e negociados por todos como representações sociais.
Levando em consideração os vários aspectos discorridos e tendo em vista a
delimitação temporal da minha pesquisa contemplar o século XIX, periodo em que o
ocidente é perpassado pela noção, que havia um processo civilizatório 5 em curso,
emanando dos países europeus em especial da França. Pode-se dizer que tal processo
envolvia um progresso tecnológico, o aprimoramento das instituições liberais, o
fortalecimento do Estado, a pacificação interna dos países, e o refinamento dos
costumes contrapondo-se a barbárie.
Sob este prisma, e buscando também uma interlocução com Michel Foucault
que ao fazer uma análise sobre as tecnologias de poder em exercício na Europa
5
ELIAS, Nobert. O Proceso Civilizador. Volume 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
Ocidental dos séculos XVIII e XIX, associa a gênese das instituições policiais ao
processo de superação ao poder soberano (aquele que o rei tinha o direito de decretar a
morte dos súditos) por outros tipos de poder: O poder disciplinar e o biopoder (que
visam disciplinar os indivíduos e controlar a vida das populações).
E assim, concbemos que durante a era moderna, o poder descobriu o detalhe, o
absolutamente ínfimo, aquilo que antes passava despercebido, criou novas técnicas de
dominação, o poder age em cada indivíduo para fabricar corpos dóceis. O corpo dócil se
faz na união de duas características; utilidade em termos econômicos e docilidade em
termos de obediência política.
O corpo tornou-se alvo do poder, descobriu-se que ele podia ser moldado,
rearranjado, treinado e submetido para se tornar, ao mesmo tempo, tão útil quanto
sujeitado. Pouco a pouco foi dobrado pelo poder, de maneira sutil, através de várias
técnicas de dominação: no espaço, no tempo, nas gêneses, nas composições. Não que
esta criação seja inédita, as relações de força agem e agiram desde sempre, mas com a
modernidade o corpo passou a ser dividido, separado, medido e investigado em cada
detalhe.
Por essa razão, objetiva-se analisar nesse contexto um projeto que visava civilizar,
controlar e disciplinar, por diversos meios os setores da população vistos como
perigosos (ou) inúteis, nesse caso particular, convém exemplificar e contextualizar o
nosso objeto de análise, os indígenas das Diretorias e colônias na província do
Maranhão no século XIX, configurados como espaços de assimilação dos nativos, alvos
de uma política indigenista imperial.
Dado o exposto, intenciona-se, concomitantemente, refletir, teórica e
historiograficamente a experiência nativa, além de outros sujeitos envolvidos na
vivência temporal e cotidiana dessas Diretórias parciais e colônias indígenas. Buscando-
se destacar a relevância histórica das mesma para a historiografia maranhense, sucitando
novos debates sobre a compreensão do dinâmico processo de ocupação dessas
espacialidades de assimilação nativa na segunda metade do século XIX na Província do
Maranhão.

REFERÊNCIAS
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