Você está na página 1de 83

, I

Ian Buruma
Avishai Margalit

Ocidentallsmo
o Ocidente aos olhos de seus inimigos

Tradução:
Sérgio Lopes

, >

Jorge ZAHAR Editor


Rio de Janeiro
Para Robert B. Silvers

Título original:
Occidentalism
(A Short History af Anti-WestemismJ

Tradução autorizada da primeira edição inglesa,


publicada em 2004 por Atlantic Books. um selo
de Grove atlantic Ltd., de Londres, Inglaterra

Copyright © lan Buruma and Avishai Margalit, 2004

Copyright da edição brasileira © 2006:


Sumário
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2240-02261 fax: (21) 2262-5123
e-mail: jze@zahar.com.br
site: www.zahar.com.br
GUERRA CONTRA o OCIDENTE 7
Todos os direitos reservados.
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) A CIDADE OCIDENTAL 19

A reprodução de trechos do livro Poesia, de T.S. Eliot, foi gentilmente auto-


rizada pela Editora Nova fronteira. Copyright © Tradução by Ivan Nóbrega HERÓIS E COMERCIANTES 53
Junqueira (in: "Poesia - T.S. Eliot" - Editora Nova fronteira SA)

Preparação de originais: Carolina Stanisci A MENTE OCIDENTAL 77


Revisão tipográfica: Henrique Tarnapolsky e Antonio dos Prazeres
Capa: Miriam Lerner
Ilustração da capa: © Nevada Wier/CORBIS A IRA DE DEUS /01

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte As SEMENTES DA REVOLUÇÃO 137


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Buruma,lan
B980 Ocidentalismo: O Ocidente aos olhos de seus inimigos 1
lan Buruma, Avishai Margalit; tradução: Sérgio Lopes. - Rio
Notas 151
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006
Indice remissivo 157
Tradução de: Occidentalism: (a short history of anti-wes-
ternism)
ISBN 85-7110-908-7

1. Civilização ocidental. 2. Áreas subdesenvolvidas - In-


fluências ocidentais. I. Margalit, Avishai, 1939-. ll. Título.

CDD 303.482
06-0813 CDU 316.422.44
Guerra contra o Ocidente

E m julho de 1942, apenas sete meses após os japone-


ses bombardearem a esquadra americana em Pearl
Harbor e produzirem um abalo significativonas forças oci-
dentais no Sudeste asiático, um grupo de notáveis eruditos
e intelectuais japoneses reuniu-se para uma conferência
em Kyoto. Alguns eram literatos do assim chamado Gru-
po Romântico; outros, filósofos da Escola Budista/Hege-
liana de Kyoto. O tema em debate era "como superar o
moderno".'
Era um período de fervor nacionalista, e os intelectuais
que compareceram à conferência, de um modo ou de
outro, eram todos nacionalistas; estranhamente, porém, a
guerra em si - na China, no Havaí ou no Sudeste asiático
... ~ raramente foi mencionada. Ao menos um dos partici-
pantes, Hayashi Fusao, um ex-marxista que se tomara um
ardoroso nacionalista, escreveria mais tarde que o ataque
ao Ocidente o enchera de júbilo. Embora estivesse, ao

tr
8 Ocidentalismo Guerra contra o Ocidente 9

saber da notícia, na congelante Manchúria, pareceu-lhe que as cional forte. Na sua opinião, a guerra contra o Ocidente era uma
nuvens escuras tivessem se dissipado para revelar um claro céu guerra contra a "venenosa civilização materialista", edificada com
de verão. Sem dúvida, sentimentos semelhantes tomaram mui- o poder do capital financeiro dos judeus. Todos concordavam
tos de seus colegas. Mas aparentemente a propaganda de guerra que a cultura - isto é, a cultura tradicional japonesa - era espiri-
não era o propósito da conferência. Aqueles homens - tanto os tual e profunda, enquanto a moderna civilizaçãoocidental era su-
literatos românticos quanto os filósofos - interessavam-se pela su- perficial, desenraizada e inibidora do poder criativo. O Ocidente,
peração do moderno, muito antes do ataque a Pearl Harbor. Suas particularmente os Estados Unidos, era friamente mecânico. Um
conclusões, na medida em que tinham coerência bastante para Oriente holístico e tradicional, unificado sob o domínio divino do
serem politicamente úteis, prestavam-se à propaganda por uma império japonês, restituiria a saúde espiritual à ardente comuni-
nova Ordem Asiática sob a liderança do Japão, porém aqueles dade orgânica. Como expressou um dos participantes, a luta era
intelectuais ficariam horrorizados se os chamassem de propagan- entre o sangue japonês e o intelecto ocidental.
distas. Eles eram pensadores, não escritores de aluguel. Naquele momento, para os asiáticos, o Ocidente também
Em todo o caso, "o moderno" é um conceito traiçoeiro. Tan- representava - e, em certa medida, ainda hoje representa - o
to em Kyoto, em 1942, como em Cabul ou Karachi, em 2001 , colonialismo. Desde o século. XIX, quando a China foi humi-
era utilizado para se referir ao Ocidente, que, no entanto, é quase lhada na Guerra do Ópio, os japoneses cultos perceberam
tão elusivo quanto o moderno. Os intelectuais japoneses tinham que a sobrevivência nacional dependia do estudo cuidadoso
fortes sentimentos em relação àquilo a que se opunham, mas e da emulação das idéias e tecnologias que davam vantagem
tinham dificuldade em defini-lo com exatidão. A ocidentalização, às forças colonialistas do Ocidente. Jamais uma grande nação
um deles defendeu, era uma doença que infectara o espírito japo- empreendera transformação tão radical quanto o Japão entre
nês. Essa "história de moderno", afirmou outro, era "coisa de eu- as décadas de 1850 e 1910. O principal slogan da era Meiji
ropeu". Muito se falou sobre a doentia especialização do conheci- (J868-1912) era Bunmei Kaika, ou Civilização e I1uminismo, isto
mento, que despedaçara a idéia de totalidade da cultura espiritual é, civilização ocidental e iluminismo. Tudo o que vinha do Oci-
do Oriente. A ciência era a culpada. E também o capitalismo, a dente, da ciência natural ao realismo literário, foi vorazmente
absorção de modernas tecnologias pela sociedade japonesa e as absorvido pelos intelectuais japoneses. O vestuário ocidental,
noções de liberdade individual e democracia. Tudo isso precisava a lei constitucional prussiana, as estratégias navais britânicas, a
ser "superado". Um crítico de cinema chamado Tsumura Hideo filosofia alemã, o cinema americano, a arquitetura francesa e
execrou os filmes de Hollywood e exaltou os documentários de muito, muito mais foi incorporado e adaptado.
Leni Riefenstahl sobre os comícios nazistas, mais consoantes com A transformação rendeu frutos generosos. O Japão perma-
as idéias que ele tinha sobre como forjar uma comunidade na- neceu imune à colonização e tomou-se rapidamente uma gran-
10 Ocidentalismo Guerra contra o Ocidente 11

de potência, a qual, em 1905, conseguiu derrotar a Rússia numa de direita ou de esquerda. O desejo de superar a modernidade
guerra integralmente moderna. De fato, Tolstoi descreveu a vitó- ocidental no Japão dos anos 1930 foi tão intenso entre alguns
ria japonesa como um triunfo do materialismo ocidental sobre intelectuais marxistas quanto em círculos chauvinistas conserva-
a alma asiática da Rússia. Mas houve prejuízos. A revolução dores. A mesma tendência pode ser observada em nossos dias.
industrial japonesa, que ocorreu não muito depois da alemã, É evidente que os diferentes povos têm diferentes motivos
teve efeitos igualmente desordenadores. Um grande número de para odiar o Ocidente. Não podemos simplesmente colocar no
camponeses empobrecidos mudou-se para as cidades, onde as mesmo saco os esquerdistas inimigos do "imperialismo america-
condições podiam ser cruéis. O exército era um refúgio brutal no" e os radicais islâmicos. Ambos os grupos podem odiar o al-
para jovens do interior, e suas irmãs por vezes tinham de ser cance global da cultura e do poder corporativo americano, mas
vendidas para os prostibulos das grandes cidades. Mas, além não é pertinente comparar seus objetivos políticos. Exatamen-
dos problemas econômicos, havia outra razão para que muitos te por isso, os poetas românticos podem desejar uma Arcádia
intelectuais japoneses buscassem desfazer a indiscriminada oci- pastoril e detestar a moderna metrópole comercial, embora isso
dentalização do final do século XIX. Parecia que o Japão sofria não queira dizer que tenham algo mais em comum com os radi-
de uma indigestão intelectual: engolira a civilização ocidental cais religiosos que buscam estabelecer na Terra o reino de Deus.
depressa demais. E isso explica, em parte, por que o grupo de Uma aversão a alguns aspectos da moderna cultura ocidental, ou
literatos reunidos em Kyoto discutiu formas de mudar a história, americana, é compartilhada por muitos, mas só raramente isso se
a fim de superar o Ocidente, ser moderno e, ao mesmo tempo, traduz em violência revolucionária. Os sintomas se tornam inte-
retornar a um idealizado passado espiritual. ressantes apenas quando se manifestam plenamente num quadro
Tudo isso teria tão-somente interesse histórico se tais ideais doentio. Não gostar da cultura pop ocidental, do capitalismo glo-
tivessem perdido a sua força inspiradora. Mas não. O ódio a bal, da política externa norte-americana, das grandes cidades, ou
tudo o que as pessoas associam ao mundo ocidental, personi- da liberdade sexual, não tem qualquer importância; no entanto o
ficado pela América, ainda é muito intenso, embora hão mais desejo de, por isso, declarar guerra ao Ocidente, tem.
restrito ao Japão. Esse ódio atrai radicais muçulmanos para O retrato desumano do Ocidente pintado por seus inimi-
uma ideologia islâmica politizada, na qual os Estados Unidos se gos é o que chamamos ocidentalismo. Nossa intenção neste
apresentam como a própria encarnação do demônio, e é com- livro é analisar essa série de preconceitos e traçar suas raízes
partilhado pelos nacionalistas da China e de outras partes do , . históricas. É evidente que tais preconceitos não podem ser ex-
mundo não-ocidental. Alguns traços desse mesmo sentimento plicados apenas como um problema islâmico isolado. Há muita
também afloram no pensamento de anticapitalistas radicais do coisa terrivelmente errada no mundo islâmico, mas o ocidenta-
próprio Ocidente. Seria um equívoco classificar esse ódio como lismo não pode ser reduzido a uma doença do Oriente Médio
12 Ocidentalismo Guerra contra o Ocidente 13

do mesmo modo que não se poderia reduzi-Io a uma enfermi- qual política e religião formassem um todo indivisível, e a Igreja,
dade especificamente japonesa ocorrida há mais de 50 anos. por assim dizer, se fundisse com o Estado. No tempo da guerra,
Mesmo empregar essa terminologia médica é deixar-se levar essa Igreja no Japão era a Xintoísta, uma invenção moderna que
pelo nocivo hábito retórico dos próprios ocidentalistas. Uma tinha por base menos a antiga tradição japonesa e mais uma
de nossas teses é justamente que o ocidentalismo - como o curiosa interpretação do Ocidente pré-moderno. Os japoneses
capitalismo, o marxismo, e tantos outros "ismos" - nasceu na procuraram reinventar uma idéia distorcida do Cristianismo
Europa, antes de se transferir para outras partes do mundo. medieval europeu ao tornar o Xintoísmo uma igreja politizada.
O Ocidente foi a fonte do Iluminismo e de seus desdobra- Essa modalidade de política espiritual pode ser encontrada em
mentos seculares e liberais, mas também de seus antídotos todos os tipos de ocidentalismo, desde Kyoto dos anos 1930 a
freqüentemente venenosos. De certo modo, o ocidentalismo é Teerã dos anos 1970. É também um componente essencial do
comparável aos tecidos coloridos exportados da França para o totalitarismo. Todas as instituições do Terceiro Reich de Hitler,
Taiti, onde foram adotados como vestuário nativo, tão-somen- das igrejas aos departamentos das universidades, tinham que se
te para serem retratados por Gauguin e outros como um típico conformar a uma visão totalizadora. O mesmo era válido para a
exemplo do exotismo tropical. União Soviética de Stálin e a China de Mao.
Definir o contexto histórico da modernidade ocidental e Outros participantes do congresso de Kyoto não se reme-
sua odiosa caricatura, o ocidentalismo, não é tarefa fácil, co- teram à Reforma ou ao Iluminismo, mas apontaram o início da
mo demonstraram os argumentos apresentados pelos intelec- industrialização, o capitalismo e o liberalismo econômico no sécu-
tuais de Kyoto. Há relações e sobreposições demais para se lo XIX como a raiz do mal moderno. Com gravidade, falaram de
estabelecer uma perfeita coerência. O filósofo Nishitani Keiji "civilização-máquina" e "americanisrno". Alguns argumentaram
responsabilizou a Reforma religiosa, a Renascença e a emer- que a Europa e o Japão, com suas culturas ancestrais, deveriam se
gência de uma ciência natural pela destruição de uma cultura unir numa luta contra a praga nociva do americanismo. Esse dis-
espiritual unificada na Europa. Isso nos leva ao cerne do ociden- curso encontrou solo fértil em algumas partes da Europa. Hitler,
talismo. Costuma-se dizer que uma das diferenças básicas entre em conversas de salão, defendia que "a civilizaçãoamericana é de
o Ocidente moderno e o mundo islâmico é a separação entre natureza puramente mecanizada. Sem a mecanização, a América
a Igreja e o Estado. A Igreja, como uma instituição independen- se desintegraria mais rapidamente que a Índia". Não que uma
te, não existia no Islã. Para um muçulmano devoto, política, ,' aliança com o Japão tenha sido fácil, pois ele também acreditava
economia, ciência e religião não podem ser discriminadas em que os japoneses eram "muito estranhos para nós, devido ao seu
categorias distintas. Embora o professor em Kyoto não fosse estilo de vida e à sua cultura. Mas meus sentimentos contra o
muçulmano, seu ideal era igualmente edificar um Estado no americanismo são de ódio e de profunda repugnância'<
14 Ocidentalismo Guerra contra o Ocidente 15

Como nossas formas contemporâneas de ocidentalismo tis ao Ocidente. O ocidentalismo não se confunde com o an-
voltam-se freqüentem ente para a América, deve-se salientar tiamericanismo. Na realidade, a idéia de escrever sobre o oci-
que o antiamericanismo resulta às vezes de políticas americanas dentalismo ocorreu-nos de uma perspectiva bem distinta. Nu-
específicas - por exemplo, apoio a ditaduras anticomunistas, a ma tempestuosa manhã de inverno, visitamos o Highgate Ce-
Israel, a corpo rações multinacionais, ao FMI ou a qualquer coisa metery, um cemitério ao norte de Londres onde as grandes
sob o rótulo de "globalização", que normalmente é uma forma celebridades e os ilustres desconhecidos jazem lado a lado sob
simplificada de se referir ao imperialismo americano. Algumas um confuso arranjo de monumentos. Detemo-nos diante do
pessoas se opõem aos Estados Unidos simplesmente por serem grandioso túmulo de Karl Marx, erguido muito depois de sua
uma nação tão poderosa. Outros se ressentem de o governo morte por um grupo de admiradores. Seu largo busto de pedra
americano ajudá-los, ou alimentá-Ios, ou protegê-Ios, da mesma contempla gravemente o espaço além dos túmulos espalhados
forma que alguém se ressente de um pai despótico. E há ainda ao redor, alguns dos quais guardam as ossadas de socialistas do
quem odeie a América por virar-Ihes as costas quando esperam Terceiro Mundo e de outros combatentes que se consumiram
por ajuda. Mas a questão não é o que o governo americano faz na luta contra o imperialismo americano. Conversamos sobre
ou deixa de fazer. Os professores de Kyoto não se referiam às Marx e sobre o que já se disse a seu respeito. Veio-nos à mente
políticas americanas, mas à própria idéia da América como uma a descrição de Marx feita por Isaiah 8erlin - um típico judeu
civilização desenraizada, cosmopolita, superficial, trivial, mate- alemão cujo humor era tão indigesto quanto sua comida. Os
rialista, mestiça e vítima da moda. Também aqui eles seguiram judeus alemães - que antes de serem abatidos pela catástrofe
modelos europeus, em geral alemães. Heidegger era um inimigo nazista eram freqüentem ente mais abastados, mais seculares,
declarado do que ele chamava Amerikanismus, que de seu ponto e mais integrados do que seus confrades orientais, e talvez um
de vista exauriu a alma européia. E um pensador menor do pré- pouco presunçosos de sua elevada cultura alemã - nem sempre
guerra, Arthur Moeller van den 8ruck, o homem que cunhou a eram apreciados. Eles podiam se considerar como filhos cultos
expressão 'Terceiro Reich", argumentava que "Amerihanertum' do Iluminismo, mas para os pobres judeus orientais, especial-
(Americanismol não devia "ser entendido geograficamente, mas mente aqueles cujas vidas estavam circunscritas pelas antigas
espiritualmente". Ele assinalava o "passo decisivo para nos afas- tradições da vida no shtetl, faltava uma dimensão espiritual aos
tar da dependência da terra em direção ao uso da terra, o passo alemães. Eles eram frios, arrogantes, materialistas, mecânicos;
que mecaniza e eletrifica a matéria inanimada". , . sem dúvida, eficientes, mas ímpios. Em suma, não tinham alma.
Isso não diz respeito a políticas, mas a idéias, quase a visões, Essa, também, era uma forma de ocidentalismo.
de uma sociedade-máquina, desumanizada. Portanto o antia- Há, é claro, razões perfeitamente válidas para criticar vários
mericanismo desempenha um importante papel nas visões hos- ingredientes que integram a mistura venenosa que chamamos de
16 Ocidentalismo Guerra contra o Ocidente 17

ocidentalismo. Nem todas as críticas ao I1uminismo levam à in- dades de fascismo e socialismo nacionalista no Ocidente e no
tolerância ou ao irracionalismo perigoso. A crença no progresso Oriente, ao anticapitalismo e à antiglobalização, e finalmente
universal, conduzido pelo comércio e pela indústria, certamente ao extremismo religioso que grassa atualmente em tantos luga-
é passível de crítica. A fé cega no mercado é um dogma egoísta res.' Mas decidimos, em nome da clareza e da concisão, seguir
e freqüentemente danoso. A sociedade americana está longe do um outro caminho. Em vez de um relato estritamente cro-
ideal, e as políticas americanas são freqüentem ente desastrosas. nológico ou regional, identificamos alguns traços particulares
Grande parte da responsabilidade recai sobre o colonialismo do ocidentalismo que podem ser vistos em todas as épocas e
ocidental. A revolta local contra os clamores globais pode ser em todos os lugares em que o fenômeno se manifestou. Esses
legítima e até mesmo necessária. Mas a crítica ao Ocidente, por traços estão interligados, é claro, para formar uma cadeia de
mais impiedosa que seja, não está em discussão aqui. A visão do hostilidade - hostilidade em relação à Cidade, com sua ima-
Ocidente no ocidentalismo aproxima-se dos piores aspectos de gem de cosmopolitismo desenraizado, arrogante, ganancioso,
sua contraparte, o orientalismo, o qual despe de sua humanida- decadente e frívolo; em relação à mente ocidental, manifesta
de os homens a que se refere. Alguns preconceitos orientalistas na ciência e na razão; em relação ao burguês bem estabelecido
fazem os homens não-ocidentais parecerem menos que adultos cuja existência é a antítese do herói que se entrega ao auto-
plenamente desenvolvidos; eles têm a mente de uma criança sacrifício; e em relação ao infiel, que deve ser esmagado para
e, portanto, poderiam ser tratados como uma raça inferior. O dar passagem a um mundo de fé imaculada.
ocidentalismo é, no mínimo, tão reducionista; sua intransigên- O objetivo deste livro não é reunir munição para uma
cia simplesmente inverte a visão orientalista. Reduzir toda uma "guerra contra o terrorismo" global nem demonizar os atuais
sociedade ou civilização a uma massa de parasitas sem alma, inimigos do Ocidente. Desejamos, sim, entender o que move
decadentes, ambiciosos, desenraizados, descrentes e insensí- o ocidentalismo e demonstrar que os homens-bomba suicidas
veis é uma forma de destruição intelectual. Mais uma vez, se e os guerreiros santos de hoje não sofrem de alguma curiosa
isso fosse simplesmente uma questão de aversão ou precon- patologia, mas. são arrebatados por idéias que têm uma his-
ceito, não seria de grande interesse. Os preconceitos são parte tória. Essa história não tem fronteiras geográficas claramente
da condição humana. Porém, quando a idéia de que os outros definidas. O ocidentalismo pode irromper em qualquer parte.
são menos que humanos adquire força revolucionária, leva à O Japão, que já foi o viveiro de um ocidentalismo assassino, é
destruição de seres humanos. hoje. uni de seus alvos. Entender não é desculpar, da mesma
Um modo de descrever o ocidentalismo seria traçar a forma que perdoar não é esquecer, mas, sem compreender
história de todas as suas relações e sobreposições, da Contra- aqueles que odeiam o Ocidente, não poderemos impedi-Ios
Reforma ao Contra-I1uminismo na Europa, às inúmeras varie- de destruir a humanidade.
A Cidade Ocidental

Os valores da civilização ocidental sob a liderança da


América foram destruí dos. Aquelas impressionantes tor-
res simbólicas que falam de liberdade, direitos civis e hu-
manidade foram destruídas. Desapareceram na fumaça.
OSAMA BIN LAOEN'

p ouco depois de os dois aviões arremeterem contra a


baixa Manhattan, deitando por terra o WorId Trade
Center em chamas, fitas de vídeo foram postas à ven-
da na China com uma montagem dos momentos mais
terríveis do atentado e de cenas de filmes-catástrofe de
Hollywood. Era como se a realidade - dois arranha-céus
flamejantes desmoronando sobre milhares de pessoas -
não fosse suficientemente dramática, e apenas a fantasia
pudesse captar a verdadeira essência de tamanha tragé-
dia, que a maioria de nós conhece apenas dos filmes.
A deliberada fusão de realidade e fantasia deixou uma
impressão de que as vítimas não eram seres humanos reais,
mas atores. E, de qualquer modo, a maioria permaneceu

19
20 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 21

invisívelpela atípica modéstia das redes de televisão, que se recu- Todavia os consumidores dos vídeos chineses não eram, até
saram a mostrar o sofrimento em dose-up. Por ao menos alguns onde se possa concluir,pobres aldeões com ódio aos americanos ou
segundos, a impressão de irrealidade tomou muitas pessoas quan- mesmo aos moradores das grandes cidades, mas jovens de Xangai,
do sintonizaram seus televisores. Fingir que não era real foi uma
Pequim e outras metrópoles cujos arranha-céus se lançam sempre
forma conveniente de se distanciar daquele horror. Lamentavel-
mais alto para rivalizarcom os de Nova York.O Ocidente em geral,
mente, para um grande número de pessoas, não apenas na China,
e a América em particular, provocam inveja e ressentimento mais
a idéia de que aquilo era uma espécie de filme, um evento mera-
em quem consome suas imagens e seus bens do que em quem
mente imaginário, uma representação teatral, tomava igualmente
dificilmente imagina como é o Ocidente. Os assassinos que puse-
mais fácil um sentimento mais macabro. A destruição das torres
ram as torres abaixo eram jovens cultos que viveram um tempo
- símbolos do poder e da riqueza dos Estados Unidos; símbolos
considerável no Ocidente, treinando para sua missão. Mohammed
do domínio capitalista,imperialista e global; símbolos da cidade de
Atta formou-se em arquitetura numa universidade do Cairo, antes
Nova York, nossa Babilônia contemporânea; símbolos de tudo o
de escrever uma tese sobre o modemismo e a tradição no planeja-
que as pessoas a um só tempo desejam e odeiam na América =, a
mento urbano na Technical University, em Hamburgo. O próprio
destruição de tudo isso, em menos de duas horas, deu a algumas
pessoas, não apenas na China, o sentimento de profunda satisfação. Bin Laden foi outrora um engenheiro civil.Se nada mais, as Torres

Nesse sentido particular, a aniquilação das Torres Gêmeas e Gêmeas exemplificavam a soberba tecnológica dos modemos en-

das pessoas que ali estavam foi um tremendo sucesso, uma vez genheiros. Sua destruição foi arquitetada por um dos seus.
que foi parte da guerra de Osama bin Laden contra o Ocidente, De qualquer forma, em muitas partes, a reação à catástrofe
tanto físico quanto metafísico; foi, a um só tempo, um ataque americana foi mais forte que uma satisfação diante dos infortú-
real e simbólico a Nova York, à América, à idéia de América nios de um poder grandioso e, por vezes, arrogante, e foi mais
e ao Ocidente que o país representa. Um ato deliberado de profunda do que uma mera insatisfação com a política externa
assassinato em massa deu vida a um antigo mito - o mito da norte-americana. Houve ecos de ódios e temores mais antigos,
destruição da cidade pecaminosa. Antes de tudo, na mente dos que se repetem ao longo da história sob diversas aparências.
terroristas, estava a idéia de purificação. Isso fica claro na última Sempre que os homens construíram grandes cidades, o medo
declaração de um de seus líderes, um jovem egípcio chamado da vingança - desencadeada por Deus, King Kong, Godzilla, ou
Mohammed Atta. Ele expressou repulsa em relação à mulher e bárbaros' à~portas da cidade - os assombrou, Desde a Antigui-
à sexualidade: "Aquela que lavará meu corpo deverá usar luvas dade, os homens vivem aterrorizados de serem punidos por sua
para que meus órgãos genitais não sejam tocados ... Não quero ousadia de desafiar os deuses, seja por roubar o fogo ou pela
que uma mulher grávida, ou uma pessoa que não esteja limpa, conquista de demasiado conhecimento, seja por criar demasiada
venha me dizer adeus, pois não aprovo isso." riqueza ou por construir torres que arranham os céus. O proble-
A Cidade Ocidental 23
22 Ocidentalismo

conhecimento. Deus decidiu punir esses petulantes infiéis. "Eis


ma não é a cidade per se, mas as cidades que se entregam ao
que o povo é um", Ele disse, "e todos têm uma mesma língua; e
comércio e ao prazer em vez de à devoção religiosa. No caso
isto é somente o começo do que pretendem fazer; e nada do que
de Osama bin Laden e Mohammed Atta, esse impulso religioso
se propuserem Ihes será impossível" (Gn.1l-6). Então Deus teve
coagulou-se em perigosa loucura.
a sua vingança: uma língua se tomou muitas línguas, o povo se
A soberba, a edificação de impérios, o secularismo, o in-
dispersou por todo o mundo, e a torre foi abandonada.
dividualismo, o poder e a atração do dinheiro - tudo isso está
Nabucodonosor, que posteriormente reinou na Babilônia r
associado à idéia de uma pecaminosa Cidade do Homem. Mi-
conquistou Jerusalém (uma verdadeira Cidade de Deus) , es-
tos de destruição existem desde que os homens passaram a
cravizou os judeus e teve visões de um reino de ouro, foi igual-
construir cidades onde pudessem negociar, acumular riqueza,
mente punido por sua soberba e levado para "comer capim
obter conhecimento e viver confortavelmente.
como gado". Não é a menor das ironias da história que, nos
O temor da punição por desafiar o poder de Deus, devido
séculos que se seguiram, os próprios judeus, que escreveram
à soberba de acreditar que podemos seguir sozinhos, é comum
essa narrativa de vingança contra a Cidade do Homem, se
a muitas religiões. A história da Babilônia e de sua torre gran-
dispersassem pelo mundo, adotassem várias línguas e fossem
diosa é uma das mais antigas conhecidas pelo homem. Depois
descritos por seus inimigos como cosmopolitas desenraizados,
do Dilúvio, Ninrode edificou a Babilônia. Em outro relator feito
atraídos por visões de riqueza.
pelo historiador Diodorus Siculus, uma poderosa rainha chamada
Que muitas pessoas nos países islâmicos acreditem que a
Semíramis ordenou a sua construção. Posteriormente, o local foi
destruição das Torres Gêmeas tenha sido de fato um trabalho
cultuado como uma deusa-mãe. Talvez tenha sido a relativa liber-
do Mossad - a agência de inteligência de Israel que se acredita
dade sexual das mulheres da Babilônia que levou devotos judeus
estar no cerne de uma conspiração mundial dos judeus - é tão
e cristãos a descrever a cidade como "a mãe das meretrizes e
doentio quanto o extremismo religioso dos ativistas da AI Qae-
das abominações da Terra" (Ap.17:5). A população da Babilônia,
da. Não é, no entanto, de todo inesperado. Os judeus foram fre-
tanto quanto os cidadãos da Florença do século XIV ou da Nova
qüentemente responsabilizados por sua própria perseguição, e o
York do século xx, buscavam fama mundial. "Venham", diziam
anti-semitismo pode se revestir de estranhos paradoxos. Cons-
eles, "construamos para nós uma cidade, e uma torre cujo cume
pirações capitalistas foram associadas aos Anciãos de Sião mas
toque os céus e nos faça célebres" (Gn.11:4). ~, '
também." Q foi o comunismo. Há uma possível relação. Tanto
A Torre de Babei era provavelmente um zigurate, uma cons-
o capitalismo quanto o bolchevisrno, opostos em praticamente
trução com uma escadaria circular de acordo com os signos do
todos os aspectos, podem, no entanto, ser descritos como tenta-
zodíaco. Os babilônios eram astrólogos refinados. A astrologia era
tivas de substituir o mundo de Deus pelo mundo do Homem.
a maneira como exploravam os trabalhos da natureza e obtinham
24 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 25

A imagem da metrópole como uma meretriz não é apenas tem alma, e assim não é verdadeiramente humana. Em seus diá-
um reflexo da sexualidade feminina, tão temida e abominada rios, os irmãos Goncourt descrevem uma famosa cortesã de Pa-
pelos puritanos como Mohammed Atta, mas também uma críti- ris chamada Paiva, que exerceu a sua atividade nos anos 1860,
ca a uma sociedade que gira em torno do comércio. Na cidade, a aurora da era industrial: "Ela caminhava por entre as cadeiras
concebida como um gigantesco mercado, tudo e todos estão à como um autômato, como se fosse impulsionada por uma mola,
venda. Hotéis, bordéis e lojas de departamentos vendem fan- sem um gesto, sem expressão ... [uma] marionete proveniente
tasias de uma vida boa. O dinheiro permite que as pessoas se de uma dança macabra ... um vampiro com o sangue dos vivos
comportem de todas as maneiras para as quais não nasceram. em sua boca púrpura enquanto todo o resto era lívido, emba-
Os habitantes da cidade são vistos como mentirosos. Na sátira çado e evanescente." Aqui encontramos a visão ocidentalista
de Juvenal sobre a Roma antiga, uma cidade de bajuladores, da cidade, do capitalismo, e da "civilização-máquina" ocidental:
ladrões e comerciantes de todo o império, encontramos a se- uma prostituta sem alma como um autômato voraz.
guinte sentença: "O que posso fazer por Roma? Nunca aprendi A perda da alma é vista como uma conseqüência da sober-
a mentir.'? Roma, para Juvenal, era uma cidade onde "de todos ba metropolitana. Os religiosos são atormentados desde a Anti-
os deuses, é a Riqueza que compele nossa mais profunda reve- guidade pela dissipação da espiritualidade na busca pela riqueza.
rência", uma cidade onde os estrangeiros se misturam livremen- A maravilhosa ode de William Blake à construção de Jerusalém
te com os nativos: "O lucro obsceno foi o que primeiro trouxe no verdejante e agradável território da Inglaterra escrita no iní-
para nós as licenciosas morais estrangeiras, riqueza efeminada cio do século XIX não era um ataque grosseiro à indústria (as
que, com vil auto-indulgência, nos destruiu ao longo dos anos".' negras fábricas satânicas), mas um apelo à liberdade espiritual,
Juvenal reservou sua maior bílis aos gregos e judeus e às mu- desembaraçada dos negócios mundanos. Blake, a julgar por este

lheres, "bem-nascidas ou não", que fariam qualquer coisa para poema, não odiava as cidades per se; mas a sua cidade ideal não

satisfazer "suas virilhas quentes e úmidas".' era certamente um mercado gigantesco onde os homens com-
petem por ouro e fama.
A figura mais emblemática da mercantilização das relações
Após um século, T.S. E1iotescreveu uma maravilhosa poe-
humanas - relações baseadas em bajulação, ilusão, imoralidade
sia ao lamentar a perda da marca de Deus na metrópole moder-
e dinheiro - é a meretriz. A negociação no sexo talvez seja a for-
na. Lê-se no "Coros de 'A Rocha' - 1934":
ma mais básica do comércio urbano. Não admira, portanto, que
, >

visões hostis à Cidade do Homem sempre se voltem para isso. E~ vão construiremos se o Senhor conosco não constrói.
Um dos c1ichêsdo mercado sexual afirma que se pode comprar Podeis zelar pela Cidade se o Senhor convosco não a guarda?
o corpo de uma pessoa, mas jamais a sua alma. A prostituta (ou Milhares de policiais a dirigir o trânsito
Não vos podem dizer por que vindes ou aonde ides.
o homem que se prostitui), em sua capacidade profissional, não
Uma colônia de cavernas ou uma horda de marmotas operosas
26 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 27

Edificaram melhor do que aqueles que desdenharam o braço do e credos, trabalhando a serviço do capitalismo global, represen-
Senhor. tavam para o guerreiro santo tudo o que era execrável na mais
De pé nos ergueremos entre ruínas perpétuas?'
grandiosa Cidade do Homem moderna.

o poema exala pessimismo em relação à aspiração do homem


de rivalizar com Deus. O empreendimento secular, o universalis-
o
mo do IIuminismo, a fé na razão, a Cidade do Homem - esses são A questão é: quando a idéia da cidade, como um símbolo cor-
os sinais da transgressão humana, da soberba. Do mesmo poema: rompido de cobiça, impiedade e cosmopolitismo desenraizado,
tomou-se quase totalmente associada ao Ocidente? Quando as
o Verbo do Senhor chegou-se a mim, dizendo
Ó míseras cidades de homens ardilosos metrópoles ocidentais tomaram-se o foco principal do ódio oci-
Ó desprezíveis gerações de ilustrados, ' dentalista? Afinal, a grande cidade, abrigando tantas raças, era di-
Perdidos nos dédalos de vossa ingenuidade,
ficilmente um fenômeno exclusivamente europeu ou americano.
Vendidos aos dividendos de vossas próprias invenções."
Tradicionalmente os muçulmanos não eram avessos às grandes

E mais: cidades. Ao contrário, nos primórdios do Islã, o urbanismo foi es-


timulado como uma forma de romper com a ignorância nômade.
Ó enfado de homens que a Deus renunciaram Por séculos Bagdá e Constantinopla foram centros de comércio,
Em troca do fulgor de vossa mente e da glória de vossos feitos
ensino e prazer. Mais a leste, a riqueza e a opulência de Pequim
Do engenho e da arte de vossos projetos temerários ...*** r

deslumbraram um viajante da Veneza do século XIII. Comparada

Destruir o World Trade Center em nome de Alá e de uma aos refinamentos da China, a Amsterdã do século XVII, com toda a

guerra santa nada mais é que um eco grosseiro, literal e mordaz sua riqueza, tinha a modesta sedução de uma cidade de província.

dos versos de Eliot. Não são fatos completamente distintos. Os Até o final do século XIX, Edo, a capital japonesa, era maior e mais

jihadis escolheram cuidadosamente o símbolo para a sua vin- populosa que qualquer cidade européia, incluindo Londres.

gança. Nova York é a capital do Império Americano. As Torres E, no entanto, a idéia moderna de Babilônia está agora

Gêmeas, recheadas de pessoas de todas as raças, nacionalidades firmemente enraizada no Ocidente, visto que os primeiros oci-
dentalistas eram europeus. Richard Wagner escreveu certa vez
sobre· .a "estada de seu herói germânico Tannhâuser entre as
TS. Eliot, Poesia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, tradução de Ivan Nóbrega [un- perigosas seduções-da Montanha de Vênus: "Concordo com
queira.

