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ÍNDIOS ALDEADOS:

UM PERFIL DEMOGRÁFICO
DA CAPITANIA DE GOIÁS
1755-1835*

ARTIGO
MARY KARASCH**

Resumo: este artigo é um resumo do número de índios em missões no Centro-Oeste no fim


do período colonial, quando os portugueses estavam preocupados em “civilizar e cristiani-
zar” as nações indígenas “ hostis” que eles tentaram instalar nas missões Luso-Brasileiras,
sem muito sucesso devido a resistência dos povos indígenas ao trabalho forçado e tratamento
como escravos nas missões.

v 5, n.1, p. 21-38, jan./u 2017.


Palavras-chave: Aldeias cristãs. Jesuítas. Povos indígenas. Capitania de Goiás.

DOI 10.18224/hab.v15i1.5898
U ma das questões históricas de grande importância é determinar o número aproximado de
populações indígenas no Brasil em cada período histórico. Em contraste com o México
e outras partes da América Espanhola, há pouco interesse por parte dos historiadores em
Goiâna, .1

coletar dados demográficos acerca das populações indígenas no Brasil antes de 1900.1
Pode-se citar, por exemplo, e mais precisamente no sertão do Brasil, a primeira Capitania
de Goiás (atualmente os estados de Tocantins e Goiás), no Centro-Oeste, da qual pouco
se sabe a respeito da população indígena antes de 1900, bem como o número de povos

* Recebido em: 29.07.2017. Aprovado em: 08.08.2017. Este artigo foi escrito entre 2006 e 2009 para
ser uma parte de um volume de CEDHAL e nunca foi publicado. Gostaria de agradecer Horacio
Gutierrez que me convidou a escrevê-lo e Izabel Missagia de Mattos pelo apoio para publicá-lo na
revista Habitus.
** Mary Karasch foi professora de História de Oakland University (Rochester, Michigan) e professora
Fulbright da Universidade de Brasília (1977-1978) e da Universidade Federal de Goiás (1993 e 1996).
Aposentada, mora atualmente em Tempe, Arizona. Seu livro mais recente é Before Brasilia: Frontier
Life in Central Brazil, Albuquerque, New Mexico, University of New Mexico Press, 2016. O texto
21 foi traduzido por Maria Angela P. C. Grigoleto Masin. E-mail: karasch@oakland.edu
indígenas que ali viviam, seja no período pré- ou pós-colonial. Os Bandeirantes, que
exploravam e escravizavam os índios dessas áreas, raramente se interessavam em registrar
o número dessas populações, embora através de suas crônicas se tenha conhecimento
de que a região era bem populosa, por esta razão um bom local para se obter escravos.
Há, entretanto, uma estimativa de que no começo do século dezenove, vinte “nações”
viveram por um período na capitania de Goiás; mas é incerto como este número
foi obtido (SILVA E SOUZA, 1812, fl. 43-44). Por outro lado, somente uma pesquisa
paciente em arquivos com uma variedade muito grande de fontes pode eventualmente
levar a uma ideia aproximada do número de povos indígenas de Goiás e Tocantins.
Este ensaio é uma tentativa inicial de apresentar um resumo de alguns da-
dos demográficos dos povos indígenas desta região no fim do período colonial, quan-
do os portugueses estavam especialmente preocupados em “civilizar e cristianizar”
os “gentios hostis” que resistiam a instalação dos aldeamentos luso-brasileiros na
região (KARASCH, 1992). Para isto, o governo português fundou aldeias cristãs
para assentar a população indígena. Em especial e, felizmente, através desses assenta-
mentos, encontramos registrados dados populacionais dos povos indígenas que lá se
instalaram. De fato, temos um ponto de partida naqueles registros, seguido por anos
de abandono, quando oficiais do governo colonizador reclamaram sobre os poucos
índios que ainda permaneciam nas aldeias. Se por um lado os “dados desta popula-
ção indígena” é limitado quanto a qualidade, por outro, ela revela a identidade étnica
daqueles que concordaram em estabelecer-se nas aldeias, bem como a idade, sexo, e
estado legal. Algumas vezes, as listas com os nomes dos chefes de família revelam
que somente alguns poucos adotaram os costumes de habitação do conquistador em
oposição às tradicionais malocas, mostrando neste uso uma característica da oposi-
ção destes povos aos costumes luso-brasileiros.

ALDEIAS CRISTÃS

As primeiras aldeias estabelecidas na capitania foram as missões dos jesuítas, lo-


calizadas ao norte. Em 1751, cerca de 600 Xacriabá concordaram em se estabelecer na al-
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deia de São Francisco Xavier, localizada às margens do Rio Formiga. Duas léguas a partir
desta aldeia 250 Akroá foram assentados em uma aldeia chamada São José do Duro em
1755, e foram seguidos por alguns índios Gueguê (Guenguen) à leste do Rio Tocantins,
no Piauí. Deste local, os índios se rebelaram e fugiram em 1757, por serem maltratados
pelo administrador que os tratava como escravos, inclusive forçando-os a viverem em
senzalas. Depois que esse administrador foi destituído por corrupção, acusado de tomar o
dinheiro destinado aos Xacriabá para seu próprio uso, os Akroá retomaram ao Duro. En-
tretanto, os Xacriabá mudaram-se mais ao sul da capitania para assentarem-se na aldeia
jesuítica de Santa Ana do Rio das Velhas, onde é hoje Minas Gerais. Depois da expulsão
dos jesuítas em 1759, os Akroá continuaram a viver na aldeia do Duro ou na nova aldeia
de São José de Mossâmedes, cuja fundação foi autorizada pelos portugueses em 1755. São
estas duas aldeias que apresentam registros de um dos melhores levantamento de dados
demográficos do período (ALENCASTRE, 1864 [1979], p. 120-33; CHAIM, 1974, p.
61, 63,100, 101, 111, 112; CUNHA MATTOS, 1836, p. 163).
O melhor levantamento demográfico na aldeia do Duro, entretanto, vem da déca-
da de 1820, quando o oficial militar, Raimundo José da Cunha Mattos, recebeu um relató-
rio do Cadete Comandante João Manoel de Menezes, que registrou em 1823, o número de 22
famílias que residiam no Duro. Ele registrou que um total de 203 “índios” vivia na vila do
Duro. O Comandante deles era Luiz Francisco Pinto, de 60 anos, que não foi identificado
como Akroá. Os outros 69 homens eram divididos em 50 Akroá, 6 Aricobé, 6 Kayapó e 6
falantes da língua geral. Deste grupo, 39 eram casados e 30 solteiros (Tabela 1).
Tabela 1: Homens Indígenas da Aldeia do Duro, 1823
Nação Casado Solteiro Total
Acroá [Akroá] 26 24 50
Aricobé 3 3 6
Caiapó [Kayapó] 4 2 6
Língua Geral 5 1 6
Nação Desconhecida [a] 1 - 1
Total: 39 30 69
Legenda: [a] Capitão Luiz Francisco Pinto.
Fonte: Documentação Diversa, no 68, Arquivo Histórico Estadual de Goiás. Correspondência Dirigida do Coman-
dante das Armas, Raymundo José da Cunha Mattos, Mapa dos Índios Amigos na Aldeia de S. José do Duro, Cadete
João Manoel de Meneses, Goiânia, 29 dezembro 1823, fls. 211-212.

