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O sertão foi caracterizado por Kátia Mattoso como uma região posterior ao
agreste, distante e seco (MATTOSO, 2004, p. 62). A extensão do sertão baiano, bem
como sua diversidade cultural, nos habilita a pensar nesse espaço de forma plural com
experiências históricas, sociais e culturais em comum em alguns aspectos e peculiares
em outros. Devido a tal diversidade e multiplicidade de denominações o termo sertão
fica mais apropriado quando utilizado no plural: sertões.
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Cabe registrar o alerta feito por Paulo Roberto Baqueiro Brandão ao nos informar que “os termos
Região Oeste da Bahia e Oeste Baiano não devem guardar equivalência conceitual. Se o primeiro, com
seus 22 municípios constantes, faz referência a uma das regiões componentes da divisão econômica do
estado, como o querem organismos estatais do quilate do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas e
da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, o segundo designa todo o território à
esquerda do Rio São Francisco, onde estão localizados 35 municípios baianos, em uma área de pouco
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mais de 183 mil km .” (2009, p. 48)
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Segundo Antonio Fernando Guerreiro de Freitas, o conceito de Oeste da Bahia é melhor aplicado a
partir do meado do século XX. Até então, Sertão do São Francisco é mais apropriado historicamente. Ver
FREITAS, 1999 (a), p. 59.
Antes da independência, esta região já vivenciava diversos contatos e conflitos. As
disputas não estavam apenas relacionadas sobre a posse da grande vastidão de terra, mas
também, no próprio contato entre europeu e indígenas. Posteriormente, escravos,
africanos ou nascidos no Brasil, passaram a fazer parte da composição social da região.
Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, como temos referido, quase todo pertence
a duas das principais famílias da mesma cidade [da Bahia], que são a da Torre, e
a do defunto mestre de campo Antônio Guedes de Brito. Porque a casa da Torre
tem duzentas e sessenta léguas pelo rio de São Francisco, acima à mão direita,
indo para o sul, e indo do dito rio para o norte chega a oitenta léguas. E os
herdeiros do mestre de campo Antônio Guedes possuem desde o morro dos
Chapéus até a nascença do rio das Velhas, cento e sessenta léguas. E nestas
terras, parte os donos delas têm currais próprios, e parte são dos que arrendam
sítios delas, pagando por cada sítio, que ordinariamente é de uma légua, cada
ano, dez mil réis de foro. (ANTONIL, 1711, 186)
Erivaldo Neves observou que afirmações de Antonil acerca do protagonismo dos
Guedes de Brito e dos Ávila na ocupação do Oeste baiano, apesar de reproduzidas por
outros autores, carecem de comprovação documental (NEVES, 2012, 56). Registros
custodiados do Arquivo Ultramarino de Lisboa, não obstante, apontam que exatamente
trinta e cinco anos antes da publicação do livro de Antonil o desembargador Sebastião
Cardoso de Sampaio apresentou informações que podem respaldar as afirmações do
jesuíta. Dois manuscritos enviados ao Conselho Ultramarino de Lisboa permite-nos
mapear parte do processo de colonização do rio São Francisco e do Oeste baiano, ainda
nos seus primóridos, indicando os limites então alcançados pela empresa colonial.
Decerto, na segunda metade do século XVII, não havia força militar para
impedir que os dois potentados familiares da Bahia cruzassem o rio São Francisco e
mesmo os guerreiros xacriabás, acroás e aricobés não lhes podia impedir a conquista da
região. A única mão que poderia exercer controle administrativo sobre as duas
poderosas famílias seria a própria monarquia de Portugal, por meio do seu aparato
jurídico e administrativo. É possível, ainda que exija mais estudos para ser comprovado,
que esse silêncio em torno das propriedades no Oeste baiano decorra justamente dos
protestos junto a Coroa portuguesa, a exemplo do que fez o desembargador Sampaio,
contra o imenso acúmulo de sesmarias por aquelas duas famílias.
Antonil, além de revelar a existência dos currais, também registrou as rotas para
transportar o gado do atual Oeste baiano para o Recôncavo. Diz o jesuíta que “não
somente de todas estas partes e rios já nomeados vêm boiadas para a cidade e
Recôncavo da Bahia, e para as fábricas dos engenhos, mas também do rio Iguaçu, do rio
Carainhaém, do rio Corrente, do rio Guaraíra, e do rio Piagui Grande, por ficar mais
perto, vindo caminho direito à Bahia, do que indo por voltas a Pernambuco”.