Idem o argumento de Friedrich Dieckmann de que a Montanha de


Idem. Vênus simboliza 'Paris, a Europa, o Ocidente': esse mundo frí-
A Cidade Ocidental 29
28 Ocidentalismo

volo, comercializado e corrupto no qual 'a liberdade e também A civilização urbana da Londres do século XIX, que encan-
a alienação' estão mais avançadas do que em nossa 'provinciana tava uns e desgostava outros, caracterizava-se por grandes dis-
Alemanha com seu confortável atraso'." paridades econômicas, bem corno por urna larga extensão de
Os sentimentos de Wagner em relação a Paris refletem mais liberdade civile individual, cujas origens remontam à Carta Mag-
do que a aversão pela frivolidade francesa. As pessoas podem na, mas que também é grandemente devedora dos ideais do I1u-
não gostar de urna cidade pelos mais variados motivos. Mas a minismo. Quando Voltaire desembarcou na Inglaterra num dia
propensão antiurbana dos ocidentalistas vai além. Vê a grande ensolarado de 1726, iniciou o seu ataque ao absolutismo francês
cidade corno desumana, um zoológico de animais depravados, pelo elogio às liberdades inglesas. A intenção de polemizar natu-
consumidos pela luxúria. Dessa perspectiva, o habitante da ci- ralmente levou-o ao exagero, no entanto Voltaire era um obser-
dade literalmente perdeu sua alma. vador arguto cujas reivindicações continham algumas verdades
Foi a era dos impérios, estimulada por urna extraordinária importantes. Urna das coisas que ele admirava em Londres, além
explosão de empreendimentos científicos, industriais e comer- da liberdade de investigação científica e o alto status dado aos
ciais, que tornou a Europa o centro metropolitano, dominando pensadores, era a Bolsa de Valores, que descreveu corno "um
a periferia à qual grande parte do resto do mundo foi reduzida. local mais venerável que muitas cortes de justiça, onde os re-
A antipatia de Wagner em relação à França - e a sua noção da presentantes de todas as nações se reúnem para o benefício da
Alemanha corno a periferia provinciana - foi um legado da humanidade"." Longe de menosprezar a classe comercial, corno
dominação napoleônica, mas os impérios que atingiram o ápice a maioria dos aristocratas e literatos franceses teriam feito, Vol-
de seu poder na segunda metade do século XIX eram impérios taire viu o comércio corno urna condição vital para a liberdade.
comerciais, movidos pela busca da riqueza mais do que por um Pois ali, na Bolsa de Valores, escreveu, "o judeu, o maometano e
desejo de conquistar militarmente ou de disseminar a palavra o cristão negociam juntos corno se todos professassem a mesma
de Deus. E a mais grandiosa de todas as metrópoles, a capital religião e a ninguém, senão aos falidos, chamam de infiéis".
imperial e comercial do mundo no século XIX, era Londres. E a O dinheiro corno Voltaire o viu, dissolvia diferenças de
I

mais grandiosa cidade industrial, a capital das negras fábricas sa- credo ou raça. No mercado, os homens se ligam por normas,
tânicas, era Manchester. Paris rivalizava com Londres corno um contratos e leis comuns que não foram reveladas por deuses an-
centro cosmopolita, e Berlim estava sempre desesperadamente cestrais, mas escritas por seres humanos a fim de salvaguardar as
tentando alcançá-Ias. Todas essas cidades inspiravam medo tan- suas p:opfiedades e limitar as chances de serem trapaceados. O
to quanto inveja e, corno Nova York dois séculos depois, vieram berço não vale muito no mercado. Antigas regras de confiança,
a representar algo particularmente odiável aos olhos daqueles que ainda podiam servir em relações familiares ou comunidades
que buscavam erradicar as impurezas da civilização urbana com de aldeia, não eram mais confiáveis. Urna vez que as leis que
sonhos de urna pureza espiritual ou racial. governam o mercado são seculares, Voltaire, corno um supre-
30 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 31

mo racionalista, obviamente aprovou tais arranjos, mas para a mente, promiscuamente e, acima de tudo, indiferentemente. O
mente religiosa ou feudal elas podem parecer frias, mecânicas que repugnava Engels era a falta de solidariedade nessa socie-
e, até mesmo, desumanas. Não obstante, a admiração de Voltai- dade de indivíduos "atomizados", cada qual em busca de seus
re pelos ingleses foi além. Ele acreditava que "à medida que o próprios interesses "egoístas".9
comércio enriquecia os cidadãos da Inglaterra, contribuía assim Mas também poderia ser uma vantagem, pois a multidão
para a Liberdade deles, e essa Liberdade, por sua vez, expandia abre espaço para excentricidades individuais. É possível se es-
o Comércio, de onde provinha a Grandeza do Estado. O co- conder numa multidão, cuja indiferença é libertadora. Em todo
mércio elevou por meios imperceptíveis o Poder naval, que dá país industrializado, inclusive na Inglaterra do século XIX, mulhe-
à Inglaterra a Superioridade nos Mares ...", res e camponeses afluem para a cidade em busca de trabalho,
No relato reverente de Voltaire o comércio é, então, atado dinheiro e liberdade. O que os aguarda é, em geral, a praga in-
tanto à liberdade quanto ao imperialismo. Essa é uma conexão dustrial, o crime e o bordeI. Isso nunca os impediu de continuar
que ainda é muito presente no ocidentalismo, embora o inimi- migrando. Mas uma vez abandonadas, as velhas certezas da vida
go não mais seja apenas a Inglaterra, senão a Anglo-América, a na vila, a trama íntima das relações familiares e a subserviência
América, o Ocidente, ou, na expressão favorita de Osama bin às tradições feudais ou religiosas normalmente se perdem para
Laden, o sionismo-cruzado. sempre, e isso pode causar violentos ressentimentos.
O que impressionou Voltaire em Londres nem sempre foi A história do forasteiro solitário, ignorado ou abusado na
visto com tamanha benevolência por outros observadores euro- grande cidade, é comum em toda parte. Freqüentemente é con-
peus. Um viajante alemão em 1826 viu apenas "o brilho do egoís- tada nos relatos mais sombrios de Hollywood, onde a grande
mo e da cobiça em cada olhar"? Vinte anos depois, o grande cidade é Nova York, Chicago ou Los Angeles. Tornou-se um cli-
escritor prussiano Theodor Fontane assinalou que "o culto ao Ve- chê nos filmes feitos na Índia, na Tailândia e no Japão nos anos
locino de Ouro é a doença do povo inglês".Na grande metrópole 1950, muitos dos quais são filmes de gângster. O jovem abando-
não havia espiritualidade, não havia poesia, uma vez que todos na sua vila, levado pela fome ou pela ambição, sua cabeça cheia
estavam muito ocupados "correndo por toda parte numa busca de histórias de vastas riquezas e mulheres fáceis. O que encontra,
incessante por ouro". De fato, ele estava convencido de que a entretanto, são multidões indiferentes, vigaristas e escroques que
sociedade inglesa seria destruída por "essa febre amarela do ouro, lhes roubam as parcas economias. Por fim, perde também a sua
essa liquidação de todas as almas ao demônio da opulência ...".8 dignidade, quando aprende a ser ele próprio um ladrão. Ora ele
Friedrich Engels viu algo "repulsivo" nas multidões de Man- se integra a um bando de criminosos, no qual alguns dos tradicio-
chester e Londres, "algo contra o qual a natureza humana se nais códigos de conduta da vila são restabelecidos de forma per-
rebela". A cidade é onde as pessoas de "todas as classes e todos versa; ora ele tenta sobreviver por sua própria conta. Entretanto,
os níveis se aglomeram umas diante das outras", indiscriminada- no final, quase sempre perde, explorado pelo líder do bando ou
32 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 33

por outra pessoa em que acreditava que podia confiar. O clímax L..l
Minha casa é uma casa derruída,
é uma explosão de violência suicida, quando o forasteiro, depois
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
de tanto sofrimento, como Sansão em meio aos filisteus, destrói
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
os pilares da cidade num ato final de vingança catastrófica. De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.'
Um traço comum aos malévolos, frios, calculistas e ricos vi-
lões dessas narrativas morais não é a sua depravação sexual, sua A imagem que Juvenal fazia dos cidadãos mentirosos da

cobiça ou sua desonestidade, mas seus modos espalhafatosamente Roma antiga volta à tona nos preconceitos contra os comercian-

ocidentais. Nos filmes de gângster europeus, os bandidos se ves- tes e banqueiros judeus nas cidades do século XIX. Karl Marx,
ele próprio neto de um rabino, relacionou os capitalistas judeus a
tem e se comportam como americanos; em filmes não-ocidentais,
piolhos, a se alimentarem dos pobres como parasitas asquerosos.
eles se comportam como brancos falsificados. Os bandidos dos
Outro pensador do sécuÍo XIX, Pierre-Joseph Proudhon, acredi-
filmes japoneses dos anos 1950 portam revólveres, bebem uísque
tava que o judeu era "por temperamento um antiprodutor .... Ele
e vestem temos, enquanto os heróis trajam quimonos e lutam ape-
é um intermediário, sempre fraudulento e parasita, que opera,
nas com as tradicionais espadas dos samurais. Em muitos países,
tanto no comércio quanto na filosofia, por meio da falsificação,
o típico filme de gângster é hostil ao mundo moderno. Assim é,
da contrafação e da dissimulação".'? Pensadores nazistas tomaram
evidentemente, o típico westem americano, no qual os vilões são
os mesmos temas, é claro, e relacionaram os judeus parasitas a
moradores das cidades do "leste longínquo" que vêm construir
Nova York, a Londres, a Paris e também a Berlim.
cidades nas planícies do oeste, interligadas pelas novas ferrovias.
Antes de 1933, a cidade de Berlim era símbolo de toda
Antigas .relações de confiança são substituídas por contratos pouco
vilania, não só para os nazistas, mas também para um grande
confiáveis, concebidos por homens de temos. É universal a história
número de românticos nativistas alemães. Nos anos 1890, um
desse choque entre o velho e o novo, entre a cultura autêntica e grupo de amantes da natureza, entusiastas do folclore, nudistas
a astúcia e o artifício metropolitanos, entre o campo e a cidade. e promotores de uma pátria germânica mais pura e mais orgâ-
nica queria, nos slogans populares daqueles dias, "fugir de Ber-
o lim", "escapar do tijolo de Berlim", com suas fábricas, cortiços,
cabarés, esquerdistas, democratas, judeus e outros estrangeiros.
Na Europa, os demônios metropolitanos que engolem popula- A grande capital prussiana era vista como uma cópia híbrida e
ções rurais inteiras em suas panças fulgurantes eram freqüente- artificial das cidades francesas, inglesas, austríacas e americanas.
mente identificados com judeus ou outros caçadores desenrai- A modernidade de Berlim era "não-germânica".
zados de dinheiro. Novamente T.S. Eliot encontra a mais fina
expressão para esse preconceito: TS Eliot, op.cit.
34 Ocidentalismo A Cidade Ocidental' 35

Na propaganda nazista, as lojas de departamentos de Ber- 1930, mesmo que a idéia deles de cultura espiritual fosse dife-

lim, corrompendo a feminilidade alemã com decadentes pro- rente na forma. De fato, como muitos intelectuais árabes, que

dutos "cosmopolitas", tais como cosméticos e cigarros, eram foram diretamente inspirados pelos ideais do pangermanismo,

difamadas como símbolos do "materialismo judeu" e retratadas os japoneses foram profundamente influenciados pelos nacio-

nas publicações nazistas como polvos pegajosos que estrangula- nalistas alemães das décadas de 1920 e 1930 do século XIX, e

vam os pequenos empreendimentos e os honestos artesãos ale- aplicaram as suas idéias antiocidentais e antiurbanas ao Japão.

mães." O modernismo artístico e a ciência natural eram vistos Também aqui havia uma amnésia histórica, uma vez que

como uma fraude judaica. Jazz, ou "música crioula", era denun- as cidades japonesas foram centros comerciais muito antes

ciada como um americanismo depravado. que Harold L10yd e Deanna Durbin impusessem seu estilo.

Fora da Europa, é o Ocidente, ou o americanismo, que é Há poucas evidências de que o mundo dos teatros kabuki,

considerado culpado pela condição metropolitana e pela des- dos entretenimentos de feiras, dos mercados e bordéis da an-

truição do idí1io rural - americanismo e algumas variações lo- tiga Edo fossem mais espiritualizados que os bairros de prazer

cais dos judeus metropolitanos, como os chineses no Sudeste da Tóquio dos anos 1930. Mas os intelectuais detestavam o

asiático ou os mercadores indianos na África, que se acredita americanismo por razões mais pessoais. Eles sabiam que numa

conspirarem, com as venais elites nativas" ocidentalizadas", para sociedade americanizada, dominada pela cultura comercial, o

envenenar e minar as comunidades autênticas, espirituais ou papel dos filósofos e dos literatos era, na melhor das hipóteses,

raciais. Mas essas idéias de Americanismo, ou, para citar o termo marginal. Longe de ser o dogma defendido por camponeses

de um islamista iraniano, de "ocidentoxicação", eram influencia- oprimidos, o ocidentalismo mais freqüentemente reflete os te-

das pelos preconceitos que surgiram no Ocidente. mores e os preconceitos de intelectuais urbanos, que se sentem

Quando os intelectuais japoneses na conferência de Kyo- deslocados num mundo de comércio em massa.
to em 1942 confabularam contra o americanismo, pensavam Outra coisa que os intelectuais urbanos temiam na cultu-

menos na modernidade na América e na Europa do que no ra metropolitana "desenraizada" e no consumo de massa era

estilo de suas próprias grandes cidades, Tóquio e Osaka: filmes a participação das massas na política. Jornais e rádios davam a

hollywoodianos, cafés, salões de dança, revistas satíricas, rádios, todos o acesso à informação que anteriormente fora limitada

jornais, estrelas de cinema, minissaias e automóveis. Eles odia- às elites. Isso era perigoso, pois as massas eram consideradas

vam essa nova civilização metropolitana pois a consideravam frí- irresponsáveis, incultas e dominadas por emoções massificadas.

vola, materialista, medíocre, desenraizada, e não-japonesa, isto Os filmes de Hollywood, como preveniu o crítico de cinema na

é, distinta do tipo de cultura espiritual enraizada que desejavam conferê~cia de Kyoto, promoviam o individualismo, a democra-

preservar. Nesse ponto, os profundos pensadores japoneses cia e uma sociedade multirracial. A metrópole comercial era o

não se diferenciavam de muitos intelectuais europeus dos anos lugar onde culturas singulares, enraizadas no sangue e na terra,
36 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 37

sucumbiam, e uma civilização urbana era forjada a partir da ma ou modelos de automóveis". Em suas cartas para casa, Qutb
diversidade cosmopolita. estava particularmente aflito com a "atmosfera sedutora", a espan-
Cortiços apinhados que a maior parte das pessoas, inclu- tosa sensualidade do cotidiano, e com o comportamento atrevido
sive a polícia, temia freqüentar, aumentaram com a revolução da mulher americana. Uma dança religiosa na remota Greeley, no
industrial e foram associados, na Europa continental, à Inglaterra Colorado, que dificilmente seria descrita como uma metrópole, o
e especialmente ao sistema econômico de laissez-faire, conhecido impressionou como repulsivamente lasciva.Qutb era um defensor
como liberalismo de Manchester. Os bairros populares de T ó-
do ideal de uma comunidade islâmicapura, que se opunha ao que
quio nunca foram tão esquálidos como os de Londres ou Berlim, ele via como um materialismo vazio e idólatra do Ocidente. A essa
mas os efeitos da industrialização, como a cultura de massa, os batalha ele retomará mais tarde. A vida na América simplesmente
meios de comunicação de massa e as massas de camponeses ratificou os seus preconceitos. Mas como todos os sonhos de pu-
desaguando nas cidades, eram associados ao Ocidente. Eles eram reza, o seu ideal de comunidade espiritual era uma fantasia que
parte da ocidentalização do Japão e, portanto, parte do que os continha as sementes da violência e da destruição.
ocidentalistas desejavam "superar". O Japão foi o primeiro, porém
o mesmo processo se desenvolveu em outras partes do mundo o
não-ocidental, como na China. A industrialização, que transforma
milhares de camponeses em operários nas fábricas, e as mercado- Evidentemente o comércio não é uma invenção ocidental, mas
rias produzidas em massa para alimentar uma rede de mercados o moderno capitalismo é. O comércio, visto como um sistema
em expansão plantaram a idéia de que o Ocidente era uma" civi- universal - originando-se nas grandes cidades do Ocidente, es-
lização-máquina", friamente racionalista, mecânica e sem alma.' tendendo-se por antigos e novos impérios, a clamar pela criação
Quando Sayyid Qutb, um dos mais influentes pensadores is- de uma civilização global - aparece àqueles que se julgam os
lâmicos do século passado, desembarcou em Nova Yorkvindo do guardiões da tradição, da cultura e da fé como uma conspiração
seu Egito natal em 1948, sentiu-se miserável na cidade, que lhe para destruir o que é mais profundo, autêntico e espiritual. Essa
parecia uma "imensa oficina","ruidosa" e "barulhenta". Até mesmo conspiração pode ser chamada de imperialismo romano, capita-
os pombos pareciam tristes em meio ao caos urbano. Ele sonhava lismo anglo-americano, americanismo, sionismo-cruzado, impe-
com uma conversa que não fosse sobre "dinheiro, estrelas de cine- rialismo americano ou, simplesmente, Ocidente. Evidentemente
não é uma conspiração, mas as tensões entre o local e o universal
são ·~uficientemente reais. O comércio, em sua forma moderna,
Deve-se assinalar aqui que a arquitetura modernista européia contribuiu para essa
imagem. Le Corbusier chamava alguns de seus projetos arquitetônicos de "máquinas global e capitalista, de fato modifica o modo como as pessoas
nas quais se vive". Ele também comparou o Estado eficiente a um empreendimento
dirigem os interesses políticos e sociais, mesmo que os resultados
industrial. Tais idéias e designs foram exportados para muitas partes do mundo não-
ocidental, onde foram implementados de forma vulgar. (NA) não sejam tão exatos como os defensores e inimigos acreditam.
38 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 39

Há tanto tempo se associam os judeus, tanto na sociedade cristã Esses delírios franceses infectaram outros europeus, especial-
quanto na muçulmana, ao comércio e às finanças, que eles invaria- mente os alemães. Em Mein Kampf(Minha luta), Hitler argumenta
velmente são incluídos nas visões hostis ao capitalismo.Mas, sendo que a França deixou-se dominar pela Bolsa de Valores judaica,
vistos como parasitas inimigos da autenticidade cultural, os judeus e "astuciosamente dirigida por judeus", vinga-se da Alemanha."
também são associados a clamores ocidentais por ideais universais, Ele acreditava igualmente que a América estava completamente
tais como o republicanismo francês, o comunismo e, até mesmo, "judaizada" e que o Império Britânico estava "se transformando
o direito secular. Os nazistas nos anos 1920 imputaram os males mais e mais em uma colônia de judeus americanos"." Sempre é
da Alemanha não só aos judeus capitalistas,fraudadores e traidores, arriscado aplicar uma análise racional às conversas de salão de
mas também aos advogados judeus que conceberam a Constitui- Hitler, mas uma coisa que ele e os escritores (cuias idéias tomou
ção de Weimar a fim de enfraquecer o Volk alemão. Um teórico emprestado) tinham em mente, era uma noção completamente
chamado Hans Blueher argumentou na década de 1920 que os distinta de comunidade. O pertencimento num Volk era "orgâni-
judeus, excluídos do abraço aconchegante das comunidades vijlkisch, co" e, por definição, exclusivo, enquanto a cidadania na república
tinham que acreditar nas leis e nas instituições racionais, que pro- francesa, nos Estados Unidos e na Inglaterra era, como as suas
metiam progresso humano. Deixando de lado, por um momento, cidades, teoricamente aberta a todos. Nas palavras de Houston
os inúmeros judeus que continuaram a viver de acordo com as Stewart Chamberlain, um dos eruditos mais caros a Hitler, a cida-
antigas leis religiosas,Blueher tinha razão. As leis seculares e o ra- dania britânica podia ser conquistada "por qualquer crioulo bas-
cionalismo político eram as ferramentas mais promissoras de eman- suto" por dois xelins e seis pence.
cipação. Mas, por esse mesmo motivo, elas eram vistas pelos anti- Judeus, América, França e Inglaterra eram, como alvos de
semitas como ameaças frias e mecânicas à pureza da fé e da raça. ira, muitas vezes intercambiáveis, e a Alemanha nazista, como
A crença no progresso, na lei e na razão não era apenas "judai- os islamistas nossos contemporâneos, estava em guerra contra
ca", mas também francesa, com raízes fincadas no Iluminismo e na todos eles. Havia na Alemanha, a "nação do meio", aqueles
Revolução. O moderno anti-semitismo na Europa - isto é, a idéia que se sentiam rodeados por inimigos, bolcheviques a leste e
de uma conspiração judaica para dominar o mundo - começou as democracias "judaizadas" da Europa e da América a oeste. A
como uma reação à Revolução Francesa. Os opositores franceses República de Weimar era vista por seus inimigos como "um po-
do republicanismo viam os judeus e os maçons como conspira- der hostil a serviço do Ocidente". Antes de enfrentar as hordas
dores que desejavam minar a Igreja católica e outras instituições asiáticas de Stálin, a Alemanha foi à guerra contra o Ocidente.
tradicionais. A emancipação dos judeus promovida por Napoleão, Esse assalto aos Estados democratas liberais, vistos como artifi-
e sua intenção de impor padrões e leis universais a toda a Europa, ciais, r;cionalistas, racialmente híbridos, materialistas e repletos
provocou crenças paranóicas de que ele fosse um títere nas mãos de judeus gananciosos, era um claro exemplo de ocidentalismo
dos judeus e inclusive de que ele próprio fosse judeu. assassino no coração do continente europeu.
40 Ocidentalismo
A Cidade Ocidental 41
'.

o nistradores, negociantes, engenheiros e oficiais militares, enquan-


to o Campo produzia matéria-prima, mão-de-obra barata e um
infindável suprimento de soldados rasos. Cada poder colonialista
Leon Trotski certa vez descreveu a história do capitalismo como a
tinha uma idéia um tanto diversa de sua "missão civilizadora".
vitória da cidade sobre o campo. Para Marx e Engels,assim como
Os interesses britânicos e holandeses eram amplamente comer-
para Trotski, o campo era um lugar não-civilizado povoado de
ciais, enquanto os franceses estavam convencidos de que todo
idiotas. E assim, incidentalmente, eram a Ásia e outras partes do
o mundo se beneficiaria da civilização francesa, que consideram
mundo não-ocidental. Em Manifesto comunista, Marx e Engels ob-
universal. Talvez porque a América, como a França, nasceu a par-
servaram que "a burguesia sujeitou o campo às regras da cidade ...
criou cidades enormes ... tomou os países bárbaros e semibárba- tir de uma revolução, os americanos se assemelhavam mais aos

ros dependentes dos civilizados"." E isso, previram esperançosos, franceses em seu zelo missionário do que aos holandeses e bri-
prepararia o terreno para a revolução global. tânicos. Desconsiderando essas diferenças, todos os imperialistas
As coisas não ocorreram exatamente dessa maneira , mas viam-se como agentes civilizadores, em oposição aos sacerdotes
a idéia de que os torrões natais das forças colonialistas do Oci- atrasados, supersticiosos e "semibárbaros" da cultura local.
dente representavam, por assim dizer, a Cidade, e as colônias, A oposição a essa idéia veio logo depois. Os pensadores ro-
o Campo, é persuasiva, mesmo que algumas das mais vastas mânticos na Alemanha do século XVIII e do início do século XIX
cidades tenham emergido, desde então, nas antigas periferias resistiam aos desígnios imperialistas da França na esfera cultural,
coloniais. Essas enormes conurbações, muitas vezes pouco mais no momento mesmo em que as tropas prussianas enfrentavam
que favelas suburbanas surgindo a partir de centros históricos o exército de Napoleão. A França, para os românticos alemães,
decadentes, abrigam consumidores que se encontram nos mais representava a agressiva Cidade em expansão, guiada pelo seu
baixos níveis da nova economia global: OVOspiratas de filmes de falso maneirismo racionalista e metropolitano. A Alemanha era
ação de Hollywood, roupas esportivas baratas à moda america- o espaço bucólico dos poetas, artesãos e camponeses. A obra
na e 24 horas de ensurdecedora música pop americana ou suas de Johann Gottfried von Herder (1744-1803>, por exemplo, de-
versões locais. Para os jovens ociosos dessas terras desoladas , a monstra claramente essa justaposição. Herder era um entusiasma-
globalização, como a mais próxima manifestação da metrópole do folclorista que acreditava que as nações eram comunidades
ocidental, pode ser uma fonte de infindável sedução e cons- orgânicas, que se desenvolveram como árvores, enraizadas no
, ~
"'"

tante humilhação. Para os de nível educacional mais elevado , a solo natal. As línguas e as culturas continham um espírito, único
globalização tornou-se um novo sinônimo para imperialismo. para cada comunidade. Encerrados nessas comunidades, em suas
Quando a Europa ainda tinha impérios formais, a Cidade línguas, e no Volksgeist que 1hesdava vida estavam conhecimentos
provia idéias, conhecimento técnico, inovações científicas, admi- ancestrais e calorosas virtudes humanas. Infelizmente, no entanto,
42 Ocidenta/ismo A Cidade Ocidental 43

"o frio mundo europeu" foi congelado pela "filosofia",entendida tão é: que ideais europeus? Muito freqüentemente estes tendiam
como filosofia francesa com seus apelos à razão universal. a ser variações, seja do universalismo brutal, seja de seus antídotos
Atrelada a essa fria filosofia, como um gêmeo pernicioso, mais letais: nacionalismo étnico e pureza religiosa.
estava o implacável sistema comercial europeu, que trouxe A China é um bom exemplo de ambos. Foi lá, sob a lide-
morte e destruição para as calorosas culturas de três continen- rança de Mao Tsé-Tung, que a guerra entre a Cidade e o Campo
tes. Herder era um típico "orienta lista", entendido como um tornou-se mais sangrenta. O domínio imperial chinês justificava-
crítico anticolonialista moderno, visto que projetava uma visão se por uma ordem cósmica. A China estava no centro do mun-

exclusiva e imutável sobre o mundo além da Europa. Não lhe do, e o trono do dragão ocupava o centro espiritual e político

diziam respeito as virtudes do "hibridismo" ou do "multicultura- do império chinês. O desafio científico a essa ordem cósmica,
importado do Ocidente, era igualmente um desafio político. Da
lismo", Ele via a maior parte dos povos nas zonas tropicais como
mesma forma, é claro, eram o liberalismo, o individualismo e o
"filhos da natureza" que ainda guardavam uma reverência sin-
Cristianismo. A rejeição às influências ocidentais, cada vez mais
gela e pueril por reis-deuses e sábios despóticos. Mas não dizia
freqüente, era uma forma de defesa do monopólio de poder do
essas coisas a fim de promover o direito de o branco educar os
divino monarca e de sua corte. Logo os eruditos oficiais da Chi-
nativos ignaros. Ao contrário, ele se opunha violentamente ao
na do século XIX encontraram uma fórmula engenhosa: conhe-
imperialismo ou, efetivamente, a qualquer clamor de sabedoria
cimento ocidental para questões práticas, como armamentos, e
universal. Comparados à fria Europa racionalista, os filhos da
sabedoria chinesa para assuntos espirituais e morais. Posterior-
natureza tinham uma vida melhor, mais pura e mais autêntica.
mente essa fórmula também foi adotada pelos japoneses.
Era um erro arrogante acreditar que todos os homens deveriam
Era uma tarefa desanimadora. Não se pode separar um
ser livres, visto que nossas supostas liberdades somente levavam
tipo de conhecimento do outro, não se pode importar o que
à desumanidade e ao materialismo estéril. é meramente utilitário enquanto se mantêm afastadas as idéias
Na verdade, no entanto, os ideais políticos europeus eram potencialmente subversivas que o acompanham. Mas o esforço
inevitavelmente transmitidos às questões coloniais, com a ciência, permanece até hoje: o governo chinês quer os benefícios da
a religião, a economia e a literatura. Essa transmissão nem sempre tecnologia da informação sem as idéias que esta proporciona
ocorria perfeitamente. Embora ocorressem inúmeras distorções, para todos. Equivocada ou não, a classificação do conhecimento
do Cairo a Tóquio os ideais capitalistas e democráticos do Oci- ocidentql.como meramente prático confirmou a noção de um
dente transformaram o funcionamento das sociedades. As pou- Ocid~nle frio e mecânico. Outro fator recorrente na sociedade
cas nações não-ocidentais que evitaram o jugo ocidental, como o chinesa e em tantas outras não-européias, desde o seu confron-
Japão e, em certa extensão, a China, ainda tinham que incorporar to com as modernas idéias ocidentais, é o rompimento entre
ideais europeus a fim de manter o Ocidente a distância. A ques- nativistas e ocidentalizados. Aqueles sonham em voltar à pureza
44 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 45

de um passado imaginário: o Japão do divino imperador, o Ca- Mao estava em guerra contra o imperialismo ocidental, é claro, e
lifado islâmico unificado, a China como uma comunidade de era um grande demolido r das tradições chinesas. Mas o que o fez
camponeses. Estes são iconoclastas que vêem a tradição local original, comparado a Stálin, foi a sua guerra contra a Cidade. Ig-
como um impedimento para a radical modernização. norando o conselho dos agentes do Komintern e dos camaradas
O problema para os modernizadores radicais era como mo- comunistas chineses, que defendiam o proletariado urbano, Mao
dernizar sem se transformar num mero clone do Ocidente. Ha- decidiu mobilizar a China rural e transformar a vitória da cidade
veria um modo de construir uma nação moderna sem abrir-se sobre o campo. Xangai, em particular, era vista como um símbolo
ao Cristianismo e outras formas de "poluição espiritual"?' Esse do imperialismo ocidental, da corrupção capitalista, da depravada

problema era mais agudo nos países islâmicos, onde as modernas luxúria urbana, do artificialismo cultural e da decadência moral.

