Você está na página 1de 10

POVOS INDÍGENAS D0 SUDESTE D0 PIAUÍ: CONFLITOS E

RESISTÊNCIA NOS SÉCULOS XVIII E XIX


Ana Stela de Negreiros Oliveira
2

POVOS INDÍGENAS D0 SUDESTE D0 PIAUÍ: CONFLITOS E RESISTÊNCIA


NOS SÉCULOS XVIII E XIX

Ana Stela de Negreiros Oliveira


Doutoranda em História do Brasil - UFPE

Introdução

Este trabalho busca identificar e localizar os povos indígenas que possivelmente


ocuparam a região sudeste do Piauí, especialmente os Pimenteira, e mostrar como eles
são apresentados na documentação do Arquivo Público do Estado do Piauí entre 1769
a 1822. É importante ressaltar que a área da nossa pesquisa privilegia a fronteira com a
Bahia, de onde procederam os primeiros colonizadores.
A documentação referente aos povos indígenas do sudeste do Piauí encontra-se
espalhada em diversos arquivos. A partir de 1759, período contemplado pela
documentação do Arquivo Público do Estado, os grupos indígenas que se encontravam
no território piauiense, citados na documentação, eram os Acoroá, Jaicó e Gueguê,
aldeados. Existem poucas citações sobre os Timbira, Aroá e Tapacuá. Neste período,
somente os Pimenteira estavam em guerra com os colonizadores.
A maior parte da documentação trata-se de ofícios e cartas, geralmente de
autoridades ou potentados denunciando ao Governador ou a Corte as ações de povos
indígenas que ameaçavam as fazendas e seus moradores. Estes documentos
descrevem as queixas dos moradores e pedem providencias ou descrevem a
preparação e a ação de bandeiras punitivas. Portanto dizem pouco ou quase nada
sobre a cultura destes povos.
A região do atual estado do Piauí foi durante muito tempo considerada pelo
colonizador como terra de ninguém, mesmo sendo imensamente povoada de povos
indígenas e pertenceu a diferentes capitanias em períodos diversos. Inicialmente a
administração estava a cargo da capitania de Pernambuco, sendo desmembrada em
1695 e a jurisdição eclesiástica esteve dependente da capitania da Bahia. A partir de
1715 esteve sob a jurisdição do estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1718, foi criada
a Capitania de São José do Piauí, sendo instalada somente em 1758.
3

Em meados do século XVI, começam as penetrações do homem branco no


Piauí. A partir desses anos, até o início do século XIX, numerosas expedições foram
organizadas, com a finalidade de expulsar o nativo de suas terras e escravizá-lo nas
fazendas de gado e reduzi-lo em aldeamentos.
A colonização do Piauí, ao contrário do processo de povoamento de outros
estados brasileiros, teve início a partir do rio São Francisco quando chegaram as
primeiras expedições a procura da mão-de-obra indígena e de metais preciosos e de
maneira geral, se concretiza na segunda metade do século XVII, com a chegada de
bandeirantes paulistas e baianos da Casa da Torre, implementando a economia
pecuária no sertão, com a propagação de doações de sesmarias e a formação de
fazendas de gado. A partir daí, os colonizadores começaram a expandir seus currais
rumo aos vales dos rios Gurguéia, Canindé e Parnaíba.
Outra questão que temos que levar em consideração, é que desde a metade do
século XVII, muitas sesmarias já haviam sido distribuídas, isto nos leva a pensar que
muitos grupos poderiam estar dispersos ou extintos na metade do século XVIII.
Os relatos de viagens pela Capitania do Piauí também são poucos,
principalmente em relação aos primeiros séculos da colonização. Podemos destacar o
de 1697 de Padre Miguel de Carvalho (1) , que cita apenas dois grupos habitando nas
cabeceiras do rio Piauí. Estes grupos estavam em processo de constante migração.
Algumas vezes, em busca de terras férteis e em outras para fugir da guerra de
colonização.
Alguns autores consideram o Piauí, como uma área de refúgio de índios
perseguidos na Bahia, Maranhão e Goiás, geralmente pela Casa da Torre, sendo a
Capitania considerada de colonização mais tardia.
O processo de extermínio dos povos indígenas do Piauí foi se intensificando no
século XVII com a chegada de colonizadores procedentes da Bahia. Durante esta fase,
a presença dos Jesuítas é marcada pela fundação de missões que persistiram até o
início do século XIX. Os aldeamentos que surgiram e continuaram no período
pombalino foram: de Cajueiro, onde estavam agrupados os índios Jaicó (1679); São
João de Sende (1765), com os índios Gueguê e São Gonçalo do Amarante (1772), com
os Acoroá; todos na região central do estado.
4

Povos indígenas

Quase todos os grupos identificados habitando a região sudeste pertencem ao


troco Macro-Gê, com excessão dos Pimenteiras que foram considerados por alguns
autores como da família Karib (2).