(ANTONIL, 1711, 184-185). A toponímia atual desses rios pode ser substituída,
respectivamente, por rio Grande, rio Carinhanha, rio Corrente, rio Guará e rio Piauí, este
último situado no sul do Piauí. O jesuíta também cita o rio Preto, afluente do rio
Grande, como fornecedor de gado para o Recôncavo baiano. Assim, conforme Antonil,
as rotas entre os currais do território atual do Oeste baiano ligavam-se, por meio de
Jacobina, ao litoral da Bahia. O jesuíta calculou apenas para a região do Rio Grande a
existência de 30 mil cabeças de gado, alcançando toda a capitania da Bahia cerca de
meio milhão. É possível afirmar que o gado foi o primeiro elemento econômico a
integrar a Capitania da Bahia de contra-costa, ligando o Recôncavo, a região central e os
territórios oestinos, além do São Francisco.
Foi esse elo econômico entre o cerrado e o litoral que estimulou e possibilitou o
início da presença do Estado português no atual território do Oeste baiano. O rei de
Portugal D. Pedro II (1683-1706) enviou ao Governador do Brasil, D. João de
Lancastre, a Carta Régia de 2 de dezembro de 1698, na qual determinou a criação de
três arraiais naquela região. Deve-se observar que a carta não se dirigiu ao governador
da capitania de Pernambuco, mas ao governo-geral, então sediado na Bahia. Diz a Carta
que:
Também, por volta de 1700, outras rotas começaram a ser estabelecidas. Ângelo
Carrara apresentou a hipótese de que o extremo sul do Piauí, o Oeste baiano e o
noroeste de Minas Gerais formavam um só espaço econômico, cuja ocupação teria
começado em torno da produção de ouro em Goiás (CARRARA, 2007, 142). Essa
hipótese carece de fundamentos documentais, mas o caminho foi o mesmo percorrido e
registrado pelo jesuíta Jacobo Cocleo em torno de 1698, que desenhou um valioso mapa
da região no fim do século XVII, servindo, possivelmente, como fonte de informações
para Antonil. Em 1701, o coronel Antonio Vieira assinalou ao governador D. João de
Lencastre a necessidade de criar outro posto de coronel para atender as demandas do
Estado português nas vastidões do rio São Francisco, indicando contínua expansão do
processo de colonização (AHU, Bahia, Eduardo Castro, cx. 3, doc. 308, 19/01/1701).
Na Missão do Juazeiro para cima, fora do Rio de São Francisco, de uma, e outra
parte há muitas salinas de sal, muito maior número da parte de Pernambuco até a
Freguesia de Campo Largo que se extrema com esta. Este sal faz com que estas
Freguezias sejão abundantíssimas de comércio, por quanto vem buscarem os habitantes
da Comarca de Goyazes, Paracatu, Gerais, Serro, Minas Novas de Fanado, Rio de
Contas, Jacobina e todos os sertões vizinhos que conduzem o dito sal pelo rio acima em
muitas barcas e canoas grandes de velas, e pela terra em cavalgaduras, por vir a
nascença deste rio, acima dos Gerais (Apud, PITTA, 2005, 18).
Assim, enquanto a civilização que se desenvolveu no litoral era sustentada pelo
açúcar, a civilização que se desenvolvia no eixo do Rio São Francisco era sustentada
pelo sal. O comércio do sal e seu transporte foi descrito, por volta de 1820, pelos
naturalistas alemães Johan von Spix e Carl F. Philips von Martius. Daí o autor
ribeirinho Wilson Lins afirmar, acertadamente, que o sal está na base da culinária da
civilização que se desenvolveu no Rio São Francisco e seus afluentes (LINS, 1983, 39).
Foi necessário mais de meio século para que o Rio São Francisco, então
negligênciado pela política portuguesa, voltasse a merecer alguma atenção por parte dos
dirigentes coloniais. Em 1820 foi criada a Comarca do São Francisco, ainda sob
jurisdição da capitania de Pernambuco (JCBL, Alvará de 03 de junho 1820), a qual
pertenceu até 1824. A perda do território foi analisada com Lina Maria Brandão de Aras
como parte das punições impostas pelo Estado Imperial recém independente e
preocupado com a manutenção da unidade territorial.