Uma segunda lista de 1824 apresenta informações adicionais sobre as famílias


que ainda viviam no Duro (Tabela 2). Esta tabela está baseada na lista que o Cadete
Comandante compilou no Duro, no fim de 1823 e começo de 1824. Ele dividiu as
famílias em dois grupos: um encabeçado pelo Capitão Luiz Francisco Pinto, e um
segundo pelo Capitão José de Souza Cardoso. A primeira lista incluía 22 chefes de
família e mais duas famílias chefiadas por mulheres. Aparentemente, as duas mulheres
eram viúvas, uma vez que elas estavam agrupadas junto ao grupo dos homens casados,
mas o nome dos maridos não foram incluídos. Há somente 12 fogos ligados ao Capitão
José de Souza Cardoso. Enquanto o primeiro grupo consistia de 120, o segundo tinha
somente 83; presumivelmente, eles viviam em duas comunidades separadas no Duro.
Uma outra possibilidade seria, de que o Cadete Comandante agrupou os homens casa-
dos e suas famílias levando em conta o regimento militar no qual eles serviam. Deste

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modo, o Capitão Luiz Francisco encabeçou a primeira companhia [de pedestres], en-
quanto Capitão José comandou a segunda lista da companhia.

Tabela 2: Famílias Existentes na Aldeia de São José do Duro, 1824


Total
[Indivíduos] Casados Nação [a] Idade [a] Filhos Filhas [b]

Homens

1. Capitão Luiz Francisco Pinto Akroá 60 3 - 5

2. Victoriano Gomes Akroá 32 1 3 6

3. José Vieira Akroá 30 - 4 6

4. Luis Beltrão Akroá 20 1 - 3

5. José Ferreira Língua Geral 36 1 1 4

23 continua...
continua...

6. Antonio Manoel Língua Geral 50 - 1 3

7. Vicente Pires Akroá 20 1 - 3

8. João d' Almeida Akroá 40 2 - 4

9. José Pereira Língua Geral 20 3 - 5

10. Lourenço do Sacramento Língua Geral 94 1 - 8 [c]

11. João Francisco Akroá 50 - - 2

12. Manoel Joaquim - - 1 - 3

13. João de Britto Akroá 40 3 - 5

14. João Alves - - 3 2 7

15. José Luís Kayapó 30 1 3 6

16. José Manoel Kayapó 33 3 1 6

17. Eusébio Baptista Akroá 22 2 - 4

18. Antônio Pimentel Akroá 39 4 - 6

19. José Mauricio Aricobé 33 2 - 8 [d]

20. Thomas Pinto Akroá 20 2 - 4

21. Antônio José - - 2 - 4

22. Felipe Alves - - 2 - 4

Mulheres

23. Ignacia - - 3 - 10 [e]

24. Hilaria - - 3 - 4

Total: - - - 120

[Indivíduos] Solteiros Nação [a] Idade [a] Filhos Filhas [b] Total

1.Capitão José de

Sousa Cardoso Aricobé 38 2 - 14[f ]

2. Cabo Gregorio Alves Akroá 24[g] 4 4 10

3. Lucas Dias Akroá 50 2 5 9

4. Paulo de Britto Akroá 33 4 - 6

continua... 24
conclusão...

5. Leandro da Silva Akroá 40 4 - 6

6. Zeferino José - - - 1 3

7. Mariano Pereira Akroá 23 - 2 4

8. Alexandre Alves Akroá 52 4 1 7

9. Mathias Cardoso Aricobé 50 3 - 5

10. Libório Ramalho - - 3 - 5

11. Joaquim Ribeiro Akroá 25 4 - 6

12. Manoel Suáres Akroá 52 3 3 8

Total: 83

Total Geral 203

Legenda:
[a] Etnicidade e idade estão da lista militar. Aqueles sem esta informação não estão nos róis militares. O total
incluiu a esposa do homem casado e os agregados de 4 chefes de família.
[b] Todos foram identificados como filhos ou filhas, exceto pelo neto do Capitão Luís Francisco.
[c] Inclui 1 agregado com 4 filhos.
[d] Inclui 4 agregados.
[e] Inclui uma agregada com 4 filhos e uma filha.
[f ] Inclui 11 agregados.
[g] A idade é 24 na lista militar, mas seria isto um erro, uma vez que ele tinha 8 filhos?

Fonte: Documentação. Diversa, no. 68 Arquivo Histórico Estadual de Goiás. Cunha Mattos, Lista das Companhias dos Índios da
Aldeia de S. José do Duro, Quartel do Duro, Cadete Comandante João Manoel de Menezes, 4 fevereiro 1824, fls. 50-51; Menezes,
4 fevereiro 1824, fls. 199-200; Menezes, 29 de dezembro 1823, fls. 211-212.