1-Acoroá/ Acaroás/Acroá/Acaroázes

De acordo com Estevão Pinto, são povos Gês e habitaram a região do rio das
Balsas, as cabeceiras do Parnaíba e do Tocantins, e os rios São Francisco e Piauí,
juntamente com os Gueguê e Jaicó (3).
Foram aldeados em 1749, pelos Jesuítas, na região de Duro, no atual estado de
Tocantins. Quando o aldeamento passou a ser administrado por militares, os mesmos
se rebelam e fogem. Foram massacrados e entre 1773 ou 1774 revoltaram-se
novamente e foram mortos e foram substituídos no aldeamento pelos Javaê e Carajá
(4).
No século XVII, viviam em Parnaguá, no sul do Piauí, dirigidos pelos Jesuítas,
que fundaram aquela vila. Viveram também na região centro-sul e foram aldeados em
1772 em São Gonçalo do Amarante.
Alcide D’Orbigny relata que os Acroás se subdividem em duas tribos; Acroás-
mirins que ainda não haviam sido dominados e os Acoroá-açus, considerados menos
rudes e menos belicosos. Segundo o autor, usavam algumas vezes flecha envenenada
e falavam o mesmo idioma que era parecido como dos Gogués (5).

2-Araiês

No documento mais antigo que se refere aos índios do Piauí, “Descrição do


sertão do Piauí, remetida ao Ilmº e Rvmº. Frei Francisco de Lima”, eles estavam
distribuídos nas cabeceiras do rio Piauí.

3-Acumês
5

São também citados no mesmo documento habitando nas cabeceiras do rio


Piauí (6).

4- Chicriabá

De acordo com Ott, a região compreendida entre o rio Carinhanha, a fronteira de


Goiás e a serra do Gurguéia eram ocupadas pelos Chicriabá e Acoroá (7). Von Martius
cita que os Chicriabá formavam uma numerosa tribo que ocupava as regiões entre as
nascentes do rio Gurguéia e do rio Grande, afluente do São Francisco e que,
juntamente com os Acoroá, eram perigosos para os tropeiros que viajavam pela região
de Pilão Arcado para Goiás (8).

5- Coripó/Caripós

Considerados “tapuias nômades” foram aldeados na ilha de Caripós, na missão


de Nossa Senhora do Pilar, dirigida pelos franciscanos, entre o final do século XVII e
início do XVIII.
Alguns autores localizam os Coripó nas proximidades de Juazeiro e Petrolina e
na desembocadura do rio Salitre (9).
De acordo com pesquisa realizada na documentação do Projeto Resgate da
Capitania do Piauí, em 1769, moradores da região do rio Piauí testemunharam para o
Governo que os índios que habitavam o lugar chamado as Pimenteiras, eram uma
mistura de Coripó e Prassaniú e já estavam na região há algum tempo (10).

6- Gueguê/Goguês/Gurguéia/ Guasguaes

Trata-se de um grupo Gê. Os primeiros documentos situam o grupo no Morro do


Chapéu, na Bahia, de onde foram expulsos pelos vaqueiros da Casa da Torre para a
Barra do rio Grande. A documentação aponta que no começo do século XVIII, eles
desciam freqüentemente da serra da Gurguéia e da serra do Piauí e atacavam
6

povoações ao longo do São Francisco. Lingüisticamente são considerados parentes


dos Acoroá, mas eram inimigos.
Foram aldeados em 1720 na Bahia. Em 1743, os “Goegoe” estavam em uma
missão Jesuíta no Maranhão. Foram aldeados no Piauí em 1765, em São João de
Sende. Podemos concluir que eles atuavam em um território muito vasto, que abrangia
os atuais estados da Bahia, Piauí e Maranhão, ou que era um grupo muito grande.
Alcide D’Orbigny, naturalista francês, que viajou pelo Nordeste na primeira
metade do século XIX, ao descrever o Parnaíba, diz que os brasileiros só conhecem
bem o rio até a confluência do rio das Balsas, pois a colonização e as plantações só
foram até aquele ponto e para além, vivem os nômades Acroás e Gogués (11). De
Caxias, no Maranhão, ele chegou até ao aldeamento de São Gonçalo do Amarante, o
qual é descrito como “algumas cabanas miseráveis e uma igreja em ruínas”. Acrescenta
ainda que os Gogués habitam zonas situadas entre as partes mais a sudoeste do
Parnaíba.