A presença africana nesta região também foi significativa. Segundo Pinho (2001,
p. 60-61) os viajantes Spix e Martius, quando estavam em Malhada (próximo de
Urubu), foram alertados sobre os perigos e aconselhados a não seguirem viagem por
causa da “festa em homenagem à Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos pretos e
mulatos, que tinha como sacerdote, um igual de cor, pois nestas ocasiões os negros
costumavam atacar a todos que por ali passavam.”
Angelo Alves Carrara informa que entre as décadas de 1820 e 1870 a população
escrava em algumas partes do sertão do São Francisco sofreu uma queda (CARRARA,
2006, p. 267 – 268). Para Teodoro Sampaio a exportação de escravos serviu para os
senhores pagarem dívidas (SAMPAIO, 2002, p. 142). A redução da mão de obra
escrava relatada com Carrara e Sampaio coincidiu com a ascensão da economia cafeeira
no centro-sul brasileiro. Segundo Pinho a região do sertão do São Francisco acabou se
integrando no circuito do tráfico interno através da venda de muitos escravos para o
centro-sul. Além disso, o tráfico interno conviveu com o tráfico clandestino promovido
por proprietários que vendiam escravos de modo a burlar o pagamento de impostos
(PINHO, 2001, 63).
A meação foi, portanto, uma das formas adotada de trabalho tanto para o ex-
escravo, quanto para a grande massa de trabalhadores sem qualificação que
migrara, buscando condições de sobrevivência, mas estes não se convertiam
apenas em meeiros, tornavam-se agregados e, entregues ao desespero e à fome,
submetiam-se a uma condição de sobrevivência, destacando-se em serviços de
lavoura e criação. (Id. p. 67)
Segundo Napoliana Santana a documentação analisada sobre a presença escrava
em Urubu não revelou a presença do feitor, permitindo a pesquisadora concluir que
“Senhor e escravo mantinham relações diretas e, muitas vezes, intensas, gestadas no
cotidiano.” (SANTANA, 2012, p. 32)
Uma região dominada pela grande propriedade, mas onde os seus próprios donos
não sabiam precisar o seu real tamanho, delimitá-la, construir cercas que
marcassem os seus domínios. A relação entre custo e valor da terra inibia
qualquer iniciativa nesse sentido. Essa atitude, entretanto, não deve ser entendida
como ausência ou desinteresse. A terra, apesar de “livre”, tinha dono, e todos
sabiam e respeitavam. Os seus “senhores”, contemporaneamente indicados
como “coronéis”, construíram e demarcaram um conjunto de relações que os
tornaram proprietários do público e do privado, encarados como um conjunto,
administrados como se assim fosse. (FREITAS, 1999 (a), p. 60 – 61)
Segundo Freitas, os potentados locais controlavam não só a vida econômica
como os costumes, as leis e juntavam o público e o privado de modo a atender seus
interesses. Com o predomínio de um cenário rural as atividades agrícolas, pastoris e
extrativistas centralizavam as relações econômicas e de trabalho. Numa sociedade
marcadamente machista cabia ao homem o universo externo ao lar através das
ocupações com as atividades citadas e à mulher cabia o universo interno e
complementares das atividades marcadamente, nesta sociedade, masculinas (Id. p. 61 –
63). A população vivia da “multiplicidade de produtos agrícolas, uma pecuária de
pequeno porte e seus derivados, além da atividade extrativa, com destaque para a
exploração da cera de carnaúba.” (Id. p. 63).
No que concerne à presença incontestável dos negros, Dutra (2004) tece críticas
contundentes à historiografia brasileira e baiana, que por muito tempo relegou ao
segundo plano a presença negra na região, e, só mais recentemente alguns estudos, de
uma forma quase artesanal, conseguiram dar vida aos sujeitos históricos envolvidos
diretamente nesse processo. Para Pinho (2001), o imbróglio do negro deve-se, também,
à atenção centrada, tão-somente, ao Recôncavo e Salvador, a capital do Estado. Assim,
as demais regiões ficaram às expensas das lacunas da formação socioeconômica.