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Havia, na época mais de 203 indivíduos vivendo no Duro, sendo que o
Comandante notou que havia também “homens que não tem família e nem lu-
gar certo” (MENEZES, 1824, fls. 199-200).2 O registro militar também incluía um
número significante de homens solteiros, que não aparecem na lista das famílias.
O que é particularmente interessante na Tabela 2, é que a contagem do número
de pessoas na família pode estar incorreto, uma vez que o número de crianças do
sexo feminino é pequeno; além do que, ela omite completamente o nome das espo-
sas dos homens casados. Talvez, devido a omissão no registro das crianças do sexo
feminino, a contagem total das crianças seja baixo. Nenhuma comunidade tinha
um número extraordinário de crianças por casal, exceto a de Gregório Alves com
8 filhos, João e Alexandre Alves com 5 crianças cada, Lucas Dias com 7 e Manoel
Suarez com 6. Os outros restantes tinham 4 ou menos crianças. Por outro lado, o
total de 108 crianças do total de 203 indivíduos revela que mais da metade (53,2
%) eram crianças. A preferência pelo registro de indivíduos do sexo masculino
pode sugerir que o destacamento militar estava interessado, principalmente, no
25 número de homens que poderiam ser arregimentados para o serviço militar, e que
eles não levavam em conta a população feminina como significante, especialmente,
se fossem meninas.
Em contraste, o censo oficial de 1825 registrou um total de 300 “almas” vi-
vendo em 37 fogos no Duro, mas esclarece que a maior parte eram agregados de todas
as cores, o que sugere que houve miscigenação com a população não indígena. Este
censo também, dividiu os “Índios” do Duro por sexo e estado legal. Deste modo, 59
índios e 58 índias eram casados, enquanto 90 homens e 93 mulheres eram solteiros.
O número de mulheres, 151, excedia em pouco os 149 homens, revelando assim, um
equilíbrio balanceado entre os sexos (Tabela 3).

Tabela 3: “Índios Catequisados”, 1825 [a]


Legenda:

Homens Mulheres
Aldeias “Almas”
Casados Solteiros Total Casadas Solteiras Total

São José do Duro 59 90 149 58 93 151 300


São José de
21 35 56 25 44 69 125
Mossâmedes
Pedro III do
28 71 99 28 71 99 198
Carretão
Total: 108 196 304 111 208 319 623

[a] “Índios Catequisados” só foi usado neste censo. “Almas” foi usado para descrever o total.
Fonte: Estatística da Província de Goyaz remetida a Secretaria de Estado dos Negócios do império por Caetano Maria
Lopes Gama Presidente da mesma Província, 1825, Tabela no 1, “Censo da População”. Rio de Janeiro, Biblioteca
Nacional, Seção dos Manuscritos, 11, 4, 2.

O último censo deste período, de 1832, revela que a população indígena do


Duro, decresceu um pouco mais. Em 1832, somente 134 homens e 142 mulheres esta-
vam no Duro, ou seja, 276 no total (Tabela 4).
Goiânia, .15,v n.1, p. 21-38, jan./jun. 2017.