conquistas dos impérios cristãos eram vistas como uma intolerá- Xangai, com suas favelas apinhadas, cafés, restaurantes franceses,
filmes de Hollywood, casas de chá russas, comerciantes e meretri-
vel humilhação. Diante de tais circunstâncias, o apelo socialista,
zes de todas as raças e credos, era a mais venal, a mais desalmada,
tanto em sua roupagem árabe quanto chinesa, não nos surpre-
a mais ocidentalizada de todas as prostitutas urbanas. O fato de
ende. O marxismo é igualitário e inquestionavelmente moderno.
um dos mais ferozes apóstolos do maoísmo, Jiang Qing, a própria
Veio do Ocidente e, como o cristianismo, tem apelos universais.
esposa de Mao, ter sido um dia uma estrela de cinema de Xangai
Mas sua promessa de libertação da humanidade é "científica",
e boêmia apenas vem comprovar que o ódio violento e o desejo
não cultural ou religiosa. O socialismo estatal foi um modo de os
mais profundo podem estar intimamente relacionados.
países não-ocidentais se tornarem parte do moderno mundo in-
O horizonte da revolução rural de Mao estendeu-se muito
dustrial sem mimetizar as metrópoles do imperialismo capitalista.
além de Xangai. Sua idéia de uma revolta rural não se limitava
Essa rota alternativa para a modernidade foi experimentada no
à China. Mao via a si mesmo como um líder de todo o Terceiro
Egito, no Iraque, na Coréia do Norte, na Etiópia, em Cuba, na
Mundo. E assim também o viam todos os seus simpatizantes no
China, no Vietnã e em muitos outros lugares. E falhou. As formas Ocidente. Para todos aqueles que odiavam o burguês ocidental,
mais violentas de ocidentalismo, de anseios nativistas por pureza o maoísmo prometia uma saída para a alienação capitalista, a
e de ódio ao Ocidente nasceram deste fracasso, ou, como se deu decadência urbana, o imperialismo ocidental, o individualismo
na China, fizeram parte deste processo. egoísta, a razão fria e a anomia moderna. Com Mao, todos os
De todas as revoluções do Terceiro Mundo, a do presidente calorosos laços humanos seriam restaurados, a vida teria nova-
, *
Mao foi o modelo mais inspirador para os sonhos ocidentalistas. menti= um sentido profundo, e as pessoas teriam fé. O Campo
finalmente contra-atacaria, do mesmo modo que Deus certa vez
teve sua vingança sobre a Babilônia, e como uma nova geração
Expressão do falecido líder chinês Deng Xiaoping para se referir a idéias nocivas,
tais como liberdade de expressão e democracia liberal. (N.A.) de guerreiros santos está tentando atualmente.
46 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 47

o alvo mais imediato de Mao era a ocidentalizada burgue- mos ainda mais radicais. As fotografias dos modestos guerrilhei-
sia urbana. No outono de 1951, ele desencadeou uma série de ros do Khmer Vermelho marchando sobre Phnom Penh mos-
campanhas sangrentas contra capitalistas e intelectuais burgue- tram jovens camponeses, mirrados e esguios, encarando com
ses. "Equipes de caçadores de tigres" foram enviadas para reunir selvagem desespero a paisagem da grande cidade cujos habi-
prováveis suspeitos a serem levados à humilhação pública, à tantes estavam prestes a evacuar. Phnom Penh tinha uma arqui-
tortura e - para centenas de milhares de pessoas - à morte. Os tetura ocidental, restaurantes franceses, comerciantes chineses
intelectuais, declarou Mao, precisavam ser limpos da ideologia e uma economia urbana relativamente moderna. Os soldados
burguesa, especialmente do individualismo e do pró-arnerica- do Khmer Vermelho vinham das áreas mais miseráveis do país,
nismo. Os peixes pequenos seriam enviados para campos de lugares remotos onde a vida moderna era desconhecida. Muitos
trabalho forçado, mas os piores criminosos eram sumariamente mal tinham chegado à adolescência. A maior parte não sabia ler
fuzilados. O ataque à classe média urbana prosseguiu por mais nem escrever. E seus mestres Ihes disseram que os moradores
de uma década. Um discurso proferido por Mao aos líderes do cultos da cidade - significando qualquer pessoa que tivesse ido
partido em 1955 apresentava a bruta retórica do marxisrno-Ieni- à escola, falasse francês ou, simplesmente, tivesse mãos delica-
nismo, mas dividia um mesmo ódio com outros revolucionários das e usasse óculos - eram inimigos do povo. Vietnamitas e
que desmoronariam os pilares da Cidade: chineses, que viveram e negociaram nas cidades por séculos,
assim como os judeus na Alemanha, tinham que ser extirpados
Nessa questão, somos impiedosos! Nessa questão, o marxismo é
da nova sociedade como células cancerosas. Alguns dos líderes
cruel e pouco misericordioso, pois está determinado a exterminar
o imperialismo, o feudalismo, o capitalismo e, além disso, a pe- do Khmer Vermelho, incluindo Pol Pot, estudaram em Paris,
quena produção. Alguns de nossos camaradas são extremamente onde incorporaram idéias antiocidentais, anticolonialistas e an-
gentis, não são suficientemente duros, em outras palavras, não são tiimperialistas de teóricos como Frantz Fanon, que chamava as
tão marxistas. É algo muito bom, e também muito significativo,
cidades de o lar de "traidores e velhacos"."
exterminar a burguesia e o capitalismo na China .... Nosso objetivo
é exterminar o capitalismo, obliterá-Io da face da Terra e torná-Io Após o Khmer Vermelho ter feito seu trabalho e deixado
algo do passado." Phnom Penh uma cidade fantasma, suas escolas se transformaram
em câmaras de tortura, mais de dois milhões de pessoas foram
Para a China, leia-se Cabul, Phnom Penh, e todas as outras assassinados ou trabalharam até a morte. Esse ato de vingança
cidades construídas pelos homens que deveriam ser demolidas deu-se em menos de três anos. Como o ataque da AI Qaeda às
ou transformadas em vastos templos de sacrifício aos deuses Torres Gêmeas de Nova York,foi uma vingança tanto real quanto
. ancestrais ou aos modernos messias políticos. A revolução do simbólica. Phnom Penh, para o Khmer Vermelho, era diabólica,
Campo sobre a Cidade proposta por Mao seria levada a extre- não-autêntica, capitalista, mestiça, ocidentalizada, degenerada e
48 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 49

comprometida pelo colonialismo. Os moradores das cidades não serão amaldiçoadas pela sharia islâmica e jamais esperem seguir
precisavam ser tratados com humanidade, visto que já tinham para o Paraíso"." A música foi banida, bem como a televisão, a
perdido suas almas. Por meio de um sistemático assassinato em pipa, o xadrez e o futebol. O adultério seria punido com apedre-
massa e da destruição das cidades corrompidas, o Khmer Verme- jamento, e a ingestão de álcool, com chibatadas. A única lei era
lho restauraria a pureza e a virtude da terra ancestral. a sharia, ou a lei religiosa. Cabul seria governada por uma shura
O Talibã agiu com a mesma rapidez em Cabul e, pratica- de seis homens, nenhum dos quais era de Cabul. Nenhum deles
mente, com a mesma crueldade. Após uma brutal guerra civil, jamais morara antes em uma cidade.
durante a qual Cabul foi devastada por constantes ataques vin- Tais casos de revoltas extremas feitas pela população ru-
dos das montanhas circundantes, o Talibã subitamente tomou ral contra a cidade moderna são, na realidade, muito raras. A
a cidade numa noite de setembro de 1996. Seu líder, o mulá maior parte das revoluções - religiosas, políticas ou político-
Mohammed Ornar, era o filho caolho de um camponês. Como religiosas - são concebidas pelas mentes de desgostosos habi-
seus seguidores, com seus turbantes negros e sandálias, ele jamais tantes das cidades. Nikola Koljevic, para mencionar apenas um
estivera em Cabul. Mesmo assim, literalmente cobrira-se com o caso típico, era um especialista em Shakespeare de Sarajevo.
manto do profeta: o traje que se acreditava pertencer a Moisés foi Passou temporadas em Londres e nos Estados Unidos. Seu
removido de um santuário afegão e exibido por mulá Ornar em inglês era fluente. Era cidadão da localidade mais cosmopolita
suas raras aparições públicas. O primeiro ato de violência simbó- dos Bálcãs, uma cidade secular de bósnios, servos, judeus e
lica - e terrivelmente real - após a queda de Cabul, foi a tortura croatas, uma cidade famosa por suas bibliotecas, universida-
do ex-presidente esquerdista Najibullah. O Talibã cortou-lhe os des e cafés, uma cidade de conhecimento e comércio. No
testículos e arrastou seu corpo castigado, atrelado a um jipe. De- entanto lá estava ele, em meados dos anos 1990, no alto das
pois o fuzilaram e penduraram o corpo num poste de iluminação montanhas circundantes, assistindo à sua cidade em chamas.
pública. Como sinal de sua devassidão e corrupção citadina, os A ordem de bombardear Sarajevo, em nome da pureza étnica
bolsos do ex-presidente foram preenchidos com dinheiro, e cigar- e da "ressurreição do reino da Servia" foi proferida por Nikola
ros foram colocados entre os seus dedos despedaçados. Koljevic, uma especialista em Shakespeare.
O objetivo do assalto do Talibã a Cabul era transformá-Ia em
uma Cidade de Deus. Todos os sinais de ocidentalização, como
, .
o
"os penteados ingleses e americanos", deveriam ser apagados. As
mulheres foram banidas do trabalho e afastadas da esfera públi- É claro que os bombardeios são uma forma grosseira de des-
ca. A polícia religiosa decretou que "mulheres que saírem com truição. Há inúmeras outras maneiras de atacar nossas moder-
roupas da moda enfeitadas, apertadas e sensuais, para se exibir ... nas Babilônias que são, no mínimo, tão mortais quanto. Esses
50 Ocidentalismo A Cidade Ocidental 51

ataques podem tomar a forma, por exemplo, da construção de Germânia deixou poucos vestígios. Uma fileira de postes
novas cidades, ainda maiores e grandiosas que as antigas, cida- de iluminação e algumas embaixadas - da Itália e do Japão
des que celebram o poder - dos tiranos ou dos deuses - em vez - são tudo o que restou dos grandiosos planos de superioridade
da liberdade. A cidade sitiada, afinal de contas, não é apenas um de Hitler. Mas o desejo de rivalizar com as capitais ocidentais
agrupamento urbano de edificações, mas uma idéia de cidade por meio da criação de cidades numa escala babilônica não
como uma metrópole cosmopolita. morreu com ele. Cidades assim surgiram não na Europa, mas na
Hitler odiava Berlim, mas em vez de abandonar ou saque- Coréia do Norte, na China e no Sudeste asiático. Pyongyang, a
ar sua capital, ele planejou transformá-Ia. Velocidade, indústria capital da Coréia do Norte, tem a aparência que deveria ter tido
e tecnologia seriam as marcas da conquista nazista. Tudo de- Germânia, uma necrópole neoclássica de descomunais templos
veria ser maior e mais veloz, mas também totalmente contro- de mármore e granito ao serviço de um poder totalitário. Como
lado pelo Estado nazista. As multidões descontrola das seriam uma advertência à soberba ditatorial lá está a torre vazia do
arregimentadas em uma única massa de devotos. E a própria Hotel Ryugyong, uma gigantesca pirâmide de 105 andares que
cidade se transformaria numa gigantesca metrópole, denomi- se tornou uma casca de concreto vazia desde que o dinheiro
nada Germânia, cujas cúpulas atingiriam alturas tais que as nu- se esgotou e o prédio foi considerado inseguro demais para ser
vens flutuariam em seus interiores. Grandes áreas, onde as pes- finalizado. Os gigantescos arranha-céus em Pudong, um novo
soas viviam e trabalhavam, seriam demolidas para abrir caminho distrito industrial de Xangai, constituem um outro tipo de tri-
para enormes avenidas, apropriadas unicamente para paradas buto ao grosseiro poder econômico de um Estado autoritário:
militares e comícios de massa. A idéia era construir uma cidade capitalismo estatal despido de liberdade política. Há projetos
para rivalizar com a Cidade de Deus. Germânia seria o mórbido para que os mais altos edifícios do mundo sejam erguidos ali. As
simulacro de uma grandiosa capital, povoada por uma raça pu- torres de aço e vidro em Cingapura e Kuala Lumpur são versões
ra, uma cidade da qual a vida espontânea seria totalmente dre- mais suaves desse mesmo ideal. Todas essas cidades, cada qual
nada, uma Babilônia da morte. Portanto, todos os atributos do à sua maneira, superaram o Ocidente ao criarem cópias brutais
Ocidente liberal - liberdades civis, livre economia de mercado, da civilização que esperam sobrepujar.
democracia, liberdade artística, individualismo - seriam" supera-
dos" para abrir caminho para algo completamente extravagante.
Berlim, Hitler vangloriava-se, "como uma capital mundial, fará
que se pense somente no antigo Egito, só será comparável a
Babilônia e a Roma. Em comparação com esta capital, o que
representarão Londres ou Paris?"."
"

Heróis e Comerciantes

N a primeira semana de guerra no Afeganistão, um


jornalista britânico entrevistou um combatente
do Talibã na fronteira com o Paquistão. O jovem jihadi
estava cheio de confiança. Os americanos, disse ele, ja-
mais venceriam, pois "eles adoram Pepsi-Cola, mas nós
adoramos a morte". Essa visão do Ocidente como delica-
do, débil e doce, uma civilização decadente entregue ao
prazer, refletia sentimentos semelhantes de guerreiros em
outras guerras santas contra o Ocidente. Os bombardei-
ros japoneses, que sintonizavam no rádio as estações de
jazz de Honolulu antes de destroçarem a esquadra norte-
americana em Pearl Harbor, sentiam o mesmo. Três anos
depois, quando o Japão era apenas uma grande ruína, os
estrategistas navais japoneses acreditavam que os Estados
Unidos ainda poderiam ser derrotados pela demonstra-
ção do espírito superior dos japoneses: ataques kamika-
zes feitos por jovens soldados a quem se pedia que abra-
çassem a morte como um sacrifício sagrado.

53
54 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 55

Guerras contra o Ocidente também fazem parte da história Sua evocação do sacrifício e da morte bela era mais poética que

européia, e o culto à morte não é uma exclusividade de asiáticos belicosa.

enlouquecidos. Em novembro de 1914, o exército alemão lan- A resposta da Alemanha à força superior do exército de

çou uma série de ataques ineficazes contra os ingleses em Flan- Napoleão e aos clamores universalistas da civilização francesa

dres. Mais de 145 mil homens morreram na neblina e na lama, era ver a si mesma como uma nação de Dichter und Denker,

muitos dos quais eram jovens voluntários vindos de organiza- poetas e filósofos. Escritores, artistas e juristas franceses podiam

ções da juventude patriótica. Alguns, como os pilotos kamika- acreditar que tinham o direito de estabelecer padrões europeus

zes trinta anos depois, eram os mais brilhantes estudantes das comuns. Os valores republicanos franceses, as leis francesas, a

melhores universidades. Esse exercício de carnificina em massa literatura francesa, o Iluminismo francês, podiam, aos olhos dos

ficou conhecido como a batalha de Langemark. Segundo a len- franceses, ser o modelo de uma civilização racional universal,

da, 'disseminada pelos nacionalistas alemães no período entre mas os poetas e os pensadores alemães tomaram a liberdade

guerras, os jovens soldados marcharam para a morte quase certa de discordar. Eles se mobilizaram em nome da Kultur , de raízes

cantando a "Deutschlandlied". As famosas palavras de Karl Theo- e do tipo heróico do idealismo romântico já discutido. Abbt e

dor Kôrner, escritas cem anos antes na Guerra de Libertação Herder estavam interessados na cultura e no espírito nacional.

contra Napoleão, freqüentem ente eram evocadas na lembran- Mas ao fim da segunda metade do século XIX, o idealismo ale-

ça: liA felicidade se encontra apenas na morte como sacrfício."l mão tomara um viés militarista. Com a vitória prussiana sobre

Como todas as propagandas, a retórica do auto-sacrifício a França, a fundação do Reich alemão, e a coroação do Kaiser

heróico tem precedentes históricos. Após a Guerra dos Sete Guilherme I na Sala dos Espelhos, no Palácio de Versalhes, tudo

Anos - na qual forças européias se enfrentaram basicamente em 1871, a Alemanha começou a sua longa marcha para Lan-

por posses coloniais - ter devastado grandes áreas da Alema- gemark e finalmente, em 1945, à quase destruição total. Os li-

nha no século XVIII, o matemático Thomas Abbt escreveu um berais alemães, no Parlamento, na imprensa, nas artes e mesmo

famoso ensaio chamado Dying for the Fatherland (Morrendo pela na indústria, tentaram, às vezes heroicamente, desviar a nação

pátria). Ao se dirigir aos seus camaradas prussianos, ele exaltou desse curso e construir uma sociedade mais liberal, mas os seus

o "prazer da morte ... que chama nossa alma como uma Rainha esforços fracassaram. Desde fins do século XIX, generais, corte-

de sua prisão ... e finalmente oferece o sangue de nossas veias sãos e uma grande variedade de promotores oficiais do Estado

à pátria agonizante, para que ela possa tragá-Io e renascer'< No bélico 'i'nsistiam que a Kultur alemã fundava-se na disciplina mi-

entanto, longe de ser um militar prussiano, Abbt era um filósofo litar, no auto-sacrifício e no heroísmo.

gentil no coração do I1uminismo alemão, um liberal diante de seu De fato, as divergências entre a Alemanha, a terra de he-

tempo, amigo de escritores judeus como Moses Mendelssohn. róis, e seus vizinhos eram em muitos aspectos mais imaginárias
56 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 57

"
que reais: França e Inglaterra também tinham seus propagandis- turkampf mortal. "O pensamento alemão e o sentimento ale-
tas do sacrifício e do valor. Os negociantes alemães não eram mão expressam-se em primeiro lugar por uma total rejeição
menos desejosos por lucros do que os rivais ingleses. França de tudo o que se aproxime do pensamento ou do sentimento
e Inglaterra tiveram a sua parcela de pensadores românticos da Inglaterra ou, na realidade, da Europa ocidental", escreveu.'
e contra-iluministas. E Abbt, em todo caso, não se via como Mas o que são esse pensamento e esse sentimento ocidentais?
um inimigo do Ocidente. Mas os futuros nacionalistas se viam As "idéias de 1789" falam por si. Falam por si? A Revolução
dessa forma, e foi isso que fez a propaganda heróica alemã Francesa e a mentalidade mercantil podem dar a alguém a
diferenciar-se de suas contra partes na Europa ocidental, a idéia impressão de ser inimigas, mesmo incompatíveis. Na visão de
de que a Alemanha era diferente, o Reich no centro, cultural- Sombart, no entanto, "Liberdade, Igualdade e Fraternidade
mente distinto do Ocidente, além das fronteiras civilizadoras do são verdadeiros ideais comerciais que não têm outro objetivo
antigo Império Romano. Era isso que fazia Konrad Adenauer, senão oferecer certas vantagens específicas aos indivíduos"."
um político alemão conservador, mas anti-romântico, da região Ao falar da "Weltanschauung comercial", Sombart torna-se mais
ocidental do Reno, murmurar "Ásia" toda vez que o seu trem eloqüente. O comerciante típico, diz ele, está unicamente in-
cruzava o Elbe em direção à Prússia. teressado no "que a vida pode oferecer-lhe" em termos de
Um documento-chave da guerra da Alemanha contra o Oci- bens materiais e conforto físico'. Sombart emprega o termo
dente foi escrito no segundo ano da Primeira Guerra Mundial, "Komiortismus' para a mentalidade burguesa.
pelo eminente cientista social Werner Sombart, com o título de O conforto é uma experiência largamente passiva e algo en-
Hãndler und Helden (Comerciantes e heróis). Sombart começa o tediante. O prazer tende a ser mais ativo, mais excitante e possivel-
livro descrevendo a guerra como uma batalha existencial, não mente mais espiritual. O autor Ernst Jünger, que lutou na batalha
apenas entre nações, mas entre culturas e visões de mundo, ou de Langemark e celebrou o heroísmo militarista em seus livros,
Weltanschauungen. A Inglaterra, terra dos lojistas e comerciantes, declarou: 'Todo prazer sobrevive na mente, e toda aventura, na
e a França republicana representavam a "civilização da Europa proximidade da morte que paira ao seu redor." A morte provi-
Ocidental", "as idéias de 1789", "os valores comerciais"; a Ale- dencia o ímpeto; a fronteira espiritual entre o prazer e o Komfor-
manha é uma nação de heróis, preparados para se sacrificar por tismus. [iinger, como alguns outros intelectuais alemães do início
ideais mais elevados. Vale a pena analisar em detalhe Hãndler do século xx, tinha profunda influência nos meios islâmicos.
und Helden, porque é, em todos os aspectos, o primeiro exem- Seu livro .
. , Über die Linie (Além da fronteira) foi traduzido por Al-e
plo de ocidentalismo. Ahmed, um proeminente intelectual iraniano, na década de
Sombart, como todas as pessoas que compartilhavam suas 1960. Al-e Ahmed cunhou o termo "Ocidentoxicaçâo" para a
opiniões, era muito enfático em relação à natureza dessa Kul- influência perniciosa das idéias ocidentais. Ele era um grande
Heróis e Comerciantes 59
58 Ocidentalismo

, Se você acha vantajoso dirigir a atividade intelectual e a moral dos


admirador de [ünger, 5eu amigo Mahmud Human, que o aju- homens para as necessidades da vida física e usá-Ias para produzir
dou na tradução, disse que, depois de trabalhar com a obra de o bem-estar; se você acredita que a razão é mais útil ao homem
[ünger, ele "percebera um só tema com dois olhos; dissera uma do que o engenho; se o seu objetivo não é criar virtudes heróicas,
mas sim hábitos tranqüilos ... se, em sua visão, o principal objetivo
só coisa com duas linguagens"."
do governo não é atingir mais força ou glória para a nação como
Para atingir o conforto, os negociantes e lojistas do Ocidente
um todo, mas proporcionar a cada um de seus indivíduos o bem-
precisavam acumular dinheiro. De fato, segundo Sombart, ele são estar supremo ... então é bom igualar as condições e instaurar um
"loucos por dinheiro". Eles também precisam de segurança e paz. governo democrático."
A guerra é ruim para os negócios. Na visão de Sombart, Komfortis-
mus e gratificação pessoal contaminam tudo que os comerciantes
Tocqueville não deplorava essas limitações. De fato, ele era
fazem. Os esportes ingleses, por exemplo, ao contrário da cultura
um liberal convicto. Entretanto, sentia falta da grandeza da aris-
alemã da disciplina e das artes marciais, são típicos de pessoas que
tocracia e do ímpeto de ideais mais elevados. Ele observou, em
buscam apenas bem-estar físico e competição individualista espú-
sua visita à América, em meados do século XIX, "a raridade, nu-
ria, sem objetivos mais elevados. Mas é o hábito covardemente
ma terra em que todos são ativamente ambiciosos, de qualquer
burguês de apegar-se à vida, de não desejar morrer por grandes
ideais, de afastar-se dos conflitos violentos e de negar o lado trági- ambição superior".
Essas queixas podem ser ouvidas nos dois extremos do
co da vida, que parece mais desprezível a Sombart, Oswald 5pen-
gler, [íinger e outros pensadores alemães do período. De fato, o espectro político. Uma das razões que fez com que tantos in-

comerciante não tem ideais. Ele é, em todos os sentidos, super- telectuais ocidentais apoiassem 5tálin e Mao e, até mesmo, em
ficial. Comerciantes, sejam pequenos burgueses ou cosmopolitas menor grau, Hitler e Mussolini, foi a sua insatisfação com a me-
atarefados, não se interessam por nada além da satisfação de seus diocridade democrática. Um proeminente defensor das causas
desejos individuais, que "minam a própria base de um sentimento revolucionárias do Terceiro Mundo, dos terroristas árabes e
de mundo moral mais elevado e da crença em ideais"? de outros inimigos da democracia liberal é o advogado fran-
A democracia liberal é o sistema político mais apropriado cês Jacques Verges-,Nos tribunais, defendeu militantes argeli-
aos povos mercantis. É um sistema competitivo no qual diferen- nos, bem como Klaus Barbie, o ex-oficial da 55. Verges pode
tes partidos se digladiam e no qual os conflitos de interesse po- ter tido motivos pessoais para sua hostilidade em relação ao
dem ser resolvidos somente por meio da negociação e do com- Ocidente. Ele nasceu em Réunion, uma antiga colônia penal
promisso. É, por definição, não-heróico e, portanto, aos olhos de
francesa "no' oceano Índico, e sua mãe era vietnamita, uma
seus detratores, desprezivelmente fraco, medíocre e corrupto. Até
circunstância que impediu a ambição de seu pai de ser um
mesmo Alexis de Tocqueville, que tão admiravelmente escreveu
diplomata francês. Mas o motivo para trazer à baila essa figura
sobre a democracia americana, via as limitações do sistema:
Heróis e Comerciantes 61
60 Ocidentalismo

notória, mas marginal, é o seu eloqüente argumento contra a os comerciantes de Sombart) não são facilmente convencidos a

banalidade da democracia. Verges execra o "cosmopolitismo", arriscar suas vidas em combate. Em Democracia na América, es-

Ele considera a honra acima da moralidade e tem um pendor creveu: "Quando o princípio de igualdade se expande, como

para a ação violenta. E ele expressou isso numa longa entrevis- atualmente na Europa, não apenas no interior de uma nação,

ta sobre o seu envolvimento em guerras e revoluções, "Temos mas concomitantemente no meio de vários povos vizinhos, os

sede de heroísmo, sede por sacrifício."? habitantes desses vários países, apesar das diferenças de lingua-

"Desde criança", continua verges, "sentia-me atraído pela gem, de culturas e de leis, sempre se assemelham uns aos outros

grandeza. Concordo com o que disse, certa vez, aquele jovem no mesmo temor pela guerra e no amor pela paz. Em vão, algum

oficial naval alemão conservador que assassinara o ministro príncipe ambicioso ou enfurecido se arma para a guerra; apesar

do Exterior, Walter Rathenau, após a derrota alemã em 1918: de suas intenções, eles serão dissuadidos por uma certa apatia e

'Luto para dar ao povo um destino, não para dar-lhe felicida- boa vontade generalizada que Ihes derruba a espada das mãos.

de.' Destino era o que me fascinava, que não é o mesmo que Guerras tornam-se mais raras."
felicidade, especialmente desde que a felicidade na Europa se Os inimigos da democracia, ou do Ocidente, como definidos

tornou uma idéia poluída pela social-democracia." 10 pelos chauvinistas alemães do início do século xx, concordariam.
Felicidade, na acepção utilizada por verges, é, obviamente, No entanto, eles viam essa apatia e boa vontade generalizada

Komfortismus. Ele se considera um homem de esquerda, mas co- como uma decadência. Foi isso o que o jihadi quis dizer quando

mo a citação acima demonstra, verges é suficientemente inteligen- se referiu à adoração americana à Pepsi-Cola. Alguns intelectuais

te e honesto para reconhecer as suas afinidades com a extrema alemães imputavam a derrota de seu país na Primeira Guerra

direita. O que está faltando ao Ocidente democrático é sacrifício Mundial ao efeito corrosivo da "Ocidentalização". Por exemplo,

e heroísmo. Ao contrário de Mao, Hitler, ou Stálin, os políticos o irmão de Ernst [ünger, o escritor Friedrich Georg [ünger, escre-

democratas carecem do "anseio por grandeza". Tocqueville cha- veu em um ensaio, convenientemente intitulado Krieg und Krieger

mava a glória militar de o maior "flagelo para as repúblicas demo- (Guerra e guerreiros), que a Alemanha perdera a Grande Guerra

cráticas". Mas somente um ocidentalista como Werner Sombart pois se tomara demasiadamente "parte do Ocidente" ao adotar

ou Jacques vergês desprezaria um povo por não reconhecer a valores ocidentais tais como "civilização, liberdade e paz"."

morte heróica como a maior aspiração do homem. Seguindo essa linha de raciocínio, civilização, liberdade e

Na verdade, é fato que as nações democráticas foram mais paz minam a grandeza potencial de um povo, de uma nação ou

bem-sucedidas em guerras. Na história recente, as democracias de umà religião. Levam ao Komfortismus. O organismo social se

prevaleceram sobre as ditaduras. Porém, mais uma vez, Tocque- enfraquece, se extenua e se rompe. A guerra é necessária como

viIIe estava certo. Ele observou que os cidadãos democráticos (i.e., uma forja para uma comunidade mais jovem, pura e vigorosa.
62 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 63

o renascimento só pode vir a partir da destruição e do sacrifício entre outras coisas, variações do culto à morte. Isso foi parti-
humano. O jovem deve derramar "o sangue de suas veias pela cularmente verdadeiro no Japão, em muitos aspectos a mais
pátria agonizante, para que ela possa tragá-lo e renascer". Thomas "ocidentalizada" nação asiática.
Abbt, quando escreveu essas palavras, não tinha em mente uma O mais terrível e certamente o mais conhecido símbolo de
idéia particular do Ocidente. Mas é extremamente claro, pelos es- sacrifíciohumano nos conflitos armados do século XX é o piloto
critos nacionalistas alemães dos anos 1920 e 1930, que sua visão kamikaze, arremessando-se para a morte a quase mil quilômetros

do Ocidente era a de um mundo caduco, estéril, avaro, egoísta e por hora sobre o convés de uma embarcação inimiga. Muitos não
atingiram os alvos, e explodiram ou despedaçaram-se no mar. Uma
frívolo. O perigo, a seus olhos, era que as tentações desse mundo
forma alternativa de morte violenta para os kamikazes, ou Tokkotai
caduco estivessem corrompendo e debilitando a juventude alemã
(Forças Especiais de Ataque), como os japoneses mais usualmen-
que deveria estar lutando por um futuro mais glorioso. Somente
te os denominam, era colocar-se num caixão de aço no formato
o sacrifícioem uma tempestade de aço a salvaria de ser arruinada
de um charuto e lançar-se de um submarino como um torpedo-
pela banalidade do Ocidente. Parte da retórica que atualmente
humano. Assim um desses torpedos descreveu seus últimos mo-
vem dos Estados Unidos, especificamente de círculos neoconser-
mentos de vida, tendo nas mãos !-1mramo florido de cerejeira:
vadores, aproxima-se dessa visão, um curioso desenvolvimento
para uma nação de conformistas competitivos, sem "ambições A ansiedade nos excita. Shinkai e eu prometemos um ao outro
que afundaríamos os maiores navios que pudéssemos encontrar.
superiores", que impressionaram Tocqueville.
Pensei em minha idade, 19 anos, e nos dizeres: "Morrer enquanto
as pessoas ainda lamentam sua morte; morrer enquanto você é
o ainda puro e fresco; isso é verdadeiramente um Bushido." Sim, eu
seguia o caminho do samurai.... Eu lembrava com prazer o capitão
Anzai Nobuo declamando um poema e dizendo-me que eu "cairia
Não surpreende que de todas as modernas idéias européias, tão delicadamente como a flor de uma cerejeira" em minhas mãos.
o nacionalismo étnico nos moldes alemães - incluindo o pan- Mais gritos de banzai nos colocaram a caminho. Minha mente es-
tava cheia daquilo que o tenente Fujimura Sadao ... me dissera
germanismo, que inspirou as ambições pan-arabistas do Parti-
inúmeras vezes: "Nunca se esquive diante da morte. Se estiver em
do Baath * dos primeiros tempos - tenha tanto apelo para os dúvida entre viver ou morrer, é sempre melhor morrer,"!'
intelectuais não-ocidentais que se rebelam contra os clamores
universalistas do imperialismo ocidental. A combinação às vezes Come-esse jovem de 19 anos, muitas pessoas ainda acredi-
letal de tradições locais e idéias reacionárias européias produziu, tam que as operações dos Tokkotai eram uma parte cruel mas

* Partido iraquiano cujo principal expoente foi Saddam Hussein. (N.EJ * Em japonês: "O caminho do guerreiro." (N.EJ
64 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 65

integral da cultura japonesa, um reflexo dos códigos dos antigos São antigas as imagens: o ritual do suicídio samurai, a
guerreiros, orna idéia estética de morte voluntária que é parti- beleza evanescente das cerejeiras em flor, o divino impera-
cularmente japonesa. É, de fato, difícil saber em que medida as dor, a morte no campo de batalha como uma "bola de cristal
emoções expressas anteriormente foram feitas para se confor- estilhaçando-se". As palavras da melancólica canção entoada
mar a uma fórmula esperada. Há muitos clichês nessas asserções pelos pilotos kamikazes antes de partir para a missão fatal são
para que sejam totalmente verossímeis. Cartas pessoais de pi- de um poema do século VIII.
lotos kamikazes para familiares e amigos eram freqüentemente
mais reflexivas e angustiadas, e muito menos inclinadas a aceitar No mar, cadáveres encharcados,
conceitos preconcebidos, tais como cair como flores de cerejei- Nas montanhas, sobre os cadáveres, a relva germina.
Mas firme é o meu desejo de morrer junto a nosso imperador.
ra ou seguir o caminho do samurai.
Não olharei para trás. 15
A maioria dos voluntários Tokkotai (sob variados níveis de
pressão) era formada por estudantes provenientes dos departa-
No entanto, o culto à morte responsável pelas táticas suici-
mentos de humanidades das melhores universidades. Estudantes
das nos dois últimos anos da Segunda Guerra Mundial não era de
de ciências eram considerados menos descartáveis. As cartas reve-
modo algum antigo, mas parte de uma moderna ideologia política
lam que todos leram muito, freqüentem ente em pelo menos três
militarizada devida tanto a mal compreendidas idéias européias
línguas. Na filosofia alemã, os autores favoritos eram Nietzsche,
quanto às tradições japonesas. Como todas as nações não-ociden-
Hegel, Fichte e Kant. Na literatura francesa: Gide, Romain
Rolland, Balzac, Maupassant. Na alemã: Thomas Mann, Schiller, tais no século XIX, o Japão foi confrontado por um poder supe-