7-Jaicó/ Jeicó

Martius localizou este grupo em Juazeiro-BA, que têm parentesco lingüístico com
os Acoroá (12). No Piauí ocuparam a região centro-sul e estiveram aldeados em
Cajueiro, atual cidade de Jaicós-PI. A data da fundação do aldeamento é desconhecida.
Na documentação do Arquivo Público do Piauí, os Jaicó são citados espalhados
pelo São Francisco em 1771 e chegando de volta ao aldeamento.

8-Pimenteira

É o grupo mais citado na documentação do Arquivo Público do Piauí a partir de


1769 e em guerra com o colonizador.
De acordo com Estevão Pinto, os Pimenteira são considerados Caraíbas, que
eram índios vindos das cabeceiras do Tapajós e do Xingú e representantes desse
grupo foram encontrados nas margens dos rios citados no Baurés e no São Miguel,
assim como, nos sertões de Pernambuco e do Piauí. São feitas ressalvas na
7

consideração dos povos indígenas do sudeste do Piauí, denominados Pimenteiras com


povos Caribe ou Caraíba (13).
São localizados também na região de Juazeiro e Petrolina e na desembocadura
do rio Salitre (14).
O grupo passou a existir a partir de 1769 na fala do Governo da Capitania do
Piauí habitando uma área que ia da ribeira do Curimatá ao São Francisco e em 1773
saindo de suas terras e se aproximando das fazendas nas cabeceiras do Piauí.
Sucessivamente o grupo passa a ser citado, tanto nas falas do Governo, dos
administradores, dos comandantes, dos religiosos e dos moradores como ameaça e
sendo acusados de cometerem insultos e hostilizarem os moradores das cabeceiras do
Piauí. Em algumas ocasiões roubando gado e até matando moradores locais.
Foram diversas as bandeiras punitivas organizadas contra os Pimenteira. Desde
1773 até 1812, grupos organizados com até 100 homens atacaram os indígenas. No
início do século XIX, cerca de 29 fazendas tinham sido abandonadas nas ribeiras do
Piauí devido à ameaça dos indígenas.
Em 1815 são dados como extintos pelo governo do Piauí.

Guerra dos Pimenteiras (15)

A princípio, destacamos dois motivos para a manutenção da guerra contra os


povos indígenas, mesmo estando proibida durante todo a fase correspondente ao
nosso período de estudo; inicialmente desocupar ou limpar o território, a fim de que
fossem instalados os currais; e a escassez de mão-de-obra, e a conseqüente
necessidade de explorar o trabalho do índio.
É importante ressaltar que no processo colonial, apesar da documentação
identificar o índio como selvagem, gentio bravo, silvícola ou obstáculo à colonização,
ele pode ser visto como sujeito ativo da sua história. Atualmente quase não sabemos
nada acerca do que foi sua cultura, hábitos e estratégias adotadas na violenta guerra
pela suas terras.

A guerra contra os Pimenteira teve início em 1769, quando o grupo, que durante
algum tempo esteve em paz com o colonizador voltou a atacar fazendas, matando
8

animais e os moradores. Durante toda a segunda metade do século XVIII e início do