Tabela 4: Índios Aldeados, 1832

Aldeias Homens Mulheres Total

Duro 134 142 276

São José de Mossâmedes 23 31 54

Pedro III do Carretão 59 104 163

Total 216 277 493


% 43,8 56,2
Fonte: Censo da População da Província de Goiás, Cidade de Goiás, 30 maio 1832, fl. 96. Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, Cod. 808, vol. 1. 26
Em contraste com os Akroá que continuaram a viver no Duro, os Xacriabá
mudaram-se para a aldeia de Santa Ana do Rio das Velhas, que anteriormente tinha
abrigado os Bororo, e que foi fundada pelo Coronel Antônio Pires de Campos. Ele
trouxera 120 Bororo de Cuiabá, Mato Grosso, na década de 1740, antes de fundar
oficialmente uma aldeia para seus aliados Bororo em 1750. Alguns Karajá e Tapirapé,
vindos do Rio Araguaia, também viveram lá por algum tempo (GIRALDIN, 1997,
p. 73-76; CAMPOS, 1755; SILVA E SOUZA, 1812, fl. 42). Entretanto, em 1775, os
Bororo foram transferidos para a aldeia de Lanhozo, que ficava a doze léguas dali. Os
Xacriabá, em número de 200, ocuparam os lugares deixados pelos Bororo em Santa
Ana. Em 1788, Luís José de Brito registrou que somente 200 “almas” de Xacriabá vi-
viam ainda por lá. Quando Saint-Hilaire viajou para Santa Ana em 1819, ele relatou
que a aldeia tinha, então, somente trinta casas “muito pequenas”. Algumas casas espa-
lhavam-se pelas encostas do morro, enquanto outras estavam agrupadas em torno de
uma praça retangular, onde havia uma pequena igreja de um dos lados. A descrição de
Saint-Hilaire sugeria que eles tinham adotado muita coisa da cultura luso-brasileira e
não falavam mais a língua do povo a qual pertenciam (BRITO, 1788; CHAIM, 1974;
KARASCH,1992; SAINT-HILAIRE, 1975).
Em contraste as aldeias Jesuítas da primeira metade do século XVIII, as aldeias
mais recentes faziam parte do sistema do Diretório dos Índios (1757-1798)
e foram fundadas oficialmente pelos govenadores de Goiás para cristianizar e civilizar
“índios pacíficos,” que concordaram em acabar com as lutas e assentaram-se em missões
como vassalos da coroa e sob a proteção do govenador de Goiás (ALMEIDA, 1997;
KARASCH, 1992). As aldeias mais famosas do fim do período colonial foram São José
de Mossâmedes (1755, remodelada em 1775), Maria I (1780), Nova Beira (1775) e São
José do Carretão (1788) (CHAIM, 1974, p. 101; ROCHA, 2001, p. 33). Talvez, a aldeia
que permaneceu por menos tempo foi Graciosa que não foi fundada pelo governador de
Goiás, mas fundada por Cunha Mattos, em 1824 e abandonada logo em seguida pelos
Xerente. Apesar da retórica do governo, nenhuma destas aldeias floresceu e, como vere-
mos mais adiante, elas foram abandonadas progressivamente pelo povos indígenas.
A mais famosa aldeia da capitania de Goiás foi a aldeia de São José de Mos-
sâmedes, que recebeu o nome do governador-geral, que construiu a aldeia em 1755.
Apesar desta aldeia ser inicialmente destinada a abrigar os Akroá e também, alguns
Javaé e Karajá, ela não atraiu muitos indivíduos até 1755, quando foi renovada pelo go-
vernador. Naquele ano, as seguintes nações construíram suas malocas em São José: os
Akroá, os Xavante, os Karajá, os Javaé, os Carijó e os Naúdoz. Um documento registra
que 800 Javaé e Karajá foram mandados para São José, mas eles não permaneceram lá
por muito tempo, nem os Akroá, que aparentemente retornaram ao Duro. O governo
podia transferir por sua vontade centenas de indivíduos para as aldeias, mas não havia
garantias de que eles permaneceriam nelas por muito tempo. Os governadores recla-
mavam também das fugas nas aldeias, de onde os índios fugiam levando consigo as
espingardas recebidas e que eles haviam aprendido a manejar (KARASCH, 1992, p.
399-400; SILVA, 1935, p. 193).
A informação mais detalhada que conseguimos sobre a população de São José
realmente começa com o período de assentamento dos Kayapó nesta missão. Temos
também os relatos de dois viajantes estrangeiros que visitaram a missão nas primeiras
décadas do século dezenove. Especialmente reveladoras são as narrativas de Johann E.
27 Pohl (1976) e Auguste de Saint-Hilaire (1975) que relataram que os Kayapó não mora-
vam realmente na aldeia, que era habitada somente por dezesseis soldados e agregados
mulatos. Ao invés de habitarem a aldeia, os Kayapó preferiam viver em suas próprias
casas construídas das palmas e cobertas com as folhas de palmeiras e palhas, que eles
erigiram no lado oeste da aldeia entre os campos, onde eles tinham suas plantações.
Somente, cerca de dez dessas casas ficavam perto da aldeia; ao invés disso, a maioria dos
Kayapó viviam a uma légua da aldeia, onde eles plantavam lavouras de milho, inhame
e batatas. De acordo com Saint-Hilaire, somente 200 Kayapó ainda viviam na aldeia
em 1819, e ele previa que a aldeia seria abandonada devido as doenças venéreas que os
índios tinham contraído dos portugueses, provavelmente das tropas estacionadas por
ali. Ele, também relatou que a comunidade perdera 80 indivíduos devido a uma epide-
mia de sarampo alguns anos antes (POHL, 1976, p. 151-5; SAINT-HILAIRE, 1975, p.
65, 72). Em 1825, o censo oficial revelou que poucos Kayapó viviam em São José. Por
aquela data, havia 21 homens casado e 35 solteiros; 25 mulheres casadas e 44 solteiras.
O total de “almas” era de 125 indivíduos (Tabela 3).
O declínio foi mais pronunciado em 1832, quando somente 23 homens e 31
mulheres, de um total de 54, ainda permaneciam na aldeia (Tabela 4). Estes poucos
indivíduos, entretanto, não abandonaram a pequena comunidade Kayapó por vontade
própria, ao contrário, eles foram removidos de suas terras a força pelo Governo de Goiás
que os enviou a Arinos, no Mato Grosso na década de 1830 (KARASCH, 1992).
A segunda aldeia a abrigar os Kayapó foi Maria I, que foi uma aldeia ativa
por um tempo menor do que São José. Construída em 1780 em homenagem a Rai-
nha de Portugal, a aldeia foi inaugurada em 15 de Julho de 1781, com 518 Kayapó,
morando no princípio em quatro comunidades separadas, cada uma chefiada por
um cacique ou chefe diferente. Estas comunidades foram agrupadas em Maria I,
em quatro aldeias separadas, que abrigavam 687 indivíduos, dos quais 328 tinham
sido batizados (POHL, 1976; KARASCH, 1992; GIRALDIN, 1997). Uma lista
mais detalhada dos Kayapó, que residiram em Maria I de 1781 a 1783, fornece
informações acerca da idade e sexo, bem como das mortes ocorridas no período.
Goiânia, .15,v n.1, p. 21-38, jan./jun. 2017.

Tabela 5: Os Kayapó de Maria I por ldade e Sexo, 1781-1783

Idade Homens Mulheres Total %

Adultos 112 151 263 50,8

Rapazes/raparigas 119 136 255 49,2

De peito 12 13 25

6 ou 7 anos 56 62 118

8 ou 10 anos 51 61 112

Total 231 287 518

% 44,6 55,4

Mortes
continua...
28
conclusão

Adultos 11 14 25

Rapazes/raparigas 10 [a] 2 12

Total 21 16 37

Legenda:
[a] O numero podia ser um. Não estava certo.
Fonte: Relação dos Índios da nação Cayapó, que se acham nesta Aldeya Maria desde 15 de Julho de 1781 até 26
de Maio de 1783, com a assinatura de José Luís Pereira. Projeto Resgate, Goiás, CD ROM, no. 4, consultado na
Biblioteca do Congresso, Washington, D.C,12 Setembro 2005. Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino.