Goethe, Hesse. Muitos refletiam sobre o suicídio de Sócrates rior europeu, e o japonês tentou aprender o máximo possível de

e sobre os escritos de Kierkegaard acerca do desespero. Pou- suas fontes. Forjar canhões e igualar descobertas científicas foram
cos eram cristãos praticantes e um número surpreendente tinha apenas o começo. Um dos poucos países a não ser colonizado
uma visão marxista da política e da economia." por um império europeu, o Japão foi mais longe do que qualquer
Esses jovens eram patriotas, amplamente idealistas e mui- outro para se proteger do poderio europeu com a mimetização.
tas vezes desconfiados da propaganda militarista. É certo que o O comportamento japonês ao fim da guerra contra o Ocidente
capitalismo e o imperialismo ocidentais eram vistos como o ini- demonstra que atentados suicidas não são necessariamente um
migo, mas o extremo sacrifício (ou idealismo) freqüentemente se produto da pobreza, do atraso ou da opressão estrangeira. No
justificava e se expressava por meio de idéias ocidentais. Eles se Japão, como na Alemanha, o culto à morte vicejou em meio ao
tomaram, por assim dizer, o Ocidente contra o Ocidente, e nes- mais alto níyel de sofisticação tecnológica, cultural e industrial.
se aspecto eram típicos filhos da moderna história japonesa, uma A transformação japonesa de uma nação de feudos dirigi-
vez que o Japão vinha fazendo isso desde meados do século XIX. da por uma dinastia samurai em um moderno Estado-nação ao
66 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 67

estilo europeu estava fadada a ser sempre uma colcha de reta- ritos ancestrais, na maior parte relacionados à natureza e à fer-
lhos. A constituição era largamente prussiana, a marinha seguira tilidade. A alternativa ao Deus cristão deveria ser Amaterasu, a
o modelo da Real britânica, e assim por diante. Mas o maior deusa do Sol; e o imperador, até então uma figura distante e
problema para os intelectuais e políticos do período Meiji era politicamente destituída de poder, na antiga capital Kyoto, foi
encontrar o mais adequado modelo para um Estado moderno. transferido para Tóquio numa combinação de Kaiser, Generalís-
Alguns contemplavam a Inglaterra e os Estados Unidos, atraídos simo, Papa Xintoísta e a mais alta divindade viva.
pelas mesmas instituições burguesas que Tocqueville tão simpati- O mais importante documento, o texto que colocou o Ja-
camente analisou. Outros viam mais mérito no modelo alemão pão em seu curso essencialmente desastroso, foi o Édito Im-
de nacionalismo étnico: o Volk de heróicos patriotas governados perial aos Soldados e Marinheiros, promulgado em 1882 no
por uma monarquia rnilitarizada. Os últimos prevaleceram e Palácio Imperial em Tóquio. Uma passagem fundamental, que
empreenderam o estabelecimento de um Estado autoritário nos todo soldado japonês sabia de cor, era: "Não se distraia com
moldes alemães, vestido de acordo com uma tradição parcial- opiniões populares, não se envolva em atividades políticas, mas
mente inventada e freqüentem ente distorcida. O culto de jovens unicamente seja devotado à mais importante obrigação de leal-
morrendo em nome do imperador como flores de cerejeira ou dade ao imperador, e saiba que a obrigação é mais pesada que
cristais estilhaçados fazia parte dessa nova vestimenta. as montanhas, mas a morte é mais leve que uma pena."
O moderno culto do imperador tinha por base, ao menos Tradicionalmente, os imperadores japoneses tinham atri-
parcialmente, a falta de compreensão da religião no Ociden- butos divinos, assim como milhares de outras coisas, tais como
te. Tentando analisar a origem do poder europeu, eruditos ja- montanhas, rios e pedras, bem como uma enorme família de
poneses do século XIX concluíram que o Cristianismo, como divindades. A idéia de que o imperador deveria ser adorado co-
uma religião estatal, era a liga que mantinha unidas as nações mo um deus vivo era nova. Seu papel de comandante supremo
européias como comunidades disciplinadas. Acostumados aos dos soldados e marinheiros era certamente novo. Que se consi-
códigos confucianos de obediência à autoridade, os japoneses derasse o mais elevado dever de um jovem morrer em nome do
acreditaram que o Cristianismo tinha o mesmo efeito na Eu- imperador impressionaria os japoneses em tempos mais remotos
ropa. Havia alguns japoneses, no início do período Meiji, que como algo extremamente excêntrico. O antigo poema cantado
efetivamente acreditavam que todos os nacionais deveriam se pelos pilotos kamikazes antes de decolar pode sugerir algo distin-
converter ao Cristianismo como parte de uma busca por civili- to, mas. o,"tiesejo de morrer junto a nosso imperador" referia-se
zação e iluminismo, mas era uma minoria. A visão mais comum especificamente aos guardas que protegiam as fronteiras ociden-
era a de que o Japão necessitava de sua própria religião estatal, tais no século VIII, quando os costumes imperiais chineses foram
e essa deveria ser o Estado xintoísta, uma versão politizada de copiados apenas para serem posteriormente descartados.
68 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 69

Sacrificar-se, na forma de um suicídio ritualístico, era algo do corpo. Na verdade, a auto-imolação de milhões de células
que existia, mas era permitido apenas à casta dos guerreiros. Em como essas libera a energia para toda a atividade corporal"."
todo caso, o suicídio samurai nunca era um ato de guerra, porém Um argumento bastante semelhante também foi desenvolvi-
mais uma expressão de expiação de alguma forma de desonra: do por filósofos japoneses nos anos 1920 e 1930, que combina-
algum tipo de transgressão ou uma derrota humilhante. O sui- ram Hegel com o zen-budismo. Dizer que o nacionalismo hindu
cídio era a forma de o samurai restaurar a dignidade perdida é tradicionalmente indiano seria tão absurdo quanto dizer que as
no mundo dos vivos optando pela morte. Nesse sentido, alguns táticas kamikazes são tradicionalmente japonesas. Bebeu na fonte
jovens idealistas em 1945, que acreditavam seguir o caminho do passado indiano, é verdade, da mesma forma que os kamikazes
do guerreiro, talvez não estivessem totalmente equivocados. Al- beberam na fonte do passado japonês, mas sem a influência das
guns de fato viam o ato de sacrifício como uma restauração da
idéias européias nem a RSS nem os Tokkotai jamais teriam tomado
honra de uma nação que fora claramente derrotada. Mas esse
a forma que tomou. Quando direcionadas contra o Ocidente, no
era um sinal mais de nacionalismo romântico do que de culto
entanto, como o. foram na guerra do Pacífico,essas idéias retrata-
ao imperador e, portanto, um produto tanto da moderna histó-
ram-no como covarde, preso ao conforto e destituído do espírito
ria européia quanto dos costumes japoneses antigos.
de sacrifício.Ao se apegar à vida, os ocidentais eram considera-
Os japoneses estavam longe de ser o único povo não-oci-
dos desonrosos e, assim, seres humanos menos que verdadeiros.
dental a tentar enfrentar o poder do império ocidental ado-
Esses eram os termos exatos que os nacionalistas ou fascistas
tando algumas idéias ocidentais extremas. Hindus radicais nos
alemães do pré-guerra usavam em seus ataques ao Ocidente. Ter-
anos 1920 criaram uma organização chamada RSS e transplan-
mos que se opunham à sociedade burguesa liberal, na qual, sob
taram idéias fascistas européias para uma interpretação moder-
o jugo da lei, os indivíduos seguiam os próprios interesses. E isso
na de suas próprias práticas religiosas. Como os comunistas,
aspiravam a forjar um "novo homem", instilando disciplina e foi o que tornou relativamente fácil para os militaristas japoneses,

obediência. Como os nacional-socialistas alemães, salientavam no último ano da guerra, levar jovens brilhantes e idealistas a
a raça como o componente básico da moderna nação militari- morrer por uma causa perdida. Pois esses estudantes, também,
zada. E, dos uniformes cáqui ao culto ao ar livre e ao exercício, como muitos jovens brilhantes e idealistas em toda a parte, eram
tomaram também algo do exército inglês. A idéia primordial contrários ao delicado Komfortismus do liberalismo burguês.
era submergir o indivíduo na nação hindu por meio da negação Os pilotos kamikazes não apenas lutavam contra os ame-
de desejos individuais e da validade da autonomia individual. ricanos;
.........• eles se viam como intelectuais rebeldes, enfrentando
M. S. Golwalkar, o ideólogo do movimento, escreveu: "Cada o que 'eles consideravam ser a corrupção ocidental do Japão, a
célula sente a sua identidade com todo o corpo e está sempre cobiça egoísta do capitalismo, o vazio moral do liberalismo, a
pronta a se sacrificar em nome da saúde e do desenvolvimento superficialidade da cultura americana. As leituras que fizeram
70 Ocidentalismo
Heróis e Comerciantes 71

de Nietzsche, Hegel, Fichte e Marx reforçaram essa visão. O mi-


rios norte-americanos, Bin Laden declarou: "O exército cruzado
litarismo não tinha grande apelo para eles. Ao contrário, muitos transformou-se em pó quando detonamos al-Khobar, sem que
viam o expansionismo japonês na Ásia como outra absorção de a corajosa juventude do Islã temesse qualquer perigo. Se fossem
costumes do Ocidente corrupto e imperialista. O sacrifício final, ameaçados [com a mortel, responderiam: 'Minha morte é uma
então, raramente era visto como uma tentativa desesperada de vitória.'" Os seus jovens guerreiros eram diferentes dos soldados
ganhar a guerra para o Japão. Eram inteligentes demais para cair americanos, explicou, pois o problema dos americanos "será co-
nessa. Mas muitos de fato esperavam que a pureza e a abnega- mo persuadir as suas tropas a lutar, enquanto o nosso problema
ção de suas mortes revelasse o caminho para um Japão melhor, será como refrear o ímpeto de nossa juventude". A morte, afir-
mais justo, mais autêntico e mais igualitário. Um deles, chamado mou, "é a verdade e o destino final, e a vida encerrar-se-á de
Sasaki Hachiro, que morreu aos 22 anos, escreveu: "O poder qualquer forma. Se eu não a enfrentar, então minha mãe deve
do antigo capitalismo é algo de que não podemos nos livrar tão ser louca". No que diz respeito aos seus jovens guerreiros: "No
facilmente, mas se puder ser esmagado pela derrota na guerra, calor da batalha, eles não se importam [com a mortel, e curam
transformaremos o desastre em um evento afortunado. Busca- a insanidade do inimigo com a sua coragem 'insana'."?
mos uma fênix que renasça das cinzas." 17 Essa linguagem estava muito distante do discurso oficial do
Isso é o que o vice-almirante Onishi Takijiro, o pai das tá- Islã. O uso que Bin Laden faz da palavra "insano" é mais afim
ticas kamikazes, tinha a dizer a seus pilotos, antes de partirem ao uso constante de fanatisch pelos nazistas. O sacrifício humano

para a morte: "Mesmo que sejamos derrotados, o nobre espírito não é uma tradição muçulmana estabelecida. A guerra santa

da corporação de ataque kamikaze livrará nossa pátria da ruína. sempre foi justificada na defesa do Estado islâmico, e aos fiéis
que morriam na batalha prometiam-se delícias celestiais, mas a
Sem esse espírito, a ruína certamente seguirá a derrota." 18 Onishi
glorificação da morte por si mesma não fazia parte disso, espe-
se suicidou à maneira samurai, abrindo seu estômago com uma
cialmente na tradição sunita. Diferentemente do mártir cristão,
espada, na noite da rendição japonesa.
que é torturado e morto devido à sua fé, o mártir muçulmano

o ishahid) é um guerreiro ativo, mais parecido com o piloto karni-


kaze. Mas seus motivos devem ser puros. Não é glorioso mor-
rer por razões egoístas, ou gratuitamente, sem qualquer efeito
O uso da linguagem do culto à morte por Osama bin Laden
sobre o inimigo. E a idéia de que terroristas freelance entrariam
para estimular os seus jovens seguidores guarda muitas seme-
no paraíso como mártires assassinando civis desarmados é uma
lhanças com a retórica do espírito kamikaze. Numa entrevista
invenção moderna, uma que horrorizaria os muçulmanos do
por ele concedida em 1996, dois meses depois do atentado às
passado, xiitas ou sunitas, e ainda horroriza muitos atualmente.
Torres al-Khobar na Arábia Saudita, que matou 19 funcioná- O Islã não é um culto à morte.
72 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 73

E, noentanto. a linguagem de Bin Laden de fato tem raízes ro. Radicais muçulmanos na Índia, no Egito e em toda parte

históricas, que remontam aos rebeldes cultos sectários do mundo invocaram uma guerra santa contra a ocidentalização e os seus

islâmico. Durante os séculos XI e XII, uma seita milenarista xiita agentes judeus, uma guerra contra os líderes muçulmanos que

conhecida como "Assassinos"assumiu a responsabilidade de ma- foram "corrompidos" pelos modos ocidentais. A Irmandade

tar govemantes injustos e seus seguidores. Eles alegavam que a Muçulmana, um movimento radical fundado no Egito em

salvação estava à mão para poucos eleitos, por meio do conheci- 1928, estabeleceu com precisão as suas intenções: "Deus é

mento secreto conhecido pelos líderes espirituais, ou imã. Ocul- o nosso objetivo; o Alcorão é nossa constituição; o Profeta é

tos em fortalezas na Síria e na Pérsia, os Assassinos mostravam ab- nosso líder; o combate é nosso modo de agir; e a morte, em

soluta obediência a seus líderes com meticulosas demonstrações nome de Deus, é a nossa mais elevada aspiração."

de suicídio ritualístico. Para isso, se lançariam em um precipício As táticas kamikazes japonesas foram reinventadas pelo

sem hesitação. Eles igualmente tratavam os assassinatos como um Hezbollah no Líbano, após a invasão israelense em 1982. Em

dever sagrado. A adaga era a única arma admissivel, e um Assas- outubro de 1983, 241 funcionários norte-americanos foram

sino honorável esperava morrer após cumprir o dever. mortos por um homem-bomba ao volante de um caminhão

Várias teorias foram propostas para explicar os motivos des- recheado de explosivos. Dez anos depois, o atentado suicida

sa seita assassina: eram originários de uma rebelião persa contra foi igualmente adotado na Palestina. Aqueles que se prendem

a dominação árabe ou de uma guerra entre senhores rurais e a bombas freqüentemente são motivados pela vingança. Mas

seus servos contra os governantes das cidades em expansão. Mas aqueles que os despacham vêem isso como uma batalha en-

qualquer que seja a razão para esse tipo peculiar de violência, tre guerreiros santos que estão dispostos a morrer e um povo

esta afinal fracassou. Na metade do século XIII, os Assassinos de- entregue ao Komfortismus. Estes são considerados desprezíveis.

sapareceram, arrasados pelo poder do exército mongol invasor. Como o líder do Hezbollah, xeque Hasan Nasrallah, explicou

Estabeleceu-se, no entanto, um padrão para rebeliões religiosas dias após a retirada de Israel do Líbano em maio de 2000:

que atraem os pobres, os oprimidos e os descontentes para uma "Israel pode ter armas nucleares e armamento pesado mas, por

luta de morte a fim de restabelecer o reino de Deus na Terra. Os Deus, é mais frágil que uma teia de aranha."

líderes dos cultos à morte islâmicos quase invariavel~ente acaba-


vam nas prisões dos governantes que tentavam depor.
o
Do século XIX em diante, quando as elites dominantes ,

no Egito e em outras partes do mundo islâmico começaram a Nem o capitalismo nem a democracia liberal jamais almeja-

adotar idéias européias de lei secular e governo constitucional, ram ser um credo heróico. Os inimigos da sociedade liberal

o Ocidente ficou diretamente associado à adoração do dinhei- até mesmo pensam que o liberalismo celebra a mediocridade.
74 Ocidentalismo Heróis e Comerciantes 75

Sociedades liberais, de acordo com o nacionalista alemão do ligiosos politizados freqüentem ente atraem pessoas pela mesma
pré-guerra Arthur Moeller van den Bruck, dão "a todos a liber- razão. O auto-sacrifício por uma causa nobre, por um mundo
dade de' serem medíocres"." A importância é dada "à vida coti- ideal, livre da cobiça humana e da injustiça, é o caminho para o
diana e não a uma vida extraordinária". Isso não está totalmen- homem comum sentir-se heróico. Melhor morrer heroicamente
te equivocado. Tocqueville fez uma observação semelhante. por um ideal do que viver no Komfortismus. A escolha de morrer
De fato, sociedades liberais também dão às pessoas a opor- violentamente torna-se um ato heróico da vontade do homem.
tunidade de terem vidas extraordinárias, marca das por con- Em sistemas totalitaristas, talvez seja o único ato que um indiví-
quistas extraordinárias. Mas essas são conquistas individuais. duo tenha liberdade de escolher.
Os indivíduos são recompensados pelos seus excepcionais ta- a Ocidente, como definido por seus inimigos, é visto co-
lentos com dinheiro e fama. O capitalismo liberal é, por defi- mo uma ameaça, não por oferecer um sistema alternativo de
nição, discriminador, uma vez que nem todos são igualmente valores; muito menos, uma rota diversa para a Utopia. É uma
dotados ou igualmente afortunados. Às vezes esses talentos, ameaça, porque sua promessa de conforto material, liberda-
destacados pelo sucesso de mercado, se prostituem, e talentos de individual e dignificação de vidas comuns esvazia todas as
mais profundos não são reconhecidos. Essa é uma razão para pretensões utópicas. A natureza anti-heróica e antiutópica do
não ver a economia de mercado como uma panacéia. Mas, em liberalismo ocidental é o maior inimigo dos radicais religiosos,
todo caso, a maioria das pessoas está de fato destinada a levar dos reis-sacerdotes e daqueles que buscam coletivamente a
uma vida comum. Os liberais, em concordância com a tradi- pureza e a salvação heróica.
ção puritana, aprenderam a aceitar isso. Mais que isso, como A natureza burguesa, freqüentem ente filistina, não-heróica,
testemunharam as pinturas holandesas e os romances ingleses antiutópica da civilização ocidental, pode tornar difícil defendê-
do século XVII, a vida cotidiana também tinha dignidade e Ia. Onde o livre mercado domina, como nos Estados Unidos,
devia ser acalentada, não desprezada. intelectuais se sentem marginalizados e desprestigiados e se vol-
Isso não pode satisfazer aqueles que desejam ver o heroís- tam para a política com pretensões mais amplas. Tomando as
mo e a glória como partes de um empreendimento coletivo liberdades como certas, tornam-se presas fáceis para os inimigos
e, portanto, freqüentem ente vicário. a fascismo atraía precisa- do Ocidente. A República de Weimar não caiu apenas devido
mente o homem medíocre, porque lhe dava um vislumbre de à brutalidade, à estupidez reacionária, à ambição militarista dos
glória por associação, por se sentir parte de uma supernação, e, nazistas ou devido aos argumentos formulados por Moeller van
durante o nazismo, de uma super-raça, supostamente dotada den Bruck e outros como ele. Caiu também porque poucas
de virtudes superiores e qualidades espirituais. Movimentos re- pessoas estavam preparadas para defendê-Ia.

'.

A Mente Ocidental

O
pelos
ataque ao Ocidente é, entre outras coisas, um ataque
à mente ocidental que freqüentemente é retratada
ocidentalistas como um tipo de idiotia mais elevada.
Possuir uma mente ocidental é como ser um sábio idiota,
mentalmente defeituoso mas com um talento especial para
cálculos aritméticos. É uma mente sem alma, eficiente co-
mo uma calculadora, mas sem esperança de fazer o que é
humanamente importante. A mente ocidental é capaz de
grande sucesso econômico, é verdade, e de desenvolver e
promover o avanço tecnológico, mas não pode atingir as
coisas mais elevadas da vida, uma vez que lhe falta a espiri-
tualidade e a compreensão do sofrimento humano.

, .O germe dessa distinção remonta a um passado lon-


gínquo, Plotino (204-270 d.C), o venerado fundador do
neoplatonismo no mundo greco-romano, fez uma dis-
tinção entre o pensamento discursivo e o não-discursivo.
Ele empregou o termo. "pensamento discursivo" para se

77
78 Ocidentalismo A Mente Ocidental 79

referir ao pensamento da alma e "pensamento não-discursivo" tamente O sórdido retrato que os ocidentalistas fazem da mente
para se referir ao intelecto. A crença em Deus, por exemplo, ocidental. Mas há outra razão para focalizarmos nela a nossa aten-
pode significar que se aceita a proposição da existência de Deus. ção. Os pensadores nativistas russos do século XIX, genericamen-
Ou se pode simplesmente venerar Deus sem nada dizer a Seu te denominados eslavófilos,proporcionaram um modelo para os
respeito. Essas formas de pensamento vêm, por assim dizer, de ataques nacionais ou étnico-espirituais ao racionalismo ocidental
órgãos mentais distintos: o intelecto e a alma. (Atualmente ten- que foi adotado por gerações de intelectuais em outros países,
demos a inverter esses termos - a alma para o pensamento como a Índia, a China e as nações islâmicas. Entretanto, embora
não-discursivo e o intelecto para o discursivo.) Muita ênfase no os eslavófilos ressaltassem as singulares qualidades espirituais da
intelecto reduz o papel do pensamento intuitivo e não-discur- alma russa, eles também tinham um modelo. A eslavofilia russa
sivo. É uma concepção romântica que o pensamento intuitivo enraizava-se no romantismo alemão, assim como o liberalismo
é superior ao pensamento deliberado e discursivo. O ociden- russo tomou as idéias liberais alemãs como ponto de partida.
talismo frequentemente toma essas categorias como ponto de Para Pedro, o Grande, o distrito ocidental em Moscou signi-
partida. A mente ocidental é acusada não apenas de ser incapaz ficava o distrito alemão. Mas na Alemanha, e especialmente na
do pensamento não-discursivo, mas, pior, de ter a arrogância e Prússia, nos séculos XVIII e XIX, a França era vista como a quin-
a petulância de negar a sua existência. tessência do Ocidente: poderosa, inspiradora e ameaçadora. Há
A mente ocidental, aos olhos dos ocidentalistas, é uma mente uma grande dose de verdade na visão de Isaiah Berlin de que
truncada, boa para encontrar o melhor caminho para alcançar um o movimento romântico alemão e seu nacionalismo romântico
determinado objetivo, mas completamente incapaz de encontrar eram "um produto da sensibilidade nacional ferida, da terrível
o caminho correto. De qualquer forma, o apelo à racionalidade humilhação nacional".
é apenas parcialmente verdadeiro - cabendo-lhe a pior parcela. No entender de Berlin, o francês dominava o mundo oci-
Se por racionalidade entendemos racionalidade instrumental, que dental - política, cultural e militarmente. Isso era profundamen-
adapta os meios aos fins, em oposição à racionalidade valorativa, te humilhante para os alemães derrotados, particularmente para
que seleciona os fins corretos, então o Ocidente tem bastante do os tradicionais, religiosos e economicamente atrasados prus-
primeiro e muito pouco do segundo. O homem ocidental, nesse sianos do leste. O entusiasmo de Frederico, o Grande, pelas
ponto de vista, é um intrometido hiperativo, sempre encontrando idéias francesas e sua propensão a importar oficiais franceses
os meios corretos para os fins errados. arrogantes tornariam as coisas ainda piores. Os alemães respon-
, "li

Antitética à mente ocidental está a alma russa, uma entidade deram, ;,como o galho encurvado da teoria do poeta Schiller,
mítica concebida por intelectuais ao longo do século XIX. Esse ricocheteando e recusando-se a aceitar a sua inferioridade". Eles
caso de amor dos russos com a sua própria alma ilustra perfei- opunham a sua própria profunda vida espiritual interior, a poe-
80 Ocidentalismo A Mente Ocidental 81

sia de sua'alma nacional, a simplicidade e a nobreza de seu tas tomavam a visão otimista de que a história humana é uma
caráter à sofisticação vazia e insensível dos franceses. Esse âni- progressão linear em direção a um mundo mais feliz e mais ra-
mo provocou um pico de febre durante a resistência nacional cional, o esquema romântico utiliza antigas noções religiosas de
a Napoleão e foi, como Berlin afirma, "o exemplar original da inocência, queda e redenção. O romântico sempre se sente no
reação de muitas sociedades atrasadas, exploradas ou, em qual- fundo do poço, de onde olha para o alto em busca de redenção.
quer nível, tuteladas, que, ressentidas da aparente inferioridade A queda é marcada pela fragmentação total, alheamento de seu
de seu status, reagiram, voltando-se aos triunfos e glórias, reais próprio eu verdadeiro, alienação em relação aos outros seres
ou imaginários, de seu passado, ou a atributos invejáveis de seu humanos e alheamento da natureza (ou de Deus).
próprio caráter nacional ou cultura!".' As principais causas da fragmentação, nessa linha de pen-
Quando o povo não apenas é humilhado por forças estran- samento, são a divisão do trabalho e a competição de merca-
geiras mas oprimido pelo seu próprio governo, freqüentemente do. O esquema redentor está destinado a preencher a ânsia
se refugia na "vida interior" do espírito, pura e simples, na qual por unidade e harmonia. O romântico não é um otimista. Não
pode se sentir livre da corrupção do poder e da sofisticação. Filo- há garantias de que jamais seja capaz de superar a alienação,
sofia e literatura tomam-se substitutos políticos quando o debate assim o romântico não-burguês é para sempre assombrado pe-
não é mais possível. Isso era verdade na Alemanha do século XIX, lo anseio constante da unidade perdida. Mas isso é suportável,
bem como na Rússia, onde textos alemães, como falsos ramos, uma vez que para o romântico o que realmente importa é
foram enxertados num tronco russo. A censura severa acentuou a busca, atingindo ou não o objetivo. Como a inocência, no
a importância das idéias e criou a impressão de que essas, mesmo esquema romântico, vem antes da queda, a política romântica
as mais esotéricas, importavam enormemente. A inabilidade, sob tende a ser impregnada de nostalgia. Seja a Europa medieval,
o jugo dos czares, de traduzir idéias em ações e, portanto, de o cristianismo primordial, o apogeu do monasticismo russo
testá-Ias no plano da realidade levou muitos pensadores russos ao ou mesmo o Japão ancestral, o passado serve como um mo-
purismo. Visões extremas foram adotadas com tal convicção fa- delo para o trabalho de restauração da harmonia do passado
nática que pensadores e escritores transformaram-se em profetas. - a "unidade;'. Esse anseio, bem como as atitudes que gera,
Muitas dessas visões originaram-se no romantismo alemão, espe- foi enormemente influente. O vocabulário ocidentalista de
cialmente o alto romantismo dos primeiros anos, entre 1797 e palavras boas e más é essencialmente o mesmo vocabulário
1815. Na Rússia eles foram transmutados, ou melhor, mutilados, romântico. No que diz respeito à mente, "orgânica" é uma
na forma do ocidentalismo. boa palavra e "mecânica" é ruim. A mente orgânica permite
Isaiah Berlin considerava o movimento romântico como a união do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com a
parte do Contra-Iluminismo. Enquanto os pensadores iluminis- natureza ou Deus.
82 Ocidentalismo A Mente Ocidental 83

'. o Divino manifesta-se em várias arenas diferentes: na na- tem razões que a própria razão desconhece." As razões do co-
tureza, na história e na alma humana. Os deuses pagãos atuam ração são moldadas pelo próprio sofrimento e pelo testemunho
na natureza. O Judaísmo fez da história, como registrado no do sofrimento alheio. O sofrimento, como o grande educador, é
Antigo Testamento, o principal palco para a presença de Deus. negado pela mente ocidental, que sempre busca a felicidade. O
São Paulo e Santo Agostinho localizaram a presença de Deus hedonismo e a excessiva confiança no intelecto afastam o Oci-
na alma humana. É claro que essas coisas se sobrepõem, e dente daquilo de que mais precisa: um caminho para a salvação.
as grandes religiões apresentam elementos de tudo isso. O O camponês russo supostamente compreendeu isso por
romantismo, em sua manifestação religiosa, revitalizou a natu- instinto. Aqui está Tolstoi: "Acredito que o povo russo, que é
reza como um foco para a divindade, mas também elevou o menos civilizado do que outros - i.e., menos intelectualmente
papel da alma. É esse elemento do romantismo que foi ado- corrompido e ainda possuidor de uma vaga concepção da es-
tado pelos pensadores russos e, mais importante, pelos "ro- sência do ensinamento cristão -, o povo russo, e acima de tudo
mancistas proféticos" da Rússia. Os eslavófilos e seus herdeiros os agricultores, compreenderá, por fim, onde se encontram os
espirituais, como Fiodor Dostoievski e Vladimir Solovyov, não meios da salvação e será o primeiro a empregá-Ios."
apenas fizeram da alma humana o templo de Deus, como tor-
naram a alma russa o seu íntimo santuário. o
Era uma crença romântica comum que o racionalismo ex-
cessivo causava a decadência final do que antes era o organismo "0 que é verdadeiramente nosso é estranho à Europa", decla-
vital do Ocidente. A esperteza racionalista foi considerada e tida rou Dostoievski. Isso é claramente falso. Muito do que os russos
como uma doença ocidental: esperteza sem sabedoria. A con- consideram ser "nosso" não era de modo algum estranho à Eu-
tribuição russa foi uma intensa seriedade moral, do tipo que se ropa; mas, na verdade, viera de lá.
encontra nos romances de Dostoievski. Mas o autor acrescentou Como a vodca, que o Ocidente levou à Rússia no século
uma importante mudança: mesmo o mais rude camponês, no seu XIV, quase à época em que os turcos derrotaram os servos em
entender, é melhor do que o mais sofisticado intelectual. Pois ao Kosovo, o ocidentalismo do século XIX, embora em larga medi-
menos o camponês temente a Deus sabe a quem pedir perdão. da importada da Alemanha, ficou fortemente associada à Rússia.
Na visão de mundo eslavófila,exemplificada por Dostoievski, É óbvio que o debate sobre o que precisamente veio do Oci-
não deveríamos tentar resolver os problemas pelo intelecto hu- , . dente e o que é de genuína origem eslava não tem fim. Até mes-
mano; deveríamos, sim, buscar a salvação. Não podemos com- mo o nome Rús, dizem alguns, veio de uma fonte escandinava.
preender o sentido trágico da vida pela razão, mas apenas com Os historiadores alemães acreditavam que os russos, deixados
a sabedoria do coração. Como bem colocou Pascal: "0 coração à própria sorte, eram tão anárquicos que necessitariam que os
84 Ocidentalismo A Mente Ocidental 85

varangianos e;~andinavos Ihes impusessem alguma ordem. A o reino moscovita era, em muitos aspectos, mais próximo
estrutura de poder do antigo reino russo em Kiev, alegam esses de uma civilização religiosa do que de uma ordem política. Ha-
historiadores, foi uma dessas imposições. Essa tendência alemã é via uma grande uniformidade no aspecto geral dessa civilização,
o oposto do grotesco esforço do regime stalinista para defender e os russos tendiam a ver o Ocidente tão monoliticamente co-
que todas as invenções tecnológicas tinham origem russa, mas mo eles próprios se viam. Mas eles subestimaram a variedade
é igualmente absurda. Os russos são perfeitamente capazes de do pensamento religioso do Ocidente. Havia, por exemplo, me-
desenvolver as suas próprias idéias. E é inútil tentar encontrar nos espaço para a teologia na Igreja ortodoxa russa. Os russos
um pedigree ocidental para cada idéia que se tornou corrente preocupavam-se principalmente com os rituais, a liturgia e a
na Rússia. O ocidentalismo russo é um produto igualmente da vida monástica. Mais do que a teologia, era a simples piedade
história local e de importação, principalmente das correntes ro- que denunciava a abordagem religiosa, tornando-a distinta da
mânticas e idealistas da filosofia alemã. Igreja ortodoxa grega e do catolicismo ocidental.
Um dos eventos mais significativos da história russa é a A principal discussão teológica na Igreja ortodoxa grega era
conversão ao Cristianismo do principado de Kiev no tempo de sobre a natureza de Deus. A teologia era levada a sério também
Vladimir. Recusando-se a adotar o catolicismo romano, Vladimir no catolicismo romano. Os vários cismas vieram de debates teo-
converteu-se à versão ortodoxa grega do Cristianismo em 988. lógicos sobre a natureza do homem. Para ser exato, há sempre
Isso colocou a Rússia firmemente no extremo leste do reino algo mais envolvido numa cisão além das alegadas questões reli-
cristão. Quando o centro da vida russa mudou-se de Kiev para giosas, mas é um erro grave negar que há verdadeiros fiéis e, além
Moscou, e este se tornou o principal principado russo no século disso, fiéis que estão dispostos a lutar e morrer por suas crenças.
XIV, a liderança da Igreja ortodoxa mudou-se também para lá. A Igreja russa, no entanto, era não só relativamente indi-
Conseqüentemente, Moscou tornou-se não só a sede do poder, ferente à teologia, como também ativamente resistiu à idéia de
como também o centro espiritual da Rússia. Em 1439, no Con- tornar a religião uma espécie de geometria. Religião, defendia,
cílio de Florença, a Igreja católica romana clamou pela unificação era um empreendimento espiritual, não intelectual. A devoção a
de todas as igrejas do leste sob o domínio papal. Isso foi visto em ícones deveria ser mais relevante do que uma glosa perspicaz de
Moscou com um ato de perfídia, e assim a Igreja russa tornou-se um capítulo ou versículo. Havia, na realidade, um cisma maior
fortemente nacional, destinada a carregar a autêntica mensagem na Igreja russa, mas que não provinha de uma ruptura intelec-
do cristianismo. A Rússia tornou-se a "Rús sagrada"; e Moscou, a tual. Em .1652, Nikon, o patriarca de Moscou, tentou reformar
"terceira Roma". A conquista de Constantinopla pelos otomanos a Igreja russa para aproximá-Ia da Igreja grega oriental. As re-
em 1453 cimentou essa visão messiânica, de acordo com a qual formas atingiram antigos costumes: três aleluias em vez de dois;
a Rússia é a única legítima herdeira da verdadeira fé cristã. cinco pães consagrados em vez de sete; a procissão se oporia ao
86 Ocidentalismo A Mente Ocidental 87