XIX, várias bandeiras foram organizadas para combater os Pimenteiras na região
sudeste do Estado. A resistência do grupo levou diversos fazendeiros a abandonarem
suas fazendas.
Podemos concluir que a resistência dos Pimenteiras na região sudeste dificultou
a criação de vilas e cidades na região, cujo processo somente teve início na primeira
metade do século XX com o incremento da produção da maniçoba para a produção de
borracha.
1777- Marcha Felix do Rego Castelo Branco (cabo da diligencia) para fazer guerra
contra os Pimenteira. O governo solicita índios dos aldeamentos de São João de
Sende.
1779-Entrada de João do Rego Castelo Branco. O governo pede índios do lugar
Cajueiro para engrossar a tropa e contribuição de cabeças de gado e farinha para os
dos moradores de Jerumenha, na região centro-sul do Piauí.
1781-1782- Ações punitivas contra os Pimenteiras, através de escoltas comandadas
por Manoel Ribeiro Soares. Em 1782, o governo conclui que o destacamento não
estava cumprindo sua missão, portanto não coibia os índios de atacarem as fazendas e
nem impedia a fuga de seus moradores. Novamente o governo solicita índios de São
João de Sende (8) e de São Gonçalo (12) para correr a fronteira e devem ficar na
fazenda Conceição. A tropa estava sob o comando de Antonio Pereira.
1790-1791- A guerra ofensiva continuava proibida, mas tropas comandadas por Inácio
Rodrigues de Miranda correm as fronteiras, sendo que 11 índios são presos, 5
mulheres e 6 crianças (3 machos e 3 fêmeas) que foram distribuídas em casa de
famílias por ordem do governo para tentar comunicação.
1807- José Dias Soares inicia nova operação com 60 homens e estabelece presídio em
Água Verde (fazenda abandonada). Ocorreram vários combates combatem próximo à
Lagoa Formigas.
1810- Retorna José Dias Soares ao alto Piauí com 200 homens e por três vezes
enfrenta o inimigo. Regressa com 26 prisioneiros e matou 15 índios. Os Pimenteiras
refluem para território pernambucano para regressar em seguida em Curimatá.
1812-1813- Ocorrem vários combates.
9

1815- Os Pimenteira são dados como extintos pelo governo do Piauí e a conquista foi
dada como concluída.
10

Referências bibliográficas:

(1)- COUTINHO, Pe. Miguel. “Descrição do sertão do Piauí remetida ao Ilmº e Rmº Sr. Frei
Francisco de Lima Bispo de Pernambuco por Pe. Miguel de Coutº, datada de Piauí, 02 de
março de 1697”, p. 370/389. In: ENNES, Ernesto. A Guerra nos Palmares (subsídios para a sua
histórica). 1º Volume Domingos Jorge Velho e a “Tróia Negra” 1689-1709. São Paulo: Cia Ed.
Nacional, 1938. (Brasiliana).
(2) – PINTO, Estevão. Indígenas do Nordeste. TOMO I. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1935,
(Brasiliana); TOMO II - São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1938 (Brasiliana), 112.
(3) - PINTO, Estevão. Indígenas do Nordeste. Op. Cit.
(4)- PINTO, Estevão. Indígenas do Nordeste. Op. Cit.
(5)-D’ORBIGNY, Alcide. Viagem pitoresca através do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São
Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1976.
(6)- COUTINHO, Pe. Miguel. “Descrição do sertão do Piauí remetida ao Ilmº e Rmº Sr. Frei
Francisco de Lima Bispo de Pernambuco por Pe. Miguel de Coutº, datada de Piauí, 02 de
março de 1697”. Op. Cit. p. 370/389.
(7)- OTT, Carlos. Pré-História da Bahia. Coleção de Estudos brasileiros; Série Marajoara; n.º
24; Aguiar e Souza Ltda.; Livraria Progresso Editora; Salvador, BA. Imprensa Vitória; 1958, pp.
26, 72, 73.
(8)-MARTIUS, Von e SPIX, Von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Tomo II. Edições
Melhoramentos, s/d.
(9)- DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os
povos indígenas no Nordeste Brasileiro. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos
índios no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/ FAPESP,
1992, p. 432.
(10) Projeto Resgate - Conselho Ultramarino. Brasil – Piauí, 1770, julho, 20, Oeiras do Piauí,
doc. 643.
(11)- D’ORBIGNY, Alcide. Viagem pitoresca através do Brasil. Op. Cit., p. 93.
(12)- MARTIUS, Von e SPIX, Von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Op. Cit. pp. 275, 278, 279,
291.
(13)- PINTO, Estevão. Indígenas do Nordeste. Op. Cit.
(14) DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os
povos indígenas no Nordeste Brasileiro. Op. Cit. p. 432.
(15) Toda a pesquisa referente à guerra dos Pimenteira foi feita no Arquivo Público do Piauí e
na documentação do Projeto Resgate em documentos diversos.

Você também pode gostar