Neste grupo de Kayapó era notável o número de mulheres e crianças. Dos


518 indivíduos enumerados por José Luís Pereira, somente 112 eram homens adultos em
oposição a 151 mulheres adultas. Quase a metade dos indivíduos foi identificada como
estando abaixo de 10 anos de idade (49,2 %). Estes dados dão origem a uma questão:
Por que os Kayapó trouxeram tantas crianças para conviverem com seus inimigos tra-
dicionais? A resposta pode estar relacionada a falta de chuva na região entre 1778-1780.
Pode-se pensar que eles foram atraídos para as aldeias por causa das promessas de pre-
sentes e comida por José Luís Pereira, militar que fez o contato com eles. Uma segunda
razão pode ter sido que eles procurassem a proteção do governador de Goiás para salvar
as mulheres e as crianças do aprisionamento pelas bandeiras que perpetravam incursões
escravagistas a partir de São Paulo e Mato Grosso (GIRALDIN,1997, p. 94). Por
outro lado, esta grande porcentagem de crianças sugere que eles vieram para as aldeias
como uma população saudável, que ainda não tinham sentido os efeitos das provações
causadas pela seca severa. A localização da aldeia de Maria I era atraente para aqueles
que procuravam refúgio da seca: tinha um bom suprimento de água corrente, boa
caça e pesca e solo fértil. A medida que a notícia do assentamento se espalhou entre os
Kayapó, o aldeamento cresceu até abrigar cerca de 2.400 indivíduos espalhados pelas
quatro aldeias (GIRALDIN, 1997, p. 95). Entretanto, alguns fora m logo d i z i m a-
do s por doenças epidêmicas, enquanto outros foram sujeitados a trabalhos forçados.
Aqueles que puderam fugir, assim o fizeram; tanto que pelo ano de 1813, havia tão
poucos residentes na aldeia de Maria I que o governador Fernando Delgado Freire de
Castilho (1809-1820) determinou que aqueles que permaneceram, em número de 129,
fossem transferidos para São José de Mossâmedes, que abrigava somente 138 residen-
tes (CHAIM, 1974; GIRALDIN, 1997).
De acordo com Pohl (1976), que visitou Maria I, a aldeia já estava aban-
donada em 1812. Quando chegou por lá, ele viu tanto a primeira casa construída
para abrigar a residência do governador, como também, a segunda casa constru-
ída para o administrador e os soldados, em ruínas. Os Kayapó construíram suas
casas separadamente em um círculo ao redor do edifício para abrigar os grãos,
mas nenhuma casa nem o silo resistiram porque foram queimados. Mesmo as-
sim, os Kayapó costumavam caçar e cuidar do gado. Pelo menos 22 bois eram
tratados na aldeia em 1821. Em 1833, quando da transferência definitiva dos
Kayapó para Mato Grosso, o governador fechou oficialmente Maria I, ven-
dendo todas as propriedades da aldeia (POHL,1976; CHAIM, 1974, p.151-2;
29 KAR ASCH, 2016, p. 235-7).
Entre a fundação de São José e Maria I, os portugueses tentaram fundar
uma outra aldeia com o propósito de cristianizar os Karajá e Javaé na Ilha do
Bananal, no Rio Araguaia. Esta aldeia, Nova Beira, consistia de uma missão e
um presídio, entretanto, cinco anos mais tarde, em 1780, como os indígenas não
haviam recebido ainda um padre, os portugueses transferiram 800 Karajá e Javaé
para São José de Mossâmedes para viver com os Kayapó, fechando a aldeia. Mais
tarde, 1.000 Javaé foram mandados para a aldeia de Pedro III do Carretão para
viverem ao lado de seus antigos inimigos, os Xavante. Nesta aldeia, alguns Javaé
permaneceram até a década de 1820. Por outro lado, 180 Xavante foram obrigados
a estabelecerem-se em uma nova aldeia em Salinas, cujo território era dominado
pelos Karajá. Em linhas gerais, correspondência oficial da época registra a presença
de Karajá e Javaé em outras aldeias da capitania além de Nova Beira (CHAIM,
1974; SILVA E SOUZA, 1812, fl. 43; KARASCH, 1999, p. 400).
Próximo a São José de Mossâmedes, a segunda aldeia mais importante
da capitania era Pedro III do Carretão, que foi designada para abrigar os Xavante.
De acordo com a tradição, o nome da missão foi em homenagem ao consorte de
Rainha Maria I de Portugal e pelo grande carretão que era guardado ali. Apesar da
aldeia ter sido criada em 1784, os Xavante não chegaram por lá antes de 7 de Ja-
neiro de 1788, quando eles fizeram uma entrada suntuosa, dançando e carregando
suas crianças nos ombros. Depois da recepção, o padre batizou 412 crianças, mas
este não era o número correto, porque outras crianças ficaram escondidas na flo-
resta para salvá-los de uma epidemia, que matou mais de uma centena de Xavante.
De acordo com os portugueses que se gabavam dessa “conquista,” 3.000 a 3.500
Xavante entraram na aldeia, causando nos portugueses muita apreensão devido ao
grande número de indígenas. Apesar dos portugueses tentarem dividi-los em gru-
pos e mandá-los para Salinas, os Xavante recusaram-se a mudar para lá. 3
Como os Xavante encontraram maus tratos e trabalhos forçados no
Carretão, eles desertaram em grande número da aldeia. Em 1819, Pohl podia
contar somente 227 “índios” durante a sua visita por lá. Quando o Cabo Coman-
dante João Lourenço de Oliveira escreveu a Cunha Mattos sobre o Carretão em
1824, ele chegou ao número de 158 Xavante, mais 3 Kayapó, 10 Javaé, e 2 de nações
desconhecidas. Ele também observou que alguns Xerente tinham morado no Car-
retão, como fizeram alguns na década de 1830 (POHL, 1976; CAETANO, 1831).
A Tabela 6 documenta a população e o estado legal dos Xavante que residiam
na aldeia.

Tabela 6: População do Pedro III do Carretão em 1824

Cor ou Nação Homens Mulheres Total

Não-indígenas 16 12 28

Alvo 2 1 3

Pardo 8 8 16

Cabra 2 1 3

continua... 30
conclusão

Crioulo 4 1 5

Angola - 1 1

Nações Indígenas 85 88 173

Xavante 76 82 158

Casados 19 22 41

Solteiros 19 35 54

Meninos 38 25 63

Javaé 5 5 10

Casados 1 3 4

Solteiros 3 2 5

Meninos 1 - 1

Kayapó 3 - 3

Casados 2 - 2

Solteiros 1 - 1

Índio 1 1 2

Total: 101 100 201

Fonte: Documentação Diversa, no. 68, Arquivo Histórico Estadual de Goiás. Correspondência Dirigida do Coman-
dante das Armas, Raymundo José da Cunha Mattos, de João Lourenço de Oliveira, Carretão, 13 Novembro 1824,
fl. 217; Mapa de Toda a Gente que existe nesta Aldeia de São Pedro Terceiro do Carretão, 12 dezembro 1824, fls.
194-198; e Relação da População da Aldeia de S. Pedro Terceiro do Carretão, sem data, fls. 208-210.