"
sol, em vez de em sua direção; e, até mesmo, uma mudança na e, assim, assumindo a responsabilidade de lhes dizer o que fazer.

grafia do nome de Jesus. Embora aqueles que se opunham às Uma vida religiosa simples era, portanto, para os Antigos Fiéis,

reformas fossem descritos como Antigos Fiéis, esses exemplos uma quintessência russa, enquanto o novo manual de adoração

demonstram que o cisma não era a respeito da crença, mas apresentado de Nikon era estrangeiro, artificial e não-autêntico.

sim a respeito das práticas rituais. Os Antigos Fiéis apedrejaram


uma procissão oficial da Igreja no Kremlin por caminharem na o
direção errada, mas não porque a Igreja desvirtuasse seus dog-
mas. A crença está associada à Igreja ocidental, mas os costumes Havia, é claro, fortes contra correntes ao nativismo russo. Os

pertencem ao Oriente. eslavófilos reagiram aos esforços modernizadores daqueles

Ao menos dois elementos da cultura religiosa russa ante- que tentavam ocidentalizar a Rússia. Para compreender essas

ciparam o ocidentalismo. A ênfase nas questões intelectuais da ações e reações, deve-se ter em mente os três centros políticos

Igreja ocidental era um sinal significativo, para os fiéis russos, da história russa. Cada mudança de um para outro foi uma de-

de que lhe faltava uma fé simples e pura. O outro elemento, cisão não apenas política, mas também ideológica. A primeira

que estava na raiz do cisma na Igreja ortodoxa russa, era uma mudança, de Kiev para Moscou, foi uma guinada ideológica

grande suspeita em relação a qualquer inovação. A novidade, em direção ao isolacionismo russo. Em princípios do século

para esses fiéis, era apenas algo que vinha do estrangeiro. Era XVIII, o centro mudou para a recém-edificada cidade de São

considerada não-autêntica e humilhante, por sugerir que faltava Petersburgo, que fora fundada em 1703. Dez anos depois, a

algo essencial às práticas antigas. A sensibilidade religiosa corta cidade de Pedro tomou de Moscou a condição de capital. E,

fundo. Vê a Igreja não como uma fonte de novo conhecimento , posteriormente, o centro retomou a Moscou.

mas como o repositório de uma memória coletiva, a memória São Petersburgo foi construída por Pedro, o Grande, com a

da Rús como uma comunidade sagrada. A memória e a fé sim- condição expressa de torná-Ia uma "janela para a Europa". Não

ples são as principais virtudes da mente humana, não a razão e era totalmente claro se isso significava uma janela aberta através

a sofística novidadeira que produz. O misticismo, expressando da qual a brisa das novas idéias poderia soprar do Ocidente,

um modo mais elevado de existência, era mais valorizado do ou uma vitrine para apresentar à Europa a nova face da Rússia.

que os esforços da mente metódica. Os Antigos Fiéis percebiam Em todo caso, a nova Rússia do czar Pedro contemplava o Oci-

que, por trás das reformas de Nikon, encontrava-se uma hoste dente ~ era secular, em contraste com a xenofóbica ideologia

de sacerdotes gregos que chegara de Kiev com a velha estratégia religiosa na Moscóvia. As reformas de Pedro, feitas de cima para

de dominação pela complicação - isto é, complicando até que baixo, não eram particularmente espirituais ou artísticas. Desde

fosse impossível reconhecer a vida religiosa dos verdadeiros fiéis os tempos de juventude no distrito alemão de Moscou, Pedro
88 Ocidentalismo A Mente Ocidental 89

via o Ocidente como superior em tecnologia, organização e lim- napoleônicas na Europa, eram de fato muito influenciados pe-
peza. Essas eram as virtudes que Pedro desejava importar. lo I1uminismo francês e estavam muito distantes da conversão
Os efeitos do entusiasmo ocidental de Pedro foram profun- mística do czar, cuja alma fora acalentada pelo fogo da Moscou
dos. Ele inspirou confiança suficiente entre os russos urbanos para em guerra. Este se transformou em um reacionário messiânico,
que acreditassem que" esse monarca elevou nossa pátria à altura enquanto aqueles, ao regressarem à Rússia, encontraram, pelos
de outras, e nos ensinou a reconhecer que também somos huma- padrões do I1uminismo, um país atrasado.
nos".2 Talvez com certa ingenuidade, eles tomaram o Ocidente Durante o reinado de Nicolau I 0825-1855), o debate so-
como o único padrão pelo qual a Rússia deveria ser avaliada. bre a Rússia e o Ocidente girou em tomo da questão da iden-
Catarina, a Grande, que reinou de 1762 a 1796, nasceu na tidade russa: o que era, ou deveria ser. Nas batalhas entre os
Alemanha e tinha uma idéia mais sofisticada do Ocidente. Ela eslavófilos e os ocidentalizados, o ocidentalismo russo conver-
queria que a Rússia importasse cultura, não apenas civilização teu-se de um reflexo cultural em uma ideologia completamente
material. Isso representava a importação de livros tanto quanto de desenvolvida. Como muitos outros rótulos ideológicos, a esla-

artesãos alemães que soubessem construir barcos e canhões. Ca- vofilia era um termo abusivo para descrever o tribalismo insano

tarina muito fez para criar uma classe culta da qual a inteIligentsia daqueles que se opunham à ocidentalização. Mas este também
era um termo abusivo, empregado pelos eslavófilos para rotular
russa emergiu. Mas ela se voltou contra sua criação quando a Re-
os traidores da alma russa em favor de uma mente ocidental
volução Francesa demonstrou que palavras podiam ser perigosas.
mecânica, artificial e, acima de tudo, arrogante.
E a intelligentsia vivia das palavras. O obtuso Paulo 0796-1801),
Os mais articulados eslavófilos eram os irmãos Kireievski,
seu filho, temia tanto a contaminação intelectual que baniu a im-
Peter (1808-1860) e, especialmente, Ivan (1806-1856), bem
portação de livros e impediu que os russos viajassem ao exterior.
como Aleksei Khomiakov (1804-1860), Konstantin Aksakov
No entanto, após a sua morte, a inteIligentsia fez da relação
(1817-1860) e Yuri Samarin (1819-1876). Embora largamente
da Rússia com o Ocidente o seu tema principal. Os intelectuais
esquecidos atualmente, esses personagens criaram uma ideo-
esperavam que isso Ihes desse uma idéia clara de si mesmos e
logia imensamente poderosa sem a qual a Rússia do século
de seu lugar no mundo, o que recebeu um grande estímulo
XIX não pode ser compreendida. A filosofia, como a literatura,
com a vitória do czar Alexandre I sobre Napoleão, o líder oci-
era o que os inspirava. Sob o regime opressivo de Nicolau I,
dental paradigmático. Tolstoi retratou o comandante do exército a filosofia era vista como uma disciplina subversiva. Assim pas-
russo de Alexandre Kutuzov, como a personificação do espírito sou, por -assim dizer, para a clandestinidade, bem como os
russo, enraizado na natureza, em oposição ao espírito francês, escritos dos idealistas e românticos alemães.
de arquitetada artificialidade, exemplificado por Napoleão. Os Ivan e Peter Kireievski nasceram em uma família "mestiça".
oficiais de Alexandre, porém, que tomaram parte nas guerras Seu pai era um maçom esclarecido e sua mãe uma incurável
90 Ocidentalismo A Mente Ocidental 91

"
ideóloga romântica. Desde a tenra idade, os dois irmãos pude- As idéias de Schelling sobre o universo estavam em conso-

ram conhecer as figuras importantes na vida cultural da Rússia. nância com o espírito eslavófilo. A sociedade, para os eslavófilos,

O precoce Ivan era apenas um estudante de 17 anos quando se correspondia a uma igreja, ou comunidade religiosa, como um

juntou aos Amantes da Sabedoria (1823-1825), uma socieda- organismo divino-humano. Uma palavra comumente utilizada

de de jovens aristocratas interessados na filosofia européia. Seu para isso era sobomost. Sobor era o conselho eclesiástico, e o verbo

principal herói intelectual era um pensador alemão do final do sobirat significava "unir"; assim, a idéia eclesiástica original era a

século XVIII e princípios do XIX, Friedrich Wilhelm Schelling. união dos fiéis no corpo místico de Cristo. Kireievskifalou em "in-

Poucos lêem Schelling atualmente, e menos ainda o jul- tegralidade", Em todo caso, inspirada pelas idéias de Schelling, a

gam convincente. Não se pode imaginar, nos dias de hoje, que Rússia era vista como oposta à sociedade ocidental, representada

alguém leve um busto de Schelling para a Rússia (ou para qual- pela Inglaterra, pela Holanda ou pela República francesa.

quer outro lugar), mas foi exatamente isso que Ivan Kireievski Em seu New PrincipIe in Philosophy (Novo princípio em

fez. Schelling era reverenciado e idolatrado na Rússia de uma filosofia), Ivan Kireievski deixou claras as distinções entre a

forma que dificilmente se compreende atualmente. Na verdade, mente ocidental e as demais - sendo a russa, é claro, a mente

ele foi venerado tanto por pensadores radicais, como o san- não-ocidental paradigmática. De acordo com o pensamento

to anarquista Kropotkin, quanto por um pensador reacionário de Kireievski, os alicerces sobre os quais se erguia o Ocidente

como Pogodin (o tipo de reacionário que mancha o nome da eram frágeis: espiritualmente, o racionalismo escolástico, como

reação). O que esses homens encontraram em Schelling? adotado pela Igreja católica; politicamente, as conquistas ro-

O romantismo alemão, ao contrário de outras formas de manas e teutônicas, que formaram a ordem política européia;

romantismo na Europa ocidental, não foi apenas um movimen- e, socialmente, a idéia de direitos de propriedade absolutos,

to literário e artístico; teve implicações políticas e sociais inten- os quais Kireievski via como uma forma incipiente de indivi-

sas. Em seu Naturephilosophie, Schelling pinta o universo como dualismo. Ele identificava a mente ocidental com o raciocínio

um organismo vivo, comportando-se de um modo direcionado. abstrato e fragmentado, isolado da totalidade do mundo. A

Essa é uma completa inversão da idéia de Isaac Newton sobre mente orgânica da' Rússia, por outro lado, é guiada pela fé e é

a natureza como um mecanismo, dirigido não por objetivos, capaz de compreender a totalidade das coisas.

mas por forças e causas. A noção orgânica de Schelling foi uma Kireievski atacou tanto o racionalismo quanto a racionali-

forma de abolir a mente calculista do Ocidente e proporcionou . ~.


da de como elementos perniciosos da mente ocidental. Ambos

uma idéia de sociedade como um organismo vivo, governado se combinam facilmente, mas não são a mesma coisa. Aristóte-

por objetivos coletivos. Foi essa a antítese da noção liberal de les, na visão de Kireievski, era responsável por modelar a mente
uma sociedade formada por indivíduos ligados por contrato. ocidental nos padrões rígidos da racionalidade. Foi algo bom,
92 Ocidentalismo
A Mente Ocidental 93

no entanto, que ele não tenha tido sucesso na transmissão da A mente burguesa do Ocidente é geralmente vista pelos ociden-
sua idéia para o seu mais ilustre pupilo, Alexandre, o Grande, talistas como um impedimento à ação ou, ao menos, a qualquer
que foi grande justamente porque buscava a glória e não o ideal
ação significativa.Hamlet é o símbolo disso. Os tradutores russos
fútil de ser razoável. A racionalidade, diz Kireievski, nada mais
verteram o dilema de Hamlet "ser ou não ser" como "viver ou
é do que "o esforço para atingir o melhor dentro do âmbito
não viver". A um Hamlet ensimesmado, paralisado pela excessiva
do lugar-comum". A racionalidade é uma prudência tímida, um
agonia intelectual, falta a vitalidade originária da vida espontânea.
apelo à intensa mediocridade, fundada em conhecimento banal
Para os eslavófilos russos, o ocidentalizado desenraizado é assim.
e convencional, o oposto da verdadeira sabedoria. É o medo de
A visão de que a ação humana deveria ser guiada pela razão é,
ser original, a fim de não ser tachado como extremista, a pior
nesse sistema, equivocada e deveria ser suplantada pelo volun-
coisa que se pode ser no Ocidente covarde. A racionalidade é o
tarismo, a idéia de que a ação deve ser estimulada pela pura
epítome da mente não-heróica, admoestada não só pelos esla-
vontade. A vontade é superior à razão. A razão, para os volunta-
vófilos russos como Kireievski, mas também por uma hoste de
ristas, em vez de nos dar razões genuínas para a ação, oferece-nos
pensadores antiliberais, muitos dos quais alemães, que, como já
salientamos, desprezavam o comerciante e cultuavam o herói. apenas falsas racionalizações para não agir.

Muitos de nós podemos pensar que ser razoável sugere pru- A enfatuação e a pura vontade também, eram, obviamente,
dência, estabilidade e um pouco de precaução. Também sugere um tema maior do fascismo e do nazismo. O Ocidente liberal
disposição para ouvir a razão e agir claramente de acordo com sempre fora acusado de ser paralisado pelo raciocínio tímido. A
ela. Nesse sentido, é sinônimo de ser racional. Mas Kireievski, habilidade de tomar uma grande decisão era cultuada por si só,
assim como os outros ocidentalistas que lhe seguiram, via a independentemente de seu teor. Essa era a base do Führerprinzip

prudência como timidez, a estabilidade como obtusidade, e a nazista. Um líder com poder absoluto conquista autoridade com
precaução como a busca de uma vida resguardada e pouco ins- a sua habilidade de decidir o destino da nação. O decisionismo
piradora. Kireievski encontrou tudo isso em Aristóteles, uma vez na teologia política de dois eminentes pensadores pró-nazistas,
que este considerou seriamente as crenças e o senso comum, e Martin Heidegger e Carl Schmitt, é a idéia de representar Deus
Kireievski interpretou a regra de ouro de Aristóteles como uma na esfera política. O líder é como o Deus do Gênesis: "E Deus
regra para evitar os extremos e buscar a mediania, que é outro disse: 'Faça-se a luz.' A luz foi feita. E Deus viu que a luz era
nome para mediocridade. Assim Kireievski fez de Aristóteles o boa." O Ocidente calculista, por outro lado, está preso em um
primeiro filósofo da mente burguesa, que nada mais é do que jogo paralisante de eterno pesar entre os prós e contras de uma
a mente ocidental.
ação. Co~ 'medo de perder algo, os liberais acabam titubeando.
As idéias de Friedrich Nietzsche sobre a vontade humana te-
Crer apenas naquilo que é proporcional à evidência é o inimigo
riam igualmente um grande impacto sobre os pensadores russos.
da ação decisiva inspirada pela fé.
94 Ocidentalismo A Mente Ocidental 95

o "Nietzsche russo" foi Konstantin Leontiev (1831-189!). universidade, dividida em muitas faculdades, sendo a razão ape-
Se procurarmos por um ocidentalismo russo arquetípico, seria nas uma entre muitas. As faculdades da emoção, da memória,
ele. Nascido na pequena nobreza, Leontiev serviu como cirur- da percepção, da linguagem e assim por diante são, no mínimo,
gião militar na Guerra da Criméia (1853-1856), passou por tão importantes. A mente ocidental, para ele, é uma universida-
uma crise espiritual e, pouco antes de sua morte, tomou-se um de com uma única faculdade - a faculdade da razão.
monge. Apesar de suas predileções monásticas, Leontiev ado- O racionalismo é uma crença de que a razão, e apenas a
tou uma postura heróica em sua "poesia de guerra" contra os razão, pode explicar o mundo. A isso se liga a idéia de que a
filistinos burgueses. Também recusou veementemente a moder- ciência é a única fonte de compreensão dos fenômenos natu-
na tecnologia. Em seu livro, Russia and Europe (Rússia e Europa), rais. Outras fontes de conhecimento, especialmente a religião,
que então causou grande impressão, Leontiev apresentou um são descartadas pelos racionalistas como superstições. Então há
modelo orgânico para o desenvolvimento histórico, expresso um racionalismo político, que pretende que a sociedade possa
em termos de crescimento e decadência na agricultura: em pri- ser administrada - e todos os problemas humanos resolvidos
meiro lugar, a simplicidade embrionária; depois a complexidade - por um projeto racionalista, conduzido por princípios gerais
da floração; e, finalmente, a decadência e a morte. e universais. O Ocidente arrogante, aos olhos ocidentalistas, é
Na visão de Leontiev, o Ocidente, com seu igualitarismo culpado do pecado do racionalismo, de ser suficientemente ar-
liberal, estava nos últimos estágios da decadência. A Rússia, como rogante para acreditar que a razão é a faculdade que permite ao
uma nação mais jovem, poderia, entretanto, reter o seu estado de homem conhecer tudo o que é possível conhecer.
floração por meio do congelamento de suas instituições, e manter O ocidentalismo pode ser visto como a expressão de um
a sua vitalidade com a pura força de vontade do czar. O ocidenta- amargo ressentimento contra uma agressiva ostentação de supe-
lismo de Leontiev segue em várias direções, mas o que fica claro rioridade por parte do Ocidente, com base na alegada superiori-
é que o combate entre a Rússia e o Ocidente é uma questão de dade da razão. Ainda mais corrosivo que o imperialismo militar
caráter. A vitória pertence ao lado da vontade mais forte. A Rús- é o imperialismo da mente imposto pela difusão da crença oci-
sia tem mais chance que o Ocidente, mas já está sendo mutilada dental no cientificismo: a fé de que a ciência é o único meio de
pelo igualitarismo liberal deste último. Depois de tudo, até mes- obtenção do conhecimento.
mo aos eslavófilos faltara a vontade para resistir às reformas dos O fato de o cientificismo ter sido avidamente incorpora-
anos de 1860, que trouxera mais liberdade aos servos. do por refcrmadores radicais no mundo não-ocidental apenas
No entanto a principal acusação contra a mente ocidental, aguça a hostilidade dos nativistas. Pois o inimigo imediato dos
feita por Ivan Kireievski e outros, continuava a ser o excessivo ocidentalistas, como vimos no exemplo sobre os islamistas revo-
racionalismo. Kireievski retratava a mente humana como uma lucionários, nem sempre é o Ocidente propriamente dito, mas
A Mente Ocidental 97
96 Ocidentalismo

principalmente os ocidentalizados em suas próprias socieda- rejeitada, embora ele tenha suprema confiança na mente indi-

des. Os modernizadores chineses do início do século xx exi- vidual. Bazarov é a espécie de russo que Turgenev gostava de

giam reformas em nome da ciência e da democracia. Muitos denominar de "herói supérfluo", não apenas existencialmente

eram iconoclastas extremistas que viam a total ocidentalização redundante como socialmente inútil, um intelectual incapaz

como a única solução para a China. Seus adversários intelec- de intervir no mundo ao seu redor. Mas Bazarov é precisa-

tuais freqüentemente invocavam o espírito chinês como um mente o que os ocidentalistas - de quem Turgenev era um

antídoto contra essa doutrina. oponente articulado - teriam visto como um típico produto

Na Rússia, entre os seguidores do cientificismo incluíam-se de uma mente ocidental. Ele é tudo que eles execram.

os niilistas, a quem os ocidentalistas viam como portadores de Bazarov é uma personagem ficcional. Nikolai Tchernichevski

uma ideologia perniciosa, importada do Ocidente. O espírito (1828-1889), um mártir niilista, não era. Filho de um padre ex-

do movimento niilista foi perfeitamente apreendido por Omitri tremamente culto, Tchernichevski foi visto desde muito cedo

Pisarev, que disse, antes de se afogar aos 28 anos, que "o que como uma ameaça ao regime czarista. Ao interceptar uma carta

pode ser demolido, deve ser demolido incessantemente' , tudo que lhe fora enviada de Londres por Aleksandr Herzen, agentes

o que resiste a essa investida serve à existência; tudo o que se do governo encontraram o que procuravam: "provas" de uma

desfaz em pedaços serve à lata de lixo. Abra seu caminho vigo- conspiração. Tchernichevski foi banido para a Sibéria e conde-

rosamente, pois não poderá causar mal algum".' O niilismo é, nado a 14 anos de trabalhos forçados. Seu famoso e influente

de fato, mais um estado de espírito do que uma doutrina, mas o \.Vhat Is to Be Done? (O que fazer?) foi escrito na prisão, enquan-

principal objetivo é minar tudo o que não possa ter como base to aguardava o julgamento. Esse romance descreve os protago-

a ciência e o pensamento racional, quer seja a estética, a mora- nistas, Lopukhov e Vera Pavlovna, como uma nova estirpe de

lidade convencional, a religião, quer seja a autoridade em todas racionalistas egoístas que trariam um novo sopro de vida para

as suas formas - a Igreja, a família ou o Estado. uma Rússia atormentada.

A palavra "niilisrno" era empregada na Rússia já em prin- Em sua principal obra filosófica, lhe Anthropological PrincipIe

cípios dos anos 1830, mas se tornou um termo familiar so- of Philosophy (O princípio antropológico da filosofia), de 1860,

mente depois do romancefms e filhos, de Ivan Turgenev, cujo Tchernichevski apresentou um tema hoje corriqueiro: a ciência

protagonista, Bazarov, é um emblemático niilista. Bazarov não é a única chave para o conhecimento humano e, em princípio,

é apenas uni utilitarista extremo, que acredita em maximizar não há nada, que ela não possa explicar. "A união das ciências

aquilo que é útil, como também um fanático seguidor do cien- exatas sobo domínio da matemática - ou seja, contar, pesar e

tificismo. É um bom homem, mas os seus modos são rudes medir - se expande ano a ano a novas esferas do conhecimen-

como o seu materialismo. Por parecer-lhe inútil, a estética é to, cresce com os recém-chegados."
98 Ocidentalismo A Mente Ocidental 99

Entre os novos campos a se abrigarem sob a égide da ciên- mente, isto é, completamente cientes de seus reais interesses,
cia, Tchernichevski incluía as ciências morais - isto é, ciências deixaram-nos para trás e correram impetuosamente por outro
sociais e psicologia. A ciência, para ele, é o único meio de des- caminho para defrontar com riscos e perigos, impelidos por
vendar a natureza humana, assim como a ciência revela a na- nada ou por ninguém a tomar esse rumo, mas como se sim-
tureza da acidez. Uma vez que se descubra que leis naturais se plesmente estivessem desgostosos com o caminho batido e ti-
aplicam aos seres humanos, as ciências sociais abrem as portas vessem obstinada e intencionalmente percorrido outro, difícil e
para a organização racional da sociedade com o objetivo de atin- absurdo, praticamente buscando-o em meio às trevas?"
gir a felicidade. "Um exame cuidadoso", escreve Tchernichevski, Podemos compartilhar a visão de Dostoievski sobre o com-
"dos motivos que impulsionam o comportamento humano portamento humano, mas a sua visão do Ocidente como um
mostra que todas as ações, boas ou más, nobres ou infames, gigantesco Palácio de Cristal, guiado por nada mais que o árido
heróicas ou covardes, são impulsionadas por uma causa: um racionalismo, é uma distorção desumanamente ocidentalista.
homem age de acordo com o que lhe traz mais prazer." Ele poderia ter incluído entre os "milhões de fatos" o exemplo
Uma das grandes celebrações da ciência e do progresso do dos homens-bomba de hoje, que desafiam o cálculo utilitarista
século XIX foi a Exposição Universal de Londres, ocorrida em do comportamento humano. Sua opinião é, no entanto, que
1851. O extraordinário Palácio de Cristal, uma enorme estufa aqueles que vivem no Palácio burguês possivelmente não são
de ferro e vidro especialmente concebida para a exposição por capazes de entender a disposição para se entregar a tal sacrifício.
Joseph Paxton, um ex-jardineiro, foi imediatamente reconheci- E isso é algo com o qual os ocidentalistas fanáticos de nossos
da como um emblema da mente prática e progressista. dias estariam completamente de acordo.
Écontra esse palácio que o homem subterrâneo de Dostoievski
protesta. Ele está convencido de que o Ocidente sucumbiu ao
cientificismo, à crença de que a sociedade possa ser projetada
como a construção. Para ele, a importação do cientificismo e do
utilitarismo constitui uma ideologia perigosa e ilusória. Quando
se trata da natureza humana, defende, não há leis naturais. Se
houvesse leis, ainda assim o homem afirmaria a sua liberdade ao
viver, não de acordo com qualquer noção de felicidade organiza- , .
da, mas de acordo com seus maliciosos caprichos.
"O que deve ser feito", imagina Dostoievski, "com os mi-
lhões de fatos que testemunham que os homens, consciente-
A Ira de Deus

G uerras contra o Ocidente foram declaradas em no-


me da alma russa, da raça alemã, do Estado xintoís-
ta, do comunismo e do Islã. Mas há uma diferença entre
aqueles que lutam por uma nação ou uma raça específica
e aqueles que vão para a batalha por crenças religiosas ou
políticas: os primeiros excluem os estrangeiros, pois acre-
ditam ser os escolhidos. Os últimos geralmente invocam a
salvação universal. Na prática, é claro, os limites nunca são
muito claros: o Islã às vezes se toma uma forma de chau-
vinismo árabe; a propaganda do Estado Xintoísta exaltava
os japoneses como uma raça divina; o comunismo excluiu
as classes sociais. No entanto, a distinção entre o ocidenta-
lismo religioso e o secular é válida. Em termos maniqueís-
tas, mais do que em suas variedades seculares, o ocidenta-
lismo religioso tende a ser casto, como uma guerra santa
empreendida contra uma idéia de mal absoluto.
Já vimos como o retrato do Ocidente feito pelos oci-
dentalistas tem matizes religiosos. Vimos também como a

101
102 Ocidentalismo A Ira de Deus 103

visão ortodoxa russa do catolicismo romano como o epítome de Para não imputarmos toda culpa ao Islã, deve-se salien-
tudo o que é desumano e corrupto influenciou as idéias russas so- tar que a idéia de idolatria como o supremo pecado religioso
bre o Ocidente no século XIX. E muitas formas de ocidentalismo vem originariamente do judaísmo. Em termos quantitativos, o
contrastam o vazio do racionalismo ocidental com o espírito pro- judaísmo não é uma religião mundial; mal tem a dimensão de
fundo de qualquer raça ou credo que os ocidentalistas exaltem. uma seita. No entanto, teve uma enorme influência no esta-
Mas mesmo os mais fervorosos eslavófilos nunca consideraram belecimento da idéia de idolatria como um conceito religioso
o Ocidente como bárbaro ou os ocidentais como selvagens. Essa fundamental. Na Bíblia, a idolatria é apresentada em termos
atitude é peculiar a uma certa corrente do Islamismo, a principal de relações pessoais. Deus é o marido e Israel, a esposa, que o
fonte religiosa do ocidentalismo de nossos dias. trai com um amante, um falso deus. A idolatria é o adultério.
O Islarnismo, como uma ideologia, foi apenas parcialmente O Deus ciumento da Bíblia apresenta-se como um marido ciu-
influenciado pelas idéias ocidentais. Sua descrição da civilização mento. Isso é particularmente claro em Oséias. Israel, a espo-
ocidental como uma forma de barbárie idólatra é uma contri- sa, prefere outros amantes a Deus, acreditando que estão mais
buição original para a rica história do ocidentalismo. Isso vai aptos a saciar as suas necessidades materiais. Ela diz: "Seguirei
muito além do velho preconceito de que o Ocidente está atado meus amantes, que me dão meu pão e minha água, minha lã e
ao dinheiro e à cobiça. A idolatria é o pecado mais hediondo e meu linho, meu óleo e minhas bebidas" (Os.2:5).
deve, por isso, ser combatido com todas as forças e sanções à Esses amantes são, na realidade, os grandes poderes da-
disposição do verdadeiro fiel. quele tempo, regidos por deuses estrangeiros: "Tu te prostituíste
Na verdade, o uso metafórico da idolatria para descrever o com os egípcios, teus lascivos vizinhos - e multiplicaste a tua
capitalismo ocidental não é recente, nem o é a visão de que os prostituição para me irritar.... Em tua insaciável luxúria, também
judeus são seus idólatras arquetípicos. Karl Marx, o neto amargo te prostituíste com os assírios; e, prostituindo-se com eles, ain-
de um rabino, certa vez observou: "O dinheiro é o deus ciumento da assim não ficaste satisfeita. Multiplicaste tuas devassidões na
de Israel diante do qual nenhum outro deus existe. O dinhei- Caldéia, terra de mercadores, sem que, contudo, te tenhas sacia-
ro degrada todos os deuses da humanidade e os converte em do .... No entanto não foste como a meretriz, pois desprezaste a
mercadorias." Ele também acreditava que a "letra de câmbio é o paga. [Foste] como uma esposa adúltera, que, em lugar de seu
verdadeiro deus dos judeus. Seu deus é apenas uma ilusória letra marido, recebe os estranhos" (Ez.16:26-32).
de câmbio".' Essa modalidade retórica foi posteriormente adota- Isso demonstra que a visão amedrontadora dos grandes
da por islamistas radicais, alguns dos quais provavelmente leram poderes como potenciais sedutores que rivalizam com o reino
Marx antes dos textos islâmicos. Mas o uso literal da idolatria, que de Deus é tão antiga quanto a Bíblia judaica. A relação entre
emergiu entre os políticos islamistas, é uma letal inovação. marido e mulher não é a única metáfora formativa para a
104 Ocidenta/ismo
A Ira de Deus 10 5

idolatria nos textos religiosos. A linguagem bíblica está repleta política de nossos dias não apenas em termos políticos, mas
de metáforas inspiradas na soberania política para descrever a também teológicos. Os países muçulmanos com governos se-
lei de Deus. Este, afinal, é o único e legítimo rei do universo culares são acusados pelos islamistas radicais de idolatria, ou
e reina exclusivamente sobre Suas criaturas. É por isso que as tajhil. Essas acusações começam com sermões religiosos, mas
pessoas deveriam adorá-Lo. A idolatria é a violação dessa ex- rapidamente se traduzem em ativismo político contra os agen-
clusividade. tes da idolatria no mundo muçulmano, geralmente as pessoas
As lideranças dos grandes poderes são constantemente no poder, e o principal articulador por trás desses agentes é o
acusadas de soberba por invadirem os domínios de Deus. Foi Ocidente idólatra.
isso que Deus pediu que Ezequiel dissesse ao príncipe de Tiro: O termo para idolatria, ou ignorância religiosa, é jahiliyya,
"Porquanto o teu coração se elevou e disseste: 'Eu sou Deus, que descreve o estado de ignorância dos árabes antes das reve-
sobre a cadeira de Deus me assento no meio dos mares'; e não lações do Profeta. Mas o respeitado especialista em Islã Ignaz
passas de homem, e não és Deus, ainda que estimes teu coração Goldziher (1850- 1921) discordou da tradução convencional de
como se fora o de Deus ... Juro que trarei sobre ti estrangeiros, jahiliyya como ignorância e preferiu o termo "barbárie". Para
os mais terríveis entre as nações" (Ez.28:2 -7). ele, os muçulmanos acreditavam que Moisés fora enviado para

A combinação entre idolatria e soberba nos grandes po- erradicar a idolatria dos bárbaros e, assim, eliminar a barbárie.

deres que circundavam Israel toma-se explícita nas palavras de Essa é uma correção importante, que ajuda no entendimento

Isaías (2:7-8): "Sua terra está cheia de prata e ouro, e seus tesou- da força do uso atual da "nova jahiliyyd' como uma forma mais
doentia de barbarismo.
ros não têm fim; sua terra está cheia de cavalos, e seus carros
A palavra jahili é análoga ao modo como os gregos com-
não têm fim. Também sua terra está cheia de ídolos; inclinam-se
preendiam a "barbárie". A distinção entre "nós", os gregos, e
diante da obra de suas mãos, daquilo que seus próprios dedos
"eles", os bárbaros, é uma distinção entre duas espécies de seres
fabricaram." Carros e cavalos eram o armamento pesado de
humanos. Os romanos usavam-na para se referir àqueles que
então e os principais símbolos dos grandes poderes. Tudo o
viviam além dos limites da civilização romana, rudes selvagens.
que precisamos fazer para atualizar essa passagem é mudar os
Os bárbaros não eram propriamente humanos. É essa conota-
nomes dos grandes poderes e as armas de seu arsenal. O ódio
ção que ,t;XpFessatoda a força da idéia de uma nova jahiliyya,
contra eles continua o mesmo.
a barbárie 'de nossos dias, que emerge do Ocidente. A nova
A idolatria toma-se tema de debate tão logo uma autori-
jahiliyya é uma idéia desumanizadora que alimenta uma nova
dade mundana exige para si uma lealdade política que rivaliza
guerra santa contra o mal, o qual é combatido em termos abso-
com a que devemos a Deus. Os islamistas vêem a realidade
lutamente maniqueístas.
106 Ocidentalismo A Ira de Deus 107