1. BARRA
Situada nos limites ocidentais do Sertão de Rodelas, a vila de Barra foi criada no
ano de 1752, por Resolução Régia, contituíndo-se no primeiro núcleo de colonização
com o status de vila no Oeste baiano. A vila de São Francisco das Chagas da Barra do
Rio Grande do Sul, conforme foi primitivamente denominada, serviu como cabeça-de-
ponte do governo colonial. Foi por meio da vila Barra que o Estado português se fez
presente no médio São Francisco. Principal eixo político e comercial da região, a
referida vila foi descrita no inicio do século XIX como “abastada de carne, peixe, com
algum comércio e o numero total dos Parroquianos incluido em mil e trinta e seis
famílias”. Além de entreposto comercial, o cronista português Manoel Aires do Cazal
descreve Barra em 1817 como importante pólo piscatório (CAZAL, 1817, 2, 189). Sua
crescente população e importância política, já então sob governo da Província da Bahia,
foi assinalada por um cronista que afirmou ser Barra “a passagem do rio de S. Francisco
e muito frequentada” (SAINT MILLIET, 1845, 1, 21).
Barra foi a mais cosmopolita das vilas são franciscanas no século XIX. Segundo
Wilson Lins, enquanto as demais vilas estabelecidas ao longo do São Francisco
desperdiçavam vidas humanas em intermináveis conflitos familiares derivados de uma
decadente aristocracia colonial, a vila de Barra manteve-se ao largo destas disputas pelo
controle da região, mantendo uma política mais pacífica (LINS, 1983, 61-62). Ainda na
primeira metade dos oitocentos, Barra se destacava como importante centro cultural e
educacional. Das escolas de Barra emergiram figuras como as de João Maurício
Wanderley, que teve grande influência na política externa imperial, Francisco Bonifácio
de Abreu, introdutor dos estudos de quimica no Brasil e chefe do serviço médico do
Exército brasileiro na Guerra do Paraguai, além de, Abílio Cesar Borges, possivelmente
o mais influente educador brasileiro do século XIX.
No esteio das políticas públicas para a região Oeste, foi estabelecido o Núcleo de
Ensino Superior de Barreiras, criado pela Lei Estadual nº 85.718 de 1981, atualmente o
Departamento de Ciências Humanas (DCH) do Campus IX da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB). Em 2006, foi criado o Instituto de Ciências Ambientais e
Desenvolvimento Sustentável, unidade universitária avançada da Universidade Federal
da Bahia.
Com uma área de 4.115,524 km2, o município de Bom Jesus da Lapa está
situado a 789km de Salvador, da capital do Estado, na região Centro-Oeste do Estado da
Bahia, Zona Fisiográfica do Médio São Francisco, compreendida no território do
“Polígono das Secas”, fazendo fronteira com os territórios vizinhos de Paratinga,
Riacho de Santana, Sitio do Mato, Serra do Ramalho, Muquém do São Francisco e
Malhada.
Por entre uma vasta planície do sertão baiano, na microrregião do Médio São Francisco,
à sua margem direita, surge um imponente e vistoso bloco de granito e calcário cheio de
grutas e fendas estreitas. É o morro da Lapa. Situado no perímetro urbano da sede com
93 metros de altura, 400 metros de largura e aproximadamente 1.000 metros de
extensão, o morro e suas grutas se constituem na principal atração da cidade. O
território do município é quase todo plano, surgindo, de vez em quando, no meio das
planícies ou tabuleiros alguns montes, de feições típicas, muito interessantes. O
principal deles é o morro da Lapa, com suas inúmeras grutas. (Fonte: IBGE, 2013)
MANUSCRITAS
LINS, Wilson. O Médio São Francisco. Uma Sociedade de Pastores Guerreiros. São
Paulo: Ed. Nacional, 1983. 3 ed.
PITTA, Ignez. Barreiras, uma história de sucesso. Resumo didático desde as origens
até 1902. Barreiras: Cangraf, 2005.
PITTA, Ignez. Padre Vieira: um marco novo para a religião, cultura e educação de
Barreiras. In. SILVA, D. Josafá M. da; PORTELA, Adriano. Padre Vieira: missionário,
construtor e educador em Barreiras. Salvador: EGBA, 2015.
SANTOS, Clóvis Caribé Menezes dos. Oeste baiano: ocupação econômica, formação
social e modernização agrícola. In NEVES, Erivaldo Fagundes. Sertões da Bahia:
formação social, desenvolvimento econômico, evolução política e diversidade cultural.
Salvador: Arcádia, 2011.
SILVA, Rafael Sancho Carvalho da. “E de mato faria fogo": o banditismo no sertão do
São Francisco, 1848 – 1884. 2011. 148 f. Dissertação (mestrado em História),
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
SIMÕES, Maria Lúcia; MOURA, Milton. Proálcool despeja morte no Rio São
Francisco. Caderno do CEAS. Nº 93. Setembro/outubro de 1984.