Goiânia.15,n.v 1,p.2-38jan./jun.2017
Um ano depois, o censo oficial de 1825 registrou 198 “índios” no Carretão,
dos quais 28 eram homens casados, 71 homens solteiros, 28 mulheres casadas, e 71 mu-
lheres solteiras (Tabela 3). Além do mais, João Lourenço de Oliveira incluiu a idade de
158 Xavante. Os dados sobre a idade na Tabela 7 é incompleta, especialmente, quanto
aqueles indivíduos que tinham 60 ou mais anos. Oliveira listou a idade de 76 Xavante
do sexo masculino e 82 Xavante do sexo feminino. Estes dados referentes a idade revela
que mais de um terço (36,7%) tinham menos de 9 anos, enquanto um quinto (20,3%)
eram adolescentes, ou seja, tinham entre 10 e 19 anos. Um outro terço (32,9%), esta-
vam na idade própria para o trabalho, ou seja, entre 20 e 49 anos. Os Xavante mais
velhos eram apenas 16, então, 10 % da população estava acima dos 50 anos. Oliveira
não só dividiu sua lista pelo estado legal de homens e mulheres, como também, divi-
diu meninos e meninas. Dos 38 meninos, 33 tinham menos de 9 anos e cinco entre
as idades de 10 a 12 anos. As 25 meninas tinham todas oito anos de idade ou menos,
31 perfazendo um total de 63 crianças (Tabelas 6 e 7).
Tabela 7: Idade e Sexo dos Xavante do Carretão, 1824

Idade Homens Mulheres Total

0-9 33 25 58

10-19 14 18 32

20-29 7 13 20

30-39 8 9 17

40-49 8 7 15

50-59 3 1 4

60 2 3 5

70 1 2 3

80 - 1 1

90 - 3 3

Total 76 82 158

Fonte: Documentação Diversa, no. 68, Arquivo Histórico Estadual de Goiás. Correspondência Dirigida do Coman-
dante das Armas, Raymundo José da Cunha Mattos, de João Lourenço de Oliveira, Carretão, 13 novembro 1824,
fl. 217; Mapa de Toda a Gente que existe nesta Aldeia de São Pedro Terceiro do Carretão, 12 dezembro 1824, fls.
194-198; e Relação da População da Aldeia de S. Pedro Terceiro do Carretão, sem data, fls. 208-210. Esta tabela foi
construída utilizando-se ambas as listas.

O número de “índios” diminuiu ainda mais para 163 em 1832 com 59


homens e 104 mulheres (Tabelas 3 e 4). É importante ressaltar que entre 1825 e
1832, ocorreu uma perda da população masculina, para o qual pode haver algumas
explicações. Suspeita-se que alguns podem ter fugido da aldeia, o que era fácil para
homens adultos; outros poderiam estar ausentes devido ao desempenho de traba-
lhos fora da aldeia, como o serviço militar, no momento em que o censo foi reali-
zado; ou ainda, outros podem ter fugido para a floresta, evitando serem contados,
temendo qualquer trabalho forçado do qual os mais velhos já haviam relatado.
Descrições mais recentes da aldeia do Carretão são especialmente revela-
doras do tipo de construção do começo do século dezenove. De um lado do Rio
Carretão, que corria no meio da comunidade, os descendentes de luso-brasileiros
construíram suas casas; do outro lado eram as barracas dos Xavante cobertas de
capim e dispostas ao longo de uma rua. De acordo com o Comandante, havia 25
casas de telha e 33 de capim. Os não indígenas e os Xavante casados viviam em 32
casas com telhas (CUNHA MATTOS, 1824, fl. 217). Aqueles indivíduos descritos
como “solteiro” eram os Xavante, que viviam em casas de capim. Estas descrições,
consequentemente, sugerem uma divisão social entre os cristãos (alvo, pardo, cabra,
crioulo, e “índio”) versus os Xavante que não eram casados na Igreja Católica.
A lista de famílias, de acordo com o registro do Comandante João Lou-
renço de Oliveira, também mostra um exemplo da sociedade cristã e do status
político.4 Encabeçando a lista, estava Rodrigo Coelho Furtado, o padre de cor alva
e idade de 70 anos. Também, em sua casa morava Margarida Pinta, uma solteira
de cor alva, agregada, de 60 anos, que era a única mulher branca na aldeia; uma
afilhada dele, de 17 anos; suas duas escravas: uma angolana de 40 anos, e uma
cabra de 35 anos; e dois agregados: um crioulo forro de 20 anos, e uma parda de
17 anos. Além do padre, o único outro homem de cor alva era o administrador
da aldeia, Gonçalo Pereira da Silveira, 46 anos, que era casado com uma mulher
Xavante, Pontenciana Xavier de Barros, de 24 anos. Ele tinha somente um escravo
crioulo, de 14 anos e um agregado pardo de 18 anos. O líder militar mais graduado
na aldeia era o Cabo João Lourenço de Oliveira, que tinha 58 anos e era pardo,
cuja agregada Francisca da Silva, 30 anos de idade, também era parda. Havia duas
crianças, Maria de 10 e José de 5 anos de idade, ambos pardos e filhos de Basílio
cabra, de 16 ou 17 anos de idade. Dois homens crioulos com o sobrenome de Silva
Cardoso, de 40 e 34 anos, complementavam a família de 7 pessoas do Cabo João
Lourenço de Oliveira.
O que é importante para esta pesquisa, entretanto, é que a lista de famílias
identifica os líderes indígenas da aldeia, que ainda viviam na missão em 1824. O Ca-
pitão Xavante Mor era Vituriano Felippe de Ciqueira, de 50 anos. Sua esposa, Dona
Custodia, de 60 anos, também era uma Xavante. Outras duas pessoas na família de
Felippe de Cegueira eram Brigida, Xavante, de 25 anos; e o Tenente Januário, Xavante,
de 19 anos. Outros Xavante com títulos militares eram o Alferes Antônio Gonçalves,
de 40 anos; e sua esposa, Perpetua de Souza, de 40 anos. Também, em sua família
estava o Sargento Roques, de 30 anos e sua esposa Francisca, de 20 anos. O cabo Feli-
zardo, Xavante, de 40 anos, era casado com Damiana, 26 anos da nação Javaé. A ultima
família Xavante da lista era encabeçada pelo Cabo José Dias, de 40 anos, e sua esposa
Florencia, de 25 anos. Além desses homens graduados e suas famílias, nenhum dos
outros Xavante possuíam títulos militares.
Outros homens Xavante foram listados com suas respectivas profissões: Agos-
tinho, carapina, de 40 anos, era um “índio”, casado com uma mulher Xavante de nome
Maria, de 30 anos. Três dos homens Xavante eram tecedores: Inocêncio Rodrigues, de
40 anos; Domingos, de 40 anos; e Antônio, de 16 anos. Severino, Javaé, de 20 anos, era
sapateiro; Miguel, de 40 anos era carreteiro; Antônio José, de 30 anos, era pedreiro; e
Francisco Alves, de 40 anos, era ferreiro. Nenhum dos outros homens tinha as ocupa-
ções listadas, presumivelmente porque eles trabalhavam na agricultura ou não tinham
ocupação definida. O registro dos impostos de 1821 revela que a aldeia produzia e
pagava imposto sobre as seguintes colheitas: 105 alqueires de milho, 99 de feijão, 12
de mamona, 6 de arroz, e 30 de mandioca, 5 arrobas de café, 3 de algodão; e 19 carros
de cana.5
O declínio da aldeia começou na década de 1820, tanto de população quanto
de produção agrícola. De acordo com Cunha Mattos, os Xavantes estavam vivendo no
33 Carretão “na mais cruel miséria.” Em 1856, as condições estavam tão péssimas para
os “índios” [Xavante] que eles foram para o Rio das Mortes por causa dos maus-tratos
sofridos no Carretão, pelo o uso da “palmatória, tronco, corrente, chicote, e colar”.
Quando um missionário visitou o Carretão na década de 1880, ele achou somente
um homem e duas mulheres da “raça índia” ainda vivendo por lá. Nas vizinhanças da
aldeia, entretanto, alguns caboclos, descendentes de “mulheres Indias” que se casaram
com homens negros podiam ser vistos. A floresta tomou os campos da missão mas, no
meio do mato, ele podia ver árvores de café que continuavam produzindo (LAZARIN,
1985; KARASCH, 1992).6
Os dois últimos assentamentos de aldeias cristãs na capitania foram Graciosa
e Carolina, ao norte. Doze léguas abaixo de Porto Real (hoje Porto Nacional) e perto
da barra do Rio Tucuruçu (também Tacuarussú) estava a aldeia de Graciosa. Criada
em 1824, quando 62 “Índios Cherentes” se apresentaram a Cunha Mattos. Mais tarde,
800 índios, chefiados por 17 capitães, foram assentados por lá pelo Sargento Estevão
Joaquim Pires, que se tomou seu primeiro diretor. Entre os capitães Xerente, o que
desempenhou um papel importante no assentamento desses índios em Graciosa foi
Francisco Suathé; o último a assentar seu povo foi o Capitão Mor Acometh.7
Em 1825, Cunha Mattos saiu do norte, e sem a sua proteção, os Xerente
abandonaram a aldeia porque eles sofreram por lá, “mais miséria e privação” do
que quando eles viviam na mata. Três anos depois, Graciosa tinha apenas 60 resi-
dentes devido as sezões (malária) e falta de ajuda extrema do governo. Governador
Miguel Lino de Moraes relatou que em seu tempo (1828) ele ajudou seis “índios”
que vieram de Graciosa. Ele, também, descreve a “homogeneidade da língua e dos
costumes” dos Xerente de Graciosa e dos Xavante do Carretão. Enquanto a maioria
dos Xerente que viviam na aldeia de Graciosa voltou a roubar o gado ao norte, uns
poucos, 25, concordaram em mudar para o Carretão; e Graciosa foi abandonada
(MORAES, 1829, fl. 18).
No mesmo período em que Graciosa foi fundada uma capela com um teto
de palha e dedicada a Nossa Senhora da Conceição foi construída na margem leste do
Rio Tocantins, que foi reclamada pelo governador de Goiás, mas que pertence agora
ao Maranhão. Na década de 1820, 4.200 “índios” vivessem ao redor de São Pedro de
Goiânia, .15,v n.1, p. 21-38, jan./jun. 2017.