'.
o às trevas. Eles estavam separados, mas havia uma instabilidade
inerente ao reino das trevas, uma vez que não poderia haver
o maniqueísmo, fundado na Pérsia por Mani no século III, riva- qualquer harmonia ou equilíbrio no mal. Um dia, o demônio,
lizou seriamente, então, com o cristianismo, a fim de se tornar ao percorrer a fronteira entre os dois reinos, entreviu o reino
a religião dominante no Império Romano. Ainda havia comu- da luz e desejou para si aquele território. E assim, ao invadir o
nidades maniqueístas na China nos séculos XIV e XV. Hoje, em- reino do bem, o reino das trevas tornou-se o império do mal.
bora não mais exista como religião, resquícios de sua visão de Isso levou a uma luta cósmica entre as forças do bem e do mal,
mundo ainda se encontram entre nós. Emprega-se como um e o mundo, como o conhecemos, foi criado como conseqüên-
clichê para descrever qualquer doutrina que veja o mundo em cia dessa guerra. Um detalhe dessa batalha cósmica é digno de
branco e preto, discriminando entre "nós", os filhos da luz, e nota. A matéria do mundo é criada a partir dos príncipes das
"eles", os filhos malévolos das trevas. Quando Ronald Reagan trevas, e a Terra é feita de seus dejetos; a Terra simboliza a ma-
se referiu à União Soviética como o "império do mal" e George téria, e a atitude negativa em relação à Terra é uma atitude
W Bush agrupou a Coréia do Norte, o Irã e o Iraque no "eixo negativa em relação à matéria em geral.
do mal", falavam em termos maniqueístas. O retrato maniqueísta dos dois reinos, o do bem e o do
Há, no entanto, um modo mais profundo pelo qual o ma- mal, distintos e independentes, regidos por forças igualmente
niqueísmo ainda está em vigor. O Ocidente, na visão ociden- poderosas, compartilhado pela fé zoroástrica da Pérsia, é ina-
talista, cultua a matéria; sua religião é o materialismo, e a ma- ceitável para as religiões monoteístas, inclusive o Islã. Na visão
téria, na visão maniqueísta, é o mal. Ao idolatrar o falso deus bíblica, só é possível haver uma fonte para toda a existência, e
da matéria, o Ocidente torna-se um reino do mal, que espalha essa fonte é Deus: "Eu sou o Senhor, e não há outro ... Eu formo
o seu veneno ao colonizar o reino do bem. É por isso que, a luz e crio as trevas, eu faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor,
em 1998, Osama bin Laden convocou todos os muçulmanos faço todas essas coisas" Os.45 :5-7l.
a lutarem uma guerra santa contra "as tropas americanas de Também no Islã a idéia de dois reinos é considerada uma
Satã e seus aliados demoníacos". Nos termos do ocidentalismo heresia. No entanto, visto que é difícilconciliar a criação do mal e
religioso, a batalha contra o Ocidente não é apenas uma luta a benevolência de um Deus supremo, ainda se encontram traços
política, mas é igualmente um drama cósmico, muito seme- do maniqueísmo nas religiões monoteístas, mesmo com a rejei-
lhante ao drama do maniqueísmo. ção d~·doutrina dos dois reinos. Isso pode ser visto nas atitudes
Como muitas religiões, o maniqueísmo formou-se em tor- religiosas em relação à matéria. O Deus da Bíblia hebraica criou
no de um mito da criação. No princípio, havia dois reinos, o a matéria quando Ele criou o mundo e pronunciou que era bom.
reino do bem, simbolizado pela luz, e o reino do mal, em meio Mas a matéria ainda era uma forma inferior de existência, muito
108 Ocidentalismo A Ira de Deus 109

distante do espírito divino. Os cristãos acreditam que Deus fez-se do à sua própria sorte, livre da "ocidentoxicação", é o reino da
carne na figura de Jesus, Seu filho, mas essa história de encama- profunda espiritualidade. A batalha entre o Ocidente e o Oriente
ção apenas destaca o sacrifício envolvido no ato de encarnar-se é uma luta maniqueísta entre os adoradores idólatras da matéria
diante dos homens, uma vez que a carne não é apenas fraca, mundana e os verdadeiros adoradores do espírito divino.
mas também degradante. A matéria toma-se decadente e jamais Para ser exato, a noção de um Ocidente capitalista e ma-
poderá ser o meio apropriado para o eterno ente divino. terialista que cultua falsos deuses não é defendida apenas pelos
É provável que os filhos da luz, como eles próprios se de- ocidentalistas religiosos. Já mencionamos Karl Marx. Um mate-
nominam, da seita do mar Morto, ao combater os filhos das rialista dedicado, ele apresentava o "fetichismo da mercadoria"
trevas, tenham influenciado a distinção paulina entre a carne como a ilusão de que as mercadorias têm valor, muito seme-
e o espírito - a carne correspondendo ao lado negativo dessa lhante à crença dos fetichistas religiosos na sacralidade de seus
divisão. Também no platonismo, a matéria é vista como a mais objetos. É a falsa convicção de que os objetos têm um valor
baixa forma de existência. Agostinho, que iniciou como um se- inerente ou um conteúdo sagrado, quando, na realidade, eles
guidor do maniqueísmo, tornou-se depois um feroz antagonista derivam todos os seus valores e propriedades sagradas das re-
dessa doutrina. Mas, como platonista cristão, ele guardou uma lações humanas. Um objeto é sagrado somente porque nós o
atitude negativa em questões relacionadas à carne. santificamos. Uma mercadoria tem um valor, um valor de troca,
A idéia de que o corpo é inerentemente imperfeito e afeito porque assim a valoramos e não devido a algum valor intrínse-
à corrupção continua a exercer influência tanto no Cristianismo co. O capitalismo moderno favorece as ilusões, eos adoradores
quanto no Islamismo. O corpo humano está sujeito aos desejos da mercadoria e do dinheiro que nelas acreditam estão tão ilu-
sexuais que resultam em depravação moral. A carne não só é in- didos quanto os adoradores fetichistas.
digna de Deus, mas indigna do próprio homem. Pois o homem Assim, o capitalismo burguês, associado ao Ocidente, é acu-
aparta-se da matéria por ter em si o espírito divino, por ter uma sado de fetichismo tanto pelos materialistas quanto pelos fiéis
alma. Exatamente por isso, ao contrário de outras criaturas , os religiosos. Os ocidentalistas religiosos vêem o culto ocidental ao
seres humanos podem experimentar uma forma de existência dinheiro e às mercadorias como algo semelhante ao culto pagão
mais nobre, mais elevada e mais espiritual. às árvores e às pedras, muito distante da esfera espiritual que
Isso leva ao âmago do ocidentalismo religioso, como abra- é digna de devoção. E os marxistas vêem o culto capitalista à
çado pelos islamistas radicais. A matéria, na visão ocidentalista, mercadoria como algo semelhante à própria ilusão religiosa.
que é compartilhada por alguns hinduístas extremistas e pelos Alguns ideólogos religiosos, como Ali Shari' ati, um inte-
japoneses xintoístas do pré-guerra, é o deus do Ocidente; e o lectual pioneiro do Islã revolucionário iraniano, tentaram apro-
materialismo, a sua religião. O Oriente, por outro lado, se deixa- priar-se de temas marxistas, tais como o fetichismo do merca-
110 Ocidentalismo A Ira de Deus 111

do, para tecer sua crítica islamita ao Ocidente. Shari' ati atribuía Fanon, foi tanto estratégico quanto substantivo. No plano es-
muitos males ao Ocidente e àquilo que de lá era importado tratégico, ele acreditava que as massas somente poderiam ser
pelos países sob o poder de seu feitiço - imperialismo, sionismo recrutadas com a ajuda de uma ideologia que elas reverencias-
internacional, colonialismo, corporações multinacionais, e assim sem - ou seja, a religião. Mas o que os marxistas consideravam
por diante -, mas pior do que tudo mais era o gharbzadegi, a metaforicamente como fetichismo ele, um radical xiita, tomou
adoção cega e irracional da cultura ocidental. literalmente como idolatria.
Shari'ati estava convencido de que havia apenas uma ma- Isso não está posto tão explicitamente na obra de Shari' ati
neira de os povos do Terceiro Mundo combaterem as enfermi- como o está na de outros escritores radicais islamitas, mas ele
dades do Ocidente. Eles teriam de desenvolver uma identidade estabeleceu a base para tornar essa idéia de idolatria tremenda-
cultural em torno da religião. Em seu caso, isso significava o Isla- mente influente. Desta forma, Shari' ati via o Islã radical como
mismo, preferencialmente o xiita. Ele via a religião, não o mar- um movimento iconoclasta destinado a destruir os ídolos do
xismo, como uma força potencialmente libertadora. Enquanto Ocidente, que haviam se tornado objeto de veneração no Ter-
ainda trabalhava como professor de escola primária, traduziu e ceiro Mundo, em geral, e nos países islârnicos, em particular.
publicou Abu Dharr: lhe God Worshiping Socialist (Abu L1harr: A acusação à idolatria não é, entretanto, meramente uma
um socialista temente a Deus), livro escrito por um egípcio cha- repetição da banal asserção de que o Ocidente é secular. De
mado Abdul Hamid Jowdat al-Sahar. Abu L1harr era um dos qualquer forma, essa idéia é dúbia, pois dificilmente se apli-
discípulos do Profeta o qual exigia justiça para os pobres e de- ca aos Estados Unidos, onde a religião organizada ainda viceja,
nunciava os ricos por abandonarem o verdadeiro Deus em prol mesmo nos mais altos círculos governamentais. Ainda assim, é
do deus do dinheiro. Shari' ati considerava L1harr um herói da comum pressupor que modernização significa secularização.

história islâmica: "Queremos o Islã de Abu Zahar ll.lharrl, não O Ocidente, segundo consta, passou por uma revolução

aquele do palácio Real; de justiça e verdadeira liderança, não a- industrial que o tornou drasticamente mais rico que as outras
quele dos califas e da estratificação de classes.'? partes do mundo, mas também lhe arrancou as raízes que o
A relação de Shari' ati com o marxismo era complicada. ligavam à tradicional sociedade agrária do passado. A industria-
Ele o usava como uma ferramenta de análise da sociedade e lização envolveu
, . uma aplicação constante de ciência e tecnolo-

nunca pensou nos marxistas como hereges. Estes, em sua visão, gia, que invariavelmente levaria à secularização, uma vez que a
eram julgados no Corão, não por suas crenças metafísicas, mas produção racional em uma sociedade industrial exigia que se in-
por suas ações. Entretanto, seu afastamento do marxismo e dos vestigasse o modo como as coisas funcionam, suas causas e seus
pensadores seculares radicais do Terceiro Mundo, como Frantz efeitos. Criou o que o sociólogo alemão Max Weber chamou
112 Ocidentalismo A Ira de Deus 113

de "o desenc~ntamento do mundo", que significava a remoção é O mais confiável guia da vida", ele implementou um sistema
do fascínio da religião que encobria a relação entre causas e de educação secular e fechou todas as instituições que tinham
efeitos. Esse retrato da modernização, atando o crescimento por base a lei canônica muçulmana. No governo de Atatürk, o
econômico ao rompimento com a sociedade tradicional e a secularismo tornou-se uma outra forma de fé dogmática. Os re-
religião, era considerado especialmente persuasivo pelos refor- formadores chineses do final do século XIX tinham uma crença
madores dos países não-ocidentais. E eles não estavam com- semelhante no cientificismo. E essa fé racionalista teve sua im-
pletamente errados, mas, infelizmente, suas conclusões leva- portância em todos os países que se renderam a uma ou outra
ram-nos a extremos e o mesmo é válido para seus oponentes forma do socialismo estatal.
religiosos, que por fim se rebelaram. Pode ou não ser verdade que a secularização, ou ao me-
Para muitos reformistas, o rompimento com o modelo nos a retirada da religião-da esfera política, seja uma condição
tradicional tinha que ser total. Geralmente começava com um necessária para a modernização e para o crescimento econô-
ataque ao modo como as pessoas se vestiam e se barbeavam. mico. O fato é que muitos reformadores nos países não-oci-
Pedro, o Grande, obrigou os boyars, ou aristocratas rurais, a dentais acreditavam nisso e estavam preparados para reforçar
raspar a barba e os sacerdotes a proferir sermões sobre as essa idéia com brutalidade suficiente, a fim de fazer com que as
virtudes da razão. Mas isso era pouco quando comparado a pessoas de fé se sentissem seriamente ameaçadas. A reação ra-
Kemal Atatürk, que jurou em 1917 que, se algum dia chegasse dical a essas ameaças secularistas era ver o Ocidente não como
ao poder, mudaria de um só golpe a vida social na Turquia. se ele estivesse livre da religião - literalmente, como um Oci-
E, em 1923, deu início a seu projeto. A indumentária oriental, dente sem Deus -, mas como se fosse algo ainda pior. O
geralmente portadora de um significado religioso, foi abolida. Ocidente, para os radicais religiosos, aparentava estar escravi-
As mulheres não mais podiam usar véu e, como os líderes zado pelo deus do materialismo, falso e integralmente corrup-
japoneses da era Meiji, ele incentivou bailes sofisticados e ou- to. Essa mudança radical - vendo o secularismo do Ocidente
tras formas de entretenimento à moda ocidental. Como os não como um fim da religião, mas como um culto idólatra a
japoneses, acreditava que o estilo ocidental era essencial para falsos deuses - precisa ser explicada.
se tornar uma nação moderna.
Se roupas e penteados são sinais superficiais de mudança, a o
demolição dos "muros monásticos", para usar outra metáfora de
Weber, era considerada por muitos, inclusive por Karl Marx, co- A idolatria nas religiões judaico-cristãs pode assumir duas for-
mo um ingrediente essencial para a modernização. Novamente, mas: culto ao deus errado, que é uma forma de prostituição; ou
Atatürk oferece-nos um bom exemplo. Alegando que "a ciência culto ao deus correto, mas na forma errada. Não está claro se o
114 Ocidentalismo A Ira de Deus 115

'.
pecado de dançar ao redor de um novilho de ouro descrito na menos reconheciam Alá, embora de forma distorcida. A nova
Bíblia é .um exemplo da primeira ou, como acreditava Lutero, jahiliyya, ainda mais nociva, é o principal alvo do moderno Islã
da segunda Ceste é o Seu Deus, ó Deus de Israel"). Esta últi- radical e, portanto, o cerne do ocidentalismo religioso.
ma opção significaria que a vontade de Deus, que prescreve os Um dos mais veementes defensores de uma guerra contra
meios apropriados de adoração, fora deliberadamente violada. a nova jahiliyya foi um pensador e ativista iraniano chamado
No pensamento islâmico, a idéia predominante de idolatria Sayyid Muhamud Taleqani 0910-1979). Ele teve uma vasta in-
não se adapta exatamente a nenhuma das categorias acima. Os fluência na formulação da ideologia da revolução islâmica no
idólatras originais eram os árabes gentios que atribuíam ações Irã. O pai de Taleqani, um relojoeiro culto e devoto, introduziu
que são exclusivamente atos de Deus (Alá) a outros agentes, seu filho nos estudos do Corão. No início dos anos de 1930,
bem como a Ele. A crença na participação (shirk) desses outros Taleqani matriculou-se no novo e ilustre seminário na cidade
agentes era o que os tornava idólatras. Os anjos eram desconsi- sagrada de Qom.
derados, pois eram os servos da vontade de Deus. Mas a crença O Irã era governado, então, pelo xá Reza Pahlevi, um ho-
maniqueísta de que o mundo fora criado por forças vindas de mem forte e militarista nos moldes de Atatürk, cujo desprezo
dois reinos distintos seria um perfeito exemplo de idolatria. pela religião organizada era tão forte quanto o de seu filho, Mo-
A idéia islâmica de idolatria foi moldada pela realidade do hammad Reza Pahlevi, que foi deposto em 1979 pela revolução
panteão de deuses pré-islârnico na Arábia. Alá, antes das revela- islâmica. Reza Pahlevi tomou o poder num golpe de Estado em
ções de Maomé no século XVII, era meramente um entre iguais 1921 e, imediatamente, instigou as reformas radicais, como a
- nem só, nem onipotente. Naqueles dias primordiais da antiga emancipação feminina e a destruição dos privilégios tribais e cle-
jahiliyya, a era da ignorância, a idolatria era a crença não em um ricais. Como outros zelosos moderniza dores, ele primeiramente
deus que substituísse Alá, mas em deuses que ainda existiam da atacou os modos tradicionais de vestir, até mesmo com violên-
mesma forma que Alá. Os árabes não poderiam fazer melhor cia. Os soldados percorriam as cidades, ordenando às mulheres
até então. A nova jahiliyya, associada aos efeitos da "ocidentoxi- que tirassem seus véus, às vezes sob a mira de uma arma, e aos
cação", é, evidentemente, uma questão bem diferente. clérigos, seus turbantes. Os fiéis foram então proibidos de segui-
O culto ocidental à vida material é uma forma bem mais rem na hajj a Meca e os estudantes religiosos que protestaram
ra~ical e perigosa de idolatria, uma vez que se devota a um deus foram alvejados nas ruas.
"estranho", cuja intenção é substituir o verdadeiro e único Deus. Tal~qàni, compreensivelmente ultrajado por essas medidas,
Isso não é uma idolatria ativa mas uma negação absoluta de Alá, aliou-se a um grupo militante denominado Islã Fada'iane-e e
que é claramente pior do que a ignorante idolatria dos árabes ajudou a esconder um perigoso assassino chamado Imami. Sua
antes da vinda de Maomé. Na antiga jahiliyya, os gentios ao fama imorredoura provém, no entanto, de suas leituras revolu-
116 Ocidentalismo
A Ira de Deus 117

cionárias do Corão. Ele proporcionou uma alternativa religiosa abolida. Qutb assim o expressou: "Somente no estilo de vida
radical à ideologia revolucionária secular do Tudeh, o partido islâmico todos os homens serão livres da opressão de alguns
socialista. Em sua glosa do Corão (2: 105), identificou "os mate- homens sobre outros e devotar-se-ão apenas ao culto a Deus,
rialistas infiéis deste século" como a moderna versão da jahiliyya buscando somente a Sua orientação apenas e curvando-se so-
bárbara pré-islâmica. E culpou os judeus e os cristãos por su- mente diante Dele."
cumbirem à nova idolatria ao assumirem como seus os interes- O principal rival secular do Islã revolucionário era o socia-
ses econômicos do colonialismo. lismo revolucionário. Tanto no Egito quanto em outras partes,
Sayyid Qutb, um ativista egípcio da Irmandade Muçulma- o radicalismo religioso e o marxista afastaram qualquer outra
na, levou essa idéia de nova jahiliyya a extremos mais violentos. possibilidade de uma política democrática mais liberal. O fra-
Para Qutb, todo o mundo, do Cairo decadente à bárbara Nova casso do Estado socialista em alguns países do Oriente Médio
York, estava em estado de jahiliyya. Ele via o Ocidente como um e de Estados-policiais de direita em outros abriu caminho para
grande bordei, impregnado de luxúria animal, cobiça e egoísmo. aqueles que pregavam a revolução islâmica.
Ao pensamento humano, no Ocidente, "era dado o status de di- Na verdade, entretanto, a transformação de Sayyid Qutb
vino".' A cobiça material, o comportamento imoral, a desigual- em um ocidentalista religioso levou algum tempo. Filho de um
dade e a opressão política somente acabariam quando o mundo professor de província, ele se interessava por literatura inglesa e,
se rendesse a Deus e Suas leis. A oportunidade de morrer numa em certo momento até pregava o nudismo como uma saudável
guerra santa permite aos homens superar as ambições egoístas e inovação moderna. Nos anos 1940, ingressou em um seminá-
os opressores corruptos. Mas, mesmo acreditando que a guerra rio , afiliado à famosa universidade islâmica de Al-Azhar, onde
contra os judeus deveria ser travada com a adoção de todos iniciou, com seriedade, sua busca por orientação no Corão.
os meios possíveis, Qutb não pregava um ataque violento aos Quando, em 1948, Qutb foi enviado pelo ministro da Edu-
Estados ocidentais. Seus alvos imediatos eram os governantes cação egípcio para estudar nos Estados Unidos por dois anos, a
ocidentalizados do Egito e de outras nações islâmicas. fim de aperfeiçoar seu inglês, essa experiência o transformaria
Havia uma audiência disposta a ouvir a mensagem de Qutb. em um verdadeiro ocidentalista. Havia muitas coisas na vida
Ele atraía aqueles que se sentiam humilhados e oprimidos pelo americana que o chocavam, não só na hedonista Nova York,
colonialismo europeu e pelos monarcas corruptos, beberrões e mas até mesmo na tranqüila Greeley, no Colorado, cujos gra-
mulherengos, secundados por ditaduras militares. Um dos ape- mados bem ~cortados desgostavam-no como símbolos de um
los tradicionais do Islã era a sua promessa igualitarista, de um individualismo impensável. O espetáculo de jovens mulheres
mundo no qual a competição econômica Cambição egoísta") dançando ao som de um sucesso das paradas, "Baby, It's Cold
não mais dividiria a comunidade muçulmana e a tirania seria Outside", pareceu-lhe horrível. E ele ficou estarrecido com o
118 Ocidentalismo A Ira de Deus 119
"

modo frívolo de os pastores locais atraírem o seu rebanho, can- relacionava fundamentalmente a diferentes idéias acerca da co-

tando hinos jazzísticos e coisas afins. No entanto, foi capaz de munidade humana. O tipo de sociedade associado aos conspira-

apreciar alguns aspectos da cultura ocidental. Num museu de dores judeus tem por base o indivíduo, que é movido pelos seus

Nova York, ficou tão maravilhado com uma pintura de Franz próprios interesses. A idéia de comunidade de Qutb definia-se

Marc, retratando uma raposa, que passou uma hora a contem- pela fé pura, da mesma forma que o Estado nazista tinha por

plá-Ia e ficou espantado que os americanos, na pressa de verem base a raça pura. "Os agentes judeus" poluem a pureza dessas co-

todas as obras da exposição, apenas dessem uma olhadela. Cla- munidades e devem, por isso, ser erradicados. Mas nesse choque

ramente, pensou ele, os ocidentais eram incapazes da contem- cultural entre o Islã e a nova jahiliyya, o Estado socialista nos mol-

plação espiritual e estética. des soviéticos adotado por Nasser era um inimigo tão importante

Essa experiência, combinada com a memória do domínio quanto a cobiça judaica e o individualismo ocidental.

colonialista inglês no Egito e com as agressivas reformas mo- Foi apenas após o seu regresso ao Egito, vindo dos Estados

dernizadoras do regime de Camal Abdel Nasser, transformou Unidos, que Qutb juntou-se à Irmandade Muçulmana e traba-

Qutb num zeloso islamista e ocidentalista religioso. Seu furio- lhou arduamente para desenvolver uma ideologia islâmica que

so anti-sernitisrno era parte integrante disso. Qutb gostava de confrontasse as principais ideologias do Ocidente. No Islã tradi-

citar uma notória falsificação russa do século XIX, The Protocols cional, os judeus e os cristãos, como os povos do livro, não eram

af the Elders af Zion (Os protocolos dos anciãos de Sião), como considerados idólatras. A nova jahiliyya, no entanto, era diferen-

uma evidência das conspirações mundiais dos judeus e estava te. Infelizmente, mesmo os cristãos e judeus praticantes haviam

convencido de que "qualquer um que afaste a comunidade comprometido sua fé ao permitir que os governantes mundiais

[muçulmana] de sua religião só pode ser um agente judeu"." usurpassem o reino de Deus. O grande choque mundial, então,

Escreveu que a idéia de cultura como uma herança humana era entre a cultura d? Islã, a serviço de Deus, e a cultura da iahi-

comum, transcendendo as barreiras religiosas, raciais e nacio- liyya, a serviço das necessidades físicas que degradam os seres

nais, era "um dos truques empregados pelos judeus", a fim de humanos ao nível das bestas. Tudo o que tem valor na cultura

"se infiltrarem no corpo político de todo o mundo e perpetuar jahiliyya é comida, bebida, sexo e conforto material, coisas pró-

seus maléficos desígnios".' No topo desses desígnios estava a prias a an.i,?'la;s.Na verdade, a jahiliyya é até mesmo pior do

usura, pela qual toda riqueza mundial cairia "nas mãos das que isso: é a cultura de animais extremamente arrogantes que

instituições financeiras judaicas". tentam igualar-se a Deus.

Como já salientamos em nossa discussão sobre a Cidade A jahiliyya, na visão de Qutb, não estava restrita aos países

do Homem, o conflito aqui não era apenas religioso, mas se ocidentais. Os indianos e os japoneses eram adoradores dos
120 Ocidentalismo A Ira de Deus 121

mesmos ídolos bestiais. Até mesmo podia ser encontrada - e çulmanos. Seu objetivo era restabelecer a soberania de Deus

isso talvez fosse o aspecto mais importante para Qutb - em na Terra, revivendo o califado. A soberania popular era fraca,

países que alegavam ser islâmicos, para ele um sinal da mais alta porque negava o domínio de Deus. Era isso que ele queria dizer

hipocrisia. Mas o centro da nova jahiliyya, sua Roma, por assim quando, ao se dirigir aos muçulmanos paquistaneses em 1948,

dizer, estava claramente localizado no Ocidente. Dali vinha toda afirmou que participar da manutenção de uma "democracia na-

corrupção. A idéia do Ocidente como menos que humano é o cionalista" era "ser um traidor do Profeta e de Deus". Para ele, o

que fez Qutb um alto sacerdote ocidentalista. nacionalismo muçulmano era uma expressão tão contraditória

Qutb foi fortemente influenciado pelas teorias do ideólo- quanto "uma casta meretriz". Era um "sistema sujo, podre"." Isso

go paquistanês Abu-l-A'la Maududi, que concebeu a idéia de se assemelha, aliás, às crenças de alguns judeus ultra-ortodoxos,

uma nova jahiliyya e defendeu um Estado islâmico governado que se recusam a reconhecer o Estado de Israel como uma en-

de acordo com a sharia. Maududi foi um ativo jornalista nos tidade secular e nacionalista em vez de religiosa.

anos 1920, quando a Índia ainda estava sob o domínio da In- Em 1941, Maududi fundou o Jamaat i-Islarni, um partido

glaterra. Aluno do Dar ul-Ulum, um seminário indiano que era religioso militante, que, apesar de seus objetivos metafísicos,

tão importante quanto o Al-Azhar egípcio, Maududi pregava tomou ao leninismo muito de sua organização. Depois do nas-

um Islã revolucionário. Ao contrário de Qutb, ele tinha pouco cimento do Paquistão em 1947, Maududi, como o líder do [a-

conhecimento da cultura ocidental. Maududi aprendeu inglês maat, tentou ao máximo "combater os inimigos do Islã". E o fez

sozinho, devido somente ao seu trabalho jornalístico, mas não de uma forma que apenas pode ser descrita como maniqueísta,

o usava além disso. Seu objetivo último era uma forma de pois afirmava com ênfase que o Corão reconhecia apenas dois

limpeza religiosa. A sociedade islâmica deveria ser purgada da partidos: o partido de Deus, formado pelos verdadeiros muçul-

influência ocidental, e Maududi outorgou-se a tarefa de expor manos, e o partido de Satã, que incluía todos os outros.'

a nova jahiliyya e imunizar os islâmicos cultos contra a influên- A questão, porém, não é a visão positiva de Maududi do

cia dos agentes ocidentais. primitivo Estado religioso, mas sim a sua idéia negativa do

Depois de 1937, ele se tornou um ativista político islâmico. Ocidente, percebida na sua noção de idolatria, a nova jahiliyya,

Na sua visão, o Estado indiano secular era tão ameaçador ao emanando do Ocidente. Assim, em Taleqani, Qutb e Maudu-

Islã puro quanto o jugo colonialista inglês. A democracia, o bra- di, temos. três-poderosos ideólogos do Islã político, vindos de

vo ideal dos nacionalistas indianos, era, para Maududi, apenas diferentes tradições muçulmanas (sunita e xiita) e diferentes

uma forma de introduzir sorrateiramente o modelo hinduísta países (Irã, Egito e Paquistão), mas que, ainda assim, comparti-

de Gandhi pela porta dos fundos a fim de infligi-lo aos mu- lham uma visão de mundo semelhante. Eles viam o Ocidente,
122 Ocidentalismo A Ira de Deus 123

em termos iguais, como a fonte da nova jahiliyya, o viveiro da "Os povos da Ásia uniram-se para enfrentar a economia acu-
mulativa que o Ocidente desenvolveu e impôs às nações do
idolatria, o mais baixo modo de existência, que deveria ser
Oriente ... A fé que vocês representam reconhece o valor do
erradicado da face da Terra.
indivíduo e o disciplina a abrir mão de tudo para servir a Deus e

o aos homens ... Esse supremo idealismo de nossa fé, no entanto ,


exige a emancipação do imaginário medieval dos teólogos e dos
legisladores. "9
É possível ser um crítico do Ocidente - e particularmente do
Isso demonstra não apenas o desejo de Iqbal de ver méri-
colonialismo ocidental e do secularismo - a partir de uma pers-
to nas reformas modernas, mas também sua preocupação com
pectiva muçulmana, sem aludir ao ocidentalismo? Na verdade,
a idéia do eu, ou hhudi. Ele considerava o completo desenvol-
é. Há uma doutrina, freqüentemente relacionada à idéia de jahi-
vimento do eu como um objetivo humano. O lema de Iqbal
liyya 1').0 pensamento radical islâmico, denominada tawhid, ou
era o versículo do Corão: "Em verdade, Deus não mudará a
a "unidade de Deus". É possível que alguém derive seus ideais
condição dos homens até que transformem o que há dentro
políticos dessa doutrina sem que seja um ocidentalista.
de si." O que quer que se faça disso, as idéias de Iqbal sobre
Quem fez isso foi o poeta, filósofo e reformista social
o eu estavam próximas daquilo que de forma estereotipada é
Muhammad Iqbal 0877-1938), considerado por muitos o pai
visto como a preocupação ocidental com o indivíduo. Como,
espiritual do Paquistão. Ele pode ser visto como um pensador
então, ele reconciliou a tensão que naturalmente ocorre quan-
tawhid, que tomou a idéia coletiva de unidade de Deus como
do Deus e o eu humano são colocados no centro da vida?
a base de sua política. Nessa visão, a unidade e a harmonia da
Na verdade, Iqbal não via qualquer contradição, desde que a
sociedade humana, com base na justiça, na igualdade e na soli-
doutrina da unidade de Deus fosse adequadamente compre-
dariedade, deveriam espelhar a unidade de Deus. Iqbal era um
endida. Em sua visão, um Estado islâmico, sob a lei da sharia,
homem prático, que não insistia em um Estado islâmico pu-
proporcionava as c<;mdiçõesideais para o desenvolvimento in-
ro. Estava até mesmo preparado para conviver com governos
dividual. Mas, se ele verdadeiramente acreditava nisso, de que
seculares, desde que os valores islâmicos fossem respeitados.
modo diferenciava-se de outros islamistas radicais cuja com-
Até mesmo o materialismo não era ruim per se. De fato, um
certo nível de materialismo ajudava a combater o engenho dos preensão da unidade de Deus é totalmente hostil ao Ociden-

mulás e dos sofistas." te? O que é, 'em suma, que faz Iqbal um crítico do Ocidente e
Sayyid Qutb um ocidentalista?
A principal crítica de Iqbal ao Ocidente dizia respeito ao
A diferença não é apenas uma questão de estilo, embora
que ele via como exploração econômica. Num pronunciamen-
este seja importante. Rancor e ressentimento são questões de
to à Conferência dos Muçulmanos da Índia, em 1932, ele disse:
124 Ocidentalismo A Ira de Deus 125

estilo. E nã't>há dúvida de que Qutb estava cheio de ressen- muçulmana é jahiliyya ... assim como o é qualquer sociedade na
timento, enquanto Iqbal estava livre de sentimentos rancoro- qual algo além de Deus seja adorado." 11

sos. O· encontro de Iqbal com o Ocidente foi, de fato, muito O Islã nominal não é suficiente para os islamistas como o é
favorável. Seu professor na Índia foi Sir Thomas Arnold, um para Qutb. Para ele, até mesmo os países que se definam como
conhecido especialista do Islã. Da Escola de Governo, em Laho- islâmicos estão em estado de idolatria. Islamistas radicais não
re, Iqbal seguiria para Trinity CoIlege, em Cambridge, e de lá mais acreditam na tradicional divisão muçulmana do mundo
para Munique, onde escreveu sua dissertação sobre a metafísica entre o domínio pacífico do Islã e o domínio bélico dos infiéis.
na Pérsia. Portanto, suas experiências pessoais do Ocidente são Para eles, todo o mundo é agora o domínio da guerra. Dificil-
bem diferentes das de Qutb. Mas a distinção entre um crítico e mente há um país no qual a soberania de Deus não precise ser
um ocidentalista é mais que biográfica. restaurada; um Estado deve ser totalmente governado pela lei
Iqbal jamais desumanizou o Ocidente. Sua idéia da uni- religiosa. Assim todos podem ser convocados a serem fiéis, mas
dade de Deus, como a encontrou no Islã, não era um ideal é uma oferta que ninguém pode recusar impunemente.
exclusivista. Ele estava convencido de que "todos os homens e O objetivo da guerra santa, da jihad, nas palavras de Qutb,
não apenas os muçulmanos estão destinados ao Reino de Deus é "conferir autoridade apenas à lei sagrada e eliminar as leis
na Terra, desde que eles dêem adeus aos ídolos da raça e da criadas pelos homens". A declaração de guerra não é apenas
nacionalidade e tratem uns aos outros como personalidades"." metafórica, pois "tudo isso não será feito com sermões ou dis-
O Islã, na visão de Iqbal, é o melhor caminho para a afirmação cursos. Aqueles que usurparam o poder de Deus na Terra e
da unidade de Deus e para o desenvolvimento do eu, mas ele escravizaram seus seguidores não serão destituídos apenas pela
admite que talvez haja outros caminhos. Aqueles que se des- força da palavra"." O clamor de Qutb, agora adotado por todos
viam do caminho de Iqbal podem estar errados, mas isso não os islamistas radicais, é por uma revolução violenta. Isso deve
os torna menos humanos. ser levado a sério, porque é mais do que uma fantasia de pureza
Os islamistas radicais têm uma visão mais exclusivista da religiosa, retrocedendo ao Estado muçulmano ideal na Medina
unidade de Deus, a qual vêem como uma unidade da comuni- no tempo do Profeta. Os revolucionários falam não só do fu-
dade de fiéis, a Umma. Para ser exato, cada ser humano pode turo da comunidade islâmica de fiéis, mas também de aflições
ser tornar um fiel na Unidade de Deus, e unir-se a Umma. A reais, como a vida familiar e as relações homem-mulher.
comunidade mundial do Islã define-se pela fé, não pela raça ou O Ocidente é o alvo principal dos inimigos da idolatria,
pela nacionalidade. Mas, numa perspectiva mais radical, qual-
"' .
mesmci que o ativismo político islamista freqüentem ente se vol-
quer um estranho à comunidade religiosa é um inimigo. Qutb te contra os regimes opressores dos países nominalmente islârni-
é bem claro a esse respeito: "Qualquer sociedade que não seja cosoUm dos motivos para isso é a idéia de arrogância, manifesta
126 Ocidentalismo A Ira de Deus 127

no imperialismo ocidental, que é vista como uma infração ao ainda maior da esfera pública pela autoridade religiosa. O pa-
domínio de Deus. Outro motivo diz respeito à quebra de tabus pel do governante islâmico é impor a moral coletiva no espa-
sexuais - isto é, ao Ocidente como o principal corruptor da ço público. As normas de modéstia sexual não são decisões
moral sexual. Assim os alvos políticos imediatos podem ser os individuais, mas devem ser impostas publicamente por uma
regimes do Oriente Médio e do Sudeste asiático, mas o orgulho autoridade mais elevada. Mesmo hoje, com o ressurgimen-
e a promiscuidade, essas forças corruptoras a serviço da degra- to do Islã, muitos muçulmanos devotos são menos islamistas
dação humana, são as razões que fazem com que o Ocidente políticos que defensores da imposição de uma moral públi-
seja visto como a principal fonte de idolatria. ca. Eles anseiam pelo que consideram ser o modo de vida
tradicional, o qual identificam com o Islã. Mesmo que não
o tenham uma idéia clara sobre qual o Estado islâmico ideal, eles
se preocupam profundamente com o comportamento sexual,
O protestantismo começou a retirada da religião para a esfera a corrupção e a vida familiar tradicional. O Islã, para os fiéis,
privada, mas somente após uma dura batalha. A religião não é a única fonte e o guardião da moral coletiva tradicional. A
evacuou o espaço público facilmente. Na verdade, a Genebra moral sexual diz respeito largamente à mulher; é uma regula-
calvinista era particularmente zelosa em impor a moral pública. ção do comportamento feminino. É assim porque a honra do
Mas em países predominantemente protestantes, ou países ins- homem depende do comportamento da mulher com a qual se
pirados pelo protestantismo, como os Estados Unidos, a retirada relaciona. O tema da mulher não é marginal; está no âmago
da religião para a esfera privada significava que as pessoas co- do ocidentalismo islâmico.
meçavam a ver a esfera pública como domínio da política, e a Muitas vezes se observou em discussões sobre o moderno
religião tornou-se uma questão de "consciência individual". Um Islã que o termo "fundarnentalista" é enganador, porque suge-
bom cidadão deve ser religioso em casa e secular em público. re uma analogia com o fundamentalismo cristão na sua forma
A moral também dizia respeito à consciência individual; não protestante. Uma confusão semelhante envolve a palavra "ra-
haveria qualquer imposição. dicalismo". O fundamentalismo, um retorno, por assim dizer,
A distinção entre o público e o privado moldou muitos às fundações, e o radicalismo, um retorno às raízes, parecem
países liberais do Ocidente, mas é tão estranha ao Islã quanto efetivamente.se originar da mesma metáfora. No entanto ainda
o é para o Judaísmo ortodoxo. A principal diferença entre o se pode tràçar uma distinção no Islã radical entre os islamistas
Islã contemporâneo e o protestantismo não é o fato de o pri- políticos e os puritanos islâmicos. Aqueles, que estão interessa-
meiro ser mais político, mas por insistir numa regulação moral dos no poder e querem estabelecer Estados islâmicos, são c1a-
128 Ocidentalismo A Ira de Deus 129

rarnenteradicais. Estes, que desejam apenas reforçar a moral camente todos os livros de viagem escritos por visitantes ociden-
coletiva, são fundamentalistas. No aspecto geral, podem não se tais as mencionam. Todos ressaltam a separação entre os sexos
diferenciar dos fundamentalistas cristãos, embora se diferenciem (antes de serem chamados de gêneros) e a reclusão da mulher
drasticamente nos detalhes. O que estamos testemunhando ho- nas sociedades muçulmanas. Henry Harris jessup, um missioná-
je, no entanto, é uma convergência entre os radicais políticos rio na Síria do século XIX chega a afirmar que" os maometanos
islâmicos e os puritanos fundamentalistas. Todos os islamistas não podem negar, e não negam, que suas mulheres tenham al-
políticos foram puritanos, mas nem todos os puritanos foram
m,a mas o tratamento brutal a que elas são submetidas leva-nos
islamistas políticos. Embora a distinção tenha desaparecido, uma naturalmente a essa visão". O que mais o intrigava era a prática
diferença permanece. Para os islamistas políticos, o Ocidente severa de espancamento das esposas por seus maridos. Ainda
é o principal inimigo e impede a criação de Estados islâmicos. assim, percebe-se claramente em seu relato que "os vizinhos
Os puritanos odeiam o estilo de vida ocidental, porque ofende cristãos na Síria eram tão condescendentes com essa prática
a sua sensibilidade moral, especialmente no que se refere ao quanto os 'incultos' maometanos".
tratamento das mulheres. Ruth Woodsmall foi suficientemente perspicaz ao perceber
"Quando o oriental viaja ao Ocidente, ou o ocidental via- que o véu, e não o espancamento de esposas, deveria ser de
ja ao Oriente, ambos estão plenamente conscientes de terem fato o termômetro das mudanças sociais. Ela observou que até
cruzado uma fronteira social, a qual é mais real que as frontei- mesmo no estrito sistema do purdah na Índia, onde as mulheres
ras geográficas ou as diferenças de linguagem, nacionalidade ou em suas "fantasias de Halloween" estavam completamente alija-
raça. Os sistemas sociais do Oriente e do Ocidente baseiam-se das do espaço público, havia alguns pequenos, mas perceptíveis,
em princípios diametralmente opostos. A diferença essencial é a sinais de mudança. Se purdah literalmente quer dizer "cortina",
posição ocupada pela mulher." A autora dessa passagem é Ruth parecia a Woodsmall que a cortina estava prestes a ser erguida,
Woodsmall, uma missionária americana que passou muitos anos vagarosa mas resolutamente. A julgar pelo termômetro do véu,
na Turquia e escreveu um livro admirável em 1936, intitulado é difícil dizer que o Oriente e o Ocidente estejam prestes a se
Mos/em Woman Enter the New Wor/d (A mulher muçulmana in- encontrar, ainda que assintomaticamente.
gressa no Mundo Novo) .13 Woodsmall viajou extensivamente O Islã não inventou o véu. As mais antigas descrições de
pelo mundo islâmico, inclusive pela Índia, e a obra é um misto mulheres
. .•. com véu vêm de Palmira (próxima a Damasco) e da-
de análise e livro de viagens. tam já do século I. Foi largamente utilizado no Império Bizan-
É óbvio que ela não foi a primeira a observar as diferentes tino, e os muçulmanos provavelmente tomaram esse costume
atitudes em relação à mulher no Oriente e no Ocidente. Prati- dos bizantinos. Qualquer que seja sua origem, no entanto, o véu
130 Ocidentalismo A Ira de Deus 131

'.
identifica-se agora com o Islã. Mas é um costume complexo, nos devotos, ou até mesmo pelos judeus ultra-ortodoxos, me-
cujas mensagens são igualmente intricadas, das quais nem todas retrizes, e os homens, alcoviteiros. Em termos hiperbólicos, as
têm relevância religiosa. Por exemplo, o véu é também um sinal mulheres ocidentais (e suas contra partes "ocidentalizadas" em

de status. Uma mulher com véu não faz trabalho braçal. O véu todos os lugares) são prostitutas sacerdotisas a serviço do ma-

desempenha o mesmo papel do espartilho vitoriano ou os di- terialismo ocidental. A moral sexual do Ocidente, ou melhor, a
falta dela, faz com que os ocidentais pareçam depravados, quase
minutos sapatos das mulheres chinesas. Essas peças de vestuário
animalescos. Sayyid Qutb afirma isso: "Em todas as modernas
desconfortáveis sinalizam que aquelas que as trajam não rea-
sociedades jahili, o significado de 'moral' tem limites tão redu-
lizam serviços pesados. São símbolos de "consumo supérfluo"."
zidos que quase todos os aspectos que distinguem um homem
Na Argélia e no Marrocos, após as guerras de indepen-
de um animal estão além de seu alcance. Nessas sociedades,
dência, o véu expandiu-se para novas classes, que aspiravam
as relações sexuais ilegítimas, e até mesmo homossexuais, não
a um status mais elevado. Mas especialmente depois de serem
são consideradas imorais. O significado de ética está limitado a
adotados pela burguesia urbana do norte da África, o véu tam-
questões econômicas e, às vezes, políticas, que recaem na cate-
bém enviava um sinal de nacionalismo de base islâmica , em
goria de 'interesses de governo'."
oposição à França. Como esta representava o Ocidente, o véu
Não faz sentido tentar explicar o que a atitude muçulma-
tornou-se um símbolo de resistência ao Ocidente.
na, ou judaico-ortodoxa, em relação à mulher é realmente. No
Há véus de vários estilos. O véu iraniano simplesmente
Islã, esse questionamento levaria a uma batalha de citações
disfarça o contorno do rosto. O véu talibã encobre completa- dos textos canônicos, as quais, conseqüentemente, resultam
mente o corpo da mulher. Por trás disso esconde-se uma no- em batalhas exegéticas. Alguns entendiam o versículo 233, do
ção pouco lisonjeira da sexualidade masculina. Diante de uma capítulo A Vaca, no Corão, que estabelece que "as mulheres
mulher, o homem é como um lobo. Deixados a sós, homens e são vossos campos; penetrai-os, então, à vontade", como uma
mulheres entregam-se ao sexo. Somente o véu protege as mu- permissão para que os maridos escolhessem livremente a sua
lheres e Ihes dá uma dimensão espiritual. Essa visão impiedosa forma favorita de sexo e a impusessem a suas esposas. Mas
não surpreenderia um judeu uItra-ortodoxo, que é atormenta- não há nada mais irritante do que um estrangeiro usurpando
do por temores semelhantes de luxúria masculina e sedução ao fiel os, sem textos sagrados e explicando-lhe o significado.
feminina. O véu pertence, portanto, à idéia maniqueísta de A interpretação do versículo 233 é uma dessas intrusões. En-
que a carne e o espírito estão em constante estado de tensão. tretanto, aqui, a questão não é o status da mulher no Islã, mas
A exposição da mulher no Ocidente é a própria negação o modo como os ocidentalistas islâmicos vêem as mulheres do
dessa idéia e, por isso, elas são consideradas pelos muçulma- Ocidente e, por conseqüência, os homens do Ocidente.
132 Ocidentalismo
A Ira de Deus 133

M~rteza Motahhari era um líder da revolução islâmica na Arábia central, criaram uma aliança formidável na metade
no,Irã. Sua morte fez o aiatolá Khomeini chorar em público e do século XVlII. Eram eles Muhammad Ibn Abd al-Wahhab e
chamá-Io de "o fruto de minha vida". Ele era obcecado pelo Muhammad Ibn Saud. Os seguidores de Abd al-Wahhab cos-
Ocidente e pela questão da mulher. Para ele, era importante tumavam descrever a si mesmos como Muahhidum, aqueles
provar, nesse particular, quão mais humano e condescendente que acreditam estritamente no monoteísmo itawhid). Outros,
era o Islã e o Oriente em comparação ao Ocidente. Acredi- porém, os chamavam de wahhabis e esse apelido pegou.
tava firmemente que as diferenças óbvias entre o homem e O wahhabismo era uma expressão de zelo religioso con-
a mulher eram deliberada mente apagadas no Ocidente, de tra a religião popular na Arábia, onde as tumbas dos santos
tal forma que as mulheres pudessem ser exploradas mais fa- tornaram-se o foco dos cultos fetichistas, muito distantes do
cilmente de acordo com os interesses capitalistas. Observava monoteísmo estrito. A idéia era purificar a Arábia, como o ber-
que 8ertrand Russell esperava resolver a "escassez" de jovens ço do Islã, da idolatria, e criar um Estado islârnico, com base
casadoiros por meio da proposição da idéia imoral de mater- na lei positiva do Islã, como interpretada pela escola Hanbali,
nidade independente para as mulheres, em vez de adotar a considerada a escola mais rígida do Islã. Os wahhabis puritanos
prática moral islâmica da poligamia. eram especialmente rígidos em suas atitudes em relação à mo-
Isso, no entanto, ainda está no âmbito da crítica cultural , ral sexual e a outros temas da vida privada. Curiosamente, o
não no do Ocidentalismo. Mas a idéia de que a mulher é "a jóia Islã wahhabi era puritano também em outro sentido, mais afim
resguardada" na coroa do homem e honra o homem pela ma- com o puritanismo protestante: o dever de o fiel refletir sobre
neira como ele a defende já alimenta o Ocidentalismo. O véu seus compromissos religiosos e não aceitá-Ias cegamente. Não
é parte disso. Para o homem, esquecer-se do papel de guardião ajudará o fiel, afirmou Abd al-Wahhab, dizer aos anjos no Dia
dessa "jóia" é uma desonra e, ainda mais perturbador, uma total do Julgamento que ele estava repetindo palavras alheias.
perda do senso de dignidade. A permissividade ocidental, para Quando Ibn Saud de Dariyah adotou o credo wahhabi, o
os fiéis, demonstra não só uma falta de moral, mas também clérigo e o guerreiro se uniram em sua tentativa de conquistar
uma falta do senso básico de dignidade. a Arábia. A aliança entre a família de Ibn Saud e o wahhabis-
mo perdurou após a morte de seu fundador e, em 1803, suas
o forças conquistaram Meca e estabeleceram o Estado wahha-
bi-saudita, que só seria derrotado pelo exército otomano no
O puritanismo e a política não são uma combinação nova no Cairo, em 1818. O Estado saudita estabeleceu-se, então, em
Islã. Um clérigo puritano e um déspota no planalto de Najd, Najd, uma pequena fração da Arábia e foi novamente derro-
134 Ocidentalismo A Ira de Deus 135

'.
tado pelo clã Rashid em 1891. Então, em 1902, Abd al-Aziz 11 verdadeiros fiéis wahhabi, como Osama bin Laden, que consi-
Ibn Saud conquistou a cidade de Riad e inteligentemente, ao derou a presença de mulheres do exército americano na Arábia
se aliar aos ingleses na Primeira Guerra Mundial, pôde reaver os um ato de profanação. Para ele, e para seus seguidores, é como
territórios do Estado saudita original, com suas cidades sagradas. se os americanos estivessem enviando as prostitutas sacerdotisas
O wahhabismo tornou-se a ideologia oficial, concebida para se para defender as leis indignas da Arábia Saudita. O wahhabismo
conformar a uma sociedade muçulmana puritana. foi exportado, não apenas como uma forma de renascimen-
Toneladas de areia sopraram sobre os desertos da Ará- to puritano, mas também como o virulento credo ocidentalista
bia desde que a Inglaterra comprou sua influência sobre os que voltará para atormentar os governantes dos mesmos lugares
sauditas, ao enviar-lhes três mil rifles, quatro metralhadores e sagrados de onde se disseminou.
cinco mil libras. O petróleo trouxe riquezas incalculáveis para
a região e isso pôs o Estado saudita sob uma forte pressão, pois
era difícil manter o puritanismo quando milhares de príncipes
sauditas encontravam-se, subitamente, entre os homens mais
ricos do mundo. Mantém-se em público uma imagem de wah-
habismo, enquanto os ricos desfrutam, na privacidade de seus
palácios suntuosos, de tudo o que o Ocidente pode oferecer.
E o que Riad não pode oferecer, os palácios de Londres terão
em abundância.
Isso foi acompanhado de algo ainda mais letal. No instante
mesmo em que os príncipes desfrutam de todos os luxos oci-
dentais, o wahhabismo foi exportado e, com ele, uma tocha
ardente do ocidentalismo. A Arábia Saudita é agora a fonte pri-
mordial da ideologia fundamentalista e puritana, influenciando
muçulmanos de todas as partes, do Norte da África à Indoné- , .
sia. Os petrodólares são usados para promover o radicalismo
religioso ao redor do mundo, enquanto os príncipes sauditas
vivem uma trégua instável com os clérigos em sua própria casa.
A hipocrisia, porém, é uma saída instável, pois dá origem aos
"

As Sementes da Revolução

T heodor Herzl, o pai do movimento sionista, não era


um romancista talentoso. No entanto o seu roman-
ce, Altneuland (Nova-Velha Terra), é um dos livros mais
impressionantes do século xx. Embora Herzl o tenha fi-
nalizado em 1902, as idéias visionárias expressas nesse
"conto de fadas", como ele o denominava, pertencem
fortemente ao século anterior. Altneuland é um plano pa-
ra o perfeito Estado judaico, uma Utopia tecnocrática,
um sonho socialista com todas as vantagens do capitalis-
mo, um empreendimento colonial idealista, um modelo
de razão pura, uma "luz perante as nações".
Na narrativa de Herzl, com a chegada dos anos
1920, Jerusalém se transformaria em uma metrópole
completamente moderna, "interligada por bondes elétri-
. "
cós, avenidas largas e arborizadas; casas, jardins, parques;
escolas, hospitais, prédios públicos, centros de entreteni-
mento". Os árabes e os judeus conviveriam em harmonia
nessa Nova Sociedade, trabalhando em vastos "sindicatos

137
138 Ocidentalismo As Sementes da Revolução 139

cooperativos". E todas as nações do mundo encontrariam em da idolatria: soberbo, imoral, colonialista e malévolo. Aos olhos

Jerusalém o Palácio da Paz. de seus inimigos, um câncer que precisa ser expurgado.

A verdadeira Jerusalém, onde um de nós vive e onde de- Herzl possivelmente não podia prever isso, mas ainda

senvolvemos este livro no outono de 2002, é bem diferente. As assim as sementes dessa tragédia estão espalhadas em seu

ruas da velha cidade envolta por muros são silenciosas; as lojas texto, que era bem-intencionado, profundamente idealista e,

têm grades; guias de turismo, velhos e soturnos, destituídos de em muitos aspectos, típico de tudo o que os ocidentalistas

clientes, imploram delicadamente por dinheiro. Somente os ju- julgavam mais detestável. A narrativa se sustenta nos ombros

deus ultra-ortodoxos ainda se aventuram pelas ruas medievais. ficcionais de três personagens. Um milionário americano mi-

Nas modernas áreas ocidentais da cidade, homens com me- santropo, de origem prussiana, chamado Kingscourt contrata

tralhadoras montam guarda diante de cafés e restaurantes. Os Friedrich Lôwenberg, um judeu vienense deprimido, para ser

hotéis estão vazios, abandonados pelo turismo. Nunca se sabe seu acompanhante numa viagem a uma ilha tropical. Lôwen-

onde a próxima bomba explodirá: num ônibus, num cinema ou berg assemelha-se bastante ao próprio Herzl, um dândi desilu-

numa boate. Os árabes fazem os trabalhos indispensáveis, lim- dido. O terceiro personagem é um judeu da Europa oriental,

pando o chão dos israelenses, construindo casas israelenses, pa- pobre e virtuoso, chamado Littwak. Num momento de cul-

vimentando as estradas israelenses e, então, disparando de volta posa generosidade, Lõwenberg doa seu dinheiro à famí1ia de
para suas casas, cada qual, aos olhos da população amedronta- Littwak. Assim os temos: o bom judeu, o judeu angustiado e o

da, um homem-bomba em potencial. Um silêncio angustiante rico e inatacável gói alemão.


aterroriza as ruas, interrompido, periodicamente, pelas sirenes No Livro I, Kingscourt e Lôwenberg interrompem seu

dos carros de polícia e das ambulâncias. cruzeiro pelo Mediterrâneo para uma visita à Terra Santa. "Sua
Israel tem que assumir parte da responsabilidade por essa pátria", diz Kingscourt ao seu companheiro de viagem; Lõwen-

atmosfera ameaçadora. Não se pode humilhar e intimidar os berg se encolhe. No Livro 11, eles voltam a visitar a Terra Santa

outros sem que, por fim, haja uma reação violenta. Os palesti- cerca de vinte anos depois e ficam maravilhados com tudo

nos são maltratados tanto pelos judeus quanto pelos árabes. A que vêem. Littwak é agora um vigoroso pioneiro, que ajuda

visão cotidiana de homens palestinos curvando-se no calor dos a construir a Nova Sociedade. No final, no Livro v, Littwak

postos de controle israelenses, sofrendo o costumeiro abuso por torna-se' o primeiro presidente do Estado judeu. Lôwenberg

parte dos soldados judeus, explica parcialmente o rancor das casa-se com a irmã de Littwak e cura-se da depressão. E Kings-

intifadas. Israel, porém, tornou-se também o alvo principal de court, cheio de admiração pela Nova Sociedade, torna-se o

um ódio árabe mais abrangente contra o Ocidente, o símbolo amável benfeitor do pequeno filho de Littwak.
140 Ocidentalismo As Sementes da Revolução 141

A 'hagédia desse conto de fadas otimista não se encontra Lõwenberg sente-se um tanto soterrado, mesmo esmaga-

na história em si, mas no tom, nas caprichosas descrições e nas do, por "toda essa grandeza". Mas não Littwak: "Nós não fomos

curiosas justificativas para os ideais de Herzl. Eis como eles en- esmagados pela grandeza dessas forças - ela nos elevou!"

contram a Terra Santa após sua primeira visita, antes de os ju- Não apenas é a Nova Jerusalém um lugar socialmente pro-

deus terem construído sua Nova Sociedade: "Os becos [de Jafal gressista e economicamente avançado, como a própria religião

eram sujos, abandonados, cheios de odores vis. Em toda a parte transformou-se em algo tão secular que dificilmente se parece

encontrava-se a miséria em vívidos andrajos orientais." A paisa- com um credo religioso. A Páscoa é uma época para celebrar a

gem no caminho para Jerusalém era "um retrato de desolação". Nova Sociedade. O canto para a noiva sabática faz Lôwenberg

Os moradores das "negras vilas árabes pareciam bandoleiros. recordar a "Identidade Judaica" do grande poeta Heinrich Heine.

Crianças desnudas brincavam em becos imundos". Contemplando a reconstrução do Templo de Jerusalém, Lôwen-

[afa, vinte anos depois, era "uma cidade magnífica", cujos berg pensa no direito de os judeus se sentirem dignos e livres.

"magníficos diques de pedra revelavam a verdadeira aparência do Isso tudo é muito gratificante, mas onde estão os árabes?

ancoradouro: aquele era o porto mais seguro e confortável de to- E suas tradições, suas crenças e suas aspirações à liberdade e

da a costa oriental do Mediterrâneo". Littwak, o alegre pioneiro, à dignidade? Para não mencionar a questão da "identidade".

explica: "Nunca na história construiu-se uma cidade com tama- De fato, esse tema não é abordado. Kingscourt, impressionado

nha rapidez ou tão bem, pois nunca antes houve tantas facilida- como está com as grandes conquistas dos sionistas, pergunta

des técnicas à disposição. Ao final do século XIX, a humanidade já a um árabe chamado Reschid Bey se seu povo se ressente da

atingira um elevado nível de habilidade técnica. Nós meramente invasão de suas terras ancestrais pelos novos intrusos. "Que

transplantamos as invenções existentes para este país." pergunta!", responde ele. "Foi uma grande bênção para nós."

Um pedaço da Europa fora, portanto, transplantado para a Os proprietários de terra venderam-nas aos judeus a preços

desolação do Oriente Médio. E, com todas aquelas habilidades elevados e "aqueles que nada possuíam nada tinham a perder,

técnicas, vieram muitas das idéias que estavam então em voga: e apenas poderiam ganhar". Nada, continuou ele, era mais

a fé cega no progresso econômico, confiança no planejamento deplorável d'o que uma vila árabe no final do século XIX. "As

social por parte do Estado, um gosto fetichista por usinas elétri- casas de barro dos camponeses não serviam para estábulos.

cas e enormes represas. Eis o mar Vermelho, com "poderosos As crianças viviam nuas pelas ruas e cresciam tão estúpidas

cilindros de ferro" projetando-se das pedras, "colocados vertical- quanto os animais." Mas agora tudo era diferente. Pois todos

mente sobre a cobertura das turbinas, à semelhança de fantás- "se 'beneficiavam das medidas progressistas da Nova Socie-

ticas chaminés. O estrondo dos cilindros e a espuma branca no dade, quer desejassem ou não, quer participassem ou não".

fluxo das águas testemunhavam o poderoso trabalho". Os pântanos foram drenados; os canais, escavados; as árvo-
142 Ocidentalismo As Sementes da Revolução 143

res, plantadas. 'E havia bastante trabalho para todos. Apenas a o severo secularismo do xá Reza Pahlevi ou os experimentos
mendicância era agora estritamente proibida. fracassados do socialismo estatal no Egito, na Síria e na Argélia.
Esse é o tipo de coisa que enchia as publicações chinesas e Exatamente por isso foi desastroso, em vários sentidos, que o
soviéticas nos anos de 1960, a idéia de que a felicidade humana Oriente Médio se defrontasse pela primeira vez com o moderno
poderia ser comprada com turbinas espumantes e safras mons- Ocidente por meio dos ecos da Revolução Francesa. Robespier-
truosas, de que nada tão irracional como o orgulho religioso, re e os jacobinos foram tidos como heróis pelos radicais árabes:
nacionalista ou étnico poderia atrapalhar o poderoso estrondo progressistas, igualitários ou opositores da Igreja cristã. Modelos
do progresso moderno e de que os povos "primitivos" ficariam posteriores para o progresso árabe - a Itália de Mussolini, a
extremamente felizes se fossem guiados pelas mãos de raças Alemanha nazista e a União Soviética - eram ainda mais desas-
mais iluminadas, na marcha em direção ao futuro glorioso. Essas trosos. Considerar, porém, as sublevações do século XX como
eram as fantasias e os nocivos resultados. Quando Herzl escre- um pêndulo, alternando-se entre o racionalismo ocidental e o
veu seu livro, eram apenas devaneios. zelo religioso oriental, seria um equívoco, pois os dois extremos
Ainda vale a pena ler Altneuland, porque o livro contém estão perigosamente entrelaçados.
muito da grandeza e da esperança relacionadas ao pensamento Grande parte das revoltas contra o imperialismo, e seus
ocidental desde o IIuminismo do século XVIII. A partir dessa desdobramentos locais, inspirou-se fortemente nas idéias oci-
forma de pensamento, surgiram a revolução industrial, a de- dentais. O samurai que fundou o moderno estado japonês em
mocracia liberal, as descobertas científicas, os direitos civis. Mas 1867 o fez para defender-se contra o colonialismo ocidental.
os mesmos sonhos de Prometeu dos racionalistas europeus, le- Mas foi uma defesa por mimetismo. Seus ideais poderiam ter si-
vados a seus extremos lógicos e brutalmente implementados, do retirados diretamente do Altneuland. Os oligarcas do período
freqüentem ente por não-europeus, desejosos de igualar o pro- Meiji eram, em vários aspectos, os perfeitos discípulos da Euro-
gresso ocidental, terminaram nas covas coletivas do gulag e nos pa. Ao trocar os seus quimonos por casacas e cartolas, começa-
campos de extermínio da China ou do Camboja. Os europeus ram a esmagar os templos budistas e a transformar seu país em
justificavam as suas conquistas imperialistas, invocando o pro- nome do Progresso, da Ciência, e do I1uminismo. As próprias
gresso e o iluminismo. Os tiranos asiáticos matavam milhões conquistas imperiais japonesas eram justificadas da mesma for-
com as mesmas justificativas. ma. Como Herzl, os idealizadores do império japonês tomaram
As reações aos sonhos racionalistas dos tiranos orientais por certa -a-gratidão das raças inferiores.
ou dos impérios ocidentais foram igualmente sangrentas. O No 'entanto, enroscado como uma anaconda no interior
movimento revolucionário islamista que atualmente se move da moderna transformação do Japão, estava o nativismo con-
sorrateiramente pelo mundo, de Cabul a Java, não existiria sem tra-revolucionário, que procurava salvar a pureza espiritual da
144 Ocidentalismo As Sementes da Revolução 145

cultura ancest~al da modernidade sem alma do Ocidente e de seculares e religiosos. Sua fé se transformou no veículo de sua
seus acólitos escravizados no Oriente. No entanto também a luta armada. O martírio Crnorte vermelha") foi alçado à condi-
contra-revolução, apesar de sua paixão xintoísta e samurai, ti- ção de mais alta forma de existência - não apenas um fim, mas
nha um débito pesado com as idéias ocidentais, particularmen- um objetivo em si mesmo. Ele se afastou do marxismo e abra-
te com as tendências anticapitalistas do Nacional-Socialismo. çou uma versão purista do Islã, mas, ainda assim, empregava a
O que torna esse quadro ainda mais complicado é o fato de terminologia política de liberdade e igualdade.
a modernidade, nos moldes ocidentais, e a revolta nativista O baathismo, a ideologia da Síria e dos primeiros gover-
coexistirem dentro de um mesmo sistema e, freqüentemente, nantes iraquianos, é uma síntese, forjada nos anos 1930 e 40,
nas mentes de um mesmo povo. do fascismo e da nostalgia romântica por uma comunidade" or-
Esse é o problema. Nenhum ocidentalista, mesmo o mais gânica" dos árabes. Foi desenvolvido após o colapso do Império
fervoroso guerreiro santo, pode se libertar completamente do Otomano, na esteira da Primeira Guerra Mundial, por pensa-
Ocidente. O dilema japonês no pré-guerra - a fermentação da dores como Sati' Husri e Michel 'Aflaq, fundador do Partido
revolução no coração do próprio sistema que procurava destruir Baath na Síria. O colonialismo europeu era o principal inimigo
- é igualmente claro no Oriente Médio. Os revolucionários is- dos militantes pan-arabistas. Mas, como sempre, o Ocidente foi
lâmicos foram sustentados e, às vezes, até mesmo encorajados, combatido com idéias que se originaram na Europa, as mesmas
por regimes nominalmente seculares, na Síria, no Egito e no idéias que inspiraram os nacionalistas radicais do Japão.
Iraque de Saddam Hussein. O que torna o terror tão letal não Sati' Husri era um interessado estudioso dos pensadores
é apenas o ódio religioso tomado aos textos antigos, o qual, em românticos alemães, tais como Fichte e Herder, que combateu
todo caso, tem freqüentem ente por base distorções, mas tam- o Iluminismo francês ao propor a noção de uma nação orgâ-
bém a síntese de fanatismo religioso e ideologia moderna, de nica, võlhisd), enraizada no sangue e na terra natal. O ideal de
intolerância ancestral e moderna tecnologia. Husri de unificar o mundo árabe em uma enorme comunidade
O forno para essa síntese normalmente se localiza no pró- orgânica foi diretamente inspirado pelas teorias pangermanistas
prio Ocidente. Pol Pot combinou marxismo revolucionário com que dominaram os círculos fascistas de Viena e Berlim nos anos
nacionalismo Khmer, quando estudava a tecnologia de trans- 1920. Um Volksgemeinschaft árabe, unificado por uma disciplina
missão radiofônica em Paris. O revolucionário professor irania- militar e pelo sacrifício individual heróico, era o que ele sonhava.
no Ali Shari'ati era apenas alguns anos mais jovem que Pol Pot e Aliás, álguôs dos primeiros sionistas estavam igualmente presos
também passou alguns anos estudando em Paris, onde traduziu às mesmas idéias alemãs. Em suas memórias, um desses pionei-
as obras de Frantz Fanon e Che Guevara. A visão de Shari'ati ros, Hans Kohn, escreveu que os jovens judeus "transferiram
do "Islã como um socialismo prático" era uma fusão de dogmas os ensinamentos de Fichte" para o "contexto de nossa própria
146 Ocidentalismo As Sementes da Revolução 147

"
situação ... aceitávamos seu apelo para trazer à luz a comunida- Embora os fundamentalistas cristãos falem de uma cruza-
de ideal, colocando todo o poder de um indivíduo racional e da, o Ocidente não está em guerra contra o Islã. Na verdade,
eticamente maduro a serviço de sua própria nação".' as batalhas mais violentas serão travadas no interior do mun-
Sati' Husri também usava a idéia de asabiyya, ou solida- do islâmico. É ali que a revolução está acontecendo e onde
riedade de sangue (árabe), desenvolvida no século XIV por precisará ser detida, preferencialmente não pela intervenção
Ibn Khaldun. O objetivo era, em última instância, superar o externa, mas pelos próprios muçulmanos. Há, de fato, um cho-
"pensamento abstrato ocidental" e libertar o povo árabe do que de escala mundial em andamento, mas as fraturas não
feudalismo, do colonialismo, do imperialismo e do sionismo. coincidem com as fronteiras nacionais, étnicas ou religiosas. A
Ao lado de uma versão do socialismo totalitário, essa é ainda guerra ideológica é, sob certos aspectos, a mesma que foi tra-
hoje a ideologia dos baathistas. vada há várias gerações contra várias versões do fascismo e do
O Islamismo era a idéia revolucionária enroscada no inte- socialismo estatal. Isso não quer dizer que o combate militar
rior dessa revolução secularista e, para esmagar revoltas religio-
é o mesmo, ou que todas as idéias se sobrepõem. Nos anos
sas, reais ou potenciais, contra as tiranias seculares, os gover-
1940, a guerra era apenas entre Estados. Agora é também
nantes da Síria e do Iraque baathista massacraram centenas de
contra um movimento revolucionário mundial, disparatado,
milhares de irmãos árabes, em sua maioria muçulmanos xiitas.
pouco organizado e, em grande medida, clandestino.
Foi derramado muito mais sangue muçulmano nas nações ára-
A outra armadilha intelectual que se deve evitar é a parali-
bes do que em todas as guerras entre israelenses e palestinos.
sia da culpa colonialista. É preciso repetir: as histórias européia
E, ainda assim, os baathistas, quando Ihes interessa, igualmente
e americana estão manchadas de sangue, e o imperialismo oci-
encorajaram o terrorismo religioso contra os "cruzados" ociden-
dental causou muitos danos; no entanto, estar consciente disso
tais e "sionistas". Saddam Hussein, para citar um, costumava se
não significa que devemos ser complacentes com a brutalidade
retratar como Saladin, salvador dos árabes, cavalgando seu cor-
que grassa agora em antigas colônias. Ao contrário, isso deveria
cel branco para aniquilar os infiéis.
A questão, então, é como salvaguardar a idéia do Ociden- tornar-nos mais exigentes. Culpar o imperialismo americano, o

te - isso quer dizer, as democracias liberais do mundo - con- capitalismo global ou o expansionismo israelense pela barbárie

tra seus inimigos. E o Ocidente, nesse sentido, inclui frágeis dos ditadores não-ocidentais ou pela selvageria suicida das re-

democracias asiáticas, tais como a Indonésia e as Filipinas. Este voluções refigiosas não responde à questão; é justamente uma
não é o lugar para uma discussão sobre táticas militares ou forma de condescendência orienta lista, embora somente os oci-
diplomacia internacional. Talvez seja mais fácil concluir o que dentais sejam suficientemente maduros para se responsabiliza-
não se deve pensar. rem moralmente por seus atos.
148 Ocidentalismo As Sementes da Revolução 149

"
A idéia de que a religião organizada é o maior problema que contamos neste livro não é uma história maniqueísta de
surge naturalmente para o intelectual recém-secularizado e duas civilizações em guerra. Ao contrário, é uma narrativa de
desencantado, mas isso também nos afasta do problema. Pois contaminações mútuas, de expansão de idéias ruins. Isso po-
alguns dos mais ferozes inimigos do Ocidente são seculares deria acontecer conosco, se cairmos na tentação de enfrentar
ou, ao menos, pretendem ser. A religião é usada em toda par- fogo com fogo, o Islamismo com as nossas próprias formas
te, tanto na Índia quanto em Israel, tanto nos Estados Unidos de intolerância. As autoridades religiosas, especialmente nos
quanto na Arábia Saudita, para condenáveis fins políticos. Mas Estados Unidos, já têm uma perigosa influência na política go-
não precisa ser assim. Pode ser uma força para o bem. No vernamental. Não podemos permitir o fechamento de nossas
Oriente Médio, pode oferecer a única esperança de uma saída sociedades como uma forma de defesa contra aquelas que se
pacífica para essa confusão. fecharam. Do contrário, seríamos todos ocidentalistas e não
Uma aversão, ou até mesmo um ódio, em relação ao Oci- haveria nada mais a defender.
dente não é, por si só, uma questão relevante. O ocidentalismo
se torna perigoso quando se atrela ao poder político. Quando
a fonte do poder político é também a única fonte da verdade,
tem-se uma ditadura. E quando a ideologia de uma ditadura é
o ódio ao Ocidente, as idéias se tornam mortais. Essas idéias são
freqüentem ente inspiradas pela religião, porém isso não quer
dizer que todas as autoridades religiosas devam ser eliminadas.
A religião organizada tem seu lugar, ao oferecer uma comuni-
dade e um sentimento espiritual para aqueles que a procuram.
Hoje, no mundo islâmico, a religião talvez possa se atrelar à luta
por liberdade política, na forma de partidos políticos rivais. A
experiência está em curso em países como a Turquia e a Indo-
nésia. O sucesso ainda está longe, mas é difícil perceber como
qualquer caminho para a liberdade pode abrir o seu caminho
ao redor da mesquita.
"' .
Onde a liberdade política, religiosa e intelectual já foi
estabeleci da, deve ser defendida contra seus inimigos, com
força, se necessário, mas também com convicção. A história
'.