Alcântara (agora Carolina) em cinco ou seis aldeias, incluindo as aldeias dos Apinagé
e os Afotigés (também conhecidos como Afotegiz). Em 1832, Manoel Monteiro de
Barros relatou aos agentes do censo que havia ali somente 25 fogos em São Pedro de
Alcântara, e o censo de 1832 registrou 79 indios na povoação (Tabela 9) (BARROS,
1832; CUNHA MATTOS, 1824, fls 201-2).
As condições insalubres das missões do começo do século dezenove sugerem
que nenhuma delas obteve sucesso em alcançar as metas dos portugueses em cristia-
nizar todos os “gentios.” Há dois dados numéricos que mostram que somente alguns
poucos povos indígenas viveram nas missões de 1825 e 1832. O primeiro dado é apre-
sentado pelos agentes do censo de 1825 que puderam achar somente 125 indivíduos em
São José, 198 em Carretão e 300 no Duro para uma população indígena total de 623
em toda a província de Goiás. Eles estão divididos igualmente por sexo: 304 homens
para 319 mulheres (Tabela 3). Este censo também inclui dados de idade em um grupo
de 623 índios, o que revela que menos de 15 % de indivíduos do sexo feminino e 16 %
de indivíduos do sexo masculino eram crianças ou jovens adolescentes entre a idade de
12 a 16 anos. No outro extremo do espectro de idade, 64 estavam entre as idades de 60
a 80 anos, com 7 indivíduos de mais de 80 anos (Tabela 8). 34
Tabela 8: Idades dos Índios Catequizados das Aldeias, 1825

Idades Homens Mulheres Total

Do Nascimento a 16 [a] 45 52 97

De 16 a 25/de 12 a 25 67 70 137

De 25 a 40/de 25 a 50 99 98 197

De 40 a 60/de 50 a 60 58 63 121

De 60 a 80 30 34 64

De 80 a 90 3 2 5

De 90 a 100 2 - 2

Total 304 319 623

Legenda:
[a] Para as mulheres, o número chega somente até a idade de 12 anos.
Fonte: Estatística da Província de Goyaz, 1825, Tabela no 1, “Censo da População.” Rio de Janeiro, Biblioteca
Nacional, Seção dos Manuscritos, 11, 4, 2.

Na época do censo de 1832, o número de “índios” recenseados pelo governo


da província tinha subido para 994, mas naquele mesmo ano metade deles (50,4%)
não vivia mais nas missões, mas em outras cidades luso-brasileiras da província. Aque-
les residentes fora das missões foram recenseados na Cidade de Goiás, 84; Meia Ponte
(atualmente Pirenópolis), 142; Crixás, 72; Palma, 33; Natividade, 25; Porto Imperial

Goiânia, .15,v n.1, p. 21-38, jan./jun. 2017.


(Nacional), 53 e, outros 13 em Cavalcante, São Felix, e Arraias. Em contrapartida, as
missões tinham 54 “índios” em São José, 163 em Carretão e 276 no Duro (Tabela 4, 9).

Tabela 9: Número de “índios” morando fora das Aldeias em 1832

Termo Homens Mulheres Total

Comarca do Sul
Cidade de Goiás 50 34 84
Meia Ponte 71 71 142
Crixás 34 38 72
Total 155 143 298
Comarca do Norte
Palma 16 17 33
Cavalcante 3 - 3

35 continua...
conclusão

São Felix 2 - 2
Arraias 4 4 8
Natividade 10 15 25
Porto Imperial (Nacional) 23 30 53
Carolina 30 49 79
Total 88 115 203
Total Geral 243 258 501
Fonte: Censo da População da Província de Goiás, 30 de maio de 1832, fl. 96. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional,
Seção dos Manuscritos. Cod. 808 vol. I.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de mais de um século de cristianização e aldeamento, o número total


de indígenas vivendo entre os cristãos em cidades da capitania era menos de um mil.
Como consequência, os governos provinciais do restante do século dezenove renovaram
seus esforços em persuadir os povos indígenas a assentarem-se em missões, trazendo
missionários de origem italiana ou francesa. Estes missionários experimentaram cons-
tantemente resistência por parte dos povos indígenas devido a experiência negativa que
estes últimos tiveram nas aldeias nas quais a direção estava a cargo dos portugueses.
Cunha Mattos, um oficial militar experiente, ficou surpreso com “o mais entranhá-
vel ódio contra a gente civilizada” que os Xavante e outros povos indígenas tinham
pelos cristãos da capitania. Especialmente, eles odiavam o trabalho forçado que foi im-
pingido aos indígenas do período e o roubo das suas terras (PIZARRO E ARAÚJO,
1945, p. 212).8 O declínio das aldeias aconteceu não somente por causa do impacto das
doenças como também da resistência e fugas das aldeias. A despeito de tal resistência,
os governos da província de Goiás continuaram a formar aldeias, de onde os povos in-
dígenas fugiam; acentuando-se por todo o resto do século a mesma narrativa de fracasso
Goiânia, .15,v n.1, p. 21-38, jan./jun. 2017.

e despovoamento no estabelecimento das missões.9

MISSION INDIANS: DEMOGRAPHIC PROFILE OF THE CAPTAINCY


OF GOIÁS, 1755-1835

Abstract: this article is a summary of the number of mission Indians in the Center West
at the end of the colonial period, when the Portuguese were preoccupied in “civilizing and
Christianizing” the “ hostile” indigenous nations that they tried to install in Luso-Brazilian
missions without great success due to the resistance of the indigenous peoples to forced labor
and treatment like slaves in the missions.

Keywords: Missions. Jesuits. Indigenous nations. Captaincy of Goiás

Notas
1 Rio de Janeiro, Museu do Índio, Centro de Documentação da FUNAI, Serviço de Proteção aos
Índios (SPI), organizado por postos indígenas. No século vinte, o SPI coletou muitas estatísticas 36
sobre a população indígena dos seus postos, incluindo muitos bons dados ao respeito do povo
indígena dos estados de Goiás e Tocantins.
2 Menezes (1824, fls 199-200) registrou mais 33 homens, que foram “arranchados dentro das
terras pertencentes a Aldeia.” Ao menos seis homens eram pretos por que estão na lista servindo
com os Henriques, o regimento dos pretos.
3 Para ver um resumo da conquista dos Xavante, ver Mary Karasch (2005). Sobre a quantidade
de 3.000, ver Arquivo Histórico Ultramarino, no 1002, caixa 4, Consulta do Conselho Ultra-
marino, 17 outubro 1788; e sobre 3.500, ver Silva e Souza (1812, fl. 28).
4 Arquivo Histórico Estadual de Goiás, Goiânia. Documentação Diversa, no. 68, Mapa de Toda
a Gente que existe nesta Aldeia de São Pedro Terceiro do Carretão, 12 dezembro 1824, fls. 194-
198; e Arquivo Histórico Estadual de Goiás, Goiânia, Relação da População da Aldeia de S.
Pedro Terceiro do Carretão, sem data, fls. 208-210.
5 Arquivo do Museu das Bandeiras, Cidade de Goiás v. 338, III-Bens, Rendimento dos Dí-
zimos da Aldeya de Pedro Terceiro do Carretão, 1821.
6 Carretão, 1856-1880s, e a fuga dos Xavante ao Rio das Mortes: Governador Pereira da Cunha,
1856, 15, citado em Rita Heloisa de Almeida Lazarin (1985); e Karasch (1992, p. 408).
7 Para Graciosa, ver mapa de Curt Nimuendajú, Robert H. Lowie (1942 [1979]). Felizardo do
Nazareth Bitencourth a Pacifico Antônio Xavier de Barros, 1824, fl. 216.
8 “O mais entranhável ódio” e resistência, ver em Documentação diversa, n. 18, Correspondência
dirigida ao comandante das Armas, Raimundo José da Cunha Mattos (1824), fol. 49; e José de
Souza Azevedo Pizarro e Araújo (1945, p. 212).
9 Karasch (1992 e 2016) apresenta um resumo das aldeias e o declínio delas. Os relatórios dos gover-
nadores de Goiás na segunda metade do século dezenove tem muitas estatísticas sobre a população
indígena ainda morando nas aldeias. Ver também os relatórios publicados nos volumes de Memórias
Goianas, da Sociedade Goiana de Cultura (Goiânia: Editora UCG, 1982-2004) ou notados no meu
“Catequese.”

Referências
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do século XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.
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CHAIM, Marivone Matos. Os aldeamentos indígenas na capitania de Goiás. Goiânia:
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CUNHA MATTOS, Raimundo José da. Itinerário do Rio de Janeiro pelas províncias
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