Notas

Guerra contra o Ocidente

I. Para uma análise exaustiva dessa conferência, ver Har-


ry Harootunian, Overcome by Moâemity (Princeton: Prince-
ton University Press, 2000).
2. H. Trevor-Roper, ed., Hitler's Table Talh, trad. N. Carne-
ron e R. H. Stevens (Oxford: Oxford University Press,
1953), p.188.
3. A Alemanha, mais do que qualquer outra nação eu-
ropéia, foi o campo de batalha e a fonte dessas idéias. Para
uma análise magistral, ver Fritz Stern, The Politics af Cultural
Despair (Nova York: Doubleday, 1965).

A Cidade Ocidental
....
, I. CNN.comI2002/WORLD/asiapcf/south/02/05/binla-
den.transcript/index.html.
2. Citado em Raymond Williams, The Country and the
City (Londres: Chatto & Windus, 1973), p.46.

151
152 Ocidentalismo Notas 153

"
3. Juvenal, lhe Sixteen Satires, trad. Peter Green (Nova York: 3. Werner Sombart, Hiindler und Helden (Munique: Dunckler
Penguin, 1999), p.43. und Humbolt, 1915), p.55.
4.lbid. 4. Ibid., p.113.
5. Citado em Elizabeth Wilson, lhe Sphinx in the City (Londres: 5. Ernst Jünger, Annaeherungen: Dragen und Rausch (Stuttgart:
Virago, 1991), p.58. Ernest Klett Verlag, 1978), p.13.
6. Voltaire, Letters Concerning the English Natian (Nova York: 6. Citado em Hamid Dabashi, Theoloqy af Discantent (Nova York:
Oxford University Press, 1994), p.30. Outras citações de Voltaire New York University Press, 1993), p.76.
foram retiradas da mesma fonte. 7. Ibid., p.92.
7. Citado em lan Buruma, Anglomania: a European Lave Affair 8. Alexis de Tocqueville, Demacracy in America (Nova York: Har-
(Nova York: Random House, 2000), p.96. perPerennial, 1988), p.245.
8. Theodor Fontane, Wanderungen durch England und Schottland 9. Jacques Verges, Le Salaud Lumineux (Paris: Éditions Bernard
(Berlirn: Verlag der Nation, 1998), p.332. Lafont, 1990), p.42.
9. Friedrich Engels, lhe Condition ofthe Warhing Class in England 10. Ibid. p.82.
in 1844 (Londres: Penguin, 1987), p.24. lI. Tocqueville, Demacracy in America, p.660.
10. Citado em Bernard Lewis, Semites and Anti-Semites (Londres: 12. Friedrich Georg Jünger, Krieg und Krieger (Berlirn, Junker und
Pimlico, 1997), p.lll.
Dannhaupt, 1930), p.25.
li. Alexandra Richie, Faust's Metropolis: a History af Berlin (Nova 13. Citado em Ivan Morris, lhe Nobility af Failure (Londres: Secker
York: Carroll de Graf, 1998), p.439.
and Warburg, 1975), p.320.
12. Ibid., p.550.
14. Emiko Ohnuki-Tierney, Kamihaze, Cherry Blossoms, and Natio-
13. Trevor-Roper, Hitler's Table Talh, p.346.
nalisms (Chicago: University of Chicago Press, 2002).
14. Citado em Williams, O campa e a cidade, p.303.
15. Ibid. p.139.
15. Citado em Philip Short, Mao. a Life (Nova York: Henry Holt,
16. Citado em Christophe Jaffrelot, lhe Hindu Nationalist Movement
2000), p.447.
in lndia (Nova York: Columbia University Press, 1997), p.60.
16. Citado em Richard Pipes, Cammunism: a History (Londres:
17. Citado em Ohnuki-Tierney, Kamihaze, p.197.
Phoenix, 2002), p.135.
18. Citado em Morris, lhe Nobility af Failure, p.284.
17. Citado em Ahmed Rashid, Taliban: the Story of the Afghan
Warlords (Londres: Pan Books, 2001), p.217. 19.23 de agosto de 1996. Tradução de Muhammad Masari.
18. Trevor-Roper, Hitler's Table Talh, p.361. 20. Citado em Aurel Kolnai, War Against the West (Londres: Vic-
tor Gollancz, 1938), p.116.

Heróis e Comerciantes
A Mel'!te,Ocidental
I. Citado em George Mosse, Fallen Saldiers (Nova York: Oxford
1. Isaiah Berlin, lhe Crooheâ Timber af Humanity: Chapters in the
University Press, 1990), p.70.
2. Citado em Gordon Craig, lhe Germans (Londres: Penguin, Histary of ldeas, ed. Henry Hardy (Princeton: Princeton University
1991), p.234. Press, 1997), p.246.
Notas 155
154 Ocidentalismo

'. 12. Kepel, fihad, p.55.


2. Citação das Memoirs de I. I. Nepluyev's em Liah Greenfeld ,
13. Ruth Woodsmall, Moslem Woman Enter the New World (Lon-
Nationalism: Five Roads to Modernity (Carnbridge, Mass.: Harvard
dres: George Allen & Unwin, 1936), p.33.
University Press, 1992), p.225.
14. Lois Beck e Nikki Keddie, introdução a Women in the Muslim
3. Citado em Thomas Masaryk, The Spirit of Russia (Londres:
World (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1978), p.8.
George Allen & Unwin, 1955), 2:255.
4. Citado em James M. Edie, James P. Scanlan e Mary Barbara
Zeldin, eds., com a colaboração de George L. Kline, Russian Phi!o-
As Sementes da Revolução
sophy (Chicago: Quadrangle, 1965),2:32-33.
5. Ibid., 2:52.
1. Hans Kohn, Living in a World Revolution, citado em Amos
6. Fiodor Dostoievski, "Notes from Underground", in Existentia-
Elon, The Israelis (Nova York: Penguin, 1992).
lism: from Dostoevsky to Sartre, ed. com introdução de Walter Kauf-
mann (Cleveland/Nova York: Meridian/World, 1956), p.67.

A Ira de Deus

1. Karl Marx, "On the Jewish Question", citado em Writings of


the Young Marx on Philosophy and Society, ed. e trad. Loyd D. Easton
e Kurt H. Guddat (Nova York: Anchor, 1967), p.216-49.
2. Ervand Abrahamian, lran: Between Two Revolutions (Princeton:
Princeton University Press, 1982), p.470.
3. Daniel Benjamin e Steven Simon, The Age of Sacred Terror
(Nova York: Random House, 2002), p.1.
4. Ibid., p.68.
5. Ibid., p.207.
6. K. K. Aziz, The Making of Pakistan: a Study in Nationalism (Lon-
dres: Chatto & Windus, 1967), p.105.
7. Anwar Syed, Pakistan: lslam, Politics and National Solidarity
(Lahore, 1948), p.32.
8. Ibid., p.55.
9. Ibid., p.56. "' .
10. Syed Abdul Vahid, ed., Thoughts and Reflections of lqbal (Laho-
re: Sh. Muhammad Ashraf, 1964), p.99.
11. Citado em Gilles Kepel, Jihad: the Trai! of Political lslam (Lon-
dres: Taurus, 2002), p.47.
'.

índice Remissivo

para fazer o homem comum


A sentir-se heróico, 74-5
retórica alemã do, 54-9
Abbt, Thornas, 54-5, 56, 62 Ver também suicídio
Abu Bakr, 110
Afeganistão, 48-9, 53, 130
'Aflaq, Michel, 145 B
AI-e Ahrned, [alal, 57-8
Alemanha Baath, Partido, 62, 145, 146
Berlim, 28, 33-4, 36, 50, 145 Babilônia, 20, 22, 27
pangermanisrno, 6203, 145 Berlim, 28, 33, 36
filosofia e literatura como Berlin, Isaiah, 15, 79-81
substitutos à política na, 80 bin Laden, Osama
República de Weimar, 38, 39, como engenheiro civil, 21
75 como verdadeiro fiel wahhabi, 135
ocidentalização vista como causa impulso religioso de, 22
da derrota na Primeira Guerra linguagem do culto à morte de,
Mundial,61-2 70-1,72
retórica do auto-sacrifício, 53-9 maniqueísmo de, 106-7
o Japão moldando a constituição sobre o sionismo-cruzado, 30
na, 65-6 sobre o World Trade Center, 19,20
liberalismo na, 54-5, 79 Blake, William, 25
Ver também Romantismo alemão; Blueher, Hans, 38
nazismo Bolsa de Valores de Londres, 29
Alexandre I(czar), 88-9
al-Sahar, Abdul Hamid [owdat, 110
Arábia Saudita-Zü, 133-5
Aristóteles,' 91-2
c
Assassinos, 72 Cabul,48-9
Atatürk, Kernal, 112 capitalismo
Atta, Mohammed, 20-1, 22, 24 anticapitalismono Ocidentalismo, 17
auto-sacrifício aversão ao, 10-1
karnikazes, 53, 63-70 como não-heróico, 73-4

157
Índice Remissivo 159
158 Ocidentalismo

'.
como uma vitória da cidade sobre cientificisrno, 95-6, 98, 113
transmissão às colônias, 42-3
retórica do auto-sacrifício, 55-6
Revolução Francesa,38,57,88, 143
dinheiro, 22, 23-4, 29-30, 72-3,
o campo, 40 colonialismo. Ver imperialismo véu como símbolo de resistência
fetichismo da mercadoriaatribuído comerciantes. Ver comércio 102-3, 109
Dostoievski, Fiodor, 82, 83 à, 129-30
ao, 109-110 comércio fundamentalismo, 127-8, 147
guerra de Mao Tsé-Tungcontra o, comerciantes vistos como homens
44-6 sem ideais, 58
judeus associados ao, 23-4, 37-8 e ideais da Revolução Francesa, 57 E G
nacionalismo japonês sobre o, 8, e imagem da metrópole-meretriz,
Edo (antigo nome de Tóquio), 27, 35
9,13 24-5 globalização, 17,20,37,40
Egito, 44, 72, 73, 116-20, 143, 144
oposição dos kamikazes ao 64-5 Herder sobre 0,41-2 Gowalkar, M.5., 68
69, 70 " Eliot, T.5., 25-6, 32-3
no Japão, 35 guerra santa, 71, 73, 116, 125
Engels, Friedrich, 30, 40
tradições locais afetadas pelo, 37 tradições locais afetadas pelo, 37-8
eslavofilia, 79, 82, 83, 89-93, 94,
transmissão às colônias 42-3 Voltaire sobre o, 29-30
102
World Trade Center co~o símbolo
do, 20, 26-7
comunidade, 38-9, 89-91, 144-5
Coréia do Norte, 44, 51, 106 Estados Unidos H
americanismo, 13, 14, 34, 35
China cosmopolitismo, 14, 16-7,22-3,33-4, Hayashi Fusão, 7, 64
como civilização-máquina, 9,
colonialismo na, 9 35-6,59-60 Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 7, 69
comunidades maniqueístas na, 106 cristianismo 13,36
demonização muçulmana dos, 10,
empréstimo de idéias ocidentais mártires, 71 Heidegger. Martin, 14,93
42-3 ' 106-7
modernizadores japoneses sobre Herder, Johann Gottfried von, 41-2,
desenraizamento e cosmopolitismo
Mao Tsé-Tung 13, 43, 45-6, 59 0,66 145
atribuídos aos, 14-5
nativistas versus ocidentalistas na modernização com, 43, 44 heroismo. 53-75
43-4,95-6 Hitler sobre os, 13,39
r como o povo do Livro, 119 na poesia de Leontiev, 93
imperialismo dos, 14,36-7
Pequim, 27 conversão russa ao, 84 racionalidade contrastada ao, 91-2
inveja e ressentimento despertado
sapatos apertados das mulheres sobre a matéria, 107-8 Ver também auto-sacrifício
130 r protestantismo, 126, 127, 132-3 pelos, 21
"missão civilizadora" dos, 41 Herzl, Theodor, 137-8, 139-42
secularismo na, 113 kamikazes cristãos, 64-5 Hezbollah, 73
protestantismo nos, 126
Xangai, 45, 51 maniqueísmo e, 73-4 Hitler, Adolf 13,39, 50, 60
religião nos, 111, 149
cidades Reforma, 12, 13, 116-7 Hollywood [filmes del, 8, 31,34,35,
Tocqueville sobre os, 58-9
forasteiro solitário na, 31-2 culto à morte 40,45
guerra de Mao Tsé-Tungcontra as, Alemanha, 53-5, 56-8
Ver também Nova York
Human, Mahmud, 58
42-3,44,46 Japão, 62-3 Husri, Sati', 145, 146
métodos de ataque a, 49-51 muçulmanos, 70-4 Hussein, Saddam, 144, 146
guerra de Khmer Vermelho Talibã,53 F
contra as, 46-8 verges sobre o, 60-1
Fanon, Frantz, 47, 110-1, 144
revolta do talibã contra, 48-9
fascismo I
temidas como amedrontadoras 21-2
urbanismo islârnico, 26-8 r
ciência
o atrativo para o homem comum,
74-5 idolatria, 102-5
sobre a vontade, 92-4 duas formas de, 113-4
adoção pelos japoneses, 9, 143 democracia Islã sobre a, 113-25
Atatürk sobre a, 112-3
Ver também nazismo
ataque da Alemanha nazista à Shari' ati e, 110- I
39-40 fetichismo da mercadoria, 108-10
e secularização, 111 r
Igreja ortodoxa russa, 84-6
Fichte, Johann Gottlieb, 64, 70, 145
liberdade de questionamento na, cultura metropolitana igualdade, 44, 73-4, 94-5, 116-7
Fontane, Theodor, 30
29 promovendo a, 34-5 França- •. » Iluminismo
oposição dos nacionalistasjaponeses falta da vontade de grandeza na, Abbt e Alemanha, 54-5
"missão civilizatória". 40-1
à,6,12 60-1,99 contra-llurninismo, 16-7, 55-6, 80-1
Napoleão. 38, 41, 80, 88
Tchernichevski sobre a, 97-8 mediocridade associada à, 58-9, 60 crítica aos valores do, 16
oposição do Romantismo alemão
transrnissão às colônias 42 oposição nacionalista japonesa liberdade inglesa e, 29
à, 41-2, 55, 79
vista como única fonte' de contra a, 8 no Japão do período Meiji, 9
Paris, 25, 28, 33, 144
conhecimento, 95-6 protegendo a, 146-9
160 Ocidentalismo Índice Remissivo 161

"
Ocidente como fonte do 12 demonização dos Estados Unidos [essup, Henry Harris, 129 Leontiev sobre o, 39-40
oficiais russos influenciad'os pelo no, 10, 106-7 judeus protegendo o, 147-9
8~9 ' alemães, 15 visão orgânica da sociedade
maniqueísmo rejeitado pelo,
pessimismo de Eliot a respeito do 106-7, 108 anti-semitismo como reação à contrastada ao, 90-I
25-6 r
Revolução Francesa, 37-9 visto como perturbador, 92-3
mártires, 71-2
Revolução Francesa e, 38 modernizando-se sem se tornar anti-sernitismo de Qutb, 118-20 Ver também liberalismo
Romantismo contrastado com 80-1 um clone do Ocidente 44 anti-semitisrno japonês, 9 econômico
imperialismo ' nativistas versus ocidentali~tas associados às cidades, 32-4 liberdade individual
europeu, 28 no, 43 e idolatria, 102-4 associada ao comércio, 29-30
guerra de Mao Tsé-Iung contra o, ocidentalismo religioso, 102, 103, história na religião dos, 82 cultura da metrópole
44,45
comércio associado ao, 3
World Trade Center como
° 104-5, 108-9
Ocidente como não estando em
muçulmanos declaram guerra
santa aos, 73
promovendo, 34-5
em Londres, 29-3 °
guerra contra o, 147 mulçumanos acusados do ataque nacionalistas hindus rejeitando
símbolo do, 20 separação entre Estado a Igreja no, ao World Trade Center, 23-4 a,68-9
justificativas do, 141-3 10,106-7 na Bolsa de Valores de Londres, 29 oposição do nacionalismo
japonês, 143-4 sharia, 120, 123 ortodoxos, 126-7, 130, 131, 138 japonês contra a, 8
idéias ocidentais em guerras sobre a moral coletiva, 126-8 sobre a Babilônia, 22 vista como uma ameaça, 75
contra o, 143-6 sobre idolatria, 113-25 Taleqani sobre os, 115-6 Londres, 28-30, 33, 33, 36, 98, 134
culpa colonialista, 146-7 urbanismo no, 27 [ünger, Ernst, 57-61
norte-americano, 14,36-7 véu para as mulheres [ünger, Friedrich Ceorg, 61
globalização vista como, 40-I
oposição kamikaze ao, 64-5
wahhabisrno, 112-3, 115, 129-30
132 r
M
cientificismo como, 95-6
colonialismo,9, 15-6 40 41
Israel, 73, 137-42 K Manchester, 28, 30, 36
_ 139, 146-7 '" rnaniqueismo, 101, 105-9, 113-4,
karnikazes, 53, 54, 63-70 121,130-1
India, 68-9, 73, 119-20
individualismo
J Khmer Vermelho, 47-8, 144 Mao Tsé-Tung, 13,43,44-6, 59
rejeição chinesa ao, 43, 45, 46 Kireievski, Ivan, 89-90, 91-2, 94-5 Marx, Karl
Japão
oposição de Hitler, 50 Kireievski, Peter, 88-90 como judeu-alemão, 15
Alemanha como modelo Kohn, Hans, 145 sobre capitalistas judeus, 33, 102-3
e moralidade, 126 constitucional, 66
Qutb sobre o, 117, 118 Koljevic, Nikola, 49 sobre o campo e a cidade, 40
como atual alvo do
Iqbal sobre o, 122-3 Kõrner, Karl Theodor, 54 sobre o fetichismo da
Ocidentalismo, 17-8
oposição dos nacionalistas Kyoto, 7, 8, 10, 12, 13, 34-5, 67 mercadoria, 109-110
culto ao imperador do, 67
hindus, 68-9 sobre secularização, 112-3
Edo, 27, 35
. associado às cidades, 21-2 marxismo
Estado Xintoísta, 13,66-7 101
Industrialização, 13,35-6, 111-2 108-9 r r L como produto de exportação
Inglaterra ocidental, 12,44
filmes de gângster dos anos de
"missão civilizatória" da 41 1950,31 lei secular, 38, 72-3 dos karnikazes, 64-5, 70
cidadania aberta a toda's, 38 idolatria no, 119-20 Leontiev, Konstantin, 94 oposição à modernidade, 1I
e Arábia Saudita, 133-4 imperialismo do, 143-4 Líbano,73 Shari'ati sobre o, 110
Londres, 28-31, 33, 36, 98, 134 kamikazes, 53-4, 63-70 liberalismo econômico usado pelos ocidentalistas, 144-5
Sombart sobre a, 56, 58 Kyoto, 7, 10, 12,34, 35, 67 favelas como conseqüência do, 36 materialismo
l'lbal, Muhammad, 112-3 nacionalistas versus ocidentalistas fé cega no mercado, 15-6 atribuído ao Ocidente, 36-7
Ira, 106, 115, 130, 132, 143, 144 no, 43-4, 143-4 oposição nacionalista japonesa atribuído aos EUA, 14
Iraque, 44, 106, 145, 146 ocidentalização do, 9-10, 42-3 ao, 13 atribuído aos judeus, 15-16,34
Irmandade Muçulmanam 73 116 65-6 r Rómantismo sobre o, 80-1 como idolatria, 106-7, 108-10,
119-20 ' , Ver tambérn capitalismo 113-5
oposição à modernidade no 7-11
Islã 34-6 r r liberalismo, 55, 79 Iqbal sobre o, 122-3
árabes derramando sangue período Meiji, 9, 66, 112 143 alemão, 94 maniqueísmo sobre, 105-8
muçulmano, 146 Tóquio, 34 35, 36, 67 ' ataque nazista ao, 39-40 mulheres ocidentais e, 13O-I
culto à morte no, 70-3 Jerusalém, 137-8 como não-heróico, 73-5 Maududi, Abu-I-A'la, 120-2
Índice Remissivo 163
162 Ocidentalismo

" idolatria atribuída ao, 102, 109, protestantismo, 126, 127, 133
modernidade como Babilônia, 20, 22 Proudhon, Pierre-loseph, 33
113-4,121
modernização iraniana, 115 World Trade Center, 19-20,23, Prudência, 92
inveja e ressentimento
modernização turca, 112-3 26-7 Pudong (China), 51
despertados pelo, 21
oposição dos nacionalistas Puritanismo, 132-4
Israel como símbolo do, 138-9
japoneses à, 7-10, 34-6 Pyongyang, 51
modernizando-se sem se tomar o Kireievski sobre 0,91-2
Leontiev sobre o, 94
clone do Ocidente, 43-4
materialismo atribuído ao, 36-7,
ocidentalização japonesa, 9- 10,
43-5,65-6
ocidentalismo
definição, 11
106, 109, 113 Q
mente do, 77-99
Moeller van den Bruck, Arthur, 14, distinção entre ocidentalismo e Qutb, Sayyid, 36-7, 116-20, 123-5,
modernização turca, 112
74,75 antiamericanismo, 15 nativistas versus ocidentalistas, 131
moral coletiva, 126-8 elementos válidos no, 15-6 43-4
Moscou, 84, 87 falta de fronteiras claramente natureza antiutópica do, 75
Motahhari, Morteza, 132 delimitadas para, 17-8 ocidentalização do Japão, 9- 10
R
mulheres ligações e sobreposições no, 12, ódio ao, 10, 11
na Turquia de Atatürk, 112 16-7 racionalidade, 91-3
perda do idílio rural imputada
no Irã de Pahlevi, 115 mito da cidade pecaminosa, 19-51 racionalismo
ao, 34 ataque nazista ao, 39
sob o domínio talibã, 48-9 o fracasso do socialismo estatal sábio idiota comparado ao, 77 de Voltaire, 29-30
véu, 112, 115, 129-30, 132 no, 34-5 transmissão de idéias ocidentais Dostoievski sobre, 98-9
Ver também sexualidade feminina Ocidente visto como não- às colônias, 42 e religião, 95, 101-2
Woodsmall, Ruth, 128 heróico, 53-75 Onishi Takijiro, 70 e secularização, 111-3
origem européia do, 12,27 Oriente Médio francês, 41
religioso, 101-35 Arábia Saudita, 70, 133-5, 148 Herder sobre o, 42
N sementes do, 126-49 Egito, 40, 72, 73, 116-20, 143, implementação do, 142-3
sobre a mente ocidental, 77-99 144 Kireievski sobre o, 91-2, 94-5
nacionalismo hindu, 13,39, 50, 60 temores dos intelectuais urbanos Irã, 106, 115, 130, 132, 143 na emancipação judaica, 38
Napoleâo, 28, 38, 41, 80, 88-9 no, 34-5 Iraque, 40, 106, 145, 146 oposição maoísta, 45
Nasrallah, xeque Hasan, 73 violência e, 11, 16-7, 148 Israel,73, 137-42 românticos sobre o, 82-3
nazismo Ocidente Líbano, 73 Reforma, 12, 13, 16-7
empréstimo por parte dos "ocidentoxicação", 34, 57-8, 109, Síria, 143, 144, 145 146 religião
japoneses, 144 114 Turquia, 112, 148 Estado Xintoísta, 13, 66-7, 101,
filmes de Riefensthal, 8-9 antiamericanismo no ódio ao, 14-5 108-9
Fiihrerprinzip, 93 associado à imoralidade sexual, extremismo no ocidentalismo, 17
heroísmo vicário no, 74-5 112-6 p ocidentalismo religioso, 101-35
Hitler, 13,39, 50-I, 59 associado à modernidade, 8 retirada da esfera pública, 126-7
modelo para os árabes, 143 associado ao colonialismo, 9 Pahlevi, Mohammad Reza, 115 secularização, 19, 111-3
objetos de ódio do, 38-9 ataque da Alemanha nazista ao, 39 Pahlevi, Reza xá, 116, 143 separação entre Igreja e Estado,
sobre a vontade, 92-3 como civilização-máquina, 9, 13, Palácio Cristal (Londres), 98-9 12-3
sobre Berlim, 33-4 25,36,43 palestinos, 73, 138 sobre a desumanidade das
sobre os judeus e a constituição como menos que humano, 120, pan-arabismo, 62, 145 cidades, 24-7
pangermanismo, 25, 27, 28, 33 solução para o ocidentalisrno,
de Weimar, 38 131
Paquistão, 121, 122 148-9
Nietzsche, Friedrich, 64, 70, 92, 94 como secular, 110-2, 113-4
Paris, 46-8 racionalismo e, 94-5, 102
niilismo, 96 delicadeza atribuída ao, 53
penteadõs, 112 Ver também Cristianismo; Islã;
Nishitani Keiji, 12 empréstimo chinês de idéias do,
Phnorn Penh, 46-8 judeus
Nova York 42-3
Pisarev, Dmitri, 96 Roma, 24, 33
associada aos judeus, 33 empréstimos russos ao, 83-4, 87-8 românticos
Qutb sobre, 36-7 favelas como conseqüência da Plotino,77
Pol Pot, 47, 144 aversão a aspectos da cultura
como capital do império ocidentalização, 36 ocidental, 11
americano, 26-7 idéia protetora do, 146-7 progresso, 16,38,98, 143
Índice Remissivo 165
164 Ocidentalismo

",
Grupo Romântico japonês, 7
na França e na Inglaterra, 56
preocupação islâmica com a,
127-33
russos alegando todas as invenções,
84
w
uso pelos revolucionários Wagner, Richard, 27-8
nostalgia dos, 81 Qutb sobre os americanos, 36-7,
117-8 íslârnicos, 144
sobre o pensamento intuitivo, 78 Wahhabismo, 133-5
sobre o racionalismo, 82-3 temor de Atta, 20-1 Tocqueville, Alexis de, 58, 59, 60, Weimar República de, 38, 39, 75
Ver também Romantismo alemão sexualidade 66 World -frade Center <TorresGêmeas),
Romantismo alemão aversão a licenciosidade sexual, 11 Tóquio, 34, 35, 36, 67 19,20,23, 26
Husri influenciado pelo, 145-6 corpo visto como corrupto, 108 Tolstoi, Leon, 10,83,88
oposição à cultura francesa, 41-2, licenciosidade na Babilônia, 22 Trostki, Leon, 40
55,79-80
pensamento russo enraizado no,
preocupação islâmica com a,
127-33
Tsumura Hiedo, 8
Turgenev, lvan, 96
x
79,80-1,83-4 Ver também sexualidade feminina Turquia, 112, 148 Xangai, 45,51
visão orgânica da sociedade no, sharia, 120, 133 Xintoísta, Estado, 13, 66-7, 101,
90-1,145 Shari' ati, Ali, 109- 11, 144-5
roupas, 112-3, 115-6 Síria, 143, 144, 145, 146 u 108-9

RSS, 69 soberba, 21, 22, 104


Rússia, 8-99 socialismo Unidade de Deus (Tawhid>,122,
alma russa, 78-9, 82 baathismo como, 146 123, 124, 133
associada ao ocidentalismo, 83, 86 como rival do Islã revolucionário,
conversão ao Cristianismo, 84 117-8
empréstimos tomados ao
Ocidente, 83-4, 87-8
de Herzl, 137
Shari'ati e Islã, 144-5
v
eslavófilos, 79, 82, 89-93, 94, 102 socialismo estatal, 44, 113, 117, Vergês, [acques, 59-60
filosofia e literatura como 119,143 véu, 112, 115, 129-30, 132
substituos à política na, 80 Vergês sobre a social-democracia, Voltaire, 29-30
guerra sino-russa, 9-10 59-60
influência do romantismo Ver também marxismo
alemão na, 78-9, 80-1, 83-4 Sornbart, Werner, 56-7, 58, 61
liberalismo na, 78 Stálin, [oseph, 13, 59,84
nativistas versus ocidentalizados suicídio
na, 87 cometido pelos Assassinos, 72
niilismo, 96 homens-bomba, 73,99, 138
purismo no pensamento da, 80 karnikazes, 54, 63-70
reformas políticas nos anos de ritual japonês, 67-8, 70
1860,94
seriedade moral na, 82
T
5 Taleqani, Sayyid Muhamud, 115
Talibã, 48, 53, 130
Sarajevo, 49 T chernichevski, Nikolai, 97
Sasaki Hachiro, 70 tecnologia
Schelling, Friedrich Wilhelm, 90-1 desenvolvimento japonês de
secularização, 110-13
separação entre Igreja e Estado,
tecnologia ocidental, 9
e secularização, III
" .
12-3 o Ocidente visto como bom
sexualidade feminina apenas para o desenvolvimento
imagem da metrópole-meretriz, 24 de, 77
minissaias, 34 rejeição da moderna tecnologia
na Babilônia, 22 por Leontiev, 94

Você também pode gostar